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PAIXÃO: NO CORAÇÃO DO CORPO ADOLESCENTE

Denis Royer

“Ao chegar em casa, cometo a maior estupidez de todas. Corro para o trem das
4:45: é o trem de Anabelle. Perco a cabeça. Quero vê-la e corro feito louco com
minha bicicleta em direção à praça. Então, nesta hora, recobro meu auto-controle
e volto. Sinto-me tão humilhado com esta atitude que eu não tomei, mas que foi
ditada a mim por não sei o quê, que eu jurei a mim mesmo nunca me comportar
desta forma outra vez.”

Esta leitura foi extraída de um diário pessoal de um adolescente de 16 anos. Há um conflito e


tanto aqui! Ele escreve que realmente não fez o que fez. Ele se recusa a se identificar com este impulso
que fez ele pegar sua bicicleta e tornou-o um louco correndo pelas ruas para ver Anabelle descendo do
trem. Ele sente que foi tomado por uma força desconhecida que lhe ditou este comportamento
irracional. A paixão tomou conta dele. De repente, uma necessidade de ver Anabelle dominou
completamente o seu mundo interior e fez com que ele agisse de forma que ele não pudesse se integrar
com o que ele conhece de si mesmo.

Este adolescente começou a escrever o seu diário pessoal alguns meses antes deste incidente,
apenas para esclarecer. Anabelle é a fonte de seus tormentos. O conteúdo do diário revela que ele vem
lutando por vários dias com sua atração pela garota. Seu coração está batendo por ela, sem dizer que,
ao vê-la, seu corpo inteiro pulsa de uma nova maneira. Ele sente que está dominado por uma atração
passional que ele contradiz, ao afirmar que correr com sua bicicleta para ver Anabelle descendo do
trem é alguma coisa que ele realmente não fez. Ele escreve que fez isso movido por alguma forma
desconhecida com a qual ele mesmo não pode se identificar. Mas ele pode se identificar com a firme
resolução de reforçar seu controle sobre esta força desconhecida que tomou conta dele e literalmente o
conduziu. Ele encerra a narrativa de seu aborrecido evento escrevendo: “Eu juro a mim mesmo que
nunca mais me comportarei desta maneira”. Ele expressa sua determinação para restabelecer a ordem
dentro de sua própria casa, agora que ele descobriu que sua casa foi invadida por impulsos estranhos. A
puberdade disparou um processo de metamorfose que ainda está acontecendo. Este processo
transformou seu corpo tão profundamente que este corpo se transformou no “inimigo” conforme a
psiquiatra francesa Annie Birraud (1994) coloca em seu livro L’adolescent face à son corps. No centro
de todas estas profundas transformações, o corpo do adolescente se torna o teatro das primeiras
Apresentado na 14ª Conferência Bienal -23 a 29 de Maio de 1998
Arles, França
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atrações passionais. De acordo com Moses Laufer (1976, 1978, 1989), este adolescente de 16 anos está
ocupado com a finalização de sua organização sexual, a principal função do desenvolvimento da
adolescência. Mesmo não sendo Laufer um terapeuta em bioenergética, ele escreve que o fator central
deste trabalho está no relacionamento que o adolescente tem com o seu próprio corpo. Isto implica que
no fim da adolescência, esta nova organização da imagem do seu corpo inclui genitais fisicamente
maduros. Isto deveria ser do interesse dos terapeutas em bioenergética.

“Passio”

O dicionário francês Le Robert lista uma variedade de significados para a palavra paixão, sendo
o primeiro, próximo de sua raiz em Latin passio, que é sofrer no sentido de que é alguma coisa que
acontece com você mais do que alguma coisa que você faz acontecer. Neste sentido, o resumo do
diário lida com esta primeira paixão de adolescente por uma pessoa de outro sexo. Eu garanto a vocês
que é uma paixão primitiva em sua pureza e forma simplificada. É, todavia, experimentada como algo
que acontece a ele. Alguns dias após o evento, ele escreveu em seu diário:

“Tomo o ônibus às 7:30 hs. e cumprimento Anabelle na plataforma do trem. Uma visão se
passa em minha mente: Anabelle e eu nos casamos! Algumas vezes, eu não me
compreendo. Não mais do que 6 meses atrás, eu jurei a mim mesmo nunca me apaixonar
por ela e hoje eu fui cativado por seu único olhar. Eu não sei se é certo ou errado mas eu
acho que a amo”...

