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Contra a Heterossexualidade

Michael W. Hannon

Alasdair MacIntyre sugeriu uma vez que "fatos, assim como telescópios e perucas para cavalheiros,
são invenções do século XVII". Algo similar pode ser dito sobre orientação sexual: heterossexuais,
assim como máquinas de escrever e mictórios (também, obviamente, para cavalheiros), são invenções
da década de 1860. Contrário aos nossos preconceitos culturais e às mentiras do que é chamado de
"essencialismo de orientação", "hétero" e "gay" não são absolutos atemporais. Orientação sexual é
um jogo conceitual com uma história, e uma história sombria. E é uma história que começou muito
mais recentemente do que a maior parte das pessoas sabe, e que provavelmente vai acabar muito antes
que a maior parte das pessoas pensam.

Ao longo de vários séculos, o Ocidente tem abandonado progressivamente a arquitetura conjugal do


cristianismo para a sexualidade humana. Então, a cerca de 150 anos, começou a substituir a tradição
teleológica que existia há muito tempo por uma criação completamente nova: a taxonomia absolutista,
mas absurda, da orientação sexual. A heterossexualidade foi criada para servir como um ideal
regulatório dessa estrutura fantasiosa, preservando as proibições sociais contra a sodomia e outras
devassidões sexuais sem recorrer à natureza procriadora da sexualidade humana.

Nessa narrativa, os atos homossexuais não eram errados porque desprezam o propósito racional-
animal que tem o sexo (a família), mas porque o desejo por tais atos, supostamente, surge de uma
desordem psicológica repugnante. Como o teórico queer Hanne Blank relata, "esse novo conceito [da
heterossexualidade] apareceu de uma mistura bizarra de línguas mortas com sons impressionantes,
provendo à antigas ortodoxias novas e vibrantes concessões sobre a vida ao sugerir em tons
autoritativos que a ciência as pronunciou naturais, inevitáveis e inatas".

Orientação sexual não proveu uma base fidedigna para a virtude tal qual esperavam seus inventores,
principalmente mais recentemente. Não obstante, muitos cristãos conservadores hoje sentem que
devemos continuar a consagrar a divisão gay-hétero e o ideal heterossexual em nossa catequese
popular, porque ela ainda parece a eles como a melhor forma de fazer com que as nossas crenças
morais pareçam razoáveis a desejáveis.

Esses meus compatriotas cristãos estão errados ao se apegar tão fortemente à orientação sexual,
confundindo essa apologia inédita e infrutífera para a castidade com os fundamentos eternos desta.
Nós não precisamos de "heteronormatividade" para nos defendermos contra a devassidão. Muito pelo
contrário, a heteronormatividade é um obstáculo.

Foucault, um aliado inesperado, detalha a genealogia da orientação sexual em sua obra 'A História da
Sexualidade". Onde "sodomia" identificou por muito tempo um tipo de ações, pela primeira vez, de
repente, na segunda metade do século XIX, o termo "homossexual" apareceu junto com o primeiro.
Esse neologismo europeu foi usado de uma maneira que soaria para as gerações anteriores como um
puro erro de categoria, designando não ações, mas pessoas, assim também como sua contraparte
"heterossexual".

Psiquiatras e legisladores da segunda metade do século XIX, como relata Foucault, rejeitaram o
entendimento clássico de que "perpetrador" de atos de sodomia era "nada mais do que uma
nomenclatura jurídica para tais". Com o surgimento das sociedades seculares, e estas querendo
deslegitimar publicamente as crenças religiosas clássicas, a pseudociência veio a substituir a religião
como o fundamento moral para as normas venéreas. Para alcançar a estabilidade social sexual
secularista, os médicos da época forjaram o que Foucault chama de uma "ordem natural de
desordem".
"O homossexual do século XIX tornou-se um personagem", "um modelo de vida", uma "morfologia",
escreve Foucault. Essa identidade psiquiátrica pervertida, elevada ao status de "uma forma de vida"
mutante para se poder salvaguardar a sociedade educada de suas depravações, engoliu toda as
características atribuídas: "Nada daquilo que ele [o homossexual] é, no fim das contas, escapa à sua
sexualidade. Ela está presente nele todo: subjacente a todas as suas condutas já que ela é o princípio
insidioso e infinitamente ativo das mesmas".

