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Educação Física: Por

1
que? Pra quê?
Alcides Scaglia

Licenciatura em Pedagogia
1 Educação Física: Por que? Pra quê?

SCAGLIA, Alcides José. Jogo e Educação Física: por quê? Para quê?. In: Wagner
W. Moreira ; Regina Simões. (Org.). Educação Física: intervenção e conhecimento
científico: UNIMEP, 2004.

1.1 – Por que estudar Educação Física na Escola?

Infelizmente essa ainda não é uma resposta simples para nossa área. Muitos
autores já se debruçaram em respondê-la anteriormente, e muitos desses com muita
propriedade e consistência teórica, como Betti, Tani, Freire, Coletivo de Autores,
Daolio, Hidebrandt, entre outros1.
Contudo, atualmente não são em tão grande o número de trabalhos que
buscam responder a questão acima colocada. Arrisco dizer que isso se deu pelo fato
de que os excelentes trabalhos produzidos em momentos anteriores, não
1 BETT, 1991; TANI, 1989; FREIRE, 1989; COLETIVO DE AUTORES, 1992; DAOLIO, 1997; e HIDELBRANT, 1986 e
2001.
Educação Física: Por que? Pra quê? 1
necessariamente se concretizaram em práticas que pudessem mudar o paradigma
da Educação Física escolar.
Dario, por exemplo, mostra por meio de suas pesquisas sistematizadas o
quanto às produções teóricas ainda não transformaram de maneira significativa as
aulas de Educação Física nas escolas2.
Mas, voltando à pergunta inicial, cuja função é ser norte para este artigo, qual
seria o objetivo de se estudar por no mínimo 12 ou13 anos Educação Física na
educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio, perfazendo um total
aproximado de 1.040 aulas?
Será que poderia dizer que o seu objetivo é desenvolver habilidades
motoras? Mas como poderia sustentar esse objetivo, se as aulas de Educação
Física duram em média 45 ou 50 minutos duas vezes por semana, e as crianças,
mesmo ironicamente contra a vontade das escolas, se movimentam em outros
ambientes por meio de outros estímulos e necessidades? As crianças necessitam
das aulas de Educação Física para completar seu desenvolvimento motor? Se
pesquisas mostram que sim, seriam apenas 100 minutos por semana suficiente?
Ou as aulas de Educação Física se justificaram pelo fato de se caracterizar
como o único momento em que seria permitido às crianças se movimentarem, nas 5
horas que passam confinadas nas escolas?
Nesse sentido, seria objetivo da Educação Física apenas recrear as crianças?
Ocupando o tempo infantil com movimentos muitas vezes descontextualizados e
dirigidos por um adulto? A nobre função de professores, impregnada de
responsabilidades pedagógicas e educativas, não seria assim reduzida a de monitor/
animador, alijado de compromissos e comprometimentos com os demais
professores especializados na formação dos educandos?
Por outro lado, será que Educação Física ainda deveria guardar e marcar o
seu lugar na escola devido sua responsabilidade de selecionar talentos para
abastecer o cenário nacional olímpico com novos atletas? Seria esse o motivo de se
ensinar apenas esportes nas aulas de Educação Física? E se fosse, por que se
ensina, prioritariamente, apenas futsal, basquete, vôlei e handebol? Já que as
condições físicas e de materiais oferecidas se resumem, impreterivelmente, a uma
2 DARIDO, 1999
2 Educação Física: Por que? Pra quê?
quadras poliesportivas e bolas para o desenvolvimento das quatro modalidades
esportivas citadas acima.
Enfim, essas são algumas inquietações pedagógicas que me assolam, e que
me motivam a escrever, em parceria com João Batista Freire, o livro Educação como
prática corporal. Todavia este artigo não tem como objetivo apenas apontar
inquietações e indagações, mas contribuir sem pretensões de esgotar, com as
discussões a respeito da Educação Física escolar, a fim de que esta possa
realmente se consolidar (não apenas teoricamente) nas searas educacionais como
uma disciplina com objetivos claros, a partir de um objetivo de estudo que interaja de
maneira sistêmica com as demais disciplinas que compõem a matriz curricular das
escolas.

1.2 – Por que estudar Educação Física na escola

É incontestável o fato de que todas as disciplinas devem ter por objetivo


comum ensinar o aluno a viver em sociedade, pensando como sociedade e agindo
como sociedade. Assim, volta a ser significativo pensar ações pedagógicas
vinculadas às necessidades de encontrar soluções para os problemas do mundo.
Não mais incorrendo no equívoco de se pensar a escola e ou a Educação Física
como panaceia, mas refletindo numa prática pedagógica em seu objetivo central e
primordial é o desenvolvimento do indivíduo num ambiente humano,
consequentemente, cultural e social .
Desse modo, pode-se dizer que:

o objetivo da Educação Física deve ser levar a criança a aprender a


ser cidadã de um novo mundo, em que o coletivo não seja
sobrepujado pelo individual; em que a ganância não supere a
solidariedade; em que a compaixão não seja esmagada pela
crueldade; em que a corrupção não seja referência de vida; em que a
liberdade seja um bem superior; em que a consciência crítica seja
patrimônio de toda pessoa; em que a inteligência não seja reduzida a
saber calcular e falar línguas estrangeiras. As técnicas ensinadas nas
disciplinas de Educação Física, de português, de matemática ou de
química podem ser importantes, mas não passam de um acessório
de uma formação maior, para a autonomia. A formação do cidadão

Educação Física: Por que? Pra quê? 3


de um novo mundo só pode se conseguida com a educação para a
atitude autônoma; afinal, quando estivermos maduros, seremos o
somatório das atitudes tomadas ao longo de nossas vidas. (FREIRE;
SCAGLIA, 2003. p.32)

