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A infinitude de Deus

Duns Scot

A infinitude
de Deus
Edição bilíngüe

Tradução:
Carlos Nougué
A infinitude de Deus, Duns Scot
© Editora Concreta, 2017

Título original:
Lectura, I, Distinctio 2, Pars 1
Quaestio 1 - utrum in entibus sit aliquod ens actu infinitum

Os direitos desta edição pertencem à


Editora Concreta
Rua Barão do Gravataí, 342, portaria – Bairro Menino Deus – CEP: 90050-330
Porto Alegre – RS – Telefone: (51) 9916-1877 – e-mail: contato@editoraconcreta.com.br
Editor:
Renan Martins dos Santos
Coordenador editorial:
Sidney Silveira
Tradução:
Carlos Nougué
Revisão:
Emílio Costaguá
Capa & Diagramação:
Hugo de Santa Cruz

Ficha Catalográfica
Scot, Duns, 1266-1308
D926a A infinitude de Deus / tradução de Carlos Nougué, edição de Renan Santos. –
Porto Alegre, RS: Concreta, 2017.
80p. :p&b ; 16 x 23cm

ISBN 978-85-68962-05-3

1. Teologia. 2. Filosofia. 3. Filosofia medieval. 4. Metafisica. 5. Cristianismo. 6. Catoli-


cismo. 7. Espiritualidade. I. Título.

CDD-230.2

Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer


reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica
ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer meio.

www.editoraconcreta.com.br
C OL EÇ ÃO ESC OL Á S T IC A

F
oram características marcantes do período escolástico a elevação da
dialética a um cume jamais superado – antes ou depois, na história
da filosofia –, o notável apuro na definição de termos e conceitos,
a clareza expositiva na apresentação das teses, o extremo rigor lógico nas
demonstrações, o caráter sistêmico das obras, a classificação das ciências a
partir de um viés metafísico e, por fim, a existência duma abóboda teológica
que demarcava a latitude e a longitude dos problemas esmiuçados pela ra-
zão humana, os quais abarcavam todos os hemisférios da ordem do ser: da
materia prima a Deus.
O leitor familiarizado com textos de grandes autores escolásticos, como
Santo Tomás de Aquino, Duns Scot, Santo Alberto Magno e outros, estranha
ao deparar com obras de períodos posteriores, pois identifica perdas de cunho
metodológico que transformaram a filosofia num enorme mosaico de idéias
esparzidas a esmo, nos piores casos, ou concatenadas a partir de princípios
dúbios, nos melhores. A confissão de Edmund Husserl ao discípulo Eugen
Fink de que, se pudesse, voltaria no tempo para recomeçar o seu edifício feno-
menológico serve como sombrio dístico do período moderno e pós-moderno:
o apartamento entre filosofia e sabedoria – entendida como arquitetura em
ordem ao conhecimento das coisas mais elevadas – acabou por gerar inúmeras
obras malogradas, mesmo quando nelas havia insights brilhantes.
Constatamos isto em Descartes, Malebranche, Espinoza, Kant, Hegel,
Schopenhauer, Nietzsche, Husserl, Heiddegger, Ortega y Gasset, Wittgens-
tein, Sartre, Xavier Zubiri e vários outros autores importantes cujos princípios
filosóficos geraram aporias insanáveis, verdadeiros becos sem saída.
Na prática, o filosofar que se foi cristalizando a partir do humanismo renas-
centista está para a Escolástica assim como a música dodecafônica, de caráter
atonal, está para as polifonias sacras. Em suma, o nobre intuito de harmonizar
diferentes tipos de conhecimento foi, aos poucos, dando lugar à assunção da
desarmonia como algo inescapável. As conseqüências desta atitude intelectual
fragmentária e subjetivista, seja para a religião, seja para a moral, seja para a
política, seja para as artes, seja para o direito, foram historicamente funestas,
mas não é o caso de enumerá-las neste breve texto.
Neste ponto, vale advertir que a Coleção Escolástica, trazida à luz pela editora
Concreta em edições bilíngües acuradas, não pretende exacerbar um anacrônico
confronto entre o pensar medieval e tudo o que se lhe seguiu. O propósito maior
deste projeto é o de apresentar ao público brasileiro obras filosóficas e teológicas
pouco difundidas entre nós, não obstante conheçam edições críticas na grande
maioria das línguas vernáculas. Tal lacuna começa a ser preenchida por iniciati-
vas como esta, cujo vetor pode ser traduzido pela máxima escolástica bonum est
diffusivum sui (o bem difunde-se por si mesmo). Ocorre que esta espécie de bens,
para ser difundida, precisa ser plantada no solo fértil dos livros bem editados.
No mundo ocidental contemporâneo, plasmado de maneira decisiva na lon-
gínqua dúvida cartesiana, assim como nos ceticismos de todos os tipos e matizes
que se lhe seguiram; mundo no qual as certezas são apresentadas como uma es-
pécie de acinte ou ingenuidade epistemológica; mundo que se despoja de suas
raízes cristãs para dar um salto civilizacional no escuro; mundo, por fim, desfigu-
rado pelas abissais angústias alimentadas por filosofias caducas de nascença; em
tal mundo, não nos custa afirmar com ênfase entusiástica o quanto este projeto
foi concebido sem nenhum sentimento ambivalente. Ao contrário, moveu-nos a
certeza absoluta de que apresentar o Absoluto é um bálsamo para a desventurada
terra dos relativismos.
Vários autores do período serão agraciados na Coleção Escolástica com
edições bilíngües: Santo Tomás de Aquino, São Boaventura, Santo Anselmo
de Cantuária, Santo Alberto Magno, Alexandre de Hales, Roberto Grossetes-
te, Duns Scot, Guilherme de Auvergne e outros da mesma altitude filosófica.
Em síntese, a Escolástica é uma verdadeira coleção de gênios. Procurare-
mos demonstrar isto apresentando-os em edições cujo principal cuidado será
o de não lhes desfigurar o pensamento.
Que os leitores brasileiros tirem o melhor proveito possível deste tesouro.

Sidney Silveira
Coordenador da Coleção Escolástica
Sumário

Apresentação  
1. Duns Scot e a condenação de Paris em 1277 9
2. A infinitude divina como ápice da metafísica 14

A INFINITUDE DE DEUS
Questão 1  21
Bibliografia citada  75
Joannis Duns Scoti Opera omnia  77
Apresentação

Infinitude, espelho da
simplicidade divina
SIDNEY SILVEIRA

1. Duns Scot e a condenação de Paris em 1277

A
metafísica dá uma guinada histórica a partir dos problemas termino-
lógicos e conceptuais suscitados por Duns Scot. Estamos, pois, diante
do autor que assimila a tradição filosófica precedente para reorientá-la
em suas linhas gerais, sem nunca perder de vista as condenações ao averroísmo
latino – e também ao tomismo i – levadas a cabo em 1277 por autoridades da
Igreja Católica. ii Nas palavras de Éttienne Gilson, neste fatídico ano muda por

iQue, em seu nascedouro, lutava contra adversários renhidos para afirmar-se.


iiCf. Guillermo Fraile, Historia de la Filosofía, Tomo II, Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos
(B.A.C.), 1960, p. 1081. Hoje se sabe que o Papa João XXI (1215-1277) – o filósofo e médico por-
tuguês Pedro Hispano – mandou o bispo de Paris, Éttienne Tempier, levar adiante uma investigação
acerca dos erros doutrinais que, segundo os rumores da época, estavam sendo propagados na Univer-
sidade de Paris. Tempier reuniu uma comissão de dezesseis teólogos, entre os quais estava o afamado
Henrique de Gand, e estes produziram a base do texto que, em março de 1277, condenou 219
teses defendidas pelos mestres da Faculdade de Artes de Paris. Ocorre que algumas das formulações
censuradas atingiam, de maneira direta ou indireta, o pensamento de Santo Tomás, e não apenas as
teses destes professores de Artes (trivium e quadrivium) ainda sem qualificação em Teologia Sagrada,
na sua maioria.
10 Duns Scot

completo o caráter do pensamento medieval, no seguinte sentido: após curta


lua-de-mel, teologia e filosofia constatam que o seu casamento fora um erro, e,
ao fazerem a separação de corpos, sem tardar procedem à separação de bens. iii
Em suma, a obra do Doutor Sutil lança por terra o conceito de philosophia
ancilla theologiae, iv o qual passa a sobreviver, historicamente, nos perímetros
da escola tomista. Os ziguezagueantes caminhos do pensamento moderno
abrem-se com este divórcio entre filosofia e teologia, razão pela qual não erra
quem vê em Duns Scot o seu genuíno precursor.
A nova era erige-se a partir da idéia de incomunicabilidade entre ciência e
fé, como se entre estas duas realidades houvesse um perímetro formalmente
intransponível. No caso de Scot, convém lembrar que a fonte próxima da
qual se vale para levar adiante a separação entre metafísica e teologia é São
Boaventura. Em breves palavras, ele aprofunda a distinção estabelecida por
seu precursor franciscano entre filosofia, conhecimento certo do investigável,
e teologia, conhecimento piedoso do crível. v Neste ponto, não obstante Scot
procure salvar o estatuto epistemológico da teologia, afirmando dela que é
ciência, circunscreve-a como saber puramente prático e refuta por completo
a idéia de que possa tratar-se de saber especulativo. vi Embora contempora-
neamente alguns estudiosos da escola scotista defendam que o autor medieval
assinalara o caráter prático da teologia para salvaguardar as suas virtualidades

iiiÉttienne Gilson, La Philosophie au Moyen Age. Des origines patristiques à la fin du XIVème siècle,
Paris, Payot, 1944, p. 605.
iv “A filosofia é serva da teologia”.
v São Boaventura estabeleceu uma dicotomia entre a falibilidade da razão e a infalibilidade da fé,
com o bem-intencionado propósito de enfatizar a superioridade da teologia sobre a filosofia. Em
síntese, o Doctor Seraphicus acreditava que a filosofia separada da teologia destruía a si mesma numa
tríplice ordem: natural, intelectual e moral. Cf. Battista Mondin, Storia della Metafisica, Volume 2,
Edizioni Studio Domenicano, Bologna, Itália, 1998, p. 638. O intuito de Boaventura era reprovar
qualquer saber humano que aspirasse a conhecer a verdade de maneira autônoma com relação à
fé, porém ele o levou adiante de tal modo que acabou por abrir um hiato decisivo entre os saberes
filosófico e teológico. O grande Doutor franciscano não pretendia condenar a filosofia em si mesma,
diga-se, mas sim as impropriedades e os abusos nos quais pudesse incorrer. Em suas próprias palavras,
"não convém mesclar a água da filosofia com o vinho da Sagrada Escritura de modo que este último
se transforme em água; isto seria um péssimo milagre" (non igitur tantum miscendum est de acqua
philosophiae in vinum sacrae Scripturae, quod de vino fiat acqua; hoc pessimum miraculum esset). São
Boaventura, Collationes in Hexamerum, XIX, n. 14. Este declarado temor de Boaventura de mistu-
rar espuriamente filosofia e teologia deixará profundas marcas na alma de Duns Scot. Daí para este
último estabelecer uma separação rígida entre ambas não custará muito. A respeito deste complexo
tema, ver Gérard Sondag, Duns Scot: La théologie comme science pratique – Prologue de la “Lectura”,
Vrin, Paris, 1996, pp. 75-90.
vi Duns Scot trata da teologia como ciência prática na quarta parte do “Prólogo” da Lectura e na
quinta parte do “Prólogo” da Ordinatio.
A infinitude de Deus · Apresentação 11

teoréticas, vii o fato é que o hiato estabelecido por esta concepção teve como
conseqüência imediata a separação entre os objetos da filosofia, saber especu-
lativo acessível à razão, e da teologia, a qual passa então a ser concebida como
saber prático acessível pela fé. viii
Sem dúvida, Scot teve a coragem de desbravar novos horizontes para a
ciência metafísica, malgrado as aporias que o seu sistema implica, como por
exemplo o univocismo, baseado numa noção puramente negativa por meio
da qual ele acabou por chegar à problemática conclusão de que entre Deus
e as criaturas existe equivocidade de realidade e univocidade de conceito. ix Seja
como for, para o tópico que a seguir destacaremos – a saber, o caráter da
infinitude e a identificação desta com aquele a quem chamamos Deus –, vale
frisar que Duns Scot tem diante dos seus olhos 11 das 219 teses condena-
das em 1277 relativas, especificamente, ao necessitarismo x propugnado por
averroístas latinos.
Esquadrinhemos a questão a partir do que diz a tese 58 do texto conde-
natório:

vii Cf. José Luis Llanes, Estructura y función de la teología en Juan Duns Escoto, Pamplona, Univer-
sidad de Navarra, 2001, p. 73.
viii Neste ponto reside uma das incontáveis teses de Duns Scot escritas em contraposição direta a San-
to Tomás. Este último demonstrara que a teologia é saber prático e também especulativo; o frade inglês
reduziu-a a mero saber prático sem perceber o quanto este erro, levado às últimas consequências, tra-
zia em seu bojo a possibilidade de confundirem-se moral e religião, como sucedeu a Immanuel Kant
quatro séculos depois de Scot. Com relação ao parentesco filosófico entre Kant e Duns Scot, veja-se
Valentín Fernández Polanco, “Los precedentes medievales del criticismo kantiano”, Revista de
Filosofía, Madri, Universidad Complutense, 28 (2003), 305-323.
ix A univocidade em Scot leva-o a concluir que Deus e as criaturas se assemelham não com relação ao
ser, mas porque são não-nada. Para maiores detalhes sobre o método por cujo intermédio o Doutor
Sutil chega à ratio entis quidditativa, veja-se Sidney Silveira, Duns Scot, filósofo da ruptura, em Tra-
tado do Primeiro Princípio, São Paulo, É Realizações Editora, 2015, p. 10.
x O necessitarismo dos averroístas do século XIII reduzira o escopo da liberdade divina no ato cria-
dor, o que foi combatido com veemência por Duns Scot com o propósito de salvaguardar o caráter
libérrimo da vontade divina, assim como a sua onipotência. Em resumo, os entes não procedem de
Deus por nenhuma necessidade metafísica, assim como Deus também não pode depender de nada
extrínseco a Ele ao criar. Diz a propósito Roberto de Sousa Silva: “O Doutor Sutil condena veemente
as teses averroístas na medida em que essas ferem os conceitos de liberdade e vontade. Ao refutar as
teses de Averróis, Scotus procura defender a existência do intelecto pessoal contra o monopsiquismo,
mais ainda, coloca em evidência a vontade livre e individual, principalmente quando nega o agir
necessário e mecânico da ação divina. A tese do monopsiquismo, para Scotus, nega até mesmo a fé
na imortalidade da alma. Nessa medida ele concorda com as condenações de 1277. Quando Scotus
nega qualquer tese necessitarista, ele está defendendo os conceitos de liberdade e vontade”. Roberto
de Sousa Silva, A existência de Deus em Duns Scotus, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal
de São Paulo, 2014, p. 19, em: <http://ppg.unifesp.br/filosofia/dissertacoes-defendidas-versao-final/
dissertacao-roberto-de-sousa-silva>.
12 Duns Scot

“Deus é a causa necessária da primeira inteligência celeste; porque, posta a causa, o


efeito é igualmente posto, e ambos são simultâneos quanto à duração”. xi

O motivo maior pelo qual a proposição acima foi censurada é o seguinte:


ela implica algum tipo de coeternidade entre Deus e as criaturas. Lembre-
mos, neste ponto, que o pensador franciscano concebera a infinitude como
o primeiro fundamento da liberdade divina, razão pela qual nada pode ser
propriamente coeterno ao Primeiro Princípio, a menos que, por absurdo, se
concebam duas liberdades absolutas e, portanto, dois seres onipotentes, ou
seja, dois cuja potência ativa não conheça limites. xii Em síntese, somente Deus
é dotado de simplicidade absoluta quanto ao ser, e, portanto, infinito. xiii Se a
primeira inteligência celeste fosse simultânea a Deus em duração, teria de ser
absolutamente simples como Ele, mesmo sendo criada – o que repugna à razão.
A tese 63 condenada em 1277, por sua vez, diz o seguinte:
“Deus não pode produzir o efeito de uma causa segunda sem a própria causa
segunda”. xiv

Esta outra proposição também limita a onipotência e a liberdade divinas,


o que decerto para o Doutor Sutil era um manifesto absurdo metafísico e
teológico. A propósito, são evidentes os desacertos implicados nesta 63ª. tese
condenada em 1277. Vejamos dois deles: a) se a primeira causa não pode
produzir nada sem a concomitância operativa da causa segunda, cai por terra
o princípio creatio ex nihilo, porque toda a obra da criação passa a ser derivada
da potência operativa de duas concausas, e não apenas da causa prima; b) a

xi “Quod Deus est causa necessaria prime intelligentie: quia posita ponit ut effectus, et sunt simul
duratione”. Chartularium Universitatis Parisiensis, Ed. Henricus Denifle et Aemilio Chatelain,
vol. 1, Paris, 1889, p. 547. Esta edição do “Chartularium Universitatis Parisiensis” pode ser consultada
no seguinte link: <https://archive.org/details/bub_gb_VmrMTNvijekC>. Ver também Roland His-
sette, Enquête sur les 219 articles condamnés à Paris le 7 mars 1277. Paris/Louvain, Vrin, 1977, p. 72.
xii A onipotência implica, simultaneamente, absoluta potência ativa e absoluta ausência de potência
passiva. Ora, a existência de dois seres onipotentes é contraditória, porque neste caso seria preciso
conceder que: a) ou a potência ativa deles é limitada (pois, sendo ambos onipotentes, um não poderia
mover o outro da potência ao ato); b) ou existe potência passiva em ambos (alcançável pela onipotên-
cia de um e de outro). Nestes dois casos, cai por terra o conceito de onipotência. Pois muito bem: em
decorrência de sua absoluta simplicidade quanto ao ser, a infinitude e a onipotência só podem atri-
buir-se a um ser; nunca a dois ou mais. A este ser eminentíssimo Duns Scot chama Primo Principio.
xiii “(...) se um ser é completamente simples, segue-se daí que será também infinito”. (quare si est in
se omnino simplex, sequitur quod erit etiam infinitum). Cf. Duns Scot, Tractatus de Primo Principio,
IV, n. 77.
xiv “Quod Deus non potest in effectum cause secundarie sine ipsa causa secundaria”. Cf. Chartula-
rium Universitatis Parisiensis, Op. cit., p. 547.
A infinitude de Deus · Apresentação 13

ser verdadeira a tese, derroga-se a omnipotentia de Deus, o Primeiro Princípio


(como o chama Scot).
Pois bem, antes de adentrarmos propriamente o tema da infinitude divina,
fique consignado que a obra de Duns Scot está inextricavelmente inserida no
contexto do confronto entre a defesa da tradição agostiniana, por parte dos
franciscanos, e a tentativa de integrar Aristóteles ao pensamento cristão, por
parte dos dominicanos. xv Neste embate sem tréguas, não obstante olhasse com
ressaibo o aristotelismo de Santo Tomás, xvi pois este, na prática, tornara-se
um proscrito, xvii o autor inglês rechaçou a idéia de contrapor em toda a linha
Aristóteles a Santo Agostinho no plano filosófico, xviii o que não deixa de ser
um mérito. Seja como for, a sua síntese de elementos heterogêneos é o grande
sinal da crise que, nos séculos seguintes, acabou por ocasionar a dissolução do
pensamento medieval. xix

xv Cf. Rafael Ramón Guerrero, Historia de la Filosofía Medieval, Madrid, Ediciones Akal, 2002,
p. 218.
xvi No tempo em que o Doutor Sutil escreveu as suas obras, já se havia cristalizado a censura eclesiástica
aos escritos de Santo Tomás, sobretudo no tocante à tentativa deste em assimilar Aristóteles integran-
do-o – em várias teses de capital importância – ao corpo doutrinal da Igreja. Isto instaurou um clima
de desconfiança em relação a todo o conjunto dos escritos do Aquinate. Neste contexto, pode-se dizer
com segurança que, de alguma maneira, Duns Scot sempre esteve preso ao espírito das condenações de
1277. Tenhamos idéia disto na simétrica oposição que Scot faz a incontáveis teses de Santo Tomás: 1-
Tomás: o ser é análogo; Scot: o ser é unívoco; 2- Tomás: só pode haver uma forma substancial no ente
individual; Scot: pode haver uma pluralidade de formas substanciais no ente individual; 3- Tomás:
a forma substancial estabelece a corporeidade; Scot: a corporeidade é anterior à forma substancial;
4- Tomás: a materia prima é pura potência; Scot: a materia prima tem um ato próprio; 5- Tomás: o
princípio de individuação é a matéria assinalada pela quantidade (materia signata quantitate); Scot:
o princípio de individuação é a haecceitas; 6- Tomás: a vontade em seu ato primeiro, o querer (velle),
atua sob a razão de bem (ratio boni) subministrada pela inteligência; Scot: a vontade autodetermina-se;
7- Tomás: só existe um anjo em cada espécie; Scot: há diversos indivíduos angélicos em cada espécie;
etc. Em Scot, as alusões ao Aquinate são em geral indiretas, porém constantes. Eis, aqui, um módico
exemplo: ao criticar Santo Alberto Magno por defender teses aristotélicas contrárias ao univocismo, o
Doutor Sutil acrescenta ironicamente a expressão “e os seus sequazes” (et sequacium eius). Cf. Duns
Scot, Quaestiones in Librum Porphyrii Isagoge, q. 14.
xvii “Después de la condena del 7 de marzo de 1277, el ambiente cambió. Hubo maestros, principal-
mente franciscanos, que arremetieron no ya contra el averroísmo, sino contra Santo Tomás (grifo
nosso), que se transformó a partir de esa fecha en una especie de encarnación de los peores errores”.
Juan Antonio Widow, La libertad y sus servidumbres, Coleción Centro de Estudios Tomistas (CET),
Santiago de Chile, Ril Editores, 2014, p. 130.
xviii Cf. Rafael Ramón Guerrero, Op. cit., Madrid, Ediciones Akal, 2002, p. 218.
xix Idem ibid.
14 Duns Scot

