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l. O que é a arte?

Ponto de partida essencial para o trabalho do


confronto interartes é, naturalmente, a abordagem do
conceito de arte. A pergunta sobre a natureza do
fenómeno artístico, tão antigo quanto a própria
humanidade, tem implicações que em muito ultrapassam
o âmbito dos estudos literários ou comparados.

Sem pretender entrar aqui pela análise de


considerações de ordem fenomenológica, estética,
existencial ou outras, não podemos, porém, deixar de
apontar na direcção que nos orienta, ao procurarmos
relacionar diferentes tipos de expressão artística.
Traçaremos, antes de mais, um percurso sintético da
história da estética, valendo-nos, entre outras, da
abordagem crítica feita por Denis Huisman1. Damos
particular ênfase a esta perspectiva crítica por duas
razões essenciais. Por um lado, porque situa o debate
sobre o fenómeno artístico naquele ponto que julgamos
ser o de maior pertinência, ou seja, o de uma
concepção de arte não autotélica mas antes
“essencial”, em sentido estrito, isto é, que de
alguma forma aborda o fenómeno artístico como
revelação de essências através de formas. Por outro
lado, devido ao modo simultaneamente profundo,
abrangente e didáctico com que trata uma questão que
é indubitavelmente complexa e, por vezes, de difícil
abordagem sintética.

1
Cf. Huisman, A Estética, Lisboa, Edições 70, 2000.

1
Huisman parte, desde logo, de uma assunção simples,
mas fundamental, ao procurar traçar um breve percurso
da História da Estética: toda a reflexão filosófica
sobre a arte tem procurado definir os conceitos de
belo e de beleza. Se, para Sócrates, acima do Belo
particular existe a Beleza em si, para Platão só a
existência de uma beleza primeira, na origem de toda
a beleza, pode justificar que as coisas sejam belas.
À beleza chega-se pelo Amor, único garante da beleza
ideal. O amor platónico é, pois, ascético,
pressupondo que a procura do belo é um desejo de
eternidade e uma ânsia de purificação.

Aristóteles, por seu turno, sistematizou o


platonismo, fazendo consistir o belo na ordem e na
grandeza. Enquanto para Platão o Belo-em-si é um
princípio-ideia transcendente ao eu, para Aristóteles
o ideal está no homem, e o belo, embora superior à
realidade, não está desligado da razão humana.

A época clássica vai ser marcada por um acentuado


neo-platonismo, que parte do princípio de que «o Belo
é o esplendor da Verdade e do Bem». Grandes santos e
grandes pensadores como Santo Agostinho e S. Tomás
d’Aquino seguem esta linha filosófica, que valoriza a
harmonia, a qual é, para S. Tomás, como diz Huisman,
«o contentamento supremo e o perfeito repouso do
gosto e do entendimento» (Huisman, 2000:29).

O advento do Iluminismo, no século XVIII, produziu a


passagem do dogmatismo platónico ao criticismo. De
uma concepção objectiva da estética passou-se a uma
atitude relativista e subjectivista. Kant foi o

2
grande expoente desta idade crítica, de pendor
idealista. Para Hegel, por exemplo, a Beleza é a
aparição perceptível da ideia. O conteúdo da arte é,
portanto, a ideia. Hegel procura a racionalidade no
interior do real e a arte é, assim, revelação do
Absoluto na sua forma intuitiva.

Com Schopenhauer e a sua concepção de arte como


«contemplação das coisas independentes do princípio
da razão», «representação exacta da vontade», finda a
época do criticismo kantiano e a estética entra na
idade moderna, profundamente nietzschiana, que parte
do positivismo de Taine e Croce (para quem a arte é
intuição-expressão)2, passando pelo idealismo de P.
Souriau, Tolstoi, Edgar Allan Poe e Bergson, a
fenomenologia de Merleau-Ponty e a aposta no sentido,
por George Steiner. Walter Benjamin, Theodor Adorno,
Herbert Marcuse e Jean Baudrillard darão voz a
estéticas críticas e niilistas, de pendor neo-
kantiano, o que levará à reacção oposta por parte das
estéticas libertárias de Mikel Dufrenne e J. F.
Lyotard. O abandono da via teórica remete a arte para
o campo do gosto individual, logo perde-se a
possibilidade do consenso nos valores estéticos e
perde-se a própria possibilidade de sentido. Gilles
Deleuze e Félix Guattari escrevem o Anti-Édipo: a
arte deixa de se definir pelo que diz ou significa,
mas tão-só pelo que a faz fluir e correr: o desejo. A
literatura é um processo e não um fim, uma produção e
não uma expressão. Como resume Huisman, no final
deste trajecto, «o sentido não tem mais o tempo; o
tempo não tem mais sentido» (Huisman,2000:69).

