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artigos e ensaios Participação em ações de preservação:

o caso do Corredor Cultural do Rio de


Janeiro

Thalita Pereira da Fonseca


Arquiteta, mestre em arquitetura pelo Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(PROARQ/FAU/UFRJ), Rua Paraná, 713/402, Rio de Janeiro, RJ, CEP
20745-250, (21) 2269-0677, tpfonseca@globo.com

Resumo

O aspecto social apresenta-se como um problema em meio às intervenções em


áreas históricas, onde as ações se voltaram a interesses econômicos resultando
na saída dos usuários de seus locais de origem. Neste contexto, questionou-se
a possibilidade de participação desses usuários nos processos de intervenção
em áreas históricas através do estudo da experiência do Corredor Cultural
do Rio de Janeiro. Como resultado, tem-se que a inclusão da população nos
momentos de decisão através de modalidades de participação autêntica são
experiências mais exitosas, nas quais os danos sociais, quando não impedidos,
podem ao menos ser minimizados

Palavras-chave: centros históricos, intervenção em áreas históricas,


participação.

A demais de se tratarem de regiões que podem


concentrar de uma só vez uma multiplicidade de
Em virtude de sucessivos processos de esvaziamento,
destruição ou estagnação que as áreas centrais
funções - habitacional, institucional, administrativa, históricas das grandes cidades sofreram, ações de
jurídica, financeira, comercial, de serviços, atividades revitalização foram empreendidas para resgatar ou
de cultura, lazer e turismo -, e que reúnem, em trazer melhorias a estes locais. Desde a segunda
geral, os principais monumentos e edificações metade do século XX, as intervenções nas áreas
arquitetonicamente relevantes, históricas ou não, históricas passaram a considerar o aspecto social
das cidades, e cuja acessibilidade e oferta de meios das mesmas, defendendo uma reconquista social
de transporte é farta, as áreas centrais históricas das do patrimônio urbano por seus usuários.
cidades constituem-se patrimônio urbano também,
e sobretudo, pelas práticas e usos que se fazem Entretanto, a inclusão dos aspectos culturais nas
delas e nelas. discussões a respeito das intervenções nos centros
históricos das cidades foi se alterando, e hoje, neste
A ampliação sofrida pelo entendimento acerca incipiente século XXI, acontece o que convenciona-se
do patrimônio urbano levou-o a ser considerado por cidade do espetáculo. Se no patrimônio urbano as
segundo um nível territorial, passando a incluir a discussões giram em torno de sua dimensão imaterial
preservação das práticas e atividades espontâneas, ou intangível, no que diz respeito à espetacularização
também identificadas como as especificidades locais das cidades, esta dimensão do patrimônio
que constituem a identidade e a noção de cultura foi incorporada como mercadoria e vendida a
de uma sociedade, convencionadas patrimônio imagem das cidades a potenciais consumidores,
imaterial. no marketing urbano das cidades invisíveis. É um

10 2[2009 revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo programa de pós-graduação do departamento de arquitetura e urbanismo eesc-usp
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momento de empreendedorismo urbano, em que envolveram, a participação real e o diálogo em seus


gestores e financiadores multinacionais assumiram processos de intervenção, pode observar-se que a
a responsabilidade por pensar as cidades, antes utilização de decisões participativas não garante
ocupação de arquitetos, urbanistas e sociólogos. a permanência definitiva dos usuários nas áreas
históricas que recebem as intervenções. Entretanto,
Assim, com o objetivo de inserir as cidades no nas experiências em que esses usuários foram
competitivo mercado internacional, lançam mão inseridos através de uma participação autêntica, ou
do patrimônio cultural destas, a fim de explorá-los até mesmo nos níveis de uma pseudoparticipação
como locais de consumo para uma classe social como visto no estudo de caso do Corredor Cultural
mais abastada, inserindo usos elitizados no lugar de do Rio de Janeiro – que se segue – os resultados
atividades populares ou mesmo, no caso de áreas mostraram-se melhor adequados à realidade e
residenciais, substituindo a população residente às necessidades dos locais onde tiveram lugar,
por outra economicamente capaz de consumir diminuindo o êxodo imediato dos usuários, que
habitações e demais atividades de alto padrão. somente anos depois, de forma pontual e em virtude
Apropriam-se, ainda, do vocabulário antropológico da valorização e aumento do preço dos imóveis
para fazerem parecer inclusivos e aceitáveis os que as melhorias trouxeram aos locais, acabaram
projetos de intervenção. se deslocando a outras localidades.

Como conseqüência, observa-se espaços gentrificados, O centro do Rio de Janeiro no final