2. A infinitude divina como ápice da metafísica

Neste volume, trazemos ao público brasileiro a questão da Lectura na qual


Scot trata da infinitude do primeiro ser e de sua tríplice primazia: de causalida-
de eficiente, de causalidade final e de eminência. O texto compõe um paralelo
com os capítulos IV e V do Tractatus de Primo Principio, cujo tema é o mesmo;
porém o presente trecho da Lectura, escrito na juventude de Scot, é mais breve
que o De Primo Principio, redigido na maturidade filosófica do Doutor Sutil.
Disto decorre a circunstância de ser menos exaustivo – ou, noutras palavras,
de tratar esta importante questão metafísica mais resumidamente. xx
Em diferentes obras, o notável filósofo medieval parte do pressuposto de
que é impossível o homem formar conceitos perfeitos do que seja Deus, xxi pois
o conhecimento humano não possui a intuição direta da essência divina nem
pode ter idéias abstratas acerca dela, dada a absoluta imaterialidade do ser de
Deus. xxii Não há, pois, comensurabilidade entre os conceitos acessíveis à inte-
ligência humana e o ser do Primeiro Princípio. Sendo assim, qualquer conhe-
cimento a respeito de Deus será, a um só tempo, imperfeito e infinitamente
perfectível. Imperfeito por conta da finitude do nosso intelecto; e infinitamente
perfectível porque, por mais que conheçamos algo de Deus, sempre haverá
infinitos aspectos d’Ele por conhecer. Sob este prisma, o conhecimento menos
imperfeito acerca do Primeiro Princípio obter-se-á a partir da concepção mais
simples possível, a qual contenha, virtualmente, todos os outros conceitos. xxiii
De acordo com Rodrigo Guerizoli, com a demonstração da infinitude do
Primeiro Princípio, a metafísica scotista alcança o seu maior cume, mas tam-
bém o limite inultrapassável. xxiv Em resumidas contas, a infinitude – identi-
ficada com o grau máximo de simplicidade entitativa – necessita ser mais do

xx Cf. Felix Alluntis, Duns Escoto, Tratado acerca del Primer Principio (Apéndice), Madrid, Biblio-
teca de Autores Cristianos (B.A.C.), 1989, p. 181.
xxi “Patet ergo quomodo conceptus entis nullo modo ponitur de quididate Dei (...)”. Cf. Duns Scot,
Quodlib. XIV, n. 21.
xxii A gnosiologia medieval – em suas mais variadas vertentes, com divergências marcantes que hou-
vesse entre as correntes filosóficas – tinha a clara noção de que um conceito é abstrato quando
assimila imaterialmente algo tangível a partir dos sentidos, ou seja, a matéria. Ora, não havendo em
Deus composição de matéria, é impossível chegarmos a um conceito abstrato perfeito acerca de Sua
natureza.
xxiii Cf. Felix Alluntis, Op. cit., p. 16.
xxiv Cf. Rodrigo Guerizoli, A Metafísica no Tractatus de Primo Principio de Duns Escoto, Porto
Alegre, edipucrs, 1999, p. 105.
A infinitude de Deus · Apresentação 15

que meramente potencial; precisa ser infinitude em ato. xxv O limite gnosio-
lógico ao qual se refere Guerizoli radica, pois, na circunstância de que, com
a demonstração de que o Primeiro Princípio é infinito, a metafísica alcança
uma espécie de “resultado final”, porque neste ponto vislumbra a omnímoda
simplicidade da ordem do ser. Trata-se do máximo conhecimento possível ao
intelecto humano acerca da realidade simplíssima. xxvi
De acordo com o Doutor Sutil, chega-se à consideração de Deus como ens
infinitum por dez diferentes vias, subdivididas em três grupos: vias intelectu-
ais; vias de ordenação essencial e via da simplicidade. xxvii A este respeito diz
Guerizoli, referindo-se às vias intelectuais:
“Partindo da evidência de que há, mesmo em relação a inteligências que
não apreendem todos os seus inteligíveis em ato, uma infinidade de inteligí-
veis potencialmente conhecidos (...), em havendo uma infinidade de objetos
potencialmente conhecidos deverá haver uma infinidade de objetos atualmente
conhecidos, conquanto que se tomem todos os membros desta infinidade si-
multaneamente em ato. Assim, o primeiro princípio, que tudo compreende de
modo atual (...), conhece um infinidade de inteligíveis”. xxviii
Em síntese, nenhum conhecimento da substância primeira pode ser
acidental, xxix pois a infinitude que a distingue é signo de um conhecimento
ilimitado, abarcante de todos os inteligíveis da ordem do ser. Melhor dizendo:
a propriedade da substância primeira é conhecer perfeitissimamente; para as
inteligências que, por sua vez, não são infinitas em ato – como a do homem e
a do anjo –, o conhecer será sempre, de modos distintos, um acidente imate-
rial de uma potência intelectiva. xxx Isto porque as inteligências finitas, por não

xxv É o caso de Deus.


xxvi “O resultado final da metafísica escotista é o conceito de ens infinitum. De fato, a realidade de
Deus como verum esse, ou seja, positivo ens inquantum ens, se revela à investigação transcendental sob
a forma de modalização específica do transcendens abstrativo inicial. Essa modalização, denominada
‘infinitude’, significa, por sua vez, a radicalização intensiva e incomensurável de qualquer perfeição
finita. Neste sentido, o conceito de ens infinitum é, ao mesmo tempo, o mais simples e perfeito co-
nhecimento que o intelecto pode conceber”. Cf. Rodrigo Guerizoli, Op. cit, pp. 126.
xxvii Rodrigo Guerizoli, Op. cit, pp. 107-125.
xxviii Rodrigo Guerizoli, Op. cit, pp. 106.
xxix “Nullum intelligire potest esse accidens primae naturae”. Duns Scot, Tractatus de Primo Princi-
pio, Q. 4, Septima Conclusio.
xxx Os intelectos humano e angélico distinguem-se não apenas pelo fato de o primeiro ser abstrativo
e o segundo, intuitivo. Há inúmeras outras diferenças a considerar, por exemplo, quanto ao modo
de inteligir e ao grau intensivo da intelecção de anjos e de homens. Para o que nos interessa salientar,
fiquemos neste ponto com o que diz o filósofo brasileiro Luiz Astorga: o inteligir do homem e o do
anjo não são da mesma espécie. Cf. Luiz Augusto de Oliveira Astorga, El intelecto de la sustância
16 Duns Scot

esgotarem a inteligibilidade do real, não se identificam com o ser das coisas de


modo perfeitíssimo; sempre haverá, para elas, uma zona de ininteligibilidade.
Reiteremos: o intelecto de Deus conhece em ato infinitos inteligíveis, e esta é
a nota distintiva de Sua perfeição.
Para chegar dialeticamente a este ponto, o Doutor Sutil observa que, de
todas as determinações do ente, a primeira divisão (prima divisio) que se
deve fazer é entre ente finito e ente infinito, xxxi antes mesmo das definições
categoriais. xxxii Portanto, haja o que houver de comum entre Deus e as cria-
turas, há de ser de maneira que se atribua ao ente enquanto ente um caráter
de indiferente com relação ao finito e ao infinito. xxxiii À primeira vista pode
parecer estranha a conclusão última de Scot neste tópico: o ente, enquanto
tal, não é finito nem infinito; é metafisicamente indiferente a um e a outro.
Esta indeterminação radical é-lhe atribuível antes que ele seja classificado nos
dez gêneros supremos. Escreve Honnefelder: “Não é a predicabilidade comum
do ente determinado categorialmente (...) o característico formal primário do
ente”. xxxiv
Infinito e finito correspondem a Deus e às criaturas, respectivamente. Com
esta simples noção Duns Scot transcende a quaisquer modalizações e abarca
todos os entes, sem nenhuma exceção. Daí para provar a existência do Primei-
ro Princípio, levando as premissas às últimas conseqüências, bastará demons-

separada: su perfección y unidad según Tomás de Aquino, Pamplona, Ediciones Universidad de Navarra,
2016, pp. 108-109. No caso da tese de Duns Scot segundo a qual não existe acidente no intelec-
to da substância primeira, nosso intuito no corpo do texto foi sublinhar que nas demais inteligên-
cias há sempre alguma espécie de conhecimento acidental, porque se trata de intelectos com potência
para o conhecimento – diferentemente do intelecto divino, o qual conhece tudo em ato. Neste ponto,
porém, é preciso dizer que se trata de potências para o universo do inteligível radicalmente distintas,
pois os anjos, por não terem composição de matéria em sua forma entitativa, não possuem o que na
terminologia aristotélica se chama intelecto possível, instância de inteligibilidade virtual identificável
no homem. Reitere-se que estas considerações são a propósito de haver acidentes em todos os intelec-
tos que não sejam o do Primeiro Princípio, e não à angelologia de Scot, a qual considera a existência
de intelecto agente nos anjos e, com isto, traz novos horizontes ao problema da intelecção angélica.
xxxi Cf. Duns Scot, Ordinatio, I; e Lectura, I.
xxxii “O ente é dividido em infinito e finito antes que nas dez categorias, porque (só) um, a saber, o
‘finito’, é comum com respeito às dez categorias (supremas). O que sempre a partir disso se atribui
ao ente (...), atribui-se-lhe não como algo que se determina a um gênero, mas como um anterior e,
consequentemente, como um transcendente (transcendens), e como algo que está fora de todo gênero
(extra omne genus)”. Cf. Ludger Honnefelder, João Duns Scotus, São Paulo, Edições Loyola, 2010,
p. 128.
xxxiii Cf. Ludger Honnefelder, Op. cit, p. 128.
xxxiv Cf. Ludger Honnefelder, Op. cit, p. 129.
A infinitude de Deus · Apresentação 17

trar a Sua infinitude. xxxv Esta é a tese defendida com argumentos diversos,
tanto na Ordinatio quanto na Lectura, xxxvi textos nos quais Scot não perde de
vista a identificação da infinitude com a absoluta atualidade cognoscitiva, na
medida em que a inteligência divina, conforme foi assinalado anteriormente,
não possui, nem pode possuir, nenhum tipo de acidente. A intelecção de Deus
é ato puro sem mescla de potência passiva e, portanto, abarca objetos infinitos
em ato. xxxvii
Scot não demonstra a infinitude do Primeiro Princípio apenas pela capaci-
dade que Lhe é inerente de conhecer infinitos inteligíveis em ato. Refaçamos
parte do itinerário do autor medieval valendo-nos da clara exposição sinóp-
tica de Guerizoli, que entre outros aspectos também destaca, nas aludidas
“vias intelectuais”: a) as demonstrações de Scot quanto ao modo de causação,
considerando-se a perfeição absoluta da causa primeira; xxxviii e b) a suficiência
inteligente do Primeiro Princípio, que não pode ser aperfeiçoado por nada
exterior a Ele. xxxix
No tocante ao primeiro tópico, diz o frade franciscano:
“(...) é manifesto que a causa primeira tem a causalidade da causa próxima mais
perfeitamente do que a tem a causa próxima, porque [esta] não a tem senão da
primeira, e similarmente a causa segunda tem mais perfeitamente a causalidade da
causa terceira do que esta mesma a tem, porque não a tem senão da segunda, e as-
sim até à última; portanto, da primeira à última, a causa primeira tem mais perfei-
tamente as causalidades das causas médias do que as causas médias as têm em si”. xl

Com relação ao segundo dos tópicos mencionados, o Doutor Sutil res-


salta a cabal suficiência da intelecção divina pela virtude infinita, por cujo
intermédio ela esgota a inteligibilidade de toda a ordem do ser, xli diferen-
temente das demais inteligências – classificáveis por graus de precariedade
gnosiológica. Aqui o pressuposto é de que o “primeiro ente, sendo a causa

xxxv Cf. Guillermo Fraile, Op. cit., p. 1085.


xxxvi “Disso desço [ou volto] ao propósito e digo que aquele primeiro eficiente e primeiro fim e pri-
meiro eminente é infinito” (Ex his descendo ad propositum et dico quod illud primum efficiens et finis et
eminens est infinitum). Cf. Duns Scot, Lectura, I, n. 64.
xxxvii “Intelectio Dei est infinitorum in actu”. Duns Scot, Lectura, I, n. 79.
xxxviii Neste ponto, frise-se que nem a causa segunda nem qualquer outra causa posterior é capaz de
adicionar perfectibilidade ao modo de causação da causa primeira.
xxxix Rodrigo Guerizoli, Op. cit, pp. 108.
xl Duns Scot, Lectura, I, n. 73.
xli Duns Scot, Lectura, I, n. 80.
18 Duns Scot

eficiente de todas as coisas, será também causa da intelecção delas”. xlii Disto
se deduz a insuficiência das inteligências que não são a de Deus. xliii
Vários são os percursos dialéticos de Duns Scot nesta obra que o leitor tem
em mãos. Leitura árdua, sim, dadas as sutilezas terminológicas e os caminhos
por vezes ínvios de que o notável metafísico não abre mão. Seja como for,
optamos pelo prefácio breve porque nada substitui o confronto direto com
os questionamentos suscitados não apenas neste, mas em todos os escritos do
autor que – inaugurando filosoficamente o século XIV – abriu as portas para
a modernidade, para o bem e para o mal.
Com a publicação deste importante trecho da Lectura, a Coleção Escolásti-
ca cumpre mais uma etapa do caminho (re)civilizatório do Brasil, o qual passa
pela disponibilização de clássicos da história da filosofia, alguns dos quais,
infelizmente, desconhecidos quase por completo entre nós.

xlii
Cf. Duns Scot, Lectura, I, n. 63.
xliii
“Às naturezas causadas (...) nem a inteligência nem nenhuma outra perfeição pode ser predicada
senão de modo acidental, e nunca essencialmente”. Cf. Rodrigo Guerizoli, Op. cit, pp. 110.
A infinitude
de Deus

(Lectura, Livro I, Distinção 2, Parte 1, Questão 1)


20 Duns Scot

QUAESTIO 1

[1] Circa distinctionem secundam quaeritur primo utrum in entibus


sit aliquod ens actu infinitum.
Quod non, videtur:
Si unum contrariorum sit actu infinitum, non compatitur secum aliud;
sed bonum et malum sunt contraria; igitur si sit aliquod bonum actu in-
finitum, non erit actu aliquod malum, quod est falsum.
[2] Dicitur quod malum in universo non contrariatur Deo nec bono
infinito, quia nihil est sibi contrarium.
Contra: illud non solvit, quia si unum contrariorum sit infinitum
virtualiter aut formaliter, non compatitur secum aliud contrariorum, nec
quod contrariatur sibi nec effectui, sicut sol si esset virtualiter aut formali-
ter infiniti caloris, non esset aliquod frigidum; si igitur sit aliquod bonum
actu infinitum virtualiter aut formaliter, sequitur quod nihil erit malum
alicui bono contrarium in universo
[3] Praeterea, corpus infinitum non compatitur secum aliud corpus;
igitur spiritus infinitus non compatietur secum alium spiritum. Antece-
dens patet ex IV Physicorum. 
[4] Consequentia ostenditur, quia sicut corpora duo non possunt esse
simul propter repugnantiam dimensionum, sic videtur quod nec duo spi-
ritus simul propter actualitates spirituum.
Item, eadem consequentia ostenditur aliter sic: si cum corpore infini-
to esset aliud corpus, tunc esset aliquid maius corpore infinito; igitur sic
videtur quod si praeter spiritum infinitum esset alius, esset aliquid maius
infinito secundum virtutem.
A infinitude de Deus 21

QUESTÃO 11
Se entre os entes há algum infinito em ato
1. Acerca da distinção segunda, inquire-se primeiro se entre os entes há
algum infinito em ato.
Parece que não:
1. Se um dos contrários é infinito em ato, não compadece2 o outro; mas o
bem e o mal são contrários; portanto, se há algum bem infinito em ato, não
haverá nenhum mal em ato, o que é falso.
2. Diz-se que o mal no universo não é contrário a Deus nem ao bem infi-
nito, porque nada é contrário a Ele.
Contra: isso não dissolve [o argumento], porque, se um dos contrários é
infinito virtual ou formalmente, não padece com o outro contrário, nem que
este seja contrário a ele nem que o seja ao efeito, assim como, se o sol fosse
virtual ou formalmente de infinito calor, não haveria nada frio; se portanto há
algum bem infinito em ato virtual ou formalmente, segue-se que não haverá
no universo nenhum mal contrário a nenhum bem.
3. Ademais, um corpo infinito não compadece outro corpo;3 portanto, um
espírito infinito não compadece outro espírito. O antecedente patenteia-se do
livro IV da Física.4
4. A conseqüência mostra-se, porque, assim como dois corpos não podem
estar [num mesmo lugar] simultaneamente pela repugnância das dimensões,
assim parece que tampouco [o podem] dois espíritos simultaneamente pelas
atualidades dos espíritos.
Além disso, a mesma conseqüência mostra-se de outro modo, assim: se
com um corpo infinito [co]existisse outro corpo, então haveria algo maior que
o corpo infinito; portanto, parece que, se além do espírito infinito houvesse
outro, haveria algo maior que o infinito segundo virtude.

1 Duns Scot, Lectura I, d. 2, p. 1, q. 1: Opera Omnia (ed. Vaticana), vol. XVI (1900), p. 112 ss.
2 Lat. compatior, eris: “sofrer com”. Nesta objeção inicial, Scot usa a expressão “não compadece” (non
compatitur) no sentido de indicar que, em havendo um ente infinito, este não pode sofrer a ação de
nenhum ente finito, muito menos sofrer com ele moção extrínseca de qualquer outro ente, pois isto
repugna à razão de infinito. Noutras palavras, o infinito não padece com o finito; não sofre a sua ação.
[Nota do coordenador da Coleção Escolástica; doravante, N. C.]
3 Ver nota 2.
4 Aristóteles, Phys. III, c. 5 (204 b 19-22).
22 Duns Scot

[5] Praeterea, quod est hic et non alibi, est finitum loco, et quod est
nunc quod non tunc, est finitum tempore, et quod agit hac actione quod
non alia, est finitum actione, et sic de aliis; sed quidquid est, est ‘hoc’ ita
quod non aliud; igitur est finitum, quidquid est.
[6]  Praeterea, si esset aliqua virtus infinita, illa moveret in instanti,
sicut probatur ex VIII Physicorum; igitur motus esset in instanti, quod
est impossibile.
[7] Contra: VIII Physicorum dicit Philosophus quod primum movens
est infinitum, et ideo non est virtus in magnitudine: non infinita, quia nulla
talis, - nec in magnitudine finita, quia maior magnitudo habet maiorem virtu-
tem. Sed ista ratio non valeret nisi intelligeret de infinito secundum virtutem,
quia corpus, ut sol, esset infinitum duratione.
[8] Iuxta hoc quaeritur utrum aliquod infinitum esse, ut Deum esse,
sit per se notum. Quod sic: Damascenus 1 cap.: “Eius, quod est Deum
esse, omnibus inserta est notitia”; sed illud est per se notum cuius notitia
omnibus inserta est, - sicut patet ex II Metaphysicae, quod prima princi-
pia, quae sunt quasi ianua, sunt per se nota.
A infinitude de Deus 23

5. Ademais, o que está aqui e não ali é finito no lugar, e o que é agora e
não é depois é finito no tempo, e o que age esta ação e não outra é finito na
ação, e assim com respeito aos outros; mas tudo o que é, é “isto” e não outro;
portanto, é finito tudo o que é.
6. Ademais, se houvesse alguma virtude infinita, essa moveria no instante,
como se prova do livro VIII da Física;5 portanto, haveria movimento no ins-
tante, o que é impossível.
7. Contra: No livro VIII da Física,6 diz o Filósofo que o primeiro mo-
vente [ou motor] é infinito, e por isso [sua] virtude não se dá em magnitude:
não [em magnitude] infinita, porque não há tal, nem em magnitude finita,
porque uma magnitude maior tem maior virtude. Mas esta razão só valeria
se se inteligisse de um infinito segundo virtude,7 porque um corpo, como o
sol, seria infinito em duração.
8. A par disso, inquire-se se algo, por ser infinito, como Deus o é, é
per se notum.8 O que se faz assim: Damasceno 1 cap.: “Este, que é o ser de
Deus, é notícia inserta em todas as coisas”; mas é per se notum aquilo cuja
notícia está inserta em todas as coisas – assim, patenteia-se do livro II da
Metafísica que os primeiros princípios, que são quase uma porta de entrada,
são per se nota.

