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Rafhael Guimarães ¹
Resumo
O presente artigo visa realizar análise comparativa da psicologia junguiana com a simbologia maçô-
nica, mais especificamente com os símbolos contidos em uma Loja Maçônica do Rito Escocês Anti-
go e Aceito e em suas práticas ritualísticas, além de observar os efeitos psicológicos da prática da
ritualística do referido rito maçônico sobre seus adeptos.
Abstract
This paper aims to conduct a comparative analysis of Jungian psychology with Masonic symbol-
ism, more specifically with the symbols contained in a Lodge of the Ancient and Accepted Scot-
tish Rite and its ritual practices, in addition to observing the psychological effects of the practice
of ritualistic on the practitioners of that masonic rite.
¹ Rafhael Guimarães é Mestre Maçom, membro da GLMEES; e Maçom do Real Arco, filiado ao SGCMRAB. Além de per-
tencer a outras Ordens Iniciáticas, ministra cursos e palestras sobre Cabala, Astrologia e Tarô.
elevado (CAMPBELL, 2007), mas que em outras outra visão dos arquétipos, que se encontra cen-
palavras, são manifestações exteriores dos ar- trada nos três arquétipos relativos ao chamado
quétipos. Os arquétipos só podem se expressar ―Complexo de Édipo‖, que, por suas característi-
através dos símbolos em razão de se encontra- cas peculiares, possui proximidades com a antro-
rem profundamente escondidos no inconsciente pologia e com a linguística, ao passo que a visão
coletivo, sem que o indivíduo os conheça ou apresentada neste artigo, Junguiana, possui pro-
possa vir a conhecer (JUNG, 2011b). Dessa forma, ximidades com os conceitos do Inconsciente Co-
em nosso nível comum de consciência, para letivo sustentados pelo sociólogo francês Émile
compreendermos um elevado sentimento conti- Durkheim, um dos pais da Sociologia Moderna,
do no Inconsciente Coletivo, necessitamos dos onde em sua obra o define como o conjunto de
símbolos, gestos existentes desde o início da hu- crenças e sentimentos autônomos de uma socie-
manidade (CAMPBELL, 2008; JUNG, 2011a). dade (DURKHEIM, 2004). Suas teorias também
Essas afirmações precedentes necessitam influenciaram Freud, mas com devido efeito,
de um exemplo hipotético: O amor da mãe para acham-se proficuamente delineadas nas obras de
com seu filho jamais seria compreendido por pa- Jung.
lavras ou descrições objetivas, como números ou
letras. Em vez disso, podemos, ao invés de escre- O Templo Maçônico do Rito Escocês e a Psi-
ver sobre tal amor, apenas apresentar o conheci- que Humana
do símbolo do coração. Deste modo, mesmo que
parcialmente, a noção que teremos a respeito do Os maçons são unanimes em dizer que o
amor de uma mãe para com seu filho, será muito Templo Maçônico´ é simbólico, e como já vimos,
mais próxima do que as expressadas por meras o símbolo é muito mais do que mera ornamenta-
palavras (JUNG, 2011d). ção artística para representar algo (JUNG, 2012).
Importante registrar que o templo maçônico não
As mitologias e sentimentos são comu- é uma réplica do Templo de Salomão, se não
mente manifestados por meio de símbolos e apenas simbolicamente inspirado no Templo de
gestos. Do mesmo modo, a Maçonaria atua atra- Salomão, mas contendo muitas outras influên-
vés da ritualística das suas iniciações e instru- cias, de acordo com o Rito adotado (ISMAIL,
ções. Os símbolos e gestos atuam como um ca- 2012). No caso do presente estudo, refere-se a
talizador de sentimentos de seus praticantes um templo do Rito Escocês Antigo e Aceito.
através do mito trabalhado pelo grupo-cultura
(CAMPBELL, 2008). O avanço moral que a Maço- Portanto, toda a ornamentação e divisão
naria proporciona a seus adeptos é, além de do templo não é fruto do acaso, a começar pela
consciente, educativo e ético, também um refor- Sala dos Passos Perdidos, mais adiante o Átrio, a
ço psicológico. Câmara ou Caverna de Reflexões, e finalmente o
Templo em si. Todos estes compartimentos são
A diferença crucial entre símbolo e arqué- estágios há muito tempo utilizados para separar
tipo é que o primeiro pode ser visto e em alguns o sagrado do profano (VAN GUENNEP, 2011).
