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LICENCIATURA EM DIREITO

APONTAMENTOS DE
DIREITO PROCESSUAL CIVIL I

António Sebastião Sousa

Volume I

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Índice

DIREITO PROCESSUAL CIVIL I ......................................................................................................................... 4


1 CONCEITO, NATUREZA E IMPORTÂNCIA DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL ............................................................................. 4
1.1 Noção do Direito Processual Civil ............................................................................................................. 4
DIREITO PROCESSUAL CIVIL COMO RAMO DE DIREITO .................................................................................................... 7
2. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PROCESSUAL................................................................................................ 12
2.1 Princípio de Equidade e Suas Vertentes .................................................................................................. 13
2.3 Princípio do inquisitório .......................................................................................................................... 21
2.4 O princípio da preclusão e do auto responsabilidade das partes ........................................................... 22
2.5. Princípio da Cooperação e da Boa-fé Processual................................................................................... 23
2.6. Princípios da imediação, oralidade, concentração e da livre apreciação da prova ............................... 24
2.7. Princípio de Economia Processual ......................................................................................................... 25
2.8. Princípio da aquisição processual .......................................................................................................... 26
3. INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI PROCESSUAL ................................................................................ 26
4. APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO .............................................................................................. 26
Regras sobre à aplicação da lei processual no tempo relativamente a certas categorias especiais – normas
transitórias ou sectoriais. ............................................................................................................................. 28
Aplicação da lei processual no espaço ......................................................................................................... 31
5. AS FORMAS PROCESSUAIS.......................................................................................................................... 32
5.1 PROCESSOS DE JURISDIÇÃO CONTENCIOSA – DEFINITIVA E PROVISÓRIA ....................................................................... 32
5.1.1. Processos de jurisdição contenciosa definitiva ................................................................................... 32
5.1.2. Processos de jurisdição contenciosa provisória ou Procedimentos cautelares .................................. 32
Os Pressupostos dos Procedimentos Cautelares .......................................................................................... 35
Procedimentos cautelares especificados ...................................................................................................... 36
Providências cautelares comuns .................................................................................................................. 39
5.2. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E JURISDIÇÃO CONTENCIOSA ............................................................................................ 44
5.2. JURISDIÇÃO PERMANENTE E JURISDIÇÃO ARBITRAL ................................................................................................ 47
6. CLASSIFICAÇÃO LEGAL DAS ACÇÕES ........................................................................................................... 48
6.1. SEGUNDO O CRITÉRIO DA FINALIDADE ................................................................................................................. 48
6.2. SEGUNDO O CRITÉRIO DA FORMA ....................................................................................................................... 49
7. PROCESSO EXECUTIVO. TRAÇOS GERAIS DO SEU REGIME .......................................................................... 50
8. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS .................................................................................................................... 50
8.1. NOÇÃO. CONFRONTO COM FIGURAS AFINS. ENUNCIAÇÃO....................................................................................... 50
8.2. PERSONALIDADE JUDICIÁRIA .............................................................................................................................. 52
8.2.1. Noção ................................................................................................................................................. 52
8.2.2. Critério de aferição e regime aplicável ............................................................................................... 53
8.3. Capacidade Judiciária ............................................................................................................................ 54
8.4. Legitimidade .......................................................................................................................................... 59
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8.4.2. Critérios de aferição ........................................................................................................................... 60
8.4.3. Legitimidade plural ............................................................................................................................. 61
8.4.4. Coligação ............................................................................................................................................ 64
8.4.5. Ilegitimidade: modo de a sanar .......................................................................................................... 65
8.5. INTERESSE PROCESSUAL ................................................................................................................................... 69
8.6. PATROCÍNIO JUDICIÁRIO OBRIGATÓRIO................................................................................................................ 71
8.7. COMPETÊNCIA................................................................................................................................................ 73
8.7.1. Noção. Conflitos de competência e de Jurisdição. Modalidades ........................................................ 73
8.7.2. Competência internacional ................................................................................................................. 74
8.7.2.1. Noção .............................................................................................................................................. 74
8.7.3. Competência interna .......................................................................................................................... 75
8.7.4. Extensão e modificação de competência. .......................................................................................... 80
8.7.5. Espécies de incompetência e respectivos regimes .............................................................................. 82
8.7.6. Garantias de imparcialidade .............................................................................................................. 84
9. PRAZOS PROCESSUAIS ................................................................................................................................ 86
9.1. NOÇÃO, ESPÉCIES E CARACTERÍSTICAS ................................................................................................................. 86
9.2. CONTAGEM DOS PRAZOS .................................................................................................................................. 86
9.3. MODALIDADES DE PRAZOS ............................................................................................................................... 87
9.3.1. Os prazos são perentórios e dilatórios. .............................................................................................. 87
9.3.2. Contagem do prazo perentório e dilatório ......................................................................................... 88
9.3.2. Data em que se considera praticado o acto ....................................................................................... 88
9.3.3. Prorrogação de prazo (art.º 140.º) ............................................................................................. 91

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL I

1 Conceito, natureza e importância do direito processual civil

1.1 Noção do Direito Processual Civil

O termo processo, no que respeita à sua formação etimológica, advém dos vocábulos
cedere e pró, que significam caminhar para a frente, avançar para um objectivo.
A expressão é usada para significar uma sequência de actos ordenados entre si tendo
em vista a prossecução de um determinado fim.
O termo processo é frequentemente usado quando nos referimos ao processo de
admissão, ao processo eleitoral, ao processo de aprendizagem, etc. De igual modo, o termo
processo é empregado quando nos referimos ao Direito Processual Civil.
Assim, quando usamos este termo, estamos a considerar um conjunto de normas que
regulam, entre outras realidades, uma série de actos, logicamente encadeados entre si, tendo
em vista a obtenção de uma providência judiciária.
Em termos jurídico, significado que ora nos interessa, o processo é visto como sendo
uma sequência de actos destinados à justa composição, por um órgão imparcial de autoridade
– o tribunal, de um litígio, ou seja, de um conflito de interesses. É, por outras palavras, um
conjunto de peças apresentadas por uma e outra parte para servir à instrução e julgamento de
uma questão.
Toda a actividade processual tende para a decisão, ou seja, para a prolação da sentença
(in Jorge Augusto pais Amaral, Direito Processual Civil, 8ª edição, Almedina, pág. 11).
Assim, quando utilizamos aqui a expressão processo civil, enquanto realidade regulada
pelo direito, estamos a referir ao significado que lhe é atribuído, em termos jurídicos, como
sendo uma sequência de actos destinados à justa composição do litígio, ou seja, de um
conflito de interesses. Neste caso, quando o conflito a decidir diz respeito a interesses
privados ou particulares, estamos no domínio do processo civil (ver, Jorge Augusto Pais
Amaral, obra Cit. pág. 11).
O processo Judicial ou de jurisdição pode definir-se como um encadeamento lógico de
determinados actos tendo em vista a obtenção da declaração vinculativa do direito aplicável a
uma determinada situação.
No âmbito do Processo Judicial ou de Jurisdição, encontramos vários processos os
quais diferem um dos outros pelo Direito substantivo aplicável. São exemplos o Direito
Processual Civil, como Direito adjectivo, aplica-se ao Direito Civil, Comercial e de Trabalho,
o Direito Processual Penal que aplica-se ao Direito Processo Penal, ao Processo
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Constitucional para o Direito Constitucional, o Contencioso administrativo para o Direito
Administrativo, etc.
Contudo, é o Direito Processual Civil que, na maior parte dos ordenamentos jurídicos,
entre os quais o nosso, constitui a matriz para a regulação dos demais tipos de processos
jurisdicionais e o regime subsidiário aplicável na falta de disposição específica.
O Direito Substantivo (Civil, trabalho, penal, comercial, etc.) confere direitos e impõe
obrigações. No entanto é proibida, salvo nos casos permitidos por lei, a autotutela dos
direitos. A realização coerciva desta exige o recurso à via judicial, mediante a proposição de
uma acção.
De uma forma geral, a aplicação do direito aos casos concretos constitui o conteúdo da
função jurisdicional, que compete ao Estado. Estão sujeitos a regras os trâmites a observar na
proposição e no desenvolvimento das acções judiciais, a conduta dos tribunais e das partes
litigantes. Este conjunto de regras é ditado pelo Direito processual, também designado pelo
direito adjectivo (formal). O processo judicial visa a efectivação do direito substantivo e está
ao serviço dessa efectivação.
Pelo exposto se pode concluir que se entende por Direito Processual aquele complexo
de normas que regulam o processo, ou seja, o conjunto de actos realizados pelos tribunais e
pelos particulares que perante eles actuam ou litigam durante o exercício da acção
jurisdicional. Assim, o Direito Processual Civil regula a proposição e o desenvolvimento das
acções cíveis (fundadas no Direito Civil, no Direito Comercial e no de trabalho)1.

1.1.2. Breve referência à Teoria Pura do Direito de Kelson

A Teoria Pura do Direito, título da obra mais famosa de Hans Kelsen, (em alemão
Reine Rechtslehre), pertence à corrente de pensamento juspositivista. Hans Kelsen era
austríaco e naturalizou-se estado-unidense.
Seu principal objectivo foi criar e desenvolver a ciência jurídica2 - que não se confunde
com o Direito -, separada e autónoma de outras áreas do conhecimento humano, mediante a

1
Cfr. Machado, João Baptista; Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 2008, pág.
69.
2
A ciência Jurídica é ciência que tem por objecto o estudo da norma jurídica, sua interpretação,
conceituação e sistematização do direito positivo. No entanto há autores que entendem que não existe uma
verdadeira ciência jurídica, porque as suas teorias não revelam aquela autonomia ou liberdade perante o objecto
que é própria das teorias científicas e, por outro lado, porque os resultados elaborados podem ser e são muitas
vezes incorporados pela regulamentação jurídica positiva – o que denunciaria o carácter normativo das
proposições que os exprimem.
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definição de seu objecto de estudo - a norma jurídica -. Kelsen não considera o conteúdo ou
finalidade das normas jurídicas, separando a ciência jurídica (e não o Direito) da moral,
justiça e demais ciências, como a sociologia. Essa separação e estabelecimento autónomo da
ciência jurídica ante outras ciências é o princípio metodológico fundamental pelo qual a
ciência jurídica, como uma teoria pura, irá única e exclusivamente conhecer seu objecto: a
norma jurídica.
Kelsen não reduz o Direito à ciência jurídica e, muito menos, à norma jurídica. Isso
fica claro com uma leitura atenta a seus textos. Uma leitura atenta à primeira página de seu
famoso livro "Teoria Pura do Direito" explicita claramente a distinção entre ciência jurídica
(que tem por objecto a norma jurídica) e Direito (que não se confunde com ciência jurídica),
quando diz: "Quando a si própria (ciência jurídica) se designa como 'pura' teoria do Direito,
isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir
desse conhecimento tudo quanto não pertença a seu objecto." Se Kelsen diz que a ciência
jurídica se dirige ao Direito, subentende-se que ciência jurídica e Direito são, em realidade,
separados entre si3.
A Teoria pura do Direito de Kelsen deu um contributo importante para reconhecer a
dignidade científica do Direito Processual Civil, numa altura em que o processo era visto pela
generalidade dos autores como uma matéria que interessava apenas aos práticos do direito.

1.1.3 Diversas acepções da palavra processo

O termo processo é, contudo, utilizado com vários sentidos.


Num sentido mais concreto usa-se o termo processo como sinónimo de causa, acção ou
demanda. Quando alguém pretende intentar uma acção judicial é usual utilizar este termo “
vou entregar o meu processo ao advogado … ou vou intentar um processo contra …”.
No ponto de vista material, isto é, numa acepção (mais materialista) usa-se a expressão
processo como sinónimo de autos da acção (suporte físico), ou seja para designar o conjunto
de peças escritas, documentos ou decisões, em que se materializa a acção pendente no
tribunal. È neste sentido se diz que “ O processo encontra-se no gabinete do Sr. Juiz”.
O processo civil, enquanto realidade regulada pelo Direito, é tido como o primeiro
sentido – isto é, uma sequência de actos destinados à justa composição, por um tribunal, de
um cômputo de interesses jurídicos.
O Processo Judicial ou de Jurisdição é tido como sendo um encadeamento lógico de
determinados actos tendo em vista a obtenção da declaração vinculativa do direito aplicável a

3
Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.
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uma determinada situação. São exemplos de processos judiciais: O processo civil, o processo
penal, o processo constitucional, o processo (contencioso) administrativo, etc.
O processo civil integra-se no âmbito dos processos jurisdicionais, mas distingue-se
pela sua instrumentalidade face ao direito civil e comercial tendo em vista a aplicabilidade
daquelas normas.
O Direito Processual Civil, constitui na maior parte dos ordenamentos jurídicos, a
matriz para a regulação dos demais tipos de processos jurisdicionais e o regime subsidiário
aplicável na falta de disposição específica.

Direito Processual Civil Como Ramo de Direito

O Processo Civil é o ramo de Direito destinado a integrar o Direito Civil. Este, como se
sabe, abraça todo o conjunto de normas que disciplinam as relações jurídicas estabelecidas
entre particulares e entidades públicas sempre que estas actuam desprovidas da sua ius
imperium.
Para que possa haver paz social é necessário que a vida em sociedade seja
disciplinada. Assim das relações substantivas, consubstanciam-se, em regra, na atribuição de
direitos e na imposição de correlativos deveres.
Todavia, nem sempre a existência de um conjunto de normas (substantivas) a estatuir
determinadas soluções para determinados conflitos, para que os conflitos reais possam ser
efectivamente solucionados. Isto é, não basta o art.º 483.º do C. Civ, estatuir que “ aquele que,
com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal
destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos
resultados da violação” que um lesado, vítima de um acidente de viação, vê automaticamente
ressarcido, sem mais, dos danos sofridos, sem que seja o tribunal a dirimir o conflito entre o
condutor da viatura e a vitima do acidente.
Como já ficou dito, esta vedada a possibilidade de se recorrer da própria força para
assim alcançar a solução decorrente de direito substantivo.
O Estado impede o recurso à justiça privada pelas seguintes razões:
A força não se encontra, necessariamente, ao lado de quem tem o direito.
Mesmo que assim sucedesse o risco de excesso e de injustiça é muito elevado.
É neste sentido que o n.º 2 do art.º 1º do CPC estatui a proibição de auto defesa.
Se esta vedada o recurso dos particulares à justiça Privada o Estado teve que criar um
sistema de Justiça Pública.

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O sistema de Justiça Pública é autorizado pelo facto do Estado chamar
exclusivamente a si, através dos seus órgãos, o poder de reconhecer vinculativamente os
interesses tutelados pelo direito substantivo e de os realizar coercivamente, isto é, recorrendo,
se necessário à força. Caracteriza-se pois, pelo monopólio estadual da função jurisdicional.

Quais são os pressupostos essenciais de um sistema de justiça Pública?

O pressuposto essencial de um sistema de justiça pública é a atribuição aos


particulares do direito de recorrer aos tribunais (direito de acesso aos tribunais) e, igualmente,
o direito de requerer uma concreta providência jurisdicional.
A acção destina-se à realização efectiva do direito substantivo.
O art.º 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece que “toda a
pessoa tem o direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente
julgada por um tribunal independente e imparcial”.
O Direito de acesso à justiça sem qualquer discriminação por motivos económicos é
uma consequência do Estado de Direito Social ou Estado Social de Direito que se encontra
consagrado no artigo 2.º e 22.º da CRCV.
Nota-se: a proibição do sistema de justiça privada e a instituição do sistema de justiça
pública não significa que é o Estado que, por sua própria iniciativa (oficiosamente) vai
promover a instauração da acção. Estando em causa interesses de natureza privada é aos
particulares que cabe promover a acção destinada a obter o reconhecimento dos interesses
que, no seu entender, carecem de tutela jurisdicional.
O próprio art.º 3.º do CPC diz o seguinte “ O tribunal não pode resolver o conflito de
interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a
outra seja devidamente chamada para deduzir oposições.
Assim, tanto o exercício do direito de recorrer aos tribunais e o exercício de direito de
acção carecem de ser regulados. Quer a propositura da acção, quer a actividade subsequente
que as partes e o tribunal vão desenvolver devem obedecer a regras estabelecidas para que a
finalidade última da actividade jurisdicional possa ser atingida.
Segundo ANTUNES VARELA, (Manual de Processo Civil, 2ª ed, Coimbra, 1985, pág
6-7) o Direito Processual Civil pode, então, ser definido como “ o conjunto de normas
reguladoras dos tipos, formas e requisitos da acção civil, bem como das formalidades que
devem ser observados em juízo na propositura e desenvolvimento dela”.

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As características fundamentais do Direito Processual Civil como ramo do Direito:

1ª) É um ramo de direito instrumental ou adjectivo, isto porque não é ele quem
define os critérios da decisão dos casos que são levados a tribunal (não é ele quem determine
como se resolve o litigio), mas “apenas” concede o meio jurisdicional pelo qual esse litígio
pode ser resolvido ou para se dar a realização efectiva a um direito violado.
É instrumental por se “limitar” a disciplinar os meios a utilizar para se alcançar a
solução concreta dos diversos conflitos de interesses, mediante aplicação dos critérios fixados
em termos gerais e abstractos não determina o “como” mas o “modo”.
2ª) É um ramo de Direito Público.
Embora se destina a integrar dois ramos de Direito privado (Direito Civil e Comercial)
o direito processual civil é um ramo de direito público.
Se formos ver, segundo o critério dos interesses em jogo: se é certo que na acção
estão primeiramente em causa os interesses particulares das partes, mas não pode deixar de se
ter em linha de conta que o fim primordial é o interesse colectivo da paz social o interesse
colectivo da composição dos interesses.
E, segundo o critério da posição dos sujeitos: Entre as partes e o Juiz não existe uma
posição de igualdade. O juiz exerce na relação processual uma função de soberania que é a
função jurisdicional.

1.1.4 Importância Prática e Teórica do Direito Processual Civil.

Até meados do séc. XIX, ao estudo do Processo Civil não era reconhecido dignidade
científica. O processo civil era visto pela generalidade dos autores como uma matéria que
interessava apenas aos práticos. Para assim suceder muito contribuiu a concepção do Direito
de Acção como Direito Subjectivo em movimento.
Foi a partir desta data que na Alemanha começou a reconhecer-se que o estudo do
processo civil em muito podia contribuir para a ciência jurídica: Com a autonomização do
Direito de acção e a adequada caracterização da relação Processual o estudo do Processo Civil
ganhou um peso acrescido na ciência jurídica.
A par do que acontece no direito substantivo, no Direito Processual Civil – adjectivo -
, existem temas de grande complexidade.

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Há necessidade de se proceder à superação de um dualismo metodológico, ou seja, à
necessidade de articular o estudo do direito substantivo com o direito adjectivo. Por exemplo,
a teoria de caso julgado4.
A importância prática do processo civil é manifesta e encontra-se na circunstância de o
seu conhecimento e aplicação serem condições essenciais para a boa aplicação do direito
substantivo.
Cabe notar, para realçar esta importância, que o imperfeito conhecimento e aplicação
do Direito Processual é susceptível de comprometer uma correcta e justa tutela dos interesses
legalmente protegidos.
O Direito Substantivo confere direitos e impõe obrigações. É constituído por um
conjunto de normas reguladoras das relações entre simples particulares ou das relações entre
estes e o estado ou outros entes públicos, desde que tais entes públicos intervenham nas ditas
relações despidas do seu imperium.

1.2 Fontes do direito processual

São fontes do Direito processual as seguintes:


1. Código de Processo de 1876
Esse código tinha como características: a) uma concepção privatística do litígio,
com claro predomínio do princípio dispositivo. O juiz actua como um árbitro garante o
cumprimento das regras; b)Grande rigidez no formalismo processual, e c) redução a
escrito de toda a actividade instrutória (depoimentos).
Em 1926 é publicado um decisivo diploma (Decreto 12 353) que estabeleceu
uma importante viragem no processo civil. O princípio dispositivo cede face ao
princípio inquisitório. É conferido ao juiz um papel mais activo na busca da
composição de interesses.
2. Código de 1939
É um diploma marcada por uma profunda revolução no sistema processual e
cujo projecto foi de autoria do Professor Alberto dos Reis. É caracterizado por: a)

4
Há dois tipos de casos julgados – o Formal e o material. O formal, se a decisão for um sentença ou
despacho que apenas se refiram à relação processual (por exemplo, absolvição do réu da Instância), então a sua
força obrigatória limita-se ao processo em que são proferidos. Já o material, sendo a decisão judicial uma
sentença que verse sobre a matéria de fundo da acção, a sua força obrigatória não se limita ao processo em que
foi proferida, manifestando-se fora dele, de tal modo que constitui impedimento a que outra acção idêntica (com
os mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir) seja proposta.
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Substituir o regime de redução a escrito dos depoimentos pelo regime da oralidade; b)
acentua o poder inquisitório; c) estatui a denominada concentração, ou seja a fixação
das questões de facto essenciais em momento anterior à instrução; d) supera a
distinção entre o processo Civil e Comercial. Até então haviam vigorado três códigos
de processo comercial, anos 1895, 1896 e 1905.
3. Código de 1961
Este código trouxe as inovações seguintes: a) Eliminação da conciliação
preliminar; b) Admissão dos articulados supervenientes; c) Passaram a fundir-se num
só o acto de despacho saneador a especificação e o questionário; d) admitiu-se a
possibilidade de gravação dos depoimentos das partes e testemunhas; e) separou-se a
discussão da matéria de facto da discussão do aspecto jurídico da causa, e f) impôs-se
a obrigatoriedade da fundamentação das respostas dadas aos quesitos.
Após a sua publicação foram introduzidas as alterações pelos seguintes diplomas
legais:
 Decreto-lei nº 47 690, de 11 de Maio de 1967 – (Portugal)
 Decreto-lei nº 323/70, de 11 de Julho – (Portugal)
 Decreto-lei nº 261/75, de 27 deMaio – (Portugal)
 Decreto – lei nº 195/91, de 30 de Dezembro – (Cabo Verde)
 Decreto Legislativo nº 3/97, de 10 de Fevereiro – (Cabo Verde), e
 O Decreto-lei nº 13/98, de 13 de Abril – (Cabo Verde) que estabeleceu os
processos especiais de reconhecimento registral da união de facto.
4. O código de 2010
As principais novidades deste código são, segundo o preâmbulo do Decreto
legislativo n.º 7 de 1 de Julho de 2010 (cfr. p. 10 do CPC), no tocante às formas e
trâmites processuais, as seguintes:
 A redução do processo comum de declaração a uma única forma - ordinária5,
estabelecendo-se contudo dentro desta forma única, para além da
tradicionalmente decorrente da revelia absoluta do réu, a existência de uma
vertente abreviada que faça transitar o processo, directamente da fase dos
articulados para a da audiência de discussão e julgamento, nos pedidos de
condenação a prestação de coisa ou de facto de valor não superior à alçada do
tribunal da Comarca;

5
O art.º 461.º do código de 1961 estabelece que o processo comum é ordinário, sumário e sumaríssimo.
Isto quer dizer que a revisão de 2010 veio suprimiu os processos sumários e sumaríssimo.
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 A atribuição ao juiz da causa a faculdade de convocar as partes expressamente
para a procura de conciliação entre elas, logo que instaurada a acção e antes de
apresentação da defesa do réu, ou, não o tendo convocado nessa ocasião, de
proceder a tal esforço de resolução amigável do litígio em qualquer outro
momento processual, designadamente na fase saneador;
 A diminuição dos articulados a apenas dois, salvo nos casos em que se admite
a réplica e, eventualmente, a tréplica;
 O alargamento da possibilidade de proferição do despacho preliminar de
aperfeiçoamento da contestação e da reconvenção;
 A mitigação das consequências pela impugnação, ponto por ponto, de cada um
dos factos na contestação, considerando-se apenas admitidos por acordo
aqueles que, omitidos, estiveram em manifesta contradição com a defesa, no
seu conjunto;
 A redução dos casos de inoperância da revelia, passando-se a considerar
operante a falta de contestação por parte das pessoas colectivas de qualquer
natureza, incluindo o Estado.

Outras fontes de direito processual civil.