Os imprudentes aristocratas que encorajaram essas inovações médicas mudaram a medida da


moralidade pública, ao substituir a natureza humana com as nuances da religião pela opção secular
mais segura das paixões individuais. Assim, eles foram obrigados a trocar a vigorosa tradição do
direito natural pelo recém construído modelo de "normalidade psíquica", com a "heterossexualidade"
servindo como o novo normal para a sexualidade humana. E, o que era previsível, tal padrão vago de
normalidade oferecia uma sustentação muito mais frágil para a ética sexual do que a tradição clássica
do direito natural.

Porém, o fato desse novo modelo ter sido enfatizado serviu para consolidar essas categorias de
heterossexualidade e homossexualidade no imaginário popular. "A homossexualidade apareceu como
uma das formas da sexualidade", relata Foucault, "quando foi transposta, da prática da sodomia, para
uma espécie de androgenia interior, um hermafroditismo da alma. O sodomita era uma aberração
temporária, agora o homossexual é uma espécie". Orientação sexual, assim, não é nada a mais que
um frágil constructo social, e um construído de forma terrivelmente recente.

Enquanto a nossa cultura popular ainda não chegou aí, os teóricos queer cada vez mais dão as cartas
no nível das elites e já concordam com Foucault nesse assunto. Esses pensadores ecoam o pensamento
herético (do ponto de vista LGBT) de Gore Vidal: "Na realidade, não existe algo como uma pessoa
homossexual, assim como não existe algo como uma pessoa heterossexual". De fato, a divisão natural
fixa entre as duas identidades tem se mostrado útil para os ativistas dos "direitos gays" em campo e
não menos importante para o ethos de direitos civis que tais dinâmicas de poder invocam. Mas a
maior parte dos teóricos queer, assim como a maior parte dos acadêmicos das diferentes humanidades
e disciplinas sociais e comportamentais hoje, vão admitir que tais distinções são apenas constructos
fluidos. Muitos desses campos tentam expor as credenciais falsas da orientação sexual e,
parafraseando Nietzsche, para explica-las de forma genealógica de uma vez por todas.

Jonathan Ned Katz, um historiador da sexualidade da esquerda radical que ensinou em Yale e na New
York University captura muito bem tal consenso da teoria queer em sua obra 'A Invenção da
Heterossexualidade', em que ele explica: "Eu falo da invenção histórica da heterossexualidade para
contestar firmemente a nossa comum suposição de uma heterossexualidade eterna, para sugerir uma
condição histórica, instável e relativa a uma ideia e uma sexualidade que geralmente supomos terem
sido gravadas na pedra há muito". E ele continua: "Ao contrário das biocrenças de hoje, o binário
heterossexual-homossexual não reside na natureza, mas é socialmente construído, portanto
desconstruível".

Meu prognóstico é que veremos esse binário completamente desconstruído ainda na geração atual.
Mas a meu ver, nós que propomos a castidade cristã deveríamos ver essa destruição iminente da
ruptura gay-hétero não como uma tragédia, mas como uma oportunidade. Mais que isso, eu quero
sugerir que deveríamos nos empenhar pela dissolução da orientação sexual dentro das nossa próprias
esferas subculturais sempre que possível.

Obviamente, tendo em vista a nossa imersão numa cultura para a qual essas categorias parecem tão
naturais quanto a própria língua, desenraizá-los do nosso próprio vocabulário e cosmovisão será uma
tarefa nada fácil. Por que se importar então? Contando que não sucumbamos aos atos pecaminosos,
do que importa se as pessoas (inclusive os cristãos) continuam a se identificar como homossexuais e
heterossexuais?