5 Ibid., VIII, c. 10 (266 a 24-266 b6). Nesta passagem da Física, Aristóteles diz que nada finito
pode mover algo por tempo infinito, porque no movimento há três fatores a considerar: o moven-
te, o movido e aquilo em que se dá o movimento, ou seja, o tempo. Como não há comensurabilidade
entre o infinito e o finito, é impossível ao finito mover algo no infinito, ou seja, numa instância situada
para além do tempo, assim como é impossível ao finito mover algo no tempo infinitamente, numa
sucessão cronométrica interminável. Quanto a esta última hipótese, ainda no Livro VIII da Física o Es-
tagirita afirma não ser possível que uma magnitude finita tenha potência infinita, nem que uma força
finita mova algo, no tempo, da mesma maneira como o faz uma força infinita. Aqui entra o “instante”
considerado por Duns Scot, que está para o tempo e para a eternidade numa relação de simultaneida-
de, pois co-incidem na ordem do ser todos os instantes temporais e o instante eterno, o qual os supõe;
todos os agoras do tempo e o agora intemporal, o qual os abarca; todas as potências e o Ato Puro, no
qual radicam. Neste trecho da Lectura, a dificuldade de Scot (na dicotomia estabelecida entre “ins-
tante” e “movimento”) parece residir na circunstância de ele considerar impossível que todas as coisas
temporais sejam simultaneamente contempladas por Deus enquanto transcorrem, pois o Doutor Sutil
concebe que só as coisas temporalmente presentes são atuais. Diz a este respeito Hofmeister: “As tese
básica é a de que todas as coisas são presentes a Deus [apenas] no “agora” uno da eternidade”. Cf. Ro-
berto Hofmeister, “Tempo e eternidade: um modelo em Duns Scot (1265-1308) e uma nota sobre
Francisco de Meyronnes (1280-1327)”, Mirabilia, Revista Eletrônica de História Antiga e Medieval,
2010, nº. 11, coord. Ricardo da Costa (Universidade Federal do Espírito Santo – UFES). [N. C.]
6 Ibid. (266 a 10-24).
7 Com virtutem está implicado o conceito de potência. [N. C.]
8 Nestas passagens, entenda-se a expressão per se notum – e também as suas congêneres declinadas no
texto latino – com o sentido de “evidente”. [N. C.]
24 Duns Scot

[9] Praeterea, illud esse est per se notum quo maius cogitari non po-
test, quia detur oppositum praedicati, destruetur subiectum; si enim non
sit, igitur aliquid maius cogitari potest, quia esse quod est maius quam
non esse. Et haec videtur esse ratio Anselmi Proslogion 2.
[10] Praeterea, veritatem esse est per se notum, igitur etc.
Probatio antecedentis: illud est per se notum quod sequitur ex suo op-
posito; sed veritas est huiusmodi, quia si affirmas veritatem esse, tunc verum
est te hoc affirmare, et ita veritas est; si neges veritatem esse, tunc verum est
veritatem non esse. Et ita aliqua veritas est.
[11] Praeterea, complexiones quae habent necessitatem ex entitate ter-
minorum secundum quid, sunt per se notae; ergo multo plus complexio
quae habet necessitatem ex entitate rei simpliciter et ex entitate termi-
norum simpliciter, cuiusmodi est haec ‘Deus est’. Probatio antecedentis:
haec est vera et necessaria ‘omne totum est maius sua parte’ - licet nec
totum sit nec pars - ex habitudine terminorum in intellectu; unde solum
termini habent tunc esse in intellectu. et ita secundum quid.
[12] Contra: Per se notum negari non potest a mente alicuius; sed Deum
esse sic potest negari: Dixit insipiens in corde.
[13] Ad istam quaestionem secundam est primo dicendum. Ad cuius
solutionem primo videndum est quae est ratio propositionis per se notae;
et, secundo, erit manifestum si ista ‘Deus est’ sit per se nota, vel alia in qua
enuntiatur ‘esse’ de eo quod convenit Deo, ut ‘ens infinitum est’
[14] Ad intellectum primi est sciendum quod cum dicitur propositio
per se nota, per ‘per se’ non excluditur quaecumque causa, quia non noti-
tia terminorum, quia nulla propositio est per se nota nisi habeatur notitia
terminorum; sed excluditur quaecumque causa et ratio quae est extra per
A infinitude de Deus 25

9. Ademais, esse ser per se notum é aquilo que não se pode cogitar nada
maior, porque, se se dá o predicado oposto, se destrói o sujeito; se, com efeito,
não o é, então pode cogitar-se algo maior, porque o ser é maior que o não ser.
E esta parece ser a razão de Anselmo no Proslógio 2.
10. Ademais, a verdade do ser é per se notum, portanto, etc.
Prova do antecedente: é per se notum o que se segue de seu oposto; mas
a verdade é desse modo, porque, se afirmas que há a verdade, então tens de
afirmar que tal é verdadeiro, e assim há a verdade; se negas que há a verdade,
então é verdadeira a verdade de que não há. E assim alguma verdade há.
11. Ademais, as complexões que têm sua necessidade da entidade dos ter-
mos secundum quid são per se notae; logo, muito mais [o são] a complexão que
tem a necessidade da entidade da coisa simpliciter e da entidade dos termos
simpliciter, do modo como “Deus é”. Prova do antecedente: é verdadeiro e ne-
cessário que “qualquer todo é maior que sua parte” – ainda que não haja todo
nem parte – pela habitudo [respeito, relação] dos termos no intelecto; daí que
então só os termos tenham ser no intelecto. E assim secundum quid.9
12. Contra: A mente não pode negar algo per se notum;10 mas Deus pode,
sim, ser negado: Diz o insipiente no coração.
13. A esta segunda questão deve dizer-se primeiro o seguinte. Para sua
solução, deve ver-se em primeiro lugar o que é a razão de uma proposição
per se notae; e, em segundo, será manifesto se esse “Deus é” for per se nota,11
ou outros em que se enuncie um “ser” com respeito a qual convenha a Deus,
como “um ente é infinito”.12
14. Ao intelecto cumpre saber que, quando se diz proposição per se nota
por per se,13 não se exclui toda e qualquer causa por ausência de notícia dos
termos, porque nenhuma proposição é per se nota se não se tem notícia dos
termos; mas excluiu-se toda e qualquer causa e razão que esteja fora per se do

9 As palavras latinas simpliciter e secundum quid devem ser entendidas, nesta parte da Lectura, exa-
tamente como o são em Santo Tomás: “em sentido absoluto” e “em certo sentido”, respectivamente.
[N. C.]
10 Em suma, o intelecto não tem como negar uma evidência tal que seja acessível a todos os homens
(quoad nos omnes). [N. C.]
11 Dir-se-ia contemporaneamente: “Será manifesto se a existência de Deus for auto-evidente”. [N.
C.]
12 Ao fazer referência à proposição “um ente é infinito”, nesta passagem Duns Scot já dá por pressu-
posta a idéia de que a infinitude é o proprium metafísico de Deus. [N. C.]
13 Ou seja: quando se considera uma proposição mais evidente como se fosse uma menos evidente.
26 Duns Scot

se conceptus terminorum propositionis per se notae. Et ideo illa proposi-


tio est per se nota quae non habet notitiam aliunde mendicatam, sed illa
quae ex terminis cognitis habet veritatem evidentem et quae non habet
certitudinem nisi ex aliquo in se.
[15] Nunc autem alius terminus est nomen, et conceptus importatus
per nomen, ut alius terminus est nomen, et definitio nominis. Proba-
tio: quia definitio alterius extremi est medium in demonstratione, et ideo
altera praemissarum est eadem cum conclusione, solum differens sicut
definitio et definitum; si igitur idem terminus et idem conceptus esset
definitionis et definiti, in demonstratione potissima esset petitio principii;
item, tunc essent ibi tantum duo termini. Alius igitur est conceptus defi-
nitionis, et definiti ut exprimitur per nomen definitionis.
[16] Item, I Physicorum dicitur quod idem sustinent nomina ad de-
finitiones quod totum ad partes: prius enim notum est definitum quam
definitio, dividendo in singula. Unde, ut exprimitur conceptus definitio-
nis nomine definiti, sic est confusus et prius cognitus; sed magis distincte
exprimitur nomine definitionis, habentis singulas partes definiti distincte;
et ideo alius conceptus importatur nomine definiti, et definitionis.
[17] Ex istis sequitur quod illa propositio non est per se nota quae tan-
tum nota est ex definitione terminorum: nam cum illa propositio sit tan-
tum per se nota quae habet evidentiam suam ex notitia terminorum, et
alii termini sunt definitio et nomen, igitur illa non est per se nota de
nominibus quae habet evidentiam ex definitione termini, quae mendicat
evidentiam suam aliunde et potest esse conclusio respectu alterius.
[18] Item, si illa esset per se nota quae haberet evidentiam suam ex defi-
nitionibus terminorum, quaelibet propositio primo modo per se, esset per
se nota, ut ‘homo est animal’, et ‘corpus’, et sic usque ad substantiam: non
igitur sufficit notitia definitionis ad hoc quod propositio sit per se nota.
A infinitude de Deus 27

conceito dos termos da proposição per se notae. E por isso é proposição per se
nota a que não tem notícia pedida de outro lugar,14 mas sim que pelos termos
conhecidos tem verdade evidente e não tem sua certeza senão de algo in se.
15. Agora, porém, outro termo é o nome, e o conceito implicado pelo
nome, de modo que um termo é o nome, e outro é a definição do nome. Pro-
va: porque a definição do outro extremo é meio na demonstração, e por isso a
outra das premissas é o mesmo com a conclusão, só diferindo como definição
e definido; se portanto fossem os mesmos o termo e o conceito da definição
e do definido, na demonstração haveria poderosa petição de princípio; além
disso, haveria ali só dois termos. Um portanto é o conceito da definição, e
outro o do definido como se exprime pelo nome da definição.
16. Além disso, no livro I da Física se diz que igualmente sustêm os nomes
às definições como o todo às partes: com efeito, o notum definido é anterior
à definição,15 que há de dividir-se em cada um em particular. Daí que, as-
sim como se exprime o conceito da definição pelo nome do definido, assim
é confuso e anterior ao conhecido; mas mais distintamente se exprime pelo
nome da definição, que tem distintamente cada uma das partes do definido;
e por isso um é o conceito do nome do definido que se implica, e outro o da
definição.
17. Disto se segue que tal proposição não é per se nota senão pela definição
dos termos: pois, como tal proposição só é per se nota porque tem sua evidên-
cia da notícia dos termos, e termos distintos são a definição e o nome, então
não é per se nota quanto aos nomes a que tem sua evidência da definição dos
termos, a qual pede sua evidência de outro lugar e pode ser conclusão com
respeito a outra.
18. Além disso, se fosse per se nota a que tivesse sua evidência das definições
dos termos, qualquer proposição no primeiro modo per se seria per se nota,16
como “o homem é animal”, e “corpo”, e assim até à substância: não é suficien-
te, portanto, a notícia da definição para que tal proposição seja per se nota.17

14 A proposição per se nota é, portanto, evidentíssima; é algo a que a mente humana anui porque
manifesta uma verdade que não precisa ser sustentada por nada além dela própria. Por sua vez, a
proposição per se é evidente em si mesma, mas não o é para todos os homens. [N. C.]
15 “Um nome significa um todo sem distinção de partes, como por exemplo ‘círculo’, enquanto a
sua definição é analisada em suas partes constitutivas”. Aristóteles, Ibid., I, 1, 184b. Ao fazer alusão
a esta passagem em Aristóteles, Duns Scot está a frisar que o “notum definido” – ou seja, o nome – é
anterior à definição nele implicada. [N. C.]
16 Noutros termos: qualquer proposição evidente seria evidentíssima. [N. C.]
17 Em síntese, para uma proposição ser per se nota não basta haver congruência lógica ente os seus
termos; é necessário que, além disso, ela não precise de nada além dos próprios termos para eviden-
28 Duns Scot

[19] Illa igitur propositio est per se nota quae ex sola notitia terminorum
habet evidentiam et non mendicatam ex evidentia aliorum conceptuum.
[20] Ex hoc patet quod frustra et vanae sunt huiusmodi distinctiones
propositionis per se notae, quod quaedam est per se nota nobis, et quae-
dam per se nota naturae; et eorum quae sunt per se nota nobis, quaedam
sunt per se nota sapientibus, et quaedam insipientibus; et similiter quae-
dam sunt per se nota primi ordinis, et quaedam secundi: quia non dicitur
propositio per se nota quia est nota cuicumque intellectui, sed quia termi-
ni nati sunt facere per se evidentem notitiam intellectui concipienti termi-
nos per se notos; et ideo nulla est per se nota quae alicui intellectui potest
demonstrari. Verumtamen in propositionibus per se notis sunt gradus se-
cundum dignitatem et ignobilitatem. Unde dignior est ista ‘impossibile
est idem esse et non esse’ quam ista ‘omne totum est maius sua parte’, etc.
[21] Secundo, ad propositum dico quod intelligendo per nomen Dei
aliquid quod nos non perfecte concipimus ut ‘hanc essentiam divinam’,
sic est haec per se nota, ut si Deus, videns se, imponat hoc nomen ‘Deus’
suae essentiae: tunc est quaerere an haec sit nota per se ‘Deus est’, et haec
‘essentia est’. Et dico quod sic, quia ista extrema nata sunt facere eviden-
tiam de ista complexione cuilibet apprehendenti perfecte extrema istius
complexionis, et esse nulli perfectius convenit quam huic essentiae.
[22] Sed quaeres an esse insit alicui conceptui quem nos concipimus
de Deo et per se, ita quod talis propositio sit per se nota in qua enuntia-
tur esse de tali conceptu, ut cum dicimus ‘infinitum est’. Et dico quod
non, quia illa non est per se nota ex notitia terminorum quae potest esse
conclusio demonstrationis; sed omnis propositio enuntians esse de aliquo
conceptu quem nos concipimus de Deo est huiusmodi, scilicet conclusio
demonstrationis. Probatio. Quod primo et per se convenit inferiori se,
natum est ostendi per se de suo superiore, sumpto inferiore pro medio, ut
A infinitude de Deus 29

19. É per se nota, portanto, a proposição que só tem sua evidência da notí-
cia dos termos e não é solicitada da evidência de outros conceitos.
20. Disto se patenteia que frustradas e vãs são semelhantes distinções
das proposições per se notae, a saber, que uma é per se nota para nós, outra
per se nota por natureza; e, das que são per se nota para nós, algumas são per
se nota para os sapientes, e algumas para os insipientes; e semelhantemente
algumas são per se nota da primeira ordem, e algumas da segunda: porque
não se diz proposição per se nota porque o seja para qualquer intelecto, mas
porque os termos nasceram para fazer per se a evidente notícia do intelecto
que concebe os termos per se notos; e por isso não é per se nota nenhuma que
algum intelecto possa demonstrar.18 No entanto, nas proposições per se notis
há graus segundo dignidade e ignobilidade. Daí que seja mais digna esta: “é
impossível que o mesmo seja e não seja”, do que esta: “qualquer todo é maior
que sua parte”, etc.
21. Em segundo [lugar], a propósito digo que se há de inteligir pelo nome
“Deus” algo que nós não concebemos perfeitamente como “esta essência di-
vina”, e assim esta é per se nota, como se Deus, que se vê a si, impusesse este
nome, “Deus”, à sua essência: há que inquirir, então, se é nota per se esta:
“Deus é”, e esta: “[sua] essência é”. E digo que sim, porque estes extremos
nasceram para fazer a evidência desta complexão para qualquer que apreenda
perfeitamente estes extremos da complexão, e o ser a nada convém mais per-
feitamente que a esta essência.
22. Mas inquirirás se o ser se dá em algum conceito que concebemos de
Deus e per se, assim como é per se nota a proposição em que se enuncia o ser
de tal conceito, do modo como dizemos “é infinito”. E digo que não, porque
não é per se nota pela notícia dos termos que pode haver conclusão da demons-
tração; mas toda proposição enunciadora de algum conceito que nós conce-
bemos de Deus é assim, ou seja, conclusão da demonstração.19 Prova. O que
primeiro e per se convém ao inferior nasceu per se para mostrar-se [a partir] de

ciar-se de maneira plena. Portanto, a evidência evidentíssima basta-se a si mesma. [N. C.]
18 Isto porque uma evidência – mormente se evidentíssima – não se demonstra; mostra-se. [N. C.]
19 Porque os graus de evidência acompanham os graus de ser, Deus – o ser em grau sumo – é eviden-
tíssimo em si mesmo. Resta saber se, sendo evidente em si, Deus o é para nós. Duns Scot admite que a
existência de Deus não é, para o homem, uma verdade per se nota, pois precisa ser demonstrada a pos-
teriori pelo conhecimento que temos das criaturas. “De ente infinito sic non potest demonstrari esse
demonstratione propter quid quantum ad nos, licet ex natura terminorum propositio est demons-
trabili propter quid. Sed quantum ad nos bene propositio est demonstrabilis demonstratione quia ex
creaturis”. Duns Scot, Ordinatio, I, 2. Em resumo, a existência de Deus precisa ser demonstrada jus-
tamente porque não se mostra, não se apresenta como evidência absoluta ao nosso intelecto. [N. C]
30 Duns Scot

si aliqua passio ostendatur primo de triangulo, illa potest demonstrari de


figura per triangulum; sed omnis conceptus quem nos concipimus de Deo
est superior sive posterior quam haec essentia; igitur per hanc essentiam,
cui primo convenit esse, potest demonstrari esse de omni conceptu quem
nos de Deo concipimus. Nulla igitur talis, ut ‘ens infinitum est’, est per
se nota ex notitia terminorum, sed mendicat evidentiam suam aliunde, et
per consequens non est per se nota. - Istius autem rationis maior potest
universalius sumi sic: quod convenit alicui primo, non convenit alteri nisi
per naturam illius cui primo convenit; sed esse primo convenit huic essen-
tiae divinae; igitur nec proprietati alicui, nec alicui alteri conveniet nisi per
naturam essentiae. Nulla igitur complexio in qua enuntiatur esse de aliqua
proprietate huius essentiae quam nos concipimus, est primo vera, sed per
aliud vera, et per consequens non est primo et per se nota.
[23] Praeterea, quaelibet propositio per se nota, est nota ex terminis
cuilibet intellectui concipienti terminos; sed haec ‘Deus est’ - intelligen-
do per Deum non hanc essentiam quam nos concipimus, sed intelligen-
do conceptum aliquem quem nos de hac essentia concipimus - vel etiam
‘Deus est infinitus’, vel ‘ens infinitum est’, non est nota ex terminis cui-
libet concipienti terminos; igitur non est per se nota. Maior patet. Mi-
nor ostenditur: omnis assentiens per fidem vel credulitatem aut demons-
trationem alicui complexioni, habet apprehensionem terminorum; sed
nos assentimus huic ‘Deus est’ vel ex fide vel ex demonstratione; igitur
prius termini apprehenduntur, ante fidem et demonstrationem; sed ex
apprehensione terminorum non assentimus, quia tunc non tantum per
fidem aut demonstrationem.
[24] Praeterea, tertio arguitur. Ad cuius intellectum primo sciendum
est quod est aliquis conceptus simpliciter simplex et aliquis non simpli-
citer simplex. Ille est conceptus simpliciter simplex qui non reducitur in
priorem aut simpliciorem, nec omnino in plures conceptus resolvitur,
sicut est conceptus entis et conceptus ultimae differentiae. Conceptus
autem non simpliciter simplex est ille qui licet apprehenditur sine affir-
A infinitude de Deus 31

seu superior, assumido pelo inferior como meio, assim como, se alguma pai-
xão se mostrasse primeiro do triângulo, tal poder-se-ia demonstrar da figura
pelo triângulo; mas todo conceito que nós concebemos de Deus é superior ou
posterior a esta essência; portanto, por esta essência, à qual primeiro convém
ser, pode demonstrar-se que é de todo conceito que nós concebemos de Deus.
Nenhuma pois assim, como “o ente é infinito”, é per se nota pela notícia dos
termos, senão que pede sua evidência de outro lugar, e por conseguinte não
é per se nota. – Esta razão, porém, pode tomar-se mais universalmente como
maior assim: o que convém a algo primeiramente não convém a outro senão
pela natureza daquele a que primeiramente convém; mas o ser convém primei-
ramente a esta essência divina; portanto, nem a nenhuma propriedade nem
a nenhum outro convirá senão pela natureza da essência. Portanto, nenhuma
complexão em que se enuncie de alguma propriedade que é desta essência
que nós concebemos é primeiramente verdadeira, senão que é verdadeira por
outro, e por conseguinte não é primeiramente e per se nota.20
23. Ademais, toda e qualquer proposição per se nota o é pelos termos, para
qualquer intelecto que concebe os termos; mas esta: “Deus é” – inteligindo
por Deus não esta essência que nós concebemos, mas inteligindo algum con-
ceito que nós concebemos desta essência –, ou ainda: “Deus é infinito”, ou:
“o ente é infinito”, não são [per se] nota pelos termos para qualquer [intelecto]
que concebe os termos; portanto, [tais proposições] não são per se nota. A
maior patenteia-se. A menor mostra-se: todo aquele que assente por fé ou por
credulidade ou por demonstração a alguma complexão tem apreensão dos
termos; mas nós assentimos a esta: “Deus é”, ou por fé ou por demonstração;
portanto, apreende-se o termo anterior antes da fé e da demonstração; mas
pela apreensão dos termos não assentimos, porque então não só por fé ou por
demonstração [o fazemos].
24. Ademais, argui-se ao terceiro. Para inteligi-lo, primeiramente deve sa-
ber-se que há algum conceito simpliciter simples e algum não simpliciter sim-
ples. É conceito simpliciter simples o que não se reduz a [outro] anterior nem
a [outro] mais simples, nem em geral se resolve em muitos conceitos, como é
o caso do conceito de ente e do conceito de diferença última. [Por sua vez] o
conceito não simpliciter simples é o que, conquanto se apreenda sem afirma-

