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Director: Henri Dieuzeide

Chefe da redacção: Zaghloul Morsy


Adjunto: Alexandra Draxler

Perspectivas publica-se também:

e m Árabe : Mustaqbal al-Tarbiya (Unesco Publications Centre, I Talaat Harb


Street, Tahir Square, Le Caire, Egypte)

e m Espanhol : Perspectivas, revista trimestral de educación (Santularia S. A . de


Ediciones, calle Elfo 32, Madrid-27, Espagne)

e m Francês : Perspectives, revue trimestrielle de l'éducation (Unesco)

e m Inglês : Prospects, quarterly review of education (Unesco)

© Unesco, 1979
© para a tradução portuguesa. Livros Horizonte, Lda., 1979

Tradução realizada sob a responsabilidade de Livros Horizonte

Livros Horizonte
R u a das Chagas, 17, l.°-Dto. — Lisboa — Portugal
Impresso em Portugal
revista trimestral de educação
.

ÍHÍI Unesco

Vol. IX N.° 3 1979

Educação global e desenvolvimento da personalidade


Su mário Wincenty Okon 259
A educação e a comunicação numa perspectiva de futuro
Kjell Eide 273

Posições / Controvérsias
Reflexões sobre o ensino da geografia Jean Dresch 285
O educador e os «slogans» Olivier Reboul 293

Elementos para u m «dossier»:


Matemática para, a vida
Dispensar u m ensino utilitário da matemática
Max S. Bell 305
Matemática nova ou educação nova ? Hans Freudenthal 317
As calculadoras de bolso e a matemática na escola primária
Rolf Hedrén 329
Os media na formação matemática dos professores
do ensino primario na Polonia Zbigniew Semadeni 334
Os objectivos do ensino da matemática em África :
necessidade de u m reexame George S. Eshiwani 345
Programas de matemática : primeiros cuidados
Ricardo Losada Márquez e Mary Falk de Losada 353
Para onde vai o ensino da matemática? A experiência
indiana Manmóhan Singh Arora 358

Tendências e casos
O ensino pelo método de avaliação Chalva Amonachvili 367
U m exemplo de transformação do ensino:
o caso da Venezuela Gustavo F. J. Cirigliano 374

Revista de publicações 387


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traçado das suas fronteiras ou limites.
Winceníy Okoii

Educação global e desenvolvimento


da personalidade

Winceníy O k o n A educação global


(Polónia).
Professor de Educação
na Universidade de
O conceito de educação global a que se referem muitos espe-
1
Varsóvia. Presidente cialistas encontra-se actualmente muito divulgado n a Polónia.
do Comité das Ciências Diz respeito ao desenvolvimento do indivíduo sob a influência
da Educação da da educação, isto é, do ensino e da aprendizagem e m 'todos os
Academia das Ciências seus aspectos (incluindo o que se verifica fora da escola) e,
da Polónia.
Autor de numerosas indirectamente, no desenvolvimento da geração' miam jovem,
obras, entre as quais: da qual dependem, e m certa medida, a evolução e o progresso
O Processo do Ensino; da sociedade. Por desenvolvimento 'entendemos, pois, e m pri-
Fundamentos meiro lugar, a emergência de características desejáveis tanto
do Ensino Geral;
Elementos de Didáctica
para a sociedade como para o indivíduo. J3 verdade que o desen-
Universitária; volvimento pode assumir u m a direcção não desejável, devido
A Escola a processos não controlados o u incontroláveis, ou a acções des-
Contemporânea: tinadas conscientemente a influenciar os seres humanos, e que
Modificações e contrariam os interesses aceites pela sociedade e pelo h o m e m ,
Tendências (em polaco).
assim como o bem-estar do indivíduo. N ã o podemos colocar
no m e s m o plano o desenvolvimento socialmente desejável dois
dons inatos, da inclinação para a ciência ou do¡ talento1 artístico,
e a aquisição de hábitos c o m o os de fumar, beber o u droigar-se,
ou ainda de atitudes de falta de respeito pelo outro ou de
dominação dos seus semelhantes, embora este® dois tipo® de
desenvolvimento sejam o resultado de influências, voluntárias
ou não, exercidas pelo meio familiar, a escola, os colegas, os
indivíduos e os media.
E m Pedagogia e e m Psicologia, podemos idistinguir dois
modos de definir esta ideia de desenvolvimento1 da persona-
lidade. Para uns, este processo é essencialmente concebido' c o m o
u m a sucessão de fases consecutivas de desenvolvimento, durante
as quais surgem u m certo número de traços que, durante a fase
seguinte, abrem o caminho a outro conjunto die traços. Esta
concepção, que conta actualmente c o m muitos partidários, re-
clama-se da Psicologia de Piaget. A outra concepção, menos
divulgada, considera o desenvolvimento como u m processo de

259
Wincenty Okon

evolução orientada da personalidade do ensinado, que parte


de situações relativamente simples e imperfeitais para atingir
situações mais complexas e, e m certos aspecto®, mais próximas
da perfeição. Nesta acepção, o conceito de desenvolvimento é
sinónimo do de «progresso». C o m o se pode verificar, estabele-
cemos, no nosso trabalho, u m a distinção entre o conceito de
desenvolvimento e o de progresso, embora seja evidentemente
desejável que todo o esforço pedagógico tenda para o progresso.
à questão de saber, a que se refere este conceito de desen-
volvimento, poderíamos fornecer respostas diferentes segundo
os critérios adoptados e entre os quais grande parte se refere
às Ciências Sociais. Durante os últimos ¡anos, bem-se designado
por taxinomias os sistemas de critérios aplicados à actividade
pedagógica. O inconveniente destes critérios, ou taxinomias,
decorre do facto de o indivíduo e m crescimento ser tratado como
u m conjunto de características manipuladas pela Pedagogia
para os conduzir a u m desenvolvimento relativamente completo.
Neste aspecto, a classificação mais importante e t a m b é m a mais
simples (apesar de não ser frequentemente utilizada) é a que
distingue as características «relacionais» e as características
«direccionais». A s primeiras dizem respeito1 ao reconhecimento
da realidade pelo indivíduo e à sua influência sobre esta rea-
lidade, enquanto as segundas se referem ao modo- como se
define e m relação ao sistema de valores e à /escolha dos objec-
tivos que pretende ¡atingir na vida. Outros sistemas de clas-
sificação 'dividem a personalidade e m elementos mais n u m e -
rosos ou até, c o m o a célebre taxinomia de B . Bloom, n u m
número considerável de elementos.
Até agora, ainda não foi fornecida nenhuma resposta satis-
fatória à questão de saber se é possível, durante o processo
educativo, tratar o indivíduo (e a personalidade) e m cresci-
mento c o m o u m a entidade completa e u m todo indivisível.
Esta abordagem parece, n o entanto, a única capaz de asse-
gurar o desenvolvimento harmonioso e espiritualmente coerente
dos indivíduos, de atingir as camadas mais profundas da sua
personalidade e de actuar sobre eles de tal m o d o que, tirando
partido das suas próprias capacidades, todo o acto pedagógico
actue não só sobre u m a qualidade particular, u m a disposição
ou u m aspecto determinado da personalidade, concorrendo tam-
b é m para o desenvolvimento ¡das outras qualidades, disposições
ou aspecto® desta personalidade..
Se pretendemos tratar a personalidade coimo u m todo que
se desenvolve de maneira gradual e harmoniosa (o que está
na base do conceito de educação global), não podemos ignorar,
durante o processo destinado a actuar sobre ela, que esta se
caracteriza por u m certo número de funções essenciais que
exerce permanentemente, das quais decorre a sua existência
e que lhe permitem progredir. Trata-se, e m particular, do
conhecimento do m u n d o e de si m e s m o , da experiência vivida

260
Educação global e desenvolvimento da personalidade

do m u n d o e dos seus valores, enfim, d a actividade destinada


a modificar o m u n d o . Estas três funções-tipo do ser h u m a n o
encontranuse t a m b é m n a base do conceito de educação global.
O conhecimento do m u n d o e de si m e s m o desempenha u m
papel importante n a apreensão d a realidade pelo h o m e m . Por
vezes, foi até considerada c o m o o traço distintivo da humani-
dade. Empraga-se sempre o termo homo sapiens para definir
a espécie h u m a n a n o plano biológico, embora ele n ã o transmita
inteiramente a natureza d o h o m e m , pois o h o m e m é t a m b é m
u m ser de «valor» (homo valens) 2, que não se limita a des-
cobrir o munido, vivendo-© t a m b é m à medida que se desenvolve
a sua vida afectiva, eim simbiose estreita icom a sua vida
intelectual. O h o m e m é, ainda, u m ser que modifica o lambiente.
Poderíamos laplicar-lhe o termo homo faiber se não fosse capaz
de tirar partido dos dados adquiridos pela percepção para agir
de acordo c o m os objectivos q u e impõe a si m e s m o , teste-
munhando, assim, as ligações afectivas que estabelece c o m o
sistema de valores? Nestas condições, o homo concors ( h o m e m
de acordo consigo m e s m o ) é u m ser harmoniosamente desen-
volvido, s e m conflitos internos, que exerce a sua actividade
e m calda u m das três esferas q u e são a percepção d o m u n d o ,
a experiência vivida deste m u n d o e a transformação d o imundo.
É igualmente u m h o m e m criador (homo creator) que, apro-
fundando progressivamente o seu conhecimento d a realidade,
aplicando-lhe os seus valores e modifieando-a e m consequência,
se torna simultaneamente criador de obras e d e valores novos
e originais n o domínio d a vida socioeconómica, n a esfera d o
saber técnico e nos diversos ramos d a ciência e das artes.
H á muito que pedagogos e especialistas das Ciências Sociais
se interrogam sobre o problema de saber c o m o dispensar u m a
educação capaz de produzir seres harmoniosamente desenvol-
vidos; c o m o superar todas as limitações resultantes ida divisão
da sociedade e m classes, o que constitui, só por si, u m entrave
ao desenvolvimento global do indivíduo; c o m o reagir à persis-
tência dos vestígios n a sociedade d e classes n u m a sociedade
sem classes; c o m o transformar o ensino, apesar d a formação
dos professores ser ainda imperfeita; c o m o tirar partido d a
forte influência da vida social, apesar do nível geral d a cultura
e da educação ainda ser pouco elevado; finalmente, c o m o acele>
rar os progressos do ensino, apesar de as actividades educativas,
no sentido amplo, não beneficiarem de meios suficientes? Estas
condições, c o m o muitas outras, explicam que, no domínio d o
ensino, seja necessário partir praticamente sempre d o zero
e que, e m geral, nos esforcemos por introduzir brilhantes ideias
novas e maravilhosos objectivos pedagógicos n u m a realidade
ainda insubmissa.
O conceito de educação global é, de facto, u m programa
que pretende divulgar à partida, por intermédio das escolas
e de outros estabelecimentos de ensino, u m nível geral d e cul-

261
Wincenty Okon

tura ¡po.r meio de métodos pedagógicos mais aptos do que os


utilizados até agora para formar personalidades harmoniosa-
mente equilibradas. Esta concepção da cultura está inteira-
mente de acordo c o m a que partilham a maior parte dos
filósofos polacos e, mais especialmente, T . Koitarbinski. E m
sua opinião, a cultura define^se como «o produto da História
de u m a sociedade, a resultante de u m trabalho colectivo pos-
sível graças à compreensão e à utilização de u m a língua c o m u m ;
durante este processo, que tem e m vista a harmonização da
vida colectiva através do desenvolvimento das funções cogni-
tivas e da sua aplicação sob a forma de técnicas, as motiva-
ções pré-culturais dão origem a novas motivações, cada vez
mais sublimadas: os impulsos são cada vez mais controlados;
as reacções imediatas são substituídas por acções planificadas
a longo termo, os afectos agressivos dão lugar a emoções de
carácter mais pacífico» s .
Esta definição da cultura conta entre os seus principais
factores, para além da ideia da sua evolução histórica e das
suas ligações c o m a língua e a evolução da Vida social, c o m
os três elementos de base do conceito de educação (global, ou
seja, o desenvolvimento das funções cognitivas, o desenvolvi-
mento da motivação e da vida afectiva, e a utilização da
Ciência no domínio técnico. Examinaremos agora estes três
aspectos, salientando as formas de actividade que os alunos
praticam sob o impulso dos professores e que, nas condições
actuais, podem contribuir eficazmente para o desenvolvimento
de personalidades harmoniosamente equilibradas.

Percepção da realidade
e assimilação do saber adquirido

A capacidade de aprender é a faculdade mais importante do


h o m e m ; a ela se deve o desenvolvimento de todas as suas
disposições e de toda a sua personalidade. Aprender é u m a
das actividades que se prolongam por toda a vida e que per-
mitem que o h o m e m adquira novas formas ide comportamento
e de acção ou modifique atitudes anteriormente adquiridas.
Esta actividade não é única, m a s as outras forma® de acti-
vidade h u m a n a — o jogo, o trabalho e as diversas actividades
sociais — contêm, todas elas, determinados elementos de apren-
dizagem.
A maneira mais simples de aprender situasse, para o h o m e m ,
ao nível cognitivo *. Podem distinguir nse três formas: a apren-
dizagem pela observação, o reflexo condicionado, a aquisição
dos conhecimentos.
A aprendizagem pela observação resulta de u m a modifi-
cação durável da percepção de determinado objecto (ou de
determinado acontecimento) na base de observações anterior
res do m e s m o objecto ou de u m objecto semelhante. Estas

262
Educação global e desenvolvimento da personalidade

modificações resultam d o facto de, quando observamos objectos,


os apreendermos c o m u m a clareza e u m a precisão crescentes,
a ponto de atingir o grau de acuidade d o botânico que é capaz
de distinguir malhares de plantas diferentes, o u do prosador
de vinhos que é capaz de reconhecer centenas ide colheitas.
O reflexo condicionado de base é u m a forma de aprendi-
zagem cognitiva que consiste, para o ¡sujeito, e m associar
dois estímulos sensoriais, c o m o uim objecto e u m s o m . S e este
som for escolhido c o m o estímulo condicional destinado a pro-
vocar determinada reacção, obteremos a m e s m a reacção sim-
plesmente à vista d o objecto e m questão. A coincidência n o
plano temporal conduz, de facto, a u m a associação de estímulos1
«no pensamento» d o sujeito.
A aquisição do saber, que é a terceira forma d a aprendi-
zagem cognitiva e a mais importante, encontrasse hipertro-
fiada no ensino actual e os professores devem conhecer o seu
funcionamento actual nos mais pequenos pormenores. Apre-
senta c o m o ponto de partida u m a determinada situação, que
tem por efeito estimular u m a parte do sistema nervoso, criando,
por conseguinte, modificações no seio das combinações que já
fazem parte deste sistema e que foram precedentemente inte-
gradas. Graças a estas modificações, a reacção à situação
dada, o u a qualquer outra situação de efeito estimulante, será
diferente da que teria tido lugar anteriormente. Donald O . H e b b
designa esta modificação diferencial por «saber». O «saber»
não é u m a reacção específica a u m estímulo dado, m a s « u m a
modificação das tendências para reagir perante qualquer u m a
das inúmeras situações de efeito estimulante» 5 . Graças a o seu
saber, o h o m e m encontra-se e m condições de produzir u m a
reacção diversificada perante o m e s m o objecto, tirando assim
partido da sua experiência anterior. A l é m disso, adquire a
capacidade de produzir u m grande n ú m e r o de reacções poten-
ciais perante os diversos estímulos que se p o d e m apresentar
futuramente. Contudo, não basta possuir conhecimentos para
ser capaz ide agir. Quando aprendemos alguma coisa, sentimo-
-nos satisfeitos e, n a maior parte das vezes, temos tendência
para a esquecer rapidamente. É por meio d o «reforço» dos
conhecimentos que lutamos contra o esquecimento 6 .
A actividade cognitiva d o sujeito baseianse n a percepção
directa da realidade e a sua importância é fundamental. S e
admitirmos que o objecto primordial d e todo o conhecimento
não é a informação sobre o m u n d o , m a s o próprio mundo',
isto é, a natureza, a vida social, a cultura e a economia, tere-
m o s determinado a origem deste saber. Esta origem n ã o pode,
pois, encontrar-se n u m manual escolar; ela é essencialmente
a própria realidade, isto é, objectos, processos, acontecimentos
particulares, assim c o m o as suas ligações, interacções mútuas,
tudo aprendido, tanto quanto possível, e m condições e situações
naturais. O s rios e as montanhas, as plantas e os animais,

263
Wincenty Okon

os homens e o fruto do seu trabalho, os processos naturais


e sociais, as instituições e as estruturas ¡sociais, os recursos
culturais, tudo deve alimentar e fecundar a imaginação do
ensinado e transiormar-se na base d o seu conhecimento do
m u n d o . É nesta base que podemos edificar uim saber indirecto
de carácter geral e, portanto, privado de todo o sentido con-
creto. Este último tipo de conhecimento adquire-se sobretudo
a partir de fontes impressas e, e m meio escolar, através de
manuais. Tendo e m conta que o saber transmitido sob esta
forma «pré-digerida» assume u m carácter abstracto' e rara-
mente requer a imaginação do sujeito, torna-se mais real, pelo
menos e m parte, pela utilização de diversos métodos ide ensino
que servem para aproximar as abstracções d a irealidade.
Deste m o d o , a actividade perceptiva dos estudantes baseada
na aquisição de conhecimentos, directamente a partir do m u n d o
que os rodeia, e t a m b é m sob forma «pré^digerida», essencial-
mente a partir de fontes impressas, pode assumir várias
formas, às quais professores e alunos recorrem com os seguin-
tes fins:
Utilização completa do meio escolar c o m o fonte de estímulos;
Selecção das fontes mais interessantes de conhecimentos sob
forma «pré-digerida» ;
Utilização de métodos de aquisição dos conhecimentos que
permitam prolongar o período de retenção;
Utilização de métodos eficazes de retenção do saber, pela repar-
tição judiciosa dos conhecimentos adquiridos e pela sua
aplicação n a acção;
Controlo de si m e s m o e do processo de aquisição dos conhe-
cimentos.,
Esta variedade de situações e de estímulos pedagógicos,
que conduzem à aprendizagem por assimilação, é realizável
e m toda a escola aberta para o ambiente e dispondo de meios
adequados para assegurar simultaneamente ensino e educação.

A observação e m meio escolar

O estudo da realidade pode fazer-se por observação directa,


ou por intermédio de informações «pré-digeridas» sobre as
aquisições do saber humano. N ã o se trata, porém, neste último
caso, senão de u m a parte dos conhecimentos que o h o m e m
pode adquirir. C o m o é evidente, n u m grande número de esco-
las, esta parte é considerada como o todo; m a s , n u m a escola
moderna, atribuinse grande importância ao estudo independente
do m u n d o pelo aluno, confrontándolo c o m problemas que devem
ser resolvidos pelo seu próprio esforço de reflexão e que o
conduzem a considerar a complexidade do m u n d o .
Trata-se de algo que é particularmente indispensável durante
os oito a dez primeiros anos de estudos, embora, durante toda
a vida, o h o m e m deva encontrar -se e m condições de resolver

264
Educação global e desenvolvimento da personalidade

problemas. M a s é nos quinze primeiros anos de vida que assume


u m a importância crucial pois, segundo u m a opinião largamente
divulgada entre os psicólogos, é pelos quinze anos que a inte-
ligência adquirida (ou inteligência B ) atinge o seu ponito cul-
minante. Passado este ponto, o h o m e m apenas poderá aumentar
o seu stock de 'experiências vividas, que v ê m inserir-se nas
estruturas intelectuais formadas durante os quinze primei-
ros anos. Pela nossa parte, estamos mteiramente de acordo
com J. Kaiser quando afirma que «durante o período que pre-
cede a fase de estabilização da inteligência B , os educadores
devem insistir muito particularmente nas actividades desti-
nadas a resolver problemas e a favorecer a verbalização do
raciocínio, e devem limitar a aprendizagem mecânica deco-
rada» ' r .
A actividade intelectual real, a que nos referimos, consiste
no desenvolvimento das capacidades de intelecção e sobretudo
da imaginação e do raciocínio. O estudante não poderá desen-
volver estas capacidades limitando-se a aprender a informação
já preparada. M a s ipoderá fazê4o enfrentando problemas ou,
mais precisamente, se for conduzido a formular problemas,
a resolvê-los e a verificar se as soluções são correctas.
O s pedagogos polacos precisaram este conceito de «pro-
blema». N o plano subjectivo, trata-ise de u m a dificuldade prática
ou teórica de que o sujeito se apercebe e que só pode ¡resolver
pelos seus próprios esforços de investigação. N o plano objectivo,
trata-se de u m a estrutura da qual se encontram ausentes certos
dados. A tarefa de q u e m procura ¡resolver o problema consiste
e m descobrir os dados ausentes (que não conhece) e a resti-
tuir a sua integridade à estrutura. O s dados e m questão são
simplesmente elementos da estrutura, ou relações ou inter-
conexões entre estes elementos. Por veaes, a dificuldade con-
siste e m 'encontrar os elementos que faltam ou, quando há
excesso de elementos, e m determinar os que são convenientes;
por vezes, é necessário descobrir u m a relação real entre os
elementos ou entre as partes e o todo. Frequentemente, encon-
tramonnos e m presença de problemas e m que é necessário en-
contrar simultaneamente os elementos e a sua ¡relação. O grau
de dificuldade é função da quantidade de dados ausentes.
O s processos de aprendizagem pelo método dos problemas
são radicalmente diferentes dos que intervêm na aprendizagem
cognitiva de que falámos anteriormente. Neste último caso,
as respostas finais são fornecidas pela realidade e basta apreen-
der, c o m maior ou menor acuidade, os seus fragmentos; podem
também ser fornecidas por fontes de conhecimentos «pré-dige-
ridos», preparados por outros. N o primeiro caso, pelo contrá-
rio, o ponto de partida consiste n u m a situação problemática
que conduz o aluno a procurar e a formular o problema, a
encontrar ideias de solução e a verificá-las. O sucesso do
indivíduo nestas três fases fundamentais é sobretudo função

265
Wincenty Okon

do seu grau de objectividade e da sua capacidade de invenção,


sem a qual será incapaz de tomar iparte na procuna ¡de soluções1.
M a s , n e m todos possuem esta faculdade; ela desenvolvere à
medida que o indivíduo toma iparte na solução de problemas
variados e só se revela e m presença de u m problema.
O psicólogo soviético A . M . Matiouchkine define a «situação
problemática» como u m a «forma particular de ligação intelec-
tual entre o sujeito e o objecto». Esta situação caraieteriza-se
por u m estado psíquico particular do sujeito (o aluno) que
persiste enquanto efectua a tarefa que consiste e m encontrar
(isto é, e m descobrir ou assimilar) informações novas ou
métodos de acção que até então ignorava8. Por outras pala-
vras, a «situação problemática» é u m a estrutura não- típica
e relativamente difícil, composta por elementos concretos ou
abstractos e pela sua relação interna, e m face da qual se
encontra u m sujeito que apenas possui u m conhecimento par-
cial proveniente de situações até certo ponto semelhantes, e que,
além disso, ignora a maneira como é possível completar os
elementos e as relações, corrigi-los, se necessário, ou ordená-
-los segundo u m a regra que, precisamente, lhe compete desh
cobrir.
Quando, n u m a lição, é proposta u m a «situação problemá-
tica», quer seja especialmente inventada pelo professor ou
descoberta espontaneamente pelos alunos, estes devem começar
por tomar consciência da própria existência do problema (ou
dos problemas) e, e m seguida, apresentar unia formulação.
C o m o é evidente, esta actividade requer u m certo saber e a
capacidade de o aplicar, assim como u m a certa experiência,
m a s exige sobretudo imaginaçãoi, u m a imaginação criadora
desenvolvida, necessária para contrabalançar a influência dos
esquemas cognitivos adquiridos e piara propor ideias novas.
Tratanse de u m a fase extremamente importante do processo
de resolução de u m problema. O indivíduo que enuncia u m
problema isentir-se-á muito mais desejoso de procurar a sua
solução do que se o problema lhe for proposto pelo professor
ou peto manual escolar.
A fase seguinte é a da criação de ideias (ou de hipóteses)
sobre o m o d o de resolver o problema. O processo, neste caso,
é totalmente distinto do que encontraremos n a fase de verifi-
cação; exige u m a grande agilidade intelectual, u m a imaginação
b e m desenvolvida e muito talento. Depende, e m grande parte,
da própria situação, consoante se trate de descobrir qualquer
coisa ou de criar algo de novo e de original. O s problemas
que surgem durante u m a lição de Física, de Biologia, de Quí-
mica ou de Geografia procuram habitualmente conduzir à des-
coberta de certas constantes, ou leis da natureza. A inteligência
aplicada neste domínio é «centrípeta», pois o pensamento con-
centra-se no ponto que permitirá descobrir a lei procurada.
O grau de liberdade é, pois, muito restrito, visto que o aluno

266
Educação global e desenvolvimento da personalidade

não pode descobrir nada para além de u m a lei (uma constante


ou u m a regra) b e m determinada; existe apenas u m a solução
exacta, e só u m a , à qual, de certo m o d o , é preciso chegar.
Muito diferente é o pensamento dito «centrífugo», que se encon-
tra no ensino de muitas outras disciplinas, mais especialmente
nas letras e nas artes (literatura, música, pintura, escultura)
e no domínio técnico. O s problemas submetidos a este tipo de
reflexão são, e m grande parte, problemas «livres», pois o número
de soluções possíveis não é limitado. É impossível enumerar as
diferentes maneiras de redigir u m a dissertação; o m e s m o acon-
tece c o m os diferentes métodos de realização de u m projecto
técnico ou de execução de u m a obra pictórica.
A terceira fase é a da verificação das soluções propostas
para resolver o problema e m questão. Esta verificação pode
ser de ordem teórica ou prática, Reencontramos, aqui, a impor-
tante distinção entre problemas do tipo «descoberta», e m que
se toata de comparar a lei salientada coim outras leis e a sua
aplicação prática, e problemas suscitados pela técnica ou pelas
belas-artes, onde a verificação se exerce sobre o maior ou
menor grau de perfeição das obras segundo critérios técnicos
ou artísticos. É significativo que, durante muitos anos, os esta-
belecimentos de ensino se tenham desinteressado dos proble-
m a s de tipo «criador» e do desenvolvimento do pensamento
«centrífugo». O que certamente se deve ao facto de, outrora,
se atribuir apenas u m interesse limitado' a 'qualidades como
o talento, a agilidade intelectual, o espírito de iniciativa, a ima-
ginação ou o sentido artístico, embora sejam desejáveis para
todos.

A experiência vivida dos valores e a afectividade

Até agora, considerámos o h o m e m como u m ser que pensa


e descobre o m u n d o passivamente, por assimilação, e muito
activamente, por investigação. Estas dois métodos de instrução
estão intimamente ligados e permitem que oi aluno domine a
ciência moderna e desenvolva simultaneamente as suas próprias
qualidades cognitivas: inteligência, faculdade de observação,
imaginação, atenção e memória. Servindo de base, desde muito
cedo, à formação intelectual, 'estas qualidades dão origem a
u m a atitude científica, constituem os fundamentos de u m a
concepção científica do m u n d o e desenvolvem traços de carác-
ter como a honestidade intelectual, o espírito' de iniciativa,
o talento e a sinceridade. Poderíamos pensar que O' desenvol-
vimento destas qualidades, que ultrapassam largamente as que,
e m geral, se esforçam por desenvolver muitas escolas medío-
cres e m todo o m u n d o , é o objectivo fixado pelas escolas
modernas. M a s tal não acontece.
Ê evidente que a educação e a formação intelectual cons-
tituem factores essenciais para o desenvolvimento d a persona-

267
Wincenty Okon

lidade e preparação da geração mais jovem para as tarefais


que a esperam nesta época de revolução' científica e técnica
e de enormes transformações na vida das sociedades e da
humanidad© e m geral. M a s , estas transformações brutais e
o sentimento de insegurança que originam não provirão da
destruição do ambiente natural do h o m e m , do aparecimento
de novas doenças, da diminuição das reservas de matérias-
-primas e do super-armamento ? N ã o serão o resultado do
culto exclusivo da razão a que se entrega o m u n d o inteiro,
originando a atrofia progressiva dos sentimeintos humanos
mais elevados;?
A esta questão, tão vital para a educação dos nossos con-
temporâneos, o eminente humanista polaco Antoni Kepinski
forneceu recentemente1 u m a resposta, na sua obra intitulada
Melancolia: «O problema da evolução da vida afectiva paretee-
-rne assumir, nesta época de crise da nossa cultura, u m a impor-
tância capital. O salto que a humanidade deve dar n a sua
evolução para se adaptar às súbitas transformações nas suas
condições de vida, resultantes da revolução científica e técnica,
deve consistir n u m a transformação da sua afectividade e n u m a
elevação do nível cultural da sua sensibilidade» 9 . A adver-
tência de Kepinski, exortando a u m a «transformação d a afec-
tividade», isto é, a u m a modificação' da atitude que consiste
e m aproveitar os resultados da ciência sem nos preocuparmos
com as consequências que daí resultam:, assume u m a impor-
tância primordial no domínio da educação da juventude. Nesta
via, poderiam ter sido feitos enormes progressos através de
u m a modificação radical do sistema educativo e dos esquemas
de pensamento dos professores. Ora, o conceito de «'educação
global» responde precisamente a esta exigência, pois a apren-
dizagem por meio da experiência vivida 'contribuirá para o
desenvolvimento da vida afectiva da criança e do adolescente,
o que, por sua vez, permitirá proceder miais facilmente ao
«salto na evolução da humanidade» de que A . Kepinski fala.
Aprender «no seio da vivência» requer a eiriação<, tanto na
escola como fora dela, de situações destinadas a suscitar expe^
riências afectivas sob o efeito de valores judiciosamente apre-
sentados, que se encontram n u m a obra literária, n u m a peça
de teatro, n u m filme, n u m quadro, n u m a escultura, na arqui-
tectura, na música, na actividade do h o m e m ou ainda nas
belezas da natureza, no encanto de u m a montanha, n a calma
de u m fim de tarde, ou até na simples expectativa de u m
grande acontecimiento, Estes valores são criados pelo h o m e m ,
ou encontram-se presentes na natureza ou na vida. Todos eles
comportam algo de precioso que devemos à inteligência do
h o m e m , às forças da natureza ou às leis que regem, a vida.
N e n h u m ser capaz de descobrir este algo de precioso, e de
sentir simultaneamente emoção, poderá ficar indiíerente¡ perante
o m u n d o dos valores. Respeitá-íos-á e combaterá tudo o que

268
Educação global e desenvolvimento da personalidade

comporte u m a ameaça para eles ou os contrarie. A experiência


vivida do inundo dos valores é simultaneamente u m a escola
de raciocínio que permite alargar progressivamente a escala
dos valores positivos ou negativos, e u m a escola de acção- e de
coragem.
A experiência vivida é, portanto, u m sinal da relação que
o sujeito estabelece c o m os valores morais, sociais, políticos,
estéticos e científicos. Esta relação não é compreendida por
todos da m e s m a maneira. V e m o s que certos autores separam
nitidamente os processos cognitivos, que desaguam por «rela-
cionais», dos processos de julgamento, designados por «direc-
cionais». Outros, pelo contrario, afirmam que não é possível
separar estas duas categorias de processos. Entre eles, cita-
remos o psicólogo polaco J. Reykowski, para q u e m os processos
de orientação e de raciocínio estão intimamente associados:
«O desenvolvimento de atitudes positivas de sociabilidade, diz,
está ligado o da rede perceptiva.» Além disso, sublinha que
«devemos ter e m conta pelo menos dois fenómenos impor-
tantes: a criação de u m eu estruturado) condição necessária
para reagir as necessidades dos seus semelhantes) e o desen-
volvimento do pensamento operatório (condição necessária para
o funcionamento da norma de justiça) » 10. Bogdan Nawroc-
zynski é, por seu lado, representante da corrente que, no seio
da reflexão pedagógica polaca, associa os processos Cognitivos
aos procesaos afectivos e de avaliação.
Peda minha parte, tendo adoptado u m ponto de vista seme-
lhante desde há longos anos, e recusando-me a traçar u m a linha
de demarcação entre ensino e educação, interroiguei-me muitas
vezes sobre o facto de a experiência vivida dos valores deixar
traços tão duráveis não só na «rede perceptiva» do indivíduo
como t a m b é m na sua maneira de enfrentar a vida e nas ati-
tudes e m relação a certos valores. Cheguei à ¡conclusão de que,
na experiência vivida dos valores, se encontram e m presença
elementos intelectuais e cognitivos (atendendo a que o conhe-
cimento destes valores reage, por sua vez, à intensidade da
experiência) e elementos afectivos e cognitivos, podendo estes
últimos seir predominantes na fase crucial da experiência.
Assim, dois aspectos da natureza h u m a n a se encontram e m
presença n u m a experiência vivida: os processo© de ardem
cognitiva, que nos fornecem razões no plano- intelectual, e os
processos de ordem afectiva, que podem proporcionar-nos u m a
satisfação total neste plano ou, pelo contrário, suscitar u m
sentimento de desprazei- e de desaprovação. Dispomos agora
de u m a base suficiente para nos permitir definir a nossa pró-
pria atitude e m relação aos julgamentos de valor e aos inci-
tamentos à acção que daí decorrem.
A aprendizagem por meio da acção conduz, pois, a resul-
tados que podem desempenhar u m papel importante no- -desen-
volvimento da personalidade. Entre eles, devemos incluir a

269
Wincerrty Okon

cognição, sobretudo die ordem subjectiva, que se refere ao aluno


c o m o ¡sujeito conhecedor, e ao h o m e m e m geral, às suas acções
e criações, à estrutura social e ao conjunto d a cultura. Esta
cognição não deve ser desprezada pois, devido às condições
afectivas que a acompanham, penetra profundamente na nossa
consciência. M a s , o que é ainda mais importante, é o despertar
dos sentimentos, e m particular dos sentimentos elevados, que
permitem que os jovens superem as suas atitudes egoístas
e se dediquem ao próximo, à sua pátria e ao progresso universal.
Só ¡através da prática frequente das formas de actividade liga-
das ao domínio das emoções o h o m e m poderá desenvolver
gradualmente a sua maturidade afectiva, tal c o m o desenvolve
a sua maturidade intelectual ou física, U m a da® consequências
importantes da aprendizagem por meio da experiência vivida
reside na clareza do raciocínio, qualidade que não pode ser
adquirida por meio de processos cognitivos, m e s m o elevados
ao m á x i m o .

Acção e trabalhos práticos

A actividade intelectual termina no limiar da actividade afectiva.


N ã o podemos conceber u m a actividade prática da qual possa
ser banida, sobretudo quando se trata de aplicar correctamente
u m saber teórico. A capacidade de distinguir nos conhecimentos
teóricos o que poderá adaptar-se correntemente à vida prática
e a aptidão para utilizar o saber para u m a transformação
racional da situação existente desempenha u m papel primor-
dial na vida social de hoje. Estes factos não podem, pois, ser
ignorados no ensino moderno. Este deve ter por missão colocar
frequentemente os alunos e m situações onde sejam conduzidos
a resolver problemas de ordem prática, técnica, produtiva ou
sociológica. Estes problemas permitem-lhes penetrar n o valor
social do saber acumulado pela humanidade, e desenvolvem
simultaneamente a sua faculdade de criação.
A actividade de tipo produtivo encontra a sua expressão
na solução de problemas práticos e e m toda a função de pro-
dução. Consiste e m transformar a realidade, e m criar algo que
não existia até então. Assim, podemos incluir nesta rubrica
tarefas que decorrem da indúsria, da agricultura, da criação
de gado ou ainda das belas-artes e da vida quotidiana. Muitos
educadores reputados, c o m o Fellenberg, O w e n e Blonski subli-
nharam o valor tanto cognitivo como educativo deste tipo de
actividade. N ã o é possível conceber u m a escola moderna que
não ofereça u m leque amplo e diversificado de actividades
deste género.
H á muitos anos que os educadores soviéticos realizam inves-
tigações para estabelecer u m a ligação racional entre os pro-
cessos produtivos e os seus pressupostos teóricos; daí resultou
a elaboração do conceito de ensino «politécnico». Ã luz deste

270
Educação global e desenvolvimento da personalidade

conceito, a aprendizagem pela acção adquire u m novo signi-


ficado, pois começam a incorporar-se actividades de carácter
prático ou técnico no ensino de várias disciplinas fundamentais
como a Física, a Química, a Biologia, a Geografia, a Mate-
mática, o Desenho Industrial, para não falar do ensino da
tecnologia e dois princípios de base da produção. Por outro lado,
e m virtude do princípio que consiste e m combinar a teoria
e a prática, o processo da praxis deve conduzir não só ao
domínio de operações técnicas práticas, c o m o t a m b é m à com-
preensão dos princípios científicos da produção de energia, da
técnica e d a tecnologia.
O conceito de aprendizagem pela acção é, evidentemente,
muito mais extenso do que o de ensino politécnico. M a s o que
conta essencialmente é a combinação da teoria científica e dos
trabalhos práticos e m todas as disciplinas ensinadas. C o m o
sublinhei n a obra Procesie miuczania, os dados científicos devem
estar na base da formação escolar. Estes dados são necessários
para o ensino dos mecanismos e para a formulação das diversas
normas com que a acção se deve conformar. Assim concebida,
a aptidão para executar surge como a aptidão para aplicar
diversas regras (normas, princípios) durante o cumprimento
da tarefa e m questão.
A aprendizagem pela acção pode, portanto, assumir diver-
sas formas. A menos pedagógica é a que proporciona a aqui-
sição de mecanisimos físicos isolados, sem estabelecer ligações
entre a tarefa a realizar e os seus pressupostos científicos.
Este método encontra-se nas formas tradicionais de ensino
e m vigor, sobretudo nas escolas profissionais e durante a ins-
trução militar. O valor pedagógico global deste método é ínfimo,
na medida e m que se limita a inculcar mecanismos puramente
manuais. Muito diferente é o valor educativo e pedagógico
das actividades no seio das quais teoria e prática se encontram
intimamente ligadas. Este método permite não só que o> aluno
aprenda mecanismos e hábitos (que não p o d e m adquirir-se
simplesmente por adaptação ou percepção, u m a vez que se
trata de processos cognitivos), m a s t a m b é m que assimile — c o m
grande economia de tempo e esforço— conhecimentos mais
extensos e mais enraizados, cuja validade e valor prático poderá
verificar.
A posição mais importante cabe, porém, às actividades
e m que se combinam orientação e informação, que exigem
independência do sujeito e o obrigam simultaneamente a for-
mular e resolver problemas práticos, isto é, a dar provas de
criatividade técnica. Este tipo de ensino tem ainda o efeito
de desenvolver a reflexão, a imaginação e a habilidade técnicas,
de iniciar a racionalização e, e m geral, de despertar o gosto
pela invenção no domínio técnico.
O valor que caracteriza todas as formas de actividade déve-
rse à importante influência educativa que exercem sobre a

271
Wincenty Okon

vontade e o carácter, assim como sobre a formação de quali-


dades específicas como a adopção de u m a atitude correcta
e m relação ao seu próprio trabalho, à propriedade social e
privada, ao trabalho como tal e todos os que o realizam.
Se não nos preocuparmos suficientemente c o m o desenvolvi-
miento destas qualidades, será difícil conceber que a jovem
geração possa prepararle convenientemente para assumir,
chegado o momento, as tarefas que deverá desempenhar na
vida e m sociedade.

Notas

1. Ver, e m particular, W . O K O N , Podstawy wyksztalcenia ogólnego, Varsóvia,


1967; 3." edição, 1976.
2. O termo «valor» é utilizado na acepção que lhe confere T . Kotarbinski:
« U m h o m e m "de valor" é, portanto, u m h o m e m capaz de viver com honra.»
Ver T . K O T A R B I N S K I , Medytacje o zyciu godziwym, Wiedza Powszechna,
Varsóvia, 1966.
3. T . K O T A R B I N S K I , op. cit., pp. 35 e 36.
4. Donald O . H E B B , Podrecznik psychologii, pp. 154 e seguintes, P W N , Var-
sóvia, 1969.
5. Donald O . H E B B , op. cit., p. 163.
6. N a minha obra Procesie nauczania, P Z W S , Varsóvia, 1966, encontrar-se-ão
numerosas indicações sobre o reforço.
7. Jan K A I S E R , «Zagadnienie akceleracji rozwoju fizycznego, intelektualnego
i spolecznego dzieci i mlodziezy», Przeglad pedagogiczny, n.° 4, 1974.
8. A . M . M A T I O U C H K I N E , p. 193, Problemnye situacii v obucenii, Pedagogika,
Moscovo, 1972.
9. A . K E P I N S K I , Melancholia, p. 219, P Z W L , Varsóvia, 1974.
10. J. R E Y K O W S K I , «Rozwój sieci poznawczej a zachowanie allocentryczne»,
Studia psychologiczne, vol. X V , Wroclaw, 1976.

272
Kjell Eide

A educação e a comunicação
numa perspectiva de futuro*

Kjell Eide Quando examinamos os resultados dos estudos de futurologia,


(Noruega). não ¡podemos deixar de pensar na história do aborígene aus-
Director-geral
do Departamento traliano que quis mudar de boomerang, mas não conseguiu
de Investigação livrar-se do antigo.
e de Planificação E m termos de futurologia, significa simplesmente que não
no Ministério da é possível mudar de paradigmas como se muda de fato. U m
Educação. Autor de
numerosas pubicações indivíduo — ou u m grupo — necessita de muito tempo e esforço
no domínio para elaborar paradigmas de certo ¡modo coerentes que o domi-
da planificação narão durante o resto da vida, e nos quais introduzirá apenas
e da política
educativas. alguns aperfeiçoamentos. Os estudos de futurologia deveriam,
contudo, em princípio, fornecer-nos u m certo auxílio. N a ver-
dade, a maior parte testemunha simplesmente a nossa incapa-
cidade para abandonar as ideias ultrapassadas.
A o expor alguns aspectos das inovações a considerar e m
matéria de educação e de comunicação, não pretendo libertar-
-me destes limites do pensamento humano'. Mas estou conven-
cido de que, na medida e m que conseguirmos ultrapassá-los,
nos aproximaremos sensivelmente de u m a apreciação correcta
do que poderá ser o futuro das nossas sociedades.

Inter-relações da educação
e da comunicação

Existe u m a ligação entre estes dois domínios que se impõe


imediatamente ao nosso espírito: a educação pode ser consi-
derada u m aspecto importante da função geral de comunicação
na sociedade. É através dela que procuramos, com a ajuda da
comunicação, modificar os comportamento® individuais e as
transformações assim conseguidas constituem u m a das razões
de ser da função geral de comunicação.
O melhor meio de a compreender consiste e m recorrer ao
conceito de aprendizagem (learning). A comunicação conduz

* Texto inspirado na alocução de abertura de u m seminário nórdico sobre futu-


rologia, realizado sob os auspícios do Conselho ministerial nórdico de 18 a 20
de Abril de 1978, e m Rungstedgaard, Dinamarca.

273
Kjell Eide

a transformações de comportamento parque, necessariamente,


os participantes no processo aprendem algo uns com OÍS outros.
Aprendem coisas que não sabiam, compreendem certas coisas
melhor do que anteriormente, ou sofrem nã® sabemos bem
que influências capazes de modificar o seu comportamento.
Mas é também precisamente o que procuramos realizar por
meio da educação:. A escola é a forma institucionalizada de
aspectos importantes da comunicação nas nossas sociedades.
A tradição pretende que a escola se dedique mais parti-
cularmente à informação destinada aos jovens. Mas, actual-
mente, esta limitação funcional tende a desaparecer. A edueação>
tem sido mais orientada para objectivos específicos que dife-
rem da comunicação no sentido geral do termo. Como a escola
se baseia e m modificações especificas do comportamento con-
sideradas desejáveis nos alunos, o modo de comunicação que
representa foi dominado por u m dos parceiros: o< professor.
Também neste aspecto as distinções tradicionais se apagam
progressivamente. A escola compreende cada vez melhor que
u m a boa situação de aprendizagem exige frequentemente u m a
reciprocidade na comunicação e definições menos estreitas dos
seus objectivos. U m verdadeiro ensino deve estar ligado ao que
é significante para o aluno e não pode baseasse unicamente
nas 'modificações particulares que outros gostariam de intro-
duzir no seu comportamento.
Podemos perguntar se o conceito de aprendizagem engloba
todos os aspectos essenciais da educação e da comunicação.
Comunicação significa também vivência, para além do que a
noção de aprendizagem pode abranger. É graças a ela que nos
descontraímos, que vivemos intensamente e que exprimenta-
mos sentimentos de calor humano e de solidariedade. Ê evi-
dente que também beneficiamos dos seus ensinamentos, m a s
o interesse essencial da comunicação reside no facto de enri-
quecer a nossa vida e de lhe conferir mais ¡sentido'. D e resto,
esta afirmação também é válida para o sistema de ensino,
cuja importância não se deve unicamente aos «produtos» que
dele decorrem. Passamos u m a parte importante da nossa vida
na escola. É aí que nos preparamos para o futuro e que rea-
lizamos a experiência das nossas relações com o outro e, se
o direito do homem à felicidade existe, estendesse também ao
tempo passado na escola. Devemos assumir a ideia de que
é essa u m a idas suas finalidades essenciais, sem nos deixarmos
hipnotizar pelo que poderão ser os efeitos potenciais da apren-
dizagem.
Se pretendemos aprofundar esta ideia u m pouco superficial
que apresenta a escola como parte integrante da função geral
da comunicação na sociedade, terão sentido algumas obser-
vações sobre o equilíbrio entre a comunicação no> sistema
educativo e a função geral da comunicação.
E m minha opinião, o ambiente escolar transformou^e p-ro-

274
A educação e a comunicação numa perspectiva de futuro

fundamente nos últimos anos. Já não se trata de u m a sociedade


e m que o conhecimento e a informação eram ibens tão raros
como preciosos e e m que a escola -gozava do monopolio quase
total da transmissão do saber às crianças e aos míenos jovens.
Vivemos n u m a sociedade de abundância da informação' e m que
o ¡monopólio que a escola detinha, neste campo, se encontra
destruído. Esta destruição demonstrou necessariamiente inci-
dências profundas sobre o funcionamento das instituições de
ensino. A posição de autoridade da escola como transmissora
do saber foi liquidada; até m e s m o as crianças têm facilmente
acesso a u m a informação que não se adapta à que a escola
pretende comunicar. A escola já não pode proteger-se contra
estas antinomias pretendendo que já não existem. Proceda como
proceder, a informação chega aos alunos e cria neles o sen-
timiento de que a informação tradicional fornecida pela escolia
perdeu o seu carácter essencial. O s esforços envidados para
assegurar à escola o seu papel de transmissora de u m a verdade
mancada pela selo oficial correm o risco de obrigar os alunos
a desviar-se para outras fontes de informação e de conheci-
mentos que os interessem, obtidas através de u m a comunicação
e m dois sentidos que lhes permita avaliar por si o valor da
informação.
Esta situação vai certamente modificar não só a relação
entre a escola e o seu ambiente:, m a s também a estrutura
interna do poder ao âmbito da escola. A concorrência de u m a
sociedade de abundância constrangerá a escola a adaptaras©
para ensinar o que os alunos considerem significativo' do seu
ponito de vista. E m vez de impor verdades autoritárias, a
esicola deverá procurar escolher a informação, que interessa
ao indivíduo, segundo os critérios que ele ou ela fixaram.
C o m o é evidente, a perspectiva de diplomas cuja posse condi-
ciona o acesso a situações sociais atraentes pode, ainda durante
algum tempo, obrigar os aluno® a consentir e m esforços cuja
única razão de ser reside e m obter êxito nos exames. M a s
o monopólio de que a escola gozava como reconhecedora de
qualidades socialmente importantes encontra-se t a m b é m e m
desmoronamento. E m muitos países, surgiram outros modo®
de reconhecimento totalmente independentes da escola. A fun-
ção de reconhecimento acabará por deixar de constituir a base
do império que o sistema de ensino exercia sobre os alunos.
Se a escola quiser .manter esta função, é necessário que os
estabelecimentos de ensino proporcionem outros serviços, con-
siderados igualmente importantes pelos próprios alunos.

