um portal. Portal infindo por onde infinda procissão segue. Alguns vêm espreitar, outros por ali escapam. O que mudou? Perdi, como se diz das crianças, o mudo do escuro? Mas o que é o escuro? O que é luz? Origem da sombra? Diria antes, a luz é um abrigo, porque o escuro veio antes. Perdido na sombra caminha o filho de Eva, são milhares de metros entre um e outro, não há a quem recorrer. Fosse entregue esse peregrino, originário do pecado original, à escuridão completa, nunca terminaria sua jornada. Desce, então, como proteção, a piedade da Mãe redentora. Como que uma luz que envolve e guarda, a Rainha aplica o bálsamo de suas lágrimas. Esse evento, que perfaz a experiência mística e de onde um eremita entende o significado do Escudo e do Choro, é o ato maior da piedade materna. Elemento determinante do aspecto feminino do Ser pleno. Essa luz se manifesta de três formas: no domínio da técnica de iluminação artificial, no domínio da possibilidade de um código moral de disciplina e, por último, na possibilidade da contemplação prévia que caracteriza as experiências espirituais de caráter místico. Elaboraremos, brevemente, uma explicação da manifestação da luz em cada um desses âmbitos. O interesse final é uma teoria que, através do procedimento da analogia, caminhe para experiência vertical do conceito, e sua subsequente compreensão, de Piedade. Durante o dia aparece o Sol. A luminosidade protetora se expande por todos os lados e, aquilo que não o recusa na forma de sombra, se torna claro e preciso. Mas o Sol é magnânimo, logo segue com seus assuntos e esconde sua luz da face humana. Nesse momento, a lua é a testemunha do risco. Abandonado na escuridão e sem orientação, o supremo terror do escuro profundo leva o homem à perdição. Esse seria o caso de todos os homens, não fosse à intervenção da Piedade. A Piedade interfere de tal forma que, na solidão humana do escuro, ela aparece como iluminura. Se diz: o homem, em sua infância, desenvolve sua própria iluminação. Mas com isso temos apenas o primeiro aspecto: a experiência de ser iluminado cria a ideia de usar a luz artificial. O arcano da luz aparece, por vontade própria, ao espírito perdido. Na aparição, aonde a luz se manifesta no mundo por Piedade, cria na engenhosidade a ideia da técnica de iluminar. A tocha, a fogueira, a lamparina, surgem a partir desse toque primeiro que move o Criar. A luz nova contra a noite permite o estudo e o exame, a proteção e a alimentação. O escuro ameaçador da noite é circunscrito pelo abraço da nova luz. Iluminados e em roda, surge o segundo aspecto da Piedade. A experiência de ser protegido gera a necessidade de proteger. Esse proteger não é mais o proteger a prole, mas um cuidado especial com todo o ser. O cuidado se expressa então como a origem de que haja vida para cuidar, oferece e cria a necessidade de um código moral. Educar-se e educar surgem da experiência de ser iluminado. É dessa relação analógica que nasce a possibilidade da intenção Iluminista. Porém, o que Iluminismo apresenta como uma teoria historicamente determinada do ser do homem, entendemos aqui como algo mais originário: o desenrolar da fenômeno de proteção pela luz. Por último, é porque está o humano está protegido na luz que o escuro se torna então o que atrai e não mais o que prende e faz se perder. A lamparina garante que o caminho seja traçado em direção ao escuro. Da mesma forma, é por esse ato de ser iluminado que o humano caminha, pela primeira vez, através do próprio abismo. Ele forja as primeiras ferramentas para explorar o abismo e, mais que isso, explorar mesmo as fendas que o sol nunca toca e por isso eram imperscrutáveis, pois assustavam o tato e inibiam a visão. Da mesma forma, espiritualmente, o humano cruza distâncias cada vez maiores e ilumina o caminho perdido. Essas ferramentas espirituais são modo de recriar a experiência do abismo como um todo, dessas ferramentas derivam as ferramentas teóricas que exploram as fendas do abismo.