20 Podemos dizer, quase ao modo platônico, que toda verdade que o homem é capaz de descobrir
acerca da essência divina é verdadeira por participação na Verdade mesma que é Deus. Se o ser ou a
existência de Deus fossem uma verdade per se nota para o homem, isto significaria que a inteligência
humana, finita, é capaz de esgotar a inteligibilidade do ser de Deus, infinito. [N. C.]
32 Duns Scot

matione et negatione, tamen resolvitur in plures conceptus quorum unus


potest concipi sine alio, ut est conceptus speciei in genus et differentiam
resolubilis. Unde licet conceptus sit simplex quia non est ibi affirmatio vel
negatio, tamen est aliquis simpliciter simplex et aliquis non simpliciter
simplex, sicut dictum est. Ex quo patet quomodo intelligendum sit et
exponendum dictum Philosophi IX Metaphysicae, ubi dicitur quod in
conceptibus simplicium non cadit deceptio sicut in conceptibus compo-
sitorum: hoc enim non potest intelligi affirmando vel negando aliquid de
eis, quia sicut vere et false enuntiatur aliquid de composito, ita potest esse
error in enuntiando aliquid de conceptu simplici. Sed hoc ideo dicit, quia
‘ratio compositorum est ratio longa’, multos aggregans conceptus, circa
quorum coniunctionem potest esse error, et aliquando etiam includunt
contradictionem, ut si dicatur ‘homo mortuus’ vel ‘homo irrationalis’; sed
non sic in simplicibus, quia vel totum ibi apprehenditur vel nihil.
[25] Hoc declarato arguitur sic: nulla propositio est per se nota de con-
ceptu non simpliciter simplici nisi per se notum sit partes illius conceptus
non simpliciter simplicis uniri, ut probabitur; sed omnis conceptus pro-
prius, quem nos concipimus de Deo, est non simpliciter simplex; igitur de
nullo conceptu, quem nos concipimus de Deo, erit aliquid per se notum
nisi per se notum sit partes illius conceptus, quem nos de Deo concipi-
mus, per se uniri. Sed non est per se notum illas partes uniri, ut probabi-
tur; igitur nulla talis erit per se nota ‘Deus est’, nec etiam ‘Deus infinitus
est’, in qua enuntiatur aliquid de conceptu quem nos de Deo concipimus.
[26] Probatio maioris: nulla ratio est de aliquo vera nisi sit in se vera,
quia si in se sit falsa, de nullo erit vera: illud patet ex V Metaphysicae
cap. ‘De falso’, ubi vult Philosophus quod falsum in se est quod includit
contradictionem; sed falsum de aliquo est quod non respectu cuiuscu-
mque est falsum, licet hoc contingat de falso in se; igitur oportet quod
praecognoscatur in se vera antequam cognoscatur de aliquo vera. Sed si
non concipiantur partes conceptus non simpliciter simplicis inter se uniri,
non concipitur in se vera; igitur non concipitur ut in aliquo vel de aliquo
A infinitude de Deus 33

ção e negação, se resolve todavia em muitos conceitos dos quais um pode ser
concebido sem o outro, assim como o conceito de espécie é resolúvel em gêne-
ro e em diferença específica. Daí que, ainda que o conceito seja simples porque
ali não há afirmação ou negação, há porém algum simpliciter simples e algum
não simpliciter simples, como se disse. Disso se patenteia de que modo se deva
inteligir e expor o dito pelo Filósofo no livro IX da Metafísica, onde se diz que
nos conceitos simples não se dá decepção como nos conceitos compostos:21
com efeito, não podem inteligir-se afirmando ou negando algo deles, porque
assim se enuncia verdadeiramente ou falsamente algo do composto, de modo
que pode haver erro no enunciar algo de um conceito simples. Mas por isso
diz isto: porque “a razão dos compostos é razão longa”, que agrega muitos
conceitos, acerca desta conjunção pode haver erro, e alguma vez também con-
tradição, como se se dissesse “homem morto” ou “homem irracional”; mas
não assim nos [conceitos] simples, porque ou tudo ali se apreende ou nada
[se aprende].
25. Declarado isso, argui-se assim: nenhuma proposição é per se nota quan-
to a conceito não simpliciter simples, a não ser que se unam de modo per se
notum as partes deste conceito não simpliciter simples, como se provará; mas
todo conceito próprio que nós concebemos de Deus é não simpliciter simples;
portanto, de nenhum conceito que nós concebemos de Deus haverá algo per se
notum se não se unirem de modo per se notum as partes deste conceito que nós
concebemos de Deus. Mas não é per se notum o unir-se destas partes, como se
provará; portanto, nenhuma [proposição] tal como “Deus é” será per se nota,
nem “Deus é infinito”, na qual se enuncia algo quanto a um conceito que nós
concebemos de Deus.
26. Prova da maior: nenhuma razão é com respeito a algo verdadeira se não
é em si verdadeira, porque, se em si é falsa, com respeito a nada será verdadei-
ra: o que se patenteia do livro V da Metafísica, cap. “Do falso”, onde quer o
Filósofo que o falso em si é o que inclui contradição; mas o falso com respeito
a algo é o que não é falso com respeito a tudo, ainda que isto aconteça quanto
ao falso em si; portanto, é necessário que se conheça em si a verdadeira antes
que à verdadeira com respeito a algo. Mas, se não se concebem as partes do
conceito não simpliciter simples como unindo-se entre si, não se concebe a ver-
dadeira em si; portanto, não se concebe como em algo ou com respeito a algo

21 Com a expressão “não se dá decepção” (non cadit deceptio), Scot refere-se à passagem da Metafísica
(IX, 1052a, 30-35) em que Aristóteles diz não haver falsidade nem engano quando se considera o ser
como verdadeiro e o não-ser como falso. [N. C.]
34 Duns Scot

vera. Nihil igitur est per se notum de conceptu non simpliciter simplici
nisi praecognoscantur partes illius conceptus uniri.
[27] Item, alia propositio assumpta est vera, quod ‘omnis conceptus
quem nos concipimus de Deo, est non simpliciter simplex’, quia omnis
conceptus meus de Deo est communis mihi et sibi, ut patebit infra.
[28] Item, alia propositio assumpta est vera, scilicet quod ‘non est per
se notum partes illius conceptus uniri quem nos de Deo concipimus’, quia
una pars potest demonstrari de alia, ut quod ‘Deus est infinitus’ et quod
‘Deus est’, prout nos Deum concipimus.
[29] Ex isto patet quod male dicunt dicentes huiusmodi esse per se; no-
tas ‘Deus est’, et ‘necesse esse est’, et ‘operans actu est, quia, ut dicunt,
oppositum praedicati repugnat subiecto, ergo propositio est per se nota.
Dico quod non sunt per se notae, quia quando ponitur conceptus non
simpliciter simplex in subiecto, oportet quod notum sit per se partes illius
conceptus uniri; quod non contingit hic ‘necesse esse est’ et ‘operans actu
est’, quia non est per se notum aliquid necessarium esse, sed hoc demons-
trari potest. Unde et heraclitici negabant ‘necesse esse’, et omnia esse in
continuo motu dicebant. Sic est de ista ‘operans actu est’, quia non est no-
tum per se operans esse in actu. Unde non sequitur ‘oppositum praedicati
repugnat subiecto, igitur est necessaria’, immo stat quod sit falsa, ut ista
‘homo irrationalis est animal’: non enim stant simul quod nullum animal
sit, et tamen quod homo irrationalis sit. Sic est de ista etiam ‘aliquid maius
Deo est’, quod est falsa, et tamen oppositum praedicati repugnat subiecto.
[30] Si dicas, in ista ‘necesse esse est’ ponitur praedicatum in subiecto, et
similiter hic ‘operans actu est’, igitur est per se nota, dico quod non sequitur,
quia non est per se nota habitudo inter ea quae ponuntur in subiecto.
A infinitude de Deus 35

verdadeira. Nada pois é per se notum com respeito ao conceito não simpliciter
simples se não se pré-conhecem que as partes de tal conceito se unem.
27. Além disso, é verdadeira outra proposição assumida, a saber, que “todo
conceito que nós concebemos de Deus é não simpliciter simples”, porque todo
conceito meu de Deus é comum a mim e a Ele, como se patenteará abaixo.
28. Além disso, é verdadeira outra proposição recebida, a saber, que “não é
per se notum que se unem as partes do conceito que nós concebemos de Deus”,
porque uma parte pode demonstrar-se da outra, como em “Deus é infinito” e
em “Deus é”, segundo o que nós concebemos de Deus.
29. Disto se patenteia que dizem mal os que dizem que são per se nota
“Deus é”, “é necessário que seja” e “é ato operante”, porque, como dizem, o
oposto do predicado repugna ao sujeito, logo a proposição é per se nota. Digo
que não são per se notae, porque, quando se põe um conceito não simpliciter
simples no sujeito, é necessário que seja em si evidente que as partes de tal
conceito se unem; o que não acontece aqui com “é necessário que seja” e “é
operante em ato”, porque não é per se notum que algo seja necessário, senão
que isto pode demonstrar-se. Daí que também os heraclitianos negassem o
“ser necessário”, e dissessem que tudo está em contínuo movimento. Assim
com respeito a esta: “é operante em ato”, porque não é notum per se que está
em ato. Daí que não se siga que “o oposto do predicado repugna ao sujeito,
portanto é necessária”; muito pelo contrário, dá-se que seja falsa, como esta:
“o homem irracional é animal”: não se sustentam simultaneamente, com efei-
to, que não seja nenhum animal e que, no entanto, o homem seja irracional.
Assim também com respeito a esta: “há algo maior que Deus”, que é falsa, e
no entanto o oposto do predicado repugna ao sujeito.
30. Se dizes que nesta: “é necessário que seja”, se põe o predicado no sujeito, e
similarmente aqui: “é operante em ato”, e que portanto é per se nota, digo que não
se segue, porque não é per se nota a habitudo22 entre esses que se põem no sujeito.

22 É impossível escapar ao jargão filosófico em textos escolásticos. No caso da Lectura, optamos por
não traduzir literalmente termos que fazem parte do glossário metafísico do Doutor Sutil, daí a manu-
tenção de alguns vocábulos latinos no corpo do texto em português, como habitudo. Nesta passagem,
por exemplo, está pressuposto o conceito de habitus em Scot, o qual deve ser entendido, no plano
ontológico, como o hábito dos primeiros princípios da razão especulativa por meio do qual esta se torna
apta a chegar a conclusões – seja por dedução, seja por indução. O princípio da não-contradição,
por exemplo, expressa um hábito entendido como postura fundamental da razão; trata-se, em certa
medida, de um hábito natural, ou melhor, é justamente este o hábito próprio da natureza racional.
Ocorre que a noção de hábito em Scot é ainda mais delicada. Diz Hofmeister: “(...) os hábitos teóricos
obtíveis de forma natural ou que tipificam a realização científica teórica do intelecto humano são
aqueles que, em diferença de um hábito prático ou ciência prática, têm como fim pura e simplesmente
o conhecimento da verdade, não a ação apropriada”. Roberto Hofmeister, “O anti-averroísmo de
36 Duns Scot

[31] Sed contra hoc arguitur logice sic. si oppositum praedicati alicuius


propositionis repugnet subiecto, igitur ad esse subiecti sequetur esse prae-
dicati, ut in ista ‘homo est animal’ oppositum animalis repugnat homini,
igitur sequitur ‘si homo est, animal  est’. Si igitur in ista ‘homo irratio-
nalis est animal’ oppositum praedicati repugnet subiecto, igitur sequetur
‘homo irrationalis est, igitur animal est’; igitur medium erit verum, scilicet
‘homo irrationalis est animal’. Igitur si oppositum praedicati repugnet su-
biecto, propositio erit vera et necessaria. Dico quod non tenet consequen-
tia, quia extrema debent uniri secundum quae tenet consequentia. Nunc
ista consequentia ‘homo irrationalis est, igitur animal est’ tenet non ex
parte ‘irrationalis’, sed tantum ex parte ‘hominis’; et ideo illud medium
est verum, ‘homo est animal’, in cuius virtute tenet. Et ideo haec non est
consequentia ‘homo irrationalis est, igitur homo est’, quia irrationale nihil
facit ad consequentiam, et ab eodem ad idem non est consequentia; et
ideo nec haec ‘necesse esse est, igitur est’.
[32] Sic igitur patet primo quae propositio est per se nota, quoniam
illa quae ex conceptibus terminorum suorum et non aliorum habet evi-
dentiam suae veritatis in quolibet intellectu concipiente terminos. Hoc
enim sequitur ex primo.
[33] Patet etiam quomodo haec est per se nota ‘Deus est’, et quomodo
non. Nam intelligendo per Deum hanc essentiam divinam quam nos non
concipimus, est per se nota; sed intelligendo per Deum hoc quod primum
de Deo concipimus in universali, quod sit primum principium et infini-
tum, et multa talia, sic non est per se nota, ut iam ostensum est.
A infinitude de Deus 37

31. Mas contra isto se argui logicamente assim: se o oposto do predicado


de alguma proposição repugna ao sujeito, portanto a esse sujeito se seguirá ser
do predicado, assim como nesta: “o homem é animal”, o oposto de animal
repugna a homem, logo se segue: “se é homem, é animal”. Se portanto nesta:
“o homem irracional é animal”, o oposto do predicado repugna ao sujeito,
portanto se seguirá: “o homem é irracional, logo é animal”; portanto, será ver-
dadeiro o meio, a saber, “o homem irracional é animal”. Portanto, se o oposto
do predicado repugna ao sujeito, a proposição será verdadeira e necessária.
Digo que não se sustenta a conseqüência, porque os extremos devem unir-se
segundo o que a conseqüência sustenta. Agora, esta conseqüência: “o homem
é irracional, logo é animal”, se sustenta não da parte de “irracional”, mas só
da parte de “homem”; e por isso é verdadeiro este meio: “o homem é animal”,
em cuja virtude se sustenta. E por isso não é esta a conseqüência: “o homem é
irracional, logo é homem”, porque irracional nada diz respeito à conseqüência,
e pelo mesmo quanto ao mesmo não é conseqüência; e por isso tampouco
esta: “é necessário que seja, logo é”.
32. Assim, pois, patenteia-se primeiro que a proposição é per se nota se,
em qualquer intelecto que concebe os termos, tem a evidência de sua verdade
dos conceitos de seus termos, e não de outros. Isto se segue, com efeito, do
primeiro.
33. Patenteia-se também de que modo é per se nota esta: “Deus é”, e de que
modo não. Pois, se se intelige por Deus a essência divina que nós não conce-
bemos, é per se nota; mas, se se intelige por Deus isto que primeiro de Deus
concebemos em universal, ou seja, que seja o primeiro princípio e infinito, e
muitos outros que tais, assim não é per se nota, como já se mostrou.23

Duns Scotus no Prólogo da ‘Ordinatio’: o terceiro argumento”, Revista Dissertatio, Porto Alegre,
Universidade Federal de Pelotas, 2008, p. 168. No corpo do texto, ao frisar que a habitudo não é
evidentíssima (per se nota) nas proposições mencionadas, Scot está a indicar-nos que elas não são
suficientes para manifestar as verdades nelas contidas. [N. C.]
23 Ao contrário do que pode parecer ao leitor desafeiçoado ao rigor escolástico, Duns Scot não está
aqui a fazer um mero jogo de palavras. Ele tem em vista a sua própria doutrina acerca do modo como
se dá o conhecimento científico, à luz do Livro I dos Analíticos Posteriores de Aristóteles. O Doutor
Sutil, no rastro do Estagirita, diz que o conhecimento científico precisa obedecer a quatro condições:
1- que seja um conhecimento certo, sem erros formais nem dúvidas; 2- que tenha por objeto algo
necessário, e não contingente; 3- que a sua causa seja evidente para o intelecto; e 4- que o modo de
proceder do investigador seja silogístico. Cf. Duns Scot, Ordinatio, Prol., qq. 1-2. Nestas passagens
da Lectura, o seu cuidado em estabelecer com clareza o caráter da evidência evidentíssima (per se
nota), e em que medida este conceito se aplica a proposições cujo objeto seja a existência de Deus,
denota um louvável intuito demonstrativo, menos encontrável em textos filosóficos contemporâneos
de que gostaríamos de ver. [N. C.]
38 Duns Scot

[34]  Ad primam rationem, quando dicitur per Damascenum quod


‘cognitio Dei omnibus est inserta’, dico quod dicit ibidem quod “nullus
novit Deum esse nisi per revelationem”; oportet igitur quod dictum suum
glossetur. Ideo potest dici quod eius cognitio omnibus est inserta non in
particulari, sed in universali et secundum conceptus communes, qui pro-
priissime Deo conveniunt; et ideo per appropriationem dicitur quod eius
cognitio omnibus est inserta, unde ‘ens’ et ‘actus’ etc. propriissime Deo
conveniunt. Vel aliter potest dici quod cognitio Dei omnibus est inserta
per cognitionem creaturarum, ex qua devenitur in cognitionem Dei, licet
eius cognitio secundum se non sit per se nota.
[35] Ad aliud, quando arguitur de Anselmo ‘illud quo maius cogitari
non potest esse, est per se notum’, dico quod non. Unde intentio Anselmi
ibi non est ostendere quod Deum esse sit per se notum, sed quod hoc sit
verum. Et facit duos syllogismos, quorum primus est: ‘omni eo quod non
est, aliquid est maius; sed summo nihil est maius; igitur summum non est
non ens. Est alius syllogismus: ‘quod non est non ens, est; sed summum
non est non ens; igitur summum est’.
[36] Ad aliud, quando arguitur quod ‘veritatem esse est per se notum’,
dico uno modo quod in argumento est fallacia consequentis, arguendo a
veritate in communi ad veritatem ‘hanc’, quae Deus est; aliter dico quod
non est per se nota ‘veritatem esse’. Et quando arguitur quod ‘si veritas
non est, verum est veritatem non esse’, dico quod consequentia non valet,
A infinitude de Deus 39

