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RBGEA
REVISTA BRASILEIRA DE
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
E AMBIENTAL
REVISTA BRASILEIRA DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL
Publicação Científica da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Editor
Lázaro Valentim Zuquette – USP
Co Editor
Fernando F. Kertzman – GEOTEC
Revisores
Antonio Cendrero – Univ. da Cantabria (Espanha)
Alberto Pio Fiori - UFPR
Candido Bordeaux Rego Neto - IPUF
Clovis Gonzatti - CIENTEC
Eduardo Goulart Collares – UEMG
Emilio Velloso Barroso – UFRJ
Fabio Soares Magalhães – BVP
Fabio Taioli - USP
Frederico Garcia Sobreira - UFOP
Guido Guidicini - Geoenergia
Helena Polivanov – UFRJ
Jose Alcino Rodrigues de Carvalho – Univ. Nova de Lisboa (Portugal)
José Augusto de Lollo - UNESP
Luis de Almeida Prado Bacellar – UFOP
Luiz Nishiyama - UFU
Marcilene Dantas Ferreira - UFSCar
Marta Luzia de Souza – UEM
Newton Moreira de Souza – UnB
Oswaldo Augusto Filho – USP
Reinaldo Lorandi – UFSCar
Ricardo Vedovello – IG/SMA
Foto da Capa
Obras do Rodoanel trecho sul, nas proximidades da represa Billings.,
tirada em 08 de julho de 2008 . Fabrício Araujo Mirandola - IPT
Edição Especial
Tiragem: 2.500
ISSN 2237-4590
São Paulo/SP
Novembro/2011
Av. Prof. Almeida Prado, 532 – IPT (Prédio 11) 05508-901 - São Paulo - SP
Tel.: (11) 3767-4361 - Telefax: (11) 3719-0661 - E-mail:abge@ipt.br - Home Page: http://www.abge.com.br
CONSELHO DELIBERATIVO
Elaine Cristina de Castro, Elisabete Nascimento Rocha, Fabio Canzian da Silva, Fabrício Araújo Mirandola, Fer-
nando Facciolla Kertzman, Fernando Ximenes T. Salomão, Gerson Almeida Salviano Filho, Ivan José Delatim,
Kátia Canil, Leonardo Andrade de Souza, Luiz Antonio P. de Souza, Luiz Fernando D’Agostino, Marcelo Fis-
cher Gramani, Newton Moreira de Souza, Selma Simões de Castro.
REPRESENTANTES REGIONAIS UF
ROBERTO FERES AC
HELIENE FERREIRA DA SILVA AL
JOSÉ DUARTE ALECRIM AM
CARLOS HENRIQUE DE A.C. MEDEIROS BA
FRANCISCO SAID GONÇALVES CE
NORIS COSTA DINIZ DF
JOÃO LUIZ ARMELIN GO
MOACYR ADRIANO AUGUSTO JUNIOR MA
ARNALDO YOSO SAKAMOTO MS
KURT JOÃO ALBRECHT MT
CLAUDIO FABIAN SZLAFSZTEIN PA
MARTA LUZIA DE SOUZA PR
LUIZ GILBERTO DALL’IGNA RO
CEZAR AUGUSTO BURKERT BASTOS RS
CANDIDO BORDEAUX REGO NETO SC
JOCÉLIO CABRAL MENDONÇA TO
APRESENTAÇÃO
9 BOÇOROCAS
Ernesto Pichler (In memorian)
RESUMO ABSTRACT
O presente trabalho visa apresentar um pequeno It is the purpose of this paper to present some results
estudo sobre a forma de erosão denominada “boço- of studies made about a certain form of erosion called
roca”. Baseia-se o autor tanto em observações feitas “boçoroca’’. The author, taking in account observations
por outros quanto nas próprias e procura analisar os made on the subject by others as well as his own, tries to
describe some aspects of the occurrence and formation
diversos aspectos da sua ocorrência, formação, assim
of “boçorocas”. Some means to circumscribe or stabilize
como alguns meios suscetíveis de circunscrever a es- that form of erosion are presented. A number of pho-
tabilizar o fenômeno - o trabalho acompanhado por tographs showing characteristic aspects of “boçorocas”
documentário fotográfico que permitirá melhor apre- will permit a better understanding of the character and
ciação do mesmo. extension of this form of erosion.
1 INTRODUÇÃO
9
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
A profundidade vai de 15 a mais de 30 me- das referidas regiões pelos primeiros coloniza-
tros e em comprimento podem alcançar várias dores. Não resta a menor dúvida, como se pro-
centenas de metros. Por vezes observam-se rami- curará, demonstrar mais adiante, que em grande
ficações em todos os sentidos, podendo estender- número de casos o elemento humano pode ser
se por áreas superiores a 1 km² como na proximi- responsabilizado, ou que pelo menos contribuiu
dade do Aeroporto de Mococa. Durante o período para a formação das boçorocas. Distinguem-se,
da estiagem o fundo do vale apresenta-se seco, de acordo com o estado de evolução que atraves-
pelo menos numa certa distância da sua raiz, po- sam as boçorocas vivas e as boçorocas mortas. As
dendo-se passar por al. Mas em época de chuva, primeiras apresentam erosão intensiva durante e
ou a uma certa distância da cabeceira, o fundo do logo após a época da chuva e nenhuma ou pou-
vale e geralmente tão mole que não permite pas- quíssima vegetação nos barrancos que formam o
sagem por ai sem perigo de afundar-se. vale. Quando, por um motivo qualquer, diminui
Quanto ao crescimento ou propagação das a erosão e os barrancos começam a cobrir-se de
boçorocas os dados que se obtêm são bastante plantas, a boçoroca entra em estado de senilidade,
confusos e pouco dignos de crédito. No caso das morrendo dentro de pouco tempo; isto é, a erosão
boçorocas da Casa Branca afirma-se serem re- cessa pouco a pouco e os taludes e fundo do vale
centes, tendo aparecido depois de instalada par passam a cobrir-se com a vegetação característica
D. João VI, naquela localidade, então fundada, a da região. As fotografias das figs. 2, 3, 4, 5, 6 e 7
primeira colônia de ilhéus. Outras, como a obser- apresentam diversos aspectos de boçorocas.
vada par Setzer, não tinha, segundo aquele autor,
mais do que dez anos, podendo ser considerada
coma recentíssima. De um modo geral, entretanto 3 FORMAÇÃO
é difícil estabelecer com certo rigor o seu início. To-
das as observações feitas indicam, contudo que o A formação das boçorocas pode ser atribuída
seu aparecimento coincide com o desbravamento ou, simplesmente, a erosão superficial, ou ainda,
10
Boçorocas
o que parece ser mais comum, à ação conjunta da ‘‘A energia que mantém a água do subsolo em
erosão superficial e erosão subterrânea. As duas movimento, necessária para vencer o atrito inter-
no e que resulta da própria viscosidade, é forne-
modalidades adquirem aspecto semelhante e são, cida pela diferença de carga entre o local da to-
como se observa nas figs. 2 a 7 de difícil diferen- mada e o da descarga. De um modo geral, toda
ciação. Não se observa, no caso das boçorocas pro- partícula de água da zona de saturação move-se
venientes essencialmente da erosão superficial, de um ponto qualquer da zona de tomada, onde
o lençol freático, para um ponto onde a água e
a separação em camadas arenosas distintas pela descarregada por uma nascente, por evaporação,
interposição de uma camada argilosa. Quando par absorção pelas raízes das plantas ou ainda par
essa camada existe, a erosão subterrânea adqui- intermédio de um poço do qual é retirada. O ca-
re importância predominante podendo mesmo minho que esta partícula de água percorre, pode
ser simples e curto, nunca indo muito abaixo da
ser responsabilizada pela maioria das boçorocas
superfície do lençol freático, mas pode também
existentes. Levando-se em consideração a ação percorrer muitas e mesmo centenas de quilôme-
isolada de cada uma das formas de erosão e a sua tros por caminhos tortuosos indo à profundidade
ação em conjunto, tentar-se-á estudar as mesmas de centenas de metros de acordo com o relevo do
sob suas diversas formas de manifestação. A ero- terreno, a estratigrafia e estrutura das rochas e ou-
tras condições”.
são superficial efetua-se ou ao longo de uma linha
topograficamente favorável, ou então, o que pare-
ce ser aqui geral, ao longo de cortes artificiais no
terreno, sob forma de valas de divisa do terreno
ou estradas de carro de boi não estabilizadas. A
intensidade com que a erosão neste caso progride
depende essencialmente de três fatores:
1º) da resistência que a formação geológica opõe
ao seu desagregamento e transporte.
2º) da força viva da água dependente da vazão e
do gradiente hidráulico.
3º) das condições topográficas e do nível de base
local.
O primeiro fator é evidentemente função da
Figura 2 – Boçoroca perto de Cajuru, em formação subordi-
estrutura e mais ainda da textura do solo. Um nada a Série de S. Bento – erosão superficial predominante.
terreno siltoso ou arenoso como o que constitui
a camada superior das formações geológicas em
questão, onde é reduzido o poder aglutinante da
argila presente, oferece pequena resistência à ero-
são. Desta maneira os sulcos, vales ou cortes, se
aprofundam com relativa rapidez formando vales
de forma triangular. Caso a resistência do fundo
do canal seja grande à erosão tende a progredir la-
teralmente, mas quando alcança a camada de ar-
gila, que neste caso oferece esta resistência maior,
a força viva da água já adquiriu um poder sufi-
ciente para vencê-la. Quando o terreno apresenta
em toda a profundidade uma resistência unifor-
me condicionada essencialmente à textura do sub-
solo, progride a erosão superficial, ou até atingir
o nível de base da erosão, ou então, até cortar o
nível do lençol freático do terreno.
Moinzer, estudando a descarga das águas
do lençol freático em seu recente trabalho sobre
“Production and Control of Ground Water, diz a Figura 3 – Boçoroca perto de Mococa, em formação subordinada
respeito o seguinte: a Série Itararé – Tubarão – erosão subterrânea predominante.
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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Boçorocas
Figura 7 – Boçoroca perto do Aeroporto de Mocóca em fran- Figura 9 – Aspecto do fundo da cabeceira de uma boçoroca.
co desenvolvimento.
Considerando um terreno regular, com um
rio por base da erosão, procurou-se reproduzir,
numa série de quadros representados na figura
12 a sequência dos fenômenos que dão origem as
boçorocas, sob sua forma mais completa, isto é,
quando tanto a erosão superficial como a erosão
subterrânea concorrem para a sua formação. Veri-
fica-se aí que a mesma é limitada em profundida-
de pelo nível da base da erosão, no caso, o nível do
rio. De início desenvolveu-se a boçoroca ao longo
do vale ou sulco principal quase sempre na direção
de uma dessas valas de divisa de início menciona-
das. À medida que evolui podem surgir desvios da
direção inicial e ramos de irradiação que por sua
vez evoluem e que às vezes podem adquirir um as-
pecto mais impressionante que o sulco principal.
Com o progresso dos diversos ramos a água do
subsolo começa a perder a sua força principal e a
boçoroca começa a ficar estacionaria. Os barrancos
começam a cobrir-se lentamente de vegetação, si-
nal que a boçoroca está envelhecendo. Quando o
sulco estiver coberto de vegetação a boçoroca esta-
rá morta. Pode ainda acontecer que durante certa
fase de evolução da boçoroca uma outra venha a
Figura 8 – Aspecto da cabeceira de uma boçoroca, notando-
formar-se a certa distância e a um nível mais baixo.
se a separação das camadas arenosas por uma camada de Neste caso as águas tendem a correr de preferência
argila siltosa (varvítica) para esse nível mais baixo e a primeira boçoroca
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
4 MEIOS DE COMBATE
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Boçorocas
maneira reduzir-se-á grandemente, senão por com- de erosão o que corresponderá, considerando o ní-
pleto, a ação da água subterrânea e a da superfície; vel do fundo da cabeceira da boçoroca, a aproxima-
a boçoroca extinguir-se-á. Um outro meio, levando damente 4 a 5 metros.
em consideração particularmente a ação perniciosa Haveria a considerar ainda, para o efeito do
da água do subsolo, seria a construção de um ou abaixamento do lençol freático o emprego do siste-
vários poços na cabeceira da boçoroca. Fazendo-se ma de ‘‘Wellpoints’’ que, conquanto mais caro, seria
escoar, por meio de uma bomba, a água que aflui de mais fácil instalação e permitiria melhor controle
nesses poços esta poderia perfeitamente utilizada do nível da água do subsolo em qualquer fase.
para fins de irrigação ou mesmo de abastecimento. Quando se trata de uma boçoroca de erosão su-
Desta maneira o lençol freático poderá ser abaixa- perficial com reduzida ação da água do subsolo, con-
do na zona interessada até o nível da base da ero- seguir-se-á estacioná-la o controle das águas que pos-
são, e a água do subsoIo cessará de ser prejudicial; sam acumular-se na superfície. Em todos esses casos
pois não havendo mais erosão subterrânea apenas de estabilização de taludes e vales de erosão há ainda
a erosão superficial, no caso de menor importância, a considerar o emprego de plantas de raízes profun-
precisa ser combatida e a boçoroca extinguir-se-á das tais como o bambu, sendo a plantação desses fi-
por si. Deveriam estes poços atingir uma profundi- xadores de terreno particularmente indicada quando
dade correspondente pelo menos ao nível da base uma boçoroca se acha em sua fase inicial.
PICHLER - BOÇOROCAS
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
PICHLER, Ernesto - Elementos básicos do Geologia VARGAS, Milton — Palestras sobre a aplicação da
Aplicada – Separata do Bolet’m do D.E.R. (Bols. Geologia e Mecânica dos Solos à Construção de Estra-
46-52) — São Paulo — 1949. das de Ferro, promovidas pela Comissão de Obras
Novas da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro em
SETZER, Jose - O Estado atual dos Solos do Municí- 1949.
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RBGEA
REVISTA BRASILEIRA DE
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
E AMBIENTAL
REVISTA BRASILEIRA DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL
Publicação Científica da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Editor
Lázaro Valentim Zuquette – USP
Co Editor
Fernando F. Kertzman – GEOTEC
Revisores
Antonio Cendrero – Univ. da Cantabria (Espanha)
Alberto Pio Fiori - UFPR
Candido Bordeaux Rego Neto - IPUF
Clovis Gonzatti - CIENTEC
Eduardo Goulart Collares – UEMG
Emilio Velloso Barroso – UFRJ
Fabio Soares Magalhães – BVP
Fabio Taioli - USP
Frederico Garcia Sobreira - UFOP
Guido Guidicini - Geoenergia
Helena Polivanov – UFRJ
Jose Alcino Rodrigues de Carvalho – Univ. Nova de Lisboa (Portugal)
José Augusto de Lollo - UNESP
Luis de Almeida Prado Bacellar – UFOP
Luiz Nishiyama - UFU
Marcilene Dantas Ferreira - UFSCar
Marta Luzia de Souza – UEM
Newton Moreira de Souza – UnB
Oswaldo Augusto Filho – USP
Reinaldo Lorandi – UFSCar
Ricardo Vedovello – IG/SMA
Foto da Capa
Obras do Rodoanel trecho sul, nas proximidades da represa Billings.,
tirada em 08 de julho de 2008 . Fabrício Araujo Mirandola - IPT
Edição Especial
Tiragem: 2.500
ISSN 2237-4590
São Paulo/SP
Novembro/2011
Av. Prof. Almeida Prado, 532 – IPT (Prédio 11) 05508-901 - São Paulo - SP
Tel.: (11) 3767-4361 - Telefax: (11) 3719-0661 - E-mail:abge@ipt.br - Home Page: http://www.abge.com.br
CONSELHO DELIBERATIVO
Elaine Cristina de Castro, Elisabete Nascimento Rocha, Fabio Canzian da Silva, Fabrício Araújo Mirandola, Fer-
nando Facciolla Kertzman, Fernando Ximenes T. Salomão, Gerson Almeida Salviano Filho, Ivan José Delatim,
Kátia Canil, Leonardo Andrade de Souza, Luiz Antonio P. de Souza, Luiz Fernando D’Agostino, Marcelo Fis-
cher Gramani, Newton Moreira de Souza, Selma Simões de Castro.
REPRESENTANTES REGIONAIS UF
ROBERTO FERES AC
HELIENE FERREIRA DA SILVA AL
JOSÉ DUARTE ALECRIM AM
CARLOS HENRIQUE DE A.C. MEDEIROS BA
FRANCISCO SAID GONÇALVES CE
NORIS COSTA DINIZ DF
JOÃO LUIZ ARMELIN GO
MOACYR ADRIANO AUGUSTO JUNIOR MA
ARNALDO YOSO SAKAMOTO MS
KURT JOÃO ALBRECHT MT
CLAUDIO FABIAN SZLAFSZTEIN PA
MARTA LUZIA DE SOUZA PR
LUIZ GILBERTO DALL’IGNA RO
CEZAR AUGUSTO BURKERT BASTOS RS
CANDIDO BORDEAUX REGO NETO SC
JOCÉLIO CABRAL MENDONÇA TO
APRESENTAÇÃO
9 BOÇOROCAS
Ernesto Pichler (In memorian)
RESUMO
A caracterização geomecânica preliminar do maciço granítico de fundação das estruturas de concreto, para o Projeto
de Viabilidade da UHE de Cachoeira Porteira, foi executada a partir de uma metodologia específica. Além das in-
vestigações convencionais, foram realizadas descrições quantitativas de descontinuidades em afloramentos e ainda
foram executados ensaios-índice para uma caracterização quantitativa e expedita do maciço. Com dados de campo
foram efetuadas análises estatísticas dos resultados que permitiram uma maior confiabilidade na atribuição dos
parâmetros a serem utilizados na elaboração do modelo geomecânico da fundação.
1 INTRODUÇÃO
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
18
Caracterização geomecânica do maciço rochoso de fundação da uhe cachoeira porteira
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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Caracterização geomecânica do maciço rochoso de fundação da uhe cachoeira porteira
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 4 – Granitos – Resultados dos ensaios de cizalhamen- Figura 5 – Granitos – Ensaio de cizalhamento direto em
to direto em descontinuiades com paredes sãs. descontinuiades com paredes alteradas.
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Caracterização geomecânica do maciço rochoso de fundação da uhe cachoeira porteira
Dentre as fatores que podem resultado deste onde m e s são constantes das características do
ensaio estão tanto as que dizem respeito ao mate- maciço rochoso, que podem ser obtidas a partir da
rial rochoso (granulometria, mineralogia, teor de classificação de maciços rochosos proposta por
umidade, etc.) como os característicos da própria BIENIAWSKI (1976) e pela classificação do tipo
descontinuidade (material de preenchimento, ru- litológico (HOEK e BROWN, 1980) a resistência à
gosidade das paredes, etc.) A rugosidade das pare- compressão uniaxial.
des e, normalmente, o parâmetro que causa maior Pelas características do litotipo presente nas
dispersão nos resultados. BARTON E CHOUBEY fundações, o maciço granítico foi classificado
(1977) associaram perfis de rugosidade de juntas como sendo uma rocha ígnea de granulação mé-
às faixas de coeficientes de rugosidade (JRC), sen- dia a grossa, segundo HOEK e BROWN (1980).
do essa classificação utilizada para caracterizar in- A determinação das características do maciço
dividualmente as descontinuidades ensaiadas. de fundação para as estruturas, obtidas co, a utili-
Nas figuras 4, 5 e 6 são apresentadas as envol- zação da classificação de BIENIAWSKI (1976), bem
tórias de resistências máximas, médias e mínimas como sua classificação final e dos respectivos valo-
de descontinuidades em granito. As superfícies res de m e s, são apresentados nos quadros 1 e 2.
das descontinuidades foram subdivididas em: sãs, Face à curvatura pronunciada das envoltórias
alteradas e com película de clorita. Nos resultados de resistência, os parâmetros de coesão foram de-
obtidos, constatou-se uma tendência no aumento terminados para tensão normal entre 0,1 e 0,6 MPa,
dos valores Ø e C, associados ao crescimento dos o que corresponde aproximadamente a faixa de
índices de JRC, sendo este fator por vezes mais re- tensão a que será submetido o maciço rochoso.
levante até mesmo que o estado de alteração das
paredes. As figuras 4 e 5 demonstram a conclusão
anteriormente citada. O fato das descontinuidades 5.2 Parâmetros atribuídos para descontinui-
com paredes sãs terem mostrado, em média, resis- dades dominantes de maior persistência
tências ligeiramente inferiores as descontinuidades
Nos casos em que o comportamento geome-
com paredes alteradas, se dá claramente pelo fato
cânico gerado por uma descontinuidade princi-
da maior parte das descontinuidades de paredes
pal de maior persistência, foi utilizado o critério
sãs apresentarem rugosidade menor.
empírico de BARTON e CHOUBEY (1977), que se
Constatou-se também que as descontinuida-
baseia na seguinte equação:
des com menor resistência são aquelas que apre-
sentam uma película de clorita que diminui o atri-
to entre as paredes sãs.
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
onde JRC é o coeficiente de rugosidade da junta, e Ø = 40), além de se considerar que estas feições
JCS é a resistência à compressão da parede da jun- são persistentes ao longo de todo o bloco,
ta e Øb o ângulo de atrito básico.
Nas possíveis descontinuidades suborizon-
5.3 Módulo de deformabilidade
tais persistentes na fundação do muro de tran-
sição direito e vertedouro, foi estimado por este Os módulos de deformabilidade do maciço
critério um ângulo de atrito de pico de aproxima- rochoso foram estimados tendo como base a corre-
damente 50º e uma coesão aparente de 0,04 MPa, lação empírica com a classe de maciço rochoso de-
considerando-se o coeficiente de rugosidade da finido pela classificação BIENIAWSKI (1976), con-
junta (JRC) igual a 8, a resistência da parede da forme proposto por SERAFIM e PEREIRA (1983).
descontinuidade 2.00 MPa e Øb de 32°. No quadro 2 são apresentados os valores
Entretanto, os resultados obtidos nos ensaios adotados para módulos de deformabilidade dos
maciços de fundação de cada uma das estruturas
de cisalhamento direto, nos testemunhos de son-
de concreto.
dagens, foram inferiores, tendo-se finalmente atri-
Dadas as características geomecânicas favo-
buído, no modelo geomecânico, os valores de Ø =
ráveis do maciço rochoso, pode-se prever que não
45º e c= 0,1 MPa para estas descontinuidades. haverá problemas quanto à deformabilidade da
Nas possíveis descontinuidades persistentes fundação das estruturas de concreto, Mesmo na
de paredes alteradas, que ocorrem na fundação zona do canal profundo, onde o maciço se apre-
do muro de transição esquerdo, dada a dificulda- senta muito fraturado, pode-se estimar valores da
de de se estimar a resistência das paredes, foram ordem de 10 GPa para o seu módulo de deforma-
adotados os valores considerados representativos bilidade, que é satisfatório, em função dos níveis
obtidos nos ensaios de laboratório (c = 0,25 MPa de tensão que atuarão na fundação.
Granitos são
Muro de transição
esquerdo e tomada
d água (blocos 1
e 4) 100 50 30
a 12 a 13 a 12 12 7 -25 31
Granito com fra- 200 75 100
turas de paredes
alteradas - super-
ficiais
Tomada d´ádua
(blocos 2 e 3) 5
> 200 15 < 25 3 a 10 20 7 -25 30
Zona de falha em 30
granito são
Vertedouro e muro
de transição direito 50 5
> 200 15 a 13 a 10 20 7 -15 60
75 30
Granitos são
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Caracterização geomecânica do maciço rochoso de fundação da uhe cachoeira porteira
PARÂMETRO Ø E
DA EQUAÇÃO
PONTUAÇÃO Oc (2)
Estrutura Característica C (O) (GPa)
(1) (MPa)
(m) (s) (3) (4)
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APRESENTAÇÃO
9 BOÇOROCAS
Ernesto Pichler (In memorian)
A economia mundial impõe aos países, em aos recursos não renováveis e aproveitamento cri-
desenvolvimento, notadamente os situados na fai- terioso dos recursos renováveis.
xa tropical e intertropical, uma escala de produção
acelerada, onde mais e maiores áreas são solicita-
1 USO DAS TERRAS TROPICAIS, UMA
das. A tecnologia utilizada nesta verdadeira gin-
COLONIZACAO INADEQUADA
cana econômica, e proveniente em grande escala
de países desenvolvidos, cujas condições diferem As condições ambientais herdadas do pro-
em muito das apresentadas pelos países em desen- cesso inicial de colonização são hoje críticas, tor-
volvimento. Mesmo quando os resultados, a cur- nando onerosas diversas atividades de ocupação
to prazo, se revelam satisfatórios, a médio e longo territorial, que no início da implantação se mostra-
prazo, os saldos são no mínimo preocupantes. vam lucrativas e florescentes. O advento de recur-
Ao contrário do que aparenta, os problemas sos tecnológicos que permitem empreendimentos
de degradação ambiental não são exclusivos de cada vez mais arrojados, envolvendo a utilização
países de ocupação antiga. O Brasil, apesar de sua de áreas e recursos financeiros sucessivamente
juventude, já apresenta extensas áreas onde a de- maiores, com a solicitação de benefícios cada vez
gradação já se instalou. O pouco alarde que tais mais premente, não permite as margens de erro
fatos ainda suscitam, deve-se à baixa densidade e tradicionalmente aceitas.
alta mobilidade das populações de tais áreas. O preço do erro, além da perda do capital
Para bem cumprir o papel histórico reserva- investido, pode ser o aniquilamento dos recursos
do ao Brasil, urge a elaboração de um arsenal tec- naturais (depauperação dos solos, esgotamento
nológico, no qual as técnicas para o melhor uso das águas, modificações climáticas). Isso provoca a
territorial têm, sem sombra de dúvida, uma posi- ruína de populações inteiras que, com o abandono
ção de destaque. das atividades produtores e consequentes proble-
Um novo ramo da Geologia, a Geologia de mas sociais, causam pesados ônus à administração
Planejamento, com algum retardo, se introduz hoje do país. A repetição dos insucessos do passado no
no Brasil. A participação da geologia em planeja- uso territorial seria, atualmente, catastrófica.
mentos territoriais e urbanos requer para sua im- A erosão elimina, ano após ano, grandes par-
plantação o uso de tecnologia adequada ao nosso celas de solo arável, dificultando, ou mesmo im-
meio físico e nossas condições de país em proces- pedindo, atividades agrícolas, ocupação urbana
so de desenvolvimento. obras de transporte. O consequente assoreamento
Os obstáculos para a implantação deste novo dos cursos d’água e reservatórios prejudica a pes-
ramo da geologia de engenharia devem ser venci- ca e navegação continentais e compromete hidre-
dos a curto prazo, para permitir o uso responsável létricas e sistemas de abastecimento d’água. Mo-
dos recursos naturais, garantindo vida longa e útil vimentos de terra em grandes extensões, ou mais
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
30
O Brasil e a geologia no planejamento territorial e urbano
sejam lançadas em drenagens temporárias ou per- gressivo do núcleo habitacional de Laguna - SC,
manentes, cujos leitos se constituem em material que até 1975 já tinha 7 de suas residências total-
inconsolidado. O incremento de vazão inicia um mente cobertas pelas dunas. As disponibilidades
processo erosivo, em geral remontante, que se de- de água, tanto para uso urbano como industrial,
senvolve rumo ao núcleo urbano, colocando em são via de regra consideradas do ponto de vista
risco ou destruindo toda sua infraestrutura. de uso imediato, sem uma previsão realista de
A ocupação indiscriminada de encostas, ala- uma maior demanda futura, nem tampouco na
gadiços e outros terrenos problemáticos e outra manutenção dos recursos existentes. Exemplo
fonte de acidentes e problemas “insolúveis” da claro e atual de tal situação é encontrado na
urbanização. As causas que levam a população região do ABC-SP, (municípios industriais da
ocupar tais áreas são de ordem econômica e fora Grande São Paulo), onde a carência de recursos
do campo tecnológico; porém a geotecnia tem hídricos representa uma invencível barreira para
elementos que permitem a previsão e prevenção a continuidade do crescimento industrial; sendo
de acidentes e problemas futuros. A partir da um dos fatores principais para a mudança de in-
incorporação destas áreas a administração pu- dústrias para outras áreas. O mais grave é que
blica, esta assume a problemática de crescimen- a transferência dos pólos industriais também se
to e manutenção dos noves bairros. Podem ser efetua sem estudos prévios adequados, o que faz
lembrados casos como Mont-Serrat em Santos antever, dentro em breve, o surgimento dos mes-
(1956),Caraguatatuba (1967), Vila Albertina em mos problemas, tanto de poluição como de carên-
Campos de Jordão (1972), figuras 1 e 2, aciden- cia de recursos, nas novas áreas assim eleitas. No
tes que se repetem nos morros do Rio de Janei- Brasil, torna-se imperioso, como embasamento
ro, assim como inúmeras áreas urbanizadas com do esforço desenvolvimentista, o conhecimento
problemas permanentes de implantação e manu- do meio físico de superfície e subsuperfície, cujas
tenção de melhoramentos urbanos (saneamento, potencialidades e limitações deverão direcionar
arruamento e as próprias habitações). Enfrentan- os empreendimentos de uso do território, rumo
do problemas permanentes, temos junto a núcle- a um sucesso sólido e duradouro.
os urbanos, novos conjuntos residenciais e até
mesmo bairros inteiros recém-construídos que
2 O MEIO FÍSICO E O PLANEJAMENTO
apresentam graves problemas de implantação e
manutenção da infraestrutura urbana. A necessidade de planejar o uso humano
Nosso território extenso e variado impõe a do território é uma imposição administrativa do
urbanização, problemas que se caracterizam in- desenvolvimento. Porém, é fato inegável que o
felizmente como tristes novidades. Tais fenôme- meio físico não tem sido considerado dentro da
nos vão desde os comuníssimos processos erosi- importância que representa. O crescimento de-
vos que afetam as cidades do sudeste brasileiro sordenado que afeta nossas metrópoles e, fruto
(estereotipadas naquelas do Noroeste do Para- basicamente de ausência de planejamento, ou,
ná), passando por não menos comuns movimen- mais lamentavelmente, resulta de planejamentos,
tos de encostas que afetam núcleos habitacionais muito discutíveis. Neste último caso o saldo é ne-
“do morro”, ate problemas “especiais”, como gativo sob três aspectos principais. Em primeiro
por exemplo: a corrida de terra, que destruiu ses- plano, destaca-se o caráter parcial de tais plane-
senta casas em Vila Albertina em 1972; a corrida jamentos, o que as torna dificilmente exequíveis
de areia que provocou o afundamento de treze e, assim, plenamente cumpridos ou não, redun-
edifícios em Guaratuba - PR, em 1968; o decan- dam em fracasso. Em segundo plano, próprio
tado caso do Vale Grande, cujo alargamento por ônus com tais serviços resulta num reprovável
erosão vem desde o século passado vencendo a desperdício do erário publico. Em terceiro plano,
cidade de Iguape, terminando por sufocá-la pelo como consequência dos dois primeiros, resulta o
assoreamento de seu porto; o soterramento pro- descrédito crescente no termo “planejamento”.