O coração do corpo adolescente é um freguês de primeira fila destas primeiras experiências de


atração passional por outro ser humano. Crescemos acostumados a dizer que o corpo é história viva,
que o corpo lembra, que os músculos nunca esquecem. O que dizer sobre a memória do músculo do
coração? Este músculo conhece mais do que qualquer outra parte do corpo sobre o movimento vital
básico de “expansão-contração”, já que o coração é dedicado o tempo todo a bombear os ingredientes
vitais, bem como os fluidos de nossas paixões através do resto de nós. Quando Freud disse que amor e
trabalho eram as chaves da boa saúde, ele fez uma declaração resultante de experiências feitas durante
sua vida sobre o músculo do coração. Crescentes evidências clínicas me convencem da importância de
explorar estas experiências intensas do coração na terapia de adultos, ajustando primeiro o paciente a
seu corpo de adolescente, ao mesmo tempo aumentando o nível de energia de seu organismo.
Postulamos que a quantidade de energia é um fator determinante da saúde e sabemos que o coração do
corpo adolescente tem de gerenciar experiências intensas de paixão. O músculo do coração realmente
se lembra com o auxílio da terapia bioenergética.
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Você deve saber, é claro, que eu trabalho com adultos e não com adolescentes. Nos últimos dez
anos, meu principal objeto de pesquisa clínica tem sido o corpo adolescente dos meus pacientes
adultos. Quero dividir com você minha crescente convicção de que a análise bioenergética tem muito a
ganhar abrindo espaço para o período de adolescência na terapia de adultos. Eu prefiro usar o conceito
de corpo adolescente em vez de “período de adolescência” para manter o foco no corpo. O tema desta
conferência A Paixão e a Pessoa não poderia oferecer melhor oportunidade de se obter uma visão mais
próxima do corpo do adolescente como uma etapa inevitável no caminho da integração do corpo do
adulto. Há dois anos atrás, defendi que o corpo adolescente deveria ter seu próprio espaço na terapia de
adultos. Neste apelo, chamei atenção para a eficiência terapêutica através de uma estratégia que
respeite o princípio da análise do caráter convidando o analista a começar com o material
contemporâneo e menos recente antes de trabalhar com o material da infância. Na apresentação de
hoje, desejo complementar que o corpo adolescente pode enriquecer nosso modelo teórico. Vou até me
arriscar a dizer que o modelo do corpo adolescente refresca nosso paradigma básico de mente-corpo.
Algumas pessoas vêm à bioenergética para trabalhar com seu corpo na esperança de renovar a paixão.
O corpo do adolescente é o primeiro lugar a se olhar para descobrir onde e como ela foi perdida. Mas,
primeiro, voltemos ao jovem autor do diário pessoal.

Uns 35 anos mais tarde...

O autor do diário pessoal sobre o qual eu li uma parte na abertura de minha apresentação veio a me
consultar uns 35 anos mais tarde por um problema de impotência sexual com sua esposa e amante.
Charles, como eu vou chamá-lo, estava amando secretamente uma jovem mulher que foi sua aluna.
Sua paixão crescente por esta jovem mulher foi mantida graças a uma troca de cartas, já que estavam
separados por milhares de milhas na época em que ele se engajou na terapia. Ele se sentiu preso a um
grande conflito entre sua atração por esta outra mulher e seus valores morais sobre amor, sexualidade,
casamento e fidelidade, ideais que nortearam sua vida até então. A terapia já vinha sendo conduzida há
dois anos quando ele descobriu este diário completamente esquecido. Ele achou o diário em uma caixa
quando estava fazendo faxina e se preparando para mudar-se pois havia decidido separar-se da esposa.
Já que trabalhávamos parte da transferência através da ativação de memórias de sua relação com seu
diretor espiritual quando ele era um adolescente, ele soube de meu interesse por material adolescente e
me deu uma cópia do seu diário. Que sorte! O clínico em mim achou uma mina de ouro! E é
interessante, o diário começa quando ele estava no fim de seus quinze anos com uma carta endereçada
a seu diretor espiritual: um sacerdote magro, mas temido pelos alunos, que lhe deram o apelido de
Ti-Kill (pequeno matador). A cópia deste diário me deu a rara oportunidade de examinar e comparar
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minhas notas clínicas sobre sua viagem terapêutica com o que ele tinha escrito para ele mesmo na
privacidade de seus anos de adolescência. A descoberta do diário teve um impacto significativo sobre
ele em sua terapia. Revela algumas coisas sobre as resistência de contatar o corpo adolescente.