Primeiramente, dentro do essencialismo da orientação sexual, a distinção entre heterossexualidade e


homossexualidade é uma construção que é desonesta sobre sua própria condição de construção. Essas
classificações são mascaradas como categorias naturais, aplicáveis a todas as pessoas de todos os
tempos e lugares de acordo com os objetos típicos de seus desejos sexuais (porém, talvez, com
algumas opções a mais para os categorizadores politicamente corretos). Ao alegar não ser
simplesmente uma invenção acidental do sec. XIX, mas uma verdade atemporal sobre a natureza
sexual humana, essa acepção sobrevalorizada ilude àqueles que adotam seus rótulos, que acreditam
que tais distinções são mais importantes do que realmente são.

Uma segunda razão para se duvidar desse esquema como algo que nós cristãos deveríamos usar
prontamente é que sua introdução em nosso discurso sexual claramente não aumenta as virtudes,
sejam intelectuais ou morais, daqueles que empregam tais conceitos. Pelo contrário, ele tem criado
tanto uma obscuridade intelectual quanto um desequilíbrio moral.

Quanto ao primeiro, o essencialismo de orientação tornou a filosofia ética quase impossível: deslocou
os princípios conjugais-procriativos de castidade sem oferecer nenhuma alternativa que não seja
inteiramente arbitrária. A antiga perspectiva teleológica mensurava a moralidade nos termos da
natureza racional-animal humana. No campo sexual, isso significava avaliar atos sexuais em
referência ao bem comum do matrimônio, que integrava a união conjugal e a geração e criação de
filhos. O novo sistema heteronormativo, por outro lado, não tem como explicar a depravação da
sodomia homossexual a não ser por um argumento engasgado, condicionado e sem fundamentos que,
não sendo justificado, se enfraqueceu consideravelmente ao longo do tempo.

Quanto ao segundo resultado, o desequilíbrio moral, a hegemonia da orientação sexual tem, de forma
contraproducente, redirecionado nossa atenção cotidiana dos propósitos objetivos para as paixões
subjetivas. Os jovens, por exemplo, hoje encontram-se regularmente em angústia sobre suas
identidades sexuais e em autocomiseração por tentativas de discernir seus lugares nesse supostamente
natural diagrama de orientações de Venn. Essas obsessões geram muito mais calor do que luz e fazem
adolescentes já sexualmente excitados se concentrarem nas dimensões extrínsecas de suas próprias
constituições sexuais. Essa auto-busca se torna ainda mais desnecessariamente dolorosa para aqueles
que veem em si uma "orientação homossexual", ao adotarem uma identidade que se distingue
essencialmente por um conjunto de desejos sexuais que não podem ser moralmente satisfeitos.

Há uma terceira razão pela qual essa categorização deveria ser descartada, esta, teológica: É oposta à
liberdade para a qual Cristo nos libertou. Meu futuro superior na vida religiosa, Pe. Hugh Barbour
dos Padres Norbertinos, argumentou sobre essa ideia num ensaio na Chronicles Magazine, intitulado
'Do Homosexuals Exist? Or, Where Do We Go from Here?' (Existem homossexuais? Ou, Para Onde
Vamos?). Como ele argumenta, "a teologia moral tradicional avaliava atos, e não generalizava de
forma demasiadamente insatisfatória acerca das tendências que levavam a esses atos. Isso era deixado
para a casuística das ocasiões de pecado e para a direção espiritual. Se o pecado fosse roubo, então o
padrão de avaliação era cleptomania? Se fosse bebedice, alcoolismo? Se fosse preguiça, depressão
clínica?" Mesmo os cristãos ortodoxos, ele escreve,