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
32
O Brasil e a geologia no planejamento territorial e urbano
33
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
O planejamento desejado permitiria à admi- de contenção são suas características mais conhe-
nistração pública satisfazer o interesse da livre cidas. Entretanto são raros os estudos a respeito
empresa, apresentando opc6es e orientando os de seus mecanismos de progresso e, consequente-
empreendimentos no sentido de bem comum, a mente, dos meios de contenção.
curto, médio e longo prazo. Aparentemente dissociada das característi-
Integradas às outras áreas do conhecimento, cas litológicas indicadas nos mapas geológicos
as condicionantes geológicas e geotécnicas se mos- brasileiros, a boçoroca afeta indistintamente tan-
tram indispensáveis tanto na previsão da susceti- to solos que capeiam rochas cristalinas, quanta
bilidade à degradação dos meios físicos, quanto aqueles que capeiam as sedimentares. Atacando
na concepção dos modos de prevenção e correção preferencialmente áreas deflorestadas, sua ocor-
das degradações ambientais. rência parece estar ligada a uma associação favo-
rável de fatores imperantes em extensas áreas no
4 A GEOLOGIA E BOM USO DO TERRITÓRIO Brasil. Entre tais fatores, merecem destaque deter-
BRASILEIRO minada dos perfis pedológicos, comuns aos solos
tropicais, de condições topográficas e geomorfo-
No Brasil, os problemas mais conhecidos, lógicas de regiões onduladas, onde predominam
que mostram a ligação entre os sucessos dos usos as formas côncavas e suaves. Comportamentos
territoriais e a natureza geológica, agrupam-se em particulares da água no subsolo, bem como va-
três categorias principais: - problemas ligados à riáveis de ordem climática, parecem ser também
erodibilidade, problemas ligados a movimentos determinantes no surgimento de boçorocas. Dos
de massas e - problemas ligados ao abastecimento casos que se tem notícia pode-se depreender que
d’água. A disponibilidade de materiais naturais as regiões sul e sudeste apresentam extensas áre-
de construção perfaz um tópico particular de con- as profundamente afetadas pela erosão e, conse-
dicionantes do sucesso da implantação de obras quentemente, pelos problemas de assoreamento,
civis, como barragens, vias de transporte e urba- de rios e reservatórios. Nota-se ainda que as for-
nização. A interinfluência entre os materiais uti- mas de erosão tropical estão associadas inequivo-
lizados nas obras e entre estas e o meio físico, é camente aos extensos depósitos cenozóicos que
determinante na apreciação da viabilidade de uso constituem os solos superficiais de grandes áreas
de determinada porção do território. do sudeste brasileiro.
Notícias de ocorrências de boçorocas ou de
grandes ravinas, em outros pontos do território
4.1 Problemas ligados à erodibilidade
nacional, relatados por técnicos que operam nessa
As características de erodibilidade, estando área, podem, entretanto, indicar que as boçorocas
ligadas aos aspectos topográficos e granulomé- se desenvolvem com major frequência no sul e su-
tricos da distribuição dos solos superficiais, entre deste, também por serem estas regiões brasileiras as
outros aspectos, determinam as conhecidas for- que apresentam uso mais intensivo e generalizado.
mas de erosão laminar e de ravinamento. Porém, A erosão fluvial se reveste de maior importân-
em nosso meio ambiente, outra forma de erosão, cia nas porções de território onde os cursos d’água
localmente mais danosa, pode coexistir com as atravessam formações sedimentares inconsolida-
formas citadas. Tal forma de erosão recebe entre das. Principalmente quando o regime hídrico tenha
nós o nome de boçoroca, a qual, mais que grande sofrido interferências, alterando o seu equilíbrio
ravina, revela-se especialmente perigosa quando erosão/sedimentação. Formações arenosas inco-
se desenvolve junto a cidades obras viárias ou ou- erentes são comuns em extensas porções da faixa
tras obras civis. A grande velocidade de desenvol- litorânea, assim como nas bacias dos grandes rios
vimento, as dimensões atingidas e as dificuldades de planície, como os da bacia amazônica.
34
O Brasil e a geologia no planejamento territorial e urbano
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
36
O Brasil e a geologia no planejamento territorial e urbano
o período de chuvas. Desde que ausentes outros desconhecidos, representados em boa parte pela
mecanismos reguladores, resta às frentes de cheia, Amazônia Legal. Nessa considerável porção do
após cheio o lago, verter por sobre as barragens. território ocorrem extensas formações sedimen-
Mesmo nas regiões chuvosas do Sul e Sudeste tares de idade terciária e quaternária; seu relevo,
ocupadas pela agricultura, muitos núcleos urbanos de modo geral, é suave, mesmo em regiões tidas
apresentam graves problemas de abastecimento como de embasamento cristalino a cobertura flo-
de água potável. A maior parte dos problemas se restal e a localização geográfica impõem um clima
acham ligados aos sistemas de obtenção de água, de umidade e temperatura elevadas. A ocupação
que é o de captação superficial, e se substanciam incipiente de algumas destas áreas tem se revela-
em dois aspectos mais importantes. O primeiro é do problemática, sendo comuns os casos de esgo-
o rápido assoreamento dos reservatórios, graças tamento prematuro da fertilidade, assim coma fe-
à acelerada erosão a que estão sujeitas extensas nômenos erosivos profundos muitos similares às
áreas sob exploração agrícola. O segundo aspecto, boçorocas descritas no sul do país. As evidências
muitas vezes associado ao primeiro, é a poluição serem muito vastas as ocorrências de solos areno-
dos mananciais por defensivos agrícolas, de uso sos e incoerentes, assim como a lixiviação e late-
crescente e irrestrito durante a última década. rização profundas e generalizadas. Tais perspec-
Nas regiões industrializadas, o grande cres- tivas, aliadas à escassez de dados cientificamente
cimento urbano-industrial tem gerado problemas obtidos, pedem um detalhamento de estudos, a
desmedidos para o abastecimento de água. Soma- fim de que não se imponham solicitações contrá-
se ao esgotamento dos recursos disponíveis, a po- rias aptidões do meio físico, do qual o solo, “lato
luição dos mananciais restantes. Tal poluição se sensu”, é parte vital.
efetua tanto pelo lançamento de detritos sem tra-
tamento prévio em pontos inadequados dos rios
ou lagoas, como infiltração, quando o terreno apre- 4.5 Os problemas da utilização do
senta características favoráveis. Em muitos casos a conhecimento
captação de águas subterrâneas, por meio de poços
Em nosso país, a participação da geologia em
profundos, resolve parcialmente os problemas de
projetos de utilização de territórios se acha ainda
abastecimento. Entretanto, a superexploração dos
restrita a estudos locais de Geologia de Engenha-
aquíferos, aliando-se à pavimentação, e às áreas
ria, normalmente para o caso de barragens, estra-
construídas que acabam por reduzir as zonas de in-
das e fundações de grandes estruturas. Entretanto,
filtração, acarretam rebaixamento permanente dos
há alguns anos vêm se desenvolvendo trabalhos
níveis freáticos. A carência de recursos hídricos já
efetivos no sentido de introduzir a geologia no
se apresenta crônica em diversas regiões sujeitas à
campo do planejamento. São poucos os trabalhos
intensa industrialização e/ou urbanização. O esgo-
que representam um enorme esforço de profissio-
tamento dos recursos superficiais e subsuperficiais,
nais isolados, engajados na divulgação constante
seguido da solicitação de áreas cada vez mais dis-
deste novo ramo da Geologia de Engenharia.
tantes, bem como a destruição e mau uso de ma-
Similarmente aos outros países, as falhas de
nanciais e reservas, se apresenta como uma carac-
comunicação entre Geologia e Engenharia se fa-
terística marcante da exploração urbano-industrial
zem sentir, com as dificuldades de se obter forma-
das três últimas décadas.
ções objetivas de cartas geológicas tradicionais. Se
as dificuldades de comunicação entre áreas pró-
4.4 Os problemas do desconhecimento ximas como Engenharia Civil e Geologia de En-
genharia são grandes, as dificuldades serão tanto
Reações desfavoráveis do meio, aliadas ao co- maiores entre a Geologia e os outros setores liga-
nhecimento relativamente mais detalhado de algu- dos ao planejamento. Assim, a Cartografia Geo-
mas regiões brasileiras, permitem observar meros técnica, instrumento já consagrado em diversos
casos de uso inadequado do território. Deve-se ter países desenvolvidos se substancia como notável
em mente, por outro lado, que mais de 60% do terri- forma de comunicação entre meio físico e o plane-
tório nacional constituído por terrenos praticamente jador ou projetista.
37
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Grande parte da bibliografia estrangeira a res- se consusbstancia um mapa geológico com suas
peito deixa no interessado uma forte imagem de tec- unidades rochosas convenientemente destacadas,
nologia avançada. Assim, muitos autores veiculam acompanha de uma tabulação que contém suas
a ideia de cartografia geotécnica (como da própria principais características, tanto as puramente ge-
Geologia de Planejamento) associando-a com “ge- ológicas (acamamento, fraturamento, grau de in-
omatemática”, “supermapping”, “cartografia auto- temperismo, topografia), quanto as geotécnicas
mática”, obtenção de imagens por superposição de (porosidade, água subterrânea, estabilidade,de
transparências, e outras técnicas sofisticadas. Entre- taludes em corte, estabilidade de fundação, mate-
tanto, alguns autores estrangeiros já levantam, por riais de construção). Estas e outras características
um lado, a discutível utilidade de tais elaborações, e propriedades importantes são apresentadas em
e por outro, sua inexequibilidade econômica, quan- termos acessíveis ao público interessado.
do em caráter extensivo. As criticas, levantadas se Com as considerações expostas nos parágra-
prendem ao rumo imprimido a esse novo ramo da fos anteriores, pretende se aqui, chamar a atenção
geologia, por muitos institutos e organismos oficiais para dois aspectos importantes a implantação da
(normalmente os ligados ao ensino), sob a denomi- Geologia de Planejamento no Brasil. O primei-
nação de geologia ambiental. Entre estes organis- ro aspecto é ligado à sofisticação de tratamento
mos se encontram aqueles que são os responsáveis e representação, tendência esta, que segundo os
pela sofisticação da cartografia geotécnica. Tais enti- críticos, não encontram condições para sua vul-
dades se permitem atingir tal grau de refinamento, garização, nem em países desenvolvidos e econo-
micamente poderosos. O outro aspecto, de caráter
graças às características que lhe são próprias, como
aparentemente universal, a utilização indevida de
por exemplo: dotação orçamentária governamental,
uma linguagem incompatível como os fins a que
abundância de mão de obra de nível universitário a
se propõe a Cartografia Geotécnica. Intimamente
baixo custo (estagiários), e entre outros privilégios,
ligado a este aspecto, apresenta-se pouca objetivi-
facilidade de uso de computadores.
dade com que são encetados os trabalhos execu-
Em entidades que possuem orientação mar-
tados por pessoal não suficientemente ligado aos
cantemente acadêmica, soma-se à sofisticação ci-
problemas e solicitações impostos por obras civis
tada, uma abordagem tal, que torna a Cartografia
e outras formas de uso territorial.
Geotécnica de difícil utilização pelos interessados
Como toda tecnologia, a Cartografia Geotécnica
(engenheiros civis, economistas, arquitetos, admi-
depende de metodologia produzida de acordo com
nistradores, construtores, planejadores e o públi- a realidade de cada país. Assim, as necessidades ge-
co em geral). A abordagem acima referida mani- radas pelo desenvolvimento brasileiro podem ser
festa seu erro através de dois fatores principais, supridas com a criação de métodos nacionais conju-
que atuam isolada ou conjuntamente. O primeiro gados com”know-how” absorvido seletivamente de
destes fatores se prende ao uso de linguagem res- outros países, adaptados às nossas condições.
trita aos meios profissionais em Geologia. O outro Não será demais lembrar que a tecnologia
fator se atém ao enfoque dos problemas impostos elaborada em países desenvolvidos constitui im-
e gerados pela ocupação humana, revelando falta portante tópico em suas pautas de exportação. Por
de vivência e conhecimento geotécnico por parte outro lado, os países em desenvolvimento, e entre
destes profissionais. eles o Brasil, se constituem em um mercado pro-
Em contraposição às considerações acima ali- missor para tal produção tecnológica.
nhadas, os mesmos autores apontam como exem- No momento em que o governo de nosso país
plo de uma cartografia realmente útil e exequível volta seus esforços para a consubstanciação de uma
trabalhos que primam pela simplicidade tanto grá- ocupação territorial efetiva, ele chama a si mesmo a
fica como de linguagem, conseguindo, assim um responsabilidade pelo sucesso de suas determina-
enfoque objetivo do meio físico. Nesta linha, um ções. Tal diretriz faz do governo, o principal inte-
trabalho “Engineering characteristics of the rock ressado no emprego de técnicas adequadas para o
of Pensilvania -MacClade e outros 1972) aponta- conhecimento de uma de suas principais matérias
do como exemplo de uma cartografia geotécnica primas, que é o meio físico, para a utilização racio-
de execução garantida e uso pleno. Tal trabalho nal e responsável de seus recursos.
38
O Brasil e a geologia no planejamento territorial e urbano
39
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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dans le’ Nord-Est semiaride du Brésil- Evaluation 871-880.
40
1
2
RBGEA
REVISTA BRASILEIRA DE
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
E AMBIENTAL
REVISTA BRASILEIRA DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL
Publicação Científica da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Editor
Lázaro Valentim Zuquette – USP
Co Editor
Fernando F. Kertzman – GEOTEC
Revisores
Antonio Cendrero – Univ. da Cantabria (Espanha)
Alberto Pio Fiori - UFPR
Candido Bordeaux Rego Neto - IPUF
Clovis Gonzatti - CIENTEC
Eduardo Goulart Collares – UEMG
Emilio Velloso Barroso – UFRJ
Fabio Soares Magalhães – BVP
Fabio Taioli - USP
Frederico Garcia Sobreira - UFOP
Guido Guidicini - Geoenergia
Helena Polivanov – UFRJ
Jose Alcino Rodrigues de Carvalho – Univ. Nova de Lisboa (Portugal)
José Augusto de Lollo - UNESP
Luis de Almeida Prado Bacellar – UFOP
Luiz Nishiyama - UFU
Marcilene Dantas Ferreira - UFSCar
Marta Luzia de Souza – UEM
Newton Moreira de Souza – UnB
Oswaldo Augusto Filho – USP
Reinaldo Lorandi – UFSCar
Ricardo Vedovello – IG/SMA
Foto da Capa
Obras do Rodoanel trecho sul, nas proximidades da represa Billings.,
tirada em 08 de julho de 2008 . Fabrício Araujo Mirandola - IPT
Edição Especial
Tiragem: 2.500
ISSN 2237-4590
São Paulo/SP
Novembro/2011
Av. Prof. Almeida Prado, 532 – IPT (Prédio 11) 05508-901 - São Paulo - SP
Tel.: (11) 3767-4361 - Telefax: (11) 3719-0661 - E-mail:abge@ipt.br - Home Page: http://www.abge.com.br
CONSELHO DELIBERATIVO
Elaine Cristina de Castro, Elisabete Nascimento Rocha, Fabio Canzian da Silva, Fabrício Araújo Mirandola, Fer-
nando Facciolla Kertzman, Fernando Ximenes T. Salomão, Gerson Almeida Salviano Filho, Ivan José Delatim,
Kátia Canil, Leonardo Andrade de Souza, Luiz Antonio P. de Souza, Luiz Fernando D’Agostino, Marcelo Fis-
cher Gramani, Newton Moreira de Souza, Selma Simões de Castro.
REPRESENTANTES REGIONAIS UF
ROBERTO FERES AC
HELIENE FERREIRA DA SILVA AL
JOSÉ DUARTE ALECRIM AM
CARLOS HENRIQUE DE A.C. MEDEIROS BA
FRANCISCO SAID GONÇALVES CE
NORIS COSTA DINIZ DF
JOÃO LUIZ ARMELIN GO
MOACYR ADRIANO AUGUSTO JUNIOR MA
ARNALDO YOSO SAKAMOTO MS
KURT JOÃO ALBRECHT MT
CLAUDIO FABIAN SZLAFSZTEIN PA
MARTA LUZIA DE SOUZA PR
LUIZ GILBERTO DALL’IGNA RO
CEZAR AUGUSTO BURKERT BASTOS RS
CANDIDO BORDEAUX REGO NETO SC
JOCÉLIO CABRAL MENDONÇA TO
APRESENTAÇÃO
9 BOÇOROCAS
Ernesto Pichler (In memorian)
A diferença principal entre um Geólogo que somente fornece os dados a outro profissional e o Geólogo de
Engenharia, é que o primeiro somente gera informações sobre o meio e não realiza a devida interpretação
dos mesmos (rochas, solos, descontinuidades, variabilidade, etc.) em termos qualitativos e quantitativos,
para o fim em questão, seja uma obra de engenharia ou um problema ambiental.
RESUMO ABSTRACT
Este texto tem por objetivo relatar alguns eventos que fo- This paper aims to report some important international
ram marcantes em termos internacionais e nacionais no and Brazilian scientific and technical events for Engi-
desenvolvimento da Geologia de Engenharia ao longo
dos últimos 150 anos, sem a presunção de considerar to- neering Geology during the last 150 years. The central
dos que foram marcantes. A idéia central é que este texto idea of this text is to encourage others professionals to
motive outros profissionais a elaborarem estudos sobre a elaborate more complete texts about the history and
história e a evolução da Geologia de Engenharia, seja em developing of the Engineering Geology, in terms of te-
termos de aspectos técnico-científicos, profissionais ou de chnical-scientific, professional or application. Attached
aplicação. Associado encontra-se um conjunto dos prin-
is a series of major international journals, as well as a
cipais periódicos internacionais, assim como um grupo
de livros clássicos e lista das referências bibliográficas group of classic books and list of references on the facts
sobre os fatos considerados no texto. cited in the text.
1 INTRODUÇÃO
41
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
O surgimento do termo Geologia de Engenha- It is worthwhile recalling that engineering geology has
ria tem como referência inicial o trabalho desenvol- had a very long history, even
vido por William Smith (1800 a 1815) em porções
though in the last decade it has acquired a degree of
da Inglaterra visando a projetos de canalizações. sophistication and may now stand,
Este trabalho resultou em um mapa considera-
do como o primeiro Mapa Geotécnico e uma das as has MINING GEOLOGY for a much longer time,
bases da Geologia moderna por um grupo signi- as an independent subject”.
ficativo de profissionais. Durante os últimos 150
Recentemente, Baynes (2004) publicou um tex-
anos, a Geologia de Engenharia difundiu-se para
to muito interessante sobre a visão de diversos pro-
os diferentes países e algumas definições aparece-
fissionais sobre as responsabilidades de um geólogo
ram com alterações para adaptá-las às mudanças
de engenharia, intitulado “Generic responsibilities
no conhecimento técnico-científico, envolvendo a
of engineering geologists in general practice”.
Geologia, Engenharia Civil e de Minas, e as áre-
as de conhecimento interrelacionadas. Após 1990,
adaptações ocorreram em relação aos problemas 2 AEG (1970)
de ordem ambiental, quando do surgimento da
Engenharia Ambiental. As definições apresenta- É definida como a disciplina de aplicação das
das a seguir são consideradas as mais citadas e informações geológicas, técnicas e princípios para
orientaram as associações e escolas dos diferentes o estudo de materiais geológicos (rochas, solos),
países na formação dos profissionais. fluidos em superfície e subsuperficie, a relação
Uma das mais antigas é a de Popov (1959), de materiais externos e os processos inseridos no
fundador da Soviet Engineering Geology, que di- ambiente geológico. Como também os fatores geo-
finiu como a ciência que envolve todos os aspectos lógicos que afetam o planejamento, projeto, cons-
da geologia, em sentido amplo, tem importância trução, operação e manutenção de estruturas de
no planejamento, projeto, construção e manuten- engenharia e o desenvolvimento, proteção e re-
ção de estruturas de engenharia. Komarov (1996) mediação de águas subterrâneas.
Recentemente, o geólogo de engenharia pas-
modificou-a considerando algumas condições do
sou a desenvolver suas atividades não somente
meio natural, enquanto Sergeev (1978) acrescen-
em projetos relacionados à Engenharia Civil e à
tou o ponto de vista de alguns aspectos das ativi-
Mineração, mas também junto de planejadores
dades humanas.
territoriais e ambientais, arquitetos e outros pro-
Dearman (1970) considera a Geologia de En-
fissionais envolvidos com o meio ambiente.
genharia como um braço da Geologia Aplicada
De acordo com a AEG, as principais atividades
particularmente à Engenharia Civil, relacionado-a
do Geólogo de Engenharia estão relacionadas com:
ao projeto e construção e aos aspectos de compor-
1. A investigação das condições de fundações
tamento de estruturas de engenharia quando ins-
para as grandes obras, como as barragens,
taladas no interior da Terra, assim como para a in-
pontes, aeroportos, grandes edificios, torres e
dústria extrativa incluindo abertura de pedreiras
estações de bombeamento e energia.
e de minas profundas. Apresenta relações com a
2. Avaliação das condições geológicas ao longo
Mecânica dos Solos e das Rochas, como também
de túneis, dutos, canais e estradas.
com as Ciências dos Materiais, entre outras. O au-
3. A exploração e implantação de áreas fontes
tor também conceituou o profisssional, a saber:
de rochas, solos e sedimentos como materiais
“An Engineering Geologist is, by this definition, an de construção.
applied geologist. He must have two attributes, and 4. Investigação e desenvolvimento de fontes de
these should be taken care of in his training; firstly a águas superficiais e subterrâneas, gestão de
clear understanding of the science of geology, in that he bacias, proteção e remediação de áreas com
must think like a geologist, and secondly he must halve
águas subterrâneas contaminadas, assim
an appreciation of the requirements of the engineer and
must be prepared to educate himself in the practice and como de outros tipos de degradação.
principles of civil engineering. 5. Avaliação de eventos perigosos (hazards).
42
Um breve relato sobre a geologia de engenharia
6. Avaliação das condições geológico-geotécni- to guarantee the results. It is not always economically
cas que afetam o uso e implantação de obras practicable to eliminate the element of uncertainty and
not infrequently his advice has to be based on few and
residenciais, comerciais e industriais.
scattered evidences in the field.”
7. Avaliação para fins de estabilidade de talu-
des, drenagens, melhoria dos materiais geo- 4) The fourth requirement relates to the temperamental
lógicos e escavabilidade. make-up or personal qualities of the
8. Avaliação de áreas adequadas para disposi-
engineering geologist. “He should not be an alarmist.
ção de resíduos, e proposição de formas de
Neither faults, nor earthquakes, nor
monitoramento, mitigação e tratamento de
locais onde ocorreu disposição de maneira cavernous limestones, nor pervious basalts, nor low
inadequada. water tables should deter him from
9. Atuação no planejamento territorial, avalia-
rationalizing the field evidences and proceeding to logi-
ção de impactos ambientais, descomissiona-
cal conclusions based on due consideration of both facts
mento e recuperação de minas, planejamento and influences.”
de áreas de reflorestamento, seguros e inves-
tigações criminais. Seguindo os pressupostos anteriores, outra
definição do profissional de Geologia de Enge-
Em 1970 a IAEG elaborou um conceito básico nharia foi proposta pelo Executive Committee of
que não envolvia o aspecto ambiental e a IAEGE the Division on Engineering Geology of the Geo-
(1997) definiu como a ciência voltada à investiga- logical Society of America, em 1951:
ção, estudo e solução de problemas de engenharia
e ambientais, os quais originaram da interação de “A professional engineering geologist is a person
aspectos da Geologia com obras e outras ativida- who, by reason of his special knowledge of the geolo-
des humanas, como também a previsão e desen- gical sciences and the principles and methods of engi-
volvimento de medidas de prevenção ou remedia- neering analysis and design acquired by professional
education or practical experience, is qualified to apply
ção de eventos perigosos de natureza geológica. such special knowledge for the purpose of rendering
Durante alguns anos anteriores a 1950, as dis- professional services or accomplishing creative work
cussões sobre o profissional de Geologia de Enge- such as consultation, investigation, planning, design
nharia eram comuns e principalmente motivadas or supervision of construction for the purpose of as-
por C. Berkey nos USA, e em 1950, Burwell e Ro- suring that the geologic elements affecting the struc-
berts elaboraram texto com alguns pressupostos tures, works or projects are adequately treated by the
responsible engineer”.
para o profissional, citados na integra, a seguir:
1) “Obviously, the first requirement of the engineering Existem dezenas de trabalhos que podem ser
geologist is that he shall be a competent consultados sobre as responsabilidades de um pro-
fissional da Geologia de Engenharia, tais como:
geologist. ……Against this background of knowledge, Berkey (1929), Burwell & Roberts (1950), Moye
he will discover the major geologic factors in advance (1966), Arnould (1970), Dearman (1971), Rawlings
of construction and recognize the more obscure minor
(1972) Stapledon (1982, 1983), AEG (1993), Fookes
details that so often exert a major influence on location,
design and construction problems.” (1997), IAEG (1998), Baynes (1999), Morgenstern,
(2000), Hungr (2001), AEG (2002), Knill (2002, 2003),
2) “The second requirement is that he shall be able to Culshaw (2005), Hatheway et al. (2005) e GEOTE-
translate his discoveries and deductions into terms of CHNICAL ENGINEERING OFFICE (2007).
practical application. This qualification is not obtained
as a result of better knowledge of geology, but of better
No Brasil a Geologia de Engenharia teve seu
knowledge of engineering.” início (com atividades esporádicas) antes de 1950
em obras de engenharia especificas, mas o conhe-
3) “The third requirement is dual in character. It is cimento foi mais fortemente aplicado e associado
the ability to render sound judgements and make im- à expansão do número de profissionais a partir de
portant decisions. …..Sound judgment is a priceless
faculty of the geologist who is frequently called on to 1960 com grandes obras de engenharia, principal-
make decisions without all the factual data necessary mente as barragens.
