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Apostila de Cardiologia UFPR

Research · August 2015

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Frederico Ramalho Romero


Universidade Estadual do Oeste do Paraná
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CARDIOLOGIA - 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Estenose mitral

Anatomia

É importante se ter uma noção da anatomia da valva mitral para que nós possamos
entender a fisiopatologia da estenose mitral.

Figura 1 - Anatomia da valva mitral

A valva mitral encontra-se fixa ao óstio mitral, localizado entre o átrio e o


ventrículo esquerdos e é constituída por um anel fibroso e duas cúspides, uma anterior e outra
posterior. Por isso, a valva mitral também é denominada de valva bicúspide.
Aderidas as extremidades livres de ambas as cúspides, encontramos as cordas
tendíneas primárias, secundárias e terciárias. Ao conjunto dessas cordas dá-se o nome de
cordoalhas tendíneas, que estão presas ao endocárdio pelos músculos papilares, dois
anteriores e dois posteriores.

Fisiopatologia

Figura 2 - Fisiopatologia da estenose mitral


CARDIOLOGIA - 2

Quando a valva mitral se encontra aberta ela tem uma área de 4 a 6 cm². Com
essa abertura, há uma boa vazão sangüínea do átrio para o ventrículo esquerdo.
No ritmo sinusal normal, nós temos um ciclo pressórico nas cavidades
cardíacas que se mantém mais ou menos constante.

No ventrículo esquerdo, a pressão sistólica máxima é de


120 mmHg 120 mmHg, que é igual a pressão sistólica da aorta.
30 mmHg
Diferentemente da pressão diastólica da aorta que é de
cerca de 80 mmHg, a pressão diastólica inicial do ventrículo
12 mmHg esquerdo (PD1) é próxima de 0 mmHg, enquanto a pressão
diastólica final (PD2), que corresponde a pressão máxima do
6 mmHg
ventrículo esquerdo antes de se iniciar a sístole ventricular,
120 mmHg
12 mmHg varia de 12 a 15 milímetros de mercúrio.
0 mmHg Como a pressão diastólica é exercida pelo acúmulo de
30 mmHg
6 mmHg sangue proveniente do átrio esquerdo e das veias pulmonares,
0 mmHg semelhantemente, a pressão diastólica nessas estruturas
também varia entre 12 e 15 mmHg.
Figura 3 - Ciclo pressórico
Contudo, essas são medidas de pressão normais, quando
normal do coração a abertura da valva mitral é de 4 a 6 cm². Quando sua abertura
for inferior a essa medida, nós vamos ter caracterizada uma
estenose mitral.
Nessas condições, vai haver um acúmulo de sangue no átrio esquerdo e,
conseqüentemente, um aumento da pressão diastólica nessa estrutura. A diferença de pressão
entre essa “nova” pressão atrial esquerda (> 15 mmHg) e o ventrículo esquerdo (12 mmHg <
PD2 < 15 mmHg) recebe o nome gradiente de pressão. É esse gradiente que caracteriza a
estenose mitral sob o ponto-de-vista hemodinâmico.
Como resultado, vai haver tanto uma hipertrofia do átrio esquerdo quanto um
aumento de pressão nos vasos pulmonares (hipertensão pulmonar), que vai ser tanto maior
quanto maior for o gradiente de pressão do átrio esquerdo.
Em resposta a essa variação na pressão dos vasos pulmonares, o ventrículo
direito, que normalmente tem uma pressão sistólica de cerca de 30 mmHg, também vai se
hipertrofiar.
Esse aumento de pressão pulmonar pode causar transudação dos capilares
pulmonares, provocando edema intersticial e manifestando-se clinicamente por dispnéia
progressiva aos esforços.
Quando nós temos uma hipertensão pulmonar severa e crônica, já ao nível de
80 mmHg nas artérias pulmonares, pode-se desenvolver um espessamento dos capilares
pulmonares com fibrose ao redor dos vasos, reduzindo a quantidade de edema intersticial
agudo. Isso também ocorre devido aos vasos linfáticos estarem mais desenvolvidos e
drenarem melhor este excesso de líquido.
Esse espessamento fibrótico ocorre principalmente ao nível da camada média
dos capilares e pode manifestar-se por cianose, além da dispnéia.
Nessa fase da estenose mitral, onde existe doença vascular pulmonar associada,
o prognóstico se torna muito ruim, mesmo que a estenose seja tratada.
Os sintomas da estenose mitral geralmente aparecem após a área valvar
reduzir-se cerca de 50% do normal e atingir 1,5 a 2 cm2. A dispnéia e as palpitações são as
queixas mais habituais. Elas podem ocorrer isoladamente ou coexistir em dado momento.
CARDIOLOGIA - 3

Epidemiologia

A estenose mitral tem uma maior incidência no sexo feminino numa proporção
de 60 a 70% dos casos.

Etiologia

No nosso meio, sua principal etiologia é a


doença reumática (98%). Raramente, ela é
congênita.
A febre reumática é uma doença inflamatória
aguda não supurativa, geralmente recorrente, que
acomete principalmente crianças entre 5 e 15 anos
que apresentaram uma infecção faringítica por
estreptococos -hemolítico do grupo A de
Lancefield.
Nessa patologia, anticorpos contra o
estreptococo agem também sobre o coração
(reação cruzada), podendo provocar espessamento
e fusão comissural da valva mitral, resultando em
conseqüente estenose mitral quando a abertura
valvar for inferior a 4 cm².
A redução da abertura mitral é um processo
Figura 4 - Espessamento e fusão comissural muito lento que pode levar décadas.
da valva mitral na febre reumática

Complicações

Dentre as principais complicações da estenose mitral nós temos o


desenvolvimento de arritmias atriais (principalmente a fibrilação atrial), que ocorrem devido
ao aumento do volume do átrio esquerdo.
Na fibrilação atrial deixa de haver a sístole atrial, responsável por cerca de 20 a
30% do volume do débito cardíaco. Desta forma, além da dispnéia, o paciente também vai
apresentar sintomas de fadiga ou cansaço.
O aumento do átrio esquerdo cria condições favoráveis para o desenvolvimento
de arritmias atriais devido ao estiramento das fibras musculares e dos feixes de condução.
CARDIOLOGIA - 4

A estenose mitral também propicia a


formação de trombos no apêndice atrial
esquerdo e, mais tardiamente, na parede atrial.
Ao se desprenderem, esses trombos podem
causar acidentes vasculares cerebrais, infartos
esplênicos, etc.
Quando há hipertensão pulmonar pode
ocorrer ruptura das paredes arteriais que
comunicam-se com os alvéolos e que, então,
são eliminadas juntamente com a tosse
(hemoptise). Essa situação subentende que a
área valvar deve ter atingido valores cerca de
1,1 cm2.
Uma complicação que ocorre devido ao
edema intersticial pulmonar é o
desenvolvimento de bronco-infecções
Figura 5 - Trombos atriais pulmonares.
Ainda, a estenose mitral pode predispor ao
desenvolvimento de endocardite infecciosa. Porém, das valvopatias reumáticas, a estenose
mitral é a que tem menor incidência de endocardite infecciosa.
Outra complicação que ocorre numa fase muito avançada e que, por isso, é
extremamente incomum é o tromboembolismo pulmonar decorrente de trombose venosa
profunda dos membros inferiores provocada pela estase venosa causada pela insuficiência do
ventrículo direito.

Exame físico

Na inspeção, pode-se observar uma


característica da estenose mitral severa com doença
vascular pulmonar, que é a fácies mitralis. A fácies
mitralis caracteriza-se por cianose perioral e edema malar
com hiperpigmentação.
À palpação, pouco se obtém quando a
estenose mitral é leve. Porém, na estenose moderada ou na
severa, pode-se palpar um frêmito diastólico que
corresponde a sensação tátil do sopro da estenose mitral.
Se houver hipertensão pulmonar com
insuficiência do ventrículo direito, ele se desenvolve,
dilata e hipertrofia-se, podendo ser palpável com a mão
em garra na borda esternal esquerda.
Às vezes, a primeira bulha pode também
ser palpada, sugerindo uma mobilidade da cúspide
anterior até certo ponto preservada.
Na ausculta, nós vamos observar Figura 6 - Fácies mitralis
hiperfonese da primeira bulha, denotando persistência de
flexibilidade das cúspides, ou então, o seu abafamento por
calcificação.
CARDIOLOGIA - 5

A segunda bulha também pode estar hiperfonética quando houver hipertensão


pulmonar devido a pressão exercida pelos vasos pulmonares, que podem fazer a valva
pulmonar se fechar muito mais bruscamente.
Semelhantemente, a força exercida pelo ventrículo direito para abrir a valva
pulmonar nesse regime de hipertensão pode gerar a ausculta de um clique de ejeção (estalido
proto-sistólico).
A valva mitral, por sua vez, devido ao seu espessamento, pode dar origem a um
clique de abertura (estalido protodiastólico), que sucede a segunda bulha após intervalo de
tempo inversamente proporcional à hipertensão atrial esquerda e que também permite supor
mobilidade das cúspides de certa forma preservada, pois ele desaparece em caso de
calcificação importante das mesmas.
Finalmente, quando a abertura mitral for igual ou inferior a 1 cm² pode-se
auscultar um ruflar (ou sopro) diastólico. Dependendo do tempo de duração desse sopro nós
podemos caracterizar a gravidade da estenose, ou seja, quanto mais demorado for o sopro,
mais severa é a estenose.
O sopro da estenose mitral é audível no período mesodiastólico, logo após o
relaxamento isovolumétrico e, às vezes, também está presente na fase pré-sistólica. Porém,
como na estenose mitral geralmente ocorre fibrilação atrial, a sístole atrial não se processa e,
conseqüentemente, não ocorre sopro nessa fase.
Como a maior parte do sopro da estenose mitral é produzido por um fluxo
passivo de sangue do átrio para o ventrículo esquerdo e a contração atrial tem uma intensidade
relativamente baixa, seu som é de baixa freqüência e, desta forma, é melhor auscultável com a
campânula do estetoscópio.
Ainda, na dependência da sístole atrial, a quarta bulha pode ser audível.
Graficamente, o sopro diastólico da estenose mitral pode ser representado da
seguinte maneira.

Figura 7 - Representação gráfica do sopro da estenose mitral

A complementação do exame físico inclui o exame da tireóide, pois a


concomitância com hipertireoidismo deve ser sempre cogitada em casos de fibrilação atrial; a
procura de hepatomegalia, edema de membros inferiores e ascite; e a propedêutica pleuro-
pulmonar.

Lesões associadas

Associada a estenose mitral, pode ocorrer uma insuficiência tricúspide que


geralmente é funcional (não orgânica). Ela ocorre devido a dilatação do ventrículo direito com
conseqüente dilatação do anel fibrótico da valva tricúspide, impedindo que seus folhetos se
CARDIOLOGIA - 6

fechem adequadamente. Quando essa insuficiência é pequena, tratada a estenose mitral, ela
pode regredir. Porém, quando ela for importante, faz-se necessário tratamento cirúrgico.
O sopro sistólico dessa insuficiência tricúspide, audível ao nível da borda
esternal esquerda, deve ser diferenciado de uma insuficiência mitral associada. Um meio de
diferenciá-los são as manobras de apnéia pós-inspiratória e pós-expiratória, que intensificam,
respectivamente, o sopro da insuficiência tricúspide e o sopro da insuficiência mitral.
Também devido a dilatação do ventrículo direito, os folhetos da valva
pulmonar podem sofrer separação e não conseguir se fechar normalmente. Com isso, surge
um chiado característico causado pelo refluxo de sangue da valva pulmonar, ao qual se dá o
nome de sopro de Graham-Stiel.
Como a principal causa da estenose mitral é a febre reumática, pode
ocorrer acometimento de outras valvas simultaneamente, especialmente da valva aórtica.

Exames complementares

Através do eletrocardiograma (ECG), pode-se detectar aumento do


átrio esquerdo através do alargamento da onda P, aumento do ventrículo direito através do
desvio do complexo QRS para a direita, presença de arritmias atriais (principalmente a
fibrilação atrial), etc.

Figura 8 - Eletrocardiograma de um paciente com estenose mitral


CARDIOLOGIA - 7

Na radiografia de tórax póstero-anterior (PA), nós observamos um


discreto aumento da silhueta cardíaca principalmente devido ao aumento do ventrículo direito.
Também pode ser observado um duplo contorno na altura do átrio direito, que ocorre devido
ao crescimento do átrio esquerdo, cuja margem vai se aproximar da borda do átrio direito.
Outras evidências do aumento do átrio esquerdo incluem presença de 4o arco na borda
cardíaca esquerda e elevação do brônquio fonte esquerdo.
Na radiografia torácica em perfil, pode-se observar o ventrículo
direito encostando na borda esternal e, além disso, o Raio-X contrastado com bário pode
evidenciar o deslocamento posterior do esôfago provocado pelo aumento do átrio esquerdo.
Com relação a circulação pulmonar, além de identificar graus de
dilatação da artéria pulmonar, muitas vezes já suspeitada pela ausculta do estalido proto-
sistólico, o estudo radiográfico também pode mostrar uma redistribuição da circulação
pulmonar e edema intersticial entre as fissuras dos lobos.

Figura 9 - Raio-X de tórax, em PA e perfil, de um paciente com estenose mitral

O ecocardiograma é o exame
complementar mais específico para o
diagnóstico da estenose mitral. Ele mostra a
anatomia da valva mitral; o comprometimento
do aparelho valvar e subvalvar (cordoalhas
tendíneas), que podem sofrer fibrose;
dimensiona volumes e diâmetros das câmaras
cardíacas; estima pressões, bem como o grau de
hipertensão arterial pulmonar; reconhece
disfunção ventricular esquerda; quantifica em
centímetros quadrados a área valvar mitral;
revela trombos atriais; e identifica lesões
Figura 10 - Ecocardiograma unidimensional associadas, como a valvopatia aórtica e
vegetações de endocardite infecciosa.
CARDIOLOGIA - 8

Figura 11 - Ecocardiograma bidimensional (IVS = Septo interventricular; RV = Ventrículo direito; AO


= Aorta; AoV = Valva aórtica; LV = Ventrículo esquerdo; MV = Valva mitral; PW = Parede posterior;
LA = Átrio esquerdo)

O cateterismo cardíaco caiu em desuso com o advento da


ecocardiografia. Ele só é indicado para pacientes com indicação cirúrgica que necessitem de
um estudo pormenorizado sobre suas coronárias.

Diagnósticos diferenciais

A hipertensão pulmonar primária idiopática pode ser confundida


com a hipertensão pulmonar da estenose mitral. Porém, um exame mais cuidadoso do
precórdio, principalmente, vai ser capaz de fazer esse diagnóstico diferencial.
O mixoma de átrio esquerdo é
um tumor pediculado que se instala na parede atrial e
desenvolve um tubérculo que dificulta o esvaziamento
quando ocorre a sístole atrial, mimetizando a
sintomatologia de uma estenose mitral.
Existe também uma doença
congênita denominada cor triatriatum na qual existe a
persistência embrionária de uma terceira câmara atrial que
tem um orifício de saída estenosado, funcionando
exatamente como uma valva mitral estenosada.
Com o passar do tempo, esse
orifício que não acompanha o crescimento normal do
coração torna-se mais estreito, manifestando-se
clinicamente ao redor da adolescência.
O tratamento desta patologia é
Figura 12 - Mixoma atrial
CARDIOLOGIA - 9

cirúrgico, no qual se retira a membrana que separa essa 3a câmara atrial do restante do átrio
esquerdo.

Figura 13 - Cor triatriatum

Tratamento

O tratamento da estenose mitral é muito importante porque os pacientes que


desenvolvem hipertensão pulmonar e não são tratados têm uma sobrevida média de 2 a 5
anos.
Enquanto assintomático, o portador de estenose mitral necessita somente de
medidas de profilaxia para doença reumática e para endocardite infecciosa.
A presença de sintomas já admite a aplicação de medidas terapêuticas.
A primeira recomendação é sempre de ordem higiênico-dietética e de controle
de eventuais doenças associadas. Na evolução, a farmacoterapia inclui, mais comumente, a
reversão de fenômenos congestivos por diuréticos; o controle de taquicardia por -
bloqueadores ou digitálicos; a reversão ou a prevenção de arritmias supraventriculares por
drogas como quinidina, amiodarona, digitálicos e -bloqueadores; e a prevenção de embolia
pela anticoagulação oral ou por heparina, dependendo da situação.
Cirurgicamente, existem basicamente três tratamentos para esta patologia.
Quando nós temos uma estenose mitral com uma qualidade valvar boa, ou seja, sem fibrose
ou calcificação, pode-se realizar uma valvoplastia por cateter balão para se tentar corrigir essa
estenose.
Para realizar essa valvoplastia disseca-se a veia femoral e dirige-se até o interior
o átrio direito. Então, perfura-se o septo interatrial próximo ao forame oval e insere-se o
cateter no átrio esquerdo. A pequena CIA (comunicação interatrial) que é formada se fecha
naturalmente.
Na próxima etapa é inserido um fio guia pelo interior do cateter, que será
responsável pelo direcionamento do balão (ainda desinsuflado) até o nível da valva mitral
estenosada.
CARDIOLOGIA - 10

Finalmente, insufla-se o balão para se obter uma dilatação da abertura mitral


além da abertura crítica de 1,5 cm². Geralmente, quando se realiza uma valvoplastia por
cateter balão, obtém-se uma média de abertura de 2,1 cm².
Raramente se consegue uma abertura de 4 cm² numa valva uma vez estenosada
devido ao espessamento de seus folhetos e da fusão comissural. Contudo, uma estenose de 2 a
4 cm² não apresenta sintomatologia.
A mortalidade de uma valvoplastia por cateter balão é inferior a 1%.
Porém, para a utilização do balão, nós temos que ter somente fusão comissural.
Quando há fibrose ou calcificação do aparelho valvar ou subvalvar é necessário cirurgia
porque o balão só age nos folhetos valvares.
Por fim, quando a valva mitral está tão dura, tão estenótica, que não se consegue
mais “consertá-la”, procede-se a colocação de uma prótese valvar.
A abertura média das próteses é de 1,9 a 2,2 cm², o que é suficiente para manter
o paciente assintomático.
A taxa de mortalidade na colocação de próteses é de cerca de 8%.

Figura 14 - Desenho esquemático da colocação de uma prótese valvar mitral


CARDIOLOGIA - 11

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Insuficiência mitral

Anatomia

A insuficiência mitral é a falta de coaptação entre as cúspides da valva mitral, que


não se unem de forma harmônica.

Figura 1 - Anatomia da valva mitral

Epidemiologia

Ao contrário da estenose mitral, a insuficiência mitral ocorre mais


freqüentemente nos homens.
CARDIOLOGIA - 12

Etiologia

A insuficiência mitral pode ser causada principalmente por:


 Rompimento das cordoalhas tendíneas
A endocardite bacteriana, por exemplo,
pode causar ruptura das cordoalhas tendíneas e levar a uma insuficiência mitral
leve ou grave.

Figura 2 - Ruptura das cordoalhas


tendíneas causada por endocardite
infecciosa

O trauma pode provocar ruptura das


cordas tendíneas causando uma insuficiência mitral geralmente leve, mas que
também pode ser grave.

 Insuficiência coronariana
A falta de irrigação de uma região com isquemia
leve de um músculo papilar pode levar a um prolapso da cúspide valvar para o
átrio esquerdo. Porém, isso pode ser revertido corrigindo-se a isquemia.

A isquemia grave de um músculo


papilar geralmente gera um infarto, o que
pode levar a uma insuficiência mitral
permanente.
Caso o infarto seja agudo, com
rompimento do músculo papilar, ocorre um
quadro de insuficiência mitral grave, com
edema agudo de pulmão, que é uma
situação dramática e que constitui uma
emergência cirúrgica.

Figura 3 - Rompimento do músculo papilar (seta)


provocado por infarto agudo do miocárdio
CARDIOLOGIA - 13

 Doença reumática

Cerca de 1/3 das


valvopatias reumáticas manifesta-se
por fibrose do aparelho subvalvar,
com encurtamento, contração e
fusão das cordoalhas tendíneas e
conseqüente retração dos folhetos
mitrais. Ou seja, cerca de 1/3 das
valvopatias reumáticas apresenta-se
como uma insuficiência mitral.

Figura 4 - Fibrose do aparelho subvalvar na


febre reumática

 Miocardiopatias
A miocardiopatia dilatada pode levar a uma dilatação dos
anéis átrio-ventriculares causando uma insuficiência que pode ser mitral e/ou
tricúspide.
Nessa patologia não ocorre uma alteração anatômica nos
aparelhos valvares e subvalvares, mas apenas uma inadequada coaptação entre
suas cúspides. Por isso, pode-se dizer que essa insuficiência é funcional.
A miocardiopatia hipertrófica também pode gerar uma
insuficiência mitral leve por provocar uma hipertrofia dos músculos papilares e
conseqüentemente um processo isquêmico crônico, com fibrose e retração
desses músculos.

 Doenças congênitas
 Defeito do coxim endocárdico;
 Fibroelastose endocárdica;
 Valva mitral em pára-quedas;
 Outras.

 Estiramento das cordoalhas tendíneas


Como ocorre algumas vezes após uma
micose aguda, que pode levar a uma síndrome do prolapso da valva mitral, na
qual um dos folhetos, geralmente o posterior, fica frouxo e pode everter para o
átrio esquerdo. Nesse caso, geralmente ocorre uma insuficiência mitral leve sem
tendência a evolução.

 Outras causas
 Calcificação idiopática do ânulo mitral Ocorre principalmente em mulheres
idosas e pode ter causa degenerativa;
 Lupus Eritematoso Sistêmico;
 Artrite Reumatóide;
 Espondilite Anquilosante.
CARDIOLOGIA - 14

Fisiopatologia

Figura 5 - Fisiopatologia da insuficiência mitral

Na insuficiência mitral, como suas cúspides não se unem de forma harmônica


durante a sístole ventricular, ocorre regurgitação de sangue para o átrio esquerdo.
Esse refluxo gera uma redução do esvaziamento para a aorta, ou seja, uma
redução da fração de ejeção, por dois fatores.
Primeiro, obviamente, porque há uma perda do sangue ventricular para o átrio
esquerdo e, segundo, porque vai ocorrer uma diminuição da pressão sistólica nesse ventrículo
devido a essa abertura na cavidade ventricular.
Ao longo dos anos, pode ocorrer uma adaptação do coração esquerdo com
aumento progressivo do átrio esquerdo e com hipertrofia ventricular e posterior dilatação.
Na insuficiência mitral aguda, que decorre, por exemplo, da ruptura de um
músculo papilar por infarto ou trauma, como o átrio vai estar com sua complacência normal,
vai ocorrer um aumento de pressão no sistema pulmonar de maneira muito rápida, com edema
agudo de pulmão e, clinicamente, uma dispnéia súbita e inexplicada.
Na insuficiência mitral crônica, seu desenvolvimento ao longo dos anos vai
promover uma dilatação do átrio esquerdo, que vai ter, então, sua complacência aumentada,
preservando o sistema pulmonar.
Neste caso, muitas vezes, quase não há sintomatologia por um longo período
de tempo. A doença reumática freqüentemente causa esse tipo de insuficiência.
Várias situações podem causar uma insuficiência mitral intermediária em
relação a essas duas anteriores, dependendo da complacência do átrio esquerdo em cada uma
delas.
Além disso, a insuficiência mitral também pode ser classificada em
insuficiência mitral com leve, moderado ou grave refluxo.
Clinicamente, em função dessa situação de adaptação do átrio esquerdo nas
insuficiências mitrais crônicas, o paciente pode evoluir de uma insuficiência leve para uma
insuficiência grave sem apresentar sintomas.
Geralmente, a sintomatologia só vai se manifestar quando ocorre
descompensação.
CARDIOLOGIA - 15

Nesse caso, pode ocorrer dispnéia rapidamente progressiva devido ao aumento


gradual da pressão pulmonar, ao contrário da estenose mitral, na qual ocorre um quadro de
dispnéia lentamente progressiva.
Contudo, apesar da dispnéia da insuficiência mitral evoluir mais rapidamente,
como, em geral, o coração tolera melhor a sobrecarga de volume do que a de pressão, sua
sintomatologia pode permanecer muito mais tempo ausente do que a da estenose.
Também, como na descompensação o ventrículo esquerdo já está na fase de
dilatação e o débito cardíaco não está mais eficiente, o paciente pode relatar fadiga muscular.
Numa fase mais avançada da doença, a hipertensão pulmonar pode causar uma
insuficiência cardíaca direita e uma conseqüente sintomatologia congestiva. Porém, como
essa evolução é muito longa, essa situação só ocorre raramente.

Exame físico

Na inspeção, o ictus cordis pode ser visível.


À palpação, podemos detectar um frêmito sistólico normalmente localizado no
ápice do ventrículo esquerdo.
Às vezes pode-se palpar a 3a e a 4a bulhas cardíacas. Contudo, deve-se registrar
que as bulhas são melhor auscultadas do que palpadas.
Caso haja hipertensão pulmonar também é possível se palpar a impulsão
sistólica do ventrículo direito através da manobra da mão em garra na borda esternal esquerda.
Na ausculta, geralmente se observa um sopro holossistólico que pode ser
classificado em 1, 2, 3 ou 4 cruzes, de acordo com a sua intensidade.
Quanto maior a sua intensidade, mais severa é a insuficiência mitral.
Graficamente, o sopro da insuficiência mitral pode ser representado da seguinte
maneira:

Figura 6 - Representação gráfica do sopro da insuficiência mitral

Ao contrário do que normalmente ocorre, como as cúspides mitrais estão


insuficientes e não se fecham adequadamente, o componente tricúspide pode estar mais forte
do que o mitral, principalmente nas insuficiências severas.
Na presença de hipertensão pulmonar também é possível se auscultar um sopro
de ejeção ao nível do foco pulmonar, provavelmente devido a dificuldade que o ventrículo
direito encontra para ejetar seu sangue contra esse novo gradiente de pressão entre o sistema
pulmonar e ele.
Na insuficiência mitral crônica severa, pode-se auscultar a 3a bulha, devido ao
maior volume de sangue que vai para o ventrículo na fase de enchimento ventricular rápido,
CARDIOLOGIA - 16

associada a um aumento da freqüência cardíaca, caracterizando o “ritmo em galope” e


indicando uma insuficiência cardíaca esquerda.
A 4a bulha, correspondente a sístole atrial, é melhor auscultada na insuficiência
mitral aguda.

Figura 7 - Diferenciação entre o sopro de uma insuficiência mitral crônica severa, à esquerda, e de uma
insuficiência mitral aguda, à direita

Uma característica importante do sopro da insuficiência mitral que pode


auxiliar no diagnóstico diferencial do sopro da estenose aórtica é a sua irradiação.
Na estenose aórtica ocorre uma irradiação principalmente para os vasos da
base, enquanto que na insuficiência mitral a irradiação ocorre predominantemente no sentido
da região axilar posterior, porque esta é a região de melhor projeção do átrio esquerdo.

Por isso, nós ainda podemos


intensificar o sopro da insuficiência mitral
posicionando o paciente em decúbito lateral
esquerdo porque nós vamos estar
aproximando o átrio esquerdo da parede
torácica.
Outra maneira de intensificar o
sopro da insuficiência mitral é através da
manobra de apnéia pós-expiratória. Desta
forma, nós vamos estar aumentando a pressão
intrapulmonar e determinado um maior fluxo
de sangue para o átrio e, conseqüentemente,
para o ventrículo esquerdo, que vai então,
intensificar o som desse sopro. Figura 8 - Ausculta do precórdio em decúbito
lateral esquerdo

Exames complementares

Devido ao aumento de volume do átrio esquerdo, ocorre um


estiramento das fibras e dos feixes miocárdicos, facilitando a ocorrência de arritmias atriais,
principalmente a fibrilação atrial.

Através do
eletrocardiograma, nós podemos
detectar uma onda P bífida, indicando
dilatação atrial esquerda, ou nos casos
com maior grau de evolução, a
ausência de onda P, que é substituída
por ondulações irregulares, de pequena
Figura 9 - Eletrocardiograma demonstrando ausência de
ondas P e presença de ondas f, características de Fibrilação
Atrial
CARDIOLOGIA - 17

amplitude, chamadas ondas f, demonstrando uma fibrilação atrial.


Ainda, outros tipos de arritmias atriais que pode ser visualizadas pelo
ECG são o flutter atrial, no qual as ondas P são substituídas por ondulações em “dente-de-
serra”, regulares e mais amplas que as ondas da fibrilação atrial, chamadas de ondas F; e a
extra-sístole atrial.
A sobrecarga ventricular esquerda pode ou não ser demonstrada,
sendo eventualmente acompanhada de alteração da repolarização ventricular.

Figura 10 - Eletrocardiograma de um paciente com insuficiência mitral

A radiografia do tórax em incidência póstero-anterior


(PA) nos mostra um aumento da silhueta cardíaca devido
principalmente ao aumento do átrio esquerdo, que pode ser
visualizado através do duplo contorno do átrio direito, da
presença do 4o arco na borda cardíaca esquerda e da
elevação do brônquio-fonte esquerdo.
O aumento ventricular esquerdo pode ser visto
principalmente através da inserção do ápice cardíaco sobre o
diafragma.
Ainda em PA, observa-se um aumento do calibre
vascular pulmonar, especialmente nas porções superiores do
pulmão, devido a redistribuição da circulação pulmonar.
Em perfil, pode-se observar aumento atrial esquerdo
Figura 11 - Radiografia torácica principalmente quando contrastado pela ingestão de bário; e,
em PA na insuficiência mitral na insuficiência mitral descompensada com hipertensão
pulmonar, um aumento do ventrículo direito.
CARDIOLOGIA - 18

O ecocardiograma contribui no
diagnóstico da insuficiência mitral e
na sua provável etiologia; no grau de
hipertensão pulmonar e da
insuficiência cardíaca; na presença
de trombos intracavitários; etc.
O cateterismo cardíaco entrou
em desuso com a ecocardiografia e,
atualmente, só é usado na pesquisa
de insuficiência coronariana em
pacientes acima dos 45 anos
indicados para cirurgia.

Figura 12 - Ecocardiograma unidimensional, acima, e ecodopplercardiograma, abaixo, demonstrando o


refluxo atrial esquerdo da insuficiência mitral (RV = Ventrículo direito; LV = Ventrículo esquerdo; AoV
= Valva aórtica; LA = Átrio esquerdo)

Tratamento clínico

Recomenda-se uma diminuição da ingestão de sal e auxilia-se na


excreção de sódio com a administração de diuréticos.
Quando há insuficiência cardíaca, trata-se-a com digitálicos,
principalmente para os casos com fibrilação atrial; e vasodilatadores.
O tratamento cirúrgico deve ser indicado no momento adequado, quando
nós observamos que a cirurgia vai trazer mais benefícios do que riscos para o paciente. Para
isso, nós devemos acompanhar de perto o desenvolvimento da insuficiência mitral com o
auxílio dos exames complementares. Quando começar a haver deteriorização do ventrículo
esquerdo, pode-se indicar uma plastia mitral ou uma troca por prótese biológica ou metálica.
CARDIOLOGIA - 19

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Estenose aórtica

Anatomia e fisiologia

Figura 1 - Anatomia da valva aórtica

Macroscopicamente, as cúspides aórticas têm uma consistência bastante


delgada e funcionam abrindo adequadamente durante a sístole.
Ao espaço existente entre as cúspides e a parede da aorta dá-se o nome
de seios aórticos ou de Valsalva. O preenchimento sangüíneo desses seios, na diástole,
provoca o fechamento da valva aórtica, resultando o componente aórtico da segunda bulha e o
suprimento sangüíneo das artérias coronarianas.

Etiologia

A estenose aórtica pode ser congênita ou adquirida.

As estenoses congênitas podem ocorrer em


uma valva unicúspide, que geralmente se
manifesta na criança; numa valva bicúspide, que é
uma valvopatia congênita muito comum e que
pode apresentar certo grau de estenose na 4a ou 5a
décadas de vida; ou numa valva tricúspide, que já
nasce estenosada e, por isso, manifesta-se
predominantemente na lactância.
Alguns autores excluem da definição de
estenose aórtica congênita as valvas bicúspide e
unicúspide congênitas por elas não causarem
estenose funcional ao nascimento mas uma maior
susceptibilidade a estenose numa idade mais
avançada.
Figura 2 - Estenose aórtica congênita por
valvas bicúspide e tricúspide
CARDIOLOGIA - 20

As estenoses aórticas adquiridas podem


ser causadas pela doença reumática, quando elas
estão virtualmente sempre acompanhadas por
estenose mitral e apresentam fusão comissural com
posterior calcificação.

Figura 3 - Fusão da cúspide aórtica direita


com a cúspide posterior em um paciente
com doença reumática

Outra causa das estenoses aórticas


Figura 4 - Estenose aórtica adquiridas é o envelhecimento. Com o
degenerativa
calcificada processo evolutivo da idade pode ocorrer um
espessamento das cúspides com calcificação
ao nível do anel aórtico. Ao contrário da estenose aórtica reumática, neste tipo de estenose,
denominado estenose aórtica degenerativa calcificada, não ocorre fusão comissural.
Ainda, outros fatores que raramente podem causar estenose aórtica são a
hipercolesterolemia familiar, o Lupus Eritematoso Sistêmico, a doença reumatóide e possíveis
valvulites de origem viral ou causadas por ricketsias.

Fisiopatologia

Normalmente, a abertura da valva aórtica tem uma área variando entre 2,5 a 3,5
cm². Quando sua área de abertura apresenta medidas inferiores a estas, nós dizemos que existe
uma estenose aórtica.
Ainda em relação a área de abertura da valva aórtica, nós podemos classificar a
estenose aórtica em leve, quando essa área está entre 1 e 2,5 cm²; moderada, quando sua área
mede entre 0,75 e 1 cm²; ou severa, quando a área de abertura é inferior a 0,75 cm².
Essa classificação, contudo, não é estanque. Com a estenose aórtica, vai haver
uma obstrução gradual e evolutiva, em termo de décadas, ao nível do ventrículo esquerdo,
com conseqüente hipertrofia compensatória (os miócitos podem aumentar em até 5 ou 7 vezes
seu diâmetro normal) e diminuição do seu diâmetro interno. Isso ocorre com a finalidade de
manter constante o débito cardíaco e pode ser demonstrado pela lei de LaPlace.
A lei de LaPlace diz que a tensão no interior de uma cavidade é igual a pressão
exercida em suas paredes multiplicada pelo seu diâmetro e dividida pelo dobro da sua
espessura.

PD
T= (1)
2E

Logo, para manter o débito cardíaco constante, como a valva de saída do


ventrículo esquerdo está estenosada e a pressão no seu interior está elevada, suas paredes
sofrem um espessamento (hipertrofia) e, assim, também diminuem de diâmetro.
CARDIOLOGIA - 21

Esses mecanismos compensatórios vão trazer algumas alterações prejudiciais


ao organismo. Por exemplo, o relaxamento muscular do ventrículo esquerdo e,
conseqüentemente, sua complacência vão estar diminuídos.
Desta forma, nós podemos observar que a pressão diastólica final (PD2) desse
ventrículo vai estar aumentada, dificultando a passagem do sangue que vem do átrio esquerdo
para o respectivo ventrículo.
Assim, ocorre também um aumento de pressão ao nível do átrio esquerdo, que
resulta primeiramente numa hipertrofia da musculatura atrial, para tentar manter o enchimento
ventricular constante, e caso essa hipertrofia seja insuficiente, numa hipertensão pulmonar,
com edema intersticial e dispnéia.
Desta forma, o desenvolvimento da hipertrofia ventricular acarreta numa
mudança do padrão de enchimento, que vai ser menor durante a fase de enchimento
ventricular rápida e maior durante a sístole atrial.
Compreende-se, desta forma, que pacientes portadores de estenose aórtica
importante podem apresentar grave deterioração hemodinâmica e edema pulmonar caso se
perca a contribuição atrial para o enchimento ventricular como, por exemplo, por ocasião de
uma fibrilação atrial.
Outro mecanismo que visa manter o débito cardíaco do coração normal é o
aumento do período sistólico, em detrimento do período diastólico.
Esse mecanismo também pode causar alterações indesejáveis no organismo.
A primeira dessas alterações que pode ser observada é que, diminuindo o
tempo do período diastólico, o enchimento ventricular, que já está diminuído pela redução do
relaxamento e da complacência ventricular, vai se tornar ainda mais diminuído.
Outro fator que pode se mostrar prejudicado é o enchimento coronariano, que
ocorre durante o período diastólico.
E isso é especialmente importante porque esta é uma condição em que o
consumo de oxigênio está aumentado principalmente pela hipertrofia do ventrículo esquerdo,
pelo aumento da pressão sistólica e pelo tempo de ejeção aumentado, situações que têm uma
demanda metabólica maior e que, desta forma, necessitam de uma maior oxigenação.
Em contraste, além do enchimento coronariano estar diminuído pela redução
do período diastólico, o aumento da pressão do ventrículo esquerdo provoca uma compressão
coronariana, reduzindo ainda mais a oferta de oxigênio para as fibras cardíacas.
A soma desses fatores leva a isquemia miocárdica, que é responsável por um
dos sintomas clássicos da estenose aórtica, a angina pectoris, que pode ocorrer mesmo na
ausência de doença coronariana concomitante.
Os outros dois sintomas que compreendem a tríade clássica da estenose aórtica
são a síncope ou tontura aos esforços e a dispnéia.
A síncope após esforço físico é explicada pela vasodilatação periférica, que
transfere o sangue da circulação cerebral para os músculos. Normalmente, haveria uma
quantidade suficiente tanto para o cérebro como para os músculos devido ao aumento do
débito cardíaco. Porém, na estenose aórtica o aumento do débito cardíaco ocorre de maneira
inapropriada.
A dispnéia, como já foi explicado, ocorre devido ao acúmulo de sangue no
ventrículo esquerdo, no átrio esquerdo e nos vasos pulmonares, ou seja, em decorrência da
insuficiência cardíaca esquerda.
O acúmulo de sangue no coração esquerdo provoca, obviamente, um gradiente
de pressão entre o ventrículo esquerdo e a aorta.
Sob o ponto-de-vista hemodinâmico, quando essa diferença de pressão for
superior a 50 mmHg, nós vamos ter uma estenose aórtica crítica, ou seja, assim como quando a
CARDIOLOGIA - 22

área de abertura da valva aórtica for inferior a 0,75 cm², nós vamos ter a manifestação
sintomatológica da doença.
Muitas vezes, porém, o paciente passa anos assintomático, sendo sua estenose
aórtica detectável somente pelo exame físico de rotina e pelos exames complementares.
Quando o ventrículo esquerdo não for mais capaz de compensar o débito
cardíaco, ou seja, a pressão no seu interior for superior ao mecanismo compensatório de
hipertrofia ventricular e de redução do seu diâmetro, vai haver uma redução da contratilidade
miocárdica com redução ainda maior do débito cardíaco e do tempo de ejeção, associada a
uma redução do gradiente pressórico entre o ventrículo esquerdo e a aorta, entrando o coração
numa disfunção sistólica ventricular, com dilatação e morte.
Desta forma, para a adequada quantificação do grau de estenose é importante
que se recorde que caso haja disfunção ventricular e redução do débito cardíaco pode haver
redução do gradiente pressórico transvalvar, mesmo em casos de estenose grave com redução
extrema do orifício aórtico.
Assim, o gradiente pressórico é bom indicador do grau de estenose em
pacientes que apresentam débito cardíaco normal, mas pode subestimar o grau de estenose
quando houver disfunção ventricular.

Exame físico

Na estenose aórtica, o pulso carotídeo, se comparado com o pulso normal,


apresenta-se com um amplitude baixa e uma duração prolongada, ao qual se costuma
denominar de pulso parvus et tardus.
A baixa amplitude é decorrente do menor fluxo sangüíneo que passa pela valva
aórtica estenosada e a duração prolongada ocorre em decorrência do período sistólico
prolongado, na tentativa de manter o débito cardíaco normal.
Na inspeção, habitualmente se observa a pulsação do ictus cordis um pouco
deslocada inferior e lateralmente.
À palpação, nós vamos observar um ictus propulsivo e sustentado em
decorrência da hipertrofia compensatória ventricular.
Na estenose moderada ou severa, pode-se palpar um frêmito sistólico no foco
aórtico e na fúrcula esternal, que corresponde a sensação tátil do sopro da estenose aórtica.
Na ausculta, nós podemos identificar um sopro na fase meso-sistólica, em
forma de diamante, que às vezes é precedido por um clique de abertura da valva aórtica,
principalmente quando ela for leve ou moderada.
Na estenose severa, esse clique geralmente desaparece porque os folhetos
aórticos praticamente não se movimentam, a intensidade do sopro aumenta e pode-se
identificar o desdobramento paradoxal da segunda bulha.
A segunda bulha tem dois componentes, um que é constituído pelo fechamento
da valva aórtica e outro formado pelo fechamento da valva pulmonar.
Fisiologicamente, o componente aórtico da segunda bulha ocorre antes do
componente pulmonar porque o nível pressórico intra-aórtico, sendo mais alto do que o
pulmonar, faz com que haja uma inversão do gradiente de pressão mais precocemente no lado
esquerdo do coração.
Na estenose aórtica severa, no entanto, há um mecanismo compensatório do
débito cardíaco que prolonga o período sistólico e, com isso, retarda o fechamento da valva
aórtica, que vai ocorrer paradoxalmente depois do fechamento da valva pulmonar. A essa
inversão na ordem de ocorrência dos componentes da segunda bulha dá-se o nome de
desdobramento paradoxal da segunda bulha.
CARDIOLOGIA - 23

Na prática, é possível diferenciar-se os ruídos aórtico e pulmonar pela


intensidade, que é maior na valva aórtica.
A primeira bulha costuma ser normal ou abafada e precedida da quarta bulha,
correspondente a sístole atrial.
Graficamente, nós podemos representar os elementos auscultáveis na estenose
aórtica da seguinte maneira.