Sendo assim, a Educação Física só se justificar na escola ao se propor


realizar um projeto integrado com as demais disciplinas, almejando desenvolver a
consciência sobre a experiência humana e a autonomia, por meio de práticas
corporais, intervindo mais para desenvolver conhecimentos do que para transmitir
verdades.
Obviamente casa disciplina deve delimitar a um campo de atuação ao redor
de seu objeto de estudo, porém, não mais essa delimitação deve dar azo à
compartimentação dos seus conteúdos, mas sim ser pensada levando-se em conta
as inevitáveis interações sistêmicas existentes entre as várias áreas do
conhecimento.
Os conhecimentos desenvolvidos nas aulas de Educação Física devem,
portanto, advir das relações entre as pessoas e seu mundo, tendo como resultado:
✔ a produção de um conhecimento original, de um lado irredutível isto é,
inconfundível, singular, diferente daquele das outras pessoas, porque
construído por uma pessoa específica e, de outro, complementar pois, sendo
produto de relação com o mundo, estabelece ligação com ele e refere-se, em
linhas gerais, aos conhecimentos de todas as outras pessoas;
✔ o favorecimento da apropriação dos patrimônios culturais produzidos pela
humanidade; no caso específico da Educação Física, a apropriação da cultura
mais diretamente vinculada às práticas corporais, tais como os jogos e os
exercícios. Essas práticas serão tanto objeto de ensino quanto veículo
educacional (neste último caso, quando tematizadas) 3.Assim, para ser mais
específico, a Educação Física deve então se pautar em dois objetivos
básicos, que são na verdade simbióticos, porém didaticamente separados:
possibilitar aos alunos a ampliação dos conhecimentos relativos a nossa
cultura, mais especificamente a nossa cultura lúdica, expressada na forma de
jogos e exercício; proporcionar situações pedagógicas que estimulem a
solução de problemas de corpo inteiro visando sempre que os alunos
3 FREIRE & SCAGLIA, 2003. p. 33
4 Educação Física: Por que? Pra quê?
ampliem suas respectivas competências interpretativas à medida que tomam
consciência de suas ações, desenvolvendo (adquirindo) autonomia.
Não parto do princípio que as aulas de Educação Física devam possibilitar
exclusivamente desenvolvimento motor, mesmo porque, não consigo aceitar o fato
de que somente com duas aulas semanais as crianças teriam o desenvolvimento
motor potencializado, além de contribuir com a ideia de que na escola,
exclusivamente nas aulas de Educação Física as crianças devam se movimentar, ou
então, o que é pior, que as crianças só potencializariam seu desenvolvimento motor
nas aulas de Educação Física, descartando tudo o que elas fazem fora, da escola,
ou seja, seus demais ambientes relacionáveis.
Portanto, vislumbro a escola como uma casa de cultura, onde as crianças vão
aprender uma cultura sistematizada historicamente, que lhes permitam assimilar um
conhecimento básico produzindo ao longo dos minutos séculos de existência da
espécie humana, colocando todos em condição de:
➢ conhecer, assimilar tudo aquilo que foi e é produzido pelo homem em meio ao
seu desenvolvimento cultural e social;
➢ contextualizar todos esses conhecimentos, ou seja, relacioná-los aos
momentos e razão de sua produção (quer no passado ou no presente);
➢ ressignificar aos conhecimentos assimilados, incorporando-os ao seu
cotidiano.

Utilizo o termo cultural sistematizada que até pode ser o mais adequado, para
não descartar e demonstrar ignorância antropológica, pelo fato de ter consciência de
existência de uma rica cultura fora da escola. Não é preciso ir à escola para adquirir
cultura, mas a cultura sistematizada à qual me refiro sem sombras de dúvidas é na
escola em que ela é possibilitada.
Somente assim posso entender a importância de se estudar as equações
matemáticas, as cadeias de carbonos, as regras gramaticais, os livros de Machado
de Assis, as telas de Picasso, as bactérias, as capitais mundiais, a revolução Russa,
a conjugação do verbo to be, os dodecaedros, o futebol, o badmintom, as
brincadeiras e os brinquedos folclóricos.
Ao longo de minha não tão longa história de vida, nunca vi nenhum doutor
Educação Física: Por que? Pra quê? 5
dizer que a matemática deveria sair da escola, que aprender a fórmula Báskara seria
de vital e imediata importância para a vida e perpetuação da espécie humana. Não
me recordo ter lido nenhuma crítica a respeito da importância vital de se decorar, ou
mesmo saber, em que latitude e longitude se encontra a Indonésia.
Mas foram inúmeras as indagações e críticas que estudei relativas à
Educação Física, afirmando que esta não tem conhecimento ou conteúdo para
transmitir aos alunos, servindo apenas como um momento compensatório para a
imobilidade imperante nas matrizes curriculares.
Entretanto, é obvio demais dizer o quanto se faz necessário estudar (não
apenas jogar) futebol na escola, pois seria um conhecimento talvez muito mais
utilizado, do que as equações do 2° grau.
Ninguém sai por ai resolvendo equações do 2° grau, mesmo porque na
grande maioria das escolas não se ensina como utilizá-la no dia a dia dos alunos,
mas todos assistem a jogos de futebol, e muitos não entendem seu significado em
nossa cultura, muito menos a sua lógica tática para falar de um conhecimento
prático/vivenciável, ou sua utilização como forma de manipulação e alienação das
massas para falar de um conhecimento mais teórico.
São poucas as pessoas que visitarão um dia as quatro maiores ilhas que
compõem o Japão, ou que utilizarão conscientemente um anacoluto, uma
prosopopeia, ou uma oração subordinada adverbial, mas todos assistem e
continuarão a assistir cada vez mais, filmes americanos sobre futebol americano,
beisebol, chorando e se emocionando com as cenas. Porém não compreendendo
nada, nem a lógica do jogo, muito menos seu componente ideológico. E o que é pior,
consomem bonés com o nome dos times da liga de beisebol, criam moda com as
grandes, largas e coloridas camisas dos times de hockey, compram caros tênis,
feitos especialmente para corredores de alto nível, ou jogadores de basquete na
NBA, tudo isso sem entender o jogo suas regras e lógica tática (conhecimento
prático - ficar mais inteligente de corpo inteiro), e compreender o outro jogo -
alienação, consumismo, cultura americana, jogo de poder, especialização precoce
nos esportes, lavagem de dinheiro, exploração de trabalho escravo e infantil nos
países do terceiro mundo, que produzem os tênis caros comprados nos shoppings, a
tecnologia utilizada para produzir as roupas e os equipamentos de alto performance,
6 Educação Física: Por que? Pra quê?
a indústria das bebidas energéticas, o culto ao corpo (conhecimento teórico -
ampliação dos conhecimentos relativos à nossa cultura, expressos a partir e nos
jogos).
Enfim, não quero aqui neste tópico dizer que a Educação Física é a mais
importante das disciplinas da matriz curricular, mas, sim, mostrar simplesmente, que
ela deveria ter o mesmo grau de relevância e atenção dado e distribuído às outras
disciplinas escolares, assumindo definitivamente a sua responsabilidade no
processo de formação crítica dos educandos.
Volto a frisar, parece óbvio, mas a realidade mostra exatamente o contrário.
Na maioria das escolas as aulas de Educação Física ainda se resumem ou em jogos
livres, ou então, na prática tecnicista das quatro modalidades esportivas: basquete,
vôlei, handebol e futsal.
Essa Educação Física não tem mais sentido na escola, esta Educação Física
não mais se sustenta ou se justifica. Mas, para mudar isso, é preciso mais que boa
vontade, muito mais que livros de receitas, muito mais que técnicas pedagógicas,
muito mais q novos métodos, muito mais que novas teorias. É preciso trabalho, ou
melhor, é preciso de jogo, JOGO - TRABALHADO (aliada a uma boa formação
universitária).