Natureza da comunicação

A s nossas reflexões sobre o futuro devem basear^se n u m a


ideia mestra que se situa, e m nossa opinião, n u m plano mais
fundamental do que o precedentemente exposto. A persistência

275
Kjell Eide

de tendências históricas não poderá contribuir (para a emer-


gência desta ideia, pois u m a tendência não! é u m a forma
determinante da evolução social. Só postulando u m a estabi-
lidade do equilíbrio entre as forças reais que determinarão
o nosso futuro, a persistência de tendências poderá ajudar-nos
a compreender como poderá ser construído o nosso futuro.
M a s , actualmente, este equilíbrio não é possível, de m o d o
nenhum.
Se quisermos referir-nos às transformações dos aspectos
essenciais das sociedades aqui apontados, não devemos limitar-
-nos a reflexões sobre o alcance e a orientação da comunicação^.
Devemos examinar a sua própria natureza, tal coimo se é, no
âmbito e para além do sistema de ensino. Trata-se da relação
entre os agentes do processo de comunicação e da estrutura
dos poderes que dominam os seus fluxos: Q u e m decide sobre
o que constitui u m a informação válida e m determinada; situação ?
Q u e m decide sobre a informação que é legítimo dispensar?
Q u e m estrutura a informação de tal m o d o que responda a con-
cepções particulares do que é pertinente e legitimo?
N u m seminário recentemente realizado pela Unesco foram
expressas algumas opiniões interessantes sobre os problemas
de informação relativos à política e à planificação da educação.
O director soviético da informação científica e técnica para
o ensino superior fez u m a exposição que convida à reflexão:
u m enorme organismo central abrange quinze organismos re-
gionais do qual dependem funcionários da informação' colo-
cados e m cada u m a das 700 faculdades das universidades.
Este aparelho decide, até ao pormenor, sobre as informações
de que deve dispor cada investigador destas 700 faculdades.
N a maior parte dos países, peritos e m racionalização ela-
boram sistemas pormenorizados de informação c o m o fim de
fornecer dados úteis a todos os níveis da hierarquia adminis-
trativa e m que são tomadas decisões; mantêm j se cuidadosa-
mente atentos para que nenhuma informação «supérflua» venha
perturbar de m o d o incongruente algum elemento do- sistema.
Assim se define na informação «legítima», na qual se baseiam
as decisões a todos os níveis e sectores. Parece existir alguma
razão para que, neste caso, não formulemos as m e s m a s reser-
vas que apresentamos ao serem aplicados métodos análogos
para alimentar a investigação e m informação.
Passando ao domínio da escola, observamos, e m geral, a
m e s m a estruturação pormenorizada da informação «legítima»,
base do ensino, sendo o contributo individual de cada escola
ou de cada professor muito limitado. E m regime de recom-
pensa, temos tendência para exercer u m a discriminação e m
relação a todo o comportamento baseado n u m a informação
não legitimada pelo sistema.
Ë interessante observar a atitude adoptada por todos os
representantes dos países e m desenvolvimento no m e s m o semi-

276
A educação e a comunicação numa perspectiva de futuro

nano da Unesco. D e maneira mais ou menos cortés, endere-


çaram à Unesco a seguinte mensagem: desistam de procurar
criar sistemas de informação cada vez mais completos e «glo-
bais» exigindo a intervenção de u m ordenador. A s pessoas
capazes de o utilizar nos nossos países são muito pouco nume-
rosas e servem essencialmente para reforçar o prestígio de
peritos com que procuram paramentar-se. Aproveitam este
sistema para consolidar ainda mais a sua posição de força
em relação à imensa maioria. Se a Unesco não puder contri-
buir para u m a transferência da informação, que atinja as
massas e se baseie na sua concepção ¡sobre o que devem saber,
a acção neste domínio não só será estéril como correrá o risco
de ser prejudicial.
Trata-tse de u m a posição muito dura e m relação a uima
instituição das Nações Unidas, mas que reflecte os problemas
essenciais suscitados pelo contexto da comunicação. Ela é a
expressão de u m a revolta de destinatários da informação tra-
dicionalmente passivos. Os países e m questão não admitem
que se lhes imponha u m a informação que não só se destina
a ser-lbes útil, como ainda tem a pretensão, tal coimo é apre-
sentada, de dever ser considerada como tal e constituir o fun-
damento de decisões importantes. Trata-se de u m a causa — ou
de u m a reivindicação— a favor de u m a comunicação real,
em substituição de u m a informação e m sentido único. Esta
posição mostra também que as vias de acesso a u m a infor-
mação «legítima» podem ser utilizadas, e sãoMno, para moldar
e reforçar as estruturas nacionais do poder de u m a maneira
que aumenta a distância que separa os «informadores» dos
«informados».

Por q u e m é estruturada a informação?

Neste contexto, não estou a pensar apenas nos países e m desen-


volvimento e m que os problemas adquirem frequentemente tais
dimensões que se impõem facilmente à nossa atenção como
imagem ¡ampliada dos nossos.
Os conhecimentos que acumulámos sistematicamente durante
séculos são rigorosamente organizados e m sectores, e m disci-
plinas—que defendem o seu território pelo menos tão obsti-
nadamente quanto os Estados nacionais defendem o seu, edifi-
cando barreiras culturais e linguísticas de u m a terrível eficácia.
Todas estas disciplinas são dominadas por estruturas hierárqui-
cas que não permitem qualquer dúvida ¡sobre a identidade dos
«pontífices» detentores da última verdade. Ê necessário per-
correr u m caminho árduo e semeado de obstáculos para trans-
por as etapas que podem conduzir a este pontificado.
Trata-se de u m fenómeno de alcance internacional, e é
também nos países e m desenvolvimento que os seus efeitos
são mais claramente observáveis. Cedo ou tarde, os investi-

277
Kjell Eide

gadores destes países encontram-se perante u m a opção precisa :


devem empenhar-se e m ser admitidos na comunidade interna-
cional dos investigadores na base dos critérios por esta (fixados,
ou devem dedicar-se à investigação de soluções para o® proble-
m a s essenciais do seu país? Estas duas ambições são frequen-
temente incompatíveis: é necessário optar. Neste aspecto, a
maior parte dos países e m desenvolvimento tem u m a ¡política
sem ambiguidades: sentem-se obrigados a criar u m a elite que
possa integrar-se na comunidade internacional dos investiga-
dores. Ê por isso que os investigadores não se poupam a esforços
para adquirir u m valor mercantil n o seio desta comunidade.
Falasse muito do «êxodo das competências», da emigração
dos investigadores dos países e m desenvolvimento para os países
industrializados. M a s outra forma deste fenómeno teve con-
sequências mais graves: o facto de os investigadores que fica-
ram terem acabado por se desinteressar do seu país e dos seus
problemas.
O conhecimento é u m a fonte de poder porque pode ser
explorado. Verificamos também, nas nossas sociedades, que
o estatuto de perito legitima cada vez mais as posições de
força, que implica o direito de tomar decisões que têm inci-
dências profundas sobre outros. Este poder inscreve-se nos
nossos sistemas de administração pública e privada. Pretende
relegar os generalistas para o nível inferior da hierarquia
profissional. Esta observação é válida para os profissionais
quotidianamente confrontados c o m problemas concretos na
prática e também para os políticos, obrigados a representar
a comunidade dos profanos.
Existem, e m muitos domínios, numerosos exemplos desta
situação. 'Citarei apenas u m , que se refere ao ensino na A m é -
rica do Norte, onde esta situação é levada ao exagero. A espe-
cialização constitui u m a regra, m e s m o nas escodas mais ele-
mentares. Todos (excepto os alunos) são especialistas e se
cingem a u m departamento distinto, conforme a sua especia-
lidade. O s alunos passam o tempo a correr de u m departamento
para outro, para as diversas matérias de ensino e outras ques-
tões, quer se trate de orientação, de higiene, de problemas
sociais, de dislexia, de disgrafia, de trabalho e m laboratório,
de língua, de centros de informação, etc, Q u e m não puder
tornar-se especialista de nenhuma matéria, poderá pelo- menos
sê4o do ensino da língua materna no quarto ano de estudos.
A educação da criança encontra-se partida e m ¡rodelas e nenhum
especialista assume a responsabilidade de mais d o que u m a
rodela. Este género de escola reúne, todas as semanas, parto
de vinte especialistas adultos diferentes e cerca de 200 alunos,
sem quaisquer ligações. Por vezes, interrogamo-nos quanto ao
facto de saber se, nestes estabelecimentos, não deveria existir
alguém que contactasse comi a criança, considerada na sua
totalidade de pessoa. Assim nasceu a ideia de convidar as mães

278
A educação e a comunicação numa perspectiva de futuro

dos alunos para virem à escola assegurar contactos com as


crianças e proporcionar4hes u m pouco die calor humano, natu-
ralmente a título gratuito ou auferindo u m a remuneração'
módica.
Este sistema, graças a todos os seus especialistas, permi-
tirá, evidentemente, acumular u m a enorme soma de dados
soibre cada aluno, devidamente memorizados pelo ordenador.
Esta operação é necessária, pois estimate eim 1500 alunos a
lotação optimal da escola, se pretendemos dotá-la de u m a equipa
adequada de especialistas. Ora, curiosamente, ©sita enorme soma
de informações não parece constituir a base de u m a ©omiimicacão
real. A solução lógica na óptica adoptada consistiria, eviden-
temente, e m criar u m departamento distinto de especialistas
da comunicação com os alunos, m a s permitimo-nos duvidar
de que esta iniciativa pudesse resolver o problema.
Algumas das características desta situação encontriam-se
na maior parte dos domínios de actividade organizada nas
nossas sociedades. Poderíamos citar, por exemplo, os resulta-
dos de u m grande inquérito, efectuado nos hospitais de Ingla-
terra, há dez anos. Estudava^se, e m particular, a frequência
das questões formuladas pelos doentes ao pessoal médico de
cada hospital. Comparando a parte dos hospitais — u m terço —
em que os doentes colocavam menos questões, com a parte
— também u m terço— em que os doentes formulavam mais
frequentemente questões, verificou-se que, no primeiro caso
se levou mais tempo (mais cinquenta por cento) a tratar de
doentes atingidos pela mesma doença. Imaginanse a enorme
diferença que daí pode resultar para as despesas públicas.
Estes exemplos requerem várias reflexões. Estamos a pen-
sar, por exemplo, na teoria moderna das organizações, e, e m
especial, na sua variante designada por «teoria que serve para
todas as organizações» e que pretende que estas não' só sejam
confrontadas com u m a série de problemas exigindo soluções,
como ainda que existam, e m cada u m a delas, numerosas solu-
ções destinadas a ser aplicadas aos problemas apropriados.
Por outras palavras, as organizações dispõem de u m a série
de especialistas cujo estatuto e poderes se apoiam no mono^
pólio — ferozmente protegido — que detêm do domínio de
certas técnicas. Mas 'estas técnicas devem ser aplicadas, e só
então a realidade é manipulada e adaptada àquelas de que
dispomos.
Devemos, pois, felicitar-nos, por exemplo, por o Sindicato
norueguês das indústrias metalúrgicas ter obtido não só o
direito de negociar a aplicação nas fábricas de novos sistemas
de controlo, de planificação e de informação, e também por
estes sistemas serem apresentados aos trabalhadores numa
linguagem que eles compreendem. Desejosos de provar que
este modo de apresentação era realizável, o sindicato decidiu

279
Kjell Eide

«traduzir» e m linguagem quotidiana, a exposição de alguns


dos sistemas de controlo e de planificação mais utilizado®. Esta
operação revelou-se não só realizável, como permitiu descobrir
a inanidade de grande parte da gíria profissional hermética
utilizada neste domínio.
D e m o d o mais geral, interessa notar que as imensas pos-
sibilidades de comunicação proporcionadas pelo tratamento
electrónico da informação são geralmente exploradas de u m a
maneira que conduz à redução da comunicação entre O' perito
e o cliente ou entre os que comandam e os que são comandados,
e m vez de a desenvolver. É necessário que os clientes tenham
a possibilidade de pôr e m causa a informação proposita ou de
avaliar as suas intenções, e de realizar, efectivamente, u m a
opção entre as informações disponíveis. O que sublinha clara-
mente que, e m matéria de comunicação, a questão essencial
não é a da soma de informações armazenadas e do local e m
que se encontram, m a s a de saber a quem chega a informação
e q u e m a domina.
O s problemas desta categoria colocanuse igualmente a outro
nível. Existe e m todas as organizações u m a estruturação sis-
temática da informação que circula de cima para baixo e de
baixo para cima entre os escalões da hierarquia. Consideranse
cada vez mais geralmente que estas correntes oficializadas da
informação constituem as únicas bases legítimas das decisões.
Até agora, as entidades a q u e m compete decidir, c o m o os polí-
ticos, podiam igualmente basear os seus julgamentos e m outras
correntes de informação activas m a s não oficializadas, e m a -
nando de organizações, dos media de massa e das redes infor-
mais de contactos. Verifica-se actualmente que estes fluxos
externos são cada vez mais considerados como desprovidos
de interesse, de valor profissional e de legitimidade. Só cor-
rentes de informação internas, devidamente estruturadas, deve-
riam ser consideradas para fundamentar as decisões. Esta
tecnocratização da comunicação requer u m a transformação
radical da estrutura do poder na maior parte dos sectores
das nossas sociedades.
Insisto e m sublinhar que, embora os m e u s exemplos sejam
quase todos retirados de organizações manifestamente buro-
cratizadas, se produzem fenómenos análogos e m outros sectores.
Verificam^se nas empresas de produção que têm u m a incidência
decisiva sobre as nossas condições de vida. Encontranuse e m
grandes organizações que imitam as estruturas burocráticas
das empresas comerciais e dos grandes serviços públicos. Obser-
vam-se e m media de massa, submetidos a critérios estreitos
fixados por razões comerciais e que se introduzem igualmente,
pensamos, e m meios de grande informação. Observairu-se, final-
mente, na vida cultural, onde a hierarquia informal do pres-
tígio pode suscitar pontífices tão autoritários como os dos

280
A educação e a comunicação numa perspectiva de futuro

meios universitários. Mais uma vez, a questão-chave não reside


no grau de informação formal, mas na natureza da comuni-
cação que se instaura-

Os modos de aprendizagem

Regressemos, por momentos, à noção de aprendizagem. Segundo


uma teoria elementar —talvez demasiado elementar— da
ajprendiziagem,, esta pode efectu;ar-se essencialmente de três
maneiras: por imMação— os alunos imitam o professor por-
que, assiim, podem obter recompensas, ou, pelo menos, escapar
a punições; por identificação — os alunos esíforçam-se por se
assemelhar ao professor como pessoa, apoderíando-se do seu
sistema de valores para fundamentar as suas acções; por
interiorização — os alunos consideram o professor como u m
auxiliar para os esforços que desenvolvem no sentido de encon-
trar soluções para os seus problemas, embora a «resposta»
decorra de si mesmos. É esta última forma de aprendizagem
que associamos ao ensino ideal de «emancipação» ou de «liber-
tação». Por outro lado, o doutrinamento e a manipulação
encontram-®e ligados às duas primeiras formas de aprendi-
zagem.
Se estendermos estas observações a ¡todo o domínio da
comunicação, a questão-chave transiorma-ise na da repartição
do poder entre os parceiros. Neste aspecto, existem seme-
lhanças surpreendentes entre os sistemas, a diferentes níveis.
N a teoria geral do desenvolvimento, considerasse indispensável
que os países e m desenvolvimento, confrontados com os mesmos
problemas, comuniquem mais entre si, em vez de serem tribu-
tários bilateralmente de países industriais dominadores. N a
teoria das organizações, considerasse primordial não atribuir
a maior importância à comunicação vertical entre os diferentes
níveis no seio de u m a organização, favorecendo a comunicação
horizontal entre os elementos do mesmo nível, embora se dis-
torçam, assim, os princípios tradicionais da organização buro-
crática. Quanto ao ensino, inquéritos mostraram que as inter-
acções entre os alunos constituem, talvez, o elemento mais
importante da situação de aprendizagem e que têm certamente
mais peso do que as relações entre professores e alunos. Nos
estabelecimentos que dispensam cuidados médicos, observa-se
também u m novo interesse por u m a interacção activa entre
doentes, unicamente a partir da simples comunicação entre
o especialista e o seu paciente.
Sendo assim, verificasse que todos os modos de organiza-
ção que nos rodeiam se escudam solidamente atrás dei u m a
tradição que pretende que a comunicação vertical seja a única
a dar frutos, consaderamdoHse a comunicação' horizontal, na
melhor das hipóteses, como u m factor de perturbação estri-
tamente interdito e m muitos casos.

281
Kjeli Eide

Seria interessante estudar concretamente e m qu© medidla


as correntes actuais de comunicação das nossas sociedades se
orientam vertical ou horizontalmente nas hierarquias formais
ou informais dos diferentes sectores. T a m b é m valeria a pena
verificar a hipótese segundo a qual a comunicação vertical
absorve cada vez mais os recursos limitados de que o indivíduo
dispõe e m ¡matéria de comunicação.
A s ligações c o m a teoria da aprendizagem deveriam surgir
de m o d o evidente. A comunicação «emancipadora» exige u m
certo equilíbrio do poder entre os participantes. Se conside-
rarmos a comunicação c o m o u m a forma de contacto entre
os indivíduos e os 'grupos, poderemos desenvolver, neste domí-
nio, u m a teoria significante da exploração, m e s m o que seja
necessário ultrapassar o âmbito da teoria marxista clássica.
A tese segundo a qual a exploração económica é relativamente
limitada nos países nórdicos parece-ine defensável. Por outro
lado, a exploração assume u m a importância capital, e talvez
crescente, no domínio da comunicação. C o m o no caso das .trocas
económicas, a exploração é particularmente acentuada quando
o parceiro mais forte pode impor ao mais fraco os seus crité-
rios de apreciação dos valores. O s africanos aprenderam rapi-
damente, no passado, que o ouro era u m produto precioso
e que as missangas não valiam quase nada. Quando o par-
ceiro mais fraco adopta os valores do mais forte, torna-se
sempre possível estabelecer contactos razoáveis pela via da
comunicação.,

Modificações realizáveis nas estruturas do poder

A dominação dos meios de comunicação, a sua forma e con-


teúdo constituiu sempre u m instrumento essencial de poder
e deu muitas vezes lugar, ao longo d a História, a conflitos
espectaculares. A abundância da informação não conduz neces-
sariamente à modificação radical desta situação. Enquanto
a. participação do indivíduo na comunicação for limitada, as
forças no poder limitam-se a controlar a selecção e a estru-
turação da informação. M a s as situações podem ser radical-
miente diferentes, consoante o agente que exerce o poder real.
Podemos examinar várias possibilidades principais de evo-
lução futura das estruturas do poder nos domínios aqui estu-
dados. Podemos conceber u m a evolução para u m a programação
central rigorosa dos diversos: sistemas examinados, Ê óbvio
que devem manter-se certas tradições dos nossos serviços
centrais do ensino, fomentando ao m e s m o tempo maior inter-
venção da tecnologia da educação e dos sistemas de gestão
por objectivo e orçamentos-programas. Resta saber q u e m de-
terá o poder real nestas organizações centralizadas. N ã o há
qualquer certeza de que sejam as autoridades políticas centrais.

282
A educação e a comunicação numa perspectiva de futuro

Ele poderia residir, afinal, aos níveis superiores da hierarquia


dos peritos ou da hierarquia da organização. Poderíamos pen-
sar n u m a fusão progressiva dos níveis superiores tradicionais
das diferentes hierarquias, que descobririam interesses comuns.
Poderíamos ainda pensar n u m a tendência para u m a des-
centralização conducente à criação de meios institucionais
dominados por grupos profissionais que se protegeriam do
ambiente institucional graças a privilégios concedidos pelo
poder central. T a m b é m neste caso é lícito, perguntar e m que
medida esta situação implicaria u m a verdadeira descentra-
lização. Ê perfeitamente possível que o poder real se situe
ao nível de pontífices da profissão o u d a organização.
Outro tipo de orientação poderia comportar u m controlo
muito mais rigoroso das organizações e das instituições pelas
forças que d o m i n a m as comunidades locais, o que talvez tivesse
o efeito de acentuar consideravelmente as disparidades locais
das noissas sociedades. Se as políticas do poder central permi-
tirem compensar a desigualdade dos recursos locais, poderemos
assegurar u m a maior igualdade, tendo e m conta a diversidade
dos facores que actuam no plano local. M a s é necessárioi assu-
mir a ideia de que u m indivíduo pode experimentar mais
dificuldades e m se submeter a u m a tirania local do que a u m
controlo do poder central exercido à distância.
Finalmente, podemos imaginar u m reforço do controlo pelo
«utente» ou «cliente», o que tornaria o papel dos peritos mais
próximo de u m a verdadeira função de serviço. EnicontrarHnos-
-íamos, então, certamente menos afastados das pré-requisito®
do que designei por comunicação emancipadora. M a s devemos
pensar que, se os «utentes» puderam organizar os poderes
conquistados, as possibilidades de escolha do indivíduo se re-
duzirão.

N ã o m e arriscarei a predizer qual destas orientações domi-


nará a evolução futura das nossas sociedades. Talvez possamos
admitir que se manterá u m certo elemento de pluralismo e que
nenhum dos modelos citados de repartição dos poderes acima
indicados prevalecerá sem alterações. M a s estou convencido
de que a estrutura do poder que emergirá no futuro contri-
buirá, mais do que qualquer outro factor, para determinar
os caracteres gerais das sociedades futuras.
Trata-se de opções políticas fundamentais, e as condições
tecnológicas terão poucas incidências sobre elas. A ideia cor-
rente segundo a qual o progresso tecnológico é, e m última
análise, o factor decisivo, reflecte simplesmente a nossa impo-
tência para examinar e organizar as opções oferecidas e para
descobrir as consequências inevitáveis. Parece-me ser este o
desafio essencial que a investigação e a reflexão políticas deve-
rão enfrentar neste domínio.

283
Posições / Controvérsias

Reflexões sobre o ensino


da geografia
Jean Dresch

Tanto para os alunos do ensino primário ou secundário coimo Jean Dresch


para os estudantes do ensino superior, ou até para o grande (França).
Antigo director do
público, a Geografia é u m a disciplina ambígua. Esta é tam- Instituto de Geografia
b é m a opinião dos geógrafos. Ciência da natureza? C o m efeito, da Universidade
fazem parte da Geografia Física os estudos do relevo do solo de Paris e do Serviço
(a geomorfelogia), do clima (a climatologia), das águas con- de Documentação
Cartográfica
tinentais ou marinhas (a hidrologia), dos solos, d a vegetação e Geográfica do CNRS;
e dos animais (a biogeografia), embora estas ciências possam antigo presidente
ser objecto de investigações de outros cientistas. Ciência hu- da União Geográfica
m a n a ? ou social? ou económica? visto que o geógrafo estuda Internacional;
antigo professor
a população, os campos e a agricultura, as cidades e a indústria, na Sorbonne.
os serviços, os meios de transporte, as produções, etc., embora Actualmente
estes estudos possam ser reivindicados, por sua vez, por outras ê professor titular
Ciências Sociais. A Geografia não possuirá, então, objecto na Universidade
de Paris VII.
próprio? E qual a relação entre a Geografia Física, ciência Autor de inúmeras
da natureza, e a Geografia H u m a n a , ciência social? publicações,
Este questões determinam discussões e crises respeitantes essencialmente da sua
especialidade.
aos conceitos e método© entre os professores e os estudantes
das universidades e entre os investigadores. M a s interessam
t a m b é m ao grande público saído> das escolas primárias e secun-
dárias, assim como 1 ao® próprios alunos, professores e admi-
nistradores do ensino, que não sabem muito b e m c o m o tratar
a Geografia no ensino primário e secundário. E m certos países,
a Geografia não é ensinada, ou só o é na escola primária, ou
representa u m a matéria de opção, o u é ensinada juntamente
c o m outras disciplinas por u m professor que não recebeu for-
mação especial, ou é preferencialmente associada a u m a delas,
à História, por exemplo, c o m o e m França, ou às Ciências Sociais,
ou, finalmente, é fragmentada, confundindo-se a Geografia
Física com as Ciências Naturais e a Geografia H u m a n a c o m
as outras ciências ditas humanas. E o m e s m o sucede no ensino
superior. A Geografia é ensinada e m Faculdades de «Filosofia»
e a Geografia Física desprezada; e m outros países, as Facul-
dades ou Institutos de Geografia interessam-se mais pela Geo-
Jean Drosch

grafia Física, na U R S S , por exemplo, ou, pelo contrario, pela


Geografia H u m a n a , quando não são ensinadas e m estabeleci-
mentos diferentes.
N o s programas de ensino primário e secundário reencon-
tramos a m e s m a ambiguidade. E m certos países, o ensino
consiste e m encher a cabeça dos alunos, mais ou menos con-
soante as idades, de dados sobre o relevo, o clima, os rios,
a vegetação, as populações, a agricultura, a indústria, as
cidades e as produções : acumulam-se nomes e números. O aluno,
ao terminar os estudos, é obrigado a saber tudo o que inte-
ressa à terra e m que vive, na sua totalidade. O estudo da
Geografia representa u m exercício de memória. A o pretender
dar a volta ao m u n d o , a Geografia transforma-se n u m a enci-
clopédia : o aluno desinteressa-se, não aprende o<u simplesmente
esquece. Era, e infelizmente ainda é, o que acontece e m França,
onde, no entanto, o francês médio tem fama de não> saber Geo-
grafia, isto é, de não saber localizar os países ou as cidades.
Ê para evitar este ensino enciclopédico que, e m muitos países,
a Geografia é integrada nas Ciências Sociais e na História,
pelo menos nas classes superiores, onde se procura apresentar
o «meio», mais humano do que físico1, n a sua complexidade.
E m suma, a Geografia parece procurar, e m quase todos
os países, a sua identidade — pelo menos no> ensino primário
e secundário — e, consequentemente, entre o público' que só
a conhece através das suas recordações de escola. Simultanea-
mente ciência da natureza pela sua orientação física, ciência
social pela sua orientação humana, insere-se dificilmente, não
só na classificação académica das ciências, m a s também nos
modos de pensamento a que todos nós estamos habituados.
Consider a-se que u m a disciplina «séria» não pode ter orien-
tações científicas tão variadas, tão divergentes, sem se con-
denar a retirar os seus dados, os seus conceitos e o© seus
métodos de oiutras ciências das quais se torna dependente, sem
se reduzir a u m catálogo classificativo', sem se desligar da
prática e da vida. Perderia a sua utilidade.
D e resto, foi assim que surgiu, no século xix, nos progra-
m a s escolares dos países hoje chamados desenvolvidos. A bur-
guesia investia nas indústrias, organizava o< seu sistema ban-
cário, procurava recursos e mercados nãoi só no território
nacional, m a s t a m b é m e m todos os continentes cuja descoberta
então se completava, estabelecia a sua dominação, directa ou
indirecta, e m impérios coloniais, repartindo o m u n d o . Assim
como as Sociedades de Geografia organizavam expedições a
terras desconhecidas e divulgavam os seus resultados, tam-
b é m as crianças deviam ser iniciadas no poderio nacional, nos
progressos da expansão além-mar, e até nas rivalidades inter-
nacionais que daí resultavam. M a s tratavajse de u m a atestação,
para glória dos exploradores, dos conquistadores, dos homens
de negócios, dos missionários que levavam a «cultura» a países

286
Reflexões sobre o ensino da geografia

considerados selvagens ou primitivos, a regiões e m que a flo-


resta virgem, as savanas povoadas por animais temíveis, os
desertos sem esperanças, ou até as extensões geladas das terras
árcticas dotavam de imagens heróicas 01 espírito do ¡bom público
e dos alunos. Esta Geografia fazia parte da cultura geral do
jovem burguês que se preparava para participar na aventura.
Proporcionava-lhe os conhecimentos que lhe permitiriam situar
os acontecimentos assinalados pela imprensa. N ã o lhe conferia
nenhuma formação susceptível de ser utilizada, mais tarde,
na aquisição de u m ofício, exceptuando, talvez, o de professor.
Depois da Primeira Guerra Mundial, esta Geografia descri-
tiva, analítica, passiva na aceitação dos dado® fornecidos, e m
grande parte, pelas outras disciplinas e pela ideologia oficial
ainda se mantinha nos diversos países, tanto mais que na
U R S S a Geografia era orientada principalmente para o estudo
do meio natural, de acordo com u m a velha tradição da Geo-
grafia russa. A o sublinhar, nas escolas, as relações entre' os
fenómenos naturais e os modos de ocupação do solo, de orga-
nização económica e social, o professor conduzia os alunos a u m
determinismo prejudicial aos países tropicais (demasiado quen-
tes, demasiado húmidos ou demasiado secos, difíceis e insa-
lubres) , e aos países frios, a u m pessimismo passivo- que expli-
cava a superioridade das regiões temperadas e legitimava o
sistema colonial e os imperialismo®, a dominação branca. Esta
legitimação podia conduzir, c o m o b e m sabemos, ao racismo,
ou até ao fascismo. Assim, a concepção de Geografia adoptada
no ensino era estática. O aluno aprendia os dados estáveis que
permitem definir as formas do relevo ligadas a estruturas
geológicas adquiridas, a dinâmicas próprias de cada zona bio*
climática cuidadosamente definidas por meio de médias, pre-
cisar os caracteres originais das regiões geográficas, conhe-
cidas principalmente como regiões naturais a que o h o m e m
tinha sabido adaptar-se e m função das suas técnicas e das suas
civilizações. O s conceitos de paisagem, de região, de organi-
zação do espaço podiam variar, como é evidente, consoante
o país ou a universidade e ser objecto de discussões que
opunham «escolas» nos congressos internacionais! o nível do
ensino primário e secundário, a Geografia era u m a descrição
do m u n d o sem problemas e sem angústias. N ã o existia ainda
a preocupação dos recurso® naturais cuja repartição e cujo
mercado conferiam toda a segurança aos países industrializados.
T a m b é m ninguém se inquietava c o m o crescimento^ da popu-
lação dos países colonizados. A mortalidade infantil começava
a diminuir, as grandes calamidades, epidemias principais, ende-
mias, fomes, etc., eram cada vez mais controladas. Q u e melhor
testemunho dos benefícios da civilização... ocidental?
Foi depois da crise dos fascismos e da Segunda Guerra
Mundial, depois do acesso à independência política das coló-
nias, da extensão das economias de consumo e da aceleração

287
Jean Dresch

dos progressos técnicos, pelo menos nos países desenvolvidos,


face aos contrastes entre estes países e aqueles que nos habi-
tuámos a incluir no Terceiro M u n d o , foi em. meados do século
que começaram a surgir as inquietações. Coin© pode esta
inquietação manifestar-se no ensino? A Geografía parece ser
a disciplina escolar mais apta a despertar o espirito e a curio-
sidade das crianças para o m u n d o actual e os problemas de
amanhã. D e resto, podemos admitir que a criança desenvol-
vida é muito mais integrada na vida colectiva, nacional ou
internacional, do que acontecia como os pais, ou, mais ainda,
com os avós. Os mass media atingem-na, o cinema e a televisão
multiplicam as imagens do mundo, as férias, as revistas infan-
tis, os desportos constituem igualmente reflexos desta situação.
Certamente que ainda se trata de u m a minoria entre as crianças
do universo e, m e s m o nos países desenvolvidos, não podemos
pretender que a abertura para o m u n d o seja igual para todos.
É por esta razão que a Geografia pode constituir u m enoirme
contributo, na medida e m que, evidentemente, as crianças se
encontrem escolarizadas.
C o m efeito, é ou deveria ser este o seu papel. Assim, e m
muitos países «desenvolvidos» e, por conseguinte, e m países
do Terceiro M u n d o (na medida e m que utilizam ainda manuais
dos países desenvolvidos, quando não os imitam), o manual
procura, por meio das imagens das fotografias e dos mapas,
mostrar a diversidade das paisagens mundiais. A imagem acaba,
muitas vezes, por ocupar mais espaço: do que o< ¡texto... Pelo
menos, é lícito pensar que os acontecimentos dos últimos 'decé-
nios contribuíram para eliminar as barreiras entre as discipli-
nas, que explicavam, antes da guerra, as ambiguidades do
ensino da Geografia. A divisão entre ciências exactas ou natu-
rais e ciências humanas torna-se cada vez mais formal, u m a
vez que tanto a Matemática — c o m os métodos estatítiscos
e quantitativos — c o m o a Informática são utilizadas por todas
as ciências. E se, outrora, a Geografia não podia ser classi-
ficada c o m o as outras ciências por ser simultaneamente física
e humana, descobriu-se recentemente que a distinção entre
ciências físicas e humanas, rigorosamente estabelecida nas
escolas, nas universidades e nos organismos de investigação,
se justifica cada vez menos na sua rigidez tradicional.
A nossa bela terra, a sua atmosfera, a sua litosfera, a sua
biosfera e a sua hidrosfera, os seus recursos naturais não são
exploráveis pelo h o m e m à discrição. Desde a época, pouco lon-
gínqua na história h u m a n a — mais ou menos dez mil anos —
e m que o h o m e m começou a cultivar a terra e a domesticar
animais e m diversos pontos do Globo, foi ocupando progres-
sivamente, transformándola, u m a parte importante da super-
fície dos continentes —não toda a superfície— e a trans-
formação era mais ou menos profunda e m função das técnicas
utilizadas. Ê o estudo desta ocupação e desta transformação

288
Reflexões sobre o ensino da geografia

do ¡espaço, do espaço natural e do espaço habitado, transfor-


mado, que constitui o objecto da Geografia: a extraordinária
aventura, única no sistema solar, da terra e m transformação
há 3,5 biliões de anos e na qual o homem, há 3 milhões de
anos, vive u m instante, à escala dos tempos geológicos. Esten-
deu a sua dominação ao mundo praticando modos de produção,
estabelecendo relações entre as suas formas de organização
social e os recursos naturais, sobrepondo às paisagens naturais
paisagens humanizadas surpreendentemente variadas. Nos úl-
timos decénios tem elaborado técnicas de tal modo poderosas
que as «aventuras» humanas regionalizadas se tornam unifor-
mes, que os equilíbrios, sempre instáveis, entre as condições
naturais e os seus modos de produção são destruídos, ou correm
o risco de o ser, que as colectividades humanas e, com elas,
o imundo vivo, são ameaçados de catástrofe.
Antigamente, os alunos podiam contentar-se com; u m a Geo-
grafia-idescrição satisfeita pelos recurso® naturais e pela diver-
sidade das paisagens humanizadas. Ela povoava os seus espí-
ritos. A maior parte dos jovens estavam condenados a viver
numa região limitada do mundo, pois as outras regiões eram
muito longínquas antes do avião e da invenção dos meios
modernos de comunicação. N ã o se sentiam atingidos pelos
acontecimentos vividos pelos antípodas, nem os rurais colo-
nizados pelo que se passava longe dos horizontes familiares
da sua aldeia. Além disso, quer se interessassem quer não
pela Geografia, o seu futuro em nada se alterava, ao con-
trário do que sucedia com a formação na sua língua nacional
— ou e m línguas estrangeiras— e m Matemática, Física ou
Química. Actualmente, já não é possível admitir u m ensino
que não desperte o espírito não só para os problemas da colec-
tividade regional e nacional a que pertence, mas também para
os problemas internacionais que podem ser determinantes para
o seu futuro: relações internacionais, políticas e económicas,
conservação, exploração, repartição dos recursos naturais, mer-
cados e consumo, etc. Devem saber que 01 seu futuro não pode
desligasse do dos outros alunos de todas as escolas do mundo.
Importa, pois, que a Geografia informe e obrigue a reflec-
tir sobre as relações entre os dados das Ciências da Natureza
e das Ciências Humanas, Etnosisocioloigia, Economia, História.
E m função da idade e do avanço nos estudos, os alunos podem,
aprender através da Geografia porque existem, montanhas e
países planos, países quentes e frios, húmidos e áridos onde
os homens não organizam a sua vida da mesma maneira, solos
que a acção humana transforma, bem como as coberturas
vegetais e os animais, bicenoses e ecossistemas repartidos pelo
espaço com u m a precisão que se torna -necessário respeitar;
porque contêm os continentes e os oceanos recursos que são
limitados, sobretudo os não renováveis; como os utiliza o homem
em função das suas técnicas modificando o meio natural — ou

289
Jean Dresch

o ambiente; por que técnicas e por que razões económicas


ou sociais acontece que os desperdice ou destrua, polua a sua
preciosa atmosfera, as suas águas continentais e marinhas
não menos indispensáveis à existência de todos os seres vivos;
que relações existem entre u m a população h u m a n a que duplica
todos os trinta e cinco anos — muito desigualmente consoante
as regiões e, sobretudo, consoante são ricas ou pobres—e os
seus recursos, a sua exploração, a sua gestão; que tensões
entre as regiões, os Estados, os continentes resultam destas1
desigualdades na ocupação de u m espaço tão diverso, no domí-
nio ou no controlo dos recursos, no número de calorias con-
sumidas diariamente, no produto interno bruto e na sua repar-
tição entre os habitantes de u m Estado-, nos preços dos pro-
dutos trocados, nas condições de vida que encaminham os rurais
para as cidades, os trabalhadores dos países pobres para a
procura de trabalho, de esperança, e m países longínquos. Para
não falar do comércio de armas e dos desequilíbrios do terror.
N ã o se trata apenas de simples curiosidade intelectual.
Trata-se do destino de todos nós: o ensino da Geografia não
pode deixar o aluno indiferente, frio, neutro. Se consegue, con-
soante as idades, suscitar a compreensão, deveria —testemunho
do seu sucesso — provocar a simpatia pelos animais, pelas
plantas, pelas paisagens naturais, o respeito por tudo O' que
está vivo, a preocupação de não contribuir para a destruição,
para a conspurcação dos extraordinários ecossistemas terres-
tres de que o h o m e m faz parte, intimamente. E t a m b é m sim-
patia pelo h o m e m , sejam quais f oirem a sua classe, cor e cultura :
u m estudante ao terminar os seus estudos, não deveria ser
racista, e a condenação de determinados sistemas socioeconó-
micos ou políticos não deveria inspirar ódio n e m violência.
Juntamente c o m os outros ensinos, m a s privilegiado pelo seu
objecto, o da Geografia deveria contribuir para a formação
moral dos alunos.
Ensino difícil. Agora, que aflora à consciência pública a
relação dramática entre natureza e acção humana, é neces-
sário que o aluno possua alguma ideia sobre os relevos e os
climas, os rios e os mares, os solos e a vegetação, este patri-
mínio a ordenar, e t a m b é m sobre as populações, os m o d o s
de produção, as agriculturas e as indústrias, os campos e as
cidades, as produções, etc. E encontramonnos novamente perante
a geografia total, enciclopédica, exercício de memória! Porque
não aprender, e m França, os números dos códigos departa-
mentais c o m o se aprendiam, antigamente, os nomes dos depar-
tamentos c o m as suas prefeituras e subprefeiíturas? Pode ser
útil, m a s não se trata de geografia. O s ¡meios audiovisuais e os
mass media abalaram as condições do contacto entre a criança
e o m u n d o , sem que, no entanto, os métodos pedagógicos tenham
sido profundamente transformados. O s manuais enriqueceram-
nse c o m imagens, fotografias, mapas, gráficos, muitas vezes

290
Reflexões sobre o ensino da geografia

coloridos, com prejuízo do texto. De facto, importa que o aluno


disponha de mapas, de u m atlas, para localizar os dados, os
nomes e os números de que ouve falar. A fotografia é sempre
insuficiente para mostrar os caracteres originais e a diversi-
dade das paisagens, para suscitar a sua compreensão, despertar
questões. Mas a criança dos nossos dias, a dos países desen-
volvidos, pelo menos a das cidades, vive n u m mundo de imagens,
apresentadas pelo cinema, a televisão, as revistas e os jornais,
as bandas desenhadas, os cartazes e os prospectos. Infeliz-
mente, o professor de Geografia não intervém na televisão,
nem em qualquer outro meio de comunicação. O grande pro-
fessor de Geografia é, nos nossos dias, o enviado especial,
o repórter que vai fotografar, entrevistar, comentar qualquer
parcela da superfície do Globo quando se produz u m aconte-
cimento sensacional, tremor de terra, inundação, guerra, viagem
presidencial ou ministerial, e também inquéritos, expedições a
países longínquos, etc. M a s que esta visão permanente do
mundo seja apresentada segundo as melhores regras do método
geográfico, já é caso para duvidar ou lamentar. Assim, devemos
desejar que o professor possa dispor de material, como mapas,
diapositivos, filmes, fotografias, livros que lhe permitam sus-
citar curiosidade, inteligência e simpatia. Mas também é neces-
sário que tenha recebido uma formação adequada.
É possível conceber u m ensino da Geografia não só tecni-
camente melhorado em estabelecimentos dotados de meios, mas
também que se liberte da escola, combinado com programas
de televisão e de cinema, com a publicação de jornais, de revis-
tas e de livros. A escola é, como a universidade, u m meio1
fechado em que, para formar o espírito da criança e m paz,
esta é encerrada durante várias horas por dia, entre quatro
paredes. É evidente que u m professor dotado de material esco-
lar pode habituar, treinar a criança na observação, no comen-
tário de u m mapa, de uma imagem, de toda a espécie de
documentos, reflexos artificiais da vida. A natureza e as acti-
vidades humanas não são essencialmente conceitos abstractos e
a sua concaptualização e a das suas relações, a análise dos siste-
mas, dos ecossistemas e dos sistemas económicos, sociais e polí-
ticos só são possíveis mas classes superiores e só são válidas se o
aluno tiver previamente aprendido a observar, e se tiver sentido
necessidade de abandonar a passividade adquirida ao ritmo
dos hábitos quotidianos, de olhar, de observar, de interrogar,
de se interrogar sobre o espectáculo da vida. A aprendizagem
da Geografia deveria realizar-se, pelo menos parcialmente, fora
das paredes da escola, no mundo vivo, no campo, com a sua
terra, com as suas plantas, com os seus animais, com os seus
camponeses, ou na cidade, no iprédio, na rua, na oficina, no
mercado. A compreensão, a simpatia, não se aprendem bem
nos livres, Só se aprendem verdadeiramente em contacto directo
com os outros.

291
Jean Dresch

Talvez se possa considerar esta concepção d o ensino da


Geografia razoavelmente irrealista. A tarefa do professor é
¡pesada, sejam quais forem os meios à sua disposição; a dos
pais tamibém não é desprezível, pois prolonga a acção do pro-
fessor, sem que a criança se chegue a aperceber. M a s , se, no
decorrer do próximo século, o h o m e m conseguir delapidar o®
recursos naturais de que julga disipar a ponto de não lhe ser
possível satisfazer as suas necessidades sempre crescentes, se
a diferença entre ricos e pobres, entre barrigas vazias e bar-
rigas cheias aumentar a ponto de multiplicar as tensões e os
conflitos, como despertar a consciência dos alunos, se estes
dispuserem unicamente de capítulos d o livro para fixar, se
o rico não conhecer o pobre, se o pobre permanecer sem u m a
esperança precisa de u m a vida melhor?

292
Olivier Beboul

O educador e os «slogans»

O termo «slogan» é pejorativo; nenhum 'homem, nenhum par- Olivier Reboul


tido se lembra de dizer «o meu slogan». D e resto, pertence ao (França).
Especialista em História
domínio da publicidade e da propaganda política. Parece incon- da Filosofia e em
gruente, portanto, falar de «slogans» a proposito do discurso Filosofia da Educação.
pedagógico, ou seja, do conjunto das reflexões dos educadores Professor
da Universidade
sobre a sua própria prática. Fórmulas como: «Só lamento não de Estrasburgo.
ter conhecido mais cedo a Escola universal», ou: «Instruir-se Principais
é enriquecer» são «slogans», mas não são pedagógicos; não são publicações: Kant et
mais do que «reclames». le problème du mal,
La philosophie de
N o entanto, os «slogans» mais reais, isto é, mais eficazes l'éducation, Le slogan.
e mais perigosos, não são necessariamente os mais evidentes, L'endoctrinement.
pelo contrário; são os que dissimulam melhor a sua natureza
de «slogans». Por outro lado, a linguagem da educação não é
unicamente descritiva, é incitante e polémica; todas as teorias
pedagógicas procuram impor-ise por oposição a outras teorias;
miais profundamente, a educação é motivo de conflito de pode-
res, u m conflito que não é, portanto, simplesmente pedagógico,
mas, no sentido mais amplo do termo, político. N ã o surpreende,
pois, que encontremos «slogans» neste domínio, e até, talvez,
e m maior número do que e m outros.

«Slogan», chavão, palavra-choque

O que é u m «slogan» ? «fi u m a fórmula concisa e convincente»,


diz o Robert. Trata-se, pois, de u m a fórmula cuja função não
consiste e m informar, esclarecer ou até prescrever, m a s e m
«impressionar» para provocar a acção. «É proibido fumar» é
uma ordem; «É proibido fumar... até mesmo o cigarro X . . . »
é u m «slogan». O «slogan» pode ser u m a frase, m a s pode redu-
zúvse a u m a simples expressão, a u m sintagma como «Demo-
cratizar o ensino» ; «A escola na vida», «Aprender a aprender» ;
estas expressões funcionam no discurso pedagógico como pon-
tos fortes que mantêm o seu impacte seja qual for o contexto.
Olivier Reboul

Frases como: «Não sou pela escola na vida», «Recusamos demo-


cratizar o ensino», «Não têm o direito de ensinar a aprender»
voltar-se4am contra o sen autor, que tornavam odioso ou ridí-
culo. A principal função do «slogan» consiste em impressionar,
função que o termo alemão Schlagwort exprime maravilho-
samente.,
A o «slogan» propriamente dito vem juntar-se a palavra-
Hchoque; não é uma fórmula, m a s é «convincente»; ou antes,
não se limita a possuir u m sentido, contém u m poder; e sabe-
mos que possui tanto mais poder quando menos sentido contém.
Assim, e m certos meios pedagógicos, palavras como «cresci-
mento», «autonomia», «criatividade» são entendidas desde logo
como laudatorias, enquanto outras, como «constrangimento»,
«reprodução», «modelos», «repressão», «directivo», se apresen-
tam como totalmente pejorativas; servem unicamente para
estigmatizar. Mas, quem emprega estes termos raramente é
capaz de os definir. Como a seguinte anedota testemunha: u m
monitor de esqui queixava-se a uma mãe das inconveniências
do filho: «Não hesite e m dar provas da sua autoridade, res-
pondeu-lhe ela. — Mas, minha senhora, a nossa pedagogia exclui
a autoridade. — Então, dê mostras de firmeza. — A h , assim
estou perfeitamente de acordo. Ê precisamente esse o termo!»
Os chavões, pelo menos os que possuem e m si o poder de
persuasão, asaemelham-se igualmente aos «slogans». Também
são fórmulas concisas e fáceis de repetir: «Mens sana in cor-
pore sano», «A cultura é o que resta depois de esquecermos
tudo» ; o pensamento é cativado, isto é, torna-se cativo destas
expressões de tal modo rígidas que não é possível alterar u m
único termo, tal como não é possível mudar u m fonema numa
palavra. A única diferença reside no facto de não constituírem
fórmulas convincentes; pelo contrário, impõem-se pela sua fami-
liaridade. O «slogan» actua pela surpresa que provoca — como
o aspecto insólito de «Aprender a aprender» — o chavão pelo
sentimento de evidência. Mas, a fronteira não é nítida e todo
o «slogan» acaba por se transformar em chavão.
Fixemos o essencial ; o «slogan», a palavra-choque, o chavão
não possuem apenas u m sentido, mas também u m poder; poder
de unir por ou contra, de persuadir, de justificar u m a prática
ou de a denunciar. Como explicar este poder ? Penso que se deve
à própria natureza do «slogan».

O s caracteres do «slogan» pedagógico

O «slogan» — e permito-me, a partir de agora, utilizar o termo


no sentido lato, incluindo a palavra-choque e o chavão — o «slo-
gan» encontrasse sempre ao serviço de alguma coisa, O «slogan»
pedagógico não está ao serviço de u m a firma ou de u m partido
político, mas de u m a «causa». E é possível classificar os «slo-
gans» segundo as causas que servem.

294
O educador e os «slogans»

Alguns estão ao serviço de pedagogia tradicional; por exem-


plo: «Toda a educação comporta u m a parte de adestramento».
Outros encontram-se ao serviço da inovação, aquilo que cha-
mamos a «educação nova»: «A escola na vida», «Aprender a
aprender». Outros, finalmente, estão ao serviço da contestação;
contestação política: «A escola ao serviço da ideologia domi-
nante», ou contestação propriamente pedagógica: «.Teaching
kills learning»; notemos que é ridículo traduzir esta fórmula
rogeriana por «O ensino mata a aprendizagem»; seria neces-
sário qualquer coisa como: «Ensinar impede de aprender» ; esta
dificuldade mostra-nos, de resto, que o «slogan», como o pro-
vérbio ou o dito espirituoso, não é, em geral, traduzível.
Mas, seja qual for a sua causa, todas estas fórmulas são
«slogans». E é descrevendo o seu carácter que podemos, sem
dúvida, explicar o seu poder.
E m primeiro lugar, o «slogan» tende sempre a dissimular-se,
a fazer-se passar por u m a coisa diferente. O que é ainda mais
válido e m pedagogia do que em publicidade ou em política, onde
é difícil a propaganda não se apresentar como tal. N o discurso
pedagógico, estas fórmulas funcionaim como princípios, provas,
evidências de facto ou de razão, como tudo o que quisermos
excepto «slogans»-
E m segundo lugar, o «slogan» é u m a fórmula anónima.
O autor de «A cultura é o que resta...» não pensava ter dito
algo de tão acertado, pois toda a gente esqueceu o seu nome.
De qualquer modo, o anonimato reforça o sentimento de evi-
dência criado pelo «slogan»; não exprime o que «determinado
indivíduo pensa», mas «o que é».
E m terceiro lugar, o «slogan» é polémico. O termo decorre,
de resto, de u m a expressão gaélica que significava «grito de
guerra de u m clã». Une, mas sempre contra qualquer coisa.
Afirma, mas sempre e m oposição a outra afirmação. Quando
falamos de «crescimento», é para contestar u m a pedagogia
autoritária, ou, rigorosamente, qualquer pedagogia; «o que resta
quando esquecemos tudo» opõe a cultura à erudição, ou, rigo-
rosamente, ao saber. U m «slogan» americano como « W e teach
children, not subjects» (ensinamos crianças, e não matérias)
é claro quanto ao que contesta, u m ensino que sacrifica a men-
talidade dos alunos, as suas necessidades, a sua expectativa,
à matéria ensinada; m a s é obscuro quanto ao que afirma:
é possível ensinar crianças sem lhes ensinar alguma coisa?
Poderão opor-me a frase de Joubert: «Platão não ensina nada,
mas ensina»; simplesmente, esta fórmula não é u m «slogan»;
e m vez de ser polémica, é aberta, interroga-nos. O «slogan»
existe quando o pensamento é u m a arma.
E m quarto lugar, o «slogan» não é necessariamente falso,
mesmo e m política ou e m publicidade. M a s é necessariamente
sumário, tanto no que afirma como no que prescreve. «Quem
se instrui, enriquece»: talvez, mas que significa «enriquece»?