Figura 5 - Representação gráfica do sopro da estenose aórtica

Pode ocorre irradiação desse sopro da estenose aórtica para a fúrcula esternal e
para os vasos da base.
A intensidade do sopro pode diminuir nos casos graves em que haja disfunção
ventricular, podendo mesmo desaparecer.

Exames complementares

Através do eletrocardiograma nós conseguimos detectar a


sobrecarga do ventrículo esquerdo, através do índice de Sokolow-Lyon (S de V1 + R de V5 ou
V6 > 35 mm), que ocorre em 85% dos pacientes com estenose importante. Também pode
existir alterações do segmento ST, que corresponde ao tempo que decorre do fim da
despolarização até o começo da repolarização da musculatura ventricular, com
desnivelamentos que ultrapassam 1,5 mm; e, às vezes, uma inversão da onda T determinada
pela isquemia miocárdica. Essas alterações ocorrem principalmente na hipertrofia severa.
Ocasionalmente, pode haver desaparecimento de ondas R, em
derivações precordiais direitas, com padrão eletrocardiográfico de “pseudo-infarto” ântero-
septal. Em 80% dos pacientes há sinais de sobrecarga atrial esquerda. A ocorrência de
fibrilação atrial é incomum.
Além disso, em 5% dos pacientes com estenose aórtica calcificada
pode-se encontrar diversos graus de bloqueio átrio-ventricular e bloqueios intraventriculares
e, também, a ocorrência de arritmias ventriculares complexas.
CARDIOLOGIA - 24

Figura 6 - Eletrocardiograma

O Raio-X de tórax com incidência póstero-anterior (PA) não nos


mostra muita coisa porque não existe um grande aumento do ventrículo esquerdo e, assim, a
área cardíaca se apresenta normal, observando-se com freqüência apenas discreta dilatação da
aorta ascendente como única anormalidade.
Aumentos da área cardíaca costumam aparecer quando há
disfunção ventricular.
O achado de aumento da imagem do átrio esquerdo faz suspeitar da
presença de insuficiência mitral.
Em perfil, pode-se observar calcificações na topografia da área
aórtica.

Figura 7 - Raio-X de tórax em PA e perfil


CARDIOLOGIA - 25

Com o ecocardiograma, nós podemos ter informações completas


sobre a anatomia valvar e cavitária e podemos também analisar o fluxo sangüíneo através da
valva aórtica.
O método permite ainda a identificação de anomalias congênitas, a
avaliação do grau de hipertrofia ventricular, análise da função muscular e do padrão de
enchimento diastólico, etc.

Figura 8 - Ecocardiograma unidimensional

Figura 9 - Ecocardiograma bidimensional (IVS = Septo interventricular; RV = Ventrículo direito; AO


= Aorta; AoV = Valva aórtica; LV = Ventrículo esquerdo; MV = Valva mitral; PW = Parede posterior;
LA = Átrio esquerdo)
CARDIOLOGIA - 26

O cateterismo, hoje em dia, serve principalmente para a avaliação


das artérias coronarianas nos pacientes acima de 45 anos que são indicados para cirurgia.
Suas outras funções, como a determinação da severidade da
obstrução, a avaliação da função ventricular e a pesquisa de outras valvopatias associadas
também podem ser realizadas pelo ecocardiograma, que tem a vantagem de não ser invasivo.

Tratamento

No paciente com estenose aórtica assintomática, nós devemos vigiar o


aparecimento de sintomas. Isso é importante porque o paciente pode ficar anos assintomático.
Porém, a partir do momento em que o portador de uma estenose aórtica começa a apresentar
os sintomas seu prognóstico piora muito, com uma sobrevida de 60% em 3 anos, 50% em 5
anos e 20% em 10 anos caso ele não seja tratado.
No paciente assintomático com estenose leve, deve-se fazer seu controle num
período de 2 em 2 anos. O indivíduo com estenose aórtica moderada ou severa é recomendado
a realizar os exames eletrocardiográfico, radiográfico e ecocardiográfico em intervalos de 6 a
12 meses. Deve-se também alertá-lo quanto a atividades físicas intensas e orientá-lo quanto a
profilaxia da endocardite infecciosa.

Figura 10 - Cirurgia de troca valvar aórtica

A cirurgia de troca valvar é indicada quando aparecem os sintomas na estenose


aórtica severa e quando um paciente assintomático apresenta progressão com redução do
ventrículo esquerdo e cardiomegalia, porque esse indivíduo vai apresentar sintomatologia em
questão de meses se não for tratado cirurgicamente.
CARDIOLOGIA - 27

Os fatores de risco que mais aumentam a mortalidade no tratamento cirúrgico da


estenose aórtica são:
 Classe funcional;
 Função ventricular esquerda;
 Arritmias ventriculares;
 Insuficiência aórtica associada;
 Idade avançada e
 Coronariopatias associadas.

A média de duração das próteses valvares é de oito anos, ou seja, esses pacientes
tem que ser freqüentemente reoperados e, a cada vez, a anatomia vai ficando mais difícil, com
cada vez mais fibrose, o que torna os resultados cada vez piores.
Desta forma, a troca valvar não é uma medida curativa e, sim, paliativa que,
porém, aumenta sobremaneira a sobrevida do paciente e permite uma qualidade de vida
melhor.
A valvoplastia por cateter-balão é útil em crianças com estenose aórtica
congênita justamente pelo fato de serem necessárias repetitivas cirurgias para a troca de uma
prótese valvar, mas também é indicada quando o paciente recusa o tratamento cirúrgico ou
quando o risco da cirurgia é extremo.
Nas estenoses aórticas calcificadas, a utilização da valvoplastia por cateter-balão
é inútil porque em 50% dos pacientes a valva aórtica reestenosa em 6 meses.

Prognóstico

A insuficiência cardíaca congestiva é indício de péssimo prognóstico. Contudo,


de acordo com vários trabalhos clínicos, o aparecimento de qualquer das três manifestações
principais da doença (dispnéia, angina ou síncope) é indicativo de sobrevida média de 2 a 5
anos.
Aproximadamente 15 a 25% dos pacientes morrem subitamente, dos quais 3 a
5% apresentam a morte súbita como primeira manifestação da doença.
A cirurgia de troca de valva aórtica provê uma sobrevida de aproximadamente
80% em cinco anos e 60% em 10 anos.
CARDIOLOGIA - 28

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Insuficiência aórtica

Etiologia

Basicamente, nós podemos dizer que a insuficiência aórtica pode ser aguda ou
crônica e suas causas podem ser de origem valvar ou da raiz da aorta.
As principais etiologias de origem valvar são:
 Febre reumática Que é muito comum;

Figura 1

 Endocardite infecciosa  Que pode ser causa de insuficiência aórtica tanto


aguda quanto crônica;

Figura 2

 Valva bicúspide congênita  Que pode dar origem a uma estenose ou a uma
insuficiência aórtica;
 Desalinhamento do folheto não-coronariano.
CARDIOLOGIA - 29

As principais etiologias de origem na raiz aórtica são:


 Dilatação da raiz da aorta
 Síndrome de Marfan

Figura 3

 Hipertensão arterial de longa duração


 Aneurisma da aorta ascendente;

 Necrose cística da camada média da aorta e


 Processos infamatórios crônicos Raramente causam insuficiência aórtica
 Aortite sifilítica
 Artrite reumatóide
 Espondilite anquilosante
 Síndrome de Reiter.

Fisiopatologia

Para nós podermos entender a insuficiência aórtica nós também podemos


utilizar a lei de LaPlace.
Recordando, ela diz que a tensão no interior de uma cavidade é igual a pressão
exercida em suas paredes multiplicada pelo seu diâmetro e dividida pelo dobro da sua
espessura.
Assim, com o fechamento inadequado das cúspides aórticas vai haver uma
sobrecarga de volume no ventrículo esquerdo.
Isso porque além do enchimento ventricular normalmente proporcionado pelo
átrio esquerdo, vai ocorrer também uma regurgitação sangüínea da aorta, pela valva
insuficiente, durante o período diastólico.
Contudo, essa sobrecarga vai aumentar apenas discretamente a pressão
intraventricular na insuficiência aórtica crônica porque lentamente ocorre um mecanismo
compensatório com hipertrofia miocárdica excêntrica, que difere da hipertrofia concêntrica da
estenose aórtica, onde os miócitos chegam a ter 7 vezes o seu diâmetro normal, por apresentar
um alongamento das fibras miocárdicas predominantemente no sentido longitudinal; e um
conseqüente aumento na espessura da parede ventricular. Assim, a relação parede/cavidade é
mantida pois ao mesmo tempo que ocorre um aumento do volume cardíaco intracavitário,
ocorre também um aumento na espessura da sua parede.
CARDIOLOGIA - 30

Desta forma, o ventrículo esquerdo passa a ser uma bomba de alta


complacência capaz de abrigar grandes volumes de sangue sem elevar muito a pressão.
Tais mecanismos adaptativos permitem que o ventrículo esquerdo mantenha
desempenho sistólico normal, com valores da fração de ejeção em geral superiores a 0,50.
A partir do momento que essa dilatação não consegue mais manter o débito
cardíaco, ocorre uma série de conseqüências.
Como o ventrículo esquerdo vai estar descompensado, ele não vai mais ser
capaz de ejetar o sangue nele alojado, aumentando o volume diastólico final e o volume
sistólico final.
O aumento do volume sistólico final leva à dilatação da aorta ascendente, que
pode agravar a insuficiência aórtica por afastamento adicional dos folhetos.
Além disso, grandes dilatações ventriculares com freqüência determinam
dilatação do anel mitral, com aparecimento de insuficiência mitral associada.
A dispnéia, a ortopnéia e a dispnéia paroxística noturna podem surgir pela
disfunção ventricular e elevação da pressão venocapilar pulmonar.
Também, devido a diminuição da fração de ejeção vai ocorrer uma dilatação
cardíaca ainda maior, com diminuição da relação parede/cavidade e, segundo a lei de LaPlace,
aumento da tensão sistólica da parede ventricular.
Obviamente, esse desenvolvimento é crônico e, da mesma maneira que na
estenose aórtica, esses pacientes podem ficar anos assintomáticos.
Também da mesma maneira que ocorre na estenose aórtica, a hipertrofia
ventricular da insuficiência aórtica resulta em um aumento do consumo aeróbico pelas
miofibrilas cardíacas.
Porém, como durante a diástole, fase em que ocorre o enchimento coronariano,
as valvas aórticas insuficientes permitem um refluxo aórtico para o interior do ventrículo
esquerdo, o fluxo das artérias coronarianas torna-se menor, manifestando-se clinicamente por
angina pectoris.
Neste caso, não há sincope ou tontura porque na fase compensada da doença o
débito cardíaco é suficiente, mesmo aos esforços.
Na insuficiência aórtica aguda, há um aumento abrupto de sangue no interior
do ventrículo esquerdo com conseqüente aumento de pressão.
Esse aumento de pressão pode fazer com que o átrio esquerdo tenha
dificuldade de esvaziar seu sangue durante a diástole.
Chega a um ponto que ocorre fechamento prematuro da valva mitral e ela
permanece fechada durante grande parte do período diastólico.
Como conseqüência, nós podemos ter hipertensão pulmonar e edema agudo de
pulmão.
Em alguns casos, o ventrículo esquerdo se apresenta tão cheio de sangue
durante a diástole que, no momento da sístole atrial, apesar da valva mitral estar fechada em
decorrência da pressão diastólica ventricular elevada, ocorre uma transmissão pressórica do
átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo, aumentando ainda mais a pressão no interior deste
e produzindo um afastamento dos folhetos da valva aórtica.
Esse fenômeno é raro, mas pode acontecer e, por isso, está representado no
esquema a seguir.
CARDIOLOGIA - 31

Figura 4

Exame físico

Na insuficiência aórtica, a clínica varia de acordo com o tipo e o grau de


insuficiência. O pulso carotídeo, no exame físico, se comparado com o pulso normal, tem uma
amplitude alta devido a grande pressão diferencial decorrente tanto do aumento da pressão
sistólica, causada pelo maior volume de sangue ejetado; quanto da diminuição da pressão
diastólica, decorrente da própria lesão da valva aórtica. Esse pulso tem também um tempo de
duração inferior ao do pulso normal e é denominado na prática médica de “pulso martelo
d’água” (ou pulso de Corrigan) e sua pulsação visível à inspeção é descrita nos livros como
“dança das carótidas”.
Existem alguns sinais que podem ser observados numa fase avançada da
insuficiência aórtica. São eles:
 Sinal de Musset
O paciente apresenta um movimento pendular da cabeça
para frente e para trás, que ocorre juntamente com o pulsar das carótidas e
decorre da pressão exercida sobre os músculos esternoclidomastóideos pelo
pulsar carotídeo.

 Sinal de Traube
É a manifestação auditiva do “pulso martelo d’água”
quando se posiciona o diafragma do estetoscópio sobre a artéria femoral. O
som auscultado assemelha-se aos sons produzidos por “tiros de pistola”.

 Sinal de Müller
O paciente apresenta um movimento pendular da úvula ao
exame da cavidade oral.

 Sinal de Duroziez
CARDIOLOGIA - 32

É a ausculta do sopro sisto-diastólico quando se


comprime a artéria femoral com o estetoscópio.

 Sinal de Quincke
É a visualização da pulsação capilar arterial quando se
realiza uma compressão ungueal ou através da transiluminação das polpas
digitais.

Ao exame físico cardiológico, na inspeção, pode-se observar a localização do


ictus cordis, que em geral vai estar desviado para a esquerda e inferiormente devido a
dilatação ventricular esquerda.
Pode-se também observar pulsação do oco esternal e, às vezes, da artéria
subclávia esquerda.
À palpação, observa-se um ictus propulsivo e não sustentável, ao contrário do
ictus da estenose aórtica. Dependendo do grau de insuficiência pode-se palpar um frêmito
diastólico no foco aórtico.
Na ausculta, observa-se um sopro diastólico precoce de alta freqüência, por
isso melhor auscultado com o diafragma do estetoscópio, e decrescente (ou aspirativo).
Essa característica decrescente do sopro da insuficiência aórtica ocorre devido
a uma diminuição no gradiente de pressão entre a aorta e o ventrículo esquerdo a medida que
este recebe maior volume sangüíneo durante a diástole.

O sopro da insuficiência aórtica é melhor


audível no segundo espaço intercostal, na região paraesternal à
direita, e no terceiro ou quarto espaço intercostal à esquerda,
estando o paciente sentado, em expiração e com o tórax
inclinado para a frente.
Pode também haver um sopro sistólico na
insuficiência aórtica que tem origem a partir do grande volume
ejetado do ventrículo esquerdo, fazendo com que haja uma
“estenose relativa” da valva aórtica.
A esse componente sistólico do sopro da
insuficiência aórtica dá-se o nome de sopro sistólico de
hiperfluxo.
Ainda, graças ao aumento da pressão
ventricular que ocorre na insuficiência aórtica aguda e que
diminui tanto a área quanto o tempo de abertura da valva
Figura 5 - Posição ideal para a
mitral durante a diástole, pode ocorrer um sopro de baixa ausculta do sopro da
freqüência, produzido por essa estenose funcional, chamado de insuficiência aórtica
sopro de Austin-Flint.
Quando esse sopro ocorre, pode ser difícil de diferenciar uma insuficiência
aórtica aguda de uma insuficiência aórtica crônica severa com uma estenose mitral associada.
Graficamente, nós podemos representar o sopro sistodiastólico da insuficiência
aórtica da seguinte maneira.
CARDIOLOGIA - 33

Figura 6 - Representação gráfica do sopro da insuficiência aórtica

A gravidade da lesão, que na estenose aórtica é determinada pela intensidade


do sopro, na insuficiência aórtica se associa mais com a sua duração. Nas formas muito leves,
o sopro é audível apenas durante aproximadamente metade da diástole, tornando-se
holodiastólico nas formas mais graves.
Todas as condições que aumentam a pressão periférica também aumentam o
sopro da insuficiência aórtica como, por exemplo, os vasopressores, a posição de cócoras,
exercício isométricos, etc.
Da mesma maneira, a redução da pressão periférica diminui o sopro dessa
patologia. Como exemplo dessas situações nós temos a ingestão de nitrito de amilo e a fase de
esforço da manobra de Valsalva.
A primeira bulha costuma ser fraca, abafada, enquanto que a segunda é de
regra hiperfonética, tornando-se abafada nas formas graves.

Exames complementares

No eletrocardiograma, nós podemos identificar sobrecarga do


ventrículo esquerdo, semelhantemente a estenose aórtica mas com a diferença que, nesta,
geralmente as ondas T (repolarização ventricular) estão mais negativas do que na
insuficiência aórtica.

Figura 7 - Eletrocardiograma
CARDIOLOGIA - 34

O aparecimento de infradesnivelamento de ST e de inversões de


onda T constitui-se em indicador de mau prognóstico, freqüentemente associado à disfunção
ventricular.
O ritmo é quase sempre sinusal, observando-se raros casos de
fibrilação atrial, especialmente quando existe aumento importante do átrio esquerdo por
insuficiência mitral.

O Raio-X em PA mostra aumento


da silhueta cardíaca às custas do aumento do ventrículo
esquerdo e da aorta ascendente e pode mostrar sinais de
aumento atrial esquerdo, tais como duplo contorno, presença
de quarto arco cardíaco e desvio do brônquio fonte esquerdo.
Em perfil, pode-se visualizar o
aumento do átrio esquerdo quando se faz um Raio-X
contrastado com bário.
O ecocardiograma confirma o
diagnóstico da insuficiência aórtica e permite-nos medir o
volume do ventrículo esquerdo. Além disso, ele nos fornece
importantes informações que com freqüência permitem o
Figura 8 - Raio-X de tórax em PA
diagnóstico da sua etiologia.
No ecodopplercardiograma, além da detecção de fluxo retrógrado,
pode-se detectar a severidade da insuficiência aórtica pela variação da velocidade do refluxo
aórtico.

Figura 9 - Ecocardiograma bidimensional (IVS = Septo interventricular; RV = Ventrículo direito; AV


= Valva aórtica; LV = Ventrículo esquerdo; MV = Valva mitral; PW = Parede posterior; LA = Átrio
esquerdo)
CARDIOLOGIA - 35

Por exemplo, quando a variação da velocidade do


refluxo é alta significa que a valva aórtica está
amplamente aberta e, em conseqüência, a insuficiência
aórtica é severa.
Quando, porém, sua variação de velocidade é
baixa, há apenas uma pequena abertura na valva aórtica,
indicando que a sua insuficiência é apenas leve.
O cateterismo é indicado principalmente para
pacientes acima de 45 anos indicados para cirurgia para
avaliação da sua função coronariana.

Figura 10 - Ecocardiograma unidimensional

Tratamento

Os pacientes com insuficiência aórtica leve ou moderada que são assintomáticos


devem fazer acompanhamento clínico e ecocardiográfico a cada 6 ou 12 meses. Além disso,
devem ser alertados quanto a prática de esportes vigorosos e educados sobre a profilaxia da
endocardite infecciosa.
Os pacientes com lesão severa que forem assintomáticos e que tiverem uma
função ventricular esquerda normal devem ser tratados conservadoramente.
Porém, os pacientes assintomáticos que tiverem um decréscimo constante da sua
função ventricular devem ser tratados cirurgicamente porque os sintomas não tardarão em
aparecer.
Aqueles pacientes com insuficiência aórtica grave sintomática, ou seja, que
apresentam dispnéia por insuficiência cardíaca esquerda e, às vezes, angina pectoris, também
dever ser tratados cirurgicamente.
Vasodilatadores orais, como a hidralazina, podem determinar reduções da fração
de regurgitação e do volume ventricular, conseguindo-se protelar a indicação cirúrgica.
Os digitálicos e os diuréticos estão indicados quando houver insuficiência
cardíaca, de preferência associados a vasodilatadores.
A insuficiência aórtica aguda em geral é severa e exige tratamento cirúrgico
imediato. Na espera, recomenda-se a utilização de inotrópicos como a dopamina e a
dobutamina, para aumentar a força contratio do miocárdio, e de vasodilatadores como o
nitroprussiato.
A troca da valva aórtica determina reduções nas dimensões ventriculares e
melhora da capacidade física. A redução da dimensão da câmara ventricular é mais
pronunciada no pós-operatório precoce, continuando a se processar, mais lentamente, durante
até sete anos após a cirurgia. Apesar de haver redução das dimensões do ventrículo esquerdo,
a fração de ejeção não costuma melhorar após a cirurgia.
Após a operação, os pacientes portadores de próteses mecânicas devem ser
mantidos em esquema de anticoagulação oral indefinidamente. Para as próteses biológicas,
em vários serviços, a anticoagulação é mantida apenas durante aproximadamente dois meses.
CARDIOLOGIA - 36

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Insuficiência cardíaca

Introdução

A insuficiência cardíaca é uma doença que tem aumentado sua incidência


drasticamente na última década.
Há uma certa dificuldade em se definir a insuficiência cardíaca porque como o
coração tem uma modificação constante na sua atividade frente a diversas situações
metabólicas distintas, é difícil estabelecer um parâmetro de quando ele está insuficiente.
Contudo, a insuficiência cardíaca pode ser definida como uma incapacidade do
coração em se adequar a essas diversas condições metabólicas do organismo.
Para efeitos práticos, nós podemos dividir o coração em direito e esquerdo e,
conseqüentemente, a insuficiência cardíaca em direita e esquerda. Às vezes, nós também
podemos ter uma associação dessas duas.
A insuficiência cardíaca esquerda, cuja principal manifestação clínica é a
dispnéia, é mais freqüente que as outras especialmente porque as patologias sistêmicas
atingem mais freqüentemente o coração esquerdo.
A insuficiência cardíaca direita, que causa congestão venosa sistêmica, deve-se na
maior parte dos casos ao paciente com insuficiência cardíaca esquerda.
Obviamente, porém, as doenças pulmonares também podem causar insuficiência
cardíaca direita através do cor pulmonale.
Quando nós temos ambas as insuficiências, nós dizemos que o paciente tem uma
insuficiência cardíaca global ou uma insuficiência cardíaca congestiva.
A insuficiência cardíaca também pode ser descrita como de alto ou de baixo
débito, aguda ou crônica, anterógrada ou retrógrada e sistólica ou diastólica.
Existe ainda uma situação na qual o bombeamento cardíaco está normal mas nós
temos sintomas muito semelhantes aos da insuficiência cardíaca.
Essa situação ocorre muito nos centros de terapia intensiva (CTI), devido a
infusão rápida de líquidos, e nos casos de insuficiência renal aguda e é chamada de estado
congestivo.
De maneira crônica, o estado congestivo pode ocorrer nas anemias.
A insuficiência cardíaca também deve ser distinguida das causas não-cardíacas de
débito sangüíneo inadequado, como o choque hipovolêmico e a redistribuição do volume
sangüíneo.

Fisiopatologia

Para se entender a fisiopatologia da insuficiência cardíaca, é preciso saber


quais os fatores que determinam o bombeamento cardíaco normal.
O bombeamento cardíaco normal, também chamado de débito cardíaco, é
diretamente proporcional ao volume de ejeção e a freqüência cardíaca e pode ser expresso
numericamente entre 2,5 e 3,5 litros por minuto e por metro quadrado de superfície corporal.

Débito cardíaco = Volume de ejeção  Freqüência cardíaca (2)


CARDIOLOGIA - 37

Assim, nós estamos saindo de conceitos instáveis e tornando a função cardíaca


mais palpável, com números que vão facilitar o nosso conceito de insuficiência cardíaca.
Porém, o débito cardíaco não é determinado rotineiramente nos pacientes
ambulatoriais, nos quais nós usamos parâmetros clínicos, como a dispnéia e o edema, para
fazer o diagnóstico de insuficiência cardíaca; mas em algumas situações nós podemos
determinar o débito cardíaco do paciente através do cateter de Swan-Ganz, a partir do
princípio de Fick de termodiluição.
O volume de ejeção, que é um fator que colabora com o débito cardíaco,
depende principalmente de três fatores:
1. Pré-carga;
2. Pós-carga e
3. Contratilidade miocárdica.

A pré-carga corresponde a distensão das fibras ventriculares no final da


diástole e é representada através do volume de líquido no interior do ventrículo.
Porém, como não é fácil obter nem um nem outro desses dados, nós podemos
dizer que a pré-carga é diretamente proporcional a pressão diastólica final (PD2) dos
ventrículos que, no lado direito, varia entre 6 e 12 mmHg e, no lado esquerdo, entre 12 e 15
mmHg.
Existe um mecanismo de calcular a pressão diastólica final do ventrículo
esquerdo através do ventrículo direito.
Utilizando-se o cateter de Swan-Ganz, faz-se sua introdução através de uma
veia, geralmente no braço, e insufla-se seu balão guia ao nível da veia subclávia para que ele
seja carreado para o interior do átrio direito.
Seguindo a circulação cardíaca, o cateter vai ser guiado para o interior do
ventrículo direito e, através do tronco pulmonar, até os pequenos ramos da artéria pulmonar.
Relembrando o ciclo cardíaco, nós vamos observar que durante a diástole,
quando nós medimos a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo, a valva mitral vai estar
semi-aberta e, conseqüentemente, nesse exato momento, a pressão atrial esquerda vai ser igual
a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo.
Semelhantemente, como as veias pulmonares são isentas de valvas, a pressão
atrial esquerda vai ser muito semelhante a pressão nas veias pulmonares.
Concluindo, como a pressão pulmonar é muito baixa, a pressão dos capilares
arteriais pulmonares, onde vai estar localizado o cateter de Swan-Ganz, é bem próxima à
pressão dos capilares venosos pulmonares e, conseqüentemente, a pressão diastólica final do
ventrículo esquerdo.
Pode-se então, através desse método, determinar a pré-carga do ventrículo
esquerdo, com duas exceções. No enfisema pulmonar, a resistência pulmonar está elevada e
as pressões capilares vão, então, estar muito diferentes. Na estenose mitral, devido a
dificuldade de abertura da valva mitral, as pressões no interior do átrio esquerdo e do
ventrículo esquerdo também vão divergir, impossibilitando a determinação da pressão
diastólica final por este processo.
Rotineiramente, nós avaliamos a pré-carga através do retorno venoso com o
exame de enchimento das jugulares ou através da determinação da pressão venosa central
(PVC).
Quanto maior a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo, maior é a sua
pré-carga. Em conseqüência, como a pré-carga é um fator diretamente proporcional ao
volume de ejeção e este, por sua vez, está diretamente ligado ao débito cardíaco, quanto maior
a pré-carga, maior o débito cardíaco.
CARDIOLOGIA - 38

Mas isso só é verdade até um certo limite, pois a partir de então, o aumento da
pressão ventricular não é mais acompanhado por um débito adequado e o coração pode
descompensar, dilatar e levar o paciente ao óbito.
Outro fator do qual o débito cardíaco depende é a pós-carga.
A pós-carga pode ser definida como a resistência do sistema vascular a ejeção
de sangue, ou arteriolar pulmonar, ou arteriolar periférico.
A pós-carga oferecida pelo sistema vascular arteriolar pulmonar pode ser
avaliada pelo ecodopplercardiograma através da pressão pulmonar. A pós-carga esquerda, por
sua vez, pode ser avaliada com a medida da pressão arterial.
Trazendo esses conceitos para o dia-a-dia nós podemos dizer que um paciente
que tem hipertensão arterial tem uma pós-carga aumentada.
Desta forma, nós concluímos que quanto maiores as pressões arteriais
periférica ou pulmonar, menor o volume de ejeção ventricular, ou seja, menor o débito
cardíaco.

Volume Volume
sistólico sistólico

Pré-carga Pós-carga
Figura 1

Se não houver alterações na pré ou pós-cargas, é a contratilidade cardíaca (ou


inotropismo) que vai determinar o débito cardíaco.
A contratilidade miocárdica depende da liberação de adrenalina e pode ser
avaliada pela fração de ejeção ventricular, que é calculada pelo volume de sangue ejetado
dividido pelo volume de sangue no final da diástole.

Fração de ejeção ventricular = Volume de sangue ejetado (3)


Volume diastólico final

A fração de ejeção ventricular pode ser avaliada por três maneiras.


A maneira mais simples de se avaliar a fração de ejeção ventricular é pela
ecocardiografia, verificando-se o tamanho cavitário na sístole e na diástole.
As outras duas maneiras são através de rádio isótopos e da ventriculografia por
contraste.
Normalmente, a fração de ejeção ventricular esquerda é igual a 0,55, o que
significa que 55% do volume diastólico final é ejetado.
Porém, 30% dos pacientes com insuficiência cardíaca têm a fração de ejeção
ventricular normal, ou seja, têm contratilidade normal.
Sua sintomatologia é causada por uma deficiência no relaxamento miocárdico
durante a diástole, quer dizer, por causa de uma diminuição da pré-carga, que pode ser
causada por hipertrofia ventricular, como ocorre na hipertensão arterial sistêmica e na
estenose aórtica; por isquemia miocárdica; ou por causa de doenças infiltrativas, como a
amiloidose.
CARDIOLOGIA - 39

Esse grupo de insuficiência é denominado insuficiência cardíaca diastólica e é


importante porque esses pacientes não necessitam usar drogas inotrópicas (como os
digitálicos) terapeuticamente mas, sim, drogas que aumentem o relaxamento miocárdico,
aumentando a pré-carga e conseqüentemente o débito cardíaco.

Mecanismos de compensação

Os mecanismos de compensação da insuficiência cardíaca são


os mesmos que o organismo usa no dia-a-dia para a suas necessidades metabólicas normais,
porém, eles são exacerbados na sua intensidade e na sua duração.
É importante enfatizar que, na insuficiência cardíaca leve, tais
mecanismos compensatórios quase sempre são capazes de restaurar ao normal a pressão
arterial, a perfusão orgânica e o débito cardíaco em repouso e até mesmo durante o exercício
físico moderado.
Inicialmente, ocorre um aumento na atividade simpática, que
contribui com a contratilidade miocárdica e resulta em um aumento da freqüência cardíaca
(taquicardia). Essa taquicardia pode aumentar o débito cardíaco em até 3 vezes.
Porém, freqüências cardíacas muito altas, acima de 180 bpm,
causam uma redução do débito cardíaco por falta de enchimento ventricular.
Além do aumento da freqüência cardíaca, a atividade simpática
promove uma vasoconstrição periférica que tem 3 conseqüências principais.
A primeira é o aumento do retorno venoso, que tende a
aumentar o volume de ejeção ventricular pelo aumento da pré-carga.
A segunda conseqüência é o aumento da resistência vascular
periférica, que tende a reduzir o débito cardíaco pelo aumento da pós-carga.
A outra é o desvio do fluxo sangüíneo procurando preservar o
coração e o cérebro. Em contrapartida, esse desvio de fluxo diminui a perfusão da pele,
músculos esqueléticos, órgãos esplâncnicos e rins.
Desta forma, nós observamos que, como todo mecanismo
compensatório, esses mecanismos apresentam condições benéficas e condições deletérias ao
organismo, sendo responsáveis por muitos dos sintomas e disfunções orgânicas, até mesmo o
óbito, que ocorrem nos pacientes com insuficiência cardíaca.
Outro mecanismo compensatório que pode ocorrer na
insuficiência cardíaca é a dilatação, acompanhada de um surpreendente aumento na sua pré-
carga e, conseqüentemente, no débito cardíaco.
Todavia, a partir de determinado tamanho a dilatação também
se torna deletéria, principalmente porque os sarcômeros se afastam e impossibilitam a sua
contração.
A nível das fibras miocárdicas, um dos principais ajustes do
coração é a hipertrofia, que pode ser basicamente de 2 tipos.
A hipertrofia por sobrecarga de pressão é do tipo concêntrica,
como ocorre na estenose aórtica. Nesses casos há um aumento na espessura da parede
ventricular, mas não há aumento no seu diâmetro.
As sobrecargas de volume fazem hipertrofia do tipo excêntrica,
com aumento do tamanho das fibras predominantemente no sentido longitudinal, como ocorre
na insuficiência aórtica. Esse tipo de hipertrofia aumenta a espessura e o diâmetro interno do
ventrículo proporcionalmente.
Conseqüentemente, como efeito deletério nós temos a
isquemia dessas fibras hipertrofiadas por uma necessidade metabólica aumentada e,
CARDIOLOGIA - 40

eventualmente, um fluxo sangüíneo reduzido por perda de enchimento coronariano ou por


uma coronariopatia associada, que se manifesta clinicamente por dor pré-cordial (angina
pectoris).
Quando ocorre hipertrofia, principalmente a excêntrica, pode
haver também uma dilatação ventricular com o objetivo de manter uma tensão sistólica
adequada (lei de LaPlace). Porém, nos quadros agudos, freqüentemente a dilatação ocorre de
forma isolada.
Outro mecanismo compensatório das insuficiências cardíacas é
aumento do volume plasmático e da pressão capilar provocados pelos rins. Isso ocorre em
decorrência da queda da pressão glomerular, causada pela redução do débito cardíaco, que
simula uma hipovolemia e ativa o sistema renina-angiotensina-aldosterona, provocando uma
retenção de sódio e água pelos túbulos renais.
A principal evidência desse mecanismo compensatório dos rins
é a formação de edema e derrames intracavitários.

Manifestações clínicas

Como vimos, a insuficiência cardíaca se caracteriza por uma


congestão venosa pulmonar e/ou sistêmica, associada a um débito cardíaco diminuído, sendo
possível considerar separadamente a insuficiência ventricular direita e a insuficiência
ventricular esquerda.
Também acabamos de ver que dentro de certos limites o organismo
lança mão de mecanismos compensadores capazes de manter a perfusão celular em níveis
adequados.
Quando é ultrapassada essa capacidade de compensação eclode o
quadro clínico da insuficiência cardíaca.
De uma maneira geral, o coração tolera melhor a sobrecarga de
volume do que a de pressão. É por isso que a insuficiência aórtica pode permanecer vários
anos sem causar sintomas enquanto a sobrecarga provocada pela estenose aórtica determina
sinais e sintomas de insuficiência cardíaca mais precocemente.
Da mesma forma, as sobrecargas que se instalam progressivamente
são mais bem toleradas do que as sobrecargas agudas. Por exemplo, a insuficiência mitral
causada por lesão reumática pode perdurar muitos anos sem desencadear insuficiência
miocárdica enquanto a insuficiência mitral produzida por ruptura de cordoalha tendínea
precipita uma rápida e intensa insuficiência cardíaca.
Os sinais e sintomas da insuficiência cardíaca compreendem um grupo
de sintomatologia atribuível ao próprio coração e um grupo extracardíaco.
Essas manifestações extracardíacas devem ser interpretadas dentro do
contexto clínico do paciente pois elas não são necessária e exclusivamente decorrências da
insuficiência cardíaca.
CARDIOLOGIA - 41

As manifestações clínicas
da insuficiência ventricular esquerda originam-se
fundamentalmente da congestão venocapilar
pulmonar, decorrente, por sua vez, da
incapacidade contrátil desse ventrículo e
compreendem dispnéia progressiva aos esforços
que, por ser subjetiva, é difícil de ser
quantificada; ortopnéia, quase sempre uma
manifestação que surge mais tardiamente que a
dispnéia de esforço; dispnéia paroxística
(noturna); palpitações, que traduzem o aumento
da freqüência cardíaca; tosse, que acompanha ou
substitui a dispnéia; expectoração hemoptoica;
crepitações pulmonares, que são os sinais mais
precoces de congestão pulmonar; e, às vezes,
respiração sibilante decorrente do broncoespasmo
causado por essa congestão venocapilar.
Além desses, há também
os sinais originados do próprio coração como a
taquicardia, que é o mecanismo compensador
mais elementar de que o organismo pode lançar
mão para tentar manter o débito cardíaco em
níveis adequados; o ritmo em galope, que decorre
da audição da terceira bulha cardíaca e é quase
patognomônico de insuficiência cardíaca; a
alternância cardíaca, que consiste na sucessão de
um batimento forte e um fraco; e a convergência Figura 2 - Paciente com insuficiência cardíaca
pressórica, que decorre tanto da diminuição da esquerda
pressão arterial sistólica em conseqüência da
redução da força de contração do ventrículo esquerdo, quanto do aumento da pressão
diastólica pela hiperatividade periférica do sistema simpático, que aumenta a resistência
vascular.
Ainda, como conseqüência da diminuição do débito podem surgir
sintomas decorrentes da má oxigenação cerebral e de outros órgãos tais como irritabilidade,
cefaléia, insônia, confusão mental, anorexia, fatigabilidade e astenia.
A sintomatologia da insuficiência ventricular direita é menor do que a
da insuficiência ventricular esquerda e se restringe a astenia; dor no hipocôndrio direito por
distensão da cápsula de Glisson provocada pela hepatomegalia congestiva; anorexia, dor
abdominal difusa quando há ascite; diarréia devido a estase do tubo intestinal; e oligúria
devido a retenção de sódio e água pelos rins.
Os sinais atribuíveis ao próprio coração são a taquicardia e o ritmo em
galope, tal qual na insuficiência ventricular esquerda.
CARDIOLOGIA - 42

Ao exame físico, encontra-se geralmente


ingurgitamento jugular, hepatomegalia, edema,
derrames cavitários e cianose periférica,
resultante da lentidão circulatória que leva a um
maior consumo de oxigênio ao nível da pele nas
extremidades.
A intensidade do edema cardíaco pode ir
de um discreto edema, restrito as extremidades
inferiores, até a anasarca.
Contudo, na grande maioria dos casos
encontram-se sinais e sintomas de insuficiência
de ambos os ventrículos, falando-se então em
insuficiência cardíaca global ou congestiva.
Isso porque, em geral, as doenças que
afetam o coração provocam inicialmente a
falência de um ventrículo e, posteriormente, do
outro.
Tanto é verdade que a causa mais comum
da insuficiência ventricular direita é a
insuficiência esquerda, ocorrendo melhora da
dispnéia a medida que o débito cardíaco do
ventrículo direito diminui e, ao mesmo tempo,
aumenta a congestão venosa sistêmica.

Figura 3 - Paciente com insuficiência cardíaca


direita
CARDIOLOGIA - 43

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Tratamento da insuficiência cardíaca

Tratamento clínico

Em um período de quatro anos, 50% dos pacientes diagnosticados com


insuficiência cardíaca vão a óbito. Portanto, a nossa prioridade não é o tratamento sintomático
da insuficiência cardíaca mas a correção da causa básica que a provocou.
Todavia, num número importante de pacientes a remoção da causa básica
não é possível, principalmente porque muitas vezes a doença é miocárdica e, portanto,
irreversível. Nesses casos, nós vamos fazer o tratamento sintomático da insuficiência
cardíaca.
Nossa segunda prioridade é a remoção dos fatores que podem desencadear
ou precipitar a insuficiência cardíaca.
Algumas anormalidades cardíacas podem existir durante muitos anos sem
provocar qualquer alteração clínica.
Porém, as manifestações clínicas da insuficiência cardíaca surgem quase
sempre, pela primeira vez, no decorrer de algum distúrbio agudo que impõe uma sobrecarga
adicional ao miocárdio. Apesar de compensado, o coração não dispõe de reservas adicionais e
essa carga adicional resulta em maior deterioração da função cardíaca.
A identificação dessas causas predisponentes é importante porque o seu
rápido alívio pode salvar a vida do paciente. Como exemplo de algumas dessas causas, nós
temos:
 Infecções
A maior demanda metabólica é a principal responsável pela
descompensação nesses casos.

 Febre
 Hipertensão arterial
A rápida elevação da pressão arterial, como a que
pode ocorrer em alguns casos de hipertensão renal ou com a suspensão
de uma medicação anti-hipertensiva, pode resultar em descompensação
cardíaca.

 Tireotoxicose
A insuficiência cardíaca pode ser uma das primeiras
manifestações clínicas do hipertireoidismo numa pessoa com
cardiopatia subjacente previamente compensada.

 Anemia / Hemorragia
Nesses casos, as necessidades de oxigênio para
o metabolismo tecidual só podem ser supridas por meio de um aumento
do débito cardíaco.

