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7 Liberté + Egalité + Fraternité REPUBLIQUE FRANGAISE Bate livro, publicado no ambito do Ano da Franga no Brasil ¢ do programs de iuaxilio A publicagio Carlos Drummond de Andrade, contou com 0 apoio do Ministério Francés das Relagies Exteriores e Enropeias. i Ano ch Franga no Brasil 21 de abril 15 de over Te: bo) € organizado, na Francs, pelo Comissariado N Geral Francés, pelo Ministério das Relagdes‘Exte- riores e Europeas, pelo Ministerio da Caltora e da Comunieago por Cale yelo Comissariado Geral Brasileiro, pelo Ministério da Cultura e pelo Ministério das Relagdes Exteriores & Branenis, le Ministdve des Affaires Etrangeres et Euro~ JEAN DELUMEAU HISTORIA DO MEDO NO OCIDENTE 1300-1800 Uma cidade sitiada Traducao Maria Lucia Machado ‘Tradugio de notas Helofsa Jahn Capitulo 3. 641 Capitulo 4 648 Capitulo § 653 Capitulo 6 656 Capitulo 7 662 Capitulo 8 665 Capitulo 9 669 Capitulo 10 673 Capitulo 11 680 Capitulo 12 685 Conclusio 689 Sobre 0 autor 695 INTRODUGAO O HISTORIADOR EM BUSCA DO MEDO 1, O SILENCIO SOBRE O MEDO. No século XVI, nio é fécil entrar 4 noite em Augsburgo. Montaigne, que visita a cidade em 1580, maravilha-se diante da “porta falsa”, protegida por dois guardas, que controla os viajantes chegados depois do pér do sol. Estes deparam, antes, de tudo, com uma poterna que primeiro guarda abre de seu quarto, situado a mais de cem passos dali, por intermédio de uma corrente de ferro, a qual puxa uma pega também de ferro “por um caminho muito longo e cheio de curvas”, Passado esse obstéculo, a porta volta a fechar-se bruscamente. O visi- tante transpée em seguida uma ponte coberta situada sobre tum fosso da cidade e chega a uma pequena praca onde declara sua identidade e indica o endereco que o alojaré em Augsburgo. O guarda, com um toque de sineta, adverte entio seu compa- nheiro, que aciona uma mola situada numa galeria proxima ao seu aposento, Essa mola abre em primeiro lugar uma barreira ¢ de ferro — e depois, com ausilio de uma grande roda, comanda a ponte levadiga “sem que nada se possa perce: ber de todos esses movimentos, pois siio conduzidos pelos pe- sos do muro e das portas, ¢ subitamente tudo isso volta a fe- — sem char-se com grande ruido”. Para além da ponte levadica bre-se uma grande porta, “muito espessa, que é de madeira e reforcada com varias grandes liminas de ferro”. Através dela 0 estrangeiro tem acesso a uma sala onde se vé encerrado, s6 ¢ sem luz, Mas outra porta semelhante & precedente permite-Lhe entrar numa segunda sala em que, desta vez, “h ele descobre um vaso de bronze que pende de uma corrente. Deposita ai o dinheiro de sua entrada, O (segundo) porteiro puxa a corrente, recolhe 0 vaso, v luz”, e onde rifiea a soma depositada i pelo visitante, Se nio ests de acordo com a tarifa fixada, porteiro 0 deixa “de molho até o dia seguinte”. Mas, se fica satisfeito, “abre-lhe da mesma maneira mais uma grossa porta semelhante as outras, que se fecha logo que passa, ¢ ei-lo na cidade”. Detalhe importante que completa esse dispositivo 20 mesmo tempo pesado ¢ engenhoso: sob as salas ¢ as portas existe “um grande porio para alojar” quinkentos homens de armas com seus cavalos, no caso de qualquer eventualidade. Se for necessirio, sio enviados para a guerra “sem a chancela do povo da cidade”, Precaugdes singularmente reveladoras de um clima de in- seguranca: quatro grossas portas sucessivas, uma ponte sobre um fosso, uma ponte levadica nio parecem excessivas para proteger contra qualquer surpresa uma cidade de 60 mil habi- tantes que é, na época, a mais povoada © a mais rica da ‘Alemanha, Num pais atormentado por querelas religiosas ¢ num império cujas fronteiras so rondadas pelos turcos, todo ngeiro € suspeito, sobretudo 4 noite. Ao mesmo tempo, -se do homem “comum” cujas “emogGes” sio impre- visiveis e perigosas, Assim, dé-se um jeito para que no perce- ba a auséncia dos soldados habitualmente estacionados sob 0 dispositive complicado da “porta falsa”. No interior desta, empregaram-se os tltimos aperfeigoamentos da metalurgia alema da época; gracas a isso, uma cidade particularmente cobicada consegue, se nao afastar completamente 0 medo para fora de seus muros, a0 menos enfraquecé-lo 0 suficient® para que se possa viver com ele, Os complicados mecanismos que outrora protegiam os habitantes de Augsburgo tém valor de simbolo, Pois nao s6 os individuos tomados isoladamente, mas também as coletividades ¢ as proprias civilizagdes estio comprometides mum dilogo permanente com o medo. No entanto, até o momento, a histo- Fiogratia pouco estudou 0 passado sob esse Angulo, a despeito do exemplo preciso — e muito esclarecedor — fornecido por 2 G. Lefebvre e dos votos expressos sucessivamente por ele ¢ por L. Kebvre. O primeiro escrevia, ji em 1932, em sua obra consa- grada ao Grande Medo de 1789: “No decorrer de nossa histéria houve outros medos antes e apés a Revolucio; houve medos também fora da Franca. Nao poderiamos encontrar-lhes um trago comum que langaria alguma luz sobre o de 17892". Fazendo-Ihe eco, L.. Febvre, um quarto de século mais tarde, esforgava-se por sua vez cm engajar 08 historiadores nese ca- minho, balizando-o com grandes tragos: Nao se trata [...] de reconstruir a historia a partir da exclusi- va necessidade de seguranga — como G, Ferrero estava ten- tado a fazer a partir do sentimento do medo (no fundo, de resto, os dois sentimentos, um de ordem positiva, © outro de ordem negativa, nao acabam por encontrar-se?) — trata-se essencialmente de colocar em seu lugar, digamos, de restituir scu quinhao legitimo a um complexo de senti- mentos que, considerando-se as latitudes e as épocas, nfo pode deixar de desempenhar um papel capital na historia das sociedades humanas para nés préximas ¢ familiares." I. a esse apelo que tento responder por meio da presente obra, precisando desde o inicio trés limites de meu trabalho. O primeiro é aquele mesmo tragado por L, Febvre: nao se trata de reconstruir a histéria a partir do “exclusive sentimento de medo”. Tal redugio das perspectivas seria absurda, e é sem diivida demasiadamente simplista afirmar com G. Ferrero que toda civilizagao € 0 produto de uma longa luta contra o medo. Portanto, convido o leitor a lembrar-se de que projetei sobre o passado certo enfogue, mas de que hé outros, possiveis e dese- jiveis, suscetiveis de completar ¢ de corrigir 0 meu. As duas outras fronteiras sio as de tempo ¢ espaco. Busquei meus exemplos, de preferéncia — mas nem sempre — no periodo que vai de 1348 2 1800 no setor geogritico da humanidade ocidencal, a fim de dar coesio ¢ homogeneidade a minha expo- sigao e de nao dispersar a luz do projetor sobre cronologia e 2B

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