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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE TECNOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

LAURA CRISTINA MONTE PALMA PANTOJA

MERCADO DE SÃO BRÁS E SEU ENTORNO

Tramas e sentidos de um lugar

Belém-Pará

2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE TECNOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

LAURA CRISTINA MONTE PALMA PANTOJA

MERCADO DE SÃO BRÁS E SEU ENTORNO

Tramas e sentidos de um lugar

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Arquitetura e Urbanismo,
Mestrado, como requisito para obtenção do título
de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
Área de Concentração: Análise e Concepção do
Espaço Construído na Amazônia
Linha de pesquisa: Historiografia e Cultura
Arquitetônica
Orientadora: Profa. Dra. Celma Chaves Pont
Vidal
Belém-Pará

2014

LAURA CRISTINA MONTE PALMA PANTOJA

Mercado de São Brás e seu entorno: tramas e sentidos de um lugar

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo,


Mestrado, como requisito para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
Área de Concentração: Arquitetura

Aprovada em:______/______/______

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________
Profa. Dra. Celma Chaves Pont Vidal/UFPa.

Orientador

______________________________________________

Prof. Dra. Cybelle Salvador Miranda/UFPa.

Membro da Banca

______________________________________________

Prof.Dr. Fabiano Homobono Paes Andrade/UFPa.

Membro da Banca

______________________________________________

Prof. Dr. Aldrin Moura de Figueiredo/UFPa.

Membro da Banca
Dedico aos meus filhos Ramon, Gabriel e Lucian, seres que Deus me entregou com a
missão de educar e que me ensinaram que a maternidade é uma grande fonte de
energia e amor incondicional.
AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/CAPES, pelo apoio


financeiro, através da concessão da bolsa de estudos, durante um ano e meio, que possibilitou
a dedicação ao Mestrado e a realização deste trabalho.

A minha professora orientadora, Celma Chaves Pont Vidal, por ter me aceitado como
orientanda no Mestrado, por me permitir participar de sua equipe de trabalho, por todos os
ensinamentos transmitidos ao longo deste aprendizado e pela compreensão nos momentos
difíceis.

Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação, pela competência, dedicação e zelo, ao


longo dos ensinamentos.

À bibliotecária Marina Matos Farias, que se mostrou sempre atenciosa e disponível para
atender minha solicitações.

Ao Grande Arquiteto do Universo que me deu a Vida em corpo, mente e espírito, permitindo
usá-los na aquisição do conhecimento.

Ao amigo Pedro Mergulhão, um agradecimento todo especial por ter me mostrado o caminho
da Pós-Graduação e à minha comadre e amiga Carmen Lúcia Leal, a maior incentivadora ao
longo dos meus estudos e pesquisas.

Aos Bolsistas de Iniciação Científica do Laboratório de Histografia e Cultura Arquitetônica,


pela ajuda mais singela, pelos conhecimentos compartilhados e pelos momentos de alegria e
leveza, tão necessários no ambiente de trabalho.
Não se trata de conservar o passado e sim, de realizar suas esperanças.

Theodor Adorno (1903-1969), em Dialética do Esclarecimento


RESUMO

Esta dissertação pretende analisar a constituição da história urbana do entorno edificado do


Mercado de São Brás, em Belém do Pará, no período de 1950 a 1970, uma construção eclética
que remonta ao final do ciclo da borracha na Amazônia e da gestão do Intendente Antonio
Lemos. O mercado é um monumento pertencente ao acervo patrimonial do Estado e se
encontra em atividade, nos dias atuais. A partir da noção de trama urbana, buscou-se
estabelecer relações entre os fatos históricos e arquitetônicos, no sentido de investigar como
se processaram ao longo do tempo, resultando num espaço onde a arquitetura contribui para o
desenvolvimento das relações sociais e comerciais. Partindo da hipótese de que a proximidade
geográfica e a importância econômica de dois equipamentos urbanos, o Mercado de São Brás
e a Estação de Ferro Belém-Bragança gerou uma dinâmica que atraiu outras arquiteturas, foi
investigada a influência das políticas públicas de modernização e progresso, com reflexos
para o surgimento do entorno edificado e relações tipológicas com o mercado. Utilizando a
metodologia de estudo de caso com estratégias combinadas entre história interpretativo-
qualitativa, o trabalho busca mostrar que as funções intrínsecas às construções cumpriram seu
papel e que eventos realizados em seus espaços produziram fenômenos perceptivos no lugar
existencial. O mercado público e seu entorno condensam práticas sociais que aliadas a estes
fenômenos asseguram sua permanência na cidade, face ao contexto da sociedade
contemporânea.

Palavras-chave: Mercado de São Brás; Arquitetura; Modernização; Lugar; Permanência.


ABSTRACT

This dissertation aims to examine the constitution of the urban history of the built
environment of Sao Bras Market in Belem do Para, in the period from 1950 to 1970, an
eclectic construction dating from the end of the rubber boom in the Amazon and the
management of the Superintendent Antonio Lemos. The market is a monument which belongs
to the patrimonial collection of the State and is active nowadays. From the notion of the urban
fabric, we established relationships between the architectural and historical facts in order to
investigate how they have progressed over time, resulting in a space where architecture
contributes to the development of social and business relationships. Assuming that
geographical proximity and economic importance of two urban facilities, the Sao Bras Market
and the Belem-Bragança Iron Station, have generated a dynamic that attracted other
architectures, we investigated the influence of public policies of modernization and progress,
which is reflected in the appearance of the built environment and typological relations with
the market. Using the methodology of case study and the combinations of interpretive /
qualitative history strategies, this paper attempts to present that the intrinsic features of the
buildings fulfilled their role and that events in their spaces produced perceptual phenomena in
existential place. The public market and its surroundings condense social practices that
associated to these phenomena ensure their continuity in the city, given the context of
contemporary society.

Keywords: Public Market; Architecture; Modernization; Place; Continuity.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mercado Les Halles, Paris, século XX, 26


A ágora grega, século VIII A.C.; o Grande Bazar de Isfahan, atual Irã, século X A.C;
Figura 2: 27
o mercado no fórum romano, século VI A.C e a feira do medievo, século XII A.C.
Figura 3: Planta de Londonderry e praça central do mercado 29
Figura 4: Ilustração em "Monografia dos Halles Centrais de Paris” , séc.XIX 30
Figura 5: Mercado público Les Halles, em 1950, pavilhão Baltard 32
Figura 6: Manchete da primeira página do Jornal A Província do Pará, 1911 39
Figura 7: Mercado de São Brás, cartão postal do início do século XX. 40
Figura 8: Detalhe do lanternim da cobertura com estrutura em ferro e vidro, 2014 40
Figura 9: Interior do mercado, quiosques de vendas em ferro forjado , 1911 41
Figura 10: Antiga Estação de Ferro Belém-Bragança, na década de 1950 42
Figura 11: Planta da Cidade de Belém (1883-1886) 43
Figura 12: Área destacada da planta, com o Largo de São Brás 44
Figura 13: Mercado de São Brás na atualidade, 2014 45
Figura 14: Mercado de São Brás na atualidade, na confluência de avenidas, 2013 46
Figura 15: Vista aérea do Mercado de São Brás, 2013 47
Figura 16: Construção anexa ao Mercado de São Brás, 1939 55
Figura 17: Área delimitada pela poligonal de abrangência do entorno histórico, 2014 56
Figura 18: Área delimitada do Terminal Rodoviário de Belém, 2014 57
Figura 19: Conjunto habitacional do IAPI Belém, 1950 60
Figura 20: Largo de São Brás, 1960 61
Figura 21: Bloco com unidades geminadas do conjunto habitacional do IAPI, 2014 62
Figura 22: Unidades geminadas do conjunto habitacional do IAPI, com alterações, 2014 63
Figura 23: Escola Municipal Benvinda de França Messias, 2014 64
Figura 24: Abertura da Avenida Tito Franco, 1929 66
Figura 25: Trecho da Estrada de Ferro Belém-Bragança, 1929 67
Figura 26: Avenida Almirante Barroso, 1950 69
Figura 27: Avenida Almirante Barroso, 1970 72
Figura 28: Avenida Almirante Barroso e Largo de São Brás, 1970 73
Figura 29: Terminal Rodoviário de Belém, 1970 75
Figura 30: Terminal Rodoviário e Praça do Operário, 1970 76
Figura 31: Vista aérea do Largo de São Brás, 1970 77
Figura 32: Mapa do Largo de São Brás, 2014 84
Figura 33: Mercado de São Brás e as construções do entorno, 2014 86
Figura 34: Delimitação das unidades culturais no entorno 87
Figura 35: Unidades culturais com o ponto de interseção 89
Figura 36: Mercado de São Brás, 1970 93
Figura 37: Mercado de São Brás, 1970 94
Figura 38: Mercado de São Brás, 1970 94
Figura 39: Largo de São Brás, cartão postal, século XIX 105
Figura 40: Largo de São Brás, área central ampliada, século XIX 105
Figura 41: Largo de São Brás, batalha de confete, 1941 107
Figura 42: Largo de São Brás, inauguração do Monumento a Lauro Sodré, 1950 108
Figura 43: Ônibus Zepellin, na década de 1950 110
Figura 44: Interior do Mercado de São Brás, 2014 112
Figura 45: Detalhe do lanternim da cobertura, 2014 112
Figura 46: Estacionamento e feira, em área posterior do Mercado de São Brás, 2014 115
Figura 47: Feira e mercado de carne sob outro ângulo, 2014 115
Figura 48: Concentração de estudantes, em frente ao Mercado de São Brás, 2013 126
Figura 49: Batuque do Mercado de São Brás, na Praça Floriano Peixoto 127
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12
1 – Escolha e definição do objeto de estudo 14
2 – Revisão da literatura 17
2.1 – O Mercado Público como objeto de investigação
2.1.1 – A relação mercado público e cidade
2.1.2 – O mercado público em Belém 21
3 – Metodologia 22
4 – Estrutura da Dissertação 23

1. CAPÍTULO 1- O MERCADO PÚBLICO COMO OBJETO DE PESQUISA 25


1.1 – Gênese e desenvolvimento 25
1.2 – O mercado público nos processos de modernização das cidades 30
1.3 – O mercado de São Brás no contexto da cidade de Belém 34
1.3.1– A política de modernização do Intendente Antonio Lemos 34
1.3.2– O mercado e seu entorno: a constituição de uma historia urbana 37

2. CAPÍTULO 2 - AS TRANSFORMAÇÕES DO MERCADO E DO SEU


ENTORNO 50
2.1 - O ideal de modernização entre 1930 e 1960 50
2.2 - Uma história de transformações 55
2.3 - Arquitetura, ideologia e serviços públicos: uma trama urbana 79
2.3.1 - Considerações sobre noção de trama histórica 79
2.3.2 - A trama urbana e seus pontos: o mercado e outras obras públicas 81
2.4 - A construção de um diálogo 87
2.4.1 - Os objetos e suas relações na unidade cultural 90

3. CAPÍTULO 3 - O MERCADO E ENTORNO: ESPAÇOS DE VITALIDADE 100


3.1 - Os testemunhos orais e a fotografia como ferramenta da história urbana 100
3.2 - Um lugar de urbanidade 104
3.3 - O sentido de permanência 118

CONSIDERAÇÕES FINAIS 128


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 132
APÊNDICES 143
12

INTRODUÇÃO

A fundação da cidade de Belém do Pará, na primeira metade do século XVII, se


insere no contexto do Brasil-Colônia, quando o espaço amazônico se integra ao Império
Lusitano (PENTEADO, 1968, p.95), num processo de conquista territorial que envolve a
fixação de pontos de defesa, povoamento e expansão do Cristianismo em terras novas. A
colônia ultramarina fica, a partir deste momento, em contato direto com a metrópole, cujo
controle político, econômico e religioso, já em vigor no país desde 1500, permitirá a
delimitação de fronteiras e a exploração dos recursos naturais para posterior envio ao Império.
Com a criação da Companhia do Comércio do Grão-Pará, em 1755, sob o governo de
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, a exportação de produtos como madeira, cacau, arroz,
café e algodão se intensifica e a política implantada por seu irmão, o Marquês de Pombal,
Ministro do Rei D. José I, de Portugal, alcança a região trazendo transformações materiais,
políticas, econômicas e religiosas para a cidade, até 1777, quando se deu o término da fase
pombalina.

Durante quase dois séculos, a arquitetura que se desenvolveu na cidade e na região


refletia o caráter, defensivo, religioso e comercial que se implantara desde a fundação.
Quartéis, fortes, conventos, igrejas e capelas, engenhos, fazendas, rocinhas e construções
particulares constituíam o patrimônio edificado da colônia ultramarina e a expansão urbana se
dava com a “abertura de novas praças chamadas LARGOS, ruas, travessas e poços de
serventia pública” (CRUZ, 1973, 245).

A primeira metade do século XIX foi marcada pela tentativa de emancipação política
do império português, com o movimento popular denominado Cabanagem (1835-1840) que
se seguiu à Independência do Brasil, em 1822. Penteado (1968) afirma que a documentação
do período não atesta grandes estragos provocados pelo conflito na cidade, mas destaca o
problema de saneamento como a falta d’água, entulhos pelas ruas, valas entupidas e prédios
em ruínas. Viajantes como Alfred Wallace, ao final de 1840, e Henry Bates, por volta de 1850,
descrevem a Belém como um lugar ausente de asseio e ordem, praças cobertas de mato,
trechos alagados e intransitáveis, com aparência de relaxamento, decadência apatia e
indolência, mas destacam a beleza dos edifícios públicos e a higiene das boas lojas da cidade.
13

Na segunda metade do século XIX, dois fatores vêm transformar a paisagem de


degradação relatada: a exportação da borracha natural que já se dava desde 1825, aumentou
de volume passando a exercer forte atração sobre empreendedores europeus e americanos que
objetivavam extrair lucros a partir de sua extração e a chegada ao poder, em 1897, do político
Antonio Lemos, nomeado para a Intendência da capital. Inicia-se, a partir de então, um dos
momentos mais prósperos da região, a Belle-Époque, que terá impactos sobre a transformação
da cidade, em seus aspectos políticos, econômicos, urbanos, arquitetônicos e sociais. O
surgimento de construções idealizadas pelo gestor, em parceria com profissionais, expressava
o desejo de tornar Belém uma Paris n’América, em meio as difíceis condições que a região e
a cidade apresentavam.

A historiadora Maria de Nazaré Sarges (2002) relata em seu trabalho Belém:


riquezas produzindo a Belle-Époque (1870-1912), o impacto que o ciclo da borracha teve na
transformação da capital paraense, apesar das medidas arbitrárias e segregacionistas tomadas
por Antonio Lemos. Não se intenciona fazer juízos de valor a respeito dos meios empregados,
pelo contrário, entende-se que Belém herdou, deste político, sua mais bela página histórica de
arquitetura e urbanismo. Foram inúmeras as ações, no sentido de conferir embelezamento e
ordem numa paisagem de abandono herdada do pós-independência e do governo republicano
à época, colocando Belém em contato direto com os grandes centros europeus, tanto pela
atividade de comércio quanto pelos eventos culturais proporcionados pela elite da borracha.

Com a economia se desenvolvendo em torno da borracha natural e demais produtos


da floresta e se relacionando internacionalmente, o gestor determinou entre suas ações, por
meio da Lei Municipal nº 173, de 30 de dezembro de 1897, a construção do Mercado do-Ver-
o-Peso, o mais importante entreposto comercial da cidade, até à atualidade, contribuindo para
seu desenvolvimento e mercantilização. A relação com a floresta e com outros continentes, a
expansão do centro histórico estão diretamente ligadas à dinâmica produzida pelo mercado,
como analisam Leitão e Rodrigues (2011) em seu trabalho O Mercado do Ver-o-Peso-Belém.

Na primeira década do século XX, em razão de fatores políticos e econômicos o


ciclo da borracha e o período lemista foram chegando progressivamente ao seu término. No
entanto, o Intendente, de maneira politicamente hábil, decide edificar um terceiro mercado, no
bairro de São Brás, que até 1911, ano de sua inauguração, tinha uma ocupação populacional
inexpressiva, tirando partido das relações comerciais que tinham se estabelecido entre Belém
e a zona bragantina. Ainda no século XIX, haviam chegado ao Pará imigrantes portugueses,
chineses, franceses, japoneses, espanhóis e outros grupos menores, com a finalidade de
14

desenvolverem a agricultura naquela região, fato que está na origem da implantação da


Estrada de Ferro de Bragança e do assentamento das primeiras colônias ao longo do ramal e
na referida zona (Andrade, 2010).