 Hipoproteinemia
 Exercícios físicos
CARDIOLOGIA - 44

 Arritmias
Constituem numa das causas mais comuns de insuficiência
cardíaca em pacientes com cardiopatia compensada subjacente devido a
redução do tempo de enchimento ventricular, dissociação entre as
contrações atriais e ventriculares, perda do sincronismo normal da
contração, etc.

 Infarto do miocárdio
Em pacientes com cardiopatia isquêmica
crônica, o infarto do miocárdio, às vezes silencioso, pode prejudicar
ainda mais a função ventricular e precipitar a insuficiência cardíaca.

 Embolia pulmonar
Resulta em elevação da pressão arterial pulmonar,
provocando ou intensificando a insuficiência ventricular.

 Gestação
Não é raro que a insuficiência cardíaca se manifeste pela
primeira vez durante a gravidez em mulheres com cardiopatia prévia,
nas quais a compensação cardíaca pode retornar após o parto.

 Insuficiência renal
 Insuficiência hepática
 DPOC
 Fármacos que fazem retenção de sódio (DAINEs e corticosteróides)
 Ingestão importante de sal
 Fármacos inotrópicos negativos (-bloqueadores)
 Interrupção da medicação
 Outros

Deve-se efetuar uma pesquisa sistemática dessas causas precipitantes em


todo indivíduo com intensificação ou desenvolvimento recentes de insuficiência cardíaca.
A causa precipitante, quando adequadamente reconhecida, pode ser tratada
com mais eficiência do que a causa básica, melhorando o prognóstico desses pacientes.
Como nós vimos, na insuficiência cardíaca, o mecanismo compensatório
do rim pode levar ao edema, derrames intracavitários e outras situações indesejáveis.
Para melhorar esse quadro sintomatológico, nós podemos controlar a
retenção de água e sódio pelo organismo de diversas maneiras.
Uma delas é através da restrição da ingestão de sal na dieta do paciente,
restrição esta que deve ser proporcional a gravidade da sua insuficiência cardíaca.
Por exemplo, um paciente com insuficiência cardíaca leve deve evitar os
alimento ricos em sal, como os salgadinhos, azeitonas, salaminho, etc.; bem como o sal
adicionado à mesa. Desta forma, a ingestão de cloreto de sódio, que normalmente tem 6 a 10
gramas, pode ser reduzida pela metade.
Quando sua insuficiência cardíaca for mais intensa, sua dieta de sal pode
ser reduzida para aproximadamente um quarto do normal retirando-se todo o sal no preparo
dos alimentos, o que causa logo de cara duas dificuldades. Uma, com respeito a nossa cultura
de ingerir alimentos salgados e outra, no que se refere a refeições fora de casa.
CARDIOLOGIA - 45

Por isso, pode-se recomendar ao paciente polvilhar um pouco de sal,


principalmente cloreto de potássio, sobre a comida antes de ingeri-la, no sentido de melhorar
o paladar do alimento.
Nos indivíduos com insuficiência cardíaca grave, cuja ingestão diária de
cloreto de sódio deve ser reduzida para 1/10 da ingestão normal, é preciso eliminar o leite, o
queijo, o pão, os cereais, vegetais, algumas carnes salgadas e alguns vegetais frescos,
incluindo espinafre, aipo e beterraba.
Diminuindo-se a ingestão de sódio, não há necessidade de restringir a
ingestão de água, somente em pacientes internados extremamente graves e naqueles com
hiponatremia dilucional.
Além de restringir a absorção de sódio, nós podemos também aumentar a
sua excreção através da administração de diuréticos.
Os diuréticos tiazídicos só existem por via oral, são os mais baratos e têm
um efeito moderado, agindo com um clearance de até 30 ml/min (o rim normal tem um
clearance de 100 ml/min).
Eles podem produzir alguns efeitos indesejáveis como hiperglicemia,
hiperuricemia e hipertrigliceridemia. Essas manifestações, porém, ao contrário do que parece,
não são muito importantes, a não ser quando o paciente já tem algum distúrbio pré-existente
como o diabetes e a insuficiência renal, por exemplo.
Existem várias substâncias tiazídicas, dentre as quais nós podemos
destacar a hidroclorotiazida, que é uma das tiazidas mais empregadas e que pode ser
encontrada com o nome comercial de Drenol® em comprimidos de 50 mg.
A diidroclorotiazida é comercializada sob o nome de Clorana® em
comprimidos, também, de 50 mg.
Ambas as tiazidas acima descritas geralmente são administradas a cada 12
horas.
Outra tiazida, a clortalidona, pode ser encontrada com o nome comercial
Higroton® em comprimidos de 25, 50 ou 100 mg e, como tem uma sobrevida maior do que as
outras tiazidas, pode ser administrada a cada 24 horas.
Os tiazídicos reduzem a reabsorção de sódio e de cloreto na primeira
metade do túbulo contorcido distal e numa parte do ramo ascendente da alça de Henle. Em
conseqüência da maior liberação de sódio para o néfron distal, a troca de íons sódio/potássio é
acelerada, resultando em caliurese.
Os diuréticos de alça são assim denominados por inibirem de forma
reversível a reabsorção de sódio, potássio e cloreto na alça de Henle ascendente,
aparentemente ao bloquearem um sistema de co-transporte na membrana luminal.
Desta forma, da mesma maneira que os diuréticos tiazídicos, eles também
causam caliurese.
Os diuréticos de alça podem ser administrados por via oral ou endovenosa
e são os diuréticos mais potentes que existem, agindo em um clearance de até 10 a 15 ml/min.
Esses diuréticos são indicados quando se necessita de uma retirada rápida
de líquido; na insuficiência renal, quando as tiazidas não estão mais surtindo efeito; ou nas
insuficiências cardíacas graves.
Como exemplo dos diuréticos de alça nós temos o furosemide, que tem
como um dos seus representantes comerciais o Lasix® em comprimidos de 40 mg ou ampolas
de 10 mg; a bumetamida, que pode ser encontrada com o nome comercial de Burinax® em
comprimidos de 1 mg e ampolas de 0,5 mg; e o ácido etacrínico, que não é disponível no
Brasil.
CARDIOLOGIA - 46

Como esses diuréticos são expoliadores de potássio, pode ocorrer


hipocalemia, uma situação que deve ser evitada. Na intoxicação digitálica, a hipocalemia gera
uma predisposição especial para o desenvolvimento de arritmias.
A hipocalemia pode ser evitada através de uma suplementação de potássio
na dieta através de alimentos como legumes e frutas (banana, laranja, tomate), através do uso
de xaropes de cloreto de potássio, comprimidos efervescentes, etc.
A maioria dos pacientes que não utiliza altas doses de diuréticos não
necessita dessa suplementação de potássio.
Deve-se também lembrar ao paciente que o xarope de cloreto de potássio
não deve ser tomado em jejum porque ele é um irritativo da mucosa intestinal e pode levar a
formação de úlceras gastrointestinais.
Outra forma de evitar a hipocalemia é com a utilização de diuréticos
poupadores de potássio como o amiloride e o triantereno.
Esses medicamentos são indicados principalmente por seu efeito poupador
de potássio, porque seus efeitos diuréticos são muito pobres.
Por isso, é possível encontrá-los comercialmente associados a diuréticos de
alça e a tiazidas.
O Moduretic® é uma associação entre o amiloride (5 mg) e a
hidroclorotiazida (50 mg), enquanto o Diurisa® associa o amiloride (10 mg) ao furosemide
(40 mg).
Da mesma maneira, a associação do triantereno (50 mg) e a
hidroclorotiazida (50 mg) resultou na droga conhecida comercialmente por Iguassina®.
Diurana® é o nome da associação entre o triantereno (50 mg) e o furosemide (40 mg).
A desvantagem dessas associações é o seu preço.
Outro medicamento utilizado para atenuar o efeito compensatório dos rins
na insuficiência cardíaca é a espironolactona, que age como um inibidor competitivo da
aldosterona.
Desta forma, a espironolactona vai bloquear a ação da bomba
sódio/potássio e diminuir a excreção de potássio para os túbulos renais e a conseqüente
reabsorção de sódio para o interstício renal, diminuindo a formação de edema.
A espironolactona pode provocar como efeito colateral uma
hiperpotassemia e, às vezes, a formação de ginecomastia nos homens.
Só existe uma espironolactona no mercado brasileiro, chamada
Aldactone® e encontrada em comprimidos de 25 ou 100 mg.
Para tentar potencializar o efeito dessa droga, associaram-na ao furosemide
numa relação de 100 para 20 mg. Ao fármaco resultante deu-se o nome de Lasilactona®.
Além de restringir a absorção de sódio através de uma dieta balanceada ou
isenta de sódio e de aumentar a sua excreção, nós podemos também fazer uma remoção de
líquidos do paciente com insuficiência cardíaca.
O primeiro modo como nós podemos fazer essa remoção de líquidos é
através da retirada de volume circulante, principalmente quando temos uma situação grave
como o edema agudo de pulmão que não melhora com o tratamento convencional.
Outra maneira é através da drenagem de líquido de um derrame pleural
(toracocentese) ou peritoneal (paracentese).
Ainda, nós podemos retirar líquido do paciente através da ultrafiltração,
que é um mecanismo semelhante a hemodiálise mas, no qual, só é retirado água. É evidente
que a ultrafiltração só é utilizada em pacientes extremamente graves que não respondem a
nenhum outro tratamento. Portanto, é uma medida de exceção que eventualmente pode ser
empregada.
CARDIOLOGIA - 47

Nossa próxima medida no tratamento clínico da insuficiência cardíaca é


tentar melhorar o desempenho da bomba cardíaca.
Para isso, há mais de 200 anos vem sendo utilizada uma droga, retirada a
partir da planta Digitalis purpurea (dedaleira), chamada digital. Ela é ainda atualmente a
melhor droga para melhorar o inotropismo ou a contratilidade do coração.
O efeito mais importante dos digitais é o aumento da relação
força/velocidade do músculo cardíaco, decorrente de dois mecanismos principais.
O primeiro é a inibição da enzima Na+/K+-ATPase, que aumenta a
concentração intracelular de sódio e, subseqüentemente, de cálcio, resultando em uma
resposta inotrópica positiva, ou seja, aumentando a força do coração.
O segundo é o prolongamento do período refratário do nó átrio-ventricular,
que diminui a freqüência cardíaca ou, em outras palavras, reduz a velocidade do coração.
Todavia, os efeitos dos digitais só são observados num coração
insuficiente. Na ausência de insuficiência cardíaca, o aumento do inotropismo e a redução da
freqüência cardíaca são desprezíveis.
O principal problema no uso dessas drogas é que suas doses terapêuticas
são muito próximas de suas doses tóxicas e portanto, podem facilmente levar a uma
intoxicação, chamada de intoxicação digitálica.
É principalmente nessa situação que deve ser evitada a hipocalemia, que
pode favorecer o aparecimento de arritmias cardíacas, agravando o quadro de insuficiência.
Na presença de taquiarritmias resultantes da intoxicação digitálica, deve-se
retirar a droga e administrar potássio e fenitoína, -bloqueadores ou lidocaína. A
eletroconversão está contra-indicada nesses casos, mas é útil na presença de fibrilação
ventricular.
Deve-se também ressaltar que a administração de algumas drogas, tais
como a quinidina, o verapamil e a amiodarona, diminuem a metabolização dos digitais,
aumentando a propensão ao desenvolvimento de intoxicação digitálica.
Para se ter ação plena de um digital, o miocárdio deve estar impregnado
com essa substância. Para isso, deve-se fazer uma dose elevada de digital chamada de dose de
impregnação (DI).
Até algum tempo atrás usava-se essa dose de impregnação em todos os
pacientes. Atualmente, nós podemos diferenciar dois grupos.
Um, que são os pacientes com insuficiência cardíaca grave e que não
podem esperar para receber o tratamento; e outro, formado pelos pacientes não tão graves e
que podem receber uma dose menor de digital denominada de dose de manutenção (DM).
Essa dose de manutenção é uma dose que vai impregnar o miocárdio no
final de um período de uma semana.
A tabela abaixo fornece-nos as características de dois digitais utilizados.

Tabela 1
Digital Nome Dose de Dose de Meia-vida Apresentação
comercial impregnação manutenção
Digoxina Digoxina® 2,5 mg 0,25 mg 36 horas Ampolas
Lamoxon® de 0,5 mg
Comprimidos
de 0,25 mg
Lanatosídeo C Cedilanid® 1,6 mg - 33 horas Ampolas
de 0,4 mg

Devido ao fato de ambos os digitais apresentarem excreção renal, deve-se


diminuir a dose de digitálicos em pacientes com insuficiência renal ou acima de 60 anos.
CARDIOLOGIA - 48

Além dos digitais, existem ainda mais dois tipos de medicamentos capazes
de melhorar o inotropismo cardíaco.
O primeiro deles são os simpatomiméticos como a dopamina, dobutamina,
norepinefrina, epinefrina e isoproterenol, que existem somente em preparações de uso
parenteral. Seu uso é preferível para aqueles pacientes mais graves e seus efeitos incluem a
intensificação da freqüência cardíaca e da resistência vascular periférica.
O outro compreende os fármacos inotrópicos não-digitálicos, que têm
como exemplo a amrinona e a miorinona.
Também é recomendável ao paciente fazer repouso físico e emocional com
alguma freqüência, pois eles tendem a diminuir a pressão arterial e a reduzir a carga sobre o
miocárdio ao diminuírem as necessidades do débito cardíaco.
Às vezes, vale a pena prescrever ansiolíticos como o Diazepam® durante
alguns dias.
Nos pacientes com insuficiência cardíaca leve e crônica, o repouso ao leito
nos fins de semana quase sempre possibilita a continuidade do seu trabalho profissional.
Somente pacientes mais graves devem ser restritos ao seu domicílio ou ao
hospital, porque isso pode levar a situações desagradáveis como a depressão.
Os riscos de flebotrombose e de embolia pulmonar que ocorrem com o
repouso ao leito podem ser reduzidos com anticoagulantes, exercícios com as pernas e uso de
meias elásticas. De qualquer modo, o repouso absoluto ao leito raramente é necessário.
Após a recuperação da insuficiência cardíaca, as atividades do paciente
devem ser avaliadas e, com freqüência, reduzidas suas responsabilidades profissionais,
familiares e/ou sociais. O repouso intermitente durante o dia e a recomendação de evitar
exercícios pesados são quase sempre úteis após a compensação do paciente.
Dependendo do biotipo do paciente, deve-se tentar fazer uma correção da
obesidade, que também diminui a carga do trabalho cardíaco, constituindo um componente
essencial ao programa terapêutico.
Ainda no sentido de atenuar o esforço cardíaco, pode-se empregar
vasodilatadores, que não somente melhoram a insuficiência cardíaca mas também retardam
seu desenvolvimento em pacientes com disfunção ventricular esquerda.
Finalmente, os inibidores da enzima conversora da angiotensina (ou
inibidores da ECA) têm sido mostrados, em estudos mais recentes, como fatores muito
importantes capazes de retardar a progressão da insuficiência cardíaca qualquer que seja a sua
classe funcional.
CARDIOLOGIA - 49

Tratamento cirúrgico

O primeiro transplante cardíaco


foi realizado por Christiaan Neethling Barnard em
dezembro de 1967. O resultado desse transplante
aparentemente foi muito bom. No entanto, o
conhecimento sobre o aspecto imunológico no final da
década de 60 era muito primário e o conhecimento
sobre como o corpo rejeitava o coração não era grande.
Logo, no ano de 1971, a maioria
dos serviços que tinha iniciado a realizar essas cirurgias
retroagiu e praticamente parou de realizar transplante
cardíaco.
O único serviço que deu
continuidade ao programa de transplantação foi o
serviço da Universidade de Stanford que, com isso,
aprendeu uma série de coisas.
Primeiro, eles descobriram como
identificar exatamente a rejeição. Eles inventaram um
instrumento que era introduzido pela jugular interna até Figura 1 - Dr. Christiaan Barnard na
dentro do coração, de onde retirava-se uma pequena capa da revista Time de dezembro de 67
porção endomiocárdica, ou seja, realizava-se uma
biópsia de mais ou menos 2 a 3 mm do músculo cardíaco que era submetido a uma coloração
especial e mandado para a microscopia.
Com isso, conseguia-se identificar a infiltração de linfócitos, edema
intersticial, etc. e, então, saber se havia rejeição presente ou não. Conseguia-se inclusive
classificar essas rejeições como leves, moderadas ou severas.
Também na Universidade de Stanford, foi introduzida em 1980 uma
droga imunossupressora chamada ciclosporina, a partir da qual o transplante cardíaco teve
uma evolução muito favorável.
Atualmente, a indicação mais freqüente de transplante cardíaco nos
adultos é a degeneração do músculo miocárdico, ou seja, a miocardiopatia dilatada, que tem
causa desconhecida e degenera o miocárdio.
A segunda causa mais freqüente nos adultos, na qual é indicado o
transplante, é a coronariopatia. Esses são pacientes que já foram submetidos a uma cirurgia de
revascularização, ou angioplastia, ou mesmo ao tratamento clínico e, mesmo assim, houve
degeneração do músculo cardíaco a ponto de não ser mais benéfico qualquer tratamento
clínico-laboratorial.
E finalmente, a outra indicação de transplante nos adultos é a doença
valvar.
Esses dados são da Sociedade Internacional de Transplantes. No Brasil,
porém, nós achamos que as valvopatias ocupam uma estatística um pouco maior no nosso
meio porque nós temos uma incidência maior de moléstia reumática.
Existem ainda outras situações menos freqüentes em que é indicado o
transplante cardíaco como a doença de Chagas, o retransplante, etc.
Nos jovens até 18 anos a miocardiopatia dilatada é a indicação mais
freqüente. Em segundo lugar nós temos as cardiopatias congênitas.
Quando nós analisamos as crianças pequenas, é claro que as
cardiopatias congênitas ocupam uma posição preponderante.
CARDIOLOGIA - 50

Para se realizar o transplante cardíaco, nós temos alguns critérios.


Primeiro, em relação a quem vai receber o transplante. Depois, em relação aos doadores
desses transplantes.
Os principais receptores são:
1. Pacientes com cardiopatia em fase terminal
Na avaliação de um paciente em fase final de uma cardiopatia,
seja ela dilatada, coronariana, valvar, congênita, etc. nós devemos
avaliar a função do ventrículo esquerdo porque ela vai nos
determinar o grau de hipertensão pulmonar.
Em geral, esses pacientes tem uma classe funcional, segundo a
classificação da New York Heart Association, em graus 3 ou 4. Na
presença de um grau 4 deve-se proceder com muita cautela,
observando se há uma retroação para um grau 3, o que significaria
que o paciente ainda tem alguma reserva adrenérgica e pulmonar.
Depois, nós devemos avaliar o estado neuroendócrino desse
paciente. Antigamente não se sabia nada sobre isso. Hoje, a gente
sabe que se o paciente tiver níveis elevados de catecolaminas
circulantes no sangue, significa que ele já está utilizando o recurso
final da sua homeostase e, quando transplantado, ele tem uma
evolução desfavorável.
As arritmias também são um sinal de alerta para que se apresse
a indicação dos transplantes porque esses pacientes podem ir a óbito
subitamente.
Finalmente, nós devemos avaliar as condições metabólicas do
paciente. Dentre essas condições metabólicas, o sódio é muito
importante. O paciente que tiver um sódio abaixo de 130 e um grau 4
de insuficiência cardíaca deve ter sua indicação de transplante
proscrita. Ou seja, seu transplante deve ser contra-indicado, porque
esses pacientes fazem uma infiltração mais freqüente dos tecidos no
pós-operatório, com edema agudo de pulmão, etc.

2. Pacientes com idade preferencialmente até 55 anos


Apesar da idade limite para o transplante ser de 55 anos, por
experiência de alguns serviços, especialmente o serviço de Paris, nós
temos entendido que é possível alargar essa indicação, entrando na
faixa etária dos sessenta e dos setenta anos, desde que esses
pacientes sejam perfeitamente avaliados e não apresentem:
- Lesões carotídeas, pulmonares, etc.;
- Insuficiência renal;
- Osteoporose, especialmente se forem mulheres;
- Hipertrofia prostática, nos homens e
- Doenças neurovasculares e/ou vascular periféricas.

3. Pacientes com resistência pulmonar abaixo de 4 UW


Via de regra, todo paciente candidato ao transplante cardíaco
tem hipertensão pulmonar, que deve ser determinada para avaliar se
o coração transplantado vai ser capaz de bombear contra essa
resistência.
Para avaliar o grau de hipertensão pulmonar que tem o
paciente, nós fazemos um teste com oxigênio ou com drogas
CARDIOLOGIA - 51

vasodilatadoras da circulação pulmonar. Se essa resistência cair pelo


menos 15% acredita-se que a hipertensão pulmonar seja reversível.

4. Pacientes sem outras doenças sistêmicas associadas


O diabetes mellitus é um fator de contra-indicação,
principalmente se ele for dependente de insulina, porque sabe-se que
os imunossupressores, especialmente os corticóides, inibem a ação
pancreática e interferem na liberação de insulina.
Também deve ser avaliado com muito cuidado se o paciente
tem insuficiência renal ou insuficiência hepática, porque as drogas
imunossupressoras, principalmente as ciclosporinas, são drogas
nefro e hepatotóxicas.

5. Paciente com perfil psicossocial adequado

6. Paciente em choque cardiogênico


O paciente que estiver na fase terminal da insuficiência, já
esgotando todos os seus recursos adrenérgicos, deve ser evitado.
Exceto nos casos em que os maquinários que se utiliza para
compensar o choque cardiogênico mostrem reversibilidade que
estabilize o paciente.

8. Paciente sem infecção ativa


É claro que, como nós vamos usar um imunossupressor, caso o
paciente tenha um processo infeccioso dentário, ginecológico,
dermatológico, etc. pode ocorrer uma infecção generalizada grave
em múltiplos órgãos, levando o paciente ao óbito.
Então nós devemos ter muito cuidado e investigar se esse
paciente tem infecção ativa ou não.

Com relação aos doadores, eles devem ser preferencialmente jovens


com menos de 35 anos. Isso porque se entende que os pacientes jovens não apresentam
coronariopatias, doenças miocárdicas, etc. Ou seja, eles entram dentro de uma faixa de menor
incidência de cardiopatias.
Existem, entretanto, alguns outros fatores que dificultam a doação do
coração como:
 Choque prolongado;
 Peso inferior ao do receptor;
 Recusa familiar;
 Incompatibilidade sangüínea (ABO e Rh);
 Infecção;
 Óbito durante a avaliação;
 Cardiopatias e
 Outros.

Sob o ponto de vista de cirurgia o transplante cardíaco é muito simples.


Qualquer cirurgião cardiovascular preparado pode realizá-lo.
Na sua realização retira-se o coração doente e deixa-se somente o
assoalho do átrio esquerdo onde desembocam as veias pulmonares, parte do septo interatrial e,
também, o assoalho do átrio direito, onde desembocam as veias cavas superior e inferior.
CARDIOLOGIA - 52

O cuidado que deve se tomar é no sentido de que seja preservado o nó


sinusal para dar continuidade aos batimentos.
O coração doador é retirado como um todo.
Então, nós fazemos uma anastomose do átrio esquerdo do receptor com
o átrio esquerdo do doador e, depois, do átrio direito, do tronco pulmonar e da aorta.
Normalmente se faz a anastomose do tronco pulmonar antes da anastomose da aorta mas tanto
faz, depende da disposição dos vasos.

Coração do receptor Coração do doador

Figura 2 - Transplante cardíaco


CARDIOLOGIA - 53

O sistema de condução que esse coração transplantado vai ter é um


sistema de condução próprio. Ele não vai responder ao sistema simpático ou parassimpático,
mas, sim, ao sistema humoral. Ou seja, ele vai apresentar uma freqüência cardíaca mais lenta
e uma resposta, de um modo geral, um pouco mais lenta que um indivíduo normal, mas vai
responder como qualquer outro coração. Por exemplo, se o indivíduo ficar nervoso vai ocorrer
uma liberação de catecolaminas na circulação sangüínea que vai estimular a sua freqüência
cardíaca.
Ainda, esse coração vai ter um sistema autônomo protegido com,
inclusive, a preservação do próprio nó sinusal do receptor. Portanto ele vai ficar com dois nós
sinusais, o do doador e o do receptor.
Um grande inconveniente para o coração é a perda da sensibilidade. Se
o paciente tiver, no futuro, um infarto do miocárdio, ele não vai sentir angina pois ele perde
essa propriedade.
Então, é essa a realização cirúrgica do transplante cardíaco. Quer dizer,
sob o ponto-de-vista técnico ele é relativamente fácil. O difícil é o pós-operatório.
Devido a necessidade do uso de imunossupressores para impedir a
rejeição, nós temos alguns inconvenientes como:
 Infecção
 A função renal pode ser comprometida, assim como a função
hepática, porque as drogas imunossupressoras são nefrotóxicas e
hepatotóxicas
 Hipertensão arterial, como conseqüência da disfunção renal
 Acelera o processo da aterosclerose coronariana  Isso é uma
preocupação muito grande com relação ao transplante em crianças
 Distúrbios na liberação de insulina  É por isso que pacientes com
diabetes mellitus dependente de insulina devem ser contra-indicados
 Hemorragia digestiva
 Reativação de doenças como a tuberculose e a doença de Chagas
 Outros

No entanto, a partir do momento em que foi introduzida uma droga,


chamada ciclosporina, que tem uma ação específica sobre a cadeia dos linfócitos T-helper e
que, desta forma, consegue inibir a rejeição sem retirar a defesa do organismo completamente,
o transplante cardíaco teve uma evolução muito favorável.
A ciclosporina é obtida a partir de um fungo chamado Tolipocladium
inflatum, é constituída por uma cadeia cíclica fechada com 11 peptídeos e tem uma
característica lipofílica.
A partir de então, pode-se observar um grande contraste entre os
pacientes tratados com a ciclosporina e sem a ciclosporina. Os resultados mundiais, onde o
Brasil se inclui, mostram uma sobrevida em 5 anos de 65% com a ciclosporina enquanto que
antes, sem esse medicamento, a sobrevida era inferior a 50%.
A partir de agora, o nosso grande desafio é o transplante em crianças
pequenas.
Essa grande ansiedade em fazermos transplante em crianças decorre do
fato de que a cada mil crianças que estão nascendo, 8 a 12 apresentam cardiopatia congênita,
o que vem a significar que 1% de cada criança que nasce tem problema congênito do coração.
Destes, mesmo as cardiopatias congênitas mais leves, que
compreendem a sua grande maioria e não chegam a apresentar cianose ao nascimento,
CARDIOLOGIA - 54

deixadas a sua evolução natural, levam a morte 20 a 45% dos recém-natos ao final dos dois
primeiros anos de vida.
Felizmente, a maioria dessas crianças pode ser tratada pelos meios
convencionais. Entretanto, quando se analisa as cardiopatias mais complexas, que cursam
com cianose, uma média de 85% das crianças morre nos dois primeiros anos.
E existem algumas cardiopatias complexas, dentre as quais a Síndrome
da Hipoplasia de Ventrículo Esquerdo é a mais comum, que não se tem nenhum recurso para
tratá-las.
Então, tanto para essas situações como para as situações em que foram
tentadas as correções convencionais e não se obteve sucesso, é indicado o transplante
cardíaco.
O primeiro transplante pediátrico foi realizado, por coincidência, alguns
dias depois que Christiaan Barnard fez o primeiro transplante em adulto, no ano de 1967.
Porém, ele foi um insucesso e ninguém mais tentou realizá-lo.
Somente em 1984 um homem chamado Leonard L. Bailey, da
Universidade de Loma Linda (Califórnia), realizou o primeiro transplante pediátrico de
sucesso utilizando macacos do grupo Baboo, os babuínos, como doadores. A criança que
recebeu esse coração tinha uma hipoplasia de ventrículo esquerdo e acabou ficando muito
famosa. Ela sobreviveu muito bem a cirurgia, recuperou-se, acordou, foi extubada, etc. e já
estava até mamando. No entanto, ela passou a desenvolver algumas infecções respiratórias,
voltou ao respirador e acabou falecendo com vinte e dois dias de transplante.
A necrópsia, todavia, mostrou que não havia rejeição porque esse grupo
de macacos tem uma compatibilidade histológica muito próxima do ser humano e, também,
tem o mesmo grupo ABO. Assim, sob esse ponto-de-vista, eles são muito parecidos com o
ser-humano.
Contudo, a Sociedade Protetora dos Animais impediu a realização de
outros transplantes porque esses animais sobrevivem muito mal em cativeiro e conseguem se
reproduzir somente “in natura”. Então, se nós utilizássemos todos esses macacos para
fazermos transplantes nós iríamos simplesmente dizimar essa raça. E com isso, a Sociedade
Internacional de Transplantes concordou em parar de realizar esses transplantes.
A partir de então, a Universidade de Loma Linda, na Califórnia, passou
a fazer uma procura ativa de crianças que nasciam sem cérebro. Durante a gestação,
identificava-se as crianças que iriam nascer sem cérebro por ultra-sonografia e comunicava-se
a Universidade de Loma Linda, que buscava essas crianças anencefálicas, quando elas
nasciam, para serem doadoras de outras crianças que necessitavam de transplante.
Depois, com o tempo, entendeu-se que era possível também identificar
a morte cerebral em neo-natos, em crianças que tinham esmagamento cerebral, em crianças
que tinham morte cerebral durante o nascimento, ou mesmo em crianças que nasciam com
tumor primário no cérebro e que acabavam fazendo morte cerebral.
Atualmente, esses são os possíveis doadores para o transplante cardíaco
em crianças.
Além do transplante cardíaco nós temos ainda duas possibilidades como
tratamento cirúrgico da insuficiência cardíaca.
Uma delas é a cardiomioplastia, um procedimento com envolvimento
do músculo grande dorsal sobre o coração.
CARDIOLOGIA - 55

Figura 3 - Cardiomioplastia

O princípio da cardiomioplastia compreende em envolver o coração


com o músculo grande dorsal e educar esse músculo, que tem propriedades distintas do
músculo cardíaco, a se comportar como o miocárdio através de um estímulo por marca-passo,
que faz com que ele passe a responder como se fosse um coração.

O outro procedimento que pode


eventualmente vir a substituir o transplante cardíaco é uma
técnica que foi desenvolvida pelo cirurgião Randas Vilela
Batista.
Esse procedimento se baseia em um
princípio de LaPlace que diz que quanto menor for o tamanho
do diâmetro de um coração, melhor ele trabalha.
Então, se nós diminuirmos esse
diâmetro, a tensão miocárdica, o trabalho cardíaco e o
consumo de oxigênio vão ser menores. Desta forma, esse Figura 4 - Dr. Randas Batista
cirurgião aplicou isso na prática fazendo uma
ventriculectomia, ou seja, uma ressecção parcial do coração especificamente na área posterior
do ventrículo esquerdo, entre os músculos papilares da valva mitral, diminuindo o diâmetro
do coração.
As perspectivas de futuro para o transplante cardíaco são basicamente
duas, o coração artificial e o xenotransplante.
Quanto ao coração artificial, nós ainda não conseguimos criar uma
máquina que substitua o coração de uma forma definitiva.
Quanto ao xenotransplante, a nossa grande meta atualmente são os
porcos porque, em primeiro lugar, eles existem aos montes, fazem parte da nossa alimentação
e o seu coração é mal aproveitado.
Depois, o coração de um porco pequeno corresponde ao coração de um
recém-nato e o coração de um porco adulto é semelhante ao de um homem adulto. Ainda,
suas condições anatômicas são absolutamente iguais ao do ser-humano.
Todavia, eles apresentam um grande inconveniente. Seu sistema
imunológico é completamente diferente do ser-humano.
CARDIOLOGIA - 56

Entretanto, com o conhecimento melhor da genética, da imunologia e,


também, com apoio da computação eletrônica, pode-se interferir na genética desses porcos,
aproximando o sistema imunológico desses animais ao do ser-humano durante a sua vida
embrionária.
Acreditam os geneticistas que vai ser possível identificar a condição
genética de um receptor e adaptá-la ao embrião do porco, de tal forma que quando esse porco
venha a nascer ele tenha um comportamento imunológico e genético absolutamente
superponível a de um receptor que está nascendo. É uma grande expectativa.
CARDIOLOGIA - 57

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Pericardites

Anatomia

O pericárdio é uma membrana fibroserosa que envolve o coração. Ele é composto


por duas túnicas, uma externa e uma interna.

Figura 1 - Anatomia

A túnica externa, ou pericárdio fibroseroso, tem uma face interna forrada por uma
membrana serosa e uma face externa que é composta por uma camada densa de feixes
colágenos entrelaçados com um esqueleto de fibras elásticas em suas partes mais profundas.
Por isso, o pericárdio fibroseroso é quase sempre inextensível e é também tão
firmemente aderido aos grandes vasos que, caso se acumule líquido rapidamente no seu
interior, o coração poderá ser comprimido e o retorno venoso impossibilitado.
Por outro lado, se o líquido se depositar lentamente na sua cavidade, o pericárdio
fibroseroso pode se distender gradualmente, de modo que considerável quantidade de líquido
possa ser contida.
A reflexão da lâmina serosa do pericárdio parietal sobre o coração dá origem ao
pericárdio seroso ou visceral.
O pericárdio seroso envolve todo o coração, com exceção do espaço entre as quatro
veias pulmonares no átrio esquerdo. Por isso, ele também é chamado de epicárdio.
As lâminas visceral e parietal do pericárdio, cujas superfícies opostas são recobertas
por mesotélio, acham-se separadas por um espaço virtual e são umedecidas por uma película
líquida de 15 a 50 ml.
Sua função ainda não foi bem estabelecida, mas sabe-se que eles agem como uma
barreira anatômica contra infecções vizinhas e no sentido de manter a dinâmica entre os dois
ventrículos, impedindo que eles dilatem.
Porém, uma pessoa pode viver muito bem sem o pericárdio. Já foi observada a
ausência congênita do pericárdio e, nesses casos, não se relataram efeitos cobre o coração.

Classificação
CARDIOLOGIA - 58

As doenças que podem acometer o pericárdio se apresentam basicamente sob a


forma de três grandes síndromes:
 Pericardite aguda
 Derrame pericárdico Pericardite aguda ou subaguda
 Pericardite constritiva Pericardite crônica

Etiologia

As principais causas das pericardites são:


 Infecciosas
 Origem viral
 Enterovírus
 Vírus da hepatite B
 Vírus da mononucleose
 Vírus da varicela;

 Origem bacteriana
 Inespecíficas  Como as pericardites supurativas causadas por
estafilococos
 Específicas Como as pericardites caseosas de origem tuberculosa;

 Origem micótica e parasitária São menos freqüentes que as anteriores.

 Doenças auto-imunes
 Febre reumática
É responsável freqüentemente por uma pancardite, mas pode
manifestar-se simplesmente por uma pericardite aguda na sua fase crônica. É
freqüente a presença de uma epicardite moniliforme;

 Lupus Eritematoso Sistêmico Principalmente em mulheres;


 Artrite Reumatóide;
 Esclerodermia.

 Metabólicas
 Uremia  Irrita praticamente todas as mucosas e serosas do organismo;
 Mixedema;
 Gota.

 Pós-infarto do miocárdio
Quando ocorre organização de um infarto cardíaco,
pode haver pericardite de duas maneiras.
Uma delas ocorre numa fase precoce, cerca de 72
horas após o infarto, e decorre da inflamação provocada pelo tecido necrosado,
principalmente quando o infarto foi transmural.
Então, geralmente acontece uma extensão dessa
inflamação para o pericárdio parietal, resultando clinicamente em dor do tipo
CARDIOLOGIA - 59

aguda e atrito pericárdico, que é o principal fator que diferencia essa dor
pericárdica da angina pectoris.
Em uma fase tardia, cerca de 30 a 180 dias após o
infarto miocárdico, pode ocorrer uma reação imunológica dos anticorpos
produzidos pelo organismo contra o tecido necrosado também contra o
pericárdio. Essa é uma reação cruzada chamada de síndrome de Dressler.

 Traumática
Decorrente de um traumatismo frechado, como um acidente
automobilístico, por exemplo; ou de um traumatismo aberto, como o causado
por uma arma branca.

 Síndrome pós-pericardiotomia
Também é causada por um processo auto-imune
que pode ocorrer em qualquer paciente submetido a uma cirurgia em que é
aberto o pericárdio.
Nos países desenvolvidos, esta é a causa mais
freqüente de pericardites.

 Neoplasias
As neoplasias primárias do pericárdio, como os mesoteliomas, são
raras mas podem dar origem a uma pericardite.
As neoplasias secundárias que mais freqüentemente podem acometer
o pericárdio são as metástases de pulmão, mama, leucemias e linfomas, no
adulto.
Nas crianças, os linfomas não-Hodgkin, os sarcomas e o tumor de
Wilms são as neoplasias secundárias que mais freqüentemente podem causar
pericardite.

 Pós-radioterapia
A radioterapia pode levar a um espessamento do pericárdio,
geralmente produzindo uma pericardite constritiva.

 Medicamentos
 Procainamida
 Hidralazina
 Outros

 Idiopática

Pericardites agudas

As pericardites agudas são lesões inflamatórias do pericárdio sem um


aumento significativo de líquido no seu interior.
Clinicamente, as pericardites agudas geralmente se manifestam por uma
dor precordial contínua de forte intensidade, com irradiação para o ombro, braço ou dorso,
que piora com a respiração profunda e com a tosse, e que tem como fator de melhora a atitude
em “prece maometana” ou posição genu-peitoral.
CARDIOLOGIA - 60

Ela geralmente está presente nos tipos infecciosos agudos de pericardite e


em muitas formas presumivelmente relacionadas à hipersensibilidade ou à auto-imunidade.
Todavia, a dor pode estar ausente nas pericardites tuberculosa, pós-radioterapia, neoplásicas e
metabólicas.
As pericardites agudas podem estar acompanhadas de febre.
Ao exame físico do precórdio, as bulhas cardíacas encontram-se
normofonéticas, rítmicas e sem sopro. Ou seja, o único fator que diferencia esse exame
cardíaco de um exame normal é o atrito pericárdico.
Algumas vezes, ele pode ser auscultado somente quando o diafragma do
estetoscópio é firmemente pressionado contra a parede torácica, próximo a borda inferior
esquerda do esterno.
O atrito pericárdico é freqüentemente inconstante e transitório, podendo
desaparecer um dia e reaparecer no outro.
Com relação aos exames complementares, a radiografia torácica
demonstra uma área cardíaca praticamente normal.
A ecocardiografia pode mostrar um discreto derrame pericárdico na
grande maioria das vezes. Contudo, ela também pode estar normal.
O eletrocardiograma pode apresentar um supradesnivelamento do
segmento ST, alteração conhecida como “sinal da bandeira desfraldada”, com exceção de V1 e
aVR, que têm infradesnivelamento.

Figura 2 - Eletrocardiograma de um paciente com pericardite aguda


CARDIOLOGIA - 61

Os exames laboratoriais podem ser úteis na pesquisa etiológica da


pericardite aguda.
Terapeuticamente, para se tratar uma pericardite aguda, é fundamental o
conhecimento da sua etiologia para que sua causa básica possa ser retirada.
É recomendável repouso no leito até que a dor torácica e a febre
desapareçam.
Pode-se administrar antiinflamatórios como o AAS, a indometacina e os
glicocorticóides na tentativa de reduzir a intensidade do processo inflamatório no pericárdio.
Não é recomendável o uso de anticoagulantes.
Caso seja necessário, pode-se também administrar antibióticos para o
paciente.

Derrame pericárdico

Devido a densa camada de feixes colágenos


entrelaçados com um esqueleto de fibras elásticas do
pericárdio, o acúmulo de líquido na sua cavidade vai ser
capaz de distendê-lo apenas até um certo limite, a partir
do qual ocorre um aumento muito grande de pressão,
que vai acabar dificultando gradativamente o
enchimento do ventrículo direito e, posteriormente, do
ventrículo esquerdo, que apresenta uma pressão
diastólica final maior.
A quantidade de líquido necessária para produzir
esse estado crítico, chamado tamponamento cardíaco,
pode ser de 200 ml, quando o líquido se acumula
rapidamente, ou maior que 2.000 ml, quando o líquido se
deposita lentamente e o pericárdio tem oportunidade de
Figura 3 - Derrame pericárdico
se distender e se adaptar ao novo volume.
A diminuição da pré-carga ventricular, decorrente da elevação da
pressão pericárdica, causa uma diminuição do débito cardíaco principalmente do ventrículo
direito.
Portanto, os achados clínicos do derrame pleural são decorrentes
principalmente de uma insuficiência cardíaca direita, podendo haver hepatomegalia dolorosa
por distensão aguda da cápsula de Glisson, ascite, estase jugular, hipotensão devido ao baixo
débito cardíaco, fraqueza muscular, e oligúria provocada pelo mecanismo compensatório dos
rins.
O mecanismo de apnéia pós-inspiratória, que normalmente reduziria o
nível de ingurgitamento jugular, neste caso, provoca o seu aumento. Isso ocorre porque
mesmo com a diminuição da pressão intratorácica causada na inspiração, o sangue encontra
dificuldade de entrar no ventrículo direito devido a sua pressão diastólica final estar elevada.
A esse efeito dá-se o nome de sinal de Kussmaul, que apesar de ser
positivo em alguns casos de derrame pericárdico, é muito mais comum na pericardite
constritiva.
Na ausculta do precórdio, o volume líquido interponente entre a parede
torácica e o coração vai ter principalmente duas conseqüências:
CARDIOLOGIA - 62

1. O atrito pericárdico tende a desaparecer quanto maior for a


intensidade do derrame porque o líquido vai separar cada vez mais as
duas lâminas pericárdicas;
2. As bulhas cardíacas podem estar hipofonéticas ou até não-audíveis.