"cederam ao costume de tratar inclinações sexuais como identidades. Pastoralmente, deveríamos


pregar a liberdade para a qual Cristo nos libertou. Ao tratarmos do pecado de sodomia como uma
prova prima facie de uma identidade, não estamos, sob uma aparência externa de compaixão e
sensibilidade, ajudando a vincular o pecador à sua inclinação de pecado e, assim, jogando nele um
fardo demasiado grande de se carregar sozinho, já que não podemos levar por ele?"
Autodescrever-se como "homossexual" tende a multiplicar ocasiões de pecado para aqueles que
adotam o rótulo ao provocar, nas palavras do Padre, uma desnecessária "dramatização da tentação".
Onde a infusão de virtudes teologais libertam o cristão, identificá-lo como homossexual apenas
escraviza mais o pecador. Intensifica a concupiscência, uma triste distorção do amor, ao amplificar o
sentido aparente dos desejos lascivos. Fomenta uma autopiedade desesperante, prejudicando a
esperança, que deveria motivar virtudes morais. Além de encorajar um forte senso de direito, o que
geralmente enfraquece a obediência da fé ao exigir a destruição das doutrinas que parecem reprimir
"quem eu realmente sou".

Há um punhado de contra-exemplos louváveis para esse padrão desencorajante, pessoas que se


identificam como "cristãos gays" que são tanto virtuosos, como fiéis aos ensinamentos da Igreja. Mas
dada a tensão inerente entre a narrativa cristã e lógica da orientação sexual, não seria uma surpresa se
esses louváveis isolados que tentam combinar essas duas tradições inconsonantes são a exceção e não
a regra.

Batizar a identidade homossexual é repleto de perigos evitáveis. E ainda, no que diz respeito ao maior
mal causado pelo binário da orientação sexual, a homossexualidade não é a culpada. A
heterossexualidade a é (não que os dois males estejam separados, obviamente). Os aspectos mais
perniciosos do sistema identitário da orientação é que ele tende a isentar os heterossexuais de qualquer
avaliação moral. Se a homossexualidade nos vincula ao pecado, a heterossexualidade nos cega para
o pecado.

Não há questão de que alguns "heterossexuais" moralmente autoconscientes existam. Todavia, como
regra geral, identificar-se como uma pessoa heterossexual hoje em dia corresponde a declarar-se um
membro do "grupo normal", contra o qual todos os desejos sexuais e atrações desviantes devem ser
medidas. Essa heteroidentificação induz, portanto, a uma autoconfiança pateticamente acrítica e (não
preciso nem dizer) sem merecimento, além de uma medida imprecisa para avaliar a tentação.

Naturalmente, nós temos uma norma que nos é modelo para a avaliação dos desvios sexuais. Porém
esse modelo não é a heterossexualidade, é o próprio Cristo Jesus, o Deus-homem que tanto
aperfeiçoou a natureza humana, quanto exemplificou sua perfeição, "aquele que em tudo foi tentado,
porém não pecou". Que os autodeclarados heterossexuais substituam o Senhor em tal posição é o
cúmulo da sandice.

É verdade que a homossexualidade pode ser distinguida por um inadequado desespero, ao se aceitar
inclinações pecaminosas como constituintes de identidade e portanto, implicitamente, rejeitar a
liberdade comprada para nós pelo sangue de Cristo. Mas a heterossexualidade, em suas pretensões de
agir como norma para avaliar os nossos hábitos sexuais, é marcada por algo ainda pior: a Soberba,
que São Tomás de Aquino classifica como a rainha de todos os vícios.

Existem razões práticas para ter cuidado com a heterossexualidade também. Pelo fato de que o nosso
mundo pós-freudiano associa qualquer atração física e afeição interpessoal com o desejo erótico-
genital, a amizade íntima entre pessoas do mesmo sexo e um casto apreço pela beleza do próprio sexo
têm se tornado quase impossíveis de se alcançar (inclusive, Freud foi um dos mais influentes
arquitetos desse vicioso mito essencialista da orientação).