1.3 – Por falar em jogo e educação

Há muito a pesquisar e debater sobre os conteúdos da Educação Física, mas


Freire e Scaglia (2003) propõem que o jogo, entendido enquanto um fenômeno
complexo/sistêmico, ao mesmo tempo: objeto de estudo, conteúdo e metodologia de
ensino, seja o grande objeto de investigação da Educação Física escolar.

O jogo é uma categoria maior, uma metáfora da vida, uma simulação


lúdica da realidade, que se manifesta, se concretiza, quando as
pessoas praticam esportes, quando lutam, quando fazem ginástica,
ou quando as crianças brincam. (FREIRE; SCAGLIA, 2003. p.33)

A partir dessas premissas posso entrever as relações entre jogos e cultura, na


perspectiva de que eles se encontram justapostos, tecidos juntos. Sendo que tanto o
Educação Física: Por que? Pra quê? 7
jogo influencia a cultura quando a cultura fornece elementos para o jogo. O jogo está
contido na cultura, é produto cultural, concomitantemente se autoafirma,
desencadeando contínuos processos culturais, Essa relação de contiguidade se
constitui as bases para as ideias de Caillois 4, o qual propõe desenvolver umas
sociologia a partir do jogo. Pois, se Huizinga em seus estudos afirma que o jogo é
anterior a cultura5, e contrariamente na visão do senso comum o jogo surge
decorrente da degradação da mesma. Caillois vai dizer ser menos importante
investigar quem precedeu quem, mas sim entender as ralações de interdependência
que se estabelece entre esses dois fenômenos 6. Sendo assim, ele afirma que se
pode compreender a sociedade a partir de seus jogos, pois os mesmos advêm das
inter-relações estabelecidas.
Como exemplo, a partir das ideias de Caillois posso compreender a
sociedade inglesa do século XIX a partir dos seus jogos em consonância com o
advento de esportividade, ou mesmo o jogo de capitão do mato amarra negro, o qual
deu azo ou mocinho e bandido e à polícia e ladrão – quando re-significados, em
decorrência das mudanças socioculturais perpetradas ao longo da história da
humanidade.
Contudo, é necessário que o jogo seja melhor investigado. Que a teoria do
jogo volte a preocupar os estudiosos das mais diferentes áreas, em especial às
educacionais, pois várias foram e são as formas de utilização do jogo pela
educação, entretanto muitas delas, precipitadamente, desenvolvem metodologias
que acabam por descaracterizá-lo, como podemos ver a seguir a partir de um breve
resgate histórico do jogo na educação.
Para Colas Duflo, em seu instigante O jogo: de Pascal a Schiller, a história do
jogo é muito longa, porém extremamente curta se analisarmos pelo lado dos
registros, mesmo porque o jogo sempre, na antiguidade, fora entendido como algo
não necessariamente digno de ser pensado, consequentemente, estudado ou
mesmo visto como veículo educacional7.
4 CAILLOIS, 1990

5 HUIZINGA, 1999

6 CAILLOIS, 1990

7 DUFLO, 1999
8 Educação Física: Por que? Pra quê?
Duflo diz que, se quisermos começar a cronologia da história do jogo,
poderíamos iniciá-la na Grécia antiga, por Heráclito, Platão ou Aristóteles, passando
pelo Império Romano, com Augusto, quando da promulgação de uma loteria pública
e dos jogos para treinamentos militares, chegando à Idade Média, momento em que
o jogo era visto como algo que permitia ao homem enganar-se a si próprio 8. Iludindo-
se pelo divertimento, o homem esquece de suas tristezas e, paradoxalmente, isso se
converte na maior de suas desgraças, pois, ao diverti-lo, impede-o de sonhar e visar
além. Seu tempo livre é ocupado pela distração advinda do jogo. Porém, todo
divertimento e alegria é avesso à condição eterna de luto imposto pela ideologia
cristã medieval, desse modo o jogo não era muito bem-visto aos olhos da igreja, na
idade média.
Contudo, irônica e paradoxalmente ao pensamento da igreja, é São Tomás de
Aquino que primeiro vislumbra qualidades no jogo.

São Tomas de Aquino defende o jogo comparando-o ao arco tenso


do arqueiro que necessita ter a sua tensão controlada para não se
partir (analogamente pensa o trabalho intelectual e o jogo), ou seja, o
jogo vem para liberar as tensões impostas pelo trabalho intelectual
ou não, sendo assim o jogo é menor (visto como menos importante),
porém vital e indispensável para o homem o JOGO é necessário a
vida humana. São Tomás de Aquino chegou a dizer que quem não
jogava pecava da mesma forma que aquele a qual se entrega em
demasia. (DUFLO, 1999 p. 20)

Depois de São Tomás de Aquino o jogo passa a ser considerado como


indispensável à vida humana. Porém, inicialmente, ele só se justifica quando
circunscrito à limites estreitos do repouso com o qual se aparenta. Se excessivo,
será loucura ou preguiça. Já com o comedimento, deve ser uma atividade menor, e
momento indispensável de não trabalho9.
Mas seria somente a partir do século XVI e, sobretudo, no século XVII, que se
descobre as virtudes pedagógicas do jogo, principalmente, com a sua descoberta
pelos matemáticos. Para eles, o jogo impõe um trabalho ao pensamento, logo o jogo
ensina a pensar.