43
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
44
Um breve relato sobre a geologia de engenharia
45
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
qual aborda aspectos sobre o comportamento dos por R.F. Legget o livro “Geology and Enginee-
materiais geológicos que constituem a Terra, e o uso ring”. No Brasil está em construção a barragem de
de modelos em escala para o entendimento de falha- Barra Bonita, e é publicado o Decreto da Profissão
mentos, e também no mesmo ano K. Zebera propôs de Geólogo. Em 1963, dois pioneiros publicam o
o Método das Bandas para representação em 3D, e livro “Engineering Geology”, e em 1964 surge o
ainda George A. Kiersch criou a Engineering Geo- embrião da International Association of Engine-
logy Division as the first operating division of the ering Geology (IAEG) tendo como objetivos bá-
Geological Society of America, e também K. Terza- sicos agregar profissionais de diferentes países e
ghi publicou o livro Engineering Geology. Em 1950, tentar homogeinizar os procedimentos técnicos,
dois eventos marcantes foram o lançamento do livro assim como o grupo de Geologia de Engenharia
“Técnicas para a elaboração de Cartas Geotécnicas” da Geological Society. Um texto sobre a tragédia
por Popov (Russia), e o Berkey Volume intitulado de Vaiont foi publicado por G.A. Kiersch (1965),
Application of Geology to Engineering Practices intitulado “The Vaiont Tragedy: geologic causes
(Geological Society), em homenagem a Charles and engineering implications”. Em 1967, ocorreu
Berkey, por S. Paige, sendo este um dos mais signi- o First Congress of the International Society of
ficativos compêndios sobre a atividade do profissio- Rock Mechanics, e entre 1968 e 1969 foram publi-
nal de Geologia de Engenharia. cados pelo CSIRO (Austrália) diversos trabalhos
relacionados à Geologia de Engenharia. Milan
Matula publicou o texto intitulado “Regional En-
1950 – 1970
gineering Geology of Czechoslovak Carpathians”,
No ano de 1951 surge a primeira conceitua- que trouxe uma nova visão de trabalhos de Geo-
lização do profissional de Geologia de Engenha- logia de Engenharia para grandes extensões terri-
ria pelo Executive Committe of the Division on toriais. Em 1968 também ocorreu o 23rd Interna-
Engineering Geology of the Geological Society of tional Geological Congress na cidade de Praga e
America. Em 1955 John Russell Schultz publicou a primeira assembléia geral da IAEG. Nesee con-
o livro “Geology in Engineering”, que teve muitas gresso, foi apresentado um número significativo
edições até o final da década de 1980, e até a atu- de trabalhos relativos à Geologia de Engenharia,
alidade é uma referência bibliográfica importante principalmente de mapeamento geotécnico.
na formação profissional. Em 1957 surge o primei- No Brasil, entre 1950 e 1970 diversos núcleos
ro curso de pós-graduação em Geologia de Enge- de Geologia de Engenharia são iniciados princi-
nharia no Imperial College (Londres-Inglaterra) palmente nos estados de São Paulo, Rio de Janei-
liderado por John Knill, aberto para geólogos e ro e Minas Gerais com a implantação de grandes
engenheiros, e no Brasil surgem os primeiros cur- obras de engenharia e mineração. Haberlenner foi
sos de Geologia nas UFRGS, USP, UFRJ, UFPE contratado em 1956 para trabalhar com hidrelétri-
e UFOP. A base da Association of Engineering cas. Em continuidade, foi trabalhar como profes-
Geologists (AEG) foi criada nos USA, e também sor da UFRJ e publicou, em 1966, o trabalho de-
ocorreu o lançamento do livro “Principles of En- nominado Princípios de Mapeamento Geotécnico
gineering Geology and Geotecnics” por Krynine (primeiro trabalho de Mapeamento Geotécnico no
e Judd, abordando a relação entre a Geologia de Brasil), assim como um relatório para o CNPQ so-
Engenharia e a Geotecnia. bre as encostas da cidade do Rio de Janeiro (jun-
No ano de 1967, ocorreu a fundação da As- to com um grupo de profissionais). Heine (1966)
sociation of Engineering Geology (AEG) com o publicou o texto Levantamento Geotécnico do Es-
objetivo de atingir todos os estados americanos e tado da Guanabara. O ensino de Geologia de En-
traçar as diretrizes técnicas e éticas do profissio- genharia na UFRJ foi iniciado em 1967 como uma
nal de Geologia de Engenharia. Nos anos 1960 tem subárea de Pós-Graduação em 1968. Nesse perí-
a atuação, na Europa leste, do profissional Milan odo, a Geologia de Engenharia era desenvolvida
Matula, um dos dez mais importantes geólogos de no IPT, São Paulo, na Seção de Geologia Aplicada
engenharia, pois atuou em quase todas as frentes fundada em 1955, onde trabalhava Ernesto Pi-
da Geologia de Engenharia. Em 1962, é lançado chler. Em 1968, surgiu a Associação Paulista de
46
Um breve relato sobre a geologia de engenharia
Geologia Aplicada que, junto com outros grupos, de São Paulo, o 2nd International Congress of En-
dá as bases da Associação Brasileira de Geologia gineering Geology, organizado pela ABGE e IAEG;
de Engenharia e a 1ª Semana de Geologia Apli- e ao se consultar os anais verifica-se o quanto foi
cada foi realizada em 1969. R. Glossop fez uma intenso o desenvolvimento da profissão e a expan-
apresentação, em 1969, sobre o tema “Engineering são do conhecimento no Brasil entre 1960 e 1974.
geology and soil mechanics”, que é um texto inte- No período entre 1974 e 1976, foi criada a primeira
ressante para o entendimento da relação das duas Comissão da IAEG (Engineering Geological Map-
áreas de conhecimento. ping Commission – IAEGE), e ocorreu a publicação
Nesse período, vale a lembrança de alguns do texto “The logic of engineering geological and
profissionais que desenvolviam atividades pro- related maps: A discussion of the definition and
fissionais, como homenagem a todos os geólogos classification of map units, with special references
de engenharia, tais como: Murilo Dondici Ruiz, to problems presented by maps intended for uses
Milton Kanji, Fernando Pires de Camargo, Guido in civil engineering” por Varnes. Esse texto trouxe
Guidicini, Fernão Paes de Barros, Luiz Ferreira novos aspectos que vieram a ser incorporados nos
Vaz, Alfredo José Simon Bjorberg, Nivaldo Chios- trabalhos de mapeamento geotécnico. Em 1975 foi
si, Ronaldo Simões Lopes de Azambuja, Josué realizado o 1º Congresso Brasileiro de Geologia de
Alves Barroso, Sergio Brito, Antonio Manuel de Engenharia e iniciaram-se as obras da Barragem de
Oliveira e outros. Itaipu. Em 1976, foi criado o curso de pós-gradua-
ção em Geotecnia na Escola de Engenharia de São
Carlos (USP), que reuniu os esforços dos membros
1970 - 1980
do Departamento de Geotecnia e o Setor de Geolo-
Nessa década, a Geologia de Engenharia so- gia de Engenharia do IPT. Durante o ano de 1978 foi
freu uma grande expansão, atingindo praticamente realizado, em Madrid, o 3rd International Congress
todos os países. No ano de 1970, houve a realização, of Engineering Geology com temática central com
em Paris, do 1st International Congress of Engine- um número significativo de trabalhos e seguindo a
ering Geology, que tem uma grande importância, mesma distribuição do ocorrido em São Paulo. No
pois foram apresentados trabalhos de centenas de mesmo ano, o 2º Congresso Brasileiro de Geologia
países, e até os dias atuais muitos são consultados de Engenharia ocorreu na cidade de São Paulo,
para a orientação de atividades profissionais e de com um conjunto de trabalhos predominantemen-
pesquisa. Em 1970, também foi lançado o Bulletin te relacionados a obras de engenharia e também o
of the International Association of Engineering Ge- trabalho de Prandini e outros autores relativo aos
ology, e o primeiro número trouxe texto de M. Ar- Morros de Santos e São Vicente que tornou-se um
nould sobre a “International Association of Engine- referencial no Brasil em termos de Geologia Apli-
ering Geology, History-Activity”, com os estatutos cada às áreas urbanas.
e outras informações, assim como trabalhos sobre Em 1970, a Geological Society of London
o estágio da Geologia de Engenharia em alguns pa- publicou um texto intitulado “The logging of
íses. Entre 1971 e 1972 foram realizadas as 2ª, 3ª e rock cores for engineering purposes” (elabora-
4ª Semana de Geologia Aplicada Associação Pau- do por J. L. Knill, C. R. Cratchley, K. R. Early,
lista de Geologia Aplicada. Fred O. Jones publicou, R. W. Gallois, J. D. Humphreys, J. Newbery, D.
em 1973, um estudo feito sobre os escorregamen- G. Price e R. G. Thurrell) que passou por uma re-
tos do Rio de Janeiro e da Serra das Araras (asso- visão em 1977, caracterizado como um texto fun-
ciação entre o DNPM e a Agency for International damental para Geologia de Engenharia.
development – USA), abordando um histórico dos Em 1979, ocorreram duas reuniões coorde-
processos; assim como uma análise geral dos con- nadas pela IAEG o “Engineering Geological Ma-
dicionantes e de outros aspectos antrópicos envol- pping Symposium, Newcastle upon Tyne” que
vidos (Landslides of Rio de Janeiro and the Serra pode ser considerado um dos dez melhores con-
das Araras Escarpment, Brazil). O ano de 1974 foi juntos de trabalhos sobre mapeamento geotécni-
um dos anos mais importante para a Geologia de co, e uma proposta da Commission Engineering
Engenharia no Brasil, pois foi realizado, na cidade Geological Mapping (IAEG) sobre classificação de
47
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
rochas e solos (Classification of Rocks and Soils de Solos e Fundações na cidade de Salvador (BA).
for Engineering Geological Mapping. Part 1: Rock O 1o Simpósio Latino-Americano sobre Riscos Ge-
and Soil Materials). ológicos Urbanos ocorreu em São Paulo (SP) em-
balado principalmente pela declaração pela ONU
da Década Internacional de Redução de Riscos.
1980 – 1990
Nesse período, surgem os recursos compu-
No início da década, a ABGE realizou o 3º tacionais que propiciam o tratamento das infor-
Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia mações de maneira mais consistentes, assim como
na cidade de Itapema (SC), com intensa apresen- o uso de modelos matemáticos e possibilitam a
tação de trabalho relacionados às obras realizadas maior eficiência de técnicas, como as geofísicas e
entre 1960 e 1970, assim como em realização e em de monitoramento.
projeto. Em 1982, a IAEG realizou o 4th Internatio-
nal Congress of Engineering Geology, na cidade 1990 – 2000
de New Delhi, e a Geological Society of London
publica o texto “Land Surface Evaluation for En- No ano de 1991 ocorreu um evento e a publi-
gineering Practice (Report by a Working Party)” cação do texto “The heritage of Engineering Geo-
com orientações e procedimentos que auxiliaram logy: The First hundred years” por G.A.Kiersch,
o desenvolvimento do mapeamento geotécnico que constitui um dos mais completos textos sobre
em muitos países. O 4º Congresso Brasileiro de a evolução da Geologia de Engenharia, no caso
Geologia de Engenharia ocorreu na cidade de para o USA. No mesmo ano, a publicação do li-
Belo Horizonte (MG) com temática e trabalhos na vro “Engineering Geological Mapping”, por De-
mesma direção que o anterior, e o 5th Internatio- arman, sintetizou um conjunto de conhecimentos
nal Congress of Engineering Geology (IAEG) foi sobre o mapeamento geotécnico, principalmente
em Buenos Ayres, sempre mantendo o objetivo da da Inglaterra, e alguns trabalhos clássicos.
IAEG da difusão da Geologia de Engenharia nos Em 1993, ocorreu em São Paulo, o 1º Simpósio
diferentes países. Brasileiro de Cartografia Geotécnica e na cidade
Em 1981, a AEG (USA) publicou a primeira de Poços de Caldas (MG) ocorreu o 7º Congresso
edição do Professional Practice Handbook (http:// Brasileiro de Geologia de Engenharia, onde houve
www.aegweb.org/files/public/aegpph.pdf), que diversas mesas redondas e debates sobre temática
se caracteriza como um texto fundamental não so- variada dentro da Geologia de Engenharia e áreas
mente para os geólogos de engenharia americanos, afins. Maciel Filho publicou a primeira versão do
mas para brasileiros e de outros países. Esse texto livro Geologia de Engenharia em 1994, e ocorreu
ainda é pouco conhecido no meio técnico brasilei- em Lisboa o 7th International Congress of Enginee-
ro. Esse congresso encerrou uma fase da Geologia ring Geology, com a maior participação de brasilei-
de Engenharia no Brasil e deu início a outra, com ros, sem contar o realizado em São Paulo, em 1974.
uma diversidade maior de trabalhos. Em 1996, ocorre o 8º Congresso Brasileiro de Geo-
Em 1987, no 5º Congresso Brasileiro de Ge- logia de Engenharia, na cidade do Rio de Janeiro, e
ologia de Engenharia, em São Paulo, foi apresen- confirma-se o processo de mudanças iniciado em
tado um grupo de trabalhos sobre a Geologia de 1990, com predomínio de trabalhos com enfoque
Engenharia em termos de evolução, perspectivas ambiental. No ano de 1996, a ABGE desenvolveu
e as necessidades de desenvolvimento. um projeto junto com o CNPQ/PADCT sobre o
Em 1990, a IAEG realiza o seu 6th Internatio- diagnóstico da sub-área de Geologia de Engenha-
nal Congress of Engineering Geology, em Ams- ria envolvendo as escolas e os profissionais.
terdan, e foi o evento com a menor participação Ainda no ano de 1996 ocorreu uma reunião
de brasileiros entre todos os congressos da IAEG. técnico-científica sobre incertezas nos ambientes
Por outro lado, a ABGE e a ABMS buscaram a re- geológicos (Uncertainty in the Geologic Environ-
alização conjunta de eventos e realizaram, em Sal- ment: From Theory to Practice), que discutiu com
vador, o 6º Congresso Brasileiro de Geologia de profundidade a importância da avaliação das in-
Engenharia e o Congresso Brasileiro de Mecânica certezas nos projetos ambientais e geotécnicos.
48
Um breve relato sobre a geologia de engenharia
Em 1997, Maciel Filho lança uma nova versão respectivas instituições, incluindo a contra-
do livro com o título Geologia de Engenharia e Pe- tação de profissionais e/ou treinamento de
ter Fookes proferiu a palestra como First Glossop técnicos,
Lecture, com o título “Geology for engineers: the 2. Diversos grupos (SP, RJ, PR, SC, RS, PE, MG)
geological model, prediction and performance”, passaram a atuar no âmbito dos Desastres
que trata das relações entre as informações geoló- Naturais, principalmente movimentos de
gicas e as obras de engenharia, e discutiu diversos massa gravitacionais e inundações,
aspectos conceituais sobre os diferentes temas que 3. Houve um aumento do oferecimento de dis-
são considerados dentro do campo da Geologia e ciplinas com conteúdo de Geologia de Enge-
Geotecnia. A Geologia de Engenharia completa- nharia nos cursos de graduação de Geologia,
va 30 anos na UFRJ e um relato muito especial foi Engenharia Civil, de Minas e Ambiental,
elaborado por Barroso e Cabral sobre a área de 4. Os Sistemas Geográficos de Informações (SIG)
conhecimento, relatando os aspectos de implanta- tornam-se comuns e permitem a disposição
ção e das atividades até então desenvolvidas. Em de dados espaciais de forma mais dinâmica.
1998, realizou-se em Vancouver (Canada) o 8th In- Consequentemente, trazem ganhos positivos
ternational Congress of Engineering Geology, e aos profissionais, pois permitem uma análise
partir de então a IAEG passou a ser denominada e interpretação mais efetiva dos dados, por
International Association of Engineering Geology outro lado, há os negativos, como a preocu-
and the Environment (IAEGE) e o Engineering pação somente estética dos trabalhos, o que
Geology Group (US Department of the Interior tem levado a trabalhos (científicos e profis-
– Bureaux of Reclamation) lança em edição limita- sionais) sem conteúdo técnico, o que passa
da o Engineering Geology Field Manual (http:// aos novos profissionais a idéia de que a Ge-
www.usbr.gov/pmts/geology/geoman.html), ologia de Engenharia é somente um aspecto
que é um texto pouco conhecido pelo meio técni- de estética dos documentos cartográficos, e
co brasileiro, de excelente qualidade. No final da 5. Os programas de pós-graduação com linhas
década, a ABGE realizou o 9º Congresso Brasilei- temáticas de Geologia de Engenharia tem
ro de Geologia de Engenharia na cidade de São um crescimento acentuado em programas
Pedro (SP), onde a maioria dos trabalhos foi com relacionados às Geociências, Engenharia Ci-
temáticas ambientais. vil e de Minas. No final da década existiam
No ano de 2000, ocorreu na Austrália um no Brasil cerca de 20 programas em institui-
evento técnico-científico envolvendo a IAEGE ções federais, estaduais e privadas, principal-
International Association of Rock Mechanics mente nos estados de SP, RJ, MG, RS, PR, PE,
(ISRM) e International Soil Mechanics and Foun- BRASILIA e BA.
dation Engineering (ISMEF), que discutiram a
reunião das três áreas básicas da Geotecnia em A partir do inicio desta década há uma par-
função do termo “Common Ground”. Neste, foi ticipação de um numero significativo de profis-
proferida uma palestra por Morgenstern sob o tí- sionais nos trabalhos envolvendo aspectos am-
tulo de “Common Ground” e também outra por bientais, chegando a atingir mais da metade dos
Fookes, Baynes e Hutchinson sobre o tema “Total profissionais em muitos paises, e consequente-
Geological History: A model approach to the an- mente ocorreu a adoção do termo Ambiente nas
ticipation, observation and understanding of site denominações da IAEG e de grande parte das as-
conditions”. Ambas são muito interessantes para sociações nacionais.
os profissionais de Geologia de Engenharia e da
Geotecnia de maneira geral. 2000 – 2011
Para a Geologia de Engenharia no Brasil, nes-
sa década, ocorreram alguns fatos marcantes e Nessa década, a ABGE implementou as co-
importantes: missões de cartografia geotécnica, riscos, erosão,
1. A CPRM, o Instituto Geológico (SP) e a Mi- geofísica, recursos hídricos, temas gerais e resídu-
neropar (PR) fortaleceram a área dentro das os, e o Banco de Dados de Cartografia Geotécnica
49
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
e Geoambiental, que conta atualmente cerca de a Geologia de Engenharia como parte da solução
1000 trabalhos cadastrados. dos problemas ambientais.
A IAEGE realizou, em 2002, o 9th Internatio- Proske, Vlcko, Rosenbaum, Dorn, Culshaw,
nal Congress of Engineering Geology, em Durban Marker (Report of IAEG Commission 1 Enginee-
(África do Sul), com a temática central Geologia ring Geology Mapping) publicaram o texto “Spe-
de Engenharia para os países em desenvolvimen- cial purpose mapping for waste disposal sistem”,
to. Knill (2002) realizou a palestra The First Hans- que trata de tema frequente nas publicações e ativi-
Cloos Lecture - Core Values for Engineering Geo- dades profissionais envolvendo a seleção e caracte-
logy, que levou a IAEGE a realizar debates sobre o rização de áreas para disposição de resíduos. M.G.
tema e, em 2004, publicou no IAEG News (Vol 32, Culshaw publicou o texto “From concept towards
No 1, 2004), um conjunto de tópicos considerados reality: developing the attributed 3D geological
como Core Values: model of the shallow subsurface”, que aborda tema
fundamental para o entendimento da variabilida-
1. Site specific engineering geological descriptions de espacial dos materiais geológicos e estruturas
(local or project related) of stratigraphy, structure,
groundwater, processes, and the related engineering or
geológicas, e que ganhou nova força, nessa déca-
environmental performance. da, devido aos avanços das técnicas computacio-
nais. No Brasil, ocorreu o 11º Congresso Brasileiro
2 . Universal engineering geological syntheses (ap- de Geologia de Engenharia e Ambiental, na cidade
plicable throughout the world) of properties, parame- de Florianópolis (SC), e foi mantida a tendência de
ters, engineering performance of geological materials
trabalhos com enfoques ambientais,
or processes, soil/rock/water systems, environmental
systems, especially inhomogeneous and/or fractured Em 2006, foi realizado em Newcastle (Ingla-
materials and/or active processes. terra) o 10th International Congress of Enginee-
ring Geology and the Environment, com o tema
3. Investigation and characterization methods, central Geologia de Engenharia para as cidades do
surface and subsurface field techniques especially to futuro, e algumas publicações trouxeram novas
investigate and describe spatial variability, capabilities
idéias e debates. A publicação de H. Bock denomi-
and limitations of investigation techniques.
nada “Common ground in engineering geology,
4. Engineering geological models as representations soil mechanics and rock mechanics: past, present
of site specific and anticipated engineering geological and future” aponta caminhos futuros que po-
conditions, preparation protocols, metadata require- dem ser seguidos pelas três disciplinas básicas da
ments, descriptions of geological uncertainty, visuali- Geotecnia. Chacón, Irigaray, Fernández e El Ha-
zation of models, methods of transforming into ground
engineering models, use of models for risk management
mdouni, também em 2006, publicam artigo com o
and geohazard engineering título “Engineering geology maps: landslide and
geographical information systems (Report to the
5. Management and communication of enginee- Commission 1 on Engineering Geology Maps, IA-
ring geological information, reporting, engineering EGE)” caracterizando-se como uma síntese bem
geological terminology, defensible reporting standards,
completa do tema. Em 2008, a ABGE realizou o
codes of practice, communication with endusers, edu-
cation and training. 12º Congresso Brasileiro de Geologia de Enge-
nharia e Ambiental, em Pernambuco, na cidade
A ABGE realizou o 10º Congresso Brasileiro de Porto de Galinhas, e houve um predomínio de
de Geologia de Engenharia em 2002 na cidade de trabalhos com enfoques ambientais e, por outro
Ouro Preto (MG), com a apresentação de um nú- lado, os aspectos de Geologia de Engenharia em
mero significativo de trabalhos associados às ati- boa parte deles não foram considerados como é
vidades de mineração. esperado para trabalhos dessa natureza. Em 2009,
Em 2005, a AEG passa a ser denominada ofi- a Geological Society of London publica um livro
cialmente Association of Environmental & Engi- especial (Editado por M G Culshaw, H J Reeves,
neering Geologists, incorporando em suas orien- I Jefferson and T Spink) que tem por título “En-
tações aspectos da Geologia Ambiental e, assim, gineering Geology for Tomorrow´s Cities”, com
as duas maiores associações passam a considerar textos elaborados por diversos autores sobre as
50
Um breve relato sobre a geologia de engenharia
51
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
regionais quanto à língua e/ou conteúdo. Entre- Price D. G. (2009) Engineering Geology Principles
tanto, há um grupo que pode ser considerado de and Practice. Freitas, Michael de (Ed.) 450 p. 182
caráter internacional e que deve fazer parte da illus. Springer.
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Um breve relato sobre a geologia de engenharia
55
1
2
RBGEA
REVISTA BRASILEIRA DE
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
E AMBIENTAL
REVISTA BRASILEIRA DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL
Publicação Científica da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Editor
Lázaro Valentim Zuquette – USP
Co Editor
Fernando F. Kertzman – GEOTEC
Revisores
Antonio Cendrero – Univ. da Cantabria (Espanha)
Alberto Pio Fiori - UFPR
Candido Bordeaux Rego Neto - IPUF
Clovis Gonzatti - CIENTEC
Eduardo Goulart Collares – UEMG
Emilio Velloso Barroso – UFRJ
Fabio Soares Magalhães – BVP
Fabio Taioli - USP
Frederico Garcia Sobreira - UFOP
Guido Guidicini - Geoenergia
Helena Polivanov – UFRJ
Jose Alcino Rodrigues de Carvalho – Univ. Nova de Lisboa (Portugal)
José Augusto de Lollo - UNESP
Luis de Almeida Prado Bacellar – UFOP
Luiz Nishiyama - UFU
Marcilene Dantas Ferreira - UFSCar
Marta Luzia de Souza – UEM
Newton Moreira de Souza – UnB
Oswaldo Augusto Filho – USP
Reinaldo Lorandi – UFSCar
Ricardo Vedovello – IG/SMA
Foto da Capa
Obras do Rodoanel trecho sul, nas proximidades da represa Billings.,
tirada em 08 de julho de 2008 . Fabrício Araujo Mirandola - IPT
Edição Especial
Tiragem: 2.500
ISSN 2237-4590
São Paulo/SP
Novembro/2011
Av. Prof. Almeida Prado, 532 – IPT (Prédio 11) 05508-901 - São Paulo - SP
Tel.: (11) 3767-4361 - Telefax: (11) 3719-0661 - E-mail:abge@ipt.br - Home Page: http://www.abge.com.br
CONSELHO DELIBERATIVO
Elaine Cristina de Castro, Elisabete Nascimento Rocha, Fabio Canzian da Silva, Fabrício Araújo Mirandola, Fer-
nando Facciolla Kertzman, Fernando Ximenes T. Salomão, Gerson Almeida Salviano Filho, Ivan José Delatim,
Kátia Canil, Leonardo Andrade de Souza, Luiz Antonio P. de Souza, Luiz Fernando D’Agostino, Marcelo Fis-
cher Gramani, Newton Moreira de Souza, Selma Simões de Castro.
REPRESENTANTES REGIONAIS UF
ROBERTO FERES AC
HELIENE FERREIRA DA SILVA AL
JOSÉ DUARTE ALECRIM AM
CARLOS HENRIQUE DE A.C. MEDEIROS BA
FRANCISCO SAID GONÇALVES CE
NORIS COSTA DINIZ DF
JOÃO LUIZ ARMELIN GO
MOACYR ADRIANO AUGUSTO JUNIOR MA
ARNALDO YOSO SAKAMOTO MS
KURT JOÃO ALBRECHT MT
CLAUDIO FABIAN SZLAFSZTEIN PA
MARTA LUZIA DE SOUZA PR
LUIZ GILBERTO DALL’IGNA RO
CEZAR AUGUSTO BURKERT BASTOS RS
CANDIDO BORDEAUX REGO NETO SC
JOCÉLIO CABRAL MENDONÇA TO
APRESENTAÇÃO
9 BOÇOROCAS
Ernesto Pichler (In memorian)
RESUMO Abstract
Discute-se a integração dos estudos geológico-ge- INTEGRATION OF THE GEOLOGICAL AND GE-
otécnicos realizados para fins de projetos de enge- OTECHNICAL STUDIES APPLIED TO ENGINE-
nharia e de avaliação de impactos ambientais de ERING PROJECTS AND ENVIRONMENTAL IM-
empreendimentos propostos, com destaque a obras PACT ASSESSMENT: ARE WE MOVING?
de infraestrutura e indústrias de base. Inicialmente,
apresenta-se a correspondência entre os principais This paper discusses the integration of the geological
tipos de projetos de engenharia realizados nas di- and geotechnical studies applied to engineering pro-
ferentes fases de um empreendimento e os estudos jects and environmental impact assessment for new
ambientais requeridos no processo de Avaliação de developments, especially engineering works of infras-
Impacto Ambiental. Analisam-se as relações entre tructure and basic industries. Initially, the correspon-
os estudos geológico-geotécnicos envolvidos nas dence between the main types of previous engineering
duas frentes de aplicação. Dentre vários enfoques projects developed in the phases of a proposed develo-
possíveis, enfatiza-se o grau de integração dos estu- pment, and the environmental studies required by En-
dos geológico-geotécnicos adquiridos e gerados nas vironmental Impact Assessment process is presented.
diferentes fases de um empreendimento, tendo em The relations among the geological and geotechnical
conta a perspectiva de propiciar, ao mesmo tempo studies involved in these two contexts are examined,
e com igual relevância, a construção de obras ade- that means both due to the engineering projects and
quadas e sustentáveis. Busca-se contribuir para uma the environmental impact studies. Amongst several
compreensão sobre se, de fato, está se avançado nes- possible approaches, the analysis of integration grade
sa integração ou se ainda há um longo caminho a between the acquired and generated knowledge in the-
percorrer para um aproveitamento mais efetivo do se two areas is emphasized in order to provide at the
conhecimento geológico-geotécnico. Toma-se como same time and with equal importance the construction
referência observações efetuadas em casos de rodo- of appropriate and sustainable engineering works. The
vias, ferrovias, dutovias, minas, loteamentos e ater- aim is to encourage to the perception of whether this
ros sanitários, realizados nos últimos anos no estado combination is advancing or there is still a long way to
de São Paulo e submetidos ao processo de Avalia- achieve an integrated the geological and geotechnical
ção de Impacto Ambiental, instrumento por meio do knowledge. Observations from cases of roads, railways,
qual a integração dos estudos geológico-geotécnicos pipelines, mines, housing developments and landfills
nas duas frentes de aplicação tem sido potencializada. in recent years and submitted to the Environmental
Os resultados obtidos indicam que há sinais de inte- Impact Assessment process at the state of São Paulo are
gração, mas predomina ainda certo distanciamento. used to develop this paper. The Environmental Impact
Apontam-se alguns desafios tecnológicos e gerenciais Assessment process has been increasingly enhancing
* Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), São Paulo, SP, Brasil, labgeo@ipt.br
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
a enfrentar em prol de um aproveitamento mais inte- the synergy between these two approaches. The results
grado do conhecimento geológico-geotécnico em no- indicate that there are signs of rapprochement althou-
vos emprendimentos. gh remains still some distance. Some technological and
management challenges facing towards integrated use
Palavras-chave: geologia de engenharia; meio ambien- of geological and geotechnical knowledge applied to
te; conhecimento geológico-geotécnico; obras de infra- the engineering and environmental studies related to
estrutura; indústrias de base. the new developments are brought forward.
1 INTRODUÇÃO
58
Integração de estudos geológico-geotécnicos aplicados a projetos de engenharia e à avaliação de impactos ambientais
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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Integração de estudos geológico-geotécnicos aplicados a projetos de engenharia e à avaliação de impactos ambientais
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Alguns trabalhos se aproximam do tema, nos como no caso de barragens e outras grandes obras
quais se podem distinguir, além da abordagem de infraestrutura. Visando contribuir para efeti-
do meio físico nos projetos de engenharia e nos vidade da cooperação na concepção de grandes
estudos ambientais, ambos comumente tratados projetos, Grebici (2007) desenvolveu um modelo
de modo separado, algumas características refe- que integra as diferentes formas de cooperação, os
rentes a estudos geológico-geotécnicos realizados diferentes modos de organização do processo de
para as duas aplicações. concepção de um projeto e os produtos intermedi-
Salientam-se esforços conjuntos de geólogos ários e sua adequação às finalidades do empreen-
de engenharia e da área ambiental do serviço geo- dimento, destacando a importância de desenvol-
lógico e da universidade, ambos do estado norte- ver formas apropriadas de cooperação. De fato,
americano da Dakota do Norte, na realização de nos casos em que há cooperação efetiva entre os
mapeamentos geológicos detalhados e integrados, projetistas e a equipe ambiental, muitos impactos
buscando realçar a percepção das condições geo- ambientais negativos podem ser prevenidos ou,
lógico-geotécnicas existentes na região de Fargo ao menos, ter sua magnitude reduzida de maneira
e suas implicações ambientais (Anderson, 2006). significativa (Sánchez, 2006).
Esse autor destaca que muitos dos produtos pro- Sánchez & Hacking (2002) também alertam
venientes das investigações geológicas têm servi- para a importância entre vincular a AIA ao Sis-
do como base de dados primária para o planeja- tema de Gestão Ambiental (SGA) de um empre-
mento ambiental futuro dessa região. Cita, ainda, endimento, aproveitando os estudos realizados
que várias condições geológicas desfavoráveis para a confecção do EIA/Rima para a gestão da
encontradas, como deformação de solos argilosos construção, operação e desativação de empreen-
de origem lacustre, capacidade de suporte inade- dimentos, o que geralmente não ocorre na prática.
quada e presença de movimentos de massa, têm Um caso hipotético de uma mineração ilustra as
sido a causa de problemas geológico-geotécnicos interações possíveis e necessárias para que isso
e ambientais, exemplificando com as dificuldades seja viabilizado e promova, dentre outras melho-
na definição do greide da estrada de ferro (Nor- rias, a adequada implantação e monitoramento de
thern Pacific) e a ocorrência de recentes e repetidas impactos ambientais após a aprovação da viabili-
inundações sazonais em áreas urbanas. dade ambiental do empreendimento.
A importância vital entre a geologia ambien- No país, o movimento de aproximação entre
tal e os processos geológicos no entendimento do projetos de engenharia e estudos ambientais trou-
meio físico, bem como a influência fundamental xe evidentes repercussões ao campo da geologia
da geologia de engenharia no mundo moderno, de engenharia e ambiental, o que se observa em
em particular para as obras de infraestrutura, são eventos e publicações correlatas a esses ramos
destacadas como campos que devem atuar con- das geociências aplicadas. Em meio a outras fon-
juntamente (Bell, 2008). O panorama da relação tes e bases de dados passíveis de análise, breve
intrínseca entre geologia de engenharia e meio consulta aos anais dos últimos quatro congressos
ambiente é ilustrado por esse autor com base em nacionais da Associação Brasileira de Geologia de
exemplos práticos. O mesmo autor examina a in- Engenharia e Ambiental (ABGE) possibilita detec-
fluência de aspectos de riscos geológicos, a sig- tar alguns sinais nessa aproximação. Consideran-
nificância dos recursos hídricos e do solo, os im- do os trabalhos que enfatizam a contribuição do
pactos ambientais da mineração, a disposição de conhecimento referente ao meio físico na solução
resíduos e a poluição sobre o meio ambiente, as- de problemas de engenharia e que, conjuntamen-
sim como vários outros aspectos que envolvem o te, abordam também questões ambientais, nota-
desenvolvimento de obras de infraestrutura e que se que a quantidade aumentou no início da dé-
acarretam problemas ambientais. cada de 2000, mantendo-se relativamente estável
Quanto a formas de integração praticadas, desde então. Esses valores se referem a trabalhos
tem-se que a elaboração de projetos complexos completos que tratam de aspectos e impactos am-
implica necessariamente a participação de diver- bientais relacionados a empreendimentos (obras
sos atores, com formações e pontos de vista di- de infraestrutura e indústrias de base), indepen-
ferentes. Contudo, o relacionamento entre esses dentemente do porte e do fato de haver alguma
atores pode se tornar problemático na prática, relação com o processo formal de AIA (Tabela 1).
62
Integração de estudos geológico-geotécnicos aplicados a projetos de engenharia e à avaliação de impactos ambientais
Tabela 1 – Relação entre a quantidade de artigos publicados que abordam conjuntamente aspectos
geológico-geotécnicos para fins de projetos de engenharia e de estudos ambientais de
empreendimentos e a quantidade total de artigos publicados nos últimos quatro congressos
da ABGE.
