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Um Inventario
como intervencao
Entre uma boa parte dos moradores do Recife (PE), o bairro do de Francisco de Assis (NEIMFA), o projeto Coque Vive tem atu-
Coque é sinônimo de “perigo”. A fama de lugar violento, adquiri- ado junto aos jovens do bairro oferecendo cursos de formação
da pela existência no bairro de grupos criminosos ligados, sobre- crítica e oficinas de capacitação para o manuseio técnico-ex-
tudo, ao narcotráfico, tem provocado muito preconceito contra os pressivo das mídias. Busca-se por meio dessa formação, crítica
seus moradores, especialmente os mais jovens. Os jornais, os pro- e técnica, estimular o surgimento de estratégias de comunicação
gramas de rádio e a televisão rotulam o bairro como “morada da alternativas capazes de ofertar novos conteúdos sobre o Coque
morte” ou referem-se sem constrangimento à “gente perigosa do produzidos, agora, pelos seus próprios jovens (jornal comuni-
Coque”. Como milhares de outros bairros pobres de todo o Brasil, tário, fanzines, vídeos, fotos, blogs etc.). O projeto Coque Vive
o Coque é, no entanto, um fruto amargo das desigualdades que vem atuando ainda como articulador de uma rede de promoção
os modelos socioeconômicos que escolhemos estão plantando há social composta, além da Universidade, pela Igreja, Ongs e co-
anos aqui e em outros países latinoamericanos. letivos de jovens. Essa atuação articulada permitiu a criação da
Biblioteca Popular do Coque, que se tornou também um espaço
Na mesma rua – às vezes na mesma casa – convivem jovens coop- de formação, e a proposição de uma Estação Digital de Difu-
tados pelo crime organizado, graças às promessas de prosperida- são de Conteúdos, que funcionará como uma plataforma para a
de, e jovens que teimam em brigar por outras oportunidades e por produção de conteúdos, disponibilizando aos jovens da comu-
outro tipo de visibilidade para o bairro. Entre estes, a Comunica- nidade um estúdio de som/imagem e uma estação de trabalho
ção vem sendo compreendida como um problema social tão grave (computadores conectados à internet). Essa rede de promoção
quanto qualquer outro. Eles já compreenderam que, para fazer do social tem permitido também a realização de eventos que, a par-
Coque um lugar melhor para se viver, é preciso também transfor- tir do Coque, problematizam as chamadas “periferias”, seja por
mar as representações sociais acerca da comunidade. Como parte meio de exposições, exibições em vários meios, seja por meio
desse processo, é importante entender como foram construídas, de seminários e debates. Tem atuado ainda de modo a promover,
historicamente, essas representações para que se possa, então, dentro da Universidade, a articulação das suas ações sociais (ex-
pensar em estratégias de intervenção sobre elas. Convencidos de tensão) com o ensino e a pesquisa.
que as mídias têm um papel fundamental na consolidação desse
imaginário que pesa sobre o bairro, os estudantes do Centro de Compreendemos que iniciativas como as que resultaram nes-
Artes e Comunicação (CAC) da Universidade Federal de Pernam- ta publicação apontam de modo promissor para a formulação
buco (UFPE), Rafael Filipe de Souza e Roberta Lira dos Santos, de estratégias de intervenção social que integrem Educação,
coordenaram um levantamento minucioso de conteúdos postos Comunicação e Cultura. Em ações orientadas por este tripé,
em circulação sobre o Coque pelo mais tradicional dos nossos Comunicação pode funcionar como o amálgama das práticas
jornais diários, o Diário de Pernambuco. pedagógicas e culturais, desde que seja compreendida em si
mesma como processo formativo, tanto a partir da análise dos
Ao mesmo tempo em que pretende subsidiar novos projetos de conteúdos produzidos pelas mídias quanto a partir da produção
pesquisa dentro da própria universidade, o objetivo do inventá- de novos conteúdos influenciados pela reflexão que a prática
rio de mais de mil noticias – parcialmente apresentado aqui – é crítica permitiu. O processo de realização desta pesquisa nos
estimular as discussões entre os próprios moradores do Coque, arquivos públicos, assim como a sistematização das informa-
estimulando-os ao engajamento em iniciativas que promovam ções, já propiciou um diálogo rico e intenso entre os jovens uni-
um contra-discurso às representações preconceituosas do bairro versitários e os jovens moradores do Coque que participaram
atestadas por esta publicação. Essas discussões, para as quais da pesquisa. Esperamos agora que o inventário dela resultante
a documentação aqui reunida dá uma importante contribuição, subsidie novos debates e intervenções baseadas na construção
vêm sendo realizadas, há mais de dois anos, no âmbito do Proje- do pensamento crítico e no protagonismo daqueles que não se
to Coque Vive, um conjunto de ações em Comunicação, Educa- conformam com as abordagens predominantemente negativas
ção e Cultura, capitaneadas pela UFPE na comunidade. Nessas reservadas ao Coque pelos nossos jornais.