Desta forma, o bairro de São Brás passou a vivenciar outra dinâmica, a partir da
combinação estrada de ferro/ mercado público, dando um novo direcionamento à expansão
urbana da cidade, mas com uma configuração diferenciada dos bairros centrais. Se o Mercado
do Ver-o-Peso havia possibilitado uma relação bairro/floresta/rio/mar/continente, o novo
Mercado de São Brás criaria, ao longo do tempo, uma articulação bairro/estrada/região/país.
A cidade tinha assim, em meados do século XX, duas vias de comércio que possibilitariam
integração do Estado e da região amazônica aos grandes centros do país e do mundo,
excluindo a imagem histórica de isolamento vivenciada durante mais de quatro séculos,
conforme descrição dos historiadores e atores sociais.

Este trabalho pretende analisar como o Mercado de São Brás contribuiu para a
história urbana do seu entorno, a partir das transformações arquitetônicas e urbanísticas
ocorridas, entre 1950 e 1970, resultantes das políticas públicas voltadas para o
desenvolvimento das capitais brasileiras, dentro de um ideal de modernização. Num segundo
momento, pretende-se examinar os fenômenos produzidos em seus espaços interior e exterior
que possam ter conferido os sentidos de lugar e permanência. O mercado foi tombado como
patrimônio pelo Estado, sendo considerado um monumento histórico, e se encontra em
funcionamento até os dias atuais.

A investigação parte do entendimento da importância do mercado público coberto,


como equipamento urbano, que historicamente foi essencial para o abastecimento e formação
das cidades europeias, para a manutenção das relações comerciais e sociais e para a
constituição de eixos de transporte de mercadorias e pessoas, ligando e transformando o
território e os espaços urbanos. A vitalidade dos espaços de mercado, comprovada
cientificamente, conduz a pesquisa no sentido de identificar como esses aspectos se
processaram no Largo de São Brás, a partir de seu mercado público, constituindo uma trama
urbana articulada entre política, economia, arquitetura e sociedade.
15

1. Escolha e definição do objeto de estudo

Antes de apresentar as motivações de caráter científico que conduziram a este tema,


deseja-se mencionar alguns aspectos de caráter pessoal, com relação ao Mercado de São Brás
e que foram importantes para criar uma aproximação com o objeto de estudo.

Ao ingressar no programa de Pós-Graduação, esta autora tomou conhecimento do


projeto de pesquisa O mercado público em Belém: estudos de tipologias arquitetônicas e
dinâmica histórica, urbanística e sociocultural, em andamento, desenvolvido pelo
Laboratório de Historiografia e Cultura Arquitetônica/UFPa. e da possibilidade de participar
do mesmo, com um trabalho que culminaria na Dissertação de Mestrado. Apesar de não
existirem estudos e de ser uma tipologia pouco entendida, a cidade de Belém possui
interessantes exemplares que podem e merecem estudos, sejam de casos isolados ou de um
conjunto de construções que despertem o interesse por um trabalho histórico comparativo.
Este tema permite múltiplas abordagens que contemplam história urbana, economia,
arquitetura, sociedade, antropologia, facilitando a escolha do caminho investigativo que se
pretende seguir. O Mercado de São Brás parte de uma proposta que levava em conta os
aspectos mencionados anteriormente, sua relevância histórica, econômica, arquitetônica,
patrimonial e geográfica, despertando um interesse imediato pelo objeto.

A memória humana tem formas incompreensíveis de se manifestar. Ao refletir sobre


o tema, uma das primeiras percepções se relaciona a episódios da infância, quando esta autora,
ainda moradora do bairro do Guamá, adjacente ao de São Brás, acompanhava seus familiares
ao mercado para as compras semanais. A proximidade permitia que os compradores se
deslocassem a pé, sem o incômodo do calor característico da cidade, sem sobressaltos pela
possível violência, sem a sensação de compromisso ou obrigação. Frequentar o mercado era
um passeio para adultos e crianças e nesta atmosfera se fixaram as imagens, a profusão de
cores, sabores e odores. Sim, sabores, porque os vendedores de antigamente gostavam de
agradar os fregueses e seus filhos, oferecendo uma fruta ou outro produto facilmente
consumível.

O tempo passa para a cidade e seus habitantes e a memória individual adormece até o
momento em que um fato exterior lhe faça despertar do mais profundo sono. Ao revisitar o
espaço do mercado, durante a pesquisa empírica, as imagens, cores, odores e sabores saltaram
de dentro da memória, conduzindo uma significante viagem ao passado e a uma
16

decepcionante constatação no presente. As imagens vieram para mostrar a capacidade humana


de construir e destruir, ou deixar morrer, na mesma proporção.

Depois de um longo hiato temporal que não possibilitou o retorno àquele espaço e
sem nenhuma reflexão de cunho científico, a primeira indagação após a pesquisa “in loco”:
“como e por que este mercado está assim?”. A primeira razão envolve a inobservância do
significado que as construções antigas têm para a memória da cidade e que justifica seu
pronto restauro. Por outro lado, acredita-se também que os valores da sociedade
contemporânea estejam petrificados em práticas globalizadas, como a cultura do shopping
center, do supermercado e na pior das hipóteses, no fato de que ir às compras no mercado
público não seja um dos melhores programas em família, salvo exceções, consumidores mais
antigos que ainda mantém esta prática. O desconforto, a insalubridade, a má conservação e a
insegurança conduzem ao esquecimento e ao abandono pela grande maioria da população.

Estas reminiscências e considerações não tem conotação de saudosismo. Servem


apenas para mostrar que esta pesquisa foi conduzida com o olhar de alguém que frequentou o
mercado no início da década de 70, quando a construção se encontrava em bom estado de
conservação, os vendedores ainda ocupavam seu interior e alguns consumidores faziam
compras em família. O cenário atual é completamente oposto àquela década.

No desenvolvimento da pesquisa, a consulta às fontes primárias e a pesquisa


empírica mostraram que apesar de toda a sua importância histórica e arquitetônica, o mercado
de São Brás atravessou períodos de efervescência comercial e de abandono que se alternaram,
desde a sua inauguração, em 1911. Sua destinação de uso esteve sujeita à tomada de decisão
do poder público e até o presente não houve uma recuperação definitiva para a sociedade e
para a história da arquitetura de Belém do Pará. Acredita-se que sua localização, em bairro
limítrofe a outros bairros igualmente significativos, como Nazaré e Marco, e pelo fato de se
encontrar próximo da estação rodoviária que dá acesso à capital, a construção deveria ser um
cartão de visita, mas a realidade mostra o contrário.

No âmbito da pesquisa sobre os mercados públicos em Belém, a escolha do Mercado


de São Brás como objeto de estudo se deu por duas razões: a primeira foi uma observação
pessoal sobre a construção que atravessou décadas submetida a intervenções que oscilaram
entre períodos de recuperação/degradação e que atualmente se encontra em estado de
abandono. Outra razão foi a inexistência de estudos que relacionem o mercado, seu entorno e
ambos à cidade de Belém, considerando sua privilegiada localização. Assim, optou-se por
17

analisar a influência que a construção possa ter exercido na decisão de se construir edifícios
de representatividade para a cidade, no seu entorno.

A primeira hipótese para este adensamento considera que a proximidade com a


estação ferroviária, gerou um fluxo de pessoas e transporte no Largo de São Brás, uma área
ainda pouco urbanizada, o que pode ter exercido o interesse por sua ocupação com edifícios
públicos. A segunda parte da representatividade da construção em seus aspecto histórico que
remonta a era de Antonio Lemos e o ciclo da borracha; arquitetônico, por uma linguagem
clássica e riqueza de materiais que lhe conferiram uma estética palaciana; geográfico, por ser
uma área próxima ao bairro do Marco, em expansão naquele momento; econômico, como
pólo de recebimento de mercadorias da zona bragantina e de passageiros provenientes de
outras regiões do Estado. Com essa representividade, partiu-se do princípio que houve
interesse do poder público em ocupar seu entorno com construções que melhorariam a vida da
coletividade do bairro de São Brás. Estas são as questões que esta Dissertação se propõe a
desenvolver.

2. Revisão da literatura

2.1 - O Mercado Público como objeto de investigação

2.1.1 - A relação mercado público e cidade

O ponto de partida para o entendimento da temática se fez a partir dos estudos


apresentados em GUÀRDIA & OYÓN (org., 2010), uma compilação de análises sobre
mercados públicos das principais capitais europeias, no âmbito de sua importância
arquitetônica, urbanística, econômica e sociológica, um enfoque transdisciplinar fundamental
para a compreensão e percepção geral do objeto de estudo. Na visão destes pesquisadores, a
tipologia mercado assume um papel de protagonista do renascimento urbano medieval
enquanto espaço público, alcançando o status de ideal arquitetônico e equipamento urbano
nos séculos XIX e XX, até conhecer um período de ostracismo com o surgimento de novas
cadeias de distribuição dos alimentos e declínio da agricultura tradicional. Os mercados de
Paris, com a referência mais importante desta tipologia, o Halles Centrales da década de 1850,
18

Viena, Barcelona, Budapeste estão entre os casos analisados, assim como as reformas
realizadas nos mercados dos Estados Unidos, no Período Progressista (1894-1922), então sob
a influência da experiência europeia.

Alimentação urbana, comércio e gestão pública, linguagem arquitetônica, sistemas


construtivos e cultura são os temas abordados, enfatizando sempre a importância do mercado
público como “o autêntico coração e fundação da vida urbana; a condição mesma de
possibilidade da cidade” (GUÀRDIA & OYÓN, 2010, p.14), ou seja, os mercados foram os
mais importantes criadores de cidades, resultado de sua “lógica urbana funcional que se
desenvolvia na organização interna” (GUÀRDIA & OYÓN, 2010, p.23).

Uma abordagem mais específica é encontrada em Rennó (2006), na qual a autora


elabora por meio de um estudo de caso, uma antítese entre mercados públicos e
supermercados, utilizando como metáfora a diferença entre a suavidade rítmica da linha curva
e a rigidez constante da linha reta. Inicialmente, a autora resgata as origens do comércio com
os bazares árabes, assim como as feiras livres e os mercados públicos de São Paulo, e analisa
o supermercado moderno enquanto espaço serializado. A antítese se aproxima da história da
arte, a partir do momento em que identifica as linhas retas e bidimensionalidade do
supermercado, como atributos do clássico, enquanto que o mercado público com suas linhas
curvas remete ao barroco. O supermercado regula, esclarece, define, padroniza, enrijece, cria
contenção e neutraliza a emoção; o mercado público cria ritmo no percurso, na intensidade
das cores, prioriza o conhecimento a despeito da informação, gera calor físico e nas relações
humanas, com sua luz natural e quente e proporciona a experiência da percepção dos sentidos.
O Mercado da Lapa serve de objeto de estudo com sua história, estrutura física externa e
interna, relações entre vendedores e clientes, sonoridade do espaço, estética visual e
superabundância na variedade de produtos. A expressividade barroca se faz então presente nas
linhas sinuosas, circulares e rítmicas destes elementos. Raquel afirma que o mercado público
proporciona a “surpresa constante e a oportunidade de se viver uma experiência conhecida
como se fosse a primeira vez” (2006, p.101).

Ainda no âmbito acadêmico, dissertações de Mestrado vêm sendo elaboradas com


variações no enfoque abordado. Romano (2004) apresenta um estudo de caso com três objetos,
os mercados públicos de Porto Alegre, Pelotas e Itaqui, objetivando reunir os significados,
sensações, coordenadas e juízos que os mesmos assumem, a partir de uma análise histórica e
tipológica dos espaços comerciais da Idade Antiga à Modernidade. O trabalho assume o
aspecto funcional da arquitetura, reunindo as três categorias de função desempenhadas pelos
19

espaços varejistas, sintática, semântica e pragmática, assim como o estudo da decomposição e


composição da forma, transpondo-os aos objetos de estudo. Mais uma análise funcional da
arquitetura, sem abordar questões patrimoniais. A contribuição da autora à temática consiste
em mostrar como “edifícios de uma mesma função, comércio, possuem múltiplas variações
em suas relações contextuais, significações, conteúdos programáticos, aspectos formais de
composição e organização espacial” (2004, p.117) e que a tipologia mercado, enquanto
espaço público, possibilita a experiência da percepção por meio de encontros e trocas.

Bruno (2010), em estudo sobre o mercado central de Pelotas, apresenta o mercado


público como um objeto de memória social. Um trabalho mais crítico, pois o autor considera a
sociedade de consumo como a grande antagônica da memória social que coloca o mercado
público na condição de vítima do marketing e da midiatização, tentando sobreviver com o
suporte das políticas públicas de preservação e educação patrimonial. Há algo de visionário na
análise, com a proposta de redenção do mercado público, ou “recall” na linguagem
contemporânea, por meio das tecnotopias disponibilizadas pela Tecnologia da Informação,
como por exemplo, a economia colaborativa de rede; desta forma a tipologia mercado
alcançaria então o status globalizante e futurista característicos da contemporaneidade.

A análise de Filgueiras (2006) se aproxima de um enfoque antropológico. Partindo


do conceito de espaço de vitalidade, a autora resgata o mercado popular e os fenômenos
sociais que ele proporciona como o encontro, a heterogeneidade de usos, a permanência e a
circulação de indivíduos no espaço público, as relações que os habitantes constroem nestes
lugares e com estes lugares. Há igualmente a contraposição com a dinâmica dos shoppings
centers, análise similar àquela utilizada por Rennó (2006), entretanto Filgueiras (2006) vai um
pouco além quando busca entender a relação mercado x cidade a partir dos elos entre
economia, cultura, história e sociedade urbana. O Mercado Central de Belo Horizonte é o
referencial empírico utilizado pela autora que traça a trajetória linear de sua fundação até a
contemporaneidade, buscando entender os novos sentidos que a edificação tomou após a
privatização e as novas políticas públicas de turismo adotadas pela administração local.

Vargas (2001) é uma referência encontrada em todas as dissertações mencionadas,


pela importância da crítica feita aos espaços de comércio da atualidade, shoppings e
supermercados com suas distorções estruturais ocasionadas pela especulação imobiliária.
Berjman, Fiszelew (1999) e Martins (2011), trazem sua contribuição com estudos de caso que
evidenciam igualmente o caráter transformador do mercado público. Assim como Vieira
(2013) analisa a permanência da tipologia face às novas formas de comércio como os
20

shoppings centers que engendram outras centralidades e identidades na cidade contemporânea,


geralmente sem relação com o entorno, e que transformam a morfologia urbana. O ocaso dos
mercados públicos, mencionado igualmente por Guárdia e Oyòn (2010), mostra o quanto esta
edificação caiu no ostracismo em razão das novas formas de consumo. Por outro lado, há uma
ênfase na situação antagônica do contexto de Barcelona, cidade que conheceu o renascimento
desta tipologia, com a construção de 26 novos mercados entre 1939 e 1977. O autor considera
a resiliência e a transformação como atributos que garantem a manutenção desta forma de
comércio, ou seja, o modelo de Barcelona prova que a luta pela permanência na paisagem
urbana acompanhada de uma adaptação ao novo consumo e ao novo consumidor do mundo
contemporâneo são capazes de evitar a decadência definitiva dos mercados cobertos.

Outro exemplo de adaptação à nova realidade consumista é tratada por Oliveira


(2013), que apresenta uma proposta de pesquisa sobre a relação entre o Mercado Municipal de
Pinheiros e cidade de São Paulo. Na tentativa de resistir à concorrência ocasionada pela
multiplicação de supermercados e hipermercados na grande metrópole e garantir sua
permanência no espaço urbano, os permissionários do mercado implantaram o serviço
delivery por telefone, procedimento similar adotado por seus concorrentes que usam o
delivery via internet. A autora desenvolve uma análise, a partir de dados quantitativos, sobre
as mudanças ocorridas nas relações comerciais após a implantação do novo sistema, como o
local de origem e o fluxo de clientes naquele espaço comercial. A modernização, a
especialização por meio da oferta de produtos de qualidade e a mediação do vendedor são
apontadas como fatores que garantem a sobrevivência do Mercado Municipal de Pinheiros.

O mercado público como fruto das novas concepções higienistas do século XIX e
primeira metade do século XX é tema Murilha e Salgado (2011). O objetivo geral da pesquisa
foi entender como estas teorias e concepções influenciaram os campos da engenharia e da
arquitetura nos períodos mencionados. A partir das definições clássicas de Durand,
Quatremère de Quincy e Argan sobre o tipo, os autores analisam os projetos arquitetônicos
dos primeiros mercados públicos na Europa e traçam um paralelo com as tipologias utilizadas
em alguns mercados no Brasil, entre eles o Mercado de Carne e o Mercado do Ver-o-Peso, em
Belém. Há igualmente a intenção de chamar a atenção, a partir do levantamento físico, sobre
as edificações existentes em algumas cidades do Estado de São Paulo, enquadrados nesta
tipologia.