vazios de sua população local e daqueles que do século XX
conferiam a esses espaços as características que o
levaram à condição de patrimônio, ou que exerciam A área central da cidade do Rio de Janeiro corresponde
sobre eles controle e os mantinha vivos, mesmo que ao trecho que engloba a Área Central de Negócios
em condições questionáveis. Essa população que (ACN), que concentra funções de centro comercial,
1  O diálogo na preservação se
ao longo de tantos anos é submetida à convivência administrativo, bancário-financeiro, artístico-cultural
faz, portanto, indispensável,
uma vez que inseridos num com as áreas históricas, que com elas – e nelas – e de informações, e o seu entorno imediato, onde se
contexto de cidades-espetá- estabelece relações de pertencimento, identidade e encontram áreas de pequeno comércio e residenciais.
culo, em que não há pudores
de destruição em função de laços de vizinhança, e a quem deveriam se destinar, Esse recorte da área central corresponde ao bairro
uma exploração indevida, má portanto, esses espaços qualificados e dotados de Centro, que contém a área de negócios e as áreas da
utilizações ou comercializa-
ção do patrimônio urbano nova vitalidade e novas condições de urbanidade, Lapa, Bairro de Fátima e Cruz Vermelha, formando
em todas as suas dimensões, acabam sendo vistos como não ‘merecedores’ dos um anel periférico único.
urge rever e redefinir os
destinatários destas áreas centros históricos revitalizados.
históricas requalificadas, de
Augusto Ivan Pinheiro1 (1986) aponta as principais
forma a produzir espaços
menos fragmentados e gerar Esse processo de exclusão das camadas mais características do núcleo central da cidade no final
cidadãos mais conscientes de populares em detrimento da alocação de outras do século XX, destacando três grupos principais:
sua identidade e responsabi-
lidade sobre a preservação com maior poder aquisitivo, que muitas das vezes o da área de negócios composto por edificações
das áreas históricas de suas não tem qualquer relação com o local, foi o que contemporâneas situadas ao longo das largas
cidades.
gerou a seguinte questão: afinal, é possível haver avenidas dos novos espaços; o das áreas contíguas
2 Esse período intervencio- participação em ações de preservação? a esse primeiro, caracterizadas pelo casario eclético
nista tem início com as refor-
mas urbanas empreendidas com comércio diversificado ao longo das ruas
a partir dos anos de 1900 A espetacularização das áreas históricas é inversamente estreitas que resistiram às intervenções do último
com a abertura da Avenida
Central – atual Rio Branco – e
proporcional aos níveis de participação utilizados, e a século; e por fim, o das áreas dos largos e praças
Avenida Mem de Sá, seguidas participação constitui-se a saída para, se não impedir, comprometidos com o tráfego de veículos que as
pelo desmonte do Morro do
Castelo na década de 1920,
ao menos minimizar o custo social das intervenções ocuparam com suas pistas e estacionamentos.
a abertura da Avenida Presi- de preservação. Em primeiro lugar, é preciso atentar
dente Vargas, em 1940, de-
molindo mais de 500 edifica-
para o que, de fato, é participação, em que patamares Nas áreas onde se encontravam os casarios dispostos
ções no eixo da Igreja de N. S. ela se estrutura e em que níveis se dá o engajamento ao longo de ruas estreitas, o retrato da paisagem
da Candelária, e seguindo-se
à fase rodoviarista que, além
e mobilização dos atores envolvidos. urbana e arquitetônica após quase um século
da abertura de largas e novas de atividades intervencionistas intensas2 era de
vias de tráfego, junto a estas
estimulou a verticalização e o
A partir da análise de exemplos internacionais e pequenas edificações sem interesse aparente à vida
adensamento da cidade. nacionais que envolveram, e também que não da cidade, que caminhavam para a demolição e

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ao desaparecimento. O conjunto arquitetônico da é a legislação. No Brasil, a política pública adotada


