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POLITICAL PHILOSOPHY
Adam Smith, é verdade, deu mais atenção ao Liberalismo Econômico – a Economia de Livre Mercado.
Mas foi John Locke que fixou as bases do Liberalismo Político que, inquestionavelmente, inclui o
Liberalismo Econômico.
Há uma outra questão histórica importante e interessante. Enquanto Adam Smith publicava seu livro no
ano da Revolução Americana, fato que demonstra que sua obra não pode ter tido impacto na deflagração
da revolta das Colônias Americanas contra a Inglaterra, John Locke era muito bem conhecido dos que
fundaram a primeira República das Américas — que, na mente deles, americanos, ficou conhecida
simplesmente como America. Thomas Jefferson, o autor da Declaração da Independência das Colônias,
que oficialmente passaram a se denominar Estados Unidos da América, era um leitor atento de Locke – e
traços da influência de Locke estão presentes na própria Declaração de Independência.
Vejamos no que consiste o Liberalismo de Locke descrevendo algumas de suas teses mais importantes:
a) Locke defendia a tese de que o ser humano é naturalmente livre. Na ausência de governo, reina a
liberdade. O que caracteriza, portanto, o chamado “estado da natureza” é a liberdade – não (como
pretendia Hobbes) a guerra de todos contra todos.
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30/05/2019 John Locke, o pai do Liberalismo – Libertarian Space
A tese da “liberdade natural” do ser humano se sustenta no argumento de que a liberdade não é um
bem outorgado por um governo, por uma autoridade civil, mas é inerente à própria natureza humana –
e, portanto, inseparável da condição humana. O homem é naturalmente livre – não naturalmente
escravo, nem, muito menos, dividido em duas classes, a dos livres e a dos escravos. É isso que se quer
dizer quando se afirma que o ser humano nasce livre – ou que foi criado livre por Deus.
É bom que se esclareça aqui que o “estado da natureza” não é, para Locke, necessariamente um estado
histórico, que tenha de fato existido e que possa ser localizado e datado. É um estado imaginado em
contraposição ao estado em que existe governo e, portanto, uma sociedade civil. Na realidade, o estado
da natureza nada mais é do que uma imaginada sociedade anárquica, sem governo.
Na verdade, esses três direitos, no fundo, são um só: o direito à vida. O direito à vida é o reconhecimento
de que cada um é proprietário único e inquestionável de seu próprio corpo e espírito (mente) – isto é, de
si mesmo. A propriedade básica que o ser humano possui é a de si mesmo. É isso que significa o direito à
vida.
O direito à liberdade é uma explicitação desse direito à vida – é o esclarecimento de que o indivíduo tem
direito não só à sua integridade física mas à sua liberdade, que inclui o direito de se expressar como
queira, de se associar com quem queira, de ir e vir como queira, de buscar a realização pessoal (a
felicidade) como queira.
O direito à propriedade é também uma explicitação desse direito à vida: como é que posso ter direito à
minha vida, e direito à liberdade, se não tenho direito à propriedade daquilo que é fruto de meu
trabalho – daquilo que (no contexto do século XVII), não sendo de ninguém, é “apropriado” por mim na
justa medida em que eu misturo o meu trabalho com algum elemento natural (em especial a terra). Aqui
está a gênese da famosa teoria lockeana que vincula a propriedade ao trabalho exigido para transformar
a natureza.
É preciso que se esclareça aqui, especialmente contra análises marxistas, que o fundamental, em Locke, é
a liberdade, que é fundamentada na propriedade que todo indivíduo tem da própria vida. A
propriedade dos frutos do trabalho é meio necessário indispensável de preservar a liberdade,
sustentando a vida.