Quando houver tamponamento cardíaco, também pode ser detectado o


pulso paradoxal, que é causado por uma queda da pressão sistólica, entre a expiração e a
inspiração profundas, acima de 10 milímetros de mercúrio.
Normalmente, ocorre uma pequena variação da pressão sistólica entre a
expiração e a inspiração. Porém, essa variação é inferior a 10 mmHg.
Isso ocorre porque durante a expiração, o aumento da pressão
intratorácica e a compressão dos capilares pulmonares provocam um maior fluxo de sangue
para o ventrículo esquerdo. Então, o ventrículo esquerdo vai ter um maior volume de sangue
ejetado e sua pressão sistólica vai ser discretamente maior.
Ao contrário, como durante a inspiração profunda a diminuição da
pressão intratorácica provoca um aumento do retorno venoso para o coração direito e, ao
mesmo tempo, diminui o enchimento do ventrículo esquerdo, este ventrículo vai ter um
menor volume de sangue ejetado e sua pressão sistólica vai ser discretamente menor.
Na presença de derrame pericárdico, a diminuição do enchimento
ventricular esquerdo durante a inspiração profunda é aumentada pela transmissão da pressão
do ventrículo direito, que está com a sua pré-carga elevada, pelo septo interventricular, para o
ventrículo esquerdo.
Assim, no derrame pericárdico, o aumento fisiológico do volume
ventricular direito durante a inspiração causa uma redução recíproca exagerada do volume
ventricular esquerdo, resultando em pulso paradoxal.
Quando o pulso paradoxal é muito intenso, ele pode ser detectado pela
diminuição ou pelo desaparecimento do pulso arterial durante a inspiração, mas ele
geralmente é detectado pelo esfigmomanômetro, quando a diferença pressórica da sístole
durante a expiração e a inspiração for maior que 10 mmHg.
O pulso paradoxal também ocorre no pericárdio constritivo mas é muito
mais freqüente no derrame pericárdico.

Com relação aos exames complementares, o Raio-X


de tórax vai mostrar uma variação no tamanho da área
cardíaca de acordo com a quantidade de líquido presente no
espaço pericárdico.
A circulação pulmonar vai se encontrar relativamente
pobre.
Além das alterações características das pericardites
agudas, o eletrocardiograma pode nos mostrar dois efeitos
adicionais. O primeiro, chamado efeito dielétrico difuso,
apresenta-se através de uma baixa voltagem do complexo
QRS e ocorre devido a presença de líquido no interior do
saco pericárdico, que afasta os eletrodos do coração. O
efeito dielétrico difuso também pode acontecer em outras
Figura 4 - Raio-X de tórax situações que afastem o coração da superfície epidérmica,
como nos obesos, por exemplo.
O segundo efeito que pode ser observado no derrame pericárdico é a
alternância elétrica.
CARDIOLOGIA - 63

A alternância elétrica corresponde a uma variação da voltagem do


complexo QRS e das ondas P e T, que se alternam entre estruturas de maior ou menor
amplitudes. Ela ocorre por causa da movimentação do líquido no interior do pericárdio, que
provoca uma constante variação na distância entre os eletrodos e o coração.

Figura 5 - Eletrocardiograma de um paciente com derrame pericárdico

O ecocardiograma é o método mais efetivo para o diagnóstico do


derrame pericárdico devido a sua sensibilidade, especificidade, simplicidade, inocuosidade e
fácil manipulação. Vários estudos demonstraram que aumentos mínimos na quantidade de
fluido pericárdico podem ser detectados pelo ecocardiograma.

Figura 6 - Ecocardiografia uni e bidimensional evidenciando derrame pericárdico (PE)


CARDIOLOGIA - 64

A tomografia axial computadorizada e a ressonância nuclear magnética


também são úteis.
O tratamento do derrame pericárdico é feito basicamente através da sua
drenagem cirúrgica. De acordo com algumas indicações, nós podemos realizar a drenagem de
um derrame pericárdico. São elas:
 Evolução prolongada do derrame;
 Ausência de diagnóstico etiológico firmado;
 Casos de toxemia Com acúmulo purulento no saco pericárdico;
 Tamponamento cardíaco.

Figura 7 - Abordagem terapêutica do derrame pericárdico

Conforme o aspecto do líquido drenado, nós podemos ter uma idéia do


possível diagnóstico etiológico da pericardite.
Por exemplo, um líquido de coloração amarelo-citrina pode ser
decorrente de uma pericardite viral ou tuberculosa; um conteúdo purulento mostra-nos uma
pericardite causada por bactérias inespecíficas; um líquido de aspecto hemorrágico
geralmente é devido a neoplasias; etc.
Quanto ao derrame hemorrágico, deve-se diferenciá-lo de um freqüente
erro que ocorre na retirada de líquidos do pericárdio, a aspiração de sangue do coração. Neste
caso, porém, o líquido coagula quando retirado, enquanto que o líquido hemorrágico não tem
essa propriedade.
CARDIOLOGIA - 65

Uma maneira de evitar essa complicação é a


através da monitorização eletrocardiográfica. Uma
deflexão negativa do complexo QRS representa
contato da agulha com a superfície cardíaca.

Figura 8 - Monitorização eletrocardiográfica da


pericardiocentese

Retirado o líquido, os exames geralmente solicitados são:


 Exame bacterioscópico e de cultura
Identifica a presença de
bactérias aeróbias, anaeróbias, bacilo de Koch, fungos, etc.;

 Exame citológico
Indica a presença de células neoplásicas e
leucócitos no líquido pericárdico.
Conforme o tipo predominante de leucócitos nós
podemos ter algumas suspeitas. Por exemplo, quando há um
predomínio de neutrófilos, provavelmente a pericardite tem etiologia
viral ou tuberculosa, numa fase inicial. Quando o predomínio é
monomorfonuclear, podemos estar defronte a um tuberculose na fase
tardia. O predomínio de piócitos indica a presença de infecção
purulenta por bactérias inespecíficas.

 Exame bioquímico
Analisa a composição do líquido pericárdico.
Por exemplo, quando há uma diminuição na taxa de glicose nós
geralmente temos uma infecção. O nível elevado da
adenosinadeaminase pode ser um indicativo de infecção tuberculosa.

Pericardite constritiva

Tanto a pericardite aguda quanto o derrame pericárdico podem evoluir


para uma pericardite constritiva.
Ela é caracterizada por uma fibrose grosseira do pericárdio que
restringe o enchimento diastólico do coração.
CARDIOLOGIA - 66

A principal causa de
pericardite constritiva é a tuberculose, mas ela
também pode ser causada por uma infecção
purulenta, traumatismos, cirurgias cardíacas,
neoplasias, pericardite viral, etc.
As manifestações clínicas
mais proeminentes da pericardite constritiva
simulam uma insuficiência cardíaca congestiva ou
global.
A sintomatologia prove-
niente da diminuição do débito cardíaco do
ventrículo direito é decorrente principalmente da
ascite e do edema de membros inferiores.
A insuficiência ventricular
esquerda pode gerar dispnéia, ortopnéia, tosse,
fraqueza muscular, anorexia, perda de peso, etc.
Ao exame físico, nós vamos
observar uma elevação da pressão venosa jugular,
Figura 9 - Pericardite constritiva de origem
sinal de Kussmaul positivo, hepatomegalia e, tuberculosa
eventualmente, esplenomegalia.
Na ausência de endocardite infecciosa ou valvopatia mitral, a presença
de esplenomegalia em um paciente com insuficiência cardíaca congestiva deve sempre levar a
suspeita de pericardite constritiva.
Cerca de um terço dos pacientes também apresenta pulso paradoxal.
Na radiografia, nós geralmente vamos observar a área cardíaca normal
com calcificação pericárdica na metade dos pacientes, mas alguns pacientes podem apresentar
aumento do átrio esquerdo. Nestes casos nós vamos poder observar duplo contorno do átrio
direito, presença de 4o arco na borda cardíaca esquerda, elevação do brônquio fonte esquerdo
e deslocamento posterior do esôfago no Raio-X de perfil contrastado com bário.

Figura 10 - Raio-X de tórax em perfil


CARDIOLOGIA - 67

Ainda na radiografia, nós podemos encontrar derrame pleural em 55%


dos casos.

No eletrocardiograma, nós vamos poder


observar o aumento de ambos os átrios, porque eles
não conseguem esvaziar no interior dos
ventrículos, e, às vezes, fibrilação atrial.
O pulso paradoxal também pode ser
demonstrado através do eletrocardiograma.
A onda T, de repolarização ventricular, pode
estar isoelétrica ou invertida, mostrando isquemia
miocárdica.
O ecocardiograma geralmente mostra um
espessamento pericárdico e uma redução na
amplitude de movimentos da parede ventricular
esquerda.
O tratamento da pericardite constritiva
basicamente consiste na pericardiectomia, onde se
faz a ressecção completa do pericárdio parietal e
Figura 11 - Ecocardiograma de um paciente cortes paralelos no pericárdio visceral.
com pericardite constritiva (setas) (RV Deve-se tomar cuidado
= Ventrículo direito; Ao = Aorta; LV = para liberar primeiramente a região posterior do
Ventrículo esquerdo; LA = Átrio esquerdo)
coração porque, do contrário, pode haver edema
agudo de pulmão.
Isso pode ocorrer porque liberando-se a região anterior do coração,
onde se encontra o ventrículo direito, ele vai poder mandar livremente o sangue para os
pulmões.
Porém, como o ventrículo esquerdo ainda vai estar com seus
movimentos restritos, o sangue proveniente do lado direito vai se acumular rapidamente no
interstício pulmonar, gerando o edema agudo.
CARDIOLOGIA - 68

Figura 12 - Tratamento cirúrgico da pericardite constritiva

A taxa de mortalidade varia entre 7 e 15%.


A indicação cirúrgica deve ser feita antes que haja caquexia cardíaca e
calcificações, quando o tratamento com corticosteróides não adianta mais e, às vezes, nem o
tratamento cirúrgico é útil.
CARDIOLOGIA - 69

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Endocardite infecciosa

Introdução

Antigamente chamada de endocardite bacteriana, a endocardite infecciosa é


definida por um processo infeccioso do endotélio das valvas cardíacas, das câmaras cardíacas
ou das grandes artérias.

Classificação

Antes do advento da antibioticoterapia, a endocardite infecciosa era classificada


em aguda e subaguda, quando sua mortalidade era virtualmente de 100%. Esses termos eram
baseados na progressão da infecção sem tratamento.
Tabela 1
Tipo Aguda Subaguda
Etiologia Staphylococcus aureus Staphylococcus epidermidis
Streptococcus pneumoniae Streptococcus viridans
Neisseria gonorrheae
Agente primário Invasivo Geralmente não-invasivo
Lesão prévia Geralmente não Sim
Infecção metastática Comum Incomum
Duração sem tratamento Até 2 semanas De poucos meses até 2 anos

Atualmente, os termos “endocardite aguda” e “subaguda” são úteis


conceitualmente, mas uma classificação mais pertinente baseia-se no agente etiológico,
presença ou ausência de próteses valvares e história de abuso de drogas endovenosas.

Etiologia

Admite-se que qualquer microorganismo possa ser o agente etiológico da


endocardite infecciosa. Entretanto, há predomínio nítido de certas bactérias, fato a ser
considerado quando há suspeita diagnóstica de endocardite.

Figura 1 - Possíveis portas de entrada da endocardite infecciosa


CARDIOLOGIA - 70

A endocardite infecciosa é causada principalmente por:


 Estreptococos 40 a 60% dos casos
 Estafilococos 20 a 30% dos casos
 Outras bactérias Gram-positivas e Gram-negativas 10 a 20%
 Fungos Raramente

Os estreptococos são cocos gram positivos que se agrupam formando cadeias e


que existem em várias espécies.
O Streptococcus viridans é um estreptococo -hemolítico que pertence a flora
normal da orofaringe e que é responsável por 70% das endocardites infecciosas subagudas.
Sua principal porta de entrada para a circulação sangüínea decorre de manipulações
odontológicas.
O Streptococcus fecalis é um enterococo encontrado na flora intestinal que
pode causar infecções urinárias e, eventualmente, endocardite infecciosa.
O Streptococcus bovis também é um enterococo encontrado na flora intestinal.
Ele pode levar ao desenvolvimento de uma endocardite principalmente na presença de
neoplasias de cólon. Por esse motivo, mesmo na ausência de sintomas gastrointestinais, está
indicada a pesquisa de neoplasia de cólon nos portadores de endocardite por S. bovis.
Os estafilococos também são cocos gram-positivos, mas que dividem-se em
vários planos tendendo a formar cachos.
O Staphylococcus aureus é o agente que causa a maior incidência de
endocardite infecciosa aguda. Ele causa endocardite principalmente em portadores de lesões
cardíacas, de próteses valvares cardíacas, em indivíduos sem evidência de cardiopatia prévia e
em viciados no uso de drogas por via endovenosa.
O Staphylococcus epidermidis é o responsável pela maior incidência de
endocardite em valvas prostéticas.
Ao contrário do S. aureus, a endocardite causada pelo S. epidermidis é
geralmente subaguda, com um curso protraído, ou seja, com pouca sintomatologia.

Fatores predisponentes

As endocardites ocorrem mais freqüentemente em portadores de lesão


cardiovascular. De acordo com a predisposição, nós podemos dividir essas lesões em
situações de alto, médio e baixo risco.
Dentre as situações de alto risco nós temos:
 Próteses valvares;
 Valvopatias aórticas;
 Insuficiência mitral;
 Persistência do canal arterial;
 Comunicação interventricular;
 Coartação da aorta e
 Síndrome de Marfan Doença do colágeno.

As situações de médio risco são:


 Prolapso de valva mitral;
 Estenose mitral;
 Valvopatias tricúspides;
 Valvopatias pulmonares;
 Miocardiopatia hipertrófica;
CARDIOLOGIA - 71

 Calcificação da valva aorta e


 Cateterismo cardíaco.

Como situações de baixo risco estão:


 Comunicações interatriais;
 Ateromas;
 Aortite sifilítica;
 Marca-passo;
 Outros.

Contudo, alguns pacientes não apresentam evidência prévia de


cardiopatia.
No nosso meio, a situação que mais predispõe a instalação de uma
endocardite infecciosa são as valvopatias reumáticas, preferencialmente entre os 15 e os 60
anos de idade.
Abaixo dos 15 anos, no Brasil, a maior incidência de endocardite
infecciosa ocorre sobre lesões congênitas.
O quadro abaixo mostra o risco de se desenvolver uma endocardite de
acordo com várias situações.
Tabela 2
Extração dentária 18 a 25%
Amigdalectomia 28 a 38%
Broncoscopia 17%
Entubação 17%
Aspiração 17%
Enema opaco 11%
Retosigmoidectomia 10%
Cateterismo uretral 8%
Cateterismo uretral associado a infecção urinária 26%
Prostatectomia 13%
Prostatectomia associada a bacteriúria 82%

Patogenia

A endocardite infecciosa decorre da aderência de bactérias no endotélio vascular ou


no endocárdio que se multiplicam até a formação de vegetações.
Na endocardite aguda, como o agente primário é geralmente invasivo, essa
aderência ocorre sem dificuldades.
Na endocardite subaguda, porém, há necessidade de que ocorram alguns
mecanismos para essa aderência se proceder.
Por exemplo, quando ocorre estreitamento em um vaso há um aumento de pressão a
montante do segmento estreitado e uma redução de pressão a jusante.
Esse gradiente pressórico vai produzir um conseqüente aumento na velocidade do
fluxo no segmento estreitado, efeito conhecido como efeito Venturi.
Esse aumento na velocidade do fluxo sangüíneo pode provocar uma lesão
endotelial neste segmento, chamada de lesão em jato, que vai fazer uma exposição de
colágeno endotelial, favorecendo a aderência de plaquetas e de fibrina.
Com isso, caso ocorra uma bacteremia, essas bactérias vão poder se aderir a esse
trombo plaquetário, multiplicando-se e lesionando ainda mais o endotélio.
CARDIOLOGIA - 72

Desta maneira, nós observamos que qualquer situação que provoque um aumento
na velocidade do fluxo sangüíneo em uma estrutura pode causar uma lesão em jato e,
conseqüentemente, uma endocardite infecciosa.
As vegetações da endocardite têm a tendência de se localizar predominantemente
no coração esquerdo, onde se localizam em 85% das endocardites subagudas e em 65% das
infecções agudas.
A freqüência de acometimento do coração direito é, em média, de 5%. Todavia, nos
pacientes droga-aditos, o acometimento do lado direito pode ter um aumento de até 55%.
As lesões provocadas pela endocardite aguda são rapidamente destrutivas e podem
provocar perfuração e rotura das valvas e cordas tendíneas, produzindo freqüentemente uma
insuficiência valvar aguda.
As vegetações podem se fragmentar, desprender e provocar embolia arterial
sistêmica, no caso da endocardite de câmaras cardíacas esquerdas, ou embolia arterial
pulmonar, no caso de endocardite de câmaras direitas.

Patologia

A endocardite infecciosa é uma


patologia em que ocorre assentamento e
proliferação de bactérias ou fungos no
endotélio, no endocárdio ou nas valvas
cardíacas, formando vegetações.
As vegetações da endocardite são
maiores quando produzidas por fungos, e
localizam-se com maior freqüência no
coração esquerdo. Porém, a freqüência de
vegetações nas câmaras direitas pode
aumentar nos pacientes droga-aditos.
Microscopicamente, as lesões
provocadas pela endocardite aguda são
caracterizadas por uma população de
polimorfonucleares neutrófilos rodeados
por muitas bactérias.
Em portadores de bioprótese valvar
cardíaca, a infecção pode não se
configurar como verruga, mas como um
tecido de aspecto gelatinoso recobrindo a
Figura 2 - Vegetações em valva mitral e átrio esquerdo
decorrentes da endocardite infecciosa
prótese ou, em casos de próteses
mecânicas, ficar mais restrita ao anel.
As lesões da endocardite subaguda, por sua vez, apresentam-se por trombos
plaquetários e fibrinosos associados a colônias bacterianas e rodeados por um infiltrado
crônico monomorfonuclear no miocárdio.
A essa lesão patognomônica da endocardite subaguda, que manifesta-se pela
formação de microabscessos no miocárdio, dá-se o nome de lesão de Bracht-Wachter.
Como complicação, pode haver liberação desses trombos cardíacos e a conseqüente
produção de infartos periféricos, esplênicos, renais, cerebrais, etc.
Manifestações clínicas
As manifestações clínicas da endocardite infecciosa ocorrem na
dependência de alguns fatores como:
CARDIOLOGIA - 73

 Processo infeccioso valvar;


 Embolizações;
 Infecções metastáticas;
 Deposição de globulinas anormais e complexos imunes à
distância.
As endocardites agudas geralmente apresentam um início súbito e
rapidamente progressivo.
A embolização pode ser o primeiro sintoma das endocardites
infecciosas agudas.
As endocardites subagudas, por sua vez, tem um início
sintomatológico decorrente principalmente da infecção, ou seja, com astenia, febre, anorexia e
emagrecimento. Todavia, suas complicações também podem se manifestar como os primeiros
sintomas da doença.
Existem basicamente dois grupos de complicações nas endocardites
subagudas:
1. Complicações embólicas
Que podem produzir infartos renais, esplênicos,
acidentes vasculares cerebrais, infartos miocárdicos, cegueira, etc.
2. Complicações imunes
Que podem gerar pericardites, artrites, glomerulonefrites
agudas, etc.
Ainda, nós podemos encontrar sinais e sintomas que aparecem tanto
nas endocardites agudas quanto nas subagudas, como por exemplo:
 Febre 100%;
 Sopro  85% dos pacientes apresentam sopro na primeira
consulta. Porém, 30% das endocardites infecciosas agudas não
apresentam-no;
 Anemia Normocítica e normocrômica;
 Esplenomegalia 25 a 60%;
 Artralgia;
 Sinais cutâneo-mucosos
 Petéquias
 Hemorragias subungueais
 Nódulos de Osler  São nódulos extremamente dolorosos que
podem se evidenciar à compressão das polpas digitais dos pés e
das mãos dos pacientes
 Lesões de Janeway  Que correspondem a manchas
eritematosas na palma das mãos e na planta dos pés
 Manchas de Roth  São manchas amareladas circundadas por
um halo avermelhado localizadas na retina. Ou seja, são lesões
observadas no exame fundoscópico e que representam o
microabscesso retiniano
 Baqueteamento.
Todos esses sinais cutâneo-mucosos, com exceção do baqueteamento,
são lesões decorrentes da deposição de complexos-imunes nos capilares, causando
embolização e conseqüente vasculite.
CARDIOLOGIA - 74

Complicações

As principais complicações das endocardites infecciosas são:


 Complicações cardíacas
 Insuficiência cardíaca (55%)
 Ruptura de valvas e/ou cordoalhas tendíneas
 Abscesso miocárdico (20%)
 Pericardite  Imunológica
 Miocardite;

 Embolizações
 Baço (44%)
 Rins (52% na endocardite subaguda e 7% na endocardite aguda)
 IAM (40 a 60%)
 Cérebro (Jochman 1914)
A primeira hipótese que deve ser levantada na
história clínica de AVC em pacientes jovens é a endocardite infecciosa
com aneurisma micótico.

 Periféricas Principalmente causadas por fungos;

 Infecções metastáticas Staphylococcus aureus;

 Aneurismas micóticos 3 a 5%
São mais freqüentes na aorta proximal e ocorrem
devido a microembolias sépticas causadas pela deposição de complexos
imunes nos vasa vasorum da parede arterial, propiciando a invasão direta da
parede pelo microorganismo.
O aneurisma micótico é, na realidade, um pseudo-
aneurisma, porque ele se constitui de um hematoma perivascular sem parede
arterial, e não implica etiologia fúngica como o nome sugere.

 Neurológicas
 Embolias
 Aneurismas
 Abscessos;

 Renais
 Infecção renal maciça
 Microinfartos
 Nefrite intersticial
 Glomerulonefrites;

 Musculoesqueléticas
 Artralgia
 Artrites.
CARDIOLOGIA - 75

Diagnóstico

É feito com base no quadro clínico e na identificação do agente etiológico nas


hemoculturas.
Toda vez que um paciente com lesão cardíaca predisponente à endocardite,
como uma prótese valvar, por exemplo, chega para nós com sintomatologia sugestiva, deve-se
fazer uma ampla investigação para ver se esse paciente está realmente com endocardite ou se
sua sintomatologia não é decorrente de outras causas de febre.

Exames complementares

O hemograma é um exame que, na endocardite infecciosa, pode-nos


mostrar alterações altamente inespecíficas.
Por exemplo, as alterações decorrentes de uma endocardite subaguda
como anemia normocítica e normocrômica, leucocitose e VHS elevado são situações que
também podem ser encontradas em qualquer processo inflamatório.
O parcial de urina pode estar anormal em metade dos casos de
endocardite, com hematúria e/ou proteinúria, devido as freqüentes lesões renais que podem
ocorrer como complicação de uma endocardite.
A hemocultura é um exame quase que insubstituível na pesquisa da
endocardite infecciosa. Nós podemos dizer que a hemocultura é o exame diagnóstico chave
para a endocardite infecciosa porque é ela quem vai identificar seu agente etiológico.
Para colher o material desse exame, é importante que nós realizemos
uma anti-sepsia cuidadosa da pele do paciente para evitar contaminação das amostras.
A anti-sepsia mecânica deve ser realizada sem o auxílio de escova
para que não haja escoriações na pele do paciente e, na anti-sepsia química, deve-se tomar
cuidado para que o degermante seja secado naturalmente porque ele só tem uma ação eficaz
quando seco.
Então, pode-se proceder a coleta de quatro amostras de 10 ml de
sangue venoso no primeiro dia, mais quatro no segundo, com um intervalo de 15 a 60 minutos
entre cada uma delas, de acordo com a urgência do paciente.
O resultado da hemocultura vai ser positivo quando apresentar
crescimento do germe em pelo menos duas das quatro amostras de sangue. Ela é capaz de
detectar a presença de germes aeróbios, anaeróbios e fungos.
Caso apenas uma amostra apresente-se positiva, nós dizemos que
houve contaminação na coleta do material, e a hemocultura deve ser novamente realizada.
Antigamente, preconizava-se colher as amostras durante os picos
febris da doença, mas hoje se sabe que não existe um aumento significativo do número de
germes nessa fase.
A cultura de sangue arterial não é superior em positividade à cultura
de sangue venoso.
A pesquisa de fator reumatóide também é um exame interessante de
ser solicitado. Não com objetivo diagnóstico, mas com valor prognóstico.
Isso porque 50% dos pacientes com endocardite infecciosa
apresentam o exame para fator reumatóide positivo e, nesses pacientes, caso após o início
terapêutico o exame de fator reumatóide torne-se negativo, significa que o tratamento está
funcionando.
CARDIOLOGIA - 76

O eletrocardiograma é outro exame absolutamente inespecífico, mas


que pode mostrar perturbação da condução e infarto agudo do miocárdio quando houver lesão
cardíaca.
O Raio-X de tórax pode-nos mostrar sinais de insuficiência cardíaca
e, nos pulmões, áreas de condensação quando houver embolia séptica.
Se nós podemos dizer que a hemocultura é o exame complementar
principal na pesquisa da endocardite infecciosa, o ecocardiograma é o segundo.
Através do ecocardiograma, nós conseguimos detectar vegetações a
partir de 2 mm de extensão. Logo, o ecocardiograma normal não exclui o diagnóstico de
endocardite infecciosa.
Dependendo da clínica do paciente, deve-se repetir o exame em uma
semana ou se pode, até mesmo, iniciar seu tratamento empiricamente.
Na ecocardiografia, as vegetações da endocardite são identificadas
através de ecos anômalos. Contudo, o achado de vegetações na ecografia é complementar aos
dados obtidos na história clínica, exame físico e hemoculturas, pois a presença de ecos
anômalos valvares nem sempre significa vegetação ou endocardite ativa.

Figura 3 - À esquerda, ecocardiografia unidimensional mostrando ecos densos, tremidos, na valva aórtica
(setas) que são praticamente diagnósticos de vegetações valvares. À direita, ecocardiografia bidimensional
com uma vegetação (VEG) sobre a valva aórtica e outra no átrio esquerdo (setas) (LV = Ventrículo
esquerdo; Ao = Aorta; MV = Valva mitral; LA = Átrio esquerdo)

O cateterismo cardíaco, apesar de invasivo e de preferência evitado,


pode ser realizado quando considerado indispensável para o diagnóstico de lesões
intracardíacas.
CARDIOLOGIA - 77

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Tratamento da endocardite infecciosa

Princípios terapêuticos

Os princípios utilizados no tratamento da endocardite infecciosa são:


1. Identificação do germe
É necessário saber a etiologia da
endocardite para que a escolha terapêutica possa ser realizada,
porque quando você não sabe o que tratar, não importa o que você
usa.

2. Sempre que possível, deve-se esperar o resultado da


hemocultura
O início da antibioticoterapia deve ser precoce, mas
não imediato. Nos casos subagudos, quando a gravidade da
infecção não é tão grande, preconiza-se esperar uns 2 ou 3 dias pelo
resultado da hemocultura para se iniciar o tratamento.
Nos casos com risco de vida, porém, quando há
sinais de embolização de diversos órgãos, por exemplo, pode-se
iniciar empiricamente a antibioticoterapia. Contudo, recomenda-se
antes que se faça a coleta das amostras para a hemocultura em 1 ou
2 horas.
Deve-se ressaltar aqui que, freqüentemente, a
coloração pelo Gram, de um esfregaço de sangue, pode identificar
o agente causal. Por isso, é importante que se faça uma lâmina com
esse material durante a coleta do material para a hemocultura.

3. O antibiótico de escolha deve ser bactericida, não somente


bacteriostático, e de preferência, ser de administração
parenteral

4. O tratamento deve perdurar por cerca de 4 a 6 semanas


Não existe nenhum trabalho que prove que a terapia de 6
semanas é melhor que a de 4 ou vice-versa. Porém, dependendo da
situação tem-se preferência por um desses períodos. Por exemplo,
nas endocardites infecciosas em valvas prostéticas ou naquelas
situações nas quais há demora na resposta ao tratamento, é
preferível o uso de antibióticos por 6 semanas.
CARDIOLOGIA - 78

Escolha terapêutica

Para efetuar a escolha terapêutica da endocardite infecciosa, nós


precisamos responder algumas perguntas:
 Qual o antibiótico ideal?
 Qual a melhor via de administração?
 Qual o melhor tempo de tratamento?

De acordo com a gama de antibióticos que existem hoje no mercado, a


escolha do antibiótico ideal é pessoal e é baseada na experiência do terapeuta.
A melhor via de administração é a parenteral e, também, a injeção em
bolo é melhor do que a infusão contínua pois ela permite níveis séricos de antibióticos mais
altos, com aumento da sua ação bactericida.
O intervalo entre cada injeção é geralmente de 6 horas nos adultos e de 4
horas nas crianças. Porém, a penicilina cristalina deve ser administrada de 4 em 4 horas,
mesmo no adulto.
Quanto ao tempo de tratamento, como já vimos, pode variar de 4 a 6
semanas, sem diferença de estatística. Há uma tendência, porém, de se utilizar o período de 6
semanas.

Esquemas terapêuticos

O tratamento das endocardites infecciosas cujos agentes etiológicos são


as bactérias do gênero Streptococcus pode ser dividido em 3 grandes grupos:
 Sensível a penicilina
1a escolha - Penicilina G-cristalina (20 x 106 de unidades por dia
durante 4 dias) associada ou não a gentamicina (1 mg por Kg de 8
em 8 horas durante 2 semanas)
2a escolha - Cefalotina (1,5 g de 4 em 4 horas) ou vancomicina (7,5
mg/Kg de 6 em 6 horas);

 Relativamente resistente a penicilina


1a escolha - Penicilina G-cristalina associada a gentamicina (durante
4 a 6 semanas)
2a escolha - Vancominica (durante 4 a 6 semanas)

 Enterococos
Penicilina G-cristalina ou ampicilina (12 g por dia em administração
endovenosa) associadas a gentamicina (1 mg por Kg de 8 em 8
horas)

Quando falamos de Staphylococcus aureus, 15% das cepas


comunitárias e 90% das cepas hospitalares são resistentes à penicilina.
Nesses casos, a associação de um segundo antibiótico não reduz a
mortalidade, que acomete 40 a 50% desses pacientes.
O Staphylococcus epidermidis, por sua vez, tem um curso clínico muito
protraído, ou seja, sem muita sintomatologia. Porém, 70% dos casos apresentam recorrência,
quando a sua mortalidade passa a ser de 50%.
CARDIOLOGIA - 79

 Staphylococcus aureus
 Sensível a penicilina
1a escolha - Oxacilina (2 g E.V. de 4 em 4 horas)
2a escolha - Cefalotina (2 g E.V. de 4 em 4 horas) ou cefazolina (2
g E.V. de 6 em 6 horas) ou vancomicina (7,5 mg por Kg E.V. de 6
em 6 horas).
Quando houver prótese valvar deve-se associar gentamicina numa
dose de 1 mg por Kg de 8 em 8 horas.

 Resistente a penicilina
Vancomicina (500 mg E.V. de 6 em 6 horas). Pode-se associar
outro antibiótico conforme o antibiograma.

 Staphylococcus epidermidis
 Sensível a penicilina
 Em valva natural (4 semanas)
1a escolha - Oxacilina (2 g E.V. de 4 em 4 horas)
2a escolha - Cefalosporina ou vancomicina

 Em valva prostética (6 semanas)


Associar gentamicina (1 mg por Kg de 8 em 8 horas durante 2
semanas a partir do início)

Problemas terapêuticos

Os principais problemas que surgem no tratamento da endocardite


infecciosa são:
 Quadro clínico de endocardite subaguda com hemocultura
negativa, decorrente ou do uso precoce de antibióticos ou de
problemas no procedimento de amostragem
 Subaguda em valva natural
 1a escolha - Penicilina G-cristalina (20 x 106 de unidades por
dia) associada a gentamicina
 2a escolha - Vancomicina associada a gentamicina

 Aguda em valva natural


 1a escolha - Oxacilina associada a gentamicina
 2a escolha - Vancomicina associada a cefalotina e a
gentamicina

 Em valva prostética
 Vancomicina associada a gentamicina;
CARDIOLOGIA - 80

 Hospedeiro comprometido com uso prévio de antibióticos de


amplo espectro
 Staphylococcus 4 a 6 semanas
 Sensível a penicilina - Penicilina G-cristalina (20 x 106
unidades por dia)
 Resistente a penicilina - Penicilina G-cristalina (20 x 106
unidades por dia) associada a oxacilina
 Resistente a meticilina - Penicilina G-cristalina (20 x 106
unidades por dia) associada a vancomicina
 Alérgico a penicilina - Cefalosporina associada a
vancomicina

 Streptococcus 4 a 6 semanas
 Sensível a penicilina - Penicilina G-cristalina (20 x 106
unidades por dia)
 Resistente a penicilina e enterococos - Penicilina G-cristalina
(20 x 106 unidades por dia) associada a gentamicina
 2a escolha - Cefalosporina ou vancomicina associadas ou não
a gentamicina

 Gram-negativos Conforme o antibiograma

 Fungos É indicada a troca valvar


 Anfoterecina B associada a 5-Fluorocitosina

 Endocardite em valva prostética;


 Endocardite à direita  Geralmente resultam em hemoculturas
negativas devido ao longo percurso que existe até o sangue venoso,
onde é obtido o material;
 Usar ou não anticoagulantes?
Quanto a anticoagulação, deve-se
interromper o uso de anticoagulantes, se possível. A utilização de
heparina é contra-indicada, exceto quanto há tromboembolismo
pulmonar maciço.
Quanto aos cumarínicos, se houver
indicação absoluta, deve-se manter um TAP de 1,5 vezes o normal
(na anticoagulação mantém-se um TAP de 2,5 vezes o normal).
Caso vá continuar a administração
de anticoagulantes, deve-se escolher um antibiótico que dispense
injeções intramusculares porque, nesse caso, podem formar-se
grandes hematomas, causando muita dor ao paciente.

Tratamento cirúrgico

Nem sempre se cura a endocardite infecciosa, mesmo com o tratamento


adequado. Por isso, deve-se sempre considerar a possibilidade de cirurgia nesses pacientes.
O quadro a seguir mostra o índice de cura da endocardite infecciosa.
CARDIOLOGIA - 81

Tabela 1
Antibioticoterapia Antibioticoterapia e cirurgia
Agentes Em valva Em prótese Tardia Em valva Em prótese Tardia
nativa precoce nativa precoce
S. viridans 98% 65% 80% 98% 80% 90%
S. aureus 90% 25% 40% > 90% 50% 60%
XXX 50% 25% 40% 70% 50% 60%
Fungos <5% <1% <1% 50% 30% 40%

As indicações cirúrgicas para o tratamento da endocardite são as


seguintes:
 Insuficiência cardíaca refratária ao tratamento;
 Infecção sem melhora após uma semana de tratamento;
 Embolizações repetidas;
 Presença de abscessos septais;
 Recrudescência (até 3 meses do tratamento) Não houve cura;
 Recorrência (após 6 meses do tratamento) Houve cura;
 Aneurisma do seio de valsalva ou da junção átrio-ventricular 
Fazem bloqueio grave;
 Endocardite por fungos 7 a 10 dias de tratamento.

Profilaxia

O prognóstico de um paciente tratado de endocardite infecciosa não é muito bom. A


média de sobrevida desses indivíduos, em 5 anos, é de cerca de 60 ou 70%.
Por isso, o melhor meio de tratar a endocardite infecciosa é preveni-la.
Deve ficar claro, contudo, que a profilaxia para moléstia reumática não previne
contra a endocardite infecciosa.
A “American Heart Association” recomenda que se faça profilaxia de endocardite
infecciosa em todos os pacientes com sopro cardíaco.
Desta forma, quando esses pacientes forem ser submetidos a tratamento dentário
com sangramento ou a uma cirurgia odontológica, deve ser administrado:
 Penicilina V
 2 gramas, V.O., 1 hora antes e 1 grama, 6 horas após;

 Amoxacilina
 3 gramas, V.O., 1 hora antes e 0,5 g 6 horas depois;

 Eritromicina Nos pacientes alérgicos a penicilina


 1 g, V.O., antes e 0,5 g depois.

Quando submetidos a um tratamento gênito-urinário ou gastrintestinal esses


pacientes devem receber:
 Ampicilina
 2 g, I.M. ou E.V., associada a gentamicina (1,5 mg por Kg, I.M., 30 minutos
antes do procedimento)

 Vancomicina Nos pacientes alérgicos a penicilina


 1 g, E.V., associada a gentamicina 1,5 mg por Kg, I.M. ou E.V., 1 hora antes
do procedimento.
CARDIOLOGIA - 82

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Dislipidemias

Introdução

As dislipidemias correspondem à expressão clínico-laboratorial dos transtornos do


metabolismo das lipoproteínas.

Lipoproteínas

As gorduras, por serem insolúveis em meio aquoso, são transportadas na


circulação sangüínea na forma de complexos hidrossolúveis de alto peso molecular,
denominados lipoproteínas.
Tanto os lipídios provenientes da dieta (exógenos), quanto aqueles fabricados
pelo próprio organismo (endógenos), organizam-se na forma de macroagregados
lipoproteicos, nos quais os triglicerídios e o colesterol esterificado ficam envolvidos por
fosfolipídios e colesterol livre e ligam-se a proteínas específicas, denominadas apoproteínas.
As lipoproteínas podem ser separadas em cinco classes:
 Quilomícrons
São as maiores lipoproteínas.
Os quilomícrons são formados no intestino e, pela ação da
lipase lipoproteica, dão origem a partículas denominadas quilomícrons
remanescentes, cuja principal função é o transporte dos triglicerídios
exógenos para os locais de metabolização e estocagem, tais como o fígado,
os músculos e o tecido adiposo.
No indivíduo sadio, os quilomícrons desaparecem da
circulação logo após a dieta.

 VLDL1
São partículas relativamente grandes produzidas no fígado de
acordo com a oferta de ácidos graxos livres ao hepatócito.
Sua função é transportar os triglicerídios endógenos e colesterol
para os tecidos periféricos, onde serão utilizados como fonte de energia ou
serão estocados.

 IDL2
São formadas pela ação da lipase lipoproteica sobre as partículas
VLDL, resultando em partículas mais densas.
As IDL são removidas da circulação sistêmica pelo fígado. As
partículas restantes sofrem ação da lipase hepática dos triglicerídios,
perdendo triglicerídios e fosfolipídios, dando origem às LDL.

 LDL3
São as lipoproteínas que carregam maior conteúdo de colesterol,
transportando-o para regiões onde este exerce papel fisiológico como, por

1
Do inglês, “Very Low Density Lipoprotein” (N do A)
2
Do inglês, “Intermediate Density Lipoprotein” (N do A)
3
Do inglês, “Low Density Lipoprotein” (N do A)
CARDIOLOGIA - 83

exemplo, na formação de células nervosas e na síntese de hormônios


esteróides.
As partículas LDL também são removidas da circulação por
receptores hepáticos.
O aumento de seu nível sérico guarda estreita relação com a
aterogênese acelerada. As LDL modificadas quimicamente, ou seja,
acetiladas, glicosadas e oxidadas, ou ainda, tratadas com malondialdeído ou
glutaraldeído parecem ter um potencial aterogênico ainda maior.
O nível sérico de LDL pode ser calculado através da seguinte fórmula:

LDL = Colesterol total – HDL – (0,2  triglicerídios) (4)

 HDL4
Sua função é o transporte do colesterol livre dos tecidos periféricos
para o fígado (transporte reverso do colesterol).
Podem ser encontradas na circulação em diversos subtipos, dos quais
a HDL2 e HDL3 encontram-se em maiores concentrações. À subfração
HDL2 atribui-se certa proteção ao desenvolvimento da aterosclerose
prematura.

Figura 1 - Metabolismo das lipoproteínas

4
Do inglês, “High Density Lipoprotein” (N do A)
CARDIOLOGIA - 84

Classificação

As dislipidemias podem ser primárias, quando relacionadas a alterações


genéticas; ou secundárias, quando associadas a uma série de enfermidades.
 Dislipidemias primárias
 Hiperlipoproteinemia Tipo I
 Hiperquilomicronemia familiar
Tem caráter autossômico recessivo e
resulta da deficiência de lipase lipoproteica ou de apoproteína CII.
Caracteristicamente, apresenta níveis elevados de quilomícrons após 12
a 14 horas de jejum. A observação do soro evidencia uma camada
cremosa de quilomícrons sobre infranadante claro.
Os pacientes portadores de tal
enfermidade apresentam, ainda na infância, episódios de pancreatite
aguda, além de hepatoesplenomegalia, xantomas eruptivos e lipemia
retinal. Não é observada aterosclerose.