 Lei da Organização Judiciária de Cabo Verde. Lei 3/81 de 2 de Março com as
alterações introduzidas pelas leis seguintes:
o Lei n.º 27/II/83, de 21 de Maio
o Lei n.º 66/II/85, de 20 de Novembro
o Decreto-lei, n.º 75/90, de 10 de Setembro
o Lei n.º 6/IV/91, de 4 de Julho
o Decreto-lei nº 189/91, de 30 de Dezembro
o Decreto nº 103/83, de 19 de Novembro
o Lei n.º 60/V/98, de 6 de Julho
o Lei nº 61/V/98, de 6 de Julho

2. Princípios fundamentais do direito processual

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2.1 Princípio de Equidade e Suas Vertentes

Direito de acesso aos tribunais, que corresponde ao direito de acção ou ao direito à


Jurisdição.
Tal direito deve ser considerado à luz da constituição (art. 22.º CRCV), como o direito
efectivo a uma jurisdição que a todos seja acessível e cujo exercício conduza a resultados
equitativos ou seja a alcançaram resultados individual e socialmente justos (ver melhor estes
princípios in Lebre de Freitas – Introdução ao Processo Civil, conceito e princípios gerais,
Coimbra Editora, 1996, cuja obra acompanhamos também de perto).
Para que este direito à jurisdição se realize, tal como é consagrado, é necessário o
reconhecimento da existência de um conjunto de regras absolutamente fundamentais, como
garantias de um processo equitativo.
Assim o princípio da equidade é um princípio lato que integra no seu seio os seguintes
princípios:
a) O Princípio da igualdade, que por sua vez se subdivide em:
Principio da igualdade do contraditório, e
Princípio da igualdade de armas.
E,
b) Os direitos à comparência pessoal das partes em certos actos, casos ou
circunstâncias,
a) à licitude da prova
b) e à fundamentação da decisão.

O Princípio do contraditório, é um princípio que está intimamente ligado ao


princípio de igualdade das partes, e tem por finalidade:
1) Garantir que cada uma das partes tenha possibilidade de contestar e controlar a
actividade da outra parte; e
2) Que o tribunal só decida depois de ambas as partes ter sido facultado a real
possibilidade de se pronunciarem sobre a questão a decidir.
Este princípio estatuído no art.º 3.º do CPC apresenta duas manifestações: Uma
negativa e outra positiva:
- A manifestação negativa está conectada com o direito de defesa e contestação. Este
aspecto é patente no art.º 3.º do CPC onde diz “formulada uma pretensão não pode o juiz
decidir sem que a contraparte seja chamada para, querendo, deduzir oposição”.

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- A manifestação Positiva que traduz-se no dever de garantir às partes o direito de
influenciar o desenvolvimento e final da actividade jurisdicional.
A manifestação positiva surge em três planos a saber:
. No plano da alegação dos factos;
. No plano da produção da prova;
. No plano da alegação do direito.

No plano da alegação dos factos

A manifestação positiva, traduz-se na faculdade conferida a cada uma das partes de se


pronunciarem sobre os factos alegados pela contraparte, ou seja, alegando uma das partes um
facto, à outra parte é conferida, em regra, a faculdade de o contraditar impugnando ou
excepcionando o mesmo.
A forma usada pelas partes para carrear para os autos os factos é através de peças
escritas. Estas, por regras, são deduzidas sobre a forma de artigos, tomam o nome de
articulados. Neste sentido, o princípio do contraditório exige que, por norma, seja admissíveis
tantos articulados quantos os necessários para assegurar o direito de resposta. Exemplo, no
processo comum, hoje sobre a forma de processo ordinário, são aceites 4 articulados (arts.
428º, 446º, 462º e 463º do CPC).
Com a entrada em vigor do código de 2010 foram suprimidos os processos sumários
(consagrados no código de 1961 nos arts. 783º, 785º e 786º) e sumaríssimos (nos arts. 793º e
794º do referido código) onde a complexidade dos mesmos são, aparentemente, menor, a lei
reduziu a admissibilidade do número de articulados.

No Plano da Produção da Prova

É facultada as partes, num plano de igualdade, o poder de requerer a produção de


todos os meios de prova ou a junção da prova já constituída, relevantes para a descoberta da
verdade material.
Requerido um meio de prova, à parte contrária é facultada, pelo respeito ao princípio
do contraditório, a possibilidade de impugnar a sua admissibilidade e de intervir na sua
produção (art. 474º CPC), assim como, junto um meio de prova (já constituído) à parte

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contrária seja facultado o poder à sua admissibilidade e força probatória (quanto aos
documentos ver arts. 501.ºCPC).
As partes têm a faculdade de se procederem à apreciação da prova produzida antes de
ser proferido o julgamento sobre a matéria de facto (art.º 3º, nº 3 – novidade do actual
código). Isto consiste no afloramento do princípio do contraditório.

No plano de direito

O princípio da equidade, no plano de direito, é manifestado na faculdade que as partes


têm de participar na discussão de todos os fundamentos de direito em que a decisão se
fundamente.
O que se pretendente, com isto, é afastar a chamada decisão-surpresa, isto é, a
decisão que se funda numa questão de direito não suscitada por qualquer das partes. Se
nenhuma das partes suscitou uma determinada questão de direito material (que o tribunal
possa conhecer oficiosamente) em que o julgador pretende basear a sua decisão, este deverá,
previamente, convidar ambas as partes a, querendo, manifestar a sua posição sobre a mesma
(art. 3º, nº3).

Princípio da igualdade de armas (art. 5º - novidade do actual código)

Este princípio significa que as partes devem ser iguais em direito e obrigações
processuais, ou seja, a ambas as partes devem ser atribuídas as mesmas possibilidades, os
mesmos meios processuais, que lhes permitam, com paridade, alcançar uma decisão favorável
aos seus interesses.
A igualdade não deve ser apenas jurídica mas sobretudo prática.
Esta igualdade deve ser prosseguida, para além do mais, através da não oneração
excessiva das partes com as custas judiciais e pela legislação sobre o acesso ao direito e aos
tribunais.
O regime de acesso ao direito e aos tribunais está consagrado na Constituição da
República de Cabo Verde no art.º 22.º CRCV.

Para além da igualdade das partes, o princípio da equidade exige o reconhecimento de


um conjunto de direitos, entre estes se destacam:
O direito à comparência pessoal:

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O princípio do processo equitativo implica o direito à comparência pessoal sempre que
o carácter ou comportamento pessoal de uma das partes possa contribuir para formar a
convicção do julgador sobre um ponto importante do litígio.
Este direito de as partes poderem depor pessoalmente em juízo está consagrado entre
nós nos arts. 507º e segs.

A Licitude da prova

O direito ao processo equitativo tem implícito a proibição do recurso a determinados


meios de prova, como sucede quando os mesmos violam direitos fundamentais (por ex: os
direitos de personalidade) ou quando são obtidos por processos ilícitos (ex: documento
furtado à parte contrária).

O dever de fundamentação

Quer as decisões proferidas sobre a matéria de facto, quer as decisões proferidas sobre
questões de direito devem ser fundamentadas.
Este dever de fundamentação tem consagração constitucional (art.º 211º, nº 5 “ as
decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas nos termos da
lei”, e na lei ordinária nos arts. 565º n.º 2, 570º nº 1, e 670.º 2 do CPC).
A falta de fundamentação das decisões proferidas quanto à matéria de facto pode dar
origem, em sede de recurso, à baixa do processo – art. 625º, nº 3 do CPC.
A falta da fundamentação da sentença gera nulidade (art.º 577º, nº 1, al. b) do CPC.

Prazo razoável

A equidade que deve caracterizar o processo civil exige o reconhecimento do direito


de as partes obterem a resposta judicial às suas pretensões em prazo razoável. O
reconhecimento deste direito afigura-se como fundamental na medida em que uma decisão
tardia ainda que favorável pode traduzir uma situação de verdadeira denegação de justiça.
A demora injustificada na prolação de uma decisão pode significar a perda do seu
efeito útil. E, mesmo quando as decisões são desfavoráveis importa ter presente que a situação
de indefinição é susceptível de causar sérios prejuízos.

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Este direito foi consagrado, no novo código processual civil, no art.º 2.º6.
Como é por todos conhecidos, em Cabo Verde é comum que a duração dos processos
ultrapasse o prazo razoável. Com a previsão estatuída naquela norma, a partir de 1 de Janeiro
de 2011, os cidadãos têm ao seu dispor meios que lhes permitam intentar uma acção contra o
Estado de Cabo Verde, exigindo uma indemnização pelos prejuízos decorrentes de atrasos
processuais.
Em Portugal, o Estado já foi condenado por diversas vezes pelo facto de muitos
processos terem ultrapassado o limite razoável de prazo tido como aceitável (Cfr. Acórdão do
Supremo Tribunal Administrativo de 01.02.2001).

2.2 Princípio do Dispositivo

Como já tivemos ocasião de observar o direito processual civil é instrumental do


direito civil, comercial e de trabalho, ou seja, de normas que regulam as relações entre
particulares, de normas que visam dirimir conflitos de interesses de natureza privada.
Sabemos, também, que no âmbito da autonomia privada prevalecem o princípio da
autonomia da vontade, que é caracterizado pelo poder conferido às partes de auto
disciplinarem os seus próprios interesse, de definirem, em termos vinculativos, as regras pelas
quais terão de regular a sua conduta.7
É neste sentido que se diz que o processo civil se encontre na disponibilidade das
partes, que o processo se encontre dependente da vontade das partes. É esta dependência que
se pretende salientar com a referência ao princípio do dispositivo (cfr. art.º 6.º), visto que a
instância8 fica na disponibilidade das partes.
Quem cabe ponderar se devem ser instaurada uma acção, se devem ou não prosseguir
com a acção instaurada, se devem ou não transaccionar, é as pessoas portadoras dos interesses
que as normas de direito substantivo visam acautelar, e que o direito processual civil visa
integrar.

6
Em Portugal este Direito foi acolhido pelo n.º 1 do art.º 2.º por força do art. 6.º da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, onde se estatui que a causa proposta seja examinada em prazo razoável.

7
Ver. Teoria Geral do Direito Civil I, PEDROO PAES DE VASCONCELOS, pág. 17
8
Diz-se instância a sucessão dos actos processuais que compõe um processo judicial. O art. 243ºdo CPC
diz que a instância se inicia pela propositura da acção e esta se considera proposta quando na secretaria
judicial é recebida a respectiva petição inicial.
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No séc. XIX, este princípio vigorava em termos radicais, ou seja, naquela época o juiz
tinha um papel mais passivo, era tido como um árbitro com a função de garantir o
cumprimento de regras adjectivas e proferir a decisão final.
Hoje, o juiz exerce uma função de soberania, pelo que esta concepção encontra-se
ultrapassada. Assim, o princípio do dispositivo é atenuado (mitigado) pelo princípio do
inquisitório que concede ao julgador mais poderes tendo em vista a descoberta da verdade
material. É a prevalência da verdade material face a verdade formal.
O princípio do dispositivo tem as seguintes consequências (corolários):
1. O impulso processual cabe ao autor. Quer isto dizer que é o autor que cabe decidir
quanto a propositura da acção, pois não é o tribunal quem tem a iniciativa de
desencadear a mesma (art. 6º, nº 1 e art.º 3.º n.º1 do CPC).
No processo cível não vigora, à semelhança do processo penal, o princípio da
oficialidade, onde, em regra, quem cabe instaurar os processos crimes é o tribunal.
Pois, neste caso, o que está em causa é a salvaguarda do interesse colectivo, mais
concretamente, a paz e estabilidade social.
No âmbito do Processo Civil, só após a propositura da acção é que o juiz deve
providenciar pelo andamento regular e célere do processo. Pois é a ele que cabe dirigir
o processo – art. 7.º n.º 19. No entanto, como veremos mais adiante, existem
determinados preceitos que impõem às partes certos ónus de impulso subsequente
(exemplo: proceder ao registo de determinadas acções ou procedimentos cautelares –
caso como o arresto – cfr. art. 2º e 3.º do Cód. Do Reg. Predial).
A disponibilidade da instância pelas partes ainda tem as seguintes
consequências:
a) O Autor pode desistir da instância. Esta desistência é formulada através de uma
declaração por parte do autor de que renúncia à acção proposta sem, no entanto,
renunciar ao direito ou à situação subjectiva que pretendeu fazer valer – artº 268.º
do CPC10.
Após a contestação a desistência só é possível mediante aceitação do réu.
Quanto à desistência do pedido, a mesma não depende da aceitação do réu
uma vez que faz extinguir o direito que se pretendia fazer valer – art. 269º CPC11.
b) A extinção do processo pode originar de uma auto-composição do litígio.

9
No código de 1961 o poder do juiz consta do art.º 265º, nº 1 do CPC.
10
No CPC de 1961 encontra-se regulada no art.º 295º.
11
No CPC de 1961 a tutela dos direitos do réu está consagrada no art.º 296.º.
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A auto-composição do litígio, no entanto, só é permitida no âmbito dos
direitos disponíveis, e pode resultar de um acto unilateral das partes – confissão e
desistência do pedido – art. 266.º n.º 1 (art.º 293.º, nº 1 do CPC de 1961), ou de um
acto bilateral, ou seja, de uma transacção – art. 266.º, nº 2 (art.º 293.º n.º 2 do CPC
de 1961).
A desistência da instância, do pedido, confissão e a transacção, que se
traduzem na auto-composição do litígio, são situações jurídicas que são objecto do
processo, e que consistem em actos negociais de autonomia privada. Por ser assim,
há autores que não incluem esta auto-composição como uma manifestação do
princípio do dispositivo.
Tendo em conta às consequências que esta auto-composição tem na instância
não aceitamos esta objecção.
O art. 273.º (art.º 300.º do CPC de 1961) define as regras do modo de
realização desta auto-composição.

2. São as partes que definem os contornos fácticos da lide

De acordo com o disposto no nº1 do art.º 6.º (art.º 264.º n.º1 do CPC de 1961) “
às partes que cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se
baseiam as excepções” ou seja, são as partes que cabem carrear para o processo os
facto em que – por regra – o tribunal se pode basear para proferir a sua decisão.
Esta norma é uma consequência do princípio do dispositivo que, no entanto,
encontra-se hoje atenuado, uma vez que o tribunal pode basear a sua decisão, ainda,
nos seguintes:
a) Nos factos instrumentais12 que resultem da instrução e discussão da causa.

12
Factos instrumentais – são factos que não condicionam de forma directa a decisão e que têm como
função demonstração dos factos principais, estes, sim, determinantes da decisão. Nos factos instrumentais
incluem-se os factos probatórios e os factos acessórios.
Em regra a prova de um facto só é directa quando o julgador é, sem qualquer mediação, confrontado com
o facto principal. Tal acontece na prova por inspecção que se caracteriza, precisamente, por visar a percepção
directa dos factos pelo tribunal.
Mas em regra assim não sucede. Para se concluir pela verificação de um facto principal faz-se uma
dedução a partir de outros factos que são, precisamente, os denominados factos probatórios. Por outro lado, para
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b) Nos factos notórios13.
c) Nos factos conhecidos pelo tribunal no exercício das suas funções.
d) Nos factos essenciais que sejam complemento ou concretização de outros que
as partes hajam oportunamente alegado, se resultarem da instrução e discussão
da causa, desde que a parte interessada manifeste a sua vontade de deles se
aproveitar – aqui o princípio do dispositivo - e tenha sido garantido o
contraditório.

3. São as partes que limitam o poder da decisão do tribunal

Como podemos constatar mais adiante, o juiz só pode decidir com base nos
factos alegados pelas partes, pelo que se pode concluir, a priori, que se encontra
limitado pelas partes o poder jurisdicional.
O art. 6.º n.º 2 estatui que “ o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados
pelas partes, sem prejuízo do disposto nos números 2 e 3 do art.º 472.º e no n.º4 do
art.º 8.º e da consideração mesmo oficiosa, os factos instrumentais que resultem da
instrução e discussão da causa”, e, o art.º 572.º n.º 1 (este corresponde ao art.º 661º no
CPC de 1961) que diz o seguinte “a sentença não pode condenar em quantidade
superior ou em objecto diverso do que se pedir”, delimitam claramente o poder da
decisão jurisdicional.

que esta dedução seja possível é necessário em muitas circunstâncias a outros factos ditos acessórios. Estes
últimos são os factos que permitem ou impedem que o julgador chegue a uma determinada conclusão.
Exemplo de um facto probatório: Depoimento de uma testemunha ou a existência de um documento.
Exemplo de um facto acessório: A boa ou má visão de uma testemunha.
Quer os factos probatórios quer os acessórios integram a categoria dos factos instrumentais

13
Factos notórios - são os factos de conhecimento geral, ou seja os factos conhecidos ou facilmente
cognoscíveis pela generalidade das pessoas de determinada esfera social (abrangendo aqui as partes e o juiz da
causa).
Facto notório é pois um facto cuja verificação é indiscutível pelo que não carece de prova ou alegação –
art. 472.º n.º 2 e 3 (514º do CPC de 1961).
Exemplo: Em 5 de Julho de 1975 houve um acontecimento de grande importância para Cabo Verde.
Factos conhecidos pelo tribunal, no exercício das suas funções – é o caso de o juiz tomar conhecimento
de que se encontra perante a repetição de uma causa pendente ou já decidida nesse mesmo tribunal -
(litispendência ou caso julgado) – Cfr. ANTÓNIO JÚLIO CUNHA; Textos de Apoio de Direito Processual Civil
I, volume I, Editora Universidade Lusíada, pág. 30 e segs.
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Em suma, podemos concluir que o princípio do dispositivo significa que são as
partes quem dispõem da instância, uma vez que são elas que definem o seu início, seu
desenvolvimento e extinção, e, ainda, quem formam ou definem o seu objecto.

2.3 Princípio do inquisitório

Este princípio veio mitigar o princípio do dispositivo, ou seja, veio afirmar que o
processo não deve estar na disponibilidade plena das partes mas que, também, o juiz tem um
papel mais activo, mais interventivo, e não o de um mero arbitro que garante, apenas, o
cumprimento das regras processuais.
Também, não é um princípio que vigora na sua plenitude, isto é, não é acolhido na
íntegra nos modelos processuais onde vigora o pluralismo democrático do tipo ocidental.
Onde, em regra, como é o caso de Cabo Verde, impera o princípio do dispositivo.
O princípio do inquisitório entra em acção, ou seja, tem aplicação no âmbito da prova
onde o juiz tem o poder-dever de se diligenciar na descoberta da verdade material.
O princípio do inquisitório e o do dispositivo devem, no nosso sistema processual,
estar ligados na prática, para permitir que as provas que venham a ser produzidas no tribunal
permitem o apuramento da verdade material e não formal.
Em síntese, o princípio do dispositivo estatui que cabe às partes o ónus de invocar os
factos em que fundam as suas pretensões. E, o princípio do inquisitório confere ao juiz o
poder-dever de, mesmo oficiosamente, realizar ou ordenar todas as diligências, que julgue,
necessárias ao apuramento da verdade14 respeitante aos factos articulados pelas partes.
São tidos como corolários do princípio do inquisitório os seguintes:
a) A junção de documentos ao processo, que não foram apresentadas junto com os
articulados, é determinada pelo juiz, ou seja, é o juiz quem incumbe requisitar ou

14
Segundo a jurisprudência fixada pelo STJ – português – no acórdão de 30.06.98, respeitante ao
princípio do dispositivo, a mesma determinou o seguinte: “ I – O artigo 264.º, n.º 3, do Código de Processo Civil
(corresponde o mesmo art.º no código de 1961, actual art.º 6.º em C. Verde) delineia dois princípios diversos: o
dispositivo, quanto à descrição dos factos com os quais o tribunal há-de julgar, competindo, em exclusivo, às
partes alegá-los e prová-los, e o inquisitório, quanto à averiguação da verdade dos mesmos. II A necessidade de
iniciativa do juiz existe, nomeadamente, não tendo o autor oferecido testemunhas mas continuado a mostrar a
actualidade o seu interesse, o réu prescinde da inquirição das que ele próprio oferecera com óbvio objectivo de
forçar a uma resposta negativa aos quesitos de dependeria o êxito da acção…” in BMJ, pág. 310. Cfr. ANTÓNIO
JÚLIO CUNHA; Ob. Cit., pág. 32 – nota rodapé.
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determinar a junção ao não do documento – art.º 492.º (art.º 535.º do CPC de
1961).
b) O juiz pode ouvir, mesmo após as alegações sobre a matéria de facto ou de direito,
pessoas que entender, art.º 7.º, n.º 2, e, ainda da interpretação da al. f) do n.º 1 do
art.º 562.º (art. 653º nº 1 do CPC de 1961).
c) O art. 558.º (art.º 645.º do CPC de 1961) estatui que juiz tem o dever de ordenar o
depoimento testemunhal de pessoas relativamente às quais ele presuma, no
decorrer da acção, que tem conhecimento de factos relevantes para a decisão da
causa.

O princípio do inquisitório, no entanto, não se confunde, no nosso sistema processual,


com o poder de direcção do processo pelo juiz, não obstante haver entre um e outro aspecto
com o mesmo fim comum, que é o maior protagonismo do juiz, e que se traduz numa
concepção mais autoritária da sua função jurisdicional.
O poder de direcção do processo encontra-se consagrado no art.º 7.º e este poder é
modelado pelo art.º 562.º (art.º 265.º nos. 1 e 2 no CPC de 1961). Eis algumas consequências
do poder da direcção:
a) Erro sobre a forma do processo – art.º 177.º (art.º 199º do CPC de 1961)
b) Princípio da adequação formal – art.º 131.º (art.º 138º do CPC de 1961)
c) O juiz é quem deve providenciar no sentido de suprimir a falta de pressupostos
processuais, quando são susceptíveis de sanação – art. 7.º, n.º2 e, de uma forma
implícita, nos art.º437.º, 461.º e 467.º, o que nos leva a deduzir que as partes
podem ser convidadas a suprirem as excepções dilatórias através do
aperfeiçoamento dos articulados.
O art. 562.º (art. 266º CPC-CV de 1961), evidência o poder do juiz na
discussão e julgamento da causa.

2.4 O princípio da preclusão e do auto responsabilidade das partes

O princípio da preclusão e do auto responsabilidade das partes estão intimamente


ligados entre si.
O termo preclusão significa a perda do direito de adoptar uma certa conduta processual
proveniente do seu não exercício num determinado momento. Quanto à expressão
responsabilidade quer dizer a obrigação de suportar as consequências negativas da adopção
de uma determinada conduta – comportamento – Ónus processual. E auto responsabilização
verifica quando o dano resultante da conduta se produz efeito na esfera jurídica do seu autor.
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Podemos com isto concluir que o direito processual civil além de impingir às partes um
conjunto de deveres, também, as impõe uma série de ónus. Isto quer dizer, que com muita
frequência as partes são obrigadas a adoptarem determinada conduta para que possam
conseguir um certo resultado, que tanto pode significar a obtenção de uma vantagem ou o
afastamento de uma desvantagem.
No entanto, como estamos no âmbito da autonomia privada, as partes não são
obrigadas a adoptar certos comportamentos processuais, só que ficam sujeitas a não obtenção
de uma vantagem ou suportarem certos prejuízos.
Assim, se são as partes que cabe adoptar ou não determinado comportamento, são elas
que respondem pelos resultados negativos derivados da sua conduta. Nisto consiste a ideia de
auto-responsabilidade. Isto é, auto significa que as consequências negativas deste princípio
produzem efeito no próprio autor do acto.
Quando se diz que o réu tem o ónus de contestar dentro de certo prazo. Ele (réu) não
esta perante um dever. Apenas se não contestar dentro do prazo determinado já não poderá
mais fazê-lo, pois fica inibido de o fazer. Diz-se, neste caso, que precludiu a faculdade de
contestar.
A preclusão, não é única consequência daquela omissão. O processo seguirá os seus
trâmites a revelia e, em regra, vão dar-se como provados os factos constitutivos alegados pelo
autor – art. 444.º (efeitos da revelia). Desta conduta (omissa) resulta pois uma desvantagem
para o réu, mas assim só sucede por lhe ter sido atribuída uma faculdade que não exerceu. Há
pois uma responsabilidade do réu, a imputação de uma desvantagem a quem deu causa à
mesma.15
Em suma, os princípios da preclusão e da auto responsabilização das partes significam,
pois, que a omissão, num determinado momento, de certas condutas processuais pode fazer
extinguir a faculdade de as partes virem a adoptar, posteriormente, as condutas omitidas; bem
que aos mesmos sujeitos são imputados as consequências negativas de tais omissões.

2.5. Princípio da Cooperação e da Boa-fé Processual

O princípio da cooperação tem como corolário impor às partes, aos seus mandatários e
ao julgador o dever de se cooperarem entre si, para que com brevidade e eficácia se alcança a
justa composição do litígio.
Os funcionários da justiça estão, também, adstritos a este princípio. Este princípio está
expresso nos termos do art.º 8.º.

15
Cfr. ANTÓNIO JÚLIO CUNHA; Ob. Cit., pág. 34
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Os deveres impostos pelo princípio da cooperação são em regra os seguintes:
a) Dever de cooperação para a descoberta da verdade;
b) Dever de prestar esclarecimentos sobre a matéria de facto ou sobre a matéria de
direito.
c) Marcação de diligências por acordo.
É, contudo, na audiência preliminar, que a exigência da cooperação mais se acentua16.
O princípio de boa-fé processual traduz no dever de as partes agir de boa-fé e usar uma
conduta processual correcta, de modo a ser alcançada a justa composição do litígio – art.º 8.º.
Se as partes, ou algumas delas, usar o processo para praticar acto simulado ou para
conseguir um fim proibido por lei ficam sujeitas as penalidades legais, nomeadamente,
condenados a litigantes de má-fé – art.º 420.º.