34. Quanto à primeira razão, quando diz Damasceno que “a cognição de


Deus está inserta em todas as coisas”, digo que diz o mesmo que “ninguém
conhece que Deus é senão por revelação”; é necessário, portanto, que seu dito
seja glosado. Por isso pode dizer-se que sua cognição [de Deus] está inserta
em todas as coisas não em particular, mas em universal e segundo conceitos
comuns, que propriissimamente convêm a Deus; e por isso se diz por apro-
priação que sua cognição está inserta em todas as coisas, razão por que “ente”
e “ato”, etc., convêm propriissimamente a Deus. Ou pode dizer-se, de outro
modo, que a cognição de Deus está inserta em todas as coisas pela cognição
das criaturas, pela qual devém a cognição [acerca] de Deus, ainda que secun-
dum se sua cognição não seja per se nota.
35. Quanto à outra, quando se argui quanto a Anselmo: “aquilo que não
se pode cogitar nada maior é per se notum”, digo que não. Daí que a intenção
de Anselmo ali não seja mostrar que é per se notum que Deus é, mas que isto é
verdadeiro. E faz dois silogismos, o primeiro dos quais é: “que tudo o que não
é, algo é maior; mas [com relação ao que é] sumo, nada é maior; portanto, o
sumo não é não-ente”. O outro silogismo é: “o que não é não-ente é; mas o
sumo não é não-ente; portanto, o sumo é”.24
36. Quanto à outra, quando se argui que “é per se notum que a verdade é”,
digo de um modo que no argumento há falácia do conseqüente,25 por arguir
da verdade em comum a “esta” verdade, que Deus é; de outro modo digo que
não é per se nota que “a verdade é”. E, quanto se argui que, “se a verdade não é,
é verdadeiro que a verdade não é”, digo que a conseqüência não vale, porque a

24 É conhecida a boa acolhida que Duns Scot dá ao argumento ontológico de Santo Anselmo. Não
que o aceite por completo, mas também não o impugna; dá-lhe um colorido. “Per illud potest colorari
illa ratio Anselmi de summo cogitabili. Intelligenda est descriptio eius sic: Deus est quo cogitato sine
contradictione maius cogitari non potest. Sine contradiction: nam in cuius cogitation includitur
contradictio, illud dicitur non cogitabile, et ita est” (“Por isso pode ser colorida a razão anselmiana
do sumo cogitável. Deve entender-se assim sua descrição: ‘Deus é algo tal que, pensado sem contradi-
ção, não se pode conceber nada maior, sem contradição”). Duns Scot, De Primo Principio, IV, 134.
Também na presente passagem da Lectura, o Doutor Sutil busca justificar o argumento de Santo An-
selmo enquadrando-o num plano meramente lógico, não obstante Santo Tomás, antes dele, já tivesse
demonstrado que o problema do famoso argumento é justamente dar um salto indevido do plano
lógico ao ontológico. Muita tinta já foi lançada sobre o papel neste tema, e não é o nosso intuito
esmiuçá-lo nesta breve nota, mas apenas deixar uma indicação. [N. C.]
25 A fallacia consequentis resulta sempre de um raciocínio inválido. Ela consiste na afirmação inde-
vida do conseqüente – e tem a clássica forma “Se A, então B. B, logo A”. Ex.: Se José estudar muito,
passará no teste de química; José passou no teste de química; logo José estudou muito. O non sequitur
deste tipo de raciocínio deriva do fato de que, mesmo no caso de serem válidas as premissas, a conclusão
não se segue necessariamente delas. Mesmo tendo estudado muito, José pode ter passado no teste
de química valendo-se de um procedimento escuso, como copiar as respostas de um colega. [N. C.]
40 Duns Scot

quia veritas non est nisi in re fundamentaliter vel in intellectu formaliter;


sed si nihil sit verum, tunc nihil est, et per consequens in nullo veritas est.
Et ideo non sequitur quod si veritas non est, igitur verum est illud dictum
‘verum non esse’.
[37] Ad aliud, quando arguitur quod haec ‘Deus est’ habet necessita-
tem terminorum simpliciter, haec autem non ‘omne totum est maius sua
parte’, dico quod necessitas propositionis non est necessitas ex parte rei,
sed consistit in evidentia complexionis in intellectu ex habitudine termi-
norum. Nunc autem ‘Deum esse’ habet necessitatem ex parte rei et etiam
evidentiam, sed tamen alia habet maiorem evidentiam in intellectu ex
habitudine terminorum, et ideo est per se nota, licet non alia.
[38] Ad primam vero quaestionem dicendum est quod, quia in ente
infinito sunt proprietates respectivae ad creaturas, et ex respectivo esse
concluditur aliud esse, ideo proprietates respectivae Dei ad creaturas sunt
propriae viae cognoscendi esse Dei et eius infinitatem; et huiusmodi pro-
prietates oportet ostendere.
[39] Duae autem sunt proprietates Dei respectu creaturarum, scilicet
eminentia in bonitate et causalitas. Eminentia indivisa remanet, sed cau-
salitas dividitur, et secundum aliquos dividitur in causam exemplarem,
efficientem et finalem; et dicunt quod causa exemplaris ponit rem in esse
quiditativo. Sed dico nunc, et inferius latius dicetur, quod causa exempla-
ris non ponit in numerum cum causa efficiente; causa enim exemplaris in
mente artificis non ponit rem in esse nisi quatenus concurrit cum causa
efficiente; unde si aliqua sit causa formalis, dicetur eminentia magis causa
formalis, quia eminentius continet in virtute formas aliorum et unitive
continet alia. Unde in Deo sunt ista tria: eminentia, efficientia et finalitas.
A infinitude de Deus 41

verdade não está senão in re fundamentalmente ou no intelecto formalmente;


mas, se nada é verdadeiro, então nada é, e por conseguinte em nenhum há
verdade. E por isso não se segue que, se a verdade não é, logo é verdadeiro
aquele dito: “não é verdadeiro”.
37. Quanto à outra, quando se argui que esta: “Deus é”, tem necessidade
dos termos simpliciter, mas não esta: “qualquer todo é maior que sua parte”,
digo que a necessidade da proposição não é necessidade da parte da coisa, mas
consiste na evidência da complexão no intelecto pela habitudo26 dos termos.
Agora, porém, “que Deus é” tem [sua] necessidade da parte da coisa e também
[sua] evidência, mas a outra tem maior evidência no intelecto pela habitudo
dos termos, e por isso é per se nota, conquanto não a outra.
38. Mas à primeira questão deve dizer-se que, porque no ente infinito há
propriedades respectivas às criaturas, e do respectivo conclui-se que há outro
ser, por isso as propriedades respectivas de Deus às criaturas são vias próprias
para conhecer que Deus é e sua infinidade; e, desse modo, é necessário mostrar
tais propriedades.

[A. Demonstra-se que Deus é pelas


propriedades relativas às criaturas]
39. Duas porém são as propriedades de Deus com respeito às criaturas,
a saber, a eminência em bondade e a causalidade. A eminência permanece
indivisa, mas a causalidade divide-se, e segundo alguns27 se divide em causa
exemplar, em causa eficiente e em causa final; e dizem que a causa exemplar
põe a coisa no ser qüiditativo. Mas digo agora, e mais adiante o direi mais
amplamente,28 que a causa exemplar não põe em número a causa eficiente;
com efeito, a causa exemplar na mente do artífice não põe a coisa no ser senão
na medida em que concorre com a causa eficiente; daí que, se há alguma causa
formal,29 diz-se eminência antes da causa formal, porque o mais eminente
contém em virtude as formas dos outros e unitivamente contêm os outros.
Daí que em Deus haja estas três: eminência, eficiência e finalidade.

26 Ver nota 22.


27 Henrique de Gand, Summa quaest. ordin., art. 22, q. 4, vol. 1 (Paris, 1520), fol. 132 n.
28 Duns Scot, Lectura Oxon. I, d. 36, n. 19.
29 Em síntese, Scot está a frisar que a causa formal se dá sempre na coisa (in re), ao passo que a causa
exemplar pode dar-se na mente do artífice sem se dar na coisa. Trata-se, neste caso, de uma eminência
ontológica. [N. C.]
42 Duns Scot

[40] Efficientia autem potest considerari vel ut est passio metaphysica


vel passio physica, et in plus est ut est passio metaphysica quam physica,
quia in plus est dare esse alteri quam dare esse per motum et mutationem,
licet non haberet aliquid esse nisi per motum et mutationem; tamen una
non est intentio alterius. Et via efficientiae, ut pertinet ad metaphysicum,
est via efficacior ad concludendum esse de Deo quam ut est passio physi-
ca, quia plures passiones sunt in metaphysica quibus potest ostendi esse
Dei quam in physica, ut per compositionem et simplicitatem, per actum
et potentiam, et per unum et multa, et per illa quae consequuntur ens.
Unde quorum extrema dividentia ens imperfecte inveniuntur in creatura,
eorum opposita concludunt extrema perfecta in Deo. Et ideo male dixit
Averroes in fine I Physicorum - contra Avicennam - quod solum ad phy-
sicum pertinet ostendere Deum esse quia hoc solum potest ostendi per
motum et non alio medio, ac si metaphysica inciperet a conclusione pro-
bata a physica et indigeret ea, quasi non exsistens certa in se (falsum enim
dixit ibi in fine I Physicorum); immo verius et multiplicius potest ostendi
per passiones metaphysicas, quae consequuntur ens. Cuius probatio est:
primum efficiens non solum dat hoc esse fluens, sed dat esse simpliciter,
quod est communius et perfectius; nunc autem ex primitate inferioris
non sequitur primitas superioris nisi illud inferius sit nobilissimum (unde
non sequitur ‘est asinus nobilissimus, igitur est animal nobilissimum’, sed
sequitur ‘est homo nobilissimus, igitur est animal nobilissimum’); et ideo
ex proprietate entis nobilissimi magis potest argui primitas entis quam ex
primitate moventis primi.
[41] Omittendo igitur rationem physicam, qua probatur primum mo-
vens esse, arguitur ex parte entis primum efficiens esse secundum efficien-
A infinitude de Deus 43

1. Pela eficiência
40. Pode considerar-se a eficiência, porém, ou como uma paixão metafísica
ou como uma paixão física, e é [mais] in plus30 como paixão metafísica que
como física, porque in plus é [mais] dar o ser a outro [sem movimento] que
dar um ser por movimento e mutação,31 ainda que não houvesse nenhum ser
senão por movimento e mutação; no entanto, uma não é intenção da outra.
E a via da eficiência, enquanto pertence à metafísica, é mais eficaz para
concluir que Deus é32 do que como [o seria] a paixão física, porque há mais
paixões na metafísica pelas quais se pode mostrar que Deus é do que na física,
como pela composição e pela simplicidade, pelo ato e pela potência, e pelo
uno e por muitos, e pelas [propriedades] que se seguem ao ente. Daí que, se
dos extremos que dividem o ente uns se encontram imperfeitamente na cria-
tura, os extremos opostos se encerram perfeitamente em Deus.
E por isso diz mal Averróis no final do livro I da Física33 – contra Avicena
– que só ao físico pertence mostrar que Deus é porque isto só pode mostrar-se
pelo movimento e não por outro meio, como se a metafísica partisse de uma
conclusão provada pela física e carecesse dela, como se não existisse certa em si
(falso, com efeito, é o que diz ali, no final do livro I da Física); muito pelo con-
trário, com mais verdade e mais multiplamente tal pode mostrar-se pelas paixões
metafísicas, que se seguem ao ente. A prova disto é: o primeiro eficiente não só
dá este ser fluente,34 mas dá o ser simpliciter,35 que é mais comum e mais perfeito;
agora, porém, do primado do inferior não se segue a primazia do superior a não
ser que o inferior seja notabilíssimo (donde não seguir-se “é asno nobilíssimo,
portanto é animal nobilíssimo”, mas seguir-se “é homem nobilíssimo, portanto
é animal nobilíssimo”); e por isso da propriedade do ente nobilíssimo mais se
pode arguir a primazia do ente do que do primado do primeiro movente.
41. Omitindo, portanto, a razão física, pela qual se prova que há um pri-
meiro movente, argui-se da parte do ente que há um primeiro eficiente segun-

30 Ou seja, tem alcance maior. [N. C.]


31 O pressuposto metafísico de Duns Scot nesta passagem é o de que, no ato criador de Deus, não
existe movimento. Em resumo, o conceito de criação do nada (creatio ex nihilo) exclui o movimento
porque, neste caso, não há um sujeito extrínseco a Deus que transite da potência ao ato. Em contra-
partida, toda mutação pressupõe um sujeito que se movimenta. [N. C.]
32 Ou seja, existe.
33 Averróis, Phys. I, com. 83 (Comment. in Arist. opera, Veneza, 1483).
34 O ser que flui; aquele cuja propriedade é transitar da potência ao ato. [N. C.]
35 O propósito do Doutor Sutil neste trecho da Lectura parece ser o de ressaltar que dar o ser em
sentido absoluto, do nada, é mais do que dar o ser em movimento. [N. C.]
44 Duns Scot

tiam entis, et est ratio Richardi I De Trinitate cap. 8:


Aliquod ens est non aeternum, et ideo non a se nec a nihilo, quia nihil
producit se ipsum; igitur est ab alio ente. Aut igitur illud ens dat esse in
virtute alterius, aut non; et iterum aut suum esse capit ab alio, aut non.
Si neque sic nec sic - quod nec dat esse in virtute alterius nec capit esse ab
alio - ipsum est primum efficiens, quia haec est ratio primi efficientis. Si
sic, quaero de illo alio ut prius, et non est procedere in infinitum; igitur
stabitur in aliquo primo efficiente quod non causat in virtute alterius nec
capit esse ab alio. 
[42] Sed contra hanc rationem obicitur: Primo, quia videtur petere:
petit enim statum et ordinem in causis; nunc autem si non esset aliquod
primum efficiens, negandus esset status et ordo in causis.
[43] Item, non videtur esse demonstratio, quia procedit ex praemissa
contingente, nam omne quod est a Deo est contingenter; et ideo haec
contingens est respectu Dei ‘aliquod ens est non aeternum’, quia ex ipsa
sequitur ‘aliquod ens non aeternum est’, quae contingens est; et demons-
tratio est ex necessariis.
[44]  Item, cum non sit demonstratio ‘propter quid’, videtur etiam
quod non sit demonstratio ‘quia est’, quia quando demonstratur aliqua
A infinitude de Deus 45

do a eficiência do ente, e é a razão de Ricardo [de São Vítor] no livro I de De


Trinitate, cap. 8.36
Algum ente é não eterno, e por isso não é por si nem do nada, porque nada
se produz a si mesmo. Ou portanto tal ente dá o ser em virtude de outro, ou
não; e, ainda, ou recebe seu ser de outro, ou não. Se nem um nem outro – ou
seja, nem dá o ser em virtude de outro nem o recebe de outro –, é então o
primeiro eficiente, porque esta é a razão de primeiro eficiente. Se sim, inquiro
quanto a outro por outro como antes, e não se há de proceder ao infinito;37
portanto, parar-se-á em algum primeiro eficiente que não causa em virtude de
outro nem recebe o ser de outro.
42. Mas contra esta razão se objeta:
Primeiro, porque parece petição de princípio: postulo, com efeito, que há
uma parada e uma ordem nas causas; agora, porém, se não houvesse um pri-
meiro eficiente, haveria que negar a parada e a ordem nas causas.
43. Além disso, não parece haver [nesta razão] demonstração, porque ela
procede de uma premissa contingente, pois tudo o que provém de Deus fá-lo
contingentemente; e por isso é contingente esta [premissa]: “algum ente é não
eterno”, porque dela se segue que “algum ente não eterno é”, que é contingen-
te; e a demonstração procede de premissas necessárias.
44. Além disso, como não é uma demonstração propter quid, parece que
tampouco seja demonstração quia [ou quia est],38 porque, quando se demons-

36 Ricardo de São Vítor, De Trin. I, c. 8 (PL 196, 894).


37 Vale dizer que os argumentos de Scot contra o regresso ao infinito nas causas ordenadas por
essência – em outra obra, o Tractatus de Primo Principio – são vários: 1- A totalidade das causas essen-
cialmente ordenadas não pode ser causada por nenhum dos elementos da série, pois, neste caso, este
elemento seria a causa de si mesmo, o que é absurdo. Logo, a série deve ser causada por algo extrínseco
a ela, que lhe imponha necessariamente um limite. Sendo assim, é impossível a infinitude de causas
ordenadas per essentiam. 2- Se houvesse infinita ordenação essencial na ordem do ser, infinitas causas
essencialmente ordenadas seriam simultâneas em ato, ou seja: dar-se-ia uma infinidade atual de cau-
sas ordenadas, conclusão que só mesmo os filosofastros (philosophantes), segundo Scot, admitiriam.
Pois muito bem: o que é anterior está mais próximo ao princípio. Mas onde não há princípio não
pode haver anterior nem posterior; logo, é impossível que a série seja infinita. 3- Uma infinidade de
causas acidentalmente ordenadas seria possível se se fundasse em causas essencialmente ordenadas
infinitas, pois o essencial está para o acidental assim como o ato está para a potência. Mas, provada a
impossibilidade da infinitude essencial, fica a fortiori demonstrada a impossibilidade da infinitude da
série acidental. 4- Infinitude implica “omnímoda simplicidade” (omnimoda simplicitas); sendo assim,
a infinitude exclui qualquer composição de partes quantitativas. Ora, toda e qualquer série de causas
— seja acidental ou essencial — contém partes quantitativas, na medida em que numa relação causal
há a anterioridade da causa e a posterioridade do efeito. Logo, série causal infinita é contradictio in
terminis. Cf. Duns Scot, De Primo Principio, C-C. 3-4.
38 Cf. Aristóteles, Anal. post. I, c. 13 (78 a 22-78 b 14), para a distinção entre demonstração
propter quid e demonstração quia.
46 Duns Scot

conclusio demonstratione ‘quia est’, semper e converso potest fieri de-


monstratio ‘propter quid’, a causa ad effectum; sed ex esse primae causae
non potest concludi ‘propter quid’ esse aliorum; igitur nec e contra de-
monstratione ‘quia’.
[45] Ad horum igitur solutionem primo est sciendum quod non sunt
idem causae per accidens et causae accidentaliter ordinatae, nec etiam sunt
idem causae per se et causae essentialiter ordinatae. Quia cum dico cau-
sam per se aut causam per accidens, solum exprimitur comparatio unius
ad unum, scilicet causae ad effectum; sed cum dicitur ‘causae accidenta-
liter vel essentialiter ordinatae’, comparantur duae causae ad unum effec-
tum, unde ibi est comparatio duorum ad unum. Unde causae ‘essentialiter
ordinatae’ sunt causae quarum una ordinatur ad aliam ut causant tertium
effectum; sed causae ‘accidentaliter ordinatae’ sunt quarum una non or-
dinatur ad aliam respectu effectus causandi, ut pater et avus respectu filii.
[46] Secundo, ex his sequitur triplex differentia inter causas per se or-
dinatas et causas accidentaliter ordinatas: Prima differentia est quod una
causa per se dependet ab alia ut causat aliquem effectum; non sic in cau-
sis accidentaliter ordinatis ad unum effectum. Unde una causalitas unius
causae accidentaliter ordinatae sufficit ad productionem unius effectus,
non autem causalitas unius causae essentialiter ordinatae.
[47] Et ex hoc sequitur secunda differentia, quod in causis essentialiter
ordinatis non est causalitas unius rationis, nec sub eadem ratione respi-
ciunt effectum; sed causalitas in causis accidentaliter ordinatis est unius
rationis, quia immediate possunt respicere eundem effectum.
A infinitude de Deus 47

tra alguma conclusão por demonstração quia [do efeito para a causa], sempre
se pode fazer também uma demonstração conversa propter quid, da causa para o
efeito; mas de que a primeira causa é não pode concluir-se propter quid que ou-
tros sejam; portanto, tampouco em sentido contrário, por demonstração quia.
45. Para a solução destas [objeções], deve saber-se em primeiro lugar que
não são o mesmo as causas per accidens e as causas acidentalmente ordenadas,
nem são o mesmo as causas per se e as causas essencialmente ordenadas.39
Porque, quando digo causa per se ou causa per accidens, só se exprime a com-
paração de um a um, ou seja, da causa ao efeito; mas, quando se diz “causas
acidentalmente ou essencialmente ordenadas”, comparam-se duas causas a um
efeito, razão por que aí há comparação de dois a um. Daí que as causas “essen-
cialmente ordenadas” sejam causas que se ordenam uma à outra de modo que
causam um terceiro, o efeito; mas as causas “acidentalmente ordenadas” não
se ordenam uma à outra com respeito à causação do efeito, como o pai e o avô
com respeito ao filho.40
46. Em segundo lugar, disto se segue uma tripla diferença entre as causas
per se ordenadas e as causas acidentalmente ordenadas.
A primeira diferença é que uma causa per se depende de outra para causar
algum efeito; não assim nas causas acidentalmente ordenadas a um efeito. Daí
que uma causalidade de uma causa acidentalmente ordenada seja suficiente
para a produção de um efeito, mas não a causalidade de uma causa essencial-
mente ordenada.
47. E disto se segue a segunda diferença, ou seja, que nas causas essencial-
mente ordenadas não há causalidade sob uma só razão,41 [porque] nem sob
a mesma razão visam ao efeito; mas a causalidade nas causas acidentalmente
ordenadas é de uma razão, porque imediatamente podem visar ao mesmo
efeito.42