Para "heterossexuais" em particular, aproximar-se de um amigo do mesmo sexo acaba parecendo


perverso e ser tocado por sua beleza parece esquisito. Para evitar serem confundidas como gays, essas
muitas pessoas autoproclamadas heterossexuais, especialmente os homens, se contentam com
associações superficiais com seus camaradas e reservam o tipo de intimidade valiosa que
originalmente caracterizava um relacionamento casto entre pessoas do mesmo sexo apenas aos seus
parceiros românticos. Sua orientação sexual ostensivamente normal os rouba um aspecto essencial
do florescimento humano: a amizade profunda.

Os mais antigos usos do termo "heterossexualidade" conferem maiores motivos para duvidar se
devíamos celebrar essa ideia de forma tão entusiástica. É fato que até o final do século XIX, o rótulo
algumas vezes era usado meramente para denotar o "sexo normal". Obviamente ainda tendemos a
usar o termo dessa forma hoje e, como estou argumentando, isso é tragicamente confuso.

Mas outro proeminente significado do termo mais ou menos da época de sua invenção, incluindo o
seu uso mais antigo registrado em inglês, em 1892, continua a orientar a nossa concepção distorcida
de sexualidade humana, ainda que essa definição secundária tenha saído de moda. Nessa definição
alternativa, a palavra não designa o "sexo normal", mas apenas uma espécie diferente de desvio
sexual, como a contraparte homossexual em seu desdém pela reprodução, mas diferente no sentido
do objeto típico de suas inclinações eróticas.

A infeliz história do termo "heterossexual" que temos escolhido esquecer é que esse termo chegou ao
vernáculo ocidental como um rótulo para uma desordem de perversão sexual que se deleitava em atos
sexuais essencialmente estéreis. Geralmente esses desejos eram para pessoas de sexo opostos, mas
até mesmo essa linha era turva, porque, uma vez que o propósito gerativo do sexo foi rompido, de
forma geral importava muito pouco quem era o parceiro de masturbação mútua do "heterossexual".

Nossos antepassados cristãos ficariam chocados com a nossa complacência com a questão da
orientação sexual. A única razão pela qual todo esse programa não nos alarma como faria a eles é que
fomos sistematicamente indoutrinados nele desde crianças, especialmente nossos jovens adultos.
Porém, façamos uma analogia com algo ainda não tão familiar para nós. Consideremos como
reagiríamos se um outro tipo de categoria adentrasse o nosso vocabulário cultural.

A revista online Slate recentemente publicou um artigo intitulado 'Is Polyamory a Choice?' [Poliamor
é uma Escolha?], o qual argumentava que, além de inclinações em direção a homens ou mulheres,
pode também haver constituições de orientação sexual no que diz respeito a uma fidelidade (e
infidelidade) inata e imutável.

Imagine se as pessoas que se antevêem ser mais satisfeitas romanticamente por uma exclusividade
sexual compromissada comecem a se identificar como "fiéis", enquanto aqueles que geralmente ficam
mais empolgados com a perspectiva de uma promiscuidade sexual irrestrita comecem a se identificar
como "infiéis". Não acharíamos que isso é problemático, especialmente quando mulheres e homens
cristãos começarem a adotar a segunda definição para si, até mesmo exibindo o fato de que são
"infiéis" como motivo para não se casar, já que eles não seriam suficientemente satisfeitos pela vida
sexual para a qual estariam se comprometendo através dos votos matrimoniais?

"Infidelidade" obviamente está no papel da homossexualidade nessa analogia. Mas, mesmo que
consideremos o número de parceiros sexuais ou a orientação de alguém, como não nos chocar quando
os nossos irmãos cristãos adotam uma identidade para si que se distingue essencialmente do seu
contraste por nada além de um tipo particular de tentação ao pecado? Isso é o oposto à liberdade
cristã. É claro que todos nós estamos caídos e somos tentados e temos necessidade da ajuda divina.
Mas enquanto continuamos a lutar contra essas tentações pecaminosas, a libertação das correntes do
pecado, que nos reivindica como sua posse, nos foi dada em Cristo Jesus.