 Hiperlipoproteinemia Tipo II
 Hipercolesterolemia poligênica
É a causa mais comum de aumento
isolado do colesterol sérico e da LDL.

 Hipercolesterolemia familiar
Apresenta caráter autossômico dominante,
podendo exteriorizar-se na forma heterozigótica, na qual os níveis de
colesterol estão entre 250 e 500 mg/dl; ou na forma homozigótica, em
que a colesterolemia varia de 500 a 1.200 mg/dl.
Ocorre em virtude de uma mutação do gene
que codifica a formação dos receptores hepáticos de LDL, prejudicando
o seu catabolismo.
O achado clínico de maior importância é a
aterosclerose, que acomete os indivíduos homozigóticos na infância ou
adolescência e os indivíduos heterozigóticos na quinta ou sexta décadas
de vida.
Xantomas, xantelasmas e arco corneano
podem ser observados ao exame físico.

 Hiperlipidemia familiar combinada


É uma desordem de caráter
autossômico dominante caracterizada pela variabilidade do padrão
lipoproteico entre membros de uma mesma família.

 Hiperlipoproteinemia Tipo III


 Disbetalipoproteinemia familiar
Ocorre devido a depuração anormal das
partículas VLDL. Os portadores de tal dislipidemia apresentam
aterosclerose acelerada, manifestada por doença arterial coronária e
periférica.

 Hiperlipoproteinemia Tipo IV
CARDIOLOGIA - 85

 Hipertrigliceridemia familiar
É uma desordem autossômica dominante
em que se observa maior produção e menor depuração de VLDL,
conferindo ao soro um aspecto turvo.
Em geral, está associada à obesidade,
intolerância à glicose, diabetes mellitus, hiperinsulinemia, resistência à
insulina e hiperuricemia.

 Hiperlipoproteinemia Tipo V
Dislipidemia pouco comum na qual se
observa aumento de quilomícrons e VLDL, conferindo ao soro uma faixa
cremosa superior sobre um infranadante turvo.

 Hipoalfalipoproteinemia
Caracteriza-se por níveis baixos de HDL no soro.
Associa-se positivamente com a doença arterial coronariana.

 Dislipidemias secundárias
Suas principais causas são:
 Diabetes mellitus
 Hipotireoidismo
 Síndrome nefrótica
 Insuficiência renal crônica
 Drogas
 Obesidade
 Etilismo
 Gestação
 Doença hepática
 Anorexia nervosa
 Mieloma
 Lúpus eritematoso sistêmico
 Lipodistrofia
 Doença de estoque do glicogênio
 Osteogênese imperfeita
 Hipervitaminose D
 Síndrome de Werner
 Doença de Tangier

Valores de referência

Os valores de referência do colesterol, LDL, triglicerídios e HDL


recomendados pelo NCEP (National Cholesterol Education Program) encontram-se na tabela
a seguir.
CARDIOLOGIA - 86

Tabela 1
Colesterol total (mg/dl) LDL (mg/dl) Triglicerídios Nível
< 200 < 130 < 200 Ideal
200 a 239 130 a 159 200 a 500 Limítrofe
> 240 > 160 > 500 Alto
HDL (mg/dl) Nível
> 65 Ideal
35 a 64 Limítrofe
< 35 Baixo

Tendo em vista que níveis de colesterol plasmático entre 250 e 300


mg/dl podem aumentar em duas ou quatro vezes o risco de um indivíduo desenvolver doença
arterial coronária obstrutiva, recomenda-se que todos os indivíduos com mais de 20 anos de
idade dosem seu nível de colesterol.
Resultados dentro da faixa ideal permitem que o paciente repita a
medida de colesterol a cada 5 anos ou durante avaliação clínica.
Todavia, o valor do colesterol sérico deve ser confirmado. A coleta de
mais uma ou duas amostras de sangue, num prazo de uma a oito semanas, é recomendável. O
laboratório responsável pela quantificação deve primar pela exatidão (concordância com o
valor real) e pela precisão (condição de reprodutibilidade dos resultados). São metas ideais em
relação à precisão um coeficiente de variação menor ou igual a 3%, e em relação a exatidão
um valor menor ou igual a mais ou menos 3% do valor real. Para minimizar os efeitos da
variações sobre as dosagens de um determinado paciente, recomenda-se que um mesmo
laboratório seja escolhido para o diagnóstico e acompanhamento.
O verdadeiro papel dos triglicerídios na aterogênese ainda está por ser
definido. Aceita-se um coeficiente de variação para os triglicerídios entre 5 e 8%,
consideravelmente maior do que o do colesterol, pois a ingestão de álcool, a postura, as
medicações concomitantes, a atividade física, o período do dia e as condições de coleta da
amostra de sangue podem promover diferenças importantes no resultado obtido. São
recomendáveis duas a três coletas em jejum de 12 a 14 horas, com intervalos de uma semana
entre elas, objetivando aumentar a precisão do método.
Os níveis baixos de HDL constituem um fator de risco independente
para o desenvolvimento de aterosclerose coronariana. Por isso, a dosagem de HDL deve ser
realizada em todos os indivíduos sadios, quando se deseja realizar uma avaliação do risco de
doença arterial coronária obstrutiva, conjuntamente ao colesterol sérico. Para quantificação da
HDL, devem ser analisadas duas ou três amostras em intervalo semanal.
Contudo, os valores de referência devem ser interpretados em conjunto
com outras situações que se associam ou aumentam a probabilidade de ocorrência de doença
arterial coronariana, tais como a hipertensão arterial, o diabetes mellitus, a obesidade, o
tabagismo e o sedentarismo.
Assim, indivíduos com níveis limítrofes de colesterol, LDL,
triglicerídios e HDL, mas sem doença arterial coronariana ou dois fatores de risco, devem
apenas receber orientação dietética e submeter-se a reavaliação anual. Todavia, na presença
de doença arterial coronariana ou de dois fatores de risco, os indivíduos com níveis limítrofes
devem ser submetidos à avaliação clínica objetivando diagnosticar causas secundárias e
influências familiares, bem como ao tratamento clínico visando normalizar os lipídios séricos.
CARDIOLOGIA - 87

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Tratamento das dislipidemias

Introdução

No tratamento das dislipidemias, devem ser executadas diferentes estratégias,


incluindo medidas não-farmacológicas e farmacológicas.
As medidas não-farmacológicas consistem na correção de outros fatores de risco
ou outras condições associadas. Além de sua influência direta sobre a aterosclerose e doença
coronariana, fatores de risco como o tabagismo, sedentarismo, diabetes mellitus, hipertensão
arterial, obesidade e o uso de anticoncepcionais orais, entre outros, podem afetar direta ou
indiretamente os níveis lipídicos.
O tratamento farmacológico deve ser reservado aos casos em que as medidas não-
farmacológicas, isoladamente, não trouxeram os resultados esperados. Os medicamentos
devem sempre ser considerados como medidas adicionais e não encarados como substitutos
do tratamento não-farmacológico.

Dieta

Colesterol da dieta
Em geral, a elevação do colesterol total sérico dependente da ingestão de colesterol é
saturável, ou seja, a partir de determinado valor (variável para cada pessoa), novos aumentos
do aporte de colesterol alimentar não produzirão incremento do colesterol total sérico. O
colesterol só está presente em produtos alimentares de origem animal.

Ácidos graxos da dieta


Os ácidos graxos são lipídios presentes na dieta que podem elevar o colesterol total
sérico.
Os ácidos graxos saturados são aqueles que não possuem nenhuma dupla ligação entre
os carbonos de sua cadeia. Os que têm mais de 12 átomos de carbono têm capacidade de
elevar o colesterol total, tais como o ácido láurico, mirístico e palmítico. Esses ácidos graxos
estão presentes principalmente em produtos de origem animal e, como exceção, em alguns
vegetais (óleo de palma, banha de coco).
Os ácidos graxos insaturados são os que apresentam pelo menos uma dupla ligação
entre seus átomos de carbono.
Os ácidos graxos poliinsaturados apresentam duas ou mais duplas ligações em suas
cadeias. Dentre esses ácidos, aqueles que apresentam a primeira dupla ligação na sexta
posição a partir do grupo metil (grupo ômega-6) têm capacidade de reduzir os níveis
plasmáticos de colesterol total, tanto as LDL quanto as HDL. Estes ácidos são encontrados
principalmente nos óleos de soja, milho, girassol, canola, nozes e arroz, sendo recomendados,
em doses moderadas, como substitutos dos ácidos graxos saturados.
Os ácidos graxos poliinsaturados que apresentam a primeira dupla ligação na terceira
posição a partir do grupo metil (grupo ômega-3) têm certa capacidade em reduzir a
trigliceridemia mas, em geral, não atuam sobre os valores do colesterol total. Esses ácidos
encontram-se principalmente nos peixes de águas marinhas frias e profundas, dependendo do
plâncton local que apresenta esses ácidos graxos em suas membranas celulares.
CARDIOLOGIA - 88

Os ácidos graxos monoinsaturados apresentam apenas uma dupla ligação na sua cadeia.
Eles têm capacidade, semelhantemente aos ácidos poliinsaturados do grupo ômega-6, de
reduzir a colesterolemia com a vantagem de não produzir queda das HDL, podendo até elevar
os seus níveis. Seu principal representante na alimentação é o ácido oleico, presente no óleo
de oliva.
Outro aspecto importante que determina a capacidade dos ácidos graxos de elevar ou
reduzir a colesterolemia é a sua apresentação espacial nas formas cis ou trans. Os ácidos
graxos insaturados na forma cis podem reduzi-la, enquanto os trans têm tendência a elevá-la.
Isto é importante, por exemplo, pelo problema das margarinas vegetais, que no processo de
solidificação (hidrogenação) têm parte de seus óleos vegetais, ricos em ácidos graxos
poliinsaturados ômega-6 da forma cis, transformados em saturados ou em forma trans, o que
faz com que sua ingestão leve à elevação da colesterolemia.

Hidratos de carbono
Os hidratos de carbono simples, principalmente a glicose e a sacarose, têm capacidade
de elevar a trigliceridemia e, em geral, reduzir as HDL; enquanto os complexos,
principalmente os presentes em frutas e vegetais, podem produzir redução do colesterol total
sérico.

Fibras
Estão presentes em nossa alimentação dois tipos de fibras, as hidrossolúveis,
representadas principalmente pela pectina (presente nas frutas cítricas) e as gomas (presentes
nos feijões e no farelo de aveia); e as não hidrossolúveis, tais como a lignina (presente nos
vegetais), a celulose e a hemicelulose (presentes no trigo e centeio).
As fibras hidrossolúveis apresentam ação redutora do colesterol total; enquanto as não
hidrossolúveis, apesar de não agirem diretamente nas concentrações de colesterol, também
podem auxiliar no tratamento das hipercolesterolemias por produzirem plenitude gástrica e,
com isso, levar o indivíduo a ingerir menos alimentos ricos em ácidos graxos saturados e
colesterol.

Recomendações dietéticas
Diante do que foi discutido anteriormente, as recomendações dietéticas que são feitas
para qualquer indivíduo a partir de dois anos de vida são as seguintes:
1. Controle do peso corporal
2. Consumo total de gorduras menor que 30% do valor calórico total
3. Consumo de ácidos graxos saturados menos que 10% do valor calórico total
4. Aumento no consumo de ácidos graxos mono e poliinsaturados em substituição aos
saturados  Seguindo-se a relação 1:1:1 (10% de saturados, 10% de
monoinsaturados e 10% de poliinsaturados)
5. Consumo de colesterol menor que 300 mg/dia
6. Aumento no consumo de carboidratos complexos
7. Aumento no consumo de frutas, vegetais e fibras cereais

Estas medidas são recomendadas tanto na prevenção primária das dislipidemias


(indivíduos sadios) quanto na sua prevenção secundária (portadores de doença arterial
coronariana).
CARDIOLOGIA - 89

Todavia, nos pacientes com hipercolesterolemia, a porcentagem calórica dependente de


ácidos graxos saturados deve ser ainda mais reduzida, para cerca de 7% do valor calórico
total; e o consumo de colesterol deve estar abaixo de 200 mg/dia.
Para os casos de hipertrigliceridemia, a primeira medida é a retirada de sacarose e
glicose (açúcar, doces e mel), o que muitas vezes é suficiente para normalização dos níveis
lipídicos. Outra medida a ser adotada nesses casos é a redução de outros hidratos de carbono,
principalmente de massas e farináceos.

Inibidores da HMG-CoA-redutase

Estão disponíveis no mercado brasileiro a lovastatina,


sinvastatina e pravastatina, com algumas peculiaridades que as diferem. Atualmente, são as
drogas de primeira escolha no tratamento das hipercolesterolemias isoladas, exceto em
crianças.

Elas agem inibindo,


por competição, a enzima
hidroxi-metil-coenzima A-
redutase (1), essencial na
síntese celular de
colesterol. A redução dos
níveis de colesterol
estimula a produção de
receptores de membrana
específicos para LDL (2),
reduzindo os níveis de LDL
circulante, podendo
também aumentar a
remoção de VLDL e IDL,
que são precursores das
LDL. Em alguns pacientes,
os inibidores da HMG-

Figura 1 - Mecanismo de ação dos inibidores da HMG-CoA-redutase CoA-redutase podem,


ainda, reduzir a síntese de
lipoproteínas (3).
Como esta droga depende da capacidade do indivíduo em
fabricar receptores, os inibidores da HMG-CoA-redutase não têm ação sobre a
hipercolesterolemia familiar homozigótica (hiperlipoproteinemia tipo II), somente sobre a
heterozigótica e sobre outras formas de hipercolesterolemia.
São em geral muito bem toleradas, qualidade que permite
sua utilização mesmo em pacientes idosos, que usualmente não toleram outros medicamentos.
Entre os efeitos colaterais descritos incluem-se cefaléia, manifestações gastrointestinais,
insônia, mialgias e alterações hepáticas.
Não se recomenda seu emprego juntamente com
antiácidos e cimetidina, que podem influir na sua absorção.
CARDIOLOGIA - 90

Colestiramina

Como não é absorvida


pelo trato gastrointestinal, a
colestiramina forma comple-
xos insolúveis com os ácidos
biliares e aumenta sua
excreção fecal (1),
reduzindo a reabsorção
intestinal desses ácidos (2).
Como mecanismo
compensatório, esta droga
estimula a transformação de
colesterol em ácidos biliares
no hepatócito (3), reduzindo
a concentração celular de
colesterol (4). Isto leva a um
aumento da síntese de
receptores de membrana
Figura 2 - Mecanismo de ação da colestiramina para LDL (5), com maior
retirada desta lipoproteína da
circulação. Contudo, também há um aumento compensatório na síntese celular de colesterol
pela HMG-CoA-redutase (6), limitando a ação hipocolesterolemizante do produto.
Conseqüentemente, a colestiramina reduz as concentrações plasmáticas de
LDL e pode, também, produzir certa elevação nos níveis de HDL.
Como ela é uma medicação que depende, para sua ação, da capacidade de
síntese de receptores de LDL, assim como os inibidores da HMG-CoA-redutase, a
colestiramina não tem ação na hipercolesterolemia familiar homozigótica, mas costuma ser
eficaz na maioria das formas heterozigóticas.
É a medicação de escolha para crianças, e pode também ser utilizada
eventualmente durante a gestação.
O principal efeito colateral da colestiramina é a obstipação intestinal, que pode
ser reduzida com o acréscimo de muscilagens. Outras manifestações gastrointestinais também
são relativamente comuns, incluindo náuseas, meteorismo, dores abdominais e, raramente,
esteatorréia.

Fibrates

Os fibrates disponíveis no mercado brasileiro são o clofibrate, o bezafibrate e o


gemfibrozil. Existem também o fenofibrate e o ciprofibrate.
Não se sabe ainda o mecanismo exato pelos quais os fibrates modificam o
metabolismo lipoproteico. Cada um dos medicamentos deste grupo provavelmente apresenta
diferentes mecanismos de ação, o que explica seus diferentes efeitos sobre o perfil lipídico,
sua potência de ação e seus efeitos colaterais.
O principal efeito dos fibrates se faz sobre os triglicerídios, levando em alguns
pacientes a quedas muito importantes (com diminuição das VLDL). Eles também tendem a
aumentar as HDL, principalmente o bezafibrate e o gemfibrozil. Quanto as LDL, os fibrates
podem comportar-se de maneira variada.
CARDIOLOGIA - 91

Os efeitos colaterais com estes medicamentos não são comuns e incluem,


principalmente, problemas ligados ao trato gastrointestinal tais como litíase biliar, náuseas,
intolerância gástrica e diarréia.
É muito importante a potencialização de efeito dos cumarínicos produzida pelos
fibrates. Por isso, os cumarínicos devem ter suas doses reajustadas quando em utilização
simultânea com estes medicamentos.

Ácido nicotínico e Acipimox

O principal efeito desses


medicamentos é a inibição da
síntese de VLDL (1). A
inibição da lipólise no tecido
adiposo (2) com resultante
decréscimo na oferta de ácidos
graxos livres ao fígado podem,
também, reduzir indiretamente
a síntese de VLDL.
Conseqüentemente, a redução
das VLDL (3) vai reduzir os
níveis de todas as lipoproteínas
derivadas delas, tais como as
VLDL remanescentes, IDL e
LDL (4).
No Brasil, não existe
medicação a base
exclusivamente do ácido
Figura 3 - Mecanismo de ação do ácidos nicotínico e derivados nicotínico, o que leva a
necessidade de recorrer-se às
farmácias de manipulação, quando seu emprego se faz necessário.
Mais recentemente, foi lançado no mercado brasileiro o
acipimox, derivado do ácido nicotínico que apresenta melhor tolerância pelos pacientes.
É muito freqüente, com o ácido nicotínico, o aparecimento de
reações cutâneas (rubor e prurido) logo após a ingestão da droga. A tolerância pode ser
melhorada com a utilização de pequenas doses aumentadas gradativamente ou com a
associação de ácido acetil-salicílico. Os pacientes devem ser orientados quanto ao provável
aparecimento dos efeitos adversos logo após a ingestão do medicamento, para não se
assustarem e desistirem do seu uso. Podem ocorrer, ainda, elevação do ácido úrico e dos
níveis de glicose sangüínea, como também crises de gota e piora do diabetes nos pacientes
predispostos.
Os efeitos colaterais do acipimox parecem ser bem mais tênues.
Entretanto, sua eficácia também parece ser reduzida em relação aos ácidos nicotínicos.
CARDIOLOGIA - 92

Considerações finais

Para efeito prático, os pacientes portadores de dislipidemias podem ser


divididos nos seguintes tipos:
1. Hipercolesterolêmicos puros
Nestes, devem ser utilizados os produtos
com ação principal sobre o colesterol total, tais como os inibidores da
HMG-CoA-redutase e a colestiramina. Ocasionalmente, estes
pacientes podem se beneficiar com um fibrate ou ácido nicotínico.

2. Hipertrigliceridêmicos puros
Para estes pacientes, os medicamentos de
primeira escolha são os que têm ação predominante sobre os
triglicerídios (fibrates, ácido nicotínico ou acipimox).
Na eventualidade de ocorrer, com estes
produtos, elevação das LDL acompanhando a queda dos triglicerídios,
poderá ser necessário o emprego de um produto de ação preferencial
sobre o colesterol total.

3. Hipercolesterolêmicos com hipertrigliceridemia associada


Geralmente, apenas uma droga pode produzir redução dos
dois componentes lipídicos. No caso de não se obter a normalização
do perfil lipídico com apenas um produto, pode ser necessária uma
associação.

4. Níveis de colesterol total e triglicerídios normais, mas com HDL


baixas e presença de doença coronária manifesta
Este tipo de paciente tem sido alvo de discussões, sendo
que alguns autores sugerem a utilização de medicamentos capazes de
elevar as HDL, com esta única finalidade.
CARDIOLOGIA - 93

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Cardiopatia isquêmica

Introdução

O sistema arterial coronariano tem um fluxo sangüíneo muito desenvolvido, que


gira em torno de 225 ml/min, ou seja, 4 a 5% do débito cardíaco. Isso representa a nutrição de
0,8 g de miocárdio por ml de sangue.
A regulação desse fluxo coronariano é bastante complexa. Ela é feita através de
fatores internos e externos ao leito capilar, fatores neuronais e fatores humorais.
Existe aproximadamente um capilar coronariano para cada fibra miocárdica.
Normalmente, nem todos esses capilares estão funcionantes, porém, eles podem abrir quando
requisitados, constituindo num importante mecanismo de defesa da irrigação coronariana.
As artérias coronárias originam-se diretamente do seio aórtico.

A artéria coronária direita origina-se no


seio aórtico próximo a cúspide coronariana
direita e irriga o átrio direito, o terço
posterior do septo interventricular e a maior
parte do ventrículo direito.
Ela também dá origem a importantes
ramos que irão irrigar os nós sinusal e átrio-
ventricular. Ou seja, a artéria coronária
direita é responsável pela irrigação de todo o
sistema de condução do coração.
A artéria coronária esquerda origina-se
próximo a cúspide esquerda da valva aórtica
como um tronco único, mas logo em seguida
divide-se em dois ramos, o descendente
anterior e o circunflexo.
Ela é responsável principalmente pela
nutrição da parte funcional do coração,
irrigando os 2/3 anteriores do septo
interventricular, a região anterior, apical e
lateral do ventrículo esquerdo e o átrio
esquerdo.
O retorno venoso do coração é tríplice,
Figura 1 - Anatomia
mas é provido principalmente pelo seio
venoso coronariano, que drena para o interior
do átrio direito.

Fisiopatologia

O fluxo coronariano inicia no seio aórtico durante a diástole, passa pelas


artérias coronárias em direção aos capilares coronarianos e é levado para o átrio direito ou
mesmo para as cavidades ventriculares pelas veias cardíacas.
A isquemia miocárdica vai ocorrer quando houver desproporção entre o fluxo
coronariano, ou seja, a oferta de oxigênio; e a demanda metabólica do miocárdio, quer dizer, o
consumo de oxigênio.
CARDIOLOGIA - 94

O fluxo coronariano pode ser calculado através da seguinte fórmula:

Fluxo coronariano = Pressão de perfusão (5)


Resistência coronariana

Qualquer diminuição na pressão de perfusão coronariana ou qualquer aumento


na resistência coronariana vai produzir uma redução na oferta de oxigênio ao miocárdio.
A pressão de perfusão é a subtração entre a pressão sangüínea da raiz aórtica e
a pressão atrial direita; e a resistência coronariana é a soma entre a resistência dos grandes
vasos epicárdicos, a resistência dos pequenos vasos arteriolares e a resistência extravascular.
Os grandes vasos epicárdicos oferecem resistência mínima ao fluxo sangüíneo
na ausência de obstrução orgânica (aterosclerose, por exemplo) ou funcional (espasmo).
A resistência dos pequenos vasos arteriolares é o componente mais importante
da resistência coronariana total, pois esses vasos possuem uma estrutura essencialmente
muscular capaz de sofrer dilatações na presença de isquemia, contribuindo importantemente
para as variações do fluxo sangüíneo coronariano.
A resistência extravascular resulta basicamente da compressão que os vasos
intramiocárdicos sofrem durante a contração sistólica e, também durante a diástole, pelo
aumento da pressão diastólica final. Os efeitos da resistência extravascular são maiores nas
regiões subendocárdicas do que nas regiões subepicárdicas, principalmente na presença de
aumento significante da pressão diastólica final ventricular esquerda. Por isso, as camadas
subendocárdicas tornam-se isquêmicas antes que as subepicárdicas.
O consumo de oxigênio, por sua vez, depende da atividade mecânica do
coração, ou seja, é dependente da tensão sistólica da parede ventricular, do seu inotropismo e
da sua freqüência; e também de processos bioquímicos intracelulares que conservam a
estrutura e a função das células cardíacas.
Em sentido amplo, o conceito de oferta de oxigênio deve estender-se além da
simples entrega de sangue às células miocárdicas, incluindo a tensão de oxigênio no sangue
arterial, a capacidade de transporte de oxigênio pelo sangue e a liberação de oxigênio em
nível celular.
A principal causa da cardiopatia isquêmica é a aterosclerose coronariana, cujas
lesões obstrutivas limitam a capacidade do leito arterial coronário de aumentar o fluxo
sangüíneo em resposta ao aumento das demandas metabólicas. Os principais fatores de risco
para o desenvolvimento de placas ateroscleróticas são:
 Fatores genéticos
 Hipertensão arterial
 Diabetes mellitus
 Obesidade
 Dislipidemias
 Idade
 Tabagismo
 Sedentarismo
 Hipertrofia
ventricular
esquerda
 Outros
Figura 2 - Fatores de risco para o
desenvolvimento de aterosclerose
CARDIOLOGIA - 95

Frente a qualquer um desses fatores pode haver um aumento da permeabilidade


endotelial, que permite uma entrada maior dos constituintes plasmáticos, inclusive de
lipoproteínas, na espessura da parede vascular.
Com isso, também ocorre uma maior adesividade dos monócitos e,
eventualmente, das plaquetas ao endotélio do vaso.
Em seguida, os monócitos entram na íntima, transformam-se em macrófagos e
começam a fagocitar o excesso de lipoproteínas aí existente para se tornarem as chamadas
células espumosas, contribuindo para a evolução da lesão.
Fatores liberados pelas plaquetas ou pelos macrófagos ativados na superfície
do endotélio provocam a migração de células musculares lisas da túnica média para a íntima.
Então, ocorre proliferação e síntese de componentes da matriz extracelular
pelos miócitos, levando a um acúmulo de colágeno e proteoglicanos.
Modificações únicas ou temporárias do endotélio podem ser seguidas por
restauração da função endotelial e regressão da lesão. Porém, modificações repetidas ou
crônicas resultam no desenvolvimento de placas ateromatosas, provavelmente por permitirem
uma passagem contínua de elementos plasmáticos e a entrada de monócitos na espessura da
parede.

Figura 3 - Gênese da placa aterosclerótica


CARDIOLOGIA - 96

De acordo com a fase em que a lesão aterosclerótica se encontra na gênese do


ateroma, nós podemos classificá-la em diversos tipos:
 Tipo I
É uma lesão aterosclerótica microscópica onde se encontram depósitos
de lipoproteínas e macrófagos;

 Tipo II
É uma lesão macroscópica que apresenta estrias de gordura, células
musculares lisas, etc.

 Tipo III
É a lesão pré-ateromatosa, quando há um aumento do número de
células inflamatórias e um aumento do número das células musculares lisas;

 Tipo IV
Ateroma, com a presença de células espumosas;

 Tipo V
Fibroateroma, com a presença de colágeno, fibrina, plaquetas, etc.

Complicações

Os ateromas podem complicar, fazendo fissuras e rupturas que ocorrem


principalmente às margens dos ateromas mais moles e lipídicos.
As causas mais freqüentes de fissura são o sangramento da placa
aterosclerótica e a ação vasoconstritora dos macrófagos e do endotélio.
A principal conseqüência das fissuras é a oclusão arterial aguda por trombose.
A ruptura, trombose e organização fibrosa do trombo são importantes na
progressão da arteriosclerose em pacientes assintomáticos ou com angina estável. Estudos
recentes deixaram claro a associação entre placas complicadas e o desenvolvimento de angina
instável, infarto agudo do miocárdio e morte súbita.

Modalidades clínicas

O espectro clínico da cardiopatia isquêmica é muito amplo, incluindo a


isquemia miocárdica silenciosa ou assintomática, a angina estável, as diversas modalidades de
angina instável, a síndrome intermediária, o infarto agudo do miocárdio e a morte súbita.
Esses eventos podem ocorrer em circunstâncias as mais variadas, desde
o repouso, incluindo o sono, com mínima demanda de oxigênio, até exercícios físicos
intensos, com alto consumo de oxigênio.
A angina do peito é a manifestação clássica da cardiopatia isquêmica.
Entretanto, alguns casos podem evoluir totalmente assintomáticos ou com episódios
isquêmicos sintomáticos intercalados com assintomáticos. Em outros, a dor anginosa, embora
presente, não constitui o sintoma principal, exteriorizando-se a insuficiência coronária através
de outras manifestações clínicas como tonturas, síncope, fadiga acentuada, dispnéia aos
esforços, edema agudo de pulmão, insuficiência cardíaca crônica, arritmias e morte súbita.
CARDIOLOGIA - 97

Figura 4 - Angina pectoris

 Angina estável
Caracteriza-se por sintomatologia que se mantém
sem alterações significantes, quanto à freqüência, intensidade,
duração, fatores desencadeantes e de alívio das crises anginosas, por
período de três meses ou mais.

 Angina instável
É caracterizada por alterações significantes e
recentes no padrão de angina, pelo caráter progressivo ou acelerado
dos episódios isquêmicos e pela ocorrência de angina em repouso ou
aos mínimos esforços.
Sua classificação mais comum engloba três
subgrupos:
 Angina de começo recente, rapidamente evolutiva, com acentuada
redução da capacidade física
 Angina estável, crônica, com padrão evolutivo progressivo e
acelerado
 Angina em repouso, com dores prolongadas, recorrentes e de
difícil controle clínico
CARDIOLOGIA - 98

 Angina vasoespástica
Também denominada de “angina variante de
Prinzmetal”, caracteriza-se por dor precordial ou retroesternal em
repouso, acompanhada de supradesnivelamento do segmento ST no
eletrocardiograma, conseqüente à redução espástica abrupta do
calibre da artéria coronária.

 Síndrome coronária intermediária


É caracterizada como estado
clínico grave, com dores precordiais intensas, em repouso,
recorrentes, de longa duração, podendo ou não aliviar com o uso de
nitratos por via sublingual.
O eletrocardiograma pode ou
não evidenciar alterações do segmento ST ou da onda T durante as
crises, e as dosagens enzimáticas são normais ou discretamente
alteradas.

 Isquemia silenciosa
É identificada pelas alterações do segmento ST
no eletrocardiograma de repouso, teste ergométrico e/ou
monitorização eletrocardiográfica dinâmica (Holter).
Não se deve confundir doença arterial coronária
assintomática com isquemia silenciosa. A isquemia silenciosa é o
degrau subseqüente da doença arterial coronária assintomática. Além
disso, enquanto a isquemia silenciosa pode ser detectada por exames
não-invasivos, a doença arterial coronária assintomática só é
diagnosticada através do estudo angiográfico.

 Infarto agudo do miocárdio


É a manifestação representativa de
necrose de determinada região do miocárdio.
CARDIOLOGIA - 99

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Tratamento clínico da cardiopatia isquêmica

Introdução

Quando se fala em tratamento clínico da insuficiência coronariana, é importante


que se tenha em mente que todo paciente é diferente e, então, a dose e o número de
medicamentos que nós vamos usar vão depender de alguns critérios de gravidade.
Desta forma, os critérios de gravidade que nós vamos ter que analisar em um
paciente com insuficiência coronariana são:
 Alterações eletrocardiográficas durante a isquemia
 Sem alterações eletrocardiográficas Melhor prognóstico
 Inversão ou pseudonormalização da onda T
 Depressão do segmento ST
 Elevação do segmento ST

 Resposta ao tratamento
 Sem tratamento clínico prévio
 Resposta completa ao tratamento
 Apresenta sintomas recidivantes após o início do tratamento

 Tratamento clínico pré-existente


 Resposta sintomática completa do tratamento
 Sintomas recidivantes após a adição do tratamento

 Considerações fisiológicas
 Isquemia não provocada (Holter)
 Sem alterações isquêmicas do segmento ST
 Isquemia detectada em menos de 60 minutos por 24 horas
 Isquemia detectada em mais de 60 minutos por 24 horas

 Isquemia provocada (testes ergométricos)


 Sem isquemia ao exercício
 Isquemia no pico do exercício (elevado nível de trabalho)
 Isquemia de início precoce (baixo nível de trabalho)

 Considerações anatômicas
 Quantificação da gravidade da lesão à coronariografia
 Complexidade qualitativa da doença à coronariografia
 Aspecto e localização do ateroma
 Trombose associada

 Características da lesão coronariana


CARDIOLOGIA - 100

Desta forma, nós observamos que o paciente coronariano é um paciente complexo


e a nossa estratégia terapêutica vai variar conforme seu comprometimento.
Os objetivos fundamentais no tratamento clínico da insuficiência coronariana são
os seguintes:
 Diminuir a dor  Tanto através da melhora do aporte sangüíneo quanto da
diminuição do consumo de oxigênio pelo miocárdio;
 Proteger o miocárdio isquêmico;
 Prevenir o infarto do miocárdio;
 Melhorar a função ventricular;
 Melhorar a capacidade do paciente exercer suas atividades;
 Prolongar a vida.

Medidas gerais

Devem ser consideradas todas as situações que aumentam o consumo de


oxigênio pelo miocárdio, tais como os esforços físicos, as relações sexuais e as tensões
emocionais, no sentido de adequar cada paciente individualmente.
Devem ser evitadas dietas hipercalóricas ou de difícil digestão, excesso de
cafeína e de álcool, e o tabagismo.
A exposição ao frio e as mudanças bruscas de temperatura podem favorecer o
desenvolvimento das crises anginosas, assim como alguns medicamentos utilizados
rotineiramente, como os “antigripais”, antialérgicos, antiasmáticos, anorexígenos e
antidepressivos.
Outros fatores que devem ser corrigidos ou controlados são o excesso de
peso, o diabetes mellitus, a insuficiência cardíaca, o hipertireoidismo e a hipertensão arterial.

Nitratos

Os nitratos atuam sobre a parede vascular através do íon nitrito, que leva a formação
de radicais relativamente livres de óxido nítrico, ativando a enzima guanilato ciclase.
Essa ativação aumenta a síntese de GMP cíclico no músculo liso e em outros tecidos,
levando a uma desfosforilação da miosina.
Assim, como é a fosforilação da miosina que regula o estado contrátil do músculo
liso, os nitratos vão produzir uma diminuição dessa contratilidade e, com isso, provocar uma
vasodilatação sistêmica.
Contudo, há um predomínio na vasodilatação sobre o leito venoso, reduzindo o
retorno venoso. Por outro lado, a arteriodilatação, que é mais evidente nos vasos de
capacitância do que nos vasos de resistência, determina redução da pós-carga por reduzir a
resistência arterial periférica.
Conseqüentemente, ocorrerá redução do consumo de oxigênio pelo miocárdio e
redução do trabalho cardíaco.
Os nitratos também melhoram a circulação colateral do coração.
Ademais, os nitratos previnem o espasmo arterial coronário, tanto dos vasos normais
como ateroscleróticos.
Ainda, eles possuem um efeito antiadesivo plaquetário, que diminui a possibilidade
de se desenvolverem trombos.
Os efeitos benéficos dos nitratos na terapia da cardiopatia isquêmica são amplamente
aceitos na atualidade. Pela sua eficácia, efeitos colaterais pouco significantes e baixo custo, os
CARDIOLOGIA - 101

nitratos constituem, para alguns, a medicação de primeira escolha no tratamento da angina


estável. Os nitratos são também de grande utilidade no manuseio da angina instável e da
angina vasoespástica.
O grande defeito dos nitratos é a sua tolerância, caracterizada pela redução dos seus
efeitos hemodinâmicos na administração crônica. Pode-se reduzir esse efeito através da
diminuição da dose ou do tempo de administração dos nitratos, principalmente com a
associação dos nitratos a outras drogas, tais como os bloqueadores beta-adrenérgicos ou os
bloqueadores dos canais de cálcio.
A cefaléia é o efeito colateral mais comum dos nitratos. Ela ocorre porque como os
nitratos causam vasodilatação sistêmica, eles também dilatam os vasos meníngeos, resultando
em uma cefaléia do tipo vascular.
Taquicardia, dilatação cutânea, rubor facial e astenia são efeitos menos freqüentes.
Em doses elevadas ou repetidas a curtos intervalos e em pacientes idosos, podem
ocorrer episódios transitórios de tontura, lipotímia e, raramente, síncope.
Quanto as vias de administração, a via sublingual é a mais rápida. A nitroglicerina,
por exemplo, atinge uma concentração máxima no plasma em 4 minutos após administração
sublingual.
O dinitrato de isosorbida, por sua vez, apresenta um pico de concentração máxima
em 6 minutos quando administrado por via sublingual.
A via oral é utilizada principalmente na terapia de manutenção.
Os implastos, que também atuam na terapia de manutenção dos nitratos na
insuficiência coronariana, podem vir a substituir a administração via oral no futuro.
Eles são formados principalmente de nitroglicerina e agem liberando os nitratos
lentamente no organismo.
A via de administração endovenosa é mais utilizada nos casos de angina instável.
No Brasil, nós não encontramos nitroglicerina injetável no mercado. O nitrato
injetável que nós temos a disposição é o monocordil, que pode ser administrado de duas
maneiras, in bolus ou por infusão contínua.

Beta-bloqueadores

Outro grupo de medicamentos que nós podemos utilizar no tratamento da


insuficiência coronariana são os -bloqueadores, que agem reduzindo a freqüência cardíaca
(efeito cronotrópico negativo), a contratilidade do coração (efeito inotrópico negativo), bem
como a sua automaticidade (efeito dromotrópico negativo), reduzindo assim o consumo de
oxigênio do miocárdio e melhorando a relação entre o fluxo coronariano e o fluxo
endocárdico, principalmente dos pequenos vasos.
A ação farmacológica fundamental dos -bloqueadores é o bloqueio
específico, competitivo e reversível, dos receptores beta-adrenérgicos das células efetoras.
Os efeitos mais acentuados dos -bloqueadores na insuficiência coronária
manifestam-se durante o estresse físico e emocional, mas eles não devem ser utilizados como
droga única no tratamento da insuficiência coronariana e, sim, como compostos associados
aos nitratos e aos bloqueadores dos canais de cálcio.
Deve-se tomar cuidado na utilização dos -bloqueadores em pacientes
hipotensos e em pacientes com distúrbio na condução átrio-ventricular, porque essas drogas
são bradicardizantes e podem agravar essas situações.
Os -bloqueadores são contra-indicados na angina vasoespástica pois o
bloqueio dos receptores beta-adrenérgicos (vasodilatadores) das artérias coronárias
CARDIOLOGIA - 102

epicárdicas deixaria sem oposição os efeitos alfa-adrenérgicos (vasoconstritores), favorecendo


o espasmo coronário.
Eles também devem ser evitados nos pacientes com fenômeno de Raynaud
e história de claudicação, nos pacientes portadores de bronquite crônica, nos pacientes com
insuficiência cardíaca e nos pacientes diabéticos.

Bloqueadores dos canais de cálcio

Um terceiro grupo de medicamentos utilizados no


tratamento da insuficiência coronariana são os bloqueadores dos canais de cálcio.
Eles agem bloqueando a entrada de cálcio tanto nas fibras
musculares cardíacas quanto nas paredes das artérias, produzindo uma redução do
inotropismo cardíaco e, também, uma vasodilatação arteriolar periférica, com menor atividade
venodilatadora, resultando em diminuição do retorno venoso, redução da pré-carga e,
conseqüentemente, diminuição do consumo de oxigênio pelo miocárdio.
Quanto as aplicações clínicas, a principal indicação dos
bloqueadores dos canais de cálcio é no tratamento da angina vasoespástica.
Apesar deles não agirem tão bem contra a angina
aterosclerótica, os bloqueadores dos canais de cálcio, depois dos nitratos, são considerados a
segunda droga de escolha no seu tratamento.
Os efeitos colaterais mais freqüentes dos bloqueadores dos
canais de cálcio resultam da vasodilatação periférica, incluindo cefaléia, rubor facial,
palpitações, tonturas, hipotensão postural e edema dos membros inferiores.
Os bloqueadores dos canais de cálcio que exercem efeito
cronotrópico e dromotrópico negativos, como o verapamil e o diltiazem, podem induzir a
bradicardia ou distúrbios de condução átrio-ventricular, principalmente em pacientes sob o
uso concomitante de -bloqueadores, drogas antiarrítmicas ou digital.