Locke não escreveu seus Dois Tratados exclusiva ou primariamente para defender a propriedade
privada: escreveu-os para defender a liberdade – mas a defesa desta implica a defesa daquela.
c) Locke reconhecia, porém, que, na ausência de governo, ou seja, no “estado da natureza”, a liberdade
de alguns – exatamente os mais fracos, os menos poderosos — não fica protegida. Defende, portanto, a
existência do governo, desde que este tenha, como finalidade precípua, a garantia da liberdade de todos
– ou seja, a defesa dos direitos naturais básicos que todo indivíduo possui.
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Locke, embora fale em pacto ou contrato social, não imagina que esse pacto ou contrato seja um evento
histórico que tenha acontecido num determinado lugar e momento. O pacto ou contrato social é tácito.
Sua existência é tacitamente reconhecida quando se reconhece mais um direito — este um direito civil do
cidadão, não um direito natural do homem: o direito à rebelião, ou seja, à destituição de um governo que
está abusando dos poderes que lhe foram outorgados, indo além da garantia e da defesa dos direitos
naturais individuais.
Locke, ao defender a tese de que o estado da natureza, embora seja um estado onde reina a liberdade, é
uma condição em que a liberdade de todos não é garantida e protegida, está, na verdade, defendendo a
tese da inviabilidade da opção anarquista.
d) A teoria política liberal proposta por Locke tem, portanto, um primeiro contraponto: o anarquismo,
representado pela alternativa, sempre possível, de uma sociedade sem governo (o chamado estado da
natureza). Contra essa alternativa, Locke defende a tese da necessidade de uma sociedade civil, ou seja,
de uma sociedade com governo – ou, em outras palavras, de uma sociedade política.
Mas a teoria política liberal de Locke tem outro contraponto – talvez até mais importante. Há um outro
perigo para a liberdade além do estado livre mas anárquico da natureza – tão grande quanto este ou,
talvez, ainda maior. Esse é perigo representado pela possibilidade, contra a qual o cidadão deve estar
sempre vigilante, de que o governo criado para garantir, defender e proteger a liberdade e os direitos
individuais, extrapole essas funções assumindo outros poderes que acabam por representar um risco
maior para a liberdade e os direitos individuais do que o anarquismo do estado da natureza (em que
alguma liberdade sempre existe – pelo menos para alguns, os capazes de defendê-la na inexistência de
governo).
Essa terrível ameaça de que a própria instituição criada para garantir, defender e assim proteger a
liberdade possa ser tornar inimiga da liberdade se expressa, para Locke, em duas vertentes (claramente
relacionadas entre si).
De um lado, está a vertente do poder absoluto, e, portanto, ilimitado do governo. A luta de Locke contra
o absolutismo do poder estatal é bem conhecida e dispensa maior explicitação. Basta dizer que tão
conhecida quanto seus Dois Tratados é sua Carta sobre a Tolerância, em que defende a liberdade
religiosa contra a pretensão do estado de determinar a religião que os cidadãos podem e devem praticar.
Na realidade, a tese é claramente defensável de que o Liberalismo de Locke tem raízes mais profundas
na defesa da liberdade religiosa, que implica a liberdade de consciência, ou seja, do pensamento e de sua
expressão, do que na defesa da propriedade privada – embora, como vimos, para ele as duas estejam
intrinsecamente associadas.
No estado absolutista, o indivíduo não é cidadão: é súdito. Nele o indivíduo perde sua liberdade por
inteiro. Só o detentor do poder estatal é livre e soberano. O indivíduo, para todos os fins, é súdito, o que
equivale a escravo. Ele não tem direitos: tem apenas deveres. Na verdade, tem apenas um dever:
obedecer às determinações do detentor do poder estatal.
Mas qual é a outra vertente que, no entender de Locke, faz com que o governo venha a representar uma
ameaça para a liberdade? É a tese do estado “patriarcal”. Na verdade, o primeiro dos dois Tratados (em
geral menos prestigiado que o segundo) é todo ele um ataque à teoria patriarcal do estado defendida
por, entre outros, Robert Filmer.