De maneira geral, a temática possui pontos de interseção que não devem ser
negligenciados. O primeiro e talvez o mais importante, seja o papel do mercado público
21

enquanto protagonista na formação da urbe e no incremento de novas relações sociais – o que


Guàrdia e Oyón mencionam igualmente em seu livro - razão pela qual encontramos na
totalidade dos trabalhos, o resgate histórico das tipologias arquitetônicas dos espaços de
comércio da Antiguidade até o século XIX, e sua relevante contribuição histórica para a
memória social, o patrimônio edificado e a arquitetura da cidade.

A literatura referenciada comprova que apesar da relativa carência de publicações


sobre o tema, estudos começam a contemplar esta tipologia e suas possibilidades de análise e
por seu valor de antiguidade e história permanece na constituição do espaço das cidades, o
que se atesta nas conclusões dos autores. O fato é que a despeito da modernização progressiva
das formas de consumo, uma característica da sociedade contemporânea, o mercado público
permanece na cidade, não somente como um patrimônio edificado que nos remete
visualmente a um passado e à história das cidades, mas como uma expressão arquitetônica
que oferece possibilidades de investigação multidisciplinar.

2.1.2 - O mercado público em Belém

Os estudos sobre os mercados públicos em Belém estão sendo construídos e abordam


história urbana, história da arquitetura, patrimônio e antropologia e sociologia. Derenji (2010)
resgata as origens da edificação dentro do contexto político da Belém pós-economia da
borracha, enfatizando a iniciativa do então Intendente Antonio Lemos em seus projetos de
modernização da cidade. O gestor municipal levou adiante uma empreitada arquitetônica que
reuniu interesses políticos, econômicos, geográficos, criando um novo pólo urbanístico na
cidade no início do século XX. Também destaca a suntuosidade e a imponência da edificação,
a riqueza de materiais importados da Itália, a competência dos profissionais envolvidos,
Theodoro Braga e Filinto Santoro, e a relevância da inauguração do Mercado de São Brás
para a sociedade local.

Com teor mais descritivo Leitão (2013) nos fala do mercado mais importante de
Belém o Ver-o-Peso, evidenciando sua importância histórica, geográfica, arquitetônica e
turística. A beleza da edificação é exaltada não apenas do ponto de vista da história da
arquitetura, mas sobretudo pela riqueza de detalhes referente aos produtos comercializadas no
espaço interior e exterior, à organização dos pontos de venda, à vida pulsante do entorno, e à
beleza da paisagem circundante. Um texto que exala “cheiro” de mercado pelas sensações que
22

transmite ao leitor. Uma visão antropológica e sociológica, considerando que a autora


descreve o cotidiano do mercado, a vida social dos usuários do espaço e a questão da
violência urbana que atinge o lugar, criando a dicotomia positivo/negativo perante a sociedade
local e nacional. Para a autora, a edificação é símbolo da própria identidade de Belém e da
história da Amazônia, assim como um “universo específico” no contexto da cidade.

Os mercados públicos de Belém, enquanto equipamentos urbanos sujeitos a


transformações tipológicas, assim como elementos de transformações urbanas, é o tema
apresentado por Chaves e Claudino (2013). Por meio de recortes temporais na história urbana
da cidade, entre o final do século XIX e meados do século XX, as autoras analisam os
impactos provocados no entorno de cada edificação, ao mesmo tempo em que analisam a
tipologia e as técnicas construtivas utilizadas em momentos distintos da história da arquitetura
da cidade. Um estudo que deixa visível em sua iconografia, a obsolescência dos mercados
públicos locais, traduzida pela perda de função e abandono, em razão das mudanças ocorridas
na forma de consumo e pelo descaso da gestão pública em atribuir-lhes novos significados,
sejam eles comerciais ou turísticos.

3. Metodologia

ESTRATÉGIAS TÁTICAS: FONTES DE DADOS

1 - Revisão da literatura

2 - Levantamento documental
Histórico interpretativa
- legislação municipal
- Relatórios de gestão
- matérias de imprensa
- fotografias de época
- projetos arquitetônicos
- cartografia de Belém nos períodos estudados
(1910, 1950-1964)
3 - Estudo das edificações em seus respectivos contextos históricos e
arquitetônicos: o mercado de São Brás, o conjunto habitacional IAPI, a escola
Benvinda de França Messias e a estação rodoviária Hildegardo Nunes.

1 – Análise da legislação, relatórios de gestão, matérias de imprensa,


fotografias e plantas arquitetônicas.
Qualitativa
2 – Visitas “in loco”

Fonte: GROAT & WANG (2002) – adaptado pela autora


23

Esta dissertação apresenta um estudo de caso, cuja metodologia utilizou a pesquisa


combinada entre história interpretativa/qualitativa (GROAT & WANG, 2002). A partir da
análise buscou-se entender o processo de implantação dos espaços arquitetônicos, mercado e
construções de expressão modernizante, sua dinâmica em momentos históricos diferenciados
da cidade e a importância de suas interrelações para a constituição de uma história urbana.

Para a estratégia histórica interpretativa, foi realizado o levantamento da bibliografia


existente sobre a temática mercados públicos no século XIX e XX que referenciam a
importância das tipologias de mercados na formação de entornos históricos distintos na cidade.
Em seguida, foi definido o marco teórico referencial, a partir dos conceitos de lugar, numa
abordagem fenomenológica (NORBERG-SCHULZ, 2008), (CASTELLO, 1997), (ROSSI,
1995), tipo e tipologia (WAISMAN, 1972), (MONTANER, 1997), (FEFERMAN, 2009) e
permanência (ROSSI, 1995), (WAISMAN, 1972). Outros conceitos complementares como
história urbana (LEPETIT, 2001), (SALGUEIRO, 2001), fotografia e história (BURKE,
2004), (KOSSOY, 2012), (ROUILLÉ, 2009) foram utilizados na construção teórica e no
trabalho interpretativo. Para o referencial teórico sobre a cidade de Belém e sua história
(PENTEADO, 1968), (SARGES, 2000) e (BRAGA, 1916).

Em outra etapa, iniciou-se a pesquisa das fontes documentais em órgãos públicos


como INSS, Arquivo Público do Estado (SECULT), nas Secretarias de Estado de Transportes
(SETRAN), Secretaria Municipal de Economia (SECOM), Companhia de Desenvolvimento
metropolitano de Belém (CODEM) objetivando pesquisar a legislação referente à gestão de
Antonio Lemos e às construções analisadas. As matérias de imprensa foram extraídas dos
jornais “A Província do Pará”, a “A Folha do Norte” e “O Liberal” correspondentes aos
períodos estudados, assim como parte das imagens antigas utilizadas.

O restante das imagens foi extraído de páginas da internet que vem, aos poucos,
disponibilizando imagens antigas e os mapas da cidade de Belém, entre os séculos XIX e XX,
foram extraídos dos álbuns históricos (CACCAVONI, 1899). Durante a pesquisa empírica
foram realizados registros do Mercado de São Brás e seu entorno, focalizando as construções
e seus espaços internos e externos e entrevistas com moradores antigos do Largo de São Brás,
vendedores, consumidores e servidores municipais.
24

4. Estrutura da Dissertação

No capítulo 1, apresenta-se a gênese do mercado público, seu papel para a formação


das cidades europeias e a relação com o processo de industrialização e renovação originando a
criação de uma tipologia arquitetônica aliada ao desenvolvimento dos materiais e técnicas
construtivas. Destaca-se sua importância econômica, social e territorial para a cidade
industrial A partir dessas premissas, apresenta-se o Mercado de São Brás, sua história e
representatividade na cidade de Belém e do Largo de São Brás, onde está localizado,
buscando constituir sua história urbana.

No capítulo 2, apresenta-se um histórico das construções adjacentes ao objeto de


estudo e sua pertinência em momentos ideológicos distintos, no sentido de encontrar os
pontos de uma trama urbana que originou o conjunto mercado/entorno. A análise é conduzida
para a criação de uma conexão entre os pontos, mostrando que o processo de transformação
do entorno edificado se processou na articulação entre fatos históricos e arquitetônicos
simultaneamente e que as construções estabelecem um diálogo entre si, a partir de sua
proximidade.

No capítulo 3, busca-se, com auxílio da fotografia e dos testemunhos orais, os


elementos que conferem os sentidos de lugar e permanência ao Mercado de São Brás, por
meio dos eventos e experiências vivenciados por seus atores, os detentores reais dos espaços
interior e exterior. Mostra-se também as sucessivas intervenções que objetivaram dar novos
usos ao mercado e que resultaram em momentos alternados de declínio e renascimento.
25

CAPÍTULO 1 - O MERCADO PÚBLICO COMO OBJETO DE PESQUISA

1.1 – GÊNESE E DESENVOLVIMENTO

O mercado coberto foi uma tipologia que alcançou importante desenvolvimento na


Europa do século XIX, em razão de sua importância como pólo comercial em capitais como
Londres, Paris, Barcelona, Viena, assim como nos países escandinavos e na Europa do Leste,
alcançando a América do Norte, América Latina e Brasil, países que apresentam exemplares
relevantes em suas principais capitais. Com grande força agregadora, “os mercados tem sido o
autêntico coração e fundamento da vida urbana, a condição mesma de possibilidade da cidade”
(GUÀRDIA & OYÓN, 2010, p.14), encerrando fenômenos arquitetônicos, urbanísticos,
sociais, econômicos, administrativos e territoriais. “Ao falar da implantação dos mercados
cobertos nas cidades europeias, poderíamos nos referir de fato, a muitos fenômenos variados.
Em primeiro lugar, os mercados cobertos significam a “reforma” da vida do tradicional
mercado ao ar livre e a reorganização funcional das ruas” (GUÀRDIA & OYÓN, 2010, p. 12).
O mercado coberto se constitui num elemento polarizador no bairro, atraindo não apenas o
fluxo e concentração de produtos alimentícios e pessoas, mas igualmente o tráfego urbano, a
criação de novas malhas viárias, estabelecimentos comerciais, residências e feiras adjacentes
externas (figura 1), e o mais importante, criando uma forte relação com a cidade.
A implantação do mercado coberto no espaço urbano evidenciou a dinâmica das
relações entre compradores e vendedores, no contexto de transformações econômicas,
territoriais, sociais e tecnológicas que se processaram ao longo do século XIX, no âmbito do
modelo progressista da Revolução Industrial e suas consequências: novos modos de produção,
novas relações de produção, surgimento de novos materiais e técnicas construtivas, êxodo
rural, explosão demográfica e a necessidade imperativa de controle do abastecimento urbano.
Uma conjunção de fatores que colocou o mercado público em posição de destaque, em razão
de sua natureza comercial, mas também por caracterizar-se em espaço público de troca,
convívio social, com expressividade arquitetônica não menos importante que sua destinação
inicial, a distribuição de alimentos. Os exemplares que sobreviveram às demolições e
incêndios atestam a busca pela criação de uma tipologia e uma estética inerentes ao grande
espaço coberto. Guàrdia e Oyón (2010) referem-se à sua multiplicidade:
26

Falar dos mercados é a rigor fazer uma observação metodológica. Nesse termo se
encerram muitos significados; na realidade é um indicador fictício de coisas muito
diversas. Pode referir-se a fenômenos estritamente arquitetônicos – como o mesmo
edifício que abriga a atividade que denominamos mercado –, à própria atuação de
intercâmbio de compra e venda de produtos de alimentação ou ao papel desta ação
no sistema mais geral de abastecimento urbano e assim sucessivamente. A
polissemia da palavra oferece suas vantagens. Devido a seus muitos significados, o
mercado brinda numerosas possibilidades de análise. Isto o torna um observatório
privilegiado da arquitetura, da cidade e da sociedade do seu tempo, (GUÀRDIA &
OYÓN, 2010, p.12). 1

Figura 1: Les Halles, no início do século XX, por Durand. Museu Carnavalet, Paris.

Fonte: Fototeca dos museus da cidade de Paris/negativo: Habouzit; com permissão da


Livraria Plon, Paris, disponível em http://www.gastronomica.org/emile-zolas-portrait-
of-les-halles, acesso em 08.02.2014.

No século XIX, “dois aspectos assumiram importância considerável: o aumento


numérico de mercados para abastecer uma população que crescia e se urbanizava fortemente e
a preocupação com as questões sanitárias dos espaços de mercados abertos” (VARGAS, 2001,
p.160), uma reflexão que evidencia a crescente explosão demográfica do período, assim como
a insalubridade dos espaços públicos abertos de compra e venda dos períodos anteriores, as
feiras.
A relevância atribuída ao mercado coberto remonta à prática da atividade comercial
das civilizações antigas que tinham a agricultura como base da economia. Cidades como
Atenas, Roma e Damasco eram espaços urbanos de convívio, de discussão e de troca. A ágora

1
Tradução da autora
27

grega, o forum romano, o bazaar árabe e a feira da Idade Média foram os primeiros espaços
públicos onde o homem vivenciou a relação de troca direta produtor/comprador, resguardadas
as diferenças culturais, econômicas e arquitetônicas entre os espaços (figura 2). A ágora ou
praça pública, onde transcorria a vida pública dos gregos, reunia os edifícios destinados ao
bem público, entre eles, o mercado. O forum, a expressão máxima da magnificência
arquitetônica de Roma, reunia os palácios, os templos, as termas, os anfiteatros, os circos e os
mercados e o bazaar árabe, o mais importante espaço de trocas do Oriente Médio que traduzia
em si mesmo a própria noção de espaço de intercâmbio comercial, ao lado de casas de banho,
cafés e mesquitas.

Figura 2: A ágora grega, século VIII A.C.(canto superior esquerdo); o Grande Bazar de
Isfahan, atual Irã, século X A.C (canto superior direito); o mercado no forum romano, século VI
A.C (canto inferior esquerdo) e a feira do medievo, século XII D.C, (canto inferior direito).

Fontes: disponíveis respectivamente em http://www.klepsidra.net/, http://historiainte.blogspot.


com.br/, http://oficinadelatim.blogspot.com.br/ehttp://www.historiadomundo.com.br/, acesso em
15.02.2014.
28

Com a lenta queda do Império Romano e a consequente entrada do mundo europeu na


Idade Média, as cidades começaram a declinar e a população abandonou progressivamente o
espaço urbano, se disseminando na área rural e ocasionando uma nova forma de agrupamento,
a sociedade agrária rudimentar. A base da economia, os modos de produção e as relações
comerciais sofreram os impactos da nova ordem, possibilitando que a organização feudal e
agrária dominasse completamente a sociedade e o território. A terra se tornara o bem de maior
interesse e seus proprietários buscavam a proteção dos senhores mais fortes e poderosos, um
sistema de poder que culminou com a vassalagem, de forma que no século IX, quase todos os
europeus eram vassalos de algum senhor feudal.
Não obstante, grupos do tipo mercantil e artesão se desenvolveram em paralelo e por
volta dos séculos XII e XIII (figura 12), na Baixa Idade Média, a cidade medieval emergiu
com força, tendo o comércio e a indústria como atividades que impulsionavam seu
crescimento. As praças de comércio, como as que se formaram em Londonderry, Reino Unido
(figura 3), exigiam o fluxo de pessoas, sem a necessidade de haver um edifício de mercado
(VARGAS, 2001, p.138). Seus atores eram os mercadores e viajantes pertencentes a uma
sociedade burguesa que se constituía progressivamente e de indivíduos que migravam do
campo tentando fugir da servidão.
É neste contexto que a vida comercial ganha novo impulso, apesar das frequentes
tentativas de submissão à vassalagem por parte dos senhores feudais. Henri Pirenne (1972,
apud GUÀRDIA & OYÓN, 2010, p.14) “atribuía o renascimento da cidade medieval à
reaparição da figura do mercador e à revitalização das grandes estradas distantes do comércio
suntuário”. Os autores analisam este momento de transformação:

[...] o modesto comércio canalizado pelos mercados de produção camponesa desde o


ano 1000 foi o que impulsionou o longo século de crescimento da Europa medieval.
O auge do grande comércio e o posterior nascimento do capitalismo seriam
consequência da dinâmica desencadeada. Na realidade, as cidades medievais
cresceram ao redor dos mercados locais, essencialmente daqueles de produtos
alimentícios (GUÀRDIA & OYÓN, 2010, p.14).
29

Figura 3: planta de Londonderry e praça central do mercado

Fonte: A.J.E. Morris, 1984

A dinâmica desencadeada permitiu o crescimento das cidades e resgatou a


sociabilidade no espaço de comércio onde o homem havia sido o personagem principal, mas
que perdera seu lugar em razão das mudanças na conjuntura política da Idade Antiga. Este
processo de revitalização do comércio atesta que a base de uma relação comercial está na
oportunidade de encontro entre duas ou mais pessoas; “a origem do mercado está, portanto,
no ponto de encontro de fluxos de indivíduos que traziam seus excedentes de produção para a
troca, normalmente localizados em pontos equidistantes dos diversos centros de produção”
(VARGAS, 2001, p. 95), uma característica que se manterá nos períodos seguintes até o
surgimento do mercado público coberto no século XIX, no âmbito da modernização das
cidades europeias.
A partir da concepção de uma nova tipologia, não somente a vida social se
desenvolverá no mercado coberto, haverá igualmente uma concepção arquitetônica pautada
nos princípios estéticos e tecnológicos vigentes (figura 4), resgatando as formas clássicas e
que almeja suprir as deficiências de organização e salubridade do comércio dos períodos
anteriores, por meio da criação de uma ordem espacial interna, alinhada à lógica no fluxo de
abastecimento da cidade moderna; uma estrutura supervisionada e controlada pela gestão
pública que causará impactos na paisagem urbana de seu entorno. Comércio e sociedade
estarão, portanto interligados e o mercado público cumprirá sua função primeira, centralizar e
30

comercializar produtos alimentícios, por meio da relação de troca entre compradores e


vendedores e abastecer a cidade.