8 DUFLO, 1999

9 Ibid p. 25
Educação Física: Por que? Pra quê? 9
O jogo não é mais considerado como uma atividade menor e para os
menores que não mereceria a atenção do homem de bom senso. Ao
contrário, o jogo deve ser estudado, porque oferece um espaço
privilegiado no qual se exerce a inteligência humana, por duas
razões diferentes e complementares. Por outro lado e, sobretudo, no
jogo, o espírito se exerce livremente, sem o constrangimento da
necessidade e do real, oferece condições puras de exercícios de
engenhosidade. (DUFLO, 1993. p. 25)

Colas Duflo10 aponta ainda que conceituados pensadores começam a ver no


jogo muito mais do que descanso do trabalho intelectual, dentre eles Leibniz 11 vai
dizer que o homem é mais criativo quando está no divertimento, e que pelo jogo
ocorre a liberdade do espírito, capacidade de análise das estratégias (inteligência
tática), estimulando a atenção, arrebatamento, alta capacidade de previsão. O
conceituado pensador destaca até a riqueza do ato de trapacear, e por fim possibilita
o desenvolvimento da arte das combinações.
Na sequência vem Pascal, que, nas palavras de Duflo, diz: "O jogo representa
não só uma distração totalmente positiva, desde que permaneça em seus limites,
mas também uma vitrine de engenhosidade humana, não devendo, pois, ser
somente situado ao lado do pueril".(LEIBINZ apud DUFLO, 1999. p. 37)
Já no século XVIII, outro importante pensador que discorreu sobre o jogo foi
Rousseau, quando no seu livro Emílio ou Da educação, faz alusão às virtudes do
jogo. Rousseau aponta características da seguinte forma:

Que ela se ocupe ou se distraia, ambos são iguais para ela; seus
jogos são suas ocupações, ela não sente diferença entre eles. Ela
coloca em tudo o que faz um interesse que faz rir e uma liberdade
que agrada, mostrando ao mesmo tempo a habilidade de sua mente
e a esfera de seus conhecimentos. Não é o espetáculo dessa idade
um espetáculo charmoso o doce, ver uma linda criança olhar vivo e
alegre, ar contente e sereno, fisionomia aberta e risonha, fazer
brincando, as coisas mais sérias, ou profundamente ocupada com os
mais frívolos divertimentos? (ROUSSEAU, 1974. p. 207)

Kant, segundo Duflo12, em seu livro Reflexões sobre Educação, se opõe a


Rousseau em muitos pontos, porém é um outro pensador que encontrou no jogo
10 Ibid.

11 LEIBINIZ apud DUFLO, 1999.

12 DUFLO, 1999. p. 57
10 Educação Física: Por que? Pra quê?
qualidades outras que o simples divertimento. Para Kant os jogos das crianças, por
exemplo, representam um insubstituível lugar de uma autoaprendizagem por si
mesma, ou seja:

Em seus jogos, as crianças se submetem livremente as regras q


escolhem, e como não ver que fazem assim, em menor escala,
aprendizagem dessa autonomia de vontade no sentido pleno. Por
meio do jogo, a criança aprende a coagir a si mesma, a se investir
em uma atividade duradoura, a conhecer e desenvolver as forças de
seu corpo. (DUFLO, 1999. p. 57)

Todos esses pensadores dão azo e sustentação ao surgimento do movimento


da Escola Nova, principalmente, com Froebel no século XIX, os quais passam cada
vez mais a sistematizar o jogo na educação.
Nas palavras de Kishimoto:

é com Froebel que o jogo, entendido como objetivo e ação de


brincar, caracterizado pela liberdade e espontaneidade, passa a fazer
parte da história da educação infantil. Embora Froebel, em sua
teoria, enfatize o jogo livre como importante para o desenvolvimento
infantil, mesmo assim introduz a ideia de materiais educativos, os
dons, como recursos auxiliares necessários à aquisição de
conhecimento, como meio de instrução. (1998. p. 16)

Enfim, o jogo chega ao século XX com duas características distintas nas


teorias educacionais e um consenso. Segundo Brougére 13, as abordagens
educacionais se dividem em pensar o jogo como: recreação (evidenciando atividade
lúdica espontânea a partir do jogo livre) e artifício, estratagema – placebo
(caracterizando a atividade lúdica funcional e partir do jogo funcional – utilitário).
Já o consenso presente nestas distintas formas de se pensar o jogo na
educação é o seu valor educativo intrínseco. Em outros termos o jogo é educativo
por natureza.
Porém, essa postura maniqueísta, coadunando ao consenso geral, dá
margem ao surgimento do jogo educativo, o qual busca conciliar a função lúdica e a
função educativa. Nos estudos de Kishimoto 14, pautados em Campagne, na função
lúdica o jogo propicia a diversão, o prazer e até o desprazer quando escolhido
13 BROUGÉRE, 1998 e 1997

14 DUFLO, 1999 e KISHIMOTO, 1997 e 1998b


Educação Física: Por que? Pra quê? 11
voluntariamente, já na função educativa o jogo ensina qualquer coisa que complete
o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e sua apreensão do mundo.
Desse modo, a balança do jogo educativo não poderia pender para nenhum
dos lados, e sim tentar manter o equilíbrio, pois:

O equilíbrio entre as duas funções é o objetivo do jogo educativo.


Entretanto, o desequilíbrio provoca duas situações: não há mais
ensino, há apenas jogo, quando a função lúdica predomina ou, o
contrário, quando a função educativa elimina todo o hedonismo, resta
apenas o ensino.(KISHIMITO,1998. p. 16)

Portanto, a partir desse resgate histórico posso pensar nesse embate entre o
jogo livre e o jogo funcional na Educação Física, vislumbrando a perspectiva de
construção de uma abordagem que valorize o trabalho (função educativa) e o jogo
(função lúdica).