Quantidade de artigos
Quantidade de arti-
completos publicados Proporção y/x
Congresso/Local - Ano gos completos publi-
sobre o meio físico em (%)
cados (x)
empreendimentos (y)
9º CBGE/São Pedro - 1999 90 14 16
10º CBGE/Ouro Preto - 2002 155 40 26
11º CBGE/Florianópolis - 2005 184 59 32
12º CBGE/Porto de Galinhas - 2008 192 60 31
Total 875 259 30
As proporções obtidas sugerem que já há cenário com centenas e talvez até alguns milha-
uma quantidade relevante de experiências acu- res de novas obras de infraestrutura a serem sub-
muladas na área de geologia de engenharia e metidas ao processo de AIA nos próximos anos.
meio ambiente, relacionadas a empreendimentos. Exemplo da expressiva dimensão desse cenário,
Essas experiências certamente ensejariam análises conforme demonstrado em Marreco (2010), en-
detalhadas no sentido de aferir o grau específico contra-se na listagem de projetos de âmbito fede-
de integração entre os diversos estudos geológi- ral em andamento, relacionados a abastecimento
co-geotécnicos elaborados e sua aplicação plena de água (canais, adutoras, irrigação, barramen-
às distintas fases de um empreendimento especí- tos), transporte (rodovias, ferrovias, aeroportos,
fico. Contudo, em análise preliminar, nota-se que portos, hidrovias), energia (usinas hidrelétricas,
a discussão sobre a integração desses estudos é usinas termelétricas, parques eólicos, linhas de
praticamente ausente. transmissão de energia elétrica, unidades de ex-
A relevância e o potencial de integração entre ploração e produção de petróleo e gás natural),
os estudos geológico-geotécnicos realizados nas dutovias (gasodutos, oleodutos, polidutos), uni-
duas frentes de aplicação, em alguns casos de em- dades de refino, petroquímica e fertilizantes, uni-
preendimentos de rodovias, ferrovias, dutovias, dades da indústria naval (estaleiros, petroleiros e
minerações, loteamentos e aterros sanitários cons- plataformas), entre outros. Ao se somar também
truídos nos últimos anos e submetidos ao proces- os projetos empreendidos em âmbito estadual e
so de AIA, são exemplificados e discutidos nos municipal, essa dimensão tende a revelar um ce-
trabalhos de Gallardo & Sánchez (2005), Gallardo nário com uma quantidade de empreendimentos
et al. (2008a, 2008b), Campos et al. (2008, 2010) e ainda maior.
Bitar et al. (2010). Nesses trabalhos, apontam-se Simultaneamente, surge a possibilidade de se
os estudos geológico-geotécnicos que têm sido incrementar a implantação no País do instrumento
salientados no processo de AIA nos casos abor- da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), com o
dados. Parte dos casos considerados por esses au- objetivo de antecipar-se às consequências ambien-
tores é incluída no conjunto de empreendimentos tais negativas devido à criação e implantação de
analisados no presente trabalho. políticas, planos e programas de desenvolvimento,
as quais resultam posteriormente na definição de
3 RELAÇÕES ENTRE PROJETOS DE projetos específicos. Com a AAE, busca-se interfe-
ENGENHARIA E ESTUDOS DE AVALIAÇÃO rir na reformulação e adaptação dessas iniciativas
E GESTÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS (políticas, planos e programas), em tempo hábil,
DE EMPREENDIMENTOS ou seja, antes que decisões importantes sejam to-
madas e venham a dificultar ou impedir eventu-
As perspectivas de empreendimentos futu- ais necessidades de mudanças na concepção dos
ros no País, ligados a programas continuados de projetos decorrentes. Com a implantação da AAE
investimentos públicos e privados, desenham um no País, espera-se facilitar e tornar mais eficiente
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 1 – Relação geral entre as diferentes fases ou etapas de um projeto de engenharia, estudos ambientais e licenciamento
ambiental, considerando especialmente o caso de obras de infraestrutura. Obs.: LP- Licença Prévia; LI- Licença de Instalação;
LO- Licença de Operação; PGR- Plano de Gerenciamento de Riscos; PAE- Plano de Ação de Emergência. Fonte: IBAMA, 2009.
64
Integração de estudos geológico-geotécnicos aplicados a projetos de engenharia e à avaliação de impactos ambientais
Figura 2 – Relação geral entre os estudos das diferentes fases e etapas na implantação de uma indústria, os estudos ambien-
tais correspondentes e o licenciamento ambiental, aplicável especialmente a casos na Região Metropolitana de São Paulo
(RMSP). Obs.: MCE- Memorial de Caracterização do Empreendimento; LP- Licença Prévia; LI- Licença de Instalação; LO- Li-
cença de Operação; e LOr- Renovação de Licença de Operação. Fonte: FIESP & CETESB (2011).
65
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
66
Integração de estudos geológico-geotécnicos aplicados a projetos de engenharia e à avaliação de impactos ambientais
dentro de soluções técnicas e práticas que garan- AIA, englobados então nos estudos do meio físi-
tam a segurança das obras e contribuam para que co ou estudos geoambientais, também se norteiam
não ocorram aspectos inesperados do meio físico, pela caracterização e conhecimento da composição
os quais possam acarretar maiores custos e ame- e dinâmica dos maciços rochosos e terrosos em que
açar ou afetar as condições ambientais internas e serão instaladas as obras. Isso geralmente se efetua
externas aos empreendimentos. em escala territorial mais ampla e visando contri-
Identificar os componentes e a distribuição buir especialmente na identificação, previsão, ava-
espacial dos distintos materiais existentes no solo e liação e mitigação de efeitos negativos de ordem
no subsolo, caracterizando-os quanto a suas cons- física, biótica e sociocultural, devido a aspectos am-
tituições, propriedades e comportamentos prová- bientais dos empreendimentos que interagem com
veis, incluindo a análise do estado de tensões nos o meio físico, como aqueles que decorrem de méto-
maciços, os fluxos hidráulicos presentes e outros dos construtivos adotados, antes que decisões im-
aspectos geodinâmicos, constitui fundamento portantes sejam tomadas. Não obstante haver essa
para que os empreendimentos sejam executados predominância, por vezes, em razão de peculiari-
de modo adequado. A elaboração de modelos
dades na combinação entre o tipo de empreendi-
geológico-geotécnicos digitais e georreferencia-
mento e o ambiente em que se localiza, os estudos
dos, crescentemente efetuados com emprego de
geológico-geotécnicos têm sido frequentemente re-
ferramentas que propiciem a compreensão geral e
queridos e ganham relevância também em escala
uma visualização tridimensional da variabilidade
de semi-detalhe e de detalhe, quando comumente
espacial existente nos maciços naturais, também
são denominados de investigações geológico-geo-
se mostra fundamental aos projetos de engenha-
técnicas ou geoambientais.
ria, tornando-se cada vez mais importante na fa-
cilitação da comunicação entre empreendedores e No caso de obras de infraestrutura lineares,
projetistas, subsidiando as discussões e a tomada por exemplo, como rodovias, ferrovias e dutovias
de decisão em prol de obras seguras, econômicas (gasodutos, oleodutos, alcooldutos, polidutos),
e tecnicamente adequadas e, ainda, ao mesmo estas costumam interceptar uma série de cursos
tempo, ambientalmente viáveis. d’água ao longo do traçado, potencializando a
Não obstante tal potencialidade, na maior amplificação de impactos ambientais negativos
parte dos casos analisados, esses estudos têm sido em razão de efeitos a ecossistemas e a alterações
conduzidos de modo pouco relacionado aos de adversas na qualidade dos recursos hídricos em
meio ambiente. A caracterização dos maciços, in- grandes extensões territoriais. Entre outros aspec-
dependemente de sua qualidade e suficiência para tos, as movimentações de terra, associadas aos
fins de projeto básico e projeto executivo, pouco métodos construtivos comumente empregados na
é utilizada nos estudos ambientais. Tem sido co- instalação dessas obras, induzem a deflagração ou
mum, inclusive, a realização destes estudos por aceleração de processos do meio físico. Entre esses
equipes projetistas que, após a fase de licencia- processos, salientam-se os erosivos e deposicio-
mento ambiental prévio, ou seja, após a obtenção nais, que envolvem a remoção e o carreamento de
da LP praticamente não mais se relacionam com sedimentos por meio das águas pluviais e os con-
as equipes responsáveis pelos estudos ambientais sequentes assoreamento e alteração nos níveis de
subsequentes. Denota-se evidente lacuna entre o cor e turbidez das águas situadas a jusante, com
uso do conhecimento geológico-geotécnico pro- impactos a ecossistemas e ao uso dos recursos hí-
duzido neste contexto em relação ao que se de- dricos em áreas que muitas vezes extrapolam as
senvolve no âmbito dos levantamentos e análises próprias áreas de influência direta ou indireta de-
do meio físico para fins ambientais. finidas em EIA/Rima.
Com isso, em vista de múltiplos requisitos
4.2 Estudos geológico-geotécnicos para fins ambientais (legais, normativos e sociais), incre-
de avaliação e gestão de impactos ambientais mentam-se progressivamente as demandas por
um bom conhecimento prévio das suscetibilidades
Por sua vez, os estudos geológico-geotécnicos associadas ao meio físico em grandes regiões, bem
efetuados no âmbito dos estudos ambientais em como cuidados especiais durante a construção e
67
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
operação de obras, visando evitar que os impac- contexto dos projetos de engenharia se mostram
tos negativos ocorram ou que, ao menos, quando relevantes também para fins de avaliação e gestão
inevitáveis, consiga-se mitigá-los de modo eficaz. de impactos ambientais e vice-versa. Contudo, tem
Os grandes volumes de terraplenagem geralmen- sido possível observar que os estudos do meio físi-
te previstos na construção de empreendimentos co realizados nas duas frentes de aplicação se de-
lineares e o ambiente a ser percorrido pela obra senvolvem predominantemente de forma distan-
têm requerido programas específicos para o meio ciada, na maior parte das vezes com profissionais
físico, como o de controle de erosão e assoreamen- e equipes técnicas distintas. Algumas peculiarida-
to. Constata-se que as consequências da erosão des e demandas específicas geralmente colaboram
compõem, desde os estudos ambientais prévios, o para esse distanciamento, mas há situações em que
rol dos principais impactos ambientais negativos a simples presença de profissionais de geologia de
esperados em empreendimentos de infraestrutu- engenharia pertencentes às equipes de meio am-
ra. Contudo, esses estudos acabam também sendo biente, em contato com as equipes de projeto de
efetuados de modo distante em relação aos proje- engenharia, contribui para melhorar um pouco a
tos de engenharia, o que se observa, por exemplo, integração e a consequente utilização plena dos co-
na formulação de sistemas e dispositivos de dre- nhecimentos obtidos. E o mesmo se poderia conse-
nagem e em outros temas correlatos. guir no sentido inverso, ou seja, com profissionais
Há outros aspectos, associados aos demais pro- de projetos de engenharia presentes nas equipes
cessos do meio físico e referentes a tipos distintos de responsáveis pelos estudos ambientais.
obras, os quais também têm sido destacados. Exem- De certo modo, as demandas associadas
plo de outro processo está na questão da sismicida- a requisitos próprios de cada contexto, como a
de induzida e nas vibrações no solo, em decorrência questão do objeto e da escala dos produtos car-
de escavações em maciços por meio de perfuração e tográficos gerados, contribui um pouco para esse
uso de explosivos. Em obras com abrangência mais distanciamento. Enquanto os estudos de projeto
localizada ou pontual, como minas e loteamentos de engenharia tendem a se voltar mais para o co-
habitacionais e industriais, ocorre, da mesma forma, nhecimento do meio físico no subsolo e em escala
a terraplenagem e a geração de material excedente, de obra, os estudos geológico-geotécnicos para
sendo, também, a erosão um dos principais proble- fins de viabilidade ambiental se direcionam geral-
mas tratados, mas em uma escala mais restrita. No mente para o entendimento mais abrangente da
caso específico de minas, que constituem empre- geodinâmica de superfície, onde, em princípio,
endimentos onde há constante movimentação de eventuais consequências negativas de um dado
solo e rocha durante toda sua vida útil, o controle empreendimento tendem a ser evidenciadas espe-
principal consiste na instalação de estruturas que cialmente sob o ponto de vista socioambiental e de
evitam o aporte de sedimentos para cursos d’água, uso e ocupação do solo. Vale salientar que isso se
além da área do empreendimento, muitas vezes configura apenas como aspecto comumente verifi-
sendo necessária apenas uma barragem e, ainda, a cado, não se constituindo como regra. Há casos em
estabilidade de taludes em relação à segurança do que os estudos realizados mostram exatamente o
ambiente interno e externo à obra. No caso de ater- contrário, fruto de demandas específicas. Em relação
ros sanitários e industriais, ressalta-se a poluição e à escala, por exemplo, esta se apresenta como um di-
a contaminação de aquíferos entre as situações em ferencial apenas em alguns casos, havendo situações
que se constata que os estudos ambientais se mos- em que os impactos se distinguem mais significati-
tram potencialmente importantes também aos pro- vamente em nível de detalhe, requerendo investiga-
jetos de engenharia. ções específicas adicionais, como ocorre em relação
a interferências nas águas subterrâneas em casos de
mineração, aterros sanitários e loteamentos.
4.3 A necessária, mas ainda incipiente
A situação onde se nota maior aproximação
integração
entre os estudos geológico-geotécnicos realiza-
Portanto, denota-se que os conhecimentos dos nas duas frentes de aplicação está nos casos
geológico-geotécnicos adquiridos ou gerados no que envolvem escavações ou obras subterrâneas,
68
Integração de estudos geológico-geotécnicos aplicados a projetos de engenharia e à avaliação de impactos ambientais
como túneis rodoviários ou ferroviários, para os quanto a um dos três graus relativos adotados
quais o conhecimento desenvolvido em cada fren- (alto, médio e baixo), em relação à integração dos
te de aplicação acaba sendo frequentemente útil estudos geológico-geotécnicos realizados para
também à outra. Depreende-se que, nos empreen- fins de projetos de engenharia e para fins de ava-
dimentos com intervenções relevantes no solo e liação e gestão de impactos ambientais, obteve-se
nas águas subterrâneas, o conhecimento em sub- a síntese apresentada na Tabela 2. Na compara-
superfície se mostra tão importante quanto o que ção com as Figuras 1 e 2, as fases do empreendi-
se refere à superfície, mostrando-se relevante nas mento, bem como os projetos e estudos correlatos,
duas frentes de aplicação consideradas. reúnem as denominações contidas nessas duas
A partir dos casos considerados e da análise figuras, abrangendo assim tanto obras de infraes-
de cada um deles em termos de uma classificação trutura quanto indústrias em geral.
Tabela 2 – Grau relativo de integração dos estudos geológico-geotécnicos realizados para fins de
projetos de engenharia e de avaliação e gestão de impactos ambientais, conforme
predominância geral observada em relação ao conjunto dos casos analisados, de acordo
com as fases de um empreendimento propostas em IBAMA (2009) e FIESP & CETESB (2011).
Obs.: EIA/Rima- Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental; PBA- Plano Básico Ambiental; PAC- Pla-
no Ambiental da Construção; PEA- Projeto Executivo Ambiental; PGA- Plano de Gestão Ambiental; SGA- Sistema de Gestão
Ambiental; e NO- Não Observado.
69
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
uma aproximação variando entre média e baixa, o desnecessariamente e por período muito longo,
que denota uma integração relativamente menor. extensas áreas de solo exposto.
No geral, pode-se considerar que se carece de Esses e outros aspectos chamam a atenção
uma cultura ou práxis desenvolvida no sentido de para a necessidade de uma crescente cooperação
uma maior cooperação entre as equipes responsá- entre as atividades de construção e as de gestão
veis pelos estudos geológico-geotécnicos realiza- ambiental. Em algumas situações, evidencia-se a
dos nas duas frentes de aplicação, bem como de defasagem temporal entre ambas, com a primeira
profissionais que facilitem esse processo e utlizem por vezes se distanciando muito à frente da segun-
linguagem adequada e favorável à percepção das da, o que resulta em baixa aplicação dos conheci-
relações existentes e dos benefícios advindos de mentos acerca do meio físico. Fundamentando-se
uma integração efetiva. Nas situações em que tal nos princípios do desenvolvimento sustentável,
cooperação se mostra mais presente, notam-se hoje mundialmente propugnados, considera-se
maior economia de recursos e expressiva redução que ambas têm a mesma importância e, se assim
de tempo com a análise ambiental dos dados e in- abordado, devem evoluir de maneira mais sincro-
formações geológico-geotécnicos, elementos estes
nizada e integrada. Esse talvez seja um dos maio-
comumente presentes entre os focos do empreen-
res desafios a equacionar em obras. Muitos ges-
dedor e da equipe projetista.
tores aparentemente ainda não consideram que a
A participação de profissionais com trânsito
internalização dos aspectos ambientais se mostra
nas duas frentes de aplicação e o uso do conhe-
cada vez mais coincidente com os aspectos de en-
cimento do meio físico na fase mais avançada de
genharia. Essa abordagem se expressa também na
viabilidade, como se vê em relação ao projeto bá-
acepção usual do termo “geologia de engenharia”,
sico, também se mostra aquém de sua potenciali-
muitas vezes entendido como passível de aplica-
dade. Quanto à fase de instalação propriamente
dita, deve-se ressaltar o exemplo da prevalência ção exclusiva ao desenvolvimento do projeto de
de alguns procedimentos adotados de modo ge- construção da obra em si, e seus aspectos de inte-
neralizado durante a construção, muitas vezes resse mais imediato, como custos e prazos, como
desconsiderando distintas suscetibilidades do am- se fosse possível executá-la sem interagir com o
biente físico, evidenciando baixa integração com ambiente geológico-geotécnico.
os estudos geoambientais realizados. Dentre esses
procedimentos, cita-se, apenas como exemplo, em 5 CONCLUSÕES
relação a processos erosivos e depocionais, a exe-
cução extensiva de terraplenagem e a consequen- Em face das considerações efetuadas e dos
te exposição prolongada e simultânea de amplas estudos de caso analisados, os resultados obtidos
áreas de solos, em cortes e aterros, possivelmente com a realização do presente trabalho sugerem
em obediência única a diretrizes de produção e concluir que:
com pouca sintonia em relação à gestão ambiental a) Em empreendimentos de infraestrutura e da
e ao controle de processos do meio físico a ela as- indústria de base, distinguem-se duas fren-
sociado. Situações como essa ilustram o distancia- tes principais de aplicação do conhecimento
mento entre engenharia e meio ambiente na fase geológico-geotécnico: os estudos geológico-
de instalação. A generalização de procedimentos geotécnicos para fins de projetos de engenha-
parece estar sempre influenciada por cronogra- ria; e os estudos geológico-geotécnicos para
mas e custos, mas deve-se também à ausência de fins de avaliação e gestão dos impactos am-
uma cooperação entre as equipes em grau mais bientais. Estes últimos, por vezes encontram-
elevado. Na prática, é como dizer que a equipe de se simplificados sob a denominação de estu-
engenharia “faz a obra” e a equipe de meio am- dos do meio físico ou estudos geoambientais,
biente “corre atrás”. Haveria que se buscar, nessa sobretudo nas etapas iniciais do processo de
relação, maior equilíbrio e sincronia entre as ativi- AIA, mas invariavelmente encerram aspectos
dades de construção e as de gestão ambiental, em de natureza predominantemente geológico-
um regime no qual não se possibilitasse acarretar, geotécnica;
70
Integração de estudos geológico-geotécnicos aplicados a projetos de engenharia e à avaliação de impactos ambientais
71
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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72
1
2
RBGEA
REVISTA BRASILEIRA DE
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
E AMBIENTAL
REVISTA BRASILEIRA DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL
Publicação Científica da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Editor
Lázaro Valentim Zuquette – USP
Co Editor
Fernando F. Kertzman – GEOTEC
Revisores
Antonio Cendrero – Univ. da Cantabria (Espanha)
Alberto Pio Fiori - UFPR
Candido Bordeaux Rego Neto - IPUF
Clovis Gonzatti - CIENTEC
Eduardo Goulart Collares – UEMG
Emilio Velloso Barroso – UFRJ
Fabio Soares Magalhães – BVP
Fabio Taioli - USP
Frederico Garcia Sobreira - UFOP
Guido Guidicini - Geoenergia
Helena Polivanov – UFRJ
Jose Alcino Rodrigues de Carvalho – Univ. Nova de Lisboa (Portugal)
José Augusto de Lollo - UNESP
Luis de Almeida Prado Bacellar – UFOP
Luiz Nishiyama - UFU
Marcilene Dantas Ferreira - UFSCar
Marta Luzia de Souza – UEM
Newton Moreira de Souza – UnB
Oswaldo Augusto Filho – USP
Reinaldo Lorandi – UFSCar
Ricardo Vedovello – IG/SMA
Foto da Capa
Obras do Rodoanel trecho sul, nas proximidades da represa Billings.,
tirada em 08 de julho de 2008 . Fabrício Araujo Mirandola - IPT
Edição Especial
Tiragem: 2.500
ISSN 2237-4590
São Paulo/SP
Novembro/2011
Av. Prof. Almeida Prado, 532 – IPT (Prédio 11) 05508-901 - São Paulo - SP
Tel.: (11) 3767-4361 - Telefax: (11) 3719-0661 - E-mail:abge@ipt.br - Home Page: http://www.abge.com.br
CONSELHO DELIBERATIVO
Elaine Cristina de Castro, Elisabete Nascimento Rocha, Fabio Canzian da Silva, Fabrício Araújo Mirandola, Fer-
nando Facciolla Kertzman, Fernando Ximenes T. Salomão, Gerson Almeida Salviano Filho, Ivan José Delatim,
Kátia Canil, Leonardo Andrade de Souza, Luiz Antonio P. de Souza, Luiz Fernando D’Agostino, Marcelo Fis-
cher Gramani, Newton Moreira de Souza, Selma Simões de Castro.
REPRESENTANTES REGIONAIS UF
ROBERTO FERES AC
HELIENE FERREIRA DA SILVA AL
JOSÉ DUARTE ALECRIM AM
CARLOS HENRIQUE DE A.C. MEDEIROS BA
FRANCISCO SAID GONÇALVES CE
NORIS COSTA DINIZ DF
JOÃO LUIZ ARMELIN GO
MOACYR ADRIANO AUGUSTO JUNIOR MA
ARNALDO YOSO SAKAMOTO MS
KURT JOÃO ALBRECHT MT
CLAUDIO FABIAN SZLAFSZTEIN PA
MARTA LUZIA DE SOUZA PR
LUIZ GILBERTO DALL’IGNA RO
CEZAR AUGUSTO BURKERT BASTOS RS
CANDIDO BORDEAUX REGO NETO SC
JOCÉLIO CABRAL MENDONÇA TO
APRESENTAÇÃO
9 BOÇOROCAS
Ernesto Pichler (In memorian)
RESUMO ABSTRACT
A alteração do marco regulatório das concessões para GEOLOGY APPLIED TO DAMS: A REVIEW OF
aproveitamentos hidroelétricos, depois de 1995, levou ao PROCEDURES
encurtamento dos prazos para o projeto e a construção
de barragens para usinas hidroelétricas, afetando a apli- The change in the regulatory framework of concessions
cação da Geologia nesses empreendimentos. Simultanea- for hydroelectric developments in Brazil, after 1995,
mente, a maior parte da exploração do potencial hidroe- led to the shortening of deadlines for the design and
létrico deslocou-se para a região amazônica, enfrentando construction of dams for hydroelectric plants, affecting
the application of geology in these projects. Simulta-
condições geológicas inéditas ou pouco conhecidas. Por
neously, most of the exploitation of hydropower po-
outro lado, novos métodos de investigação e a evolução
tential has shifted to the Amazon region, facing unpu-
dos existentes, forneceram ferramentas atualizadas para blished or little known geological conditions. On the
o estudo e avaliação das condições geológicas. Este arti- other hand, new investigation methods and further de-
go oferece uma revisão de procedimentos da Geologia de velopment of the existing ones, provide updated tools
Engenharia utilizados nos estudos de aproveitamentos for the study and evaluation of geological conditions.
hidroelétricos face aos novos paradigmas. São comen- This paper offers a review of procedures used in engi-
tadas as implicações do modelo atual de concessão nos neering geology studies of hydroelectric developments
trabalhos de investigação geológico-geotécnica e a utili- in relation to new paradigms. The implications of the
zação de novos métodos de prospecção, como a per- current model of concessions on geological and geote-
filagem ótica, incluindo critérios para a interpretação chnical investigations and the use of new exploration
dos resultados. A seleção de eixos de barramento nos methods such as optical profiling, including criteria for
estudos de inventário e outros é discutida, enfatizando the interpretation of results are discussed. The selec-
a interação entre as condições geológicas e o arranjo tion of dam axis at inventory stage and other studies is
geral da obra na escolha do sítio. É também discutida discussed, highlighting the interaction between geolo-
a elaboração de planos de investigação para o estudo gical conditions and the layout on the selection of the
dam axis. The development of investigation plans for
de aproveitamentos hidroelétricos, fornecendo crité-
the study of hydroelectric developments is also discus-
rios para a quantificação de sondagens. São ainda co-
sed, providing criteria for quantifying the drilling. The
mentadas, para o entendimento dos riscos geológicos, understanding of geological risks, uncertainty and the
a incerteza e os imprevistos. Um exemplo de avaliação unpredicted features are also commented. An example
de riscos geológicos é apresentado, discutindo-se os of geological risk assessment is presented, discussing
principais condicionantes e os critérios básicos para a the main constraints and the basic criteria for the pre-
elaboração da avaliação. paration of the assessment.
Palavras-chave: barragem, investigação e risco geológico Keywords: dam, investigation and geological risk
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 1 – Barragem
de Ilha Solteira,
concluída pela CESP
em 1978. Fonte: Exa-
me.com (2011).
74
Geologia aplicada a barragens
Em 1968, o IPT estava presente, com equipes Toda esta tecnologia estava disponível para
de campo, em todas as barragens da CESP em aplicação nas grandes hidroelétricas na década de
construção (Ilha Solteira, Promissão e Capivara) 70 (Itaipu, Tucuruí e Paulo Afonso IV), nas quais
além de prestar assistência a outras barragens foi aperfeiçoada e testada com sucesso. Porém, nas
em fase final de construção (Paraitinga, Jupiá e décadas de 80 e 90 e nos primeiros anos deste sé-
outras). Essas equipes necessitavam de critérios culo, um período de 20 a 25 anos, houve violenta
para seus trabalhos tendo em vista homogeneizar redução nos investimentos em projeto e constru-
suas atividades, já que trabalhavam para o mes- ção de usinas hidroelétricas, com a desagregação
mo cliente. Foram então elaboradas, numa reu- das equipes, das empresas do setor e dos centros
nião em meados de 1968, na Usina de Promissão, de pesquisa.
com a participação dos geólogos Fernando Pires Nos últimos dez anos o mercado de projeto e
de Camargo, Luiz Ferreira Vaz e João Alberto construção de usinas hidroelétricas voltou a ficar
Nery de Oliveira, as especificações técnicas para a aquecido, porém, com usinas de médio porte e só
execução de sondagens e os procedimentos para a recentemente, com as usinas do rio Madeira vol-
classificação de sondagens, definindo-se os graus taram as grandes barragens. Essa retomada acom-
de alteração e de fraturamento dos testemunhos panhou as modificações no sistema de concessão
de sondagem. Esses procedimentos vinham sen- estabelecidas pela Lei 8987 de 1995. O novo mo-
do utilizados pelo IPT nos estudos para a Barra- delo permitiu a entrada de empreendedores pri-
gem de Ponte Nova, desde 1966, porém foram vados, isoladamente ou associados com empresas
unificados e aprovados para uso geral pelo IPT na estatais e introduziu modificações nas fases de
reunião de Promissão. projetos básico e executivo.
Dessa forma, ao final da década de 60, uma A principal alteração ocorreu com a dura-
tecnologia de investigação geológica, adaptada às ção dos serviços de projeto e construção. Esses
condições brasileiras, estava ficando disponível. prazos foram consideravelmente reduzidos, de
Daí para frente, diversos outros métodos e pro- tal sorte que empreendimentos similares, erigi-
cedimentos, tanto de campo como de laboratório dos na década de 70, ocupavam mais de duas
foram desenvolvidos, principalmente pelo IPT e vezes o prazo dos empreendimentos atuais. Em
aplicados ao projeto e construção de barragens, consequência, muitos estudos têm sido poster-
criando uma tecnologia brasileira de grandes bar- gados para a fase de projeto executivo, o que in-
ragens em regiões tropicais. crementa os riscos geológicos e pode conduzir
Dentre esses diversos passos alguns foram a acidentes, além de elevar o custo de constru-
particularmente importantes. O primeiro foi o de- ção. Aparentemente, esses custos não superam
senvolvimento, pelo IPT, da tecnologia pioneira os resultados da geração antecipada dentro da
de estudos de alterabilidade de basaltos, depois engenharia financeira do empreendimento, o
estendida para outras rochas, incluindo os estu- que pode tornar os prazos insuficientes para a
dos sobre a reação álcali-agregado, com a proposi- adequada investigação geológica.
ção de métodos de análise e parâmetros de utiliza- Em segundo lugar, as condições geológicas
ção (Ruiz, 1963). O segundo foi a introdução, pelo dos locais de implantação das novas hidroelétri-
consultor Klaus John, do sistema de classificação cas tornaram-se muito mais desfavoráveis do que
de maciços rochosos para aplicação na liberação e aquelas investigadas na década de 70. Atualmen-
tratamento de fundações da UHE Ilha Solteira. Até te, os empreendimentos concentram-se na região
então, esses serviços baseavam-se na experiência centro-norte, a maioria na Amazônia. Nessas re-
dos profissionais envolvidos, porém, passaram a giões predominam os maciços pré-cambrianos,
ser definidos em função da classificação geológica com extrema variação nas condições litológicas,
do maciço de fundação. Este passo foi de funda- de resistência, de alteração e estruturais. Maciços
mental importância, pois, até então, a geologia era de comportamento geomecânico desconhecido
entendida como necessária apenas durante a fase (Figura 2), constituídos por rochas ígneas, sedi-
de projeto participando apenas eventualmente da mentares, metassedimentares, entre outros, têm
construção (Vaz, 1998). que ser enfrentados.
75
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 2 – Exemplos da complexidade geológica a) metassedimentos com intercalações de solo e rocha; b) brecha
vulcânica e c) extensas descontinuidades sub-horizontais alteradas até solo de ocorrência aleatória.
Além disso, ocorrem espessas e extensas co- que podem preencher canalões profundos, como
berturas recentes, mascarando as condições de mostrado na Figura 3. A mudança nas condições
sub-superfície e exigindo novos critérios de clas- geológicas faz com que a tecnologia desenvolvi-
sificação, seja para fundações ou para materiais da para o estudo das barragens sobre basalto, por
de empréstimo. Essas coberturas são de tal monta exemplo, somente seja parcialmente utilizada.