área central histórica do Rio de Janeiro havia sido pelo então SPHAN6 privilegiava a preservação de
muito transformado e encontrava-se razoavelmente monumentos arquitetônicos históricos isolados.
fragmentado (PINHEIRO, 2002b). Ainda era muito incipiente a preservação dos
conjuntos urbanos.
A partir da segunda metade do século XX, o
centro da cidade começa a sofrer um processo de Na esfera municipal, a legislação não era muita
esvaziamento muito intenso, que Maria Helena restritiva, liberando as construções em todos os
3 Maria Helena McLaren é McLaren3 (informação verbal4) atribuiu a dois fatores lugares e com qualquer gabarito. Entretanto,
arquiteta e urbanista, e ocupa
o cargo de diretora do Escri-
principais. Em primeiro lugar, à própria legislação enquanto o gabarito das edificações era liberado,
tório Técnico do Corredor municipal que proibiu a construção de novas os Planos de Alinhamento (PAs) eram exagerados,
Cultural do Rio de Janeiro.
habitações no Centro, para estimular a ocupação e o alargando de tal maneira as ruas, que a área que
4 Entrevista concedida à auto- crescimento da cidade em direção aos novos bairros. sobrava nos novos lotes não era edificável. Era mais
ra por Maria Helena McLaren
Em segundo lugar, a transferência da capital do Rio vantajoso, portanto, manter a realizar os novos
em 05 de janeiro de 2007, no
Escritório Técnico do Corre- de Janeiro para Brasília, que reduz a permanência alinhamentos indicados pela Secretaria de Obras.
dor Cultural.
de pessoas, das funções institucionais, de novos
5  Foi o caso de Augusto Ivan, investimentos e ainda de significado. Além disso, existiam diversos projetos viários
que foi para a Holanda em existentes para estas áreas, que previam a demolição
1974 estudar no Bouwcen-
trum International Education, Esse esvaziamento acontecia pelo mundo todo, por de muitos quarteirões para abertura de grandes
hoje Institute for Housing razões que não propriamente as nossas. As grandes novas vias de ligação, ainda influenciadas pelo
Studies, uma instituição vol-
tada para habitação de baixa cidades européias e norte-americanas discutiam discurso rodoviarista7. A iminência desses projetos
renda para o Terceiro Mundo. esse esvaziamento dos centros e, de uma maneira saírem do papel dificultou muito a venda dos
Segundo o próprio Augusto
Ivan Pinheiro (2002b), ele vol- geral, o mundo começou a se preocupar em trazer imóveis nestas áreas, por estarem ameaçados de
ta da Europa mais interessado as pessoas de volta aos centros das cidades. No Rio desapropriação.
na questão da preservação e
conhecedor de uma nova ma- de Janeiro, essa percepção começou a ser sentida
neira de lidar com a cidade. na segunda metade da década de 1970, quando Apesar disso, estas edificações tinham um valor
6  SPHAN: Serviço do Patri- os técnicos da Prefeitura começaram a se debruçar simbólico e afetivo para seus usuários, que começaram
mônio Histórico e Artístico “sobre experiências internacionais de tratamento a se organizar para tentarem garantir sua permanência
Nacional, atual Instituto do
Patrimônio Histórico e Artís- em centros urbanos de outras cidades”5 (McLAREN, no local, ameaçados que estavam de remanejamento
tico Nacional (IPHAN). informação verbal). e desapropriação. O medo era que esta área também
7  O período do “rodovia- sofresse o processo de renovação e verticalização
rismo” marcou os grandes Ao contrário do que se fazia nas cidades brasileiras, que outras áreas da cidade, e do Centro, já vinham
movimentos urbanísticos a
partir de 1950, que apoiado
alguns centros históricos da Europa recebiam certo sofrendo (McLAREN, informação verbal). Se fossem
no crescimento da indústria tipo de conservação sem que houvesse demolições, construídos na região edifícios de alto padrão e de
automobilística foi utiliza-
do como justificativa para
construções de viadutos ou passarelas, e alargamentos grande gabarito, como os da Avenida Rio Branco,
a descuidada demolição de de ruas. “Minha passagem pela Europa reforçou a no térreo dessas edificações não mais poderiam
áreas bastante extensas do
tecido urbano já consolidado
idéia de que era possível fazer intervenções de se instalar os pequenos comércios que existiam
não somente aqui no Brasil. preservação. O Rio não era, do ponto de vista nas áreas remanescentes, com atividades como
Na tentativa de solucionar o
crescente problema do trá-
arquitetônico, uma cidade antiga, mas tinha lugares sapateiros ou venda de materiais de construção, mas
fego na cidade, assiste-se à interessantes, que mereciam ser preservados”, sim atividades como restaurantes mais sofisticados,
construção de viadutos, à
abertura de novos túneis e
afirma Pinheiro (2002b:204) que, em 1978, ao com outros custos e produtos diferenciados. Esses
ao alargamento de vias, rom- entrar em contato com a discussão em torno da pequenos comerciantes seriam, portanto, expulsos
pendo definitivamente com
o equilíbrio espacial da área
problemática dos centros urbanos, na Holanda, da região.
central do Rio de Janeiro. observou que o caso do Rio de Janeiro se encaixava
bem na discussão. O receio da desapropriação fez com que os
comerciantes e usuários em geral dessas áreas se
Alguns fatores contribuíram à manutenção de organizassem em associações e sociedades civis, a
segmentos do conjunto histórico na região central fim de militar contra essa iminente expulsão. Esse
do Rio de Janeiro. Dentre estes, o primeiro aspecto momento coincide com a redemocratização que o
que Pinheiro (2002b) aponta como responsável pela país vivia em meados dos anos 1980, experimentando
resistência das morfologias históricas remanescentes um processo de abertura política em que o sentimento

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dominante era o desejo de se expressar, de participar, dividida por Pinheiro (2004) em quatro fases principais
de dar opinião. Os movimentos sociais ganhavam que seriam: (i) a implantação, que compreendeu os
novo vigor. Era um momento em que se viam várias estudos iniciais, delimitação da área e criação do
tentativas de interferência na atividade pública por quadro legal e institucional; (ii) a consolidação,
parte das diversas organizações que surgiam, bem que foi a fase da aproximação maior com a área
como das associações de moradores e comerciantes e da concretização dos esforços configurados na
que queriam participar dos destinos desses espaços primeira fase; (iii) a estruturação, que consistiu na
antigos da cidade. Nesse contexto tomaram forma inclusão dos espaços públicos e outras melhorias;
8 SAARA: Sociedade dos Ami- associações como a SAARA e a SARCA8, que apesar e por fim, (iv) a integração, que analisa a inclusão
gos da Rua da Alfândega e
Adjacências; a SARCA era a
de seu apelo ser muito mais comercial e econômico de outros atores e de novos processos gerados a
organização semelhante para do que propriamente arquitetônico ou cultural, eram partir da experiência do Corredor.
a Rua da Carioca.
organizações que tinham no seu bojo um apelo à
preservação daquelas áreas. Fase de implantação

Assim, inserindo-se no momento político propício, o A fase de implantação situa-se entre 1979 e 1984, e
projeto do Corredor Cultural veio ao encontro dos caracteriza-se basicamente pelos estudos e pesquisas
anseios dos usuários locais de preservação do espaço realizados, que foram utilizados para definição das
ameaçado por demolições ou renovações. áreas a serem preservadas, e, ainda, pela criação
dos instrumentos legais de preservação no nível
O projeto do Corredor Cultural do municipal, baseados na legislação vigente de uso
Rio de Janeiro e ocupação do solo.