Drogas antiplaquetárias e anticoagulantes

Como estratégia de terapia na insuficiência


coronariana, nós temos ainda as drogas antiplaquetárias e anticoagulantes, que dificultam a
formação de trombos.
Isso é importante porque nós sabemos que os
trombos são um dos responsáveis pela oclusão aguda das artérias coronárias.
Os últimos estudos mostram que a administração
de antiplaquetários é muito importante, tanto nas situações pós-infarto quanto nas situações
pós-angina instável.
A importância clínica do papel dos agentes
antiplaquetários na angina estável não foi ainda estabelecida. Da mesma maneira, os efeitos
de diversos antiplaquetários não se evidenciaram favoráveis no curso clínico da angina
vasoespástica.
Geralmente, o antiplaquetário de escolha é o ácido
acetil-salicílico (AAS). Uma das principais complicações da sua administração é o
sangramento intestinal, que ocorre em 1 a 5% dos casos.
Em pacientes alérgicos ou intolerantes ao AAS,
pode-se administrar o ticlopidine ou triflusal.
CARDIOLOGIA - 103

Inibidores da ECA

Outro grupo de medicamentos, os inibidores da enzima conversora da


angiotensina (ECA), são provavelmente os fármacos mais promissores no tratamento da
cardiopatia isquêmica.
Estudos recentes mostraram que eles fazem estabilização endotelial,
impedindo a liberação de substâncias vasoconstritoras; têm efeito antiaterogênico,
dificultando a gênese dos ateromas; efeito antitrombótico; e também, um efeito protetor do
miocárdio.
Desta forma, apesar dos inibidores da enzima conversora da angiotensina
não fazerem vasodilatação direta das coronárias, eles devem ser utilizados em pacientes com
angina, sobretudo estável, e em paciente que sofreram infarto do miocárdio, reduzindo o
tamanho do infarto, na fase aguda, e melhorando o remodelamento ventricular e a sobrevida
desses pacientes.
Estudos em andamento mostram que os inibidores da ECA talvez possam
ser utilizados preventivamente, principalmente em indivíduos sedentários com idade acima
dos 40 anos.
Os efeitos adversos descritos com o uso de inibidores da ECA são rash
cutâneo, angioedema, neutropenia, proteinúria, tosse, hipotensão e insuficiência renal.

Considerações finais

Existem vários trabalhos concluídos, mas discordantes, quanto a


utilização de antioxidantes como, por exemplo, a vitamina E, no tratamento da insuficiência
coronariana.
O tratamento dos distúrbios do metabolismo dos lipídios é obrigatório,
seja através do controle da dieta lipídica ou do uso de remédios, como os hipolipemiantes, se
necessário.
Os medicamentos fibrinolíticos também são importantes para dissolver
possíveis trombos e melhorar o fluxo sangüíneo das coronárias.
CARDIOLOGIA - 104

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Hipertensão arterial

Introdução

A hipertensão arterial é provavelmente um dos problemas mais importantes da


saúde pública no Brasil e no mundo.
Ela é muito comum, assintomática e facilmente diagnosticada e tratada, mas pode
levar a complicações letais se não for tratada adequadamente.

Definições

Como não existem limites precisos entre uma pressão sangüínea normal ou
elevada, níveis arbitrários foram estabelecidos para definir aqueles pacientes que apresentam
um maior risco de desenvolver morbidade cardiovascular e/ou que vão se beneficiar com o
tratamento clínico.
Esta definição deve considerar não apenas o nível de pressão diastólico mas
também a pressão sistólica, a idade, o sexo e a raça.
Em adultos, a pressão arterial pode ser definida da seguinte maneira:
 Pressão sangüínea diastólica
 Menor que 85 mmHg - Normal
 Entre 85 e 90 mmHg - Normal alta
 Entre 90 e 104 mmHg - Hipertensão leve
 Entre 105 e 114 mmHg - Hipertensão moderada
 Maior que 115 mmHg - Hipertensão severa

 Pressão sangüínea sistólica


 Quando a pressão diastólica é menor que 90 mmHg
 Menor que 140 mmHg - Normal
 Entre 140 e 159 mmHg - Hipertensão sistólica borderline isolada
 Maior que 160 mmHg - Hipertensão sistólica isolada

A pressão arterial flutua na maioria das pessoas, quer elas sejam normotensas ou
hipertensas. Os pacientes classificados como tendo hipertensão lábil são aqueles que às vezes,
mas não sempre, apresentam níveis pressóricos no limite hipertensivo.
A hipertensão maligna freqüentemente apresenta níveis pressóricos acima de
200/140 mmHg, mas é o edema de papila, geralmente acompanhado por hemorragias e
exsudatos retinianos, que define esta condição.
A hipertensão acelerada compreende um aumento significante da pressão arterial
associado a evidências de lesões vasculares ao exame de fundo de olho mas sem edema de
papila.
CARDIOLOGIA - 105

Fisiologia

Para nós entendermos a hipertensão arterial, é importante que nós saibamos


algumas peculiaridades da pressão arterial.
Em relação aos mecanismos de regulação da pressão arterial, nós vamos depender
basicamente de dois fatores principais:
1. Débito cardíaco
Como nós sabemos, o débito cardíaco é determinado pela
freqüência cardíaca e pelo volume de ejeção ventricular.

DC = FC  VEV (6)

Desta forma, existem fatores cardíacos, como a freqüência


cardíaca e a contratilidade miocárdica; e fatores volêmicos que, atuando no
débito cardíaco, podem atuar como mecanismos de regulação da pressão arterial.
Existem uma série de fatores que podem agir sobre o débito
cardíaco atuando na volemia do organismo, mas o fator volêmico que realmente
influi significativamente no débito cardíaco é o teor de sódio circulante.
Ou seja, todos os fatores que influem na concentração de sódio
vão influenciar a volemia, o débito cardíaco e, conseqüentemente, a regulação da
pressão arterial.
Assim, nós temos algumas substâncias, como a aldosterona, a
noradrenalina, a angiotensina e o hormônio antidiurético (ou vasopressina), que
aumentam o teor de sódio circulante e, desta forma, causam um aumento da
pressão arterial.
Semelhantemente, algumas substâncias, como a dopamina, o
fator natriurético atrial e alguns tipos de prostaglandinas e bradicininas, que
atuam diminuindo a concentração de sódio no organismo, vão causar uma
redução nos níveis de pressão arterial.

2. Resistência vascular periférica


Na prática, a regulação da pressão arterial é mais
envolvida pelas alterações da resistência vascular periférica do que pelas
alterações do débito cardíaco.
Dentre os fatores que influenciam essa resistência
vascular periférica nós temos:
 Fatores locais
Praticamente cada órgão do nosso corpo possui fatores locais
de auto-regulação da sua resistência vascular.
Desta forma, quando seu tecido está isquêmico, ele tende a
sofrer vasodilatação enquanto que quando sua perfusão está aumentada, são
liberados fatores locais responsáveis pela sua vasoconstrição.
Ainda, dependendo do teor de íons nos tecidos desse órgão,
nós também vamos ter a resistência vascular periférica alterada.
Por exemplo, uma concentração elevada de cálcio provoca
uma maior contratilidade do músculo liso da parede vascular, resultando em
vasoconstrição; enquanto que sua concentração reduzida produz
vasodilatação.
CARDIOLOGIA - 106

Também, um aumento do teor de sódio na parede vascular


causa um acúmulo de líquidos no seu interior, tornando as paredes túrgidas e,
então, aumentando a resistência vascular periférica.

 Fatores neurais
Na parede vascular, existem receptores que, quando
estimulados, também podem produzir vasoconstrição ou vasodilatação.
Desta forma, nós podemos influir terapeuticamente nesses
receptores, estimulando-os ou bloqueando-os.

 Fatores humorais
As substâncias humorais que tendem a alterar a resistência
periférica e, com isso, modificar a pressão arterial, são as mesmas substâncias
que tendem a aumentar a volemia.
Ou seja, a angiotensina e o hormônio antidiurético tendem a
aumentar a resistência vascular periférica e a pressão arterial; enquanto a
bradicinina e as prostaglandinas tendem a reduzir a pressão arterial através da
redução da resistência vascular periférica.

 Hipertrofia vascular
Antigamente achava-se que a hipertrofia vascular era só
uma conseqüência da hipertensão arterial.
Hoje, porém, se sabe que a hipertrofia vascular
provocada por outros fatores como a diabetes, a hiperinsulinemia, etc. tem
uma maior tendência em desenvolver hipertensão arterial.

O esquema abaixo resume os mecanismos reguladores da pressão arterial


anteriormente descritos.
 Débito cardíaco
 Fatores cardíacos
 Freqüência cardíaca
 Contratilidade miocárdica

 Fatores volêmicos
 Sódio circulante

 Resistência vascular periférica


 Fatores locais
 Fatores neurais
 Fatores humorais
 Hipertrofia vascular
CARDIOLOGIA - 107

Semiologia

A medida da pressão arterial deve ser realizada em um ambiente calmo, com o


paciente em repouso, em pelo menos duas consultas diferentes, porque nós sabemos que
várias situações, como o estresse por exemplo, são capazes de elevar a pressão arterial e
confundir o examinador.
A pressão arterial deve ser aferida em diferentes posições, principalmente porque
algumas condições clínicas (diabetes mellitus, envelhecimento, hipovolemia) e várias drogas
anti-hipertensivas podem provocar hipotensão ortostática. Ou seja, deve-se ter o cuidado de
medir a pressão arterial com o paciente em pé (após 2 a 3 minutos nesta posição), sentado e
deitado. Não necessariamente nas três posições, mas pelo menos em duas delas.
O antebraço do paciente deve estar ao nível do coração. O manguito deve ser
aplicado por igual ao redor do braço com a borda inferior cerca de 2,5 cm acima da prega do
cotovelo e não pode ficar frouxo, admitindo-se no máximo uma folga de um dedo.
Também, na medida da pressão arterial, deve ser associado o método palpatório e
o método auscultatório, de preferência com o manômetro de mercúrio e, em segundo lugar,
com o manômetro aneróide, que deve ser calibrado periodicamente. Deve-se tomar cuidado
com os manômetros eletrônicos.
Uma determinação preliminar da pressão sistólica por palpação torna-se vantajosa
por oferecer ao examinador uma idéia aproximada da pressão que o sistema necessita para as
determinações subseqüentes.
Depois, utilizando-se também o estetoscópio, insufla-se o manguito do
esfigmomanômetro cerca de 20 a 30 milímetros de mercúrio acima do nível de pressão
previamente determinado e procede-se o método auscultatório, reduzindo-se vagarosamente a
pressão no manguito (2 a 3 mmHg/segundo).
Nessa etapa, deve-se tentar auscultar as cinco fases ou sons de Korotkoff, que
estão descritos abaixo:
 Primeira fase - Som surdo Corresponde a pressão sistólica
 Segunda fase - Som sopro
 Terceira fase - Som alto e claro
 Quarta fase - Som abafado
 Quinta fase - Som silêncio Pressão diastólica

Antigamente, consideravam a pressão diastólica aquela correspondente ao som


abafado de Korotkoff. Hoje, considera-se como pressão diastólica a pressão correspondente
ao som silêncio.
Existem, porém, algumas exceções, como nos estados hipercinéticos por exemplo,
quando se deve considerar a pressão diastólica como a quarta fase de Korotkoff.
A associação entre os métodos palpatório e auscultatório é importante
principalmente devido a uma situação chamada hiato ou buraco auscultatório, em que ocorre
uma pausa na percepção auscultatória, mas não na palpatória, geralmente correspondente aos
sons dois e três de Korotkoff.
Esse silêncio no método auscultatório pode enganar o profissional, que pode
acabar registrando a pressão sistólica como a pressão correspondente ao som abafado de
Korotkoff e não ao som surdo.
Deve-se desinsuflar totalmente o manguito após a verificação dos níveis
tensionais, aguardando-se pelo menos 1 a 2 minutos para nova mensuração, mesmo em caso
de dúvida quanto às medidas.
CARDIOLOGIA - 108

Classificação

Em relação a classificação da hipertensão arterial, ela divide-se basicamente em:


 Hipertensão arterial primária Essencial ou idiopática
É aquela hipertensão arterial que não tem
uma etiologia relevante. Cerca de 90 a 95% dos hipertensos são portadores
desse tipo de hipertensão.
Apesar de ainda não se ter chegado a uma
conclusão sobre a etiologia da hipertensão arterial primária, já se sabe que
existem alguns fatores que devem estar associados a sua gênese como, por
exemplo, fatores genéticos, fatores ambientais (como o estresse, ocupação,
obesidade, alcoolismo e tabagismo), fatores dietéticos (como o sal), etc.

 Hipertensão arterial secundária


É a hipertensão arterial secundária a
alguma outra alteração no organismo. Ela tem uma série de causas, como por
exemplo:
 Renais
 Pielonefrite crônica
 Glomerulonefrite aguda e crônica
 Doença renal policística
 Estenose renovascular ou infarto renal
 Tumores produtores de renina
 Outros

 Endócrinas
 Contraceptivos orais
 Hiperfunção adrenocortical
 Feocromocitoma
 Mixedema
 Acromegalia

 Neurogênicas
 Psicogênica
 “Síndrome diencefálica”
 Disautonomia familial
 Polineurite
 Hipertensão intracraniana aguda
 Traumatismo medular

 Miscelânea
 Coartação da aorta
 Volume intravascular aumentado
 Poliarterite nodosa
 Hipercalcemia
 Drogas

 Outras
CARDIOLOGIA - 109

Então, em um percentual pequeno de


hipertensos nós temos uma grande lista de causas que vai muito além desses
exemplos citados acima.
Isso é importante para que na pesquisa
clínica nós possamos investigar alguma causa secundária de hipertensão
arterial através de sinais como sopro renal, massas abdominais palpáveis,
infecções urinárias repetitivas, fácies Cushingóide, fácies acromegálica, etc.

Complicações

Nos Estados Unidos, foi estabelecido um quadro para estimar a expectativa de


vida em um paciente hipertenso.
Nesse quadro, observa-se que um paciente do sexo masculino com 35 anos que
tem uma pressão arterial de 150/100 mmHg vai ter uma expectativa de vida de mais vinte e
cinco anos, enquanto que um paciente da mesma idade, com uma pressão de 120/80 mm Hg
pode ter uma expectativa de mais quarenta e um anos.
Desta forma, nós podemos observar que mesmo uma hipertensão arterial leve
pode levar a uma diminuição em torno de 40% na expectativa de vida de um paciente
hipertenso.
Esse aumento na taxa de mortalidade desses pacientes decorre principalmente
de complicações hipertensivas, causadas pela ação mecânica da hipertensão; e de
complicações ateroscleróticas, pois a hipertensão arterial é um dos principais fatores
predisponentes para o desenvolvimento de aterosclerose.
Essas complicações vão atuar predominantemente em alguns órgãos alvo como
o coração, o cérebro, os rins e os vasos, conforme nos mostra a tabela a seguir.

Tabela 1
Órgãos alvo Complicações hipertensivas Complicações ateroscleróticas
Coração Hipertrofia ventricular esquerda Angina
Insuficiência cardíaca Infarto
Cérebro Acidente vascular cerebral hemorrágico Acidente vascular cerebral isquêmico
Rins Nefroesclerose Ateromatose de artérias renais
Vasos Dissecção aórtica Aneurismas com dilatação dos vasos

Quando a hipertensão arterial causa


hipertrofia ventricular esquerda, o prognóstico do
paciente torna-se muito pior pois ocorre um
aumento na incidência de arritmias ventriculares.
Também em relação ao coração, a causa
mais comum de insuficiência cardíaca é a
hipertensão arterial crônica.
Então, através desses vários mecanismos nós
vamos ter as complicações que vão levar esses
pacientes a reduzir significativamente a sua
expectativa de vida.
Figura 1 - Hipertrofia ventricular esquerda
CARDIOLOGIA - 110

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Tratamento da hipertensão arterial

Introdução

Para o tratamento da hipertensão arterial nós vamos ter que fazer uma avaliação
do hipertenso.
Essa avaliação não consiste simplesmente na medida da pressão arterial pois a
doença hipertensiva é diagnosticada pela medida da pressão arterial, mas a sua avaliação deve
ser feita como um todo, com auxílio da anamnese, do exame físico e dos exames
complementares.
Através dessa avaliação nós devemos procurar:
 Detectar formas secundárias;
 Diagnosticar condições associadas  Principalmente a insuficiência cardíaca,
o diabetes e a angina, que vão influir na escolha terapêutica da hipertensão;
 Avaliar a repercussão orgânica da hipertensão;
 Determinar a presença de outros fatores de risco para o desenvolvimento
de doença aterosclerótica.

Anamnese

Apesar da grande maioria dos hipertensos serem assintomáticos, a hipertensão


pode determinar alguns sintomas decorrentes de:
 Causas secundárias  A hipertensão secundária geralmente desenvolve-se
antes dos 35 anos ou após os 55 anos de idade
 Hiperaldosteronismo
 Poliúria
 Polidipsia
 Fraqueza muscular

 Síndrome de Cushing
 Ganho de peso
 Labilidade emocional

 Feocromocitoma
 Cefaléias episódicas
 Palpitações
 Diaforese

 Elevação da pressão arterial


 Cefaléia  Geralmente occipital, surge pela manhã e melhora
espontaneamente após várias horas
 Tontura
 Palpitação
 Fatigabilidade
 Impotência
CARDIOLOGIA - 111

 Repercussões orgânicas
 Dispnéia
 Angina
 Acidentes vasculares cerebrais
 Epixtase
 Hematúria
 Insuficiência cardíaca
 Insuficiência vascular periférica

Também na anamnese, deve-se questionar o paciente quanto a possíveis doenças


pregressas causadoras da hipertensão, como por exemplo, infecções repetitivas do trato
urinário, doenças endócrinas, etc.
O uso de alguns medicamentos, como os anticoncepcionais, os corticóides e os
simpatomiméticos também podem elevar a pressão arterial e, por isso, devem ser
investigados.
Outros fatores de risco que devem ser investigados incluem o tabagismo, diabetes
mellitus, dislipidemias e uma história familiar de óbito por doença cardiovascular em idade
precoce.
Finalmente, aspectos do estilo de vida do paciente que possam contribuir para a
hipertensão ou afetar o tratamento devem ser questionados, incluindo a dieta, atividades
físicas, relacionamento familiar e ocupacional, e nível educativo.

Exame físico

Assim como na anamnese, principalmente quando o hipertenso for jovem, deve-


se procurar alguma causa secundária para a sua hipertensão no exame físico.

Na inspeção, pode-se observar uma fácies


Cushingóide e uma obesidade centrípeta, sugerindo
síndrome de Cushing; uma fácies acromegálica, que é
característica da secreção aumentada de hormônio do
crescimento na fase pós-puberal; e um crescimento
muscular fora de proporções entre as extremidades
superiores e inferiores, que sugere coartação da aorta.
A palpação e ausculta das artérias carótidas
são importantes para evidenciar uma estenose ou uma
oclusão.

Figura 1 - Síndrome de Cushing

Na coartação da aorta, dependendo da localização da


obstrução aórtica, nós vamos ter diferentes amplitudes dos
pulsos radiais e femorais. Sua localização mais freqüente é
logo após a emergência da artéria subclávia esquerda.
O próximo passo é a aferição da pressão arterial com
o paciente na posição supina e na posição ortostática. Uma
elevação da pressão diastólica quando o paciente se levanta
é mais compatível com a hipertensão idiopática, enquanto
sua queda, na ausência de drogas anti-hipertensivas, sugere
uma forma de hipertensão secundária.
Figura 2 - Coartação da aorta
CARDIOLOGIA - 112

No exame do coração e dos pulmões, deve-se procurar evidências da repercussão


orgânica da hipertensão, incluindo hipertrofia ventricular esquerda, insuficiência cardíaca, etc.

O principal objetivo do exame


abdominal é a ausculta dos vasos
renais, que pode demonstrar uma
estenose arterial renal através de um
sopro que quase sempre apresenta
um componente diastólico ou é
contínuo, e é melhor avaliado à
direita ou à esquerda da linha
mediana, acima do umbigo, ou nos
flancos.
O abdome também deve ser
palpado na procura de um
Figura 3 - Estenose arterial aneurisma ou de massas renais. Figura 4 - Rim policístico
renal Outro exame que faz parte do
exame físico e é muito importante
na avaliação do paciente com hipertensão arterial é o exame fundoscópico.
Através da fundoscopia, pode-se quantificar a gravidade de uma hipertensão em
4 graus:

 Grau I
Esclerose arteri-
olar discreta, com
tortuosidade e brilho central
das arteríolas reduzindo a
relação artério/venosa.

 Grau II
Esclerose arteri-
olar grave, com cruzamentos
patológicos, arteríola em
“fio de cobre” ou “fio de
prata” e lesões retinianas
antigas, como exsudatos
duros.

 Grau III
Grau II asso-ciado
a lesões recentes como
exsudatos algodo-nosos e
hemorragias.

 Grau IV
Grau III com
edema de papila
(hipertensão intracraniana).
Exames complementares
Figura 5 - Fundoscopia
CARDIOLOGIA - 113

Os exames complementares, semelhantemente à anamnese e ao


exame físico, são importantes principalmente na detecção de uma série de doenças que
causam hipertensão secundária e no diagnóstico de doenças associadas que vão influir no
tratamento.
Os exames complementares de rotina que são solicitados na
avaliação de todo paciente hipertenso são:
 Parcial de urina
 Creatinina e, às vezes, uréia  Só a creatinina já é suficiente
para avaliar a função renal (normalmente a creatinina varia entre
0,8 a 1,2 e a uréia de 10 a 50)
 Potássio e sódio  Permitem-nos o diagnóstico de
hiperaldosteronismo
 Eletrocardiograma  Fornece-nos informações sobre a
sobrecarga do ventrículo esquerdo, manifestações de cardiopatia
isquêmica, etc.
 Ecocardiograma
 Outros
Quando possível, deve-se avaliar os valores de:
 Ácido úrico  Porque é comum a associação de hipertensão
arterial e gota e, também, porque algumas drogas usadas no
tratamento da hipertensão, como os diuréticos por exemplo,
podem levar a um aumento do ácido úrico, precipitando a gota
(normal < 7).
 Glicose  Assim como a gota, o diabetes é uma patologia
freqüentemente associada a hipertensão e, também, tanto os
diuréticos quanto os -bloqueadores podem elevar os níveis de
glicose em um paciente, predispondo ao diabetes mellitus
(normal = 65 a 115)
 Colesterol Normal = 150 a 250
 Triglicerídios Normal = 40 a 170
 HDL Normal = 45 a 65
 Hemograma

Os exames especializados devem ser pedidos para direcionar o


estudo caso seja encontrada alguma alteração como sopro abdominal, elevação da creatinina
associada a proteinúria e hematúria, etc.

Tratamento não-farmacológico

Virtualmente todo paciente com uma pressão arterial


diastólica persistentemente acima de 90 mmHg e qualquer paciente acima dos 65 anos de idade
com uma pressão arterial sistólica acima de 160 mmHg devem ser tratados.
Os pacientes com hipertensão lábil ou hipertensão sistólica
isolada que não forem submetidos ao tratamento devem realizar exames regulares de
acompanhamento por causa do freqüente desenvolvimento de hipertensão progressiva e/ou
sustentada.
Quando se indica o tratamento anti-hipertensivo, é necessário
que haja um relacionamento médico-paciente perfeito para haver uma adesividade total dos
CARDIOLOGIA - 114

pacientes ao tratamento, o que pode ser difícil pois a maioria desses pacientes são
assintomáticos.
Outro aspecto que nós também precisamos chamar a atenção
é que nenhuma droga atualmente disponível cura a hipertensão arterial. Elas apenas a
controlam. Ou seja, o paciente deve estar informado que não é porque a sua pressão baixou
que ele pode interromper o tratamento.
O primeiro passo no tratamento da hipertensão arterial é o
tratamento não-farmacológico, que deve ser utilizado em todos os pacientes hipertensos,
mesmo naqueles que vão ser tratados posteriormente com medicamentos.
O tratamento não-farmacológico da hipertensão consiste em:
 Reduzir o estresse
 Diminuir ou interromper o hábito de fumar
 Modificações na dieta no sentido de:
 Reduzir o consumo de sal
 Controlar o peso  Principalmente nos obesos,
reduzindo a ingestão de calorias
 Controlar a ingestão de lipídios  Caso haja alteração
de triglicerídios ou do colesterol

 Reduzir ou eliminar a ingestão de álcool


 Realização de exercícios físicos aeróbios  Vão ajudar
no controle do peso e são muito importantes no ponto-de-
vista psíquico
 Controlar outros fatores de risco que contribuem para
o desenvolvimento de arteriosclerose
 Técnicas de relaxamento

Uma conduta que não participa do tratamento não-


farmacológico mas que também não atua como anti-hipertensivo e, contudo, pode ser
utilizada no tratamento da hipertensão é o uso de ansiolíticos, que melhoram a hipertensão
agindo sobre alguns fatores que a predispõe, principalmente o estresse.
CARDIOLOGIA - 115

Tratamento farmacológico

Diuréticos
Um dos fármacos utilizados no tratamento da hipertensão arterial
são os diuréticos, que agem sobre o néfron da seguinte maneira.

Local de ação:
O - Diuréticos osmóticos
I - Diuréticos da anidrase carbônica
T - Diuréticos tiazídicos
A - Diuréticos de alça
P - Diuréticos poupadores de potássio

Figura 6 - Local de ação dos diuréticos

Os diuréticos tiazídicos são as drogas de primeira escolha no


tratamento da hipertensão arterial porque eles são efetivos e tem uma ação relativamente lenta
e duradoura. Como exemplos, nós temos a hidroclorotiazida (Drenol®), a diidroclorotiazida
(Clorana®) e a clortalidona (Higroton®).
Os diuréticos de alça são menos utilizados no tratamento da
hipertensão arterial principalmente por causa do seu tempo de ação mais curto. Como
exemplos, nós temos o furosemide (Lasix®), a bumetamida (Urinax®) e o ácido etacrínico.
Os diuréticos poupadores de potássio tem uma ação diurética
modesta, mas são muito úteis quando associados aos diuréticos tiazídicos ou de alça, que são
espoliadores de potássio. Como exemplo de diuréticos poupadores de potássio nós temos a
espironolactona (Aldactone®), o amiloride e o triantereno; e como exemplo de diurético
poupador de potássio associado a diurético espoliador de potássio nós temos a Lasilactona®,
que é uma associação do Aldactone® e do Lasix®.
CARDIOLOGIA - 116

Apesar dos diuréticos serem úteis no tratamento da hipertensão


arterial, eles têm alguns efeitos indesejáveis.
Um deles, já citado, é a espoliação de potássio produzida pelos
tiazídicos e pelos diuréticos de alça, que podem levar a uma hipocalemia. Essa situação pode
produzir alterações musculares como caimbra, fraqueza muscular e, às vezes, arritmias
cardíacas.
A hipocalemia pode ser evitada aumentando-se a reposição de
potássio através de drágeas, xaropes, etc. Porém, os pacientes geralmente reclamam dessas
apresentações porque elas apresentam um gosto ruim e podem causar gastrite.
Existem agora medicamentos repositores de potássio que são
muito mais bem aceitos pelos pacientes como, por exemplo, um comprimido denominado
“slow-K”, que libera o potássio lentamente no estômago, diminuindo a incidência de gastrites;
e os comprimidos efervecentes.
A segunda maneira de se evitar a hipocalemia é através da
suplementação dietética de potássio principalmente através de alimentos como o tomate, o
espinafre, a laranja, a banana, Coca-Cola®, etc.
Também, a hipocalemia pode ser evitada através da associação
dos diuréticos espoliadores de potássio com diuréticos poupadores de potássio.
Outros efeitos colaterais dos diuréticos são o aumento do ácido
úrico, predispondo a gota; o aumento da glicemia, predispondo o diabetes; e o aumento de
triglicerídios no sangue, elevando a incidência de complicações ateroscleróticas.

Bloqueadores adrenérgicos
Os bloqueadores adrenérgicos agem sobre os receptores das
terminações sinápticas que estão abaixo ilustrados.

Precursor


Armazenamento Receptor 1
Síntese
Receptor 
Liberação 

Célula pré-sináptica Célula pós-sináptica

Figura 7 - Terminação sináptica ilustrando

Como está ilustrado na figura acima, as moléculas de


noradrenalina das terminações nervosas agem sobre os receptores da célula pós-sináptica.
Dependendo do receptor ativado nós vamos ter determinada
resposta. Por exemplo, a ativação periférica dos receptores 1, como aqueles existentes nos
miócitos da parede vascular, vai provocar uma vasoconstrição do segmento estimulado. Pelo
contrário, a ativação central dos receptores 1 produz uma inibição do sistema simpático,
reduzindo a pressão arterial. A ativação dos receptores , por sua vez, vai causar um
relaxamento da musculatura vascular, resultando em vasodilatação.
Desta forma, impedindo a ação das moléculas de noradrenalina
sobre esses receptores, os bloqueadores adrenérgicos vão anular o seu efeito sobre as células
pós-sinápticas.
CARDIOLOGIA - 117

Existem basicamente dois tipos de bloqueadores adrenérgicos, os


bloqueadores periféricos e os bloqueadores centrais.
Dentre os bloqueadores adrenérgicos periféricos, nós temos os
bloqueadores neuronais, que agem sobre a terminação nervosa pré-sináptica; e os
bloqueadores dos receptores, que agem diretamente sobre os receptores dos leiomiócitos.
Um exemplo de bloqueador adrenérgico periférico neuronal é a
guanetidina.
A guanetidina age sobre a célula pré-sináptica impedindo a
liberação de noradrenalina pelos grânulos citoplasmáticos. Ela é uma das drogas mais
potentes como anti-hipertensivo terapêutico, mas tem um efeito indesejável muito acentuado
que é a hipotensão ortostática.
Quase todos os agentes anti-hipertensivos fazem hipotensão
ortostática, mas esse efeito da guanetidina é mais pronunciado.
A reserpina, outro bloqueador neuronal, tem como mecanismo de
ação a redução do armazenamento de noradrenalina pelos grânulos, impedindo que eles sejam
liberados. Ela também tem alguns efeitos colaterais, como congestão nasal, diarréia,
depressão e disfunção sexual.
Tanto a guanetidina quanto a reserpina são drogas antigas no
tratamento da hipertensão arterial e, devido a seus efeitos colaterais, têm hoje um papel muito
modesto como agentes anti-hipertensivos.
Os bloqueadores adrenérgicos periféricos dos receptores podem
agir em qualquer um dos receptores da célula pós-sináptica e, por isso, são subdivididos em:
 Alfa-bloqueadores
Como a ativação dos receptores alfa
resulta em uma vasoconstrição periférica, os -bloqueadores
vão causar uma vasodilatação, com redução da pressão arterial.
Como exemplo, nós temos a fentolamina,
que existia no mercado com o nome de Regitina®; e o
prazosin, que é comercializado com o nome Minipress®.
Os principais efeitos colaterais dos -
bloqueadores são a taquicardia reflexa e a maior tendência a
formação de edema devido ao seu efeito vasodilatador.

 Beta-bloqueadores
Como a ativação dos receptores beta
produz vasodilatação, parece contraditório que o seu bloqueio
vai reduzir a pressão arterial.
Porém, além de agir sobre os vasos, os -
bloqueadores também agem sobre o coração, reduzindo sua
freqüência e a sua contratilidade.
Por isso, a administração de -
bloqueadores até provoca, inicialmente, um certo grau de
vasoconstrição, mas seus efeitos sobre o coração e, também,
sobre os rins, reduzindo a liberação de renina pelas células
justaglomerulares, vão resultar em uma redução da pressão
arterial.
Desta forma, os -bloqueadores são
medicamentos muito bons para o tratamento da hipertensão,
mas como eles diminuem o cronotropismo e o inotropismo
CARDIOLOGIA - 118

cardíaco, eles devem ser evitados quanto houver uma


insuficiência cardíaca associada.
Também, os -bloqueadores devem ser
usados com cautela nos pacientes que tenham uma função
ventricular reduzida pois eles podem agir como fator
desencadeante de uma insuficiência cardíaca anteriormente
assintomática.
O propranolol é um beta-bloqueador que
pode ser encontrado com o nome comercial de Inderal®. Seus
principais efeitos colaterais são:
 Bradicardia e redução da contratilidade miocárdica;
 Vasoconstrição periférica  Que pode induzir ou agravar
um quadro de claudicação;
 Bronco-espasmo  Contra-indica o seu uso nos pacientes
com doenças bronco-pulmonares obstrutivas crônicas.

Para tentar reduzir alguns desses efeitos


indesejáveis, existem hoje -bloqueadores cárdio-seletivos,
que tem uma ação menos pronunciada no sistema pulmonar e
que, por isso, são indicados nos pacientes com DPOC. O
atenolol e o metoprolol são exemplos de -bloqueadores
cárdio-seletivos.
Também, no intuito de diminuir a ação
dos -bloqueadores sobre o coração nos indivíduos com
insuficiência cardíaca, existem alguns -bloqueadores com
atividade simpatomimética intrínseca, como o pindolol e o
acebutolol.
Além do seu uso no tratamento da
hipertensão arterial e da insuficiência coronariana, os -
bloqueadores também são indicados para tratamento da
enxaqueca, síndromes hipercinéticas e prolapso da valva mitral
com dor torácica.

 Alfa e beta-bloqueadores  Como exemplo, nós temos o


labetalol, cujo nome comercial é Trandate®

Vistos os bloqueadores adrenérgicos periféricos, vamos agora


passar para os centrais.
A ativação dos receptores alfa no sistema nervoso central produz
uma inibição do sistema simpático. Desta forma, nós podemos utilizar agonistas alfa no
intuito de inibir a ação simpática sobre o sistema vascular e sobre o coração, para obtermos
uma redução da pressão arterial.
Contudo, apesar de serem úteis como hipotensores, os agonistas
alfa, como a metildopa, a clonidina e o guanabenz, não são muito utilizados porque eles tem
muitos efeitos colaterais, tais como a sonolência, xerostomia, impotência sexual, etc.

Vasodilatadores
Os vasodilatadores orais são drogas pouco utilizadas atualmente.
CARDIOLOGIA - 119

A hidralazina, ou Apresolina®, é um vasodilatador oral que é


utilizado principalmente em gestantes e que tem como efeitos colaterais o edema periférico, a
taquicardia reflexa e a produção de uma síndrome semelhante ao lúpus eritematoso sistêmico.
Outro exemplo de vasodilatadores orais é o minoxidil, ou
Loniten®, que é uma droga de segunda escolha entre os vasodilatadores por provocar
hirsutismo.
Quando utilizados, tanto a hidralazina quanto o minoxidil devem
ser associados a diuréticos e -bloqueadores para reduzir seus efeitos colaterais.
Os vasodilatadores administrados por via parenteral são as drogas
de escolha nas emergências hipertensivas.
O nitroprussiato de sódio, comercializado sob o nome de
Nipride® é um vasodilatador que tem uma ação quase instantânea quando administrado
endovenosamente por infusão contínua. Portanto, ele é uma droga que, obviamente, só pode
ser utilizada nos centros de terapia intensiva.
O diazóxido, ou Pressuren®, é outro vasodilatador administrado
por via parenteral que, porém, é menos utilizado que o nitroprussiato de sódio.

Inibidores da enzima conversora da angiotensina


Os inibidores da enzima conversora da angiotensina também são
ótimos agentes anti-hipertensivos.
O captopril (Capoten®) foi o primeiro inibidor da ECA a ser
utilizado. Como ele tem um tempo de ação mais curto que os outros inibidores da ECA, ele
deve ser administrado duas vezes ao dia nos pacientes hipertensos.
O enalapril, que tem como representantes comerciais o Renitec®
e o Eupressin®, foi o segundo inibidor da ECA a ser utilizado e, assim como outros fármacos
desse grupo, deve ser administrado uma vez ao dia.
Outro exemplo é o lisinopril, que é comercializado sob os nomes
Zestril® e Prinivil®.
Mais recentemente surgiram novos medicamentos como o
benazepril, o cilazapril, o fosinopril e o ramipril.
Todos os inibidores da enzima conversora da angiotensina agem
no sistema renina-angiotensina-aldosterona, impedindo a conversão da angiotensina I em
angiotensina II.
Esses agentes são úteis não apenas porque eles inibem a produção
de um potente vasoconstritor, a angiotensina II, mas também porque eles retardam a
degradação de um potente vasodilatador (bradicinina), alteram a produção de prostaglandinas
e podem modificar a atividade do sistema nervoso adrenérgico.
Os efeitos colaterais dos inibidores da ECA incluem um rash
cutâneo, angioedema, neutropenia, proteinúria, tosse, hipotensão e insuficiência renal.

Bloqueadores dos canais de cálcio


Os bloqueadores dos canais de cálcio também podem agir como
anti-hipertensivos impedindo o aporte de cálcio tanto para o interior das fibras musculares
lisas da parede vascular, causando vasodilatação; quanto para o interior das miofibrilas
cardíacas, reduzindo o inotropismo do coração.
Considerações finais

A conduta terapêutica habitual que nós devemos ter frente a um paciente


com hipertensão arterial é a seguinte:
CARDIOLOGIA - 120

 1o passo
Tratamento não-farmacológico através da modificação do
estilo de vida do paciente.

 2o passo
Tratamento farmacológico através de drogas como os
diuréticos, os bloqueadores adrenérgicos, os vasodilatadores, os
inibidores da ECA e os bloqueadores dos canais de cálcio.
Contudo, a recomendação atual é que cada paciente seja
individualizado através da análise do nível de sua hipertensão arterial,
de doenças associadas, da sua idade, do seu poder aquisitivo, etc.
Por exemplo, um paciente hipertenso que também tenha
insuficiência coronariana tem como tratamento preferido os -
bloqueadores e os antagonistas do cálcio, que tanto reduzem a pressão
arterial quanto diminuem o trabalho cardíaco através da redução da
freqüência cardíaca e do inotropismo cardíaco.
Nesses pacientes, deve-se evitar o uso de guanetidina, um
bloqueador adrenérgico neuronal que tem um efeito hipotensor muito
importante e que, por isso, pode agravar a insuficiência coronariana.
Os pacientes que tenham uma hipertensão arterial associada a
uma insuficiência cardíaca devem ser tratados preferencialmente com
diuréticos, que reduzem a pressão diminuindo tanto o débito cardíaco
quanto a resistência vascular e melhoram a insuficiência cardíaca
através do aumento na excreção de sódio; -bloqueadores como o
prazosin; e inibidores da ECA como o captopril e o enalapril.
Nesses casos, deve-se evitar o uso de -bloqueadores como o
propranolol, devido ao seu efeito inotrópico negativo, que pode
agravar ou até mesmo precipitar a insuficiência cardíaca.
Pacientes hipertensos que tenham associada uma
insuficiência renal têm como drogas preferidas os diuréticos de alça
(furosemide); bloqueadores adrenérgicos centrais como a metildopa e
a clonidina; e bloqueadores alfa-adrenérgicos como o prazosin.
Os diuréticos tiazídicos devem ser evitados porque eles só
agem quando o rim tem um clearance mínimo de 30 ml/min e, na
insuficiência renal, o clearance é menor.
Os diuréticos poupadores de potássio também devem ser
evitados porque os indivíduos com insuficiência renal já retêm
potássio.
Da mesma forma que na insuficiência coronariana, a
guanetidina é contra-indicada na insuficiência renal porque o seu
efeito hipotensor vai levar a uma isquemia renal ainda maior.
Finalmente, como um dos efeitos colaterais dos inibidores da
ECA é a insuficiência renal, este grupo de medicamentos está
proscrito nesses casos.

 3o passo
Caso haja uma resposta inadequada deve-se:
 Aumentar a dose;
 Substituir a droga;
 Adicionar outra droga de outra classe.
CARDIOLOGIA - 121

 4o passo
Adicionar uma segunda ou terceira droga, de preferência de
grupos farmacológicos distintos.
CARDIOLOGIA - 122

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Arritmias cardíacas

Introdução

Para se falar em arritmias cardíacas, é preciso inicialmente relembrar como é o


sistema de condução do coração.
O coração possui um sistema especializado, para gerar e propagar os estímulos,
que incluem o nó sinusal, os tratos internodais, o nó átrio-ventricular e o sistema His-
Purkinje.