2
Sobre o pensamento de Croce, vidé Aguiar e Silva, 1990: 30.

3
Ora, a posição que aqui assumimos vai numa linha que
recupera alguns dos vectores do neo-platonismo atrás
referidos, tanto na sua vertente classicista, como no
pensamento agustiniano e tomasiano e,
particularmente, na forma que eles assumiram em
algumas das flexões verificadas desde os finais do
século XIX até ao século XX.

Assim, podemos afirmar, com Romano Guardini, que a


obra de arte exprime, através da sua forma - «e por
“forma” entende-se tudo o que pode ser colhido
sensivelmente: linha e superfície, estrutura e
função, gesto e acção» - a «essência do objecto, o
núcleo de significado, na medida em que ele é
peculiar, válido. No objecto tal expressão é ainda
indeterminada e imperfeita; o artista, no entanto,
sente-se levado a desenvolvê-la. Ele vê aflorar a
essência a partir das formas e põe-se à disposição, a
fim de que ela se possa revelar mais plenamente. Não
como o homem de ciência, através de conceitos e
teorias, mas antes sensivelmente, em contacto com
aquilo que vê, sente e toca. Guiado pelas formas e ao
mesmo tempo dominando-as, plasma-as, simplifica-as,
condensa-as, ordena-as [...]». (Guardini, 2003:16-
17).

Esta revelação da essência reflecte-se, assim, no


próprio artista, portanto torna-se meio de
conhecimento do real e de si próprio: «O pintor,
captando a essência das coisas, capta-se, na verdade,
também a si próprio». [...] «Isto é mais evidente na
literatura», onde a palavra que pode descrever este
processo de descoberta de si mesmo é encontro. «Isto
significa, de facto, o “encontro”, que é diferente do

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simples “embater”: vemos uma coisa, percebemos as
suas características peculiares, a grandeza, a
beleza, a necessidade – e subitamente, como um eco
vivo, qualquer coisa responde em nós mesmos,
desperta, eleva-se, desenvolve-se. Na realidade pode
precisamente definir-se o homem como aquele ente que
é capaz, com o seu ser interior, de responder às
coisas do mundo e, desse modo, de realizar-se. Quanto
mais um homem é excelente, tanto mais forte, rica,
profunda, refinada é a sua capacidade de encontrar,
de responder e, assim, de “voltar a si próprio”...
Ora, no artista este processo de resposta tem uma
particular intensidade». (Guardini, 2003: 17-18)

Por esta razão, Gombrich (1978:4) não gosta de falar


de arte, mas sim de artistas, dos homens abertos,
capazes de se deixarem surpreender pela realidade,
nomeadamente pela realidade de um quadro, o qual não
tem de “imitar” a realidade em sentido estrito, isto
é, não tem de “copiar” a sua aparência, mas sim
aquilo que a coisa é.

É neste sentido que um escritor como Joseph Conrad


afirma: «a arte pode ser definida como uma tentativa
de prestar justiça ao universo visível trazendo à luz
a verdade multifacetada e única que jaz sob cada
aspecto seu. É uma tentativa de encontrar nas suas
formas, cores, luz e sombras, nos aspectos da matéria
e nos factos da vida, o que é, em cada coisa,
fundamental, duradoiro e essencial – a sua qualidade
reveladora e convincente – a própria verdade da sua
existência».

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Esta revelação que a arte produz não é de carácter
“reprodutivo” ou “figurativo”, mas sim
“transfigurativo”, na medida em que, como diz
Huisman, «ultrapassa a realidade vulgar por meio de
uma idealização, por mínima que seja». (2000: 74). De
facto, se uma obra procura reproduzir especularmente
o real, não é arte, porque não atinge a essência da
realidade, aquele ponto mais verdadeiro. É neste
sentido que Aristóteles diz que «a poesia é mais
verdadeira do que a história».

Por esta razão, Huisman afirma que o critério supremo


da arte é a o grau de transfiguração. «Quanto mais se
afasta da realidade trivial, mais se eleva na arte
integral». (2000: 76) E conclui dizendo, acerca da
natureza da arte: «estilização do real, promoção de
uma existência, criação de formas» (2000: 76), que
provocam um sentimento intenso a quem as contempla,
um êxtase. «Quando uma obra nos dá alegria, podemos
estar absolutamente certos de que é uma autêntica
obra de arte» (2000: 79).