2.6. Princípios da imediação, oralidade, concentração e da livre apreciação da


prova

O princípio de imediação traduz-se no dever de o julgador manter, sempre que


possível, um contacto directo com os meios probatórios, e estes meios probatórios, por sua
vez, devem ter com os factos a provar a relação mais directa possível.
Por seu turno, o princípio da oralidade, determina que a produção dos meios de
prova pessoal – depoimento de parte e testemunhal - dever ser feita oralmente perante os
julgadores.
O princípio da concentração determina que os actos de instrução, discussão e
julgamento da matéria de facto se façam seguidamente com menor intervalo possível entre
eles. Este princípio está expresso nos termos dos arts. 568.º n.º 2.
O princípio da livre apreciação da prova pelo julgador se traduz no dever do
julgador decidir sobre a matéria de facto segundo a sua íntima convicção e não de acordo com
qualquer valoração prévia dos diferentes meios de prova.
Este princípio impede ao denominado sistema de prova legal, que se caracteriza pela
atribuição de determinados valores probatórios aos diferentes meios de prova, fixando uma
espécie de hierarquia entre ambos.
Estão sujeitas à regra da livre apreciação:
a) A prova testemunhal (art.º 396.º C. Civ.)
b) A prova por inspecção (art.º 391.º C. Civ.)
c) A prova pericial art.º 398.º C. Civ).

16
Cfr, idem, pág. 35
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Deve notar, no entanto, que se a regra é a da livre apreciação, de acordo com o
estatuído no art.º 567.º, existem, contudo, excepções, isto é, casos em que a lei fixa o valor
probatório de determinados meios de prova.
As excepções são as seguintes:
a) A prova por documento escrito autêntico – art.º 371.º, n.º 1 do C. Civ. ou
particular – art.º 376.º C. Civ.
b) A confissão escrita - art.º 358.º do C. Civ.
c) As presunções legais - art.º 350.º do C. Civ.
No que respeita à prova legal, isto é, quanto àqueles meios de prova a que a lei atribui
um determinado valor probatório, importa distinguir a prova bastante e a prova plena e a
prova pleníssima.
A prova bastante é aquela que cede perante contraprova, ou seja perante a simples
dúvida do julgador - art.º 346.º do C. Civ. São exemplo: as presunções de paternidade ou
maternidade, resultante da declaração inequívoca da paternidade ou da maternidade,
consideram-se ilididas quando existem sérias dúvidas. Não é necessário provar que o
declarante não é o pai ou mãe, basta criar a dúvida.
A prova plena é aquele valor probatório que só cede, que só pode ser contrariado,
através da prova do contrário, ou seja através da demonstração de que é falso o facto objecto
da prova – art.º 347.º C. Civ. – Exemplo, através da arguição da falsidade – art.º 372º. C. Civ.
A prova pleníssima é o valor probatório insusceptível de ser destruído.
Exemplo: Presunções legais inilidíveis – art.º 350.º n.º 2 e 1260.º C. Civ, a posse
adquirida por violência é sempre considerada uma posse de má-fé.
Existem um outro conjunto de excepção (ao principio da livre apreciação),
designadamente, nos casos em que haja uma imposição legal de que a prova de um certo facto
seja feita através de certo meio probatório. É o que sucede quando a lei exige que a prova seja
feita por documento escrito -art.º 364.º C. Civ. Esta exigência pode resultar de uma imposição
directa ou de uma imposição indirecta, verifica-se esta última situação quando a lei exige uma
determinada forma para a declaração negocial.
Importa considerar que ao juiz, que profere a sentença, cabe conhecer os meios de
prova legal – art.º 570.º n.º 2.

2.7. Princípio de Economia Processual

De acordo com este princípio o resultado processual deve ser atingido com maior
economia de meios.
Esta economia pode obter-se desde que se respeitem duas regras:
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1ª) Em cada processo apenas se devem prática os actos e formalidades indispensáveis.
Esta regra encontra concretização nos seguintes pontos:
a) Proibição da prática de actos inúteis – art.º 130.º;
b) Adequação da tramitação às especificidades da causa – art.º 7.º, n.º 5 (princípio de
adequação formal).
2ª) Em cada processo devem resolver-se o maior número possível de litígios (exemplo
art.º 32.º).

2.8. Princípio da aquisição processual

O princípio da aquisição processual está expresso no art.º 472.º, n.º1 e traduz no dever
do julgador de tomar em conta todas as provas produzidas independentemente da parte que as
apresentou, e independentemente das regras da repartição do ónus da prova.17

3. Interpretação e integração da lei processual

A interpretação e integração da lei processual não têm critérios especiais estabelecidos.


Sendo assim, a interpretação e integração da lei processual, enquanto direito adjectivo,
deve seguir o regime geral, ou seja, os princípios estabelecidos no art.º 9.º do C. Civ. Quanto
ao preenchimento das lacunas, estas devem seguir o regime estabelecido no art.º 10.º do
referido código.
Como o direito processual civil tem, como sabemos, carácter instrumental devemos
adaptar as regras e os princípios deste direito às regras de interpretação e integração e o
preenchimento das lacunas do direito substantivo.
O sentido a atribuir às normas, na interpretação da lei processual civil, deve ser o que
melhor se coaduna com os interesses protegidos pelo direito substantivo. Isto significa que o
resultado da interpretação não deve por em causa os interesses que a lei substantiva tutela.

4. Aplicação da lei processual no tempo

A aplicação da lei processual no tempo nos coloca perante duas situações:

17
Nota: os apontamentos sobre os princípios seguem os textos de Apoio de Direito Processual Civil I,
ANTÓNIO JÚLIO CUNHA; Ob. Cit.,

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1º Entre o momento da constituição da relação contratual e a propositura da
acção, em que a mesma se funda, pode ocorrer uma sucessão de leis
processuais.
2º A lei vigente à data em que a acção é proposta sucede uma outra lei.
Com a entrada em vigor do Código Processual Civil de 2010, a resolução das questões
colocadas pela sucessão de leis no tempo resolve-se, em regra, através do recurso às soluções
impostas pela nova lei, ou seja através da aplicação das denominadas disposições transitórias
especiais – art.º 2.º e segs. do Decreto-Legislativo n.º 7/2010 de 1 de Julho.
Mas, o problema da aplicação da lei não se resolve apenas com disposições
especialmente previstas em determinados diplomas, isto porque, há, ainda, a considerar as
normas transitórias sectoriais ou parcelares, que têm por finalidade estabelecer em termos
genéricos o âmbito da aplicação temporal das leis processuais que regulam certas matérias,
tais como: prazos, forma dos actos, etc.
Convém, antes de tratarmos estas normas sectoriais, dedicarmos ao regime da regra
geral, regime este que se aplica na ausência daquelas normas transitórias sectoriais ou
parcelares.

Regra geral
Hoje, é pacífico que, no que tange à aplicação da lei processual no tempo, a regra geral
é a da aplicação imediata da nova lei. Neste sentido, a nova lei aplica-se imediatamente:
 - às acções que se venham a instaurar após a sua entrada em vigor; e
 - aos actos a realizar futuramente nas acções pendentes – à sua entrada em
vigor.
Quais são as razões que se justifiquem este princípio?
As razões que justificam estes princípios, segundo ANTUNES VARELA, (in Manual de
Processo Civil, 2ª Ed. Coimbra, 1985, págs 47-48), são as seguintes:
a) O direito processual é um ramo de direito público. Para além dos interesses
particulares estão em causa os interesses inerentes ao sistema de justiça pública: O
interesse da verdade, da paz social, da justa composição dos conflitos, da economia
processual. Sempre que se publica uma nova lei, tal significa que para o estado se
encontrou uma melhor via para a prossecução daqueles interesses e tanto bastará para
que a mesma se aplique de forma imediata.
b) O direito processual é instrumental. Não são as suas normas que regulam o conflito de
interesses entre os particulares, as mesmas “limitam-se” a disciplinar o modo como as

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pessoas podem fazer valer em juízo os interesses tutelados pelo direito material. A
aplicação imediata da lei processual não retira às partes direitos ou interesses, apenas
altera o modo de os fazer valer em juízo.
O princípio da aplicação imediata da lei processual não coincide com o princípio da
não retroactividade da lei substantiva. Segundo, ainda, autor importa estender ao domínio do
processo civil a doutrina estabelecida no artigo 12.º do C. Civ, com as devidas adaptações.
De acordo com a regra estabelecida nesta norma - art.º 12.º C. Civ. de que a lei dispõe
para o futuro, implicará na área do processo civil que a nova lei se aplica às acções futuras e
também aos actos futuramente praticados nas acções pendentes.
A regra de que a nova lei não regula os actos pretéritos (não retroactividade da lei) tem
como corolário, no âmbito do direito processual civil, que a validade e regularidade dos actos
processuais anteriores continuarão a aferir-se pela lei antiga, ou seja, pela lei em vigor à data
em que os mesmos foram praticados.
Quais são as diferenças entre o princípio da aplicação imediata e o principio da não
retroactividade?
As diferenças consistem nos seguintes: as normas do direito adjectivo têm aplicação
retroactiva quando aplicadas a processos que tenham por objecto uma relação material
anterior à sua entrada em vigor. Exemplo, o A e B celebraram em Janeiro o ano de 2010 um
contrato de compra e venda. Em Janeiro de 2011, data da propositura da acção, entrará em
vigor uma nova lei processual. Se entre A e B, uma das partes não cumprirem a sua
obrigação. Em caso de litígio a lei processual que se deve aplicar para a propositura da acção
é a lei processual que entrará em vigor em Janeiro de 2011 e não aquela que vigorava à data
da celebração do negócio.

Regras sobre à aplicação da lei processual no tempo relativamente a certas


categorias especiais – normas transitórias ou sectoriais.

A Lei sobre o formalismo processual, ou seja, sobre às normas que regulam os actos a
praticar na propositura e desenvolvimento da acção, bem como das formalidades e termos
próprios de cada um deles, estabelece o seguinte:
a) No que respeita aos actos processuais, vigora o princípio da aplicação imediata do
art.º 135.º.
b) Quanto à forma do processo, a regra é a da aplicação da lei em vigor à data da
propositura da acção.

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Leis sobre recursos.

Sobre estas normas, há que distinguir as seguintes:


- As normas que fixam as condições de admissibilidade do recurso, das normas;
- Que regulam as formalidades de preparação, instrução e julgamento do recurso.
No que respeita a estas últimas (as que regulam as formalidades de preparação,
instrução e julgamento do recurso), as mesmas são de aplicação imediata.
Quanto às normas que estabelecem as condições de admissibilidade de recurso, a
doutrina distingue três tipos de situações:
1ª) A nova lei admite recurso de decisões (já proferidas) que anteriormente o não
comportavam. – Não deve aplicar-se a nova lei. Porque implicaria a destruição da força do
caso julgado e, naturalmente, colocaria em causa a segurança jurídica.
2ª) A nova lei afasta a possibilidade de recurso em situações onde anteriormente era
admitido, quanto a decisões já proferias. Para não colocar em causa as legítimas expectativas
do recorrente esta lei não deve aplicar-se aos recursos já interpostos.
Quanto aos recursos ainda não interpostos a lei deve ter aplicação imediata, sob pena
de a mesma atribuir força de caso julgado às decisões que a não possuíam, colocando em
causa as legítimas expectativas da parte com legitimidade para interpor recurso.
3ª) A nova lei entra em vigor antes de proferida a decisão. – Segundo o Professor
ANTUNES VARELA, a nova lei é imediatamente aplicável quer admita recurso, onde
anteriormente o não havia, quer afaste o recurso em relação a decisões que anteriormente o
admitiam.
O entendimento acolhido pelo nosso legislador, na reforma de 2010 Decreto-
Legislativo nº 7/2010, foi no sentido de que a nova lei não se deve aplicar às acções
pendentes, ou seja as mesmas devem seguir as disposições da legislação vigente à data da
sua prolação (cfr. art.º 2.º, g) do referido decreto). Só as decisões posteriores à entrada em
vigor do novo código seguem as disposições deste código.

Leis sobre alçadas.

A alçada, como adiante melhor veremos, é o limite do valor das acções até ao qual o
tribunal julga sem admissibilidade de recurso ordinário. Do valor da acção e da alçada
depende a forma do processo comum – art.º 425.º e também da admissibilidade do recurso –
art.º 585.º. Assim, a lei que altere a alçada interfere, naturalmente, naqueles aspectos.

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Quanto à forma do processo comum rege, como vimos, o disposto do art.º 135.º, de
acordo com o qual o processo iniciado com uma determinada forma conserva essa mesma
forma.
Quanto aos recursos:
a) Para autores, como ANTUNES VARELA, a nova lei aplica-se a todas as decisões
proferidas após a sua entrada em vigor, mesmo que digam respeito a acções pendentes nesta
data.
b) Outros autores entendem que a nova lei não é aplicável às acções pendentes sempre
que a mesma venha excluir a admissibilidade de recurso. Eu comungo desta opinião, para não
defraudar as legítimas expectativas da parte com legitimidade para interpor recurso.
Foi esta última orientação a acolhida pelo legislador português aquando da revisão
processual – art.º 25.º do Dec-Lei 329. – A/95 – português.

Leis sobre provas

Quanto às normas que regulam a prova, deve distinguir-se o direito probatório material
do direito probatório formal.
O primeiro, integra os preceitos que determinam quais os meios de prova admissíveis,
bem como o seu valor – art.º 341.º e segs do C. Civ.
O segundo, os preceitos que regulam o modo de produção das provas em juízo – arts
471.º e segs -. Quanto a estas últimas rege o princípio da aplicação imediata.
As normas de direito probatório formal que regulam a admissibilidade dos meios de
prova dos factos em geral são de aplicação imediata. Exemplo, a nova lei limita o número de
testemunhas que podem depor.
Já no que diz respeito às normas de direito material que digam respeito à prova de
determinados factos, é aplicável a lei em vigor à data da sua ocorrência. Exemplo, a exigência
de escritura pública para o contrato de mútuo que exceda determinado valor.

Leis sobre prazos judiciais

Os prazos judiciais podem ser peremptórios ou dilatórios – art.º 138.º.


O Prazo peremptório é o período de tempo a partir do qual começa a correr novo.
Exemplo, prazo de 20 dias para o réu contestar – art.º 446.º.
O prazo dilatório é período de tempo a partir do qual começa a correr o novo prazo.
Exemplo, prazo de 8 dias que acresce ao prazo de contestação sempre que a citação não
se verifique na pessoa do réu – art.º 231.º.
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Há, contudo três situações que importa distinguir:
1. A nova lei alonga um prazo (peremptório ou dilatório). Esta lei tem aplicação
imediata, mesmo aos prazos já em curso – art.º 279.º C.Civ.
2. A nova lei encurta um prazo dilatório. A lei deve ter aplicação imediata mesmo
relativamente aos prazos em curso. Se de acordo com a nova lei o prazo já estiver
esgotado, a dilação deve considerar-se finda no dia em que aquela lei entra em
vigor.
3. A nova lei encurta um prazo peremptório. A lei tem aplicação imediata, mas
quanto aos prazos em curso apenas se tem em conta, para o efeito, o período de
tempo decorrido na sua vigência.
Se por força desta regra se tivesse que concluir, num caso concreto, que a aplicação
desta nova lei acabaria por ampliar o prazo, deve aplicar-se a lei anterior.

Exemplos:
Prazo inicial: 30 dias.
Nova lei reduz aquele prazo de 30 para 20 dias.
a) A nova lei entra em vigor decorridos os primeiros 10 dias.
O acto em causa pode ser praticado até ao dia 30.
b) A nova lei entra em vigor decorridos 20 dias.
O acto em causa pode ser praticado até o dia 30.

Aplicação da lei processual no espaço

A questão coloca-se quando uma determinada situação ou relação jurídica encontra


elementos de conexão com mais do que uma ordem jurídica.
Ex., “A” cabo-verdiano, vende a “B”, português, um automóvel quando ambos se
encontravam em férias em Espanha.
Qual é a lei processual aplicável caso venha a ser intentada uma acção judicial?
Segundo o princípio geral é o da Lex fori. De acordo com este princípio o tribunal
deve aplicar a lei processual do seu Estado, ou seja, a sua própria lei processual. Este
princípio explica-se considerando a natureza publicística e instrumental do processo.

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5. As formas processuais

24/11/2010

5.1 Processos de Jurisdição Contenciosa – definitiva e provisória

Os processos de jurisdição contenciosa podem ser definitiva e ou provisória.

5.1.1. Processos de jurisdição contenciosa definitiva

São de jurisdição contenciosa definitiva os processos em que a actividade jurisdicional


é exercida através de acções propriamente ditas. Estes processos são caracterizados pela sua
autonomia, a qual permite a formação de caso julgado, isto é, a obtenção de uma decisão em
regra definitiva, inalterável.

5.1.2. Processos de jurisdição contenciosa provisória ou Procedimentos cautelares

São de Jurisdição contenciosa provisória os processos que se destinam a assegurar, a


acautelar, o efeito útil das acções e daí a sua designação de procedimentos cautelares.
Os processos de jurisdição provisória não são, no sentido técnico-jurídico, verdadeiras
acções uma vez que carecem de autonomia, encontram-se na dependência de outros
procedimentos, tidos como sendo principais, ou seja, de acções.
Os procedimentos cautelares18 têm por objectivo impedir que durante a pendência de
uma acção, que pode ser declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de tal modo

18
No Direito Processual cabo-verdiano este Instituto justifica-se sempre que ele seja necessário para
assegurar a utilidade e a efectividade da tutela jurisdicional, art.º 2.º, in fine CPC) e, na medida em que contribui
decisivamente para o êxito dessa tutela, encontra o seu fundamento constitucional na garantia do acesso ao
direito e aos Tribunais (art.º 22.º n.º1 Constituição da República de Cabo Verde.
A composição provisória realizada através das providências cautelares pode prosseguir uma de três
finalidades: a) necessidade de garantir um direito toma-se providências que garantem a utilidade da composição
definitiva; b) definir uma regulação provisória, as providências definem uma situação provisória ou transitória;
ou c) antecipar a tutela pretendida ou requerida, as providências atribuem o mesmo que se pode obter na
composição definitiva.
As providências cautelares fornecem uma composição provisória. A provisoriedade destas providências
resulta quer da circunstância de elas corresponderem a uma tutela que é qualitativamente distinta daquela que é
obtida na acção principal de que são dependentes (art.º 352º n.º 1 CPC), quer a sua necessária substituição pela
tutela que vier a ser definida nessa acção.
A tutela processual é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do direito substantivo, porque
o direito processual é o meio de tutela dessas situações. A composição provisória realizada através das
providências cautelares não deixa de se incluir nessa instrumentalidade, porque ela também serve os fins gerais
de garantia que são prosseguidos pela tutela jurisdicional. Não, contudo, de uma forma imediata, porque aquela
composição provisória destina-se a garantir a eficácia e a utilidade da própria tutela processual, pelo que é
instrumental perante esta tutela e só mediante as próprias situações jurídicas.
O objecto da providência cautelar não é a situação jurídica acautelada ou tutelada, mas, consoante a sua
finalidade, a garantia da situação, a regulação provisória ou a antecipação da tutela que for requerida no
respectivo procedimento.
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que a sentença nela proferida, ainda que favorável, possa perder toda a sua eficácia ou parte
dela.
Através destes procedimentos, pretende evitar-se que a demora natural das acções
coloque em perigo a efectiva tutela dos interesses dos particulares. Este instituto encontra-se a
sua base na nossa Lei Fundamental (CRCV) no n.º6 do art.º 22.º CRCV - Acesso à Justiça –
que diz “ Para defesa dos direitos, liberdades e garantias individuais, a lei estabelece
procedimentos judiciais céleres e prioritários que assegurem a tutela efectiva e em tempo útil
contra ameaças ou violações desses mesmos direitos, liberdades e garantias”. Por exemplo:
a) O homem expulso de casa da mulher pode requerer em juízo uma prestação de
alimentos. Mas como prover ao seu sustento na pendência da acção se o mesmo estiver doente
e não dispuser de meios de subsistência?
b) O credor pode obter em juízo uma sentença condenatória do devedor. Mas como
obter o efectivo pagamento se durante a pendência da acção este tente dissipar todo o seu
património?

Quais são as características dos procedimentos cautelares?


Os procedimentos cautelares apresentam as seguintes características:
a) Natureza preventiva, isto é, o que se pretende é evitar a lesão futura de um
direito ou interesse, ou o agravar de uma lesão já verificada – arts. 350.º e 354.º
( no código anterior arts. 381.º e 387.º)
b) Carácter urgente, ou seja, tal como decorre da exegese do art.º 351.º n.º 1 que
diz “ os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente,
precedendo os respectivos actos qualquer outro serviço judicial não urgente” e,

Para atingir a finalidade de evitar a lesão ou a sua continuação, a composição provisória tem de ser
concedida com celeridade: as vantagens dessa composição serão tanto maiores quanto mais cedo ela puder
garantir o direito, regular provisoriamente a situação ou antecipar a composição definitiva. Por isso, as
providências cautelares implicam necessariamente uma apreciação sumária (summaria cognitio) da situação
através de um procedimento simplificado e rápido.
A summaria cognitio justifica que certas providências cautelares possam ser decretadas sem a prévia
audição da contraparte, isto é, sem ser concedida a esta parte o uso do contraditório. Esta possibilidade – que é
coberta pelo desvio ao princípio do contraditório admitido pelo art.º 3.º n.º 2 CPC – encontra-se prevista em dois
níveis: num deles, proíbe-se a audição do requerido (art.º s. 368.º e 376.º n.º1 CPC; e 1276.º C. Civ.); no outro,
permite-se (mas não se impõe) que a providência seja decretada sem a audição do requerido (art. 353.º n.º1
CPC).
Aos procedimentos cautelares são subsidiariamente aplicáveis as disposições gerais sobre os incidentes da
instância (art.º 353.º n.º1 CPC). Existem, todavia, algumas especialidades, mesmo nos procedimentos onde são
apreciadas as providências comuns. Os procedimentos cautelares constituem uma das situações em, que a citação
do réu depende de prévio despacho judicial (art.º 208.º, n.º 1 CPC). Por conseguinte, o juiz, em vez de ordenar a
citação, pode indeferir liminarmente o requerimento, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou
ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insanáveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, por
força do art.º 434.º CPC.

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ainda, do art.º 136.º n.º1 e 2 (cfr. código anterior art.º 143.º) – dias em que se
suspende a prática de actos:
N.º1 “ Os actos judiciais não podem ser praticados nos sábados,
domingos, dias feriados, férias judiciais e em geral nos dias em que, por
disposição legal ou determinação da entidade competente, os tribunais estejam
encerrados.
N.º 2 – “exceptuam-se as citações, notificações e os actos que se
destinem a evitar dano irreparável ”. Estes actos, revestem sempre de carácter
urgente, devendo, por isso, procederem qualquer outro serviço não urgente.
Por assim suceder, os actos que integram estes procedimentos podem ser
praticados mesmo nos domingos, feriados e em férias judiciais, não
suspendendo nestes períodos os prazos para a sua prática.
Esta natureza urgente diz respeito a todas as fases e não apenas até ao
momento em que é proferida a decisão. Ou seja, quer a apreciação da oposição
posterior, quer a decisão dos recursos interpostos, deve proceder à prática de
todos os actos judiciais que não tenham natureza urgente.
c) Natureza provisória – As decisões proferidas caracterizam-se por não
adquirirem a qualidade de caso julgado material. A providência cautelar
constitui sempre a antecipação de uma providência definitiva. Para a mesma
ser decretada parte-se do entendimento de que a acção, de que a mesma é
dependente, vai ser julgada procedente – cfr. art.º 357.º.
d) Não têm autonomia – uma vez que estão sempre na dependência de uma
acção em que o autor pretende fazer valer o seu direito ou interesse tutelado.
Esta acção pode ser declarativa ou executiva. Como resulta do art.º 352.º, n.º1
“o procedimento cautelar encontra-se sempre na dependência da causa que
tenha por fundamento o direito acautelado, podendo ser instaurado como
preliminar ou como incidente da acção”.

A dependência dos procedimentos, face às acções, traduz-se, entre outros, nos


seguintes aspectos:
a) Identidade entre o direito ou interesse acautelado e aquele que se pretende
fazer valer na acção. As partes e a causa de pedir devem, pois, em regra,
coincidir.

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b) Os procedimentos podem ser instaurados antes ou depois de proposta a acção
de que depende. No primeiro caso, diz-se que é preliminar, no segundo, que é
um incidente – art.º 352.º, nº 1.
c) O procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência
caduca, se ocorrer alguma das situações previstas no art.º. 357.º.