39 Nas causas essencialmente ordenadas, o efeito, para produzir-se e manter-se, precisa do influxo
causal atual de todas as causas da série. Nas causas acidentalmente ordenadas, o efeito, para produzir e
manter-se, não precisa do influxo causal atual de todas as causas da série em que está inserido. [N. C.]
40 Um filho insere-se numa série causal acidentalmente ordenada. Para que ele viva não é necessário,
por exemplo, que os seus tataravós – causas distantes do ser do filho, na série – estejam vivos. [N. C.]
41 “(...) causalitas unius rationis”. Na série essencialmente ordenada, o influxo causal se dá de dife-
rentes modos. Numa estante de livros, por exemplo, o modo causal dos parafusos que sustentam as
prateleiras é de natureza distinta, por exemplo, do modo causal decorrente do tipo de material de
que são feitas as prateleiras. A necessária concomitância no causar – típica das causas ordenadas per
essentiam – não implica que todos os elementos da série causem da mesma maneira, ou, no glossário
de Duns Scot, “sob uma só razão” (causalitas unius rationis). [N. C.]
42 Na causalidade per accidens não se remonta a causas distantes, mas apenas a causas próximas que
48 Duns Scot

[48]  Ex hoc etiam sequitur tertia differentia, quod causalitates om-


nium causarum essentialiter ordinatarum concurrunt simul ad produc-
tionem effectus, quia ad productionem effectus oportet quod omnes eius
causae necessariae concurrant; sed omnes causae essentialiter ordinatae
sunt causae necessariae; igitur omnes causae essentialiter ordinatae actu
concurrunt ad productionem effectus. Sed hoc non oportet in causis ac-
cidentaliter ordinatis, quia quaelibet habet suam perfectam causalitatem
sine alia respectu sui effectus, et sunt eiusdem rationis, immediate respi-
cientes effectum.
[49] His igitur suppositis, excludenda est petitio principii quantum ad
statum in causis. Probo igitur primo quod in causis essentialiter ordinatis
est status: Primo per rationem Philosophi II Metaphysicae (et Avicennae
VIII cap. 1), quae videtur esse ista: ‘omnium causarum mediarum haben-
tium primum et ultimum, - causant in virtute primi, ita quod causalitas
eorum est a primo’, sicut ostendit ibidem Philosophus, ‘quia non est ab
ultimo sed a primo, quia si alicui istorum convenit causare, hoc magis
conveniet primo’. Sed minor eius videtur esse ista, quod ‘si omnes causae
sunt infinitae, omnes sunt mediae’, igitur omnes causant in virtute primae
causae; et ita oportet ponere primum in causis efficientibus.
[50] Sed dices quod cum accipitur in minore ‘omnes causae infinitae
sunt mediae’, aut accipitur quod sunt mediae inter primum et ultimum,
et tunc petitur primum esse, quod debet probari; si autem non intelligatur
quod sint mediae inter primum et ultimum, sed tantum mediae negative,
tunc sunt quattuor termini, nec sequitur conclusio.
[51] Ideo dico quod illa propositio, primo accepta, non est maior in
ratione Philosophi, sed est antecedens ad maiorem suae rationis. Est igitur
sua ratio ista: ‘omnium causarum mediarum habentium primum et ulti-
mum, - habent causalitatem a primo, igitur omnium causarum mediarum
causalitas est a primo; sed si sint infinitae causae, omnes sunt mediae; igi-
A infinitude de Deus 49

48. Disto também se segue a terceira diferença, ou seja, que as causalida-


des de todas as causas essencialmente ordenadas concorrem simultaneamente
para a produção do efeito, porque para a produção do efeito é necessário que
concorram todas as suas causas necessárias; mas todas as causas essencialmen-
te ordenadas são causas necessárias; portanto, todas as causas essencialmente
ordenadas em ato concorrem para a produção do efeito. Mas isto não é ne-
cessário nas causas acidentalmente ordenadas, porque cada uma delas tem sua
causalidade perfeita sem a outra com respeito a seu efeito, e são da mesma
razão,43 e imediatamente visam ao efeito.
49. Suposto isso, portanto, é de excluir que seja petição de princípio quan-
to à parada [ou termo] nas causas. Provo primeiro, portanto, que nas causas
essencialmente ordenadas há parada [término]:
Primeiro pela razão do Filósofo no livro II da Metafísica44 (e de Avicena
no VIII, cap. 1),45 a qual parece ser esta: “Todas as causas médias que têm
primeira e última causam em virtude da primeira, de sorte que sua causali-
dade vem da primeira”, como o mostra no mesmo lugar o Filósofo, “porque
não vêm da última mas da primeira, porque, se a algumas destas convém
causar, tal convém mais à primeira”. Mas sua menor parece ser esta: “se
todas as causas são infinitas, todas são médias”, portanto todas causam em
virtude da causa primeira; e desse modo é necessário pôr uma primeira nas
causas eficientes.
50. Mas dizes que, quando se aceita na menor “todas as causas infinitas são
médias”, ou se aceita que são médias entre a primeira e a última, e então se
postula que há uma primeira, o que deve provar-se; ou não se intelige que são
médias entre a primeira e a última, mas tão-somente médias negativamente, e
então há quatro termos, razão por que não se segue a conclusão.
51. Por isso digo que esta proposição, a primeiramente aceita, não é a
maior na razão do Filósofo, senão que é o antecedente da maior de sua razão.
Sua razão, portanto, é esta: “todas as causas médias que têm primeira e última
têm sua causalidade da primeira, portanto a causalidade de todas as causas mé-
dias vem da primeira; mas, se há causas infinitas, todas são médias; portanto,

concorrem para produzir o mesmo efeito. [N. C]


43 “(...) et sunt eiusdem rationis”. Na série acidental de causas, como os efeitos atuais decorrem de
causas próximas – as quais, não obstante, mantêm um vínculo com as causas intermédias e as distan-
tes –, com relação ao efeito próximo todas as causas da série são “da mesma razão”, ou seja, estão sob
a égide de uma causalidade comum na produção do referido efeito. [N. C.]
44 II, c. 2 (994 a 1113).
45 Avicena, Opera (Veneza 1508).
50 Duns Scot

tur causalitas earum est a primo. Sed si sint infinitae, tunc non est prima:
igitur est prima causa et non prima’!
Probatio consequentiae acceptae: Omnes causae qualitercumque me-
diae, sive positive sive negative, sunt causatae, tota igitur coordinatio causa-
rum mediarum est causata; ergo ab aliquo quod nihil est illius coordinationis,
- igitur est primum.
[52] Praeterea, causalitates omnium causarum essentialium simul con-
currunt ad causandum aliquod causatum, sicut praeostensum est; sed in-
finita non possunt concurrere in unum, non igitur sunt infinitae; est igitur
dare primam.
[53]  Praeterea, causa prior in causando habet perfectiorem causali-
tatem, et quanto est prior tanto habet perfectiorem causalitatem, igitur
causa prior in infinitum habet causalitatem infinitam; sed si sit processus
in infinitum in causis essentialiter ordinatis, tunc est causa prior in infi-
nitum; igitur, hoc eodem dato, erit causa habens causalitatem infinitam.
Sed habens causalitatem infinitam in causando, non dependet ab alio, et
tale est primum; igitur etc.
[54] Praeterea, esse effectivum non ponit imperfectionem in entibus;
sed quidquid est perfectionis in entibus potest esse in aliquo sine imper-
fectione; igitur esse effectivum potest esse in aliquo sine imperfectione.
Sed hoc non est possibile nisi independenter causat, quod est esse causa
prima efficiens; igitur etc.
[55] Item, si ponitur infinitas in causis accidentaliter ordinatis, sequi-
tur ‘statum’ esse in causis essentialiter ordinatis: illae enim causae acci-
dentaliter ordinatae sunt in individuis eiusdem speciei. Tunc sic: nulla
deformitas est perpetua nisi a causa perpetua perpetuante - extra istam co-
ordinationem - istam deformitatem. Probatio: nihil huius coordinationis
potest esse causa totius perpetuae deformitatis, quia in talibus accidenta-
liter ordinatis unum est tantum causa unius; igitur ultra istam coordina-
tionem deformem oportet ponere aliquam causam primam et essentialem
perpetuantem. Unde deformitas est a causa deformi, sed uniformitas per-
petua istius deformitatis erit a causa extra istam coordinationem; et ita,
si sit processus in accidentaliter ordinatis, erit status ad aliquam causam
primam essentialem a qua omnes accidentaliter ordinatae dependent.
A infinitude de Deus 51

sua causalidade vem da primeira. Mas, se são infinitas, então não há primeira:
portanto, há causa primeira e não a há”.
Prova da conseqüência aceita: Todas as causas de qualquer modo mé-
dias, ou positivamente ou negativamente, são causadas, portanto toda a coor-
denação das causas médias é causada; logo, é causada por alguma que nada é
dessa coordenação – portanto, é a primeira.
52. Ademais, as causalidades de todas as causas essenciais concorrem si-
multaneamente para causar algo causado, como já se mostrou; mas infinitas
coisas não podem concorrer para uma coisa, portanto [as causas] não são infi-
nitas; portanto, há de dar-se uma primeira.
53. Ademais, uma causa anterior no causar tem causalidade mais perfeita,
e, quanto mais anterior é, tanto mais tem causalidade perfeita, portanto a
causa anterior no infinito tem causalidade infinita; mas, se há um processo
ao infinito nas causas essencialmente ordenadas, então há causa anterior ao
infinito; portanto, dado isto mesmo, haverá uma causa que tem causalidade
infinita. Mas que tenha causalidade infinita no causar não depende de outra,
e tal é a primeira; portanto, etc.
54. Ademais, o ser efetivo não põe imperfeição nos entes; mas tudo quanto
há de perfeição nos entes pode haver em algum sem imperfeição; portanto,
o ser efetivo pode haver em algum [ente] sem imperfeição. Mas isto não é
possível a não ser que cause independentemente, o que é o ser causa eficiente
primeira; portanto, etc.
55. Além disso, se se põe que há infinitas [causas] nas causas acidental-
mente ordenadas, segue-se que há uma “parada” nas causas essencialmente
ordenadas: com efeito, as causas acidentalmente ordenadas dão-se nos indi-
víduos da mesma espécie. Então, assim: nenhuma deformidade é perpétua
senão por uma causa perpétua que perpetue – fora de tal coordenação – essa
deformidade. Prova: nada de tal coordenação pode ser a causa de toda a per-
pétua deformidade, porque nas causas acidentalmente ordenadas uma só é
causa de um; portanto, fora de tal coordenação deforme é necessário pôr
alguma causa primeira e essencial que a perpetue. Daí que a deformidade
provenha da causa deforme, mas a uniformidade perpétua dessa deformidade
provirá de uma causa fora de tal coordenação; e desse modo, se há processo
[infinito] nas [causas] acidentalmente ordenadas, haverá parada [ou termo]
em alguma causa primeira essencial de que dependam todas as [causas] aci-
dentalmente ordenadas.
52 Duns Scot

Ex his excluditur petitio in statu et ordine causarum essentialium.


[56] Ad illud quod secundo arguitur contra rationem praefatam, quod
‘arguitur ex contingente, scilicet quod sit aliquod ens aliud a Deo’, - phi-
losophi dicerent quod hoc est necessarium propter ordinem essentialem
causati ad causam.
Dico tamen primo sic, quod licet sit contingens respectu Dei, est ta-
men contingens evidentissimum, ut qui neget aliquod ens esse quod non
sit aeternum, indiget sensu et paena; et ideo ex tali contingente potest
ostendi aliquod necessarium, quia ex contingente sequitur necessarium,
licet non e contra.
[57] Item, dico quod licet entia alia a Deo actualiter sint contingentia
respectu esse actualis, non tamen respectu esse potentialis. Unde illa quae
dicuntur contingentia respectu actualis exsistentiae, respectu potentialis
sunt necessaria, ut licet hominem esse sit contingens, tamen ipsum esse
‘possibile esse’ est necessarium, quia non includit contradictionem ad esse;
aliquid igitur ‘possibile esse’, aliud a Deo, est necessarium, quia ens dividitur
in possibile et necessarium, et sicut enti necessario ex sua habitudine sive
quiditate est necessitas, ita enti possibili ex sua quiditate est possibilitas.
Fiat igitur ratio, quae prior, cum possibilitate essendi, et erunt propositiones
necessariae sic: ‘Possibile est aliquid aliud a Deo esse, et non a se (quia tunc
non esset possibile esse) nec a nihilo; igitur ab alio potest esse. Illud aliud aut
potest agere in virtute sui, et non alterius, et esse non ab alio, - aut non. Si
sic, igitur potest esse primum; et si potest, igitur est, sicut prius probatur. Si
non, et non est processus in infinitum, igitur aliquando stabitur’.
[58] Ad aliud, ‘quando arguitur demonstratione quia est, e contra
potest fieri demonstratio propter quid’, dicendum quod non est semper
verum, quia non solum ex effectu concluditur causa secundum ratio-
nem illam qua causat talem effectum, sed etiam secundum alias ratio-
nes sine quibus non est causa; et ideo solum est propositio vera quando
ex effectu concluditur causa secundum rationem illam secundum quam
causat effectum.
[59]  Sic igitur primo ex efficientia ostenditur aliquod primum esse,
quia, ut ostensum est, est aliquid a quo possunt omnia possibilia esse; sed
illud a quo possunt omnia possibilia esse non potest esse non a se, quia
tunc esset a nihilo; igitur oportet quod sit a se actu. Et ita propositum.
A infinitude de Deus 53

Por isso se exclui a petição [de princípio] na parada e na ordem das causas
essenciais.
56. Quanto ao que em segundo lugar se argui contra a razão antes feita, ou
seja, que “se argui de contingente, ou seja, que há algum outro ente que Deus”,
os filósofos diriam que isto é necessário pela ordem essencial de causado a causa.
Digo primeiro, todavia, que, conquanto tal seja contingente com respeito
a Deus, é porém contingente evidentíssimo, de sorte que o que negue que
há algum ente que não seja eterno carece de sentido e de castigo; e por isso a
partir de tal contingente pode mostrar-se algum necessário, porque do contin-
gente se segue o necessário, ainda que não vice-versa.
57. Além disso, digo que, conquanto os entes outros que Deus sejam atual-
mente contingentes com respeito ao ser atual, não o são, contudo, com respeito
ao ser potencial. Daí que os que se dizem contingentes com respeito à existên-
cia atual sejam necessários com respeito à potencial, de sorte que, conquanto
seja contingente que o homem seja, que porém seja “possível ser” é necessário,
porque não inclui contradição ao ser; portanto, que algo seja “possível ser”, ou-
tro que Deus, é necessário, porque o ente se divide em possível e em necessário,
e, assim como ao ente é necessário que a necessidade provenha de sua habitudo
ou quididade, assim também ao ente possível a possibilidade provém de sua
quididade. Faça-se pois a razão anterior com a possibilidade de ser, e haverá
proposições necessárias, assim: “É possível que algo outro que Deus seja, e não
por si (porque então não seria possível que fosse) nem do nada; portanto, pode
ser por outro. Este outro ou pode agir em virtude de si, e não de outro, e ser
não por outro – ou não. Se sim, portanto pode ser o primeiro; e, se o pode, por-
tanto é, como antes se provou. Se não, e não há processo ao infinito, portanto
haverá que parar [na causa primeira]”.
58. Quanto à outra, “quando se argui com uma demonstração quia [ou
quia est], e contrariamente [ou conversamente] pode fazer-se uma demonstra-
ção propter quid, deve dizer-se que não é sempre verdadeira, porque do efeito
se conclui a causa não só segundo aquela razão pela qual causa tal efeito, mas
também segundo outras razões sem as quais não é causa; e por isso só há pro-
posição verdadeira quando do efeito se conclui a causa segundo aquela razão
segundo a qual causa o efeito.
59. Assim, pois, em primeiro lugar, pela eficiência se mostra que há algum
primeiro, porque, como se mostrou, há algo pelo qual podem ser todos os
possíveis; mas aquilo pelo qual podem ser todos os possíveis não pode não ser
por si, porque então seria do nada; portanto, é necessário que seja por si em
ato. E assim [se prova] o proposto.
54 Duns Scot

[60]  Secundo, hoc ostenditur ex fine. Aliquid est aptum natum ad


finem, illud igitur aut finit in virtute sui, aut alterius; si primum, igitur
habetur primum; si in virtute alterius, igitur illud aliud est aptum natum
ad finem, et non est processus in infinitum; igitur stabitur ad primum
finem. Haec est ratio Philosophi II Metaphysicae et XII eiusdem de bono
quod est perfectissimum, et Augustini VIII De Trinitate cap. 3: “Tolle hoc
bonum” etc.
[61] Tertia via est ex eminentia. Aliquod bonum est quod est excessum
vel natum excedi (si vis arguere cum possibilitate), igitur est aliquid exce-
dens vel natum excedere; illud igitur vel exceditur aut natum est excedi,
vel non: si non, igitur est primum in eminentia bonitatis; si sic, et non est
procedere in infinitum, igitur idem quod prius
[62] Sic igitur ostenditur triplex primum, scilicet primum in efficien-
tia et primum in eminentia, et primum cuius gratia. Et illud triplex pri-
mum est idem, quia primum efficiens est actualissimum et primum in
eminentia est optimum; sed quod est actualissimum, illud est optimum,
nihil mali aut potentiae habens admixtum. Item, primum efficiens non
intendit aliquid aliud a se, quia tunc illud esset nobilius eo; igitur est ulti-
mus finis, et ita primum in gradu finium. Sunt igitur idem.
[63] Item, antequam ostendatur aliquod ens infinitum esse, proba-
tur quod Deus sit sua intellectio, quia si sua intellectio sit accidens et
non natura eius, igitur cum primum ens sit causa efficiens omnium,
erit causa suae intellectionis; sed Deus est agens per cognitionem, igitur
prius cognovit eam. Et de illa cognitione quaeritur sicut prius, aut erit
A infinitude de Deus 55

2. Pela finalidade
60. Em segundo lugar, isso se mostra pelo fim. Algo é naturalmente apto
ao fim, e portanto ou finit em virtude de si, ou de outro;46 se o primeiro, tem-
-se um [fim] primeiro; se em virtude de outro, este outro, portanto, é natural-
mente apto ao fim, e não há processo ao infinito; portanto, deve-se parar num
primeiro fim. Esta é a razão do Filósofo no livro II da Metafísica e no XII da
mesma obra quanto ao bem que é perfeitíssimo, e a de Agostinho no livro VIII
de De Trinitate, cap. 3: “Tira este bem”, etc.