Figura 4: Ilustração em "Monografia dos Halles Centrais de Paris”, construídas sob o reinado de
Napoléon III e sob a administração do Barão Haussmann, senador, prefeito do departamento do
Sena”, por Victor Baltard e Félix Callet, Paris: A. Morel, 1863.

Fonte: disponível em www.wikimediacommons.org, acesso em 15.02.2014.

1.2 – O MERCADO PÚBLICO NOS PROCESSOS DE MODERNIZAÇÃO DAS CIDADES

A História relata o período chamado de Revolução Industrial como um fenômeno


que se originou a partir de uma nova ideologia pautada no desenvolvimento industrial e no
capitalismo, tendo a Inglaterra e seus teóricos sociais liberalistas, Adam Smith (1723-1790) e
Stuart Mill (1806-1873), como centro filosófico e país precursor de um novo modelo
econômico, aliada à invenção de máquinas que acelerariam o processo produtivo, ainda
marcado por traços de uma base econômica rural. As estatísticas do período apontam um
crescimento vertiginoso nas áreas da metalurgia, indústria têxtil e agricultura como destaca
Kenneth Frampton (2008):

(...) Assim, a manufatura tradicional foi forçada a abandonar sua base


predominantemente rural e a concentrar o trabalho e a fábrica, primeiro perto dos
cursos d’água, depois, com o advento da força motriz a vapor, perto de jazidas de
carvão. Com 24.000 teares a vapor em produção em 1820, a cidade manufaturada
inglesa já era um fato estabelecido (FRAMPTON, 2008, p.13).
31

A análise de Frampton (2008) mostra uma complexidade que ultrapassa o aspecto


utilitarista do processo. Com efeito, a máquina teve importância crucial para a mudança nos
modos de produção, porém desencadeou um fluxo espontâneo de migração do homem para a
cidade manufaturada, se deslocando no território europeu, em sentido inverso ao período
anterior. Vemos novamente aqui a presença do vetor campo/cidade respondendo aos apelos,
desta vez, das mudanças econômicas na transição dos séculos XVIII e XIX, em razão da
urgência em formar um excedente de mão-de-obra para fazer face às novas demandas. O
crescimento da população industrial foi a consequência imediata das migrações internas,
dando origem a uma concentração em torno de um ponto, ao fabuloso crescimento das
grandes cidades industriais, das escalas de produção e de uma concentração espacial mais
acentuada (SINGER, 1987, p.33).
A urbanização se iniciou a partir da instalação das fábricas próximo às regiões
mineiras, aos rios, aos portos e a um grande centro populacional, visando de um lado, facilitar
o recebimento das matérias-primas e escoamento dos bens de consumo e de outro, captar
mão-de-obra para suprir a necessidade de produção. Cabe utilizar aqui a ideia de “cidade
desarmada” (grifo nosso) que seguia um mecanismo próprio, segundo Goitia (1982):

Esta revolução, como já dissemos em várias ocasiões, deixou as cidades desarmadas


perante a tirania dos instrumentos de produção. As fábricas tornaram-se donas e
senhoras do solo urbano e suburbano. Colocavam-se no ponto mais conveniente e
mais fácil de encontrar para o seu serviço. Se era necessário construir uma central
térmica, utilizavam logo as margens imediatas dos rios, mesmo que o fumo e o
transporte do carvão destruíssem locais que podiam ter conservado uma grande
beleza natural (GOITIA, 1982, p. 160).

A cidade industrial se tornou dessa forma uma dicotomia, um espelho que refletia a
sociedade e seus indivíduos. A cidade desarmada de Goitia (1982) era composta de homens
igualmente “desarmados”, pois sua real configuração retratava o caos provocado pelo
progresso não planejado e “na primeira metade do século XIX, os defeitos da cidade industrial
parecem por demais numerosos e incomuns para que possam ser eliminados completamente.
Entre a realidade e o ideal, a diferença parece impossível de ser preenchida” (BENEVOLO,
2011, p. 552).
Com efeito, a cidade industrial era um campo de luta entre forças antagônicas
representadas por grupos que buscavam melhorias, cada um a seu próprio modo. Se por um
lado os burgueses visavam o enriquecimento, por outro, o proletariado lutava pela melhoria
32

das condições de trabalho e melhores salários e no centro desta luta surgia a inovação
tecnológica e o aperfeiçoamento de materiais como o ferro, o vidro e o concreto, que
possibilitariam a transformação da paisagem urbana no lapso de um século, com o
aprimoramento das técnicas construtivas.
O mercado público se encontra em um momento da cidade, expressando a concepção
do grande espaço coberto que encontra sua sustentação nas estruturas em ferro e vidro (figura
5). Neste espaço pulsam a ânsia por nutrição, o desejo de encontro e sociabilidade e de
controle da ordem na distribuição dos alimentos. Um organismo que alimenta a cidade, mas
que também se alimenta do exterior, pelo fluxo que se desencadeia em seu espaço interno e
periférico, como “um observatório privilegiado da cidade e da sociedade do seu tempo”
(GUARDIA & OYON, 2010, p. 12).
O mercado Les Halles, em Paris, foi tema central do romance Le Ventre de Paris
(Émile Zola, 1873). O título que remete e à ideia do mercado como um estômago é
rapidamente apreendido com a descrição da profusão de cores e odores dos alimentos. A
trama e os personagens apresentados que coexistem sob os tetos do mercado, comprovam as
relações e as tensões inerentes ao ambiente de um mercado público.

Figura 5: mercado público Les Halles,em 1950, no interior do


pavilhão Baltard, com a cobertura em estrutura de ferro e vidro.

Fonte:< www.parisenimage.fr>, acesso em 15.02.2014.


33

A cidade do oitocentos respondeu assim aos anseios do liberalismo econômico. O


aprimoramento da máquina, o desenvolvimento de materiais e técnicas construtivas, as
intervenções urbanas, as concepções arquitetônicas e um novo modelo de pensamento e
comportamento social deixaram evidente que o século XIX representou efetivamente um
marco na Historia, começando com a hegemonia britânica, precursora de uma nova filosofia
econômica, detentora de grandes fontes de matéria-prima e mão-de-obra e finalizando com o
desenvolvimento das cidades em seus aspectos urbanísticos, arquitetônicos, econômicos e
culturais.
Mas, se a intenção primeira era proporcionar melhoria nas condições de vida do ser
humano, como preconizavam os teóricos do liberalismo econômico, o ideal de progresso não
atingiu plenamente seu objetivo e o exemplo de Paris comprovou este fato. Para que a cidade
florescesse, foi necessário expulsar exatamente aqueles que com sua força de trabalho
possibilitaram o crescimento material. Reflexões marxistas à parte, o que se pretende defender
é que o idealismo capitalista exigiu uma contrapartida negativa, no que se refere ao esforço
dispensado para a concretização do que se chama desenvolvimento. Esta faceta do progresso
adentrou o século XX, se manifestando em outros momentos e lugares até culminar
efetivamente com as revoluções sociais, como a Revolução Russa de 1917.
Somos levados a questionar sobre as razões que motivaram o homem da sociedade a
migrar para a cidade e as respostas seriam fornecidas pelo próprio contexto do século XIX: a
expectativa de melhoria de vida, a atração exercida pela maquina, a possibilidade de estar em
contato com o capital, o dinheiro, a promessa de uma vida de sonhos. Todas as alternativas
são possíveis. O fato é que duas gerações vivenciaram as transformações da cidade, no lapso
de um século, tendo a o urbanismo e a arquitetura como prova irrefutável do poder do capital,
da vontade politica e da força da indústria.
A arquitetura do século XIX transmite beleza, harmonia, luxo, ordem, poder,
monumentalidade e riqueza. O desejo de progresso está em suas entrelinhas, assim como a
força de trabalho e pensamento de seus idealizadores, políticos, economistas, filósofos,
engenheiros, arquiteto e operários. Todos trabalharam para a concretização da cidade ideal
cujos preceitos de urbanização se estenderão para outros países, entre eles o Brasil,
encontrando notadamente em Belém do Pará, o promissor ciclo econômico da borracha e a
política modernizadora do Intendente Antonio Lemos (1897-1912).
34

1.3 – O MERCADO DE SÃO BRÁS NO CONTEXTO DA CIDADE DE BELÉM

1.3.1 – A POLÍTICA DE MODERNIZAÇÃO DO INTENDENTE ANTONIO LEMOS

A primeira fase de modernização da cidade de Belém está fortemente associada à


imagem “da cidade urbanizada, saneada, dotada de grandes equipamentos urbanos, vale dizer,
a cidade metaforicamente considerada como organismo gestado pelo Progresso e pela
Civilização, e cujo conjunto de representações encontra-se na Belém do Intendente Antônio
Lemos” (COELHO, 2011, p.152).
A ascensão política de Antonio Lemos (1897-1912) se deu por meio de boas relações
com correligionários de partido, de um trabalho disciplinado como secretário do Partido
Republicano, na segunda metade do século XIX, e por sua atuação como jornalista no
prestigioso jornal A Província do Pará, do qual se tornou dono após a morte de Joaquim José
de Assis, proprietário anterior.
O legado de sua gestão como Intendente da cidade, caracteriza a historiografia local
com abordagens ora repletas de nostalgia pela beleza de sua obra que rendeu para a história
urbana da cidade um período de esplendor elitista, ora de criticismo, em razão dos meios
utilizados na tentativa de transformar Belém numa Paris n’América (SARGES, 2010). Seu
caráter individual ao qual o historiador Carlos Rocque atribuiu o título de “o amante da
magnificência” e de alguém que “... somente gostava de coisas grandiosas, não apenas no
campo urbanístico. Até nas diversões populares concedia largos vôos ao seu espírito”
(ROCQUE, 1973, p.38) nos conduz à vaga compreensão do que representa um político e sua
obra no contexto de uma cidade que busca o progresso. Além destes atributos, Antonio Lemos
se beneficiou do contexto econômico e social anterior a sua gestão, o que lhe possibilitou uma
brilhante intervenção no espaço urbano de Belém, entre 1897 e 1910.
O Pará foi a última província a aderir à Independência do Brasil. Em razão de sua
condição política anterior, como parte da Amazônia pertencente ao ultramar português, da
grande distância dos centros administrativos do país como Rio e São Paulo e da instabilidade
política resultante das incertezas do pós-independência, mantinha ainda os traços fortes do
Brasil-Colônia. O extrativismo vegetal, base econômica da região, possibilitava ainda a
investida de portugueses, franceses, ingleses e holandês em busca das matérias-primas para
suprir o mercado externo, nos moldes do sistema mercantil colonial, sob o qual o Brasil
35

estivera submetido desde o descobrimento. O látex se tornara aos poucos, um produto


essencial desde a invenção do processo de vulcanização da borracha, o que fomentava sua
extração nos seringais, visando à comercialização para os mercados externos, conforme
descrição de Miranda Neto (1979):

A partir de 1850, quatro acontecimentos vieram alterar a paisagem social e


econômica da região: a criação da província do Amazonas, em 1850; a introdução da
navegação a vapor por Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá; a exploração
extensiva dos seringais com a produção da borracha e a chegada dos imigrantes
nordestinos. Segue-se então, num período de 32 anos (1880/1912), a fase áurea da
borracha, à qual devemos a ocupação da terra pelos caboclos em busca do látex das
seringueiras, aventurando-se na conquista de novas fronteiras (MIRANDA NETO,
1979, p.72).

Iniciou-se uma febre do ouro negro (grifo do autor) e as migrações internas


resultaram em crescimento demográfico no Pará e em Belém, “engrossando o contingente de
pessoas que por razões diversas não seguiam para os seringais, concorrendo, desta forma, para
um elevado número de subempregados e também desempregados na capital do Pará”
(SARGES, 2002, p.143), conforme os seguintes dados:

QUADRO 1 – CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO DE BELÉM -1872 A 1920

População
Anos Pará Belém
1872 275.237 61.997
1900 445.356 96.560
1920 983.507 236.402

Fonte: IBGE – Sinopse do Recenseamento de 1920, Rio de Janeiro, 1926 in SARGES, 2002.

Antonio Lemos intencionava reordenar o espaço urbano da cidade, imprimindo o


modelo de modernização que se processara na França com o apogeu da Revolução Industrial
e neste caso a noção de progresso se traduziu em transformações na morfologia urbana, na
expansão da cidade de Belém, na arquitetura de expressão imponente e na melhoria dos
serviços públicos. Assim, a modernidade europeia atravessou o oceano trazendo a
modernidade para uma região que ainda tinha suas raízes fincadas na colonização portuguesa
e seus efeitos sobre a estrutura das cidades e sobre a vida econômica e social da população.
36

Segundo Capel (1988), “sem dúvida, as mudanças que se produziram na segunda


metade do século XIX prepararam o ambiente que fez com que as elites das cidades
brasileiras aceitassem que o progresso da civilização era inevitável e que a cidade devia se
remodelar segundo os avanços científicos e técnicos” (CAPEL, 1988 apud, FERREIRA et
DANTAS, 2006, p. 14). Neste sentido, o Intendente materializou em Belém o ideal de
embelezamento da capital francesa realizando, juntamente com bons profissionais,
notadamente Filinto Santoro, intervenções urbanas que primavam pela estética nas
construções, pelo cuidado na arborização, pela qualidade na infraestrutura de saneamento,
transportes e iluminação. Somado à nova configuração, uma nova mentalidade se formava, a
da Belle-Époque na Amazônia, momento em que a elite local respirava o glamour2 parisiense
no calor dos trópicos, enquanto a população vivenciava a difícil realidade da emergente
República do Brasil.
Entendendo que estética e limpeza eram indissociáveis, criou e impôs normas de
higiene e conduta à população, já numerosa em razão do crescimento demográfico, que
deveria ser educada no sentido de adquirir bons hábitos e boa postura. Utilizou o poder de
coerção ao infligir multas aos descumpridores da lei. Expulsou indigentes da área central da
cidade, reservada apenas para a elite, deixando a área periférica para os menos favorecidos,
um método de intervenção similar ao de Haussman em Paris. Sarges (2002) resume desta
forma a intervenção urbana de Antonio Lemos:

Se a reforma e o embelezamento do urbano tinham como proposta a transformação


da cidade obedecendo ao modelo das civilizações europeias, Antonio Lemos
entendeu que reformar era construir boulevards, quiosques, arborizar a cidade,
instalar bosque, embelezar praças e erigir monumentos, calçar ruas, dotá-las de
iluminação elétrica e bondes, concentrar a venda de alimentos em mercados e
recolher mendigos da cidade em asilo (SARGES, 2002, p. 181).

O resultado das ações de Antonio Lemos comprovam que vontade política e bons
profissionais, aliados ao capital, conseguem produzir transformações no espaço urbano. A
segregação social utilizada como instrumento de “limpeza” visual da cidade (SARGES, 2010)
é um traço da mentalidade de uma época em que os homens valorizavam a nobreza
conquistada pela linhagem de sangue, pelas posses e pelos títulos, um traço da história de
longa duração que atravessou as Idades Antiga e Média e se consolidou na Idade Moderna
com o advento da máquina e ascensão da burguesia comercial.

2
Anglicismo: charme, encanto (HACHETTE, Dictionnaire Encyclopédique Illustré, 1997).
37

O gosto refinado do Intendente (ROCQUE, 1996) imprimiu a marca do primeiro


momento de modernização de Belém. O mercado de São Brás será uma de suas últimas
realizações, inaugurado um ano antes de ser destituído do poder.

1.3.2 – O MERCADO E SEU ENTORNO: A CONSTITUIÇÃO DE UMA HISTÓRIA


URBANA

A Belle Époque na Amazônia (1890-1911) representou um período intervenções


arquitetônico-urbanísticas sob a gestão do Intendente Antonio Lemos (1897-1912) quando a
cidade de Belém recebeu uma estética de embelezamento que coincidiu com a fase áurea do
ciclo da borracha. Le Goff (1990) descreve este período como um momento em que:

[...] na passagem do século XIX para o XX, movimentos de ordem literária, artística
e religiosa reclamam-se ou são rotulados de "modernismo" – termo que marca o
endurecimento, pela passagem a doutrina, de tendências modernas até então difusas;
o encontro entre países desenvolvidos e países atrasados (LE GOFF, 1990, p.179).