“Eu não acredito que eu realmente escrevi isto com minhas mãos.”

Meu paciente não estava nada satisfeito ao ler seu diário escrito há 35 anos atrás. Sinais não
verbais de dificuldade foram manifestados quando ele se referiu a “esta” Anabelle de sua juventude.
Isto proporcionou evidências para se levantar a hipótese de que repressão, vergonha e humilhação
contam entre as muitas razões pelas quais os adultos não exploram sua adolescência em terapia. Isso
parece arranhar o “bem compensado” e o “narcisismo normal” do adulto. Ele ficou especialmente
chocado pela última página de seu diário, onde ele solenemente afirma seu forte desejo de não se
abandonar nas mãos de paixões vãs. Toda sua correção moral emerge nesta última página de seu diário
e claramente coloca um fim em suas hesitações em aceitar ou recusar um convite de Anabelle para
acompanhá-la a uma festa. Deixe-me ler uma parte desta última página de seu diário. Este tom oficial
jamais apareceu no resto do documento:

“Nesta noite de 8 de Janeiro de 1956, depois de ter assistido Asmodée de Mauriac, meu
coração descobriu, eu acho, a solução para seu maior problema. Foi preciso todo o talento
de Mauriac para me fazer entender o real significado do amor cristão. Daqui para frente,
não mais fantasias passageiras, não mais noites perguntando a mim mesmo o que eu devo
fazer, se eu devo me deixar cair no abismo sem fim das breves paixões. Eu cheguei muito
próximo. Um passo a mais poderia ter me afastado de meu ideal. Deus não me abandonou,
mas eu tive de dar um passo decisivo. Eu não podia permanecer deste jeito, no meio de
dois mundos, amedrontado e cheio de dúvidas. Mauriac me salvou. Ele me fez entender
que se uma criatura algum dia se tornar minha esposa, esta criatura se assemelhará a
Emmanuelle. Ele me fez perceber que embaçar meu coração com morais livres e fáceis e
com vulgaridade, iria me levar irresistivelmente para longe de meu ideal. Ele me faz
tomar a resolução e, principalmente, me convence a abandonar todas estas vulgaridades e
continuar a caminhar adiante. A vida é cheia de promessas: é assim que devemos
enfrentá-la”.

Ele não acreditava que tinha mesmo escrito aquilo com suas próprias mãos e imediatamente
associou esta súbita interrupção do diário com sua posterior decisão de se tornar um sacerdote católico.
Ele descobriu que tinha organizado seu “eu” adulto com uma versão revisada de um papel que entra
em conflito com sua sexualidade adolescente, a qual tinha influenciado em sua posterior opção de se
tornar um sacerdote. A descoberta casual de seu diário jogou uma pedra nas águas calmas de seu
confortável “eu” adulto. Ele se sentiu envergonhado e desconfortável diante dessas revelações sobre
sua experiência de corpo adolescente e a rigidez de sua posição moral. Ele também expressou que se
sentiu humilhado. Ele se manteve dizendo: “Eu não posso acreditar que eu escrevi isto. Mesmo que eu
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possa dizer que me foi exercida forte influência católica, isso não muda o fato de que eu não era mais
criança. Eu tinha 17 ou 18 anos. Eu não acredito nisto”. Alguns 35 anos mais tarde, as similaridades
entre seu dilema contemporâneo e aquele sobre Annabelle estavam tão evidentes que deixaram-no
paralisado.