Figura 3 – Modelo esquemático com canalões antigos preenchidos por materiais de cobertura.
76
Geologia aplicada a barragens
Figura 4 – Etapas
de implantação de
aproveitamentos
hidroelétricos. Fon-
te: Modificado de
Eletrobras (2007).
Porém, para passar à fase seguinte, haverá Entretanto, depois de definido o vencedor da
uma licitação conduzida pela ANEEL. Essa licita- licitação, começa uma corrida contra o relógio, o
ção é feita com base no preço ofertado pelo em- que engloba o prazo para o projeto básico consoli-
preendedor para a venda da energia a ser produ- dado, para o projeto executivo e para a construção.
zida pelo aproveitamento, vencendo aquele que Dessa forma, os prazos têm sido progressivamen-
ofertar o menor preço. Para essa oferta o empreen- te reduzidos, em alguns casos chegando à metade
dedor precisa do planejamento financeiro de toda daqueles que vinham sendo utilizados. Em conse-
a operação, desde o projeto básico até o final da quência dessa redução, várias modificações foram
concessão. Obviamente, a redução no prazo entre necessárias, começando pela ampliação das equi-
a licitação e o início da geração de energia é fa- pes envolvidas no projeto.
tor determinante do custo da energia produzida. Além de implicar maiores esforços de coor-
Dessa forma, prazos de 3 a 4 anos entre o início da denação, a redução dos prazos acarretou mudan-
construção e da geração tornaram-se regra geral. ças na concepção e no desenvolvimento das in-
Para participar dessa licitação, cada uma das vestigações geológicas. Assim, anteriormente, na
empresas interessadas desenvolve suas próprias fase de projeto básico, métodos como os geofísicos
avaliações elaborando estudos de viabilidade avan- eram usualmente aplicados depois de algum co-
çados ou projetos básicos simplificados. Esses traba- nhecimento do sítio por meio de sondagens dire-
lhos podem ou não dispor de prazo satisfatório já tas. Atualmente, já devem ser aplicados de início,
que a data de licitação depende do planejamen- concomitantemente com as sondagens diretas,
to da ANEEL para atendimento da demanda de pois, geralmente, não haverá tempo de executá-
energia elétrica. los mais tarde.
77
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
78
Geologia aplicada a barragens
Curuá-Una, no Estado do Pará. Porém, o custo obras. Também pode ser mais conveniente, de-
de construção é mais elevado e pode inviabilizar pendendo do comportamento do topo de rocha,
o aproveitamento. substituir parte da barragem de terra por barra-
Em seguida, aparecem outros fatores que gem de concreto compactado a rolo (CCR). Note-
afetam o custo das obras, tais como a extensão do se que o CCR é mais caro do que a barragem de
eixo. Quanto mais curto, desde que seja possível terra e exige fundação em rocha, porém, é mais
acomodar as estruturas de concreto, mais interes- rápido para ser construído e depende menos das
sante é o local. É também necessário que a região condições climáticas.
do eixo disponha de volumes adequados de mate- Atualmente estão sendo utilizadas barragens
riais naturais de construção (solo, areia/cascalho de enrocamento com núcleo asfáltico, principal-
e rocha) aproveitáveis. É possível britar a rocha mente devido ao custo inferior. Da mesma forma
para obter areia artificial, porém, além do custo que os plintos de concreto, é necessário fundação
mais elevado, podem ocorrer dificuldades com a em rocha para o núcleo asfáltico,
trabalhabilidade do concreto, resultando em pra- De forma geral, devem ser preferidos os ei-
zos mais longos. Já a disponibilidade de solo ou xos com baixa cobertura de solo, ou seja, com topo
rocha, a distâncias superiores a 10 km do eixo, de rocha dura na superfície ou próximo (Figura
pode inviabilizar um aproveitamento, dependen- 5). Essa característica vai exigir maior escavação
do dos volumes requeridos. em rocha na casa de força, porém o material será
O local deve ainda permitir acomodar o ar- utilizado como brita ou enrocamento, restringin-
ranjo geral das obras, ou seja, a disposição das do a abertura de pedreiras. Em contrapartida, o
estruturas de concreto e demais obras da barra- vertedouro e a área de montagem, que usualmen-
gem. Atualmente, prefere-se que as estruturas de te têm fundações rasas, não vão requerer concre-
concreto fiquem dispostas na mesma margem, de to de enchimento e a barragem de terra pode ser
forma a evitar a instalação de dois canteiros de substituída por CCR.
Em rios com meandros encaixados, em for- construída na perna jusante da ferradura (Figura
mato de ferradura, como é comum no Sul, as es- 6). Além de facilitar a construção, pela separação
truturas da barragem podem ser construídas se- das obras, há um ganho de desnível entre a barra-
paradamente. Assim, a barragem é construída na gem e a descarga da casa de força, em função do
perna montante da ferradura e a casa de força é percurso do rio.
79
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Nem todos esses fatores podem ser devida- O planejamento do sobrevôo é fundamental
mente considerados, por ausência de informações, para seu sucesso. Além de ajustar a rota e altitude
nas fases de inventário e viabilidade. Entretanto, a ser mantida, em conjunto com o piloto no início
cabe à Geologia de Engenharia participar ativa- do sobrevôo, é necessário orientar o vôo. Um dos
mente da análise dos dados e propor os ajustes no geólogos, mais familiarizados com navegação,
arranjo geral das obras e na locação dos eixos. deve orientar o posicionamento da aeronave. Para
Um programa de seleção de eixos para estu- o bom andamento dos trabalhos a equipe deve
dos de inventário inicia-se com a avaliação deta- contar com equipamentos (câmera fotográfica,
lhada dos aspectos fisiográficos e geológicos, utili- gravadores e GPS´s) em duplicata.
zando imagens (principalmente do Google Earth), Como resultado desse trabalho é indicado
mapas, fotografias aéreas e dados bibliográficos. um local preliminar para o desenvolvimento dos
Essas informações devem ser exaustivamente estudos de campo. Para esses estudos é necessário
analisadas, elaborando-se, para cada local, uma um planejamento detalhado, cuja complexidade
ficha e croquis com todas as informações. depende, principalmente, de aspectos logísticos.
A seguir deve ser efetuado um reconheci- Assim, na Amazônia as condições de acesso, co-
mento por via aérea, utilizando avião leve de asa municação e alojamento são determinantes da
alta ou helicóptero, este com a desvantagem do velocidade dos trabalhos. Em outras regiões, com
abastecimento mais frequente. Em geral, nesse acesso mais fácil, o planejamento é menos com-
reconhecimento, além do geólogo, deve ir um plexo, já que alojamento, alimentação e meios de
engenheiro especializado em arranjo, geralmen- transporte estão disponíveis.
te em duplas, para permitir que um observe e o Os trabalhos de campo destinam-se a ajustar
outro registre. A principal função do sobrevôo é o posicionamento do eixo às condições locais efe-
identificar os trechos do rio mais favoráveis para a tivamente encontradas e a definir a disponibilida-
implantação dos aproveitamentos. Além disso, o de de materiais naturais de construção. Para isso,
reconhecimento aéreo é fundamental para a esco- um mapeamento geológico detalhado, apoiado
lha de eixos, principalmente na região amazônica, por sondagens a trado, poços de inspeção e son-
sendo tarefa de rotina nos estudos de inventário. dagens sísmicas de refração fornece os elementos
Neste sobrevôo são identificadas as feições topo- preliminares sobre a posição do topo de rocha e
gráficas e geológicas regionais e, se possível, defi- do nível d´água, a distribuição das unidades e
nidos os eixos. feições geológicas, tanto em superfície como em
80
Geologia aplicada a barragens
4 INVESTIGAÇÕES
81
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
360º (Figura 10). Como são imagens digitais, as des- que, não havendo restrições, a operação completa
continuidades e outras feições podem ser identifi- de um furo de 30 a 50m (perfuração, lavagem e
cadas e obtido o estereograma das diversas famí- televisamento) pode ser concluída em dois dias,
lias de fraturas. A perfuração com rotopercussão é permitindo sua aplicação em investigações para a
muito rápida e o televisamento também, de forma liberação de fundação na fase construtiva.
82
Geologia aplicada a barragens
83
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
84
Geologia aplicada a barragens
Acréscimos:
*1 – As sondagens devem penetrar no mínimo 10m abaixo da cota de fundação, se não existirem feições subhorizontais
*2 – Três seções transversais nas estruturas de concreto e quatro nas barragens de terra, cada uma com duas sondagens
Além do tipo e características da barragem, são necessárias apenas sondagens para detalha-
diversos outros fatores devem ser considerados mento de feições localizadas, para a investiga-
na formulação de um plano de investigações, ção de condições geológicas anteriormente não
entre os quais os maciços de fundação, o com- detectadas e para a liberação de fundações. Neste
portamento do topo de rocha, as condições hi- caso deve-se admitir uma metragem de 20% do
drogeológicas e outras específicas do sítio e do total despendido nas fases anteriores de projeto.
arranjo geral. Atualmente, com o desenvolvimento de de-
Para uma região com alta complexidade ge- senhos de projetos com recursos tridimensionais
ológica, a metragem de sondagens poderá ser (3D), um mapa com curvas de contorno do topo
acrescida de 50 a 70%. Nas Instruções para estudos de rocha é essencial para a elaboração desses de-
de viabilidade (Eletrobras/DNAEE, 1997), reco- senhos, o que pode exigir sondagens fora da área
menda-se um espaçamento entre sondagens de da barragem.
50 a 100m ao longo do eixo. Essa variação con- Para a elaboração desse mapa é necessário
templa a complexidade geológica e os requisitos definir o topo de rocha dura (Figura 11), esca-
dos arranjos, sendo compatível com os dados da vável somente com explosivo e, eventualmen-
Tabela 1, baseada em eixos investigados. te, dependendo das características do maciço, o
Para a fase de projeto básico consolidado topo de rocha de escavação comum, sem uso de
será necessário, aproximadamente, a mesma me- explosivos (equivalente à base do solo), resultan-
tragem utilizada na fase de viabilidade avançada, do em dois mapas de contorno. Outros mapas de
desde que o eixo permaneça no mesmo local. contorno podem ser necessários, por exemplo,
Sendo a metragem de sondagens adequada para mostrar as condições geológicas na cota de
nas fases anteriores, durante o projeto executivo fundação das estruturas de concreto.
85
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
86
Geologia aplicada a barragens
Os solos transportados são definidos por si- Essas informações devem atender não somen-
glas, como nos exemplos abaixo: te às necessidades do projeto das estruturas da bar-
■■ ALar - aluvião arenoso; ragem, mas também da determinação de volumes
■■ ALag - aluvião argiloso; e quantitativos de serviços de construção.
■■ COag - coluvião argiloso. Finalmente, a apresentação dos dados decor-
rentes dos estudos geológicos deve considerar
Maiores informações sobre a definição de uni- sua utilização por diversos outros profissionais,
dades geológicas podem ser encontradas no artigo os quais podem ou não estar familiarizados com
Classificação genética dos solos e dos horizontes de alte- os conhecimentos geológicos.
ração de rochas em regiões tropicais (Vaz, 1996).
Os critérios de classificação de sondagens de-
6 RISCO GEOLÓGICO
vem ser definidos e registrados em relatório es-
pecífico no início dos serviços. Se necessário, um Antes de discutir os riscos geológicos é con-
treinamento em classificação deve ser oferecido veniente esclarecer a distinção entre imprevisto
aos geólogos responsáveis. Norbury (2010) dis- geológico e imprevisível. Diz-se como imprevis-
cute detalhadamente a descrição de exposições to uma feição conhecida, por exemplo, uma falha
e amostras de solo e rocha para fins de Geologia de empurrão, não detectada por deficiência da
de Engenharia. Apesar de utilizar normas britâni- investigação ou da interpretação dos dados ou
cas e européias, são apresentados procedimentos qualquer outra limitação. Imprevisível aplica-se
para a sistematização e codificação das descrições a feições desconhecidas do meio técnico, situadas
de materiais, alteração, descontinuidades e vários além do estado da arte. São situações muito mais
outros parâmetros geológico-geotécnicos. raras, que podem ser exemplificadas pelo basalto
De forma geral, o plano de investigações deve de baixa densidade (“basalto leve”) encontrado,
responder ou fornecer dados para as seguintes pela primeira vez, na casa de força da UHE Porto
questões: Primavera (Tressoldi et al., 1986). Os imprevistos,
i) posição do topo de rocha na área das estrutu- entretanto, são muito mais comuns, em geral de-
ras de concreto considerando o topo de rocha correntes de investigação insuficiente.
dura (escavável a fogo) e o topo de rocha ade- É também conveniente esclarecer a distin-
quado para fundação; ção entre incerteza geológica e risco geológico.
ii) distribuição em superfície das unidades e fei- A incerteza geológica é a parcela das condições
ções geológicas; geológicas que pode ficar oculta, mesmo após a
iii) distribuição em subsuperfície das unidades aplicação de todos os recursos de investigação.
geológicas, com suas espessuras definidas; Exemplificando, uma falha no maciço rochoso,
iv) caracterização das estruturas com a identifica- coberta por coluviões, poderá não ser detectada,
ção das famílias de fraturas e macro-estrutras; pois, caso a falha seja vertical, dificilmente será
v) caracterização hidrogeológica das unidades e atravessada pelas sondagens, em geral também
estruturas condicionantes da percolação; verticais. Neste caso, a falha somente será revela-
vi) caracterização geomecânica das unidades geo- da quando a cobertura for removida, podendo ou
lógicas e estruturas que condicionam a esta- não vir a se constituir em risco geológico.
87
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
O risco geológico está associado a condições maiores ou mais indefinidos forem esses riscos,
geológicas conhecidas que podem afetar o suces- mais cara será a apólice.
so (custo, prazo e segurança) da obra. Abrange, As construtoras, por sua vez, majoram seus
também, condições geológicas suspeitas ou não serviços e custos por fatores de contingência toda
completamente avaliadas por insuficiência de vez que uma determinada atividade não possa ser
dados. Exemplificando, um sistema de fraturas adequadamente prevista, seja em termos de quan-
transversais ao rio, desde que paralelo às paredes tidades ou de dificuldade de execução. Exempli-
de escavação da casa de força, dependendo do ficando, um desmonte subaquático pode ser con-
mergulho, pode afetar a estabilidade das paredes, venientemente previsto e seu custo é conhecido,
requerendo tratamentos adicionais. Um exemplo porém, a dificuldade para remover o material des-
de feição suspeita é a possibilidade de ocorrer montado, em um “canalão” profundo, constitui-se
uma camada de areia e blocos de rocha no fundo em um risco geológico, pois dificilmente pode ser
de “canalões”, dificultando a vedação de enseca- calculada. Dessa forma, é aplicado um acréscimo
deiras. Dificilmente a camada será detectada com no preço de desmonte subaquático toda vez que
sondagens devido às dificuldades de execução, estiver envolvida a escavação de um “canalão”.
mas há uma elevada probabilidade de sua ocor- As condições geológicas que mais frequente-
rência por tratar-se de rocha dura e existirem blo- mente constituem riscos geológicos são:
cos de rocha na superfície. ■■ variação na posição do topo de rocha dura,
No modelo anterior de construção de aprovei- alterando os volumes de escavação, princi-
tamentos hidroelétricos os eventos então conheci-
palmente aqueles que requerem explosivos;
dos como surpresas geológicas eram suportados pelo
■■ sistemas de fraturas capazes de afetar a esta-
proprietário da obra, o qual arcava com os custos
bilidade das paredes de escavação, requeren-
decorrentes. Na época, as obras eram remuneradas
do tratamentos adicionais;
por preços unitários aplicados às quantidades me-
■■ fraturas abertas requerendo esforço adicional
didas, o que facilitava os ajustes de custos.
de tratamento com injeções;
Com a mudança do setor elétrico e a neces-
■■ canalões e paleocanais preenchidos total ou
sidade de conhecer antecipadamente o custo da
parcialmente;
obra, os contratos com as empreiteiras passaram a
■■ feições geológicas capazes de afetar a estabi-
ser por preço global, sendo as parcelas pagas por
evento, conforme definido no cronograma de cons- lidade das estruturas e a deformabilidade da
trução ou por medição, porém, respeitando o custo fundação;
global ofertado. Essa mudança acarretou a entrada ■■ feições geológicas favoráveis ao desenvolvi-
de novo personagem na construção dos aproveita- mento de processos de piping e
mentos hidroelétricos, o risco geológico, ou mais ■■ insuficiência da investigação geológica.
especificamente, quem responde pelo custo de se-
rem encontradas condições geológicas desfavorá- A avaliação do risco geológico pode ser feita
veis não reveladas no projeto básico utilizado pelo com distintos graus de detalhamento. O exemplo
empreiteiro para a composição de seu preço. apresentado na Tabela 2 constitui um procedi-
Em geral as construtoras são obrigadas, por mento qualitativo baseado no conhecimento das
dispositivo contratual, a contratar apólices de se- condições geológicas e na experiência anterior.
guro para cobrir diversos riscos, entre os quais Contém, entretanto, todos os elementos necessá-
os chamados riscos de engenharia, nos quais se rios para aferir o risco geológico e adotar as medi-
incluem os riscos geológicos. Entretanto, quanto das de contingência apropriadas.
88
Geologia aplicada a barragens
Estruturas
Refe- Descrição Processos e Risco
da barragem Intervenções
rên- do Condi- efeitos es- Qualita- Mitigação
possivelmen- necessárias
cia cionante perados tivo
te afetadas
Aumento nos volumes de
Profundidade Aumento do volume
Profundidade concreto na área dos cana-
G1 maior do que a Barragem de CCR Alto de concreto utilizado
dos canalões lões e acréscimo do prazo de
prevista na barragem e prazos
construção
Camadas de
areia com blocos Erosão interna Médio Aumento do volume
de rocha e eleva- Aumento nos volumes das
G2 Ensecadeiras de material utilizado
da condutivida- ensecadeiras
(piping) na ensecadeira
de hidráulica em
canalões
Substituição por areia Considerar uso de areia
G3 Jazidas de areia Não encontradas Concreto e filtros Médio
artificial. artificial.
Adequada para Execução de investi-
Suficiência das Estruturas do
G4 estudos de Baixo gações adicionais nas Programas de investigações
investigações arranjo
viabilidade próximas fases
Sobreescavação Rocha muito Taludes provisó- Plano de fogo ajusta- Acréscimo do volume de
G5 Baixo
em rocha fraturada rios e finais do e fogo cuidadoso concreto
G6 Uso de cimento pozolânico
Reatividade do Reação álcali- Estruturas de Estudos de dosagem
Baixo com custo de transporte
granito agregado concreto do concreto
mais alto.
Barragem de CCR, Tratamento das fra-
Subpressões, Baixo
Fraturas de vertedouro, muros turas com injeções e
recalques e ins- Aumento no volume de
G7 alívio subhori- e outras estruturas drenagem; sobrees-
tabilidade das concreto de enchimento
zontais com fundações cavação ou chavetea-
estruturas
rasas mento da fundação
G8 Barragens e ense- Execução de inves- Ensaios e sondagens con-
Áreas de em- Ensaios insufi-
cadeiras construí- Baixo tigações, estudos e forme programa de inves-
préstimo de solo cientes
das com solo ensaios tigação
Conforme exemplificado pela Tabela 2,a ava- do impacto no prazo, custo e segurança da obra.
liação do risco geológico compreende as seguintes Essa avaliação é qualitativa atribuindo-se à quali-
etapas, indicadas pelas diversas colunas da tabela: ficação de riscos baixo, médio ou alto. Devem ser
■■ sigla de referência do risco; ainda consideradas as características específicas
■■ descrição do condicionante geológico respon- da obra e das medidas mitigadoras, sendo man-
sável pelo risco; datório o impacto na obra.
■■ processos associados e efeitos esperados de- Assim, uma feição frequente, porém de baixo
correntes do risco; impacto, por exemplo, um sistema de fraturas com
■■ estrutura da obra afetada pelo risco;
atitude desfavorável para a estabilidade das pare-
■■ avaliação qualitativa do risco (baixo, médio
des de escavação pode ser considerado de baixo
e alto);
■■ intervenções necessárias; e risco se o talude for de baixa altura. Esse mesmo
■■ medidas mitigadoras dos efeitos do risco. sistema, num talude elevado, pode tornar-se de ris-
co médio, caso a dificuldade com os trabalhos de
Dos itens acima requerem comentários espe- contenção possa afetar o prazo previsto para tais
cíficos a avaliação do risco e a recomendação de serviços. Finalmente, se a condição da obra permi-
medidas mitigadoras. Os demais itens são auto- tir que o sistema possa afetar a estabilidade de uma
explicativos pela leitura da Tabela 2. estrutura de concreto, o risco pode tornar-se alto.
A qualificação do risco depende da probabili- Para a qualificação do risco e a recomendação
dade de sua ocorrência e dos seus efeitos, ou seja, de medidas mitigadoras, destinadas a reduzir ou
89
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
eliminar os efeitos das feições geológicas desfavo- Eletrobras 2007. Manual de inventário hidroelé-
ráveis, é necessária uma abordagem multidiscipli- trico de bacias hidrográficas. Eletrobras, Brasília.
nar com a participação de especialistas. Em outros
casos, as medidas mitigadoras podem exigir con- Fundsolo 2011. Perfilagem ótica. In: Mesa Re-
sultas a empresas especializadas em métodos de donda: Sondagens – Método, Procedimentos e
tratamento. Qualidade – Associação Brasileira de Geologia
de Engenharia e Ambiental (ABGE) e Associação
Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia
7 CONCLUSÕES Geotécnica (ABMS). São Paulo, março 2011. Ca-
derno, p.7.
A Geologia de Engenharia (GE) é uma ativi-
dade consolidada no estudo e construção de bar- Lei Nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dis-
ragens. Contribuíram para essa consolidação os ponível em http://www.aneel.gov.br/cedoc/
trabalhos de liberação de fundações, de seleção de blei19958987.pdf. Acessado em 24 jun 2011.
eixos e da avaliação do risco geológico.
A evolução dessas áreas é distinta. A liberação Norbury, D. 2010. Soil and Rock Description in
de fundações é tarefa exclusiva da GE e sua evo- Engineering Practice. Whittles Publishing. Sco-
lução depende essencialmente da própria GE. A tland, UK. 288pp.
seleção de eixos depende da habilidade da GE em
identificar a aderência dos arranjos às condições Revista Exame 2011. Disponível em: http://exa-
locais. Finalmente, a avaliação do risco geológico me.abril.com.br/negocios/ empresas/noticias.
ainda tem muito a evoluir, não só na identificação Acessado em 17 jun 2011.
dos riscos, mas também na busca de métodos de
quantificação. Ruiz, M.D. 1963. Mecanismo de desagregação de
rochas basálticas semi alteradas. In: II Congresso
Panamericano de Mecânica dos Solos e Enge-
Agradecimentos nharia de Fundações. Anais. vol 1, p.533-541.
Agradecemos à geóloga, Dra. Marilda Tressoldi, pela SETUR - Secretaria de Turismo do Rio Grande do
revisão e comentários; e aos colegas, que forneceram Sul 2011. Disponível em: http://www.turismo.
dados sobre os equipamentos. rs.gov.br/portal. Acessado em 13 jun 2011.
Eletrobras/DNAEE 1997. Instruções para estu- Tressoldi, M., Guedes, M.G.,Vaz, L.F. 1986. Ocor-
dos de viabilidade. Eletrobras/Dnaee, Brasília. rências de basalto de baixa densidade na Usina
de Porto Primavera e aspectos de interesse ao
Eletrobras/Aneel 1999. Diretrizes para a elabo- projeto. In: II Simpósio Sul Americano de Me-
ração de projetos básico de usina hidroelétrica. cânica de Rochas, Porto Alegre. Anais. Vol. II,
Eletrobras/Aneel, Brasília. p.238-251.
90
Geologia aplicada a barragens
Tressoldi, M. 1991. Uma contribuição à caracteri- Vaz, L.F. 1998. Os geólogos e a geologia de En-
zação de maciços rochosos fraturados visando a genharia na década de 60. In: ABGE 30 anos.
proposição de modelos para fins hidrogeológicos ABGE, p.: 20-85.
e hidrogeotécnicos. Dissertação de mestrado,
Instituto de Geociências, Universidade de São Wittmann, D.; Bonilla, S.H. 2009. Determination
Paulo, 291p. of relevant environmental impacts and benefits
caused by Balbina Hydropower at Amazon. In:
Vaz, L.F. 1996. Classificação genética dos solos e 2nd International Workshop in Advances in
dos horizontes de alteração de rochas em regiões Cleaner Production, São Paulo.
tropicais. Solos e Rochas. ABMS-ABGE, 19:117-136.
91
1
2
RBGEA
REVISTA BRASILEIRA DE
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
E AMBIENTAL
REVISTA BRASILEIRA DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL
Publicação Científica da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Editor
Lázaro Valentim Zuquette – USP
Co Editor
Fernando F. Kertzman – GEOTEC
Revisores
Antonio Cendrero – Univ. da Cantabria (Espanha)
Alberto Pio Fiori - UFPR
Candido Bordeaux Rego Neto - IPUF
Clovis Gonzatti - CIENTEC
Eduardo Goulart Collares – UEMG
Emilio Velloso Barroso – UFRJ
Fabio Soares Magalhães – BVP
Fabio Taioli - USP
Frederico Garcia Sobreira - UFOP
Guido Guidicini - Geoenergia
Helena Polivanov – UFRJ
Jose Alcino Rodrigues de Carvalho – Univ. Nova de Lisboa (Portugal)
José Augusto de Lollo - UNESP
Luis de Almeida Prado Bacellar – UFOP
Luiz Nishiyama - UFU
Marcilene Dantas Ferreira - UFSCar
Marta Luzia de Souza – UEM
Newton Moreira de Souza – UnB
Oswaldo Augusto Filho – USP
Reinaldo Lorandi – UFSCar
Ricardo Vedovello – IG/SMA
Foto da Capa
Obras do Rodoanel trecho sul, nas proximidades da represa Billings.,
tirada em 08 de julho de 2008 . Fabrício Araujo Mirandola - IPT
Edição Especial
Tiragem: 2.500
ISSN 2237-4590
São Paulo/SP
Novembro/2011
Av. Prof. Almeida Prado, 532 – IPT (Prédio 11) 05508-901 - São Paulo - SP
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CONSELHO DELIBERATIVO
Elaine Cristina de Castro, Elisabete Nascimento Rocha, Fabio Canzian da Silva, Fabrício Araújo Mirandola, Fer-
nando Facciolla Kertzman, Fernando Ximenes T. Salomão, Gerson Almeida Salviano Filho, Ivan José Delatim,
Kátia Canil, Leonardo Andrade de Souza, Luiz Antonio P. de Souza, Luiz Fernando D’Agostino, Marcelo Fis-
cher Gramani, Newton Moreira de Souza, Selma Simões de Castro.
REPRESENTANTES REGIONAIS UF
ROBERTO FERES AC
HELIENE FERREIRA DA SILVA AL
JOSÉ DUARTE ALECRIM AM
CARLOS HENRIQUE DE A.C. MEDEIROS BA
FRANCISCO SAID GONÇALVES CE
NORIS COSTA DINIZ DF
JOÃO LUIZ ARMELIN GO
MOACYR ADRIANO AUGUSTO JUNIOR MA
ARNALDO YOSO SAKAMOTO MS
KURT JOÃO ALBRECHT MT
CLAUDIO FABIAN SZLAFSZTEIN PA
MARTA LUZIA DE SOUZA PR
LUIZ GILBERTO DALL’IGNA RO
CEZAR AUGUSTO BURKERT BASTOS RS
CANDIDO BORDEAUX REGO NETO SC
JOCÉLIO CABRAL MENDONÇA TO
APRESENTAÇÃO
9 BOÇOROCAS
Ernesto Pichler (In memorian)
RESUMO ABSTRACT
Constitui pretensão do autor neste trabalho pontuar Contribution to the Engineering Geolo-
características distintivas do objeto da Geologia de En- gy applied to the cities. Long time expe-
genharia aplicada aos meios urbanos das quais partes rience in Belo Horizonte – MG
da humanidade parecem ter-se esquecido, como a de The author’s intention in this work is to point out the dis-
sua perenialidade em face de componentes seus natu- tinguishing characteristics of the object of engineering ge-
ralmente transitórios, e do itinerante, a água, tão mal- ology applied to urban areas of which parts of humanity
tratada pela lei e pela rejeição. Tem também, com um seem to have forgotten, like its perenniality in the face of
exemplo de análise cartográfica, a pretensão de apro- its components naturally transient and itinerant water so
ximar trabalhos cartográficos simplificados da capaci- mistreated by law and rejection. It has also, with an exam-
dade de recepção dos setores profissionais usuários, e ple of cartographic analysis, the intention of bringing sim-
plified cartographic works to the reception capacity of the
a de divulgar o método geológico aplicado a soluções professional sectors users, and to disclose the geological
compartilhadas centradas nos aterros de resíduos iner- method as applied to shared solutions focused on lan-
tes que as cidades continuarão a produzir. dfills of inert waste that cities will continue to produce.
Palavras-Chave: geologia de engenharia, geologia ur- Keywords: engineering geology, urban geology, cities,
bana, cidades, análise cartográfica, resíduos sólidos. waste disposal, cartographic analysis.
1 INTRODUÇÃO
* GEOLURB – Geologia Urbana e de Reabilitação, Belo Horizonte, MG, Brasil. geolurb@gmail.com. Edézio Teixeira de Carva-
lho, Eng. Geólogo, Mestre em Geologia de Engenharia pela Universidade Nova de Lisboa.
93
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
engenharia aplicada aos meios urbanos, compa- intercambiabilidade entre Fato e Processo pode
recem com finalidade mais propriamente ilustra- ser sumariada na assertiva abaixo:
tiva. Destacam-se dois tipos de trabalho de cunho
metodológico: A caracterização de unidades de
terrenos nos trabalhos de diagnóstico, inspirada Fato Geológico condiciona Processo Geológico e
em Grant (1974) e o projeto de intervenção de ob- Processo Geológico gera Fato Geológico.
jetivos tipicamente múltiplos (soluções comparti-
lhadas) aqui chamado Método Geológico aplicado
à implantação de aterros de resíduos inertes, da A assertiva tem concisão propositada, como
qual deu o autor em Santos (2002) notícia publica- a do enunciado de lei cara aos geólogos — o pre-
da. Nesta segunda atividade passa o geólogo do sente é a chave do passado — embora deva ser lida
papel de gerador de dados a um papel de maior em sua abrangência mais ampla. É evidente para
participação executiva. o geólogo atento que o fato geológico, ao colocar
condicionamentos ao processo geológico, oferece-
lhe materiais que dele vão participar, como areias
2 CONCEITOS BÁSICOS, DEFINIÇÕES transportadas em torrentes, que arranharão as
GERAIS, CONSIDERAÇÕES LÓGICAS bordas dos leitos de escoamento e integrarão o
produto final na forma de um depósito aluvial.