1.4 – Embate entre jogo livre e jogo funcional para a construção do jogo-
trabalho

Utilizarei deste espaço para dar vazão às minhas inquietudes pedagógicas


sobre o jogo, buscando construir uma abordagem teórico-prática para a Educação
Física escolar, a qual denomino jogo-trabalho. Todavia, é necessário que se analise
as diferenças entre jogo-livre, jogo-funcional, para assim ser possível o real
entendimento de uma proposta pautada no jogo-trabalhado.
O jogo-livre, por meio de suas características - como, por exemplo: fim nele
mesmo, espontaneismo, ludicidade, prazer, na visão dos educadores, principalmente
os inatistas, possibilitaria por si só a aquisição de conhecimentos naturais, pois a
educação em geral, influenciada por tais concepções, acreditava que tanto o
conhecimento quanto o jogo eram próprios da natureza dos seres humanos, em
especial das crianças, ou seja, esse conhecimento em consonância à necessidade
de jogar já se encontrava em seus códigos genéticos, logo a escola deveria apenas
possibilitar estímulos e tempo para que os dons aflorassem.
Nesse sentido, a aula é centrada no aluno, e seu objetivo está apenas no
efeito proporcionado pelo jogo, o prazer espontâneo e momentâneo: Já o professor

12 Educação Física: Por que? Pra quê?


passa a ser apenas um vigia, que observa as crianças brincando, cumprindo suas
funções burocráticas. A intervenção pedagógica se dá por meio da oferta de
materiais para que os alunos possam brincar livremente.
Já o jogo-funcional, surge como uma nova abordagem que literalmente se
utiliza do jogo. Opondo-se a acima citada, atribui ao jogo um valor utilitário, no qual
ele passou a ser visto apenas como veículo para se aprender alguma coisa que esta
além dele mesmo, além do efeito prazer. Logo essa abordagem se pauta apenas na
causa do jogo, ou seja, na aprendizagem.
Todavia, esse caráter funcionalista atribuído ao jogo, infelizmente, abriu
caminho para as concepções desenvolvimentistas, que por meio do prazer gerado
pelo jogo acreditam que poderiam, com a direção do professor, desenvolver
determinadas habilidades nos alunos.
Assim, a aula ficou centrada no professor, que a comanda, organizando todos
os jogos, oferecendo aos alunos apenas a oportunidade de jogar, pois se parte do
princípio que jogando da forma com que o professor determinou o aluno aprenderá,
atingido o objetivo da aula com prazer, devido a suposta presença da ludicidade.

Uma atividade de aprendizagem, controlada pelo educador, toma o


aspecto de brincadeira para seduzir a criança. Porém, a criança não
toma a iniciativa da brincadeira nem tem o domínio de seu conteúdo
e de seu desenvolvimento. O domínio pertence ao adulto, que pode
certificar-se do valor e do conteúdo didático transmitido dessa forma.
Trata-se de utilizar o interesse da criança a fim de desviá-la, de
utilizá-la para uma boa causa. Compreendemos que aí só existe
brincadeira por analogia, por uma remota semelhança. (BROUGÉRE,
1997. p. 96 e 97)

Nessa esteira, em decorrência de estudos sobre a teoria d jogo 15 e suas


implicações pedagógicas16, essas duas abordagens citadas acima, que assumem
características apostas, não dão conta de resolver os problemas da educação, quiçá
da Educação Física, pois elas não proporcionam condições para que se possa
atingir na sua plenitude os objetivos traçados no início deste artigo, pois descartam o
ambiente de jogo.
O jogo livre na Educação Física ainda existe, como já mencionei,
15 SCAGLIA, 2003; e FREIRE, 2002.

16 FREIRE & SCAGLIA, 2003.


Educação Física: Por que? Pra quê? 13
principalmente nas aulas em que o professor assume o seu nobre papel de
guardador das chaves do quarto de bolsas, e com a função de almoxarife, apenas
pergunta qual tipo de bola os alunos necessitam. A aula assume então a função de
aliviar as tensões – como advertia São Tomás de Aquino alguns séculos atrás – ,
assemelhando-se nas mais a um recreio do que uma aula e apenas se justificando
pelo prazer gerado pelo jogo.
Já o jogo funcional na Educação Física, quando mal trabalhado o
descaracteriza, assumido funções que não lhes são próprias – perdendo sua
especificidade – , como por exemplo: auxiliar no processo de alfabetização, fazendo
jogos na quadra com letras e palavras, ou se iludindo quanto ao desenvolvimento da
lateralidade nos parcos minutos de aulas, com jogos do tipo: mamãe da rua só com
o pé direito, agora com o esquerdo; ou o absurdo de obrigar os alunos fazer contas
matemáticas quando pulam as casas no jogo de amarelinha.
Outra característica marcante dos jogos funcionais nas aulas de Educação
Física são os jogos para avaliar/diagnosticar possíveis perturbações psicomotoras
nos alunos. Esses jogos resumem as aulas em avaliações clínicas, em que os
alunos devem, por exemplo, andar sobre a linha, jogar a bola para cima e bater
palmas, por a mão nas respectivas partes do corpo conforme a música assim
solicita, para suposta tomada de consciência corporal.
Enfim, temos um embate entre o jogo espontâneo – essencial – e o funcional
– instrumental – , que só pode ser resolvido com uma boa dose de bom senso, que
seria tentativa de se encontrar um equilíbrio entre a ludicidade – gerando prazer – e
o trabalho – , gerando aprendizagem específica, como assim defende Kishimoto. 17
A busca por esse equilíbrio já era proposta por Schiller no século XVIII.
Para o filósofo um homem sensível (natural) e outro formal (racional)
coabitava um mesmo homem18, e para que esses dois homens convivessem de
forma harmônica isso só era possível por meio do jogo, pois o – jogo é considerado
vetor de harmonia, portanto de beleza e de equilíbrio tanto pra o físico quanto para o
espiritual no homem. Sendo assim, para Schiller, “o homem joga somente quando é
homem no pleno sentido da palavra, e somente é homem pleno quando joga”.
17 KISHIMOTO, 1997

18 CHILLER, 1995. p. 84
14 Educação Física: Por que? Pra quê?
(1995. P. 84) Essa célebre frase escrita por Schiller vai dizer então que o homem só
é verdadeiramente homem quando joga, devido ao fato do autor encontrar no jogo o
que ele denomina impulso de jogo (ou impulso lúdico).
Esse impulso é na verdade um vetor de equilíbrio entre o impulso formal
(racional) e o impulso sensível (natural), sem a existência do jogo haveria
desequilíbrio entre os outros dois impulsos, gerando ou um ser selvagem, bárbaro e
passional (se o sensível domina) ou um ser frio, racional e calculista (se o domínio é
da razão), logo segundo o filósofo estético, nos dois exemplos, não se tem o homem
na plena acepção da palavra, pois lhe escapa o estético gerado pelo jogo.
Mas é nos estudos de Celestin Freinet que encontrei com mais detalhes uma
crítica interessante contundente sobre o uso indiscriminado do jogo 19, principalmente
pelos escolanovistas, que me permitiam vislumbrar esse equilíbrio de maneira mais
didática, possibilitando-me pensar uma intervenção pedagógica que atendessem as
necessidades mais prementes da Educação Física, ou seja, oportunizando a
idealização da abordagem do jogo-trabalhado, sem descaracterizar o jogo,
evidenciando suas qualidades complexas/sistêmicas, as quais permitem atingir
plenamente os objetivos básicos propostos para a disciplina Educação Física:
ampliar os conhecimentos relativos a nossa cultura (expressa no momento em que o
homem joga, e jogando produz e reproduz cultura) e possibilitar que os alunos saiam
das aulas mais inteligentes de corpo inteiro.
Enfim, o aluno não deve ir à escola apensa para jogar, ou aprender a brincar,
muito menos ser iludido com o jogo placebo, sendo induzido a aprender algo de
forma descontextualizada. Mas, sim necessita ir para escola trabalhar e viver
plenamente o jogo. Aprendendo com e pelo jogo; jogando com seus desejos e
vontades desencadeados por situações contextualizadas.