De acordo com Eissler (1978), dificuldade similar foi obviamente levantada em Freud sempre
que ele era confrontado com a recordação de seu primeiro amor, Gisela, quando tinha 16 anos. Aqui
está o que Eissler escreve:

“Freud teve muitas reações estranhas e inusuais em relação a Gisela, que sugerem que esta
experiência teve uma posição quase exclusiva em sua memória.” p. 469

Eissler ressalta o contraste impressionante entre a própria abertura de Freud em A Interpretação


dos Sonhos e sua relutância em lembrar de seu romance com Gisela. Eu percebo que Freud está longe
de ser uma exceção em suas reações adultas na evocação de seu primeiro amor. Recuperar o corpo de
alguém e o total senso do “eu” em terapia bioenergética é um longo processo que pode ser facilitado
pela recuperação do corpo adolescente de alguém em como aprendeu a lidar com a paixão. Para muitos
pacientes, as primeiras experiências de paixão deixaram marcas que vieram à tona sempre que seus
corpos atingem altos níveis de intensidade. Algumas resistências ao convite de entregar-se ao corpo de
alguém podem ser abordadas através de memórias inscritas no corpo adolescente.

Do ponto de vista da análise do caráter

Li a vocês alguns trechos do conteúdo deste diário, mas a análise do caráter nos ensina a dar a
maior atenção possível à forma. Vale a pena chamar sua atenção ao fato de que o último trecho põe um
fim a esta forma de auto-expressão que Charles desenvolveu. A mudança de tom também anuncia que
a forma final de seu caráter promove cortes severos nas modalidades de auto-expressão. Lembrem-se
de que ele tinha começado seu diário em forma de carta endereçada ao seu diretor espiritual. Lendo o
diário, alguém pode avaliar que, com a aparição de sua paixão por Anabelle, o tom tornou-se um dos
diálogos íntimos consigo mesmo com um sabor de compaixão para com ele mesmo. O corpo
adolescente testemunha o florescimento da forma final da estrutura do caráter. Este é um claro
exemplo de como o caráter limita a auto-expressão. Estou surpreso de quantos de meus pacientes
adultos descobrem que eles desistiram de modos de auto-expressão durante o final de sua
adolescência: escrever poesia, cantar e tocar um instrumento musical. Quando estes adultos se
consultam, eles estão em um estado de crise que pode suportar alguma analogia para alguém com
quem eles se relacionaram durante sua adolescência: o que parecia funcionar até agora não está em
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função de equilíbrio mais. Explorar o corpo adolescente os ajuda a renovar os modos de expressão que
eles tinham abandonado. Tenho em mente este paciente que voltou a tocar sua guitarra quando
enfrentou uma severa depressão. Isto manteve viva sua esperança de que ele poderia ter novo contato
algum dia com alguma paixão para sempre. Fora a música, ele não possuía outros meios de
auto-expressão, exceto seu trabalho.

As primeiras experiências de atração passional a um outro ser humano mobiliza as defesas do


ego de modo a proporcionar a intensidade da paixão. Não apenas elas podem dar luz à sexualidade
contemporânea do paciente adulto, mas também podem oferecer elementos no entendimento das lutas
narcisísticas. Narciso, o herói do mito, tinha 16 anos na ocasião de seu encontro fatal com o reflexo de
sua imagem. Muitos pacientes datam sua primeira paixão significativa no ano do 16º aniversário.
Charles veio à terapia com o sintoma de impotência na ocasião em que ele estava lutando com uma
secreta paixão por uma outra mulher.