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Embora alguns autores, como Nathan Tarcov (Locke´s Education for Liberty) afirmem que a tese de
Filmer pareça hoje “irrelevante e absurda” (p.9), ela, a meu ver, está longe de ser irrelevante e absurda
hoje. Vou mostrar por quê.
A tese de Filmer se chama de “patriarcalismo” por uma razão simples e facilmente inteligível. Segundo
ele, há uma clara analogia entre o poder do estado sobre seus súditos e o poder do pai sobre seus filhos –
daí o rótulo de patriarcalismo.
“Se compararmos os deveres naturais de um Pai com aqueles de um Rei, veremos que esses deveres são
idênticos, não tendo nenhuma diferença – a não ser em sua abrangência, na extensão que cobrem. Como
um Pai para com sua família, o Rei, como pai de muitas famílias, tem o dever de preservar, alimentar,
vestir, instruir e defender toda a comunidade do reino. . . . Assim, os deveres de um Rei se resumem no
cuidado paterno e universal do seu povo” (apud Tarcov, op.cit., p. 11 – ênfase acrescentada).
Ora, essa tese só é “irrelevante e absurda” por usar uma analogia – e, portanto, uma terminologia – que
caiu em desuso: a comparação dos poderes do governante com os poderes do pai de família. Mas, em
sua essência, o que é a tese de que o governo “tem o dever de preservar, alimentar, vestir, instruir e
defender” todos os cidadãos senão aquilo que é expresso pelos defensores da doutrina do “estado
previdenciário” ou do “estado do bem-estar social”, que tem como dever prover o cidadão com saúde,
educação, seguridade social, e, quando não, com alimento, vestimenta, moradia, transporte e sabe-se lá
mais o que (a lista dos chamados “direitos sociais” cresce a cada dia). Embora o termo não seja usado
com freqüência, a doutrina do estado previdenciário ou do estado do bem-estar social é profunda e
inerentemente patriarcalista: considera os cidadãos como crianças incapazes que não têm condições de
prover para si próprias aquilo que é indispensável para a vida.
Assim, longe de ser “irrelevante e absurda”, a tese do patriarcalismo, que Locke sagazmente combateu,
está presente, com outras roupagens, hoje em dia – e mais do que presente: está extremamente bem
difundida. Na realidade, apesar de os esquerdizantes dizerem que o Liberalismo é hoje o pensamento
hegemônico (chamado de “pensamento único”), a realidade mostra que é a tese patriarcalista do estado
previdenciário ou do bem-estar social que está muito mais próxima de ser hegemônica hoje do que a tese
liberal lockeana.
Disse atrás que as duas vertentes combatidas por Locke como ameaças à liberdade – na realidade, mais
do que ameaças: incompatíveis com a liberdade –, a do poder estatal absoluto e a do poder estatal
paternalista, estão claramente relacionadas entre si, embora Locke não tivesse como ver isso com clareza.
A tese do poder paternalista do estado gera, como vimos, reivindicações crescentes de “direitos sociais”
adicionais que, se atendidos, fatalmente levam o estado a assumir poderes absolutos sobre os cidadãos,
transformando-os em súditos, totalmente dependentes do estado para tudo. Friedrich von Hayek viu
isso com clareza no século XX, registrando sua tese no também clássico O Caminho da Servidão (1944): o
Socialismo pode até começar com boas intenções, mas, independentemente das intenções, seu resultado
inevitável é o totalitarismo estatal, com a inevitável perda da liberdade dos cidadãos, transformados em
súditos dependentes do estado para tudo.
Para terminar este artigo já longo, devo concluir que Locke não só foi o pai do Liberalismo dito Clássico
mas seu pensamento, até hoje, é extremamente relevante – porque as teses que combateu ainda fazem
parte do ideário do século XXI, mais de 300 anos depois de ele ter escrito sua obra prima em defesa do
Liberalismo.
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30/05/2019 John Locke, o pai do Liberalismo – Libertarian Space
Em Campinas, 20 de agosto de 2005 (data do 38º aniversário de minha primeira chegada aos Estados
Unidos)
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