casos também tocado e sentido, ao passo que o
segundo pode ser apenas sentido, e mesmo as- Nesse contexto, o ritual tem por objetivo a
sim, somente por intermédio do primeiro. Por- realização da passagem de um estado de consci-
tanto, para que haja símbolos, deve antes haver ência para outro, estados esses chamados maço-
arquétipos, pois aqueles são a manifestação des- nicamente de profano e sagrado, e em última
tes em menor escala (JUNG, 2011d; JUNG, 2012). análise, o templo com suas divisões simboliza o
Contrariamente a esta teoria junguiana agora estado de consciência em que nos encontramos.
apresentada, observamos na psicanálise de Freud Desta forma, o templo em si representa um esta-
´ O termo “templo maçônico” é comumente usado nos ritos maçônicos de origem latina. Os de origem anglo-saxônica costumam
chamar o local de reuniões de “Sala da Loja”.
maçônico como representativo desse estado de Assim como o ritual maçônico não é literal
pré-consciência, visto o átrio, apesar de muitas e tem por objetivo transmitir instruções morais,
vezes interpretado como sendo uma extensão do os sonhos também não o são e, segundo Jung
templo, é fisicamente um cômodo intermediário (2011d), o crescimento e amadurecimento moral
entre a sala dos passos perdido e o templo ma- são a real e efetiva finalidade dos sonhos. Des-
çônico. Nele ocorre o momento de transição en- tarte, em ambos os casos perde-se o efeito do
tre os estados psicológicos, em que os maçons lógico e racional, para com isso, trabalhar o sim-
se concentram, geralmente com as luzes apaga- bólico e onírico. Sendo assim, interpretar o ritual
das, para se desvencilharem dos problemas e maçônico de forma literal é um erro lastimável,
pensamentos do chamado ―mundo profano‖ e ao passo que o sonho, inexoravelmente, também
adentrarem ao interior do templo. Assim, o átrio deve ser interpretado de forma não literal (JUNG,
se assemelha em correspondência com o pré- 2012).
consciente na medida em que ambos não possu- Os conceitos de Anima e Animus foram
em uma natureza específica, mas sim transitória. talvez as duas mais importantes descobertas de
Portanto, este estado intermediário tem por ob- Jung. Ambos são aspectos inconscientes de um
jetivo introduzir o personagem no recinto onírico indivíduo. O inconsciente do homem encontra
e simbólico seguinte. ressonância com o arquétipo feminino, chamado
de Anima, enquanto que a mulher associa-se
Nível 3 – O Inconsciente Pessoal: O Templo com o arquétipo masculino, chamado de Animus.
Maçônico Cabe notar que quando se fala de masculino e
feminino, em se tratando de Animus e Anima,
Todas as experiências que se têm, mesmo está se referindo às expressões e características,
aquelas consideradas esquecidas, mas que toda- e não algo literal (JUNG, 2011b; JUNG, 2012),
via não deixaram de existir, são armazenadas no pois, como supramencionado, o inconsciente re-
inconsciente pessoal. É nesse nível que ocorrem side em um nível atemporal, inteiramente psico-
os sonhos quando se está dormindo, e como to- lógico, portanto não material.