Primeiro amor e repressão passional

Você se lembra em qual idade você experimentou sua primeira paixão? Você se lembra do
primeiro nome dele/dela? Um de meus pacientes sonhava continuamente com seu primeiro amor até os
54 anos de idade. Apenas após trabalhar sua sexualidade do final da adolescência, ele entendeu que ele
tinha experimentado uma paixão intensa por esta garota e que o seu corpo tinha se dobrado perante o
conflito moral com sua sexualidade. Como muitos pacientes, ele tinha memórias da infância de jogos
sexuais interrompidos por uma mãe zangada, mas essas memórias não se ligavam significativamente
com seu corpo adulto. Elas nunca foram mais do que uma interpretação ou explanação. Mas um sonho
no qual estava tão claro que ele tinha de reprimir o desejo de tocar a pele dela ou perderia o controle,
claramente manifestou o total entendimento de sua tensão nas costas, seu traço de caráter dominante e
suas inibições sexuais. Como um adulto, ele tinha desenvolvido uma imagem de si mesmo como uma
pessoa que nunca experimentou uma profunda paixão por uma mulher. Estranho! A repressão poderia
ser tão forte aos 18 anos e mantida até os 54 anos. Quando ele decidiu superar suas resistências e
dividir seu segredo com sua esposa, descobriu que ela também tinha um sonho recorrente de seu
primeiro amor, quando ela tinha 14 anos. O peso relativo a estas experiências precoces permanece
suficientemente alto para provocar dificuldade, sinais físicos de desconforto e ansiedade quando um
adulto encara estas memórias. Alguns pacientes finalmente confessam que nunca falaram com o
primeiro objeto de suas paixões. Mantiveram-se à distância do ser amado e idealizaram-no por medo
de desabar diante da intensidade de suas reações emocionais. Eles sentem que não poderiam lidar com
tão altos picos de intensidade. Eu não sei se eles se sentem confortados quando ficam sabendo que
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Freud experimentou seu primeiro amor de forma similar. De acordo com Eissler, o primeiro amor de
Freud foi traumático.

Descobrimento traumático da atração homossexual

Se estas primeiras experiências de paixão no sentido de sentimentos muitos intensos de atração


por um membro de outro sexo podem ser deveras traumáticas para o ego do adolescente, imagine o que
pode ser a experiência do adolescente que sente uma atração passional por uma pessoa do mesmo sexo.
Descobri que enfocar o corpo adolescente me ajuda como terapêuta na exploração e expressão de todos
os sentimentos ligados ao descobrimento da orientação homossexual. Isto é particularmente útil com
pacientes de minha geração, os quais freqüentemente experimentaram esta descoberta de forma
extremamente traumática, dado o contexto social em que eles viviam quando adolescentes. Tenho em
mente aqui este paciente de mais de 40 anos que não conseguia se engajar em qualquer atividade
genital com um parceiro. Abrindo a memória de uma carta que ele tinha escrito nos primeiros anos de
sua adolescência para saber sobre possível castração química, tornou-se um material muito importante
em sua terapia. O que ele não podia fazer com meios químicos, ele percebeu que podia conseguir com
uma série de tensões crônicas em seu corpo. A exploração do corpo adolescente é muito compensadora
com pacientes homossexuais.

Descartando a teoria de recapitulação do adolescente

Como você já deve saber, em nosso curriculum de treinamento, acentuamos a importância de


conhecer os estágios de desenvolvimento da infância. Sugiro que estendamos para a adolescência, a
fim de incluir observações como a de Peter Blos sobre um período de orientação homossexual sexual
que precede a fase de definição de uma orientação sexual definitiva. Mas como Peter Blos, devemos
revisar nossa teoria de adolescência e fazer uma recapitulação da teoria clássica de Freud sobre
adolescência. A maioria dos terapeutas está ainda operando por esta teoria de recapitulação, conforme
escreve Louise J. Kaplan (1984) em seu livro Adolescência. Ela explica que Freud foi fortemente
influenciado pela teorias de Haeckelian sobre evolução. Ela escreve que da metade do século XIX até
os anos 30, a doutrina Hackeliana de recapitulação serviu como princípio de organização em
embriologia, psicologia, morfologia e paleontologia. A teoria de que ontogenia recapitula filogenia
vem desta doutrina. A idéia de que primitivos viviam ao nível de crianças européias também foi
produto desta doutrina. Avanços em nosso conhecimento sobre a vida nos ajuda a ver que uma
característica básica vital é que ela evolui em direção a formas mais evoluídas de organização,
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caracterizadas por níveis mais altos de complexidade. Devemos descartar a teoria de recapitulação da
adolescência porque ela contradiz esta característica básica do processo vital.

