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de Caryl Churchill
1
Diga a ela que é um jogo
Não a assuste
Diga a ela para não sair de lá mesmo que ela não ouça nada durante muito tempo
Como mágica
Não a assustem.
Não diga
Diga a ela que foi antes dela nascer e que ela não está em perigo
Diga a ela que pode escrever às amigas, diga a ela que suas amigas talvez possam vir e
visitá-la
Digam a ela, é claro que devem dizer, digam a ela que toda a gente foi obrigada a sair e
que o país está à espera que voltemos para casa
Diga a ela que é claro que ela gosta de estar aqui mas que ela vai gostar ainda mais de
estar lá
Não digam lar, lar não, digam a ela que eles estão indo embora
Não mas não digam a ela que o seu tatara-tataravô viveu nesta casa
Não mas não digam a ela que Árabes dormiam no quarto dela.
Digam a ela que eles são boa gente e que trabalham para nós.
Digam a ela que por quilômetros e quilômetros a toda à volta eles têm as suas próprias
terras
Não digam a ela que eles disseram que era uma terra sem povo
Digam a ela que estamos construindo novas cidades nas zonas selvagens.
Digam a ela que eles não têm grande efeito contra tanques
Não a assustem.
Digam a ela que eles não entendem nada a não ser violência
Digam a ela que pode ficar acordada até tarde e ver Friends.
Não a assustem
Não
Digam a ela, digam a ela do exército, digam a ela para ter orgulho do exército. Digam a
ela sobre a família das meninas mortas, digam a ela o nome delas por que não, digam a
ela que o mundo inteiro sabe por que não haveria ela de saber? Digam a ela que há
bebês mortos, ela viu bebês? digam a ela que não tem razão nenhuma para estar
envergonhada. Digam a ela que foram eles que fizeram a eles próprios. Digam a ela que
eles querem as crianças deles mortas para que as pessoas tenham pena deles, digam a
ela que eu não tenho pena deles, digam a ela para não ter pena deles, digam a ela que é
de nós que se deve ter pena, digam a ela que eles não podem nos falar sobre sofrimento.
Digam a ela que agora somos nós o punho de ferro, digam a ela que são os ventos da
guerra, digam a ela que não vamos parar de mata-los até nós estarmos seguros, digam a
ela que eu ri quando vi os polícias mortos, digam a ela que eles agora são animais
vivendo no entulho, digam a ela que eu não me importaria se nós os apagássemos, o
mundo iria nos odiar seria a única coisa, digam a ela que eu não quero saber se o mundo
nos odeia, digam a ela que nós sabemos odiar ainda mais, digam a ela que nós somos
um povo escolhido, digam a ela que eu olho para uma das crianças deles coberta de
sangue e o que é que eu sinto? Digam a ela que tudo o que eu sinto é felicidade por não
ser ela.
Não a assustem.