dos sabem, tais eventos sonhados são dotados
de acontecimentos surreais e ilógicos perante a A Anima manifesta-se na psique de forma
nossa realidade objetiva (JUNG, 2005). emocional, passiva e intuitiva, por outro lado, o
Animus manifesta-se de forma racional, ativa e
Assim o Inconsciente Pessoal encontra objetiva. Jung costuma relacionar Anima ao deus
correspondência com o templo maçônico, onde grego Eros, o deus do Amor, ao passo que Ani-
a ritualística e os símbolos alcançam a totalidade mus é relacionado com o termo Logos, que sig-
dos trabalhos, e estes retratam bem o estado fic- nifica verbo, razão (JUNG, 1978). No templo ma-
tício e mítico do drama maçônico, estado este çônico tal equilíbrio dual é conhecido pelas duas
que – paralelamente – também é encontrado nos colunas, Boaz e Jaquim. No Rito Escocês, os
sonhos, com seus símbolos abstratos, passagens Aprendizes Maçons tomam assento do lado da
ilógicas e surreais, onde tanto no estado onírico coluna Boaz, e ali são instruídos sobre a educa-
como na ritualística, pode-se viajar do Oriente ao ção moral, espiritualidade e ética maçônica, con-
Ocidente com alguns poucos passos, e do ama- ceitos perfeitamente associados ao arquétipo de
nhecer ao pôr do sol, vai-se em alguns minutos, Anima. Já do lado da coluna Jaquim tomam as-
semelhante ao que ocorre nos sonhos, pois no sentos os Companheiros Maçons, que, ao contrá-
nível do inconsciente pessoal não há uma limita- rio dos aprendizes, possuem suas instruções vol-
ção objetiva. Da mesma forma o simbolismo da tadas para as artes ou ciências liberais, bem co-
ritualística não possui um senso lógico. Ambas mo para algum conhecimento esotérico, que são
linguagens (sonhos e ritualística) são figuradas. características de Animus. Ao Oriente vê-se o Sol
e a Lua, que são símbolos conhecidos do Animus
Os maçons devem, portanto, realizar refle- te em torno da Terra. Assim, essas civilizações,
xões da simbologia maçônica. Ao executar um tendo sempre o aparente movimento do Sol co-
ritual de alto valor cultural, com gestos e passa- mo referência, adotavam a circulação em sentido
gens incomuns à sociedade, o qual, sob um olhar horário, tendo altares, fogueiras, totens ou sacri-
cético e profano, pode ser considerado como in- fícios como eixo de seus templos (ISMAIL, 2012).
fantil e ingênuo, deve o maçom analisar tais mo- A função psicológica da ritualística maçô-
vimentos a nível psicológico, onde reside sua nica é a de restaurar um equilíbrio psicológico
maior força e resultado. Ademais, abordar o ritu- por meio do sistema mitológico proposto pela
al maçônico ou qualquer outro ritual sem um en- instituição, de modo a produzir um material oní-
tendimento psicológico e simbólico do seu signi- rico no inconsciente de seus membros (JUNG,
ficado, é como ver animais nas nuvens, ou seja, 2005). Desta forma, o conhecimento da Maçona-
um exercício de vontade e imaginação sem mai- ria retrata um estudo do inconsciente, tanto do
ores resultados. inconsciente pessoal, através dos efeitos diretos
Conhecendo a antropologia das socieda- da ritualística, como do inconsciente coletivo,
des primitivas, Jung comparou a vida com a tra- através do estudo da Mitologia Maçônica.
jetória do sol em um dia. A primeira parte, do Nos rituais tribais de iniciação os mem-
nascimento para a sociedade, é semelhante ao bros recebem uma marca, que nos tempos atuais
amanhecer do sol. A segunda parte, da participa- figura como simbólica (VAN GUENNEP, 2011), e
ção efetiva no mundo e na sociedade, é seme- que distinguem o iniciado dos não iniciados. Na
lhante ao meio dia. E, enquanto o desafio da pri- iniciação no Rito Escocês isso ocorre com uma
meira metade da vida é a própria vida, o desafio chancela no peito esquerdo. Seja uma marcação
da segunda metade é a própria morte, represen- física ou apenas simbólica, tais atos ritualísticos
tada pelo anoitecer (CAMPBELL, 2008; JUNG, operam igualmente no inconsciente (JUNG,
2005). 2005).
Para o primitivo não bastava ver o Sol A prática de diferentes termos linguísticos
nascer e declinar. Esta observação exterior cor- também é usada para separar o sagrado do pro-
respondia a um acontecimento anímico, isto é, o fano nos grupos religiosos (VAN GUENNEP,
Sol representava em sua trajetória o destino de 2011). Este exemplo é um dos diferenciais da ri-
um Deus. Todos os acontecimentos mitologiza- tualística maçônica, onde uma linguagem própria
dos da natureza, tais como o verão, inverno, é comumente adotada. Inúmeros são os exem-
amanhecer, meio dia e por do sol, as fases da lua, plos disso no Rito Escocês, como justo e perfeito,
as estações, não são alegorias destas experiên- tronco, Huzzé, sólio, pálio, veneralato e muitos
cias objetivas, mas sim, expressões simbólicas do outros.