Nós não pertencemos mais às nossas transgressões. Então por que criar identidades para nós mesmos
usando o pecado como critério? Eu não me importo com o quanto a promiscuidade possa ser atraente
para você. Você enfaticamente não é "um infiel". É certo que poderíamos construir socialmente
categorias que possam tornar essa forma de falar parecer óbvia e inata. Mas se o cristão fizer isso ou
participar voluntariamente de uma estrutura assim, se esta for construída ao redor dele, ele estaria
severamente enganado.

Eu não sou o meu pecado. Eu não sou a minha tentação ao pecado. Pelo sangue de Jesus Cristo eu fui
libertado dessa amarra. Eu posso ter todos os tipos de identidade, com certeza, especialmente nesta
nossa época desequilibradamente super-psicanalítica. Mas, no mínimo, nenhuma dessas identidades
deveriam ser essencialmente definidas pela minha atração ao que me separa de Deus.

O outro lado dessa hipótese inspirada pelo Slate traz à luz os males peculiares da heterossexualidade.
Além da nossa justificada desaprovação dos cristãos que desesperadamente se identificassem como
"infiéis", não haveria algo ainda mais absurdo e depravado na vaidosa autoidentificação de cristãos
como "fiéis"? Coloquemos da seguinte forma: O fato de que os meus desejos eróticos tendem a tomar
somente uma única pessoa como objeto, ao invés de um vasto coletivo, necessariamente aponta para
alguma qualidade moral inerente da minha parte? Aliás, será que sequer sinaliza que os meus desejos
são virtuosos, ou será que simplesmente indica que por um acaso eu não sou fortemente tentado a um
entre vários outros potenciais abusos lascivos? Assim como as pessoas chamadas "fiéis", os
indivíduos "heterossexuais" não são arquétipos perfeitos de castidade apenas porque evitam "a
armadilha incasta da última semana".

No entanto, apesar da falta de lógica disso tudo, as "pessoas hétero" tendem a receber mais vantagens
sociais de sua definição sexual, o que torna o desmantelamento do esquema da orientação sexual uma
ameaça maior a eles do que às suas contrapartes "gays" ou "lésbicas". Como Jenell Williams Paris da
Messiah College escreve em seu livro 'The End of Sexual Identity' [O Fim da Identidade Sexual],
"Ter a nossa humanidade mais do que categorias contemporâneas de identidade sexual como o
fundamento para a ética sexual (…) vem com um custo para os heterossexuais", porque "coloca-os
no jogo como jogadores ao invés de árbitros". No entanto, e por isso mesmo, são os autoproclamados
heterossexuais que podem se tornar mais efetivos em assumir a vanguarda em investir contra o
sistema de orientação sexual, sacrificando seu manto de segurança anticristão que é a
"heterossexualidade" em nome do caritas in veritate [amor na verdade].

Ainda, se nós cristãos escolhermos nos juntar a esse entendimento ou não, com o tempo, o conceito
de orientação sexual inevitavelmente vai sair de moda e perder a relevância. A nossa escolha é
simplesmente se queremos ou não o mesmo para nós. Uma razão óbvia para seu ocaso inevitável é
que os sentimentos são consideravelmente mais inconstantes do que os primeiros proponentes e
agitadores psicossociais acreditavam. Suas categorias rígidas e definitivas se mostraram insuficientes
diante das evidências empíricas.

Um segundo fator para o declínio da orientação sexual é que essas categorias hétero e homo não têm
como sustentar logicamente as normas sexuais para as quais foram criadas. Os essencialistas de
orientação originais não conseguiram nem oferecer uma razão coerente para defender a
heterossexualidade em detrimento da homossexualidade, o que era o alicerce de sua posição. Sem
mais nada, além de sensibilidades herdadas e uma ordem arbitrária, sua medida heteronormativa
falhou onde sua antecessora procriadora tinha sucedido por séculos, em oferecer razões íntegras para
as normas.