Os Pressupostos dos Procedimentos Cautelares

Como ficou dito supra a necessidade da composição provisória advém do prejuízo que a
demora na decisão da causa e na composição definitiva provocaria na parte cuja situação
jurídica merece ser acautelada ou tutelada.
A finalidade específica das providências cautelares é, por isso: - evitar a lesão (dano)
grave e dificilmente reparável - art.º 350.º n.º1 CPC – lesão esta, proveniente da demora na
tutela da situação jurídica, ou seja, evitar ao chamado periculum in mora. O dano pode ser
provocado quer por uma lesão iminente quer pela continuação de uma lesão em curso,
sobretudo, de uma lesão não totalmente consumada.
O elemento constitutivo da providência requerida é o periculum in mora, ou seja, a
demora. Se o requerente da providência não se encontrar, pelo menos, na iminência de sofrer
qualquer lesão ou dano, falta a necessidade da composição provisória e a providência não
pode ser decretada, por inexistência do perigo na demora, isto é, por ausência do pressuposto
essencial.
Nas providências cautelares se exigem apenas a prova sumária do direito ameaçado, ou
seja, a demonstração da probabilidade séria da existência do direito alegado – art.º. 374.º, bem
como do receio da lesão - art.ºs. 350.º, 354.º, 367.º, 373.º e 387.º CPC.
As providências só requerem, quanto ao grau de prova, uma mera justificação, embora a
repartição do ónus da prova entre o requerido e o requerente segue as regras gerais do art.º
342.º n.º1 e 2 C.Civ.
Assim, para o decretamento da providência cautelar exige-se apenas a prova de que a
situação jurídica alegada é provável ou verosímil, pelo que é suficiente a aparência desse
direito, ou seja, basta um fumus boni iuris.
O fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação, mas não tem qualquer
tradução numa discricionariedade do Tribunal quanto aos fundamentos da providência; se isso
não suceder, o Tribunal não a pode decretar, ainda que isso se pudesse justificar por outros
factores.
As providências cautelares exigem todos os pressupostos processuais gerais.

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Especificamente quanto ao interesse processual, importa referir que ele falta sempre que
o requerente possa atingir a garantia do direito, a regulação provisória ou a antecipação da
tutela através de um meio mais adequado que o procedimento cautelar, ou seja, quando, em
função das circunstâncias, aquele procedimento não for meio mais célere e económico para
obter a tutela dos interesses do requerente
O nosso legislador distingue os procedimentos cautelares especificados - art.º 361.º,
367.º, 370.º, 372.º, 373.º, 380.º e 387.º dos procedimentos cautelares comuns ou não
especificados - art.º 350.º e segs.

Procedimentos cautelares especificados

A regulamentação legal das providências cautelares nominadas ou especificadas está


expressa nas seguintes normas: alimentos provisórios – art.º 361.º e segs e Alimentos por
conta da indemnização – art.º 366.º (esta em Portugal é denominada o arbitramento de
reparação provisória nos termos dos arts. 403º a 405º CPC); a restituição provisória da
posse - arts. 367.º e segs; a suspensão de deliberações sociais – art.º. 370.º e segs; o arresto
- art.º 373.º e segs; o embargo de obra nova – art.º 380.º segs. e o arrolamento – art.º 387.º
e segs.
No grupo dos procedimentos especificados, alguns visam garantir a realização de um
direito, outros destinam-se a regular provisoriamente uma situação e outros ainda procuram
antecipar a tutela jurisdicional que se pretende obter através da acção principal.
Podemos neste sentido classificar as providências como sendo: a) Providências de
garantia; b) Providências de regulação; e, c) Providências de antecipação.

a) Providências de garantia

São tidas como providências de garantia: o arresto e o arrolamento. Estes


visam garantir a realização de uma pretensão e assegurar a sua execução

Arresto

O arresto pode ser requerido pelo credor que demonstre a probabilidade da


existência do seu crédito e tenha justo receio de perda da sua garantia patrimonial. O
arresto consiste na apreensão judicial de bens do devedor - art. 373.º e 619.º n.º1 C.
Civ. ou, também, de bens transmitidos pelo devedor a um terceiro - art. 375.º n.º2; e
619º n.º2 C. Civ.
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Arrolamento

O arrolamento, ao contrário do arresto que visa assegurar a garantia patrimonial


do credor, destina-se a evitar o extravio ou a dissipação de bens, móveis ou imóveis,
ou de documentos - art. 387.º, que, para esse efeito, são descritos, avaliados e
depositados - art. 389.º n.º 2. Essa providência visa a conservação de bens ou
documentos determinados - art. 389.º n.º3, sendo, por isso, que os credores só a
podem requerer quando haja necessidade de proceder à arrecadação de herança ou
dos próprios bens - art. 388.º, n.º 2 e 392.º n.º 2; 87.º e 1976.º n.º 2 C. Civ.

b) Providências de regulação

São casos de providências de regulação: a restituição provisória da posse; o embargo


da obra nova, e a suspensão das deliberações sociais e da assembleia de condóminos.

Restituição provisória da posse

O possuidor que for esbulhado com violência, isto é, que for violentamente
privado do exercício, da retenção ou da fruição do objecto possuído, tem o direito de
ser restituído provisoriamente à sua posse, desde que alegue e prove os factos que
constituem posse, o esbulho e a violência - arts. 367.º; 1279.º C. Civil.
A reconstituição provisória da posse é justificada não só pela violência ou
ameaças contra as pessoas, mas também contra coisas, como muros e vedações.

Embargo de obra nova

O embargo de obra nova pode ser judicial ou extrajudicial.


O embargo judicial pode ser requerido por quem se sentir ofendido no seu direito
de propriedade (ou de compropriedade), num outro direito real ou pessoal de gozo ou
na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço que lhe cause ou ameace
causar prejuízo - art. 380.º nº1.

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Suspensão de deliberações sociais

Se alguma associação ou sociedade tomar, em assembleia-geral, deliberações


contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo
de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, desde que, além de
provar a sua qualidade de sócio, mostre que essa execução pode causar dano
apreciável - art. 370.º nº1.
O dano causado deve ser apreciável, mas não tem de ser irreparável ou de difícil
reparação.
Assim, por não poder causar qualquer dano considerável, não pode ser requerida
a suspensão da deliberação respeitante ao recebimento de dividendos.

Quanto à Suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, deve-se


aplicar o regime estabelecido para as deliberações sociais nos termos do n.º1 do art.º
372.º.

c) Providências de antecipação

Têm a natureza antecipatória as seguintes providências: alimentos provisórios,


e alimentos por conta da indemnização.

Alimentos provisórios

A providência de alimentos provisórios pode ser requerida como dependência da


acção em que, principal ou acessoriamente, seja pedida uma prestação de alimentos,
art. 361.º, nº 1 e 1947.º C. Civ.
Essa causa pode ser, por exemplo, uma acção de reconhecimento da maternidade
ou paternidade e de alimentos provisórios para um dos cônjuges numa acção de
divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens - art. 1939.º n.º1 C. Civ.
Os alimentos provisórios são fixados numa quantia mensal art. 361.º, tomando
em consideração o que for estritamente necessário para o sustento, a habitação e o

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vestuário do requerente e ainda para as despesas da acção, se o autor não puder
beneficiar de apoio judiciário art. 361.º n.º2 CPC.

Alimentos por conta da indemnização

Este instituto acaba de ser consagrado no novo Código.


O procedimento é instaurado, como dependência da acção de indemnização
fundada em morte ou lesão corporal, pelo lesado, bem como por aqueles que lhe
podiam exigir alimentos ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de
uma obrigação natural. O requerimento visa o arbitramento de uma quantia certa, sob
a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano - art. 366.º n.º1.
O mesmo pode ser requerido nos casos em que a pretensão indemnizatória se
funda em dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do
lesado - art. 366.º nº5 CPC.
O montante da reparação provisória é fixado equitativamente pelo tribunal e é
subtraído ao quantitativo indemnizatório que vier a ser apurado na acção principal -
art. 366.º n.º4.
Se a decisão final proferida na acção de indemnização não arbitrar qualquer
reparação condena o lesado a restituir o que for devido.

Providências cautelares comuns

Não cabendo nenhuma das providências nominadas (especificadas) a garantia da


execução da decisão final, a regulação provisória e a antecipação da tutela podem ser obtidas
através de uma providência cautelar não especificada.
Estes procedimentos, não se encontram expressamente tipificados no Código de
Processo Civil, por isso, o art.º 350.º, n.º 1 define-os do seguinte modo: “Quando alguém
mostre fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência dela,
cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer, a providência
antecipatória ou conservatória para assegurar a efectividade do direito ameaçado”.
As providências não especificadas, como decorre da norma do art.º 350.º,n.º3, só
podem ser requeridas quando nenhuma providência nominada possa ser utilizada no caso
concreto: nisto consiste a subsidiariedade dessas providências.

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Esta subsidiariedade pressupõe que nenhuma providência nominada ou especificada
seja abstractamente aplicável e não que a providência aplicável em abstracto deixe de o ser
por motivos respeitantes ao caso concreto.
Para que uma providência cautelar não especificada possa ser decretada são
necessários, além do preenchimento das condições relativas à referida subsidiariedade - art.º
350.º, outros pressupostos específicos:
a) O fundado receio de que outrem, antes de a acção ser proposta ou na pendência
dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito do requerente art.º 350.º, nº 1;
b) O excesso considerável do dano que se pretende evitar com a providência sobre o
prejuízo resultante do seu decretamento, art. 354.º, n.º 2. Ou seja, o dano para o requerido não
pode exceder o dano que com ela se pretende evitar.
As providências cautelares comuns destinar-se-ão, primordialmente, a regular
provisoriamente uma situação e a antecipar a tutela definitiva. O art.º 350.º, refere
explicitamente providências com eficácia conservatória e antecipatória do efeito da decisão
principal, mas isso não parece revestir-se de qualquer significado limitativo.
As providências cautelares não especificadas também podem ser utilizadas para obter
a antecipação da tutela de uma situação jurídica.

Características dos procedimentos cautelares comuns e nominados:

a) Dependência

As providências cautelares têm por função obter uma composição provisória.


Essas providências são decretadas em processos especiais próprios - os procedimentos
cautelares, arts. 350.º a 392.º - e, porque visam compor provisoriamente a situação das partes,
são dependência de uma acção cujo objecto é a própria situação acautelada ou tutelada - arts.
352.º, n.º 1, 350.º n.º 1, 375.º n.º 1 e 392.º n.º 1. Essa acção pode ser declarativa ou executiva -
art. 352.º, n.º1 e 2, embora, nesta última, não sejam frequentes as hipóteses em que está
assegurado o interesse processual no decretamento da providência.
A acção principal pode decorrer perante um Tribunal Judicial ou Arbitral.
Dada esse dependência, as providências caducam se a acção principal vier a ser
julgada improcedente - art.º 357.º n.º1 al. c) ou se o réu for nela absolvido da instância e o
autor não propuser, dentro do prazo legal, uma nova acção art.º 357.º, n.º 1 al. d); sobre esse

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prazo art. 262.º n.º 2. Se a acção principal for julgada procedente, verifica-se, em regra a
substituição da composição provisória pela definitiva resultante dessa decisão.
As providências cautelares podem ser requeridas antes da propositura da acção
principal ou durante a pendência desta última - art.º 352.º n.º 1, 1ª parte, mas nunca após o
trânsito em julgado da decisão dessa acção.
Como dependência da mesma causa não pode ser requerida mais do que uma
providência relativa ao mesmo objecto, ainda que uma delas seja julgada injustificada ou
tenha caducado art. 350.º n.º 4.
As providências cautelares podem ser solicitadas mesmo quando não esteja pendente
nenhuma acção art.º 352.º n.º 1, 2ª parte. Isso possibilita a situação em que a providência é
requerida, mas a acção principal nunca chega a ser proposta pelo requerente. No entanto,
como vimos supra, essas providências estão sujeitas a caducidade.

b) Celeridade

As providências cautelares são apreciadas e decretadas nos procedimentos cautelares.


Dada a celeridade indispensável a essas providências, estes procedimentos revestem sempre
carácter urgente e os respectivos actos precedem qualquer outro serviço judicial não urgente -
art.º 351.º n.º 1 (esta norma é uma inovação trazido pelo novo código); como consequência
desta urgência, os prazos processuais neles previstos não se suspendem sequer durante as
férias, judiciais, domingos e feriados - art.º 136.º n.º2.

c) Modificação
O Tribunal não está adstrito à providência requerida - art.º 360.º, nº 3, (introduzida
pela reforma do processo civil) isto é, pode decretar uma providência distinta daquela que foi
solicitada art.º 572.º n.º3. Esta faculdade concedida ao Tribunal decorre da não vinculação
deste órgão à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito - art.º 7.º, n.º2, e
pressupõe, naturalmente, que os factos alegados pelo requerente possibilitem essa conversão.
Desse regime também decorre que uma idêntica modificação da providência pelo
próprio requerente não é condicionada pelo disposto no art.º 249.º n.º 1e 2.

d) Cumulação

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O requerente pode solicitar o decretamento de duas ou mais providências cautelares
num mesmo procedimento cautelar se, na acção de que são dependentes por força do art.º
431.º, for admissível a cumulação dos respectivos pedidos.

e) Proporcionalidade

A provisoriedade cautelar e a sua finalidade de garantia, de regulação ou de


antecipação justificam que as medidas tomadas ou impostas devam ser as adequadas às
situações que se pretende acautelar ou tutelar.
As relações entre aquelas medidas e estas situações devem orientar-se por uma regra
de proporcionalidade: as medidas provisórias não podem impor ao requerido um sacrifício
desproporcionado relativamente aos interesses que o requerente deseja acautelar ou tutelar
provisoriamente - arts. 373.º; 371.º n.º 2, 376.º n.º2 e 385.º

f) Eficácia relativa

Uma das consequências da summaria cognitio e da suficiência da mera justificação no


julgamento da providência é a insusceptibilidade de a decisão proferida na procedimento
cautelar produzir qualquer efeito de caso julgado na respectiva acção principal: o julgamento
da matéria de facto e a decisão final proferida no procedimento cautelar não têm qualquer
influência no julgamento da acção principal - art.º 352.º n.º 1.
Como a providência decretada caduca se a acção vier a ser julgada improcedente por
sentença transitada em julgado - art.º 357.º n.º 1, al. c), também isso demonstra que o seu
decretamento, não é vinculativo na acção principal (que, apesar desse decretamento, vem a ser
julgada improcedente).
Pela mesma razão, a desistência da providência e a confissão do pedido - art.º 266.º n.º
1 CPC realizadas no procedimento cautelar não podem condicionar a apreciação da acção
principal.

g) Substituição por caução

As providências cautelares destinam-se a obter uma composição provisória que tutela


ou acautela o interesse na efectividade da tutela jurisdicional. Isso não impede, contudo, que
esse interesse possa ser acautelado de outra forma. Uma delas consiste na prestação de uma

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caução pelo requerido em substituição do decretamento da providência: é o que é admissível
nas providências cautelares não especificadas - art.º 355.º e no embargo de obra nova - art.º
385.º.
A substituição da providência cautelar pela prestação de caução pelo requerido
pressupõe, no entanto, que através desta se pode obter o mesmo efeito a que se destina aquela
providência. Normalmente, a providência cautelar pode ser substituída por caução, sempre
que ela vise evitar um prejuízo patrimonial.

h) Garantia e execução

De molde a assegurar a efectividade da providência cautelar decretada, a lei considere


ser crime de desobediência qualificada o não acatamento da providência cautelar decretada,
sem prejuízo das medidas adequadas `sua execução coerciva – art.º 359.º.

Caducidade

As providências cautelares fornecem, uma composição provisória, pelo que elas


caducam se a decisão que vier a ser proferida na acção principal não for compatível com a
medida provisória decretada.
É o que acontece quando essa acção for julgada improcedente por uma sentença
transitada em julgado - art.º 357.º, n.º1 al. c).
A caducidade da providência cautelar decorrente da extinção do direito acautelado -
art.º 357.º, nº.1, al. e), é apenas uma das situações possíveis de inutilidade superveniente dessa
providência - art.º 260.º al. e), pelo que essa inutilidade pode decorrer de outros fundamentos.
Normalmente a caducidade da providência abrange-a na totalidade, mas também são
pensáveis situações de caducidade parcial da providência. Se, por exemplo, a acção for
julgada parcialmente improcedente no despacho saneador - art.º 467.º n.º 1 al. b), n.º2 e 5, a
providência decretada só caduca na parte respectiva art.º 357.º; o mesmo sucede se o direito
acautelado se extinguir apenas em parte art.º 262.º n.º 1.
A caducidade da providência não opera automaticamente e nem sequer é de
conhecimento oficioso. O levantamento da providência com fundamento na sua caducidade
depende de solicitação do requerido, que é apreciada após a audição do requerente art. 357.º
n.º 3.

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Responsabilidade do requerente

Pode suceder que a providência requerida venha a mostrar-se injustificada pela falta
quer do próprio direito acautelado ou tutelado, quer do fundamento do seu decretamento;
também pode acontecer que a providência decretada, inicialmente justificada, venha a caducar
por facto imputável ao requerente -art. 357.º, n.º 1.
Em todos estes casos, o requerente, se não tiver agido com a prudência normal, é
responsável pelos danos causados ao requerido, art.º 358.º n.º1; quanto ao arresto, art. 621.º C.
Civ..
Essa responsabilidade está instituída na lei como uma contrapartida da provisoriedade
das providências cautelares e é garantida pela caução que o Tribunal, mesmo sem solicitação
do requerido, pode exigir ao requerente - art.º 357.º n.º 2 CPC.
A responsabilidade do requerente pressupõe que a providência é injustificada no
momento em que é requerida ou não vem a ser confirmada pela decisão proferida na acção
principal.

5.2. Jurisdição voluntária e jurisdição contenciosa

É importante saber distinguir o conceito de jurisdição voluntária e de jurisdição


contenciosa. No entanto, nem sempre é fácil estabelecer, com rigor, o critério de
diferenciação.
Uma das características dos processos de jurisdição contenciosa é a existência de um
conflito de interesses entre as partes que incumbe ao tribunal dirimir através da aplicação
das soluções resultantes do direito substantivo. Já nos processos de jurisdição voluntária o
elemento caracterizador é o interesse fundamental tutelado pelo direito que o tribunal
cumpre regular nos termos mais favoráveis.
Os processos de jurisdição voluntária encontra-se tipificados no Código de Processo
Civil19, isto é, a sua distinção face aos processos de jurisdição contenciosa é feita
formalmente. Encontramos esta regulação nos arts. 1054.º a 1124.º.

19
Constava do Código de 1962 os seguintes processos de jurisdição voluntárias; a) Providências relativas
aos filhos e aos cônjuges – art. 1412º e segs.; b) Separação por mútuo consentimento art. 1419º e segs; c)
Processos de suprimento art. 1425º e segs.; d) Autorização ou confirmação de certos actos – art. 1439 e segs; e)
Curadoria provisória dos bens de ausente art. 1451º.
Foram incorporadas no Código o Processo Civil às relações de família; mais concretamente nas relações
conjugais, decorrentes da suspensão da relação matrimonial, pela separação dos cônjuges ou a dissolução do
casamento, pelo divórcio e nas vicissitudes decorrentes das relações de convivência em união de facto, em
particular pelo seu rompimento; e a faculdade de realização amigável perante notário, circunscrito embora às
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De acordo com o disposto no art.º 1058.º estão sujeitos a processos de jurisdição
voluntaria as seguintes matérias:
a) Providências destinadas a assegurar a tutela da personalidade, do nome, dos
apelidos e da correspondência confidencial;
b) Autorização para prática de certos actos pelo representante do incapaz, ou
confirmação dos actos por ele praticados sem aquela autorização – art.º 1061.º;
c) Autorização para alienação ou oneração de bens sujeitos a fideicomisso (doação,
legado) ou de bens de ausente, quando tenha sido deferida a curadoria provisória ou
definitiva, e para a realização de benfeitorias pelo senhorio sem a aquiescência (aceitação) do
arrendatário – art.º 1062.º;
d) Fixação ou alteração da casa de morada ou da residência da família e atribuição
definitiva da casa de morada de família – art.º 1063.º;
e) Contribuição dos cônjuges para os encargos da vida familiar;
f) Suprimento do consentimento, nos casos de recusa, incapacidade, ausência ou
impossibilidade de o prestar, e suprimento da deliberação da maioria legal dos
comproprietários;
g) Nomeação ou exoneração de gestor de edifício sujeito a propriedade horizontal,
exclusão de sócio, exoneração de incapaz que for sucessor de sócio de sociedade em nome
colectivo, nomeação, suspensão ou destituição de membros de órgãos de administração ou de
fiscalização de sociedades ou de representantes comuns e de liquidatários, nos termos
previstos no Código das Empresas Comerciais;
h) Escusa ou remoção de testamenteiro;
i) Oposição à fusão ou cisão de sociedades e ao contrato de subordinação;
j) Liquidação de participações em sociedades, determinação da prestação ou do preço,
e divisão de ganhos e perdas ou casos análogos;
K) Oposição do sócio excluído ao preço fixado para a sua participação;
l) Fixação judicial do prazo para o exercício de um direito ou cumprimento de um
dever.
Quais são os Princípios que se norteiam estes processos?
Os Princípios caracterizadores dos processos de jurisdição voluntária são os seguintes:
a) Prevalência do inquisitório sobre o dispositivo: Como sabemos nos processos de
jurisdição contenciosa impera, por regra, o princípio do dispositivo, ou seja, o tribunal

situações em que não haja filhos menores ou equiparados na dependência do casal ( Cfr. Decreto - legislativo
n.º7/2010, de 1 de Julho, p. 20).

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só pode fundar a sua decisão nos factos alegados pelas partes – art.º 6.º n.º 1, são as
partes quem cabem o ónus da iniciativa e impulso processual; diversamente do que se
passa nos processos de jurisdição voluntária em que o tribunal pode investigar
livremente os factos, como decorre do art. 1059.º, al. d).
Em suma, embora as partes não ficam desonerados de formular um pedido
concreto e de invocar factos em que fundem as suas pretensões, o juiz não fica
“sujeito” tão-só aos factos invocados pelas partes, na fundamentação da decisão que
proferir.
b) Prevalência da equidade sobre os critérios de legalidade estrita: Nos processos de
jurisdição voluntária, ao contrário do que se passa nos processos de jurisdição
contenciosa em que o tribunal não está dependente das soluções expressas na lei, isto
é, dos critérios de legalidade estrita, nos processos de jurisdição voluntária o tribunal
pode, e deve, buscar a solução mais adequada ao caso concreto. O juiz nestes casos
pode decidir de acordo com a equidade, adoptando em cada caso a solução que julgue
mais conveniente e oportuna – art.º 1056.º.
c) Modificabilidade das decisões: As decisões proferidas nos processos de jurisdição
voluntária não obtêm a força de caso julgado, ou seja podem ser modificadas pelo
próprio juiz que as proferiu sempre que as circunstâncias supervenientes – objectivas
ou subjectivas – o justifiquem – art.º 1057.º. Por exemplo, a providência para a
regulação do poder paternal pode ser alterada se as circunstâncias supervenientes
assim o justificarem.
Já nos processos de jurisdição contenciosa, como sabemos, o poder do julgador
se esgota, como regra, no momento em que a decisão é proferida – art.º 575.º, n.º 1.
d) Irrecorribilidade das soluções: As decisões proferidas no âmbito dos processos de
jurisdição voluntária não admitem recursos para o Tribunal superior, com excepção
das decisões que fixam ou altera a casa de morada ou residência de família – art.º
1063.º e acção sub-rogatória a favor da família – art.º 1123.º. De acordo com este
entendimento, sempre que o tribunal decida segundo os critérios de conveniência ou
oportunidade, não é admissível recurso para tribunal superior, salvo nos casos em
estejam em causa direitos da família.
Trata-se de uma restrição que se assenta numa decisão que é orientada pela
discricionariedade ou equidade – cfr. art. 588º. Temos como exemplo, nestes casos, a
sentença proferida pelo Tribunal da 1ª Classe que fixe o quantitativo dos alimentos em

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acção de regulação do poder paternal não é admissível recurso para o Tribunal
Superior.