Na corrente destes movimentos, os extrativistas com maior pode econômico


enviavam seus filhos para estudar na Europa, ocasionando a formação de uma nova elite
intelectual, posteriormente, além de contribuir para o aumento de profissionais liberais,
concorrendo também para a introdução de novos hábitos de vida (SARGES, 2002, p.111). O
comportamento da sociedade de Belém buscava uma aproximação com os padrões da capital
francesa, em meio ao cotidiano de uma cidade ainda com traços do período colonial. Este
cruzamento temporal que altera a morfologia da cidade e os costumes, mesclando-se com
práticas do passado é assinalado por Lepetit (2001):

A cidade não dissocia: ao contrário faz convergirem, num mesmo tempo, os


fragmentos de espaço e os hábitos vindos de diversos momentos do passado. Ela
cruza a mudança mais difusa e mais contínua dos comportamentos citadinos com os
ritmos mais sincopados da evolução de certas formas produzidas. A complexidade é
imensa. (LEPETIT, 2001, p.141).
38

A implantação do Mercado de São Brás se deu, no término deste cruzamento


temporal, trazendo a expressão arquitetônica e as práticas dos mercados públicos cobertos
europeus quando o poder político do Intendente Antonio Lemos declinava. Na primeira
década do século XX, Belém já tinha alcançado o status de grande capital, graças à sua
importância comercial na região e aos recursos gerados durante o ciclo da borracha que
propiciaram melhorias urbanas, entre elas, a construção de dois mercados públicos, o
Mercado Municipal, inaugurado em 1867, ampliado por determinação do Intendente e
reinaugurado em 1905, e o Mercado de Ferro do Ver-o-Peso, inaugurado em 1901.
Em 1908, « declinava a produção da borracha do Para: o governo afirmava não ser
necessário inquietar-se com as plantações de seringueiras do oriente” (PENTEADO, 1968,
p.156) e Belém mergulhava lentamente no ostracismo comercial. Derenji (2010, p.1) aponta a
afirmação do poder político do Intendente, em meio à crise, como um dos fatores que
determinaram a construção do mercado de São Brás, acrescentando que esta ação foi também
uma tentativa de descentralizar a comercialização de alimentos criando um novo fluxo de
distribuição de mercadorias, pois desde sua inauguração, em 1901, o Mercado do Ver-o-Peso
era o principal mercado da cidade.
Antonio Lemos recebe do Conselho Municipal de Belém, à ocasião da 2ª. Reunião
Ordinária da 8ª. Legislatura, em 1909, autorização para a construção de um terceiro mercado:

- RESOLUÇÃO N.200 D’AQUELLA DATA – Auctorizando o Intendente a


contractar com o engenheiro Filinto Santoro a construção e exploração de um
mercado à praça Floriano Peixoto.3

A inauguração oficial se deu em 21.05.1911, sendo divulgada publicamente em


manchete principal no jornal A Província do Pará (figura 6) da mesma data, cujo texto
destaca a suntuosidade do mercado. A localização no eixo da Avenida Almirante Barroso e no
cruzamento com as avenidas Independência e José Bonifácio permitiu destacar sua
monumentalidade, com a elevação principal voltada para a Praça Floriano Peixoto. O edifício
guarda as proporções clássicas, exibindo as ordens dórica, jônica, romana e coríntia e a planta
baixa é dividida em três corpos de amplos pavilhões distintos ligados por duas galerias. Os
pórticos e colunas externos abrem para o norte e sul e a cobertura em forma de abóbada com
arco-abatido foi concebida combinando estrutura metálica e telhas em cimento amianto

3
Fonte: Relatório apresentado ao Conselho Municipal de Belém, em 07.03.1910.
39

Eternit, alternando losangos nas cores preta e cinza (DERENJI, 2010, p.9). A riqueza dos
materiais se destaca nos elementos de composição: mármore Carrara em todas as portas e
soleiras e nas pilastras ornadas de diamantes talhados, lanternins cobertos com chapas em
cristal, grades e escada helicoidal interna em ferro forjado e azulejos decorados com motivos
Art-Nouveau.

Segundo a reportagem, o edifício se ergueu no ponto mais alto e mais ventilado da


cidade e a utilização de lanternins no teto mostra o cuidado do engenheiro em proporcionar
um ambiente com aeração e iluminação adequadas, considerando a perecibilidade de
alimentos a serem estocados internamente e a temperatura local.

Figura 6: manchete da primeira página


do Jornal A Província do Pará,
de 21.05.1911.

Fonte: Biblioteca e Arquivo Público do


Estado do Pará, 2013.

O projeto final resultou em um edifício monumental, com linhas clássicas, porém de


expressão eclética, em razão da composição entre formas e materiais, uma tipologia que atesta
a transferência do modelo europeu para a capital paraense: um grande espaço, o mercado
público coberto, estruturado em ferro e vidro, com a finalidade de abastecer a cidade (figura
7). O mercado herdou a inovação do ferro forjado que usado “junto com o envidraçamento
modular, tornaram-se a técnica padrão de rápida pré-fabricação e construção de centros
urbanos de distribuição: mercados, casas de câmbio e galerias” (FRAMPTON, 2005, p. 29). O
40

autor destaca a rapidez de montagem dos kits pré-fabricados de ferro/vidro e o início de sua
exportação para o mundo inteiro, em meados do século XIX, ainda que não se possa afirmar
que esta operação ocorreu no caso do Mercado de São Brás.
Sua utilização está presente nos lanternins da cobertura (figura 8), nas escadas, nos
quiosques de vendas (figura 9), nas grades das portas e janelas, expressa nas formas
decorativistas do Art-Nouveau, dando ao ferro mais que uma função estrutural, uma função
estética.

Figura 7: Mercado de São Brás, cartão postal do início do século XX, com a fachada norte, seus
pórticos e pilastras abrindo sobre a futura Avenida Tito Franco, hoje Almte. Barroso e a fachada oeste,
com a entrada principal ladeada por portas que davam acesso ás salas de administração e fiscalização do
mercado. Abrindo para a Praça Floriano Peixoto.

Fonte: arquivo Carlo Santoro in Mercado de São Brás (DERENJI, 2010).


41

Figura 8: detalhe do lanternim da cobertura


com estrutura em ferro e vidro, permitindo a
iluminação da ala central do mercado.

Fonte: a autora

Figura 9: interior do mercado com os quiosques de vendas em


ferro forjado.

Fonte: arquivo Carlo Santoro; colaboração da bibliotecária


Regina Vitória da Fonseca, disponível em < http://fauufpa.org,>
acesso em 17.06.2014.
42

A reportagem finaliza enaltecendo a ação do Intendente em dotar o bairro de São


Brás com tão belo monumento, deixando entrever um importante elemento polarizador
anterior ao mercado, a Estação de São Brás da Estrada de Ferro de Bragança (figura 10) que
ligava a capital à cidade de Bragança no interior do Estado:

Pelo croquis da planta-baixa do edifício, poderá o leitor mais facilmente perceber,


em suas linhas gerais, as divisões do bello monumento de architectura artístico-
industrial com que o infatigável intendente de Belém, senador Antonio Lemos,
executando as determinações da edilicidade d’esta capital, dotou indirectamente o
populoso bairro de São Braz, onde a necessidade de um mercado para os generos
coloniaes, que entram na cidade, pela vizinha Estrada de Ferro de Bragança, de ha
muito se fazia imperiosamente sentir, para acabar, de vez, com a retrograda e
incommoda feira que ali se fazia, em frente a citada estação bi-semanalmente.
Se fôr levada a efeito a abertura do projectado canal doca do Guama a praça
Floriano Peixoto, para o commercio marítimo por pequenas embarcações do
interior do Estado, a empresa cessionária do novo mercado terá, por certo, nelle, o
seu segundo maior elemento de prosperidade.4

Antonio de Carvalho

Figura 10: antiga Estação de São Brás da Estrada Ferro de Bragança, na década de 1950, com os
carregadores de bagagens e seus carrinhos de mão em São Brás, por Dmitri Kessel, 1957.

Fonte: acervo da revista TIME LIFE, disponível em www.nostalgiabelem.com, acesso em


12.04.2012.

4
Fonte: Jornal A Província do Pará, de 21.05.1911.
43

A estação teve seu primeiro trecho inaugurado, de Belém à Benevides, em 24 de


junho de 1884, chegando definitivamente à Bragança em 1908, totalizando aproximadamente
31 km de extensão, onde já imigrantes açorianos e ingleses tinham se instalado durante a
colonização. O objetivo do governo provincial à época era criar uma via de escoamento,
considerando que a região bragantina já tinha uma produção agrícola razoável que pudesse
abastecer a capital e as cidades circunvizinhas. Segundo Leandro (2012) e Silva (2012):

Junto ao empreendimento colonizador, justificado pela criação de uma moderna


zona produtora de alimentos, a ferrovia foi planejada para encurtar, no tempo, as
distâncias que separavam as localidades no entorno de seu curso, fazendo circular,
entre Bragança e Belém, a produção dessas localidades. A ferrovia seria, portanto, o
projeto estruturante do empreendimento colonizador, pois dinamizaria a ocupação
produtiva dos lotes agrícolas, uma vez que a empresa concessionária deveria instalar
colonos ao longo de seu eixo, e viabilizaria o transporte mais eficiente da produção
de alimentos para o abastecimento das cidades localizadas no eixo da estrada de
Bragança e da praça de Belém. Na direção de Bragança seguiriam toda sorte de
artigos manufaturados e mercadorias importadas. Na direção de Belém, os produtos
da lavoura bragantina (LEANDRO, 2012; SILVA, 2012).

Um dos primeiros registros cartográficos do entorno constituído se encontra no


levantamento da Planta da Cidade de Belém (figura 11) e os equipamentos urbanos existentes
à época, mandada levantar pela Vereação do Quatriênio (1883-1886) e elaborada pelo
engenheiro Manoel Odorico Nina Ribeiro (ANDRADE, 2010). A área destacada da planta
(figura 12) indica o Largo de São Brás, de onde partem a Estrada de Bragança no sentido do
interior do Estado, com o tracejado correspondente aos trilhos de ferro, assim como o canal-
doca, mencionado na reportagem, ligando o Largo ao rio Tucunduba, no bairro do Guamá, em
sentindo oposto. Não há indicação da estação na planta, mas apenas dos trilhos na estrada de
Bragança.
44

Figura 11: Planta atualizada da Cidade de Belém, baseada no levantamento


feito pelo engenheiro Manoel Odorico Nina Ribeiro, a pedido da Vereação
do Quatriênio (1883-1886).

Fonte: álbum MDCCCXCIX AMAZONIA de ARTHUR CACCAVONI,


publicação de 1899.

Figura 12: área destacada da planta, com o Largo de São Brás, em verde. À direita, a Estrada de
Bragança, com indicação dos trilhos de ferro e à esquerda, o ramal do canal-doca ligando o Largo
até o rio Tucunduba.

Fonte: álbum MDCCCXCIX AMAZONIA de ARTHUR CACCAVONI, publicação de 1899.


45

A proximidade entre mercado e estação permite uma primeira abordagem sobre a


constituição do entorno histórico. Os produtos provenientes da zona bragantina que entravam
pela estrada ferro e abasteciam Belém, tinham a feira como primeiro receptor de mercadorias,
o que gerava uma dinamização na área, localizada à entrada do populoso bairro do Marco da
Légua, delimitado por Antonio Lemos como a 1ª. Légua Patrimonial da cidade. O mercado se
tornou, desta forma, um novo elemento polarizador, cumprindo sua função de espaço de
trocas comerciais e abastecimento.
Retoma-se então a análise de Guàrdia e Oyón (2010), quando definem o mercado
público como um unificador de coisas diversas. Um espaço urbano de Belém ganhava, com a
construção do mercado, uma multiplicidade de sentidos entre arquitetura, comércio,
transportes e vida social. A população por sua vez, vivenciaria uma nova forma de consumo
similar ao modelo europeu, passando da forma tradicional de comércio no espaço aberto, a
feira livre, para o comércio no espaço fechado, com sua organização interna, normas de
higiene e certamente uma nova postura no ato de comercializar, lembrando que higiene e
postura eram de fundamental importância para a politica de modernização da gestão do
Intendente. Era preciso acabar com a “retrógrada e incômoda feira” em frente à estação e
causar boa impressão aos visitantes procedentes de outras localidades do país e do interior do
Estado, como referenciado na reportagem de A Província do Pará, na data da inauguração.
O Mercado de São Brás é hoje um dos mais expressivos mercados públicos de Belém,
em razão de sua importância como monumento, como patrimônio histórico edificado e como
espaço comercial que supre as necessidades básicas de consumo dos moradores, na maioria,
provenientes das áreas adjacentes. Sua arquitetura é destacada pela monumentalidade e pelo
cuidado na iluminação no período da noite (figura 13), porém se faz visível a necessidade de
restaurá-lo e de oferecer segurança ao seu entorno, em todos os momentos do dia. A
insegurança é uma das queixas mais frequentes de seus usuários.

Destinado à venda de carne, peixe e hortifrutigranjeiros, o mercado foi perdendo


progressivamente sua função comercial original, oscilando entre períodos de efervescência e
abandono, com uma flutuante destinação de uso sempre sujeita à tomada de decisão do poder
público e que, até o presente momento, não encontrou sua representatividade funcional como
espaço de comércio na cidade de Belém.
46

Figura 13: mercado de São Brás na atualidade

Foto: Faustino Jr., disponível em www.tre-pa.jus.br, acesso em 16.04.2013.

Atualmente, o espaço se encontra ocupado por artesãos e comerciantes que oferecem


produtos diversos aos consumidores, sendo frequentado por moradores do bairro e do Largo
que guardam o mesmo nome, e por moradores distantes que se deslocam até o espaço, em
razão de encontrarem produtos de sua preferência ou por manterem vínculos de amizade com
os vendedores, conforme identificado nas entrevistas realizadas. Situado numa região
limítrofe a outros bairros igualmente significativos e na confluência de três importantes
avenidas (figura 14), o mercado mantém sua visibilidade, apesar de suas condições precárias
de conservação.
47

Figura 14: Mercado de São Brás na atualidade, em destaque no circulo em vermelho, na


confluência das avenidas Almirante Barroso, José Bonifácio e Magalhães Barata.

Fonte: álbum Sávio Castro, disponível em www.panoramio.com, acesso em 23.04.2013.

O bairro de São Brás começou a ser ocupado na década de 1920, do século passado,
e seu crescimento está relacionado à expansão urbana da cidade em direção ao bairro vizinho,
o Marco. De 1950 a 1960, o crescimento demográfico ficou estabilizado, mas era um bairro
dos menos expressivos em termos de crescimento populacional, representando apenas 4,15%,
em razão de alguns edifícios de apartamentos existentes nos bairros de Nazaré e São Brás
(PENTEADO, 1968, p.208).

A primeira imagem da área no entorno do mercado é de intenso tráfego de veículos e


pedestres, uma característica de zonas comerciais por estar localizado no início da principal
avenida de saída que liga Belém à Região Metropolitana e à saída da cidade feira livre,
vendedores ambulantes e edificações comerciais (figura 15).
48

Figura 15: vista aérea do Mercado de São Brás, com a fachada principal abrindo sobre a Praça
Floriano Peixoto, à entrada da Avenida Almirante Barroso. Na área posterior, se encontram o
estacionamento, a feira, o mercado de carne e o pavilhão de lanches construído, em 1922. Outros
estabelecimentos comerciais margeiam o lado direito da avenida.

Fonte: arquivo Shirley Penaforte, 2012.

Com infraestrutura própria de comércio e serviços, no qual o mercado e a feira


desempenham seu papel comercial, o bairro de São Brás está situado em zona mista contendo
habitação comércio e serviços onde se mesclam construções de expressão antiga, moderna e
contemporânea. Estas construções são parte da abordagem do entorno do mercado, porque se
apresentam como construções que configuram temporalidades diferentes, ao longo da história
desta área: o mercado público edificado no início do século XX, o terminal rodoviário, o
conjunto residencial e a escola de ensino fundamental, edificados entre 1950 e 1970. O
cruzamento destas temporalidades é definido por Lepetit (2001):

As casas e os espaços de trabalho, os edifícios públicos e a rede viária, as maneiras


de viver e de morar, a organização técnica da produção e da troca, as formas de
divertimento e a geografia dos espaços de lazer sempre provêm, em sua maior parte
do passado e resultam, em sua evolução de ritmos diferentes (...) Em outras palavras,
(...) os elementos de uma cidade, em sua contemporaneidade têm idades diferentes
(LEPETIT, 2001, p.138).
49

Neste cruzamento temporal de formas, práticas e construções, “as camadas do


passado se sobrepõem na configuração de um presente com características de mosaico”
(CASTELLANO, 2013, p.25), resultando num fato urbano, “um entorno mais limitado da
cidade inteira, caracterizado por uma arquitetura própria, portanto por uma forma própria”
(ROSSI, 2001, p. 18). Assim, as construções e praças do entorno do Mercado de São Brás
compõem este mosaico de peças distintas.