Falhas filosóficas condenaram a iniciativa da orientação sexual em toda a sua existência. Como o
inadequado padrão heteronormativo deixa inteiramente intocadas várias instâncias lascivas entre
pessoas de sexo oposto, pecados anteriormente considerados mortais, como a auto-satisfação egoísta,
a pornografia, a fornicação, a contracepção e a sodomia masculina-feminina, foram progressivamente
tolerados. No entanto, tendo em vista todas essas injunções citadas, compreensivelmente, começou a
parecer inconsistente e portanto preconceituoso continuar insistindo em proscrições de práticas
desviantes entre pessoas do mesmo sexo. A estrutura de orientação essencialista, que deveria ser uma
defesa infalível contra a libertinagem homossexual, tornou-se assim a arma mais forte em seu arsenal.

O que nos leva à razão final e talvez mais surpreendente pela qual o conceito de orientação sexual vai
cair: este quase esgotou sua utilidade política, algo que sempre teve uma data de validade. O plano
dos conservadores morais do século XIX para a orientação saiu pela culatra, obviamente, quando o
que se supunha serem condições psiquiátricas normativamente desiguais se tornaram identidades
psicológicas moralmente indistinguíveis.

Entretanto, nem o liberalismo tem muito mais a ganhar com isso, já quem entre os casos Romer v.
Evans, Lawrence v. Texas, United States v. Windsor e o ENDA [Em tradução livre: Ato Não-
Discriminatório Empregatício], pouquíssimos casos de "direitos gays" ainda restam a ser resolvidos.
O conceito de orientação ainda pode ter alguns poucos anos de capital político, mas muitos
progressistas já ostentam que poderiam abandonar o mito das categorias naturais sem maiores
problemas, tendo iniciado recentemente uma irresistível tendência liberadora que continuará a
avançar com ou sem as categorias. Mais cedo ou mais tarde, esses pronunciamentos dos teóricos
queer vão deixar suas torres de marfim e se tornarão também uma ortodoxia cultural.

Embora eu espere que muitos pensadores cristãos conservadores achem Foucault um estranho aliado,
quero sugerir que o nossa cobeligerância com a esquerda radical neste assunto deveria ser
entusiástico, embora também circunscrita cuidadosamente. Em essência, deveríamos ficar contentes
ao juntar nossas vozes às dos teóricos queer pós-estruturalistas em suas vigorosas críticas aos
ingênuos essencialistas da orientação sexual, que erroneamente pensam que "hétero" e "gay" são
classificações naturais, neutras e atemporais.

Seu historicismo desiludido faz com que esses genealogistas sexuais se posicionem de forma singular
de modo a enxergar os enganos e ilusões da orientação sexual. Enquanto nós cristãos não precisamos
desse discurso da teoria queer de alguma forma essencial, ele pode, no entanto, de uma forma
acidental, provar nos ser um grande aliado no presente. Ironicamente, esses esquerdistas radicais
podem ser os únicos que podem curar a cegueira que, por falta de prudência, ultimamente nos
infligimos ao adotar de forma acrítica a linguagem da hétero e da homossexualidade.

No entanto, embora possamos e devamos recomendar o diagnóstico dos teóricos queer sobre a
absurdidade que infesta as nossas categorias sexuais hoje, não podemos, contudo, aderir ao seu plano
de tratamento. Jonathan Ned Katz, Hanne Blank e outros teóricos queer contemporâneos de forma
geral pretendem retratar de forma genealógica o rígido esquema da orientação sexual precisamente
porque acreditam que isso lhes dará a liberdade e o poder de fazer, desfazer e refazer sua sexualidade
como bem entenderem.

Eles querem desmantelar esses constructos sociais falidos não para que algo possa ser construído no
lugar (ou, talvez, redescoberto meio ao entulho), mas porque eles esperam alcançar um nível ainda
maior de libertinagem do que o que temos hoje, mesmo que o preço para isto seja ter que endossar
uma espécie chula de niilismo sexual. Ressoando Dostoiévski, esses radicais gostariam de acreditar
que se a orientação sexual não existe, então todas as coisas são possíveis.