5.2. Jurisdição Permanente e Jurisdição Arbitral

É importante também fazer a distinção entre a jurisdição permanente e a jurisdição


arbitral.
A jurisdição permanente é exercida perante os tribunais que se integram na
organização judiciária do Estado, regendo-se pela lei processual geral;
A jurisdição arbitral é exercida perante os tribunais que são criados caso a caso, ou
seja, tribunais ad-hoc, que não integram a organização judiciária do Estado e que são
constituídos por juízes (árbitros) designados por convenção ou por lei especial.
O processo que deriva da convenção das partes é designado de processo arbitral e
encontra-se regulado em lei especial (Lei n.º76/VI/2005 de 16 de Agosto).
Os processos arbitrais assentam-se nos seguintes aspectos fundamentais:
a) Resulta de uma convenção de arbitragem que tem a designação de “compromisso
arbitral”, quando a convenção tem por objecto um litígio actual, ou “cláusula
compromissória” quando tem por objecto litígios potenciais (futuros ou eventuais) –
art.º 3.º, nº 2;
b) A convenção de arbitragem deve ser reduzida a escrito – art.º 5.º, n.º1;
c) Os juízes (árbitros) podem ser escolhidos pelas próprias partes ou de acordo com os
critérios definidos na lei de arbitragem – art.º 14.º;
d) Os processos são tendencialmente simples e mais céleres, podendo as partes fixar as
regras do processo, encontrando-se, no entanto, vinculados à obediência de
determinados princípios fundamentais, como é o caso do princípio do contraditório –
art.º 28.º e 24.º;
e) As partes podem, por acordo, renunciar antecipadamente aos recursos atribuindo aos
juízes a faculdade de julgarem de acordo com a equidade – art.º 31.º.
f) As decisões arbitrais têm a mesma força executiva que a sentença dos tribunais
judiciais da 1ª instancia – art.º 35.º, n.º2.

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6. Classificação legal das acções

6.1. Segundo o critério da finalidade

Em conformidade com o fim prosseguido pelo autor a lei processual distingue as


acções em: Declarativas e executivas – art.º 4.º, n.º1.
As acções declarativas visa obter, por parte do tribunal, uma declaração vinculativa da
solução concreta que resulta do direito substantivo para a situação concreta que as partes
levam a juízo.
As acções executivas são as acções que visam, a realização coerciva das providências
destinadas à efectiva reparação do direito violado.

As acções declarativas se subdividem em:


a) As acções de simples apreciação;
b) As acções de condenação, e
c) As acções constitutivas.

As acções de simples apreciação são as que têm por finalidades obter unicamente a
declaração da existência de um direito ou de um facto. Consoante o caso, as mesmas são
designadas como simples apreciação positiva ou negativa. Esta última designação tem
relevância no regime de admissibilidade da réplica – art.º 462.º, n.º1, e 4.
São exemplos de simples apreciação: As acções de reconhecimento de paternidade; as
acções tendo em vista a declaração de nulidade de um contrato; as acções declarativas de
arguição da falsidade de um documento.
As acções de condenação são as que tem como fim impor a realização de uma
determinada conduta tendo como pressuposto lógico a violação de um direito. Exemplos:
Acção de reivindicação da posse, uma acção de cobrança.
As acções constitutivas são as que visam autorizar uma mudança na ordem jurídica
existente, ou seja, a criação de novas situações jurídicas. Exemplos: acção de anulação ou de
resolução de um negócio jurídico, acção de divórcio, acção de execução específica de um
contrato promessa, acção de preferência.

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6.2. Segundo o critério da forma

As acções segundo o critério de forma podem distinguir, nos termos do art.º 424.º n.º1,
em:
a) Em processo comum, e
b) Processo especial
A distinção tem natureza formal. De acordo com o n.º2 do citado artigo o processo
especial é aquele que se aplica aos casos expressamente designados na lei, sendo o âmbito do
processo comum determinado por exclusão de partes.
A fórmula (regra) para se apurar a forma do processo adequada é a seguinte:
a) Confrontar o pedido formulado pelo autor com o fim a que se destina cada
processo especial;
b) Caso aquele pedido coincida com o fim de qualquer processo especial será este o
processo adequado;
c) Caso não couber dentro de um dos processos especial, então aplicar-se-á o
processo comum.
Os processos especiais, como referido supra, estão previstos nos arts. 814.º a 1124.º,
importa ter presente o disposto no art.º 427.º
O processo comum pode, hoje, ao contrário do código anterior prevê só uma forma
processual, independentemente do valor da causa e a natureza do pedido, art.º 425.º, n.º1.
Sempre que a acção tenha por fim a condenação para prestação de uma coisa ou de facto cujo
valor não ultrapasse a alçada do Tribunal de primeira instância – art.º 425.º, nº2.

Valor da causa: toda a causa estatui o art.º 278.º, deve ser atribuído um certo valor, que
representa a utilidade económica imediata do pedido.
Para fixação deste valor é necessário atender os critérios estabelecidos nos arts. 279.º e
segs.
O art.º 279.º determina a forma para atribuição da acção por quantia certa; o 280.º
estabelece o valor do acto jurídico; o art.º 281.º o valor determinado pelo valor da coisa; art.º
282º o valor da acção quando esteja em causa o estado de pessoas ou interesses imateriais; o
art.º 283.º estabelece o valor dos procedimentos cautelares e art.º 284.º para determinação do
valor de incidentes.

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7. Processo executivo. Traços gerais do seu regime

Diferentemente da acção declarativa que visa apenas o reconhecimento de um direito a


uma prestação e a condenação do réu no cumprimento dessa prestação (al. b. do n.º 2 do art.º
4.º), a acção executiva tem por finalidade a reparação efectiva de um direito violado. Ao seja,
com ela passa-se da declaração concreta da norma jurídica para a sua actuação prática,
mediante o desencadear do mecanismo de garantia – o emprego, efectivo ou potencial, da
força por parte dum órgão do Estado, dotado de ius imperium.
O que se pretende com esta acção executiva é, efectivamente, providenciar pela
reparação material coactiva do direito do exequente.
Perante a falta de cooperação e a indiferença do devedor no comprimento da decisão
judicial e/ou de uma outra obrigação com força executiva e a proibição de justiça privada (art.
1.º, n.º 2), a ordem jurídica concede ao credor a possibilidade de obter a satisfação efectiva do
seu direito através de uma acção executiva (art. 4.º n.º 3 CPC). Esta acção enquadra-se na
garantia do acesso aos tribunais para a defesa dos direitos e interesses legítimos (art. 22.º n.º1
CRCV).
A execução pode ser entendida num sentido próprio, como sendo a realização coactiva
de uma prestação; e numa acepção ampla ou imprópria, a execução é a actividade
correspondente à produção de quaisquer efeitos jurídicos.
Conforme resulta do art.º 49.º, n.º 2, existem três tipos de acção executiva:
 Para pagamento de quantia certa;
 Para entrega de coisa certa; e
 Para prestação de facto.

8. Pressupostos processuais

8.1. Noção. Confronto com figuras afins. Enunciação

Os pressupostos processuais são os requisitos necessários para que o juiz possa apreciar
o mérito da causa, ou seja para que o juiz possa apreciar e decidir sobre o pedido formulado,
concedendo ou indeferindo a providência requerida.
Trata-se de requisitos impostos, em regra, pelo interesse público da correcta
administração da justiça, pois a sua exigência visa garantir que as decisões sobre o mérito da
causa sejam úteis e idóneas.

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Não se confundem com as denominadas condições da acção, que são os requisitos
indispensáveis para que a acção possa ser julgada procedente.
Os requisitos processuais são os requisitos que dizem respeito à relação jurídica
processual, enquanto as condições da acção são os requisitos de direito substantivo que
integram a previsão da norma cuja estatuição se pretende alcançar.
Por exemplo, numa acção de reivindicação de um determinado imóvel constitui
condição da acção a alegação e prova do facto constitutivo do direito de propriedade. Se A
invocar como causa de pedir a aquisição do imóvel através de um contrato de compra e venda
por si outorgado, verá reconhecida a sua legitimidade para intentar a acção – alegação, mas
para que o pedido possa ser julgada procedente, o mesmo terá de fazer prova que celebrou,
efectivamente, o invocado contrato – art.º 364.º C. Civ., e 481.º - prova, que consagrou a
denominada teoria da substanciação.
Os pressupostos processuais não devem ser confundidos com as denominadas
questões prejudiciais, pois estes são as questões cuja resolução está logicamente dependente
da decisão da acção. Quando a causa de pedir de uma acção constitui, também, objecto de
outra acção constitui causa prejudicial, e é motivo para fundamentar a suspensão da instância
– art.º 252.º.
Constitui exemplo de uma questão prejudicial o caso de uma acção de declaração de
nulidade do contrato de compra e venda intentada pelo vendedor, face à acção de condenação
intentada pelo comprador que exige o cumprimento das obrigações daquele.
Sempre que o conhecimento da causa prejudicial seja de competência do tribunal
criminal ou fiscal deverá aplicar-se o regime previsto no art.º 93.º, n.º1 que diz “ se o
conhecimento do objecto da acção depender da decisão de uma questão a qual o tribunal não
seja competente em razão da matéria, pode o juiz sobresta na decisão até que o tribunal
competente se pronuncie”.
Não se tratando de questões que impedem o juiz de se pronunciar sobre a procedência
ou improcedência da acção, pois podem determinar a suspensão do processo, mas não a
absolvição ou extinção da instância, como sucede com a falta de pressupostos processuais.
Os pressupostos processuais podem ser negativos ou positivos.
São negativos os cuja verificação impede o juiz de entrar na apreciação do mérito da
causa – ou seja, conhecer o pedido. São exemplos: o caso julgado, a litispendência e o
compromisso arbitral.

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São positivos os requisitos cuja existência é necessária para que o juiz possa conhecer
o mérito da causa. São exemplos: a personalidade judiciária, a capacidade judiciária, a
legitimidade, o interesse em agir, o patrocino judiciário e competência do tribunal.

8.2. Personalidade judiciária

8.2.1. Noção

A personalidade judiciária consiste na susceptível de ser parte – art. 9.º n.º 1, ou seja a
capacidade de demandar ou de ser demandado. Traduz-se, pois, no poder de requerer
providências de tutela jurisdicional. Note-se que quem é demandado, mesmo quando se
limita solicitar a sua absolvição está a requerer uma providência de tutela jurisdicional.
A propósito do conceito de “ parte” é comum fazer-se uma distinção entre “parte” em
sentido formal e “parte” em sentido material. Em sentido formal, “parte” é quem propõe ou
contra quem é proposta uma determinada acção. Em sentido material “parte” é o verdadeiro
sujeito da relação material controvertida.
No outro sentido, igualmente material, parte surge como entidade que pode demandar
ou pode ser demandado. Não cremos que seja de aceitar este último sentido (o conceito de
parte em sentido material, com aquele significado, não pode ser aplicado a quem não é parte
em sentido formal e quando aplicado à parte em sentido formal é inócuo). Para se indagar
sobre a verificação daquele pressuposto têm-se sempre por referência o conceito de parte em
sentido (meramente) formal.
O conceito de parte utilizado no art. 9.º tem pois um sentido formal. Parte é quem
demanda e é demandado e não quem pode demandar ou pode ser demandado.
Se um grupo de pessoas (exemplo, o 3º ano do curso de Direito da ULCV) intentar
uma acção contra uma determinada sociedade, tendo em vista, por exemplo, a sua condenação
para indemnizar o referido grupo, poderá dizer-se que aquele grupo é parte em sentido formal.
É aquela entidade que propõe a acção, e como tal é parte, carece, no entanto, de personalidade
judiciária, ou seja, não pode demandar.
Importa ter presente a necessidade de considerar em que qualidade jurídica as pessoas
actuam. Em caso de representação, parte é o representado e não o representante. Se o
progenitor que exerce o poder paternal intentar, em representação filho, uma acção, parte é o
incapaz e não o progenitor. O mesmo se diga quanto à representação voluntária ou funcional.

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8.2.2. Critério de aferição e regime aplicável

Como decorre do n.º 2 do art. 9.º, tem personalidade judiciária quem tem personalidade
jurídica.
Quanto a este pressuposto domina o princípio da equiparação – entre a
personalidade jurídica e a personalidade judiciária. Quem goza da susceptibilidade de ser
sujeito de direitos e obrigações tem, por inerência, personalidade judiciária. Por exemplo: a
Câmara municipal não tem personalidade jurídica mas tem personalidade judiciária, logo tem
a possibilidade de ser parte em juízo, isto é, pode ser demandada em nome do Município. De
igual modo tem personalidade judiciária a herança jacente. Perde esta capacidade no momento
em que a herança é aceite.
Ora é sabido que, como corolário do personalismo ético, o Direito reconhece aquela
qualidade – personalidade jurídica, desde o nascimento completo e com vida a toda a pessoa
humana – art. 64.º do C. Civ., e atribui a mesma a determinadas entidades que autonomiza –
por ex: as sociedades.
Apesar da equiparação entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária a lei
atribui, no entanto, a personalidade judiciária a quem não é dotado de personalidade jurídica.
São as denominadas situações de extensão da personalidade judiciária, previsto no n.º3 e 4.º
do art. 6.º. São os casos de:
a) A herança jacente e os patrimónios autónomos semelhantes, cujo titular não esteja
determinado. Por herança jacente entende-se a herança cujo titular não está determinado,
em virtude de serem desconhecidos os sucessíveis ou sendo conhecidos os mesmos ainda
não a terem aceitado – art. 1977.º do C. Civ.
Para o caso de património autónomo os mesmo para adquirirem a personalidade
judiciária é preciso que o seu titular seja indeterminado. É o que sucede no caso dos bens
doados ou deixados aos nascituros – arts. 952.º e 1964.º do C. Civ. Por património
autónomo deve entender-se o “ o conjunto de bens autonomizados afectos em regra a um
regime especial de responsabilidades por dívidas”.
b) O condomínio, na propriedade horizontal, quanto às acções que se incluem no âmbito dos
poderes do administrador, tem personalidade judiciária – n.º 4, do art.º 9.º.
c) As sociedades e associações que careçam de personalidade jurídica, embora a lei seja
omissa neste sentido, têm igualmente personalidade judiciária, por força do disposto no
art.º 21.º20

20
No Código ora revogado, era estendido, de acordo com o art.º 6.º, a personalidade judiciária às
seguintes:
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Consequências da falta de personalidade Judiciária
Em regra, a falta de personalidade judiciária é insanável – art.º 22.º, n.º 2, in fine.
Já assim não sucede em duas situações:
a) No caso da falta de personalidade judiciária das sucursais, agências, filiais, delegações ou
representações a incapacidade é sanada mediante a intervenção ou citação do
representante legítimo, ou seja, da administração principal e a ratificação ou repetição do
processado – art.º 22.º, n.º1, sempre que naturalmente, não se verifiquem as situações
reguladas no art.º 10.º.
b) No caso de morte do demandado, desde que ocorrida antes da propositura da acção, bem
como no caso de a acção proposta pelo representante de uma parte falecida – art.º 340.º.

Não sendo sanada, a falta de personalidade tem como consequência a absolvição do


réu da instância, nos termos conjugados dos artigos 261.º, n.º1, al. c); 453.º n.º1 alínea c);
452.º n.º 2, e 454.º. A absolvição deve ser decretada no despacho saneador, atento o disposto
no art.º 467.º.

8.3. Capacidade Judiciária

8.3.1. Noção

Só a personalidade judiciária não é suficiente para que o juiz possa conhecer o mérito da
causa, ou seja apreciar o pedido, é necessário que as partes tenham também capacidade
judiciária ou, se não, que estejam devidamente representados ou autorizados.
A capacidade judiciária, segundo o disposto no art.º 11.º n.º1, é a susceptibilidade de
estar, por si só em juízo. Isto é, significa a capacidade de exercício no âmbito do direito
civil, nos mesmos termos que a personalidade judiciária significa capacidade de gozo.

8.3.2. Critério de aferição

De acordo com o estabelecido no n.º 2 do art. 11º, “a capacidade judiciária tem por base
e por medida a capacidade de exercício de direitos”.

a) As associações sem personalidades jurídicas e as comissões especiais – arts. 195.º e 199.º do C. Civ.
b) As Sociedades civis – 980.º C. Civ. – Só se devem considerar incluídas nesta referência as sociedades civis que
não tenham forma comercial, pois estas, não devem haver dúvidas quanto à sua personalidade jurídica.
c) As sociedades comerciais, até à data do seu registo definitivo do contrato constitutivo (cfr. o art. 139.º do CEC).
Estão incluídas neste preceito as denominadas sociedades irregulares e não apenas aquelas em que o seu
processo de constituição falte apenas o registo definitivo.

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A lei quando determina que a capacidade judiciária tem como medida a capacidade de
exercício, isto significa que têm a plena capacidade judiciária as pessoas que possuem integral
capacidade de exercício. Neste caso estão excluídos todas as outras que não a possuem.
As limitações a capacidade judiciária correspondem às mesmas limitações da
capacidade de exercício, ou seja a ampliação da capacidade judiciária depende da ampliação
da capacidade jurídica.
Se atendermos que a incapacidade dos menores e dos interditos é genérico e não
absoluta, temos que concluir que a cada excepção àquela incapacidade significa a capacidade
de actuar por si em juízo art.º 135.º C.Civ. e art.º 12.º, n.º 1. Exemplo o menor de 16 anos
pode dispor, pessoal e livremente, de bens que tenha adquirido por seu trabalho. Neste caso
pode estar por si em juízo, sem necessidade de representação, nas acções que tenham como
causa de pedir tal acto de disposição.
Os mesmos se passam com os inabilitados no que se refere aos actos de administração
de bens que, em regra, aqueles podem praticar pessoal e livremente, art.º157.º e 161.º do C.
Civ.. Neste caso os inabilitados podem estar por si só em juízo sem necessidade de serem
assistidos pelo curador.
A capacidade de exercício é confrontada pela capacidade de exercício para produção
de efeitos possíveis decorrentes da acção pendente. Um inabilitado pode aceitar uma doação
sem encargos – art. 951.º C. Civ., mas não se lhe pode reconhecer capacidade judiciária para
intentar uma acção de reivindicação do bem doado, pois um dos efeitos possíveis dessa acção
é o reconhecimento de que a propriedade do bem lhe não pertence.
Quando se trata de pessoas colectivas e das sociedades que tenham personalidade
judiciária a representação das mesmas em juízo é feita pelas pessoas singulares com poder
estabelecido nos estatutos ou pacto social nos termos do art. 20.º.
Quanto às associações e fundações a representação destas tem que estar em
conformidade com o estatuído no art. 167.º do C. Civ., e no que respeita às sociedades civis
conforme o disposto no art. 996.º do C. Civ.. Nas sociedades comerciais a representação é
feita de acordo com a disciplina de cada tipo societária. Exemplo nas sociedades anónimas o
regime de representação está consagrado no art. 436.º CEC.
As sociedades que carecem de personalidade judiciária e que possuem capacidade
judiciária são representadas conforme disposto no art. 21.º.
O Estado é representado pelo Ministério Público – art. 19.º.

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8.3.3. Meios de suprimento da falta de capacidade judiciária

Sempre que as partes carecem de capacidade judiciária a lei estipula o meio de suprir a
sua incapacidade nos arts. 12.º e segs.
Quando as partes carecem de capacidade judiciária só podem estar em juízo através
dos seus representantes ou autorizados pelos seus curadores, nos termos estatuídos na lei
civil para suprimento da incapacidade jurídica de exercícios e por força do disposto no art.
12.º do CPC.
Assim a incapacidade judiciária dos menores é suprida pelos seus progenitores que
exercem o poder paternal – art. 1817.º a 1822.º C. Civ., ou subsidiariamente, pelo tutor – art.
1877.º e segs do C. Civ.
Os interditos podem ser representados pelo tutor arts. 148.º e segs. do C. Civ..
Os inabilitados podem ser assistidos pelo seu curador nos termos do art.158.º do C.
Civ.
Quando o poder paternal compete a ambos os progenitores – art. 138.º e 1821.º do C.
Civ., a representação dos menores deve ser levada a cabo por ambos, sendo exigível o seu
acordo para a propositura de acções. Quando o réu seja um menor sujeito ao poder paternal
ambos os pais deverão ser citados.
No caso de haver desacordo entre os progenitores na representação do menor deve-se
aplicar o regime estatuído no art. 14.º CPC e n.º2 do art.1828.º do C. Civ.
Se a falta de acordo disser respeito à conveniência de intentar a acção, qualquer dos
pais pode requerer ao tribunal competente a resolução de conflito. O tribunal competente em
razão da matéria é o tribunal de família, nos tribunais onde existe juízo de competência
especializada, nos termos do 18.º da LOJ.
Caso os incapazes não tiveram representantes legais aplica-se neste caso o regime
estatuído no art. 13.º CPC.
Quantos aos inabilitados, deve-se sublinhar que os mesmos podem intervir
pessoalmente na acção e, por isso, devem ser citados quando tiveram a posição de réus na
acção. O regime é diverso do dos incapazes uma vez que aqueles (inabilitados) podem agir
pessoalmente e não estarem sujeitos, em regra, ao regime da representação, mas ao regime da
assistência.
Se a incapacidade disser respeito as pessoas incapacitadas de receber a citação –
incapacitados de factos – deve-se aplicar o estatuído no art. 16.º do CPC.
No caso dos ausentes, incapazes e incertos cabe ao Ministério Público nos termos do
art. 17.º e 18.º representa-los em juízo. Cabe igualmente ao Ministério Público representar os

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incapazes e ausentes sempre que para acautelar os seus interesses seja necessário intentar em
juízo quaisquer acções, ainda que os mesmos tenham representantes – art. 17.º do CPC.

8.3.4. Modo de suprimento da incapacidade judiciária e consequências de não


suprimento

Para suprir a incapacidade judiciária e a irregularidade de representação, devemos


atender ao disposto no n.º 1 do art. 22.º que diz o seguinte: “ A incapacidade judiciária e a
irregularidade de representação podem ser sanadas mediante a intervenção ou a citação do
representante legítimo”.
A incapacidade judiciária do autor é sanada através da intervenção e ratificação do
processado pelo seu representante ou curador, quanto à incapacidade judiciária do réu se sana
com a intervenção ou citação do seu representante ou curador – art. 22.º n.º 2.
O disposto no n.º 2 do art. 22.º estatui o seguinte: “ Se estes (representante legítimo ou
outro cônjuge) ratificarem os actos anteriormente praticados, o processo segue como se o
vício não existisse; no caso contrário, fica sem efeito todo o processado posterior ao
momento em que a falta se deu ou a irregularidade foi cometida, …”.
Deve o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte, fixar o prazo para que sejam
sanados os vícios, caso não o determine o suprimento ou correcção pode ter lugar a qualquer
momento – art. 23.º.
Quando o vício disser respeito ao réu, desde que este seja incapaz ou ausente e não
tenha deduzido oposição, ou se o ausente ou incapaz não comparecer a tempo de deduzir,
incumbe ao MP deduzir a defesa – art. 17.º. Entretanto se o MP não conteste, a acção seguirá
à revelia do réu. Embora aqui o que está em causa não é a incapacidade judiciária mas sim de
um vício resultante da incapacidade – apresentação da contestação pelo réu incapaz. Trata-se,
neste caso, de uma falta de pressuposto processual – específico - para a prática de um acto
efectuado pelo incapaz e não de um pressuposto processual – geral – da incapacidade
judiciária.
Se for o autor quem padece de incapacidade judiciária, a não renovação da petição
inicial tem como cominação a não admissão da mesma e absolvição do réu da instância – n.º
2, do art. 22.º e al. c) do n.º 1 do art. 261.º.
A absolvição do réu da instância acontece mesmo nos casos em que este é incapaz mas
a incapacidade resultar do autor. Exemplo nos casos em que ao autor cabe providenciar
(através de um requerimento feito ao tribunal pelo autor) pela nomeação de um representante
ao réu e não o faz – art. 13.º.
Em suma quanto a incapacidade judiciária importa reter o seguinte:
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a) Se o juiz detectar uma falta de capacidade judiciária não suprida, seja do autor ou do
réu, deve o mesmo providenciar pelo suprimento nos termos consignados no art. 23.º.
b) Se a incapacidade disser respeito ao autor e esta não for suprida tem como cominação
a absolvição do réu da instância.
c) Se a incapacidade disser respeito ao réu há que distinguir duas situações:
a. Caso o não suprimento da incapacidade judiciária (ausência de intervenção ou
citação do seu representante ou assistente) seja imputável ao autor, como
sucederá nos casos em que o autor incumbe requerer a nomeação de um
representante para o incapaz – art. 13.º, o réu deve ser absolvido da instância –
al. c) do n.º 1 do art. 261º.
b. Caso o não cumprimento da incapacidade judiciária não seja imputável ao
autor, incumbe ao ministério público a representação do incapaz - art. 17.º. E
caso este não conteste o processo seguirá à sua revelia. Este mesmo regime
aplica-se, note-se, nos casos de citação ou intervenção do representante – ou
curador, em que estes não ratificam nem renovam os actos praticados, não por
falta de um pressuposto processual, mas de um pressuposto específico.