Para este estudo, adotamos o conceito de entorno histórico, com objetos desenhados
e construídos ao longo do tempo, com tipologias arquitetônicas diferenciadas e significados
sócio-ideológicos que se tangenciam numa “trama de relações” (WAISMAN, 1972, p. 52). O
conjunto mercado/entorno integrou a paisagem urbana da cidade de 1911 a 1950 e assistiu a
chegada progressiva de uma nova expressão arquitetônica modernizante que se estendeu até a
década de 1970.
Houve, neste momento, uma tentativa de ruptura com o passado, e lograda, em busca
de inovações na infraestrutura da cidade: a substituição dos trilhos de ferro pela estrada de
asfalto com a desativação da estação de trem, para dar lugar a uma estação rodoviária, a
implantação de supermercados e a consequente mudança na forma de relação comercial direta
comerciante/comprador, assim como a implantação de novos equipamentos urbanos voltados
para habitação e educação. Trata-se de uma ação que já havia ocorrido em outras áreas da
cidade, implementada por meio das intervenções arquitetônicas ou urbanísticas, motivadas
principalmente pelo ideário de modernização.
O Mercado de São Brás, enquanto coisa edificada se configura como elemento
polarizador e se integra ao entorno edificado, desempenhando sua função ao lado dos
pequenos e grandes estabelecimentos comerciais que se disseminaram no inicio dos anos 70,
os supermercados, e seu modelo inovador estruturado em cadeias de distribuição de alimentos.
50

CAPÍTULO 2 - AS TRANSFORMAÇÕES DO MERCADO E DO SEU ENTORNO

2.1- O IDEAL DE MODERNIZAÇÃO ENTRE 1930 E 1960

Enfatizou-se, anteriormente, a importância que o ideal de progresso teve na


mentalidade do século XIX e seus reflexos na industrialização e na arquitetura, a partir da
constituição de princípios que influenciaram a sociedade europeia e os países ultramarinos,
entre os quais, o Brasil. As politicas públicas de modernização implantadas na gestão do
Intendente Antonio Lemos, na cidade de Belém, buscaram o mesmo ideal, por meio de
intervenções urbanas e de construções que afirmariam seu poder político, conferindo à cidade,
entre 1890 e 1910, o status de capital da borracha. O Mercado de São Brás se encontra entre
as mais importantes realizações arquitetônicas do referido período, possibilitando o
reordenamento do espaço de consumo e a experiência da troca e da vida social sob o espaço
coberto.

A Estrada de Ferro de Bragança, inaugurada em 1908 em sua extensão total,


desempenhou um papel dinamizador na economia municipal e estadual, possibilitando o
comércio de produtos alimentícios da região bragantina para a capital e o transporte de
passageiros provenientes do interior do estado, tendo seu destino final na estação de São Brás.
Ambos, estação e mercado, dinamizaram conjuntamente a área urbana denominada Largo de
São Brás, um lugar de chegada, de partida e de passagem, ligando os primeiros bairros da
cidade ao recém-criado bairro do Marco. O Largo se afirmaria mais uma vez em seu aspecto
arquitetônico e como espaço de experiências humanas, entre 1950 e 1970, conhecendo um
segundo momento de modernização da cidade.

O ciclo da borracha no Amazônia encontrou sua decadência, em razão da


concorrência internacional imposta pela produção da borracha em larga escala na Ásia,
iniciada pelos empresários holandeses e ingleses, a partir de 1910. As cidades prósperas do
ciclo se esvaziaram, dentre as quais Belém, como descreve Penteado (1968):

Belém que já deixara de ser “a capital da borracha” ia conhecer uma das piores fases
de sua existência que corresponde aos anos que se situam entre as duas grandes
guerras mundiais, quando chegou inclusive a sentir acentuada decadência
demográfica (PENTEADO, 1968, p. 161).
51

Se os anos entre guerras deixaram a economia da cidade de Belém debilitada e sem


perspectivas, o mundo europeu buscava emergir dos episódios de destruição e crise
econômica, no sentido de criar uma nova sociedade. Em meio às transformações, a cultura é
atingida por uma profusão de ideias e questionamentos, conduzindo artistas e intelectuais a
promover uma revolução estética na arte, o Modernismo, como sintetiza Argan (1993):

Por isso, mesclam-se nas correntes modernistas (grifo do autor), muitas vezes de
maneira confusa, motivos materialistas e espiritualistas, técnico-científicos e
alegórico-poéticos, humanitários e sociais. Por volta de 1910, quando ao entusiasmo
pelo progresso industrial sucede-se a consciência da transformação em curso nas
próprias estruturas da vida e da atividade social, formar-se-ão no interior do
Modernismo as vanguardas (grifos do autor) artísticas preocupadas não mais apenas
em modernizar ou atualizar, e sim em revolucionar radicalmente as modalidades e
finalidades da arte (ARGAN, 1993, p.185).

A arquitetura e o urbanismo que haviam experimentado, no século anterior, as


possibilidades de desenvolvimento oferecidas pela inovação dos materiais e técnicas
construtivas, se insere no contexto do movimento, buscando assumir seu papel social e ao
mesmo tempo expressar a modernidade. Os fundamentos baseados em princípios como
“processos de secularização, industrialização, burocratização racionalizada, urbanização
metropolitana” (MULLER, 2011, p.18), aliados à industrialização, se volta para a
problemática das habitações populares, no sentido de solucionar os efeitos da explosão
demográfica, criando espaços adequados para o homem.

Definidos os princípios, as pesquisas conduzidas pelos profissionais europeus,


durante as duas primeiras décadas do século XX, apresentavam propostas estéticas que
eliminavam os elementos cênicos, pictóricos, plásticos, ornamentais e antropomórficos, ou
seja, rejeitando a priori toda e qualquer expressão que remetesse às formas clássicas. A nova
expressão se expandiu para outros países, por meio de eventos na área, almejando se firmar
como estilo internacional, o que Muller (2011) qualifica de dogmático e prescritivo. Este
posicionamento dos profissionais europeus criou, posteriormente, visões errôneas sobre a
arquitetura moderna produzida na América Latina, como se os trabalhos desenvolvidos no
continente tivessem seguido uma homogeneidade e similaridade ao que se pretendia difundir
internacionalmente.

A difusão e recepção da nova expressão arquitetônica no Brasil coincidiram com o


período entre guerras e com o momento em que a política nacional tomava novos rumos. A
52

subida de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, e a implantação do Estado Novo deram início a
uma nova era pautada em ações que legitimassem o poder do governante. As intervenções na
paisagem urbana, na infraestrutura dos serviços à disposição da coletividade e na
modernização de edifícios públicos assumiram o ideal de modernização, pois o “governo de
Vargas deseja imprimir sua marca nas formas da capital federal, e elege como uma de suas
prioridades a construção de palácios para abrigar ministérios e órgãos públicos da nova
administração” (CAVALCANTI, 2006, p.12).

A nova expressão arquitetônica, um símbolo de modernidade e progresso,


apresentava um modelo que atenderia às aspirações políticas e pessoais do governante, como
assinala Bruand (1991):

Que os edifícios públicos tenham tido tamanha importância na arquitetura brasileira


contemporânea não é obra do acaso; o fenômeno pode ser explicado pela
organização política do país, pela amplidão das necessidades dela resultantes e pelo
prestígio que essa arquitetura assumiu junto aos governantes que viam nela um meio
seguro de promoção social (BRUAND, 1991, p.26).

Desta forma, a arquitetura moderna brasileira começou a se desenvolver, por meio da


vontade política e das aspirações pessoais de seu governante que buscou se cercar dos
arquitetos que possuíam igualmente aspirações profissionais voltadas para a pesquisa e
experimentação das possibilidades de inovação arquitetônica, sendo designados por Vargas
para assumir cargos estratégicos na esfera pública e acadêmica.

Lúcio Costa que havia sido nomeado diretor da Escola Nacional de Belas Artes e
outros arquitetos, nomeados na Secretaria do Patrimônio Histórico, se reúnem com Le
Corbusier, à ocasião da elaboração do projeto para a sede do Ministério da Educação e Saúde,
“marco e divisor de águas da revolução moderna na construção” (CAVALCANTI, 2006,
p.12) e do início da difusão da arquitetura nacional, a começar pela esfera acadêmica.

As concepções corbuserianas influenciam o discurso de Lúcio Costa na ocasião do


debate sobre os novos rumos da arquitetura brasileira e sobre o ensino acadêmico das artes
que se encontrava ainda fortemente arraigado aos princípios tradicionalistas. Segawa (1998)
relata o episódio de antagonismo:
53

A reorganização da ENBA prontamente gerou reações dos tradicionalistas.


Christiano Neves, em São Paulo e José Mariano Filho, no Rio de Janeiro,
publicaram agressivos artigos na imprensa. Mariano, antecessor de Costa na direção
da escola, taxou a reforma como “orientação perniciosa”, com a transformação da
ENBA num “centro propulsor das ideias derrotistas” como qualificava o pensamento
de Le Corbusier “por iniciativa de um jovem inexperiente e ambicioso partidário
extremado do estilo nacional até a véspera de galgar o ambicioso posto” (FILHO,
1943, p.54 in SEGAWA, 1998, p.78).

O ideal comum, entre o poder público e o saber profissional, no sentido de imprimir


a modernidade por meio da obra de arquitetura, provoca assim, um embate entre os
profissionais que coloca, frente a frente, arquitetura tradicional e arquitetura moderna, valores
do passado e perspectivas de futuro, num país que passava por transformações econômicas e
sociais, no âmbito de uma proposta política. Este movimento de reforma assumiu um caráter
de ruptura com a tradição, encontrando, inicialmente, na “arquitetura pública - restringindo
esta categoria para designar aquela produzida por e a partir do Estado” (MÜLLER, 2011, p.
14), um meio de expressão estética, dentro do ideal de progresso e modernização preconizado
pelo Estado Novo.

A cidade de Belém recebeu influências da nova expressão, inicialmente “a partir do


final da década de 1930 com evidente contribuição das ações políticas da Revolução de 1930
e, posteriormente, do Estado Novo e seu processo modernizador” (CHAVES, 2009, p.65),
dando origem aos primeiros edifícios públicos e privados. As primeiras manifestações desta
arquitetura com referências modernas surgiram nos projetos de engenheiros como Judah Levi,
entre 1938 e 1946, como define Chaves (2011):

O processo de verticalização sentido em Belém na década de 1940 tornou-se


símbolo do crescimento urbano da cidade do período. Mesmo que possa ser
classificado como “reduzido” ou mesmo limitado, visto que se concentra
inicialmente a uma avenida, a gradativa formação do túnel de arranha-céus dava à
região um ar de metrópole inspirado no já consagrado processo de verticalização
norte-americano, e no caso brasileiro da então capital federal, o Rio de Janeiro, e de
São Paulo (CHAVES, 2011, p.29).

Neste sentido, criou-se um eixo de edifícios na Avenida Presidente Vargas, como nas
grandes capitais do sudeste que associavam modernidade à verticalização, desenvolvimento à
constituição de uma área central com ar metropolitano, capitais que por sua vez reproduziam
um estilo internacional, “uma característica bem geral da mentalidade do latino-americano, da
parte sul do continente – característica que começa a ser revertida – o desprezo pelo passado e
o entusiasmo pela modernidade, por tudo o que represente, de modo superficial – o progresso
54

(WAISMAN, 2011, p.65). O entusiasmo continuou a partir de 1950, “quando a região sofre os
influxos das políticas de desenvolvimentistas e de industrialização adotadas a partir desta
década” (CHAVES, 2009, p.65), como a construção da rodovia Belém-Brasília. Waisman
(2011) se refere à dificuldade em definir periodizações no século XX, apontando a pluralidade
e coexistência de orientações arquitetônicas diversas na América Latina que dificultam uma
delimitação e assinalando décadas relevantes:

Algumas delas aparecem fortemente caracterizadas, como a década de 1960, por


exemplo, ou a década de 1950. Esta observação válida para a arquitetura dos países
centrais, também o é para os nossos que, à sua maneira e com maior ou menor atraso,
retomam ou reelaboram as correntes universais do pensamento arquitetônico. (Aqui
a década de 1960, por exemplo, estendeu-se até 1975 ou 1976 (WAISMAN, 2011,
p.62).

Na cidade de Belém, a década de 1950 foi o momento máximo das expressões com
referências modernas quando “as transformações também incidiriam na construção de outras
tipologias, como escolas e edifícios institucionais“ (CHAVES, 2009, p.66), a exemplo do Sul
do país, a partir de “uma cadeia de valores político-sociais que potencializa a obra pública
com a imagem do progresso” (GORELIK, 2011, p.11). Neste momento, as políticas
habitacionais do Estado Novo alcançam o Estado do Pará e sua capital, momento em que o
arquiteto Edmar Pena de Carvalho, funcionário do Instituto de Aposentadorias e Pensões-IAP,
órgão federal, apresenta suas concepções para habitações populares, incorporando elementos
da Arquitetura Moderna Brasileira.

Esta nova arquitetura que pretende ser moderna segue o princípio da reelaboração
das correntes universais arquitetônicas (WAISMAN, 2011), assumindo suas particularidades
que para Müller (2011) é o produto resultante das condições híbridas nos processos de
modernização na América Latina. Assim, para compreender a arquitetura realizada em Belém,
no período definido nesta dissertação, 1950-1970, é necessário considerar alguns fatores,
como as particularidades econômicas, geográficas e políticas do contexto latino-americano,
brasileiro e amazônico.

A década seguinte, 1960, teve como marco desenvolvimentista a construção da


rodovia Belém-Brasília, objetivando integrar a Região Norte às demais regiões do país. Os
projetos de modernização estavam inseridos em políticas públicas subjacentes ao Plano de
Metas do então Presidente Juscelino Kubischeck, que constituiu comissões técnicas, tendo o
planejamento, a estratégia e a tomada de decisão como elementos fundamentais para a
55

concretização de seus objetivos. O setores de transportes e energia se tornaram prioridade e


Belém recebeu o impacto das transformações em sua principal via de acesso, com a
substituição definitiva da estrada de ferro pela rodovia, com impactos na paisagem urbana do
entorno do Mercado de São Brás que se estenderam, efetivamente, até a década de 1970
(WAISMAN, 2011).

Este capítulo apresenta inicialmente as transformações ocorridas a partir do ideal de


modernização preconizado pelas políticas fixadas, entre 1930 e 1960, buscando compreender
a apropriação gradual de um espaço urbano da cidade, pelo poder público. Em seguida,
procura-se reconstituir a articulação entre os fatos históricos e os fatos arquitetônicos que
configuraram um adensamento com construções de expressão modernizante que se adensou
em torno do Mercado de São Brás, entre 1950 e 1970, motivando a escolha deste recorte
temporal para análise, e conclui-se com o estudo das relações tipológicas entre o mercado
público e as novas arquiteturas.

2.2 – UMA HISTÓRIA DE TRANSFORMAÇÕES

Durante o período entre guerras, no qual Belém conheceu uma das suas piores fases
(PENTEADO, 1968), o mercado de São Brás continuou recebendo produtos da zona
bragantina para comércio e abastecimento das feiras locais. Em 1939, na gestão do prefeito
Abelardo Condurú, é inaugurado um pavilhão anexo (figura 16), destinado à venda de peixes
e mariscos. A imprensa local destaca a iniciativa da gestão municipal, a arquitetura de traços
neoclássicos, as condições satisfatórias de higiene das instalações e a importância da
construção para o desenvolvimento da cidade:

A Prefeitura de Belém acaba de concluir a construção de um pavilhão annexo ao


Mercado de São Braz e destinado, exclusivamente, à venda de peixes e mariscos.
Essa obra satisfaz plenamente a todas as exigências da hygiene e das modernas
construções e seria digna das cidades mais adeantadas. E` um pavilhão isolado, de
forma rectangular, ocupando uma área de 420 metros quadrados, isto é, 30 metros
de frente por 14 de fundos.5

5
Fonte: Jornal A Folha do Norte, de 05.06.1939.
56

Figura 16: construção anexa ao mercado, destinado à venda de peixe e mariscos, publicada à data da
inauguração.

Fonte: Jornal A Folha do Norte, de 05.06.1939.

No final da década de 40, o contexto político nacional seguia as políticas públicas


consolidadas após a Revolução de 1930. As relações entre Governo Federal e Estados foram
regulamentadas, refletindo um papel estratégico no mecanismo político-institucional
implantado. O poder federal intencionava realizar mudanças na esfera econômica e
necessitava da cooperação dos governos estaduais, no sentido de criar uma articulação entre
poderes executivos.