295
Olivier Reboul

Devemos entendê-lo no sentido próprio, ou metafórico, eu e m


amabas? «Nao fazer seres normais, mas normativos», diíz-se;
mas que significa concretamente «normativos», e por que
método se atinge esse ideal?
Finalmente, e m quinto lugar, o «slogan» não é, icoino se
pensa frequentemente, «oco» ou «desprovido de sienitido»; pre-
firo dizer que contém u m excesso de sentido. É , por natureza,
ambíguo, isto é, pode assumir sentidos diferentes consoante
os locutores ou os públicos. Durante u m congresso na Africa
Negra, perguntei a duas professoras do ensino primário se
as duas expressões em voga no seu país, «Escola do povo» e
«Escola agradável» tinham o mesmo sentido; responderam-me
que sim; então, u m funcionário do Ministério da Educação
exclamou: «Mas não, camaradas, é muito diferente!»; e, tec-
nicamente, ele tinha razão; mas as duas professoras não viam
o assunto tecnicamente; para elas, as duas fórmulas represen-
tavam a mesma denúncia da escola actual, herdada do colo-
nialismo. Observemos que este congresso tinha por tema:
«Educação e trabalho produtivo» ; todos os participantes esta-
vam de acordo e m ligar os dois termos; mas, como entender
«trabalho produtivo» ? Para uns, tratavanse de trabalho manual:;
para outros, de todo o trabalho gerador de bens, incluindo o
dos artistas... ou o dos professores. A própria ligação entre
escola e trabalho era, para uns, sinónimo de métodos activos
(«escola agradável») ; para outros, inspirados no modeloi sovié-
tico de escola .politécnica, tratava-se de ligar o ensino à produ-
ção; m a s como? Transformando a escola numa unidade de
produção, ou enviando os alunos para os campos e para a
fábrica?
Assim, o «slogan» é autodissimulador, anónimo, polémico,
sumário, ambíguo. E , não m e parece que estes traços sejam
acidentais, ou antes, que u m «slogan» pudesse deixar ide os
apresentar. Constituem a essência do «slogan», são precisa-
mente o que explica o seu poder. D e facto, derivam todos de
u m carácter mais fundamental. Regressemos à definição do
Robert: « U m a fórmula concisa e convincente»; já de si, é utn
pleonasmo, pois toda a fórmula é «uma expressão concisa»
(ibid.). Seria preferível dizer que o «slogan» é não só u m a
fórmula curta, mas demasiado curta para o que significa; foi
o que já designei por «retórica do encurtamento». Seja o «slo-
gan», transformado em chavão: «O ensino é u m apostolado»;
não é falso; mas a sua concisão torna-o sumário e ambíguo,
u m a vez que não se precisa se o «apostolado» é real ou meta-
fórico; transforma-o n u m grito de união — «Nós, professores,
somos diferentes dos outros» — e n u m instrumento polémico,
numa arma ao serviço da administração — «Vós, professores,
não podeis descer a reivindicações materiais». O encurtamento
do «slogan» é justamente o que explica o seu poder: poder de
união, de denúncia, de justificação, de persuasão. Se fosse miais

296
O educador e os «slogans»

longo, não só seria menos «convincente», menos fácil de repetir,


como deixaria de ser sumário e ambiguo; observaríamos o seu
carácter polémico e procuraríamos o seu autor; se fosse mais
longo, não seria u m «slogan».
Para confirmar esta breve análise, vou aplicá-la a dois
«slogans» pedagógicos muito divulgados.

«A escola na vida»
Para testar a ambiguidade de urna das fórmulas pedagógicas
mais correntes, pedia aos meus alunos de ciências da educação
que ipegassem numa folha de papel e escrevessem o que signi-
ficava para eles «a escola na vida», podendo cada uim deles
apontar vários sentidos, se assim o entendessem. A o 1er as
respostas, u m a centena, observei que muitos estudantes não
tinham compreendido que se tratava de u m «slogan» e se inter-
rogavam simplesmente sobre o papel da escola na vida, na vida
do indivíduo, para uns, na vida social, para outros. O s que
compreenderam que a fórmula era simultaneamente optativa
e polémica atrifouíram-lhe sentidos muito diversos, que pode-
mos classificar do seguinte modo:
A vida como escola. Trata-se de u m sentido utópico e vio-
lentamente contestatário, inspirado e m Ivan Hlich: « U m ensino
e m locais e domínios estranhos à escola», escrevia alguém.
«Tirar lições do que vivemos = escola pela vida = escola da
vida». Outros, mais reservados, vêem nesta expressão u m sinó-
nimo de formação contínua: «A auto-educação nunca item fim» ;
«a escola dura toda a vida». Finalmente, u m simples sinónimo
de educação, mas oposta ao ensino escolar: «A vida aprende-se;
é a educação no sentido mais amplo».
A vida na escola. A escola na vida, é a escola vivia, que
favorece a participação, a não directividade, as experiências
concretas, «para recriar na escola condições de existência, de
contacto interpessoal autêntico». Implica o recurso aos métodos
activos, para «suscitar a imaginação e a expressão dos indi-
víduos»; «uma escola que não distingue o trabalho intelectual,
manual e prático»; e, mais lapidar: «aprender aquilo de que se
gosta». E m suma, no segundo sentido, já não se trata de pro-
curar a vida fora da escola, mas de «suscitar a entrada da vida
na escola, u m a vez que ainda lá não está».
A escola aberta para a vida. Neste caso, não se trata de
mudar os métodos, m a s o conteúdo; não se trata de renovar
a pedagogia, mas de «integrar a escola no meio» ; «que a escola
aceite ser posta e m causa pela evolução da sociedade»; «que
esteja e m interacção com o meio»; a escola na vida, é, por-
tanto, «a abertura da escola para o mundo exterior e, rigoro-
samente, a sua inserção no mundo». Certas respostas são mais
precisas : «A adequação dos programas às exigências do mundo
contemporâneo (económicas, sociais, etc.) » ; «sensibilização dos

297
Olivier Reboul

alunos perante a actualidade, como a política, a fome no mundo».


Notemos que este programa não exclui o® métodos activo®,
embora não os inclua necessariamente; é possível fazer u m
curso magistral .sobre a fome do mundo.
A escola para a vida. Isto é, u m ensino que constitua real-
mente u m a preparação para a vida. M a s , e m que sentido?
Elm primeiro lugar, n u m sentido concreto: « A aprendizagem
da vida real: ofícios, espírito crítico face aos media, relações
quotidianas» ; «orientação, conhecimento dos ofícios, das possi-
bilidades de emprego, das carreiras»; u m a escola que forneça
«os meios da vida na sociedade (correios, banco, moedas, res-
ponsabilidades políticas ou associativas) ». E m seguida, u m sen-
tido mais social: «fornecer capacidades»; «formar a persona-
lidade de base». Finalmente, u m sentido global, indefinido, infi-
nito: « u m a escola para aprender a ser», que dispense «saberes
susceptíveis de ser utilizados na vida e não e m si mesmos»;
« u m a aprendizagem da vida c o m todos o® seus dados».
Para este público, culto e já especializado, a «escola na
vida» assume, portanto, quatro significados, que se decompõem
e m significado® secundários. C o m o é evidente, muitos deles
podem harmonizar-se, completar-se ; m a s podem também con-
tradizernse, como, por exemplo, «tornar a escola viva» e «apren-
der a viver fora da escola». N o interior da m e s m a rubrica,
por exemplo, a vida na escola, encontramos fórmulas c o m
implicações opostas: «aprender aquilo de que se gosta», será
compatível com « u m a escola que não distinga trabalho intelec-
tual, manual e prático», na medida e m que u m aluno< pode não
gostar de u m destes três tipos de trabalho? Mais geralmente,
a vida é, para uns, o que ensina, e, para outros, o que é neces-
sário1 aprender.
Finalmente, o que suscita a unidade do «slogan», o seu
poder de incitamento e de união, não é o que ele afirma, m a s
o que ele rejeita: «a escola rígida, académica, isolada da vida,
sem contacto como meio»; «rígida, doutrinal, castradora».
É evidente que, e m todas as respostas, a vida é o critério
supremo, e a escola só é aprovada na medida e m que o res-
peita: « A escola não pode destruir o dinamismo do que está
vivo». M a s , que significa «vida» e que significa «na»? São
tantos os significados que não dizem muito. E é precisamente
o aspecto sumário da fórmula que lhe permite unir toda a gente.
N a d a como a ambiguidade para criar a unanimidade.

«Democratizar o ensino»

Depois de ter discutido com os estudantes as suas respostas,


repeti a experiência quinze dias mais tarde c o m a fórmula
«Democratizar o ensino». Desta vez, os estudantes, advertidos
e desconfiados, compreenderam a fórmula como u m «slogan».
Alguns deles, inclusivamente, não hesitaram e m a denunciar,

298
O educador e os «slogans»

e por cinco razões: a) «democratizar é u m termo político que


não temos o direito de aplicar à escola: o verbo sugere que
podemos impor à escola tudo o que quisermos»; b) a fórmula
opõe-se à realidade: « O código genético torna os individuos
diferentes à nascença» ; c) «democratizar» é urna fórmula d e m a -
gógica, que conduz ao «nivelamento dos individuos» e à «queda
do nível do ensino»; d) trata-se de u m a fórmula oca, unica-
camente com a função real de tranquilizar o público e os pro-
fessores, «é u m álibi» ; e) ao pretendeir democratizar, corremos
o risco de fazer o contrário: «Os alunos deteriam u m a parte
do poder: como o utilizariam? Muito b o m para a formação
antecipada de dirigentezinhos» ; «ao meter toda a gente n o
m e s m o saco, desfavorecemos ainda mais os que já eram desfa-
vorecidos».
Contudo, a maior parte dos estudantes aprovaram a fórmula,
embora tivessem insistido no seu carácter utópico: «utopia
irrealizável, m a s interessante»; «compreensível e enriquece-
dora». Porquê u m a utopia? a) porque a sociedade é antide-
mocrática; b) porque seria necessário « u m ensinoi objectivo,
o que iria contra a personalidade dos professores» ; c) porque
a escola é u m a instituição intrinsecamente autoritária que,
como tal, «não pode ser posta e m causa»; d) porque a vida
social não é igualmente educativa para todos, e porque: o meio
é frequentemente desfavorável ao indivíduo para o seu ensino».
Os que aceitam a fórmula, como, de resto, os seus 'adver-
sários, conferem-lhe, de facto, cinco sentidos muito diferentes.
E m primeiro lugar, u m sentido tradicional, o que poderia
ter na H l República. Democratizar, é destruir os privilégios,
«os que se devem à família, os que se devem ao dinheiro'».
Daí resulta que o ensino deve ser: a) idêntico, o « m e s m o para
todos»; b) igualitário, avaliando os alunos objectivamente,
«admitindo que as crianças das classes superiores possam ser
cálbulas»; c) gratuito, «a todos os níveis», e acompanhado de
bolsas para «os mais pobres»; d) obrigatório, « e m virtude
do direito individual à escolarização» ; e) favorecendo a mobi-
lidade social e proporcionando a todos as m e s m a s ¡oportunidades
de promoção; / ) laico; m a s , neste ponto, as respostas divergem;
para uns, laicidade significa objectividade e neutralidade;
para outros, pluralismo, pois só abrindo a escola «às ideologias
mais diversas poderemos atingir a objectividade», «e formar
o espírito crítico». Curiosamente, os estudantes que fornece-
ram estas respostas não viram, ou não disseram que «demo-
cratizar o ensino», considerado neste sentido, nada tinha de
utópico.
E m segundo lugar, u m sentido social, ou até socialista.
«Democratizar o ensino», é opor-se não só aos privilégios, m a s
a tudo o que, n a própria escola, possa favorecer u m a elite.
O que suscita medidas muito mais radicais do que as pre-

299
Olivier Reboul

cedentes; por exemplo, adaptar-se «ao nível de languagein e


à afectividade das classes desfavorecidas», «suprimir do en-
sino ¡tudo o que decorre da dominação ¡burguesa (língua, cultura,
valores morais e ideológicos)», correndo o risco de colocar as
crianças burguesas «em situação de fracasso»; ou ainda, pro*
curar que as «diferentes classes sociais sejam representadas
proporcionalmente ao ©eu número no ensino superior», podendo
introduzir-se u m numerus clausus. Finalmente, chegamos a
u m a contradição entre o fim: «proporcionar a todos o miesmo
ensino», e os meios: não proporcionar o mesmo ensino a todos»,
para compensar as desigualdades decorrentes do meio.
E m terceiro lugar, u m sentido pedagógico. «Democratizar
o ensino», não significa apenas beneficiar toda a gente, trata-se
de «alterar as suas estruturas para o transformar numa de-
mocracia». Todas as respostas dieste tipo se opõem ao autori-
tarismo do ensino actual, mas divergem quanto às soluções.
Democratizar, é: o) libertar os professores da tuteia da hierar-
quia e dos programas; b) libertar os alunos por meio da eogesi-
tão («partilhar o saber e o polder com as crianças»), ou da
autogestão, e m que a assembleia dos alunos decide tudo;
c) modificar os programas, para que deixem de ser «centrados
no passado, na abstracção, no Ocidente, na escrita», «para
atender às aspirações dos alunos»; d) modificar os métodos
insistindo na experiência e no trabalho e m grupo; e) modi-
ficar as finalidades, para permitir que todos «desenvolvam
ao máximo as suas possibilidades», «para transformar u m
apaixonado por plantas não n u m 'manga de alpaca', mas n u m
jardineiro».
E m quarto lugar, u m sentido anarquizante. Democratizar
a escola, é torná-la facultativa, dar a todos a possibilidade de
ensinar; rigorosamente, suprimi-la, substituí-la pelo ensino- da
vida.
E m quinto lugar, u m sentido político: o mais raro. «De-
mocratizar o ensino», é transformá-lo no ensino da democracia,
criando «os meios que permitem que toda a gente aprenda a
vida social» ; é necessário, portanto, que «os alunos participem
na vida política exprimindo a sua opinião»; opção mais radical:
«transformar o ensino no instrumento de u m a revolução das
instituições que permita a instauração de u m a verdadeira de-
mocracia».
E n suma, esta fórmula, tal como a precedente, possui os
caracteres do «slogan» : é anónima, polémica, sumária, ambígua,
o que não significa que seja falsa ou perniciosa, mas simples-
mente que é u m «slogan», e tanto mais que a sua evidência
aparente, a sua familiaridade, tende a dissimulá-loi Oorre o
risco de ser u m a frase feita, u m pronto-»ipensar que dispensa
de pensar. Significará que devemos condenar o «slogan» peda-
gógico?

300
O educador e os «slogans»

Podemos dispensar os «slogans»?

Parece-me impossível responder com u m ¡sim ou. u m não.


Podemos admitir que todo o «slogan» resume u m a teoria pe-
dagógica ou política exprimindo-a de modo convincente. M a s
as análises precedentes mostram que as proposições que o
«slogan» pretende resumir são profundamente divergentes, ou
até contraditórias entre si. Mais do que o (resumo, o «¡slogan»
é u m «encurtamento» que tende a eliminar as dificuldades e as
contradições; vingança da utopia sobre a vida, constitui, na
realidade, u m «Abre-te Sésamo», u m a fórmula mágica. Ê neste
aspecto, que é insubstituível.
É verdade que alguns «¡slogans» parecem condenáveis por-
que traem, pelo seu próprio conteúdo, a causa que prebendem
defender. Estou a pensar na expressão: «O ensino' é a trans-
missão de u m saber», o que parece indiscutível, tanto para os
tradicionalistas como para o® adversários. O s primeiros afir-
m a m que ensinar é itransmitir tão fielmente quanto possível
os conhecimentos e os valores que constituem a herança social
ou o património humano. A o que os segundos respondem que
a «bagagem escolar» imposta ao aluno não passa die u m peso
morto, que significa a «repressão do seu desejo» e da sua
«criatividade». Mas, nem uns nem outros procuram saber se
o saber pode verdadeiramente ser objecto de u m a transmissão.
Esta metáfora, retirada da mecânica, parece-one desastrosa,
pois a transmissão é u m processo passivo: a sentinela que trans-
mite u m a mensagem não necessita de a compreender, tal como
uma máquina. Pior ainda, toda a transmissão gera diminuição,
apagamento gradual ida informação inicial. Se o ensino é u m a
transmissão, prejudica os alunos, ao forçá-los a aprender sem
compreender; e prejudica o saber que transforma ena dogma,
ou até e m verbalismo. U m saber que se transmite é u m saber
que se apaga. U m professor de matemática não «transmite» a
inteligência de u m teorema, n e m u m professor de francês
«transmite» a de u m a obra literária. Esta fórmula não define
o ¡ensino; destrói-o.
¡Outros «slogans» são perigosos não pelo que afirmam mias
pelo seu-não-dito. Estou a pensar na fórmula e m voga: «Apren-
der a ser». Ê muito bela pelo que afirma, que o fim da educação
é a formação do homem completo. Mas parece-me perigosa
pelo que omite. N a maior parte das vezes, é apresentada com
u m ¡sentido polémico: aprender a ser, 'em vez de aprender
determinada coisa; a pretexto de se opor ao intelectualismo,
corre o risco de atingir a vida intelectual, que, no entanto,
também faz parte do nosso «ser» de h o m e m ! Sugere que «ser»
pode aprenderHse nas escolas, como ¡se aprende física ou línguas
vivas; e caímos, ¡então, no exagero contrário, no imperialismo
pedagógico; pois é a cada u m de nós que compete aprender
a ser —aprender a amar, a envelhecer, a compreender, a edu-

301
Olivier Reboul

car —e durante toda a vida ; o ensino pode preparar-nos para


esta aprendizagem, mas não* nos substitui. C o m o «Aprender
a ser» é u m a bela fórmula, sentimo-nos tentados a transfor-
má-ia numa fórmula mágica.
Assim, já que toda a teoría pedagógica ¡se opõe a outras,
é difícil compreender que possa dispensar os «¡slogans»; tanto
mais que a oposição não é apenas de ordem teórica, mas prática,
e, mais ainda, afectiva. A melhor causa ¡estaria antecipadamente
vencida se não dispusesse destas fórmulas convincentes que
exprimem, melhor do que u m longo discurso, uma paixão colec-
tiva. Conclusão pessimista?
Não. U m a paixão que se exprime é u m a paixão conhecida,
ou, pelo menos, que podemos conhecer. E aí reside justamente
o interesse do «slogan». Basta analisá-lo para descobrir todo
u m mundo de sentidos mais ou menos divergentes, u m mundo
de pensamentos, de suspeições e, finalmente, de paixões. Mas
descobri-lo é progredir. O congresso africano de que falava foi
realmente fecundo na medida e m que tomou consciência de
todas as ambiguidades do «slogan» «educação e trabalho pro-
dutivo». « A escola na vida». «Democratizar o ensino» foram
objecto de u m contacto frutuoso com. os nossos ¡estudantes,
depois do qual tomaram consciência da ambiguidade, e também
da riqueza das suas respostas. U m a frase feita é perigosa;
mas pode também constituir u m a ocasião de pensar a partir
dela, ou antes, de reflectir.
Mas, deve ser entendida tal como se apresenta. O «slogan»
verdadeiramente perigoso é o que não se revela como tal, que
se dissimula sob a máscara do senso comum, da tradição ve-
nerável, da exigência revolucionária, da evidência científica.
Então, a linguagem, e m pedagogia como nas outras ciências,
deixa de exprimir o pensamento; reprime-o.

Bibliografia
R E B O U L , Olivier. Le Slogan, p. 47. Paris, Complexe/PUF, 1975. Sobre os
«slogans» pedagógicos; ibid., pp. 101 e seguintes. Ver também K O M I S A R , B . P.
e M C C L E L L A N . «The logic of slogans», e m Language and concepts in education,
Smith, Chicago, 1961; S C H E F F L E R , Israel, The language of education, C . C .
Thomas, 1960; I S A M B E R T - J A M A T I , Viviane. Crises de la société, crises de
l'enseignement, P U F , Paris, 1970.

302
Elementos para u m «dossier»

A matemática para a vida


Max S. Bell

Dispensar u m ensino utilitário


da matemática

H á muito que se dedica u m a grande im- das. Estas reformas exerceram u m a in-
portância ao ensino da Matemática na fluência sensível e essencialmente posi-
escola, mas o seu conteúdo e a sua efi- tiva no ensino secundário, em especial
cácia deram sempre origem a vivas con- nas classes preparatórias para a Univer-
trovérsias que, pelo menos a partir de sidade, mas, pelo menos nos Estados
1900, se .traduzem periódica e aproxi- Unidos, não exerceram ¡qualquer efeito
madamente todos os vinte anos, por sé- — positivo ou negativo — sobre o¡ ensino
rias propositas de «reforma», propostas da Aritmética na escola ¡primária. O s
todas elas seguidas de esforços conside- manuais ¡escolares das classes primárias
ráveis para elaborar novos programas de foram, de certo modo, modificados, mas,
estudos ou para melhorar os métodos na maior parte das escolas, os métodos
pedagógicos. Durante os diez anos que pedagógicos efectivamente praticados
se seguem a este ¡grande desenvolvimiento não se alteraram, certamente porque nin-
de actividade reformadoira, as inovações guém se preocupou e m ajudar os ¡prof es-
são habitualmente, e m parte, assimiladas, sores a assimilar e a ensinar os novos
em parte abandonadas, e m parte ultra- temas propostos. O ensino elementar
passadas, devido ao progresso* dos conhe- continuou a baseasse quase exclusiva-
cimentos e ao aparecimento de novas mente, como antes da reforma, na Arit-
exigências originadas pela evolução da mética dos números inteiros, das frac-
sociedade. O último destes períodos de ções e dos números decimais, sem grande
reforma, que se ¡situa nos anos 60, preocupação com as aplicações deste tipo
conduziu à instituição da «¡Matemática de Aritmética.
moderna», simultaneamente vilipendiada Ao aproximarmoMnos dos anos 80,
e saudada coimo grande acontecimento, assistimos a u m a recrudescência do inte-
cujo objectivo essencial consistia em eli- resse pela eficácia do ensino da Mate-
minar dos manuais ¡escolares as noções mática na escola e teremos certamente
incorrectas ou ultrapassadas para ba- ocasião de observar u m novo¡ movimento
sear o ensino da Matemática, a todos os de reformas, cuja necessidade se faz sen-
níveis de estudo, e m estruturas apropria- tir, sem dúvida, não por as reformas pre-
cedentes terem falhado, mas porque urge
Max S. Bell (Estados Unidos da América). Espe- atender às novas exigências e possibili-
cialista no ensino da Matemática, professor asso- dades que surgiram nos anos decorridos
ciado de Pedagogia na Universidade de Chicago. desde 1958. U m ensino utilitário da M a -
Autor de numerosas obras da sua especialidade, temática — para retomar a fórmula de
em particular: Algebraic and arithmetic structures: Hans Freudenthal — é essencialmente
a concrete approach for elementary school teachers
(em colaboração com K. Fuson e R . Lesh). uma necessidade que se impõe cada vez

305
Max S. Bell

mais, não só para u m a ¡minoria de ¡pes- aptidão atingido e m Matemática, a


soas, m a s para toda a gente ou quase. maior parte dos adultos são capazes
Eiste imperativo préndense tamibém c o m de efectuar operações aritméticas sem
a necessidade de adaptação às possibili- se enganar, m a s , e m muitos casos,
dades oferecidas quase universalmente mostram-se desarmados perante as
por calculadores e ordenadores miuito aplicações correntes da Aritmética
aperfeiçoados e relativamiente pouco dis- que os atingem a nível de consumi-
pendiosos. Destes dois imperativos de- dores, para não falar das aplicações
corre a necessidade urgente de definir os miais complexas da Matemática 1 .
«mecanismos de base», isto é, o que im- 3. Para compreender a Matemática e
porta realmente saber para aplicar a M a - reagir positivamente ao seu ¡ensino,
temática à solução de problemas con- é necessário u m a iniciação eficaz e
cretos, u m a vez que é possível efectuar fecunda antes de ingressar no- ensino
facilmente os cálculos propriamente di- secundário, e até talvez desde os pri-
tos, m e s m o os mais complexos. meiros anos do ensino primário. Para
'Nos últimos anos esta questão tem além da importância evidente de «uma
sido albundantemente tratada nas publica- boa hase», este período da infância
ções pedagógicas e técnicas, assim como durante o qual se efectua o desen-
na grande imprensa. O s seguintes pontos volvimento é talvez o mais propício
resumem o essencial desta literatura e ou o único favorável a certas apren-
constituem as hipóteses e m que se apoia dizagens. Ora, o ensino da Matemá-
a argumentação do presente artigo: tica na escola primária é frequen-
1. A aquisição de bases sólidas e m M a - temente estéril e, m e s m o com. as
temática, que ultrapassem de longe a melhores intenções, a maior parte
simples aptidão para calcular, tor- dos professores que preparam para
nou j se útil (e muitas vezes indàspenr o ensino secundário sente-se incapaz
sável) para numerosas actividades, de alterar o que quer que seja nesta
tanto pessoais como profissionais: situação; como é ¡evidente, também
c o m efeito, necessitamos cada vez não foram preparados.
mais de Matemática e esta ¡tendência 4. A s grandes pressões que se exercem
continuará certamente a acentuar-se. sobre os professores para que melho-
O ensino não deve, portanto, limitar- rem os «resultados obtidos nos tes-
-se a desenvolver as aptidões indis- tes» pelos alunos, insistindo nos «me-
pensáveis ao tratamento dos dados canismos de base» (pelos quais se
numéricos, m a s fornecer a base sus- entende invariavelmente o cálculo)
ceptível de permitir que todos que foram — e continuam a ser — u m
o desejem adquiram conhecimentos dos factores que limitam a evolução
mais especializados e m Matemática do ensino da Matemática na escola
e Estatística. primária. Seja qual for a nossa opi-
2. Segundo estes critérios, o ensino da nião, ou a dos professores, sobre u m a
Matemática na escola é u m fracasso orientação tão exclusiva do ensino,
para muitas pessoas — ou até para estes não recebem quaisquer outras
a maior parte. C o m efeito, são nu- informações quanto aos conhecimen-
merosos os alunos que exprimem tos que importa considerar como
abertamente sentimentos de receio e «fundamentais ».
de impotência perante a Matemática. 5. Contrastando directamente com a
D o m e s m o m o d o , segundo inquéritos tendência para exigir que o ensino
nacionais recentemente efectuados e m primário seja quase unicamente orien-
vários países para avaliar o nível de tado para a aprendizagem do cálculo,

306
Dispensar u m ensino utilitário da matemática

o uso de calculadores electrónicos de u m pouco mais às normas do período


baixo preço não cessa de aumentar, anterior às reformas, e os que sempre
de tal modo que a maior parte das manifestaram a opinião de que os m é -
pessoas, dentro de poucos anos, m a - todos tradicionais valem mais do que os
nipulará a Aritmética de maneira novos são actualmente senhores da si-
muito diferente da que conhecia an- tuação, tendo como divisa o «regresso
teriormente. Este fenómeno exige, aos mecanismos fundamentais». Assim,
pelo menos, uma séria discussão' sotare há aproximadamente cinco anos que
o interesse limitado e exclusivo atri- assistimos a controvérsias apaixonadas
buído ao cálculo e permite salientar para tentar definir o que podem enco-
— o que talvez seja ainda mais impor- brir estes «mecanismos fundamentais».
tante — a aquisição de novas noções N u m a publicação e m que trinta e três
matemáticas com as quais a maior peritos e pedagogos especialistas e m M a -
parte dos professores não está fami- temática procuraram definir o que é fun-
liarizada. damental na Matemática ensinada na
Os principais factos que enfrentamos escola, James Fey defende que a difi-
quando nos interrogamos novamente culdade reside na multiplicidade dos sen-
sobre o que deveria sier o ensino da tidos atribuídos ao termo «fundamental».
Matemática nos anos 80 são os se- Observa que, tratandO'-se dos mecanis-
guintes: as pessoas que necessitam de mos minimamente necessários para so-
Matemática são mais numerosas do que breviver e m sociedade, a sua lista não
nunca, m a s a maior parte sente-se in- pode deixar de ser muito curta, pois, a
capaz de dominar até mesmo as aplica- bem dizer, a maior parte das pessoas
ções mais simples da Matemática. Para consegue sobreviver ignorando a Mate-
modificar esta situação, seria necessário, mática. Nota que a lista dos mecanismos
em particular, dispensar u m ensino de indispensáveis para ser u m consumidor
excelente qualidade na escola primária, avisado seria já mais longa, mas ainda
mas nada tem sido feito pana que os relativamente limitada. E m todo o caso,
professores estejam à altura desta ta- afirma James Fey, estas definições que
refa. Pelo contrário, são convidados a se apoiam na noção de «sobrevivência»
privilegiar quase exclusivamente a aqui- e de «consumo» testemunham u m a opi-
sição dos mecanismos aritméticos, pre- nião demasiado pessimista das possibi-
cisamente no momento em que se torna lidades que oferece a Matemática ensi-
evidente que a prática do cálculo não nada na escola. Seria preferível examinar
representa aquilo de que a maior parte as «aptidões matemáticas susceptíveis de
das pessoas terá necessidade nos próxi- permitir que realizássemos eficazmente
mos anos. Estes problemas poderiam ser os nossos deveres de cidadãos e que
regulados deste modo. apreendêssemos o nosso ambiente social
e tecnológico». Esta concepção, menos
O que é fundamental prosaica e menos pessimista, conduz-nos
na aprendizagem ainda a «aperceber as actividades de in-
da Matemática? vestigação e de desenvolvimento que se-
ria necessário empreender no que res-
O sucesso importante, mas parcial, das peita ao ensino da Matemática» 2 .
reformas empreendidas nos anos 60 A bem dizer, as listas de mecanismos
em nome da «Matemática moderna» foi fundamentais que o ensino escolar da
seguido do habitual período de consoli- Matemática deveria inculcar são, na ¡sua
dação e de adaptação. Contudo, os m a - maior parte, demasiado restritivas e pes-
nuais escolares regressam todos os anos simistas. Além disso, as competências

307
Max S. Bell

que salientam estão longe de ser as que dora. Se a Matemática se resumisse a


permitiriaim resolver os ¡problemas que estas características, não poderíamos jus-
surgem na vida corrente. N o entanto, a tificar a importância predominante que
lista mais sucinta parece •superficialmente ocupa nos programas escolares. É ensi-
orientada para este objectivo. A «solução nada na escola precisamente por ser u m a
de problemas concretos» constitui, pois, disciplina útil, e m particular para resol-
u m possível ponto de união. A dificuldade ver toda a espécie de problemas.» 5
deve-se às dive¡rsas interpretações desta Vejamos ainda u m dos inúmeros tes-
fórmula, que vai das simples palavras temunhos que e m a n a m de utilizadores da
cruzadas às investigações matemáticas Matemática: « O emprego da linguageim
de alto nível. Contudo, é fácil descobrir matemática já é desejável e e m breve
o que significa para os que mais reflec- se tornará inevitável. S e m a sua ajuda,
tiram, sobre os objectivos para que deve o desenvolvimento dos negócios, que im-
apontar o ensino escolar da Matemática, plica operações muito complexas, ver-se-á
c o m o indicam os seguintes extractos de atrasado ou m e s m o interrompido. N o que
obras publicadas c o m mais de cinquenta se refere às ciências de gestão, e a todas
anos de intervalo. as outras ciências, a Matemática tomou-
« A análise de problemas concretos na -se u m a das condições de progresso.» "
escola deve preparar para a solução dos A verdade pura e simples, é que a
problemas que surgem na vida. Mantidas aptidão para utilizar a Matemática se
as proporções, os problemas que corres- tornou «uma das condições de progresso»
pondem a u m a situação real são prefe- não só dos negócios c o m o da maior parte
ríveis aos que se referem a u m a situação das ciências naturais e sociais, m a s tam-
puramente teórica, e os problemas que bém dos indivíduos. Sendo assim, u m edi-
podem realmente surgir na vida de u m a torial recentemente publicado na revista
pessoa normalmente constituída são pre- Science (19 de Janeiro de 1979) deplora
feríveis aos problemas artificiais e às «que a Matemática constitua, no ensino
simples adivinhações.» 3 secundário, u m a barragem para milhões
« C o m o a Matemática se revelou indis- de alunos que abandonaram rapidamente
pensável para compreender e dominar o seu estudo». Contudo, esta barragem
tecnicamente não só o m u n d o físico, m a s ergue-se certamente muito antes do en-
t a m b é m as estruturas da nossa socie- sino secundário e, como já assinalei, po-
dade, não podemos continuar a ignorar deríamos situá-la ao nível das classes
a necessidade de dispensar u m ensino primárias. Compete-nos, pois, ensinar as
utilitário da Matemática. Segundoí as con- crianças a manipular c o m segurança os
cepções pedagógicas tradicionais, a M a - números, o cálculo, a geometria, o con-
temática serve muitas vezes de exemplo ceito de probabilidade, a lógica, etc., e a
de ciência desinteressada. É verdade que desenvolver u m sólido sentido intuitivo,
ainda continua a acontecer, m a s já não de tal m o d o que possam e queiram abor-
nos podemos permitir insistir tanto neste dar e dominar qualquer nova tarefa
aspecto se nos obrigar a desviar a nossa matemática. O que não parece acontecer,
atenção do emprego generalizado da M a - actualmente, c o m muitas pessoas. M a s
temática e tendo e m conta que ela é indis- de nada serviria procurar determinar a
pensável não só a u m a pequena minoria, q u e m cabem as responsabilidades. E m
m a s tamibém à maior parte das pessoas.»4 particular, não devemos condenar os pro-
fessores n e m conduzi-los a perder ainda
'«Para u m número restrito de pessoas,
miais a confiança e m si mesmos, pois
a Matemática é muito divertida. Para
ensinam com o handicap de u m a forma-
u m número ainda mais restrito, consti-
ção inadequada, de u m a estreiteza de
tui u m a experiência estética enriquece-

308
Dispensar u m ensino utilitário da matemática

objectivos que colectivamente lhes forne- meiro lugar, esforçar-nos por compreen-
cemos. Trata-se de factores responsáveis der os mecanismos graças aos quais as
pelo insucesso das crianças, mas- somos pessoas experimentadas na matéria a
nós, ¡portanto, os responsáveis pelo in- aplicam. Desde 1940 que somos cada vez
sucesso dos professores. mais forçados a utilizar a Matemática
E m vez de nos voltarmos para o pas- em domínios cada vez mais numerosos
sado a fim de examinar ais lacunas do e, simultaneamente, conseguimos perce-
ensino da Matemática na escola, encare- ber mais claramente como a construção
mos o futuro reflectindo sobre os meios e a utilização daquilo a que chamamos
de o melhorar. Se admitimos que u m dos «modelos matemáticos» permitem atingir
principais imperativos consiste e m dis- este objectivo. John Synge, u m dos espe-
pensar u m ensino utilitário da Matemá- cialistas da Matemática aplicada,, forne-
tica, devemos, numa primeira fase, des- ceu u m a breve e pitoresca descrição deste
cobrir como procedem, os que sabem processo: «A aplicação da Matemática a
utilizá-la e determinar, e m seguida, o con- u m problema concreto comporta três eta-
teúdo de u m programa de ensino aplicá- pas: o) mergulhar da realidade no mundo
vel à escola e susceptível de desenvolver da Matemática; b) nadar no mundo da
tais aptidões. Examinemos agora as di- Matemática; c) emergir do mundo da
versas etapas deste processo1. Matemática para regressar à realidade,
sendo portador de u m a previsão.» ''
Objectivos de u m ensino O esquema 1 indica de modo mais poír-
da Matemática menorizado as diversas etapas que a
sublinhando o seu aspecto utilitário aplicação da Matemática icomporta.
Como indica o esquema, as situações
Embora a nossa principal preocupação do mundo real são quase sempre muito
consista em dispensar u m ensino utili- complexas e, portanto, devemos1 ter e m
tário da Matemática, devemos, em pri- Vista a simplificação, ia abstracção e a

O resto do mundo

(É possível resolver Situação e m que se torna


muitos problemas sem recorrer necessário tomar u m a decisão
minimamente à Matemática dispondo de informações
(problema real acompanhado de dados reais)

/
-J +
Abstracção
e representação^
r\ !
A/Interpretação
simbólica /
/ / i ,' e previsão
. i
I \ I u
Teoria matemática
IW
Factos Factos (Na maior parte das vezes,
Indução o ensino da Matemática
(formal ou informal) situa-se exclusivamente
neste estádio)

O mundo da Matemática

E S Q U E M A 1. Breve iniciação à construção de «modelos matemáticos» (segundo Fey, 1975).

309
Max S. Bell

representação por ¡meio d e símbolos m a - O mecanismo que acabamos de descre-


temáticos. Este processo pode ser tão ver revelou-se extremamente frutuoso,
simples c o m o o que consiste e m enume- pois permitiu transformar a Matemática
rar os objectos de varias colecções e e m n u m (utensílio capaz de resolver muitos
substituir as iproprias colecções por n ú - problemas concretos; assim;, talvez de-
meros q u e representem os elementos de vêssemos tê-lo e m conta quando formu-
que são compostas. E m certos casos, o lamos os Objectivos de u m , ensino utili-
processo d e análise e de abstracção con- tário d a Matemática. N o esquema 2,
duz à solução d o problema, s e m que seja /procurei indicar, ipor meio de u m a lista
necessário recorrer à Matemática. Con-
de temas de estudo, aquilo de q u e a
tudo, sentimo-nos muitas vezes obrigados
maior parte das pessoas necessita, e esta-
a tratar estas abstracções segundo m é -
todos matemáticos, c o m o está indicado belecer esta lista de m o d o a reftactir o
na parte inferior d o esquema. Este tra- processo de construção dos modelos m a -
balho matemático /pode efectuar-se inde- temáticos. Comecei, pois, por enumerar
pendentemente d o m u n d o real que deiu as aptidões ligadas à abstracção) e à
origem ao problema. A b e m dizer, poder simbolização e, e m seguida, as aptidões
aplicar 'as m e s m a s técnicas matemáticas essenciais que exige a Matemática pura
a situações muito diversas é o que con- e, finalmente, as comjpetênciías necessá-
fere à Matemática a sua notável eficá- rias à exploração dos dados matemáticos,
cia n a solução dos problemas. Q u a n d o seja qual for a sua proveniência, tendo
este trabalho matemático conduz a. re- e m vista a interpretação, a previsão ou
sultados específicos, estes d e v e m ainda a tomada de decisões (como é evidente,
ser submetidos ao julgamento d a reali- estas três grandes categorias d e aptidões
dade, c o m o indica a seta à direita do encontram-se, e m certa medida, interli-
esquema 1. E m geral, efectuam-se várias gadas) .
trocas deste tipo entre o m u n d o d a M a - P o d e m o s começar a ensinar c o m êxito,
temática e o m u n d o exterior para a no primeiro a n o de escolaridade, a maior
maior parte dos problemas relativamente parte dos mecanismos e conceitos enu-
complexos.
merados n o esquema 2 , prosseguindo ul-

E S Q U E M A 2. Mecanismos que a maior parte das pessoas deve adquirir graças a u m ensino utilitário da
Matemática.

A . Construção de modelos matemáticos: quantificação, representação, abstracção.


1. Sistemas de notação e de símbolos: a) investigação de u m a notação eficaz; b) variáveis como «este-
nografia» ou como símbolos funcionando como números.
2. Utilizações de números estranhos ao cálculo: a) enumerações; b) medidas; c) relações; d) coorde-
nadas; e) ordenação; /) indexação; g) informações codificadas; h) números de identificação.
3. Estatística descritiva — representação de conjuntos de dados numéricos: maleabilidade e capacidade
de invenção na apresentação dos dados para variáveis únicas: aferimentos, quadros, histogramas,
gráficos, etc. Temas de estudo igualmente úteis: a) diagramas de dispersão c o m duas variáveis;
b) desenho da recta ou da curva mais adaptada.
4. Representações visuais — representações de informações não numéricas: a) preocupação do pormenor
minucioso; b) sensibilidade e m relação às formas; c) figuras da geometria plana; d) diagramas: tira-
gem de planos, circuitos, peças isoladas, etc.; é) gráficos indicando relações, por exemplo, setas,
ramificações; / ) sistemas de coordenadas para indicar locais. Temas de estudo igualmente úteis:
a) diagrama de Venn; b) gráfico dos fluxos.
5. Técnicas de transposição, transposição flexível: enunciados verbais, equações, fórmulas, quadros, grá-
ficos, etc. Temas de estudo igualmente úteis: induzir regras simples a partir de fenómenos que se
repetem regularmente.

310
Dispensar u m ensino utilitário da matemática

B . Actividades decorrentes essencialmente do mundo da Matemática

1. Mecanismos numéricos elementares: a) cálculo segundo os métodos tradicionais e não tradicionais:


por ordem crescente, decrescente, por dezenas, etc.; b) «reflexos» para as operações comportando
números c o m u m único algarismo. Temas de estudo igualmente úteis: a) Aritmética das potências
de 10 e notação científica; b) Aritmética das proporções.
2. Relações: a) relações correntes de equivalência — igualdade, congruência, semelhança; b) escolha
judiciosa de substituições a partir de diversas classes de equivalência, por exemplo, aplicar 1/2,
3/6, 50 % ou 0,5 ou qualquer outro coeficiente apropriado; c) outras relações: menos, mais, per-
pendicular, paralela, subconjunto.
3. Cálculo numérico: a) algoritmos para operações correntes — ricos ou «pobres» no plano concep-
tual — exploração das enumerações aritméticas sempre que for possível; b) utilização inteligente das
calculadoras e dos ordenadores.
4. Utilização pertinente das variáveis: a) manipulações no interior de equações até ao ponto de inflexão;
b) funções, relações, fórmulas; c) substituição. Temas de estudo igualmente úteis: a) sistemas de
equações; b) parâmetros.
5. Relações, funções, isomorfismos: a) intuição das formulações entradas-saídas e constrangimentos
relativos às entradas e às saídas; b) função linear relativamente a equações, quadros, gráficos de
coordenadas. Temas de estudo igualmente úteis: equações correntes, gráficos e propriedades das
funções lineares, quadráticas e exponenciais.
6. Aptidões fundamentais ligadas à Lógica: a) importância de pontos de partida convencionados —
axiomas e termos indefinidos; b) necessidade de definições precisas; c) utilização pertinente de
quantificadores: «todos», «existe», «alguns», etc.; d) argumentos válidos, m a s eventualmente dedu-
zidos de maneira informal.
7. Relações geométricas: a) intuição sobre propriedades correntes da Geometria plana através da con-
gruência, da semelhança, do teorema de Pitágoras; b) intuição sobre coordenadas e transformações
c o m o abordagens da Geometria. Temas de estudo igualmente úteis: projecções aplicadas ao desenho
e m perspectiva, aos mapas e m curvas de nível, às representações do m u n d o e m mapas planos.

C . Tomada de decisões com a ajuda de dados derivados da Matemática ou do mundo real.

1. Conceitos fundamentais de medida: d) utilização generalizada da medida c o m o origem dos números:


b) papel das «unidades» e dos «padrões» de medida; c) intuição das unidades que indicam a ordem
de grandeza: metros, gramas, etc.; d) medidas c o m o aproximações; e) viabilidade dos dados sobre
a qualidade dos instrumentos de medida. T e m a s de estudo igualmente úteis: «variação» devida ao
processo de medida ou a u m a modificação intervindo nos objectos medidos.
2. Medidas e medidas compostas: a) medidas fundamentais: comprimento, massa (peso), temperatura,
tempo; b) medidas compostas correntes: por exemplo, superfície, volume, capacidade, rapidez/veloci-
dade, densidade; c) variedades de outras medidas compostas: por exemplo, medidas médicas, medi-
das de vestuário, aceleração, pressão, etc.; d) relações entre unidades de u m sistema de medida.
Temas de estudo igualmente úteis: a) análise dimensional utilizada e m ciências físicas; b) índices
arbitrariamente definidos relativamente a medidas, por exemplo, custo de vida, inflação.
3. Estimações e aproximações: c o m o utilizá-las c o m segurança e conhecimento de causa: a) «sentido»
dos números; b) «sentido» das medidas; c) arredondar e calcular c o m números fáceis e potências
de 10: d) regras empíricas; é) factores de conversão correntes; / ) custo ou montante razoável e m
numerosas situações. Temas de estudo igualmente úteis: a) estimações respeitantes à ordem de
grandeza; b) métodos estimativos.
4 . Medidas baseadas e m probabilidades: d) existência da incerteza — a probabilidade c o m o «medida»
da incerteza; b) possibilidade de prever comportamentos colectivos e impossibilidade de prever
acontecimentos particulares; c) probabilidades c o m base teórica e probabilidades c o m base empí-
rica. Temas de estudo igualmente úteis: considerações sobre as sondagens.
5. Utilizações simples das estatísticas: a) apresentaçãoflexívele variada dos dados; b) médias correntes:
média aritmética, mediana, m o d a ; c) desvio ou variância dos dados; d) estudo das relações entre
dados; e) cepticismo quanto à «causalidade» nos dados e m correlação. T e m a s de estudo igualmente
úteis: testes simples relativos ao carácter inabitual de u m resultado, por exemplo o teste X 2 .
6. Sensibilização e m relação à Informática: a) capacidades dos ordenadores; b) limitações; c) tomada
de consciência da intervenção humana.