Trajetória do Corredor Cultural O critério para escolha dessas e não de outras áreas
foi a existência de conjuntos homogêneos, que
O Corredor Cultural foi assim batizado por Armando tivessem mantido sua tipologia estilística e usos do
Mendes, então superintendente de Planejamento e solo tradicionais, que apresentassem uma “linguagem
um dos responsáveis pela concretização do projeto. urbana e arquitetônica e que mantivessem o maior
A explicação para o nome era a de que “se existe a grau possível de organicidade e continuidade”
figura do corredor de tráfego, por que não poderia (McLAREN, informação verbal).
existir um corredor cultural?” (PINHEIRO, 2002b),
e o nome se consagrou. Ao longo da Avenida Rio Branco e da Avenida
Presidente Vargas observa-se um renque de prédios
Apesar de destinar-se à preservação de algumas altos, mas adjacentes a essas áreas, a realidade
áreas dentro do centro da cidade, o projeto do morfológica é outra. A verticalização não se seguiu
Corredor começou muito mais como um projeto de nessas áreas que são muito extensas, homogêneas e
planejamento urbano do que de patrimônio histórico, que mantiveram uma escala diferenciada em relação
e sua origem está no interior de uma Secretaria de aos outros pontos do Centro.
Planejamento (PINHEIRO, 2002a).
Dentro dessa zona histórica da cidade foram
O projeto enfrentou oposições dentro da própria destacadas, portanto, três áreas principais que,
máquina administrativa, como na Secretaria de Obras observadas dentro do contexto urbano, destacam-se
onde um grupo de técnicos defendia a demolição por apresentarem as características que o Corredor
dos prédios antigos para alargamento das vias e buscava.
construção de viadutos, e na própria Secretaria de
Planejamento, que desenvolvia plano que previa a A primeira dessas áreas, demarcada em vermelho
construção de novos arranha-céus impossibilitando na figura 1, é o espaço da Praça XV de Novembro e
a preservação pretendida pelos técnicos da equipe suas imediações que conserva até hoje os elementos
do Corredor Cultural. representativos da vida colonial, tanto em sua malha
urbana de ruas estreitas, vielas e becos, quanto em
A trajetória do Corredor, desde a origem, seu conjunto arquitetônico de sobrados, palacetes
desenvolvimento e até os resultados parciais, foi e igrejas.

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9 Alguns projetos de revita- A segunda área, dividida em duas partes, corresponde qualquer um dos imóveis separadamente – embora
lização da área específica
da Lapa antecederam os es-
– em azul - às áreas do Largo de São Francisco e ela existisse -, e sim ao conjunto” (PINHEIRO,
forços empreendidos pelo imediações, incluindo a Praça Tiradentes, e – em 2002b:147).
Corredor Cultural, como o
Projeto Quadra da Cultura e
verde – à região da SAARA, e é caracterizada por
o Projeto Distrito Cultural da um traçado mais regular e planejado e por uma Outro ponto que caracteriza essa primeira fase de
Lapa, incentivando ações da
arquitetura identificada com os estilos neoclássico implantação é a criação da legislação do Corredor
iniciativa privada e de grupos
sociais populares que, por sua e eclético, representativos da expansão da cidade Cultural que se baseou na legislação urbanística
vez, cobraram do poder pú-
no período imperial. da Prefeitura do Rio então vigente, constituída
blico a realização de obras de
reurbanização. Como resulta- por dois instrumentos principais: zoneamento e
dos dessas iniciativas, obser-
Por fim, a terceira área, identificada na Figura parcelamento. Como instrumentos complementares
va-se - além da manutenção
de atividades já tradicionais pela zona em amarelo, é a que guarda a maior existiam ainda o Projeto de Alinhamento (PA) e o
no local, como moradia, co-
diversidade de edificações, representativas dos Projeto de Loteamento (PAL) (PINHEIRO, 1986).
mércio e indústria - o ingresso
de outras atividades diversas principais períodos históricos, desde a colônia até
... continua próxima página
o século XX; e compreende a área desde o Largo A tramitação da lei durou de 1979 até 1984 e foi
da Carioca até a Lapa9. aprovada por unanimidade em 17 de janeiro de 1984.
Figura 1: Três áreas princi-
A Lei nº 506, de Preservação Paisagística e Ambiental
pais do Corredor Cultural do
Rio de Janeiro. Fonte: Marca- A partir dessa seleção inicial foi decidido o que deveria do Centro da Cidade do Rio de Janeiro, conhecida
ção da autora sobre base da
ser protegido dentro dos territórios selecionados. como a Lei do Corredor Cultural, posteriormente
Prefeitura do Rio de Janeiro
disponível em CD-ROM. “Não era o objetivo atribuir qualidade especial à revista e ampliada pela Lei nº 1139 de 16 de dezembro