ações, foi incorporado o projeto de pesquisa Coque Vive: inves-
tigação sobre o repertório sociohistórico de uma comunidade
da periferia do Recife (PE, Brasil) proposto ao Coletivo Latino-
americano de Jovens Promotores da Juventude, do qual resultou Yvana Fechine
esta publicação. Universidade Federal de Pernambuco
Departamento de Comunicação Social
Acolhido no Coque pelo Núcleo Educacional Irmãos Menores Coordenadora do Projeto Coque Vive
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O Coque encontrado
no jornal diario
Para situar-nos na imensidão desse mundo, convém revelar que ral de Pernambuco (UFPE), nos quais nos incluímos, têm sido
estamos na América Latina, no Brasil, em uma Unidade Federa- orientadas pela preocupação de transformar as representações
tiva chamada Pernambuco, vivendo em uma jovem metrópole, o sociais da comunidade. Ao movimento que vem sendo desen-
Recife. No coração dessa cidade, localiza-se uma ilha, formal- cadeado e sustentado pela ação em rede desses jovens chama-
mente chamada Ilha de Joana Bezerra. mos Coque Vive. Sua atuação tem englobado ações na área de
Comunicação, Educação e Cultura. Na comunidade, contamos
A comunidade do Coque ocupa essa ilha e se estende ainda a parte com o acolhimento institucional e humano do Núcleo Educa-
do seu entorno. Está situada a cerca de 2,5 km do centro do Recife cional Irmãos Menores de Francisco de Assis (NEIMFA), uma
e a 3,5 km de Boa Viagem, um bairro de alta renda que concentra instituição sem fins lucrativos que trabalha com formação hu-
hoje grande oferta de serviços, comércio e investimentos imobi- mana e que é co-realizadora desta publicação.
liários. Também faz fronteira com a Ilha do Leite, o mais impor-
tante pólo médico da capital. A vizinhança com áreas nobres da Em outubro de 2007, aprovamos o projeto Coque Vive: investi-
cidade evidencia as desigualdades e acirra, na mesma medida, os gação sobre o repertório sociohistórico de uma comunidade da
conflitos sociais. periferia do Recife (PE, Brasil), o qual foi concretizado entre
os meses de novembro de 2007 e maio de 2008. A proposta foi
Surgido a partir da ocupação irregular da área, possui seus mais abraçada pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
de 40 mil habitantes inseridos em contexto de graves problemas (FLACSO), através de um edital de concessão de bolsas no âm-
de saneamento, moradia, meio-ambiente, educação e saúde. Di- bito do projeto Coletivo Latinoamericano de Jovens Promotores
ficuldades essas que levaram a Organização das Nações Unidas da Juventude.