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8.4. Legitimidade

8.4.1. Noção

Um dos requisitos necessários para que o juiz possa conhecer o mérito da causa é
necessário que as partes tenham legitimidade para a acção.
A legitimidade, segundo ANTUNES VARELA, é o poder de condução do processo,
ou seja, o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível. É,
em suma, o poder de deduzir um determinado pedido.
O que se pretende apurar, na legitimidade, é a posição que as partes devem ter perante
o pedido formulado para que o juiz possa pronunciar-se sobre a sua procedência.
É através da legitimidade que se consegue aferir a relação que existe entre as partes e o
pedido e, consequentemente, a posição que cada uma deve ter para que se possam ocupar do
pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.
Não se deve confundir este pressuposto com o requisito da procedência da acção.
Exemplo, numa acção de indemnização decorrente de um acidente de viação, é requisito de
procedência – ou condição da acção – que o autor seja a pessoa lesada. Porém, para que o
autor seja considerado parte legítima, isto é, a pessoa que pode dirigir a pretensão
indemnizatória, o mesmo não terá que fazer prova de que foi a vítima do acidente. Para tanto
basta que o autor alegue ter sido ele a vítima do acidente. Pois, não cabe ao tribunal averiguar
se ele foi ou não vítima de tal acidente. Cabe ao réu provar que o autor não foi a vítima do
acidente e, neste, caso será absolvido do pedido, e não da instância.
Atenta aos seguintes exemplos: É parte legítima quem propõe uma acção de dívida.
Contudo se se provar que a mesma não tem o direito do crédito, cabe ao juiz absolver o réu do
pedido, declarando improcedente a acção; Numa acção de reivindicação é parte legítima quem
arroga o direito de propriedade. Porém, o juiz deve declarar a acção improcedente e absolver
o réu do pedido se este provar que o referido direito pretendido pelo autor não lhe pertence;
Numa acção de preferência é parte legítima quem propõe a acção reivindicando um direito de
preferência, se em sede de julgamento ficar provado que tal direito não lhe pertence cabe ao
juiz absolver o réu do pedido, declarando improcedente a acção.
Podemos assim concluir que a fórmula para aferir a legitimidade processual é saber a
posição que a parte tem perante o objecto do processo e não se a mesma é titular ou não do
direito que se arroga.
Já vimos quando estudamos os dois primeiros pressupostos processuais –
personalidade e capacidade judiciária – que estes assentam em qualidades pessoais, isto é,
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em determinadas características que as partes devem ter para que as mesmas possam estar em
juízo e agir pessoal e livremente em relação à maioria de acções ou à determinada
categoria de acções. A legitimidade assenta-se, por seu turno, na posição que as partes tem
ou se arrogam ter numa determinada situação jurídica, afere-se sempre por referência a uma
determinada e concreta acção.
Quais são então as consequências de falta de legitimidade? As consequências de
ilegitimidade é a impossibilidade de o juiz se poder pronunciar sobre o mérito da causa dando
origem à absolvição do réu da instância, como decorre da al. d) do n.º 1 do art. 261.º, al. c)
do art. 453.º, e n.º 2, do art. 452.º.
A ilegitimidade plural é sanável nos termos do art. 245.º, mediante o chamamento da
pessoa que falta. Já a ilegitimidade singular é insanável, e tem como consequência a
absolvição do réu da instância nos mesmos termos estatuídos na al. d) do n.º 1 do art. 261.º,
al. c) do art. 453.º, e n.º 2, do art. 452.º.

8.4.2. Critérios de aferição

O art. 25.º contém os pressupostos para aferir a legitimidade das partes. Tais
pressupostos assentam no interesse directo em demandar e no interesse directo em
contradizer que as partes devem ter.
Diz o n.º2 do referido preceito, que “ na falta da lei em contrária, são considerados
titulares do interesse relevante para efeito de legitimidade os sujeitos da relação controvertida,
tal como configurada pelo autor”. Este é o critério subsidiário de aferição da legitimidade,
aditado pelo novo CPC21

21
Com a reforma do CPC o nosso legislador faz referência à configuração dada pelo autor à relação
controvertida, tal como consta do código português que aditou aquela referência através do DL. 180/96, de 25/9.
O aditamento feito no CPC português teve como propósito pôr termo a uma querela doutrinária, que
vinha desde 1918 desencadeada por uma decisão proferida pelo Tribunal de Relação de Lisboa.
A questão em litígio tinha como base um contrato de compra e venda de 60 toneladas de chumbo em
que o vendedor entregou 40 toneladas e o comprador intentou uma acção judicial pedindo a condenação na
entrega das 20 toneladas em falta. A acção foi proposta contra um comerciante português como se o mesmo
tivesse sido o vendedor, mas este alegou e provou que tinha actuado como mero intermediário duma empresa
espanhola que era, essa sim, a verdadeira vendedora. O tribunal de primeira instância julgou o réu parte ilegítima
e, em conformidade, absolveu-o da instância. Na Relação de Lisboa o réu foi considerado parte legítima e veio a
ser absolvido do pedido.
O Professor BARBOSA DE MAGALHÃES, entendia que as partes deveriam ser consideradas
legítimas, e o réu ser absolvido do pedido – uma vez que demonstrou que não estava obrigado pelo contrato em
causa.
Para o Professor ALBERTO DOS REIS, o réu era parte ilegítima e, como tal, deveria ser absolvido da
instância.
Para o Prof. BARBOSA DE MAGALHÃES, a legitimidade se afere considerando a pretensa relação
controvertida, ou seja a relação controvertida tal como a mesma é configurada pelo autor. Do lado oposto
encontramos o Prof. ALBERTO DOS REIS que entende que a legitimidade se afere considerando a relação
material controvertida tal como a mesma se apresenta ao tribunal depois de ouvidas ambas as partes. Isto
é, segundo aquele Professor, teria de se ter em conta a relação jurídica efectivamente existente.
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A legitimidade das partes deve ser referida à relação jurídica, objecto do pleito, e
determina-se averiguando quais são os fundamentos da acção e qual é a posição das partes em
relação a esses fundamentos22. O critério de aferição é determinado na titularidade dos
interesses em causa no processo. Deve perguntar quais os interesses para os quais se procura
tutela e, seguidamente, questionar se estão em juízo os titulares desses mesmos interesses. A
legitimidade processual é a susceptibilidade de ser parte numa acção aferida em função da
relação dessa parte com o objecto daquela acção23.
Em resumo, se numa determinada acção o autor invocar a titularidade de um crédito
que pretende ver reconhecido, importará concluir pela sua legitimidade na medida em que é o
portador do interesse que o direito material pretende titular. O mesmo não se poderá dizer se o
autor for um herdeiro do credor. Este último pode ter um interesse meramente reflexo em
demandar, mas não é, obviamente, o portador do interesse em causa nos autos.

8.4.3. Legitimidade plural

8.4.3.1. Litisconsórcio

A legitimidade é singular quando a relação material controvertida tem apenas um


sujeito quer do lado activo quer do lado passivo, é plural quando num dos lados da relação
encontramos mais do que um sujeito.
Há ilegitimidade plural quando não estejam em juízo todos os sujeitos que integram
o lado activo ou passivo dessa relação, e tal seja exigido por lei, pela vontade das partes ou
pela própria natureza da relação controvertida. Há legitimidade sempre que na acção exista
preterição de um litisconsórcio necessário.
No regime da legitimidade plural existe duas figuras distintas a saber: O litisconsórcio
e a coligação. O ponto comum entre ambas é a existência de mais de uma parte principal no
lado activo ou passivo da relação. A diferença está na unicidade ou pluralidade dos pedidos.

O legislador português optou pela tese defendida pelo Professor BARBOSA DE MAGALHÃES, hoje
consagrada no n.º3 in fine do art. 26º, que na nossa opinião foi a opção mais correcta para as questões de
legitimidade singular uma vez que o réu é parte legítima a partir do momento que a acção é proposta contra ele,
pois assiste-lhe o direito a oposição.
Como decorre do citado preceito legal – art.º 26.º - pode concluir-se que a legitimidade não constitui
uma qualidade pessoal das partes, referente aos processos, mas uma posição delas em face do processo concreto
– o interesse de cada uma delas em determinado processo.
No nosso código, infelizmente, as situações de conflitos quanto a legitimidade singular pode ainda
verificar.
22
In ALBERTO DOS REIS, JOSÉ, Comentário ao CPC, vol I (Coimbra 1960) pág. 41
23
In TEIXEIRA DE SOUSA, As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, Lisboa, 1995, pág. 47
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No Litisconsórcio existe uma pluralidade de partes e um único pedido. Já na
coligação existe uma pluralidade de partes e uma pluralidade de pedidos diferentes e
discriminados em relação às várias partes.
O litisconsórcio tem diversas espécies. Mas a distinção mais importante que se deve
fazer é entre o litisconsórcio necessário e o litisconsórcio voluntário.

Diz-se litisconsórcio voluntário quando a intervenção dos vários sujeitos da relação


material controvertida não é exigida para assegurar a legitimidade das partes. É voluntário
uma vez que a intervenção de todos os sujeitos da relação material não é imposta.
Diz-se litisconsórcio necessário quando a intervenção de todos os sujeitos da relação
controvertida é imposta, sob pena de ilegitimidade, por lei, convenção das partes ou pela
própria natureza da relação material controvertida.
O litisconsórcio voluntário está definido no art. 27.º.
É importante fazer a distinção das situações em que a lei permite casos de
litisconsórcio voluntário, por exemplo: há situações em que a lei não diz expressamente mas
pode intervir todos ou apenas alguns dos sujeitos, é o caso das obrigações conjuntas ou
divisíveis – art. 534.º do C. Civ.; das situações em que a lei é expressa no sentido de que não
é necessária a intervenção de todos os sujeitos, quando estamos perante as obrigações
solidárias – art. 517.º do C. Civ.
O Litisconsórcio necessário encontra-se regulado no art. 28.º e existe três espécies:
O litisconsórcio necessário convencional, o litisconsórcio necessário legal – art. 29.º e o
litisconsórcio necessário natural - n.º 2 do art. 28.º.
Verifica-se a situação de litisconsórcio necessário convencional por exigência do
negócio jurídico, como dispõe o art.º 28.º, n.º 1. Exemplo: quando duas ou mais pessoas
efectuam um depósito podem convencionar que a coisa só por todos os depositantes em
conjunto possa ser levantada. Em virtude desta convenção – negócio jurídico -, deve ser
proposta por todos os depositantes a acção em que se pede a restituição da coisa depositada. A
falta de qualquer um deles gera a ilegitimidade das restantes.
Estamos perante ao litisconsórcio necessário legal, quando as acções têm que ser
propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges, nos termos dispostos no art. 29.º. Esta
disposição tem que ser conjugada com a lei substantiva. Por exemplo, nos casos de alienação
ou oneração de bens - arts. 1641.º e 1642.º C. Civ.; o disposto no art. 535.º, n.º1 do C. Civ.
quanto às obrigações indivisíveis, e, ainda, nas acções de preferência sempre que o
respectivo direito pertença a várias pessoas, de acordo com o disposto no art. 419.º do C. Civ.

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O litisconsórcio necessário natural, consagrado nos termos do n.º 2 do art.º 28º.,
verifica-se sempre que, por força da natureza da relação jurídica, a decisão final só possa
produzir o seu efeito útil normal com a intervenção de todos os interessados. Nestes casos,
este tipo de litisconsórcio não resulta da lei nem dos termos do contrato, mas sim pela própria
natureza da relação jurídica.
O estabelecimento do litisconsórcio necessário visa essencialmente assegurar a
solução unitária do conflito, requerida pela natureza da relação, sem a imposição da força do
caso julgado a quem não interveio na acção.
Por exemplo: na acção de divisão de coisa comum, pertencente a A, B e C, era, por
hipótese, instaurada por A apenas contra B. Se a lei não exigisse o chamamento obrigatório de
C, a decisão que viesse a ser proferida, concretizando os quinhões dos litigantes (A e B) não
teria nenhum efeito útil definitivo, porquanto na acção que C viesse posteriormente a propor
contra A e B, para demarcação das suas quotas individuais, nenhum dever havia de respeitar a
concretização anteriormente feita entre A e B.
Estão, pois, incluídas, no âmbito do litisconsórcio necessário as relações jurídicas
indivisíveis por natureza, as quais têm de ser resolvidas de modo unitário para todos os
interessados. A decisão que fosse proferida sem a presença de todos os interessados não
produziria um efeito útil normal

Litisconsórcio subsidiário

A figura de litisconsórcio subsidiário, tido como sendo uma maneira de prevenir a


ilegitimidade singular, foi introduzida no novo CPC e consta do art. 33.º. Com esta inovação
teve-se em vista permitir ao autor a formulação de um pedido principal contra quem considera
ser o provável devedor, e de um pedido subsidiário contra o hipotético titular passivo do
débito.
A dúvida pode resultar da ignorância acerca da qualidade da pessoa que interveio na
relação material controvertida.
O autor que tenha dúvidas sobre qual de dois veículos foi o responsável pelo acidente,
pode propor uma acção de indemnização contra uma companhia seguradora e,
subsidiariamente, contra a outra seguradora.
O art. 430.º, n.º 1, admite a possibilidade de apresentar pedido subsidiário, ou seja, o
pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de
não proceder um pedido anterior.

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8.4.4. Coligação

A coligação é uma figura diferente do litisconsórcio. Nesta existe uma pluralidade de


partes e unidade de pedidos, naquela – coligação - há uma pluralidade de partes e pluralidade
de pedidos.
A figura da coligação encontra-se regulada no art. 32.º. Em regra ela é voluntária.
É permitida a coligação de autores contra um ou vários réus e é permitido a um autor
demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a
mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de
dependência – art. 32.º, n.º1.
Conforme se verifica, vários autores podem coligar-se contra um ou vários réus e o
autor pode demandar vários réus por pedidos diferentes desde que:
a) A causa de pedir seja a mesma e única;
b) Ou os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência.
A causa de pedir, nos termos do art. 456.º, n.º 4, é o acto ou facto de onde emerge a
pretensão deduzida pelo autor. A causa de pedir tem de ser a mesma e ser única.
Os requisitos para que haja coligação são:
1. A verificação da compatibilidade substantiva dos pedidos e resulta da aplicabilidade
do disposto no art. 431.º. Os pedidos não podem ser contraditórios à luz do direito
material aplicável. Não é admissível, por exemplo, pedir a anulação de um contrato e,
simultaneamente, a condenação do réu a cumprir uma das obrigações decorrentes
desse mesmo contrato.
2. A exigência, estabelecida no art. 32.º, de uma conexão material entre os pedidos
formulados. Essa conexão verifica-se nos casos seguintes:
a. Quando há uma relação de prejudicialidade entre os pedidos ou seja, quando a
decisão de um pode influir na decisão de outro. Há uma relação de
dependência entre os pedidos quando o conhecimento de um deles só pode ter
lugar no caso de se verificar a procedência do outro. Por exemplo: A pede a
anulação do negócio que celebrou com B e a posterior declaração de nulidade
do contrato que B celebrou com D com o mesmo objecto do primeiro contrato.
b. Existe uma identidade de causa de pedir, quando por exemplo, com
fundamento num mesmo contrato A pede a condenação de B na entrega de X e
a condenação de C na entrega de Y.
c. Quando a procedência dos pedidos principais dependa, essencialmente, da
apreciação dos mesmos factos. Exemplo, acidente de viação em cadeia em que

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as várias vitimas formulam os respectivos pedidos indemnizatórios contra o
responsável.
d. A procedência dos pedidos principais depende da interpretação e aplicação das
mesmas regras de direito (ex. várias vendas defeituosas) ou de cláusulas
contratuais perfeitamente análogas (com base no mesmo contrato de adesão).
3. Tem que ver com a conexão processual dos pedidos, que, para haver coligação, nos
termos do art.º 34.º, n.º1, o tribunal tem que ser absolutamente competente para ambos
os pedidos e a coligação não ofenda regras de competência internacional, em razão da
matéria ou da hierarquia.

Ilegalidade da coligação. Consequência

A ilegalidade da coligação tem consequências diversas, isto é:


a) Se a mesma resultar da violação do disposto no art. 431.º, ou violação do art. 32.º, isto
é, da incompatibilidade substantiva ou da inexistência da conexão objectiva entre os
pedidos, o juiz deverá notificar o autor para indicar qual o pedido que pretende ver
apreciado no processo, sob pena de absolvição quanto a todos eles. Feita a indicação,
o juiz deverá absolver o réu da instância quanto aos demais pedidos – art. 453.º n.º1,
al. j).
b) Se resultar da violação do requisito da identidade de forma. Se for sanável incumbe ao
juiz adaptar o processado à cumulação autorizada – art. 34º, n.ºs 1 e 2. Se não for
sanável o réu é absolvido da instância.
c) Se resultar da violação das regras de competência absoluta o tribunal deverá absolver
o réu ou réus da instância quanto aos pedidos relativamente aos quais o tribunal é
absolutamente incompetente.

8.4.5. Ilegitimidade: modo de a sanar

A ilegitimidade só se verifica no caso de litisconsórcio necessário – legal ou


convencional. Há ilegitimidade quando a parte, activa ou passiva, está em juízo sem os
restantes interessados, cuja intervenção a lei ou o negócio jurídico exigem – art.º 28º n.º 1.
A ilegitimidade é sanável mediante a intervenção, espontânea ou provocada, da parte
cuja falta gera ilegitimidade – art. 269.º.
A intervenção espontânea encontra-se regulada nos art.ºs 351º e seguintes, estando a
intervenção provocada prevista nos art.ºs 356º e seguintes.

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Segundo o disposto no n.º 1 do art.º 269.º a intervenção é admissível até 30 dias depois
de transitar em julgado o despacho que, conhecendo da ilegitimidade, pôs termo ao processo.
Admitindo o chamamento da pessoa em falta, a instância considera-se renovada – n.º2 do art.
269º.
A intervenção da parte cuja falta ocasiona a ilegitimidade pode ser requerida: antes e a
intervenção for admitida, a instância não chega a extinguir-se, podendo dizer-se que se
reanima, ou, nos trinta dias posteriores ao trânsito em julgado do despacho que pôs termo ao
processo, pelo que a instância que tinha sido extinta se renova.
Quem é que pode sanar a falta deste pressuposto:
a) Pode ser sanável pelo autor ou pelo réu reconvinte;
b) No litisconsórcio necessário entre os cônjuges, a ilegitimidade é sanável por meio do
consentimento do outro cônjuge. A falta pode ser suprida judicialmente por meio de
um processo próprio regulado no art.º 1425º.
c) A ilegitimidade passiva é sanável mediante a intervenção principal do outro cônjuge,
provocada pelo autor, dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do
despacho que determinou a absolvição da instância – art.º 269º, n.ºs 1 e 2, ou
intervenção provocada pelo cônjuge réu nos termos do art.º 356º.
A falta de legitimidade de qualquer das partes que não tenha sido sanada tem como
cominação a absolvição do réu da instância – art. 288º n.º 1, alínea d).

8.4.5.1. Intervenção de terceiros

A matéria de incidentes de intervenção encontra-se regulada nos artºs 291º e segs. diz
respeito àquelas situações em que quem no início da instância não é parte vem a adquiri essa
qualidade na pendência da acção.
A intervenção de terceiros subdivide em: intervenção principal, intervenção
acessória e a oposição.
Como vimos a intervenção principal contempla os casos em que o terceiro se constitui
parte principal em litisconsórcio ou em coligação com o autor ou o réu. Neste caso, o, até
então terceiro, faz valer no processo um direito próprio, paralelo ao do autor ou ao do réu.
O terceiro tem um direito ou interesse igual ao do autor ou do réu, ou, então, pudesse
coligar-se com estes. Exemplo: A propõe uma acção contra B de restituição da posse. C, co-
proprietário com A, interveio na acção como parte principal – litisconsórcio, art. 27.º. Ou, A
propõe uma acção contra B pedindo a nulidade do despedimento com justa causa e a sua
reintegração na empresa com efeitos a partir da data do despedimento. C, igualmente,

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trabalhador de B, veio intervir na acção com os mesmos propósitos de A – coligação, art.º
32.º. Nestes casos estamos perante uma intervenção principal espontânea – art. 294.º.
A Intervenção principal provocada – art.º 297.º, acontece quando qualquer das
partes chama à acção interessados a quem reconhece o direito de intervir, seja como seu
associado, seja como associado da parte contrária.

Até que momento se pode provocar?

O art. 294.º, n.º1 estatui o seguinte: a) a intervenção fundada na alínea a) do art. 291.º
(litisconsórcio) é admissível a todo o tempo, enquanto não estiver definitivamente julgada a
causa; b) a que se baseia na alínea b) do dito art. 291.º (coligação) só é admissível enquanto o
interveniente possa deduzir a sua pretensão em articulado próprio, isto é, de acordo com o
disposto no art.º 295.º, quando a intervenção tenha lugar antes de ser proferido despacho
saneador, se o processo o comportar, ou antes de ser designado dia para discussão e
julgamento em 1ª instância, se não houver lugar o saneador nem audiência destinada ao
julgamento antecipado. Em ambos os casos, o interveniente aceita a causa no estado em que
se encontrar, sendo considerado revel quanto aos actos e termos anteriores (não lhe é
permitido a realização ou rectificação de actos já praticados), mas goza de todos os direitos de
parte principal a partir do momento da sua intervenção, n.º2 do art. 294.º.
O art. 294.º regula o momento a partir do qual se pode deduzir a intervenção
espontânea.

A intervenção acessória abrange todos os casos em que o terceiro se constitui parte


acessória, com a finalidade de coadjuvar uma das partes principais numa posição de
dependência. O então terceiro faz valer um direito alheio e, assim, reflexamente, um interesse
próprio.
A intervenção acessória subdivide em: intervenção acessória provocada, art. 302.º e a
assistência, art. 307.º.
Na intervenção acessória provocada o réu que tenha acção de regresso contra terceiro
para ser indemnizado do próprio prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a
autoria. Exemplo: A,condutor do veículo de B foi embater com o carro num muro de C tendo-
o destruído. A foi considerado culpado do acidente e a seguradora não assumiu o dano. C
intentou uma acção contra B exigindo a reparação do referido muro. B chamou A à acção para
que este o indemnize do prejuízo que lhe cause a perda da acção.

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A assistência, de acordo com o disposto no n.º1 do art.º 307.º estando pendente uma
causa entre duas ou mais pessoas, pode intervir nela como assistente, para auxiliar qualquer
das partes, quem tiver interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável a essa parte.
O assistente tem que ser titular de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica
depende da pretensão do assistido. A intervenção pode dar-se em qualquer momento do
processo. Sendo admitida, o assistente, que fica com a posição do auxiliar da parte, goza dos
mesmos deveres que esta, mas a sua posição é-lhe subordinada, não podendo praticar actos
que entrem em contradição com os da parte, nem actos que esta tenha perdido o direito de
praticar. O assistente pode usar quaisquer meios de prova com excepção da prova testemunhal
que pode apenas completar o número de testemunha que falta, facultado à parte principal, art.
309.º, n.º 5. A sentença que for proferida constitui caso julgado em relação ao assistente, art.
310.º. No que respeita ao recurso, o assistente apenas pode recorrer das decisões que directa
ou efectivamente o prejudique, art. 589.º, n.º2. Exemplo: A propõe contra B uma acção de
reivindicação de posse de um prédio urbano habitado por C há dez anos em regime de uso e
habitação. O C, neste caso, tem um interesse jurídico e económico (direito de uso e habitação)
da coisa reivindicada pelo que pode intervir no processo como assistente de B.