311
Max S. Bell

teriormente o seu estudo, de maneira deríamos tentar explorar a noção de


mais aprofundada. número de espera, sistema aplicado n u m a
A fim de observar como poderíamos padaria ou e m qualquer outro local a fim
inspirar-nos nesta lista para elaborar de impor u m a certa disciplina à clientela ?
u m programa destinado :a desenvolver N ã o poderíamos t a m b é m pedir aos alu-
as aptidões susceptíveis de permitir resol- nos que refutam sobre os casos e m que
ver problemas concretos com a ajuda de não é conveniente impor u m a ordeim de
dados reais, examinemos como alguns prioridade e m função da hora de che-
dos temias de estudo enumerados pode- gada, na sala de urgências de u m hos-
riam ser abordados a partir da escola pital, por exemplo?
primaria (como é evidente, estes rudi- Quanto à representação de dados sim-
mentos poderiam ser ensinados mais por- ples (A.3.a), o primeiro material peda-
menorizadamente no futuro). Para come- gógico elaborado pelos matemáticos d a
çar pelos primeiros elemento® da lista, Fundação Nuffield contém muitas, suges-
poderíamos desde muito cedo pedir às tões que indicam claramente que a expe-
crianças que inventem formulas judicio- riência efectivamente vivida pela criança
sas de abreviação e de símbolo para que fornece abundantes elementos explorá-
t o m e m consciência, desde tenra idade, veis 8 . Quanto às representações visuais
de que o nosso ¡sistema numérico corrente (A.4), é passível obter bons resultados
constitui u m a maneira muito eficaz de tornando simplesmente as crianças sensí-
representar coisas que lhes interessam. veis a certos pormenores, decorativos
Muitos manuais escolares do primeiro ou outros, assim como às formas geo-
grau introduzem já variáveis sob a forma métricas que podem observar no seu
de «casas» e m equações como 3 + D = 7 . ambiente. T a m b é m é possível, na maior
Quanto ao segundo tema da lista, é fácil parte das vezes, mostrar às crianças dia-
atrair a atenção das crianças para as gramas, desenhos munidos de escala e
múltiplas utilizações dos n ú m e r o s no representações semelhantes, e m especial
m u n d o que lhes é familiar. Ofereeem- de locais e objectos que lhes sejam fami-
-lhes infinitas ocasiões de enumerar e de liares. A s obras matemáticas d a Fun-
medir. N o que se refiere a utilizações dação Nuffield, assim como os trabalhos
dos números alheias ao cálculo, podería- de Papy, fornecem numerosos exemplos
m o s conduzir a criança a observar que de gráficos deste tipo destinados às
u m número inscrito na porta de u m a sala crianças (A.4.e) 9 . Existem também nu-
de aula, «213», por exemplo, dissimula, merosos jogos e situações concretas (por
de facto, dois tipos de números: u m in- exemplo, saber utilizar os mapas geo-
dica o número da sala, «13» e o outro gráficos) que ilustram, a maneira como
o do andar, «2». Poderíamos inculcar-lhes os números agrupados por dois ou por
noções sobre os números como coorde- três podem ser utilizados para precisar
nadas e sobre o papel que desempenham o local ocupado (A.4./).
para indicar a ordem e m que os objec-
tos se apresentam pedindo-lhes que des- A transposição de dados para enuncia-
cubram o sentido dos números das casas dos verbais, quadros, gráficos, fórmulas,
da rua e m que habitam. N ã o seria igual- equações, etc., é certamente muito impor-
mente possível conseguir que tomem tante (A.5). Podemos começar a desen-
consciência do facto de os números serem volver estas técnicas desde o início da
correntemente utilizados como códigos escolaridade, talvez, e m certos casos, no
de identificação: placas mineralógicas, âmbito das lições de leitura ou de disci-
números de telefone, códigos postais, plinas como a educação social, etc. Deve-
números de auto-estradas, etc. ? N ã o po- ríamos eventualmente poder começar por
dados apresentados sob qualquer destas

312
Dispensar u m ensino utilitário da matemática

formas e exprimidlos sob u m a forma mais rações n u m universo e m que, de facto,


conveniente. quase toda a ¡gente será capaz de efec-
A ¡segunda ¡secção da lista (parte B tuar, com a ajuda de calculadoras ou de
do esquema 2) trata das ¡aptidões exigi- ordenadores, ¡todas as operações que ul-
das peia utilização da Matemática pura. trapassam o nível de u m a simples mani-
Como a maior parte dos exercícios esco- pulação de algarismos. U m a utilização
lares se basearam, até agora, quase ex- inteligente das calculadoras (B.3.&)
clusivamente neste objectivo, deveríamos exige u m sentido mais agudo dos núme-
podei* encontrar facilmente novas ideias ros e das operações. Sempre foi impor-
neste domínio. Contudo, não será de mais tante interrogarmo-nos sobre a natureza,
sublinhar que, mesmo neste caso-, é ne- assim como sobre o momento das opera-
cessário ligar estes exercícios à solução ções a ¡efectuar, e possuir intuição para
de u m problema concreto —a u m objec- saber se as respostas obtidas têm sen-
tivo que tenha sentido para as crianças. tido. Ora, estas questões têm sido des-
D o mesmo modo, devem seir salientados prezadas até agora ¡e deveria ser possível
pontos novos neste tipo- de ensino'. Se, conceder-lhes mais importância, visto
por ¡exemplo, as crianças dominassem que os exercícios de cálculo propria-
perfeitamente a Aritmética, poderiam mente ditos já não ocupam u m lugar
também efectuar mais ou menos men- primordial.
talmente a maior parte das operações Notemos, a propósito de outros temas
sobre números inteiros e estariam e m de estudo da segunda parte do esque-
condições de realizar certas estimações. m a 2, que, para manipular a Matemática
Tal como os pais que lêem histórias aos com à vontade, é quase tão importante
filhos contribuem muito para a sua saber manipular habilmente formadas que
aprendizagem, da leitura, também os que contenham variáveis ¡coimo possuir refle-
participam com os filhos e m jogos que xos instantâneos para os mecanismos
impliquem cálculos ou que os levam a fundamentais da multiplicação e da adi-
contar objectos múltiplos facilitam muito ção. Os exercícios sobre as manipulações
a aprendizagem da Aritmética (quase não deveriam iniciar-s© muito cedo, na
todos os pais do mundo o poderiam fazer escola, mas é possível, nois primeiros anos
se tomassem ¡consciência da utilidade de estudo, integrar e m diversas activida-
destes jogos). des exemplos que mostrem, as múltiplas
A propósito das relações de equivalên- utilizações das variáveis, assim como
oia e das classes de equivalência (B.2.« exercícios piara habituar as crianças a
e B.2.&), raramente nos apercebemos do substituir números por variáveis. D o
número de operações matemáticas que mesmo modo, são necessários muitos
se efectuam simplesmente por substitui- anos para chegar a compreender perfei-
ção de u m objecto peto seu equivalente. tamente as funções, as relações ou 'as
A simplificação das equações, as opera- correspondências de elementos de con-
ções sobre fracções, a substituição de juntos (B.5), mas podemos imaginar, no
«4 + 7» por «11», são apenas algumas início da escolaridade, ¡situações que po-
das possibilidades que eiste conceito ofe- nham em jogo entradas e saídas e que
rece. Se considerarmos o cálculo numé- ilustrem a maior parte dos conceitos
rico (B.3), observamos que quase todas fundamentais relativos às funções e às
as pessoas que frequentaram a escola relações. Quanto à lógica (B.6), todos
sentiriam dificuldades naquilo a que se sabemos que a maior parte das crianças
chama os «algoritmos» (por exemplo, as sente dificuldades e m .raciocinar a partir
«longas divisões») ; ora, devemos reexa- de hipóteses arbitrárias, m a s muitas
minar o verdadeiro objectivo destas ope- delas, senão a maioria, são perfeitamente

313
Max S. Bell

capazes de raciocinar a partir da sua pode constituir u m a informação sufi-


própria experiência. Por exemplo, quando ciente para tomar u m a decisão sensata
'brincam, as crianças sabem perfeita- e importa relativamente pouco precisar
mente estabelecer regras arbitrárias e se ascende, de facto, a 169,97 dólares ou
argumentar baseando-se ¡nestas regras. a 130,47 dólares. Devemos .tanto quanto
Também sabem modificar estas regras possível, colocar aos ¡alunos questões
e recomeçar a argumentar a partir ¡dos como «Aproximadamente quanto... ?» e
seus novos «¡axiomas». Quanto as rela- «porque pensas assim?», pelo menos tan-
ções geométricas (B.7), grande parte do tas vezes quantas as que perguntamos,
material utilizado na Matemática m o - por exemplo, «Quai é a resposta exacta?»
derna (por exemplo, as obras da Funda- (toem entendido, como precisamos na ru-
ção Nuffield) contém exercícios úteis brica B.l.b), o facto de não poder forne-
de Geometria intuitiva, ainda inexplora- cer imediatamente uma resposta exacta
dos na maior parte dos casos. quando se trata de uma multiplicação
ou de uma adição, constitui u m handicap
Examinemos agora a terceira parte
sob muitos aspectos, mias, a bem dizer,
da lista: utilização dos dados matemá-
estes ¡reflexos não são muito difíceis de
ticos, seja qual for a sua proveniência,
adquirir).
para tomar decisões no mundo' real.
A primeira observação que se ¡impõe é Não nos é possível examinar aqui cada
que muitos dos temas específicos ¡enume- u m dos pontos enumerados na lista do
rados nesta rubrica são igualmente im- esquema 2, mias as observações prece-
portantes para os processos de quanti- dentes talvez sejam suficientes para in-
ficação e de abstracção ¡tratados na dicar a razão pela qual, em minha opi-
primeira parte da lista. É certamente o nião, os objectivos enunciados podem
que .sucede com o conceito de añedida favorecer a utilização da Matemática com
e com as técnicas estatísticas samples. o fim de resolver os problemas concretos
Devemos ainda sublinhar que a medida da vida quotidiana e do mundo do tra-
desempenha u m papel essencial para to- balho. Muitas pessoas necessitarão igual-
dos nós quando temos problemas a resol- mente de conhecimentos mais aprofun-
ver e pretendemos conferir u m sentido dados. Pode acontecer que estas aptidões
¡ao mundo em que vivemos. Deveríamos complementares sejam adquiridas na es-
portanto insistir, sempre, nos conceitos cola, mas, em muitos casos, só mais tarde
de medida enumerados nas ¡rubricas C l se aperceberão da sua necessidade. D e
e C.2, e familiarizar todas as crianças qualquer modo, u m domínio dois conceitos
com estas noções. D o mesmo modo, as do esquema 2, baseado numa experiência
actividades escolares têm desprezado, até concreta, facilitará ¡a aprendizageni de
agora, as estimações e as aproximações técnicas mais avançadas.
(C.3). Inculcou-se demasiado nas crian-
ças a ideia falsa de que, em Matemática,
só as respostas exactas são admissíveis. O ordenamento
De facto, quando nos vemos obrigados de um novo programa de estudos
a resolver problemas concretos no mundo
real, acontece frequentemente que seja Não será fácil modificar o ensino es-
suficiente u m a aproximação razoável colar da Matemática elementar, hoje e m
para tomar u m a decisão adequada e, dia quase exclusivamente 'baseado no cál-
muitas vezes, basta-nos conhecer u m a culo e na manipulação de símbolos, orien-
ordem de grandeza: por exemplo, saber tando-o para a solução de problemas
se u m preço se ¡situa na casa das dezenas, concretos com a ajuda de dados concre-
das centenas ou dos milhares de dólares tos. A formação dos professores e a aqui-
sição de material pedagógico apropriado

314
Dispensar u m ensino utilitário da matemática

suscitarão, em particular, problemas con- semana (ou este ano) na minha classe
sideráveis. Os países e m desmvolvimiento para familiarizar ais crianças coin a no-
talvez experimentem menos dificuldades ção de aproximação?», «Que posso fazer
em operar tais reformais do que os países actualmente para prever aquilo de que
relativamente desenvolvidos, até mesmo as crianças necessitarão mais tarde para
porque as tradições e as concepções erró- utilizar as variáveis?», «Como poderei
neas são menos numerosas e encontram- ajudar as crianças a descobrir que o
rse menos fortemente alicerçadas no sis- 'acaso' faz parte da vida, tal coimo as resu
tema; além disso, é miais fácil assegurar postas exactas, levándolas a compreen-
aos professores uma formação adequada der melhor a probabilidade?». A lista do
quando os efectivos do corpo docente es- esquema 2 deveria manifestamente per-
tão em plena expansão do que quando se mitir organizar a formação dos professo-
mostram estáticos ou em declínio. res antes da sua entrada e m funções, e
O esquema 3 pode fornecer indicações também em exercício. Por outras pala-
úteis quando procuramos elaborar u m vras, ¡se os temas de estudo enumerados
programa de estudos. nesta lista são úteis à maior parte- das
Tratasse sempre de fixar os objectivos pessoas, a maioria dos professores de-
(o que é necessário fazer), as modali- veria conhecê-los profundamente. E m
dades do ensino (como proceder) e os minha opinião, u m a lista que fixasse os
métodos de avaliação (resultados obti- vastos objectivas propostos pelo ensino
dos). Insisto sobretudo1 noís objectivos, da Matemática na escola ajudaria o® pais,
como indica o esquema 2. Não pretendo e também os membros dos conselhos es-
que esta lista particular seja a única uti- colares e de instituições semelhantes, a
lizável em todos os casos, m'as estou con- tomar consciência idos resultados que po-
vencido de que u m a lista mais ou míenos dem e devem sier obtidos nesta materia.
semelhante, fixando o objectivo a atin- Pode ainda ajudar-nos, a nós professo-
gir ao fim de vários anos facilita o or- res, a ligar a Matemática a outras dis-
denamento de u m programa escolar. E m ciplinas escolares, formulando, pior exem-
especial, é muito mais útil do que u m plo, as sieguintes interrogações: «Esta
catálogo que enumere, e m pormenor, cen- lição de ciências poderá contribuir para
tenas de «objectivos a atingir em m a - familiarizar os alunos com a noção de
téria de comportamento» — que, pelo medida?», « U m a lição sobre mapas geo-
menos no Ocidente, têm tendência para gráficos poderá constituir u m a ocasião
representar u m traço predominante do de fazer observações pertinentes sobre
ordenamiento dos programas. Os profes- o sistema de coordenadas?», «A minha
sores podem elaborar u m a lista como a aula dedicada à educação social será
do esquema 2, formulando, por exemplo,
melhor se pedir às crianças que pro^
as seguintes questões: Que fizemos esta
curem informações nos quadros que
figuram e m determinado anuário?»,
Objectivos «Quando ensino as crianças a utilizar
os desenhos munidos de u m a escala, será
possível estabelecer algumas aproxima-
/ \ Aprendizagem ções úteis com o conceito' de 'seme-
/ \ (capacidade lhança'». Estas possibilidades parecem
/ \ de realização)
quase infinitas depois ide despertar a
r * Programa de estudos atenção dos professores para aquilo que,
Avaliação ' -« *- e pedagogia na Matemática, pode apresentar maior
utilidade para a solução dos problemas
E S Q U E M A 3.
Iniciação ao ordenamento dos progra-
mas de estudos. da vida real.

315
Max S. Bell

Notas 4. H . F R E U D E N T H A L , «Why to teach mathematics


so as to be useful?», Educational studies in ma-
1. NATIONAL A S S E S S M E N T O F EDUCATIONAL PRO- thematics, vol 1, n.° 1, Maio de 1968, pp. 3-8.
G R E S S (NAEP), a) Math fundamentals: Selected 5. E . G . B E G L E , Critical variables in mathematic
results from the First National Assessment ofeducation: Findings from a survey of the empi-
Mathematics, b) Consumer math: Selected re- rical literature, The Mathematics Association of
sults from the First National Assessment of Ma- America, Washington, D . C , 1979.
thematics, Superintendant of Documents, U . S. 6. A . B A T T E R S B Y , Mathematics in management,
Government Printing Office, Washington, D . C , Penguin Books Ltd., Hardmondsworth, 1966.
1975. 7. J. S Y N G E , citado em M . R . K E N N E R , «Mathe-
2. J. T . F E Y , «Remarks on basic skills and learning matical education notes», The American mathe-
in mathematics», pp. 51-56. E m : Conference on matical monthly, vol. 68, n.° 8, Outubro de 1961,
Basic Mathematics Skills and Learning. Vol. 1,p. 799.
Contributed position papers. National Institute 8. NUFFIELD M A T H E M A T I C S PROJECT, Mathema-
of Education, Washington, D . C , 1975, 227 pp. tics: The first three years, John Murray, Lon
3. E . S. T H O R N D I K E e outros, The psychology of dres, 1970, 150 pp.
algebra. Macmillan & Co., Nova Iorque, 1923, 9. F R E D E R I Q U E e P A P Y , Graphs and the child,
483 pp. Alonquin Publishing, Montreal, 1970, 189 pp.

316
Hans Freudenthal

Matemática nova ou educação nova?

H á aproximadamente vinite anas, realizei o ponto de vista do matemático univer-


uma conferência sobre o seguinte tema sitario.
«Ensino da Matemática moderna ou en- Desde os primeiros ¡anos do século,
sino moderno da Matemática». Nessa Félix Klein tinha apontado a conside-
época, a minha reputação era já suspeita. rável diferença que existia entre a M a -
Não era a primeira vez que os meus temática escolar e a Matemática univer-
colegas matemáticos se mostravam es- sitária; contudo, a ¡sua interpretação era
candalizados, nem que o® professores de demasiado estreita, pois, e m sua opinião,
Matemática que m e ouviam pareciam este fenómeno devia-se simplesmente ao
confundidos pelo estranho comporta- conteúdo do ensino. N o fim dos anos
mento de u m investigador matemático 50, a agitação criada pelo Sputnik
que lançava dúvidas sotare o ensino* da deu origem a u m a (discussão sotare o
Matemática, considerada u m a disciplina ensino da Matemática e das Ciências tal
codificada e sotare a modernização' deste como era praticado1, e este movimiento,
ensino pela actualização do seu conteúdo nascido nos Estados Unidos da América,
em função do estado actual das ciências atingiu progressivamente a maior parte
matemáticas. dos países do mundo. O ensino escolar
A Matemática foi o primeiro ramo de da Matemática apresentava u m século
ensino a beneficiar de u m a cooperação de atraso e m relação ao estado actual
internacional (no seio da Comissão Inter- dos conhecimentos: foi esta a mensagem
nacional sotare o Ensino da Matemática, que a O E C E (ulteriormente O C D E ) cap-
fundada no início do século), mas, até tou e difundiu, e m primeiro lugar, na
aos anos 50, esta colaboração exercia- Europa. A s conferências de Royaumcnt
-se essencialmente sobre a organização (1959) e de Dubrovnik (1960) deram o
e o conteúdo dos estudos, predominando tom: era necessário tentar recuperar
este atraso, formularamnse inúmeras
propostas respeitantes às inovações a
introduzir no conteúdo do ensino, que
foram concretizadas e m novos manuais
Hans Freudenthal (Holanda). Professor honorário escolares e baptizou-se este conjunto de
de Matemática e director honorário do Instituto
para o Desenvolvimento do Ensino de Matemá-
«Matemática moderna», a qual foi ob-
tica da Universidade de Utrecht. Autor de Mathe- jecto, entre peritos e charlatões, de u m a
matics as an educational task, Weeding and sowing, rivalidade encarniçada, cujos resultados
e de numerosos artigos sobre problemas da edu- foram, em geral, decepcionantes. O s po-
cação.

317
Hans Freudenthal

bines professores, incapazes de acompa- e social cuja evolução acompanha a do


nhar o movimento, ¡eram obrigados a indivíduo e a das necessidades n u m
aprender e, e m seguida ensinar aos ou- m u n d o e m expansão. A Matemática é a
tros a «nova Matemática», que, na maior expressão de u m a atitude, u m a maneira
parte das vezes, não era mais do que de dominar o m u n d o nos planos cogni-
u m a «nova extravagância», tão impossí- tivo, prático e afectivo.
vel de ensinar como de aprender e que, Difere de muitas outras actividades
de «Matemática», só tinha o n o m e . cognitivas pela maneira c o m o sublinha
A euforia dos anos 60 deu oirigem ao a relação que existe entre a forma e o
desencantamento dos anos 70. N o início conteúdo. C o m o e m todas as ciências, o
do movimento a favor d a Matemática volume dos conhecimentos aumentou con-
moderna, as primeiras advertências per- sideravelmente e continua a progredir
deram-íse entre clamores, por terem sido a u m ritmo acelerado; m a s , paira a M a -
julgadas c o m comiseração como tenta- temática, as actividades desenvolvidas
tivas realizadas para salvar a M a t e m á - para ordenar estes conhecimentos, assim
tica ultrapassada, ou por terem sido como o arsenal de meios de que dispo-
objecto de ataques por alta traiçãoi. Pas- m o s para este fim, tamibém progrediram.
saram-se vinte anos. Estiaremos mais Desde o início da História da Matemá-
avançados? E quais as lições a tirar das tica, a apresentação racional dos conhe-
nossas desilusões? cimentos matemáticos graças a utensílios
O principal erro dos partidários da matemáticos constituiu u m a das preo-
Matemática moderna residiu no facto de cupações dos matemáticos criadores, se-
se terem colocado n u m a falsa perspec- não dos compiladores. A Álgebra literal,
tiva: até agora, consideravansie tradicio- a Geometria baseada no princípio das
nalmente que o ensino da Matemática, coordenadas e até o cálculo foram pri-
a qualquer nível, era determinado pelos mitivamente inventados como instrumen-
conhecimentos requeridos n a etapa se- tos matemáticos, destinados a apresentar
guinte, e que se tratava de um. processo diferentemente conhecimentos existentes,
gradual e selectivo devendo culminar e m m a s , afinal, estes instrumentos revela -
nobres investigações matemáticas. Ora, ram-se tão poderosos que geraram, por
a ideia inovadora proposta pelos defen- sua vez, u m a considerável soma de novos
sores da Matemática moderna consistia conhecimentos.
e m efectuar «encurtamento»: os concei- E m Matemática, o método moderno
tos mais adiantados deviam ser ensina- consiste e m identificar estruturas aná-
dos na escola infantil — m e s m o por pro- logas ocultas e m diferentes objectos, ope-
fessores que não possuíam a menor ideia rações e métodos matemáticos, e m sa-
do seu significado n e m das suas verda- lientar estas estruturas e e m as redefinir
deiras aplicações no plano matemático. de m o d o independente, a fim de reorde-
Assim, certos sistemas colocados ao ser- nar e de desenvolver amplos campos de
viço de abstracções matemáticas, desli- investigação.
gados do seu sentido e do seu contexto A s estruturas são u m fenómeno uni-
matemáticos, considerados temas de es- versal. É estruturando o meio à nossa
tudo, concretizados de maneira absurda, volta que conseguimos dominá-lo, e m
eram ensinados a crianças de qualquer certa medida. Esquecemos as caracterís-
idade. ticas individuais dos seres que contamos,
GMo oposto desta concepção d a Mate- medimos e pesamos: para ser dominada,
mática, disciplina erudita cujo ensino é u m a estrutura rica deve ser empobrecida.
dispensado e m todas as idades, existe A Matemática conhece estruturas de
u m a outra concepção, actividade natural diversas espécies: a estrutura mais po=

318
Matemática nova ou educação nova?

tore que somo® capazes de imaginar é mente estruturas cada vez mais ricas.
determinado conjunto particular, embora Pela minha parte, esta hipótese parece-
seja possível dotar qualquer conjunto de -me muito improvável. A s experiências
uma estrutura rica. Como estrutura rica, de Piaget, embora especialmente conce-
podemos citar, por exemplo, a Geometria bidas para o apoiar, nem sempre forne-
euclidiana, com as suas linhas, planos, ceram resultados convincentes.
círculos, quadrados, esferas, corpos re- Confirma-se que a noção de número
gulares, arranjos ¡em xadrez, isometrias, se adquire como a linguagema, à maneira
notações e simetrias. A s estruturais po- de u m vocabulário; é graças a este vo-
bres são aplicáveis a numerosos casos, cabulário e à sua constância, por outras
mas a sua aplicação não é das mais sim- palavras, é graças ao sistema decimal,
ples: consiste e m enriquecer u m a estru- que a criança aprende a dominar os nú-
tura pobre de maneira apropriada. Por meros e a Aritmética. Ora, nenhuma
outro lado, existem estruturas matemá- hierarquia da Matemática considera uma
ticas tão ricas que podem ser imediata- característica tão antropomórfica na
mente aplicáveis, m a s unicamente em aquisição da noção de número — com
casos muito específicos. efeito, a Matemática é universal, por
O ensino da Matemática moderna assim dizer, cósmica. N e m Piaget, nem
apoia-íse numa hierarquia poderosa. Co- a sua escola, nem outras escolas de Psi-
meça-se pelais estruturas e pelo® conjun- cologia prestaram atenção ao papel de-
tos matemáticos mais pobres, gradual- sempenhado pela estrutura decimal no
mente enriquecidos por u m a rede cada desenvolvimento e na aquisição da noção
vez mais complexa de ramificações. de número.
A construção desta hierarquia exige Para dar outro exemplo, o plano e o
opções. Ë u m modo de apresentação m a - espaço são, segundo Piaget, figurações
temática que pode, contudo, efectuar-se mentais no sistema que ide conhecia,
de múltiplas maneiras, e m função de isto é, no sistema de coordenadas carte-
objectivos variados. sianas. Não obstante esta certeza, todas
¡Piaget, de início profundamente in- as observações indicam u m a estrutura-
fluenciado pela hierarquia geométrica ção polar e não cartesiana do plano e do
elaborada ¡por Klein, propôs-ise provar espaço no decorrer do desenvolvimento
experimentalmente que esta hierarquia mental.
correspondia exactamente à maneira Ainda neste caso, colocam-se na mesma
como os conceitos 'espaciais se desenvol- perspectiva errónea: passam de estrutu-
vem no plano psicológico. K m seguida, ras pobres para estruturas ricas. Trata-se
confrontando com a hierarquia da M a - de u m a perspectiva essencialmente de-
temática elaborada por Bourbaki, tentou dutiva da Matemática, concebida como
fazer o mesmo quanto ao desenvolvi- «produto acabado» e não de u m a pers-
mento dos conceitos matemáticos. A teo- pectiva histórica ou evolutiva de desen-
ria geral de Piaget afirmava que o de- volvimento matemático. Esta concepção
senvolvimento mental do indivíduo acom- não é válida no plano didáctico. Contudo,
panha uma evolução epistemológica e a justificada pelos argumentos de Piaget,
epistemologia da Geometria e da Mate- adquiriu direitos de cidadania na Mate-
mática confundianse, para ele, com as mática moderna, pelo míenos em princí-
hierarquias de Klein e de Bourbaki as pio.
únicas de que tinha conhecimento. Assim, O derrotismo actual de certo® meios é
seguindo Piaget, o desenvolvimento cogni- tão pouco justificável como a euforia
tivo devia começar pelas estruturas mais dois anos 60, ligada à falsa ideia se-
pobres e progredir até atingir gradual- gundo a qual podemos modificar o en-

319
Hans Freudenthal

sino da Matemática, ou de qualquer ou- não regressarão nunca, e o ensino tra-


tra disciplina, por decreto, por meio de dicional da Aritmética também não vol-
bons ou m a u s manuais, de livros edita- tará a viver.
dos a preto e branco ou a três cones. Ora, Q u e aconteceu à numeração tradicio-
foi o que se tentou e m muitos países e nal? E por que não perguntar por que
foi esta política, e não a «Matemática ninguém se interessa já pela caligrafia
moderna», que falhou. Infelizmente, o antiga? O s manuscritos medievais são
nascimento da Matemática moderna coin- puras obras-primas, m a s o tempo* não
cidiu c o m o das teorias pedagógicas que parou no fim da Idade Média. A s letras
tentaram institucionalizar o desenvolvi- e os manuscritos das gerações passadas
mento educativo considerando-o u m pro- levam-nos a duvidar seriamente de que
cesso burocrático — opinão sempre tenaz a caligrafia tenha sido u m hábito cor-
e que todos os novo® fracassos parecem rente ou u m a virtude dos tempos antigos.
reforçar. Contudo, existe outra maneira A aptidão para calcular diminuiu, e m
de lenfrentar a inovação: eoncebendo-a geral? N ã o estou muito certo¡. T e m con-
como u m processo pedagógico' e m que
tinuado a diminuir? Talvez em, certos
participem todaJs as pessoas interessadas,
países. O s especialistas da educação po-
incluindo os professores encarregados de
deriam muito utilmente tentar determi-
ensinar, e não como u m estudo compa-
nar e m que medida esta baixa de nível
rado dos coef icientes de correlação ¡e das
se deve ao sistema de avaliação dos re-
equações de regressão.
sultados escolares. E m certas regiões do
A s desilusões actuais exprimem-se pelo mundo, os teóricos e profissionais da edu-
novo «slogan»: «Regresso às disciplinas cação estão obcecados pela ideia de que
de base», o que significa: «Abandone- podemos e devemos medir estes resul-
m o s a Matemática moderna, a favor da tados. Admitindo que assim seja, não se
querida Matemática de outros tempos». responde à pergunta: «Que resultados?»
É , de certo modo, o que sucede com a Qualquer resposta exige, previamente,
m o d a feminina : apresentam-s© estilos ul- u m a filosofia do ensino. Medindo resul-
trapassados como estilos último grito. tados que não interessa medir, as con-
O s editores estarão e m condições de clusões talvez sejam exactas do ponto
adaptar o material educativo e m prazos de vista formal, m a s serão despidas de
tão curtos? É evidente que não! sentido ou perigosas.
O que adaptam é a publicidade. A c - Examinemos as perspectivas erróneas
tualmente, louvam-se os méritos de u m a que mencionei. Encontrain-se todas li-
série de manuais c o m o paradigma da gadas aos seguintes factores!: progressão
Matemática tradicional, embora os ti- descendente da Matemática superior e m
vessem recomendado, há dez amos atrás, direcção à Matemática elementar, estru-
como o siuprassumo da «Matemática m o - turas pobres precedendo as estruturas
derna». Este exemplo mostra, u m a vez ricas, inovação criada por pressões ex-
mais, a que ponto as transformações fun- ternas, e não por u m a evolução interna,
damentais foram pouco numerosas1, no regresso às disciplinas fundamentais, e m
conjunto. vez de movimento de progresso neste sen-
«O regressa às disciplinas fundamen- tido. Por disciplinas fundamentais, deve-
tais» constitui outra perspectiva errónea. m o s entender u m a filosofia fundamental
O que importa é caminhar sempre nesta do ensino e m geral, e de determinadas
direcção. C o m efeito, a Aritmética do disciplinas e m particular. N ã o há educa-
passado não é mais fundamental do que ção n e m evolução pedagógica sem Filo-
os relógios de pêndulo dos nossos avós. sofia, n e m pode ser substituída por ca-
O s problemas da Aritmética tradicional tálogos de objectivos a atingir.

320
Matemática nova ou educação nova?

A Matemática é u m a actividade hu- Terceiro Mundo é u m a simples cópia


mana simultaneamente natural e social, da que é ensinada nais regiões industria-
tal como a palavra, o desenho e a escrita. lizadas, sinto-me escandalizado-, tanto
Figura entre as primeiras actividades quanto m e sinto ao ver que a Matemática
cognitivas conhecidas e foi a primeira destinada aos adolescentes deriva das
disciplina a ser ensinada, mas evoluiu e teorias de Bourbak.
transformou-se sob a influência das m o - É u m facto- que, aos doze ou treze
dificações sociais, bem como a sua Filo- anos, a maioria dos jovens ainda não- é
sofia e a maneira de ser ensinada. Per- capaz de efectuar operações aritméticas
miti que o prove, considerando o exemplo sem se enganar. É ilusório acreditar que
da numeração. u m a melhoria do ensino1 bastará para
H á já u m milénio, quem participasse modificar profundamente este estado de
na vida económica deveria conhecer al- coisas. Tentá-lo seria tempo pendido.
guns rudimentos de cálculo, m a s este Actualmente, a fiabilidade das operações
nível mínimo foi rapidamente ultrapas- aritméticas compete aos ordenadores.
sado pelos empregados da administração Mas, compreender a Aritmética é algo
pública e do sector privado, que iriam de muito diferente. É deplorável veri-
tornar-se numa das origens de Matemá- ficar que, na maior parte das investi-
tica profissional. gações pedagógicas consagradas à M a -
Existem diversos graus de competên- temática, não conseguimos distinguir
cia em matéria de cálculo, como em m a - convenientemente duas noções distintas:
téria de alfabetização': os armazenistas aquisição dos mecanismos e compreensão.
e os banqueiros exigiam dos seus em- A s taxonomías que pretendem esclarecer
pregados u m nível extremamente elevado certas ideias brumosas sobre os níveis
que só u m a minoria podia atingir. Esta de compreensão tornaram-nas ainda mais
minoria, cujos membros ganhavam a nebulosas e confusas, sobretudo no que
vida efectuando, sem se enganar, opera- se refere à elaboração de testes.
ções matemáticas, constituía u m a mão- ¡Se é verdade que são raros os jovens
•ide-obra barata que conseguiu, durants de doze ou treze anos capazes de efectuar
cinquenta anos, refrear a difusão e o operações aritméticas sem se enganar,
desenvolvimento das calculadoras mecâ- também é verdade que os que se encon-
nicas e dectrónicas. Ora, em matéria de tram aptos a compreender a Aritmética
calcular, OB homens, mesmo os mais com- são muito mais numerosos. O insucesso
petentes, já não são capazes de rivalizar nos testes de aptidão não traduz neces-
com os ordenadores. sariamente u m a incapacidade de com-
Que entendemos por «numeração»? preender. Felizmente, porreacçãocontra
Seja qual for a resposta, não tinha, há u m tipo de cultura baseada no® testes,
cinquenta anos, o sentido que tem hoje os manuais escolares fundamentanvse
e, actualmente, não possui o mesmo signi- cada vez malis na compreensão das no-
ficado nos países em desenvolvimiento e ções aritméticas, Elalboraram-se novos
nos países desenvolvidos; esta verificação métodos que permitem ensinar o© algorit-
não é válida unicamente para a nume- mos suscitando a apreensão natural da
ração, mas para o conjunto da Matemá- numeração de posição.
tica. A Matemática é universal a nível A nossa numeração de posição é cons-
dos conceitos, mas, como fenómeno, de- truída a partir de dois princípios, u m
pende do meio ambiente. Ignoro quase estrutural, que consiste em condensar ite-
tudo do terceiro mundo e das suas ne- rativamente dez unidades numa unidade
cessidades, mas sempre que vejo que a nova, e a outra, «nocional», que consiste
Matemática destinada às crianças do e m utilizar os mesmo© símbolos para

321
Hans FreudentM

/ / / / / / 7^,
¿S.
S
/' / / / A
S S S / / / / / S / ¿
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/
/
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X
/
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0 (3
/ 0 a

u
I
D
D D
D
D Jill!

FIG. I

muitas unidades, a qualquer nível, dis- diferentes da decimal, podemos utilizar


tinguindo os níveis de unidades pela sua o mesmo sistema empregando «blocos
posição. multábase». Trata-se de material útil, não
O ¡primeiro princípio remonta à antiga obstante a sua falta de maleabilidade e
Aritmética dos Egípcios, enquanto o se- a sua teoria baseada exclusivamente na
gundo surge na Aritmética dos Babiló- numeração de posição. Os dois princípios
nios que, de resto, tinham adaptado a confundem-se no ábaco, o mais antigo
base 60 e não atoase10. Os dois princí- instrumento aritmético da humanidade1,
pios foram concretizados por material conservado em certas regiões da União
pedagógico moderno (fig. 1) : cubos para Soviética e na Ãsia Ocidental, despre-
as unidades mais fracas, combinando-se zado na Europa depois do desenvolvi-
sucessivamente e m réguas de dez unida- mento da matemática escrita, mas nova-
des e, depois, e m placas de dez réguas mente valorizado como meio didáctico
e, e m seguida, e m grandes cubos de dez muito eficaz (fig. 1& e c).
placas, representando respectivamente as Escolhi a numeração para ilustrar a
unidades 1, 10, 100 e 1000. C o m bases influência da filosofia da educação na

322
Matemática nova ou educação nova?

evolução do ensino. Contudo, a numera- ceitos novos, em vez de concretização


ção não engloba toda a arte da «Mate- múltipla;
mática», mesmo ao nível primário'. Pelo Compreensão em vez de mecanismo.
contrário, atribuir uma grande impor- Empreguei os termos «sublinhar» e
tância à numeração corre o risco de ser «em vez de» para indicar que se trata
sintoma de u m a filosofia errónea, ou, de deslocar o ponto de equilíbrio. C o m
pelo menos de uma filo'sofia ultrapas- efeito, o ensino institucionalizado! tem
sada, ainda defendida na maior parte tendência para se apoiar no «lado er-
dos manuais escolares, não obstante a rado», enquanto os esforços inovadores
superficial homenagem prestada a ou- têm tendência para equilibrar a balança.
tros valores. U m a Filosofia adequada exprime-se
Por outro lado, apesar destes manuais por actos e não por palavras. O s «SIOK
escolares, as tentativas realizadas e m gans» não têm sentido se não nos remete-
todo o mundo para exprimir u m a filo- rem para factos. O ensino da Matemática
sofia mais ampla da Matemática, ensi- põe e m jogo muitos factores, não só
nando-a de uma nova maneira, foram para o aluno, mas também para o> pro-
numerosas e repletas de promessas. O lei- fessor, o professor estagiário, o forma-
tor compreenderá que m e cinja à filoso- dor dos professores, o conselheiro, o res-
fia com a qual m e encontro mais fami- ponsável pelo® programas de estudos:
liarizado, isto é, a do I O W O (Institut relatórios e análise das experiências pe-
Ontwikkeling Wiskunde Onderwijs: Ins- dagógicas a todos os níveis, fracassos
tituto para o Desenvolvimento do Ensino e êxitos, ideias experimentadas ou não.
da Matemática, Tiberdreef 4, Utrecht. Contudo, estes factores não terão valor
Holanda), institucionalizada e m 1971 e m si mesmos se não traduzirem uma
após os estudos ef ectuados durante dez certa Filosofia.
anos pela Comissão sobre a moderniza- E m pequena escala, já se provou que
ção dos estudos matemáticos ( C M L W ) . é possível. A grande escala, a prova exi-
Permiti que vos resuma os conceitos fun- girá mais tempo. E m matéria de edu-
damentais do I O W O , através de alguns cação, a inovação é u m processo que
«slogans» que sublinhem os seguintes abrange o conjunto da sociedade, mas
pontos a propósito da Matemática: em relação aos alunos considerados in-
Actividade humana em vez de disciplina dividualmente, a grupos de alunos, a
pré-estabelecida ; instituições pedagógicas, é a sociedade
Matematização da realidade, em vez de que necessita de mais tempo para apren-
der, e há matérias mais fáceis de apren-
realidade já matematizada; der do que a Matemática e a arte de a
Reinvenção em vez de transmissão dos ensinar.
conceitos; O objecto do presente artigo não con-
Apresentação da realidade como fonte, siste em ilustrar certas noções relativas
a priori, da Matemática, e m vez de ao ensino da Matemática, mas tentarei,
domínio de aplicação; pelo menos, dar uma vaga ideia do sen-
Articulação da Matemática com os ou- tido que atribuo aos seus «slogans».
tros domínios, em vez de apresentação Comecemos por u m a pequena história
isolada ; que se passa no jardim infantil. N a
Contextos ricos de significado, em vez de sala de aula há u m aquário. D e vez
¡reunião de problemas linguísticos ; em quando, é necessário limpá-lo. A s
Elaboração de figurações mentais, e m crianças interrogam-se sobre a maneira
vez de conceitos; como a professora realiza esta operação.
Abordagens múltiplas em relação a con- Ê necessário apanhar os peixes corai uma

323
Hans Freudenthal

FIG.

\ I?'

ÏIG. 3

FIG. 4
Matemática nova ou educação nova?

rede e colocá-los n u m outro recipiente.


«Agora, diz Ann, é fácil contar os pei-
xes». Já tentou unia vez, mas, a toem
dizer, sem conseguir. «Minha senhora,
nadam todos juntos e cruzam-se em to-
dos os sentidos».
A professora retira os peixes u m por
u m . Conta três, mas, e m seguida, apanha
três de uma só vez. «Minha senhora,
já nao sou capaz de os contar», diz Ann.
A professora responde: «Podia retirar
os peixes, desenhá-los e, e m seguida,
contá-los no papel».
É uma toda ideia. Ann vai buscar u m
pedaço de papel e u m lápis. «Espere u m
pouco!» Começa por desenhar os três
peixes do outro recipiente e, e m 'seguida,
os três restantes. Consegue facilmente
acompanhar o ritmo sem esquecer ne-
nhum. Quando o aquário se encontra
vazio, vai contar os peixes que retirou FIG. 6
e exclama orgulhosamente: «Agora, já
sei quantos há: quinze».
Alguns dias mais tarde, morrem dois
peixes. «É pena, agora o número é falso»,
diz. Ignora quantos peixes vivos ficaram
no aquário. «Pega na folha em que de-
senhaste os peixes», sugere a professora.
Ann apaga dois peixes e conhece agora
a nova resposta...
É inútil comentar esta pequena his-
tória. Conhecemos também a da «terra
rodeada de água», ilha encantada na qual
os alunos do primeiro ano realizam, du-
rante alguns meses, a aprendizagem da
Matemática. São transportados de barco
(fig. 2).
Quantas crianças são, quantos auto-
carros com duas oiu três pessoa® e m
cada banco? E m que sentido se deslo-
cam? Qual o caminho mais curto e como
descrevêJlo ? Qual a extensão deste ca-
minho? Como ir do moinho ao farol? FIG. 7
Adivinhe as inscrições do poste indica-
tivo. Onde pode estar este poste indica-
tivo (fig. 3) ? A s torres da ilha são
construídas com os mesmos elementos;
como poderão descrevernse (fig. 4) ?
Como se pode escalar a montanha de

325
Hans Freudenthal

o 1 3 4 5 6 7 S 9 10 11 12

FIG. 8

—&V

FIG. 9
XP^oao^
cubos pelo lado direito (fig. 5) ? D e
quantos 'blocos se compõe? Como se po- FlG.
derão descrever as construções de blo-
cos (fig 6) ? Que vêem deste ponto da
ilha e donde foi tirada esta fotografia
(fig. 7) ? Quantas viaturas se encontram
neste parque de estacionamento? H á fi-
las de autocarros com pessoas que sobem
e descem: é u m a maneira de abordar a X
Aritmética (fig. 8).
Os conjunto® consitituem u m a noção
f undamental nas diversas concepções da
«Matemática moderna». É inútil subli-
f /

G
\

nhar que o I O W O poderia dispensar es-


tas abstracções prematuras. A noção de
y
número não se baseia em conjuntos nem
deles decorre. Os desenhos ¡aqui apre-
s ^ s ^
sentados fornecem alguns exemplos da
maneira como ela é adquirida graças à FIG. II
noção de estruturação, apoiando-se nela.
Quantos lenços, quantas molas (fig. 9) ?
Poderíamos dispensar algumas molas
(fig. 9) ? H á mais luas do que sóis?
(fig. 10), mais pérolas escuras do que
pérolas brancas (fig. 11) ou como se
vê que os números são iguais?

326
Matemática nova ou educação nova?

FIG. 12. Qual a ordem por que foram tiradas as fotografías?

327
Hans Freu den thai

A üha é o tipo de contexto que, na O conceito de «relação» constitui u m


terminologia do I O W O , se designa por dos meios mais eficazes de estruturar a
«lugar». Outro género de contexto é a realidade, mas perde muito do seu poder
«historia». Como exemplo, citarei a his- quando é introduzido prematuramente
tória do salvamento do Bermudes, des- como u m conceito matemático, sistemá-
tinado aos alunos do 4.° e do 5.° anos tico, e formal. O extracto de uma lição
de estudos: u m iate em perigo, identifi- destinada ao primeiro e ao segundo' anos
cado e salvo por u m rebocador. U m a oca- de estudos (figs. 13-14) indica a maneira
sião para aprender a utilizar mapas e como o I O W O enfrenta o problema,
para estudar Geometria. Vejamos o se- Ficarei por aqui. Alguns exemplos des-
guinte extracto: «Qual a ordem das fo- tinados a ilustrar as ideias fundamentais
tografias tiradas a bordo do navio que do I O W O pareceram-me preferíveis a
percorre a costa» (fig. 12) ? uma exposição global.
O programa de estudos do I O W O foi
estabelecido e m holandês, mas traduzi-
ram-se alguns extractos para francês e
inglês. U m a análise intitulada «Five
years I O W O » foi apresentada e m inglês
na publicação Educational studies in ma-
thematics, vol. 7, n.° 3 (Agosto de 1976).

FIG. 13. E m tua opinião, qual seria o teu tamanho


diante desta imagem? Charles indica o tamanho
que considera ser o seu. «Estão todos de acordo?»
Jean pensa que Pierre está u m pouco grande de
mais: «Não és tão alto como esta porta». Charles
rectifica a sua estimação. O professor acrescenta
outra parte da imagem.

FIG. 14. « C o m o pode ser possível? — O h , já sei,


é u m a casa de bonecas!»

328
Rolf Hedrén

A s calculadoras de bolso
e a matemática na escola primária

N a Suécia, c o m o a m outro® países de- décimo ao décimo segundo ano). Esta


sanvoilvidas, a calculadora de bolso tor- comissão dividiu-se e m várias pequenas
nou-se mais barata e de utilização mais equipas oeupamdo-se dos diferentes ní-
corrente. Esta evolução, como é evidente, veis. C o m o chefe da equipa encarregada
influenciou o ensino 'da matemática ao deste problema nas classes superiores d°
nivel secundario. A calculadora de 'bolso primário (do quarto ao sexto ano de es-
vedo substituir a régna de cálculo- como tudos) , insistirei essencialmente neste ní-
principal instrumento de cálculo das vel. Pensamos não só permitir que Os
crianças dos sete aos doze ano®. Trata-se, alunos utilizem a calculadora de vez e m
agora, de saber qual o melhor partido quando, a título de sucedâneo estimu-
a tirar dos diferentes tipos de calcula- lante do estudo tradicional da m a t e m á -
doras: das mais simples, efectuando as tica, como t a m b é m determinar c o m o
quatro operações principais de Aritmé- poderia a calculadora ser utilizada sis-
tica, até as calculadoras programáveis. tematicamente e c o m proveito para o
Surgem outros problemas, ainda mais ensino e quais os risco® então incorridos.
delicados: devemos autorizar o emprego
da calculadora na escola primária e, e m Problemas
caso afirmativo, como deve ser utilizada?
A o nível do ensino primário, que inci- A atitude de facilidade, e ¡talvez a menos
dências poderá ter o emprego d a cal- arriscada e m relação à calculadora, con-
culadora sobre o talento e os conheci- siste, s e m dúvida, e m a proibir pura e
mentos do aluno? simplesmente. O s argumentos e m sua de-
O Ministério sueco d a Educação en- fesa não faltam. O s alunos devem apren-
carregou u m a comissão de analisar as der o cálculo mental e algoritmos escri-
consequências do emprego da calculadora tos, pois, de contrário, serão incapazes
de bolso tanto no® estudos1 obrigatórios de realizar estas operações sem o auxílio
(desde o primeiro ao nono ano) c o m o no de u m a calculadora.
segundo ciclo do ensino secundário (do Contudo, depois de termos examinado
o problema mais atentamente, chegámos
a u m a conclusão diferente. A calculadora
está a tornar-se u m auxiliar fundamental
Rolf Hedrén (Suécia). Professor de Matemática na na sociedade e no lar, ie O' seu emprego
Universidade de Falun-Borlange e presidente da quotidiano eneontra-se cada vez unais
Comissão encarregada de estudar as consequências divulgado. Se esta evolução prosseguir
do emprego da calculadora de bolso nas classes
superiores do ensino primário. — e tudo leva a crer que prosseguirá —

329
Rolf Hedrén

é infinitamente provável que ios 'alunos contenham menos algoritmos escritos,


de hoje (os cidadãos de amanhã) não ne- u m a vez que os alunos poderão aprender
cessitem de algoritmos escritos, cujo en- rapidamente a utilizar a calculadora para
sino ocupa perto de metade ido tempo as quatro operações aritméticas princi-
atribuído à Matemática. Será verdadei- piais. Esteis manuais deverão 'apresentar
ramente razoável consagrar tanto tempo, muitos problemas relacionados c o m a
trabalho e dinheiro', a u m ensino de que realidade. Conceitos matemáticos suple-
os alunos beneficiarão certamente muito mentares, actualmente inexistentes nos
pouco durante a sua vida de adultos? programas, poderiam ser introduzidos:
Por outro lado, observa-se u m a ¡ten- por exemplo, deveria ensinar-se muito
dência crescente para estabelecer liga- mais cedo que u m erro de arredonda-
ções entre os estudos secundários e a mento de números pode ser 'ampliado
vida n a sociedade. Mais u m a vez, como n u m cálculo mais importante.
proibir as calculadoras n a escola, se as Apesar de considerarmos que os exer-
utilizamos n a vida corrente? cícios de algoritmos apresentam, e m si
A s investigações realizadas no ¡nosso mesmos, u m interesse muito reduzido,
país afirmam que os alunos adquirem aprender a efectuá-los e a praticá-los
geralmente c o m dificuldade o domínio pode exercer muitos efeitos' positivos que
dos exercícios algorítmicos, m e s m o bast- desapareceriam se fossem ¡suprimidos.
íante simples, no contexto do ensino tra- Graças aos algoritmos, por exemplo, os
ditional. Permitimo-nols supor que as alunos treinanuse e m cálculo mental e
dificuldades enfrentadas nestes exercí- e m estimações (em particular no que se
cios explicam, e m grande parte;, que a refere à divisão) e adquirem, assim,
maior parte das crianças das escolas u m a ideia das propriedades de divisibi-
primárias se desinteresse cada vez niais lidade dos números, dos números primos
da Matemática. e da ordem de grandeza dos números
(qual é o 'maior dos dois números da-
Actualmente, a aptidão dos 'alunos
dos?).
para resolver problemas1 matemáticos
— isto é, para realizar cálculos correctos,
no contexto adequado e n a ordem pre- Propostas de acção
tendida — continua a ser medíocre. Tal-
vez pudesse ser aquirida mais facilmente A minha equipa elaborou u m a série de
se estes cálculos manuais fastidiosos, propostas de acção que podem resumir-
que os alunos visivelmente não dominam, -ae assim:
fossem suprimidos. Se fossem autoriza- Iniciação e ¡treino mais aprofundado do
dos a utilizar calculadoras de bolsoi, tal- emprego da tabuada, até 9 + 9 ; 1 8 — 9 ;
vez aprendessem a resolver problemas 9X9 e 81 : 9.
mais rápida e mais facilmente? Neste Treino mais aprofundado do cálculo m e n -
caso, os professores poderiam ¡apresen- tal. Incluímos nesta categoria os exer-
tar-lhes problemas directamente relacio- cícios de «utilização aplicada da ta-
nados c o m situações ¡reais, e m vez de buada», por exemplo, d o tipo seguinte:
procurar dados numéricos destinados a 600 + 700; 4070 + 300; 1300 — 600;
facilitar o cálculo. 2100 — 1; 2 0 X 3 0 0 ; 6 X 6 1 0 ; 900 : 30 e
Posto isto, não ignoramos que a intro- t a m b é m 7 X 8 + 5 . Deveria atribuir-se
dução da calculadora de bolso na escola mais importância aos métodos de cál-
possa acompanharjse de outrais inova- culo mental mais rápidos.
ções. Treino mais aprofundado d a estimação.
E m primeiro lugar, seria conveniente O s alunos deveriam arredondar os nú-
adoptar novos tipos de manuais, que meros dados, realizando, e m seguida,

330
A s calculadoras de bo'lso e a matemática na escola primária

¡cálculos do género dos indicados no comportando u m enunciado. Esta apren-


parágrafo precedente. dizagem é importante, pois p o d e m .pro-
É necessário insistir nestes pontos ceder de m o d o errado, utilizar u m a regra
para pôr termo à diminuição da capaci- aritmética contra-indicada ou cometer
dade de calcular mentalmente e à esti- outros erros do m e s m o género.
mação susceptível de se produzir se o Segundo u m programa de estudos re-
aluno realiza menos exercícios algorít- visto, os alunos aprenderiam a resolver
micos. certos problemas reunindo e aproxi-
N o que se refere ao cálculo escrito, m a n d o dados pertinentes, decidindo
definimos certos objectivos que deveriam quanto aos cálculos a efectuar, e reiali-
ser atingidos por quase todos os alunos zando-os c o m a ajuda de u m a calcula-
no fim dos estudos primários. dora de bolso, se o desejassem. Trata-se,
Deveriam ser capazes de adicionar dois como é evidente, de habituar os alunos
números, inteiros ou decimais, ou sub- a utilizar a Matemática n u m a situação
traí-los u m ao outro. real, para calcular, por exemplo, Oi custo
Deveriam ser capazes de efectuar mul- de u m a festa na escola.
tiplicações e divisões e m que pelo menos A descoberta livre, isto é, ¡as iniciativas
u m dos factores seja u m algarismo, por originais, c o m ou s e m calculadora, de-
10, 100, 1000, etc., números inteiros e veriam constituir uni aspecto importante
números decimais. dö programa de estudos.
O que acabo de indicar pode ser con- Jogos, competições e experiências de
siderado u m mínimo. O s alunos mais conteúdo matemático oferecem aos alu-
capazes saberão certamente dominar al- nos possibilidades de desenvolver a sua
goritmos 'mais complexos. criatividade, familiarizando-se c o m os
O s números decimais serão estudados números. Estes exercícios constituiriam
bastante cedo, pois a maior parte dos u m a ocasião de reflectir sobre O' pro-
problemas ida vida corrente referem-se blema dos números primos, d a divisibi-
a preços, medidas, etc., que se exprimem,, lidade de u m número, dos quadrados per-
muitas vezes, e m números decimais. feitos, etc.
Deveríamos aumentar o número de Segue-se u m 'exemplo de exercício de
problemas escritos a resolver c o m a livre descoberta. Depois de escrever no
ajuda de u m a calculadora de ¡bolso. quadro as sguintes multiplicações:
Importa que os problemas de cada 37 X 3 = 37 X 9 =
secção não sejam todos resolvidos pela 37 X 6 = 37 X 12 =
m e s m a regra de Aritmética. Deveriam
apresentar-se problema® que necessitas- permitimos que os alunos .efectuem os
sem do emprego de variais regras. Este cálculos com as suas calculadoras. D e -
último tipo é, e m geral, muito difícil, pois, escrevemos no quadro as multipli-
pois as calculadoras mais simples não cações seguintes, pedindo4hes que adivi-
respeitam as regras de prioridade cor- n h e m os resultados, dos quais verificarão
rentes. Pensamos, contudo, que os pro- a exactidão c o m o auxílio da calculadora :
blemas retirados da vida corrente, e or- 37 X 15 = 37 X 24 =
denados como indicámos, conduzirão os 37 X 18 = 37 X 37 =
alunos a tirar partido dos seus talentos 37 X 21 =
matemáticos para resolver os problemas
da vida de todos os dias que deverão É necessário estudar as possibilidades
enfrentar na idade adulta. que a criança tem de apreender melhor
O s alunos devem estar treinados na os conceitos matemáticos, servindo-se de
estimação dos resultados de problemas u m a calculadora de bolso-. Poderemos,

331
Rolf Hedrén

por exemplo, permitir que os alunos uti- pensar a falta de prática que surgirá com
lizem a sua calculadora para multiplicar a redução do número de exercícios algo-
números decimais, ou u m número inteiro rítmicos. Se verificarmos que os alunos
por u m número decimal, e descobrir o das classes experimentais possuem menor
número de decimais do produto. Poderão, preparação e m determinados aspectos,
assim, «descobrir» a regra da colocação devemos procurar os meios de compen-
da vírgula na multiplicação. sar este handicap.
N o cálculo das potências, a calculadora Aplicaremos igualmente testes de tipo
de bolso constitui u m excelente auxiliar tradicional nas classes experimentais e
da aprendizagem do valor da potência. nas classes de controlo. Tentaremos de-
Concorrentemente, os alunos poderão terminar o nível de habilidade atingido
compreender o ritmo de progressão de não só no cálculo algorítmico, mas tam-
u m a potência, e, assim, iniciar-se incons- bém nas operações que nãoi se encontram
cientemente nas funções exponencial e ¡directamente ligadas a algoritmos, como
kígarítmica. a resolução de problemas escritos, a clas-
sificação de números por ordem de gran-
deza, o emprego de unidades adequadas,
Trabalho experimental
a estimação da proporcionalidade, a in-
O conteúdo do programa do quarto ano terpretação de diagramas, etc.
aqui esboçado foi preparado pela nossa D e assinalar ainda que u m a equipa
equipa e encontrasse em experimentação, especial elaborou u m teste sobre oi nível
este ano, e m oito classes. Os resultados de habilidade e m cálculo não algorítmico
desta experiência, incluindo as críticas e a utilizar no 6.° e no 8.° anos. A expe-
sugestões dos alunos ,e dos professores, riência já foirealizadae m muitas classes
vão permitir a revisão do conteúdo do em que a calculadora de bolso não era
programa que experimentaremos e m utilizada. Empregá-la-emos, como é óbvio,
muitas outras classes no proximo* ano quando os nossos trabalhos de experi-
escolar. Assim, e m todas ais classes su- mentação atingirem o 6.° ano de estudos,
periores do ensino primário serãoi expe- mas também esperamos poder conferir
rimentados programas. a este teste u m campo de aplicação bem
Observamos e conservamos os resul- mais extenso. .Sejam quais forem os re-
tados dos testes gravando as aulas, para sultados da experiência a que a minha
as estudar mais atentamente; também equipa procede, estamos convencidos de
efectuamos séries de observações direc» que a calculadora de bolso será introdu-
tas, nas aulas, assim como mquéritos e zida, por u m ou outro meio, na sala de
entrevistas com os professores e os alu- aula. Assumirá, então, o maior interesse
nos. Algumas classes de controlo são* poder comparar os níveis de habilidade e
estudadas do mesmo modo. Procuramos de conhecimentos dos alunos de amanhã
informar-nos, graças a este programa, com os dos alunos que não tiveram a pos-
sobre a maneira como os professores e sibilidade de empregar u m a calculadora.
os alunos utilizam a calculadora de bolso,
e sobre o interesse que o seu emprego
Ensinamentos
pode apresentar em diferentes contexto®.
a colher da experiência
Esperamos, assim, descobrir as falhas
que os métodos possam comportar e re- Como é evidente, ainda não nos encon-
comendar, então, melhores ¡técnicas. Por tramos e m condições de avaliar comple-
outro lado, esperamos poder descobrir os tamente os resultados desta experiência,
efeitos secundários do cálculo algorítmico embora, de momento, sejam muito posi-
e descobrir se será ou não .possível com- tivos. Os alunos interessaram-se pelo

332
A s calculadoras de bolso e a matemática na escola primária

emprego da calculadora de 'bolso e pare- memória, e m particular, correm o risco


cem apreciar particularmienite a liberdade de dar origem a dificuldades bastante
de trabalho que lhes proporciona. Por sérias. Compreendemos que seria neces-
seu lado, os professores estimam que os sário, na edição revista d o programa,
alunos aprendem, deste modo, pelo menos explicar mais pormenorizadamente a m a -
tanto como com os métodos tradicionais. nipulação das diferentes calculadoras.
Contudo, recebemos, e m certos casos, Será t a m b é m necessário, evidentemente,
queixas de pais que receavam que a ex- ministrar aos professores e m exercício
periência tivesse c o m o resultado u m a cursos de iniciação na utilização da cal-
aprendizagem menor do que a adquirida culadora.
por meio do ensino tradicional. U m a dis- Sentimos que os resultados obtidos até
cussão aprofundada c o m estes pais e agora implicam nitidamente que a cal-
u m a experiência directa do programa culadora de bolso poderá ¡ser, e será,
experimental dissiparam praticamente introduzida na escola a partir das classes
esta® apreensões. .superiores do primário — o u até talvez
Outro problema devesse a dificuldades miais 'cedo — se existirem manuais espe-
de manipulação da calculadora, pelos cialmente concebidos para este efeito, e
alunos e pelos professores. E m b o r a nos desde que estejamos conscientes dos ris-
tivéssemos limitado aio® modelos mais cos que o emprego da calculadora pode
simples, as funções de repetição e de apresentar.