Paixão como um equilíbrio delicado de sentimento intenso e inteligência

Até agora, usei a palavra paixão com dois diferentes significados, de acordo com o meu
dicionário francês. Não apenas usei-a no sentido de alguma coisa que é passionalmente sofrida, mas
também no sentido de amor quando manifesta-se como um sentimento poderoso e assustador. E eu
agora desejo apresentar um terceiro significado: paixão como estado emocional e intelectual poderoso
o bastante para dominar a vida da mente humana pela intensidade de seu efeito ou pela permanência de
sua ação. Neste sentido, vamos falar da paixão por música que dominou a vida de um artista. Neste
mesmo sentido, muitos de nós irão reconhecer que experimentam tal paixão pela bioenergética. A
definição do dicionário menciona um misto de emoção e inteligência. Tanto intensidade como
duração, em termos de tempo, implicam em função de contenção. Eu vejo o corpo adolescente como
um palco onde este tipo de paixão vem atuar. Não utilizamos o termo paixão para qualificar o amor
entre uma criança e seus pais. O corpo adolescente faz nascer esta forma de paixão que pode inspirar
toda uma vida. Neste sentido, eu concordo com a constatação de Eissler que o corpo adolescente é a
fonte de toda a criatividade recente. A forma de inteligência que favorece a emergência de tais paixões
geralmente amadurece apenas durante a adolescência. Isso me lembra da parte mais aventureira do
meu papel: a interação entre a função intelectual e a função sexual na adolescência.

O Corpo Adolescente: uma nova visão do Paradigma Mente-Corpo

Durante a adolescência, uma mudança na maneira de pensar é contemporânea à maturação do


aparato sexual. Uma mudança significativa na função intelectual é uma das maiores transformações do
corpo adolescente. De acordo com Claes (1986), pesquisas no campo concordam que o pensamento
adolescente passa por uma importante modificação e que esta evolução de habilidades cognitivas é
quantitativa, contínua e multidimencional. Piaget, por exemplo, está convencido de que esta
transformação da forma de inteligência é o fenômeno mais importante da natureza. Isto vem no tempo
certo como um precioso instrumento do ego, que é forçado a reorganizar seu sistema de defesa como
um todo para suportar a nova intensidade do percurso. O aparecimento da intelectualização como uma
defesa típica deste período da vida é bem documentado pelo clássico de Anna Freud, O Ego e os
Mecanismos de Defesa. Este estudo também testemunha uma importante mudança na função
intelectual. No momento que o corpo adolescente pode agora assegurar a sobrevivência das espécie
através do acasalamento, a função intelectual passa por transformações que permitem ao indivíduo
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organizar sua memória do passado e antever um futuro. Estes novos desenvolvimentos da função
intelectual certamente servem a função de contenção, já que permitem uma maior demora de reação e
favorece uma distância entre sensações imediatas e emoções de um indivíduo. A paixão agora torna-se
uma mistura precária e complexa das funções sexual e intelectual. A paixão emerge da interação entre
uma reorganização profunda do corpo sexual e da mente. O equilíbrio alcançado pelo corpo
adolescente necessitará de revisão constante durante a vida do indivíduo. Este seria um argumento
chave para a educação contínua.

Sexualidade e inteligência têm muito em comum

As funções sexual e intelectual têm muito em comum. Ambas enfrentam muitos estágios
definidos de desenvolvimento para atingir sua última e definitiva estrutura durante a adolescência.
Ambas funções são tão ricas e complexas que podem continuar a se desenvolver durante toda a vida.
São ferramentas preciosas de auto-expressão, que é o objetivo da terapia bioenergética. Ambas
funções são o alvo principal das estratégias de socialização de nossas instituições sociais. Se você
calcular o número de horas, meses e anos que você gastou aprendendo como pensar e como se
comportar como um ser sexual, aprendendo o que pensar e o que fazer e não fazer com sua
sexualidade, você verá que as sociedades descobriram desde há muito tempo atrás que estas duas
funções são extremamente poderosas, o suficiente para se dedicar anos para seu treinamento.