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... continuação da nota 9... de 1987, foi a primeira legislação municipal do país pioneira criou-se a lei nº 691 de incentivos fiscais para
e a renovação das então já
existentes, tais como bares com enfoque na preservação de centros urbanos os imóveis preservados no Rio de Janeiro aprovada
e restaurantes, lojas, grupos (PINHEIRO, 2002a; 2002b). em dezembro de 1984, regulamentada pelo decreto
de teatro e dança, clubes
recreativos e antiquários que nº 6403 de 29 de dezembro de 1986. O incentivo
acumulam a dupla jornada, A nova legislação privilegiou as fachadas e os telhados constituía-se de isenção do Imposto Predial e
funcionando também como
bares no período da noite. das edificações, que deveriam manter seus elementos Territorial Urbano (IPTU) para os imóveis que fizessem
O mosaico feito pelo artis- construtivos originais, enquanto que os interiores obras de restauração e assim permanecessem a
ta chileno Jorge Selarón na
escadaria da rua Joaquim não receberam normas tão rígidas, ficando seu contento. Esses imóveis ficavam livres do pagamento
Silva, é apontado por Vaz e reaproveitamento a ser feito de acordo com as novas das taxas de obra cobradas pela Prefeitura referentes
Silveira (in: VARGAS; CAS-
TILHO, 2006) também como instalações, desde que se mantivessem os vãos de ao licenciamento de construções e reformas, bem
resultado dos esforços que iluminação internos e as relações orgânicas com as como as empresas que realizavam os trabalhos de
estimularam as manifesta-
ções culturais locais. fachadas evitando edificações e ruas artificiais com conservação ficavam isentas do recolhimento do
aspecto cenográfico. Estabeleceram-se parâmetros Imposto Sobre Serviços (ISS).
10 Entre as publicações estão
o Guia Histórico do Centro
para o gabarito das novas edificações de maneira
do Rio de Janeiro; o Manual a se tentar a compatibilização com as escalas Fase de estruturação
de Como Preservar, Recupe-
rar e Construir seu Imóvel
existentes.
no Corredor Cultural; o ma- Dá-se início em 1989 o terceiro momento, que
nual contra incêndio Como
A lei obrigou, ainda, a manutenção de usos culturais e chamado de Fase da Estruturação. Foi durante esta
Proteger o seu (e o nosso)
Patrimônio; o livro A Cor no de lazer, proibiu a construção de edificações para uso fase que os esforços para recuperar o patrimônio
Corredor Cultural; as cole-
exclusivo ou predominante de pavimentos-garagem, arquitetônico inserido no perímetro do Corredor
ções de cartões postais Olho
na Rua, Olho na Paisagem, e isentou da obrigatoriedade a construção de vagas Cultural passaram a abranger e atuar efetivamente
Olho na Arquitetura e Olho
para veículos nos prédios preservados. A colocação nos espaços públicos, como praças, largos, ruas e
na Cor; entre outros; entre
os eventos culturais, Música de placas com anúncios e letreiros também foram realizando melhorias na infra-estrutura de calçadas,
nas Igrejas, Música na Praça e
contemplados e para eles foram definidas normas equipamentos urbanos, iluminação e arborização.
Teatro no Corredor Cultural,
onde as trupes se apresenta- que estabeleciam suas dimensões e sua localização
vam nas ruas.
na fachada. De acordo com Pinheiro (2004), os espaços que
receberam as intervenções foram selecionados
Fase de consolidação seguindo dois critérios básicos, os de maior custo-
benefício e os de maior valor simbólico, visando a
Concluído esse momento de contato inicial com pronta intervenção nessas áreas para que pudessem
o objeto inicia-se a Fase da Consolidação, entre atrair investidores, novas atividades econômicas e
1984 e 1989. Esta etapa segue-se à aprovação da turísticas.
legislação de proteção em 1984 e constitui-se em
um período de ampliação do conhecimento das Na região da Praça XV, já haviam sido realizados
edificações, cadastramento do conjunto edificado esforços iniciais pelos equipamentos culturais e museus
e conscientização dos usuários sobre a importância instalados no local, e que foram complementados
do bem com fins de conservação. pelo Corredor Cultural, como por exemplo a
pavimentação facilitando a ligação para pedestres
Neste aspecto, destaca-se o papel desempenhado da Praça com a estação das barcas, a construção
pelo Escritório Técnico do Corredor Cultural, de um mergulhão viário - túnel subterrâneo -, a
criado em 1987, a fim de orientar os usuários e remoção de terminais de ônibus e estacionamentos
acompanhar as obras de recuperação, que diminuiu e a derrubada de uma passarela de concreto que
a distância entre a comunidade e o governo. A idéia desembocava junto à edificação do Paço Imperial.
da conscientização e democratização da informação
resultou em publicações diversas e foram promovidos Na seqüência, foi a região do Largo da Carioca
também eventos culturais chamando a atenção para que recebeu as intervenções, desde a Avenida
a questão do patrimônio10. Rio Branco, Cinelândia e Largo da Lapa, que foi
reurbanizado, até a Praça Tiradentes, Largo de São
A partir da legislação básica surgiram outros estudos Francisco e Uruguaiana, que receberam melhorias
e percebeu-se que era necessário criar um incentivo urbanas, como remoção de terminais de ônibus
financeiro à conservação destes imóveis. De maneira e estacionamentos, arborização, iluminação e

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Participação em ações de preservação: o caso do Corredor Cultural do Rio de Janeiro