1.5 – Contribuição de Freinet ao jogo-trabalhado

Celestin Freinet, inserido no contexto das pedagogias modernas 20, vem se


19 FREINET, 1998.

20 Ibid
Educação Física: Por que? Pra quê? 15
opor ao jogo livre e funcional, chamando-os de jogos de lucro e jogos-haxixes, bem
como às pedagogias que dele se utilizam, dizendo, num apanhado de ideias, no seu
livro Educação do Trabalho:

Tentaremos, não mais nos deixar levar a essas atitudes


arbitrariamente impostas que suscitam e podem esses jogos de
relaxamento compensador, os quais são como que a antecâmara dos
jogos de lucro e dos jogos-haxixe (...). Essas pedagogias do jogo é
um erro que, lamentavelmente, é um verdadeiro reflexo de nossa
civilização atualmente dominada pelo haxixe: de um lado, pela
cadeia do trabalho e (...), de outro pela fruição passiva, pela busca
do prazer, qualquer que seja o seu valor moral ou vital; de uma
civilização que parece ter consumado o divórcio entre os gestos
ancestrais do indivíduo para assegurar sua alimentação, seu obrigo e
a perpetuação da espécie - e a máquina artificial e sem alma,
montada por uma técnica certamente engenhosa, mas socialmente
cega e desequilibrada. (FREINET, 1998. p. 203)

Freinet se opõe à ideia de jogo (livre e funcional) como substituto do trabalho,


ou de descanso desse, ou seja, não será somente pelo jogo que a criança alcançará
a satisfação de todas as suas necessidades essenciais (agir, criar, interagir,
interpretar, comunicar-se, expressar-se e avaliar-se) muito menos as realizará por
intermédio do trabalho, se este for concebido de forma imposta e arbitrária. Para ele
a pedagogia deve conceder o trabalho-jogo, em que o trabalho possibilitará o
mesmo prazer que o jogo, em si, possibilita, pois as crianças encontrarão nesse
binômio a realização de suas necessidades funcionais e essenciais (para o autor,
naturais).
Além do trabalho-jogo, Freinet desenvolveu, ou melhor, redimensionou o
conceito de jogo formando um novo binômio, jogo-trabalho, em que os jogos (já
conhecidos pelos alunos - basicamente os jogos tradicionais) assumem um papel
que vai além do seu efeito (prazer) - que em momento algum é negado, passando
obviamente pela causa (aumento de conhecimento por meio da satisfação das
necessidades essenciais da criança), porém esse aprendizado não é enfadonho,
muito menos com características de se "força a barra", assim a intervenção
pedagógica não é sentida pelo aluno como uma obrigação de brincar do jeito que o
professor deseja.
Dando continuidade às ideias de Celestin Freinet sobre o jogo- trabalho,

16 Educação Física: Por que? Pra quê?


encontramos no livro de sua mulher Elisa Freinet (1979) as seguintes afirmações
importantes:

Não existe na criança necessidade natural de jogo. Existe apenas a


necessidade do trabalho, ou seja, a necessidade orgânica de usar o
potencial de vida num atividade ao mesmo tempo individual e social,
que tenha uma finalidade perfeitamente compreendida, na medida
das possibilidades infantis, e que represente uma grande amplitude
de reação: cansaço - repouso; agitação - calma; emoção -
tranquilidade; medo - segurança; risco - vitória. É preciso, além disso,
que este trabalho salvaguarde uma das tendências psíquicas mais
importantes, principalmente nessa idade: o sentimento de poder, o
desejo permanente de superar-se, de superar os outros, de alcançar
vitórias, pequenas ou grandes, de dominar alguém ou alguma coisa.
Segundo se considere um destes dois elementos, trabalho ou jogo,
haverá um comportamento diferente para com os filhos, assim como
na escolha dos livros de classe, do material de ensino, dos métodos
de educação. (FREINET apud ELISE FREINET, 1979. P. 113-114)

Aí está, aliás, a tarefa essencial da pedagogia: criar uma atmosfera de


trabalho produtivo e formativo, e, ao mesmo tempo, prever e preparar as técnicas
que tornam esse trabalho acessível às crianças, ou seja, um ambiente em que o
jogo guarde as suas características essenciais e concomitantemente com a
possibilidade de satisfação das necessidades de aprendizagem. Segundo Freinet:

Sem em momento adequado, a criança pode dedicar-se a trabalhos-


jogos, se toda a sua educação, toda sua formação - familiar, escolar,
social - e toda sua vida são centradas na necessidade desse
trabalho-jogo, se dele a criança retira as mais delicadas e mais
calorosas fruições, o jogo guardará para ele (aluno) o seu valor
acidental de substituto ou de relaxamente, mas é a função -trabalho
que lhe iluminará a vida, que lhe dará harmonia e equilíbrio, que
suscitará uma nova concepção das relações sociais, uma filosofia e
uma moral que não serão mais abstraídas da condição humana, mas
surgirão como a sutil emanação de uma nova ordem baseada na
dignidade e no esplendor do trabalho. (FREINET apud ELISE
FREINET, 1979. P. 103)

Enfim, se o objetivo da educação e da Educação Física é consolidar forte


mente a natureza humana, isso só se dará, no caso da educação em geral pelo
trabalho-jogo, e no caso particular da Educação Física pela realização de uma
atividade ideal a partir do jogo-trabalho, porém para frisar, utilizo novamente as