Assim como não condenamos a sexualidade, mesmo ao denunciarmos suas muitas neuróticas
manifestações, não devemos condenar a função intelectual com todas as suas falhas. O mesmo tipo de
análise pode se aplicar às duas funções. Existem formas de pensamento que exercem forte sedução do
tipo Don Juan, mas estão desconectadas do corpo. Assim como existe “sexo sofisticado”, como o Dr.
Lowen escreveu em Amor e Orgasmo, também existe “pensamento sofisticado”. Pensar de uma forma
pessoal que corresponda a uma expressão de experiência de vida do indivíduo, pensar do terreno do
indivíduo de uma forma que integre todas as dimensões, pensar em semelhante forma criativa pode ser
tão desejável quanto raro como um orgasmo. Esta é minha experiência pelo menos. Você pode praticar
os mecanismos de pensamento assim como você pode praticar seu desempenho sexual; mas o
pensamento criativo como uma forma de auto-expressão é alguma coisa que acontece, alguma coisa
que flui através de você, alguma coisa que emerge muito como um sentimento. Acredito que
poderíamos falar sobre render-se a seu pensamento assim como falamos de render-se a seu corpo. Mas
fundamentar nosso pensamento não é de nenhuma forma mais fácil do que fundamentar nossa
sexualidade.
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A função do pensar é extremamente importante para a função geral da contenção. É um


instrumento social de poder, e a tentação de usá-lo para propósitos de defesa foi bem documentado
pelo Dr. Lowen. Atinge seu estágio final na adolescência, na ocasião em que o organismo passa por
uma completa reorganização: crescimento dos ossos, desenvolvimento dos músculos, maturação dos
órgãos sexuais, fisiologia, sistema endocrinológico, composição sangüínea, atividade do córtex, etc.
Sobre este princípio, enxergo o corpo adolescente como um confronto com a idéia de exploração da
mistura de sexualidade e inteligência numa questão sem fim de equilíbrio que se expressa na vida
inspirando paixões.

Para aqueles de nós que experimentam paixão com a Bioenergética, o corpo adolescente com
seus primeiros encontros com a paixão, pode se tornar um modelo compensador. A paixão pode ser um
modo poderoso de conexão com uma outra pessoa, com outros seres humanos em geral. Pode estar em
oposição à fuga narcisística do herói do mito, Narciso. O narcisismo dos adolescentes é legendário e
aparece com a descoberta do amor e amizade. Quando o adolescente descobre que não tem grandes
habilidades intelectuais, esta nova capacidade de tomar distância de sentimentos e emoções certamente
pode se tornar uma fuga narcisística. A propósito, eu não implico aqui que os problemas narcisísticos
começam na adolescência. Mas esta forma do chamado pensamento objetivo corresponde a uma
importante e poderosa ferramenta em nosso mundo social. Como terapeutas, supervisores e
treinadores, encontramos desafios diários ao grau de baseamento que é manifestado em nosso
pensamento, bem como em nossa identidade sexual. Nestas situações, as lutas do corpo adolescente
está bem abaixo da superfície do corpo adulto. A delicadeza deste frágil equilíbrio entre fuga
narcisística e paixão que se conecta com o mundo exterior pode ser observada quando o supervisor ou
o treinador pede a um aluno para comentar o seu trabalho como terapeuta em situação de aprendizado.
Muito freqüentemente, a pessoa experimenta uma incapacidade de pensar. Podemos todos lembrar de
muitos exemplos similares, que mostram como a vulnerabilidade narcisística do corpo adolescente
pode ser reativada facilmente no adulto. Devemos lembrar que pressões sociais têm sido pelo menos
mais fortes na nossa maneira de viver nossa vida sexual. Como treinador ou professor, eu também vejo
isto com uma questão básica para mim e para meus colegas. O pensamento deve ser abordado
bioenergeticamente como um modo de auto-expressão poderoso. Na minha experiência, como já
mencionei, auto-expressão através do pensamento é tão desejável como um orgasmo.

Existem certas formas de pensamento que estimulam discussão teórica, outras que estimulam
exploração ativa e experimentação; algumas formas de pensamento são inspiradoras para pessoas que
estão aprendendo a prática da bioenergética, enquanto outras formas de pensamento inspiram cuidado
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e desencorajam o engajamento com o trabalho com o corpo. Já que nos engajamos no treinamento de
clínicos e não de professores universitários, poderíamos no beneficiar da atenção concentrada às
formas de pensamento que nós encorajamos. Creio que esta questão concerne a todos os profissionais
que participam de nossos programas de treinamento.