333
Zbigniew Semadeni

O s «media» na formação matemática


dos professores do ensino primário
na Polónia*

V o u falar dos professoras encarregados de u m a realidade, embora exista u m


dais primeiras classes do ciclo primário vasto programa de formação prévia ou
que ensinam não só matemática como e m exercício. Desde 1977, a maior parte
também a leitura e a escrita, as ciências das universidades polacas oferecem às
elementares, os trabalhos manuais, a m ú - futuras educadoras infantis e .professo-
sica, as artes plásticas e a educação fí- res primários cursos que conduzem à
sica. Trata-se, na Polónia, dos professo- licenciatura.
res dos três primeiros anos (crianças dos N o actual plano de estudos, os futuros
6 ou 7 anos até aos 10 ou 11 anos). professores têm 120 horas de aulas (com
E m geral, admítele a opinião de que, u m a duração de 45 minutos) de Mate-
para ensinar os primeiros anos do ensino mática, das quais 30 de aulas teóricas,
primário, o pessoal menos qualificado 45 de exercícios e m laboratório e 45 de
satisfaz. Ë verdade, e m certos aspectos; exercícios na aula; seguem ainda u m
contudo, se pretendemos que o ensino curso completo de Pedagogia (referente
seja realmente de boa qualidade, é necest- a todas as matérias) ; as futuras edu-
sário que os professoreis possuam u m cadoras infantis frequentam 75 horas de
b o m conhecimento da matéria, diferente aulas de Matemática.
do que exige o ensino ao nível secun-
dário, mias não inferior.: Q u e Matemática para os professores
N a Polónia, o estatuto social dos pro- do ensino primário?
fessores do ensino primário e a opinião
que tinham de si m e s m o s colocava-os Sobre esta questão, o debate continua
abaixo dos professores do ensino secun- e m aberto, m a s a maior parte dos pro-
dário, m a s a situação está a modificar-se. fessores considera que, nas primeiras
D e acordo com a política nacional actual, classes, a Matemática deve ser ensinada
os professores deveriam, e m princípio, por u m professor não especialista, e
possuir u m a f o r m a ç ã o universitária. não por u m professor de Matemática.
Ainda se trata mais de u m ideal do que A mentalidade concreta do professor do
ensino primário aproximla-se mais da
criança — o que pode ser mais impor-
tante do que aplicação de u m a aJborda-
Zbigniew Semadeni (Polónia). Professor, director
adjunto do Instituto de Matemática da Academia
das Ciências da Polónia. Responsável durante dez
anos pela utilização da rádio e da televisão na for-* Versão revista e aumentada do relatório apresen-
mação dos professores do ensino primário no domí- tado no seminário da Unesco, «Experiences gained
nio da Matemática. Membro do comité executivo da from the Polish system N U R T of Radio-TV Tea-
Comissão Internacional do Ensino da Matemática. chers' University», Varsóvia, Janeiro de 1977.

334
O s «media» na formação matemática dos professores
do ensino primário na Polónia

gern abstracta. Contudo, a maior parte apreciar métodos pedagógicos miais com-
doe professores das primeiras classes plexos. O enunciado dos princípios gerais
são fracos e m Matemática e demonstram deve basear-ise no estudo prévio de situa-
falta de Confiança n a sua capacidade ções concretas. Assim, as sessões de la-
para a aprender. boratório ou de trabalhos práticos, se-
Admite-se geralmente que, nos pro- guidas de breves explicações destinadas
gramas de Matemática dirigidos aos a todos os alunos, parecem preferíveis
professores do ensino primário, deve-se aos cursos formais — os quais se deve-
respeitar u m a certa progressão, e m pri- riam seguir às actividades práticas. A f as-
meiro lugar, estudar a lógica, depois os tamo-nos, aasim, do modelo universitário
conjuntos, depois os números naturais, tradicional segundo o qual as aulas de
etc. Sou ¡contra este tipo de apresentação, Matemática se realizavam a partir de
pois a ordem das teorias dedutivas não teoremas gerais cuja aplicação surgia,
¡reflecte a ordem pela qual as crianças e m seguida, sob a foirma de exercícios.
aprendem Matemática. U m professor do Muitas vezes, os futuros professores
ensino primário não necessita de fazer do ensino primário não possuem expe-
u m a apresentação matemática dais defi- riência suficiente para compreender cer-
nições, dos teoremas, das provas — que tas relações e regras matemáticas. O m e -
são difíceis de ensinar e cuja utilização lhor método consiste, então', e m lhes
na aula não está determinada. proporcionar a possibilidade de efectuar
H á meio século, muitas universidades exercícios análogos aos que deveriam
europeias propunham cursos de «Mate- ter feito n a sua infância. Obtênvsie,
mática elementar de nível superior» (por assim, melhores resultados do que limi-
exemplo, como construir fracções su- tando-nos a explicar estas noções por
pondo conhecidos os números naturais). meio de palavras e símbolos. Como> é
E m minha opinião, semelhante atitude é evidente, o exercício proposto ao adulto
mais prejudicial do que benéfica, e m par- não deve reproduzir simplesimente o que
ticular nas classes primárias. É raro que se destina à criança: é preciso atender
os professores a compreendam ¡bem. Pior aos conceitos adquiridos, assim icomo às
ainda, este tipo de Aritmética teórica diferenças de ritmo de trabalho e de
conduz frequentemente a ideias falsas motivação. O adulto parece capaz de
apreender os novos conceitos de Mate-
sobre a maneira de ensinar ais crianças.
mática moderna se, previamente, tiver
N a educação dos professores, os concei-
realizado u m certo número de exercícios
tos matemáticos devem ser apresentados
baseados e m exemplos concretos.
de maneira correcta e .adaptada à menta-
lidade da criança; devem ser correctos É muito difícil encontrar professores
quanto ao fundo m a s sem formalismos. e m número suficiente capazes de ensinar
¡Devemos saber que os professores en- a didáctica d a Matemática. U m a abor-
sinam provavelmente c o m o lhes ensina- dagem mais realista consiste em, separar
ram. É muito importante ter ¡em conta o curso de Matemática do curso de Peda-
este facto n a elaboração dois planos de gogia e da experiência escolar prática.
estudo para alunos-professores. Estes O objectivo do primeiro curso (confiado
devem exercer actividades concebidas a u m a pessoa competente e m M a t e m á -
para as crianças, m a s novas para eles, tica, m a s não necessariamente a u m pro-
a u m ritmo de adultos, evidentemente, fessor) consiste e m mostrar aos profes-
e c o m espírito didáctico. Ê o melhor meio sores como praticar a Matemática para
de garantir a compreensão dos conceitos crianças e, e m particular, como- resolver
matemáticos pelos ¡professores, e é u m certos problemas por meio de manipula-
'bom ponto de partida para aprender e ções concretas seguidas de raciocínios;

335
Zbigniew Semade ni

o objectivo do segundo curso (confiado tivo imediato consistia e m preparar os


a u m professor de Pedagogia) consiste professores para a reforma. E r a neces-
e m lhes mostrar como ajudar as crianças sário abranger todos os professores que
a aprender Matemática. deviam ensinar Matemática nos três pri-
meiros anos do ensino primário, c o m a
Reforma dos programas esperança de que a sua maior parte
e formação dos professores pudesse participar no curso. Tentou-se
reduzir ao mínimo a proporção' dos não
N a Polónia, foi publicado, e m 1971, u m participantes — por razões objectivas
novo programa de Matemática para os (obrigações familiares, saúde, etc.), ou
primeiros anos do ensino primário e apli- subjectivas (medo de que a nova Mate-
cado e m todo o país 'em 1975. Alterava mática abstracta fosse demasiado difí-
os objectivos, o conteúdo e os métodos cil) — a fim de não comprometer o êxito
de ensino, e implicava importantes pre- da reforma. A longo prazo, os objectivos
parativos: redacção de manuais, prepa- consistiam e m assegurar u m a base sólida
ração de material, preparação do® pro» para a educação permanente dos profes-
fessores. A s duas primeiras tarefas não sores, e m lhes revelar as possibilidades
apresentavam dificuldades particulares, do ensino da Matemática ao nível pri-
m a s a preparação dos professores sus- mário e e m os estimular a prosseguir
citava consideráveis preocupações. Raras os estudos e a procurar soluções pessoais.
eram as pessoas que conheciam suficien- Para atingir estes objectivos, eira ne-
temente o novo programa para o< apre- cessário elaborar u m sistema de ensino
sentar aos professores; ora, a Polónia à distância que pudesse garantir razoa-
conta c o m perto de 70 000 professores velmente o mínimo indispensável de pre-
do ensino primário e era impossível re- paração ao maior número possível de
ciclá-los por meios tradicionais. Além professores, conferindo-lhes a possibili-
disso, muitos professores não possuíam dade de desenvolver os seus conhecimen-
u m a preparação suficiente para ensinar tos para além deste mínimo, se dispus-
m e s m o o programa tradicional. E m todo sessem de tempo e o desejassem. Além
o caso, não bastava ajudar os professo- disso, era necessário evitar aplicar meios
res a assimilar os novos conteúdos e complexos e ter e m conta os constrangi-
métodos de ensino, era t a m b é m necessá- mentos existentes e m matéria de pessoal
rio modificar a atitude e m relação ao e de recursos.
processo de aprendizagem da criança.
Todo o país que pretenda aplicar u m a A estrutura do curso
reforma fundamentai do ensino enfrenta
os m e s m o s problemas. O s programas O curso era organizado a três níveis:
mais b e m preparados conduzirão ao in- a) central (Instituto de Formação dos
sucesso se os professores não o estiverem Professores) : três ou quatro pessoas ;
convenientemente. b) regional (19 secções do Instituto de
N a Polónia, a única solução possível Formação dos Professores) : u m a ou
consistia e m utilizar a Universidade Peda- duas pessoas por secção; c) local: 600
gógica Rádioi-Televisiva ( N U R T ) e, e m inspectores, funcionários da inspecção
particular, o «Curso de ensino da M a t e m á - escolar ou professores especialmente re-
tica na escola primária» (parcialmente au- munerados para exercer estas funções.
tónomo e possuindo organizaçãoprópria). O curso compreendia as seguintes acti-
O curso funcionou de Janeiro' de 1975 vidades: cursos televisivos; programas
a Junho de 1977, com objectivos imedia- radiodifundidos, material auxiliar publi-
tos e objectivos a longo prazo. O objec- cado sob a forma de suplemento à revista

336
O s «media» na formação matemática dos professores
do ensino primário na Polónia

pedagógica Oswiata i Wychowwiie, quin- e m 1975. O primeiro exame foi organi-


zenal ; exercícios publicados nos mesmos zado e m Outubro de 1975.
suplementos ; consultas e exames. O número total dos auditores do curso
¡As emissões televisivas e radiodifundi- elevou-se a 65 000 aproximadamente
das eram transmitidas pelas principais (quase todos do sexo feminino).
cadeias polacas e desempenhavam, e m
parte, o papel de u m a universidade Cursos televisivos
aberta, destinada a importantes sectores
da ¡sociedade, e m particular aos pais. O curso beneficiou de perto de trinta
A s outras actividades dirigianvse exclu- meias-horas de antena por ano. A s emis-
sivamente aos auditores inscritos nos sões tinham lugar u m a vez por semana,
cursos. pelas 16 horas, no primeiro canal e eram
O s exercícios e exames eram as únicas repetidas à noite (depois das 22 horas)
actividades dos auditores submetidos a no segundo canal (que não é captado e m
controlo. A audição dos cursos televisi- todo o país). Quase todos os auditores
vos ou radiodifundidos e a leitura não se queixaram do horário (à tarde, mui-
eram controladas. tos deles encontravamMse e m aulas ou
O s exercícios correspondiam ao m í - fora de casa), m a s não se encontrava
nimo de conhecimentos indispensáveis disponível nenhuma hora mais cómoda.
para ensinar os novos programas; por N a s secções do Instituto de Formação
outro lado, as emissões de radiodifusão- dos Professores realizíavam-se gravações
-televisão e a revista ofereciam u m a que podiam ser obtidas a pedido.
massa de material suplementar respei- A s 92 aulas asseguradas e m 1975-1977
tante ao ensino da Matemática na escola podem dividir-®e do seguinte m o d o : prin-
primária e problemas conexos. cípios da reforma (3 aulas no início e 2
no fim) ; desenvolvimento das noções
Preparação matemáticas na criança, do ponto de
vista psicológico (3 aulas) ; conjuntos
A preparação de base durou aproxima- (7 aulas de introdução s e m símbolos e
damente dois anos. Tratava-se sobretudo 4 aulas mais avançadas) ; noção de n ú -
de estabelecer os princípios de organi- mero, adição e subtracção, equações, pro-
zação do curso e do seu programa e de blemas de nomenclatura, ábacos de cál-
preparar os inspectores do curso e o pes- culo (17 aulas) ; exercícios de orientação
soal das secções regionais do Instituto no espaço e introdução à Geometria (5
de Formação dos Professores. E m 1973- aulas) ; multiplicação, divisão c o m resto,
•1975 foram organizados vários cursos divisibilidade (10 aulas) ; raízes quadra-
de Verão e outros distribuídos por todo das, exercícios de aritmética e de geo-
o ano. Cada curso durava normalmente metria (6 aulas) ; sistemas não decimais
cinco a seis semanas e constituía u m a e potências (9 aulas) ; fracções (7 au-
preparação intensiva para o ensino da las) ; actividades geométricas n a criança
Matemática ao nível primário, sancio- (6 aulas) ; números negativos (2 aulas) ;
nado por u m exame. Esita preparação do coordenadas, escala e plano (3 aulas) ;
pessoal local era a condição prévia da apresentação dos programas da primeira,
aplicação do projecto¡- da segunda e da terceira classe (6 aulas) ;
correcção dos exames escritos (2 aulas,
N o Outono de 1974, os auditores do
difundidas 3 dias depois do exame).
curso foram inscritos nos ramos apro-
priados do Instituto de Foirmação dos A s nossas aulas televisivas' tinham
Professores e registados pelos inspecto- como principal objecto apresentar aos
res do curso ; as inscrições prosseguiram telespectadores o que o material impresso

337
Zbigniew Semadenl

não pode reproduzir: o movimento. N a fíceis de executar normalmente na aula


maior parte das aulas figuravam filmes (exigindo u m equipamento complexo ou
apresentando elementos de lições sobre preparativos laboriosos).
os novos temas e os novos métodos de E m geral, as crianças não estavam
ensino. C o m efeito, algumas aulas limi- preparadas para a lição e não sabiam
tavam-se a filmes comentados. Outras qual o tema tratado. Contudo, se o tema
aulas eram consagradas a actividades ou o horário não estavam de acordo com
como exercícios de manipulação (por o plano de estudos previsto, o profes-
exemplo, manipulação dos blocos ló- sor fornecia previamente as explicações
gicos) , traçado de gráficos ou explicação indispensáveis. Por vezes (raramente),
de certos problemas teóricos. «experimentava» a lição com diferentes
grupos de crianças, para a poder modi-
ficar, em caso de necessidade. Mas, para
Filmes
as crianças, a lição era sempre nova.
Os filmes apresentados na televisão eram Logo que o professor se encontrava
realizados nas aulas em diferentes esco- preparado, u m a equipa de televisão (qua-
las. O autor preparava fragmentos de tro a seis pessoas) dirigia-se à escola
lição devendo constituir boas amostras para filmar a lição. U.tilizava-se uma
do método de ensino (para cada tema) câmara de cada vez. Devido às dificul-
e, em seguida, procurava u m professor dades técnicas (luzes, microfones, gran-
interessado em preparar a lição e e m des planos das crianças, sequências a
a transmitir aos alunos. Não se tratava, retomar, etc.) a lição raramente era
pois, nem de u m a lição habitual na es- filmada sem interrupções, o que se
cola, nem de u m elemento de u m a expe- tornava particularmente desagradável
riência, mas de u m a lição especialmente quando cortavam as respostas das crian-
preparada para a televisão. Ilustrava ças. E m geral, eram necessárias! uma
certas ideias pedagógicas e fornecia ou duas horas para filmar u m elemento
exemplos de comportamentos ou de significativo de u m a lição. A s crianças
acções recomendadas ou razoáveis por sentiam^se, por vezes, muito fatigadas.
parte do professor sem procurar mostrar Os autores do curso acompanhavam sem-
como a criança aprende na prática. pre a lição, prontos para a discutir du-
rante os intervalos. Por vezes, interrom-
A nossa política consistia em não selec-
piam a lição quando observavam um. erro
cionar as crianças, mias e m escolher o
do professor que não pudesse ser elimi-
professor entre os melhores disponíveis.
nado com a montagem.
É útil que u m a criança cometa u m erro
característico (que não seja u m a falta O pessoal da televisão encarregava-se
de atenção), mas não é possível mostrar da montagem :do filme. Os autores assis-
na televisão u m erro pedagógico do pro- tiam à maior parte deste trabalho, indi-
fessor: deixando-o passar, arrisicamo-nos cando o que era importante e o que podia
a semear a confusão; apontatído-o, corre- ser cortado. Pretendíamos que o filme
mos o risco de humilhar profundamente fosse curto e compreensível para os pro-
o responsável. Por vezes, para salientar fessores que o vissem. Procurávamos,
u m a falta de comportamento caracterís- pois, cortar ou encurtar as passagens
tica de u m professor, gravava-^se uma menos interessantes da lição, assim como
cena simulada que, para evitar qualquer as repetições, as diversões atribuíveis ao
identificação, era apresentada, e m se- professar ou às crianças, etc. Depois de
guida, na televisão n u m programa dese- várias horas de montagem, o filme en-
nhado e não filmado. Sabíamos que era contrava-se reduzido a aproximadamente
necessário evitar mostrar actividades di- u m terço do comprimento inicial e repre-

338
O s «media» na formação matemática dos professores
do ensino primário rta Polónia

sentava 5 a 10 minutos die antena. Deste -se sobretudo de versões modificadas das
m o d o , podíamos apresentar até 5 lições aulas televisivas, comportando u m a expo-
diferentes e m meia hora.! sição mais pormenorizada do tema tra-
Todavia, a supressão dos elementos tado, u m a apresentação mais completa
desprovidos de interesse pedagógico ti- das lições filmadas. Puíblicou^se igual-
nha o efeito de acelerar o ritmo da lição: mente toda u m a g a m a de material di-
as crianças pareciam mais brilhante® do verso, e m particular correcções pormeno-
que na realidade eram. Muitos ¡professo- rizadas de exercícios (já não contando
res não acreditavam que as crianças não para as notas finais) e deveres de exame.
tivessem sido preparadas. Ficavam mais
convencidos quando eram organizadas, Exercícios
na aula, pelos colegas, actividades c o m -
paráveis. O trabalho individual era considerado o
elemento mais importante do curso. O seu
Emissões de rádio principal objecto consistia e m substituir
os trabalhos de laboratorio. Compreen-
Iniciaimente, tínhamos a impressão de díamos que os professores dois .primeiros
que, tendo e m conta a natureza do en- anos deviam começar por exercícios c o m -
sino da Matemática, a rádio seria pouco paráveis aos que devem executar as
útil ; limitava-se a poder substituir a tele- crianças. Seria u m ponto de partida
visão nas passagens faladas. Produzimos donde poderíamos passar aos conceitos
oito emissões de rádio por ano, de 20 m i - abstractos, às representações simbólicas
nutos cada u m a (às 20 horas, repetidas e às discussões pedagógicas. Pretendía-
às 6 horas n o dia seguinte). A radiodi- m o s , assim, proporcionar ao professor
fusão revelou-se, contudo, extremamente toda u m a g a m a de exemplos concretos
útiil para duais categorias de programas: que, mediante certas modificações, p u -
a) respostas às perguntas dos auditores, dessem ser utilizados n a escola. Estáva-
enviadas por carta» expressas e m reu- m o s convencidos de que, deste m o d o , o
niões ou directamente. Infelizmente, a professor se sentiria mais motivado e
maior parte das questões referiam-se a obteria melhores resultados. E r a ainda
problemas de organização e não de necessário elaborar exercícios adaptados
fundo; b) discussão de questões pedagó- ao ensino à distância—quando, n a maior
gicas alvo de controvérsias, c o m o o papel parte das vezes, o professor não tem nin-
do cálculo no novo programa. g u é m para ajudar, além dos colegas to-
talmente incompetentes.
Alguns meses depois, soubemos que as
emissões radiodifundidas interessavam os O s exercícios incluíam poucos proble-
pais que, por acaso, as escutavam. A par- m a s tipicamente matemáticos. Tratava-
tir daí, escolhemos temas que pudessem -«e. na maior piarte das vezes;, de exer-
motivar o 'grande público e popularizar cícios comparáveis aos que passamos aos
a ideia de u m a reforma do ensino da alunos, m a s mais difíceis: completar re-
Matemática n a escola primária, reser- gras de funções, utilizar gráficos, sotas,
vando as questões técnicas para o mate- manipular ou seleccionar blocos lógicos,
rial publicado. utilizar u m a régua de cálculo. N o con-
junto, os exercícios1 não tinham por ob-
Material publicado
jectivo consolidar os conhecimentos ad-
quiridos graças aos cursos televisivos.
O material foi publicado c o m u m a fre- Pelo contrário, e m muitos casos, eram
quência de cerca de vinte vezes por ano extercíeios preparatórios para as aulas
(16 a 40 páginas de cada vez) ; tratava- sobre determinado t e m a ; o seu ságnifi-

339
Zbigniew Semadeni

caído matemático era explicado e m se- integradas nas questões. Assim, 'ELS C A "
guida. plicações podiam ser concisas e o auditor
Só os problemas mais importantes sabia melhor o que devia fazer.
constituíam motivo de exercícios; nnuiltas A s soluções-modelo serviam, e m par-
aulas televisivas não incluíam exercícios. ticular, para introduzir conceitos novos:
Alguns auditoires não recebiam o texto o auditor encontrava-se e m condições de
impresso das aulas e dificilmente podiam resolver problemas seguindo os modelos
acompanhar as emissões. Assim, os exer- sem possuir ainda os conhecimentos teó-
cícios eram concebidos como u m curso ricos requeridos.
completo, independente. Por exemplo, u m problema da primeira
O s exercícios eram preparados pelo série era enunciado do seguinte m o d o :
Instituto de Formaçãoi dos Professores. «Escrever: a) todos os símbolos que se
E r a m corrigidos e classificados pelos ins- encontram no interior ide u m a só curva
pectores das secções -regionais do Insti-
tuto de Formação dos Professores.
Todas as quinzenas, os auditares re- a ß
cebiam u m a série de problemas sob a — •

-*
forma de dossier de 8 páginas. E m geral, — .
bastava u m serão para resolver toda a i / / \ \\
l a
série. O s auditores deviam enviar as res- /*) \
1 n 1
postas aos inspectores designados n u m \ /
prazo de duas semanas. O o m o muitos \
\ \\ y / .,
¡ /
/
professores tinham dificuldade e m obter \
\. ,--^\
y /
os textos, os prazos não eram cumpridos
e as respostas eram admitidas até m e s m o
passados alguns meses. N o total, durante N u m a curva fee hada: TI, <p, V
os três anos do curso, foram enviadas
44 séries de 8 páginas. O s auditores de- E m pelo m e n o s
viam obter pelo menos a média no con- u m a curva f ech ada: r., 5. /. • <? ^
junto dos exercícios.
O s exercícios iniciavam-se com pro- FlG. I
blemas muito fáceis (quase infantis) e,
e m seguida, to¡mavam-se mais complexos.
Pensavanse que os auditores deveriam 1 6
começar por adquirir confiança nas suas
aptidões, a fim de poderem superar os
receios e de tentarem resolver os pro-
blemas. Estavam autorizados a procurar 5 (
auxílio, ou a trabalhar e m equipa, m a s ', v3 U 4)
não era aconselhável que copiassem.
E m geral, o exercício cornipunha-se
de u m único problema e m várias partes, 2
apresentado n u m a só página. Após u m a
curta explicação:, u m a das partes (por N u m a curva fechada:
vezes, duas ou três partes) era resolvida
a título de exemplo; o resto do problema E m pelo m e n o s
devia ser resolvido pelo auditor. urna curva fechada.
A s soluções-modelo correspondiam a
partes essenciais do problema e eram FlG. 2

340
Os «media» na formação matemática dos professores
do ensino primário na Polónia

fechada, 6) todos os símbolos que se en-


contram no interior de ¡pelo menos u m a 9-3 =
curva fechada». A solução modelo é for-
necida pela figura 1. A figura 2 apre-
senta u m a das cinco partes do problema
(o termo «conjunto» ainda não é utili-
zado) .
U m teste preliminar a que se subme-
teu u m grupo de professores rurais e
de professores de pequenas cidades, an-
tes do início oficial do curso, salientou
que cerca de metade dos professores não
compreendiam a expressão «no interior
w
de pelo menos u m a » . Alguns interpreta-
vam-íia c o m o se significasse: considere
FIG. 3
qualquer u m a das curvas fechadas e es-
creva o que se encontra no interior.
Assim, se pedíssemos aos auditores que
realizassem u m exercício deste género (3 + 51-1 =
sem lhes apresentar u m a solução-modelo,
muitas não teriam sido capazes ou teriam
hesitado (uma explicação verbal na tele-
visão t a m b é m não teria sido útil). M a s \
/
o enunciado verbal do exercícioi, acom- \ + /
panhado por u m a solução-modelo (e se-
guido de exercícios análogos a realizar
pelos auditores), constitui o melhor medo
(no ensino à distancia) de suscitar u m a ^ \ - /
compreensão razoável do conceito e do
seu enunciado. A expressão «(união de
conjuntos» foi utilizada, e m seguida, no®
cursos televisivos e nos exercícios.
FIG. 4
Ainda a título de exemptai, gostaria de
mencionar a série 19, que se referia a
árvores c o m o esquemas de fórmulas
3 + (5-1) =
aritméticas. N a primeira página do fas-
cículo figuravam simples fórmulas de
adição e de subtracção, assim c o m o as
árvores correspondentes (fig. 3 ) . O pro-
blema dividia-se e m quatro partes, pre- \ /
cedidas de duas soluções-modelos (uma \ - /
para a adição, u m a para a subtracção;
os auditores ignoravam tudo soibre as ár- \
vores) . A s paginas 2 e 3 forneciam duas \ + ^ ^
f órmiulas entre parêntesis e as duas ár-
vores correspondentes (figs. 4 e 5 ) .
N a página 4 , apresentava^se u m a ár-
vore para preencher e pedia-se ao aluno
que inscrevesse a fórmula correspon- FlG. 5

341
Zbigniew Semadeni

FIG. 6

O • O O • o o
• •
o
-3 2 0

FlG. 7

dente. N a página 5 davanse u m a fórmula


e pedia-se o traçado da árvore corres- "2 - "3 = 1
pondente e os números. Nas páginas 6
e 7, encontravam-rse árvores mais com-
plexas, correspondendo a fórmulas como
(4 — 1) + (9 — 5) = . . . ou [6—(1 + • éo
+ 2 ) ] + 3 = . . . Pensámos que, depois
desta série de exercícios, o professor
possuiria noções suficientes para utilizar
as árvores na aula (as árvores que fi-
guram nos manuais polacos correspon-
d e m aos três primeiros anos do ensino FIG. 8
primário). C o m o é evidente, restava
ainda a questão da organização de u m a
lição incluindo árvores; este género de
problemas era abordado pelos filmes te-
levisivos.
N u m a outra lição, era necessário equi-
librar determinado peso c o m o número
mais pequeno possível de pesos, 1, 4, 16.
A solução-modelo é fornecida pela fi-

342
O s «media» na formação matemática dos professores
do ensino primário na Polónia

gura 6. Para a criança, tratasse de u m a administração escolar, no fim de cada


introdução aos sistemas não> decimais, ano do curso, sob a forma de testes
assim como de u m exercício de cálculo em que participavam aproximadamente
mental. 60 000 auditores. Os exames realizavam-
j
Outra síérie de exercícios consistia e m se simultaneamente em todo 01 país, n u m
utilizar fichas coloridas para a represen- certo número de cidades, geralmente e m
tação, adição e subtracção de números escolas especialmente designadas. O s au-
inteiros. O valor de cada ficha ¡branca ditores recebiam u m a cópia do teste e
é 1 ; o valor de cada ficha preta é — 1. eram convidados a responder na mesma
A figura 7 mostra a solução do primeiro folha. O teste e os critérios de avaliação
problema: dadas as fichas, escrever o eram estabelecidos pelo Instituto de For-
número correspondente. U m dos exercí- mação dos Professores.
cios da série consistia e m proceder a u m a Os auditores reprovados eram autori-
subtracção por manipulação de ficha®. zados a apresentasse no ano seguinte.
Por exemplo, para subtrair — 3 de — 2, Para os que reprovavam no primeiro,
é necessário começar por representar — 2 no segundo ou no terceiro teste, orga-
por meio de duas fichas pretas e, em nizaraniHse cursos durante o ano escolar
seguida, tentar retirar — 3 , isto é, 3 de 1077-78 (depois de terminadas as au-
fichas pretas. C o m o não há fichas pretas las). Não se realizaram aulas para re-
em número suficiente, é necessário jun- petentes no intervalo dos exames, pois
tar U m a ficha preta e u m a ficha branca havia muito trabalho e receava-ise que
para que o valor total do conjunto não u m professor reprovado abandonasse o
se altere. Podemos, então, retirar três curso e continuasse a leccionar. E m prin-
fichas negras, o que dá u m a ficha branca, cípio, os exercícios deveriam ser classi-
isto é, 1, como resultado: ( — 2) — ficados antes do exame, m a s também
— ( — 3) = 1. A figura 8 é a representa- podia suceder o contrário. Os auditores
ção gráfica deste método: a chaveta in- recebiam u m a notificação escrita com o
dica o par de fichas auxiliares acrescen- resultado de cada exame, acompanhada
tadas; as fichas marcadas com u m traço de directivas sobre o que deveria fazer.
são as retiradas.
Foram publicados exercícios suplemen-
tares para os auditores que não tinham
Consultas
sido bem sucedidos nos exames ou que
não tinham obtido' o número suficiente
As secções regionais do Instituto de For- de pontos nos exercícios regulares. Mais
mação dos Professores e alguns inspec- de 50 000 professores obtiveram o seu
tores organizavam consultas. Contudo, a diploma, isto é, u m número suficiente de
maioria dos auditores (em particular nas pontos nos exercícios regulares (ou nos
zonas rurais) não beneficiavam de con- exercícios suplementares) durante os três
sultas. Era este o ponto mais fraco do anos, assim como u m a nota razoável em
curso, explicável por falta de pessoal cada u m dos três exames (com ou sem
competente. reprovação).

Exames Resultados

Os exames tinham por objectivo esti- Não é possível avaliar o que os profesa
mular o estudo, e m vez de controlar os sores aprenderam efectivamente e qual
conhecimentos adquiridos. Este objectivo a influência destes novos conhecimentos
revelounse difícil de atingir. O s exames sobre o seu ensino'. Pensamos, contudo,
eram organizados, com a participação da que o curso desempenhou u m importante

343
Zbigniew Semadeni

papel na reforma d o ensino d a M a t e m á - dos professores dos primeiros anos do


tica nos três primeiros anos d o ensino ensino primário não acompanharam o
primário e que nenhum outro meio teria curso. Outra fracção de 10 % abando-
permitido obter os m e s m o s resultados nou o curso ou reprovou nos exames.
n u m período tão curto. A maior parte abandonou o ensino ou
A s emissões televisivas e radiodifundi- lecciona outras matérias. Por outro lado,
das ajudaram muito a divulgar através alguns milhares de novos professores
de toda a Polónia as ideias fundamentais abordaram o ensino da M a t e m á t i c a
da reforma. Muitas vezes, pais e avós sem possuir u m a qualificação adequada.
seguiam as lições pela televisão, o que Assim, u m número considerável de pro-
contribuiu para melhor compreensão dos fessores deve ainda aprender a ensinar
objectivos do novo programa. Matemática; m a s este número é apenas
A reforma foi aceite tanto pelos pro- u m décimo do que era na origem, e pro-
fessores como pelos pais. Contudo, o en- curasse remediar a situação por meio de
sino da Matemática ainda não é total- cursos de férias.
mente satisfatório. Muito está ainda por U m a versão aumentada e inteiramente
fazer. E m particular, muitos professores revista das aulas televisivas vai ser publi-
que seguiram o curso necessitam ainda cada sob a forma de manual e de obra
de auxílio. E , a despeito de certos pro- de consulta e m cinco volumes, impressos
gressos, o ensino continua a ser frequen- a cores, para uso dos professores. Serão
temente autoritário. Serão necessários enviados exemplares a todas as biblio-
vários anos para atingir progressiva- tecas escolares, a fim de proporcionar,
mente os objectivos da reforma. no futuro, u m a base sólida à educação
Por diversas razões, cerca de 10 % permanente dos professores.

344
George S. Eshiwani

Os objectivos do ensino
da matemática em África:
necessidade de u m reexame

U m a das questões de educação que des- merosos países de África terem sido
pertou mais atenções e m Africa, nos introduzidos apressadamente e por repre-
últimos anos, foi a da adaptação da edu- sentarem u m simples decalque dos do
cação às exigências do desenvolvimento. Ocidente. Ninguém parece ter dado pro-
Muitos foram o© que, junto de diversas vas de imaginação e de reflexão para
instâncias locais e internacionais, defen- adaptar o ensino à cultura e às necessi-
deram a causa de u m ensino público que dades locais. D e facto, poderíamos afir-
correspondesse, pelo seu conteúdo, méto- mar que a atitude então prevalecente
dos e valores, às necessidades presentes consistiu e m acreditar naquilo que era
e futuras de Africa. Foi frequentemente bom para a Europa ou a América também
salientado que os novos programas pro- o seria para a Africa. É precisamente
postos devem não só estar em relação esta concepção que hoje é contestada
com as exigências socioeconómicas do pela nova geração de especialistas afri-
país, como ser concebidos de modo a sa- canos de programas.
tisfazê-las. Devem servir as carências da Antes de iniciar u m estudo aprofun-
maioria, e não os interesse® de u m a pe- dado sobre esta questão de interesse: capi-
quena camada da sociedade. Se os pro- tal, como nos propomos fazer no pre-
gramas dos anos 60, em particular os sente artigo — quanto aos objectivos do
de Ciências e Matemática, foram criti- ensino da Matemática em Africa — deve-
cados, parece ter sido por responderem mos examinar dois fenómenos não menos
às necessidades de u m a fraca proporção importantes: a crise que atravessa, a edu-
da população escolar e desconhecerem, cação nos países de Africa e as finalida-
em geral, as da maioria, que inclui imen- des da educação neste continente.
sas crianças que abandonaram a escola
sem ter podido atingir os níveis supe-
riores do1 ensino. A crise actual
da educação e m África
Esta anomalia deve-se, em grande
parte, ao facto de o® programas de Ciên- Dificilmente poderemos negar a existên-
cias e de Matemática adoptados em nu- cia de u m a grave crise da educação em
Africa. Embora este fenómeno varie con-
soante os países, comporta causa® comuns
que nos são familiares.
George S. Eshiwani (Quénia). Especialista e profes- Assinalemos, e m primeiro lugar, a es-
sor de Matemática. Professor no Departamento de pectacular «explosão» dos efectivos esco-
Tecnologia e dos Meios de Comunicação em Maté-
ria de Educação no Kenyatta University College. lares experimentada por muito® países

345
George S. Eshiwani

de Africa nos últimos vinte anos. N o sete anos. Os novos programas devem
Quénia, por exemplo, o número de alunos ter em conta, portanto, as dificuldades
inscritos na escola primária passou de apresentadas pelas classes superlotadas
870 000, em 1961, para 2,9 milhões, em e heterogéneas.
1976, enquanto os efectivos do ensino se- A terceira consequência da explosão
cundário passavam de 22 200 alunos para da população escolar diz respeito aos
200 000 durante o mesmo período. E m professores. C o m efeito, a expansão de
outros países, os número® testemunham todo o sistema de ensino exige u m au-
o mesmo fenómeno. mento proporcional do número de pro-
IDeste aumento dos efectivos decorrem fessores. Ora, muitos países de Africa
três efeito® principais. experimentam uma penúria aguda de
E m primeiro lugar, o ensino escolar proifessores qualificadas para ensinar M a -
não garante emprego assalariado no sec- temática e Ciências. A carreira de profes-
tor urbanizado da economia; também não sor não é procurada. Os diplomados que
conduz a estudos mais aprofundados. possuem a competência requerida para
Devemos admitir que, para a maioria das ensinar Matemática podem facilmente en-
crianças que frequentam a escola, o en- contrar u m bom emprego fora do ensino-.
sino que lhes é dispensado ao' nível pri- Os que seguem u m a formação conducente
mário ou secundário apresenta u m carác- ao ensino a u m nível elementar carecem,
ter terminal. Ora, muitas delas não muitas vezes, de entusiasmoi e só reali-
encontrarão emprego nos centro urba^ zam estes estudos à falta de melhor.
nos. N o Quénia, por exemplo, perto de A s matérias que estes professores irão
ensinar deverão ser-lhes apresentadas
250 000 crianças saídas da escola apresen-
sob forma acessível e compreensível. Não
tam-se anualmente no mercado de tra-
nos devemos poupar a esforços para
balho ; apenas 50 000 poderão encontrar
tornar a sua tarefa tão simples e tão
emprego ou adquirir u m a formação. Que
interessante quanto possível.
tipo de programa deveríamos conceber
para as restantes 200 000, as quais serão A segunda causa da crise deve-oe ao
obrigadas a ganhar a vida em zonas ru- enorme desfasamento que existe entre
rais do país? a procura da educação por parte *das
A segunda consequência do aumento populações e a capacidade limitada dos
dos efectivos é o abaixamento' do' nível países em desenvolvimento para respon-
atingido. Este fenómeno pode ser obser- der a esta procura, devido aos magros
vado sob dois aspectos. Por u m lado, u m recursos de que dispõem e às exigên-
aumento rápido dos efectivos escolares, cias concorrentes que devem satisfaizer.
que não se acompanhe de uma expansão Surge, então, u m problema interessante:
das instalações, traduz^se por classes a quem devemos ensinar Matemática?
superlotadas, o que torna impraticável A crise apresenta como terceira causa
a aplicação de métodos modernos de a falta de adaptação ao contexto afri-
ensino, como o métodoí heurístico ou o cano das instituições e das estruturas
método activo. Além disso, limita a liber- importadas. O ensino escolar, tal como
dade de manobra do professor quanto o conhecemos, é, em grande parte, uma
à escolha do método de ensino: deverá criação da sociedade industrializada, e os
limitar-se a dar aulas de tipo> clássico. sistemas de ensino utilizados e m África
Por outro lado, como o acesso à educação não são mais, por conseguinte, do que
foi ampliado, os estabelecimentos aco- transplantações de sistemas educativos
lhem agora crianças com aptidões muito emanando dessa sociedade. Não sur-
diversas, podendo a diferença de idade preende, portanto, que a transplantação
entre alunos da mesma classe atingir de programas que se efectuou durante

346
O s objectivos do ensino da matemática e m África

dezenas de anos tenha gerado vivas ten- mente ainda válida hoje e m dia, Estes
sões. A o conceber novos programas de objectivos assentavam e m dois postula-
ensino para África, devemos procurar, dos de base:
e m especial, OÍS meios próprios paira eli- O ensino da Matemática deve decorrer
minar estas tensões. de métodos activos e não da repetição
e da memorização. O s alunos devem
Finalidades da educação compreender a razão* de ser dos méto-
dos que utilizam e não se limitarem
Podemos afirmar, e m resumo, que, e m a aplicá-los mecanicamente.
toda a sociedade, a educação tem, por Todo o princípio matemático, por muito
Objectivo essencial preservar e trans- abstracto que seja, pode ser apresen-
mitir a cultura, inculcar valores e ati- tado sob forma interessante aos alu-
tudes apropriadas, conferir certas1 c o m - nos, seja qual for a sua idade. Deve-
petências e desenvolver as aptidões m o s , portanto, familiarizar os alunos
inovadoras, criadoras e críticas. Scopes 1 c o m os grandes princípios que consti-
classificou estes objectivos de modo* li- tuem a base de toda a teoria m a t e m á -
geiramente diferente, qualificando-os de tica e c o m os conceitos que estabelecem
utilitários, sociais, culturais e pessoais. a unidade da Matemática; poderemos,
Considera-se natural que toda a ver- então, dispensar a maior parte dos
dadeira reforma de programas deve ter exercícios e práticas do ensino tra-
e m conta u m destes esquemas, ou os dois dicional.
simultaneamente; m a s e m que medida A maior parte dos programas modernos
devemos atender às finalidades nacionais de Matemática aplicados e m África têm
da educação quando se trata de ordenar por fim:
os programas de ensino da Matemática?
Inculcar os mecanismos de base da, M a -
A Matemática pode desempenhar u m
temática, desenvolver a compreensão
papel na comunicação dos conhecimentos
das noções de número, de estrutura
necessários ao desenvolvimento tecnoló-
e de forma, e ensinar simultaneamente
gico ou no desenvolvimento das aptidões
as aplicações sociais', pessoais e comer-
criadoras e críticas, m a s e m que medida
ciais destes mecanismos;
contribui para preservar e transmitir a
cultura? C o m o contribui para inculcar Incutir nos alunos o raciocínio dedutivo
valores e atitudes apropriadas? Talvez e o espírito crítico, condições de inde-
fosse conveniente examinar certas maté- pendência intelectual;
rias ensinadas para ver se correspondem Ensinar os alunos a generalizar;
aos objectivos nacionais. Poderíamos per- Despertar o interesse dos alunos e esti-
guntar, por exemplo, e m que medida os mular a sua curiosidade pela Mate-
ofbjectivos actualmente atribuídos ao en- mática;
sino da Matemática se adaptam às fina- Permitir que os alunos se exprimam mais
lidades nacionais da educação, quais os facilmente e c o m mais precisão na lin-
limites impostos a estes objectivos e como guagem natural, n a linguagem cientí-
alargar o seu alcance. fica e com a ajuda de gráficos e dia-
gramas;
Estimular os alunos a procurar os ele^
Objectivos actuais e seus limites
mentos essenciais de todo o problema
Devido à transformação radical, nos concreto.
anos 60, da concepção do ensino da M a - Parece não ter havido qualquer preo-
temática, os objectivos pretendidos foram cupação quanto ao conteúdo efectivo do
enunciados sob nova forma, provavel- ensino e ao desenvolvimento cognitivo

347
George S. Eshiwani

dos alunos; assim, verificam-se graves de u m problema simples, em que inter-


lacunas nos programas moderno® de venha a lei de Boyle ou a lei de Char-
Matemática 'aplicados e m muitos países les, que deveria ocupar cinco minutos,
de África, programas que requerem as imobiliza, por vezes, os alunos durante
seguintes críticas: toda a duração da aula. D o mesmo
Os cursos encontram-se sobrecarregados modo, os alunos do segundo ciclo do
e os problemas são tratados superfi- secundário experimentam, por vezes,
cialmente, de tal modo que os alunos muitas dificuldades, nas aulas de Geo-
esquecem o que aprenderam; grafia, ao resolverem os problemas de
A maior piarte dos alunos conisideram escalas do® mapas. Retomando os ter-
o ensino interessante e seguem-no com mos de u m professor: «A linguagem
prazer, mas certas questões, como a da® Ciências, é a Matemática, e nós
programação linear, os vectores a três esperamos que os alunos a falem bem» ;
dimensões e os lugares geométricos A ausência de provas formais no trata-
são demasiado difíceis para alunos de mento da Geometria constitui u m a
nível médio; grave lacuna. Como é evidente, é im-
A linguagem e os símbolos matemáticos portante que os alunos estudem por
utilizados são, muitas vezes, inutil- indução as propriedades dos círculos,
mente complicados; dos triângulos, etc., m a s também é
A gradação adoptada na apresentação necessário que compreendam como se
das questões nem sempre permite que podem descobrir estas propriedades
os alunos se apoiem nos conhecimentos por dedução;
que já adquiriram nem que compreen- Apesar do estudo da Matemática incluir
dam as ligações que unem os diferen- a construção de figuras geométricas,
tes aspectos da Matemática; os professores queixamnse do nível in-
Os manuais fornecem muito poucos suficiente dos alunos. N u m a escola,
exemplos concretos. Os exemplo® dados verificouise que uma proporção notável
raramente são apresentados por oindem de alunos do segundo grau era incapaz
de dificuldade crescente; de traçar correctamente a bissectriz
O domínio do cálculo não é sufáciente- de u m ângulo, ou de baixar a perpen-
imente estimulado. Muitos aluno® são dicular de u m ponto para uma recta.
incapazes de adquirir rapidez e exacti- O autor conheceu antigos alunos do
dão na manipulação simples dos núme- ensino secundário obrigados a seguir
ros e sentenuse, assim,, perturbado® ao u m curso de Desenho geométrico para
•abordar questões mais difíceis; se poderem inscrever n u m curso de
Atribuirse grande importância a questões marcenaria n u m centro técnico rural;
que apresentam pouco interesse para Os professores queixam-se por a maior
os alunos que não estudarão Matemá- parte dos alunos não adquirirem u m
tica ao nível do segundo ciclo do ensino domínio suficiente das equações algé-
secundário: a transformação geomé- bricas; assim, sentem dificuldades no
trica e a Álgebra matricial, por exem- estudo da álgebra a u m nível avançado.
plo, ocupam lugar de destaque ; Estas críticas são; válida® para a maior
Por outro lado, as aplicações necessárias parte dos programas de Matemática
ao estudo das Ciências raramente são adoptados e m Africa; devemos ainda
tratadas de maneira suficientemente acrescentar, ao nível do ensino primário,
profunda. O s professores de Ciências os problemas de língua. Já sobrecarre-
lamentam, e m particular, que os alunos gado quanto ao seu conteúdo, o programa
sejam 'incapazes de resolver problemas de Matemática e m Africa é-o também
de proporcionalidade. Assim, a solução quanto ao vocabulário. Quando o inglês

348
O s objectivos do ensino da matemática e m Africa

ou o francês é a língua de ensino, trata- sejam mais numerosos do que no> pas-
-se, na maior parte dos casos, de u m a sado. A Matemática representa u m a lin-
segunda língua para o aluno, que en- guagem eficaz correntemente utilizada
frenta, então, enormes problemas de vo- e m outros domínios. O programa adop-
cabulário, de estruturas e de símbolos. tado no ensino secundário deveria melho-
Além disso, os alunos têm imensa difi- rar a comunicação através da linguagem
culdade e m compreender os (problemas da Matemática, tanto como auxiliar das
enunciados sob forma de adivinha, pois Ciências c o m o na utilização dos meios
os factores culturais criam, dificuldades visuais c o m o os gráficos e os diagramas.
suplementares. C o m efeito, alguns destes A Matemática implica muitas genera-
problemas referem-se a objectos e situa- lizações. Interessa, pois, que os alunos
ções que só os alunos dos meios urbanos aprendam, tendo- e m vista a sua vida
e de rendimentos elevados têm oportuni- de adultos, a fazer generalizações e a
dade de conhecer. Vejamos u m exemplo : avaliá-las. A investigação matemática,
«Nove crianças tinham sido convidadas e o ensino deveria acentuar a importân-
para u m a festa. Cada criança comeu dois cia da investigação dos elementos essen-
bolos e sobraram oito bolos. Quantos ciais de todo o problema concreto.
bolos tinha comprado a mãe?» E m Africa, a Matemática, matéria es-
colar obrigatória, ocupa u m lugar de des-
Apanhado das soluções possíveis taque no horário dos alunos. Todos es-
tudam os mecanismos de ¡base e muitos
A partir do que ficou dito, poderiam deles necessitam de receber uni; ensino
prqpor-se muitos objectivos ao ensino da miais aprofundado e m Matemática se
Matemática. quiserem adquirir u m a sólida formação
C o m o já indicámos, este ensino deveria de empregado de escritório, técnico, qua-
consistir e m inculcar os mecanismos fun- dro, cientista, etc.
damentais do cálculo e da compreensão O programa deveria atender a estes
das estruturas e das formas, assim, como imperativos e o seu conteúdo deveria
as suas aplicações individuais, sociais e corresponder às necessidades da agricul-
comerciais. O s alunos deveriam t a m b é m tura, da indústria, do comércio e das
adquirir noções elementares sobre a cor- universidades. Além disso, devemos evi-
respondência entre os modelos m a t e m á - tar dispensar u m ensino da Matemática
ticos e as situações reais. demasiado especializado, pois corremos
O s cursos de Matemática deveriam o risco de atingir o resultado contrário
também inculcar nos alunos o método do pretendido se o conteúdo das lições
dedutivo e o espírito crítico, factores de for demasiado difícil de assimilar.
independência intelectual e ensinar4b.es O professor deveria empenhar-jse so-
a pensar por ¡abstracção, a fim de pode- bretudo e m favorecer o desenvolvimento
rem, mais tarde, passar pelo crivo da pessoal da criança, e m estimular a sua
razão tudo o que se refira a determinado curiosidade e e m suscitar o seiu espírito
problema e tomar decisões racionais. crítico. Ora, a Matemática adapta-ise b e m
E m nossa opinião, a Matemática cons- a este processo. O conteúdo das lições
titui u m tema atraente e m si, e u m pro- deveria apresentarrsie sempre de maneira
grama b e m concebido deveria suscitar a interessar os alunos e a obrigá-los a
o interesse e estimular a curiosidade dos pensar por si mesmos 1 , m a s , muita® vezes,
alunos. Esperemos que os que são obri- a Matemática é ensinada como verdade
gados a abandonar a escola ali encon- revelada. Encontra-se fórmulas como
trem u m interesse duradouro e que os C = 2 n r, produzidas como por encanta-
alunos destinados a prosseguir os estudos mento e seguidas de séries de problemas.