Educação Física: Por que? Pra quê? 17


palavras de Freinet:

para deixar bem claro que é os dois ao mesmo tempo, que atendem
às múltiplas exigências que nos fazem comumente suportar um e
procurar outro. Certamente não é uma atividade impossível, já que
se realiza espontaneamente em certos meios, em certas
circunstâncias. Compete a nós generalizá-la e estender seus
benefícios a nosso trabalho escolar. (1998. p. 204)

1.6 – A teoria na pra´tica: o jogo-trabalho nas aulas de Educação Física escolar

O jogo-trabalho, que parte dos conhecimentos que as crianças já possuem


em consonância com os que estão produzindo cotidianamente, se constitui em uma
eficiente ação pedagógica de ensino para que se possa atingir os objetivos
propostos para a disciplina Educação Física. Ou seja, os conteúdos da Educação
Física entendidos enquanto manifestações de jogo devem ser ao mesmo tempo
pensados e desenvolvidos como conhecimentos necessários aos alunos, no que diz
respeito à ampliação de seus conhecimentos e na perspectiva de a cada aula
saírem diferentes - mais inteligentes.
Desse modo o jogo-trabalho deve estar presente na escola e nas aulas de
Educação Física, justificando-se na necessidade dos alunos continuarem seus
respectivos processos de aprender a aprender, ao mesmo tempo em que
apreendem os conhecimentos circunscritos à Educação Física, organizados a partir
de temas e sub-temas, como proposto por Freire e Scaglia 21.
Todavia, para isso o professor deve se atentar para o fato de criar um
ambiente para o jogo, respeitando as características que evidenciam o jogo, não
desprezando a cultura lúdica das crianças, criando situações de desafios
(desafiando-os, instigando-os sempre por meio de perguntas, nunca dando
respostas prontas) e gerando problemas (colocando desafios, levando-se em
consideração as respectivas zonas potenciais de aprendizado, ou seja, o nível de
desenvolvimento dos alunos - e criando um ambiente ou situação que gerará
determinadas atitudes).
O professor deve assumir literalmente o papel de mediador no processo,
21 FREINET, 1998. p. 204
18 Educação Física: Por que? Pra quê?
potencializando as situações de trocas de informações, à medida que descentraliza
o poder de decisão nas aulas, permitindo assim a tomada de consciência das ações
desenvolvidas nas aulas e ao passo que aumenta o grau de comprometimento e
responsabilidade dos alunos no desenrolar de seu processo de aprendizagem.
Nas aulas deve-se enfatizar a necessidade de compreensão da lógica do jogo
e não a execução (perfeita ou não) de gestos técnicos, pois deve se ensinar as
técnicas por meio da tática, ou seja, a necessidade de técnica surge em decorrência
das situações geradas pelo jogo, portanto são as situações - problemas que
desencadeiam uma ação - conduta motora - para a solução de uma necessidade do
jogo.
Por meio do jogo, todas as ações desenvolvidas nas aulas devem procurar
satisfazer as necessidades essências das crianças, que, segundo Freinet, são: agir,
criar, interagir, interpretar, comunicar-se, expressar-se e avaliar-se. Porque desse
modo se garante a aprendizagem significativas dos conteúdos à medida que os
mesmos são incorporados à vida presente dos alunos 22.
Todo o processo de desenvolvimento do jogo-trabalho deve privilegiar a
aproximação de pensamento e ação (tomada de decisões rápidas, solução de
problemas de forma criativa e rápida), construindo-se desse modo um enorme,
diversificado e complexo banco de dados de informações (ações e pensamentos),
que gerará possibilidades de respostas das mais variadas e criativas possíveis
(solução de problemas de corpo inteiro - cognitivo, afetivo / social e motor - ,
caracterizando um acervo de possibilidades de respostas).
Pro fim, o desenvolvimento do jogo-trabalho deve sempre se pautar nos
princípios de propiciar aos alunos a oportunidade de conhecer o que foi produzido
pelo homem ao longo de seu desenvolvimento cultural e social, em que contexto
esse conhecimento foi produzido e, consequentemente, possibilitar que os alunos se
apropriem desse conhecimento, ressignificando-os, ou seja, incorporando-os
segundo as suas necessidades, sensibilidades e perspectivas as suas respectivas
realidades.