(ONU) a apresentar o Coque como o local de mais baixo Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH) do município. Em linhas gerias, seu objetivo foi resgatar e sistematizar a
memória social do Coque assim como trazer à tona imagens
Todos esses problemas são agravados pelo preconceito que pesa que moradores antigos e jovens têm do bairro. Na trajetória
sobre o bairro. A partir da atuação de grupos ligados ao narcotrá- de execução do projeto, consultamos acervos públicos de im-
fico e à prática de assaltos, o próprio Coque tornou-se uma vítima prensa e produções acadêmicas, realizamos entrevistas com
da violência atribuída à comunidade. Muitos testemunham que, antigos moradores e acompanhamos a produção de textos
tão somente por viverem no Coque, são tratados com desconfian- verbais e não-verbais elaborados por jovens da comunidade
ça, como se fossem potencialmente criminosos. que nos revelam como se dá a relação de pertencimento que
têm com o lugar.
Com o objetivo de romper essa lógica de discriminação e ex-
clusão, várias intervenções de jovens moradores do local em A presente publicação é fruto de um dos eixos da pesquisa, no qual
parceria com professores e estudantes da Universidade Fede- buscamos conhecer as imagens sociais sobre o Coque veiculadas
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pela mídia. Para isso, utilizamos o Diario de Pernambuco ― o mais A elaboração deste livro de notícias e reportagens sobre a comuni-
antigo jornal da cidade do Recife. Durante os meses de janeiro, dade do Coque diz respeito à produção de um registro histórico que
fevereiro, março e abril de 2008, nos debruçamos sobre os seus certamente colabora para a realização de atividades de reflexão e
exemplares empoeirados disponíveis no Arquivo Público Estadual, ressignificação das imagens construídas sobre o bairro. Mas, muito
e também pesquisamos no site do jornal, em seu arquivo digitaliza- além disso, dar nascimento a este livro constituiu, para nós que nos
do, à procura de textos que fizessem referência ao Coque. dedicamos ao processo de sua confecção, um exercício reflexivo
sobre os sentidos atribuídos ao que lemos, ao que falamos/escre-
Dentre aproximadamente 1000 textos coletados (notícias, repor- vemos e aos olhares que lançamos sobre o mundo. Em outras pala-
tagens, notas, artigos de opinião, cartas de leitores), escolhe- vras, um profundo exame do olhar que lançamos sobre o outro.
mos 146 para a composição do livro Coque Vive: notícias. Este
possui textos encontrados entre os anos de 1974 e 2006 e está Gostaríamos de agradecer a todos e a todas que, direta e indi-
dividido em três partes. Na primeira, encontraremos temáticas retamente, colaboraram para a sua produção, em especial, aos
que, ao longo dos anos pesquisados, sempre estavam presentes. pesquisadores auxiliares Sandokan Xavier, Monick França e
São elas: a luta pela terra, a pobreza como estigma e a violência Gutemberg Vieira, adolescentes moradores do Coque envolvi-
como estigma (no que se inclui o tráfico de drogas). Na segun- dos nas ações do Coque Vive, que se lançaram conosco nessa
da, constam temáticas ou ações pontuais que esporadicamente garimpagem.
encontrávamos nos jornais. São elas: artes, esportes, shopping,
iniciativas. Por fim, na terceira parte, inserimos cartas de leito-
res através das quais pudemos perceber algumas representações
dos recifenses sobre o bairro. Rafael Filipe Souza da Silva
Pesquisador bolsista da Faculdade Latino-Americana
Nossa motivação para confeccionar este livro esteve ligada à de Ciências Sociais
preocupação com a juventude do Coque. Imersa nesse con- Estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco
texto em que o crime organizado se alia à degradação social, Monitor do Projeto Coque Vive
a comunidade perde a memória de suas construções positivas,
“esquece” sua mobilização anterior pela permanência na área
e o próprio trabalho desenvolvido por atores sociais locais em
outros momentos históricos nos quais o Coque foi referência de Roberta Lira dos Santos
resistência, e não de violência urbana. Dessa forma, considera- Pesquisadora auxiliar da Faculdade Latino-Americana
mos que a transformação positiva do bairro começa pela “lem- de Ciências Sociais
brança” de que a violência não é, em definitivo, o único caminho Estudante de Letras da Universidade Federal de Pernambuco
para os seus jovens. Monitora do Projeto Coque Vive
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Memorias, Contatos
e Olhares...
