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1 2
Cristine Bonfim ; Zulma Medeiros
1
Doutoranda em Saúde Pública do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM). Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).
Pesquisadora da Diretoria de Pesquisas Sociais (DIPES). Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ/MEC).
2
Pesquisadora Adjunta do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM). Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Professora do
Instituto de Ciências Biológicas (ICB). Universidade de Pernambuco (UPE).
RESUMO
____________________________________________________________________________________
Este é um artigo de revisão bibliográfica que tem por objetivo discutir a trajetória da categoria espaço na
epidemiologia e a sua relação com a geografia, ressaltando as implicações da organização social do
espaço para a saúde da população e sua aplicação no cotidiano dos serviços de saúde. O trabalho
também permite identificar uma nova fase dessa ciência com a aplicação das abordagens espaciais aos
estudos e ações de saúde pública. Foi realizada pesquisa bibliográfica nas bases de dados LILACS,
Scielo, MEDLINE, banco de teses da CAPES e livros sobre o tema. Conclui-se que a categoria espaço é
um importante instrumental a ser utilizado nas análises, no planejamento e nas ações de saúde.
Compreender a organização do espaço possibilita uma maior aproximação dos fatores relacionados ao
desenvolvimento das doenças e da sua distribuição entre os diversos grupos sociais. Certamente o
desafio atual para a epidemiologia é desenvolver trabalhos centrados na perspectiva da valorização do
espaço, explorando as potencialidades de métodos inovadores do ponto de vista das intervenções em
saúde pública.
Descritores: Epidemiologia; Geografia Médica; Distribuição Espacial; Sistemas de Informação
Geográfica.
ABSTRACT
____________________________________________________________________________________
This literature review has the aim of discussing the path taken by the space category within epidemiology
and its relationship with geography, with emphasis on the implications for the social organization of space
for the population’s health and its application to the day-to-day activities of health services. This study also
allows a new phase of this science to be identified, with the application of spatial approaches to public
health studies and actions. A bibliographic search was conducted in the LILACS, Scielo and MEDLINE
databases, the CAPES thesis database and books on this topic. It is concluded that the space category is
an important tool for use in health-related analyses, planning and actions. Understanding the organization
of space makes it possible to come closer to the factors relating to disease development and the
distribution of diseases between different social groups. The present challenge for epidemiology certainly
consists of developing studies centered on the perspective of ascribing value to space, with exploration of
the potential of innovative methodologies from the point of view of public health interventions.
Key words: Epidemiology; Geography; Residence Characteristics; Geographic Information Systems.
de início para suas inferências sobre os casos espaço ligado ao estudo das doenças
22
da doença . transmissíveis, que foi a Teoria dos Focos
Naturais das Doenças Transmissíveis ou Teoria
Ainda no Século XIX, a geografia e a
da Nidalidade Natural das Doenças
epidemiologia galgam status de disciplinas
Transmissíveis. O ponto basilar dessa Teoria
científicas, ambas sob a influência
consistia em interpretar o espaço (patobiocenose)
predominante do Positivismo, e o resultado
como o local de circulação dos agentes
dessa aproximação é representado pelos
infecciosos. Abrangia não apenas o agente
primeiros trabalhos sistematizados com a
infeccioso, mas também a associação entre as
descrição e a cartografia da distribuição
espécies, os aspectos geofísicos e a biologia geral
regional das doenças. Com o desenvolvimento 26
do ambiente . Considera-se nessa abordagem
da microbiologia, o meio ambiente perdeu a
que as ações humanas poderiam alterar a
importância que vinha apresentando desde
23,24 patobiocenose e, conseqüentemente, a circulação
Hipócrates . Tem-se, então, a concepção 27
dos agentes infecciosos .
de doença admitindo como única etiologia o
agente infeccioso, em detrimento do enfoque Na década de 1940 a abordagem de
que considerava a influência do espaço nos Pavlovsky foi ampliada por Maximillien Sorre, que
4
processos de saúde-doença . no seu trabalho - Les fondements de la géographie
humaine - enfatizou a relevância da ação do
A concepção determinista da relação
homem na formação e na alteração do complexo
entre o homem e a natureza foi rompida com 28
patogênico . O cerne da abordagem de Sorre é a
Vidal de La Blache, no final do Século XIX,
acepção ecológica das relações entre o homem e
que embora mantivesse o pensamento
o meio. Sorre tinha por preocupação teórica
Positivista da época, inovava ao afirmar que o
fornecer base conceitual à geografia médica,
objeto da geografia é a relação entre o homem
permitindo, assim, investigações de natureza
e a natureza, vendo o homem na condição de 29
interdisciplinar .
um ser ativo nessa relação, que modifica e
também é modificado pelo ambiente. La Especificamente no Brasil o trabalho de
Blache passou a considerar a natureza como Pavlovsky teve grande influência na geografia
possibilidade para a ação humana, constituído médica de Samuel Pessoa, que se inspirou na sua
5,15
o movimento denominado de Possibilismo . obra para desenvolver estudos sobre as endemias
prevalentes no país, incorporando a essa teoria os
Durante o Século XX, é recuperado o 29
determinantes sociais das doenças . Para
interesse pela análise da situação de saúde 11
Pessoa o ambiente pode ser definido como o
através de uma abordagem holística que
conjunto de causas que atuam sobre o homem e
considera as condições de saúde relacionadas
não apenas como meio físico. A propagação das
com o ambiente. Isso ocorre com a superação
doenças estaria ligada a inúmeros fatores (sociais,
do paradigma da unicausalidade,
políticos, econômicos, entre outros) e não
caracterizada pelo avanço da teoria da
somente as condições geográficas.
multicausalidade, ocorrido entre as décadas
de 1930 e 1950, segundo o qual, a doença é Outro trabalho de destaque foi a obra
um processo que envolve vários fatores Geografia da Fome de Josué de Castro, publicada
condicionantes/determinantes (sociais, em 1946, que pode ser considerada a primeira
econômicos, culturais, demográficos, obra de geografia da saúde escrita por um
ambientais e biológicos)24. geógrafo latino-americano, constituindo um marco
25 histórico e político para os trabalhos de geografia
Vieites e Freitas destacam no Século 10 30
e saúde . Castro estudando o fenômeno da
XX, dois sistemas teórico-conceituais e
fome na região Nordeste do Brasil, demonstrou
metodológicos referentes à interação entre a
que a explicação para a fome não estava no clima,
geografia e a epidemiologia. O primeiro
como afirmava a vertente naturalista, mas sim, na
conceito seria o do foco natural das doenças 5
sociedade. Santos afirma que Castro sugeriu uma
desenvolvido pelo parasitologista russo
mudança fundamental na visão do mundo,
Pavlovsky e o conceito de complexo
especialmente na questão saúde, deslocando o
patogênico do geógrafo francês Sorre.
problema do chamado ambiente e recolocando a
Pavlovsky, na década de 1930, questão no domínio da sociedade.
desenvolveu uma das mais relevantes
A partir da década de 1950, tem início, no
contribuições teóricas sobre o conceito de
âmbito das Ciências Geográficas, um processo de
particularidades de cada área geográfica. 12. Meade MS, Earickson RJ. Medical Geography.
Certamente, o desafio atual para a Guilford Press. 2005.
epidemiologia é desenvolver trabalhos
centrados na perspectiva da valorização do 13. Hipócrates. On Airs, Waters, and Places
espaço, explorando as potencialidades de (Classics Revisited - 400 BCE). Hygeia.
métodos inovadores do ponto de vista das 2006;2(3):1-12.
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Recebido em 14/09/2008
Aprovado em 23/11/2008