A balizar o campo conceitual desta exposição
A Geologia Urbana é o domínio da abran-
há dois elementos extremos: O Objeto Cidade e
gência conceitual das aplicações da geologia aos
a Ferramenta Geologia de Engenharia Aplicada
meios urbanos, com capacidade de concepção
às Cidades. Invertendo a ordem, conceitua-se ini-
para oferecimento de alternativas não substituti-
cialmente a ferramenta e a seguir seu objeto.
vas, mas complementares, ao urbanismo, arquite-
tura, engenharia construtiva e sanitária. Embora
2.1 Geologia de engenharia aplicada às não englobando a geologia urbana toda a geolo-
cidades. Conceitos básicos gia ambiental, fenômenos ambientais passados
nos meios urbanos e os neles urdidos devem ser
A ferramenta tem três níveis de conceituação considerados da alçada da geologia urbana.
bem caracterizados: A Geologia de Engenharia é o braço operati-
a) a geologia como ciência; vo da Geologia Urbana. Na formulação mais co-
b) a geologia urbana como domínio do campo mum, integra com a mecânica dos solos e a das
da lógica da geologia aplicada aos meios ur- rochas a geotecnia, base teórica da engenharia
banos; geotécnica. A geologia de engenharia responde
c) a geologia de engenharia como domínio do nesse tripé pela posição, geração, evolução dos
campo tecnológico. materiais naturais, quer enquanto fixados nos
substratos rochosos, quer transitantes pela super-
A geologia não é ciência de campo exclusivo, fície levados por água, gelo, ventos ou ao sabor da
circunscrito, mas uma superestrutura apoiada em lei da gravidade.
três pilares conceituais: as ciências naturais Quími-
É oportuno assinalar que, dada a mobilização
ca, Física e Biologia. Portanto, algumas ferramen-
de massas geológicas consequente à implantação das
tas da geologia são típicas desses campos. Outras
cidades e a sua exposição a escoamentos de vazão
ferramentas da geologia são dela exclusivas por
crescente e concentrada, pode o processo geológico
não caberem nos campos parcelares daquelas ci-
assumir aí relevância superior à do fato geológico.
ências, que, para os fins de compreensão da Terra
e de operação sobre ela, devem ser consideradas
ciências parcelares, não obstante essenciais e sem 2.2 Componentes do sistema geológico
as quais a geologia não viveria.
A prática da geologia trata de dois objetos ir- No âmbito da geologia aplicada aos meios ur-
restritamente intercambiáveis no tempo e no espa- banos, parece conveniente o uso do designativo pla-
ço: o Fato Geológico e o Processo Geológico. Essa taforma geológica, que transmite a idéia de interação
94
Contribuição para a geologia de engenharia aplicada às cidades
95
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
96
Contribuição para a geologia de engenharia aplicada às cidades
12 campos de gestão da água. Considerando as ações Quadro estão mensagens associando a origem da
mais comumente destacadas na área do saneamento, água com a dimensão de gestão. Sem preocupação
veem-se que apenas 2 campos são sistematicamente especial com aspectos quantitativos, por exemplo,
contemplados de forma objetiva, mediante projetos no campo 13, se as águas pluviais fossem incluídas
e obras. Frequentemente são postos sob a responsa- no Suprimento, esse aproveitamento retiraria águas
bilidade de agentes diversos, portanto sem garantia de circulação e atenuaria as inundações; no campo
de cooperação mútua — o suprimento baseado em 12 os aquíferos superficiais de rochas gnáissicas po-
mananciais superficiais (situação dominante no Bra- deriam, por exemplo, em Belo Horizonte, contribuir
sil) e o escoamento pluvial, não inibido, atenuado, para a atenuação de inundações em vários pontos
mas ampliado com sistemas de drenagem eficazes. da cidade. Reflexões como estas estão frequente-
Os demais campos são negligenciados ou tratados mente associadas com ingenuidade, em geral supor-
de forma ampla através de legislação. A solução tadas por alegações quantitativas. Em verdade cada
ideal, sem dúvida complexa do ponto de vista ge- telhado, cada quadra desportiva, individualmente,
rencial, requer a consideração de todos os campos e são contribuintes infinitesimais para os caudais tec-
atuar com prioridade naqueles onde o contexto lo- nogênicos que a urbanização gera. No entanto, aos
cal prometa os maiores benefícios. Nos campos do milhares geraram grandes vazões.
Examinando o Quadro 1, ficam claras as pos- ■■ Desse exame fica ainda claro que a adminis-
sibilidades: tração formal de apenas dois dos 12 campos
■■ Matriz suprimento que lance mão de todas as da gestão das águas torna o êxito econômico,
fontes possíveis protege a regularidade das ambiental e social uma impossibilidade ma-
águas superficiais, reduzindo a pilhagem que terial concreta.
hoje se faz ao campo circundante das cidades,
onde as águas são buscadas. No campo 22,
haverá um aquífero superficial mais receptivo 2.3 Conceitos operativos de cidade
à infiltração, perna ambientalmente mais sau-
Num ponto as civilizações concordaram ao
dável do ciclo hidrológico; no campo 23, menos
água escoando para promover os processos longo da história: embora muitas cidades tenham
geodinâmicos indesejáveis. No campo 24, dois perecido, em geral por perda de função, a Cidade é
benefícios adicionais tornam-se possíveis. obra feita para a eternidade. Considerando assim a
■■ Nos campos 31 a 34, nota-se que uso sistemá- questão, ela pode escolher os elementos da primei-
tico das demais fontes torna as populações ra natureza com que admita conviver. Nenhuma
mais convencidas da necessidade de proteger cidade admitiu conviver com leões à solta. Por ou-
todas as fontes de água e não só os manan- tro lado, a suposta preservação permanente deter-
ciais superficiais. Nessa proteção o uso dos minada por lei inexiste em cidade que não consiga
resíduos urbanos inertes pode desempenhar imobilizar as massas geológicas eficazmente, sur-
papel relevante; gindo aí a primeira grande contradição. Rios em
97
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
seus trânsitos urbanos não podem ter suas mar- bom resultado estético, como ocorre no mundo in-
gens implantadas ao sabor do acaso. Nascentes teiro em cidades de qualidade referencial. No vaso
nem sempre podem ser intocáveis, sem que daí fechado que é a terra, podemos escolher os lugares
resultem problemas geotécnicos, ambientais, sa- mais indicados para certos componentes. Cidades
nitários, de insalubridade. Ao longo da história, que elegem ciclovias como modais de transporte
cidades tiveram nascentes soterradas, que ficaram pessoal prioritários removem justificadamente ár-
invisíveis permanentemente, mas a água que des- vores de onde devem transitar as bicicletas, assim
carregavam precocemente foi beneficiada e com também por onde transitam cadeirantes, mas não
ela o patrimônio hídrico da Terra. Cidades op- abrem mão das árvores porque elas podem viver,
taram por esgotamento objetivando saneamento abrigar, sombrear nos parques e largas avenidas.
por meio de drenagem, de impacto a rigor nega- É oportuno promover uma reapreciação de
tivo, porque antecipa o retorno da água ao mar, conceitos emitidos anteriormente (Carvalho, 1999a)
em grande perda para a humanidade. Nascentes para evitar fragmentação indesejável. Na ocasião
verdadeiras, falsas, antrópicas, podem ser reposi- apresentaram-se duas visualizações esquemáticas
cionadas para garantia do bom funcionamento da de estrutura da cidade convencional e da cidade
cidade, da segurança sanitária e geotécnica, ou de geossuportada, reproduzidas nas Figuras 2 e 3.
Figura 3. Estru-
Figura 2. Estru- tura da cidade
tura da cidade geossuportada.
convencional.
Na cidade convencional (Figura 2), tacitamen- qual está edificada a cidade é matéria escura do
te a Cidade identifica-se com o Edificado, porque planejamento urbano nas cidades convencionais.
nela refere-se à infraestrutura, como sendo o con- Essas cidades olham para suas bases físicas com
junto das estruturas que são de fato de interme- um olhar mais intuitivo que científico.
diação, porque, além de ruas, compõem a infraes- Na cidade geossuportada (Figura 3) separam-se
trutura as linhas de abastecimento de água, gás, claramente as funções de uma mesoestrutura idêntica
os cabos de energia e telefônicos, os trilhos. Essas à infra-estrutura da cidade convencional, da verda-
estruturas têm funções diferentes das que se po- deira infraestrutura, que, agora, pode ser substituída
dem dizer finalísticas, como as moradias, teatros, por seu designativo próprio plataforma geológica.
educandários, prédios industriais e comerciais. As diferenças de concepção são claras e reper-
Imaginando que uma estrutura do tipo finalístico, cutem diretamente no metabolismo urbano. Com
como um prédio de apartamentos, tenha ficado efeito, a explicitação da camada estrutural plata-
obsoleto, demole-se esse prédio e constroi-se ou- forma geológica com função de infra-estrutura é,
tro (em Londres demoliu-se um famoso estádio, na prática, a explicitação de que, simbolicamente,
que completara 100 anos), que foi demolido, por 50% da cidade estão prontos antes de ser assenta-
ter ficado obsoleto, e construiu-se outro. O mes- do o primeiro tijolo. A totalidade desses 50% quer
mo não é tão fácil de fazer com uma rua ou praça, em componentes materiais, quer em participação
cheia de prédios. Fixe-se, portanto, que a má con- no metabolismo urbano, é de natureza geológica,
cepção ou execução de uma rua implica uma difi- compreendendo fatos e processos.
culdade de solução, dir-se-ia uma rigidez de grau No Quadro 2, alguns critérios foram escolhi-
superior ao de uma casa mal feita ou obsoleta. Fi- dos para fins de comparação do desempenho dos
que também claro que a verdadeira base sobre a aparelhos urbanos da cidade convencional e da
98
Contribuição para a geologia de engenharia aplicada às cidades
cidade geossuportada. A comparação é hipotética incêndios e da violência, onde não houver senão o
porque a cidade convencional da experiência bra- descanso do fogão para a criança apoiar o caderno
sileira pode ser uma cidade de relativo êxito, quer dos deveres escolares, é apenas um dos sintomas
por ter plataforma muito favorável, quer por ter de que a moradia não cumpre de forma minima-
sido cuidadosa em aspectos visíveis do seu pla- mente ideal o papel de infraestrutura para a vida
nejamento e implantação. Pode também ser uma humana como preconiza Van-Rooy (1996). Do ou-
dessas centenas de cidades das serras do Mar e da tro lado da comparação, a cidade geossuportada
Mantiqueira, dos deslizamentos e das inundações. sem restrições é, naturalmente, uma idealização,
Pode ser um desses grandes aglomerados dos halos uma utopia, um desses limites que a humanidade
suburbanos de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, dos deve sempre ter por meta.
Exporta para aterros sanitários ou lixões na zona Recicla metodicamente reduzindo o volume
Lixo
rural final
Nas cidades convencionais, o metabolismo inundações frequentes. São essas situações de grau
urbano pode tornar-se insubmisso porque tem- de rigidez elevado que inviabilizam as soluções
nas, muitas vezes, mesoestruturas viárias mal ideais. Todavia, a existência de extensos setores
concebidas ou apenas improvisadas, às margens urbanos degradados de regiões montanhosas com
das quais se instalaram as edificações finalísticas. moradias precárias e sob alto risco geológico, às
Muitas delas estão posicionadas em greide baixo o vezes, ocupando fundo e paredes de voçorocas, re-
piso térreo das edificações, expostas igualmente a presentam possibilidades de reurbanizações, cujas
99
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
futuras moradias poderão atender de fato a todas com base nesses dois critérios pode ser chamado
as características desejáveis de infraestrutura da litomorfológico. Quando o substrato é homogê-
vida humana, apontadas por Van-Rooy (op. cit.). neo, salvo pelas condições de estado, variações
Nesses casos, não há qualquer rigidez estrutural, comportamentais principais ficam por conta des-
técnica, ou econômica impeditiva, senão apenas o sas condições e da morfologia. Num dos casos,
apego ao ócio intelectual. cobrindo parte do território de Belo Horizonte, a
proximidade (não identidade) dos aspectos litoló-
gicos de ocorrência mais comum tornou possível
3 MÉTODOS
trabalhar exclusivamente com o fator morfológi-
co. As unidades de terrenos adotadas, em número
3.1 Unidades de terrenos baseadas em de três, são de visualização imediata e de simples
cartas topográficas compreensão como se pode ver no fragmento de
análise cartográfica simples elaborada em uma
das últimas áreas sob processo de urbanização na
3.1.1 Características cidade (Figura 5). Seguem as definições:
A cartografia geológica pura não atende
diretamente às necessidades da Gestão; igual-
mente não atendem a essas necessidades isolada-
mente mapas de simples declividades com limites
relacionados à legislação. A elaboração de unida-
des de terrenos inspiradas nas formulações origi-
nais de Grant (1974) é um caminho. Na solução de
problemas cartográficos, práticos na Região Me-
tropolitana de Belo Horizonte e em outras cidades
do interior mineiro, este autor teve oportunidade
de trabalhar com escalas intraurbanas e regionais
(1:2.000 a 1:50.000).
A legibilidade de cartas geotécnicas, de fácil
compreensão para geólogos, não o é para outros
profissionais. Em geral o geólogo não integra os
quadros municipais2. O autor tem trabalhado com
opção simples que permite definir unidades de
terrenos com as virtudes de serem reconhecíveis e Figura 5 – Unidades de Terreno resultantes de análise car-
delimitáveis em cartas hipsométricas de escala tográfica simples e expedita. Os designativos representam
superfícies de Topo e Transição de diferentes categorias.
adequada, e a que se podem associar expectativas CA é a Calha Aluvial.
de comportamento perante solicitações inerentes
à urbanização. Afinal, a essas unidades de terre-
nos correspondem comportamentos dominantes, Superfície de Topo é a superfície topográfi-
um significado físico, portanto. ca cimeira, em termos locais, convexa, correspon-
Essa cartografia pode ser baseada em dois dente aos resíduos remanescentes da paleotopo-
critérios de apropriação independente, o geológi- grafia da área, tendo sido a parte mais alta dela
co e o fisiográfico (geodependente, mas indepen- uma superfície ondulada sobre a qual o processo
dentemente apropriável). Um mapa elaborado erosivo promoveu entalhamento de novas linhas
de drenagem, deixando fragmentos da superfície
anterior interconectados por topos remanescen-
2 Não obstante a lei federal 6766/79, que trata do parcela- tes. O caso ilustrado, na Figura 5, distingue uma
mento do solo urbano, estabeleça a proibição do parce- superfície de topo especial, porque localmente é o
lamento onde as condições geológicas o desaconselhem,
são muito poucas as cidades de Minas Gerais com geólo- principal divisor (ST1); as demais (ST2) são espi-
gos em seus quadros permanentes. gões secundários.
100
Contribuição para a geologia de engenharia aplicada às cidades
Superfície de Transição é a superfície escul- fície de Topo não há deslizamentos, não há erosão
pida pelo entalhamento erosivo em curso. É for- ou esta é facilmente contida; não há inundações,
mada por vertentes dos novos vales abertos. O não há assoreamento e dificilmente haverá ascen-
designativo objetiva caracterizar bem o fato de são capilar. Trata-se de área salubre, ensolarada,
essa superfície oferecer leito de trânsito aos mate- bem arejada. Se contar com bom e firme acesso,
riais erodidos da superfície anterior. Na ilustração tudo o mais para ela se resolve bem: água, esgo-
STr1 é uma superfície complexa, com comporta- tos, disposição de resíduos inertes e lixo. Ela nun-
mento predominante de superfície de transição, ca estará a jusante de outras áreas ou, na forma
mas fragmentado em numerosas feições menores; popular, debaixo de.
STr2 são superfícies de transição bem definidas.
A Calha Aluvial compreende aluviões flu-
viais e leques aluviais e rampas de colúvio, po- 3.1.2 Identificação
dendo incluir corpos de talus com blocos expostos
ou encobertos. Superfície de Topo: nos maciços cristalinos
Já aqui se tiram conclusões úteis embora não de Minas Gerais e grande parte do Brasil, oriental,
necessariamente muito precisas: a Calha Aluvial é seus restos representam a extensão residual da pa-
caracteristicamente a superfície triunfante a longo leotopografia da área. Exibe feições convexas e até
prazo, porque cresce sobre a Superfície de Tran- planas inclinadas em pequenos trechos, aí acomo-
sição, enquanto esta, cedendo sob a Calha Alu- dadas a estruturas planares e raramente côncavas,
vial, avança sobre a Superfície de Topo, que é a estas admitidas apenas como inclusões. Do ponto
superfície sem futuro (no tempo geológico). Não de vista geotécnico, a mais marcante característica
obstante esse destino aparentemente obscuro da é a estabilidade, exceto nas bordas, que vem sen-
Superfície de Topo, é ela, nas porções nucleares, do desgastada em benefício da Superfície de Tran-
afastada do rebordo erosivo, a mais estável e se- sição (limite marcado por ruptura de declive), ou
gura para o tempo de duração da vida humana e localmente, onde o escoamento concentrado arti-
mesmo de uma civilização. Com efeito, na Super- ficialmente gerou profundo ravinamento.
Figura 6. Seção local do mapa de unidades de terreno da Figura 5, mostrando a relação predominante entre as unidades de
terreno obtidas por análise cartográfica. ST2, STr1 e CA já conhecidos.
Superfície de Transição: é formada pelas mé- corpos coluviais de materiais granulares finos es-
dias e altas vertentes dos vales entalhados na su- tão incluídos na Unidade de Terreno Calha Alu-
perfície anterior. Quanto à forma, é em regra côn- vial. Por esta razão, eventualmente, em seções
cava, mas pode ser plana inclinada, às vezes com transversais, a Calha Aluvial aparecerá “subindo”
pequenas inclusões convexas. os vales até a parte mais alta dos cones aluviais
Calha Aluvial: compreende baixas aluviais ou leques. Na seção da Figura 6, apresentam-se
marginais a cursos d’água. Nos vales formações formas de contato comuns entre as unidades de
coluviais interdigitam-se com os aluviões. Assim terrenos.
101
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
3.2 O método geológico como propostas por Carvalho & Prandini (1998)
dos problemas em verdade conexos que interli-
gam esses componentes de praticamente todas as
3.2.1 Descrição geral
cidades. Essa participação é tão mais crucialmente
Na elaboração das cartas geotécnicas, o geó- necessária, quanto se sabe da escassez de resulta-
logo desempenha papel típico de suas origens de dos alcançados pela geologia geradora de dados,
investigador da terra, mas não pode ficar limitado não por sua desimportância, mas pela dificuldade
a isto porque precisa desenvolver contatos com o de transformação da proposta em ação quando
aspecto executivo de certas intervenções urbanas. essa transformação não é feita com a participação
Uma das mais dinâmicas atividades huma- do gerador da proposta.
nas, integrante do metabolismo urbano, é a que
envolve a manipulação de materiais geológicos
para a construção das cidades e dos resíduos a
eles associados, seja sob a forma de sobras, seja
sob a forma de escombros gerados nas demoli-
ções. Os volumes envolvidos, consideradas todas
as modalidades, são muito grandes. A existência,
nas áreas urbanas e proximidades, de cavidades
de mineração, ou formadas por erosão, e de anfi-
teatros de cabeceiras naturais nas regiões monta-
nhosas, oferece possibilidades de recepção benefi-
ciadas pelas pequenas distâncias de transporte e
às vezes por boas condições de confinamento.
Consultando outras ordens de problemas ur-
banos aparentemente independentes, quais sejam
o do risco geológico em geral e o do descontrole
das águas pluviais em particular, a geologia, ci-
ência básica da gestão territorial, tem a responsa-
bilidade compartilhável mas especialmente con- Figura 7 – Primeiro desenho ilustrativo do Método Geológi-
centrada sobre ela de analisar, conceber, propor, co, para ilustrar a reabilitação de uma voçoroca; as setas da
seção central foram usadas para simbolizarem a interação
acompanhar, implantar soluções compartilhadas
entre o material colocado e o maciço hospedeiro.
102
Contribuição para a geologia de engenharia aplicada às cidades
O Método Geológico surgiu em 1989 no cam- proporciona a seleção por tamanho que dispõe blo-
pus da UFMG, Belo Horizonte, em experimento cos, seixos e finos em segregação granulométrica,
aplicado à estabilização de voçoroca nascente, de modo que o contato com a superfície do maciço
ainda sem atingir o lençol freático, mas em inten- receptor será feito pelo material mais grosseiro no
sa atividade, descarregando sua carga sob a forma fundo e parte baixa das paredes, ou das vertentes.
de lama no estacionamento a jusante. Quando a frente de lançamento avança para jusan-
Embora nascido para a reabilitação de áreas te, o depósito avança sobre material permeável e de
degradadas sem resíduos inertes, estendendo-se a alta resistência. As consequências hidrogeotécnicas
seguir para a disposição destes em cavidades de benéficas que esta forma de lançamento determina
erosão, em Betim e Contagem (Garcia et al. 2002), são evidentes quanto à drenagem, pois substitui
a universalidade do método, quanto ao que diz com vantagens técnicas e econômicas a drenagem
respeito à estabilidade física, recomenda sua apli- de fundo baseada em drenos tubulares ou em cor-
cação, com adaptações contextuais justificadas, dões de brita envolta em geotêxtil, mas ela impõe
a todos os tipos de resíduos gerados nas áreas um gradualismo seguido de montante para jusante
urbanas e industriais com muito proveito para a na compressão do terreno de fundação e paredes.
melhoria da qualificação da plataforma geológica Assim não se formam bolsões de subpressões, que
das áreas receptoras, inclusive pedreiras e cavas poderiam deflagrar deslizamentos frontais porque
fechadas de mineração, sem taludes frontais. O a fronteira drenante fica sempre para jusante.
objetivo passa rapidamente da unicidade — re- Consequências operacionais do ponto de vis-
abilitação de áreas degradadas ou disposição de ta geológico são:
resíduos — para a duplicidade e finalmente para ■■ criação de reservatório de controle posto à
a multiplicidade, com a inclusão do controle da disposição de águas pluviais em condições
de captação eficiente e segura;
água, do risco geológico e da salubridade urbana.
■■ recuperação de nascentes esgotadas;
■■ regularização de vazões;
3.2.2 Princípios físico e geológico do ■■ retardamento do retorno da água ao mar;
método geológico ■■ purificação da água por filtração;
■■ geração de áreas planas em regiões montanho-
Os argumentos da física aplicáveis ao Método sas a custos inferiores aos de terraplenagem.
Geológico são os vinculados à estabilidade. A primei-
ra condição apresentada é a seguinte: quando um cor- Ao término deste bloco, resulta a conclusão
po (o depósito) é colocado sobre dada base de apoio, seguinte: as cidades promoveram classificação
a ele associam-se três hipóteses de equilíbrio — instá- temática de “problemas”, separando-os; assim se-
pararam também suas soluções. No presente caso,
vel, indiferente, estável. Entre os equilíbrios estáveis,
o Método Geológico é ferramenta a serviço da so-
o que se associa a uma energia potencial mínima é o
lução compartilhada de problemas aparentemen-
mais estável. Imaginando uma disposição que evite
te autônomos proposta e descrita em linhas gerais
o fundo de vale, em benefício de meia-encosta, ainda
por Carvalho & Prandini (op. cit.).
que estável, o equilíbrio resultante será mais precário
que o proposto pelo Método Geológico. A segunda
condição é que o aterro feito no interior de voçoroca 3.2.3 Procedimentos para a implan-
antiga estará naturalmente confinado porque o esta- tação
do de tensão antigo pode ser tratado como condição
de contorno e constitui garantia de que um estado de É aqui dispensada a exposição dos critérios de
tensão sem precedentes não será criado pelo enchi- eleição das áreas de recepção. Escolhida e caracteri-
mento, sendo esta a forma prática de tratar a questão zada a área, elabora-se o respectivo projeto e, uma
da estabilidade sem a necessidade de entrar em análi- vez aprovado nas instâncias competentes, começa
ses quantitativas especiais. a implantação pela seguinte ordem preferencial:
Durante a execução deve ser aplicada rigoro-
samente a recomendação do lançamento por bas- 3.2.3.1 Dique retentor
culamento direto ou empurrão por trator a partir
da plataforma de recepção. Esse lançamento, quan- Execução do dique retentor de gabião (ou equi-
do se tratar de materiais de granulometria extensa, valente) frontal. A execução da obra de contenção
103
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
frontal antes do início do enchimento objetiva espalhamento do material por trator e regulariza-
evitar que cheguem a cursos d’água situados a ju- ção do acréscimo da plataforma. Esta operação en-
sante materiais detríticos diversos incorporados a cerra a principal garantia, do ponto de vista hidro-
enxurradas geradas por chuvas que ocorram antes geotécnico, do bom comportamento esperado para
da conclusão dos taludes frontais com os seus res- o conjunto aterro-maciço hospedeiro. Com efeito, o
pectivos controles de escoamento. Conforme reco- lançamento da forma descrita de material de gra-
mendado com base na exploração local, a execução nulometria extensa, de silte-argila a calhaus, resul-
deve ser precedida do necessário saneamento da ta numa seleção de tamanhos por rolamento dos
faixa de implantação do dique devendo o material calhaus e blocos à frente dos finos. No lançamento
movimentado ser encostado a montante do futuro podem-se alternar materiais, como no caso da Fi-
dique. As condições de encaixe no terreno do piso gura 9. Quando a frente de lançamento avança, sei-
e ombreiras devem ser verificadas pelo autor do xos, blocos e calhaus estarão forrando o fundo da
projeto ou pelo responsável técnico pela execução. feição e suas baixas vertentes, de modo a introduzir
Em nenhuma hipótese se deve abrir mão de engas- naturalmente amplo contato permeável altamente
tamento adequado de pelo menos 0,5 metro em ter- atrítico, com o terreno natural do fundo e paredes.
reno firme. O uso de filtro de geotêxtil deverá ser A drenagem de fundo estará naturalmente implan-
adotado em casos especiais. tada e funcionará eficazmente. As numerosas pas-
sadas dos caminhões carregados e da máquina de
espalhamento garantem compactação natural. Ao
final do processo de enchimento, a compacidade
resultante não será devida exclusivamente a esse
fato, mas também ao acréscimo do peso próprio es-
tático e das forças de percolação descendentes pela
infiltração de águas pluviais, medidos à razão de (
γsub + i γw ) por unidade de peso de solo sob perco-
Figura 8 – Aterro de 1 bancada com talude suavizado. lação descendente.
Alcançada a extensão prevista para cada es-
3.2.3.2 Lançamento planada, o talude que a separa da seguinte deve
ter seu ângulo reduzido de cerca de 38º a 42o (ân-
Descarga de entulho de caçamba ou bota-fora gulo de repouso natural), para cerca de 33° (ângu-
geológico, tendo início na extremidade superior lo final dos taludes das bancadas). Na Figura 8, em
da cavidade ou anfiteatro, onde se formará a pla- aterro de uma só bancada, o talude resultante do
taforma de lançamento. Nesta o material a dispor lançamento é suavizado como acima referido. No
deve ser diretamente basculado pelos caminhões. caso de aterro com talude frontal de várias banca-
No caso de haver necessidade (ou interesse espe- das, os taludes são suavizados a partir da banca-
cial do empreendedor) de promover descontami- da superior e é nessa ocasião que são implantadas
nação com fins de reciclagem, o material deve ser esplanadas e bermas que separam as bancadas do
descarregado na plataforma para que seja objeto de talude frontal. Pode o projeto manter os taludes
triagem por catadores, antes do lançamento final, no ângulo de repouso, com bermas mais largas
que pode ser feito mediante empurrão por trator; para manter a inclinação média.
Figura 9 – Seção de aterro de resíduos zonado, em que resíduos de demolição foram previstos para introduzirem elementos
filtrantes (tensor permeabilidade representado por elipsóides alongados) em bota-fora siltoso-micáceo de xisto (permeabili-
dade baixa, invariante, representada por círculos). A implantação criaria esplanadas horizontais de grande utilidade em ter-
reno montanhoso, regularizaria a vazão e estabilizaria as baixas vertentes, além de reduzir a distância de transporte em mais
de 20 quilômetros sentido ida. O projeto não foi implantado por haver nascente de vazão insignificante no meio do talvegue.
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Contribuição para a geologia de engenharia aplicada às cidades
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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Contribuição para a geologia de engenharia aplicada às cidades
A migração do geólogo para uma presença Trata-se de domínio típico de aplicação de con-
maior no cotidiano executivo das cidades amplia- ceitos e métodos aqui expostos e recomendados,
rá suas possibilidades de contribuição para o de- mas a geração de tais serviços em algumas dessas
senvolvimento delas; entraves legais precisam ser áreas, nas cidades de menor poder e visibilidade
atenuados urgentemente. no noticiário, ainda depende muito de universi-
O geólogo acostumou-se a trabalhar com o dades próximas e muitas delas podem ter ficado
conceito de vaso fechado e suas formas de refletir em trabalhos apenas conceituais e preliminares
sobre os objetos de gestão induzem-no a usar o re- de apoio ao Plano Diretor.
curso naturalmente, fazendo mentalmente trans-
posições temporais e espaciais com desenvoltura
menos comum a outros domínios profissionais: O
tempo lhe diz que a Cidade é mais importante que
seus componentes; e o espaço lhe diz que a Cida-
de, ocupando em média menos de 1% do territó-
rio mundial, não tem de assumir compromissos
que não mudam a cena, mas que podem violar
prerrogativas essenciais dela.
Tem-se notado em muitas cidades uma
migração relativamente recente para topos de
morros. Essa migração fez-se muitas vezes de
forma improvisada, estimulada pelo acesso por
automóvel, e por uma crescente regularidade do
abastecimento de água; a exiguidade de áreas de
Figura 11. Aterro de resíduos da rua Flor do Campo, em
declividades viáveis na meia encosta é visível Belo Horizonte, em janeiro de 2010, descarregando água
nas faixas cristalinas de centro-leste brasileiro. cristalina, das chuvas de fim de ano.