Um segundo momento de modernização se inicia em Belém, começando em 1950,


na gestão federal do Presidente Getúlio Vargas, sob a influência da corrente modernizadora da
arquitetura pública e prosseguindo até 1970, na gestão do Presidente Juscelino Kubitschek.
Neste período, novas construções foram implantadas no entorno do Mercado de São Brás, em
duas áreas específicas. A primeira corresponde à área delimitada pela poligonal de
abrangência do entorno histórico (figura 17), tombada posteriormente pelo Departamento de
Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Governo do Estado do Pará, pela Lei n. 4855-03
57

de Setembro de 1979, onde se encontram a caixa d’água em ferro (1898), o mercado de São
Brás (1911), o conjunto IAPI (1950) e a escola Benvinda de França Messias (1951):

A área de entorno tem por delimitação, a área limitada pela poligonal, que tem início
na interseção da Av. Governador José Malcher com a Trav. Praça da Leitura; dobra
à direita e segue por esta, até sua interseção com a Avenida Cipriano Santos; dobra à
esquerda e segue por esta, até sua interseção com a Rua Dr. Deodoro de Mendonça;
dobra à direita e segue por esta, até sua interseção com a Rua Farias de Brito, dobra
à direita e segue por esta, até sua interseção com a Av. José Bonifácio; dobra à
esquerda e segue por esta, até sua interseção com a Av. Gentil Bittencourt; dobra à
direita e segue por esta, até sua interseção com a Trav. Castelo Branco; dobra à
direita e segue por esta, até sua interseção com a Av. Gov. José Malcher; dobra à
direita e segue por esta, até sua interseção com a Trav. Praça da Leitura, início da
poligonal. 6

Figura 17: área delimitada pela poligonal de abrangência do entorno histórico, contendo a caixa
d’água em ferro (1898), o mercado de São Brás (1911), o conjunto IAPI (1950) e a escola Benvinda
de França Messias (1951).

Fonte: Google Earth, 2013, com indicações da autora.

6
Fonte: Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Pará, Processo: Nº 407/81 – 06 de Março de 1981 Lei:
Nº 4855-03 de Setembro de 1979 Diário Oficial: 02 de Julho de 1982 Livro de Tombo nº 03 – Livro de Bens
Imóveis de valor histórico, arquitetônico, urbanístico, rural, paisagístico, como: obras, cidades, edifícios e sítios
urbanos ou rurais. Termo de Aditamento e Ratificação: Diário Oficial nº 28.988 de 18.06.99 Termo de
Retificação de Entorno: Diário Oficial nº 30.011 de 20.08.2003
58

A segunda compreende a área onde se localizava a antiga Estação Ferroviária Belém-


Bragança (1884-1965) que deu lugar ao Terminal Rodoviário de Belém, inaugurado em 1970,
e que se encontra em atividade até os dias atuais (figura 18).

Figura 18: área onde está situado o Terminal Rodoviário de Belém, no mesmo local onde funcionava
a Estação Ferroviária Belém-Bragança, desativada em 1965.

Fonte: mapa base extraído do Google Earth, com indicações da autora.

Assim, foram selecionadas, para esta análise, o Mercado de São Brás (1911), o
conjunto habitacional do IAPI (1950), a Escola Municipal Benvinda de França Messias
(1951) e o Terminal Rodoviário (1970), como referências da arquitetura pública moderna em
Belém, localizadas numa zona distante dos bairros centrais.

O processo de transformação iniciou quando as ideologias nacional e local


compartilhavam o populismo. De um lado, Getúlio Vargas implementava sua ditadura que
reprimia politicamente a população e ao mesmo tempo realizava reformas que beneficiavam
os trabalhadores urbanos e a industrialização. De outro, o Interventor Joaquim de Magalhães
Barata, implementava o Baratismo no Estado do Pará, centralizando múltiplas funções na sua
figura: governador, prefeito, promotor, juiz e advogado, se aproximando da população, com a
realização de audiências públicas no Palácio do Governo.
59

A pactuação entre as diferentes esferas de poder permitiu a implementação das


políticas populistas do Estado Novo nas capitais brasileiras, o que significava legitimar o
compromisso com as massas. Bonduki (1994) destaca a política de habitação social como
uma das estratégias de condução das massas populares urbanas:

Como a habitação sempre representou um grande ônus e um problema dos mais


graves a ser resolvido pela classe trabalhadora urbana, visto o aluguel da moradia
consumir uma parcela considerável do salário, a formulação pelo Estado de um
programa de produção de moradias e de uma política de proteção ao inquilinato
tinha ampla aceitação pelas massas populares urbanas e mostrava um governo
preocupado com as condições de vida da «população menos favorecida» (grifo do
autor) (BONDUKI, 1994, p.717).

As reformas trabalhistas do governo levaram à criação e implantação de uma


concepção de habitação social, destinado aos servidores do Instituto de Aposentadoria e
Pensões dos Industriários, objetivando dar moradia barata e financiada aos seus usuários,
conforme destaca Baron (2011):

A intervenção do Estado apareceu em um momento que ficou provado que a


iniciativa privada, que até então produzia habitações para serem alugadas, se
mostrou incapaz de atender a demanda e os valores dessas habitações eram
incompatíveis com os salários dos trabalhadores (BARON, 2011, p.110).

Assim, o Estado assumiu o controle da produção da habitação social no pais, ao


mesmo tempo em que elaborava códigos de posturas, visando reordenar o espaço urbano e
corrigir as deficiências de higiene sanitária que davam seus primeiros sinais, em decorrência
do fluxo migratório e do crescimento populacional das cidades, com o processo de
industrialização que se iniciara lentamente no Estado de São Paulo, a partir de 1937.

O conjunto habitacional do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários


IAPI foi uma das primeiras intervenções do Estado Novo na habitação social, criado pela Lei
n. 367, de 31.12.1936, em seu artigo 6º, conforme trecho da publicação original:

Lei nº 367, de 31 de Dezembro de 1936

Crêa o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriarios Subordinados ao


Ministerio do Trabalho, Industria e Comércio, e dá outras providências:

O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil:

Faço saver que o Poder Legislativo decreta e eu sancciono a seguinte lei:


60

Art. 6º O Instituto manterá, a título de applicação de fundos e bem assim como


benefício aos proprios associados, carteiras de emprestimos simples, hypotecarios e
de financiamento de casas para moradia.7

Desta forma, a política de habitação social solucionaria dois problemas ocasionados


pela recente industrialização, a questão da moradia e a carência de infraestrutura de serviços
púbicos para a população. Castriota (2009) assinala a importância desta politica de
reordenamento para a arquitetura brasileira:

É importante também observar que, em 1950, o IAPI atingia uma maturidade


institucional de intervenção na questão habitacional, baseada no conhecimento
teórico e na experiência concreta... isso significa a inclusão, junto às moradias, de
escolas, serviços de assistência médica, centros comerciais, estações de tratamento
de esgoto, dentre outros serviços. Dessa forma, pode-se perceber que, como órgãos
determinantes na política habitacional no período de 1940 a 1950, os IAPI’s
introduziram inovações, novas implantações e tipologias de projetos habitacionais
que fizeram parte da produção da arquitetura moderna nacional (CASTRIOTA, 2009,
p. 42).

Como outras capitais brasileiras, Belém recebeu a implantação de um exemplar do


conjunto habitacional IAPI, no final da década de 40, obedecendo as principais diretrizes de
elaboração do arquiteto Rubens Porto, assessor técnico do Conselho Nacional do Trabalho –
órgão do Ministério do Trabalho responsável pela normatização, fiscalização e aprovação de
procedimentos dos IAPI`s: “construção em blocos, estandardização dos elementos
construtivos e uso racional dos materiais, edificação isolada do traçado existente na cidade e
solução racional da planta” (BONDUKI, 1998, p.150 apud BARON, 2011, p.114).

O conjunto habitacional foi construído no Largo de São Brás, em área distante da


zona central da cidade, próximo ao mercado, em posição perpendicular à Avenida Tito Franco,
atual Avenida Almirante Barroso que substituiu posteriormente o caminho da linha ferroviária.
(figura 19). A organização espacial do conjunto configurava a disposição em blocos paralelos
e simétricos, cercada por vegetação e se inspirava na concepção das cidades-jardim propostas
por Ebenezer Howard em seu livro “Tomorrow, a Peaceful Path to Real Reform” publicado
em 1898. Uma das primeiras experiências de implantação desta tipologia, já tinha se

7
Fonte: <http://www2.camara.leg.br/>, acesso em 10.07.014.
61

concretizado em 1941, por meio das ações do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Comerciários - IAPC, como assinala Freitas (2012):

As cidades jardim promovidas pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos


Comerciários (IAPC), embora bastante distantes do modelo Howardiano, cumprem
o papel de harmonizar as contradições sociais emergentes, constituindo-se como um
dos modelos adotados pelos Institutos para a consolidação dos direitos dos
trabalhadores urbanos no Brasil - importante bandeira do Estado Nacional Moderno,
a partir do movimento de 1930 (FREITAS, 2012, p.2).

Figura 19: conjunto IAPI Belém, em fase de construção no ano de 1950. No canto superior esquerdo,
pode-se ver a caixa d’agua em ferro do século XIX e no canto inferior esquerdo a atual Praça da
Leitura, no Largo de São Bras.

Fonte: Jornal O Liberal, de 22.10.1950.

O bairro de São Brás apresentava uma diminuição em seu quadro populacional entre
1950 e 1960, que o colocavam em 19 o lugar, com aumento populacional de apenas 4,15%, a
menor taxa perante os demais, segundo estatísticas apresentadas por Penteado (1968). Ao
final da década, o mapa indicativo da concentração urbana indicava uma tendência de
62

crescimento que se efetivou, elevando o bairro à 9ª. posição. Esta variação mostra que a
expansão urbana em direção ao Largo de São Brás mostrava resultados demográficos,
associados à implantação de novas construções como o IAPI, próximo à Estação de Ferro
Belém-Bragança (figura 20).

Figura 20: imagem do Largo de São Brás no início da década de 1960, onde é possível ver o conjunto
IAPI Belém, a Estação de Ferro Belém-Bragança, duas praças públicas, as atuais Praça do Operário e
da Leitura, nos círculos em verde, separadas pela Avenida Almirante Barroso, linha amarela.

Fonte: <www.nostalgiabelem.com>, acesso em 16.07.2014.

Antigos moradores do IAPI Belém, desde sua inauguração, trazem na memória,


experiências relacionadas ao estilo de vida no conjunto habitacional e à estação ferroviária:

Vim prá cá com dois anos de idade, em 1952. Tenho 74 anos de idade. Quando eu
tinha 5 anos, lembro que ainda estavam construindo algumas casas. Meu pai foi um
dos pioneiros aqui do IAPI. Aqui tudo era mato e esta vila era considerada um lugar
para pessoas de condição financeira bem baixa, porque era bem barato. Era um lugar
onde as pessoas tinham medo de morar porque era rodeado de mato. Era a matinha.
Essa vila do IAPI era considerada o fim do mundo de Belém (Graça Martins,
moradora do conjunto habitacional do IAPI, desde a década de 1950).
63

[...] a moradia era excelente porque era tudo aberto. Não tinha grades, muros, as
luzes dos postes eram aquela luzinha amarela. Vinha um senhor com um pedaço de
madeira, acendia a luzinha lá em cima. Eu em criança e adolescente brincava. Eram
muitas crianças. Tinham as festas juninas. Não havia ladrões, estupradores... (Graça
Martins, moradora do conjunto habitacional do IAPI, desde a década de 1950).

[...] meu pai era funcionário da estação de trem. Eu ia pequeno prá lá quando ele
tinha que fazer serviços ordinários. Lembro bem dela. Andei no trem, fomos prá
Castanhal. Mas era muito longe prá eu lembrar de tudo. Tenho uma leve lembrança
das histórias que meu pai contava prá gente porque ele viajava muito. Ele era da
Tesouraria. Viajava para fazer pagamentos. (Guilherme Souza, morador do IAPI,
nas décadas de 1950 a 1960).

Projetado pelo arquiteto Edmar Penna de Carvalho, “arquiteto e funcionário do


Instituto” (CHAVES, 2009, p.72), o IAPI Belém configurava blocos simétricos, com unidades
geminadas e fachadas uniformes nas quais foi introduzido o combogó, elemento vazado que
permite a ventilação da área de acesso aos apartamentos superiores (figura 21).

Figura 21: bloco com unidades geminadas do conjunto habitacional do IAPI, com indicação dos
combogós de ventilação nas fachadas, como solução arquitetônica. Projeto: Edmar Penna de Carvalho

Fonte: foto da autora, 2014.

Com o passar dos anos, ocorreram intervenções dos proprietários nas unidades:
variação nas cores das fachadas, inclusão de garagens cobertas, grades de proteção nas janelas
e algumas delas transformadas em espaços comerciais (figura 22). Conforme relato de uma
64

antiga moradora, nos primeiros anos do conjunto, não era permitido fazer alterações no
projeto, mas atualmente é difícil encontrar uma unidade que tenha se mantido fiel ao projeto
original:

Eu já tenho quase 50 anos aqui. Quando cheguei, a vila era toda gramada. Era como
um condomínio. Você não podia mover nada do lugar, depois as casas foram
vendidas para os locatários, aí as pessoas começaram a modificar as casas, mas esta
é uma estrutura muito boa (Selma Vieira, moradora do conjunto desde o final da
década de 1960).

Figura 22: unidades geminadas do conjunto habitacional do IAPI que sofreram alterações em suas
fachadas e que se tornaram espaços de comércio

Fonte: foto da autora, 2014.

A criação de uma infraestrutura de serviços urbanos junto aos IAPI`s (Castriota,


2009), se encontrava no âmbito das políticas habitacionais implementadas por Getúlio Vargas.
As transformações econômicas e sociais tinham como objetivo a construção do “novo homem”
(grifo nosso) para um Estado Novo. Um homem detentor de valores como nacionalismo,
civilidade e ordem. O governo objetivava consolidar estes princípios e a educação pública
serviria de instrumento na formação das massas, em prol do surgimento da mentalidade
preconizada, como assinala Rosa (2007):

A educação, na retórica do governo, era considerada um dos problemas mais


urgentes de solução no Brasil. Com o auxílio do Ministério da Educação e do
Departamento de Propaganda (posteriormente DIP - Departamento de Imprensa e
Propaganda), o regime autoritário, principalmente durante o Estado Novo, articulou
uma dupla estratégia de atuação na área cultural, voltada tanto para as elites
intelectuais como para as camadas populares. (ROSA, 2007, p.20)
65

Nesta perspectiva, ergue-se no conjunto do IAPI uma unidade educacional em 1951,


a Escola República dos Estados Unidos, posteriormente Escola Municipal de Ensino
Fundamental Profa. Benvinda de França Messias (figura 23), em área adjacente ao conjunto
habitacional, projetada igualmente por Edmar Penna de Carvalho. As fachadas apresentam um
arranjo volumétrico, formas trapezoidais e retangulares, e uso de elementos como o combogó
e o brise-soleil8 como solução para o conforto ambiental em seu interior.

Figura 23: Escola Municipal Benvinda de França Messias, na atualidade, em frente ao mercado,
integrando o conjunto habitacional do IAPI (vista a partir do mercado).

Fonte: foto da autora, 2014.

Na área interna, pilotis, rampas e escadas trabalham para compor estruturalmente e


esteticamente a planta livre. A partir de seu interior, a imagem do entorno se abre com suas
vias, construções e toda a dinâmica do Largo de São Brás. Os espaços livres como o pátio, as
rampas laterais e os jardins permitem uma visualização contrastante: de um ângulo, a

8
O brise-soleil é um entre vários tipos de dispositivos de proteção solar. É um elemento construtivo constituído
por lâminas geralmente paralelas, externas à edificação. Pode ser classificado pela sua tipologia (horizontal,
vertical ou combinado), pela mobilidade (móveis ou fixos), e pela sua expressão arquitetônica. A função
primordial desses elementos é impedir que a incidência da radiação solar direta atinja as superfícies verticais da
edificação, principalmente as transparentes ou translúcidas, interceptando os raios solares (GUTIERREZ;
LABAKI, 2005, p.875).
66

modernidade do conjunto IAPI, com casas geminadas, formando um bloco contínuo; de outro,
no ponto extremo da rampa de acesso ao andar superior, a imagem do mercado de São Brás,
com sua linguagem clássica, sua grande cobertura, um espaço fechado, com colunas
simétricas e poucas aberturas de acesso.