Ao longo desses anos, acompanhando os movimentos sociais em “Não consegui dormir essa noite. A noite do Coque parece
várias comunidades da periferia do Recife, continuamos a nos de- mais escura para mim, a chuva lá fora com seus relâmpagos
parar com a busca de um significado mais profundo para a forma- e trovões são motivos de medo. Senti medo de que a casa
ção humana. Uma vez afetados pelos múltiplos contatos, não é fosse invadida e tomada por assaltantes. Todos os barulhos
possível deixarmos de nos espantar com um corpo “estranho” de me afetavam, fiquei sobressaltado, alerta. Tenho a sensação
um adolescente cravado de balas, apesar do apelo anestesiante e de que serei assaltado ou morto a qualquer momento [...].
alienante da mídia para naturalizar a violência por intermédio da Uma desconfiança profunda brota em mim [...]. Sinto a morte
banalização e da exposição perversa. Os contatos não permitem à me acompanhando. Ontem cheguei às 19 horas, a rua estava
memória simplesmente “enterrar o morto” e continuar o trabalho escura, tive a impressão que estava sendo observado. O vi-
de formação. zinho da esquina sinalizou para mim, um aceno com a mão
aliviou meu medo, senti solidariedade, uma rede sutil parece
Os olhares que nos são endereçados nessas comunidades sempre proteger-me, será fantasia?! [...] Medo de levar um tiro, esta
inquietam, pois eles solicitam, de quem se coloca como formador idéia me persegue, levar um tiro a qualquer momento [...]
humano, a atitude de “correr um risco”: romper com a postura de Todos me parecem suspeitos, estou me sentindo paranóico”.
intelectual distanciado e se pôr de forma incorporada na experi- (fragmento do texto Diário de um pesquisa-dor, escrito por
ência vivida. Aurino Lima, em 22/02/2002).
Foi “correndo riscos” que embarcamos em uma viagem na comu- Talvez para aliviar esse sentimento de “paranóia” instalado pelo
nidade do Coque. Viagem esta que começou com a “travessia do contato vívido com a comunidade, decidimos olhar com outros
viaduto”, há 22 anos, para realizar um trabalho sócio-educativo. olhos sua história: suas origens, seu nome, suas lutas e seus lutos.
Desde então, temos nos deparado com o desafio de morar no Co- Tentamos olhar para o passado não com melancolia, mas, sobretu-
que, de fazer parte do cotidiano das pessoas que também moram do, como forma de repensar os desafios de sermos “educa-dores”,
lá. O desafio de “descer” e de se incorporar à vida vivida, de for- ou seja, como forma de encontrar caminhos para educar as nossas
ma a entender os sentidos dela – deles e nossa – e compreender o dores do existir em um mundo sem solidez, um mundo de medos,
sentido daquilo que nos liga e nos faz humanos. Um desafio movi- mortes, um mundo de negros e pobres, um mundo de crianças e
do por dois grandes motivos: um da “razão”, que era aprimorar a adolescentes em situação de risco, mas, antes de tudo, um mundo
formação profissional, e outro do “coração”, talvez o primordial, habitado por preconceitos que congelam, cristalizam, estigmati-
que era estabelecer laços de pertencimento em um ambiente que zam a vida dos moradores do Coque.