2. Estudos interartes, literatura comparada e teoria


da literatura

Flannery O’Connor, escritora americana dos anos 50,


autora de vários ensaios e conferências sobre arte,
particularmente sobre literatura, partilhava a ideia
de Conrad sobre a arte, ou seja, sobre o desejo
contido na obra artística, de fazer ver.
Particularmente em relação à obra literária, O’Connor
dizia que se tratava de uma «arte encarnatória», ou

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seja, concreta, que dá “carne” aos acontecimentos,
tornando-os, assim, visíveis. Este aspecto da
“concretude” e “visibilidade” dos acontecimentos, tal
como representados na obra de arte, é comum ao cinema
e à literatura e pode ser relacionado com outras
formas de arte, como adiante será desenvolvido.

Por isso, a perspectiva comparatista que aqui se


apresenta é plenamente justificável, uma vez que se
propõe partir deste ponto comum, procurando analisar
de que modo essa característica profunda do fenómeno
artístico está plasmada, modificada ou mesmo
“anulada” na obra de arte em causa.

Importa, porém, antes de mais, definir em que campo


de estudos se pode enquadrar uma tal perspectiva de
investigação. De facto, trata-se de uma das grandes
áreas da chamada Literatura Comparada, área essa que
se encontra precisamente no cruzamento entre a
Literatura Comparada stricto sensu e a Teoria da
Literatura lato sensu.

Álvaro Manuel Machado e Henri Pageaux (1988:17-20),


clarificam que «a Literatura Comparada como
disciplina de investigação universitária não se
baseia na comparação, ou antes, não se baseia apenas
na comparação. De facto, trata-se sobretudo, muito
mais frequentemente, muito mais amplamente, de
relacionar» - e esta relação parte da constatação
acerca da constante presença de «elementos
estrangeiros», ou seja, influências de outras
culturas, numa dada literatura. A possibilidade de
relacionar vem do facto de poder identificar-se, numa
dada literatura ou cultura nacional, aquele quid

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universal que a aproxima das literaturas ou culturas
do resto do mundo.

Pageaux e Machado consideram seguidamente que a


Literatura Comparada se «amplia» para o território
contíguo, quase coincidente, da Teoria da Literatura,
poder-se-ia dizer, dos Estudos Literários em geral,
através de três grandes possibilidades. Uma dessas
possibilidades de alargamento de horizontes do campo
da Literatura Comparada para fora da questão do que é
«estrangeiro» é justamente o «confronto entre
literatura e outros sectores da actividade cultural:
literatura e arte, literatura e música, literatura e
história, literatura e filosofia, literatura e
psicanálise, etc.» (1988:142). Ao considerarem,
então, a relação entre a literatura e outras artes,
estes autores acrescentam: «Esta segunda
possibilidade de ampliação leva-nos a integrar, nesta
visão de conjunto que serve de introdução a uma
teoria da literatura, as relações entre literatura, o
fenómeno literário em si, e as outras actividades
artísticas (pintura, música, cinema).» (1988:145)
Seguem-se exemplos dos chamados géneros mistos (como,
por exemplo, o dos libretos de ópera) e em seguida os
autores afirmam: «O estudo das adaptações
cinematográficas de obras literárias parece-nos de
grande interesse». (1988:146)Ele situa-se, de facto,
num específico domínio da Literatura Comparada, o dos
Estudos Interartes, constituindo este campo de
investigação uma das grandes áreas da Teoria da
Literatura.

Ora, o facto de o tipo de abordagem que aqui se


propõe levar a cabo fazer parte daquele universo,

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dentro dos Estudos Literários, a que se convencionou
chamar Literatura Comparada, muito tem que ver com a
metodologia adoptada. Também sobre esta questão são
elucidativos os comentários feitos pelos autores
referidos: a Literatura Comparada não tem um método,
no sentido estrito e exclusivo que a palavra assume;
antes estabelece o seu percurso de análise consoante
o objecto de estudo que define. «No que diz respeito
ao comparativista, é importante que ele saiba
“seccionar” o campo de investigação. Antes de mais,
deverá construir um corpus literário» (1988:167).
Assim, «o método não dev[e] ser o ponto de partida,
mas sim a opção do investigador por um determinado
terreno de investigação, a partir do qual o
investigador construirá o seu método próprio»
(1988:166). Ou, para dizer de outro modo: não é o
investigador que decide previamente “impor” um
determinado método ao seu objecto de investigação; é
antes o próprio objecto de investigação que, estando
bem definido, “mostrará” ao investigador qual o
método a adoptar.

No caso vertente, é o facto de se tratar de uma


abordagem comparativa entre a literatura e outras
artes, que levará à utilização de conceitos e
elementos de análise que procedem de territórios como
a narratologia, a semiologia, a estética, a história
e a teoria do cinema, etc. Torna-se, pois, evidente
que a metodologia “imposta” pelo nosso objecto de
estudo é de natureza interdisciplinar.

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