3. Pela eminência
61. A terceira via é a pela eminência. Há algum bem que é excedido ou
naturalmente apto a ser excedido (se queres arguir com a possibilidade), por-
tanto há algo que excede ou é naturalmente apto a exceder; este, portanto, ou
é excedido ou é naturalmente apto a ser excedido, ou não: se não, é portanto
o primeiro em eminência de bondade; se sim, e como não há que proceder ao
infinito, o mesmo pois que antes.47
62. Assim, pois, mostra-se um tríplice primeiro, a saber, um primeiro em
eficiência, e um primeiro em eminência, e um primeiro cuius gratia [quanto ao
fim]. E este tríplice primeiro é o mesmo, porque o primeiro eficiente é atua-
líssimo, e o primeiro em eminência é ótimo; mas o que é atualíssimo é ótimo,
sem nenhuma mescla de mal ou de potência. Além disso, o primeiro eficiente
não tende a outro que ele mesmo, porque então [se o fizesse] este outro seria
mais nobre que ele; portanto, é o fim último, e desse modo o primeiro dos fins
em grau. São pois o mesmo.
63. Além disso, antes de mostrar-se que algum ente é infinito, prova-
-se que Deus é seu intelecto, porque, se sua intelecção é acidente e não sua
natureza,48 portanto, como o primeiro ente é causa eficiente de todas as coi-
sas, será causa de sua intelecção; mas Deus é agente por cognição, portanto
antes as terá conhecido.49 E quanto a esta cognição se inquire como antes,

46 Quanto à impossibilidade de remontar ao infinito nas séries causais, ver nota 41.
47 Duns Scot mostra por este raciocínio que, ao fim e ao cabo, a ordem do ser clama logicamente
pela existência de um ser inexcedível, eminentíssimo – aquele sem cuja existência toda a realidade
transformar-se-ia numa clamorosa absurdidade. [N. C]
48 Não sendo a intelecção de Deus um acidente, só poderá ser a Sua própria essência. Em sentido
estrito, Deus não conhece; Ele é o próprio conhecimento. N’Ele ser e conhecer identificam-se em
grau máximo. [N. C.]
49 O mais apropriado é dizer: Deus não conhece as coisas como são; as coisas são como são porque
56 Duns Scot

processus in infinitum ad hoc quod aliquid intelligat, et sic numquam


aliquid intelliget.
[64] Ex his descendo ad propositum et dico quod illud primum effi-
ciens et finis et eminens est infinitum.
[65] Quod ostenditur primo ex parte efficientiae per rationem Philo-
sophi Physicorum VIII, ubi sic arguit, quod quia primum movens movet
tempore infinito, sequitur ipsum esse infinitum secundum virtutem.
[66] Sed dices contra hanc rationem primo quod antecedens secun-
dum veritatem falsum est, quia non erit motus in infinitum.
[67] Item, consequentia nulla videtur esse, quia corpus finitae virtutis,
ut sol, secundum intentionem Philosophi movebit tempore infinito; et
secundum veritatem potest movere tempore infinito.
[68]  Ideo aliqui declarant hanc consequentiam sic: quando ali-
qua >causa producit effectum in virtute sui, tunc omnes effectus qui suc-
cessive producuntur, simul continentur in virtute illius causae, quia tale
agens non potest recipere ab alio virtutem agendi, et ideo simul in virtute
sua habet omnes effectus qui successive producuntur; sed primum effi-
ciens agit in virtute sui; igitur simul in virtute sua continentur effectus
successive producti, qui sunt infiniti in potentia: sed hoc est habere virtu-
tem infinitam. Sed, ut dicunt, non sic est de sole, quia sol agit in virtute
alterius, ideo non simul habet virtutem respectu omnium effectuum pro-
ductorum successive.
[69] Item, si primum movens movet tempore infinito, igitur produce-
re potest successive infinita, quia quolibet motu potest aliquid producere,
et hoc virtute sui; sed habere potentiam in virtute sui ad producendum
infinita, est habere potentiam infinitam.
[70] Sed istae rationes non concludunt, quia non maioris perfectionis
est aliquis effectus qui diu durat quam si modicum duraret, sicut non
maioris perfectionis est albedo durans per centum annos quam quae durat
per unum diem; igitur similiter nec causa erit maioris perfectionis quia
diu causat effectus quam si semel, quia potest in infinito tempore movere
A infinitude de Deus 57

[e haverá] processo ao infinito quanto a que intelija algo, e assim nunca


inteligirá algo.

[B. Prova-se a infinidade de Deus]


64. Disso desço [ou volto] ao propósito [inicial] e digo que aquele primei-
ro eficiente e primeiro fim e primeiro eminente é infinito.
65. O que se mostra primeiro da parte da eficiência pela razão do Filósofo
no livro VIII da Física, onde assim argui: porque o primeiro movente move
em tempo infinito, segue-se que é infinito segundo virtude.
66. Mas dizes contrariamente a esta razão, em primeiro lugar, que o ante-
cedente é falso segundo a verdade, porque não haverá movimento ao infinito.
67. Além disso, a conseqüência parece ser nula, porque um corpo de vir-
tude finita, como o sol, segundo a intenção do Filósofo moverá em tempo
infinito; e segundo a verdade pode mover em tempo infinito.
68. Por isso alguns declaram esta conseqüência assim: quando alguma
causa produz o efeito em virtude de si mesma, então todos os efeitos que se
produzem sucessivamente se contêm simultaneamente na virtude dessa cau-
sa, porque tal agente não pode receber de outro a virtude de agir, e por isso
tem simultaneamente em sua virtude todos os efeitos que sucessivamente se
produzem; mas o primeiro eficiente age em virtude de si; portanto, em sua
virtude se contêm simultaneamente os efeitos produzidos sucessivamente, que
são infinitos em potência; mas isso é ter virtude infinita. Mas, como dizem,
não assim quanto ao sol, porque o sol age em virtude de outro, razão por que
não tem simultaneamente virtude com respeito a todos os efeitos produzidos
sucessivamente.
69. Além disso, se o primeiro movente move em tempo infinito, pode por-
tanto produzir sucessivamente infinitas coisas, porque por cada movimento
pode produzir algo, e isto por virtude sua; mas ter potência em virtude de si
para produzir infinitas coisas é ter potência infinita.
70. Mas estas razões não concluem, porque um efeito que dura muito não
tem maior perfeição do que se durasse pouco, assim como não tem maior
perfeição a brancura que dura cem de anos do que a que dura só um dia; por-
tanto, similarmente tampouco uma causa terá maior perfeição porque cause
efeitos durante longo tempo do que se os causasse de uma vez, porque pode
mover em tempo infinito pela mesma virtude por que move em um dia: por-

Deus as conhece. [N. C.]


58 Duns Scot

eadem virtute qua movet in uno die: igitur tantum habetur aeternitas
causae, et aeternitas non concludit infinitatem.
[71]  Item, non maioris perfectionis est producere plura individua
eiusdem speciei successive quam unum simul, sicut calidum non habet
maiorem perfectionem in producendo plura calida successive quam in
productione unius; sed tota illa infinitas productorum per motum est
individuorum et non specierum diversarum; igitur non arguit maiorem
perfectionem quam productio unius individui.
[72] Ideo dicendum est quod ratio Philosophi bene tenet, quia licet
antecedens cum actuali inhaerentia sit falsum, tamen si accipitur cum
nota possibilitatis, verum est, et non refert sive accipitur sic sive sic. Nam
si primum movens possit movere tempore infinito et hoc non habet ab
alio, igitur a se: ex quo sequitur ulterius quod sit virtutis infinitae. Et sic
consequentia bona. Quae probatur sic:
Ubicumque pluralitas numeralis in uno extremo requirit maiorem per-
fectionem in alio extremo, ibi pluralitas infinita in uno extremo requi-
rit perfectionem infinitam in alio extremo, verbi gratia si ferre decem sit
maioris virtutis quam ferre unum, igitur ferre infinita erit virtutis infinitae;
sed producere plura simul requirit perfectiorem potentiam quam produ-
cere unum; igitur producere infinita simul requirit potentiam infinitam.
Sed primum movens, quantum est ex se, potest producere infinita simul,
ut probabitur, igitur in se erit potentiae infinitae. - Probatio propositionis
assumptae: manifestum est quod primum efficiens habet potentiam ut
causa remota ad producendum infinita simul, si essent producibilia; sed
si omnes illae causae proximae, quibus producuntur infinita successive,
essent simul cum causa prima remota, possent simul producere infinita;
cum igitur potentia primi efficientis includit omnes potentias formales
medias, infinitas in potentia, et omnes causalitates omnium causarum
mediarum perfectius quam si essent in actu, ut probabitur, sequitur quod
primum efficiens quantum est ex parte sui habet potentiam ad produ-
cendum infinita in actu. Probatio assumptae: manifestum est quod causa
prima habet causalitatem causae proximae perfectius quam causa proxima
habet, quia non habet eam nisi a prima, similiter secunda causa habet per-
fectius causalitatem causae tertiae quam ipsa habet, quia non habet nisi a
secunda, et sic usque ad ultimam; igitur a primo ad ultimum causa prima
A infinitude de Deus 59

tanto, só se tem [assim] a eternidade das causas, e a eternidade não conclui a


infinidade.
71. Além disso, não é de maior perfeição produzir muitos indivíduos da
mesma espécie sucessivamente que a um só simultaneamente, assim como o
quente não tem maior perfeição ao produzir muitos quentes sucessivamente
do que na produção de um; mas todos aqueles infinitos [efeitos] produzidos
por movimento são indivíduos e não espécies diversas; portanto, [sua produ-
ção] não argui maior perfeição que a produção de um [só] indivíduo.
72. Por isso deve dizer-se que a razão do Filósofo se sustenta bem, porque,
conquanto o antecedente como inerência atual seja falso, se todavia se toma
como nota de possibilidade, é verdadeiro, e [o Filósofo] não refere se o toma
em um ou em outro sentido. Pois, se o primeiro movente pode mover em
tempo infinito e isto não o tem de outro, então o tem de si: do que se segue
ulteriormente que seja virtude infinita. E assim a conseqüência é boa. Isso se
prova assim:
Sempre que a pluralidade numeral em um extremo requer maior per-
feição no outro extremo, aí a pluralidade infinita em um extremo requer
perfeição infinita no outro extremo, por exemplo: se o levar dez coisas é de
maior virtude que o levar um, então o levar infinitas coisas será de virtu-
de infinita; mas produzir muitos [efeitos] simultaneamente requer potência
mais perfeita que produzir um [só]; portanto, produzir infinitos [efeitos]
simultaneamente requer uma potência infinita. Mas o primeiro movente
pode de si produzir infinitos [efeitos] simultaneamente, como se provará, e
portanto haverá nele potência infinita. – A prova da proposição assumida:
é manifesto que o primeiro eficiente tem potência como causa remota para
produzir simultaneamente infinitos [efeitos], se [estes] são produzíveis; mas,
se todas as causas próximas, pelas quais são produzidos infinitos [efeitos]
sucessivamente, existissem simultaneamente com a causa primeira remota,
poderiam produzir simultaneamente infinitos [efeitos]; como pois a potên-
cia do primeiro eficiente inclui todas as potências formais médias, infinitas
em potência, e todas as causalidades de todas as causas médias mais perfei-
tamente do que se [estas] fossem em ato, como se provará, segue-se que o
primeiro eficiente tem de si potência para produzir infinitos [efeitos] em
ato. Prova da assumida: é manifesto que a causa primeira tem a causalidade
da causa próxima mais perfeitamente do que a tem a causa próxima, porque
[esta] não a tem senão da primeira, e similarmente a causa segunda tem mais
perfeitamente a causalidade da causa terceira do que esta mesma a tem, por-
que não a tem senão da segunda, e assim até à última; portanto, da primeira
60 Duns Scot

perfectius habet causalitates causarum mediarum quam causae mediae in


se habent.
[73] Item, consequentia ostenditur sic: causa secunda non requiritur
necessario cum causa prima propter perfectionem causalitatis in produ-
cendo (probatio: quando plures causae requiruntur propter perfectionem
causalitatis respectu alicuius effectus, effectus qui producitur a pluribus
erit perfectior quam qui producitur ab una; sed effectus remotissimus re-
quirit omnes causas, sed proximus effectus non requirit nisi unam tantum;
cum tamen effectus remotior sit imperfectior quam effectus proximus,
igitur causa secunda non requiritur cum causa prima propter indigentiam
causalitatis); si igitur causa prima cum causis mediis infinitis in actu essent
et possent producere infinita in actu, sequitur quod causa prima quantum
est ex se potest infinita producere, et ita erit virtutis infinitae.
[74] Unde philosophi volunt dicere quod cum causa prima requiritur
causa secunda non propter causalitatem, sed ut producatur effectus im-
perfectus, existimantes quod a causa prima perfecta non procedit effectus
imperfectus immediate nisi mediante alia causa medla.
[75] Praeterea, hoc etiam nituntur aliqui arguere ex parte efficientiae,
quod primum ens potest creare, igitur est virtutis infinitae. Consequen-
tiam ostendunt, quia inter contradictoria est infinita distantia; sed super
infinitam distantiam non potest nisi virtus infinita; igitur cum creare sit
aliquid de nihilo facere, sequitur quod si primum efficiens possit creare,
quod sit virtutis infinitae.
[76] Sed ista ratio non habet efficaciam:
Primo, capit creationem esse, quam fide tenemus, et ita non demonstrat.
Secundo, quia semper inter contradictoria est minima distantia, quia
nihil potest tam parum distare ab uno extremo quin sit sub alio, et per
A infinitude de Deus 61

à última, a causa primeira tem mais perfeitamente as causalidades das causas


médias do que as causas médias as têm em si.50
73. Além disso, mostra-se assim a conseqüência: a causa segunda não se
requer necessariamente [junto] com a causa primeira para [que haja] maior
perfeição da causalidade produtora (prova: quando se requerem várias causas
pela perfeição da causalidade com respeito a algum efeito, o efeito produzido
por muitas [causas] será mais perfeito que o produzido por uma [só]; mas o
efeito remotíssimo requer todas as causas, enquanto o efeito próximo não re-
quer senão uma só; como porém o efeito mais remoto é mais imperfeito que
o efeito próximo, então a causa segunda não se requer com a causa primeira
por indigência de causalidade);51 se pois a causa primeira com as causas médias
infinitas forem em ato e puderem produzir infinitos [efeitos] em ato, seguir-
-se-á que a causa primeira pode de si produzir infinitos [efeitos], e assim será
de virtude infinita.
74. Daí que os filósofos queiram dizer que com a causa primeira se requer
a causa segunda não pela causalidade, mas porque se pode produzir um efeito
imperfeito, considerando eles que da causa primeira perfeita não procede ime-
diatamente um efeito imperfeito senão mediante outra causa média.
75. Ademais, todavia, alguns se esforçam por arguir da parte da eficiência
que o primeiro ente pode criar, portanto é de virtude infinita. Mostram a
conseqüência, porque entre os contraditórios há distância infinita; mas a dis-
tância infinita só a pode vencer uma virtude infinita; portanto, como criar é
fazer algo de nada, segue-se que, se o primeiro eficiente pode criar, é então de
virtude infinita.
76. Mas esta razão não tem eficácia:
Em primeiro lugar, supõe que há criação, que todavia temos por fé, e por
isso não se demonstra.
Em segundo lugar, porque sempre entre os contraditórios há uma distância
mínima, porque nada pode distar muito pouco de um extremo sem cair sob o

50 Este argumento alude à causalidade de uma série per essentiam, na qual a causa anterior considera-
-se mais perfeita quanto ao modo de causar, e não apenas isto: a causa anterior perdura virtualmente
na posterior. Isto não ocorre nas causas acidentalmente ordenadas, em que o influxo causal não alcan-
ça efeitos distantes. A causa primeira da ordem do ser é onipresente, entre outros fatores, porque, por
sua virtude infinita, é mantenedora de todos os entes. Quando Scot, nesta passagem, diz que a causa
primeira “tem mais perfeitamente as causalidades das causas médias do que as causas médias as têm
em si”, refere-se a este alcance infinito da sua virtude – à qual podemos chamar “onipotência”. [N. C].
51 “(...) indigentiam causalitatis”. Em síntese, a causa segunda, sendo literalmente intermédia, parti-
cipa da perfeição da causa primeira, e o seu poder causativo é “indigente” – no sentido de participado
e dependente do poder da primeira causa. [N. C.]
62 Duns Scot

consequens minima est ibi latitudo et distantia; est tamen ibi maxima dis-
tantia virtute, quia omnes alias oppositiones certificat et distantias earum.
[77] Item, in alio deficit ratio, quia distantia dupliciter potest intelligi
infinita: vel in se, ita quod careat terminis, sicut si poneretur linea non
actu terminata; alio modo potest intelligi infinita distantia ex parte alte-
rius extremi, sicut dicimus quod creatura distat ininfinitum a Deo: hoc
solum est propter infinitatem alterius extremi, unde si poneretur creatura
suprema super quam non posset esse alia, adhuc esset infinita distantia
isto modo inter creaturam et Deum. Et isto modo intelligitur distantia
inter nihil et aliquid et inter negationem et affirmationem; unde tantum
distat negatio ab affirmatione, quantum est ipsa affirmatio, et ideo quod
potest super affirmationem, potest super illam distantiam: unde ratio non
concludit.
[78]  Secundo, principaliter, hoc arguitur ex parte intellectionis di-
vinae, nam sicut prius, quando pluralitas numeralis requirit maiorem
perfectionem, et infinita infinitam; sed intellectio plurium distincte est
maioris perfectionis quam intellectio unius tantum, ut probabitur; igitur
intellectio actu infinitorum requirit infinitam perfectionem. Sed primum
intelligens et efficiens unica intellectione intelligit actu et distincte infini-
ta, ut probabitur; igitur est actu infinitae perfectionis.
[79] Probatio primae assumptae: intellectio cuiuslibet obiecti distincte
requirit aliquam perfectionem; igitur intellectiones plurium obiectorum dis-
tincte; sunt maioris perfectionis; si igitur sit una intellectio quae actu con-
tineat omnes, ipsa erit maioris perfectionis quam intellectio unius tantum.
Probatio secundae assumptae, quod intellectio Dei est infinitorum in actu,
ut infinitarum figurarum et numerorum: nam quaecumque infinita sunt in
potentia, ubi sunt simul, sunt actu infinita quia oppositum non stat, sicut pa-
tet; sed intelligibilia quae nos intelligimus intelligendo unum post aliud, sunt
infinita in potentia et actu sunt in intellectione Dei, quia potest intellectio sua
esse omnium quae possunt esse; igitur actu intelligit infinita. 
[80] Tertio, hoc ostenditur ex parte essentiae divinae, quae est ratio
intelligendi: sicut enim intellectio quae est distincte plurium, est perfec-
tior illa quae est unius tantum, sic illud quod est principium intelligendi
distincte plura, est perfectius illo quod est tantum principium intelligen-
A infinitude de Deus 63

outro, e por conseguinte é mínima aí a latitude e distância; mas aí é máxima a


distância em virtude, porque assegura todas as outras oposições e distâncias suas.
77. Além disso, em outra coisa também falha a razão, porque a distância
infinita pode inteligir-se duplamente: ou em si, de modo que careça de termos,
como se se pusesse uma linha não terminada em ato; em outro modo, pode
inteligir-se uma distância infinita da parte do outro extremo, assim como dize-
mos que a criatura dista infinitamente de Deus; isto não é senão pela infinida-
de do outro extremo, razão por que, se se pusesse uma criatura suprema acima
da qual não pudesse haver outra, ainda neste modo haveria distância infinita
entre a criatura e Deus. E neste modo se intelige a distância entre o nada e algo
e entre a negação e a afirmação; daí que tanto diste a negação da afirmação
quanto é a afirmação mesma [neste sentido infinita], e por isso o que pode
quanto à afirmação pode quanto a tal distância: daí que a razão não conclua.
78. Em segundo lugar, principalmente, isto se argui da parte da intelecção
divina, pois, como se disse antes, quando a pluralidade numeral requer maior
perfeição, a infinita [requer perfeição] infinita; mas a intelecção distinta de
muitas coisas é de maior perfeição que a intelecção de uma só, como se prova-
rá; portanto, a intelecção em ato de coisas infinitas requer uma perfeição infi-
nita. Mas o primeiro inteligente e eficiente em uma única intelecção intelige
em ato e distintamente coisas infinitas, como se provará; portanto, é em ato
de perfeição infinita.
79. Prova da primeira [proposição] assumida: a intelecção distinta de
todo e qualquer objeto requer alguma perfeição; portanto, intelecções distin-
tas de vários objetos são de maior perfeição; se pois há uma intelecção que
contenha em ato todos, ela será de maior perfeição que a intelecção de um
só. Prova da segunda [proposição] assumida é que a intelecção de Deus é de
[objetos] infinitos em ato, como de infinitas figuras e [de infinitos] números:
pois onde quaisquer infinitos que haja em potência sejam simultaneamente,
ali são infinitos em ato, porque o oposto não se mantém, como se patenteia;
mas os inteligíveis que nós inteligimos inteligindo um após outro como in-
finitos em potência são em ato na intelecção de Deus, porque sua intelecção
pode ser de todos [os objetos] que possam ser; portanto, intelige em ato
infinitos [objetos].
80. Em terceiro lugar, isto se mostra da parte da essência divina, que é a
razão de [seu] inteligir: assim, com efeito, como a intelecção distinta de vários
[objetos] é mais perfeita que a de um só, assim também o que é princípio
de inteligir distintamente vários é mais perfeito que o que só é princípio de
64 Duns Scot