drama interno e inconsciente da alma, que a
consciência humana consegue apreender através
da dramatização dos rituais maçônicos (JUNG, Conclusões
2011b). Em síntese, a mitologia pode ser entendi-
Outro detalhe ritualístico curioso relativo da, sob a ótica da Psicologia Junguiana, como
ao sol é a circulação em sentido horário, também um sonho coletivo, sintomático dos impulsos ar-
chamada de dextrocentrica. Uma prática tão anti- quetípicos existentes no interior das camadas
ga quanto a Maçonaria. Os gregos e romanos profundas da psique humana (JUNG, 1978), ou,
tinham o lado direito como favorável, visto que numa visão religiosa, como a revelação de Deus
este, de forma geral, favorece mais seu dono do aos seus filhos. Tanto a mitologia como os seus
que o esquerdo. Relacionaram tal procedimento símbolos são metáforas reveladoras do destino
ao aparente movimento que o Sol faz diariamen- do homem e nas diversas culturas são retratadas
de diferentes formas (CAMPBELL, 2007). Sendo Junguiana. São Paulo: Cultrix, 2010.
assim, a vivência do drama de um mito nada ISMAIL, Kennyo. Desmistificando a Maçonaria. São Paulo:
mais é do que uma ferramenta de compreensão Universo dos Livros, 2012.
e promoção do crescimento psicológico do indi- JUNG, Carl Gustav. Interpretação psicológica do Dogma da
viduo, sendo esta a função principal do mito Trindade. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
(CAMPBELL, 2008). Assim, a análise para toda JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus símbolos. Rio de Ja-
questão mitológica, como também, este estudo neiro: Editora Nova Fronteira, 2005.
da ritualística maçônica em questão, é, por derra- JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo.
deiro, o estudo da psique humana. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
Em várias sociedades e cultos primitivos, a JUNG, Carl Gustav. Psicologia do Inconsciente. Rio de Ja-
neiro: Vozes, 1978.
prática religiosa consistia em vivenciar a Mitolo-
gia de forma direta, pois o mito poderia influen- JUNG, Carl Gustav. Psicologia e alquimia. Rio de Janeiro:
Vozes, 2012.
ciar o executor da prática religiosa de forma indi-
reta no decorrer das cerimônias, por intermédio JUNG, Carl Gustav. Psicologia e religião. Rio de Janeiro:
do inconsciente. Assim o crescimento e a finali- Vozes, 2011.
dade da Mitologia aconteciam de forma particu- JUNG, Carl Gustav. Símbolos e interpretação dos sonhos.
lar em cada um, como uma semente que aos Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
poucos iria germinando (JUNG, 2005). Entendi- LEVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. 20ª Edição.
mento similar ocorre na Maçonaria e é explicita- São Paulo: Pensamento-Cultrix, 2012.
do quando maçons dizem aos neófitos na Pala- MAXENCE, Jean-Luc. Jung é a aurora da Maçonaria. São
vra a Bem da Ordem que ―hoje você entrou para Paulo: Madras, 2010.
a Maçonaria, mas precisa deixar que a Maçonaria MURPHY, Tim Wallace. O código secreto das catedrais. São
entre em você‖. A tradição maçônica conserva Paulo: Pensamento, 2007.
esses costumes como forma de instrução aos ROBERTS, J. M.: Freemasonry: Possibilities of a Neglected
seus membros, sendo atualmente uma das pou- Topic. The English Historical Review, Vol. 84, No. 331, p.
323-335, 1969.
cas instituições em que o homem pode ter con-
tato com tais experiências (BLAVATSKY, 2009). STAVISH, Mark. As origens ocultas da Maçonaria. São Pau-
lo: Pensamento, 2011.
VAN GUENNEP, Arnold. Os Ritos de Passagem. Rio de Ja-
Referências Bibliográficas neiro: Editora Vozes, 2011.
BLAVATSKY, HELENA P. O ocultismo prática e as origens do ZELDIS, L., Illustrated by Symbols. New York, NY: Phila-
ritual na Igreja e na Maçonaria. São Paulo: Pensamento, lethes, The Journal of Masonic Research & Letters, Vol. 64,
2009. No. 02, p. 72-73, 2011.
CAMPBELL, Joseph. As máscaras de Deus, Mitologia Oci-
dental. São Paulo: Palas Athena, 1994.
CAMPBELL, Joseph. Herói de mil faces. São Paulo: Editora
Pensamento, 2007.
CAMPBELL, Joseph. Isto és Tu. São Paulo: Landy Editora,
2002.
CAMPBELL, Joseph. Mito e Transformação. São Paulo: Ed.
Ágora, 2008.
DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo:
Martins Fontes, 2004.
FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Rio de Janei-
ro: Editora Imago, 1972.
HALL, Calvin S.; NORDBY, Vernon J. Introdução à Psicologia