A oposição verifica-se quando o terceiro se constitui parte principal – tal como na


intervenção acessória – em posição incompatível com a posição do autor ou do réu, ou seja,
confronto de ambas as partes, art. 311.º e segs.
A oposição subdivide-se em: Espontânea e Provocada.
Há oposição espontânea, art. 312.º, quando o terceiro intervir como oponente para
fazer valer um direito próprio incompatível com a pretensão do autor e, como a deste,
contrária à do réu. Exemplo: A deve 1000 contos a B. Este após muita tentativa para ver
ressarcido do seu direito de crédito, interpôs uma acção contra A, que veio a ser condenado a
paga-lo o valor em dívida: Entretanto A, mesmo assim não cumpre a sentença, pelo que B
propôs contra ele acção executiva com vista a penhora e posterior venda de um prédio urbano,
sendo este único património do B. Entretanto C, uma instituição de crédito, que tem uma
hipoteca (garantia real) sobre o imóvel veio interferir na acção opondo a penhora.
A oposição provocada, art. 316.º é feito pelo réu da causa, quando esteja pronto a
satisfazer a prestação, mas tenha conhecimento de um terceiro que se arroga ou pode arrogar-
se direito incompatível com o do autor, pode o réu requerer dentro do prazo para a
contestação, que o terceiro seja citado para vir ao processo deduzir a sua pretensão. Exemplo:

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na hipótese acima – oposição espontânea -, em vez de ser o terceiro a vir ao processo este
pode ser citado por iniciativa do réu. Pois este sabe ou deve saber que o terceiro se arroga ou
pode arrogar-se um direito incompatível com o do autor.
As ditas espécies de intervenção estão reguladas nos seguintes termos:
a) Intervenção principal – art.º 291º e segs.
Espontânea – art. 294º
Provocada – art. 297º
b) Intervenção acessória – arts. 302º e seguintes
Provocada – art. 302º
Assistência – 307º
c) Oposição – art. 311º
Espontânea – art. 312º
Provocada – art. 316º

8.5. Interesse Processual

O interesse processual é um pressuposto processual inominado, ou seja, atípico, porque


não se encontra expressamente consignado na lei. Porém é um requisito necessário para que o
juiz possa conhecer do mérito da causa.
O interesse processual significa a necessidade de: a) de instaurar uma acção; e b) fazer
seguir a acção. Ou seja, se traduz na necessidade de tutela jurisdicional.
A finalidade deste pressuposto é:
a) Evitar que as pessoas sejam obrigadas a defender, em juízo, os seus interesses
quando não existe qualquer interesse da contraparte que o justifique;
b) Evitar que os tribunais se vejam ocupados com acções em que não justifique a sua
intervenção (as chamadas acções inúteis), com prejuízo dos interesses merecedoras
da sua actividade jurisdicional.
A diferença que existe entre o interesse processual e a legitimidade consiste no
seguinte:
 O interesse processual é o interesse na propositura da acção no próprio processo.
 Já a legitimidade é o interesse no objecto do processo que é aferida no interesse
directo em demandar e o interesse directo em contradizer.
Pode haver situações em que o autor é a parte legítima mas não tem interesse
processual e vice-versa. Exemplo:

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a) Se o arrendatário intentar uma acção contra o proprietário do imóvel deverá
entender-se que o mesmo tem interesse processual, mas não tem interesse
directo em demandar – legitimidade. Quem tem este interesse é o arrendatário.
Este, por outro lado, não tem interesse processual é o arrendatário. Este, por
outro lado, não tem interesse processual em pedir a declaração da validade do
contrato se não existir qualquer incerteza objectiva e grave.
b) “A” intenta uma acção pedindo a condenação de “B” a cumprir uma obrigação
não vencida. Deverá entender-se que “A” – credor é parte legítima, mas que
não existirá interesse processual se o devedor não contestar a existência da
obrigação.
Onde surge maior dificuldade em aferir os dois pressupostos em causa – legitimidade
e interesse processual – são nas acções declarativas de simples apreciação. Exemplo: numa
acção em que o auto pretende obter a declaração judicial da existência ou inexistência de um
direito, ou de um facto, cabe apurar em que circunstância pode se considerar justificado o
recurso aos tribunais.
Quando o autor pretende reagir contra uma situação de incerteza objectiva e grave, isto
é, quando a incerteza não se traduz numa mera dúvida do autor e resulte de factos externos à
mesma, e grave, quando é susceptível de causar prejuízos. Cabe, neste caso, ao autor invocar
os factos demonstrativos daquela incerteza. Tais factos têm que ser objectivos.
A incerteza deve ser objectiva e grave e deve brotar de factos exteriores, de
circunstâncias externas. A gravidade medir-se-á pelo prejuízo material ou moral que a
situação de incerteza possa criar ao autor. A causa de pedir consubstancia-se na inexistência
do direito e nos factos materiais pretensamente cometidos pelo demandado que determinam o
estado de incerteza. Logo se houver um estado de incerteza objectiva o autor tem o necessário
interesse em agir.
Nas acções de condenação o interesse em agir e legitimidade processual são pedidos
da seguinte forma:
a) Pela invocação da violação de um direito;
b) Se o devedor, numa acção declarativa de condenação, puser em causa a existência
de uma obrigação em que o credor exige o cumprimento e aquela (obrigação)
ainda não esteja vencida, art. 573.º.
c) Nas prestações ou obrigações periódicas, quando seja alegado que o devedor
deixou de pagar alguma delas, há interesse processual face ao risco do
incumprimento, logo se justifica o recurso aos tribunais.

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Nas acções constitutivas são aferidos sempre que o efeito jurídico que se pretende
alcançar não possa ser obtido através de simples declaração extrajudicial do demandante.
Exemplo: para se obter o divórcio não basta que o demandante declare que ele é divorciado, é
o tribunal quem declara o divórcio.
A falta de interesse processual tem como cominação os seguintes:
a) Da origem à absolvição do réu da instância;
b) Ou, quando resulte da inexigibilidade da obrigação (obrigações não vencidas) e
esta só venha a ser apurada na sentença final, há condenação em custas do credor
ainda vencedor do pleito.

8.6. Patrocínio Judiciário obrigatório

O patrocínio judiciário, regulado nos termos dos arts. 35.º e segs., traduz-se no exercício
de poderes de representação perante o tribunal, por profissionais do foro, na condução e
orientação técnica jurídica do processo.
A necessidade do patrocínio judiciário assenta-se no seguinte:
 Razões de ordem técnica: ou seja, a condução e orientação do processo exige uma
objectividade, frieza e serenidade que as partes, por serem os titulares dos interesses
em causa, nem sempre dispõem.
 Razões de ordem psicológicas: a condução correcta do processo exige uma
objectividade, frieza e serenidade que as partes, por serem titulares dos interesses em
causa, nem sempre dispõem.

Têm competência para exercer o patrocínio judiciário: os advogados, advogados


estagiários e solicitadores – art. 35.º, n.º2. Porém é de exclusiva competência dos advogados e
cuja constituição é obrigatória nas seguintes razões, n.º1 doo art. 35.º:
a) Nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso
ordinário: A admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no art. 587.º, depende
dos requisitos seguintes:
a. O valor da acção seja superior à alçada do tribunal que se recorre;
b. Que as acções impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor
superior a metade da alçada do tribunal;
c. Havendo dúvidas acerca do valor da sucumbência, atende-se unicamente o
valor da causa.

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NB: para efeitos da obrigatoriedade de constituição de advogado importa apenas
atender ao primeiro requisito. Assim, é obrigatório a constituição de advogado em
todas as acções cujo valor seja superior a 500.000$00, art. 37.º da Lei de Organização
Judiciária (LOJ).
b) É igualmente obrigatório a constituição de advogado nas acções que seja sempre
admissíveis recursos independentemente do valor: Ex. na acção de despejo, por estar
em causa um direito fundamental ( o direito à habitação, independentemente do valor
é sempre admissível recurso; divórcios, contratos de arrendamento para habitação ou
para o exercício do comércio, industria ou profissão liberal – cfr. n.º 4 do art. 587.º).
c) Nos recursos e nas causa propostas nos tribunais superiores, art. 21.º LOJ.

Nos casos em que o patrocínio judiciário não seja obrigatório podem as próprias
partes pleitear por si ou ser representados por advogados estagiários ou por solicitadores art.
37.º.
O mandato Judicial (procuração forense) é a atribuição de poderes de representação
em juízo. Este poder pode ser conferido:
a) Por instrumento público ou por documento particular (a procuração forense é exemplo
deste último);
b) Por termo, ou seja, por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligências que
se pratique no processo.
Os mandatários podem substabelecer, o que se traduz no acto de transferência dos
poderes conferidos pelo mandante. Existe duas espécies, que são: o substabelecimento com
reserva (quando só delega uma parte do seu poder) e sem reserva (quando o mandatário
delega todo o seu poder noutro mandatário), de acordo com o disposto no n.º2 do art. 40.º, os
advogados são livres de substabelecerem, ou seja, para tal não têm que pedir consentimento
ao mandante.
Casos há em que o patrocínio é exercido sem que seja a parte a constituir mandatário,
art. 47.º, são casos de nomeação oficiosa, ou nomeação efectuada pelo juiz, art. 48.º.
No caso de nomeação oficiosa, art. 47.º, n.º1, se a parte não encontrar na comarca
quem aceita voluntariamente o seu patrocínio pode dirigir-se à Ordem dos advogados para
que lhe nomeie advogado, n.º 2 do citado artigo. A nomeação é feita sem demora e notificada
ao nomeado, que pode alegar escusa dentro de quarenta e oito horas, Na falta de escusa ou
quando esta não seja julgada legítima por quem o fez a nomeação, deve o advogado exercer o
patrocínio, sob pena de procedimento disciplinar.

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A revogação ou renúncia do mandato são reguladas pelo art. 43.º. A falta ou
insuficiência e irregularidade do mandato no art. 44.º. O patrocínio exercido a título de gestão
de negócio e seus efeitos no art. 45.º

Sanação e consequência da falta de constituição de advogado


Se as partes não constituírem advogados quando são obrigados, o tribunal notificará as
mesmas para sanar a falta.
A não sanação da falta de advogado tem as seguintes consequências:
 Se a falta for do autor, o réu é absolvido da instância – art. 36.º e 453.º, n.º1 al. f) e
n.º2 e 452.º.
 Se a falta for do réu o processo segue à sua revelia, art. 36.º, ou seja, fica sem
efeito a defesa por ele apresentado.
Conclusão: a falta de constituição de advogado por parte do réu não impede a
apreciação do mérito da causa. Só impede se a falta for do autor. Logo, se deve concluir que,
no que se refere ao réu, não estamos perante um pressuposto processual.

8.7. Competência

8.7.1. Noção. Conflitos de competência e de Jurisdição. Modalidades

É sabido que os tribunais exercem a função jurisdicional ou jurisdição que constitui uma
função essencial do Estado. São órgãos de soberania, a par do Presidente da República,
Assembleia da República e Governo art.º 119.º CRCV.
A função jurisdicional traduz o poder de julgar (de dizer o direito) genericamente
atribuído ao conjunto dos tribunais. É com esse sentimento que os arts. 209.º e 210.º d CRCV
se referem à jurisdição.
A competência é a fracção ou parcela do poder jurisdicional atribuído a cada tribunal.
Um tribunal é competente quando uma acção cabe dentro do poder jurisdicional que lhe foi
atribuída.
A importância desta distinção assume particular relevo quando se verifica conflitos
entre competência e jurisdição no âmbito de intervenção das diversas autoridades do Estado.
Existe um conflito de jurisdição, de acordo com o art. 109.º quando duas ou mais
autoridades pertencentes a diferentes actividades do Estado, ou dois ou mais tribunais de
diferentes ordens jurisdicionais, arts. 214.º a 221.º da CRCV, se arrogam – conflito positivo –
ou se declinam – conflito negativo - Há conflito positivo quando dois ou mais tribunais da

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mesma espécie se considere competente. E, é negativo, quando ambos se consideram
incompetentes.
Se se tratar de conflitos de jurisdição entre duas entidades, por exemplo, entre um
tribunal e uma Câmara Municipal, o conflito é positivo se ambos se arrogam ser competentes
para conhecer da questão. Ou, também, se um tribunal fiscal e aduaneiro e um tribunal
judicial se arrogarem ao poder de decidir uma mesma questão.
Existe um conflito de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem
jurisdicional se arrogam ou declinam o poder de decidir certa questão. Haverá um conflito de
competência se, por exemplo, um tribunal da primeira instância – um tribunal de comarca de
1ª ou 2ª classe – se declarar incompetente para apreciar uma questão por entender que
pertence a um juízo especial – no caso um juízo de família e de menor e este juízo declarar-se,
igualmente, incompetente.
Os conflitos de jurisdição são resolvidos pelo STJ, nos termos dos arts. 12, al. h) do
LOJ e 110.º e segs.
De acordo com o disposto no n.º1 do art.º 110.º, a decisão do conflito pode ser
solicitada por qualquer das partes ou pelo Ministério Público, mediante requerimento em que
se especifiquem os factos que o exprimem. Esta regra é concretizada na LOJ, nos termos dos
arts. 13.º al. h) e 20.º, al. e). Neste caso, se os tribunais de conflitos pertencem a mesma região
judicial o conflito será solucionado pelo STJ. Se os tribunais de conflitos pertencerem a
tribunais de 3ª classe o mesmo será dirimido pelo Tribunal Regional de 1ª e 2ª classe que
existe naquela região.

8.7.2. Competência internacional

8.7.2.1. Noção

A competência internacional é a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais


cabo-verdianas, no seu conjunto, para julgar as acções que tenham algum elemento de
conexão com ordens jurídicas estrangeiras. Se qualquer dos seus elementos, como sejam as
partes, o pedido ou a causa de pedir tiverem somente conexão com a ordem jurídica cabo-
verdiana o problema não surgirá.
A questão de conexão pode surgir, por exemplo, quando o autor e o réu pertencerem a
nacionalidade diferentes, quando se situa no estrangeiro o local de cumprimento de
determinada obrigação invocada por um cabo-verdiano ou quando o facto ilícito ocorreu no
estrangeiro. Os elementos que são relevantes para atribuição da competência internacional são
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em regra: o domicilio das partes, o lugar de cumprimento da obrigação ou o lugar onde foi
cometido o adultério que serve de fundamento à acção de divórcio.
As regras de competência internacional estão reguladas no CPC.
Nos termos do art. 66.º, os tribunais cabo-verdianos têm competência internacional
quando se verifique alguma das circunstâncias seguintes:
a) Ter o réu ou algum dos réus domicilia em território cabo-verdiano, salvo
tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis
situados em país estrangeiro;
b) Dever a acção ser proposta em Cabo Verde, segundo as regras de competência
territorial, estabelecidas pela lei cabo-verdiana;
c) Ter sido praticado em território cabo-verdiano, ainda que parcialmente, o facto
que serve de causa de pedir na acção; e
d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta
em tribunal cabo-verdiana, ou não ser exigível ao autor a sua propositura no
estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional haja
elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
É de competência exclusiva dos tribunais cabo-verdianos, art. 67.º:
a) Para as acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis
situados em território cabo-verdiano;
b) Para a declaração de falência de pessoas colectivas e sociedades cuja sede de
encontre no território cabo-verdiano;
c) Para as acções referentes à apreciação da validade do acto constitutivo ou ao
decretamento da dissolução de pessoas colectivas ou sociedades que tenham a sua
sede em território cabo-verdiano, bem como as destinadas a apreciar a validade
das deliberações dos respectivos órgãos;
d) Para as acções que tenham como objecto principal a apreciação da validade da
inscrição em registo públicos de quaisquer direitos a registo em Cabo Verde; e
e) Para a execução de bens imóveis existentes no território cabo-verdiano.

8.7.3. Competência interna

8.7.3.1. Competência em razão da matéria

A competência em razão da matéria assenta no princípio da especialização.

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De acordo com o art.º 3.º da LOJ, os tribunais judiciais são órgãos do Estado
encarregados de administrar a justiça.
São de competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra
ordem jurisdicional.
Assim, as causas que não forem atribuídas por lei alguma jurisdição especial, como
por exemplo, tribunais militares ou tribunais de contas, entende-se que são da competência
dos tribunais judiciais.
Em Cabo Verde, em regra, os tribunais judiciais têm competência genérica, ou seja
conhecem de todas as causas, seja qual for a sua natureza desde que não sejam excluídas
especialmente da sua competência ou não pertençam a juízo especial, art. 18.º da LOJ. No
entanto pode haver na primeira instância juízo de competência especializada ou competência
específica, n.º 3 do art. 214.º da CRCV.
São de competência especializada, por exemplo: Tribunal fiscal e aduaneiro (podendo
ser criados tribunais de família e menores; do trabalho; do comércio e marítimos).
São de competência específica: Juízes cíveis e juízes criminais (podendo ser criados
juízos de execução).

8.7.3.2. Competência em razão da hierarquia

Dentro de cada categoria de tribunais ou ordem jurisdicionais pode haver diferentes


tribunais dispostos em planos verticais, com distintas funções.
A competência em razão da hierarquia é a que resulta da distribuição do poder
jurisdicional entre os tribunais da mesma ordem jurisdicional verticalmente escalonados.
A lei permite, no entanto, pactos privativos e de jurisdição que atribuem, jurisdição
aos tribunais cabo-verdianos nos casos em que sem as convenções eles não a teriam – n.º 2 do
art. 95.º.
No caso do n.º2 do art. 95.º, que atribui jurisdição aos tribunais cabo-verdianos,
importa, determinar qual é o tribunal cabo-verdiano concretamente competente.
No caso de se ter feito actuar o critério do domicílio do réu ou outro critério da
coincidência (este referente ao n.º 1 do art.º 70.º) fica automaticamente determinado qual é o
tribunal cabo-verdiano competente.
Assim não será nos casos de actuação de outros critérios. Se não existir nenhuma das
conexões especificas dos arts. 69.º e segs., a competência territorial deve fixar-se de acordo
coma as normas gerais do art. 81.º, n.ºs 2 e 3.
Se, por exemplo, os tribunais cabo-verdianos tiverem competência internacional para
apreciar a acção de divórcio por força de critério da causalidade, o tribunal cabo-verdiano
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concretamente competente é o tribunal do lugar em que o réu se encontrar, ou no tribunal da
comarca da Praia, n.º 3 do art. 81.º.
Deve ter especial atenção para o facto de não serem compatíveis com o critério da
coincidência as regras constantes dos n.ºs 2 e 3 do art. 81.º.

8.7.3.3. Competência em razão do território

A competência territorial é a que resulta da atribuição de uma fracção do poder


jurisdicional a um tribunal, considerando a sua circunscrição territorial. A competência
territorial para uma causa determina-se em função de dois parâmetros.
Por um lado, a circunscrição territorial correspondente ao tribunal, por outro lado, o
elemento de conexão de cada tipo de acção com a circunscrição.
Os elementos da conexão relevantes são as seguintes: o foro réu, o foro real ou da
situação dos bens, o foro obrigacional, o foro do autor e o foro sucessório.

Foro do réu, art. 81.º e 82.º

O foro do réu constitui a regra geral. Quando não exista disposição especial para a
atribuição da competência territorial, é competente para a acção o tribunal em que cuja
circunscrição o réu tenha o seu domicilio, art. 81,º e 82.º.
É esta a regra aplicável, entre outros, às acções de anulação ou de declaração de
nulidade de um negócio jurídico.
O n.º2 do art. 82.º adapta às pessoas colectivas – que não o Estado – o critério geral do
domicílio do réu.
Sempre que se tenha concluído pela relevância do foro do domicílio do réu e existe
uma coligação ou litisconsórcio passivo a competência dos tribunais afere-se nos termos do
art. 83.º, n.º1.
Esta disposição regula, ainda, nos seus n.ºs 2 e 3, a competência dos tribunais nas
situações de pluralidades de pedidos (coligação ou mera cumulação) sempre que para
apreciação dos mesmos sejam territorialmente competentes diversos tribunais. Exemplos:
a) A intenta contra B, com domicílio no Porto Novo, uma acção de anulação de um
contrato de compra e venda e de condenação em indemnização decorrente de um
facto ilícito ocorrido na cidade do Mindelo.
b) A intenta contra B, com residência no Porto Novo, e C, com residência em Ribeira
Grande, uma acção pedindo: a) contra o primeiro, anulação do contrato de compra
e venda de X com este celebrado; b) contra C, a declaração de nulidade do contrato
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de compra e venda em que este adquiriu X a B. No 1.º caso, considerando que um
elemento de conexão é de conhecimento oficioso (lugar de prática do facto ilícito,
art. 70.º, n.º2 e art. 104.º, n.º1, o tribunal territorialmente competente seria o
tribunal da Comarca do Mindelo, art. 83.º, n.º2. No 2º caso, considerando que o
segundo pedido depende da procedência do 1º, o tribunal competente seria um
tribunal da comarca do Porto Novo.
Como alguma jurisprudência e doutrina têm sublinhado o preceituado nos
n.ºs 2 e 3 do art. 83.º, aplica-se quer às situações de mera cumulação de pedido
(unicidade de partes) quer as situações coligação.

Foro real ou da situação dos bens

Vem definido no art. 69.º. De acordo com esta disposição devem ser propostas no
tribunal da situação dos bens, as acções referentes a direitos reais ou pessoais de gozo sobre
imóveis, as acções de divisão de coisa comum, art. 1392.º do CC, de preferência, art. 1392.º
do CC, de execução específica sobre imóveis, art. 830.º CC, bem como as acções de reforço,
substituição, expurgação de hipotecas e extinção de privilégios, arts. 859.º e segs.

Foro obrigacional

É o tribunal do lugar onde deve ou devia ser cumprida a obrigação. Segundo o art. 70.º
a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, ou a indemnização pelo não
cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso, ou em que se aprecie a resolução de um
contrato por não cumprimento, pode ser proposta, à escolha do credor, ou no tribunal do
local onde a obrigação deveria ser cumprida ou no do domicílio do réu.
Tratando de acção cuja causa de pedir se baseia em responsabilidade civil fundada em
facto ilícito ou assente no risco, o tribunal competente é o do lugar onde o facto ocorreu, art.
70.º, n.º2. Exemplo: acção de indemnização decorrente de um acidente de viação.

Foro do autor (divórcio e separação, art. 71.º)

É o tribunal do lugar do domicílio ou residência do autor.


É este o elemento de conexão relevante nas acções de divórcio e de separação de
pessoas e bens.

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Foro sucessório (inventário e habilitação, art. 73.º)

O tribunal do lugar da abertura da sucessão que, nos termos do art. 1959.º CC, é o do
último domicílio do seu autor.
Este é o elemento de conexão relevante para o processo de inventário e para a
habilitação de uma pessoa como sucessora de outra.

Procedimentos cautelares e diligências antecipadas, art. 79.º

Importa, ainda, ter em conta as seguintes regras de competência territorial quanto aos
procedimentos cautelares.
Com excepção do embargo de obra nova, para qual é competente o tribunal do lugar
da obra, al. b) do art. 79.º, os tribunais competentes para a acção que se pretende acautelar
são, igualmente, competentes para os respectivos procedimentos cautelares al. c). No caso do
arrolamento e do arresto são, igualmente, competentes os tribunais do lugar onde os bens se
encontrem, al. a). Relativamente as diligências de produção de prova são requeridas no
tribunal do lugar onde devem efectuar-se, al. d).

Pluralidades de réus e cumulação de pedidos, art. 83.º

No caso de haver mais do que um réu na mesma causa, devem ser todos demandados
no tribunal de domicílio do maior número; se for igual o número nos diferentes domicílios,
pode o autor escolher o de qualquer deles, n.º1 do art. 83.º.
Cumulando pedidos pelos quais sejam territorialmente competentes diversos tribunais,
o autor pode escolher qualquer deles para a propositura da acção, excepto se a competência
para apreciar algum dos pedidos depender de algum dos elementos de conexão que permitem
o conhecimento oficioso da incompetência relativa (ex. os casos do art. 69.º e 70.º, n.º2), em
que neste caso é propostas nesse tribunal.
Acumulando pedidos em que haja entre eles uma relação de dependência ou
subsidiariedade, a acção deve ser proposta no tribunal onde deve ser proposta a acção
principal, n.º 3, art. 83.º.

Acções em que seja parte o juiz, seu cônjuge ou certos parentes, art. 85.º.

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De acordo com o n.º1 do art. 85.º as acções em que seja parte o juiz de direito, sua
mulher ou algum ser descendente ou ascendente ou quem com ele conviva em economia
comum e que devessem ser propostas na comarca em que o juiz exerce a jurisdição, é
competente o tribunal da mesma categoria cuja sede esteja a menos distância da sede daquele,
n.º1, art. 85.º.
Caso a acção seja proposta na acção onde o juiz impedido exerce a sua função ou se
este aí for colocado estando já a acção pendente a causa, é o processo remetido para o tribunal
competente, n.º2, do referido artigo.
O juiz da causa tem legitimidade para ordenar e praticar na circunscrição do juiz
impedido todos os actos necessários ao andamento e instrução do processo, como se aí exerce
a sua jurisdição, n.º3 do citado artigo. A legitimidade referida cessa quando haja mais do que
um juiz naquela circunscrição, n.º4.

8.7.4. Extensão e modificação de competência.

O que significa extensão e modificação de competência?