permitisse expandir a própria existência como ser humano, ou
seja, buscar um lugar no qual máscaras e padrões sociais fossem Nesse percurso, nos demos conta de como são antigas as
drasticamente afetados, visando romper com padrões de identida- histórias dessa comunidade, como vai longe a temporalida-
des limitados. de de suas lutas e de suas dores. Principalmente, percebe-
mos como são múltiplas as imagens construídas ao longo do
Enfim, “descer do viaduto” implicou um duplo movimento: o tempo. A região em que se insere a comunidade, por exem-
de aprender a ver “por dentro” aquilo que considerávamos estar plo, foi palco de eventos significativos na vida política do
fora, e o de alargar os horizontes para perceber o entorno da país, pois foi na área do aterro de Afogados, que compreen-
comunidade, indo além das aparências cristalizadas por anos de de desde a Rua Imperial (que margeia o Coque) até o Largo
preconceitos e violência. É importante dizer que essa descida da Paz, que as tropas republicanas e as forças da corte tra-
foi trágica, reveladora de medos e destruidora de esperanças. varam combates durante a Confederação do Equador (1824)
O contato com a morte e com a violência revelou a ausência e também na Intentona Comunista (1935). Além disso, nas-
escancarada de vida autêntica em nós, ao mesmo tempo em que ceu aqui o primeiro movimento organizado de moradores de
apontou para a riqueza e a solidariedade das pessoas da comu- mocambos, reivindicando o direito à moradia e a condições
nidade, abrindo uma porta de contato com a morte e a violência dignas de vida.
que nos habita.
A partir de estudos e conversas, constatamos que a região come-
O que víamos ao longo dos anos como “fora”, algo externo, pas- çou a ser povoada no final do século XIX, tendo o processo se
sou a ser percebido como algo próprio. Esse momento ficou re- acelerado em dois períodos distintos, no início dos anos 1940-50
gistrado assim: e nas décadas de 1970-80, e que a maioria das famílias é consti-
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tuída por antigos moradores de municípios do Agreste e da Zona experiência relacional, que ocorre na esfera da intersubjetividade
da Mata, que chegaram à região metropolitana do Recife há cerca e dos símbolos. Por essa razão, é preciso conferir uma dimensão
de 50 anos. pública à discriminação sofrida pelos moradores em função das
imagens históricas segundo as quais o Coque seria “um esconde-
Percebemos que, apesar de ser uma Zona Especial de Interes- rijo de marginais”, trazendo à tona nossas formas de contato com
se Social (ZEIS), criada em agosto de 1983 através de Decreto as pessoas da comunidade.
Municipal de número 11.160, a qualidade de vida no bairro e
o atendimento às necessidades básicas de infra-estrutura, saú- Problematizar as imagens que espelham nossas identidades pos-
de, educação, saneamento e segurança é bastante precário. As sibilita, por exemplo, descortinar a dinâmica de relações e con-
intervenções públicas não atendem às demandas de toda a co- tatos interpessoais que confluem, no interior da comunidade,
munidade. para um sentimento de pertença, de luta, de solidariedade. Por
outro lado, desconstruir as identidades do medo, do preconcei-
Descobrimos, enfim, que apesar de estar praticamente locali- to e da exclusão congeladas pela temporalidade permite que a
zado no centro do Recife, o Coque não está integrado à vida comunidade deixe de ser “uma área que o povo olha de soslaio,
da cidade. Há uma espécie de “barreira invisível” que funciona ri pelo canto da boca e se benze quando é obrigado a cruzá-lo”,
como um bloqueio aos projetos de desenvolvimento na área. como diz um outro morador, de 47 anos.
Um dos motivos apontados para essa situação deve-se justa-
mente à fama de ser uma comunidade violenta. Na década de Assim recomeça a nossa história, olhando a dor do existir e res-
1990, o bairro tornou-se um “problema” para o sistema públi- significando nossas memórias nos contatos com a multiplicidade
co de segurança, passando a ser representado como a “mora- das diferenças desse outro humano.