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
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1
2
RBGEA
REVISTA BRASILEIRA DE
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
E AMBIENTAL
REVISTA BRASILEIRA DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL
Publicação Científica da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Editor
Lázaro Valentim Zuquette – USP
Co Editor
Fernando F. Kertzman – GEOTEC
Revisores
Antonio Cendrero – Univ. da Cantabria (Espanha)
Alberto Pio Fiori - UFPR
Candido Bordeaux Rego Neto - IPUF
Clovis Gonzatti - CIENTEC
Eduardo Goulart Collares – UEMG
Emilio Velloso Barroso – UFRJ
Fabio Soares Magalhães – BVP
Fabio Taioli - USP
Frederico Garcia Sobreira - UFOP
Guido Guidicini - Geoenergia
Helena Polivanov – UFRJ
Jose Alcino Rodrigues de Carvalho – Univ. Nova de Lisboa (Portugal)
José Augusto de Lollo - UNESP
Luis de Almeida Prado Bacellar – UFOP
Luiz Nishiyama - UFU
Marcilene Dantas Ferreira - UFSCar
Marta Luzia de Souza – UEM
Newton Moreira de Souza – UnB
Oswaldo Augusto Filho – USP
Reinaldo Lorandi – UFSCar
Ricardo Vedovello – IG/SMA
Foto da Capa
Obras do Rodoanel trecho sul, nas proximidades da represa Billings.,
tirada em 08 de julho de 2008 . Fabrício Araujo Mirandola - IPT
Edição Especial
Tiragem: 2.500
ISSN 2237-4590
São Paulo/SP
Novembro/2011
Av. Prof. Almeida Prado, 532 – IPT (Prédio 11) 05508-901 - São Paulo - SP
Tel.: (11) 3767-4361 - Telefax: (11) 3719-0661 - E-mail:abge@ipt.br - Home Page: http://www.abge.com.br
CONSELHO DELIBERATIVO
Elaine Cristina de Castro, Elisabete Nascimento Rocha, Fabio Canzian da Silva, Fabrício Araújo Mirandola, Fer-
nando Facciolla Kertzman, Fernando Ximenes T. Salomão, Gerson Almeida Salviano Filho, Ivan José Delatim,
Kátia Canil, Leonardo Andrade de Souza, Luiz Antonio P. de Souza, Luiz Fernando D’Agostino, Marcelo Fis-
cher Gramani, Newton Moreira de Souza, Selma Simões de Castro.
REPRESENTANTES REGIONAIS UF
ROBERTO FERES AC
HELIENE FERREIRA DA SILVA AL
JOSÉ DUARTE ALECRIM AM
CARLOS HENRIQUE DE A.C. MEDEIROS BA
FRANCISCO SAID GONÇALVES CE
NORIS COSTA DINIZ DF
JOÃO LUIZ ARMELIN GO
MOACYR ADRIANO AUGUSTO JUNIOR MA
ARNALDO YOSO SAKAMOTO MS
KURT JOÃO ALBRECHT MT
CLAUDIO FABIAN SZLAFSZTEIN PA
MARTA LUZIA DE SOUZA PR
LUIZ GILBERTO DALL’IGNA RO
CEZAR AUGUSTO BURKERT BASTOS RS
CANDIDO BORDEAUX REGO NETO SC
JOCÉLIO CABRAL MENDONÇA TO
APRESENTAÇÃO
9 BOÇOROCAS
Ernesto Pichler (In memorian)
RESUMO ABSTRACT
O grande número de desastres naturais registrados nos GEOLOGICAL RISK MANAGEMENT IN BRAZIL
últimos anos no Brasil, especialmente entre 2009 e 2011
está exigindo uma nova postura quanto à gestão de ris- The large number of recorded natural disasters in re-
cos e desastres, embora os anos 2000 tenham sido marca- cent years in Brazil, especially between 2009 and 2011
dos por avanços importantes em ações preventivas jun- demand a new approach regarding the management of
to aos municípios, através de capacitação técnica e dos risks and disasters, although the ‘2000s was marked by
mapeamentos de risco, inseridos no Plano Municipal de important advances in preventive actions in the cities
Redução de Risco. Com base na experiência adquirida through technical training and risk mapping, inserted
no país e no trabalho desenvolvido pela Estratégia In- in the Municipal Plan for Risk Reduction. Based on ex-
ternacional para redução de desastres naturais, através perience produced in the country and the work of the
da ONU é possível promover uma profunda mudança International Strategy for Natural Disaster Reduction,
baseada num modelo consistente de gestão de riscos e
from UN it’s possible to promote a profound change in
desastres no Brasil. Para isso é indispensável o fortaleci-
a consistent model-based risk management and disas-
mento dos órgãos responsáveis e a sua efetiva integra-
ter in Brazil. For it is essential to strengthening of the
ção na divisão dos esforços para atender aos resultados
organisms responsible for its effective integration into
esperados; a participação das instituições de pesquisa
na revisão das metodologias de análise e mapeamento the division of efforts to meet the expected results; the
de risco e, das novas tecnologias aplicáveis à redução contribution of research institutions in the review of
e minimização dos desastres; o incremento nos investi- the methodologies of analysis and risk mapping, and
mentos, especialmente aqueles destinados à previsão e use of new technologies to reduce and mitigate disas-
prevenção do risco; e um modelo de abordagem para as ters; the increase of the investments, especially focused
ações de defesa civil, que melhore as ações de prepara- in risk prediction and prevention; and the adoption of
ção para os desastres, através da operação e difusão de a model approach to civil defense actions, to improve
sistemas de alerta e da comunicação com a comunidade disaster preparedness, through of early warning, evol-
em risco. ving the community at risk.
Palavras-chave: Riscos Naturais; Gestão de Riscos; Ris- Key-words: Natural Risks; Risk Management; Geolo-
cos no Brasil gical Risks in Brazil
1 INTRODUÇÃO
A partir da nomenclatura internacionalmen- aos riscos e aos desastres naturais. Muitas vezes
te aceita, são discutidos alguns dos conceitos bási- abrange a função do próprio planejamento, como
cos adotados neste trabalho, já que envolvem di- forma de antever e prover insumos para coorde-
ferenças de tratamento em função da área técnica nar ações no território desejado.
predominante. O “planejamento” deve prever processos fu-
O termo “gestão” vem sendo usado com mui- turos, identificando a evolução dos fenômenos na-
ta freqüência nos tempos atuais, no que se refere turais e humanos, para buscar implementos que
109
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
evitem, controlem ou enfrentem tais fenômenos e ambiente, da ação para reduzir a exposição a riscos
suas consequências. A gestão, por sua vez, é res- diminuindo a vulnerabilidade de pessoas e bens,
ponsável pela implantação das ações e de seus ob- e de uma melhor preparação dos procedimen-
jetivos e metas. tos para responder aos eventos adversos.
Embora o termo “gerenciamento” seja utilizado A classificação internacional (UN-ISDR)1 bas-
como sinônimo de gestão, esta é considerada mais tante difundida e aplicada na gestão de riscos é
abrangente que o gerenciamento, o qual compreen- apresentada no Quadro 1.
de as ações de monitoramento de risco nas áreas pe-
rigosas e resposta a desastres, entre outras.
Quanto aos termos “risco” e “desastre” o uso 2 QUESTÕES INSTITUCIONAIS
popularizado pela mídia cria algumas distorções
na compreensão dos seus efeitos e dos resultados No Brasil, criou-se uma dicotomia no exercí-
imediatos esperados, a partir das ações emergen- cio das ações preventivas para redução de riscos e
ciais empreendidas. mitigação de desastres, com a prevenção dos ris-
Enquanto o risco é a possibilidade de ocorrên- cos associada aos problemas urbanos no âmbito
cia futura de um desastre (daí a necessidade da sua do Ministério das Cidades e a resposta aos desas-
previsão), o desastre é o fato já ocorrido, trazendo tres executada pelo Ministério da Integração, atra-
perdas materiais e de vidas e danos psicossociais. vés da Secretaria Nacional de Defesa Civil, sem
O risco resulta da combinação de dois fato- o indispensável esforço de integração de ações,
res: uma condição propícia para a ocorrência do troca de informações, entre outras fragilidades in-
processo (suscetibilidade) e uma condição de fra- terinstitucionais.
gilidade das pessoas, de suas moradias e da infra- Os órgãos formais do Sistema de Defesa Civil
estrutura no local a ser afetada (vulnerabilidade). nas três esferas de governo, em decorrência da falta
Não há desastres sem risco, embora este úl- de respaldo político e das deficiências técnicas em
timo nem sempre se anuncie de forma explícita e termos quantitativos e qualitativos, adotaram uma
compreensível, especialmente para a população cultura de ação emergencial focada na resposta aos
em geral. Isso traz uma falsa noção de segurança desastres, sem o necessário planejamento prévio,
que aumenta a vulnerabilidade da população e re- com perda de sinergias e de eficiência no uso dos
duz a sua capacidade de reagir aos desastres. Por recursos emergencialmente disponibilizados, como
isso, a comunicação do risco é atualmente um tema as dotações financeiras, as doações da sociedade, a
da maior relevância na redução da vulnerabilidade ação voluntária, entre outros, ampliando com isso
das comunidades que ocupam áreas perigosas. o sofrimento das comunidades vitimadas.
O termo “prevenção de riscos” abrange o As ações de redução de risco, que vinham
conjunto das ações (análise – avaliação – mapea- sendo desenvolvidas pela Secretaria de Progra-
mento) exigidas para o conhecimento prévio dos mas Urbanos do Ministério das Cidades, desde
riscos, sendo o passo inicial para uma política de 2003, tentavam compensar essa situação, viabili-
redução de desastres. zando programas de prevenção de risco de des-
O termo “redução de desastres” parte do co- lizamentos, através da capacitação técnica das
nhecimento prévio dos riscos (porque, como e onde defesas civis das cidades mais críticas, para a aná-
ocorrem e qual a perda presumida) e consiste na lise e o mapeamento de risco em áreas de assen-
preparação para as emergências, que deve estar de- tamentos precários, além de estimular e financiar
lineada num “plano de contingência” do qual cons- os municípios para elaborarem Planos Municipais
tem ações preliminares para redução dos desastres de Redução de Risco (análise e mapeamento, pro-
esperados, como remoção preventiva de famílias, postas de intervenção e estimativa dos recursos
obras emergenciais e a logística para as ações e in- necessários), projetos básicos para contenção de
sumos necessários à resposta ao desastre. encostas nos setores de maior risco e obras foca-
O termo “redução do risco de desastres”, mais das na redução de risco de deslizamentos. Lamen-
abrangente e adotado internacionalmente, expres- tavelmente, esses programas nunca incluíram o
sa a aplicação de esforços sistemáticos e integra- risco das inundações.
dos para analisar e reduzir os fatores causais dos
desastres, através da gestão sábia da terra e do meio 1 International Strategy for Disaster Reduction - ONU
110
Gestão de riscos geológicos no Brasil
111
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Os Planos Diretores das cidades, instrumen- (1,4 milhão) e está concentrado nas regiões Norte e
to da maior importância para orientar o uso e Nordeste. Essa situação responde por grande parte
ocupação do solo, como também para o controle dos desastres que ocorrem no Brasil.
urbano, em sua quase totalidade não consideram Por outro lado, os investimentos em preven-
parâmetros técnicos que contemplem os assenta- ção são insignificantes, se comparados àqueles
mentos informais precários. Os desastres, embora destinados às respostas a desastres, ressaltando-se
causem forte comoção em toda a sociedade e per- que estes também ficam muito aquém das necessi-
das materiais e de vidas para os que ocupam áreas dades reais de recuperação e reconstrução. Estudo
perigosas, vêm sendo tratado com tema “anexo” da Confederação Nacional de Municípios (CNM),
e não, determinante das políticas de ocupação das realizado em 2010, sobre a emissão de portarias
áreas urbanas. de reconhecimento de Situação de Emergência e
Em verdade, a causa primordial para a gran- Estado de Calamidade Pública pela Secretaria Na-
de ocorrência de desastres no Brasil deve-se ao cional de Defesa Civil mostrou que entre 2006 e
déficit de moradias para a população carente e à 2010, os recursos destinados à prevenção e à res-
falta de controle urbano sobre a ocupação. Os ge- posta foram de respectivamente R$462.266.060 e
ólogos, Álvaro Santos e Moacyr Schwab, em um R$ 3.167.442.780.
memorial resultante de ampla discussão pela in-
ternet com a contribuição de vários profissionais
3 A GESTÃO DE RISCO NO CONTEXTO
que atuam na área de gestão de risco, afirmam:
INTERNACIONAL
“A produção técnica e científica da comunidade ge-
ológica, geotécnica e urbanística brasileira é de altíssimo
nível, reconhecido internacionalmente, estando já total- 3.1 A ação da ONU
mente disponibilizada para os mais diversos agentes so-
ciais, públicos e privados responsáveis pelo ordenamen- O aumento da recorrência dos desastres na-
to urbano. O principal entrave a uma melhor gestão do turais em quase todo o planeta, com intensidades
problema, dentro da qual se evitariam, ou seriam dras- e frequências acentuadas, vem levando gestores
ticamente reduzidos os problemas urbanos associados públicos e organizações não governamentais, a
a riscos geológicos (...), está na resistência da adminis- buscarem soluções sustentáveis para o problema.
tração pública, em seus diversos níveis, em exercer, com No final da década de 80, a Organização das Na-
eficiência, competência e firmeza, seu papel de regulação ções Unidas instituiu a década de 90 como a Dé-
técnica do crescimento urbano, especificamente no que se cada Internacional para a Redução dos Desastres
refere ao uso e ocupação do território”. Naturais (IDNDR)2, que contou com a adesão de
O Plano Nacional de Habitação do Ministério cerca de 180 países ao protocolo formulado.
das Cidades (Brasil, 2010) destaca a grande desi- Um grande esforço internacional de troca
gualdade social e econômica e a herança resultan- de experiências gerenciais e técnicas produziu ao
te do processo de urbanização intensificado a par- longo desse decênio, uma abundante bibliografia3
tir dos anos 1940, como principais responsáveis contendo análises, novas ferramentas de avalia-
pelos 3,2 milhões de domicílios em assentamentos ção, guias e procedimentos para a implementação
precários. Esses assentamentos caracterizam-se de modelos de avaliação e gestão de risco.
pela informalidade na posse da terra, ausência ou Um modelo de abordagem preventiva para a
insuficiência de infraestrutura, irregularidade no gestão do risco foi difundido pelo UNDRO (Office
processo de ordenamento urbano, falta de acesso of the United Nations Disasters Relief Co-Ordina-
a serviços e moradias com graves problemas de tor) contendo as etapas:
habitabilidade, construídas pelos próprios mora- 1) Identificação dos riscos;
dores sem apoio técnico e institucional. 2) Análise e cartografia dos riscos;
O déficit habitacional em áreas urbanas no Bra-
sil, estimado pela Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio em 2009, é de 5,8 milhões de unidades 2 International Decade for Natural Disaster Reduction
3 Disponível em www.unisdr.org e em links sugeridos a
habitacionais. O déficit rural também é expressivo partir desse sítio.
112
Gestão de riscos geológicos no Brasil
3) Medidas estruturais e não estruturais de pre- Internacional para a Redução de Desastres - ISDR4
venção de desastres; , redesenhada e redirecionada para aprofundar
4) Planejamento para situações de emergência; questões relacionadas a maiores níveis de segu-
5) Informações públicas e treinamento. rança na convivência com os riscos e desastres,
A recorrência de grandes desastres naturais com destaque para as análises de vulnerabilidade
envolvendo expressivo número de mortes (Figura e resiliência social, já que a década de 90 foi forte-
1) e elevadas perdas econômicas levaram à conti- mente marcada pelo estudo dos processos destru-
nuidade pela ONU desse mecanismo internacio- tivos, das metodologias para a avaliação e mapea-
nal, agora como uma ação contínua, sem prazo mento das suscetibilidades e das tecnologias para
pré-estabelecido, sob a denominação de Estratégia a minimização dos desastres.
Dada a diversidade dos temas abordados uma Conferência Mundial em Yokohama (Japão),
pela IDNDR (terremotos, deslizamentos, inunda- onde foi aprovado por unanimidade o documen-
ções, furacões, ciclones, secas, geadas, incêndios to “Estratégia de Yokohama para um Mundo
florestais, pragas de gafanhotos) áreas de conhe- mais Seguro: Diretrizes para Prevenção, Respos-
cimento como: climatologia, sismologia, geologia, ta e Mitigação de Desastres Naturais”, contendo
geomorfologia, engenharia hidráulica, engenha- um Plano de Ação 1994-2004, cuja implementa-
ria geotécnica e saúde pública, ganharam impul- ção continuou após a década, sob a coordenação
sos na análise de riscos, razão pela qual um tempo da ISDR, criada no ano 2000. Inúmeros eventos
significativo foi destinado à redefinição de concei- ao longo desse período foram realizados para
tos e terminologias, que permitissem a adequada a discussão de idéias, formulação de políticas e
interface entre os diferentes técnicos, gestores e produção de informação como guias, relatórios,
pesquisadores envolvidos. livros, etc, material quase todo disponível na In-
Em maio de 1994, com o objetivo de realizar ternet (www.unisdr.org).
uma avaliação parcial da IDNDR, foi realizada
4 International Strategy for Disaster Reduction
113
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
114
Gestão de riscos geológicos no Brasil
115
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
MG, promoveu o intercâmbio de experiências mu- De acordo com dados mais recentes do Mi-
nicipais e estaduais na temática de gerenciamento nistério das Cidades, são estimados em cerca de
de áreas de risco e ampliou a atuação nacional do 200, os municípios críticos no Brasil, localizados
programa. Encontra-se em fase de organização o principalmente nos estados de SP, RJ, MG, PE,
3º Seminário Nacional a ser realizado em Salvador, BA, ES, AL e SC (Figura 2), nos quais já ocorreram
possivelmente no mês de outubro próximo. 3.109 mortes por deslizamentos (IPT, 2011).
Encontra-se em fase de conclusão um atlas por representantes dos Ministérios e das Secreta-
de risco do Brasil, onde consta um levantamento rias da Presidência da República.
detalhado das situações de risco em todo o país, A SEDEC coordena as ações da defesa civil
encomendado pela SEDEC à UFSC. nacional e tem sua ação direcionada de forma
mais efetiva para as emergências, como as secas
no nordeste e as inundações que afetam vários
3.2.2 Ações de resposta a desastres estados brasileiros. De acordo com a legislação
vigente, o SINDEC tem como objetivo planejar,
O órgão que naturalmente assumiu esse papel
articular e coordenar as ações de defesa civil em
foi a Secretaria Nacional de Defesa Civil (SEDEC),
todo o território nacional.
do Ministério da Integração Nacional, criado pre-
Entretanto, apesar dos esforços empreendi-
liminarmente em 1942 durante a Segunda Guerra dos, o sistema nacional de defesa civil nunca dis-
Mundial, com o papel de proteger a população ci- pôs de respaldo técnico e político suficiente para
vil dos efeitos da guerra, sofrendo reformulações assumir todas essas atribuições, fragilizado pela
ao longo do tempo, chegando à formatação atual equipe insuficiente e pela falta de recursos orça-
de coordenação de um sistema (SINDEC), consti- mentários que fizessem jus ao tamanho do proble-
tuído por órgãos públicos nas três esferas de go- ma que precisa ser resolvido.
verno, tendo como instância superior o Conselho Um grande esforço tem sido feito pelos gesto-
Nacional de Defesa Civil (CONDEC), formado res sucessivos, no sentido de aperfeiçoar o sistema
116
Gestão de riscos geológicos no Brasil
de respostas aos desastres, com ações preventivas do centro de monitoramento, prevista para setem-
para a preparação do núcleo técnico nacional e das bro. De 2012 a 2014, serão concluídos os módulos 1
defesas civis dos municípios, especialmente no que e 2 e implementados os módulos 3 e 4.
se refere à mobilização dos municípios para a cria- Será feito o levantamento e padronização de
ção de Coordenadorias Municipais de Defesa Civil e mapas de riscos dos municípios brasileiros críti-
de Núcleos Comunitários de Defesa Civil (NUDEC). cos e as instituições responsáveis por esse trabalho
Para isso tem investido em programas de capacita- serão: Secretaria Nacional de Programas Urbanos
ção para sensibilização e preparação das equipes (SNPU) do Ministério das Cidades, Secretaria Na-
municipais, pautados nas doutrinas da defesa civil e cional de Defesa Civil (SEDEC) do Ministério da
nos instrumentos que embasam sua ação. Integração Nacional, Companhia de Pesquisa dos
No final de 2010 a Lei 12.340/2010 atualizou Recursos Minerais (CPRM), Agência Nacional de
o modelo de defesa civil já definido no Decreto Águas (ANA) e Secretaria de Relações Institucio-
7.257/2005, com ênfase na agilização das trans- nais da Presidência da República (SRI). A integra-
ferências de recursos em ações de socorro, assis- ção de informações hidrometeorológicas com os
tência às vítimas, restabelecimento de serviços mapas de risco será feita ainda este ano, sob a res-
essenciais e reconstrução nas áreas atingidas por ponsabilidade do INPE.
desastre, e ainda, sobre o Fundo Especial para Ca-
lamidades Públicas.
4 CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES
Atualmente, esse sistema vem recebendo do
governo federal um tratamento diferenciado, com O caráter de urgência que é colocado no mo-
mais respaldo político e orçamentário, que dá su- mento atual para tratar de um assunto que exige
porte ao processo de fortalecimento institucional muita reflexão, cautela, apropriação das boas ex-
e à busca incansável de efetiva intersetorialidade periências e uma boa fundamentação técnica, não
entre os órgãos públicos que assumem mais di- deve ser incentivado.
retamente responsabilidades para com a defesa Para a formulação de um planejamento de âm-
civil no país, como o Ministério da Integração Na- bito nacional, que envolva a reformulação de pro-
cional - MIN (SEDEC) e o Ministério das Cidades cedimentos do órgão central, ampliação da equipe
(SNPU), entre outros. técnica, um arranjo institucional assumido de fato
O Seminário Internacional sobre Gestão Inte- pelos demais órgãos públicos e pela sociedade civil
grada de Riscos e Desastres, realizado em Brasí- organizada, e que conte com o apoio de técnicos es-
lia (março/2011), foi uma iniciativa do MIN, que pecializados e pesquisadores, é necessário um perí-
contou com o apoio do Banco Mundial e da ISDR. odo de pelo menos um ano. Até a consolidação do
Esse evento teve um importante papel no con- Sistema, que exigirá um tempo maior, devem ser
vencimento do governo brasileiro e trouxe uma considerados os desdobramentos de curto e médio
excelente oportunidade de compartilhamento de prazos a serem sucessivamente empreendidos pe-
experiências exitosas em redução de risco de de- los gestores federais, estaduais e municipais.
sastres da América Latina e da Europa. Como se pôde observar há vários gargalos
Nos primeiros meses de 2011, foi criado pelo para um bom desempenho da Gestão de Riscos
MCT o Sistema Nacional de Monitoramento e e Desastres no Brasil. Faltam habitações para a
Alerta de Desastres Naturais, ligado ao Instituto população de baixa renda, capacidade técnica
Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, formado instituída na ação dos municípios, instrumentos
por quatro módulos principais: técnicos disponibilizados e apropriados pelos
1) Conhecimento dos Riscos; municípios, controle urbano, recursos financeiros
2) Sistema de Monitoramento e Alerta; compatíveis com as demandas, mas essencialmen-
3) Difusão e Comunicação; e te, falta planejamento e integração. E embora exis-
4) Capacidade de Resposta. ta competência técnica por parte de especialistas
e pesquisadores, esta ainda não conseguiu chegar
A implementação dos módulos 1 e 2 se dará ain- à forma adequada para apropriação direta pelos
da em 2011, com a instalação de uma sala de situação gestores públicos.
117
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Considerando que a gestão de riscos e desas- 4.1 Propostas para a melhoria da gestão de
tres não pode ser apenas um “anexo” de outras risco no Brasil
Políticas de Estado, precisam ser construídos ins-
trumentos de regulação focados na ação nacional As propostas que se seguem refletem o esfor-
e municipal (local), com atribuição de responsabi- ço coletivo de um número significativo de pesqui-
lidades e definição de fontes orçamentárias para sadores e técnicos das áreas de geologia, geotecnia
atender ao Sistema, de forma permanente. e geologia de engenharia, que vêm discutindo de
Nesse sentido, um grande avanço proveio do modo informal pela internet as dificuldades encon-
Ministério do Planejamento que reduziu de 360 para tradas, a necessidade de valorização das experiên-
60, o número de programas orçamentários da União cias e estudos produzidos nessas áreas de conheci-
para o PPA 2012-2015, entre os quais foi incluído o mento e a necessidade de estruturar um modelo de
programa Gestão de Riscos e Resposta a Desastres, gestão de riscos e desastres para o país.
reconhecendo o tema definitivamente como uma Essas propostas também foram discutidas
questão de Estado. Os recursos desse programa fo- com o Confea, para que fossem levadas a um Gru-
ram destinados aos ministérios que têm interseção po de Trabalho criado pelo MIN, para propor me-
na defesa civil do país, especialmente os ministérios lhorias no sistema nacional de defesa civil.
da Integração Nacional e das Cidades. Qualquer modelo que se pretenda eficaz
Os objetivos desse Programa orçamentário para a gestão de risco no Brasil, deverá considerar
incluem os seguintes temas: como premissas as seguintes questões:
■■ Mapeamento da suscetibilidade a processos ■■ Desenvolvimento e fortalecimento da ação
destrutivos nos municípios considerados crí- pública integrada com visão intersetorial, no
ticos para desastres naturais (responsável: âmbito nas três esferas de governo e constru-
CPRM – Serviço Geológico do Brasil/MME); ção de alianças no plano internacional;
■■ Mapeamento de risco em áreas ocupadas ■■ Ampliação de investimentos em ações pre-
(responsável: Secretaria Nacional de Defesa ventivas, para induzir um círculo virtuoso na
Civil/MIN); gestão de risco;
■■ Melhoria do Sistema Nacional de Defesa Ci- ■■ Adoção de um modelo de abordagem para
vil (responsável: Secretaria Nacional de Defe- as ações de defesa civil, que melhore as ações
sa Civil/MIN); de prevenção e preparação para os desastres,
■■ Obras emergenciais para redução do risco a operação e difusão de sistemas de alerta e a
(responsável: Secretaria Nacional de Defesa comunicação com a comunidade em risco;
Civil/MIN); ■■ Atualização de metodologias para análise e
■■ Intervenções estruturais para prevenção de cartografia de risco e adoção de novas tecno-
risco em encostas (responsável: Secretaria Na- logias para a redução dos riscos e minimiza-
cional de Programas Urbanos/MCidades); ção dos desastres, apoiadas em recursos de fo-
■■ Intervenções urbanas em margens de rios e mento à pesquisa, direcionados para o tema.
canais (responsável: Secretaria Nacional de
Saneamento Ambiental / MCidades);
■■ Sistema Nacional de Monitoramento e Alerta 4.1.1 Desenvolvimento e fortaleci-
de Desastres Naturais (responsável: Instituto mento da ação pública
Nacional de Pesquisas Espaciais/MCT); integrada
■■ Implantação de parques urbanos e melhorias
ambientais (responsável: Secretaria de Meio A integração interinstitucional é um das gra-
Ambiente Urbano/MMA). ves dificuldades que o país enfrenta atualmente
no que se refere à gestão dos riscos e desastres. A
No programa orçamentário Planejamento experiência da Estratégia Internacional apontou
Urbano, também consta um objetivo de grande como saída para romper inércias tanto dos seto-
relevância para a redução do risco direcionado a res públicos, quanto da sociedade organizada, a
um instrumento indispensável para o controle do criação das Plataformas Nacionais de Redução
uso do solo urbano: de Risco de Desastres, respaldadas num modelo,
■■ Elaboração de Cartas Geotécnicas nos muni- que vem sendo internacionalmente amadurecido
cípios críticos (responsável: Secretaria Nacio- e consolidado ao longo dos últimos anos, que se
nal de Programas Urbanos/MCidades). reafirmou no sucesso da terceira reunião mundial
118
Gestão de riscos geológicos no Brasil
sobre a Plataforma Global, realizada em Genebra, os danos sociais e evita mortes desnecessárias.
em maio deste ano. Embora repetido como um mantra por todos que
A redução do risco de desastres é um tema atuam direta ou indiretamente na área de riscos e
complexo, transversal e de impacto no desenvolvi- desastres naturais, isso não é observado na prática
mento, razão pela qual requer uma sabedoria coleti- da gestão pública de riscos no Brasil. Conforme
va e a soma dos esforços das instâncias decisórias na mostrado anteriormente neste trabalho, nos últi-
formulação de políticas nacionais (NU-EIRD, 2009). mos cinco anos, a Defesa Civil nacional aplicou
A Plataforma Nacional para Redução de Ris- cerca de sete vezes mais recursos em resposta aos
cos de Desastres é um Fórum de grande impor- desastres do que em prevenção.
tância política e parte de uma ampla campanha As perdas consideradas por ocasião dos desas-
de articulação dos órgãos e setores mais afetos às tres restringem-se quase sempre aos equipamentos
questões da segurança social, para a montagem públicos urbanos destruídos ou danificados, vias
de um arranjo institucional com respaldo político públicas, pontes e moradias das comunidades
do Estado, envolvendo as três esferas de Governo vulneráveis; não são consideradas as perdas pri-
e a sociedade civil. A Plataforma Brasileira é, por-
vadas, subentendendo-se que as mesmas são de
tanto, uma prioridade da maior relevância para o
responsabilidade de seus proprietários e, portan-
contexto atual de desastres no país, demonstrada
to deveriam estar seguradas. Como em nosso país
pelas dificuldades de articulação institucional du-
não se consolidou uma cultura securitária (essen-
rante as catástrofes recentemente ocorridas, po-
cialmente veículos são segurados), as perdas de
dendo contribuir para o estabelecimento de alian-
moradias com todos os bens pessoais ali contidos,
ças de trabalho, reunindo os formuladores das
os estoques comerciais, os equipamentos do setor
políticas públicas nacionais.