di unum; et essentia quae repraesentat distincte plura, erit perfectior illa


quae tantum repraesentat unum. Sed essentia divina distincte repraesentat
infinita, igitur habet virtutem infinitam repraesentandi: est igitur infinita.
[81] Praeterea, hoc arguitur non solum quia facit omnia distincte cog-
nosci, sed quia facit haec, ut lapidem, clare videri. Quia quando aliquid
est praecisus effectus alicuius, si perfectius possit esse ab alio, impossibile
est quod illud cuius est effectus, aliquid perfectionis addat supra aliud, - ut
si aliquid sit ex natura sua praecisus effectus a, si perfectius sit a b, impos-
sibile est quod a aliquid addat supra b, quia si aliquid perfectionis adderet,
igitur in alio deficeret aliqua perfectio quae requiritur ad productionem
effectus, cum ille effectus sit praecisus effectus, adaequans potentiam al-
terius causae. Sed visio cuiuslibet obiecti nata est haberi ab obiecto suo
sicut a praecisa causa et propria, igitur impossibile est visionem alicuius
perfectius ab alio haberi, nisi ab illo cui nihil perfectionis superaddit; sed
ab essentia divina perfectius habetur, igitur nec lapis nec aliqua alia essen-
tia aliquam perfectionem superaddit essentiae divinae. Sed quod est tale,
est infinitum; igitur etc.
[82] Quarto, hoc ostenditur ex parte finis: voluntas nostra potest velle
maius bonum quolibet bono finito, tum quia intellectus noster potest in-
telligere maius bonum bono quolibet finito, tum quia voluntas inclinatur
ad appetendum bonum infinitum, cum delectabiliter eliciat actum res-
pectu illius, quod non esset nisi inclinaretur ad ipsum; sed si finis ultimus
non esset bonum infinitum, voluntas non posset inclinari nec appetere
bonum infinitum. Probatio: incompossibile est quod sit maius bonum
fine ultimo, ut praeostensum est, - aut enim tunc posset esse a se aut ab
alio, quod non concludit; igitur si finis ultimus esset bonum finitum et
non infinitum, incompossibile esset bonum infinitum esse; et si hoc, vo-
luntas non posset velle hoc nec inclinaretur ad hoc, quia non inclinatur
ad oppositum sui obiecti.
[83] Quinto, hoc ostenditur ex parte eminentiae: cuicumque non re-
pugnat infinitas, non est simpliciter perfectum nisi sit infinitum, ut si ali-
cui non repugnat decimus gradus alicuius perfectionis, non est simpliciter
perfectum nisi sit in decimo gradu; sed enti in quantum ens non repugnat
infinitas, sicut probabitur; igitur ens eminentissimum et perfectissimum
erit infinitum.
A infinitude de Deus 65

inteligir um; e a essência que representa distintamente vários [objetos] será


mais perfeita que a que só representa um. Mas a essência divina representa
distintamente infinitos [objetos], portanto tem virtude infinita de representar:
é portanto infinita.
81. Ademais, argui-se isto não só porque faz conhecer distintamente to-
das as coisas, mas porque faz ver claramente isto, como uma pedra. Porque,
quando algo é o efeito preciso de alguma causa, se [esse efeito] pode sê-lo mais
perfeitamente por outra, é impossível que aquela de que é efeito possa adicio-
nar algo de perfeição à outra – assim como, se algo é de sua natureza o efeito
preciso de a, se o é mais perfeito que por b, é impossível que a adicione algo
a b, porque, se lhe adicionasse alguma perfeição, então na outra faltaria algu-
ma perfeição requerida para a produção do efeito, porque tal efeito é o efeito
preciso que adéqua a potência da outra causa. Mas a visão de todo e qualquer
objeto pode ter-se naturalmente tanto por seu objeto como pela causa precisa
e própria, e portanto é impossível que a visão de algum [objeto] possa ter-se
mais perfeitamente por outro, se não é por outro a que não acrescente nenhu-
ma perfeição; mas pela essência divina tem-se mais perfeitamente, portanto
nem a pedra nem nenhuma outra essência acrescenta perfeição alguma à es-
sência divina. Mas o que é tal é infinito; logo, etc.
82. Em quarto lugar, isto se mostra da parte do fim: nossa vontade pode
querer um bem maior que qualquer bem finito, já porque nosso intelecto
pode inteligir um bem maior que qualquer bem finito, já porque a vontade
se inclina a apetecer um bem infinito, dado que faz surgir deleitavelmente o
ato com respeito a ele, o que não se daria se não se inclinasse a ele; mas, se o
fim último não fosse o bem infinito, a vontade não poderia inclinar-se ao bem
infinito nem apetecê-lo. Prova: é incompossível com o fim último que haja um
bem maior que ele, como se mostrou antes – ou então, com efeito, poderia
ser por si ou por outro, o que não conclui; portanto, se o fim último fosse um
bem finito e não infinito, seria incompossível haver um bem infinito; e, se isto
[fosse assim], a vontade não poderia querer isto nem inclinar-se a isto, porque
não se inclina ao oposto de seu objeto.
83. Em quinto lugar, isto se mostra da parte da eminência: aquilo a que
não repugna a infinidade não é simpliciter perfeito se não é infinito, assim
como, se a algo não repugna o décimo grau de alguma perfeição, não é simpli-
citer perfeito se não se encontra no décimo grau; mas ao ente enquanto ente
não repugna a infinidade, como se provará; portanto, o ente eminentíssimo e
perfeitíssimo será infinito.
66 Duns Scot

[84] Probatio assumptae: Si infinitum repugnaret enti, dicendo igitur


‘ens infinitum’, aut esset repugnantia formalis, ut ‘homo non homo’, aut
repugnantia virtualis, ut ‘homo non risibilis’. Non prima, quia repugnan-
tia formalis accipitur ex rationibus terminorum; sed ratio et conceptus
entis non potest manifestari, sicut docet Avicenna in I Metaphysicae, -
similiter conceptus infiniti est manifestus, quia infinitum est illud quod
excedi non potest; inter autem istos conceptus nulla contradictio est: non
enim est contradictio quod sit ens et quod excedi non possit. Similiter
non est repugnantia virtualis, quia primae passiones entis evidentissime
insunt enti, ut verum et bonum et huiusmodi, sed non ‘infinitum’, quia
non includit ens ipsum infinitum ut passionem convertibilem cum eo;
unde haec non est primo vera ‘ens est infinitum’, nisi sub disiunctione ad
suum oppositum.
[85] Item, cum quantitas virtutis sit maioris perfectionis quam quan-
titas molis, sed quantitati molis ut quantitas est non repugnat infinitas,
igitur nec quantitati virtutis.
[86] Item, ad idem, potentia quaelibet naturaliter percipit disconve-
nientiam in suo obiecto, nec naturaliter ibi sistit et quietatur; igitur si
infinitum contradicit enti, naturaliter intellectus noster refugit ens infi-
nitum tamquam includens contradictionem, quod falsum est; sed magis
intellectus invenit ibi quietativum sui quam contradictionem.
[87] Ad primam rationem, quando dicitur quod ‘si unum contrario-
rum sit infinitum, non compatitur secum aliud’, dicendum quod hoc
verum est si sit agens ex necessitate naturae, ut patet in argumento de
sole; si alterum contrariorum virtualiter aut formaliter non sit agens ex
necessitate naturae, non est verum. Unde si Deus esset agens ex necessitate
naturae, non compateretur malum fieri, quod sibi contrariatur virtualiter,
et effectui suo, scilicet bono universi, formaliter.
[88] Sed dices quod philosophi ponunt Deum et primum bonum age-
re ex necessitate suae naturae, et tamen ponunt malum fieri in univer-
so.  Dico quod ipsi non possunt salvare malum fieri ‘contingenter’, nec
etiam aliquid fieri contingenter, si Deus ageret ex necessitate suae naturae:
A infinitude de Deus 67

84. Prova da [proposição] assumida: Se o infinito repugnasse ao ente, ao


dizer-se portanto “ente infinito” haveria ou repugnância formal, como “ho-
mem não homem”, ou repugnância virtual, como “homem não risível”. Não
a primeira, porque a repugnância formal se recebe nas razões dos termos; mas
a razão e conceito do ente não pode ser mais manifesto, como ensina Avicena
no livro I da Metafísica52 – similarmente o conceito de infinito é manifesto,
porque infinito é aquilo que não pode ser excedido; mas entre esses conceitos
não há nenhuma contradição: não há, com efeito, contradição entre ser ente
e não poder ser excedido. Similarmente não há repugnância virtual, porque
evidentemente se dão no ente as primeiras paixões do ente, como verdadeiro e
bom e outras que tais, mas não “infinito”, porque o ente não inclui o mesmo
infinito como paixão convertível com ele; daí que não seja verdade primeira
esta [proposição]: “o ente é infinito”, senão sob disjunção a seu oposto.
85. Além disso, como a quantidade de virtude é de maior perfeição que
a quantidade de massa,53 mas à quantidade de massa como quantidade não
repugna a infinidade, portanto tampouco à quantidade de virtude.
86. Além disso, quanto ao mesmo, toda potência naturalmente percebe a
inconveniência em seu objeto, e não se detém naturalmente nem se aquieta
ali; portanto, se o infinito contradiz o ente, naturalmente nosso intelecto refo-
ge o ente infinito enquanto inclui contradição, o que é falso; mas o intelecto
encontra ali antes sua quietude do que contradição.
87. Quanto à primeira razão, quando se diz que, “se um dos contrários
é infinito, não compadece outro”,54 deve dizer-se que isto é verdadeiro se se
trata de agente por necessidade de natureza, como se patenteia no argumento
do sol; se o outro contrário virtualmente ou formalmente não é agente por
necessidade de natureza, não é verdadeiro. Daí que, se Deus fosse agente por
necessidade de natureza, não compadeceria que se fizesse o mal, que o contra-
ria virtualmente a ele, e formalmente a seu efeito, ou seja, o bem do universo.
88. Mas dizes que os filósofos põem que Deus e o primeiro bem agem por
necessidade de sua natureza, e no entanto põem que se faz o mal no univer-
so. Digo que eles não podem salvar que o mal se faça “contingentemente”,
nem que algo se faça contingentemente, se Deus age por necessidade de sua

52 Avicena, Metafísica, I, c.6.


53 O termo latino “mole” pode aqui ser traduzido pelo conceito de volume considerável de massa.
Aqui não nos parece ocioso frisar que qualquer volume – sendo quantificável, porque material – só
pode ser dito “infinito” de maneira metafórica. [N. C.]
54 Ver nota 2.
68 Duns Scot

quia si Deus produxit primum effectum ex necessitate suae naturae, cum


effectus productus non producat nisi in virtute primi a quo producitur,
sequitur quod ille effectus produceret ex necessitate suae naturae, et sic
descendendo usque ad sessionem meam, quam oporteret ex necessitate
naturae produci.
[89] Sed tamen philosophi possunt salvare malum fieri in universo ex
‘necessitate’ naturae, quia dicerent quod Deus movet unum ordinem cau-
sarum usque ad eductionem formae, et alium ordinem usquequo materia
sit superabundans. Ex primo ordine habetur quod corpus animalis sit or-
ganicum, sed ex secundo quod sit superabundans membris; et ita provenit
malum in animali, sed non ‘contingenter’, quia sicut hoc movet necessario
ita illud impedit necessario. Sed huic malo non est aliqua bonitas opposi-
ta, quia aliae causae necessario impediunt, cum sint fortiores.
[90] Dices quod licet Philosophus ponat corpus caeleste necessario
produci a Deo, ponit tamen quod ipsum, ut sol, habet diversos mo-
tus, et sic per elongationem et approximationem suam ad nos potest
causare contingenter, et aliquid contingenter fieri. Dico quod hoc non
concludit: potest enim salvare quod aliquid contingenter habeat esse
et quod non semper duret, per modum iam dictum, licet Deus agat
necessario; sed non potest salvare aliquid contingenter fieri, sicut con-
cludit ratio prior. 
[91] Ad secundum principale dicendum negando consequentiam.
Et ad probationem, quando arguitur quod ‘duo corpora non possunt
esse simul propter incompossibilitatem dimensionum, igitur nec duo
spiritus simul propter suas actualitates’, dicendum quod non est si-
mile. Ideo enim tenet ex parte corporum, quia unum corpus tantum
replet de loco quantum ille locus potest capere; et similiter ideo duae
formae oppositae non sunt simul in materia, quia ipsa perfecta per
unam, tantum perficitur quantum capax est. Sed entia non habent ta-
lem proportionem quod unum ens evacuat latitudinem quin ens possit
esse in pluribus.
[92] Ad aliam probationem dicendum quod non est simile. Nam si
cum corpore infinito ponitur aliud corpus, sequuntur opposita, quod sit
finitum et infinitum; sed si cum spiritu infinito ponitur spiritus finitus,
A infinitude de Deus 69

natureza: porque, se Deus produziu o primeiro efeito por necessidade de sua


natureza, como o efeito produzido não produz senão em virtude do primeiro
pelo qual foi produzido, segue-se que tal efeito produziria por necessidade de
sua natureza, e assim descendo até a que estou aqui sentado, o que seria neces-
sário se produzisse por necessidade de natureza.
89. Mas os filósofos podem salvar que o mal se faz no universo por “ne-
cessidade” de natureza, porque diriam que Deus move uma ordem de causas
até à edução da forma, e outra ordem até que a matéria seja superabundante.
Da primeira ordem se tem que o corpo do animal seja orgânico, mas da se-
gunda que haja membros superabundantes; e assim provém o mal ao animal,
mas não “contingentemente”, porque, assim como um move necessariamente,
assim também o outro impede necessariamente. Mas a este mal não há nenhu-
ma bondade oposta, porque as outras causas necessariamente o impedem, por
serem mais fortes.
90. Dizes que, conquanto o Filósofo ponha que o corpo celeste é neces-
sariamente produzido por Deus, põe porém que [o corpo celeste], como o
sol, tem diversos movimentos, e assim por seu afastamento de nós e por sua
aproximação a nós pode causar contingentemente, e então algo se faz contin-
gentemente.
Digo que isto não conclui: com efeito, pode salvar que algo contingente-
mente tenha ser e que não dure sempre, pelo modo já dito, ainda que Deus
aja necessariamente; mas não pode salvar que algo se faça contingentemente,
como conclui a razão anterior.
91. Quanto à segunda principal, deve-se responder negando a conseqüência.
E quanto à prova, quando se argui que “dois corpos não podem estar simulta-
neamente [no mesmo lugar] pela incompossibilidade das dimensões, tampouco
portanto dois espíritos simultaneamente [o podem] por suas atualidades”, deve
dizer-se que não é similar. Por isso, com efeito, se sustenta [o posto] da parte
dos corpos, porque um só corpo preenche com respeito ao lugar tanto quanto
esse lugar pode comportar; e, similarmente, por isso duas formas opostas não
são simultaneamente na matéria, porque esta é tão perfeita por uma quanto é
capaz de perfazer-se. Mas os entes [espirituais] não têm proporção de modo tal
que ocupem toda a extensão de um lugar sem que outro possa estar aí [simul-
taneamente].
92. Quanto à outra prova, deve dizer-se que não é similar. Pois, se com
um corpo infinito se põe outro corpo, seguir-se-iam opostos, [um] que seria
finito e [outro] infinito; mas, se com um espírito infinito se põe um espírito
70 Duns Scot

hoc non sequitur, quia spiritus finitus cum infinito non est maioris perfec-
tionis quam infinitus per se, cuius oppositum est in alio.
[93] Ad aliud dicendum quod non sequitur, nec tenet ille modus ar-
guendi, nisi illud quod demonstretur sit finitum; si autem sit infinitum,
non valet, ut quando ponitur ‘ubi’ infinitum et corpus infinitum, tunc non
sequitur ‘hoc corpus est in hoc loco ita quod non in alio, igitur est finitum
secundum ubi’; similiter ‘motus est in hoc tempore ita quod non in alio, igi-
tur est finitus secundum tempus’, non sequitur secundum opinionem Phi-
losophi, qui ponit motum esse aeternum. Et ita non sequitur in proposito:
‘Deus est haec essentia ita quod non est alia, igitur est finita’, non sequitur;
bene tamen sequitur quod non sit infinita numeraliter, sed non sequitur
quod non sit infinita intensive, quia illud quod demonstratur est infinitum.
[94] Ad aliud dicendum quod Philosophus non dicit quod si virtus
infinita moveat, quod movebit in non tempore, sed vult probare ibidem
quod virtus infinita non posset esse in magnitudine, quia si sic, tunc mo-
vebit in non tempore. Hoc autem sequitur sic: quia virtus infinita si mo-
veat secundum ultimum suae potentiae et ex necessitate naturae, movebit
in non tempore (probatio: quia si moveret in tempore, alia virtus finita
posset in tantum augmentari quod posset in aequali tempore aequalem
magnitudinem movere, et ita essent aequalis virtutis si agerent secundum
ultimum potentiae); sed si virtus infinita esset in corpore, esset virtus mo-
tiva, quia Philosophus loquitur ibi de virtute quae dividitur ad divisionem
corporis, quod maior virtus est in maiore et pars in parre, sicut satis patet
ibidem, - et etiam cum corpus habet divisibilitatem, et differunt secun-
dum situm, ibi est totum quod requiritur ad motum; igitur moveret in
non tempore. Sed nos licet ponamus virtutem infinitam, non tamen po-
nimus eam moveri secundum ultimum, et ideo non sequitur motum esse
in non tempore. Bene tamen sequitur quod quia est virtus infinita, quod
posset agere in non tempore et transferre corpus de loco ad locum in non
tempore, sed hoc non esset movere proprie, nec esset motus.
[95] Diceres quod Philosophus dicit primum movens movere ex ne-
cessitate suae naturae secundum ultimum suae potentiae, et ipsum osten-
dit esse infinitae potentiae, et tamen non sequitur quod moveat in non
tempore; ponit enim quod caelum movetur in tempore.
A infinitude de Deus 71

finito, isso não se segue, porque um espírito finito com um infinito não é de
maior perfeição que o infinito por si, enquanto [a perfeição do] oposto está
em outro.
93. Quanto à outra [razão], deve dizer-se que não se segue, nem se sustenta
tal modo de arguir a não ser que aquilo que se demonstra seja finito; se porém é
infinito, não vale, como quando se põe um “ubi” infinito e um corpo infinito:
então não se segue que “este corpo está neste lugar que não em outro, portanto é
finito segundo o ubi”; similarmente, “o movimento dá-se neste tempo e não em
outro, portanto é finito segundo o tempo” não se segue segundo a opinião do
Filósofo, que põe que o movimento é eterno. E assim não se segue no proposto:
“Deus é esta essência assim como não é outra, portanto é finita”, não se segue;
bem todavia se segue que não seja infinita numericamente, mas não se segue que
não seja infinita intensivamente, porque o que se demonstra é infinito.
94. Quanto à terceira, deve dizer-se que o Filósofo não diz que, se a virtude
infinita move, moverá no não-tempo,55 senão que quer provar ali mesmo que
a virtude infinita não pode estar na magnitude, porque, se estiver, então move-
rá no não-tempo. Isso porém se segue assim: porque a virtude infinita, se move
segundo o último de sua potência e por necessidade de natureza, moverá no
não-tempo (prova: porque, se movesse no tempo, outra virtude finita poderia
ser tão aumentada que pudesse mover em igual tempo igual magnitude, e
assim seriam de igual virtude se agissem segundo o último da potência); mas,
se uma virtude infinita estivesse num corpo, seria virtude motiva, porque o
Filósofo fala ali de uma virtude que se divide segundo a divisão de um corpo,
de modo que a maior virtude se encontra na [parte] maior e a menor na me-
nor, como se patenteia suficientemente ali mesmo – e, ademais, como o corpo
tem divisibilidade, e [as partes] diferem segundo a posição, ali é o [corpo] todo
o que se requer para o movimento; portanto, moveria no não-tempo. Mas
nós, conquanto ponhamos a virtude infinita, não pomos, todavia, que move
segundo o último [de sua potência], e por isso não se segue que o movimen-
to seja no não-tempo. Bem se segue, contudo, que, por ser virtude infinita,
poderia agir no não-tempo e levar um corpo de um lugar para outro lugar no
não-tempo; mas isto não seria mover propriamente, nem haveria movimento.
95. Dirias que o Filósofo diz que o primeiro movente move por necessida-
de de sua natureza segundo o último de sua potência, e mostra que é potência
infinita, e no entanto não se segue que mova no não-tempo; ele põe, com
efeito, que o céu se move no tempo.

55 Ou seja, na eternidade.
72 Duns Scot

[96] Dico quod si Philosophus ponat primum movens agere ex neces-


sitate, non potest ponere quod aliquid moveat immediate, sed mediante
causa finita, quae potest movere in tempore. Cui concordat Averroes super
XII Metaphysicae concedens propter hoc quod caelum movetur a duplici
motore, scilicet a motore separato, a quo habet quod moveatur sempiter-
naliter, et hoc aliud movens capit ab eo; sed ut moveatur in tempore hoc
habet a motore coniuncto.
A infinitude de Deus 73

96. Digo que, se o Filósofo põe que o primeiro movente age por necessi-
dade, não pode pôr que move algo imediatamente, mas mediante uma causa
finita, que pode mover no tempo. Com isso concorda Averróis [no Comen-
tário] ao livro XII56 da Metafísica, onde concede por isso que o céu é movido
por um duplo motor, a saber, um motor separado, pelo qual tem que se mova
sempiternamente, e outro movente que recebe [sua virtude] daquele; mas,
como se move no tempo, isto o tem do motor conjunto.

56 Averróis, Met., com. 41.


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articles condamnés à Paris le 7 mars
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São Boaventura, Collationes in Hexa-
merum.
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