O cristão não pode segui-los ladeira abaixo nesse caminho miserífico, obviamente. Mas ele tampouco
pode, eu acredito, permanecer contentado com a enganosa e condenada taxonomia de orientação de
orientação sexual que temos hoje. Lembrem-se do que estou dizendo: os teóricos queer darão um
jeito de desmantelar a coisa em pouco tempo. Até a nossa cultura popular está começando a mostrar
sinais de estresse aqui. A lista (de roupas pra lavar) cada vez maior de orientações demonstram a
insuficiência dessas categorias nítidas e discretas. E o conceito agora familiar de "hasbian" sugere
que essas identidades são bem menos estáticas do que antes fomos levados a acreditar (lembre-se, por
exemplo, da nossa ex-homossexual, recente primeira dama de Nova Iorque).

A questão é quando essa estrutura de orientação sexual ruir, o que virá para tomar seu lugar: a ética
niilista do tudo-liberado dos teóricos queer; ou a visão cristã clássica da qual tudo isso se afastou, a
visão que toma o princípio conjugal-procriativo como sua finalidade e princípio organizador,
avaliando as paixões em detrimento da natureza e não vice-versa?

Defender a castidade cristã hoje, penso eu, é dissociar a Igreja do falso absolutismo da identidade
baseada na tendência erótica, e redescobrir o nosso próprio fundamento antropológico para princípios
morais tradicionais. Se não quisermos sermos perder a relevância junto com os essencialistas de
orientação modernos, precisamos lembrar ao mundo que a nossa ética sexual nunca se adaptou à
estrutura moderna mesmo, e que, portanto, abandonar a estrutura não precisa levar à libertinagem
niilista pós-moderna. Existe um terreno mais firme ao se aderir à tradição cristã clássica. Na verdade,
parece-me o único lugar que ainda dá pra ficar.

A Bíblia nunca chamou a homossexualidade de abominação. E nem poderia, pois como vimos, o
Levítico precede qualquer concepção de orientação sexual por pelo menos dois milênios. O que a
Escritura condena é a sodomia, independente de quem a comete ou por quê. E ainda, como tenho dito,
em nossa própria época, a homossexualidade merece o rótulo de abominável, mas a
heterossexualidade também.

No que concerne à moralidade sexual, já estamos no ponto onde não é mais suficiente criticarmos as
respostas medíocres da modernidade. Como o nosso Senhor nas narrativas dos evangelhos, também
devemos corrigir as perguntas medíocres ou insatisfatórias que a modernidade faz. Ao invés de nos
debater na problemática de como viver como "um cristão homossexual", ou também, a ainda mais
problemática questão de como viver como um "cristão heterossexual", deveríamos estar ensinando
os nossos irmãos cristãos, especialmente os que estão em seus anos mais formativos da adolescência,
que não vale a pena usar essas categorias.

Elas são invenções recentes que são totalmente alheias à nossa fé, inadequadas para justificar normas
sexuais e contraditórias a uma verdadeira antropologia filosófica. Chegou a hora de erradicarmos a
orientação sexual da nossa cosmovisão da forma mais sistemática que pudermos, com toda a devida
prudência aos casos particulares, é claro.

Se o Papa Francisco está certo quando diz que contextualizar o nosso discurso moral é um pré-
requisito necessário para nos mostrarmos convincentes (e até mesmo inteligíveis) aos nossos
interlocutores, então abandonar a heteronormatividade e ressuscitar a nossa própria tradição de
castidade teleológico-familiar é a única forma de explicar adequadamente a ética sexual cristã.

Michael W. Hannon, escreve para a revista First Things e está se preparando para entrar na vida
religiosa com os Norbertinos da St. Michael's Abbey em Orange County, nos Estados Unidos.
Tradução de Rafael de Oliveira Faria.

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