Conhecendo o corpo

Talvez a maior contribuição da bioenergética será esta exploração da crença de que conhecer a
si mesmo vem do estar em contato com os processos vitais do corpo. Isto é revolucionário em um
campo rotulado “psico”terapia. Utilizamos o processo de conhecimento no corpo inteiro, e não na
cabeça ou na mente, ou no córtex. Nisto, permanecemos fiéis ao significado do verbo conhecer,
conforme é utilizado na Bíblia. Conhecer alguém, no sentido bíblico, significa unir-se na intimidade
sexual com aquela pessoa. O processo de conhecer envolve a pele, a musculatura, através das ações e
movimentos; envolve a sexualidade da pessoa bem como as habilidades cognitivas dele/dela. Estamos
interessados em conhecer o corpo inteiro e com a quantidade exata de paixão, seguimos no
estabelecimento de conexões significativas com nossos pacientes. Se você deseja descobrir mais
fontes contemporâneas para esta aventura do que a Bíblia, você pode se divertir lendo o livro de título
Descarte’s Error: Emotion, Reason and the Human Brain por Antonio Damasio (1994) o qual é um
grande pesquisador no campo na neuro-psicologia. A leitura de seu livro tem trazido conforto e apoio à
minha crença de que o processo de conhecimento é um fenômeno de corpo inteiro.

Por ser o conhecimento um evento de corpo inteiro, é interessante lembrar que as estruturas da
função intelectual atinge um nível novo de complexidade no mesmo período da vida que o corpo
inteiro passa por uma completa metamorfose. O corpo adolescente então oferece um modelo que pode
dirigir nosso entendimento mais profundo da função da auto-expressão, uma função que é tão central
no processo de psicoterapia. Como um modelo, o corpo adolescente apresenta maior complexidade em
nosso paradigma mente-corpo, porém, eu prevejo muitas armadilhas neste modelo, pois as diferenças
individuais são separadas mais claramente na adolescência do que na infância e porque as mudanças da
adolescência mudam de cara no ritmo que nossas sociedades mudam de cara. Generalizações rápidas
têm poucas chances de sobreviver aqui. É verdade que minha paixão pelo corpo adolescente tem
inspirado minha vida profissional nos últimos dez anos e que esta paixão pode cegar-me para certos
aspectos da realidade. Algumas vezes eu sinto que a excitação é forte demais para a minha capacidade
de contenção. Então eu entro em contato com minha excitação sob o preço de perder a conexão com os
outros bem como comigo mesmo. Neste processo, a paixão permanece como um estágio emocional e
intelectual muito complexo e frágil. Tento tirar vantagem da sabedoria de Edgar Morin, um sociólogo
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e ensaísta francês, que observou que a História nos ensina que existe uma área que o ser humano não
pode aprender. A História mostra que todo sistema de crenças e conhecimento montado por seres
humanos tem vida curta e contém limitações que causarão sua decadência. Se pudéssemos aprender
com a História, diz Morin, tentaríamos identificar as limitações de nosso modelo, reconhecer onde
pode falhar no futuro próximo. Mas seres humanos continuam a construir modelos que parecem
perfeitos a seus olhos. A paixão de saber e garantir a si mesmo através de modelos e sistemas de
crenças nos cega ao fato histórico que sistemas são tão mortais quanto nós somos. Então minha paixão
pelo modelo de corpo adolescente é a paixão de um homem acima de 50 anos e não de um adolescente.
Eu assumo que esta paixão é a expressão de meu jeito pessoal de dar significado à minha vida atual.
Porque minha profissão ocupa tamanho espaço central em minha vida, que ela facilmente se mistura
com uma vida pessoal. Em meu projeto de longo prazo secreto, o corpo adolescente é apenas um passo
para um mais profundo entendimento de que cada período da vida adulta no convida ou nos força a
redefinir o sentido de nossa existência. Tenho certeza de que meu interesse pelo corpo adolescente
exerce tal função agora.

Parte do significado pode bem ser expressada em uma bela música de Jacques Brel. O título
desta música é La chanson des vieux amants (A Canção dos Velhos Amantes). Em um determinado
trecho, ela diz: “Finalement, finalement il nous fallut bien du talent pour être vieux sans être adulte”.

Denis Royer
Waterloo, 19 de abril de 1998

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