da da morte”. Desde então, a sensação de viver em um local
“perigoso” tornou-se um lugar-comum. Ao longo dos últimos A dor do “con(m)-tato” propiciado pela experiência de incorpora-
anos, o Coque vem sendo uma referência constante sobre a ção no mundo vivido, tem despertado a busca de novos sentidos
criminalidade e a violência no Estado. para os nossos modos de olhar e narrar a vida dos que vivem nes-
sa comunidade da “periferia” de nossa cidade, o Recife. Cidade
A imprensa, reiteradamente, tem associado o “morador do sitiada pela violência dos olhares que congelam a existência do
Coque” à expressão “criminoso”, tratando o bairro como um outro no signo da carência, da impossibilidade, da vulnerabilida-
local onde se aglutinam diversos “bandidos sociais”. Essas re- de imposta ou consentida.
presentações acabam sendo utilizadas para prever o compor-
tamento dos indivíduos e justificar a adoção de atitudes espe- A iniciativa de colher notícias em jornais e apresentá-las neste
cíficas: “É como se todos nós fossemos ex-presidiários sem livro faz parte de um processo que busca humanizar o existir des-
nunca ter cometido um crime”, diz um morador local de 39 sas pessoas e tecer uma rede de parcerias que eduquem sem pre-
anos. Esse fenômeno tem alterado as regras de reciprocidade, cisar excluir, que formem, humanizando as relações. Esperamos
reconhecimento e pertencimento na vida comunitária, disse- que esse inventário faça circular antigas e novas memórias, con-
minando uma crise generalizada dos modelos socializadores tatos renovados, olhares mais comprometidos com uma formação
adotados pelas gerações mais velhas, incluindo pais, professo- verdadeiramente humana.
res e líderes comunitários.
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O que
sempre e
noticia
Luta
Pela Terra
O que sempre é notícia
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Luta pela Terra
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O que sempre é notícia
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Luta pela Terra
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O que sempre é notícia
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Luta pela Terra
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O que sempre é notícia
Metrô
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Luta pela Terra | Metrô
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O que sempre é notícia
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A Pobreza
como Estigma
O que sempre é notícia
19.09.1976 Capa, p. 01
05.04.1978 Local, p. 07
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06.01.1980 Local | Caderno1 A, p. 09
A Pobreza como Estigma
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O que sempre é notícia
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A Pobreza como Estigma
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O que sempre é notícia
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A Pobreza como Estigma
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A Violência
como Estigma
O que sempre é notícia
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A Violência como Estigma
03.11.1987 Capa, p. 01
02.07.1981 Caderno1 A, p. 15
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O que sempre é notícia
04.10.1993 Capa, p. 01
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A Violência como Estigma
A guerra de gangues na Segundo informações de Polícia, em Santo Amaro, não existe. O verdadeiro ter- com o pai. O filho mais próxi-
favela do Coque, no bairro de policiais, Edvaldo Idalino da às 8h45 da quinta-feira (1º), ror é quem matou ele”, decla- mo era ele. “Edvaldo sempre
São José, faz mais uma vítima. Conceição começou a matar onde está escrito que ele foi ra dona Idalina, que chorou me ajudou em casa”, afirma
Edvaldo Idalino da Conceição, no início de 96. Os assassina- morto por desconhecidos. muito ao dar o depoimento. dona Idalina, apesar de dizer
o Boboy, de 17 anos, conheci- tos atribuídos a ele chegam a Edvaldo Idalino da Concei- “Meu filho era bom, desde que seu filho não trabalhava.
do pela polícia como o terror cinco. O último foi registra- ção morava com a mulher que não mexessem com ele”, “Quem pagava o aluguel era
do Coque, foi assassinado por do poucos minutos antes da num beco, em frente ao nº reconhece dona Idalina que um senhor que ele fazia uns
volta das 4h do dia 1º enquanto chegada do Ano Novo. Se- 584, da Travessa Cabo Eu- disse não saber nada sobre o serviços para ele”.