349
George S. Eshiwani

O programa não deveria incluir nenhuma parte dos programas de formação com-
questão que não pudesse ser explicada de plementar.
maneira compreensível para os alunos. O exame final do ensino primário san-
O raciocínio lógico e dedutivo é u m a cionará o nível atingido pelos alunos que
aptidão que todos os alunos que termi- abandonem a escola, m a s , atendendo à
n a m os estudos primários deveriam ter grande diversidade das aptidões, talvez
adquirido; ora, n e m m e s m o os estudan- seja necessário organizar duas provas,
tes universitários parecem dominá-lo. das quais u m a destinada a todos os alu-
O que não significa que os professores nos e a outra aos que pretendem efectuar
não devam passar aos alunos exercícios estudos a nível secundárioi, juntando-ae
para fazer e m casa, m a s competejlhes esta segunda prova à primeira. O s alu-
tornar o conteúdo doe cursos tãoi inte- nos interessados e m estudar Matemática
ressante e tão fácil de assimilar quanto no secundário deveriam, submeter-sie a
possível. O s alunos menos dotados sen- esta segunda prova, excepto no caso de
tir-se-ão rapidamente perdidos se enfren- terem obtido u m a nota muito elevada
tarem operações algébricas complexas. na primeira.
Tal c o m o os objectivos do ensino da
Matemática, outra questão essencial deve
Incidências sobre o programa
despertar a nossa atenção': a do material
Partimos da hipótese de que, no futuro, pedagógico. C o m o as aptidões são muito
os efectivos das escolias primárias não variáveis, tanto entre o® alunos como en-
deixarão de aumentar e de que oi ensino tre os professores, convém dedicar a
secundário será extremamente selectivo. maior atenção à produção de imaterial.
A experiência mostra que o® manuais de
O programa deveria compreender os auto-instrução apresentam vários incon-
seguintes elementos: números e opera-
venientes.
ções sobre os números; fracções, taxas
E m primeiro lugar, surge u m problema
e percentagens; números decimais; m e -
de língua, que prejudica a compreen-
didas e aproximações; leitura de gráficos
são, sobretudo quando o manual introduz
e tabelas simples, e Aritmética social;
números negativos; (utilização das fór- muitos termos novos.
mulas; Geometria elementar; medição; E m segundo lugar, o conteúdo dos
por fim, algumas noções de estatística. capítulos encontra-se muitas vezes en-
coberto pelos assuntos tratados. Para o
Paira preparar os alunos para o ensino professor experimentado, esta apresen-
secundário, o programa de estudos pri- tação não originará dificuldades, m a s a
mários deveria incluir t a m b é m noções ausência de qualquer indicação assina-
não formais ide Algebra, Geometria e Tri- lando os pontos essenciais pode conduzir
gonometria elementar. u m principiante a omitir estes pontos,
O programa de estudos secundários ou a perder tempo a estudar todo o
deve admitir como hipótese que o aluno capítulo, c o m medo de esquecer alguma
é capaz de assimilar suficientemente b e m coisa importante.
noções de Gometria dedutiva para com- E m terceiro lugar, é necessário evi-
preender o que é u m a cadeia dedutiva tar que os manuais estejam na origem
e os argumentois e m que assenta, de u m conflito entre a ideia da relação
O programa deve inculcar conhecimen- aluno^prof essor tal c o m o a apresentam,
tos de Algebra mais sólidos do que esltá e a concepção que a sociedade possui
previsto na maior parte dos manuais desta relação, K a y 2 evoca, por exemplo,
utilizados. C o m efeito, a Álgebra é ne- o novo programa de Inglês adoptado nas
cessária ao estudo das Ciências e à maior escolas primárias do Quénia, segundo o

350
O s objectivos do ensino da matemática e m África

qual o professor deveria ser para os alu- mentados do que para os principiantes.
nos mais u m amigo do que u m a autori- Deveria necessariamente incluir u m ín-
dade. Ora, segundo a (tradição local, os dice completo. Segue-se u m exemplo do
alunos devem respeitar os professores e que o livro do professor poderia conter:
obedecer -lhes prontamente, uma vez que Equivalência de fracções. Para poder
são mais velhos e, por conseguinte, mais adicionar fracções adicionando denomi-
sensatos. nadores diferentes, os alunos devem co-
Também não devemos esquecer que o meçar por compreender o que são frac-
ensino, tal como é concebido pelos pro- ções equivalentes. Estas podem ser apre-
fessores, é o produto1 de onze ou doze sentadas do seguinte modo:
anos de instrução extremamente formal 1. Dar a cada aluno u m a folha de papel
sobre a forma de cursos magistrais, que rectangular. Pedir-flhes que a dobrem
reduziam frequentemente a Matemática e m quatro, que a desdobrem e que
à aplicação de fórmulas dadas. Só muito preencham a tracejado três quartos
progressivamente nos poderemos libertar da folha:
desta concepção. Finalmente, como o le-
que de aptidões: é cada vez mais amplo,
é desejável que os manuais apresentem
as questões a ensinar segundo u m a pro- 7777/7
gressão rigorosa, fornecendo exemplos
múltiplos em cada nova etapa. Este modo
de apresentação seria benéfico tanto para
777/77 '//////,

os professores como para os alunos. Dobrando o papel mais uma vez


e desdohrando-o em seguida, os alu-
As considerações que precedem ofori-
gam-oios a concluir que se ¡torna neces- nos aperceber-se-ão ide que, agora, se
sário, para atingir os objectivos que ex- encontram preenchidos seis oitavos
pusemos, dispor da seguinte série de m a - da folha. Assim, 3 / 4 = 6 / 8 . O mesmo
nuais. processo pode ser aplicado a outras
fracções, por exemplo, 1/3 = 2/6 =
MANUAL DE BASE = 4/12.
Dobrar em três, em cinco, etc., não
Deveria haver u m manual para cada ní-
é tão fácil como dobrar e m dois, em
vel. Gada capítulo conteria uma breve
quatro, e m oito, etc.
exposição sobre a questão, acompanhada
2. Pedir aos alunos que preparem peda-
de exemplos apropriado© e terminaria
com u m resumo. ços de papel do mesmo comprimento
mas marcados de modo diferente, e
LIVRO D O PROFESSOR que os coloquem paralelamente uns
aos outros:
Este manual incluiria as respostas aos
problema® apresentados, e proporia toda
uma gama de estratégias susceptíveis 1
de permitir, com u m equipamento muito
simples, apresentar os elementos do tema 1/2 | 1/2
sob uma forma compreensível para os
alunos e introduzir uma discussão sobre
os pontos que assumem u m importância 1/4 1/4 1/4 1/4
particular, bem como jogos destinados
a consolidar os conhecimentos adquiri-
dos. Este livro seria, sem dúvida, menos
útil para os professores muito experi- oitavos

351
George S . Eshiwani

Assim 1/2 = 2/4 = 4/8 = 8/16, etc. Os cadernos de exercícios são parti-
3/4 = 6/8 = 12/16, etc. cularmente úteis ao nível elementar. Per-
Através <ie exemplos como os pre- mitem que os professores e os alunos
cedentes, os alunos deveriam com- ganhem muito tempo, acrescentam ao
preender que, por exemplo, 5/7 = trabalho u m cunho pessoal e incitam o
= 10/14 = 15/21, ©tic. aluno a realizar u m trabalho limpo e cui-
Os exercícios de revisão podem apre-dado; também são particularmente indi-
sentar-se sob a forma de u m a 'colectânea cados para o ensino da Geometria.
ou de stencils e serão reproduzidos pela
escola. Estes impressos propõem u m a sé-
rie de exercícios graduado®, fáceis de
classificar. Os alunos respondem às ques- Notas
tões numa folha especial que, e m se-
guida, pode ser inserida na página cor- 1. P. G . S C O P E S , Mathematics in secondary schools,
respondente de u m a colecção composta Cambridge University Press.
de folhas cuja disposição permita ver 2. S. K A Y , «Curriculum innovation and traditional
culture», Comparative education, Outubro de
apenas a resposta correcta. 1975.

352
Ricardo Losada Márquez
e Mary Falk de Losada

Programas de matemática:
primeiros cuidados

Ê certo que, de início, a revolução da O processo de adaptação ¡deve atender


Matemática escolar enfrentou uima resis- a factores de ordem não só pedagógica,
tência declaradla na maior parte do® paí- como também sociológica e psicológica
ses e que, sobre pressão dos professores neste domínio; contudo, a avaliação do
universitários e das novos programas, caminho percorrido tende a ser falseada,
esta resistência acabou por se transfor- uma vez que se atribuem todos os fra-
mar numa espécie de movimento clan- cassos a causas estranhas ao conteúdo
destino, mas também é verdade que as da reíorma da Matemática. O o m o prova,
pessoas que se dedicam ao ensino da M a - em particular, a falta de discernimento
temática sentem a necessidade de u m a com que os organismos competentes pro-
transformação. cedem à reforma dos programas.
E m muitos países do mundo, duas Propomo-nos mostrar que, e m certos
grandes forças tendem, a modernizar a aspectos, a revolução do- ensino da M a -
Matemática: as conferências internacio- temática foi alterada pela ausência de
nais e a circulação internacional das pu- vários factores que deveriam ter inter-
blicações que permitem a difusão de no- vida, e que os partidários do statu quo
vas ideias; os especialistas nacionais que se escudaram atrás das suas preocupa-
têm a possibilidade de se familiarizar ções e agiram em consequência, reeusam-
com as novas tendências e os últimos dO'Se a reveladlas. Analisaremos ainda
progressos. Daí resulta que os movimen- alguns temas matemáticos cuja orien-
tos de renovação se ¡coloquem numa pere- tação inoportuna conduziu a u m a situa-
pectiva diversa, ou até estranha, e m re- ção contraditória contrária ao objectivo
lação às necessidades e às possibilidades pretendido.
de cada país.
A razão de u m mal-estar

Os conflitos que a modernização da M a -


Ricardo Losada Márquez (Colômbia). Antigo pre- temática suscita nos professores do se-
sidente da Sociedade Colombiana de Matemática.
Actualmente professor da Universidade Nacional gundo grau têm u m a origem, dupla. E m
da Colômbia. Autor de diversos manuais de Ma- primeiro lugar, na maior parte dos casos,
temática para os níveis secundário e universitário.
o professor reconhece que a sua forma-
ção é insuficiente e compreende que o
Mary Falk de Losada (Colombia). Ensina na Uni- nível do seu ensino' deve ser melhorado.
versidade Nacional da Colombia. Autora de ma-
nuais para o ensino secundário. Por outro lado, contudo, não domina os

353
Ricardo Losada Márquez
e Mary Falk de Losada

novos conteúdo® n e m os novos métodos a evoluir n u m sentido diferente do que


oficiais e não se sente suficientemente inicialmente tinha sido- fixado.
motivado para proceder às (transforma- N e n h u m desltes factores influiu do
ções específicas que dele ise esperam» m e s m o m o d o sobre a modernização do
M e s m o n u m a situação social óptima, ensino da Matemática, n e m na Colômbia
a interpretação da Matemática comoi sis- n e m nos outros países que apresentam
tema lógico e formal e o seu ensino sob características educativas e sociais se=-
u m a forma análoga enfrentariam u m a melhantes. Por conseguinte, o movi-
viva resistência por parte do corpo do- mento segue o caminho traçado na ori-
cente, motivada, inicialmente, poir falta g e m s e m se 'afastar muito deste. Dir-se-ia
de formação ou de conhecimentos, e, que não atingiu a maturidade. Exami-
e m seguida, cada vez miais peto fracasso nemos os factores sociais que conduzem
de grande número de alunos. Eim parti- a esta conclusão.
cular, foi esta atitude que esteve na ori- É verdade que as primeiras tentativas
g e m do movimento ¡dito do «regresso às realizadas para renovar o ensino da M a -
origens». temática n a Colômbia enfrentaram a
Tal c o m o foi inicialmente concebida, a resistência do corpo dolcente, tanto ao
Matemática moderna exigia do aluno nível universitário como secundário, m a s
u m esforço de abstracção prematuro, ao esita resistência acabou por desaparecer
qual não foi capaz de se submeter sa- pelas razões que exporemos.
tisfatoriamente. Além disso, ao' privile- A insuficiência da formação suscitou
giar a axiomatização e m detrimento idas u m sentimento de insegurança na maior
aplicações, ¡a Matemática não incitou o parte dos professores d o segundo grau.
aluno a realizar u m esforço para c o m - Por outro lado, estes reconheceram as
preender e dominar este tipo d:e racio- graves 'lacunas do seu ensino e o® re-
cínio. Por outro lado, os pais não reco- sultados desiguais obtidos na escola; por
nheceram o ensino que lhes tinha sido oultro lado, não se arriscaram a iniciar
dispensado na escola, o que reduziu pra- u m a polémica declarada eoni os professo-
ticamente a zero o importante apoio res e os representantes do Ministério da
que a família fornece ao sistema edu- Educação partidários da reforma. Além
cativo. Mais ainda, a sociedade, no seu disso, a ausência de u m a organização cor-
conjunto', denunciou cada vez miais o eli- porativa no plano nacional reduziu ainda
tismo inerente a aim ensino demasiado «mais a participação activa do corpo do-
formal da matemática e pediu que se res- cente na operação de renovação. Assim,
tabelecesse na matéria u m equilíbrio mais não foi possível atender devidamente à
democrático. Finalmente, u m grande n ú - experiência dos professores, n e m aos êxi-
mero de dados científicos mostraram que tos e fracassos verificados na adopção
certas orientações da Maitemáltica m o - dos novos programas.
derna estavam erradas. A Psicologia da E m segundo lugar, o aluno do ensino
aprendizagem, e m particular, imostra so- secundário foi sempre, e continua a ser,
bejamente que é necessário atribuir mais orientado principalmente para a univer-
importância às experiências concret as sidade ou, pelo menos, alimenta a espe-
e aos casos particulares durante u m a rança de prosseguir os esitudofe a nível
grande parité da vida escolar, e desen- superior. E m b o r a o ensino secundário
volver, assim, o papel da intuição na comece a diversificar-se devido ao facto
aprendizagem da M a t e m á t i c a . Além de a grande maioria dos alunos aí termi-
disso, as novas tendências da M a t e m á - nar os seus estudos, eslta diversificação
tica aplicada e a sua importância cres- ainda não é efectiva. 'Na melhor das hi-
cente obrigaram a Matemática moderna póteses, podemos afirmar que o ensino

354
Programas de matemática: primeiros cuidados

secundário atravessa u m ¡período de tran- a ser letra morta. Alguns inquéritos


sição, o que, c o m o é «vidente, influi na mostram, c o m efeito, que, embora exijam
atitude do aluno e m relação aos progra- manuais adaptados aos programas ofi-
m a s de Matemática. Assim, por muito ciais, os professores só os utilizam de
isolados e difíceis que estes programas maneira simbólica. Muitos deles, senão
possam parecer, e por muito despidos a totalidade, continuam a ensinar Mate-
de coerência e de possibilidade de apli- mática da m e s m a maneira que lhes foi
cação que sejam, o aluno aceitais quase ensinada.
passivamente, pois considera ois seus es- É evidente que a necessidade de trans-
tudos secundários não c o m o u m a pre- formação já não é contestada, m a s as
paração paira umla tarefa específica mais variantes propostas comportam irregu-
como u m a vaga orientação para even- laridades e inconvenientes que conduzem,
tuais estudos superiores. e m definitivo, ao atraso das modificações.
Se considerarmos, além disso, que, na A posição dos partidários d a reforma
Colômbia, u m a grande parte dos pais de impede os protestos declarados. D a re-
alunos nunca realizaram estudos secun- sistência clara, passou-se a u m a espécie
dários, vemos que a modernização da de desobediência civil.
Matemática também não constitui, deste É evidente que, c o m consciência das
ponto de visita, objecto de u m a avaliação transformações ida situação, houve q u e m
efectiva. tentasse reforçar a infra-estrutura que
E m certos países, os três grupos de deve apoiar toda a reforma desta exten-
pressão — professores, alunos e pais— são e permitir dispensar a formação
desempenharam o papel ide filtro e, opon- requerida aos professores, diversificar
do-se a certos excessos do movimiento de o ensino secundário, publicar ¡manuais
modernização d a Matemática, contribuí- apropriados, rever os programas e sus-
ram para o estabilizar e transformar ; citar a criação de u m a opinião pública
ora, nada de semelhante se produziu na crítica e b e m informada. Todas estas m e -
Colômbia n e m e m outros países apre- didas, destinadas a fornecer as soluções
sentando características sociais seme- procuradas, exigem u m longo esforço de
lhantes. incitação e de estabilização. Contudo, do
A Matemática moderna prossegue o ponto de vista matemático1, podemos dis-
seu caminho, sem suscitar críticas cons- tinguir vários domínios controversos cuja
trutivas, c o m as incoerências e as con- orientação deve ser modificada imedia-
sequências que esta situação comporta. tamente para b e m da modernização do
E m primeiro lugar, existe, no papel, u m a ensino da Matemática. Examinaremos,
reforma completa dos programas de es- e m seguida, alguns destes domínios.
tudo oficiais. Estes programas são mais
ou menos felizes quanto ao conteúdo, Linguagem e simbolização
m a s também atribuem u m a importância
desmedida a certas matérias, ignorando O s primeiros defensores d a -simíbolSização
totalmente outras; fornecem u m a apre- da Matemática procuram reduzir o papel
sentação muito abstracta de certas ¡ques- ou a influência da intuição no raciocínio
tões e abordam outras prematuramente. lógico, e evitar que conotações' estranhas
Distinguem-se roturas na sequência dois ou sentidos vagos fossem atribuídos aos
temais, falta de perspectiva e tendência termos utilizados. Esta desconfiança e m
para preconizar métodos formais e abs- relação à intuição possui raízes históri-
tractos. cas que podem explicarnsie. Mais já o
Verifica-se, porém, que e m certa m e - m e s m o não sucede, 'muito pelo contrário,
dida os programas oficiais continuam com quem ensina Matemática ao nível

355
Ricardo Losada Márquez
e Mary Falk de Losada

secundário: aqui, deve cultivarnse e aper- são, e m si mesma®, desastrosas. C o m o


feiçoar a intuição, utilizando u m a sim- poderemos, e m n o m e do- formalismo ou
bolização apropriada para precisar ou da abstracção matemática, exigir que o
clarificar o© conceitos. Eim suma, para aluno esqueça a noção intuitiva do nú-
o aluno, a simboTização deve constituir mero u m , adquirida c o m a idade de dois
u m auxiliar e não u m obstáculo'. ou três anos, e m benefício d a de classe
D e maneira semelhante, a linguagem de todos os conjuntos unitários, quando
matemática é u m veículo que permite é tão 'simples passar do segmento orien-
exprimir e compreender claramente cer- tado ao vectoir fixando-lhe u m a origem,
tas ideias. H á já vários anos que foram critério visual e intuitivo? Porquê de-
salientados os defeitos de u m ensino de finir o vector c o m o u m a classe de seg-
línguas -estrangeiras baseado quase ex- mentos orientados equivalentes?
clusivamente n a aquisição de u m voca» Posto isto, podemos retorquir que a
bulário e na memorização de ¡regras gra- noção de relação de equivalência e a de
maticais. O m e s m o acontece c o m a M a - partição de conjuntos que daí decorre
temática, que não pode ser reduzida a podem ser adquiridas intuitivamente.
u m conjunto de palavras, m e s m o c o m a C o m o é evidente, tratasse de u m pri-
adição de regras segundo as quais estas meiro nível de abstracção que, muitas
palavras podem ser combinadas. Para vezes, permite representar o infinito a
ensinar Matemática, comoí para ensinar partir 'do finito. A s relações de equiva-
u m a nova língua, é necessário saber ex- lência e as suas implicações lógicas apre-
primir ideias e construir frases que pos- sentam o interesse de permitir redefinir
suam sentido. É necessário ultrapassar a Matemática ou baseá-la na teoria dos
a simples aquisição (mnemónica) de u m conjuntos, m a s não são necessárias para
vocabulário matemático, tendo e m vista compreender e dominar os conceitos m a -
u m ensino que sublinhe a formação di-
temáticos.
nâmica de ideias interessantes (hipóte-
Assim', quando se pede ao aluno que
ses, teoremas) obedecendo sempre a re-
gras pré-esitábeleeidas. utilize estas classes de equivalência, como
sucede com a adição de vectores, atin-
A aprenidizaigem inútil que exige unica- ge-se u m segundo nível de abstracção.
mente memória, sintoma e consequência A partir deste momento, u m a operação
de u m a formação profissional inadaptada, que é geometricamente intuitiva perde a
transformou a linguagem e a simboliza- simplicidade e perdesse e m artifícios de
ção matemáticas e m elementos de u m a abstracção. D o m e s m o m o d o , a constru-
ciência estática e estéril. Por conseguinte, ção de números racionais sob a forma
devemos, stem demora, transformar o do- de pares ordenados de números naturais,
mínio da Matemática n u m meio< prático assim c o m o ais definições da adição e da
e não n u m fim e m si. multiplicação que daí /resultam,, e toda a
construção deste género constituem u m
A noção de relação de equivalência obstáculo à compreensão intuitiva e de-
v e m ser eliminadas dos estudos secun-
Para a formalização de conceitos1 mate- dários.
máticos intuitivos, desde o número até
ao vector, utiliza-se a noção de relação A Matemática aplicada
de equivalência. A introdução d a relação
de semelhança 'entre conjuntos ou de Por outro lado, podemos afirmar que, no
equivalência entre segmentos orientados, domínio d a Matemática aplicada, se pe-
conduz à definição do número e do vec- cou não por excesso- inals por defeito.
tor, respectivamente. Estas definições Enquanto se repetem tradicionalmente

356
Programas de matemática: primeiros cuidados

toldos os ano® os elementos da teoria dos da Matemática, proceide-se à primeira


conjuntos, não se atribui nenhuma im- abstracção passando de u m caso con-
portância às probabilidades, à estatís- creto para u m a representação geomé-
tica e às aplicações da Álgebra linear trica. E m disciplinas (como a Álgebra li-
adaptadas ao ensino secundário'; ou são near, este método exige u m conhecimento
transformadas e m matérias de opção específico da Geometria plana e da Geo-
(às quais nunca temos teimpo de nos metria no espaço; de qualquer modo,
dedicar). Para além da sua importância u m conhecimento' insuficiente da Geome-
para a ciência e a sociedade eontemporâ- tria torna inútil o emprego da represen-
nea, a Matemática aplicada apresenta u m tação geométrica como instrumento' de
interesse incontestável para aprendiza- compreensão. Intuição concreta, intuição
gem da Maltemática. Só no âmbito destas geométrica e formalização constituem
aplicações o aluno do secundário' poderá uma combinação de instrumentos ¡muito
dominar a construção de u m modelo m a - eficaz e quase infalível no ensino e na
temático aplicável a u m a situação con- aprendizagem da Matemática. A o elimi-
creta. É 'graças à Matemática aplicada nar ou reduzir a etapa interímlédia da
que se torna possível estabelecer uma intuição geométrica, enfraquecesse O' m é -
ponte entre a Matemática e o ¡mundo, todo no seu conjunto.
motivar u m elevado númiero de alunos
Tratasse apenas de alguns aspectos da
e diversificar o ensino secundário.
reforma da Matemática que contrariam
o bom senso e provocam controvérsias
Geometria e intuição que obrigam a perder de visita o® seus
êxitos e os seus lado® positivos. E n -
Os relatores do Congresso' Internacional quanto esperamos que se elaborem múl-
de Matemática de 1951, ¡rio seu célebre tiplos programas de apoio necessários
ataque a Euclides, quiseram insistir no para assegurar o êxito da reforma, que
facto de se dedicar u m tiempo exagerado se reforcem as instâncias educativas com
à Geometria euclidiana — tendo em visita, discernimento e que Seja possível con-
em particular, os defeitos ¡que apresenta ceber correctamente este período de tran-
como sistema 'axiomático — e de muitas sição, a atenção concedida a estes pontos
matérias importantes se encontrarem ex- capitais funcionará como primeiros cui-
cluídas dos programai de ensino tradi- dados. Trata~se, pois, de mtroduizir alte-
cionais. Oontudo', as suas conclusões ti- rações de orientação que, seim trauma-
veram u m efeito que ultrapassou o seu tizar nem perturbar indevidamente as
pensamento. A Geometria desapareceu estruturas educativas, reiritrodluzam as
praticamente dos programas de estudos noções de pertinência, de coerência e de
e, com ela, u m precioso instrumento da bom senso no movimento de moderni-
intuição. E m quase todos os domínios zação.

357
¡Vlanmohan Singh Arora

Para onde vai o ensino


da matemática?
A experiência indiana

Os futuros historiadores da Matemática As origens da Matemática


não deixarão de observar o extraordi- «moderna» ou «nova»
nario impacte do «movimento» que aba-
lou a sua disciplina durante os anos Quando, em 1957, os soviéticos lança-
sessenta e que é conhecido pela desig- ram o primeiro Sputnik para o espaço,
nação de Matemática moderna ou de esta aventura pacífica apanhou o mundo
Matemática nova *. Caracterizado por de surpresa. O Ocidente —• em particular
uma profunda reforma do® programas, os Estados Unidos da América — atri-
este movimento nãofeiecingiu a u m buiu este incrível sucesso à supremacia
único país, nem sequer a u m conjunto dos soviéticos nas Ciências, em Matemá-
de países culturalmente próximos. A c - tica e na Informática. Citemos Kline (1,
tualmente, as consequências fe o valor pip. 20 e 21) : «Este acontecimento con-
deste movimento alimentam debates apai- venceu o nosso governo e o nosso povo
xonados em diferentes meios: professores [dos Estados Unidos] de que provavel-
mente nos encontrávamos atrás dos rus-
do ensino secundário, da escola normal,
sos, em Matemática e em Ciênias, e teve
especialistas da disciplina, autores dos
o efeito de desapertar os cordões da bolsa
programas de ensino e até pais de alu-
dos organismos e fundações activas».
nos, e m seminários, colóquios e reuniões
profissionais, nacionais e internacionais, Assim, deu-se o impulso inicial a u m
nos periódicos e até na grandie imprensa. movimento de revisão e de reforma dos
Examinaremos as origens deste movi- programas do ensino da Matemática:
mento e as consequências que comporta «era necessário conduzir mais rapida-
a siua «extensão» aos países em desen= mente os alunos «dotados» às zonas ainda
volvimento, e m particular à India. inexploradas da Matemática pura e apli-
cada. U m certo número de comissões e
de projectos (não fornecemos pormeno-
res dos trabalhos e recomendações destas
comissões e projectos. Remetemos o lei-
tor para Willouighby2) foram elaborados
Manmohan Singh Arora (India). Professor de Ma- para formular recomendações e estafoe^
temática e de Estatística do National Council of
Educational Research and Training de Nova Deli.
Responsável por muitos trabalhos sobre o ensino * Historicamente, os adjectivos «moderna» e
da Matemática a nível nacional e internacional. «nova» aplicados à Matemática estiveram em
Autor de diversas publicações da sua especiali- voga em épocas diferentes. Desprezaremos, con-
dade. tudo, esta diferença.

358
Para onde vai o ensino da matemática?
A experiência indiana

lecer novos programas de Matemática: Além disso, os programas de Matemá-


o Grupo de Estudos do Ensino da M a - tica moderna deviam fornecer u m resumo
temática (School Mathematics Study coerente da Matemática, recorrendo aos
Group — S M S G ) , o Projecto da Univer- conjuntos, às operações, às aplicações, à
sidade de Maryland sobre a Matemática lógica e às estruturas. A adopção destes
(University of Maryland Mathematics programas exigiria u m grande esforço
Project — U M M P ) , a Comissão de Mate- de formação e de reciclagem dos profes-
mática na Escola da Universidade de sores. Citemos u m parágrafo do prefácio
Illinois (University oíf Illinois Committee de Francis Keppel, comissário da educa-
ion School Mathematics—UIOSM), a Co- ção nos Estados Unidos que, e m 1963,
missão dos Programas do Ensino Secun- escreveu sobre a reforma dos programas
dario, do Conselho Nacional dos Profes- de Matemática: «Nãoi basta dizer que a
sores de Matemática (Secundary School maior parte dos professores será total-
Curriculum Committee of the National mente incapaz de ensinar u m a grande
Council of Teachers of Mathematics), parte da Matemática inscrita no pro-
etc. Os princípios e as ideias salientados grama proposto; de facto, na sua maio-
nos trabalhos destas comissões e destes ria, experimentariam u m a enorme difi-
projecto® ¡são exclusivamiente resumidos culdade e m compreender alguma coisa.
por Kline (I, p. 22), onde lemos: «A ideia U m breve período de reciclagem não ¡será
essencial a extrair destes trabalhos é que suficiente. Até mesmo o programa do
o ensino da Matemática se revelou m m primeiro ano contém noções absoluta-
fracasso porque os programas tradicio- mente novas para um- professor médio.
nais apresentavam- unicamente a Mate- Tratasse, contudo, dos programas para
mática caduca, isto é, anterior a 1700». os quais devem tender os estabelecimen-
E , segundo a excelente fórmula de Kline, tos de ensino...».
«o slongan da reforma passou a ser : M a -
temática moderna». Assim se iniciou o «movimento» da
Matemática moderna.
EstabeleCeu-se, pois, .uma disltinção en- N o Reino Unido e nos outros países da
tre os programas de Matemática con- Europa, começou a esiboçar^se, ao mesmo
soante fossem anteriores ou posteriores tempo e progressivamente, u m movi-
à reforma. O s programas anteriores à mento de «revisão». Os trabalhos do- se-
reforma foram assimilados aos progra- minário de Royaumomt salientaram bem
mas de Matemática tradicionais, essen- a necessidade de reformular e de refor-
cialmente compostos de Aritmética, de mar os programas de Matemática, por
Äügebra, de Trigonometria, de Geometria razões de ordem económica, técnica, cul-
euclidiana, etc. Os programas posteriores tural e científica. Criaram-se, pois, de
à reforma começaram a divulgar-se sob 1964 a 1967, grupas de trabalho e co-
a designação de programas de Matemá- missões e, e m seguida, procurounse ava-
tica moderna; as sua® recomendações, liar, experimentar, aplicar e generalizar
mais ou menos unânimes, podem resumir- progressivamente nos novos programas.
-se do seguinte modo: a) recurso- à teoria
dos conjuntos para apresentar os núme- O s países e m desenvolvimento segui-
ros e as suas propriedades; 6) «Abaixo ram este exemplo, com quatro ou cinco
Euclides!»,* dando lugar, portanto, à anos de atraso, e m geral, muitas vezes
geometria das transformações; c) intro-
dução, a partir do nível secundário, de * Título de u m a exposição proferida por J. Dieu-
certas noções aprofundadas decorrendo donné durante u m seminário sobre o ensino da
da teoria dos números, da Algebra linear, Matemática organizado e m Royaumont, perto de
da Topologia e, naturalmente, do Cálculo. Paris, e m Dezembro de 1959, sob a égide da
DECEO.

359
Manmohan Singh Arora

incentivados pela falsa ideia de que é sificar essencialmente de «moderno» (ver


necessário modernizar o® 'programas de 4, p. 22).
Matemática para não ficar atrás do Existe outro aspecto da experiência
mundo ocidental. indiana sobre o qual importa que nos
Assim, durante ois anos sessenta, a detenhamos. Quando a índia obteve a
maior parte dos países de África, e do independência, e m 1947, possuía u m sis-
Sudeste Asiático e, como é evidente, a tema de ensino marcado pela herança
índia, integraram-se no «movimento» ida colonial e feudal. Pareceunlhe, pois, evi-
Matemática moderna. O exame destes dente, que seria necessário transformá-lo
factos e das suas consequências ultra- radicalmente. Não consideramos necessá-
passa o âmbito deste artigo. O leitor en- rio passar em revista os trabalhos e
contrará em Freudenthal3 exemplos do recomendações dos diversos comités e
que se passou em alguns destes países. comissões criados, depois da independên-
Nas páginas que se seguem referir-nos- cia, para se ocupar de reformas do en-
-emos particularmente à experiência in- sino. Assinalemos, porém,, o trabalho
diana. monumental realizado pela Comissão da
Educação da índia (1964-1966) que, no
seu relatório sobre a educação e o desen-
A experiência indiana
volvimento nacional, preconizava u m a
N a índia, as primeiras tentativas de «mo- reestruturação ido ensino segundo u m
dernização» dos programas de Matemá- modelo mais ou menos uniforme, ou seja,
tica remontam a 1905. O processo foi dez anos de ensino secundário, seguidos
notavelmente semelhante ao que se tinha de dois anos de ensino secundário supe-
passado em vários outro® países em de- rior, e, depois, de três anos de ensino
senvolvimento, e até e m países desenvol- superior num estabelecimento destinado
vidos : professores universitários e mate- a preparar para u m primeiro grau uni-
máticos recomendavam u m a reforma, versitário. Foi o que se designou por
professores seguiam cursos de Verão e sistema de ensino 1 0 + 2 + 3 . O relatório
estágios durante as férias, e introduziam- da comissão foi examinado pelo Parla-
-se cada vez mais questões nos progra- mento e, e m 1968, o governo indiano
mas escolares. U m a conferência (bina- adoptava uma resolução de política na-
cional organizada em Bangalore (India), cional nos termos da qual se declarava
em 19T3, reuniu delegados dos Estados convencido, em particular, de que uma
Unidos, do Reino Unido e da índia. reconstrução radical do sistema de en-
A conferência formulou as duas seguintes sino, segundo as grandes linhas das re-
recomendações (ver 4, p. 37) : «1. A M a - comendações da Comissão da Educação,
temática deve ser obrigatória para todos era indispensável ao desenvolvimento
os alunos dos dez primeiros anos de económico e cultural do país, à integra-
estudos (até aos dezasseis anos e mais). ção nacional e à realização de u m modelo
2. O programa deve ser idêntico para socialista de sociedade. A resolução su-
todos os alunos, até ao décimo ano in- blinhava ainda as vantagens de uma or-
clusive». ganização aproximadamente uniforme do
ensino e m todas as regiões do país.
Os delegados à conferência admitiram Fixava, como oibjectivo final da fase
«que nem todos possuíam uma experiên- escolar, o sistema 10+2.
cia de ensino actual dos dez primeiros
anos (crianças com idades entre os 6 e O sistema 10+2 comporta u m aspecto
os 16 anos, ou mais)». Recomendavam, importante, que nos interessa particular-
porém, para os doze anos de escolaridade, mente e merece a nossa atenção : o ensino
u m plano de estudos que poderemos clas- das Ciências e da Matemática, até agora

360
Para onde vai o ensino da matemática?
A experiência indiana

recusado a perto de 50 % dos alunos, adoptado a Matemática moderna. Como


fará a partir deste momento parte inte- é natural, a índia não constituiu u m a
grante da educação de todos até aos excepção. O aumento dos efectivos — 75
dezasseis anos ou mais. Assim, ¡tornava- a 80 milhões de crianças escolarizadas,
^se necessário rever inteiramente os pro- estudando Matemática, e aproximada-
gramas de Ciências ¡e de Matemática. N o mente 2 milhões de professores — a que
que diz respeito à Matemática, esta re- devemos acrescentar a diversidade dos
comendaçãotornou-isesinónimo da adop- meios económicos, culturais e sociais, o
ção da Matemática moderna na escola. número de línguas, a diversidade dos cos-
tumes, das maneiras e dos hábitos, tor-
nava a situação ainda mais preocupante.
Dez anos de experiência
Importa sublinhar pelo menos quatro
Diez anos de experiência do ensino da características da situação da índia:
Matemática moderna suscitaram mais 1. A índia possui uma economia essen-
problemas do que os resolvidos:. Verifi- cialmente agrária, pois mais de 80 %
cou-se que as crianças não aceitam to- dos seus 680 milhões de habitantes
talmente o rigor, a lógica e a estrutura encontranuse fixados em aldeias: onde
da Matemática moderna, de tal ¡modo vivem da terra.
que as «novas» questões preconizadas 2. A Constituição da índia prevê o en-
pelo plano de estudos dão origem, tam- sino gratuito e obrigatório para todas
bém elas, ao psitacisimo e à memorização. 'crianças até aos onze anos.
Ora, tinham sido precisamente estes os 3. A educação', na índia, é da compe-
inconvenientes, 'inicialmente atribuídos à tência de cada Estado, isto é, os
Matemática tradicional, que o programa governos dos Estados são livres de
de Matemática moderna procurava eli- formular e de aplicar as suas políticas
minar. de educação, e de fixar objectivos.
iVerdfico'u-se t a m b é m que, na sua Contudo, o governo central desem-
grande maioria, os professores não apre- penha entre os Estados u m papel de
ciam verdadeiramente o espírito da M a - cimentação, assegurando a integração
temática moderna e as limitações que nacional e a unidade na diversidade.
impõe. O seu conteúdo mais rico e miais Encontra-se, pois, e m condições de
ambicioso, a importância que atribui à coordenar as políticas da educação
compreensão de conceitos e de estruturas dos diferentes Estados, graças a reu-
unificadoras e O' recurso a métodos heu- niões dos seus Ministros da Educa-
rísticos de ensino não suscitaram a ade- ção.
são de todos os professores. O aluno aca- 4. O governo central também pode de-
bava por se aperceber de que o professor senvolver e estimular investigações
não sentia prazer com a Matemática pedagógicas, criar programas e m a -
moderna, que a compreendia com. difi- terial de ensino modelo e propor re-
culdade e que a apreciava pouco. Assim, formas dos programas que ajudem
começava também a desprezá4a, e cria- os Estados a adoptar ou a adaptar
va-se u m círculo vicioso: professores de estas transformações. Para este fim,
Matemática mal preparados e indife- foi criado u m Conselho Nacional de
rentes comunicavam esta indiferença à Investigação e da Formação Peda-
criança que, por sua vez, se desinteres- gógicas (National Council of Edu-
sava da Matemática. cational Research and Training —
¡Estas experiências, a diversos graus, N C E R T ) , há perto de virite anos, pelo
foram renovadas por mais de uma vez governo indiano; este conselho cons-
em diferentes países que não tinham tituiu o principal instrumento da evo-

361
Manmohan Singh Arora

lução da educação no pais, Baseando- longas horas a adquirir ideias e métodos


-se no relatório apresentado peia C o - que não conduzem a nada... A própria
missão da Educação da India (1964- ideia de aprender se tornou, praticamente
-(1966), o N C E R T estabeleceu uni e m toda a parte, sinónimo de tédio. Ein-
«documento de aproximação» 5 rela- sinaramnse aos alunos muitas coisas no
tivo aos programas de estudos da ar, muitas coisas que não se prendem
criança durante os dez primeiros anos a nada do que v e m à ideia de quem
de escolaridade (isto é, dos seis aos quer que seja, por muito intelectual que
dezasseis anos de idade, ou mais). se mostre, e que viva no nosso inundo
Este documento foi examinado por moderno. Todo o sistema de aprendiza-
diversas assembleias —das associa- gem lhes surge como u m absurdo...
ções profissionais de professores às «Ora, pretendemos precisamente de-
reuniões dos Ministros da Educação senvolver nos alunos a capacidade de
dos Estados— antes de se ter che- aplicar ideias ao universo concreto...
gado a u m consenso. O estudo da Álgebra deveria começar
Perante as críticas dirigidas à Matemá- por u m estudo sistemático da aplicação
tica moderna pelos educadores, os pro- prática da ideia matemática de quanti-
fessores, os pais e até m e s m o os alunos, dade a u m a questão importante.
o N C E R T decidiu rever os programas de «Do m e s m o modo, e m Geometria, o
Matemática e m vigor nas escolas 'india- programa deveria libertarnse inteira-
na®, no momento da passagem para o mente de todas as proposições que cor-
sistema 1 0 + 2 . O autor do presente ar- rem o risco de ser consideradas pelos
tigo era m e m b r o do Comité Nacionail alunos como simples curiosidades, sem
dos Programas constituído para este consequências práticas importantes...
efeito pelo governo indiano. Grande nú- «Resumindo, que pretendemos? Que as
mero de professores do ensino secun- noções de Matemática sejam estudadas
dário, de professores da escola normal, como u m conjunto de ideias fundamen-
de representantes de institutos pedagó- tais cuja importância possa ser avaliada
gicos ou de institutos científicos do en- de imediato pelo aluno; que toda a pro-
sino dos Estados, de pedagogos, de es- posição ou método que não resista a esta
pecialistas do ensino da Matemática e de prova seja eliminada sem piedade, seja
educadores viram-<se obrigados a exami- qual for o seu interesse para estudos
nar a situação existente na Índia e a mais avançados... Esta formulação bru-
propor reformas com o fim de adaptar tal pode ser resumida e reduzir-se a u m a
a Matemática ao nosso ambiente e de regra essencial única: simplicar os por-
satisfazer as necessidades e as aspirações menores e salientar os princípios e apli-
do nosso povo e do nosso país. cações importantes».
O ponto de visita exposto pelo célebre A s observações de Whitehead sobre os
filósofo e matemático' Alfred North programas de Matemática tradicional são
Whitehead no seu ensaio «Mathematics igualmente válidas para os programas
and liberal education», publicado e m de Matemática moderna. O aluno deve
Essays in science and philosophy, pa- aprender a assimilar as noções funda-
rece-nos particularmente pertinente: mentais da Matemática. Ê preferível di-
«A Matemática elementar, diz-nos, ... minuir a «quantidade» em, proveito da
deve libertarle de todos os elementos «qualidade» da Matemática a absorver,
que só possam justificar-ise pelo prolon- de tal m o d o que o aluno deseje prosse-
gamento dos estudos. N a d a pode apre- guir o seu estudo. C o m o é evidente, para
sentar efeitos mais destnuâidores sobre o não^maltemático, a motivação deve, na
u m a educação verdadeira do que passar medida do possível, ser naonmiatemática,

362
Para onde vai o ensino da matemática?
A experiência indiana

isto é, relacionar-se com o estudo de si- o Ordenamento de Programas Integrados


tuações e problemas da vida real. O que de Matemática para os Países e m D e -
não deveria suscitar qualquer dificuldade, senvolvimento da Asia, que se realizou
uma vez que a maior parte dos ramios da e m Dezembro de 1975, grupo e m que o
Matemática surge da necessidade de re- autor do presente artigo era u m dos ani-
solver estes problemas. madores, insistiu no seu relatório para
Apresentamos e m seguida, nas suas que, durante os dois primeiros anos do
grandes linhas, as ideias salientadas no® ensino primário, o ensino da Matemática
debates a que deu lugar o ensino da M a - se fizesse por intermédio da linguagem
temática a diferentes níveis. e o ensino da linguagem por intermédio
da Matemática. (Convidamos o leitor a
consultar o número (6) da bibliografia,
A Matemática
onde encontrará exemplos do material
na escola primária de ensino já elaborado' ou e m prepara-
N a índia, como na maior parte doe ou- ção para este ciclo do ensino na Índia.
tros países e m desenvolvimento1, u m a
importante percentagem de alunos não
A Matemática
prossegue os estudos para além da es^
no ensino médio
cola primária. Importa pois estabelecer,
para este nível, u m conjunto mínimo de Também neste caso, a grande maioria
Objectivos que correspondam às necessi- dos alunos que frequentam este ensino
dades dos dois (grupos de alunos, os que abandonará os estudos, e apenas u m a
não ultrapassarão o primeiro grau e os pequena minoria passará para o ciclo
que — u m a minoria— prosseguirão os seguinte — pelo menos, assim tem su-
seus estudos.
cedido na índia até agora. Interessa,
Indicaremos, em seguida, os objectivos pois, que estes alunos comecem a «pe-
propostos para o ensino da Matemática netrar» u m pouco na Matemática, sem
na escola primária: medo. Por outro lado, ¡temos o dever
1. Aprendizagem do cálculo e das suas de proporcionar à pequena minoria de
aplicações a situações reais; alunos que prosseguem os estudos se-
2. Desenvolvimento das aptidões opera- cundários (primeiro e segundo ciclo), o
tórias em Matemática, em particular sentimento de u m a certa «segurança»
na Aritmética elementar; no estudo da Matemática.
3. Tradução e m problemas aritméticos Nesta fase da escolaridade!, os objec-
de situações simples, retiradas da vida tivos do ensino da Matemática são os
real, o que permitirá que a criança seguintes:
se aperceba do poder da Matemática;
4. Desenvolvimento de noções intuitivas 1. Permitir que os alunos adquiram o
de Geometria; conhecimento dos números, das ope-
5. Aptidão para inferir correctamente, rações de que estes são objecto e das
por exemplo, para observar configu- suas propriedades;
rações numéricas, 1er e desenhar pic- 2. Aplicar os conhecimento® adquiridos
togramas, etc. a problemas da vida quotidiana;
Para apresentar as noções matemáticas 3. Desenvolver a aptidão para criar e
indispensáveis, interessa ter em conta distinguir novas ideias matemáticas,
não só o vocabulário da criança, como para descobrir novas relações e para,
também o seu estádio de desenvolvimento a partir daí, efectuar generalizações,
intelectual. De facto, o Grupo I (ensino para compreender, enfim, esquemas
primário) da Conferência Regional sobre e estruturas matemáticas;

363
Manimohan Singh Arora

4. Recolher, classificar e interpretar os versos domínios da vida real: banco,


dado© ; agricultura, etc.;
5. Desenvolver as aptidões operatorias 3. Permitir que os alunos pensem logi-
e os outros elementos de capacidade camente, e m termos quantitativos e
matemática; com precisão, e que desenvolvam o
6. Desenvolver o pensamento geomé- hábito de pensar matematicamente;
trico e familiarizar o aluno c o m o 4. Desenvolver nos alunos a compreen-
espaço e as relações espaciais; são das noções matemáticas e a apti-
7. Desenvolver a atitude crítica, c o m - dão para as aplicar elaborando m o -
parar as diferentes possibilidades delos matemáticos simples;
n u m a situação dada, analisar as so- 5. Desenvolver nos alunos o sentido do
luções possíveis e justificar a opção poder, dos limites e da importância
efectuada; cultural da Matemática no desenvol-
8. Desenvolver a aptidão para pensar vimento h u m a n o e nacional.
logicamente; O leitor encontrará e m (9), (10), (11),
9. Apreciar a beleza e o poder da M a - (12) e (13) exemplos de material peda-
temática. gógico elaborado para esta fase do en-
sino n a índia.
A Matemática
nos estabelecimentos É evidente que existem muitas razões
e excelentes motivos para introduzir a
de ensino secundário
«Matemática moderna» nas escolas. Con-
Entre os aluno® que entram para o tudo, neste campo, devemos ter sido de-
ensino secundário, a maior parte, mais masiado ambiciosos e parecemos ter que-
u m a vez, termina os estudos aos dezas- rido ultrapassar o objectivo pretendido.
seis anos; até lá, receberão- u m ensino A Matemática deve, semi dúvida, fazer
diversificado, particularmente e m Ciên- parte integrante da instrução de todos.
cias e e m Matemática. Quanto aos que M a s n e m todos os alunos necessitam do
completarão os dois últimos anos de m e s m o leque de conhecimentos matemá-
ensino secundário, alguns pretenderão ticos. Devemos distinguir entre as ne-
tornar-se engenheiros, oultros desltinar- cessidades de u m a pequena minoria de
-se-ão à Medicina ou a outras profissões futuros cientistas e matemáticos e as
liberais, enquanto apenas uima fraca per- da grande maioria. E , além do mais, para
centagem entrará para a Universidade que qualquer programa seja aplicável,
e outra ainda mais reduzida escolherá deve suscitar a adesão do professor, pois
a Matemática. é ele que, e m definitivo, transmitirá o
seu conteúdo.
Enumeraremos, e m seguida, os objec-
tivos do estudo da Matemática nesta fase
do ensino.
1. Preparar os alunos que se destinam
a estudos complementares de Mate- Referências
mática, de Física, de Química, de Bio-
logia, de Economia, de Ciências, da 1. K L I N E , M . Why Johnny can't add, Vintage
Engenharia, etc.; Books, Nova Deli, 1974.
2. W I L L O U G H B Y , S. Contemporary teaching of se-
2. Permitir que os alunos apliquem a condary school mathematics. John Wiley &
Matemática no exercício d a sua pro- Sons, Inc., Nova Iorque, 1967.
fissão (depois de abandonarem a es- 3. F R E U D E N T H A L , H . , (dir. publ.). Change in ma-
thematics education since the late 1950's: Ide
cola) e elevá-los à altura de utilizar and realization. An ICMI report. D . Reidel
frutuosamente a Matemática e m di- Publishing Company, Países Baixos, 1978.