O nó sinusal (ou
sinu-atrial) situa-se
próximo à junção da veia
cava superior com o átrio
direito e possui dois tipos
de fibras musculares
especiais, as células P
(marca-passo) e as células
T (transicionais).
O nó átrio-
ventricular situa-se abaixo
do endocárdio do átrio
direito, na parte do septo
interatrial que forma o
folheto septal da valva
tricúspide, imediatamente
acima do óstio do seio
coronário.
O feixe de His é a
continuação do nó átrio-
ventricular, que se
condensa a fim de atingir
Figura 1 - Anatomia
os ventrículos. No septo
interventricular muscular, ele divide-se em dois ramos, o esquerdo e o direito.
As fibras de Purkinje formam uma rede extensa interconectada na superfície
endocárdica de ambos os ventrículos.
Assim, simplificadamente, esse é os sistema de condução do estímulo cardíaco,
que tem algumas peculiaridades interessantes.
O estímulo que ativa o coração origina-se nas células P do nó sinusal, atinge a
musculatura atrial e penetra no nó átrio-ventricular, onde sofre um importante retardo que irá
permitir o enchimento ventricular. Então, o estímulo propaga-se para o sistema His-Purkinje
com uma velocidade extremamente rápida, atingindo a musculatura ventricular.
É importante nós sabermos que sempre que o estímulo é propagado através desse
sistema de condução sua velocidade é maior do que se fosse propagado fora dele.
Outra peculiaridade desse sistema de condução é a sua automaticidade, ou seja,
ele apresenta um automatismo latente, gerando um ritmo de freqüência menor quanto mais
inferior for a sua localização no sistema de condução. Por exemplo, o nó sinusal despolariza-
CARDIOLOGIA - 123

se com uma freqüência ao redor de 60 a 100 batimentos por minuto. O nó átrio-ventricular,


por sua vez, gera estímulos ao redor de 40 batimentos por minuto, enquanto as estruturas
inferiores a ele produzem um ritmo de freqüência ainda menor.
Habitualmente, porém, o automatismo das estruturas inferiores é inibido pelas
estruturas superiores, ou seja, o nó sinusal inibe o nó átrio-ventricular que inibe todas as
estruturas abaixo dele.
Porém, numa situação em que o nó sinusal esteja alterado, o comando do coração
passa a ser assumido pelo nó átrio-ventricular ou por uma porção do feixe de His, com uma
freqüência mais baixa. Esse é um mecanismo de proteção do coração para evitar que algum
problema no nó sinusal resulte em uma parada cardíaca.
Quando nós estudamos as arritmias cardíacas, nós temos informações clínicas e
eletrocardiográficas que se complementam. Não é possível se entender as arritmias cardíacas,
portanto, se nós não tivermos uma noção de eletrocardiografia.
A onda P representa a despolarização atrial. O segmento PR, que vai do fim da
onda P ao início do complexo QRS representa a condução no nó átrio-ventricular. O
complexo QRS representa a despolarização ventricular e a onda T representa a repolarização
ventricular.
O eletrocardiograma é o teste mais importante para o diagnóstico de uma arritmia.
Deve-se analisar a regularidade e a duração dos intervalos PP, RR, a constância dos espaços
PR e a relação das ondas P com os complexos QRS.

Ritmo sinusal

O ritmo sinusal é aquele no qual o coração se contrai a partir de estímulos


gerados no nó sinusal com uma freqüência entre 60 a 100 batimentos por minuto.
Ele é o ritmo normal do coração e pode sofrer influências simpáticas ou
parassimpáticas de acordo com as necessidades do organismo.
No eletrocardiograma, pode-se observar:
 Freqüência cardíaca entre 60 e 100 bpm
 Ondas P precedendo cada complexo QRS
 Espaço PR fixo
 Intervalo RR regular Ritmo regular
 Eixo da onda P entre + 30o e + 90o Ondas P positivas em D1, D2 e aVF

Figura 2 - Ritmo sinusal

Taquicardia sinusal

O ritmo sinusal com uma freqüência acima de 100 batimentos por minuto
é denominado taquicardia sinusal.
Clinicamente, o paciente habitualmente vai relatar palpitação e, ao exame
físico, nós vamos detectar uma freqüência cardíaca aumentada com as bulhas regulares.
CARDIOLOGIA - 124

A taquicardia sinusal tem várias etiologias:


 Fisiológica
 Infância
 Exercícios físicos
 Estresse

 Farmacológica
 Simpatomiméticos
 Estimulantes Café, álcool, fumo

 Patológica
 Febre
 Choque
 Infecções
 Anemia
 Hipertireoidismo
 Insuficiência cardíaca

Desta forma, quando nós formos avaliar um paciente com taquicardia


sinusal, deve-se identificar os fatores que estão provocando essa taquicardia.
Deve-se lembrar que as taquicardias sinusais começam lentamente e
terminam lentamente, ao contrário de algumas taquicardias paroxísticas em que o coração
dispara e lentifica abruptamente.
Ao eletrocardiograma, nós vamos detectar:
 Freqüência cardíaca acima de 100 bpm
 Ritmo regular
 Ondas P positivas em D1, D2 e aVF

Figura 3 - Taquicardia sinusal

A taquicardia sinusal deve ser manuseada na identificação e na correção da


causa predisponente. É importante a explicação pelo médico de que não existe doença
cardíaca envolvida.

Bradicardia sinusal

Na bradicardia sinusal nós temos o ritmo sinusal com uma freqüência


menor que 60 batimentos por minuto.
CARDIOLOGIA - 125

Clinicamente, o paciente habitualmente apresenta-se assintomático e o


diagnóstico é feito pelo exame físico. Se a bradicardia for grave, podem ocorrer tonturas ou
síncope.
Etiologicamente, a bradicardia sinusal pode ser fisiológica, quando ocorre
principalmente nos atletas e em pessoas normais, durante o sono; pode ser farmacológica,
quando causada por medicamentos como os -bloqueadores, alguns bloqueadores dos canais
de cálcio, digitais e morfina; ou pode ser patológica, quando acompanha a estimulação vagal
causada pelo vômito. Ocorre também no hipotireoidismo, na hipotermia e na fase aguda do
infarto do miocárdio.
O diagnóstico eletrocardiográfico é feito por:
 Freqüência cardíaca abaixo de 60 bpm
 Ritmo regular
 Ondas P positivas em D1, D2 e aVF

Figura 4 - Bradicardia sinusal

O tratamento da bradicardia sinusal, assim como o da taquicardia sinusal,


consiste na identificação e, quando necessário, na remoção da sua causa básica. Caso o
paciente apresente sinais e sintomas sérios, isto é, baixo débito cardíaco e hipertensão arterial,
que podem ocorrer no infarto agudo do miocárdio, pode-se utilizar atropina no sentido de
bloquear os estímulos vagais.

Arritmia sinusal respiratória

Esta é uma arritmia comum que é uma causa freqüente de


iatrogênese e que não representa patologia. Ela consiste na variação da freqüência cardíaca
com a respiração.
O paciente geralmente é assintomático e, ao exame físico,
observa-se um aumento da freqüência cardíaca na inspiração e uma diminuição na expiração,
ficando praticamente regular se nós pedirmos ao paciente para que faça uma apnéia.
A arritmia sinusal respiratória é absolutamente comum em
crianças e adultos jovens. Ela tende a desaparecer com a idade e não necessita de tratamento.
Todavia, pode trazer preocupações ao médico menos avisado.
CARDIOLOGIA - 126

Figura 5 - Arritmia sinusal respiratória

Existe também um outro tipo de arritmia sinusal que acontece no


paciente com mais idade mas que não tem relação com a respiração. Ela pode ser uma
manifestação da degeneração do nó sinusal na chamada doença do nó sinusal, que acontece
em pessoas de idade e pode ter 3 tipos de manifestação:
 Surto de taquicardia
 Surto de bradicardia
 Surto de arritmia sinusal

Esse tipo de arritmia sinusal, ao contrário da respiratória,


dependendo da sintomatologia, pode necessitar de tratamento.

Extra-sístoles

São situações também muito freqüentes que podem ser subdivididas em:
 Extra-sístoles atriais
 Extra-sístoles juncionais
 Extra-sístoles ventriculares

As extra-sístoles são batimentos precoces que se originam fora do nó sinusal.


Deve ficar claro que a caracterização do tipo de extra-sístole só pode ser feita
pelo eletrocardiograma. Clinicamente, não se consegue diferenciar uma extra-sístole atrial de
uma juncional ou de uma ventricular, consegue-se apenas dizer que o paciente tem uma extra-
sístole.
O paciente com uma extra-sístole pode ser absolutamente assintomático, mas
ele pode se queixar de palpitações, referir a sensação de interrupção do batimento cardíaco ou
perceber o batimento pós-extra-sistólico como um soco no peito.
No exame físico, percebe-se a interrupção do ritmo normal por uma sístole
prematura e uma pausa prolongada seguida de uma primeira bulha com intensidade maior. O
número de extra-sístoles por minuto pode ser obtido pela subtração do número de batimentos
cardíacos pela freqüência do pulso.
CARDIOLOGIA - 127

Se as extra-sístoles forem muito freqüentes, o diagnóstico diferencial com a


fibrilação atrial é difícil, necessitando-se de um eletrocardiograma para a confirmação
diagnóstica.

Extra-sístole atrial
A extra-sístole atrial é aquela em que o impulso elétrico se origina em algum
lugar dos átrios fora do nó sinusal.
Como ele se origina no átrio, portanto, próximo ao nó sinusal, o impulso
elétrico geralmente causa despolarização do nó sinusal. Desta forma, o intervalo entre a onda
P da extra-sístole (P’) e a próxima onda P sinusal é igual, ou discretamente maior, que o
intervalo PP normal. Todavia, o intervalo entre a onda P sinusal que precede a extra-sístole e
a onda P que se segue a ela geralmente é menor que duas vezes o PP normal. Este fenômeno é
chamado de pausa não compensadora.

Figura 6 - Extra-sístole atrial com pausa não compensadora

Quando o nó sinusal não é despolarizado pela extra-sístole e a onda P pós-


extra-sistólica não tem sua freqüência alterada, nós dizemos que a pausa é compensadora.
A extra-sístole atrial habitualmente é um achado benigno, sendo comum em
pessoas normais, especialmente se submetidas a tensões emocionais, uso de álcool, café ou
fumo; mas ela também ocorre em várias cardiopatias. Raramente, ela pode levar a uma
arritmia mais séria, como a taquicardia paroxística atrial.
Ao eletrocardiograma, a extra-sístole atrial pode mostrar:
 Intervalo RR irregular Ritmo irregular
 Onda P’ de morfologia diferente da onda P sinusal
 Complexo QRS normal
 Intervalo PR normal ou prolongado

Figura 7 - Extra-sístole atrial com pausa compensadora


CARDIOLOGIA - 128

Os objetivos do tratamento da extra-sístole atrial são controlar os sintomas e


prevenir arritmias persistentes.
Se os pacientes forem assintomáticos e a extra-sistolia for um mero achado de
exame, deve-se evitar a iatrogênese e eventualmente nem mencionar o achado para o paciente.
Se houverem queixas, cabe ao médico tranqüilizar o paciente quanto à
benignidade dos achados e remover fatores desencadeantes como o estresse, fadiga, álcool,
fumo e café.
Caso os sintomas persistam, pode-se administrar doses baixas de -
bloqueadores.

Extra-sístole juncional
A extra-sístole juncional é aquela em que o impulso elétrico se origina no nó
átrio-ventricular, podendo despolarizar os átrios de maneira retrógrada.
Apesar de ser possível diferenciar as extra-sístoles atrial e juncional pelo
eletrocardiograma, ambas são agrupadas sob o termo de extra-sístoles supraventriculares pois
tanto a sua abordagem terapêutica como as suas implicações clínicas são absolutamente as
mesmas, com a exceção de que a extra-sístole juncional, quando gera uma arritmia mais
grave, resulta em taquicardia juncional paroxística, enquanto a extra-sístole atrial resulta em
taquicardia atrial paroxística.
Ao eletrocardiograma, observa-se:
 Ritmo irregular
 Ondas P negativas em D2, D3 e aVF
A relação da onda P com o
complexo QRS vai depender do tempo de condução desde o local de origem
no nó átrio-ventricular aos átrios e ventrículos. Um foco alto vai resultar
numa onda P ocorrendo antes do complexo QRS, um foco médio vai
resultar numa onda P ocorrendo durante o QRS e um foco baixo vai resultar
numa onda P que ocorre após o QRS.

Figura 8 - Extra-sístoles juncionais


CARDIOLOGIA - 129

A pausa que se segue a uma extra-


sístole juncional pode ser não compensadora, se o nó sinusal for
despolarizado pela extra-sístole; ou compensadora, se o nó sinusal tiver se
descarregado antes de ser atingido pela extra-sístole.

 Complexos QRS normais


 Intervalo PR reduzido ou aumentado

Figura 9 - Extra-sístole juncional com pausa não compensadora

Os princípios do tratamento são os mesmos das extra-sístoles atriais.

Extra-sístole ventricular
As extra-sístoles ventriculares são batimentos que tem origem abaixo do nó
átrio-ventricular, ou seja, nos ventrículos.
A extra-sístole ventricular é comum em pessoas jovens normais e sua
freqüência aumenta com a idade. A extra-sistolia ventricular esporádica em pessoas normais
não tem mau prognóstico, porém, quando ocorre como manifestação de uma cardiopatia,
aumenta o risco de morte súbita. Quando causada por drogas como digital, quinidina ou
antidepressivos tricíclicos, podem levar a um ritmo letal, a menos que a droga seja
interrompida.
As extra-sístoles ventriculares pode ser:
 Monomórficas
São extra-sístoles que apresentam morfologia igual, na mesma
derivação eletrocardiográfica.

 Polimórficas
São as extra-sístoles que apresentam morfologia diferente, na
mesma derivação eletrocardiográfica.

 Em salvas
Quando tempos mais de 3 extra-sístoles ventriculares em salva,
dizemos que existe taquicardia ventricular.

 Bigeminadas
Ocorrem intercaladas com os batimentos normais. Se
tivermos uma extra-sístole a cada dois batimentos normais, dizemos que
ocorre trigeminismo. Se a cada 3 batimentos, quadrigeminismo, e assim por
diante.
CARDIOLOGIA - 130

Figura 10 - Respectivamente, extra-sístoles ventriculares trigeminadas e quadrigeminadas

As extra-sístoles ventriculares
bigeminadas, também conhecidas por
bigeminismo ventricular, são indicativas de
intoxicação digitálica. Nestes casos a
freqüência de pulso é a metade da freqüência
cardíaca, pois as extra-sístoles, sendo Figura 11 - Extra-sístoles
precoces, têm um volume sistólico muito ventriculares bigeminadas
pequeno, não produzindo onda de pulso.

 Precoces
Uma extra-sístole é precoce quando ocorre junto a onda T do
batimento sinusal que a precede (no período refratário relativo da
repolarização ventricular).
Quanto mais precoce for uma extra-sístole no batimento sinusal,
mais perigosa ela é, porque ela pode levar a uma fibrilação ventricular, com
conseqüente morte do paciente. Nesses casos, é necessário um tratamento
mais agressivo da arritmia.

A extra-sístole ventricular é a arritmia mais fácil de se reconhecer


eletrocardiograficamente, onde podemos encontrar:
 Ritmo irregular
 Ondas P ausentes
 Complexos QRS aberrantes
 Segmento ST e onda T opostos ao QRS
 Pausa compensadora

Figura 12 - Extra-sístoles ventriculares


CARDIOLOGIA - 131

Terapeuticamente, os pacientes sem doença cardíaca estrutural devem ser


tranqüilizados e orientados a evitar os fatores desencadeantes como, por exemplo, o estresse,
o fumo e o café. Pode-se receitar sedativos leves ou -bloqueadores com o objetivo de deixar
o paciente assintomático, mesmo que isso não resulte no desaparecimento da arritmia.
As extra-sístoles ventriculares são freqüentes na fase aguda do infarto do
miocárdio, quando devem ser tratadas pois podem levar à fibrilação ventricular,
especialmente se forem precoces. O tratamento é feito com lidocaína endovenosa.
Este mesmo princípio deve ser aplicado para as síndromes isquêmicas agudas,
durante a trombólise e angioplastia coronarianas, e no pós-operatório de cirurgias cardíacas.
Na presença de cardiopatia crônica, devemos usar drogas antiarrítmicas se as
extra-sístoles forem freqüentes, em salvas, bigeminadas ou precoces. Na insuficiência
cardíaca, o seu controle pode cessar a arritmia.

Taquicardia supraventricular paroxística

O termo taquicardia supraventricular paroxística


compreende a taquicardia atrial paroxística e a taquicardia juncional paroxística, que resultam,
respectivamente, das extra-sístoles atriais e juncionais.
A taquicardia supraventricular paroxística ocorre em
pessoas normais e em diversas cardiopatias, sendo especialmente comum em pacientes
portadores da síndrome de Wolf-Parkinson-White.
Clinicamente, o paciente relata que estava
absolutamente bem quando, de repente, seu coração disparou por minutos ou horas, voltando
ao normal abruptamente.
Ao exame físico, o paciente com taquicardia
supraventricular paroxística vai apresentar uma freqüência cardíaca alta, com batimentos
regulares.
Ao eletrocardiograma, nota-se:
 Freqüência cardíaca entre 160 e 240 bpm
 Ritmo regular
 Ondas P’ diferentes da onda P sinusal ou ondas
P negativas em D2, D3 e aVF
 Complexos QRS normais

Figura 13 - Taquicardia supraventricular paroxística


CARDIOLOGIA - 132

Terapeuticamente, pode-se fazer estimulação vagal


através da massagem do seio carotídeo, compressão do globo ocular, ingestão rápida de água
gelada ou manobra de Valsalva. Deve-se tomar especial cuidado em pacientes idosos, nos
quais a estimulação vagal pode provocar síncope, convulsões e assistolia. Caso as manobras
vagais não surtam efeito, a droga de eleição é o verapamil (Dilacoron®).
A cardioversão elétrica está indicada quando a
taquicardia não responde ao tratamento clínico; quando a arritmia causa ou exacerba uma
disfunção cardíaca, como a isquemia ou a insuficiência cardíaca; ou quando ocorrem
situações onde efeitos deletérios da arritmia são esperados, como no infarto agudo do
miocárdio.
Quando as crises são freqüentes, está indicada a
administração de antiarrítmicos de manutenção, tais como o bissulfato de quinidina. Se as
drogas não controlarem as crises, pode-se fazer ressecção do feixe anômalo.

Fibrilação atrial
Existem situações em que vários focos ectópicos atriais começam a se
contrair numa freqüência de 400 a 700 vezes por minuto. Cada impulso elétrico resulta na
despolarização de uma pequena ilhota do miocárdio atrial, e não de todo o átrio. Como
conseqüência, não há contração atrial efetiva. A transmissão desses impulsos atriais aos
ventrículos ocorre aleatoriamente, resultando num ritmo ventricular irregular, com freqüência
menor que a atrial.
A fibrilação atrial pode acontecer nas seguintes circunstâncias:
 Doença mitral reumática
 Hipertensão arterial
 Cardiopatia isquêmica
 Tireotoxicose
 Pessoas normais Fibrilação atrial isolada
Como conseqüências, a fibrilação atrial pode reduzir o débito cardíaco em
torno de 20%, o que pode ser tolerado em uma pessoa normal mas, em um indivíduo que já
tenha uma função ventricular diminuída, pode resultar em insuficiência cardíaca e edema
agudo de pulmão; e pode levar a formação de trombos atriais, principalmente nos apêndices
atriais, causando embolia sistêmica ou pulmonar.
Ao exame físico, nós observamos que as bulhas cardíacas estão arrítmicas.
Caso a freqüência ventricular seja elevada, vai ocorrer déficit de pulso e o pulso arterial será
menor que a freqüência cardíaca.
Os critérios diagnósticos eletrocardiográficos são:
 Freqüência cardíaca variável
 Ritmo irregular
 Ausência de ondas P e presença de ondas f
 Complexos QRS normais

Figura 14 - Fibrilação atrial


CARDIOLOGIA - 133

Terapeuticamente, nos casos de fibrilação atrial aguda, a reversão pode ser


tentada com cloridrato de amiodarona.
Caso o paciente apresente sinais de baixo débito ou não tenha respondido
com amiodarona, o tratamento de escolha é a cardioversão elétrica.
Quando desconhecemos a duração da fibrilação atrial, ou quando sua duração
é de alguns dias, ela é chamada de fibrilação atrial crônica. Neste caso, admite-se que já possa
ter ocorrido a formação de trombos intra-atriais, sendo indicada a administração de
anticoagulantes por 3 ou 4 semanas antes de se tentar reverter a arritmia.
Caso a freqüência ventricular seja elevada, ela deve ser controlada com
digital, verapamil ou -bloqueadores.
Após a reversão da arritmia, deve-se avaliar a necessidade da prevenção de
novos surtos, que pode ser feita com bissulfato de quinidina, sotalol ou amiodarona.

Flutter atrial

O flutter atrial é uma arritmia pouco freqüente e praticamente só ocorre em


cardiopatias. Os átrios são estimulados com freqüência em torno de 300 vezes por minuto.
A freqüência ventricular irá depender da refratariedade do nó átrio-ventricular.
Geralmente, ela é metade da freqüência atrial.
Como a contração atrial é vigorosa no flutter atrial, os fenômenos embólicos são
raros.
No eletrocardiograma, nós vamos encontrar:
 Freqüência atrial variando entre 220 e 350 bpm
 Ritmo regular
 Ondas P ausentes
 Presença de ondas F
 Complexos QRS normais

Figura 15 - Flutter atrial

O tratamento do Flutter atrial é a cardioversão elétrica.

Taquicardia ventricular

A taquicardia ventricular ocorre quando um foco ectópico ventricular


assume o comando do coração e pode chegar até uma freqüência de 180 batimentos por
minuto.
Ela pode ocorrer de maneira não-sustentada ou de maneira sustentada
e só ocorre em situações cardíacas graves. Ninguém faz uma taquicardia ventricular com o
coração normal.
CARDIOLOGIA - 134

As manifestações clínicas irão depender da freqüência cardíaca e das


condições prévias do miocárdio, podendo ocorrer baixo débito e até choque cardiogênico.
Ao exame físico, a freqüência cardíaca é geralmente mais baixa que
na taquicardia supraventricular paroxística, geralmente ao redor de 160 bpm, e varia
ligeiramente de batimento à batimento, ao contrário da taquicardia supraventricular
paroxística, onde ela não se altera.
A principal complicação da taquicardia ventricular é a fibrilação
ventricular, uma das principais responsáveis pela parada cardíaca.
Ao eletrocardiograma, observa-se:
 Freqüência cardíaca entre 100 e 200 bpm
 Ritmo regular
 Ondas P ausentes
 Complexos QRS aberrantes
 Segmento ST e onda T opostos ao QRS

Figura 16 - Taquicardia ventricular

Nos pacientes que estão hemodinamicamente estáveis e


assintomáticos, o tratamento de eleição é a lidocaína endovenosa.
Caso a lidocaína não surta efeito, pode-se tentar procainamida
endovenosa.
Se ambas as drogas não surtirem efeito, deve-se fazer cardioversão
elétrica.
Os pacientes sintomáticos com taquicardia ventricular requerem
tratamento de urgência com cardioversão elétrica. Caso o paciente esteja em choque, ou em
severo comprometimento hemodinâmico, a cardioversão deve ser imediata.

Parada cardíaca

O termo parada cardíaca inclui todas as condições nas quais a contração


ventricular efetiva cessa, compreendendo:
 Fibrilação ventricular Compreende 80% dos casos
É uma contração descoordenada da musculatura
ventricular, resultando em um débito cardíaco nulo.

 Assistolia Compreende 10% dos casos


Ausência de atividade elétrica ou mecânica do coração.
 Atividade elétrica sem pulso Compreende 9% dos casos
É uma condição em que existe atividade
elétrica, com complexos QRS largos e bizarros, mas sem atividade
mecânica.
CARDIOLOGIA - 135

A atividade elétrica sem pulso era


conhecida como dissociação eletro-mecânica.

Etiologicamente, a parada cardíaca pode ser:


 Cardíaca
 Infarto agudo do miocárdio

 Não cardíaca
 Afogamento
 Eletrocussão

Como o coração para de bater, o diagnóstico e o tratamento devem ser


instituídos de imediato, pois após 3 minutos já teremos lesão cerebral definitiva.
O ponto mais importante é que o atendimento deve ser iniciado por qualquer
pessoa que presencie a parada cardíaca, com as chamadas manobras de reanimação cárdio-
pulmonar, da seguinte maneira:

1. Chamar a vítima para estabelecer a


inconsciência
2. Chamar por ajuda
3. Colocar a vítima sobre uma superfície
firme, como o chão
4. Hiperextender o pescoço e levantar o
queixo da vítima
5. Verificar se a vítima está respirando
por 8 segundos, para fazer o
diagnóstico de parada respiratória
6. Se não estiver, iniciar a respiração
boca-a-boca, com duas insuflações
lentas
7. Palpar pulso carotídeo por 5 segundos,
para fazer o diagnóstico de parada
cardíaca
8. Na ausência de pulso, iniciar a
compressão torácica externa
(massagem cardíaca) numa freqüência
de 100 compressões por minuto
Figura 17 - Manobras de ressuscitação cárdio-pulmonar 9. Se o atendimento estiver sendo feito
(RCP) por um socorrista, deve-se manter a
relação ventilação/compressão em
15/2. Caso existam dois socorristas, a
relação deve ser de 5/1.

Com esses procedimentos simples, podemos manter a viabilidade cerebral por


tempo prolongado até que chegue pessoal treinado e equipamento que permita dar seqüência
ao atendimento, com as chamadas manobras de reanimação avançada.
Assim que um eletrocardiógrafo esteja disponível, podemos diferenciar qual o
tipo de parada que estamos atendendo:
 Fibrilação ventricular
 Ritmo irregular
CARDIOLOGIA - 136

 Ausência de ondas P, QRS ou T


 Atividade elétrica variável em forma e tamanho

Figura 18 - Fibrilação ventricular

 Assistolia
 Ausência total de atividade elétrica cardíaca

Figura 19 - Assistolia

 Atividade elétrica sem pulso


 Complexos QRS aberrantes e alargados, sem pulso correspondente

Figura 20 - Atividade elétrica sem pulso


CARDIOLOGIA - 137

Manobras de reanimação avançada


Desfibrilador até 3 vezes se necessário

Ritmo após 3 desfibrilações iniciais

Fibrilação ou Retorno de Atividade elétrica Assistolia


taquicardia circulação sem pulso
ventricular espontânea
Continuar C.P.R
persistente ou Continuar C.P.R.
recorrente  Dados vitais
Entubar de
 Via aérea Entubar de
 Continuar C.P.R. imediato
 Ventilação imediato
 Entubar  Drogas para
 Acesso venoso Obter acesso
manter PA, FC e Obter acesso venoso
ritmo cardíaco venoso
1 - Adrenalina
(1mg EV a cada 5 min) Procurar a causa
Procurar a causa

2 - 360 J Adrenalina
(após 30 a 60 seg) Adrenalina (1mg a cada 5 min)
(1mg a cada 5 min)

FV persistente Atropina
Bradicardia severa (1mg EV a cada 5 min
até 0,04 mg/kg)
3 - Lidocaína
(1,5mg/kg em bolo) Atropina
(1mg EV a cada 5 min Considerar para
até 0,04 mg/kg) a reanimação
4 - 360 J
(após 30 a 60 seg)

Ritmo sinusal
Verificar pulso Manter lidocaína
e ritmo (2 a 4mg/min)

FV persistente

5 - Repetir 3 e 4

Verificar pulso
e ritmo

FV persistente

6 - Reavaliar toda
a seqüência

7 - Procainamida
(30mg/min até 17 mg/kg)

8 - 360 J
(após 30 a 60 min)
CARDIOLOGIA - 138

Bloqueios átrio-ventriculares

Os bloqueios átrio-ventriculares são definidos como um retardo


ou interrupção na condução entre os átrios e os ventrículos, podendo ser divididos em 3 tipos:
 Bloqueio átrio-ventricular de 1o grau
 Bloqueio átrio-ventricular de 2o grau
 Bloqueio átrio-ventricular de 3o grau ou bloqueio total

Bloqueio átrio-ventricular de 1grau o

É um bloqueio na passagem do impulso dos átrios aos


ventrículos, geralmente na junção átrio-ventricular, mas que pode ser infranodal.
As causas mais comuns de bloqueio átrio-ventricular de 1o grau
são as miocardites e o infarto do miocárdio.
O bloqueio átrio-ventricular de 1o grau não dá sintomas e o
tratamento deve ser o da causa básica.
Ao eletrocardiograma, observa-se:
 Ritmo regular
 Ondas P precedendo cada complexo QRS
 Intervalo PR aumentado
 Complexos QRS normais

Bloqueio átrio-ventricular de 2
grau o

No bloqueio átrio-ventricular de 2o grau, alguns impulsos são


conduzidos e outros são bloqueados.

Figura 21 - Diferença entre os bloqueios átrio-ventriculares de primeiro e segundo graus

Eles podem ser divididos em dois tipos:


1. Bloqueio átrio-ventricular de 2o grau tipo I
Geralmente, o bloqueio é ao nível do nó átrio-
ventricular e é freqüentemente devido ao aumento no tônus
parassimpático ou ao efeito de drogas (digital, propranolol,
verapamil). Usualmente ele é um fenômeno transitório e o
prognóstico a longo prazo é bom.
Caracteriza-se por um prolongamento progressivo do
intervalo PR, indicativo da diminuição progressiva da
velocidade de condução no nó átrio-ventricular, até que um
impulso seja completamente bloqueado (fenômeno de
CARDIOLOGIA - 139

Wenckebach). Geralmente, só um impulso é bloqueado,


depois do qual o ciclo se repete.
Os critérios eletrocardiográficos para o seu diagnóstico
são:
 Freqüência atrial normal
 Freqüência ventricular reduzida
 Ritmo atrial regular
 Ritmo ventricular irregular
 Ondas P normais
 Intervalos PR variáveis
 Complexos QRS normais

2. Bloqueio átrio-ventricular de 2o grau tipo II


Ocorre no sistema His-Purkinje e geralmente está
associado à lesão orgânica no sistema de condução. Ao
contrário do bloqueio átrio-ventricular de 2o grau tipo I, este
bloqueio raramente é resultado do aumento no tônus
parassimpático ou do efeito de drogas.
Ele está associado a um pior prognóstico e pode evoluir
para um bloqueio átrio-ventricular total (de 3o grau).
Neste tipo de bloqueio, o intervalo PR não aumenta
antes do batimento não conduzido.
Os critérios eletrocardiográficos para o seu diagnóstico
são:
 Freqüência atrial normal
 Freqüência ventricular reduzida
 Ritmo atrial regular
 Ritmo ventricular irregular
 Ondas P normais
 Intervalos PR constantes
 Complexos QRS normais

Terapeuticamente, como o bloqueio átrio-ventricular de


o
2 grau tipo II pode evoluir para um bloqueio átrio-
ventricular total, deve-se implantar um marca-passo cardíaco.

Bloqueio átrio-ventricular de 3 o
grau (bloqueio total)
O bloqueio átrio ventricular total indica a completa ausência de
condução entre os átrios e os ventrículos. Ele pode ocorrer no nó átrio-ventricular, no feixe de
His ou nos seus ramos.
Quando o bloqueio ocorre no nó átrio-ventricular,
freqüentemente um marca passo juncional assumirá o comando com uma freqüência entre 40
a 60 batimentos por minuto. Este marca-passo é estável e, como ele se situa acima da
bifurcação do feixe de His, a despolarização ventricular será normal e, conseqüentemente, o
complexo QRS também será normal. Este tipo de bloqueio átrio-ventricular total pode resultar
do aumento no tônus parassimpático associado com infarto inferior, por efeito de drogas ou
por lesão no nó átrio-ventricular. Geralmente tem bom prognóstico.
CARDIOLOGIA - 140

Figura 22 - Bloqueio átrio-ventricular de terceiro grau com ritmo juncional

Figura 23 - Bloqueio átrio-ventricular de terceiro grau com ritmo ventricular

Quando o bloqueio átrio-ventricular total ocorre em nível


infranodal, geralmente há extensa lesão infranodal no sistema de condução. Nestes casos, o
único mecanismo de escape disponível são os marca-passos ventriculares, que têm freqüência
baixa, inferior a 40 bpm, e são instáveis. Episódios de assistolia são comuns. Como a
despolarização se origina nos ventrículos, os complexos QRS são anormais. Seu prognóstico é
pior.

Clinicamente, os pacientes com bloqueio átrio-ventricular total


podem ter sintomas variados, desde a ausência de sintomas até crises de Stokes-Adams, que
são episódios de síncope causados por isquemia cerebral transitória quando o paciente faz
esforço.
Ao exame físico, notamos uma freqüência cardíaca baixa e
regular, que não aumenta com o exercício.
Os critérios eletrocardiográficos para o seu diagnóstico são:
 Freqüência cardíaca menor que 60 bpm
 Ritmo normal
 Ondas P normais
 Intervalos PR
As ondas P não tem relação com os
complexos QRS.

 Complexos QRS normais ou alargados

O tratamento do bloqueio átrio-ventricular total é o implante de


um marca-passo cardíaco.
CARDIOLOGIA - 141

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Cardiopatias congênitas acianóticas

Introdução

As cardiopatias congênitas compreendem um amplo espectro de anomalias que


surgem por alterações patológicas na embriogênese do sistema cardiovascular, produzindo
graus variáveis de disfunção circulatória.
Há dois tipos fundamentais de cardiopatias congênitas, as acianóticas e as
cianóticas. Neste capítulo será abordado o grupo de cardiopatias acianóticas.

Classificação

As cardiopatias congênitas acianóticas podem ser divididas em:


 Cardiopatias com hiperfluxo pulmonar
 Comunicação interatrial
 Comunicação interventricular
 Persistência do canal arterial
 Defeito do septo átrio-ventricular
 Janela aortopulmonar
 Fístulas  Relacionando a aorta ou as artérias coronárias com as câmaras
cardíacas direitas;

 Cardiopatias com obstrução das câmaras esquerdas


 Estenose aórtica
 Coartação da aorta
 Estenose mitral
 Hipoplasia de arco aórtico;

 Cardiopatias com obstrução ventricular direita


 Hipoplasia ou bandas musculares anômalas
 Estenose pulmonar;

 Anomalias congênitas das artérias coronárias


 Origem anômala No tronco pulmonar, por exemplo.

Comunicação interatrial

A comunicação interatrial (CIA) caracteriza-se por defeito no septo


atrial levando ao desvio de sangue da esquerda para a direita, acarretando maior ou menor
sobrecarga das câmaras cardíacas direitas e do fluxo pulmonar, dependendo do diâmetro do
defeito.
CARDIOLOGIA - 142

Figura 1 - Comunicação interatrial

O septo atrial é constituído por duas membranas paralelas


denominadas septum primum e secundum. Na vida intra-uterina, parte da circulação fetal é
representada por passagem do sangue oxigenado proveniente da placenta, do átrio direito para
o átrio esquerdo, através do forame oval. Após o nascimento ocorre o fechamento funcional
desta passagem nas primeiras horas de vida por aumento da pressão do átrio esquerdo. O
fechamento anatômico só ocorre no final do primeiro ano de vida.
Alterações no desenvolvimento desta região, como defeito de fossa
oval (70%), ostium primum e seio venoso, resultam no aparecimento de comunicações
interatriais.
Crianças e adultos jovens portadores de CIA apresentam-se
clinicamente assintomáticos na maioria das vezes mas, em situações mais graves, o
comprometimento hemodinâmico pode ser maior e levar a sintomas como dispnéia,
palpitações, processos infecciosos pulmonares e hipodesenvolvimento pôndero-estatural,
exigindo correção operatória nos primeiros meses ou anos de vida.
Após a terceira ou quarta décadas de vida, pacientes anteriormente
assintomáticos podem apresentar dispnéia, fadiga, arritmias e, até, insuficiência cardíaca
direita.
Ao exame físico do precórdio, habitualmente se observa impulsão do
ventrículo direito e consegue-se palpar a pulsação da artéria pulmonar.
Na ausculta, pode-se observar um sopro de ejeção pulmonar causado
pelo hiperfluxo, que cria uma estenose relativa da valva pulmonar.
Também, pode haver hiperfonese do componente tricúspide da
primeira bulha, mas ela é mais comum devido ao componente pulmonar da segunda bulha,
que, além disso, apresenta um desdobramento fixo.
Esse desdobramento fixo da segunda bulha pode ser explicado
conforme o seguinte diagrama.

Figura 2 - Desdobramento fixo da segunda bulha na CIA


CARDIOLOGIA - 143

No foco tricúspide, eventualmente, pode ser auscultado um sopro


diastólico de hiperfluxo.
A radiografia de tórax revela cardiomegalia às custas do aumento
das câmaras direitas. A trama vascular pulmonar pode estar aumentada na dependência do
grau de desvio de sangue da esquerda para a direita.

Figura 3 - Raio-X de tórax de uma criança de 4 anos de idade com comunicação interatrial

Ao eletrocardiograma, pode-se detectar sobrecarga de volume das


câmaras direitas. Distúrbios de condução átrio-ventricular e de ramo direito, extra-sístoles,
fibrilação ou flutter atrial podem estar presentes na CIA de grande magnitude, principalmente
na terceira ou quarta décadas de vida.

Figura 4 - Eletrocardiograma
CARDIOLOGIA - 144

O ecocardiograma confirma o diagnóstico de CIA mostrando o grau


de dilatação das câmaras direitas, o local e diâmetro da CIA, bem como o grau do fluxo
pulmonar e a pressão pulmonar média.

Figura 5 - Ecocardiograma bidimensional


(RV = Ventrículo direito; LV = Ventrículo
esquerdo; RA = Átrio direito; LA = Átrio
esquerdo)

O cateterismo cardíaco tem indicação limitada atualmente, estando


reservado para quando há suspeita de drenagem anômala ou para o estudo de coronárias.
O tratamento cirúrgico de todas as cardiopatias congênitas
acianóticas depende basicamente das suas manifestações clínicas. Ou seja, se a sintomatologia
for severa, o tratamento deve ser precoce.
Na comunicação interatrial, via de regra, o paciente é operado de
forma eletiva porque ela raramente produz sintomatologia. A idade preconizada seria a faixa
etária pré-escolar, no entanto, dependendo do grau de repercussão hemodinâmica, ela pode ser
realizada mais precocemente.
O defeito é fechado geralmente com um patch de pericárdio bovino
ou de material prostético.

Figura 6 - Tratamento cirúrgico da CIA


CARDIOLOGIA - 145

Comunicação interventricular

É a cardiopatia congênita mais comum na infância,


excluindo-se a valva aórtica bicúspide. Pode ser
encontrada como defeito isolado ou em associação a
outros tipos de lesões cardíacas, como a tetralogia de
Fallot, coartação da aorta e outras.
A comunicação interventricular (CIV), cuja
abertura é geralmente única e localizada ao nível da
porção membranosa do septo interventricular, é muito
semelhante a comunicação interatrial.
Porém, devido ao gradiente pressórico entre os
ventrículos ser bem maior do que entre os átrios, suas
conseqüências fisiopatológicas são mais rápidas, mais
graves e, conseqüentemente, mais precoces do que as da
comunicação interatrial.
Então, na CIV, nós vamos ter uma passagem muito
grande de sangue do ventrículo esquerdo para o direito, o
que vai causar, além da dilatação cavitária, também
Figura 7 - Comunicação presente na CIA, uma hipertrofia ventricular direita,
interventricular tendendo a haver equalização pressórica entre os dois
ventrículos.
Clinicamente, a sintomatologia da comunicação interventricular
depende do tamanho do defeito. Os portadores de pequenas comunicações podem ser
assintomáticos, enquanto que outros com maior desvio de sangue apresentam dispnéia,
quadros de broncoespasmo, broncopneumonias de repetição, déficit pôndero-estatural e
insuficiência cardíaca congestiva.
Ao exame físico, é difícil se fazer o diagnóstico da comunicação
interventricular.
Na ausculta, o componente pulmonar da segunda bulha
geralmente está hiperfonético, e pode-se auscultar um sopro holosistólico ao nível do terceiro
espaço intercostal esquerdo, que se irradia em barra para a região contralateral do tórax.
Quanto menor a CIV, mais intenso é o sopro.

O eletrocardiograma não tem


muito valor diagnóstico. Ele pode
apresentar morfologia normal ou
discreta sobrecarga ventricular
esquerda nas comunicações de
pequena magnitude; sobrecarga
biventricular nas moderadas e de
maior diâmetro; bem como
predomínio de sobrecarga
ventricular direita nos lactentes.

Figura 8 - Eletrocardiograma de uma


criança de 7 anos de idade com CIV
CARDIOLOGIA - 146

Na radiografia, pode-se observar cardiomegalia e uma


redistribuição da circulação pulmonar.

Figura 9 - Raio-X de um paciente de 3 anos de idade com uma CIV de tamanho moderado

O ecocardiograma confirma o
diagnóstico clínico e oferece informações
sobre a localização e o diâmetro da CIV,
além de avaliar o grau de hiperfluxo
pulmonar.
Após o diagnóstico, o tratamento
consiste na profilaxia da endocardite
infecciosa, medidas anticongestivas, se
presentes, e correção cirúrgica.
O tratamento cirúrgico da CIV, devido
a rapidez com que se desenvolvem suas
manifestações clínicas, deve ser feito
precocemente, em geral nos primeiros dois
anos de vida.
Figura 10 - Ecocardiograma bidimensional Quando a CIV é de pequeno diâmetro
demonstrando CIV (seta) (RV = Ventrículo direito;
e sem repercussão hemodinâmica, a conduta
LV = Ventrículo esquerdo)
é conservadora pois sabe-se que pode haver
fechamento espontâneo da lesão, geralmente no primeiro ano de vida. Alguns casos,
entretanto, podem ter resolução apenas na idade escolar ou, excepcionalmente, na
adolescência.
CARDIOLOGIA - 147

Persistência do canal arterial

Habitualmente, o fechamento do canal arterial ocorre nas


primeiras 12 horas após o nascimento, influenciado pelo aumento de saturação de oxigênio no
sangue, ocorrendo a oclusão anatômica entre a segunda e terceira semanas de vida.
Sua persistência é freqüente em populações que habitam regiões
de grandes altitudes devido à baixa pressão parcial de oxigênio, bem como em recém-
nascidos prematuros, podendo também estar associadas às síndromes clínicas como a rubéola
congênita.