dormia em seu barraco com a gundo dados da ocorrência trópio, no Coque. envolvimento do filho com a Segundo a mulher de
mulher Uilma Amorim, de 16 do Hospital da Restauração, morte de Joselito, no último Boboy, Uilma, seu marido
anos, grávida de dois meses. Boboy matou a tiros Jose- MATADOR dia do ano. Segundo ela, Bo- não era metido com drogas e
Ela afirma que ouviu batidas lito Teófilo da Silva, de 29 boy nunca mais havia matado não era violento em casa. Ela
na porta e ainda tentou acor- anos, que bebia num bar, na Para a doméstica Ma- ninguém. “Desde que ele le- conta que eles se conheceram
dar o marido. “Quando eles favela do Coque, por volta ria Idalina da Conceição, 35 vou um tiro na perna e ficou num pagode próximo à esta-
arrombaram a porta corri para das 23h do dia 31. Os dois se anos, mãe de Boboy, a fama meio aleijado”. ção Joana Bezerra, do metrô,
debaixo da cama. Só ouvi os ti- desentenderam,Boboy sacou de matador do seu filho é in- Ela conta que Boboy, não e que viviam juntos há um
ros, nem sei quantos”, declara o revólver e matou Joselito, justa. Segundo ela, o único sabia ler, nem escrever, e que ano e meio. Segundo Uilma a
Uilma que diz não ter visto o que residia na rua da Assem- defeito dele era a cachaça. “A só freqüentou a escola quando única coisa que ele queria era
autor dos disparos. Boboy foi bléia de Deus, no Coque. 51 era com ele mesmo”, afir- era pequeno. Era o mais velho ter sossego. “Morar no canto
assassinado com um tiro na O assassinato de Boboy ma. “Esse negócio de chamar dos homens, num total de sete dele, sem ninguém para aper-
nuca e outro na boca. foi registrado na 7ªDelegacia Boboy de terror do Coque filhos. Os irmãos moravam rear”, disse Uilma.
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O que sempre é notícia
O terror impera nas noi- Martins dos Santos, 29 anos, tiros atingiram a dona de casa “Vocês fazem a reportagem, do comerciante Nílton Martins
tes do Coque. No último sá- foi baleado no braço após ten- Marinete Maria da Silva, mo- vão embora e nós ficamos dos Santos, 29 anos, ele foi
bado, cinco pessoas inocentes tar acabar com briga entre sua radora da avenida Central, nº aqui, entregues a nossa pró- avisado de que seu irmão e a
foram atingidas por balas de cunhada e um vizinho. 400, que morreu no local, um pria sorte”. mulher estariam envolvidos
dois tiroteios que acontece- O primeiro tiroteio acon- menor, identificado apenas Comapenas 20 anos e numa discussão com vizinhos
ram, quase simultaneamente, teceu pouco antes das 21h, como Marcone, que reside na analfabeto, Vandílson Vieira perto da casa de seu pai, em
nas proximidades da rua Cabo embaixo do pontilhão do rua Realeza, e o cambista de de Souza é acusado de vários frente ao Colégio Municipal
Eutrópio, a principal da favela. metrô, no início da rua Cabo jogo do bicho Sílvio Catu de crimes na favela, entre eles, Costa Porto, por causa de uma
No primeiro tiroteio, embaixo Eutrópio. Segundo policiais Oliveira, 21 anos. Vandílson homicídio, estupro e roubo. colisão entre bicicletas.