364
Para onde vai o ensino da matemática?
A experiência indiana

4. Mathematics in India: Meeting the Challenge. 9. S I N G H , U . N . ; A R O R A , M a n m o h a n S. (dir. publ.).


Actas da «Conference on Mathematics Educa- Mathematics. A textbook for secondary schools,
tion and Research», Bangalore, 4-15, de Junho part I. 2. a ed., S . Chand & Company, Ltd.,
de 1973. Nova Deli, 1977.
5. Curriculum for the ten-year school. An approach
paper. National Council of Educational R e - 10. A R O R A , M a n m o h a n S. (dir. publ.). Mathematics.
search and Training, N e w Delhi, 1975. A textbook for secondary schools, part II.,
2. a ed., National Council of Educational Re-
6. A R O E A Manmohan S.; SAXENA, R. C ; C H A N -
D R A , Ishwar. Mathematics for primary schools, search and Training, Nova Deli, 1978.
book I. National Council of Educational Re- 11. . A texbook of mathematics for classes
search and Training, Nova Deli, 1978. XI-XII, book I. National Council of Educa-
7. A R O R A , M a n m o h a n S. (dir. publ.). Mathematics tional Research and Training, N e w Delhi, 1978.
for middle schools, book I. National Council
of Educational Research and Training, Nova 12. . A texbook of mathematics for classes
Deli, 1977. XI-XII, book III. National Council of Educa-
8. A R O R A M a n m o h a n S.; P A S S I , I. B . S. Mathema-
tional Research and Training, N e w Delhi, 1978.
tics for middle schools, book II, part I. National 13. . A texbook of mathematics for classes
Council of Educational Research and Training, XI-XII, book IV. National Council of Educa-
Nova Deli, 1978. tional Research and Training, N e w Delhi, 1978.

365
Tendências e casos

O ensino pelo método de avaliação


Chalva Amonachvili

A investigação e a experimentação de processo educativo, e m ligação c o m a


novos métodos de ensino remontam na actividade escolar do aluno. A questão
União Soviética ao fim doe anos quarenta que se coloca consiste, então, e m saber
e ao início dos anos cinquenta, época e m qual o processo educativo e quais as acti-
que se formaram várias correntes e m Psi- vidades escolares que devem ser desen-
copedagogia, procurando desenvolver o volvidas para criar nos alunos a necessi-
ensino segundo u m a concepção igloba- dade de u m a actividade cognitiva.
lista.
A evolução previsível da sociedade so- Crítica do sistema por notas
viética dbriga-nos a estabelecer de m a -
neira científica as tendências do ensino Inquéritos efectuados permitiraim m o s -
no futuro. Para este fim trabalham inú- trar que, desde muito cedo', a curiosidade
meros laboratórios e equipas de investi- e a actividade cognitiva desempenham
gadores, entre os quais figura o Laibo- u m importante papel na criança. Estes
raltório de Didáctica Experimental do caracteres fazem parte, de certo m o d o ,
Instituto de Investigações Pedagógicas do seu capital genético. A escola orienta
Y a . S . Goguébachvili do Ministério da as tendências da criança propondo-lhe
Instrução Pública d a República Socia- u m cerlto conteúdo educativo sob a forma
lista Soviética da Geórgia, que experi- de matérias de estudo às quais deverá
menta u m modelo de ensino pelo método aplicar a sua actividade escolar. N a m e -
de avaliação destinado aos alunos das dida e m que o ensino consiste n u m pro-
primeiras classes da escola elementar. cesso de formação dos seus interesses
Este método parte de u m a concepção cognitivos, a criança estudará s e m que
global da personalidade que se esitrutura seja necessário obrigá-la a fazê-lo', orien-
não só a partir de conhecimentos adqui- tada por motivações internas: interesse
ridos por meio de actividades de toda a pelo estudo, atitude positiva e m relação
espécie, m a s sobretudo e m função das ao processo de aprendizagem, tomada
suas necessidades e motivações. A neces- de consciência d a «alegria de desco-
sidade de aprender forma-se durante o berta», desejo de superar as dificuldades;
por seu lado, estes incitamentos inter-
nos exercerão u m a influência cada vez
Chalva Alexandrovitch Amonachvili (URSS). Di- mais decisiva sobre a estruturação da
rector do Laboratório de Didáctica Experimental do personalidade do aluno. A sua actividade
Instituto de Investigações Pedagógicas Ya. S. Gogué- escolar será avaliada não pelo sistema
bachvili do Ministério da Instrução Pública da
RSS da Geórgia e vice-reitor deste Instituto.
habitual de classificação (que substitui
Principais obras: Consciência e actividade no en- as motivações internas n o ensino tra-
sino; Princípios da aquisição da prática da escrita dicional, onde adquire, devido ao seu
e do desenvolvimento da expressão escrita nas pri- significado social, u m poder de constran-
meiras classes; Particularidades psicopedagógicas
da avaliação c o m o elemento da actividade escolar
gimento), m a s por u m a componente de
(em russo). avaliação destinada a estabelecer u m a

367
Tendências e casos

comparação entre o resultado das activi- des de avaliação dos alunos das classes
dades escolares e critérios que servem elementares. Esta situação decorrerá de
de padrão. dificuldades inerentes ao grupo etário
Por vezes, dá-se a este método o n o m e considerado? D e facto, a acção de ava-
de ensino «sem notas». M a s , não sie trata liação encontra-se excluída do conjunto
tanto de elaborar u m método de ensino do processo de aprendizagem proposto
«sem notas» como de conferir à criança às crianças: estas vêem-se, à partida,
certo® traços de personalidade entre os dispensadas deste género de actividade,
quais o desejo de se instruir n o âmbito que é inteiramente assumida peto pro-
de u m ensino e m que o papel regulador fessor. Ë este que transmite conhecimen-
é desempenhado por u m sistema de acti- tos, controla a sua aquisição', classifica
vidades e de julgamentos de avaliação. os progressos e as lacunas, detecta os
Importa, e m primeiro lugar, definir erros e julga os resultados da actividade
claramente os conceitos de avaliação' e escolar sem entrar na análise d a activi-
dade propriamente dita. O resultado de
de classificação. Consideramos a avalia-
todas estas operações, muitas vezes efec-
ção integrada na actividade escolar como
tuadas isoladamente, é u m a nota pela
u m a actividade cognitiva particular, que
qual se manifesta a autoridade aibsoluta
tem por objectivo analisar o resultado
do professor.
da actividade escolar, ou esta actividade
e m si m e s m a , consoante já tenha sido A actividade escolar que se desenvolve
realizada, ou se encontre e m preparação'; nestas condições sofre, como é evidente,
e isto a partir de critérios precisos, de- de rigideiz e apresenta lacunas. O aluno
sempenhando o papel de padrões. A acti- realiza o seu trabalho, m a s não se en-
vidade de avaliação permite que o aluno contra e m condições de avaliar os resul-
enriqueça a sua experiência, aperfeiçoe tados que obtém, de efectuar verificações
os métodos que utiliza para atingir os e de descobrir os seus erros. N a s pri-
seus objectivos evite certas erros ou os meiras classes, os alunos bem, podem
corrija a tempo. perguntar porque tiveram determinada
A avaliação integrada na actividade nota! N ã o podemos deixar de frisar que
escolar não intervém n o fim d o processo esta m e s m a situação se verifica c o m os
de aprendizagem, fazendo intimamente mais velhos, incluindo as classes termi-
parte dele e m todas as suas fases. Esta nais.
avaliação entra mais especialmente e m E m geral, atribui-se à nota u m valor
jogo para determinar a justeza de ope- de incitamento para o estudo. Pode tam-
rações precisas de ordem abstracta ou b é m originar reacções negativas abalando
concreta já realizadas ou ainda por e m - a confiança que o aluno deposita nas suas
preender e a exactidão dos seus resul- capacidades. A s boas notas não frequen-
tados. Ê ao comparar estes resultados, temente procuradas pelas crianças menos
ou estas operações, c o m os critérios que por amor ao saber do que para asse-
lhe servem de padrão que o aluno adquire gurar o seu prestígio ou para O' elevar.
u m a informação pertinente que lhe in- Este é u m dos factores psicológicos que
dica se o seu método era correcto ou conduzem os alunos dos primeiros anos
erróneo. A avaliação 'em exercício de- a atribuir u m a importância exagerada
termina o prosseguimento d a actividade aos seus resultados escolares e a recorrer
empreendida, introduzindo os correctivos a meios desleais para obter boas notas
necessários e justificando esse prosse- (sem relação c o m a realidade). Investi-
guimento. gações empreendidas neste campo con-
N o sistema educativo tradicional, de- firmaram este facto: 78 % dos alunos
senvolvenvse muito pouco as capacida- das primeiras classes regressam diaria-

368
Tendências e casos

mente descontentes da escola, conven- ção existencial na classe, n a família e na


cidos de terem sido severamente classi- sociedade. Ora, é o professor que classi-
ficados pelos professores. A maioria dos fica e é dele, portanto, que depende o
alunos que não consegue obiter (boas no- seu prestígio. Daí decorre entre profes*
tas perde gradualmente ¡confiança nas sor e aluno u m estado conflitual, agra-
suas próprias ¡capacidades e acaba por vado pelo facto de o aluno ser incapaz
responder c o m a indiferença às aprecia- de apreciar objectivamente o valor do
ções negativas dos professores. julgamento que o professor faz a seu
Sonhando c o m a escola do futuro, respeito.
N . K . Krouspskaia escrevia, e m 19!11: Procedendo à análise do processo di-
«Actualmente, a escola faz tudo para dáctico, o investigador georgiano D . N .
isolar os alunos, e m vez de os unir. A s Ouznadzé escreve que o educador que
notas, as competições, tudo> isto desen- aspira à realização de ideias sociais se
volve a inveja, a vaidade. Tudo isto pro- preocupa com o futuro dos seus pupilos
cura separar a criança dos seus colegas: e considera a sua felicidade futura prioi-
proibida de pedir u m a informação a u m ritária e m relação ao® interesses imedia-
colega, não há nenhum trabalho e m co- tos. A s actividades dos alunos são, pelo
m u m , que exija camaradagem, esforço contrário, motivadas pelo imediato, pois
colectivo. Cada u m deve pensar por si, são movidos por tendências individua-
ocupar-ee apenas do® seus resultados... listas. Daí resulta u m conflito entre o
A escola do futuro deverá desenvolver educador que age e m função do futuro
por todos os meios o sentimento de soli- e os alunos que têm e m visita a satis-
dariedade. Devemos excluir todo o for- fação imediata das suas necessidades.
malismo, toda a coerção. Por outras pa- Ouznadzé, que classifica esta situação de
lavras, a escola do futuro deve ser u m a «tragédia de base da educação», con-
associação livre de alunos que procurem, sidera que o ensino e a educação só
através de esforços conjugados, traçar podem ser coroados de êxito era con-
u m a via no domínio do espírito. O pro- dições que não comportem contradições
fessor será unicamente u m amigo mais entre professor e aluno, o que só é pos-
velho, que, dotado de experiência e de sível se a sua relação se basear n a con-
saber, ajudará os alunos a aprenderem fiança, no amor e no respeito.
a instruir-^se por si mesmos. A p o n -
(Foi nestas condições que Ouznadzé,
tar-lhes-á exemplos, métodos de aquisi-
nomeado director de u m a escola, e m
ção dos conhecimentos, ajudá4os-á a
organizar e m c o m u m o trabalho de 1916, praticou e m todas as classes o sis-
aprendizagem mútua, ensinar-lhes-á os tema de ensino «sem notas». A nota
meios de estudar, auxiliándole uns aos como resultado de u m a avaliação, escre-
outros. Só u m a escola deste tipo será via, assume constantemente u m carácter
capaz de ensinar a solidariedade, a com- subjectivo e suscita sempre, portanto, u m
preensão e a confiança mútuas». certo mal-estar entre o professor e o
aluno. Acrescentemos que o julgamento
A nota, considerada u m importante é efectuado pelo professor e m referência
parâmetro de avaliação d a actividade à matéria considerada no seu conjunto
escolar, transformasse n u m fim e m si e aos interesses a longo prazo dos alu-
e influencia todos os aspectos do pro- nos. Estes, por não compreenderem ne-
cesso pedagógico, o que n e m sempre n h u m a destas razões, experimentam, na
exerce u m a incidência benéfica sobre a maior parte das vezes, u m sentimento
actividade dos alunos. Para estes, o im- de frustração».
portante consiste e m obter a nota que A situação conflitual não se manifesta
pretendem e que determina a sua situa- por sinais tangíveis ao nível Idas primei-

369
Tendências e casos

ras classes; o seu aparecimento e o seu podem preparar-se desde já, ajudar-nos-
desenvolvimento, primeiramente incons- -ão, e m seguida, a compreender b e m a
cientes, só mais tarde se tornam evi- questão»; «Não sei se conseguirão des-
dentes e adquirem, então, formas múl- cobrir sozinhos as regras de concor-
tiplas e b e m conhecidas. N o ® alunos dância das palavras n a proposição. Se
destas classes traduz-se por u m estado quiserem, podem tentar!»; « Q u e m não
de tensão e de ansiedade, falta de se- gostar desta poesia pode muito simples-
gurança, agitação e distracção. Conforme mente aprender outra d a sua preferên-
as crianças, estes estados emotivos serão cia!».
mais ou menos importantes e m função A s crianças foram iniciadas na uti-
do nível de estruturação das estereoti- lização do método de avaliação; neste
pias dinâmicas. aspecto, atribuiu-ise u m a grande impor-
 luz destas observações, o objectivo tância aos critérios que permitem avaliar
das nossas investigações pode formular- as actividades escolares e os seus resul-
-se do seguinte m o d o : criar u m tipo de tados. Estes critérios assumiram a forma
ensino destinado a suscitar u m a atitude de regras, de esquemas, de modelos ou
positiva e m relação aos estudos, utili- até de objectos concretos e m função do
zando o método de avaliação c o m o factor tipo de actividade, do procedimento ou
de regulação da actividade cognitiva dos do material didáctico. Pela sua utilização
alunos. sistemática, os alunos aprenderam pro-
gressivamente a compreender melhor os
Princípios critérios que deviam observar.
e desenvolvimento da experiência Realizou-se, na aula, a avaliação co-
lectiva de diversos resultados ligado® à
A nossa experiência desenvolveu-sie se- actividade escolar ou desta actividade
gundo os três seguintes eixos: modifi- propriamente dita. O s alunos aprende-
cação da relação entre o professor e ram, por meio de exercícios apropriados,
os alunos; modificação dos métodos de a exercer a sua faculdade ide crítica ou
apresentação da matéria de estudo; m o - de autocrítica, a descobrir os erros come-
dificação da relação entre os pais e a tidos e a corrigi-los, a encontrar as
instrução escolar. palavras que faltam n u m texto e a jus-
A relação educativa professor-alunos tificar a sua escolha, a apresentar u m
fundamentou-se na orientação da acti- problema n u m a fornia lógica, a analisar
vidade cognitiva dos alunos por meio de e a justificar a sua acção, a realizar acti-
actividades e m c o m u m , devendo o pro- vidades complexas de tipo abstracto ou
fessor esforçar-se muito particularmente de tipo concreto segundo u m plano, etc.
por suscitar tomadas de posição pessoais, Outros exercícios consistiam e m desco-
julgamentos e pontos de visita individuais brir ¡um erro, e m remontar às suas causas
sabre a questão estudada e, e m seguida, e e m indicar os meios de o corrigir. Pro-
contribuir para a sua definição. Incen- curou-se desenvolver na criança a aptidão
tivaram-se as discussões c o m o profes- para formular juízos de carácter pros-
sor. O s problemas eram colocados de pectivo, isto é, para prever as conse-
m o d o a despertar o interesse cognitivo quências de diversos métodos ou solu-
das crianças e o seu desejo de prestígio, ções.
utilizando formas de incitamento c o m o : Criaram-se diferentes actividades de
«Tentem resolver estes problemas; uns avaliação: controlo e avaliação dos re-
são fáceis e outros difíceis, há por onde sultados escolares dos colegas; crítica
escolher»; « A m a n h ã , vamos começar a dos seus trabalhos escritos; interrogação
aprender as igualdades; os que quiserem oral de u m aluno por outro c o m avaliação

370
Tendências e casos

das respostas, etc. O objectivo' consistia Esta experiência iniciou-se e m 1963.


e m conseguir que os alunos utilizassem, Limitou^se primeiramente a u m a classe
nas suas avaliações, critérios desuñados e, generalizando-se, assumiu u m carácter
a justificar o seu julgamento. de massa. Actualmente, o Ministério d a
Foi necessário elaborar «manuais apro- Instrução Pública da R S S da Geórgia au-
priados, baterias de exercícios, livros torizou o prosseguimento da experiência
para professores correspondentes à orien- e m nove distritos urbanos e rurais, c o m
tação geral da experiência e apresen- u m a população escolar aproximada de
tando os conhecimentos sob u m a forma 5000 alunos.
susceptível de facilitar a prática do m é -
todo de avaliação. Alguns resultados
Desenvolveu-se u m a acção apropriada
junto dos pais e do público. Explicou-se A avaliação dos resultados desta expe-
o tipo de relações a estabelecer entre riência efeictuou-íse e m fases diferentes e
adultos e crianças no ensino «sem: notas». utilizando u m grande número de parâ-
Os pais eram convidados a interessar-ee metros. Estabeleceu-se u m a comparação
mais pelo desenvolvimento real dos filhos com u m a 'amostra de classes e m que se
do que pelo seu aspecto formal (as no- praticava o sistema tradicional de ensino
tas) , a interrogar-se sobre o que tinham e, e m particular, a classificação de 1 a 5.
aprendido, sobre os domínios e m que fa- O s alunos das classes experimentais de-
ziam progressos, ou, pelo contrário, ex- r a m provas, s e m excepção, de conheci-
perimentavam dif ieuldades, sobre os seus mentos mais 'aprofundados e de u m grau
centros de interesse, sobre as qualidades superior de desenvolvimento e m relação
morais que revelavam e que neles se aos do ensino tradicional.
desenvolviam. Forneceram-se exemplos O processo de avaliação consistia e m
concretos para lhes mostrar c o m o des- fazer observações ao longo de u m extenso
pertar a curiosidade dos filhos e e m que período e e m propor exercícios ou expe-
domínios ou como incitá-los ao trabalho. riências nos dois grupos de classes. R e -
O s incitamentos deveriam relacionar-se, cordemos que os psicólogos soviéticos que
de preferência, c o m motivações de ordem estudaram o comportamento face aos
'cognitiva e excluir o sistema de recom- estudas consideram que, entre os 'alunos
pensas e punições. das primeiras classes, o factor essencial
¡Duas vezes por ano (fim de Dezembro de incitamento é a nota. É esta que cria
e fim de Maio), os pais e as crianças u m conjunto de necessidades multiformes
recebiam ¡um boletim de apreciação in- e m relação c o m a situação d a criança
dicando as lacunas ao nível dos conheci- no seio d o meio social. E m particular,
mentos, fornecendo conselhos c o m o fim aproximadamente 46 % dos alunos d o
de melhorar as competências e as técni- curso elementar (3.a classe) revelam assi-
cas adquiridas e apontando os traços de duidade aos estudos devido à severidade
carácter, os positivos a desenvolver e os dos pais e movidos por u m sentimento
negativos a eliminar, etc. O s boletins, es- de dever e de responsabilidade. O inte-
tabelecidos individualmente, tinham sido resse pelos estudos propriamente ditos
precedidos por u m a entrevista entre o só constitui motivação para 4 % dos alu-
professor e os alunos. Além disso, os pads nos. Esta situação, que traduz o desin-
recebiam exemplares dos trabalhos de teresse dos (alunos pelo trabalho escolar,
escrita, de Matemática, de trabalhas m a - pelos deveres e pelos estudos, oibserva-
nuais e de desenhos de seus filhos, o que -se frequentemente a nível elementar.
representava u m a espécie de relatório da A nossa experiência confirmou que assim
actividade escolar da criança. sucedia n o ensino tradicional.

371
Tendências e casos

N a s classes experimentais a actividade se, à última hora, resolvessem classifi-


na aula é muito superior à d o g m p o - cá-los!», disseram eles, para explicar a
-lamoatra; e m 56 % doe casos, os alunos sua atitude. Mais tarde, convencidos da
esf orçam-se por realizar o trabalho orde- ausência de classificação, escolheram, na
nado pelo professor, por participar na sua maioria, a prova difícil. Pelo con-
solução de diverso® problemas, por dis- trário, no segundo grupo, a maioria dos
cutir, criticar, responder, etc., enquanto alunos optou pelo trabalho difícil, expli-
no ensino tradicional estais actividades se cando que era mais interessante.
observam apenas e m 17 % dos casos. N a Para salientar o fascínio que a nota
classe-amostra, perto de 47 % dos alunos exerce sobre o> aluno, realizou^se a se-
mantêm-se desatentos durante u m pe- guinte experiência. O s alunos deviam es-
ríodo mais ou menos longo, enquanto este colher ao acaso u m número entre 1 e 9
número decresce para 15 % n a classe e justificar a sua escolha. N a classe expe-
experimental. rimental, foram citados todos os n ú m e -
Notemos igualmente o seguinte facto: ros, sem excepção. Justificavam a sua
na classe tradicional os alunos são fre- escolha dizendo que o número correspon-
quentemente capazes de responder à dia à data de nascimento, que o «7» par
pergunta do professor ou de executar o recia u m dançarino, que o «1» era o pri-
problema ou o exercício, m a s , n a isua meiro número, que o «9» era o maior, ou
maioria, preferem abster-ise de qualquer que aparecia muitas vezes nas histórias,
iniciativa; na classe experimental os alu- etc. N o grupo-amostra quase todos esco-
nos participam n a actividade escolar lheram o «5» c o m a m e s m a explicação:
m e s m o quando não se sentem seguros «5 é a melhor nota» ou «só quero ter 5».
quanto à exactidão do seu raciocínio, da Para terminar, citaremos o resultado
sua solução ou da sua resposta. do inquérito sobre as razões que motivam
O tipo de problemas, de exercícios, de a escolha de u m amigo: enquanto na
questões t a m b é m é muito diferente; pe- classe experimental todos s!e esforçam
de-se aos alunos da classe experimental por iser amigos de todos os colegas, ou
que apresentem soluções originais, e u m dos que revelam b o m carácter ou ainda
juízo pessoal, que estabeleçam u m a abor- dos que necessitam de ajuda (83 % das
dagem crítica, que formulem hipóteses, respostas), n a classe tradicional 66 %
propostas «descobertas», realizações de dos alunos preferem estabelecer relações
tipo avaliativo, enquanto os da classe tra- de amizade apenas c o m os melhoreis da
dicional devem aprender de cor, repetir, classe, pois «são bons», «toda a gente os
apontar, 1er, resumir, restituir conheci- aprecia», «são os melhores exemplos».
imentos, tirar 'apontamentos, etc. O ensino pelo método de avaliação ace-
O s alunos da classe tradicional prefe- lera o ritmo dos estudos e desenvolve
rem caJarrse, pois «enganando-se, apa- harmoniosamente as aptidões d a criança,
n h a m m á nota»; os outros não receiam assim c o m o os seus recursos psíquicos.
cometer erros; gostam de investigar, de Assim, foi possível reduzir a semana para
discutir c o m os colegas, de justificar o cinco dias de trabalho 3 a duração das
seu ponto de vista. Convidados a escolher lições para trinta e cinco minutos nas'
entre dois deveres, u m fácil, outro difícil, classes experimentais.
os alunos do grupo de controlo escolhe- Desta experiência, desenvolvida d u -
ram, n u m a média de 50 % ¡aproximada- rante mais de quinze anos, podemos tirar
mente, o dever fácil, n a esperança de as seguintes conclusões preliminares:
obter u m a boa nota, persistindo nesta 1. U m ensino que possui o objectivo de
atitude m e s m o depois de sabereim que orientar a actividade cognitiva do
os deveres não seriam classifiçados; «e a k m o exerce u m a influência benéfica

372
Tendências e casos

sobre a fonmação, nos alunos idas pri- 3. O êxito de u m ensino deste ¡tipo é de-
meiras classes, de latitudes positivas terminado pela utilização doi método
e m relação aos estudos e ide incita- de avaliação, que exige, d a parte d o
mentos internos para participar nas aluno, a faculdade de transpor os
actividades escolares; resultados d a sua actividade escolar
2. Este tipo de ensino dispensa estímu- para critérios que deve interiorizar;
los externos que não decorram das o desenvolvimento deslta aptidão^ im-
tendências cognitivas próprias d a plica a criação de ¡um sistema, peda-
criança, c o m o notas, recompensas, gógico apropriadoí;
sanções; estes estímulos podem, pelo 4. Este tipo de ensino contribui para a
contrário, inibir o desenvolvimento d a formação, n a criança, de qualidades
actividade cognitiva e do gosto pelos morais e pessoais positivas, de capa-
estudos ao substituírem o desejoi d a cidades criadoras e de u m a atitude
criança de participar nas ¡actividades objectiva e consciente face à reali-
escolares; dade.

373
Tendências e casos

U m exemplo de transformação
do ensino: o caso da Venezuela
Gustavo F . J. Cirigliano

As ideias nascidas da Revolução Fran- dos; e m outros casos, vimos suceder-se


cesa (liberdade e igualdade) e do libera- diversos projectos nacionais, ou históri-
lismo (progresso infinito e liberdade de cos, ou políticos (termos que considera-
trocas) foram introduzidas em diferentes mos, neste caso, quase equivalentes).
países latino-americanos no início do sé- Por objecto nacional (ou histórico,
culo X I X ; transformadas e m ideias, vi- ou político), entendemos o contexto da
riam, em certa medida, a concorrer para transformação histórica que u m povo se
o advento da independência política. propõe viver sob a orientação dos seus
O B povos da América Latina aspira- dirigentes.
vam, então, à implantação de governos A o contrário do que sucede com países
autónomos e à independência; procura- constituídos há séculos, onde o presente
vam desempenhar u m papel no mundo se encontra firmemente alicerçado no
e cumprir uma missão histórica. passado (que também foi, no seu tempo,
Neste contexto, a instrução surgia não u m projecto histórico), os países novos
só como u m direito, mas também como que acederam recentemente à indepen-
instrumento de realização deste destino dência enfrentam sempre u m a ruptura no
independente. Só u m povo que tivesse futuro imaginado ou projectado. Os pri-
recebido os benefícios da instrução, capaz meiros podem deixarnse conduzir pela
de assimilar o imenso património cultural História (passada) ; os segundos, que não
e científico do Ocidente, poderia afirmar- possuem passado, são animados por u m
le e desempenhar u m papel na História projecto (a História do futuro).
do Mundo e acompanhar o seu ritmo. N a América Latina, sucederam-se os
N e m todos os países da América La- projectos históricos: o projecto de inde-
tina cumpriram a missão histórica que pendência foi o primeiro guia para o
tinham concebido no momento e m que futuro; o de inserção na economia mun-
despertava a sua vontade nacional. Al- dial — com u m grau de autonomia maior
guns projectos permaneceram inacaba- ou menor— foi geralmente o segundo;
dos; certos objectivos não foram atingi- actualmente, na América Latina, assis-
timos a u m projecto de integração con-
tinental.
Gustavo F. / . Cirigliano (Argentina) é actualmente A cada projecto histórico corresponde
coordenador do subprograma das Ciências do Ho- u m tipo ou sistema de edueaçãoi, que
mem da Universidad Nacional Abierta de Caracas deve, como é evidente, renovar-se sempre
(Venezuela). Foi professor de Filosofia da Edu- que se muda de projecto. Se, para o pro-
cação em diferentes universidades dos Estados Uni-
dos da América e da América Latina e conselheiro jecto de independência, o meio de edu-
do ensino superior em vários estabelecimentos uni- cação mais adequado foi—em vez das
versitários. Publicou, entre outras obras: Temas raras escolas existentes — o exército da
nuevos en educación; Temas de filosofía de la independência— com os grandes mestres
educación; Educación y futuro; Educación y po-
lítica; Universidad y proyecto nacional; Dinámica Bolivar ou San Martin — e se, no sé-
de grupos y educación en América Latina. culo XIX, o «sistema escolar» foi o m e -

374
Tendências e casos

canismo mais adaptado ao projecto de em suma, para instruir a sua população.


inserção na economia mundial, parece Pensamos que decidiu exercer os seus
lógico que o projecto de integração con- esforços essencialmente sobre o nível su-
tinental exija uma educação nova que perior universitário que conheceu u m a
ultrapasse a «escolaridade» do projecto expansão impressionante, u m a vez o nú-
anterior. N a ausência desta transforma- mero total de estudantes passou de
ção, produise u m desfasamento entre a 11513 e m 1958 para 83 499 e m 1970 \
realidade vivida e a educação, que con- e de 115 462 e m 1972 para 254 979 e m
tinua a preparar para u m futuro caduco. 1976. Podemos afirmar que o número
Contrariamente ao que, por vezes, se de estudantes do ensino superior duplicou
pensa, o atraso do ensino não se deve em quatro anos, atingindo u m a percen-
a 'Característica® tecnológicas ou pedagó- tagem muito elevada ¡do grupo etário
gicas do sistema, mas à natureza das correspondente (.19 % u'2SL%).
relações entre este sistema e o projecto Não há dúvidas de que este cresci-
histórico de que decorre. mento apresentará dentro de pouco
E m resumo, para determinar com certo tempo consequências decisivas, c o m a
rigor o valor de u m sistema de ensino entrada na vida activa de u m a massa
no contexto da América Latina, parece de quadros profissionais. A transforma-
necessário considerá-lo e m função do ção dos recursos humanos realizada pela
projecto histórico a que corresponde e Venezuela no sector terciário será então
que é obrigado a servir. Para este tra- evidente.
balho — mais descritivo do que crítico, Considerando que o crescimento do
uma vez que se trata de uma evolução ensino superior constitui actualmente a
recente ou iniciada — referir-nos-femos às tendência mais significativa da educação
inovações introduzidas no ensino superior na Venezuela, descreveremos cinco ele-
na Venezuela durante os últimos decé- mentos ou componentes do que poderia
nios. Esforçar-nos-emos por mostrar que ser u m «modelo de desenvolvimento do
as inovações no ensino só parecem viá- ensino superior venezuelano»: as uni-
veis se estiverem de acordo com o pro- versidades experimentais (destinadas a
jecto nacional que lhes confere sentido. assegurar a autonomia tecnológica) ; a
A Venezuela constitui incontestavellmente universidade venezuelana no estrangeiro:
u m exemplo do maior interesse para u m o programa Fundayacucho ; a univer-
estudo das transf ormiacoes do ensino. sidade do trabalho: I N C E Superior
O país conhece actualmente uma ine- (Instituto Nacional de Cooperación Edu-
gável prosperidade económica, devida si- cativa) ; o pluralismo das instituições
multaneamente ao aumento do preço do universitárias; a Universidade Nacional
petróleo e à dinâmica própria do seu Aberta.
crescimento. Contudo, seria erróneo ex- Estes cinco elementos constituem o
plicar exclusivamente por estas circuns- modelo operacional utilizado pelo país
tâncias favoráveis as inovações introdu- para transformar eficazmente os re-
zidas no seu sistema de ensino. Só por cursos humanos e m função- dos seus
si, o dinheiro não possui o poder de trans- objectivos próprios. Não são as únicas
formar o ensino; é necessário algo mais: componentes do ensino superior, mas in-
neste caso, a existência de u m projecto troduzem a modificação e a inovação no
nacional. sistema universitário.
iTemos tendência para pensar que a Este modelo não pode ser concebido
Venezuela é o país da América Latina isoladamente: deve integrar-se num pro-
que envida mais esforços para desenvol- jecto político central —ou projecto na-
ver e formar os seus recursos humanos; cional — que lhe confere sentido e cujos

375
Tendências e casos

problemas resolve. A ideia de «projecto Esta dupla acção beneficiará da forte


nacional» foi explicitamente formulada posição internacional da Venezuela. Esta
pelos dirigentes políticos venezuelanos: será ainda reforçada pela integração la-
«Poderíamos imaginar .uni grande pro- tino-americana, na qual a Venezuela de-
jecto nacional, agrupando os problemas sempenha u m papel de leader, e pela in-
e os objectivos fundamentais e naciona- serção do país n o contexto internacional
lizados do país, que ee traduziria essen- e sua concertação c o m as grandes po-
cialmente pelo empenhamento e m con- tências.
vergir os esforços e as actividades para O h o m e m é considerado agente desta
os objectivos gerais ido desenvolvimento acção orientada a partir dele, e m con-
político, económico e social — u m pro- formidade c o m a evolução histórica que
jecto nacional que seria u m compromisso apresenta a dignidade da pessoa h u m a n a
de alta política por parte do governo e c o m o valor central do desenvolvimento
dos sectores f undarnentais da naçãoi... » 2. económico n u m m u n d o e m que o equilí-
Esta ideia transparece igualmente nas brio ecológico é respeitado. Ê deste pro^
análises do sistema de ensinoi: «Só u m jecto que decorre logicamente o modelo
projecto nacional não só declarado como de ensino aqui exposto.
operacional permitirá reorganizar o en-
sino» 3 . A nossa hipótese de trabalho-, A s universidades experimentais
apoiada e m documentos oficiais, afirma
que existe u m projecto nacional vene- O s especialistas distinguem três períodos
zuelano, susceptível de receber u m a orien- no desenvolvimento do ensino superior e
tação variável consoante as administra- universitário venezuelano5. O primeiro
ções e as épocas, 0 ^ 6 8 6 ^ 3 ^ 0 ' , contudo, período, até 1958, é o da icriaçãoi e de-
u m a continuidade fundamental". Este senvolvimento das universidades de tipo
projecto nacional, vivido actualmente tradicional: Universidad Central de V e -
pelo povo venezuelano, pode resumir-se nezuela (1721), Universidad de los A n -
do seguinte m o d o : des (1810), Universidad del Zuiia (1891),
É u m a acção exercida para abranger assim c o m o das primeiras universidades
ou alcançar o controlo dos recursos na- privadas: Universidad Católica Andrés
turais^chave—petróleo e ferro- — tendo Bello e Universidad Sanita María, ambas
e m vista u m desenvolvimento económico fundadas e m 1953.
independente (esta acção traduz-se por É durante o segundo período (1958-
u m a atitude precisa n o seio d a O P E P -1970), e sobretudo durante o terceiro
e por medidas de nacionalização do ferro (1970), que surgem novos modelos de
e do petróleo). ensino, sob a forma de estabelecimentos
Para esta acção, deveremos dispor, nas e de programas de tipo diferente: uni-
profissões científicas e tecnológicas, de versidades experimentais, institutos poli-
recursos humanos de alto nível que, sem técnicos, institutos pedagógicos experi-
consideração de origem social ou nacional mentais.
— segundo o princípio da igualdade de A Universidade de Oriente ( U D O )
acesso para todos— e seja qual for o constitui a primeira inovação experi-
seu m o d o de formação, asseguram o con- mental importante. «Representa, para a
trolo efectivo e permanente dos recursos época, u m a concepção nova e regionali-
naturais-chave, compensam pela sua qua- zada do ensino e a tentativa de novas es-
lidade a fraqueza da população venezue- truturas e formas de ensino: estudos de
lana (comparada c o m a dos países vizi- base, departamentos, créditos universitá-
nhos) e possam ainda prestar serviços rios, maior ajuda aos estudantes, ligação
válidos à era pós^petrolífera. estreita c o m a comunidade, recurso a

376
Tendências e casos

peritos internacionais, importantes ¡pro- dantes e a plena utilização, no ensino, dos


gramas de aperfeiçoamento do pessoal recursos e instalações de que dispõe o
docente através de estudos no exterior» °. estabelecimento» 8 .
O terceiro período assiste à implanta-
ção definitiva de instituições-piloto como
a U D O . A maioria dos colégios 'universi- A universidade venezuelana
tários de tecnologia, institutos politécni- no estrangeiro
cos e institutos pedagógicos foram cria-
dos depois de 1971. M a s , as melhores O decreto 132, de 4 de Junho de 1974,
ilustrações do desejo de inovação e m instituiu o programa de bolsas «Gran
matéria de estruturas e de programas Mariscal de Ayacucho»: A Venezuela
são, sem dúvida, as universidades ditas criou, assim, efectivamente, e não sim-
«experimentais» : Universidad Simon B o - bolicamente, u m a universidade no estran-
lívar (1970), Universidad Simon Rodri- geiro, enviando mais de 10 000 jovens
guez e Universidad Nacional Experimen- —• toda u m a cidade universitária — para
tal del Tachira. « A primeira, resultado os estabelecimentos mais célebres do
de estudos minuciosos, apresenta carac- mundo.
terísticas novas na sua estrutura, nas E m princípio, as bolsas são atribuídas
especializações tecnológicas que oferece, a jovens sem recursos financeiros, a fim
no® seus programas e na rigorosa se- de formar quadros profissionais e técni-
lecção dos professores e dos estudantes. cos de que o país necessita para u m de-
Representa u m a experiência inovadora senvolvimento económico independente.
importante da primeira metade dos anos Estes dois critérios (falta de recursos
setenta, c o m o a U D O nos anos sessenta. e preparação para u m a profissão de im-
A segunda parece querer adoptar normas portância prioritária para o desenvolvi-
de ensino extremamente avançadas m a s
mento) estão na base do programa.
é demasiado jovem e a sua reorientação
filosófica é demasiado recente para que Dois mil bolseiros foram já selecciona-
possamos pronunciar a seu respeito jul- dos, desde 1974, através de u m processo
gamentos suficientemente fundamenta- que atende essencialmente a estes dois
dos» 7. critérios: mil deveriam estudar n a V e -
nezuela, quinhentos nos Estados Unidos
Talvez seja útil sublinhar que as da América e o resto- e m diferentes paí-
universidades experimentais procuram ses, entre os quais c e m no Reino< Unido.
explicitamente u m elevado nível de qua- O programa conheceu vicissitudes, devido
lificação científica e tecnológica, de a inconvenientes e dificuldades relacio-
acordo c o m os princípios do projecto nadas c o m a sua extensão, c o m a rapidez
nacional. D e notar igualmente que, para da sua 'aplicação e c o m a ausência de'
além dos objectivos que partilha c o m infra-estrutura operacional. Durante os
as outras universidades, a Universidad dois primeiros anos de experimentação,
Simon Bolívar fixou os seus «objectivos foi objecto de u m estudo da Unesco 9
fundamentais» que são os seguintes: que analisa as suas dificuldades, avalia
«Contribuir para a formação dos quadros os seus resultados e sugere meios para
profissionais e técnicos exigidos pelo restabelecer as orientações que parecem
progresso do país, de acordo icom as erróneas. O relatório classifica O' pro-
orientações do plano de desenvolvimento; grama de «projecto s e m precedente na
experimentar estruturas e métodos de América Latina», que não só resulta da
ensino e de aprendizagem que assegurem excepcional expansão económica d a V e -
a eficácia m á x i m a do trabalho dos pro- nezuela c o m o «decorre de u m a inspiração
fessores, o rendimento óptimo dos estu- patriótica e democrática».

377
Tendências e casos

Até agora, foram atribuídas quinze mil preço a pagar. M a s , já estamos preveni-
bolsas eau domínios científicos e tecnoló- dos: «existem ainda, na sociedade vene-
gicos de importância decisiva. Apenas zuelana, grupas elitistas que não aceitam,
5 % dos bolseiros são estudantes de Le- que não podem tolerar, que jovens de
tras. E m 1978, 9971 bolseiros seguiam Bobures, de Achaguas, de Delta Amiacuro
cursos e m estabelecimentos prestigiados e de outras localidades do interior, que
de mais de trinta países (na sua maior nunca na vida teriam tido ocasião de
parte nos Estados Unidos, de acordo c o m sair da sua terra, possam fazê-lo igraças
o projecto nacional), ¡constituindo, assim, a este extraordinário programa, que ori-
u m a nova universidade venezuelana que, ginará u m a renovação muito importante
embora situada fora do país, se empenha das camadas sociais na Venezuela; ele
essencialmente e m o servir. Além disso, vai ser u m factor de promoção social» 10.
perto de 7000 'bolseiros prosseguiam os Todo o projecto nacional cria o seu
seus estudos na Venezuela. D o número próprio pessoal. Assim, a Venezuela m o -
total de bolseiros —incluindo os que difica a sua população de acordo c o m as
permaneceram no país— 2631 frequen- necessidades do projecto. F á 4 o através
tavam cursos de nível pós-universitário. de u m a acção decidida e de (grandes pro-
Oitocentos bolseiros que terminaram os porções. Assistirá ao regresso de toda
estudos e m 1977 regressaram à Vene- u m a cidade, de u m exercício numeroso
zuela para .trabalhar na realização, do e inovador que terá visito outros hori-
objectivo político-social do programa; e m zontes, [assimilado outras experiências,
1978, juntaram-se-lhes miais 1500, m e - enfretado outras perspectivas e que, tem-
tade dos quais c o m formação pós-uni- porariamente, terá tido outra percepção
versitária. do munido e da vida. N ã o há dúvidas de
O programa Fundayaicucho representa que o regresso do exército dos bolseiros
u m esforço original iatinoi-<aimericano, e m - de Fundayacucho transformará o pais,
preendido durante o último decénio, para e é precisamente o que este espera, A si-
formar pessoal altamente qualificado. tuação, de resto, não é nova: na época
Pensamos que este projecto e o esforço colonial, muitos jovens sul-americanos de
que implica ainda não são suficiente- talento foram prosseguir os seus estudos
mente conhecidos na América Latina. na metrópole, e, ao regressar, realizaram
a aspiração da América à independência
Se olharmos u m pouco para além do
política, satisfazendo, assim, o que o
presente, é possível prever que, ao re-
povo esperava deles. Dez mil jovens ve-
gressar aos seus países, todos estes nezuelanos adquirem, e m todo o ¡mundo,
bolseiros, c o m experiências culturais di- u m a formação científica e tecnológica
versas e possuindo u m a qualificação de nível elevado. Deveriam não só trans1-
científica ou tecnológica elevada, não formar a Venezuela c o m o influenciar de
deixarão, dado o seu número e a sua maneira decisiva o futuro d a América
qualidade, de suscitar transformações Latina. Assim se apresenta este elemento
muito profundas na vida social da V e - do modelo que procura, de modo- original,
nezuela durante o próximo decénio — transformar a população e criar recursos
transformações ainda difíceis de predi- humanos a fim de atingir o objectivo
zer, m a s que a Venezuela assume o risco central do projecto: a independência eco-
de sofrer. nómica ao serviço do honrem.
Devemos, pois, estar preparados para Importa acrescentar que, c o m o o pre-
receber o impacte qualitativo e quantita- cedente, este elemento d o modelo se ca-
tivo deste imenso contributo e m recursos racteriza pela diversidade e o pluralismo.
humanos. Haverá, c o m o é evidente, u m N ã o se limita a u m país, estendendo-se

378
Tendências e casos

a trinta países que oferecem uma rica plemento de formação que lhes permite
gama de experiências científicas, políti- atingir u m nível equivalente ao do bacca-
cas, sociais e culturais " . lauréat (ver fig 1: processo de admis-
são) . A experiência profissional dos tra-
A universidade do trabalho balhadores é reconhecida como elemento
(INCE Superior) desta formação.
O I N C E Superior começou no ano pasr-
A ideia do I N C E Superior foi lançada aado a dispensar ciclos de ensino curtos,
a 11 de Setembro de 1976, que é o dia com a duração de u m ou dois anos. Tra-
do professor em vários países da A m é - t a i de u m ensino profesional e não
rica Latina. Esta ideia iniciai, esquemá- teórico (formiam^se gestores ou desenha-
tica, foinse desenvolvendo e concretizando dores, e não licenciados). O seu lema
progressivaimente. determina que toda a formação deve
O I N C E (Instituto Nacional de Coope- poder ser prosseguida: por exemplo, o
ración Educativa) — análogo' a outros enfermeiro deve poder tomar-se médico.
organismos de formação dos trabalha- Como mostra a figura 1, esta fórmula
dores, como o Serviço Nacional de Apren- (permite que os estudantes que tenham
dizagem Industrial (SENAI) do Brasil terminado o ciclo curto prossigam es-
ou o C O N E T da Argentina — realizou tudos superiores regulares.
uma obra fecunda e apreciada em m a - A estrutura modular dos programas
téria de formação técnica e profissional. (fig. 1) permite a validação dos estudos
O I N C E Superior comporta u m a ino- a todos os níveis, sem que seja necessá-
vação: u m a acção ao nível do ensino rio seguir u m ciclo completo'. O s módulos
superior ou pós-secundário, nível privi- terminados permitem o acesso a u m a
legiado no modelo operacional de desen- profissão ou a u m emprego: é «reco-
volvimento do ensino criado para o pro- nhecido» por u m «título» ou certificado,
jecto nacional venezuelano. Como se irá conferindo u m a qualificação- profissional
concretizar esta acção? efectiva. Se u m a especialização ou ciclo
Os cursos do I N C E Superior destinar- curto implica que se saiba efectuar trinta
-se-ão a três categorias ide população ou operações e u m trabalhador sabe efec-
públicos distintos: finalistas do ensino tuar doze graças à sua experiência pro-
secundário, diplomados do INCE — o u fissional, o I N C E reconhece esta aqui-
aprendizes— e trabalhadores em acti- sição e assegura O' complemento de
vidade. Neste último caso —é importante formação necessária. N a figura 1, o
sublinhá-lo — a experiência e os conheci- módulo I confere o título de «desenha-
mentos adquiridos por meio do trabalho dor»; o módulo II o de «desenhador de
são reconhecidos e dão origem a «crédi- nível n » ou de «inspector de trabalhos».
tos» para os estudos, que são organizados E m vez de títulos, trata-se de profissões
em módulos. reais. O que a universidade de tipo tra^
dicional ensina como matéria de estudo
O I N C E Superior não pretende con-
é ensinado aqui como u m ofício, u m a
correr com as universidades'—embora
capacidade efectiva, unia profissão. O s
proporcione novas possibilidades aos alu-
títulos correspondem a funções reais,
nas que terminam o ensino secundário— como sucede, por exemplo, com o título
delimitando o seu campo de acção espe- de director de informática».
cífico. Assim, embora permita que estes
estudantes se reorientem para o domínio Segundo esta concepção, que reconhece
das técnicas, das empresas e da indústria, ao trabalho u m valor de ensino, ofere-
oferece aos trabalhadores e aos diploma- cem^se especializações, no ano de 1978,
dos pelo I N C E (aprendizes) u m com- nos seguintes domínios: construção, ges-

379
Tendências e casos

Experiência Escola Aprendiz


profissional secundária INCE
reconhecida

ZT
Formação Formação
complementar complementar

Módulo Desenho
de arquitectura
Desenhador-I

Desenhador-ll
Inspector de trabalhos-l

Desenhador-lll
Assistente topógrafo
Inspector de trabalhos-ll

r Construção
Perspectiva Estágio Oficina
Efeitos de maqueta
de
de cor construção
gráficos

Y
Auxiliar Auxiliar Auxiliar
de arquitecto de engenheiro de construtor

Empresa Estudos
superiores

INCE Superior — Admissão e possibilidades de emprego

Aprendizes

Formação
complementar

Outros estudos Empresa


superiores

FiG. 1 Estes gráficos salientam a estrutura modular da formação dos jovens qüe entrarão
para o I N C E Superior.