Figura 11 - Persistência do canal arterial

A persistência do canal arterial (PCA) pode apresentar-se como


anomalia isolada ou associada a outras malformações intracardíacas, constituindo muitas
vezes parte integrante e fundamental da cardiopatia.
Ela geralmente se localiza ao nível da bifurcação da artéria
pulmonar e da porção distal ao local de emissão da artéria subclávia esquerda, na aorta.
Clinicamente, nos casos onde o ducto é pequeno, a criança pode
ser assintomática. Porém, quando o ducto é grande, a insuficiência cardíaca congestiva é mais
freqüente, podendo também ser notados quadros de broncopneumonias de repetição, déficit
pôndero-estatural e infecções respiratórias recidivantes.
Ao exame físico, nos portadores de canal arterial pequeno, o
precórdio não apresenta alterações visíveis e os pulsos periféricos têm características normais
à palpação. Os casos com grande desvio de sangue esquerda-direita cursam em geral com
hipertensão pulmonar, levando ao abaulamento precordial. Os pulsos periféricos podem ser
amplos devido a diminuição da pressão diastólica da aorta.
Na ausculta, o componente pulmonar da segunda bulha
geralmente está hiperfonético na presença de hipertensão, e pode-se auscultar um sopro
patognomônico da PCA, que ocorre de maneira contínua, tanto na sístole quanto na diástole,
devido a diferença sempre positiva de pressão entre a aorta e o tronco arterial, que é
denominado de sopro sisto-diastólico ou sopro de Gibson. Também, como a intensidade desse
sopro sofre oscilações entre a sístole e a diástole, ele pode ser denominado de sopro em
locomotiva. O melhor local para a ausculta desse sopro é a região infra-clavicular esquerda.
CARDIOLOGIA - 148

Os achados radiográficos variam desde silhueta cardíaca normal


até aumento de câmaras esquerdas, da vascularização pulmonar e da aorta ascendente.

Figura 12 - Raio-X de tórax de um lactente de 1 mês de idade com PCA

No eletrocardiograma, observam-se aspectos similares aos


encontrados na CIV.

Figura 13 - Eletrocardiograma
CARDIOLOGIA - 149

O ecocardiograma tem grande importância, desde que


confirmado o diagnóstico clínico do defeito. Tendo o seu aval, o cateterismo cardíaco torna-se
dispensável na maioria dos casos.

Figura 14 - Ecocardiograma bidimensional, à esquerda, e cateterismo, à direita, de um


paciente com persistência de canal arterial (MPA = Tronco pulmonar; RPA = Artéria
pulmonar direita)

O tratamento consiste basicamente no controle da insuficiência


cardíaca e no oportuno fechamento do canal arterial.
A época da cirurgia dependerá da evolução clínica. Em crianças
assintomáticas, a correção está indicada nos primeiros seis meses de vida.
Quando o diagnóstico da persistência do canal arterial é feito no
recém-nascido, antes do tratamento cirúrgico, pode-se tentar o fechamento da PCA com a
utilização de indometacina, que inibe a ação das prostaglandinas.
Em algumas situações, quando é vantajosa a manutenção do
canal arterial aberto, faz-se o uso de prostaglandinas, como nos casos de síndrome de
hipoplasia do coração esquerdo e atresia pulmonar.

Estenose pulmonar

A estenose pulmonar (EP) caracteriza-se pela obstrução da via de saída do


ventrículo direito.
Denomina-se estenose pulmonar valvar quando o defeito localiza-se ao
nível da valva pulmonar; estenose pulmonar infundibular quando a estenose ocorre ao nível
do infundíbulo; e estenose pulmonar supravalvar quando localiza-se acima do nível do anel no
tronco pulmonar.
O mecanismo fisiopatológico da estenose pulmonar é o oposto do que
ocorre na CIA, na CIV e na PCA, ou seja, um baixo fluxo pulmonar.
Dependendo da intensidade dessa obstrução nós podemos ter uma falência
do ventrículo direito, mas geralmente há uma adaptação do coração com hipertrofia de
ventrículo direito já na vida embrionária, seguindo o recém-nato por muito tempo
assintomático.
As lesões acentuadas podem apresentar-se por dispnéia, fatigabilidade,
precordialgia e lipotimia aos esforços físicos, além de disritmias quando a disfunção
CARDIOLOGIA - 150

miocárdica ventricular direita for grande. A cianose periférica, insuficiência cardíaca direita e
mesmo morte súbita podem ocorrer durante a evolução.
Ao exame físico pode-se observar um abaulamento da caixa torácica
proporcionado pelo ventrículo direito hipertrofiado. Na ausculta, pode-se detectar um sopro
sistólico que se intensifica com a manobra de apnéia pós-inspiratória. O componente
pulmonar da segunda bulha pode estar hipofonético.
A estenose pulmonar valvar pode apresentar um estalido proto-sistólico na
área pulmonar, correspondente ao clique de abertura desta valva.
O eletrocardiograma pode evidenciar uma sobrecarga de ventrículo direito
através do desvio do eixo do complexo QRS para a direita.

Figura 15 - Eletrocardiograma de uma criança de 7 anos de


idade com EP

Na radiografia de tórax, pode-


se observar dilatação do tronco pulmonar. Nas
estenoses críticas, a trama vascular pulmonar
está diminuída.

Figura 16 - Radiografia de um paciente com


estenose pulmonar evidenciando dilatação do tronco
pulmonar (setas)

O ecocardiograma e a
angiografia permitem análise dos detalhes anatômicos e dos tipos de obstrução.
CARDIOLOGIA - 151

A B C
Figura 17 - A – Ecocardiografia bidimensional de um paciente com estenose pulmonar grave
evidenciando espessamento valvar (seta); B – Angiografia de uma EP valvar típica; C – Angiografia
demonstrando EP grave (setas branca e preta) à nível infundibular. A valva pulmonar (seta preta longa)
está levemente espessada (RV = Ventrículo direito; Ao = Aorta; L = Artéria pulmonar esquerda; R =
Artéria pulmonar direita; MPA = Tronco pulmonar)

O tratamento da estenose pulmonar consiste na dilatação da via de saída


ventricular direita, que pode ser feito através da valvoplastia pulmonar ou intervenção
cirúrgica.

Estenose aórtica

A estenose aórtica (EAo) não tem conseqüências na circulação pulmonar, ao


contrário das cardiopatias congênitas anteriores, e, muitas vezes, não tem conseqüência
clínica alguma.
A obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo pode ter origem
supravalvar ou subvalvar, mas geralmente é de origem valvar, podendo ser unicúspide,
bicúspide ou tricúspide.
Caso haja adaptação, com hipertrofia do ventrículo esquerdo, o paciente só
raramente vai apresentar sintomatologia como, por exemplo, um desconforto precordial
causado pela insuficiência coronariana funcional, tontura, síncope e dispnéia. Todavia, a
morte súbita pode ser a sua primeira manifestação.
Ao exame físico, a análise dos pulsos mostra uma diminuição de amplitude
e um aumento na sua duração (pulso parvus et tardus).
Pode-se auscultar um sopro sistólico que se irradia para a fúrcula esternal e
para o pescoço. O achado de estalido proto-sistólico é mais freqüente nas estenoses valvares.
Na radiografia de tórax, a silhueta cardíaca geralmente está normal.
O eletrocardiograma vai nos mostrar uma sobrecarga de ventrículo esquerdo
com alterações da repolarização ventricular.
O ecocardiograma revela válvulas espessadas e pouco móveis, com aumento
da espessura da parede ventricular, além de estimar o gradiente de pressão entre a câmara
ventricular esquerda e a aorta.
CARDIOLOGIA - 152

C
Figura 18 - Ecocardiograma
bidimensional evidenciando:
A – Estenose aórtica valvar
(setas); B – Estenose aórtica
B supravalvar (setas); C – Estenose
a
aórtica subvalvar (setas) (RV = Ventrículo direito; LV = Ventrículo
A
esquerdo; Ao = Aorta; LA = Átrio esquerdo; VS = Septo a
interventricular; PW = Parede ventricular posterior; amv = Folheto valvar anterior; av = Valva aórtica)

A angiografia fornece detalhes anatômicos das várias formas de obstrução.


O tratamento definitivo da estenose aórtica é sempre cirúrgico. A indicação
cirúrgica baseia-se na presença de sintomas, sinais de sobrecarga ventricular esquerda e
gradiente de pressão entre ventrículo esquerdo e aorta maior que 50 mmHg.

Coartação da aorta

A coartação da aorta (CoAo) é um estreitamento cuja localização mais


comum é logo em seguida a emergência da artéria subclávia esquerda.

Figura 19 - Coartação da aorta

O quadro fisiopatológico depende do grau de obstrução e da magnitude da


circulação colateral que se desenvolve entre os territórios pré e pós-coartação, resultando
desde crianças ou adolescentes sem qualquer sintoma até manifestação de insuficiência
cardíaca congestiva observada na maioria das vezes nos lactentes.
As crianças portadoras de coartação de aorta apresentam como
característica básica quadro de hipertensão arterial no território pré-coartação. Os sintomas
mais freqüentes são tonturas, cefaléia, palpitações, dispnéia, angina pectoris e fatigabilidade
em membros inferiores.
CARDIOLOGIA - 153

Em recém-natos, é uma das causas mais comuns de insuficiência cardíaca


congestiva, que se instala geralmente após as duas primeiras semanas de vida, decorrente da
acentuada obstrução, falta de boa circulação colateral e do fechamento do canal arterial.
O diagnóstico é essencialmente clínico, através da detecção de um pulso
parvus nos membros inferiores e magnus nos membros superiores; pressões baixas ou
ausentes nos membros inferiores e pressões elevadas nos membros superiores; e um
crescimento muscular fora de proporções entre as extremidades inferiores e superiores.
Na semiologia cardiovascular, pode-se auscultar um sopro
mesotelessistólico que é melhor percebido na ausculta do dorso.
Em lactentes, até os três meses de vida pode-se observa no
eletrocardiograma padrão morfológico de sobrecarga ventricular direita com alterações de
repolarização ventricular. Em crianças maiores o achado morfológico mais freqüente é de
sobrecarga ventricular esquerda. A sobrecarga biventricular como forma de transição é
registrada depois dos primeiros meses de vida.

Figura 20 - Eletrocardiograma de uma menina de 8 anos de idade com CoAo

Os sinais encontrados na radiografia de tórax variam desde uma área


cardíaca normal até uma cardiomegalia. Na presença de grande desenvolvimento das artérias
intercostais (circulação colateral), aparecem sinais de corrosão na borda inferior das costelas
(sinal de Roesler), indicando coartação acentuada.
CARDIOLOGIA - 154

A C

Figura 21 - A – Raio-X de uma mulher de 23 anos de idade com CoAo evidenciando sinal de Roesler
(setas); B – Desenho esquemático dos sinais de corrosão nas bordas inferiores das costelas; C – Detalhe do
Raio-X de uma mulher de 54 anos (LSA = Artéria subclávia esquerda; COARC = Coartação da aorta;
DA = Aorta descendente; Ao = Aorta)

O estudo ecocardiográfico confirma o diagnóstico clínico e fornece


informações a respeito da valva aórtica e da morfologia das câmaras cardíacas esquerdas.
Em muitos centros, preconiza-se o estudo angiográfico, pois fornece
detalhes anatômicos do nível da coartação, importantes no momento da abordagem cirúrgica.

Figura 22 - Ecocardiograma e angiografia, respectivamente, demonstrando uma área de estreitamento


aórtico logo após a emissão da artéria subclávia esquerda (Ao = Aorta; P = Artéria pulmonar direita)
CARDIOLOGIA - 155

O tratamento cirúrgico é realizado entre dois a três anos de idade. No


entanto, ele pode ser indicado em recém-natos quando a insuficiência cardíaca torna-se
refratária ao tratamento clínico.
CARDIOLOGIA - 156

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Cardiopatias congênitas cianóticas

Introdução

As cardiopatias congênitas cianóticas são aquelas que apresentam a cianose como


sua expressão clínica mais evidente.
A cianose é a coloração azulada, plúmbea ou quase negra da pele, extremidades
dos membros, conjuntivas e mucosas. Ela tende a ser universal quanto maior for o seu grau, e
mais intensa quanto mais vascularizado e transparente for o local observado. Por isso, ela é
mais evidente no leito ungueal, mucosas, lábios, língua e conjuntivas oculares.

Figura 1 - Cianose

Classificação

As cardiopatias congênitas cianóticas podem ser classificadas em:

 Cardiopatias com hipofluxo pulmonar


 Tetralogia ou tétrade de Fallot
 Atresia tricúspide
 Anomalia de Ebstein

 Cardiopatias com hiperfluxo pulmonar


 Transposição completa dos grandes vasos
 Drenagem anômala total das veias pulmonares
 Ventrículo único

 Cardiopatias com fluxo pulmonar normal


CARDIOLOGIA - 157

Neste capítulo, vamos abordar duas importantes cardiopatias, a tetralogia de


Fallot e a transposição completa dos grandes vasos da base. Sob o ponto-de-vista
embriológico, essas duas entidades estão relacionadas à gênese da septação troncoconal,
estrutura que dá origem à aorta e ao tronco pulmonar.

Tetralogia de Fallot

Na tetralogia de Fallot, a septação helicoidal troncoconal ocorre


desproporcionalmente, fornecendo à aorta uma proporção maior desta estrutura do que ao
tronco pulmonar.
Esquematicamente, a septação helicoidal troncoconal ocorre da seguinte
maneira:

Figura 2 - Septação helicoidal troncoconal

Essa desproporção troncoconal resulta em um coração anômalo, com as


seguintes características:
1. Estenose pulmonar infundibular Também pode ser valvar ou mista
2. Dextroposição da aorta  Que avança para a direita, cavalgando sobre
o septo interventricular
3. Comunicação interventricular
4. Hipertrofia do ventrículo direito

Figura 3 - Tetralogia de Fallot


CARDIOLOGIA - 158

A estenose pulmonar, existente na tetralogia de Fallot, resulta em uma


hipertrofia compensatória da musculatura ventricular direita na tentativa de manter um fluxo
pulmonar normal.
Contudo, essa hipertrofia compensatória, que também ocorre na
musculatura infundibular pulmonar, aumenta ainda mais o grau de estenose, causando um
aumento muito grande de pressão no ventrículo direito.
A partir do momento que a pressão ventricular direita ultrapassa a
pressão ventricular esquerda, o sangue desoxigenado daquele ventrículo acaba passando pela
comunicação interventricular existente e termina por ser ejetado pela aorta para a circulação
sistêmica, manifestando a cianose.
Como conseqüência, tem-se hipofluxo pulmonar e desenvolvimento de
circulação colateral para os pulmões.
Desta forma, a criança com tetralogia de Fallot geralmente nasce
acianótica e, nos primeiros meses de vida, tem apenas algumas crises de cianose associadas ao
espasmo do infundíbulo pulmonar.
Porém, ao redor do sexto mês de vida, quando a pressão ventricular
direita ultrapassa a esquerda, ela começa a manifestar uma cianose que no início é muito
discreta, sendo observada apenas ao redor dos lábios e nas extremidades, mas que vai se
agravando com o decorrer do tempo e, ao final de um ano, torna-se universal. A cianose será
tanto maior e tanto mais precoce quanto maior for a severidade da estenose pulmonar e menor
for a circulação colateral do pulmão.
Além da cianose, outros sinais e sintomas que podem ser observados em
um paciente com tetralogia de Fallot são:
 Dispnéia aos esforços
 Posição em prece maometana

Figura 4

 Osteoartropatia digital Baqueteamento digital


 Distúrbio de desenvolvimento
 Cabelos quebradiços
 Cílios longos
CARDIOLOGIA - 159

Figura 5 - Sinais da tetralogia de Fallot

Na ausculta cardíaca, pode-se identificar um sopro muito semelhante ao


da estenose pulmonar clássica, ou seja, um sopro meso-sistólico ejetivo, com a diferença que,
na estenose pulmonar, a segunda bulha apresenta-se hipofonética e desdobrada e, na tetralogia
de Fallot, a segunda bulha é única e hiperfonética.
Uma complicação que pode ocorrer em decorrência da cianose é a
policitemia, que age no início como um mecanismo compensatório mas que, cronicamente,
pode levar a um aumento da densidade sangüínea e facilitar a instalação de embolia e
abscessos cerebrais.
O diagnóstico da tetralogia de Fallot vai ser feito em função do seu
quadro clínico e do seu exame físico.

Dentre os exames
complementares, a radiografia de tórax mostra
um coração em forma de “tamanco holandês” ou,
como alguns autores preferem, em forma de
“sabonete”.

Figura 6 - Raio-X de tórax em PA de um menino de


3 anos de idade com tetralogia de Fallot

O eletrocardiograma
evidencia uma sobrecarga de ventrículo
direito sem sobrecarga atrial.
CARDIOLOGIA - 160

Figura 7 - Eletrocardiograma

O ecocardiograma nos mostra quase todas as alterações da tetralogia de


Fallot e, desta forma, fornece o diagnóstico definitivo.

Figura 8 - Ecocardiograma unidimensional

Terapeuticamente, quando o diagnóstico da tetralogia de Fallot é feito no


recém-nascido, pode-se tentar o tratamento clínico com prostaglandinas para manter aberto o
canal arterial e fazer com que o sangue desoxigenado que pode vir a sair pela aorta vá ser
oxigenado nos pulmões.
Quando essa medida for inexeqüível, pode-se fazer uma anastomose
entre a artéria subclávia direita e a pulmonar direita, com o risco de hipoplasia ou necrose do
membro superior direito em cerca de 5% dos casos.
Na cirurgia definitiva, faz-se o fechamento da comunicação
interventricular, a correção da dextroposição da aorta, a ampliação da estenose pulmonar e a
correção da hipertrofia ventricular direita. Nessas circunstâncias, há uma mortalidade técnica
de 5% dos casos e cerca de 8% dos pacientes, em algum momento da vida, vão necessitar de
CARDIOLOGIA - 161

uma reoperação, provavelmente devido a uma estenose residual pulmonar ou por uma lesão
da valva pulmonar.

Transposição dos grandes vasos da base

A transposição dos grandes vasos da base também é


um erro da gênese da septação helicoidal troncoconal.
Nesta patologia, porém, a septação ocorre
corretamente. O defeito está na torção do troncocone, que não se procede, resultando na
justaposição paralela e num único plano dos vasos da base.

Figura 9 - Septação helicoidal troncoconal

Assim, com essa transposição dos grandes vasos,


a aorta origina-se no ventrículo direito e o tronco
pulmonar no ventrículo esquerdo.
Como resultado, o sangue venoso que retorna
pelas veias cavas para o átrio direito entra no ventrículo
direito e, daí, é ejetado diretamente na aorta.
Por outro lado, o sangue oxigenado que retorna
dos pulmões através das veias pulmonares para o átrio
esquerdo entra no ventrículo esquerdo e é, então,
ejetado através do tronco pulmonar novamente para os
pulmões.
Ou seja, na transposição dos grandes vasos da
base existem duas circulações distintas que,
Figura 10 - Transposição dos grandes obviamente, são incompatíveis com a vida.
vasos da base Desta forma, para o recém-nascido sobreviver, é
necessária uma comunicação entre as circulações
sistêmica e pulmonar, que tanto pode ser provida por uma comunicação interatrial, uma
comunicação interventricular ou um canal arterial.
Contudo, como essas estruturas tendem a se fechar
no período perinatal, essas crianças morrem logo nos primeiros dias de vida se não forem
tratadas adequadamente.
CARDIOLOGIA - 162

Fisiopatologicamente, a primeira conseqüência da


circulação paralela e distinta existente na transposição dos grandes vasos é a anóxia, causada
pela incapacidade do transporte de oxigênio dos pulmões para os tecidos do corpo.
Também, o fato das artérias coronárias serem
alimentadas com sangue não-oxigenado resulta em isquemia miocárdica e produz uma
insuficiência cardíaca grave e rapidamente progressiva.
Dentre as comunicações circulatórias que podem
existir, a comunicação interventricular é a melhor, tanto que pacientes como septo
interventricular intacto que dependem somente de uma comunicação interatrial têm uma
sobrevida menor.
Porém, os portadores de um grande defeito septal
ventricular têm um hiperfluxo pulmonar acentuado e desenvolvem alterações vasculares
pulmonares a um ritmo assustador, muitas vezes dentro de poucas semanas.
Assim, ao exame físico nós vamos observar cianose
logo ao nascimento em 90% dos pacientes e alguns sinais de insuficiência cardíaca como
dispnéia, hepatomegalia, etc.
Ainda, geralmente pode ser auscultado um sopro
sistólico, que é variável e não diagnóstico, resultante de qualquer uma das diferentes
comunicações intracardíacas que podem estar presentes.
Quanto aos exames complementares, os achados
demonstram principalmente a hipertrofia do ventrículo direito. O ecocardiograma muitas
vezes é diagnóstico, delineando as grandes artérias transpostas e as comunicações
intracardíacas.

Figura 11 - Ecocardiograma bidimensional de um lactente de 3 meses de idade com transposição


completa dos vasos da base evidenciando a aorta em posição anterior ao tronco pulmonar (a) e a
continuação do ventrículo esquerdo com o tronco pulmonar, identificado pela sua bifurcação em
ramos direito e esquerdo (setas) (b) (Ao = Aorta; PT = Tronco pulmonar; LV = Ventrículo
esquerdo)
CARDIOLOGIA - 163

Ao se planejar o tratamento, a transposição pode ser


classificada em quatro amplos grupos, como se segue:
1. Aqueles que têm uma CIA associada e um septo
interventricular intacto;
2. Aqueles que têm uma CIV associada;
3. Aqueles que têm uma CIV e uma estenose
pulmonar associadas  Estes pacientes têm o
prognóstico mais favorável, pois permitem a
mistura das circulações sistêmica e pulmonar
através do defeito septal ventricular e evitam um
excessivo fluxo sangüíneo pulmonar através da
estenose pulmonar;
4. Aqueles que têm uma transposição complexa 
Ou seja, uma das três formas anteriores em
associação com outros defeitos graves, como uma
coartação da aorta, por exemplo.

Uma das técnicas desenvolvidas para o tratamento


da transposição das grandes artérias foi idealizada por Rashkind, em 1969.

Rashkind era um farmacêutico que teve uma


história angustiante, pois ele teve um filho, portador
da transposição dos grandes vasos da base, que
acabou falecendo. Então, atormentado por tal
infortúnio, matriculou-se no curso de medicina no
intuito de poder ajudar outras crianças que viessem
a nascer com tal enfermidade. Desta forma,
Rashkind veio a desenvolver uma técnica que cria
uma comunicação interatrial através de uma
Figura 12 - À esquerda, Dr. William J.
septostomia por balão.
Rashkind
A maior parte dos recém-nascidos melhora
dramaticamente após a septostomia por balão, de forma que a cirurgia eletiva possa ser feita
aos três meses de idade.
Embora a correção eletiva anteriormente fosse
postergada até um ou dois anos de vida, o desenvolvimento da doença vascular pulmonar
irreversível, em alguns pacientes no primeiro ano, torna preferível uma cirurgia mais precoce
com as técnicas atuais.
A técnica de Mustard consiste em envolver os óstios
das veias pulmonares com um tecido, como o pericárdio bovino por exemplo, e direcionar o
seu fluxo em direção a valva tricúspide. Ao mesmo tempo, faz-se com que o sangue que
chega pelas veia cavas vá em direção a valva mitral, corrigindo o defeito circulatório da
transposição das grandes artérias.
CARDIOLOGIA - 164

Figura 13 - Técnica de Mustard para correção da transposição completa dos


vasos da base

Existe também um outro tipo de inversão atrial


denominado técnica de Senning, em que se liga as veias cavas ao átrio esquerdo e as
pulmonares ao direito.
Ambos os procedimentos tem tido excelentes
resultados no tratamento da transposição das grandes artérias.

Ainda, outra técnica


relatada pela primeira vez com sucesso pelo brasileiro Adib
Jatene, denominada técnica de “switch” ou de “troca” das
artérias, consiste em inverter a posição da aorta e da
pulmonar e, na seqüência, fazer um implante das coronárias
na nova posição da artéria aorta.
Contudo, para haver
um bom resultado a longo prazo, a correção anatômica da
transposição dos grandes vasos pela técnica de Jatene deve
ser realizada até o 15o dia de vida para que o ventrículo
esquerdo não se acostume com o regime de baixa pressão Figura 14 - Dr. Adib D. Jatene
pulmonar.
CARDIOLOGIA - 165

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Miocardiopatia dilatada

Introdução

As miocardiopatias constituem um grupo de doenças sem etiologia conhecida em


que a característica dominante é o acometimento do próprio músculo cardíaco.
A miocardiopatia dilatada caracteriza-se por dilatação dos ventrículos esquerdo,
direito ou ambos, com disfunção sistólica e, freqüentemente, hipertrofia miocárdica associada.
Para se fazer o diagnóstico da miocardiopatia dilatada, devemos sempre afastar
outras etiologias que podem levar à dilatação como, por exemplo, cardiopatia chagásica,
hipertensão arterial sistêmica, insuficiência coronariana, valvopatias e doenças congênitas.
Algumas etiologias específicas de miocardiopatias, como alcoólica, periparto,
familiar, por antraciclina e miocardite linfocitária ativa, também devem ser afastadas.
Não existem alterações histológicas específicas na miocardiopatia dilatada, mas
alguns achados incluem fibrose intersticial e perivascular, principalmente na região
subendocárdica do ventrículo esquerdo, hipertrofia e atrofia de miócitos.

Figura 1 - Microscopia demonstrando hipertrofia muscular moderada associada à fibrose intersticial em


coloração por hematoxilina-eosina (a esquerda) e tricrômio de Mallory (a direita)

A miocardiopatia dilatada é uma importante causa de insuficiência cardíaca


congestiva e acomete com freqüência pacientes jovens, em fase produtiva da vida.
A utilização de novas drogas tem aumentado a sobrevida desses pacientes, porém,
mesmo com esses avanços terapêuticos o prognóstico permanece pobre. Procedimentos
cirúrgicos como a cardiomioplastia e o transplante cardíaco têm mostrado resultados
satisfatórios, aliviando os sintomas e aumentando a sobrevida desses pacientes.

Epidemiologia

Embora pacientes de qualquer idade, sexo e raça possam ser acometidos pela
miocardiopatia dilatada, a doença é mais freqüente em pacientes de meia-idade, sexo
masculino e raça negra.
CARDIOLOGIA - 166

Etiologia

Ainda não se conhece a causa das miocardiopatias dilatadas.


A possibilidade de fatores genéticos determinarem a patogênese desta entidade
permanece ainda controversa. Todavia, devido a possibilidade da miocardiopatia dilatada ter
caráter familiar, os parentes de primeiro grau também devem ser avaliados quando se faz esse
diagnóstico.
Alguns mecanismos auto-imunes podem estar envolvidos na patogênese da
miocardiopatia dilatada. Apesar das evidências de alguns estudos a favor da participação da
auto-imunidade na gênese do processo, ainda há controvérsias.

Manifestações clínicas

A miocardiopatia dilatada caracteriza-se por apresentar dilatação dos


ventrículos.
Os sinais e sintomas são decorrentes da insuficiência cardíaca direita e
esquerda. Alguns pacientes podem permanecer assintomáticos ou oligossintomáticos durante
alguns meses ou até anos; outros podem desenvolver manifestações clínicas de insuficiência
cardíaca lentamente, com evolução de alguns anos; alguns desenvolvem sinais e sintomas
rápida e progressivamente; e, ainda, existem alguns pacientes que desenvolvem insuficiência
cardíaca agudamente.
Os sinais encontrados no exame físico dos pacientes com
miocardiopatia dilatada são semelhantes aos observados na insuficiência cardíaca de outras
etiologias.
Os sintomas mais importantes e mais freqüentes são aqueles
relacionados à insuficiência ventricular esquerda, principalmente a dispnéia aos esforços. A
insuficiência ventricular direita geralmente manifesta-se mais tardiamente.
A fibrose intersticial miocárdica, achado comum na miocardiopatia
dilatada, predispõe a arritmias cardíacas variadas, principalmente extra-sístoles ventriculares e
taquicardias ventriculares, sustentadas ou não. A associação entre essas arritmias e a
disfunção ventricular esquerda aumenta o risco de morte súbita nesses pacientes.
A miocardiopatia dilatada também predispõe à formação de trombos
intracavitários e fenômenos embólicos.

Figura 2 - Presença de trombo em paciente


com miocardiopatia dilatada
CARDIOLOGIA - 167

Métodos diagnósticos

Alguns exames complementares não invasivos e invasivos devem ser


realizados para o diagnóstico e a avaliação da miocardiopatia dilatada.
As principais alterações eletrocardiográficas encontradas são a
fibrilação atrial, desvio do eixo QRS para a esquerda, sobrecargas atriais e ventriculares
esquerda, aumento do intervalo PR, bloqueio completo do ramo esquerdo, baixa voltagem dos
complexos QRS, alterações inespecíficas de ST e T e extra-sístoles ventriculares complexas.
O Holter freqüentemente detecta arritmias ventriculares e cerca de 50% dos pacientes
apresentam taquicardia ventricular.
A radiografia de tórax geralmente revela cardiomegalia global de
intensidade variada. A insuficiência ventricular esquerda pode resultar em congestão
venocapilar pulmonar com redistribuição do fluxo pulmonar, edema intersticial ou até mesmo
edema alveolar. Também pode ocorrer derrame pleural.

Figura 3 - Raio-X de tórax em PA e perfil

A ecocardiografia permite avaliar o grau


de disfunção ventricular esquerda, as
dimensões das cavidades, o espessamento da
parede ventricular e a presença ou não de
trombo intracavitário. Ela também é útil para
afastar doenças valvares, pericardiopatias,
miocardiopatia hipertrófica e restritiva, etc. A
regurgitação mitral ou tricúspide secundária a
miocardiopatia dilatada pode ser detectada
pelo Doppler.

Figura 4 - Ecocardiograma demonstrando


miocardiopatia dilatada (VE = Ventrículo
esquerdo; Vao = Valva Aórtica; VM = Valva
mitral; AE = Átrio Esquerdo)
CARDIOLOGIA - 168

A ventriculografia radioisotópica demonstra redução da fração de


ejeção de ambos os ventrículos com resultados mais fidedignos do que a ecocardiografia.

Figura 5 - Ventriculografia radioisotópica de uma cardiomiopatia dilatada na diástole e na


sístole, respectivamente. Há um aumento ventricular esquerdo característico (setas) com
mínimas alterações do volume ventricular entre a diástole e a sístole, indicando uma fração de
ejeção muito baixa.

A biópsia endomiocárdica do ventrículo direito é um exame


complementar invasivo importante na avaliação da miocardiopatia dilatada, pois apesar de
suas alterações histológicas serem inespecíficas, ela pode excluir algumas causas secundárias
de miocardiopatia.
O cateterismo esquerdo demonstra elevação da pressão diastólica final
dos ventrículos, capilares pulmonares e átrios. Observa-se hipocinesia difusa com ou sem
insuficiências átrio-ventriculares. O cateterismo direito pode também determinar o débito
cardíaco. A cinecoronariografia é importante e é realizada para afastar a possibilidade de
doença coronária obstrutiva.
O estudo eletrofisiológico é um exame invasivo que pode ser utilizado
na avaliação dos pacientes com taquiarritmias ventriculares para avaliar a eficácia terapêutica
dos antiarrítmicos ou para estimulação eletrofisiológica na tentativa de indução de arritmias.
Dentre os exames complementares, o Holter é o exame mais importante
para a investigação das taquiarritmias presentes na miocardiopatia dilatada, tanto para
avaliação da eficácia terapêutica de drogas antiarrítmicas como para avaliação prognóstica.

Tratamento

Como a miocardiopatia dilatada não tem etiologia definida, ela não apresenta
tratamento específico.
A terapêutica convencional para a insuficiência cardíaca congestiva com dieta
hipossódica, cardiotônicos e diuréticos freqüentemente provoca alívio dos sintomas,
principalmente aqueles relacionados à congestão venocapilar.
CARDIOLOGIA - 169

A utilização de vasodilatadores e inibidores da ECA também é importante pois


melhora os sinais e sintomas, a qualidade de vida, aumenta a tolerância do exercício, reduz o
número de internações hospitalares e, fundamentalmente, aumenta a sobrevida dos pacientes.
Alguns autores preconizam o uso de anticoagulante oral para prevenção de
embolia pulmonar ou sistêmica, a menos que haja contra-indicação. Todavia, em países
subdesenvolvidos, a decisão de usar anticoagulante oral profilático na miocardiopatia dilatada
deve ser bastante criteriosa devido ao baixo nível sociocultural da maioria dos pacientes.
Conforme sabemos, este tipo de medicamento necessita de controle rigoroso e periódico do
coagulograma, pois pode acarretar acidentes hemorrágicos importantes. Desta forma, no
nosso meio, a anticoagulação profilática deve ser restrita aos pacientes de alto risco.
As arritmias ventriculares são freqüentes na miocardiopatia dilatada e a sua
ocorrência aumenta o risco de morte súbita. Por este motivo, pode-se empregar o uso de
antiarrítmicos como a amiodarona, principalmente nas taquiarritmias ventriculares
sintomáticas. O implante de desfibrilador interno também é útil.
O tratamento cirúrgico da miocardiopatia dilatada inclui o transplante cardíaco, a
cardiomioplastia e a ventriculectomia.
CARDIOLOGIA - 170

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Cardiologia
Miocardiopatia hipertrófica

Introdução

Figura 1 - Miocardiopatia hipertrófica

O termo miocardiopatia hipertrófica


designa afecção miocárdica de etiologia
desconhecida, e provável transmissão genética,
caracterizada anatômica e histologicamente por
hipertrofia miocárdica e desarranjo miofibrilar
típico e, funcionalmente, por dificuldade de
enchimento da câmara ventricular acometida e
hipercontratilidade miocárdica, com elevada
fração de ejeção.
Sob este conceito, abriga-se um leque
de variedades anatômicas e de formas evolutivas, Figura 2 - Aspecto histológico
com quadros clínico e hemodinâmico
semelhantes, porém com diagnósticos distintos. Discute-se, ainda hoje, se tais variedades
constituem nuanças de uma mesma doença ou se, ao contrário, trata-se de doenças distintas
que apresentam similitudes anatômicas e funcionais.

Classificação

Conforme a homogeneidade ou não da distribuição topográfica da hipertrofia, ou


ainda, sua localização predominante em um ou outro sítio da cavidade ventricular, pode-se
classificar a miocardiopatia hipertrófica em:
 Simétrica
CARDIOLOGIA - 171

 Assimétrica
 Septal
 Médio-ventricular
 Apical
 Póstero-septal e/ou ântero-lateral

 Ventrículo direito

Etiopatogenia

Embora a etiologia da miocardiopatia hipertrófica seja desconhecida, é bem


estabelecida a importante participação da transmissão genética, identificada em até metade
dos casos.
É ainda um ponto em aberto se o elevado percentual das formas ditas
esporádicas corresponde à real ausência do componente genético ou, tão somente, à
insuficiência e/ou deficiência na sua detecção.
O reconhecimento da transmissão genética, no entanto, não elucida a patogenia
e nada explica quanto a duas importantes características da doença, a hipertrofia e o
desarranjo miofibrilar.
Inúmeras foram as hipóteses já aventadas para explicar a sua causa e o fato de
serem tantas é a evidência maior de que nenhuma delas é satisfatória.

Fisiopatologia

O aumento da massa cardíaca na miocardiopatia hipertrófica pode levar a uma


obliteração da cavidade e um conseqüente gradiente de pressão intraventricular, cujo
componente subaórtico é o mais importante.

O gradiente suba-
órtico obstrutivo ocorre devido ao
estreitamento na via de saída do
ventrículo esquerdo e causa um
turbilhonamento na corrente de
sangue ejetado. Este turbilho-
namento provoca uma aspiração
anterior do aparelho valvar mitral,
que encosta no septo
interventricular e obstrui de forma
variável a via de saída ventricular,
ao mesmo tempo que propicia a
ocorrência de regurgitação mitral.
Além disso, a
hipertrofia miocárdica retarda o
relaxamento ventricular na diástole Figura 3 - Fisiopatologia da miocardiopatia hipertrófica (A
e, mais importante, aumenta a = Normal; B = Miocardiopatia hipertrófica)
rigidez da câmara, comprometendo importantemente a função diastólica nos pacientes com
miocardiopatia hipertrófica.
Manifestações clínicas
CARDIOLOGIA - 172

O sintoma mais freqüente da miocardiopatia hipertrófica é a dispnéia de


esforço. Todavia, como este é um sintoma comum a quase todas as cardiopatias, os sintomas
relacionados à insuficiência ventricular anterógrada, como tontura e síncope, são mais
importantes para o diagnóstico.
Ao exame físico, pode-se detectar um sopro meso e telessistólico,
ejetivo, decorrente da obstrução nas vias de saída dos ventrículos esquerdo e/ou direito; um
sopro holossitólico, decorrente da regurgitação mitral; e a presença da quarta bulha cardíaca.
Mais raramente, é possível ouvir-se a terceira bulha, um clique sistólico
aórtico e, surpreendentemente, um sopro diastólico aórtico precoce, principalmente nos
pacientes com hipertensão arterial sistêmica.
Descreve-se, ocasionalmente, a presença de hepatomegalia e edema de
membros inferiores, provavelmente devido a dificuldade de enchimento do ventrículo direito
pela protrusão, no interior desta cavidade, de um septo interventricular excessivamente
hipertrofiado (efeito Barhein).

Exames complementares

O achado eletrocardiográfico mais comum é a hipertrofia ventricular


esquerda. Alguns achados sugestivos de hipertrofia septal incluem ondas Q patológicas em
parede inferior e lateral e ondas R amplas em V1.
O Raio-X de tórax pode mostrar uma área cardíaca aumentada em
metade dos pacientes.
O ecocardiograma é, talvez, o exame mais útil no diagnóstico de
miocardiopatia hipertrófica se considerado o exame completo, isto é, uni e bidimensional com
doppler. Ele permite avaliar o grau de hipertrofia; sua distribuição e a relação entre a
espessura do septo e da parede livre do ventrículo esquerdo; a magnitude do gradiente
pressórico na via de saída dos ventrículos; e a presença e o grau de deslocamento do aparelho
valvar mitral, de grande valia para o diagnóstico.

C D E

Figura 4 - Ecocardiografia bidimensional (A); doppler detectando insuficiência mitral – DF – e jato


sistólico – SJ – típico da obstrução subaórtica (B); e ecocardiografia unidimensional com ventrículo
normal (C); hipertrofia simétrica leve (D); e hipertrofia assimétrica grave (E)
CARDIOLOGIA - 173

A angiografia com radioisótopos é útil para corrobar o diagnóstico


nos casos duvidosos e, também, para avaliar as funções diastólica e sistólica do ventrículo
esquerdo.
A ressonância magnética, ao permitir a visualização e medição das
estruturas cardíacas e a caracterização da textura miocárdica, também pode ser útil no
diagnóstico, particularmente quando o ecocardiograma deixa dúvidas.
O cateterismo caiu em desuso, sendo indicado somente para
avaliação pré-operatória ou quando os exames não-invasivos não permitiram estabelecer com
segurança o diagnóstico.

Tratamento

Os principais objetivos no tratamento de pacientes com miocardiopatia


hipertrófica são:
 Identificar os pacientes com maior risco de morte súbita
 Arritmias atriais ou ventriculares
 Bloqueio cardíaco
 Acentuação aguda no angustiamento da via de saída

 Aliviar os sintomas
 Aumentar a expectativa de vida

Nos pacientes assintomáticos, a preocupação maior deve ser a detecção de


arritmias através do Holter e do teste ergométrico. Não se detectando, em nenhum dos
exames, arritmias supraventriculares ou ventriculares significativas, o paciente assintomático
não necessita de qualquer tratamento. A conduta se limitará a acompanhamentos e exames
periódicos, de 6 em 6 meses.
Nos pacientes sintomáticos, a investigação periódica pelo Holter e pelo teste de
esforço também é obrigatória. Na ausência de arritmias que justifiquem terapêutica,
preconiza-se o emprego de propranolol no alívio dos sintomas. Havendo contra-indicações,
intolerância ou constatando-se a ineficácia da droga, pode-se utilizar verapamil e/ou
disopiramida.
Na presença de arritmias supraventriculares, tanto em pacientes assintomáticos
quanto sintomáticos, a quinidina constitui a droga de primeira escolha, tanto para a reversão
como para prevenção de novos episódios.
No caso de arritmias ventriculares, a terapêutica com antiarrítmicos está indicada
na presença de sintomas ou, mesmo na ausência de sintomatologia, quando configuram
formas repetitivas. Nessas circunstâncias, a amiodarona é a droga de escolha.
O tratamento cirúrgico, via ventriculomiectomia, pode ser realizado nos pacientes
com gradiente pressórico significativo (igual ou superior a 50 mmHg) e naqueles em que o
tratamento clínico mostrou-se ineficaz. A mortalidade operatória é de cerca de 1,6%.

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