melhorias nas calçadas, entre outras. Foram ainda Os atores do projeto do Corredor
realizadas intervenções pontuais como iluminação Cultural
artística de alguns monumentos históricos ao longo
do Corredor Cultural, e instalação de esculturas Quando da idealização do projeto do Corredor
contemporâneas nos locais onde se realizariam Cultural, durante a gestão do Prefeito Israel Klabin
eventos. Para coordenar todas essas ações, foi (1979-1980), foi criada a Câmara Técnica do Corredor
criada em 1993 a Subprefeitura do Centro, que Cultural, constituída por intelectuais, escritores e
11 Entre outros, Rachel Jar- tinha a função de descentralizar o poder municipal artistas11, cuja atividade se somava à dos técnicos
dim, Nélida Piñon, Rubem arquitetos e urbanistas da Prefeitura, que possuíam
na região e potencializar sua atuação.
Fonseca, Sérgio Cabral, Ítalo
Campofiorito, Aloísio Maga- uma visão técnica, “mais pragmática, arquitetônica,
lhães, Lélia Coelho Frota e dos planejadores que estão mais acostumados a ver
Arthur da Távola. Fase de integração
a cidade como superfícies e volumes de uma maneira
O quarto momento que Pinheiro (2004) destaca geral”. Assim sendo, a Câmara Técnica trouxe
na trajetória do Corredor Cultural, confunde-se “uma visão mais fluida, da cidade como espaço
com o anterior por ter ocorrido simultaneamente de vivências e sentidos, mais simbólica portanto”
12  Entrevista concedida à e seguindo-se a este. Esta quarta fase diz respeito (PINHEIRO, informação verbal12).
autora por Augusto Ivan
ao momento de (re)aproveitamento das idéias e
Pinheiro em 04 de janeiro
de 2007, na Secretaria de inovações trazidas para o contexto brasileiro pela O que se quis fazer com a presença desses outros
Urbanismo da Prefeitura do
experiência do Corredor, por outros segmentos da profissionais “foi decantar a cidade no que ela tinha
Rio de Janeiro.
vida pública, seja na aplicação de seus procedimentos de lírico, buscar nos textos, na literatura, em tudo
em outras áreas da cidade, seja pela inserção de que havia sido narrado sobre a cidade de como
novos atores no âmbito do Corredor Cultural. ela era bonita; apelar para a sensibilidade, para o
espírito cidadão de amor cívico, de amor pátrio”
Dentro da área do projeto surgem, então, novos (McLAREN, informação verbal). “As discussões
centros culturais; os já existentes, bem como os pareciam um pouco com o que Mário de Andrade
museus, procuraram incrementar suas atividades a fim preconizara nos tempos da criação do órgão federal
de atrair público; surgiram mais universidades, lojas, de patrimônio: que das cidades se deveria tombar
restaurantes, teatros, trazendo novas possibilidades a atmosfera” (PINHEIRO, 2002a).
de uso e permanência da população, mesmo nos fins
de semana, quando o Centro fica tradicionalmente O grupo da Câmara Técnica possibilitou ainda uma
mais vazio. Esses novos equipamentos e atividades se aproximação de diversos segmentos da sociedade
inseriram dentro do contexto de renovação urbana carioca e o envolvimento que a população e imprensa
no qual o Centro vivia, estabelecendo relação de tiveram com o projeto fez com que Pinheiro (2002a)
harmonia com os esforços já em andamento. afirmasse que graças à presença destes, “o projeto
se entranhou tanto, se enraizou de tal maneira,
Além disso, novos espaços dentro do núcleo histórico que foi isso que lhe deu garantias e assegurou sua
foram revitalizados, acompanhando as iniciativas sobrevivência até os dias de hoje”.
do Corredor Cultural, e como maior exemplo dessa
replicação dos conceitos e diretrizes, tem-se a A aceitação do projeto foi geral, segundo a palavra
experiência da Rua do Lavradio. Conhecida por de seus técnicos, e deveu-se basicamente à maneira
concentrar antiquários em sua extensão, numa atitude como foi explicada à população. O projeto do
inovadora os comerciantes começaram a promover Corredor Cultural foi discutido e apresentado pela
feiras nos finais de semana, abrindo as lojas e expondo primeira vez de maneira informal, em um dos
seus produtos nas calçadas o que acabou por atrair bares mais tradicionais localizado dentro da área
outros expositores externos. Apresentam-se ainda do Corredor Cultural – o Bar Luiz -, na presença
grupos de música, convidando a população a estar ali. das principais representatividades da região, recém-
Em conseqüência da iniciativa desses comerciantes, organizadas e que voltavam a interferir nas atividades
e do incremento de público que sofreu a área, a públicas.
Prefeitura investiu na reurbanização da rua, com a
criação de praças, nova pavimentação das calçadas e, Os técnicos começaram a sair dos gabinetes
também, melhoria da iluminação e arborização. para debater nos sindicatos, nas universidades,

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Participação em ações de preservação: o caso do Corredor Cultural do Rio de Janeiro