380
Tertdertoias e casos

tão, secretariado, ¡desenho, informática, Poderíamos pensar que este facto cons-
diversos ramos ¡da indústria (mecânica, titui motivo de desorganização, m a s , na
electromecânica, etc.)- O s jornais de C a - realidade, esta diversidade corresponde
racas anunciaram, e m Abril de 1978, ao desejo de formar recursos humanos
que o I N C E Superior dispensava, para para as profissões científicas e tecnoló-
começar, os seguintes cursos aos alunos gicas prioritárias. Reconhecense que este
que tivessem terminado o ensino secun- objectivo pode ser atingido por diversas
dário e desejassem adquirir rapidamente vias.
u m a especialização profissional de nível O s institutos universitários de tecnolo-
superior : progriamador-informátieoi, ana- gia, os institutos politécnicos e pedagó-
lista de sistemas informáticos, secretário gicos e os colégios universitários, que
de direcção, assistente de controlador fi- se multiplicaram a partir de 1971, são
nanceiro, assistente de responsável orça- testemunho da diversidade das formas
mental, assistente de analista financeiro. ou m o d o s de ensino oferecidos à popu-
Assim, desenvolvem-ise os esforços lação venezuelana para lhe permitirem,
para assegurar a formação tecnológica por meios variados e múltiplos, atingir
exigida pelos níveis mais elevados da a qualidade mais elevada a diferentes ní-
actividade produtiva. Enquanto a univer- veis de qualificação científica e tecnoló-
sidade fornece u m a preparação' profis- gica. Trata-se de formar rápida e efi-
sional baseada na formação intelectual, cazmente os recursos humanos exigidos
o I N C E Superior tem e m conta u m a por u m desenvolvimento independente,
«formação tecnológica orientada para o que se procura efectuar por diferentes
trabalho de produção». Este objectivo vias, embora possa parecer que existem
está claramente de acordo c o m o princí- sobreposições.
pio do projecto nacional que consiste e m E m 1978, contam^se cinco institutos
formar recursos humanos do mais alto universitários padagógicois, dos quais ape-
nível nas profissões científicas e tecno- nas dois criados antes de 1971; quatro
lógicas, a fim de obter o ¡controlo dos institutos universitários politécnicos, for-
recursos económicos-chaves e o seu tra- m a m d o engenheiros e m especialidades di-
tamento técnico. rectamente ligadas à produção; nove
Podemos afirmar que o I N C E Superior institutos universitários de tecnologia
é u m a universidade nova que parte do proporcionando ciclos de estudos curtos
trabalho como meio de aprendizagem para formação de técnicos superiores nos
para atingir o trabalho real e efectivo, sectoresjchave;s do desenvolvimento' in-
co¡mo profissão e como meio de reali- dustrial do país — todos criados depois
zação pessoal, no âmbito dos objectivos de 1971 — formando técnicos superiores
e das prioridades do desenvolvimento da administração e d o ensino que p o d e m
que o país tem e m vista, de acordo c o m ingressar directaimente na vida activa,
o seu projecto nacional. ou prosseguir estudos .mais avançados.
Existem, além disso', quinze colégios e
institutos universitários privados. C o m o
O pluralismo
se vê, o pluralismo do sistema de ensino
das instituições universitárias superior/universitário é b e m real.
Já assinalámos c o m o componente do pro- O presidente da República declarou,
jecto nacional o pluralismo e a diversi- e m Julho de 1978, que o país conta c o m
ficação n a formação dois recursos h u m a - 71 estabelecimentos universitários. Este
nos. N a Venezuela, o ensino superior ou número dá-nos u m a ideia da expansão
pós-secundário é extremamente diversi- sofrida se tivermos e m conta que, e m
ficado. 1958, existiam apenas 6.

381
Tendências s casos

Esta diversificação não é obra do O estágio dura, no mínimo, seis se-


acaso, de unia inspiração súbita ou do manas, a tempo integral, de acordo com
improviso. Responde à necessidade his- o horário de trabalho da empresa. Des-
tórica de formar o tipo de h o m e m exi- tina-se aos estudantes do último semes-
gido pelais necessidades do desenvolvi- tre dos colégios universitários e dos ins-
mento. A este respeito, os documentos titutos de tecnologia que se especializam
universitários são formais; indicam cla- nos domínios prioritários já enumerados.
ramente que os planos de desenvolvi- T a m b é m podem segui-lo estudantes de
mento do país requerem a formação' de disciplinas industriais dos institutos pe-
recursos humanos nos seguintes domí- dagógicos, assim c o m o os dos institutos
nio®, considerados prioritários: hidrocar- universitários politécnicos e das univer-
bonetos, química e petroquímica, meta- sidades. Neste último Caso, trata-se de
lurgia, electrónica e telecomunicações, estudantes do quarto ano e m certas es-
agricultura, tecnologia alimentar, explo- pecialidades. (Estão igualmente previstas
ração dos recursos marinhos, saúde, possibilidades de estágio para os alunos
ensino, nutrição, urbanismo, bens de do último ano das escolas secundárias).
equipamento, ecologia e energia. Este programa de instrução pelo tra-
Este desejo de diversificação, inspi- balho comporta ramificações de acordo
rado pelos objectivos do projecto na- c o m as prioridades definidas pelo pro-
cional, manifesta-se t a m b é m — a u m jecto nacional de desenvolvimento';
nível diferente do nível superior— no gura a formação intensiva de recursos
programa adoptado conjuntamente pelo humanos aos mais elevados níveis.
I N C E e pelo Ministério d a Defesa, graças Poderíamos perguntar se os esforços
ao qual -mais de cinco mil reservistas consagrados ao ensino superior não cor-
(pequeno exército da batalha tecnoló- rerão o risco de criar u m excedente de
gica) foram enviados para Espanha para recursos humanos altamente qualifica-
realizar a aprendizagem de u m ofício dos. A resposta é que não se trata ape-
tendo e m vista u m posto de trabalho-. nas de criar os recursos imediatamente
Outra forma de ensino superior e uni- necessários, m a ® de compensar pela qua-
versitário representa, de certo m o d o , o lidade a insuficiência numérica da po-
cruzamento das tendências para a ino- pulação, comparada c o m a dos países
vação e para a diversificação. Trata-se vizinhos. A abundância de recursos na-
turais procurados e m todo o m u n d o e o
do «Programa Nacional de Estágios na
fraco nível de povoamento determinam
Indústria» (Programa Nacional de P a -
que seja lógico pretender elevar o nível
santías en la Industria) lançado e m
de qualificação d a população.
1976 e obrigatório para as empresas.
Estima-se e m nove mil o número de
estágios previstos. O programa é admi- A Universidade Nacional
nistrado pela Fundación Educación-In- Aberta
dustria ( F U N D E I ) , pelo Ministério da A criação da U N A (Universidad Nacio-
Educação Nacional e outros organismos. nal Abierta), e m 1977, encontrava-se
Permite que os estudantes trabalhem e m preparada desde 197:5 por u m a comisa
actividades do programa nas empresas, são de organização. E m Setembro de
sob a dupla supervisão destes últimos e 1976 realizou^se e m Caracas a Reunião
dos estabelecimentos de ensino. Procura- L A C F E P (Reunión Lationamericana y
-se a participação activa das empresas del Caribe sobre Nuevas Formas de E d u -
a fim de eliminar a dicotomia entre os cación Postsecundaria), à qual foram
estudos e o trabalho. submetidos dois documentos descrevendo

382
Tendências e casos

Especi :icacões
do programa

I 1
Análises Determinação
das características dos objectivos
da população da instrução -«-

t
Elaboração do teste Revisão
de validação por u m comité

dos objectivos técnico

, L

i
'

Determinação Elaboração do
— >-
dos conteúdos teste de entrada

'

Sequência
lógica
e psicológica
dos objectivos

Selecção Análise
Avaliação

dos recursos
Avaliação

das estratégias - « — • •

didácticas disponíveis

1 •

Elaboração
dos módulos impressos
e do material de apoio

'

Elaboração
do teste final

'

Experimentação

Fio. 2. U N A — Modelo de planificação do ensino

383
Tendências e casos

a estrutura e as modalidades do funcio- relação entre os objectivos atingidos e a


namento d a U N A . Esta reunião tinha s o m a de esforços e de recursos despen-
analisado mais de quinze experiências de didos; a abordagem social, segundo o
ensino aberto, informal e extra-escolar — critério d a pertinência, (pretende que os
e m ¡particular a Open University do Reino resultados obtidos se encontrem efectiva-
Unido, a Universidade extra-murois dos mente adaptados ao meio social. A pri-
Estados Unidos, a Universidade de E d u - meira abordagem coloca novos meios de
cación a Distancia de Espanha, etc. C o n - instrução à disposição do® adultos que
cordou c o m o novo projecto, que deve- trabalham ; a segunda permite empregar
ria coneretizar-se definitivamente u m ano estes novos meios de m o d o a reduzir os
mais tarde. custos; a terceira tende a transformar
A U N A define-ise c o m o u m estabele- efectivamente o meio social por meio
cimento de ensino superior que tem; como de u m contributo de novos conhecimen-
vocação formar quadros profissionais nos tos 12.
domínios prioritários do desenvolvimento O aluno da U N A utiliza material de
nacional, por u m sistema de telensino auto-ònstrução especialmente concebido e
aberto utilizando os meios modernos de estruturado e m função das ¡suas activi-
informação de massa. A estrutura da dades, resultando a sua aprendizagem
U N A reflecte várias características do precisamente desta interacção. Este m a -
projecto nacional: sectores prioritários, terial apresenta os objectivos, ¡as unida-
formação de recursos h u m a n o s ao nível des de informação correspondentes, u m
mais elevado, diversificação e pluralismo. teste inicial c o m a sua correcção, a in-
A U N A eneontra-se aberta aos jovens formação apropriada e u m teste final.
e adultos que, por trabalharem, não O material impresso é utilizado de pre-
puderam seguir u m ensino universitário ferência à partida, recorrendo^se igual-
de tipo tradicional. O estudante d a U N A mente a outros meios: televisão, filmes,
poderia definir ^se como «o adulto que rádio... O s orientadores e os conselhei-
trabalha». ros pedagógicos, repartidos por cerca de
A U N A fixou três principios de acção vinte centros locais, estão encarregados
simples: educação para a democratiza- de fornecer material aos estudantes, de
ção (extensão das possibilidades de ins- resolver as suas dificuldades e de con-
trução nos planos geográfico e social) ; trolar a sua assiduidade.
educação para u m desenvolvimento in- O plano de ensino (fig. 2) deve per-
dependente (formação de recursos hu- mitir que os estudantes conheçam e fixem
m a n o s capazes de resolver os problemas os seus objectivos, organizem os seus ho-
nacionais pela ciência e pela tecnologia) ; rários de acordo c o m o ritmo de tra-
educação para a inovação (•lançamento balho pessoal, desenvolvam os seus co-
na América Latina de novos métodos de nhecimentos seguindo as indicações do
ensino à distância e de u m a nova tecno- material de auto-instrução, se aiuto-ava-
logia da educação). liem e verifiquem e m que medida os
Para atingir o objectivo de desenvol- objectivos foram atingidos.
vimento independente, a U N A utiliza A U N A é administrada por u m con-
três abordagens: a abordagem instru- selho superior e dirigida por u m conselho
mental, segundo o critério d a eficácia, de direcção composto pelo reitor e vice-
procura que os objectivos propostos se- -reitores encarregados, respectivamente
jam efectivamente atingidos dentro dos dos estudos e da administração e d o se-
prazos e através dos meios previstos; cretariado d a universidade. Subdivide-se
a abordagem económica, segundo o cri- e m programas e subprogramas que se
tério da eficiência, procura optimizar a articulam e m sistemas e subsistemas.

384
Tendencias e casos

Domínio de estudo Qualificação profissional

Estudos gerais Tronco c o m u m


Ciências fundamentais Licenciatura e m Matemática -+-
Licenciatura e m Física
Ciências de Engenharia Técnicas industriais +
Concepção de sistemas +
Ambiente
Engenharia civil
Educação Licenciatura de ensino c o m opções:
Ensino técnico
Física
Matemática +
Línguas
Ciências Sociais
Educação Pré-escolar +
Educação Especial +
Ciências Sociais Licenciatura de Administração Pública +
Licenciatura de Administração de Empresas +
Diploma de contabilista +
Licenciatura de Sociologia (rural ou industrial)
Licenciatura de Trabalho Social

O futuro dirá se esta estrutura deverá Estão previstos ciclo® curtos, ao nível do
ser confirmada, ou modificada, conser- terceiro ano, assim como a possibilidade
vando o conjunto do ¡projecto o seu ca- de estudos pós-universitário®.
rácter experimental. A abertura d a U N A para o futuro tor-
Cinco domínios de estudo, correspon- nasse evidente ao tentar, de facto, gene-
dendo cada u m deles a u m a orientação ralizar, ou universalizar, u m a inovação,
profissional, foram definido® (o® ciclos transiormando-a no princípio d o sistema
de estudo inicialmente apresentados são de ensino futuro. Normalmente, as ten-
designados pelo sinal + ) como mostra tativas e as experiências só fornecem
do quadro acima. bons resultado® e m escala reduzida; a
Pode parecer estranho que u m a uni- sua generalização n e m sempre é viável.
versidade «aberta» assegure u m a for- A U N A constitui u m desafio, na América
mação profissional. Deve-se ao facto de o Latina, ao «saltar» d o nível experimental
projecto nacional exigir a formação de para o da aplicação generalizada. E m -
recursos humanos para as profissões bora certas universidades comportem
científicas e tecnológicas. M a s a TINA u m a secção «aberta», capaz de fornecer
não continuará necessariamente a f azê-lo. u m ensino a distância a 200 ou 300 es-
Considera-se a possibilidade de u m ciclo tudantes, a U N A conta, à partida, c o m
de estudos «abertos», permitindo que o 17 350 estudantes e m todo o país. A ex-
estudante estabeleça o seu próprio pro- periência, dada a sua escala, exiíge u m
grama, escolha as suas opções e adquira
número elevado de estudantes para ter
ou não u m a qualificação profissional.
sentido.
A nova lei sobre o ensino superior, ao
derrogar certos regulamento® actuais, Depois desta análise de algumas c o m -
'deve permitir o acesso à universidade ide ponentes do modelo de ensino superior
estudantes que não tenham terminado os na Venezuela, é possível formular certas
estudos secundários — o que está total- considerações, que conservarão, no en-
mente de acordo c o m o espírito da U N A . tanto, u m carácter hipotético.

385
Tendências e casos

Poderá parecer que u m a transformação Universidad Central de Venezuela, Jorge Lina-


ou renovação autêntica de u m sistema res, Lenin Romero e Lautaro Videla distinguem
os seguintes elementos do projecto nacional
ide ensino não possa efectuar-tse isola- venezuelano: 1. Nacionalizações das matérias-
damente, m a s apenas e m ligação c o m -primas; 2. Reforma do aparelho de Estado
u m projecto nacional. para que possa actuar como empreendedor;
É possível que as futuras transforma- 3. Criação de uma economia mista; 4. Expor-
tação de produtos industriais; 5. Transforma-
ções impliquem formas de ensino ex- ção do sector agrícola; 6. Formação de u m
tra-escolares. novo tipo de homem para o novo projecto;
A coexistência de múltipas formas de en- 7. Nacionalismo; 8. Influência sobre os países
sino paralelas parece possível. vizinhos.
5. Miguel C A S A S A R M E N G O L , op. cit.
Podemos considerar que, actualmente, a
6. Miguel C A S A S A R M E N G O L , op. cit., p. 114.
Venezuela constitui, de certo modo', o
7. Miguel C A S A S A R M E N G O L , op. cit., p. 115.
laboratório e m que é testada a viabili-
8. Informe final: Planeamiento de la enseñanza
dade d o ensino latino-americano do superior. Anexo: Características y objetivos
futuro. O que será viável encontrarse instituciones de la educación superior Vene
certamente contido nos elementos ac- zolana, tomo 6, Caracas, 1975, p. 33 (polico-
tualmente experimentados na experiên- piado).
cia venezuelana. 9. Ver o relatório Sadosky sobre o plano Aya-
cucho em Papeles universitarios, n.° 3, Caracas,
Outubro de 1977, p. 116.
10. Extraído de uma conferência de imprensa da
Prof." Ruth Lerner de Almea, presidente de
Fundayacucho, a 10 de Agosto de 1977.
Notas 11. A mesma audácia e o mesmo desejo de plu-
ralismo caracterizam a proposta do embaixador
1. Miguel C A S A S A R M E N G O L , «Apuntes sobre la da Venezuela em Espanha, que preconiza a
evolución de la educación superior en Vene- criação de uma universidade da O P E P (Orga-
zuela», Papeies universitários, Caracas, n.° 4, nização dos Países Exportadores de Petróleo)
Novembro-Dezembro de 1977, p. 114. a fim de formar os recursos humanos que tor-
2. Luis M . P E N A L V E R , Discurso en la Sesión ex- narão possível o desenvolvimento do Terceiro
traordinaria del Congreso (5 de Julho de 1977, Mundo, de modo a beneficiar da excepcional
Caracas). ocasião de transformação proporcionada pelos
3. C E R P E , «Una educación para Venezuela», SIC, recursos provenientes da exploração petrolí-
Caracas, n.° 400, Dezembro de 1977, p. 485. fera — recursos que não devem ser unicamente
4. N o documento intitulado Sobre el modelo de consumidos ou desperdiçados.
desarrollo en la Venezuela actual, produzido 12. Comisión organizadora: UNA — Proyecto, Ca-
em 1978 para a Escuela de Educación de la racas, 1977, 138 p.

986
Revista de publicações

Pierre E R N Y , L'ensetgnement dans les pays pauvres. Modèles et positions. L'Har-


mattan, Paris, 1977.

Pierre Erny, que possui u m a longa experiência de cias, as quais acrescenta a experiência das casas
ensino e m África (começou como professor do en- familiares rurais francesas, P . Erny tira quatro gran-
sino primário no Alto Volta antes de se tornar pro- des lições.
fessor universitário no Zaire e no Ruanda) apre- A primeira diz-nos que a escola não é — ou não
senta-nos neste livro o essencial da sua reflexão deveria ser— o único recurso educativo. «Não se
sobre os problemas actuais da educação e m África trata, escreve, de suprimir a escola, mas de utilizar
e, mais ainda, e m todos os países de recursos li- todos os recursos educativos disponíveis (p. 95)».
mitados que enfrentam actualmente, devido a u m Corolário lógico: os professores não são os únicos
sistema escolar inadaptado, problemas que parecem detentores de conhecimento e a escola deveria ape-
insolúveis. lar amplamente para o conjunto das pessoas-recurso
N u m a primeira fase, o autor procede ao inven- presentes na zona.
tário das recentes tentativas de renovação do ensino Segunda lição: Se a escola deve estar ligada à
e m diferentes países de África e e m particular das vida, u m a vez que a vida é diversa, a escola tam-
tentativas de «ruralização» do ensino. O s exemplos b é m deve ser diversa. N o âmbito das normas gerais
que fornece mostram b e m tanto a ambiguidade fixadas pelo Estado, devemos, pois, conceder u m a
desta noção como a sua imperiosa necessidade. A m - ampla autonomia às regiões para que definam as
biguidade, porque a ruralização continua a ser en- orientações mais adequadas para atingir os objec-
tendida como u m «reflexo de autodefesa de u m a tivos finais.
neoburguesia dirigente preocupada c o m o seu fu- Terceira lição: a combinação entre o estudo e
turo» (p. 68) ou ainda como « u m discurso da gente as tarefas produtivas deveria constituir u m elemento
da cidade para uso dos rurais» (p. 70) cujas inten- central da nova pedagogia. E P . Erny aproxima-se,
ções reais estes percebem claramente. M a s também neste ponto, de muitas das conclusões apresentadas
necessidade, se não queremos que a escola continue n u m dossier da presente revista '.
a multiplicar aqueles que, já e m 1947, Emmanuel Ultima lição: é necessário inventar outro tipo
Mounier classificava de «semi-hábeis sem eira n e m de escola que já não seja «factor capital de dife-
beira que apenas vivem de palavras» (p. 65). renciação social», mas escola de promoção colectiva.
Devemos, pois, alterar a denominação mas pros- «Alicerçada no meio, escreve Erny, a escola deve
seguir na m e s m a direcção e Erny analisa c o m lu- dinamizá-lo através da análise que provoca e con-
cidez as causas dos insucessos e as condições que tribuir para a criação de u m a necessidade perma-
devem ser reunidas para levar a b o m termo u m a nente de transformação. Ligando estreitamente for-
transformação mais do que nunca necessária. Entre mação, educação e desenvolvimento, transforma-se
as causas de insucesso, para além da ambiguidade n u m dos órgãos que asseguram a tomada de cons-
política já sublinhada, Erny sublinha muito jus- ciência pela comunidade dos seus valores e das suas
tamente a falta de formação dos professores («um insuficiências e a responsabilidade da sua própria
ensino ruralizado, escreve, exige por parte do corpo evolução» (p. 98).
docente u m a competência incontestável simultanea- São estas as principais proposições apresentadas
mente pedagógica, agrícola e técnica que os pro- por Erny, proposições que pormenoriza no último
fessores formados segundo os métodos habituais capítulo, agrupando-as n u m projecto pedagógico si-
nunca tiveram», p . 69), a ausência de ligação entre multaneamente inovador e realista.
projecto educativo e projecto de desenvolvimento Lamentamos, contudo, dois factos. Pensamos que
rural («o fundo da ruralização consiste e m desen- a sua demonstração teria ganho e m força se o autor
volver a economia rural. É a transformação da agri- a tivesse aplicado concretamente a u m país (o
cultura que conferirá à educação o seu verdadeiro Ruanda, por exemplo, onde permaneceu durante
significado e não o inverso» (p. 70) e, no plano muito tempo). Além disso, de u m especialista e m
estritamente pedagógico, a ausência de ligação entre antropologia da educação 2 , seria de esperar que de-
estudo do meio e trabalhos práticos agrícolas). A s dicasse mais importância à educação tradicional e,
páginas que dedica ao estudo do meio, tanto no e m particular, às associações de jovens. Estes dois
capítulo sobre a ruralização como nos dois últimos pontos farão parte de u m projecto adiado?
capítulos de propostas pareceram-nos as mais ricas
da obra e contêm, sem dúvida, alguns temas es- Guy BELLONCLE
colhidos que deveriam passar a figurar e m todas as (França)
bibliotecas das escolas de formação da professores.
Depois desta análise das tentativas de renovação
da escola africana, Pierre Erny refere mais três ex- Notas
periências de transformação dos sistemas de ensino 1. Aprender a trabalhar : escola e produção, Perspec-
(o Peru, Cuba e a China) não para as copiar, mas, tivas, vol. VII, n.o 3, 1977.
2. Ver, e m particular, L'enfant et son milieu en Afri-
escreve, para «mostrar o que é possível e estimular que noire. Essais sur l'éducation traditionnelle,
a imaginação» (p. 7). Deste conjunto de experiên- Payot, Paris, 1972.

387
Revista de publicações

Maurice D E B E S S E e Gaston M I A L A R E T , Traité des sciences pédagogiques, tomo 8:


Éducation permanente et animation socio-culturelle, P U F , Paris, 1978.
Gaston P I N E A U , Éducation ou aliénation permanente? Dunod, Paris, Sciences
et Culture, Montreal, 1978.

A educação permanente encontra-se n u m a situação netária, e u m a expressão que decorre de u m con-


paradoxal. Por u m lado, a expressão teve u m êxito texto particular, o da França e de alguns países que
surpreendente. N o espaço de alguns anos deu volta se inspiram e m exemplos franceses?
ao m u n d o . Actualmente, não existe nenhum h o m e m A contradição surge na própria arquitectura do
político, administrador ou teórico relacionado c o m livro. N o primeiro capítulo invoca-se o desejo de
a tarefa educativa que não invoque, e m determi- aprofundamento teórico da noção situada na pers-
nados momentos, o conceito da permanência. Já e m pectiva da continuidade ininterrupta do processo
1975 se recensearam mais de 5000 documentos, li- educativo. Mas, logo no segundo capítulo, abando-
vros ou publicações que referiam directamente esta na-se a proposta anunciada e encontramo-nos pro-
noção. Esta situação só poderá satisfazer os que jectados n u m universo limitado, o da educação dos
consideram a educação permanente a alternativa ne- adultos, sob o seu aspecto profissional.
cessária aos impasses e às insuficiências da tarefa O capítulo seguinte, de resto muito interessante,
educativa tal como é concebida e funciona na maior «Aspectos psicológicos da educação permanente», é
parte dos países. ainda mais claramente orientado. C o m o indicam os
Contudo, a esta satisfação v ê m juntar-se nume- subtítulos « A imagem do aluno adulto», « O adulto
rosas reservas e sérias preocupações. Desprezando a e o seu tempo», é do indivíduo instalado na sua
posição dos partidários da tradição, inquietos c o m vida de adulto que se trata, e abandona-se a pro-
as repercussões e as consequências, encontramo- posta anunciada nas primeiras páginas da obra.
-nos perante problemas capitais. O primeiro é a Trata-se, pois, de u m trabalho limitado a u m
contradição entre o dizer e o fazer. Após quinze grupo etário e não lamentamos que assim seja.
anos de proclamações, de reconhecimentos solenes, C o m efeito, a educação permanente no seu ver-
somos obrigados a reconhecer que o panorama da dadeiro e completo significado ainda não atingiu
educação não se alterou, no seu conjunto. O modelo u m grau de maturação teórica e de realizações que
escolar tradicional, dominado pela selecção, igno- possa incluí-la no âmbito de u m tratado. Encontra-
rando as diferenças e a complexidade das dimensões -se ainda na fase das hipóteses, das investigações,
da personalidade, continua a impor-se c o m o seu dos confrontos entre pontos de vista, dos debates,
cortejo de exames e diplomas, de privilegiados e de das experimentações, que não se prestam para já a
rejeitados, de promoção dos indivíduos adaptados e sínteses e opiniões de conjunto.
de marginalização dos menos dotados ou diferentes Neste caso particular, a publicação deste tomo
da norma. assume u m grande significado. É u m acontecimento
O segundo problema reside na diversidade das na evolução do pensamento pedagógico e m França.
interpretações. Uns consideram a educação perma- Ainda não há muito tempo se falava de educação
nente u m princípio de renovação que se aplica ao de adultos neste país como de u m «parente pobre»
conjunto do processo educativo, desde a primeira da educação. Pobre, era-o no seu alcance, pois
infância até ao fim da existência. Sabem que os abrangia uma fracção limitada da população. E po-
seus projectos são a longo prazo e implicam uma bre também no sentido estrito do termo, na medida
longa série de trabalhos tanto teóricos como prá- em que mobilizavva apenas u m a ínfima fracção dos
ticos. D o outro lado, encontram-se os que, na sua orçamentos públicos e privados. A situação modi-
acção, aplicam o termo educação permanente a u m ficou-se radicalmente nos dez últimos anos, prin-
momento particular do processo educativo, o que cipalmente pelo efeito das disposições legislativas
diz respeito aos adultos. N a maior parte das vezes, que aceleraram o processo educativo no domínio
c o m o sucede com u m grande número de programas, da formação profissional. Desde o voto da lei sobre
trata-se pura e simplesmente de actividades de reci- educação permanente, e m 1971, o número de uten-
clagem profissional. tes deste tipo de educação viu-se multiplicado por
Esta confusão, lamentável no plano teórico e pe- 10; os recursos intra e extra-orçamentais sofreram
rigosa no plano prático, não será dissipada pela u m aumento da m e s m a ordem. Embora ainda haja
leitura do oitavo tomo do Traité des sciences péda- muito a fazer para que este aspecto da actividade
gogiques publicado sob a direcção de Maurice D e - nacional ocupe o lugar que normalmente lhe cabe
besse e Gaston Mialaret. O próprio título da obra e, ultrapassando o âmbito profissional, para que en-
encaminha o leitor para uma via errada: Éducation globe todas as dimensões da personalidade, a edu-
permanente et animation socio-culturelle. C o m o po- cação dos adultos encontra-se já solidamente ins-
deremos deixar de ficar surpreendidos ao ver no talada nos espíritos e nos factos. É esta promoção
m e s m o plano o todo e as partes, u m vasto conceito, que se vê consagrada pela presente publicação.
com as mais extensas implicações tanto do ponto Os organizadores da empresa apelaram para co-
de vista da sua compreensão e da sua extensão pla- laboradores particularmente qualificados. O aspecto

388
Revista de publicações

psicológico foi confiado a Antoine Léon. Jean Vial ginais. N o conjunto, toda esta parte contribui c o m
encarregou-se dos aspectos sociológicos, assim como abundante matéria de reflexão e completa c o m
da alfabetização dos adultos. Foi a equipa de êxito u m a empresa que, dentro dos limites que
Schwartz e de Scheffknecht que, com u m a compe- apontámos, responde c o m competência a u m a ne-
tencia muito especial, tratou da «formação con- cessidade, a de apresentar u m quadro da educação
tínua dos adultos». Quanto ao director do Traité, dos adultos na França dos nossos dias.
G . Mialaret, consagrou u m capítulo à apresentação
de u m a realização particular, o programa T E V E C Neste m e s m o ano de 1978, foi publicada u m a
no Quebeque, experiência de educação dos adultos obra igualmente importante, embora de carácter re-
por sistema multi media. solutamente diferente. C o m Gaston Pineau sentimo-
O s diferentes capítulos fornecem u m a informação -nos b e m dentro do problema. O seu livro Éduca-
abundante que deverá prestar grandes serviços a tion ou aliénation permanente? penetra no âmago
todos os que sentem a necessidade de se manter da questão. Recorda-nos oportunamente que não
ao corrente do que se passa e m França. Lamenta- podemos estudar parcialmente u m tema que inte-
remos apenas que, n u m «tratado de ciências peda- resse ao conjunto da questão educativa, e que não
gógicas», tenha sido reservada u m a importância tão é legítimo designar pelo termo educação permanente
restrita às experiências estranhas à França. Capí- u m sector estreito e limitado da formação de adul-
tulos inteiros desenvolvem-se sem a menor alusão tos. G . Pineau é de formação filosófica. O s seus
ao que se passa na Inglaterra, nas Alemanhas, na interesses são manifestamente orientados para a ex-
Escandinávia, nos Estados Unidos. O carácter «cien- ploração dos fundamentos ideológicos da educação
tífico» da obra é provavelmente limitado, sobretudo permanente. O leitor não iniciado pode sentir-se ra-
quando se trata de u m domínio e m que, contraria- pidamente desarmado por declarações c o m o «estes
mente ao da educação das crianças e dos adoles- discursos projectam integrar n u m a vasta sistemati-
centes, reinam a diversidade e a particularidade. zação a totalidade do tempo humano (dimensão
Mais u m a vez se impõem, para a compreensão e a mítica) segundo u m esquema racional (dimensão
reflexão, aproximações e comparações entre as ex- lógica), embora estas duas dimensões não se mis-
periências desenvolvidas nos diferentes tipos de ci- turem para se reforçar e governar e m conjunto:
vilização e de cultura. o elemento mitológico confere eficácia às operações
teórico-práticas e a sua eficiência reforça o poder
A parte mais original e, neste aspecto, a que soli- daquele». O leitor não deve deixar-se desmobilizar.
cita mais a atenção, é a que diz respeito à animação A reflexão de G . Pineau é substancialmente rica
sociocultural. N ã o lhe aplicaremos as reservas já e vale a pena mantermo-nos atentos para adquirir
formuladas, até porque os autores nos indicam a u m a rede de ideias particularmente esclarecedoras.
«cor». É da animação e m França que se trata. C o m O centro desta reflexão é u m a meditação sobre o
efeito, a animação é u m domínio e m que os edu- tempo. Devemos reconhecer que esta é inevitável
cadores franceses desempenham u m papel de pio- se atribuirmos ao segundo termo do díptico «edu-
neiros, do ponto de vista dos objectivos pretendidos cação permanente» o seu pleno significado. Q u e
e dos meios aplicados. Q u e se entende por ani- fazer deste tempo que temos a possibilidade de
mação? O s especialistas encarregados desta parte, viver? C o m o utilizá-lo para realizar a nossa vocação
a Sra. Poujol e os Srs. Besnard, Simonot e Labourie, de homens e transformar e m actos o que virtual-
respondem amplamente a esta questão, cada u m à mente se encontra e m cada u m de nós? C o m o rea-
sua maneira, e c o m as perspectivas que lhes são lizar, através de u m esforço contínuo e para além
próprias. Besnard empenha-se e m expor a proble- de toda a delegação, os poderes do pensamento, de
mática deste sector. N ã o consegue evitar as defini- expressão corporal e mental, de comunicação c o m
ções. Fixemos esta, retirada de u m relatório de o outro e c o m as obras, que se encontram e m
J. P. Imhof, citado por Besnard: «Designa-se por estado embrionário na maior parte dos seres hu-
animação toda a acção n u m ou sobre u m grupo manos, porque ignoram aquilo de que são capazes
(uma colectividade ou u m meio) destinada a de- e porque não tiveram ocasião de exercer estas
senvolver a comunicação e a estruturar a vida capacidades? C o m o realizar estas propostas por
social, recorrendo a métodos semidirectivos; é u m nossa própria conta e que vias seguir para ajudar
método de integração e de participação». os outros nesta conquista de si m e s m o ? Para tal,
Para além destas definições, encontraremos u m a não existe outra solução além de se instalar n u m
descrição sugestiva dos fundamentos, dos campos devir que confere ao tempo humano o seu pleno
de aplicação, das funções e dos modelos da ani- significado.
mação sociocultural, assim como das reflexões rela-
tivas aos agentes desta acção, os animadores. Ë à Nesta perspectiva e a este preço a educação per-
formação destes últimos, que ocupam u m a impor- manente não será u m a «alienação», m a s u m reco-
tância crescente e sempre diversificada na vida do nhecimento de si m e s m o . Nesta via de pensamento,
país, que a Sra. Poujol consagra u m capítulo. G . Pineau, que é u m jovem investigador da Univer-
Sobre estes mesmos temas, os dois últimos cola- sidade de Montreal, encontra muitos companheiros
boradores da obra, os Srs. Simonot e Labourie, for- de viagem. À partida, apoia-se nas análises de Pla-
necem informações preciosas e pontos de vista ori- tão ao longo da República e muito especialmente no

389
Revista de publicações

inesgotável mito da caverna. O G . Bachelard da europeia. As três correntes convergem para salientar
Formation de l'esprit scientifique e o G . Durand das a necessidade de repensar de alto a baixo a acção
Structures anthropologiques de l'imaginaire desem- educativa.
penham u m papel preponderante neste itinerário. A s posições dos meios críticos da educação per-
M a s , para além destes iniciadores, o autor procurou manente também se encontram representadas. N o
estabelecer aquilo que designa por pontos de refe- conjunto, o trabalho de G . Pineau fornece u m
rência «míticos e políticos», que delimitam a evolu- contributo de primeira ordem para o estudo do
ção da reflexão moderna sobre a educação perma- aspecto teórico da educação dos adultos. Paralela-
nente. Estudou os «discursos dos promotores», de mente à criação, e m diferentes países do m u n d o ,
1950 a 1970, e reproduziu o que considerou essencial. de estruturas institucionais e metodológicas mais
Deste ponto de vista, o livro apresenta-se c o m o u m a ou menos directamente inspiradas n u m a educação
antologia. N a s 200 páginas dedicadas a extractos, permanente, não podemos deixar de desejar que
encontramos o que de essencial se disse sobre o este esforço de aprofundamento dos fundamentos
assunto nos últimos vinte anos. O autor distingue seja prosseguido c o m a extensão e o rigor indis-
três correntes: u m a corrente internacional, parti- pensáveis, no sentido indicado por G . Pineau.
cularmente actuante na medida e m que a Unesco
tomou resolutamente posição a favor deste conceito Paul L E N G R A N D
inovador, u m a corrente americana e u m a corrente (França)

Barbara B . B U R N (dir. publ.) Admission to medical education in ten countries.


International Council for Educational Development, 1978, 160 p. Distribuído por
Interbook Inc., N o v a Iorque.

O s serviços de educação e de saúde encontram-se gado e m maior grau do que o acesso ao ensino
cada vez mais desenvolvidos nos países industria- superior e, e m particular, aos estudos médicos, o
lizados. Desde a segunda guerra mundial que se que contribui para o impasse actual. A única ex-
observa o alargamento do acesso ao ensino primário cepção talvez seja a Itália, onde se mantiveram
e secundário, e a necessidade de u m a redistribuição «abertas» as portas conducentes a todos os níveis
geográfica e social dos recursos atribuídos ao sector do sistema educativo, principalmente por razões po-
da saúde e do apuramennto da qualidade dos ser- líticas, a despeito dos limites inevitavelmente im-
viços. A admissão aos estudos médicos tornou-se postos pelas condições de b o m funcionamento dos
u m a questão política e social de primeira plana serviços de saúde. É verdadeiramente lamentável
ligada, por u m lado, ao acesso ao ensino superior ver que os jovens que não tiveram acesso aos es-
(e a u m a situação de prestígio) e, por outro lado, tudos médicos e m outros países v ê m procurar esta
às carências e m pessoal de saúde. Impõe-se, sem estrutura educativa já sobrecarregada. N ã o sabemos
dúvida, a elaboração de u m modelo conceptual- quais os acordos políticos que desencadearam esta
mente viável que permita, pelo menos, avaliar mais estranha migração internacional. N o outro extremo,
sistematicamente este problema tão complexo; ora, a Suécia teve o cuidado de transformar o acesso
neste campo, tudo, ou quase tudo, está por fazer. aos estudos médicos n u m elemento de u m sistema
É na esperança de encontrar esta abordagem sis- elaborado que repartiu ao m á x i m o as oportunidades
temática que iniciamos a leitura desta monografia de acesso à educação. O s outros países situam-se
que resulta de u m estudo multinacional e pluridis- entre estes dois extremos, exigindo alguns deles,
ciplinar do assunto. M a s deparamos simplesmente para determinar o acesso aos mais prestigiosos es-
c o m u m a série de relatos descrevendo o sistema de tudos universitários, critérios múltiplos que se v ê m
acesso aos estudos médicos de dez países (Repú- juntar aos critérios tradicionais de êxito escolar.
blica Federal da Alemanha, Austrália, Canadá, Di- Reconheceu-se que o nível «desconfortavelmente
namarca, Estados Unidos da América, França, Itá- elevado» do dossier escolar exigido no limiar dos
lia, Holanda, Reino Unido, Suécia), precedidos de estudos médicos exerce u m a grande influência sobre
u m a introdução geral. Contudo, estes relatos sobre os estudos pré-universitários, que tendem a trans-
diferentes países, tal c o m o u m a publicação anterior, formar-se n u m «campo de batalha». A considerável
apresentam u m grande interesse para os responsá- experiência adquirida pelos Estados Unidos neste
veis da planificação e do desenvolvimento dos ser- c a m p o durante mais de vinte anos não parece ter
viços de educação e de saúde. Examinaremos alguns impedido o apareceimento de u m fenómeno seme-
aspectos do problema e as soluções expostas nos lhante na República Federal da Alemanha e e m
relatórios. outros países.
E m todos os países estudados, o acesso aos es- O fundamento da importância tradicionalmente
tudos médicos deve ser examinado no âmbito geral atribuída ao dossier escolar — se os resultados são
da igualdade de oportunidades. O acesso ao ensino bons no ensino secundário, também o são, e m geral,
secundário foi, e m toda a parte, facilitado e alar- no ensino superior — é cada vez mais contestado

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Revista de publicações

na selecção dos futuros médicos, sob outro ponto a formação de u m estrangulamento a este nível.
de vista: u m excelente estudante não é necessaria- N a República Federal da Alemanha, nos Estados
mente u m excelente médico. O que se torna tanto Unidos e no Reino Unido foram criados organismos
mais evidente quanto a procura b e m documentada centrais de repartição.
de cuidados de saúde primários parece desempe- N a maior parte dos países, u m sistema de repar-
nhar, na planificação dos serviços de saúde, u m tição segundo critérios «não universitários» c o m o
papel mais importante d o que as carências de tecno- a idade, o sexo e a experiência profissional deveria
logia avançada e de investigação biomédica. Todos produzir, nas atitudes, nos conhecimentos e nas
estão de acordo e m considerar que a destreza m a - competências, u m a heterogeneidade que poderia ser
nual, a justeza das percepções, a capacidade de prometedora. U m sistema de selecção extraordi-
estabelecer contactos interpessoais e u m a atitude nariamente diversificado, baseado e m objectivos
positiva e m relação às carências de saúde d o in- educativos e profissionais, foi experimentado e m
divíduo e da colectividade, contam mais d o que McMaster Medicai School, e m Hamilton (Canadá),
os conhecimentos objectivos na formação de u m onde esforços consideráveis de reflexão, de desen-
b o m médico e são indispensáveis para a optimiza- volvimento e até de investigação parecem ter contri-
ção dos seus serviços. Estas qualidades não deve- buído para evitar os resultados bastante medíocres
riam desempenhar u m papel importante na escolha dos métodos de selecção fáceis — dossier escolar e
dos futuros m e m b r o s da profissão? medidas administrativas o u tecnológicas.
Surgem, assim, graves questões a respeito de C o m excepção deste último modelo e da grande
muitos aspectos dos sistemas educativos, e m parti- experiência social tentada na Suécia, a política de
cular nas fases pré e pós-universitárias. M a s esta admissão às escolas de Medicina parece continuar
monografia atribui a maior importância aos m é - infeliz e aleatória. Neste domínio, as investigações
todos através dos quais se efectua a passagem dos baseadas n u m modelo conceptual útil são quase
estudos secundários aos estudos de Medicina. São inexistentes. Estudos c o m o esta monografia deve-
essencialmente determinados por considerações de riam basear-se n o conhecimento e na compreensão
ordem constitucional, jurídica, organizacional e fi- presentes da estrutura e das funções dos serviços
nanceira. A s soluções são ora tecnológicas, ora de saúde, do papel e das qualidades necessárias dos
conceptuais. A s primeiras salientam geralmente o médicos, assim c o m o a sua socialização n u m a pro-
aspecto numérico, à custa do critério de qualidade. fissão actualmente muito criticada por diversas ra-
N a República Federal da Alemanha, o respeito pelo zões, das quais algumas são justas.
direito —enunciado pela Constituição— de acesso
ao ensino superior conduziu à aceitação c o m o estu- H. G. PAULI,
dantes de medicina de u m a mistura estranha de professor e director,
indivíduos brilhantes e de indivíduos socialmente Institut für Ausbildungs- u n d
privilegiados inscritos n u m a lista de espera cuja Examensforschung, Faculdade de
duração pode atingir seis anos e mais! É possível Medicina da Universidade de Berna,
que os estudantes desta segunda categoria estejam Suíça
mais aptos a exercer nos serviços de saúde pri-
mários do que os da primeira, que parecem orien-
tar-se mais para a especialização e a investigação
biomédica. E m França, devido a disposições cons- Nota
titucionais análogas, a selecção foi adiada para o 1. The selection of students for medical education,
fim d o primeiro ano de Medicina, principalmente Relatório de u m grupo de 'trabalho, Berna, 21-25
de Junho de 1971, Gabinete Regional da O M S para
dedicado às Ciências, o que origina inevitavelmente a Buropa, Copenhaga, 1973.

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BEP — BIBLIOTECA DO E DUCADOR PROFISSIONAL,
1 A Matemática Moderna no E n - 28
A Educação Estético-Visual no
sino Primário — Z. P. Dienes Ensino Escolar — A. Betámio de
3 Matemática Moderna e Matemá- Almeida
tica Viva — André Revus 29 A Educação, Acto Político—Apos-
3 A Adolescência — W. D. Wall tinho dos Reis Monteiro
4 Educação e Educadores — Rui 30 A Nova Escola Infantil — A s
Orado Crianças dos 3 aos 6 — Francesco
5 A Orientação Escolar e Profis- de BartoiomeUs,
sional — Jean Drévillon 31 A Higiene Mental na Escola —
6 Temas de Peicopedagogia Es- André Berge e João dos Santos
colar—O Professor e os Alu- 32 A Escola na Sociedade de Classes
nos — M. David, Roger Gal,
Louis François, L. Voeltzet e — Anal Benavente
A. Ferré 33 D o Ensino da Filosofia — Fer-
7 A Hecatombe Escolar — Geor- nando Gilot
ges Bastin 34 Educação sem Selecção Social —
8 Testes Sociométricos— U m Guia Bartolo Paiva Campos
para Professores — Mary L. 35 Perspectivas Psioopedagógicas —
Northway e Lindsay Weld Arquimedes Santos
9-10 A Educação Afectiva e Caracte- 36 Educação: U m a Frente de Luta—
rial da Criança — Georges Manco Rogério Fernandes
11 Fundamentação Existencial da 37 Animação Socio-Cultural — Prá-
Pedagogia — Delfim Santo» tica e Instrumentos — Edouard
12 João de Barros — Educador R e - Limbos
publicano — Rogério Fernandes
38 Escola Paralela — Louis Porcher
13 Pedagogia e Psicologia dos
Grupos — A. R. I. P. 39 Formação de Professores: Parti-
cipação na Aprendizagem — Bar-
14 Introdução à Didáctica na Es- rington Kaye
cola Activa — Francesco de
Bartolomeis 40 Educação e Constituição de Abril
15 Ensino Programado e Estudo — Agostinho dos Reis Monteiro
da Sua Didáctica — M. F. M. 41 Para onde Vai a Educação? —
Rubens Jean Piaget
16 A s Três Faces da Pedagogia 42 A Escola Aberta—Bernard Eiiade
— Maria Amália Borges Me-
deiros 43 Pensamento Pedagógico — Vassili
Sukhomlinski
17 Introdução à Educação Perma-
nente — Paul Lengrand 44 Psicologia da Inteligência — Jean
18 A Pedagogia e as Grandes Cor- Piaget
rentes Filosóficas — Bogdan 45 Para o Ensino e Aprendizagem da
Suchodolski Lingua Materna — Dulce Rebelo
19 A Educação nas Escolas Mis- e Lucinda Atalaia
tas — Edouard Breuse 46 Meio Social e Sucesso Escolar —
20 Os Professores e a Reforma do Torsten Husén
Ensino — Rui Grácio 47 Educação Popular e Processo de
21 U m a Nova Compreensão da Arte Consciencialização — Júlio Bar-
Infantil — Arno Stem reiro
22 Aspectos e Técnicas da Pintura 48 U m a Socióloga na Escola Primária
de Crianças — Arno Stern — Ida Berger
23 A Inovação do Ensino — Jean 49 Portugal — A Educação e m N ú m e -
Hanssßnf order ros — José Salvado Sampaio
24 O Fim dos Liceus — Robert 50 Questões de Pesicologia e Peda-
Brechon gogia — Manuel Viegas de Abreu
25 As Relações Humanas na Aula 51 Programas de Ensino e Senso Co-
— Christine Blouet Chápiro m u m — Robin Barrow
26 A Adolescência na Escola e na 52 O Ensino das Ciências Sociais —
Sociedade — W. D. Wall Inovações no Ensino Secundário
27 O Trabalho e m Grupo nas Es- — Denis Glecson e Geoff Whithy
colas Secundárias — Barrington 53 O Contexto Social do Ensino —
Kaye e Irving Rogers Gerald Cortis

Composto e impresso na Tipografia Minerva do Comércio

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