da linha do trem, a dona de da Delegacia de Santo Amaro, foi preso no local. Detido na Delegacia de Afo- Quando Nílton chegou
casa Marinete Maria da Silva, Vandílson Vieira de Souza, o O marido de Marinete, gados, ele nega a autoria dos no local da briga, conversou
28 anos, foi morta durante bri- Nêgo, e uma galera formada Ranílson da Silva Tenório, crimes e de ter provocado o com as duas partes e conse-
ga entre a galera liderada por por conhecidos desocupados afirmou que não conhece os tiroteio de sábado. “Eu não guiu acalmar os ânimos, logo
Vandílson Vieira de Souza, 20 do lugar, todos de bicicle- envolvidos no tiroteio. Ele se conheço o PM Alexandre”, após ele voltou para casa. Ao
anos, conhecido como Nêgo, ta, foram até a casa do poli- limitou a dizer que a mulher diz Nêgo, enquanto mostra sair do carro, foi chamado por
que foi preso no local, e o cial Alexandre Rodrigues de estava sentada com amigas um curativo na cabeça que, um desconhecido e quando
policial do Batalhão de Trân- Lima, para matá-lo. Ao che- na calçada e não teve tempo segundo ele, foi uma coronha- olhou para ver quem era, foi
sito, Alexandre Rodrigues de gar lá, foram recebidos a ti- de correr para fugir das balas. da de revólver desferida pelo baleado duas vezes. Os tiros
Lima, morador da favela. Dez ros pelo policial, que já havia Ranílson e outros moradores PM após sua captura. atingiram o braço e ombro
minutos depois, outra briga sido informado por vizinhos da favela temem represálias. O segundo tiroteio da noi- direitos do comerciante, e ain-
foi desencadeada em frente ao da intenção dos inimigos. Na Indagados pela reportagem te do último sábado na favela da, as costas da dona de casa
Colégio Municipal Costa Por- fuga, a galera começou a ati- sobre a ação de galeras no lo- do Coque, aconteceu por volta Cícera Gomes da Silva, 42,
to, onde o comerciante Nílton rar para todos os lados. Três cal, eles se limitaram a falar: das 21h30. Segundo familiares que passava pelo local.
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A Violência como Estigma
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O que sempre é notícia
14.12.2005 Capa, p. 01
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A Violência como Estigma
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O que sempre é notícia
Galeguinho do Coque
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A Violência como Estigma | Galeguinho do Coque
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O que sempre é notícia
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A Violência como Estigma | Galeguinho do Coque
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O que sempre é notícia
Notas
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A Violência como Estigma | Notas
51
O que sempre é notícia
07.10.1996 Policia
19.02.1990 Policia
Caderno1 A, p. 14
30.08.1990 Policia | Caderno1 A, p. 28
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A Violência como Estigma | Notas
27.04.1992 Policia
10.08.1992 Policia
Caderno1 B, p. 06
Caderno1 B, p. 06
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O que sempre é notícia
Tráfico de Drogas
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A Violência como Estigma | Tráfico de Drogas
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O que sempre é notícia
28.12.1996 Capa, p. 01
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A Violência como Estigma | Tráfico de Drogas
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O que nem
sempre e
noticia
Artes
O que nem sempre é notícia
07.01.1980 Diversoes, p. C5
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Artes
20.04.2005 Viver, p. 13
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Esportes
O que nem sempre é notícia
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Esportes
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Shopping
O que nem sempre é notícia
25.01.1985 Capa, p. 01
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Shopping
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O que nem sempre é notícia
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Shopping
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Iniciativas
O que nem sempre é notícia
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Iniciativas
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O que nem sempre é notícia
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Iniciativas
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O que nem sempre é notícia
18.06.1994 Caderno1 B, p. 02
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Iniciativas
Coque
Líderes comunitários do Coque estão recebendo treinamento para combater o
abuso e exploração sexual infanto-juvenil. O trabalho, coordenado pela Rede
Estadual de Combate à Exploração Sexual, visa transformá-los em agentes mul-
tiplicadores de informações. Nesta segunda etapa, serão abordados temas como a
vida reprodutiva e sexual na adolescência, doenças sexualmente transmissíveis,
Aids, gravidez, paternidade e maternidade. O evento está acontecendo no Clube
da Mocidade, no Coque.
85
O que nem sempre é notícia
86
Iniciativas
89
Cartas
Cartas
92
29.04.1995 Opiniao
Cartas a Redacao, p. A03
30.09.1981 Opiniao
Cartas a Redacao, p. A08 15.04.1994 Opiniao | Cartas a Redacao, p. A03
93
Cartas
94
Coordenação editorial: Rafael Filipe Souza e Roberta Lira