22 Ibid
Educação Física: Por que? Pra quê? 19
1.7 – O jogo-trabalho e sua aplicação na prática educativa

Na sequência gostaria de apresentar um plano de trabalho que poderia


compor um módulo de um planejamento anual de aulas de Educação Física,
intitulado jogo tradicionais ou brincadeiras populares, para que possa servir de
exemplo concreto e ilustrativo pra o desenvolvimento de outras ações pedagógicas
com base nas perspectivas do jogo-trabalho.
Este módulo, compreendendo uma sequência de cerca de 14 aulas, foi
dividido em quatro etapas: exploração, adequação (adaptação), criação e
apresentação (ensinar outros). Cada etapa tem duração de três aulas, sendo
desenvolvida a partir de três temas geradores: jogos tradicionais de bola nos pé,
jogos tradicionais de bola com as mãos e jogos tradicionais que não utilizam bola.
A primeira aula deve ser de sensibilização ao tema. Em outros termos, o
professor deve encontrar meios para sensibilizar os alunos, nesse caso em especial,
sobre o q eu são jogos tradicionais e quais são suas características essenciais. Para
isto, um filme como Guerra dos Botões incitariam profícuas discussões em turmas
de adolescentes. Já, com turmas menores, uma pesquisa sobre jogos tradicionais
no bairro, na escola ou mesmo, em casa, poderia iniciar o processo de ensino-
aprendizagem.
A classe é dividida, nesse caso em três grupos (mas poderia sem em mais).
Vale destacar que os grupos que utilizam a bola têm para desenvolver seus jogos
meia quadra e o que não utiliza bola, as outras dependências da escola (desde que
não atrapalhem o andamento das aulas das outras matérias).
No decorrer, cada grupo deve receber uma planilha com espaço para
escrever um sintético relatório sobre o que for sendo efeito em casa aula. Esse
relatório não deve ser visto apenas como um instrumento de avaliação ou de
justificativa de trabalho escola, mas sim permite ao grupo não se perder, pois o
processo todos se completa em pouco mais de um mês, logo um registro é mais do
que necessário à organização.
Ao professor, com sua intervenção passiva ou indireta - ou seja, apenas com a
responsabilidade de criação do ambiente de jogo -, deve auxiliar os grupos na
organização (disciplina interna), pois o restante ficará por conta do plano de trabalho
20 Educação Física: Por que? Pra quê?
e da motivação gerado pelo jogo em si.
Enfim, na etapa de exploração, os alunos têm uma aula para explorar um
jogo tradicional escolhido a partir de um tema gerador específico. Por exemplo, na
primeira aula, o grupo "A" escolherá por meio de votação interna um jogo de bola
com os pés para desenvolver. Enquanto isto, o grupo "B" estará explorando da
mesma forma um jogo eleito que utiliza uma bola e as mãos, e o "C" um jogo que
não utiliza bola.
Na segunda aula dessa primeira etapa, troca-se os temas gerados dos
grupos, e na terceira completa-se o ciclo, tendo ao final cada grupo explorado um
jogo de cada tema gerador.
Portanto, nessa etapa o objetivo é possibilitar que os alunos explorem,
joguem, um jogo já conhecido por quase todos, porém, cabe ao professor, no
momento, que visita cada um dos grupos, questioná-los para que falem sobre as
lógicas explícitas e implícitas em cada jogo. Ou seja, questionar os alunos para que
possam perceber todas as possibilidades de ações do jogo.
A etapa de adequação (adaptação) necessitará do mesmo tempo e utilizará
a mesma organização, todavia nesse momento cada grupo deverá modificar as
regras de cada um dos jogos que explorou, objetivando com isso dificultar o seu
nível de exigência, ou então, adaptá-lo no nível de habilidade dos grupos,
configurando-se num novo desafio para os grupos, levando-os a superação desse
novo jogo. Novamente a ações do professor se resumem em passar nos grupos
questionando as ações decorrentes do jogo, fazendo com que os alunos expliquem
porque modificaram esta ou aquela regra do jogo, e o que estas alterações estão
acarretando nas estratégicas desenvolvidas. É primordial que os alunos sejam
levados a compreender a lógica dos jogos para que possam desenvolver suas
respectivas competências interpretativas, tornando cada vez mais autônomos ao
passo que assimilam o processo organizacional sistêmico presente em todos os
jogos, desvendando os resultados de suas interações.
Na etapa de criação, os grupos, respeitando a sequência e organização
advinda da primeira etapa, em cada aula eles agora criarão um jogo novo, partindo
inicialmente do mesmo jogo explorado e alterado. Ou seja, o mesmo jogo que sofreu
alterações, mas manteve suas características essenciais básicas, será o ponto de
Educação Física: Por que? Pra quê? 21
partida para a criação de um jogo totalmente inédito. Esse novo jogo pode se
configurar na combinação de outros jogos, como por exemplo, a queimada (jogo
anteriormente explorado e alterado) combinada com o pega-pega, gera um jogo de
bola nas mãos diferente, e o que é mais relevante, esse jogo revelará um pouco do
interior de cada um dos alunos que participaram ativamente no seu processo de
construção. Os alunos levarão para os jogos (mundo do jogo) seus desejos e
vontades advindas das motivações absorvidas e filtradas do mundo real. Portanto,
ao final de três aulas cada grupo terá inventado três novos jogos.
Já a etapa final será a de apresentação (passar o aprendeu ao demais -
devolução) dos grupos, pois cada um terá uma aula para ensinar, aos demais
grupos, os três jogos (um de bola nos pés, um de bola nas mãos e outro sem bola)
criados durante todo o processo. Importante que ao longo de todo o processo os
alunos são questionados pelo professor, no sentido q tomem consciência de suas
ações à medida que compreendem o que e porque fazem. E isso fica evidente
quando necessitam falar sobre o que fizeram e quando ensinam o que construíram
aos amigos, ou mesmo às outras turmas, como por exemplo, 8.ª série ensinando
seus jogos aos alunos da 4.ª série.
Ao final do processo temos os alunos devolvendo à sociedade um jogo
tradicional transformando, ressignificado, produto de interpretação de um grupo de
sujeitos históricos. Em outros temos um novo jogo (entendido enquanto produtos e
processo cultural) é inserido à cultura lúdica d universo social dos alunos.
Por fim, a avaliação será feita pelos próprios alunos, os quais poderão avaliar cada
um dos jogos inventados segundo alguns critérios preestabelecidos, como, por
exemplo, a organização do grupo ao explicar o jogo, se as regras do jogo estão
claras, o desenvolvimento do jogo, a motivação despertada, a criatividade.
No desenvolvimento do jogo-trabalho o professor pode criar inúmeras formas
de intervenções pedagógicas, desenvolvendo ações que podem se caracterizar mas
como intervenções ativas - diretas, ou mesmo passivas - indiretas.
Nas intervenções ativas o professor poderia, por exemplo, trazer um jogo
semi-pronto, com apenas algumas regras básicas determinadas, que fazem com
que o jogo inicie. O problema gerado por esse jogo será o de exigir que os alunos
construam regras de ação para atingirem os objetivos do jogo, consequentemente
22 Educação Física: Por que? Pra quê?
solucionando o problema. Com o decorrer do jogo, alunos e professore sentem,
inevitavelmente, necessidade de incluir mais regras no jogo, para que este possa
sempre estar renovando, oferecendo constantes novos desafios. Essas regras para
deixar o jogo mais fácil ou mais difícil caracterizam-se como uma adequação do jogo
no nível de habilidade do grupo. Essa adequação obviamente passará pelo nível de
interesse e motivação gerada pelo jogo, alicerçando às novas conquistas à medida
que tomam consciência de suas ações.
Já nas intervenções passivas ou indiretas, o professor se preocupa mais em
oferecer um problema aos grupos de alunos, como, por exemplo, construir um jogo
que utilize uma bola, as mãos, 6 cones e 4 alunos, e não um jogo semi pronto. Ou
seja, o professor procura criar um ambiente para que o jogo se desenvolva por meio
da direção e experiência anteriores (cultura lúdica), porém o professor cria esse
ambiente tendo claro que o processo por ele desencadeado terá grande
possibilidade de fazer os estudantes compreenderem a apreenderem determinados
conteúdos da Educação Física.
Portanto, ao final, pode-se perceber o quanto o jogo pode e deve ser objeto
de constante; e cada vez mais aprofundadas, investigação, para que nós
professores, bem como nossos alunos, possamos nos beneficiar de todas as suas
virtudes, potencializando aprendizados cada vez mais significativos e
contextualizados, que levem todos os envolvidos no processo à superação, e,
concomitantemente, à Educação Física ao seu devido Lugar.

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24 Educação Física: Por que? Pra quê?

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