A Plataforma Nacional deverá ser o meca- de serviços e de pequenas indústrias, a produção
nismo de coordenação para associar a redução de agrícola, entre outros, deixam essas pessoas atin-
risco de desastres às políticas públicas, ao plane- gidas, pobres e desamparadas, nivelando por bai-
jamento e aos programas de desenvolvimento do xo o sofrimento de todos.
país, atendendo às recomendações do Marco de Fruto da carência de habitações seguras para
Ação de Hyogo. Deverá ainda oferecer oportuni- um grande contingente da população brasilei-
dades à sociedade civil, especialmente às ONGs e ra, o círculo vicioso que resulta na ocorrência de
às organizações comunitárias, para dialogar com desastres é formado pela ocupação de áreas ina-
o poder público acerca da redução de riscos e de- dequadas e autoconstrução cortando encostas
sastres e facilitar o estabelecimento de alianças no ou avançando sobre as margens de rios e canais,
contexto internacional. sem orientação técnica; segue-se uma conivência
Para que essa ação se concretize é indispen- danosa entre o poder público e as comunidades
sável investir de forma permanente no fortaleci- carentes, deixando a questão da cidade informal
mento institucional dos órgãos e setores respon- para ser resolvida depois (quando?), sem ações
sáveis pela defesa civil do país, no que se refere efetivas de controle urbano no uso e ocupação do
ao reconhecimento da necessidade de ampliação solo; como essas áreas são em sua maioria, bolsões
e qualificação de um quadro técnico permanente, de pobreza, ficam à margem de investimentos
de infraestrutura para garantir a modernização significativos para saneamento básico, especial-
da aplicação de novas metodologias e tecnologias mente esgotamento sanitário e drenagem pluvial;
e nas relações com a sociedade civil organizada, o clima tropical ou temperado, dominantemente
especialmente com as comunidades vulneráveis e úmido, implica em estações chuvosas com grande
em condição de risco. volume pluviométrico, que satura solos cortados
e expostos em condições de prévia instabilidade,
causando deslizamentos ou causa o transborda-
4.1.2 Ampliação de investimentos
em ações preventivas mento de leitos fluviais assoreados e ilegalmente
ocupados, levando às inundações; famílias deslo-
A aplicação de recursos na prevenção de ris- cadas dessas áreas afetadas retornam aos mesmos
cos reduz consideravelmente as perdas financeiras, lugares de onde saíram ou ocupam posteriormente
119
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
novas áreas inadequadas, fechando esse abominá- de novas áreas e o plano de reurbanização defi-
vel círculo. nidos no seu Plano Diretor e consubstanciados
Por outro lado, o círculo virtuoso inicia-se na Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS), para
com a inclusão da cidade informal no planeja- corrigir os problemas existentes e evitar novos
mento do município; passando por um diagnós- desastres; a construção de novas unidades ha-
tico preciso de todo o território municipal obtido bitacionais para realocar a população atingida
pelo Mapa de Suscetibilidades a determinados por desastres ou em situação de risco; os investi-
processos destrutivos (deslizamento, erosão, mentos de maior porte em saneamento básico e a
inundação), determinação das áreas disponíveis construção de moradias em áreas seguras (o que
e adequadas para o crescimento urbano com reduz os riscos sanitários e de desastres, evitan-
base na Carta Geotécnica municipal e da análise do consequentemente os altos custos envolvidos
e Mapa de Risco nas áreas ocupadas, geralmente na resposta aos desastres, para a recuperação e
com histórico de desastres; segue-se o estabele- reconstrução de áreas atingidas), fechando assim
cimento de parâmetros técnicos para a ocupação o desejado círculo (Figura 3).
4.1.3 Modelo de abordagem para as que trabalham com a redução do risco de desas-
ações da defesa civil tres. Essa condição começa com a sua percepção
do risco, o conhecimento das causas e consequên-
O modelo de abordagem proposto para o cias e o seu papel na redução e controle desses
uso da defesa civil no Brasil, mostrado no início processos destrutivos. Isso implica um importan-
deste trabalho, já vem sendo adotado em vários te programa de comunicação de risco, que já vem
municípios e faz parte dos programas de capaci- sendo parcialmente desenvolvido pelos progra-
tação desenvolvidos nos estados brasileiros mais mas de saúde da família, com a participação dos
críticos em termos de desastres, com a coordena- agentes comunitários de saúde, em alguns esta-
ção da SNPU do Ministério das Cidades. O que se dos do Brasil, mas que precisa ser instituído de
propõe é a universalização do seu uso pelas defe- forma permanente, para produzir resultados fu-
sas civis, especialmente pelos técnicos, gestores e turos significativos.
pelos programas de capacitação da SEDEC. A comunicação do risco (contribuição do ar-
A redução da vulnerabilidade das comunida- quiteto Ney Dantas, do Departamento de arquite-
des ameaçadas por desastres naturais é atualmen- tura e Urbanismo da UFPE) abrange a orientação
te uma das maiores preocupações dos organismos preventiva para a segurança da população, seja na
120
Gestão de riscos geológicos no Brasil
difusão de alertas para a evacuação das áreas mais metodologias e definir aplicações oportunas para
perigosas, seja na preparação e capacitação da os municípios críticos. Essa discussão foi realiza-
gestão pública para uma atuação mais qualifica- da por um grupo de especialistas junto aos mi-
da das equipes técnicas. Deve se constituir em um nistérios das Cidades e das Minas e Energia e na
programa de gestão do conhecimento, que apro- CPRM – Serviço Geológico do Brasil, abrangendo
xime a governança das comunidades sujeitas ao os seguintes instrumentos:
risco, garantindo a confiança indispensável para a a) Mapa de suscetibilidade na escala de plane-
aceitação das orientações emanadas do sistema de jamento municipal (1:25.000), que permita
defesa civil. O processo de adaptação humana aos identificar as áreas propícias à ocorrência de
fatores e condicionantes do ambiente em que vi- processos do meio físico associados a desas-
vem está diretamente relacionado à compreensão tres naturais;
do papel de cada um na construção, prevenção, b) Carta geotécnica de aptidão à urbanização, na
mitigação e redução do risco e o desenvolvimento escala 1:25.000, para a definição de diretrizes
de uma convivência mais segura com estes fatores técnicas para novos parcelamentos do solo e
e condicionantes.
para planos de expansão urbana, de manei-
Esta convivência exige mecanismos e ferra-
ra a definir padrões de ocupação adequados
mentas eficientes de gestão do conhecimento e
face às situações de perigo relacionadas aos
tecnologia da informação que permitam a difusão
desastres naturais.
de conteúdos, e promovam comunicação e co-
c) Mapa de risco nas áreas ocupadas, na escala
nectividade entre governo e a sociedade gerando
de intervenção (1:2.000), para o planejamento
ambientes colaborativos que favoreçam o surgi-
das intervenções estruturais de redução de
mento de soluções inovadoras, eficientes e locali-
riscos (implantação de obras de segurança ou
zadas. O uso de redes sociais e ferramentas digi-
remoção de moradias) e para a operação de
tais colaborativas na mitigação de catástrofes têm
demonstrado seu potencial em desastres recentes planos de contingência de defesa civil.
na África, Austrália e Japão. Desse modo, a forma-
ção de uma rede de conhecimentos e saberes pode Cabe ressaltar ainda que o atual estágio de
atenuar significativamente o tempo de resposta às percepção dos problemas aponta para a neces-
situações de calamidade. sidade de revisão dos Planos Diretores munici-
pais, especialmente nos municípios mais críticos,
apropriando os novos conhecimentos e definindo
4.1.4 Atualização de metodologias parâmetros técnicos adequados para a segurança
e adoção de novas tecnologias nas áreas mais suscetíveis e a requalificação urba-
nística das áreas de risco das cidades.
Após os grandes desastres ocorridos no Rio
de Janeiro, em Angra dos Reis, em janeiro de 2010,
e na região serrana, em janeiro de 2011, fortaleceu- Agradecimentos
se a convicção de que as metodologias adotadas
para mapeamento de risco precisam ser revistas À ABGE e ao Prof. Lázaro Zuquette pelo convite da
e adequadas aos diferentes contextos fisiográficos Revista RBGEA; a todos os colegas que participam
encontrados em nosso território. informalmente do fórum pela internet, oportunamen-
Isso demandará esforços e investimentos em te provocado pelo geólogo Álvaro Santos; aos amigos
pesquisa e desenvolvimento pelos órgãos de fo- Celso Carvalho, Fernando Nogueira e Eduardo Ma-
mento à pesquisa do Brasil, sob a forma de linhas cedo, pelas lições aprendidas ao longo dos últimos 15
de financiamento através de Editais específicos, o anos; ao arquiteto Ney Dantas, pela cessão de seus
que já vem sendo discutido pelo menos há dois conhecimentos em gestão do conhecimento; à UFPE
anos no MCT/FINEP. pelas oportunidades acadêmicas oferecidas e acolhi-
Na área da cartografia urbanística e de riscos, mento dessa linha de pesquisa.
observa-se a importância de revisar e difundir
121
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
122
1
2
RBGEA
REVISTA BRASILEIRA DE
GEOLOGIA DE ENGENHARIA
E AMBIENTAL
REVISTA BRASILEIRA DE GEOLOGIA DE ENGENHARIA E AMBIENTAL
Publicação Científica da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Editor
Lázaro Valentim Zuquette – USP
Co Editor
Fernando F. Kertzman – GEOTEC
Revisores
Antonio Cendrero – Univ. da Cantabria (Espanha)
Alberto Pio Fiori - UFPR
Candido Bordeaux Rego Neto - IPUF
Clovis Gonzatti - CIENTEC
Eduardo Goulart Collares – UEMG
Emilio Velloso Barroso – UFRJ
Fabio Soares Magalhães – BVP
Fabio Taioli - USP
Frederico Garcia Sobreira - UFOP
Guido Guidicini - Geoenergia
Helena Polivanov – UFRJ
Jose Alcino Rodrigues de Carvalho – Univ. Nova de Lisboa (Portugal)
José Augusto de Lollo - UNESP
Luis de Almeida Prado Bacellar – UFOP
Luiz Nishiyama - UFU
Marcilene Dantas Ferreira - UFSCar
Marta Luzia de Souza – UEM
Newton Moreira de Souza – UnB
Oswaldo Augusto Filho – USP
Reinaldo Lorandi – UFSCar
Ricardo Vedovello – IG/SMA
Foto da Capa
Obras do Rodoanel trecho sul, nas proximidades da represa Billings.,
tirada em 08 de julho de 2008 . Fabrício Araujo Mirandola - IPT
Edição Especial
Tiragem: 2.500
ISSN 2237-4590
São Paulo/SP
Novembro/2011
Av. Prof. Almeida Prado, 532 – IPT (Prédio 11) 05508-901 - São Paulo - SP
Tel.: (11) 3767-4361 - Telefax: (11) 3719-0661 - E-mail:abge@ipt.br - Home Page: http://www.abge.com.br
CONSELHO DELIBERATIVO
Elaine Cristina de Castro, Elisabete Nascimento Rocha, Fabio Canzian da Silva, Fabrício Araújo Mirandola, Fer-
nando Facciolla Kertzman, Fernando Ximenes T. Salomão, Gerson Almeida Salviano Filho, Ivan José Delatim,
Kátia Canil, Leonardo Andrade de Souza, Luiz Antonio P. de Souza, Luiz Fernando D’Agostino, Marcelo Fis-
cher Gramani, Newton Moreira de Souza, Selma Simões de Castro.
REPRESENTANTES REGIONAIS UF
ROBERTO FERES AC
HELIENE FERREIRA DA SILVA AL
JOSÉ DUARTE ALECRIM AM
CARLOS HENRIQUE DE A.C. MEDEIROS BA
FRANCISCO SAID GONÇALVES CE
NORIS COSTA DINIZ DF
JOÃO LUIZ ARMELIN GO
MOACYR ADRIANO AUGUSTO JUNIOR MA
ARNALDO YOSO SAKAMOTO MS
KURT JOÃO ALBRECHT MT
CLAUDIO FABIAN SZLAFSZTEIN PA
MARTA LUZIA DE SOUZA PR
LUIZ GILBERTO DALL’IGNA RO
CEZAR AUGUSTO BURKERT BASTOS RS
CANDIDO BORDEAUX REGO NETO SC
JOCÉLIO CABRAL MENDONÇA TO
APRESENTAÇÃO
9 BOÇOROCAS
Ernesto Pichler (In memorian)
Sérgio N. A. de Brito
BVP Engenharia
Paulo R. C. Cella
BVP Engenharia
Rodrigo P. Figueiredo
UFOP, MG
Resumo Abstract
Discutem-se os requisitos mais importantes das vá- THE IMPORTANCE OF ENGINEERING GEOLOGY
rias etapas de estudo e projeto de empreendimentos AND GEOMECHANICS IN MINING DESIGN
em mineração. Em seguida, à luz de alguns compor-
tamentos singulares de maciços de rocha branda ou In the first part of this paper, the most important requi-
competente evidenciados durante a lavra, examinam- rements to develop a sound mining project are shortly
se aspectos teóricos e práticos no campo da geologia discussed accordingly to distinct phases of studies and
de engenharia e projeto geomecânico que explicam design. In the second part, singular mechanical beha-
tais comportamentos. Fica demonstrado que o envol- vior of either weak or competent rock masses as esta-
vimento do projetista no acompanhamento da lavra, blished in real mines are closely analyzed upon theore-
por vezes durante anos, apoiado no mapeamento ge- tical and practical aspects of engineering geology and
otécnico de detalhe e nos dados do monitoramento geotechnical design. It is shown that the mining pro-
de maciços intemperizados ou sãos acarretam adap- cess usually allows the designer to be closely involved
tações importantes no projeto inicial. O fruto disso in supervision of excavation over years in some cases,
é que soluções práticas e mais confiáveis podem ser so that detailed geotechnical mapping of large volumes
alcançadas em casos de grande complexidade ou na of weathered or fresh rock masses along with monito-
ocorrência de feições geológicas adversas, não ante- ring entail important adjustments to the initial design.
cipadas. As a result more reliable and practical solutions can be
achieved as well the designer is allowed to tackle with
Palavras-chaves: mineração, geomecânica, projeto, com- unforeseen adverse conditions or complex behavior of
plexidade geológica. geological materials.
123
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
124
Importância da geologia de engenharia e geomecânica na mineração
Reconhecimento superficial
Estudo de volume de contenção
do local da disposição
Vale de fechamento em
Distância em relação à Pilha
solo ou rocha,
125
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
126
Importância da geologia de engenharia e geomecânica na mineração
Rebatimento de taludes,
Controle de escoamento e erosões no topo e nos taludes, Recupera-
Controle do arranjo geométrico
ção dos ‘greides’ e revegetação, Integridade da drenagem periférica e
encontro nas encostas
Isto coloca a operação de mina em uma situa- de detalhe e das especificações técnicas finais. No
ção completamente diferente das outras atividades descomissionamento, a carga de estudo é bastante
da engenharia, onde os proprietários têm desman- variável dependendo muito das condições no final
telado suas equipes e hoje dependem quase que da lavra, do risco de contaminantes e no estado
integralmente de equipes terceirizadas. As empre- de conservação das estruturas auxiliares. Todas as
sas de mineração têm cada vez mais ampliado suas intervenções na área deverão ser restauradas para
equipes de geologia de engenharia e geotecnia tan- a condição permanente com os respectivos planos
to para acompanhar seus projetos como para dar de monitoramento. Não é intenção neste trabalho
assistência permanente a suas operações. discorrer sobre todas estas atividades. Preferimos
A fase de engenharia detalhada consiste no selecionar alguns casos históricos que ilustram de
refinamento das soluções da etapa de engenha- que maneira a geologia de engenharia e a geotec-
ria básica, na elaboração do projeto geométrico nia vêm sendo usadas em nossos projetos.
127
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
1.1 Caso 1 - ruptura de cunhas volumosas analítico de relaxação proposto por J. W. Bray
numa lavra subterrânea (apud. Brady e Brown, 1985, 2004) que leva em
conta a contribuição da tensão lateral na equação
A queda de grandes cunhas rochosas do teto de equilíbrio.
de um nível de desenvolvimento em uma lavra O procedimento determina a força vertical
subterrânea quando da escavação dos realces la- Pl necessária para o equilíbrio-limite, a partir de
terais, era algo inusitado. As cunhas eram altas e uma condição inicial elástica, na qual a tensão la-
estreitas, e haviam sido ancoradas com cabos de teral σHo atuante impõe um esforço horizontal Ho
aço. Até a abertura dos realces nenhuma instabi- idêntico nos dois planos da cunha. Para simpli-
lidade foi registrada. Na retroanálise das ruptu- ficação do problema, foi admitido apenas o caso
ras procurou-se avaliar a magnitude da redução mais provável em que a rigidez normal nos pla-
das tensões laterais que atuavam nos planos das nos da cunha é consideravelmente mais elevada
cunhas devido à abertura dos realces. que a rigidez tangencial - equação (1). A expres-
A mina já havia ultrapassado a profundidade são reduz-se a:
de 500 m e o fenômeno ocorreu quase no fundo
da lavra na El. -300 m, onde a tensão gravitacional
podia atingir magnitudes acima de 15 MPa.
Essa mina sempre teve a conotação de ser uma (1)
lavra em maciço com elevado estado de tensões
naturais. Ensaios de medida de tensões (domi-
nantemente induzidas), retroanálises e deduções A Figura 2 ilustra a geometria da cunha típica
de geologia estrutural, feitos entre 1990 e 1995, em de análise.
diversos estudos, apontaram coeficientes K (σh/
σv) entre 2 e 4 e um estudo sugeriu uma tensão
armazenada (‘locked in’) superior a 50 MPa. Ape-
nas como referência, o menor coeficiente sugerido
levaria facilmente a tensão horizontal para cerca
de 30 MPa, o que tornaria a queda de cunhas com
alturas de até 5-6 metros (Figura 1) uma grande
surpresa. A Figura 1 mostra uma cunha rompida.
128
Importância da geologia de engenharia e geomecânica na mineração
A Tabela 4 mostra as combinações mais pro- as paredes da galeria chegaram a ceder por com-
váveis dos parâmetros geométricos e geomecâni- pressão e flambagem na queda de cunhas pouco
cos em jogo mais largas que o vão (Figura 3).
O Coeficiente de Equilíbrio (CE) é expresso pela
diferença entre a força virtual Pl e o peso da cunha.
Quando Pl iguala o peso do bloco, tem-se o equilí- 1.1.1 Avaliação da Perda da Capaci-
brio-limite e CE tende ao valor unitário. Valores de dade de Ancoragem dos Cabos
CE negativos ou muito baixos exigem a aplicação de
O desempenho dos cabos é afetado pela varia-
suporte. A razão Pl/W pode ser adotada como pró-
ção da tensão de confinamento no maciço. A Figura
xima do conceito de Fator de Segurança (FS), sendo
4 mostra a variação da tensão horizontal induzida
aceitáveis valores acima de FS=1,3. Na retroanálise,
na galeria da El. -240 m pela escavação dos realces
valores da razão Pl/W muito baixos (em módulo)
laterais, calculada por elementos finitos. Para um
indicam quais são as combinações mais prováveis
dos ângulos de atrito mobilizados com os ângulos campo gravitacional hidrostático a tensão horizon-
apicais e alturas medidos. A compatibilidade foi en- tal in situ seria da ordem de 18 MPa. Assumindo
contrada com adoção do σHo de 0,4 MPa. uma concentração de tensões mínima no entorno
Cerca de quatro anos depois deste estudo, fo- da galeria de duas vezes, chega-se a tensões da or-
ram feitas determinações das tensões próximas aos dem de 36 MPa previamente à abertura do realce
realces a 700 m de profundidade e o resultado en- vizinho. Observando a Figura 4, verifica-se um va-
contrado, conforme relatório interno da mina, foi lor médio para as tensões atuantes no teto da refe-
de 0,8 MPa para a menor tensão principal. A tensão rida galeria de -8,5 MPa (faixa em azul claro), o que
vertical era tão mais elevada que a horizontal que indica um desconfinamento total de 44,5 MPa.
Tabela 4 – Combinações de φ, α e altura das cunhas e valores da razão de Pl/Peso da cunha (W)
expressos como Coeficiente de Equilíbrio (CE).
Retroanálise
CE = Pl/W
129
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
130
Importância da geologia de engenharia e geomecânica na mineração
131
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
Figura 7 – Exemplo de cálculo para definição da largura mínima da berma necessária para conter na bancada o alcan-
ce (d) da cunha instável, de alta freqüencia, e o ‘backbreak’ na berma superior (L).
132
Importância da geologia de engenharia e geomecânica na mineração
O risco indicado em três categorias cromáticas ou também com uso de técnica de desmonte ajus-
corresponde às faixas de probabilidade estimadas tada ao padrão de compartimentação estrutural
de que rupturas potenciais possam gerar escombros do setor específico.
que excedem a largura da berma praticada na cava. No segundo caso, o risco deverá ser identi-
Esse nível de risco é mais importante porque os es- ficado no mapeamento depois do desmonte e da
combros cuja distância de lançamento ultrapassa a remoção dos blocos soltos. A solução ideal deverá
largura da berma de contenção podem atingir níveis ser definida caso a caso.
inferiores da cava com grande impacto destrutivo, É importante discutir qual faixa de probabi-
mesmo de blocos de dimensões reduzidas. lidade pode ser considerada satisfatória para a
Em um segundo nível, considerando o universo condição de operação. Em tese, qualquer ruptu-
complementar de rupturas que seriam contidas nas ra cujo lançamento excede a largura da berma é
bermas existirá blocos potencialmente instáveis no indesejável e deveria ser evitada. Porém, como
talude cuja ruptura mesmo que contida inteiramen- se sabe, se o talude for dimensionado para ‘ris-
te na largura da berma representa risco operacional co zero’, adotando-se largura de berma capaz
para o tráfego local de pessoas e equipamentos. de conter o espalhamento de qualquer ruptura
No primeiro caso, o risco pode ser reduzido potencial, a lavra certamente se tornaria inviável
com o aumento da largura da berma de contenção economicamente.
O que resta então é reconhecer nos setores de ■■ Minimizar a penetração da onda de choque
maior risco quais são os tipos de ruptura poten- no maciço da bancada, já que as instabilida-
cial que estão associados com os maiores volumes des de grande volume são mais profundas e,
de instabilidade e adotar condições operacionais por isso, mais confinadas, com maior chance
mais adequadas à situação local. As medidas pos- de preservarem o encaixe original das pare-
síveis são: des das descontinuidades e o coeficiente de
■■ Ajustar a geometria do plano de fogo de modo atrito natural. Com isso apenas os blocos mais
a reduzir o dano para uma compartimentação superficiais, de menor volume, sofrem maior
específica do maciço; abalo;
133
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
134
Importância da geologia de engenharia e geomecânica na mineração
de cerca de 30 m no topo do talude, com volume em torno de 25-26º e reforçou a suspeita da existên-
aproximado de 360.000 m³ a serem removidos no cia de uma superfície de fraqueza pré-existente mais
prazo aproximado de 3 meses, com o objetivo de profunda, afetando a porção superior do talude e já
desacelerar o movimento, o que surtiu efeito. submetida a movimentações prévias.
As análises de estabilidade realizadas desde A deformação global do talude foi, portanto,
1996, incluindo as de suporte ao retaludamento, explicada por cisalhamento conjugado em planos
examinaram diversas configurações possíveis do de foliação com mergulho de 40-50º no topo da
talude bem como vários parâmetros de resistência cava e transferência de carga para o bloco inferior
para o filito decomposto (A4), que incorporavam do filito alterado, que se deformava ou sofria rup-
resultados de ensaios de 1998 e resultados de vá- tura localizada. Inúmeras retroanálises de rupturas
rias retroanálises de rupturas de bancadas. Ocor- na escala de duas e até três bancadas levaram à
reu sistematicamente uma tendência ao abatimento adoção de valores de resistência para a superfície
do ângulo médio de inclinação do talude global de global paralela à foliação, com c=15 kPa e φ=26,5º.
38º, com FS mais baixo, até 31º, desde 1996 até 2002. O talude de filito foi sempre considerado seco
Durante a fase operacional, FS=1,2 foram aceitos e devido ao efeito drenante que o rebaixamento da
se mostraram adequados, pois as rupturas pude- cava exercia sobre ele. A partir de certa profundi-
ram ser controladas antes de se tornarem graves. dade começou a surgir água na face do talude. Fu-
Essa tendência está associada à evolução do ros horizontais profundos foram feitos e pôde-se
Modelo Geológico, calcado inicialmente em algu- rever o modelo hidrogeológico com a descoberta
mas sondagens e depois em observações do com- de camadas permeáveis de metachert dentro do
portamento real do talude. As feições que indu- filito e que podiam reter a água. Este modelo foi
ziram a avaliação inicial da resistência mais alta então incorporado nas análises.
foram intercalações de filito moderadamente alte- Nessa etapa da lavra, a parede inferior da
rado e ferruginizações nos planos de foliação por cava já avançava praticamente em filito com fo-
percolação. As primeiras não se mostraram contí- liação subvertical. A interpretação do processo
nuas exceto por dois corpos e as ferruginizações global de deformação envolveu cisalhamento na
não penetravam mais que 30-40 m no maciço. foliação com mergulho médio na zona superior
Neste período a trinca aumentou de 400 para do talude e flexão da foliação na zona inferior de
500 m de extensão, mas adquiriu-se um conhe- altos ângulos de mergulho. O cisalhamento na
cimento bem mais abalizado sobre a origem dos foliação parecia empurrar o maciço na zona de
movimenros e o modelo geológico foi substancial- inflexão do ângulo médio para o ângulo mais ín-
mente alterado. greme de mergulho. Por ser esta zona de inflexão
O aparecimento de deslizamentos afetando conformada em filito brando, ela não se rompeu
duas bancadas (h=30 m) condicionados por superfí- subitamente e evoluiu por ruptura progressiva da
cies espelhadas assinala pela primeira vez a possibi- massa na zona inferior do talude.
lidade de resistências bem mais baixas na escala das A Figura 10 mostra as principais característi-
dezenas de metros, com o ângulo de atrito avaliado cas geológicas da cava.
135
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
O modelo final idealizado da deformação do talude no filito alterado é sintetizado na Figura 11.
Este modelo foi adaptado de Baczynski (2000), O talude foi então objeto de um novo di-
que considera apenas o caso de corpo rígido, não mensionamento, usando o modelo que se esta-
sujeito as grandes deformações. No caso do fili- beleceu e vem sendo retaludado para as suas
to, alterado, o comportamento é mais plástico e a dimensões finais. Como esta escavação é feita
zona de plastificação penetra paulatinamente até de cima para baixo, a parte inferior do talude
níveis mais internos na base do talude. não pôde ser conformada ainda segundo a in-
A Figura 12 ilustra o cisalhamento reverso clinação global prevista de 28º. Mas como a es-
dos planos externos da foliação em relação aos cavação tem que prosseguir, para liberação do
planos internos causado pela expansão na zona de minério, taludes provisórios localmente instá-
inflexão da foliação, na porção basal do talude. veis são adotados. Novas rupturas localizadas
A evolução do mecanismo decorre inicial- são observadas que têm permitido a confirma-
mente da transferência de carga para o pé do ta- ção do modelo.
lude em virtude do cisalhamento pela foliação na Este caso coloca em relevo um aspecto mui-
zona superior. Com aprofundamento da cava, a to peculiar da mineração: de como a evolução
concentração de tensões no pé do talude leva a gradual do conhecimento do modelo geológi-
rupturas localizadas, o que causa a transferência co e do mecanismo de deformação mediante o
gradual do excesso de tensão para zonas mais e acompanhamento sistemático da lavra ao longo
mais internas, caracterizando uma região de fra- de anos foi decisivo na busca de condições de
queza na base do talude. Pelo fato do filito se apre- segurança no momento mais crítico, quando a
sentar com consistência branda C4 e C3, a ruptura cava se aproxima de sua altura máxima. A razão
ocorre de modo progressivo. O alívio no plano de estéril-minério pôde ser bastante otimizada até
cisalhamento na foliação em razão da remoção de praticamente mais da metade do tempo de lavra
uma massa no topo com altura de apenas 20% da com a prática de talude mais íngreme, com gran-
altura total na época do aparecimento da trinca de deformação, mas mantendo a funcionalidade
explica porque ocorreu forte redução na acelera- do talude, apenas requerendo a antecipação de
ção do movimento, uma vez que a transferência uma parcela menor do ‘push back’ que fatalmen-
de carga excessiva cessou. te ocorreria mais adiante.
136
Importância da geologia de engenharia e geomecânica na mineração
137
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
c
Rc
MATERIAL LITOLOGIA RMR Q GSI mi φ E (MPa)
(MPa)
(MPa)
HW afastado Tufo 30-40 0,21-0,64 55 60 16 0,6 49º 3.540
HW imediato Andesito 20-30 0,07-0,21 30 30 25 0,32 39,6º 528
Minério Andesito Sulfetado <20 <0,07 15 30 25 0,19 31º 315
138
Importância da geologia de engenharia e geomecânica na mineração
Isto levou à utilização de suportes cedentes As análises que permitiram dimensionar este su-
(“yielding”). Foram selecionadas as cambotas com porte foram também feitas usando o PHASE 2
perfil TH com três elementos e duas juntas de (www.rocscience.com).
deslizamento, que permitem absorver deforma- O modelo computacional foi desenvolvi-
ções tanto verticais como horizontais, com um fe- do em 4 estágios: (1) aplicação da carga devi-
chamento de até 0,5m, aliviando desta maneira as da ao estado de tensão natural (gravitacional
cargas atuantes (Figura 16). e hidrostático); (2) simulação de uma condição
equivalente à escavação da frente; (3) simulação
da condição do momento de instalação das cam-
botas cedentes, 1m atrás da frente; (4) situação
final depois de uma convergência total da seção
escavada e mobilização da reação completa do
suporte.
Para representar os estágios (3) e (4), pres-
sões internas foram aplicadas à superfície de
escavação, com valores equivalentes a uma res-
trição existente à convergência do túnel, impos-
ta pela proximidade da frente de escavação. Os
valores aproximados dessas pressões foram obti-
das pelo método de convergência-rocha-suporte
implementado no programa RocSupport (versão
Figura 16 – Seção típica com cambota cedente.
3.0 (www.rocscience.com).
A Figura 17 mostra os resultados da análise,
A seção de escavação foi aumentada de modo de uma galeria de 3,3m, que com um desloca-
a permitir manter o vão necessário, após as defor- mento radial de ~15cm levou a uma seção final
mações de cedência. As análises consideraram a de ~3m, como desejado, sem ruptura das cambo-
seção sem “invert” e com ele, rígido ou cedente. tas (cor azul).
139
Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
O caso da mina no Peru, com a intensa defor- seção de alteamento de uma barragem de rejeitos
mação induzida pela lavra subterrânea no maciço possa ser modificada ou não, a depender do com-
de baixa qualidade sobreposto aos realces, ilustra portamento observado da estrutura inicial.
o desencadeamento do fenômeno de “squeezing”
em nível pouco profundo, uma situação oposta ao
maciço competente e elástico em ambiente de re-
Agradecimentos
laxação de tensões apresentado no Caso 1.
Aos colaboradores da BVP Engenharia, geól. Maria
Teresa Pazzini, eng. Laura Ferrari e aos ex-colabora-
2 Comentário Final dores eng. Felipe N. dos Santos, geól. Fábio Maga-
lhães, geól. João E. Tosetti e geól. Dominique Daman,
Os casos apresentados realçam uma carac- que tiveram importante participação no desenvolvi-
terística peculiar dos projetos de mineração: a de mento desses projetos.
possibilitar o envolvimento contínuo do projetista
com a gama de fenômenos que rege o comporta-
mento dos maciços durante a lavra. O acompa-
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propicia ganho gradual de informações que vão
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a semelhança com obras civis é maior, embora a em preparação, UFOP, 2011
140
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