A extensão e modificação de competência são situações que choquem com
determinados princípios, nomeadamente, com o da economia processual, em que a lei admite
que o tribunal competente para apreciar uma determinada acção, considerando o pedido e a
causa do pedido formulado, estenda ou amplie a sua competência para julgar questões que, na
pendência da acção, passam a integrar o objecto da acção e para os quais, se não existisse uma
determinada conexão, o mesmo não teria competência.
São exemplos de causas justificativas de extensão ou modificação de competência:
a) Questões incidentais (n.º1 do art. 92.º): se, por exemplo, o autor falecer no decurso
da acção, o tribunal da causa terá competência para julgar o incidente de
habilitação dos seus sucessores, art. 340.º, ainda que o mesmo não tivesse
competência para, autonomamente, julgar da habilitação de acordo com a regra do
foro sucessório, art. 73.º.
São incidentes todas as questões que têm carácter anómala face ao objecto da
acção e que são relativamente a estes instrumentais, acessórios ou secundários.
Embora não integram a normal tramitação do processo, quando surgem carecem de
ser resolvidos pelo tribunal. São exemplos de questões incidentais, as qualificadas,
como vimos, nos termos dos arts. 275.º a 277.º.
b) Meios de defesa do réu (n.º1 do art. 92.º): exemplo, se o autor, residente em
Mindelo, propuser no tribunal de 2ª classe do Porto Novo uma acção de
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indemnização pelo não cumprimento de uma obrigação que devia ter sido
cumprida nesta região judicial, e o réu (aqui residente) excepcionar a anulabilidade
do contrato, o tribunal regional de 2ª classe do Porto Novo terá competência para
apreciar a invocada anulabilidade.
Neste caso, o tribunal do Porto Novo, veria alargada a sua competência para
apreciar uma questão que, face às regras aplicáveis, no caso de o réu ter tomado a
iniciativa de pedir a anulação, seria de competência do tribunal de 1ª classe de São
Vicente, juízes cíveis, art. 81.º (neste caso o réu seria o autor na causa principal).
Nota: segundo o n.º2 do art. 92.º, a decisão das questões e incidentes suscitados não
constitui, porém, caso julgado fora do processo respectivo, excepto se alguma das partes
requerer o julgamento com essa amplitude e o tribunal for competente do ponto de vista
internacional e em razão da matéria e da hierarquia, pelo que a decisão, neste caso, valerá
dentro e fora do processo.
c) Questões prejudiciais, art. 93.º: estamos perante uma questão prejudicial quando o
tribunal da acção não é em regra competente para dirimir questões de competência
do tribunal criminal, mas cuja resolução depende o julgamento do mérito da causa
ou questões do fundo, exemplo, quando numa acção cível se levantar uma destas
questões: saber se a coisa reivindicada foi furtada – o juiz pode sobrestar
(suspender) na decisão até que o tribunal competente decide.
O n.º 2, do art. 93.º, reza o seguinte: se a acção penal ou fiscal não for
exercida dentro de um mês ou se o respectivo processo estiver parado, por
negligência das partes, dentro do mesmo prazo, neste caso, o juiz da acção decidirá
a questão prejudicial, mas a sua decisão não produz efeitos fora do processo em
que for proferida.
d) Questões reconvencionais, art. 94.º: o tribunal da acção passa a ser competente
para conhecer um pedido reconvencional deduzido pelo réu contra o autor, para o
qual o referido tribunal da acção não seria competente caso a mesma fosse
deduzida numa acção autónoma, desde que tenha competência para elas em razão
da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, embora não tenha em razão do valor
ou do território.

Quanto à matéria de modificação de competência, interna prevista no art. 96.º, deve


observar os seguintes:

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a) Requisitos formais: a modificação da competência deve ser feita por convenção ou
pacto e observar a forma escrita, n.º2, do art. 96.º.
b) Requisitos de conteúdo: não podem ser afastadas por vontade das partes as regras
da competência em razão da matéria e da hierarquia, nem tão-pouco as regras de
competência territorial referente aos arts. 69.º, n.º1, 70.º, n.2, 79.º, 84.º e 85.º, n.º1
do art. 86.º e 1ª parte do n.º1 e n.º2 do art. 90.º. Também deve atender as questões
a que se refere o n.º2 do art.96.º.
c) A competência fundada na estipulação (convenção) é tão obrigatória como a que
derive da lei, pelo que a preterição da convenção implica a incompetência do
tribunal, n.º 3, art. 96.º.

8.7.5. Espécies de incompetência e respectivos regimes

A violação das regras de competência não tem sempre as mesmas consequências, ou


seja, não existe um único regime de incompetência.
É possível distinguir:
a) – A incompetência absoluta;
b) – A incompetência relativa; e
c) – A preterição do tribunal arbitral.

Está-se perante a incompetência absoluta quando haja infracção das regras de


competência interna em razão da matéria, da hierarquia e das regras de competência
internacional, salvo quando haja mera violação de um pacto privativo de jurisdição, art. 97.º.
É o tipo mais grave em matéria de incompetência, isto porque, os critérios atributivos
que lhe estão subjacentes assentam, em razões e interesses de natureza pública como é o da
boa administração da justiça, enquanto os critérios atributivos da competência relativa
assentam, fundamentalmente, e em regra, em interesses de natureza particular.
Tem legitimidade para arguir a incompetência absoluta qualquer das partes, e deve
ser suscitada oficiosamente pelo tribunal, n.º1 do art. 98.º.
A incompetência absoluta, por regra, pode ser arguida ou conhecida oficiosamente em
qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença transitada sobre o mérito da
causa, n.º1, do art. 98.º. Ou seja, a incompetência absoluta pode ser arguida ou suscitada
mesmo em sede de recurso.
No caso de violação das regras de competência em razão da matéria que apenas
respeitam aos tribunais judiciais, atentam a sua menor gravidade, só pode ser arguida, ou
oficiosamente conhecida, até ao momento de ser proferido despacho saneador ou, não
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havendo lugar a este despacho, até ao início da audiência de discussão e julgamento, n.º 2, do
art. 98.º.
Os efeitos da incompetência absoluta, atenta a sua gravidade têm como
consequência os seguintes:
a) Se a incompetência absoluta do tribunal só for verificada depois do despacho liminar,
o réu será absolvido da instância n.º1 do art. 100.º, no despacho saneador, art. 467.º,
n.º1 al. b), ou sentença, art. 571.º.
b) Se a incompetência só for decretada depois de findos os articulados, podem estes
aproveitar-se desde que, estando as partes de acordo sobre o aproveitamento, o autor
requeira a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ser proposta, n.º2
do art. 100.º.

O conhecimento da incompetência absoluta e alçada do tribunal: no caso da


incompetência absoluta o recurso é sempre admissível independentemente do valor da acção,
face à alçada em causa, se tiver por fundamento a violação das regras de competência
internacional, em razão da matéria ou da hierarquia, n.º 2, do art. 587.º.
O valor da decisão sobre a incompetência absoluta, mesmo depois de ter transitado
em julgado, não produz efeitos, em regra, fora do respectivo processo, art. 101.º.
Só assim não sucederá caso se verifiquem os requisitos estatuídos no art. 102.º.

Quanto a incompetência relativa dos tribunais, esta é aferida, em função da


infracção das regras de competência fundadas no valor da causa, na forma do processo, no
território, ou na vontade das partes, art. 102.º.
A lei considera ainda uma situação de incompetência o facto de se ter demandado uma
pessoa com o único fim de se desviar o verdadeiro réu do tribunal territorialmente
competente, art. 107.º (tentativa ilícita de desaforamento).
Tem legitimidade para arguir a incompetência relativa apenas o réu, nos termos
estatuídos no n.º1 do art. 103.º.
Em regra a incompetência em razão do território não é de conhecimento oficioso. Só
assim não ocorre nos casos previstos no n.º1 do art. 104.º. Destacam-se como situações de
incompetência territorial de conhecimento oficioso as previstas nos arts. 69.º e 70.º, n.º 2.
Tempo de arguição: a incompetência relativa só pode ser arguida no prazo fixado
para a contestação, oposição ou resposta ou, quando haja lugar a estas, para outro meio de
defesa que tenha a faculdade de deduzir, art. 103.º.

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Os efeitos da incompetência relativa têm como consequência a remessa do processo
para o tribunal competente, art. 105.º, n.º3.
O valor da decisão sobre a incompetência relativa resolve definitivamente a questão
da competência, art. 105.º, n.º1. Assim, se o tribunal judicial do Mindelo ordenar a remessa do
processo para o tribunal territorialmente competente, transitada em julgado esta decisão, o
tribunal de Porto Novo, ainda que assim o considere, não se pode declarar incompetente.

A preterição do tribunal arbitral é, também, uma outra espécie de incompetência


relativa. Quando as partes determinam por acordo que determinado litígio deveria ser julgado
por um tribunal arbitral, a propositura da acção num tribunal permanente, isto é, num tribunal
integrado na organização judiciária, gera uma situação de incompetência.
O regime da preterição de um tribunal arbitral varia consoante o tribunal arbitral seja
voluntário ou necessário. Em ambos os casos o réu deve ser absolvido da instância, arts.
453.º, n.º1, al. g). A incompetência no caso do tribunal necessário é de conhecimento oficioso,
art. 454.º e pode ser arguida pelo réu como meio de defesa, já o tribunal arbitral voluntário
não é de conhecimento oficioso, art. 454.º, pelo que, neste caso, deve ser arguida pelo réu.

8.7.6. Garantias de imparcialidade

As garantias de imparcialidade estão reguladas nos termos dos arts. 115.º a 129.º.
No art. 211.º da CRCV, o legislador consagra um importante princípio do Estado de
Direito que é o princípio da independência dos tribunais que abrange, designadamente, a
independência dos juízes. No CPC regula-se um aspecto complementar, e também ele da
maior importância, que é, precisamente, a imparcialidade do juiz. Nota-se, no entanto, que
também é estabelecida a disciplina das garantias de imparcialidade dos magistrados do
Ministério Público e dos funcionários judiciais.
Com as referidas garantias de imparcialidade o que se procura é assegurar,
relativamente ao juiz, a isenção e objectividade na condução do processo e na respectiva
decisão.
Se pretende evitar que certas circunstâncias possam afectar num determinado caso
aquela isenção e objectividade.
As garantias de imparcialidade reúnem-se em duas espécies: situações de impedimento
e situações de suspeição.
Trata-se de situações que, de acordo com as regras da experiencia, criam um elevado
risco de parcialidade dos magistrados ou dos funcionários judiciais e, como tal, constituem os
mesmos do dever de, por sua própria iniciativa, se absterem de intervir no processo.
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O que se quer é afastar o elevado risco de parcialidade, não é um dado adquirido que
assim viesse necessariamente ocorrer sem que tal estivesse regulado na lei.
No art. 115.º é feita uma enumeração taxativa dos casos de impedimento do juiz que
importa ter em conta.
São impedimentos objectivos, ou seja, impedimentos que se fundam na relação entre o
juiz e o objecto do processo, os previstos nas alíneas a), c) e) e h). São impedimentos
subjectivos, isto é, impedimentos que se fundam nas relações do juiz com as partes ou
mandatários, os referidos nas demais alíneas.
Suspeições, correspondem a situações de menor gravidade ou risco que podem, em
concreto, ser sentidas como sendo susceptíveis de colocar em causa a imparcialidade. A
ocorrência de uma das referidas situações não obriga o juiz a abster-se de intervir na causa,
como ocorre com os impedimentos, apenas lhe confere o direito de pedir dispensa dessa
intervenção, art. 119.º, em que apenas o juiz pode tomar iniciativa de pedir a dispensa da sua
intervenção.
Nesse último caso, havendo circunstâncias poderosas, podem abranger-se situações
que sejam uma extensão das causas tipificadas no art. 120.º. Será o caso da existência de uma
inimizade grave ou de uma grande intimidade entre o juiz e o mandatário de uma das partes24

24
In, LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado p. 230.
Página 85 de 94
9. Prazos Processuais

9.1. Noção, espécies e características

Os prazos processuais são estatuídos por lei ou fixados pelo Juiz, e é contínuo, n.º1 do
art. 137.º.
1. Quando a lei não fixar expressamente determinado prazo (e este não seja
determinado pelo juiz), ele será de cinco dias para as partes requererem qualquer
acto ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem
qualquer outro poder processual; e também é de cinco dias o prazo para a parte
responder ao que for deduzido pela parte contrária – art.º 145.º
2. É de dois dias o prazo para o expediente da secretaria. Contudo, a secretaria deve
apresentar a despacho, avulsamente, no próprio dia, os requerimentos que não
respeitem ao andamento de processos pendentes e aqueles que suscitem dúvidas
quanto à legalidade da sua junção – art.º 157.º

9.2. Contagem dos prazos

1. Não se inclui o dia em que ocorre o evento a partir do qual o prazo começa a
correr – art. 279.º, al. b) do CC.
2. O prazo que termine em sábado, domingo ou dia feriado transfere-se para o
primeiro dia útil – art. 279.º, al. e) CC. e 136.º, n.º 3 do CPC.
3. O prazo judicial corre seguidamente, mesmo em férias, suspendendo-se apenas
nos sábados, domingos e feriados, salvo neste caso, se, se tratar de actos a
praticar em processos que a lei considere urgentes (ex: nos procedimentos
cautelares o prazo é contínuo, isto é, corre sem qualquer suspensão) art. 137.º,
n.º2;
4. As citações, notificações, arrematações e os actos que se destinem a evitar dano
irreparável, podem ser praticados nos sábados, domingos, feriados e durante as
férias judiciais, parte final – art. 136.º, n.º2.
5. Os actos judiciais não correm enquanto durar a suspensão da instância – art.
256.º, n.º 2

S T Q Q S S D

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1 2 3 4 5 6
1 1 1 1
7 8 9
0 1 2 3
1 1 1 1 1 1 2
4 5 6 7 8 9 0
2 2 2 2 2 2 2
1 2 3 4 5 6 7
2
1 2 3 4 5 6
8
1 1 1 1
7 8 9
0 1 2 3

Exemplo: um prazo de dez dias que comece a contar no dia 11 Fevereiro terminará do
dia 24. O mesmo prazo que comece a contar no dia 14 termina no dia 26 (sendo este dia um
sábado), pelo que o último dia para a prática do acto é segunda-feira dia 28.
Um prazo de 20 dias para contestar uma acção declarativa, a que acresce um prazo de
dilação de 8 dias, começa a correr no dia 1 de Fevereiro termina no dia 10 de Março, como o
prazo se suspende nos sábados, domingos e feriados, o último dia de prática do acto é o dia 10
de Março (art. 137.º, n.º2).
No caso de um procedimento cautelar, tendo citado o requerido no dia 2 para em dez dias
exercer o contraditório, como o prazo corre seguidamente sem interrupção, o último dia de
prazo é o dia 12, sendo sábado, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, n.º3 do art.
136.º.
Nota: O procedimento cautelar é urgente, porém, apenas até a sua decisão. Assim, tendo
sido proferida a decisão sem prévia audiência do requerido, o prazo para oposição deste
suspende-se durante os sábados, domingos e feriados e durante as férias judiciais, porque após
a decisão o processo deixa de ser urgente (cfr. ac. RP, 16.1.2001: Col. Jur., 2001, 2.º - 5).

9.3. Modalidades de Prazos

9.3.1. Os prazos são perentórios e dilatórios.

Prazo perentório
O decurso de um prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto. São exemplos
de prazo peremptório o prazo concedido ao réu para contestar ou ao autor para responder,

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assim como o prazo de qualquer das partes para impugnarem documento sou responderem a
incidentes processuais – art. 138.º, 1º e 3.º.
Prazo dilatório
O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou
início da contagem de outro prazo – art.º 138.º, n.º2.
Exemplos de prazos dilatórios:
1) Dilação entre 8 e 90 dias para o réu contestar, mesmo que o processo corra termos
na região ou sub-região em que o réu reside, e verificarem uma ou mais situações previstas no
art. 231.º.

9.3.2. Contagem do prazo perentório e dilatório

O Prazo para a defesa, quando ao prazo peremptório acresça prazo dilatório, conta-se
como um só. O que significa que se ao prazo de vinte dias para contestar em acção ordinária
acresce uma dilação de cinco a trinta dias, o prazo total que pode ir de 25 a 50 dias, consoante
for o prazo de dilação atribuído pelo juiz nas situações constantes no art.º 231.º. Os dois
prazos (dilatórios e peremptórios) contam-se como um só e não cada um individualmente –
art.º 141.º.

9.3.2. Data em que se considera praticado o acto

O acto praticado mediante entrega por mão própria

Considera-se praticado na data entrega, desde que esta ocorra nas horas de expediente
da secretaria, sendo aposto o carimbo de entrada na primeira folha do original e duplicados.
Os requerimentos e respostas podem ser escritos e assinados pelos interessados, salvo
quando a lei exija a assinatura de mandatário judicial – art. 143.º
Não sendo os interessados conhecidos no tribunal é-lhes exigidos a exibição do
respectivo bilhete de identidade ou, se o não tiverem, o reconhecimento, por notário da
assinatura – art.º 143.º, n.º1 al. a).

Prática do acto no primeiro dia útil subsequente ao fim do prazo

O acto pode, contudo, ser praticado no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo,
ficando, todavia, a sua validade fica dependente do pagamento imediato de uma multa, de
valor igual a 25% da taxa de justiça que seria devido a final pelo processo, ou parte do
processo, mas nunca inferior a 2.500$00, nem superior a 50.000$00, parte final do n.º4 do
art.º 138.º

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Notificação para efeitos do art. 138.º, n.º4, parte final
Assunto: Notificação para pagamento de multa
Fica notificado, para no prazo de dez dias, relativamente ao processo supra
identificado, proceder ao pagamento da multa prevista no n.º4, parte final do art. 138.º,
conforme quantias descriminadas na guia de liquidação em anexo, ficando a validade do acto
do acto praticado dependente do pagamento da mesma.
Local, data,
O oficial de justiça

Justo impedimento
De acordo com o disposto no art. 139.º, a parte poderá praticar o acto mesmo após o
termo do prazo, desde que invoque e seja julgado procedente o justo impedimento.
Segundo o n.º1 do citado artigo considera-se justo impedimento o evento normalmente
imprevisível estranho a vontade da parte que a impossibilite de praticar o acto, por si ou por
mandatário.
A invocação do justo impedimento efectua-se – n.º 2, do art. 139.º:
o Por requerimento dirigido ao Juiz do processo;
o Simultaneamente deverá praticar o acto em falta, e
o Oferecerá logo a respectiva prova (documental, testemunhal ou outra)

Situações que podem consubstanciar justo impedimento:

a) O evento que provocou o impedimento deve referir-se à parte ou seu mandatário


(nunca a terceiros);
b) A parte ou seu mandatário não pode ser imputado dolo ou negligência quanto à
ocorrência do evento;
c) A parte deve invocar justo impedimento logo que o mesmo cesse – n.º 2, art. 139º.
d) A parte deve praticar o acto processual em falta imediatamente.

Factos que podem dar origem ao justo impedimento:

a) A doença súbita e grave que impeça absolutamente da prática do acto, avisar-se o


constituinte ou substabelecer-se;

Página 89 de 94
b) Falta de rigor na citação, que tenha induzido em erro a parte e o seu mandatário;
c) Conduta indevida de funcionário de mandatário, contrária às ordens emanadas por
este. Exemplo: a conduta omissiva e irregular do funcionário que fora incumbido de,
no último do prazo, entregar a reclamação contra o questionário, e o não fez,
mantendo o escritório na ignorância do que havia acontecido.
d) Substituição de mandatário ocorrida no decurso de um prazo, no âmbito de um
processo com elevada complexidade. Exemplo: ocorre justo impedimento no caso de
um advogado ter sido constituído mandatário forense num processo judicial complexo
e com muitos documentos a apreciar, em substituição de um outro colega que
renunciou à procuração forense no decurso do prazo para oferecimento das alegações
de recurso de apelação interposto pelo advogado que renunciou o mandatado e quase
terminado este prazo.

Não são factos constitutivos do impedimento:

a) A doença que não impeça o mandatário de praticar o acto – síndrome gripal;


b) Quando o evento impeditivo tenha atingido em particular uma terceira pessoa que
não a parte ou mandatário. Exemplo: quando o acto não se praticou devido a
doença súbita de uma funcionária a quem o mandatário encarregou de praticar o
acto no último dia de prazo;
c) A prisão do constituinte, no caso de interposição de recurso;
d) A acumulação de serviços ou deficiências organizatórias;
e) Quando o acto possa ser praticado mediante intervenção de outrem;
f) A simples comunicação efectuada por testemunha, com alegação de serviço
inadiável, sem imediata junção da respectiva prova;
g) A incapacidade funcional de um dos mandatários, tendo a procuração sido
outorgada a dois advogados que partilham o mesmo escritório;
h) O lapso praticado pelo funcionário de advogado, que colocou uma notificação
emanada do Tribunal no dossier de outro processo ou que fez uma errada anotação
na agenda da data da diligência;
i) Quando o facto “impeditivo” ocorra fora do prazo processual normal para a prática
do acto, designadamente no prazo extraordinário do dia seguinte ao termo do
prazo;

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j) Quando ao acto na tenha sido praticado em virtude de conduta negligente da parte,
seu mandatário ou representante.
k) A simples apresentação de atestado médico sobre a incapacidade do desempenho
da actividade profissional. Pois este constitui simples meio de prova, livremente
apreciado pelo tribunal por ser insuficiente.

9.3.3. Prorrogação de prazo (art.º 140.º)

De prazos fixados na lei


Os prazos marcados pela lei são prorrogáveis nos casos expressamente nele previstos,
nomeadamente, no n.º 5 do art.º 446.º.
Nota: O novo Código Processual deixou de discriminar positivamente o Ministério
Público, ou seja, o mesmo passou a ser trata de igual forma como as outras partes na acção,
deixando, por isso de beneficiar da prorrogação de prazo para contestação prevista no código
anterior – art.º 486.º, n.º3.
Também, o novo código deixou de fazer menção a contestação das acções de simples
apreciação negativa, quando o réu justifique a necessidade da prorrogação, que era prevista no
antigo código no art. 486.º, n.º4. Entendemos que este caso continua a merecer atenção do
actual código em matéria de prorrogação, pelo que se enquadra no âmbito do n.º 5 do art.º
446.º.

Exemplo de requerimento de prorrogação de prazo

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito


Tribunal Judicial de …………………...

F….., Autor nos presentes autos, vem requerer a Vª. Exª a PRORROGAÇÃO DO
PRAZO DE RÉPLICA, nos termos e com os seguintes fundamentos:
1º - O Autor foi notificado da contestação/reconvenção do Réu em…/…/…
2º - O Réu invoca diversas excepções, algumas as quais só mediante a obtenção de
documentos, nomeadamente certidões de escritura notariais, é possível aferir da sua
veracidade.
3º - O Autor pretende apresentar a réplica, contudo apenas quando tiver a certeza de
que a sua posição corresponde à realidade dos actos notariais referidos em 2º.
4º - Face à complexidade das questões enunciadas, é demorada a pesquisa das
referidas escrituras, outorgadas há mais de vinte anos.
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Pelo exposto, requer a V.ª Ex.ª

Se digne conceder a prorrogação de prazo, por igual período, para


apresentação de réplica, por ocorrência de motivo ponderoso, nos termos do
art. 446.º, n.º 6 ex vi art.º 462.º

P.E.D
O Advogado.
______________

Despacho:
Os factos alegados pelo Autor constituem um motivo ponderoso que dificulta
anormalmente a organização da defesa reconvencional e da resposta às excepções
deduzidas pelo Réu.
Por conseguinte, prorroga-se o prazo da réplica, por igual período, nos termos do
art. 446.º,nº5 ex vi 462.º.
Notifique.

Prorrogação de prazos fixados pelo juiz

A sua prorrogação depende de deferimento do juiz, após requerimento fundamentado


pela parte.

Requerimento:

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito


Tribunal Judicial de …………………...

F….., Autor nos presentes autos, notificado para, em dez dias, juntar aos autos certidão
da descrição predial do prédio referido no art. 34.º da petição, face à demora da passagem
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da referida certidão pela Conservatória do Registo Predial de …., vem requerer a Vª Exª a
prorrogação do prazo por mais vinte dias.

Requer a notificação do réu.


P.E.D.
O Advogado
______________

Despacho:

Atentas as razões invocadas, e por não lhe ser imputada a demora na passagem da
certidão, defere-se a prorrogação requerida pelo prazo de vinte dias.
Notifique.

Incumprimento de prazo

Perda do direito de prática do facto


A falta de cumprimento do acto de prazo (peremptório) processual ou judicial importa a
extinção do direito da prática do mesmo – art.º 138.º, n.º3.
A falta pode ter como efeito:
 A revelia, se operante, quando o réu não conteste a acção:
 A impossibilidade de apresentação de prova.
Estas questões serão tratadas infra.

Remessa dos autos à conta


1. Verifica-se sempre que os actos estejam parados mais de três meses por culpa
da respectiva parte (ver Regulamento CP);
2. O prazo que refere o RCP inicia-se aquando da prática do último acto
processual, sendo improrrogável e não se suspendendo nos termos do art.º
140.º CPC, por estar em causa a inércia da parte.
3. Sendo proferido despacho a determinar a remessa dos autos à conta, deve o
mesmo ser notificado às partes, por ser susceptível de lhes causar prejuízo.
4. Continuando sem ser praticado o acto de que depende o impulso processual da
parte para a prossecução da acção, os autos ficam a aguardar o decurso de

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prazo de interrupção de instância – art. 258.º, e posteriormente, de deserção da
instância – art. 264.º
5. A parte que não tiver sido responsável pela ida do processo à conta, poderá
reagir contra a paragem do processo.
a) Praticando o acto em substituição da parte contrária, se tal for
processualmente admissível (exemplo: a junção de documento ou tradução);
6. Requerendo que o processo prossiga, independentemente da prática do acto,
quando este não seja essencial para o mérito da causa, aguardando que no
decurso do mesmo o acto seja ainda praticado.

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