em associações e nas mais diferentes esferas de no Centro, uma grande parte da população utiliza-o,
organizações civis não-governamentais. Foi um longo ao menos, como passagem, por concentrar-se na
período de discussões e maturação da idéia, que região uma grande oferta de transportes de variadas
Maria Helena relaciona com o que os americanos modalidades que convergem para o local (linhas de
denominam como advocacy project, ou seja, advogar ônibus, trem, metrô, barca e aeroporto).
a causa da preservação e proteção, que é trabalhar
e vender a idéia (McLAREN, informação verbal). O O projeto do Corredor Cultural, influenciado pelas
projeto recebeu ainda apoio do mercado imobiliário, idéias de Jane Jacobs (2000), reforçou a questão
com a publicação em capítulos da história do da diversidade de funções que já existia no centro.
13 ADEMI: Associação dos Corredor Cultural na revista da ADEMI13. Analisado a partir das quatro condições que Jacobs
Dirigentes de Empresas do
Mercado Imobiliário.
apresenta, a área central histórica do Rio possui as
Além de fiscalizar e direcionar as intervenções características que remetem a esses aspectos e que
nos imóveis preservados, o Escritório Técnico permitem que a diversidade permaneça: a região
funciona como um ‘educador patrimonial’ no apresenta boa combinação de usos principais e,
contato estabelecido com usuários locais, numa mesmo o uso habitacional que se concentra nas
tentativa de levar aqueles que procuram o escritório partes periféricas; quadras curtas que permitem
a compreender o valor e a importância de suas alternativas de percurso, a variedade e a possibilidade
edificações, transformando-os em vetores de do encontro; boa combinação de edificações
preservação no aglomerado urbano histórico. com idades e tipos diferentes, que oferecem-se
Conscientes disso podem estabelecer relações de como possibilidade a atividades tanto às grandes
pertencimento individual com seus imóveis, e de empresas nos novos conjuntos empresariais, como
seus imóveis com o contexto urbano, pois de acordo aos pequenos comerciantes que se instalam em
com Maria Helena McLaren (informação verbal), edificações mais antigas ou sem grande interesse
se ao longo desta trajetória não for construído um arquitetônico, gerando um rendimento econômico
entendimento e um relacionamento com esse espaço, variado e a possibilidade de manutenção no local de
“no dia seguinte será desfeito todo o trabalho, e atividades que, devido a processos de expansão e
todo esforço terá sido em vão”. verticalização, tenderiam a desaparecer. Por fim, a
concentração de pessoas que utilizam o centro em
Com relação aos usuários em geral – comerciantes suas diversas ofertas de atividades ao longo do dia e
e moradores -, estes participaram pontualmente da noite, oferecendo-lhes opções de lazer, cultura e
em espaços públicos criados com finalidade de também educacionais, como cursos e universidades
sistematizar uma proposta de projeto em que fossem que se instalaram na região.
encaminhadas suas recomendações.
O projeto do Corredor Cultural ao mesmo tempo
A participação no caso do Corredor que defendeu a manutenção da população utilizou-
Cultural do Rio de Janeiro se dos princípios da diversificação competitiva
(JACOBS, 2000) para atrair novos usuários ao centro
Analisando a evolução urbana do centro do Rio, e diversificar o perfil desses usuários através da
é possível identificar, a partir do século XX, um criação de pólos interligados. Assim, como visto,
esvaziamento provocado pela transferência da as quatro regiões principais que compõem a área
capital para Brasília, e pela legislação municipal que histórica preservada pela lei do Corredor Cultural
proibiu o uso habitacional no centro. Acredita-se, apresentam-se como esses pólos e cada uma delas
entretanto, que, de uma maneira geral, não houve contém elementos culturais que serviram de âncoras
um esvaziamento intenso a ponto de levar o centro como atrativo. Entretanto, ao invés de agregarem
do Rio a uma situação de abandono, degradação e usuários de diferentes classes sociais no mesmo
imagem marginalizada. O esvaziamento foi muito espaço, acabaram por se constituir em áreas com
mais de função do que efetivamente de público, perfil próprio.
em razão da área central do Rio concentrar uma
multiplicidade de atividades e serviços, e também por A implantação, por exemplo, de centros culturais
fazer a ligação entre as zonas sul e norte da cidade. como os pioneiros Banco do Brasil e Paço Imperial na
Ainda que não se utilizem dos serviços localizados área da Praça XV, que incentivaram o surgimento de

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outros, e o investimento em atividades deste tipo É possível que o projeto considerasse a possibilidade
acabaram por atrair classes sociais mais abastadas de uma gentrificação ocorrer, entretanto, trata-se
e seccionando os usos mais populares às regiões de uma das transformações pelas quais as cidades
periféricas da área central histórica. O centro do - como organismos vivos que são - passam e das
Rio de Janeiro passa a ser reconhecido de maneira quais não é possível prever exatamente seus efeitos
distinta pela população: as camadas com maior poder ou simplesmente impedir que aconteçam. O caso
aquisitivo reconhecem algumas partes do centro de Bolonha, na Itália, mesmo tendo se tornado
histórico e a área central de negócios, enquanto exemplo máximo de eficácia por ter sido um plano
que as camadas mais populares reconhecem e preocupado com os aspectos sociais de seu centro
se utilizam das regiões mais periféricas deste. A histórico, não pôde evitar que alguns de seus espaços
habitação é uma das funções que é desfrutada se gentrificasse algum tempo depois, em decorrência
quase que exclusivamente por extratos populares da valorização fundiária que sofreu em virtude das
14 Valorização semelhante se dos usuários da região central da cidade, e que melhorias das intervenções14.
deu em Olinda.
concentra-se nas regiões da Lapa, Bairro de Fátima,
e Zona Portuária em geral, áreas periféricas ao O que aconteceu na área central histórica do Rio não
núcleo central. foi uma gentrificação generalizada em toda a área
preservada, mas pontos específicos que sofreram
Na visão de Braga (2003) torna-se explícita a uma valorização e replicação de usos que tiveram
gentrificação que norteia o programa do Corredor, êxito. Destaca-se como exemplo o processo que
mas, pelo contrário, acredita-se que a gentrificação sofreu a região da Lapa. Os bares, restaurantes e
não se constituiu como uma diretriz de ação; não casas de show se renovaram, outros novos foram
houve um objetivo definido de remover os estratos inaugurados explorando a característica boêmia
populares locais a fim de que fossem reocupados da região, tirando partido da arquitetura histórica
por membros de uma elite. e associando-a a eventos de samba e chorinho,
característicos do Rio de Janeiro. O êxito destes
15 Multiplicou-se tanto que Os objetivos do projeto do Corredor do Rio de Janeiro estabelecimentos foi tamanho que se multiplicou15,
em outros bairros da cidade,
como os mais recentes Barra
sempre apontam para a manutenção da população transformando a Lapa num pólo de entretenimento
da Tijuca e Recreio, e outros no local e das características simbólicas da área. Isso noturno na cidade, que agrega um público vindo
mais tradicionais, como Vila
Isabel, investem em estabe-
se atesta pela criação da Câmara Técnica, com uma de vários bairros e hoje oferece opções para todos
lecimentos identificados com visão menos técnica sobre a área histórica, a fim os gostos, como alternativa à oferta inicial de casas
os bares da Lapa, recriando
sua ambiência. Um desses
de considerar os valores sociais locais, as práticas e de samba.
bares utiliza-se do slogan manifestações, que revela a importância que esses
“Os arcos da Lapa chegaram
à Barra”.
aspectos tinham para o projeto. Estes dizem respeito Como conseqüência, observa-se na região da Lapa
aos usuários habituais ou esporádicos e dos usos que um predomínio de atividades noturnas em relação
faziam do centro, não fazendo sentido, portanto, às diurnas, e à transformação de uso e saída de
ocupar um grupo com o desvelamento de aspectos moradores e comerciantes do local em função da
simbólicos da área histórica central da cidade, para valorização que a área sofreu. A Lapa hoje corre o
em seguida desconsiderá-los. risco de cair no processo identificado por Jacobs
(2000) como autodestruição, que replica a instalação
Atesta-se também a preocupação com o social pelo das atividades que se fizeram rentáveis a ponto de se
fato de seus principais técnicos envolvidos terem extinguirem, entrando num momento de decadência
participado diretamente ou terem acompanhado o e necessidade de novas atividades.
trabalho que havia sido recentemente desenvolvido
junto à comunidade do bairro do Catumbi, que Nas outras áreas não se identifica um processo tão
sofreu rupturas intensas não só de seu conjunto claro de transformação e substituição de atividades
urbano e arquitetônico, mas também da relação tradicionais e população local por outras financiadas
com a cidade e dos próprios usuários com o local. por grandes empreendedores, como ocorrido na
Seria incompatível, portanto, uma equipe formada Lapa. Nos outros pólos da área histórica do centro
por profissionais que criticavam a maneira como do Rio, o incentivo fiscal e político à instalação de
se deu a intervenção no Catumbi repeti-la na área certas atividades acabou por reforçar o perfil pré-
central histórica da cidade. existente dos usuários de cada área, falhando no

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sentido de que essas ações previam a diversidade Assim, é possível dizer que houve uma
e a mistura. pseudoparticipação, uma vez que esta se deu nos
níveis da informação e debates consultivos aos
O plano do Corredor, a partir da palavra de seus usuários, e também destacar uma participação
técnicos, se diz participativo por ter sido discutido ligada ao simbólico e expressivo. Esta última consistiu
com a população organizada em suas várias do trabalho da Câmara Técnica de mobilização e
esferas, por ter incluído artistas e intelectuais divulgação do projeto do Corredor Cultural na mídia
na Câmara Técnica, por ter aberto um canal de através de seus aspectos simbólicos, e que como
aproximação com a população em geral através resultado promoveu uma aceitação geral do plano
do Escritório Técnico e pela apresentação do que, em momento de sucessão administrativa sob
projeto ter acontecido no Bar Luiz, tradicional o risco de interrupção das atividades, foi o que
estabelecimento localizado na região da Carioca, garantiu sua continuidade.
contando com os principais representantes da
sociedade civil organizada. O projeto é participativo também pelo fato de surgir
como resposta a um anseio dos comerciantes locais,
De fato, a partir da aproximação com os níveis como já explicado. Receosos dos imóveis onde
de participação estabelecidos e conhecidas as desenvolviam suas atividades sofrerem o mesmo
modalidades de inserção da população no projeto processo de verticalização pelo qual passou os
do Corredor Cultural carioca, é possível dizer que imóveis da área central de negócios encontraram
houve uma participação real, mas em níveis de uma na preservação da área a saída para a manutenção
pseudoparticipação. de suas atividades. Isto explica a adesão e apoio
ao projeto.
Isso pode ser entendido a partir da observação de
alguns aspectos. No que diz respeito às discussões, Mesmo que tivesse ocorrido uma participação
diálogos foram estabelecidos ao longo de um período autêntica, com participação efetiva na gestão das
que serviu para amadurecer a questão, seus principais áreas, ou através do estabelecimento de parcerias,
pontos, e sistematizar um encaminhamento de isso não poderia ter garantido a não-gentrificação
projeto de preservação coerente com a realidade da de seus espaços, apenas poderia minimizar os efeitos
área central histórica do Rio de Janeiro, em termos de suas ações, como de fato aconteceu mesmo no
de patrimônio urbano e de seu aspecto social. nível de pseudoparticipação em que se deu o projeto
A aprovação unânime do projeto na Câmara de do Corredor Cultural do Rio de Janeiro.
Vereadores revela a lucidez com que foi elaborado
o projeto. O diálogo na preservação se faz, portanto,
indispensável, uma vez que inseridos num contexto
O Escritório Técnico, canal aberto para que fosse feita de cidades-espetáculo, em que não há pudores de
a aproximação entre os proprietários e locatários dos destruição em função de uma exploração indevida,
imóveis do Corredor Cultural com a administração má utilizações ou comercialização do patrimônio
municipal, ainda hoje encontra-se aberto para urbano em todas as suas dimensões, urge rever
esclarecimentos e auxílio destes usuários na gestão de e redefinir os destinatários destas áreas históricas
seus bens preservados. A participação desses usuários requalificadas, de forma a produzir espaços menos
diz respeito a outros aspectos de seus imóveis, como fragmentados e gerar cidadãos mais conscientes de
definições de projeto ou cor da fachada, e desde sua identidade e responsabilidade sobre a preservação
que estes se enquadrem na legislação específica das áreas históricas de suas cidades.
para a área.
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