A escola se encontra em atividade até os dias atuais, com 441 alunos em seu quadro
discente. O último Projeto Político Pedagógico desenvolvido pelos professores, em 2012,
define o tombamento da escola como o reconhecimento da gestão municipal à arquitetura do
século XX:

O tombamento da escola em 1994 marca o posicionamento do Município no


reconhecimento das manifestações artísticas e culturais do século XX, uma das mais
representativas do mundo, ao se citar, por exemplo, a obra de Oscar Niemeyer,
Lúcio Costa, os irmãos Roberto, Afonso Reidy, Osvaldo Bratke, entre outros. Belém
apresenta um dos mais representativos acervos da Arquitetura modernista da Região
Norte do país, uma produção arquitetônica que trata especialmente do período de
1950 a 1970.9

A implantação do conjunto habitacional e da escola pública, no início da década de


50, inaugurou um novo tempo no Largo de São Brás, no qual os moradores começaram a
vivenciar o modo de viver e habitar estimulado pela ideologia nacional: o novo homem
inserido na coletividade com os serviços públicos a seu dispor. No entanto, os traços do
passado estavam presentes, com a imagem do mercado público do início do século XX,
aproximando os moradores de sua destinação de uso:

[...] comprávamos todos os dias (no mercado). Peixe, carne, frutas, verduras. A
estrutura era bem bonita, mas parecia um pouco abandonado. Depois fizeram uma
reforma, mas agora está precisando de uma grande reforma (Selma Vieira, moradora
do conjunto desde o final da década de 1960).

Lá não era só mercado. O meu pai, por exemplo, tinha conta nas mercearias do
mercado porque ali tinham lojas comerciais tipo mercearia e que vendiam arroz,
feijão, nos cantos do mercado e ainda tinha o mercado de carne que não era o que é
hoje. Me lembro bem. Todo mundo de São Brás tinha conta. Acho que nem existia a
feira da 25. Toda a população que morava no entorno fazia uso do mercado com
certeza. Só tinha ele ali (Guilherme Souza, morador do IAPI, nas décadas de 1950 a
1960).

9
Fonte: Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal Benvinda de França Messias/2012
67

A Estação de Ferro Belém-Bragança, por sua vez, continuava desempenhando sua


função econômica, com a via férrea que possibilitava o escoamento dos produtos alimentícios
que abasteciam a cidade e como ponto de ligação entre a capital e o interior do Estado,
proporcionando experiências contadas hoje por antigos usuários:

Na época da EFBB, eu ainda era menina e viajei no trem, mas não para Bragança,
para Icoaraci olhando toda a mata que tinha no caminho da Almirante Barroso. Era
uma diversão a estrada de ferro. Só mato lá por trás. A parte de trás da estação era
esconderijo de ladrão, mas não eram ladrões como hoje. Eram ladrões que roubavam
roupas, roubavam leite das portas das casas. Aqui em casa fomos agraciados com
alguns gatunos. Meu pai saia correndo atrás deles prá lá, pois era atrás da estação
que eles se escondiam. (...) eu convivi com a estação ainda menina. Era soturno, o
trem só rodava durante o dia. A noite não tinha mais. Era uma escuridão só. Não
tinha iluminação (Graça Martins, moradora do conjunto habitacional do IAPI, desde
a década de 1950).

A paisagem de abandono descrita pelos moradores deu lugar, em 1970, a


intervenções articuladas entre o projeto de implantação de uma estação rodoviária, em
substituição à ferroviária e à ampliação da Avenida Tito Franco, transformando
completamente a paisagem urbana do Largo de São Brás.

Os trabalhos de ampliação da referida avenida haviam iniciado em 1929 (figura 24),


na gestão do Governador Eurico de Freitas Vale (1929-1930) e do Intendente Antonio Faciola
(1929-1930), no âmbito de suas gestões, com a abertura da antiga Estrada do Marco, uma via
paralela à via férrea (figura 25), permitindo que trens, veículos e outros meios de transporte
trafegassem conjuntamente, ao longo de décadas, até que se concretizasse a extinção da linha
ferroviária e a remoção dos trilhos pela administração federal.

Figura 24: trabalhos de ampliação da Avenida Tito Franco

Fonte: arquivo Haroldo Baleixe, disponível em <www.haroldobaleixe.


blogspot.com. br, acesso em 20.07.2014.
68

Figura 25: trecho da Estrada de Ferro,em 1929, à esquerda, paralela à antiga Estrada do Marco.

Fonte: arquivo Haroldo Baleixe, disponível em <www.haroldobaleixe.blogspot.com.br>, acesso em


20.07.2014.

A iniciativa do Intendente mereceu destaque na imprensa local, às vésperas de sua


inauguração, com referências à qualidade do material utilizado na pavimentação da avenida:

Construiu uma estrada de rodagem no eixo da Avenida Tito Franco, desde a Praça
Floriano Peixoto, completamente macadamisada. Determinou que fosse
experimentado o asphalto conhecido sob a designação de “Road Oil” para
proteção e impermeabilisação da parte superficial dessa estrada10

Em 1949, na primeira gestão do Governador Moura Carvalho (1947-1950), foi dada


continuidade aos serviços com a duplicação da avenida, sob um contrato entre a Prefeitura de
Belém e o Departamento de Estradas de Rodagem, órgão que recebia subvenções do Fundo
Rodoviário Nacional). O projeto de construção compreendia o trecho paralelo à via férrea que
ligava o Largo de São Brás ao final da 1ª. Légua Patrimonial, atravessando o bairro do Marco.
Este era o bairro mais populoso de Belém, na época, com 11,67% da população absoluta e
sofreria um aumento considerável, entre 1950 e 1960, conforme dados da Inspetoria Regional
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (PENTEADO, 1968, p. 211), ocupando a 2ª
posição entre os mais populosos da cidade.

10
Fonte: Jornal O Correio do Pará, 1929.
69

A imprensa noticiava, de um lado, Avenida Tito Franco: da velha estrada do Marco


a uma das mais belas artérias do Brasil, enaltecendo a grandeza física da avenida, matéria
que foi contestada por meio de outra publicação, A verdade sobre a avenida Tito Franco, o
que o povo necessita saber, informando que o projeto implicava em aumentar o gabarito da
avenida, sem dar a devida atenção ao impacto sobre as benfeitorias situadas às margens desta.
Outro questionamento levantado se referia à remoção dos trilhos e à transferência da estação
de São Brás para o Entroncamento, projeto do Governo Federal aguardado pela população:

Mas os obstáculos de maior monta que se anteviam ainda não foram removidos,
como seja o da transferência da Estrada de Ferro de Bragança e sua estação para o
Entroncamento, pois é necessário que se saiba que não é de agora que o Governo do
Estado e os representantes deste no Congresso Nacional vêm se debatendo para
conseguir aquele objetivo, tanto mais quando a sua obtenção, atualmente, não irá
impedir que se escôem mais dois ou três anos para que as novas instalações
ferroviárias se vejam concluídas, ficando assim livres os terrenos da avenida Tito
Franco.11

As obras da Avenida Tito Franco envolviam interesses comuns entre Estado e União.
A transferência de domínio de propriedade da linha ferroviária, que havia passado do
Governo Estadual para o Governo Federal, em 1922, através do Decreto n. 15.563, de 13 de
julho de 1922, “com o propósito de encampá-la como ferrovia federal” (ANDRADE, 2010,
p.51), permitindo que a União tomasse decisões quanto a sua destinação:

Decreto nº 15.563, de 13 de Julho de 192212

Resolve adquirir a Estrada de Ferro de Bragança, de propriedades do Estado do


Pará, dal-a em arrendamento ao Governo do dito Estado.

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil, usando da autorização


constante do art. 2º, n. VII, da lei n. 4.230, de 31 de dezembro de 1920, revigorada
pelo artigo 38 da Iei n. 4.440, de 31 de dezembro de 1921, resolve adquirir a
Estrada de Ferro de Bragança, de propriedade do Estado do Pará, afim de
incorpora-la ás linhas federaes e, bem assim, dar a dita estrada em arrendamento
ao Governo do referido Estado, na conformidade das clausulas que com este
baixam, assignadas pelo ministro da Viação e Obras Publicas.

Rio de Janeiro, 13 de julho de 1922, 101º da Independencia e 34º da Republica.

EPITACIO PESSÔA.

J. Pires do Rio.

Homero Baptista.

11
Fonte: Jornal O Liberal, de 14.02.1952.
12
Fonte: http://www2.camara.leg.br
70

Entre a remoção dos trilhos e a duplicação da avenida, ambos, Governo Federal e


Governo do Estado, trabalhavam no sentido de dar melhores condições de tráfego à avenida,
tendo o Departamento de Estradas e Rodagens como órgão responsável pela execução das
obras. A duplicação da avenida foi efetivada (figura 26), possibilitando que trens e veículos
trafegassem paralelamente, por duas décadas, até que se concretizasse a extinção da linha
ferroviária e a remoção dos trilhos pela administração federal, o que de fato se concretizou, na
década de 1960.

Figura 26: Avenida Almirante Barroso, duplicada na década de 1950.

Fonte: arquivo Nádia Albuquerque, disponível em <www.nostalgiabelem.com,


acesso em 15.09.2014.

Um ano depois foi anunciado pela imprensa o projeto geral da nova estação
rodoviária na Praça Floriano Peixoto, próximo ao conjunto IAPI, objetivando abrigar os
passageiros das linhas de ônibus provenientes do interior do Estado. Pretendia-se alcançar
uma concepção arquitetônica com características similares às estações americanas. Procedeu-
se então a uma concorrência pública aberta pela Prefeitura Municipal de Belém, tendo a firma
71

M. da Silva Marques como vencedora. A assinatura do contrato teve a presença dos


envolvidos no processo, entre eles os comerciantes paraenses, representantes dos automóveis
e peças Hudson e do Automóvel Clube do Brasil:

Hoje, entretanto, para dar melhor idéia ao público paraense do que irá ser esse
grande empreendimento, ilustramos esta notícia com o cliché do projeto em
perspectiva da Estação, cujo início das obras terá lugar dentro de mais alguns dias,
na praça Floriano Peixoto, ao lado conjunto residencial do Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Industriários.13

O esforço conjunto para a implantação do projeto comprova que a construção de


estradas, avenidas e estação rodoviária envolvia interesses mútuos entre a administração
pública, federal e estadual e a iniciativa privada. As políticas de industrialização da Era
Vargas estimularam o setor automobilístico do país, com a criação da Companhia Siderúrgica
Nacional de Volta Redonda (RJ), em 1947, e o setor automobilístico encontrara seu lugar no
parque industrial. Weiss (2006) destaca que “no final da década de 40, de acordo com os
dados da Metal Leve, o Brasil possuía cerca de 30 mil veÌculos, em sua maioria fabricada nos
Estados Unidos, mas havia também carros alemães, ingleses e italianos”; era necessário
incentivar a produção nacional para fugir da crise capitalista originada nos países envolvidos
na Segunda Guerra Mundial, dos quais o Brasil importava veículos.

Por razões desconhecidas, fossem políticas ou econômicas, a implantação do projeto


não se concretizou, mas as políticas públicas no setor de transportes continuavam se
desenhando. Com a criação do Plano de Metas, no governo do Presidente Juscelino
Kubitschek (1956-1961), começou-se a investir na expansão da rede rodoviária nacional, com
a construção de grandes rodovias, a exemplo da Belém-Brasília. Buscava-se a unidade
nacional, por meio de construções de rodovias, integrando as regiões Norte e Sul, e ao
mesmo tempo tentando estimular a utilização de veículos automotores.

Construída a Rodovia BR-010 (Belém-Brasília), surgiram as primeiras linhas


rodoviárias e o sistema de transporte baseado em trilhos já não condizia com os ideais da
nação. Em 26.12.1964, ficou determinado que 31.12.1965 seria a data máxima de
funcionamento da Estrada de Ferro Belém-Bragança. Sua extinção se deu através do Decreto

13
Fonte: Jornal O Liberal, de 03.03.1953
72

nº 58.992, de 4 de agosto de 1966, e as atividades foram encerradas em 31.12.1965,


completando 84 anos de atividades:

Decreto nº 58.992, de 4 de agosto de 1966

Dispõe sôbre a implementação da política governamental de supressão de trechos


ferroviários antieconômicos de que trata a Lei nº 4.452 de 1964, de 5 de novembro
de 1964. Ver tópico

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , usando da atribuição que lhe confere o artigo


87, item I, da Constituição Federal, DECRETA:

Art 1º A substituição de trecho e ramais ferroviários antieconômicos por estrada de


rodagem será programada de acôrdo com as estimativas das disponibilidade
financeiras a que se refere a Lei nº 4.452, de 5.11.64, observados os procedimentos
constantes dêste decreto. 14

Enquanto se concretizava a extinção da estrada de ferro, projetos eram desenvolvidos


no sentido de ampliar a Avenida Almte. Barroso, antiga Tito Franco, acrescentando a terceira
pista, resultado de um plano estudado pelo Departamento Municipal de Estradas de Rodagem,
vinculado à Prefeitura Municipal de Belém, na gestão de Stélio Maroja (1966-1970), que
divulgava publicamente sua ações. Na mesma reportagem, se anunciava os trabalhos para a
construção da quarta pista:

Considerada uma das artérias mais bonitas da cidade, a avenida Almirante Barroso
terá a sua terceira pista concluída, num trabalho realmente destacado do
Departamento Municipal de Estradas de Rodagem. A terceira pista da Almirante
Barroso (antiga Tito Franco), virá dar maiores facilidades ao trânsito, quando
começar a receber um número de viaturas cada vez maior, por ser a única artéria de
escoamento para a zona da Estrada de Ferro e outras localidades, como, por exemplo,
Icoaraci, Aeroporto, etc.

A quarta pista está desde já recebendo as atenções da direçãodo DMER, e será


iniciada tão logo terminada a terceira.15

A extinção da estrada de ferro, dando lugar a uma avenida, não representou somente
a substituição dos trilhos pelo asfalto, das locomotivas pelos automóveis, em nome do

14
Fonte: <http://presrepublica.jusbrasil.com.br>
15
Fonte: Jornal O Liberal, 28.06.1966
73

progresso almejado, mas uma parte significativa da história da relação comercial entre a
capital do Estado e zona bragantina se encerrava. A logística de transportes que vinha se
desenhando, aos poucos, anunciava o começo do intercâmbio com outras cidades do interior
do Estado e demais regiões do país, tendo a Belém-Brasília como eixo principal de
comunicação.

Figura 27: Avenida Almirante Barroso, no início da década de 1970, com quatro pistas em
funcionamento

Fonte: cartões postais EDIOURO, disponível em <www.nostalgiabelem.com>, acesso em 28.08.2014.

Ao final da década de 60, a Avenida Almirante Barroso estava totalmente concluída


(figura 27), se firmando como a única via de entrada e saída da cidade. O fluxo da avenida
desencadeou uma vitalidade no Largo de São Brás, e em torno do mercado, que
posteriormente o transformou em área de confluência com mais duas importantes avenidas,
Magalhães Barata e José Bonifácio, e no sentido de acesso à zona central da cidade. O
Mercado de São Brás, situado à esquerda deste percurso, era um marco visual perceptível a
todos que se deslocavam naquela direção (figura 28).
74

Figura 28:início da Avenida Almirante Barroso, no início da década de 1960, em direção


ao centro da cidade, com o Mercado de São Brás, ao fundo.

Fonte: acervo Rogério Neves Jr., disponível em <www.nostalgiabelem.com>, acesso em 28.08.2014.

A conclusão da Avenida Almirante Barroso com suas quatro pistas se deu no


mandato do Presidente Emílio Garrastazú Médici (1969-1974), momento em que se
implantava o Plano de Integração Nacional (PNI), instituído pelo Decreto-lei n. 1.106 em 16
de junho de 1970, que objetivava a “expansão da fronteira econômica para o Norte,
aproveitando a região amazônica, correspondente à 42% da área do território nacional, vista à
época como um vasto território com potencial econômico mas ainda pouco explorado”
(LOUREIRO, 2010, p.2).

As mudanças na infraestrutura eram necessárias e a culminância das intervenções


veio com a implantação de um terminal rodoviário no lugar da estação ferroviária, no Largo
de São Brás, ponto de origem e destinação das futuras linhas rodoviárias. Os estudos
preliminares iniciaram em 1967, num esforço conjunto entre o Departamento de Estradas e
75

Rodagem-PA e técnicos do Rio de Janeiro. Posteriormente, o governo estadual criou a


Federação dos Terminais do Pará – FTERPA, através da Lei n.52, de 20.08.1969, e iniciou
um processo de desapropriação de áreas no entorno da antiga estação, em favor do
Departamento de Estradas e Rodagens-DER.

A inauguração ocorreu em 29.07.1970, na gestão do Governador Alacid Nunes e


contou com a presença do Ministro dos Transportes, Mário Andreazza16. A imprensa local
deu um destaque significativo ao evento, em razão da qualidade e relevância do equipamento
público que estava sendo entregue à cidade e seus habitantes, a terceira maior estação
rodoviária do país, depois das estações do Rio de Janeiro e São Paulo 17. A localização no
Largo de São Brás foi uma decisão baseada supostamente em critérios técnicos que não foram
explicitados, porém foi previsto no projeto uma área reservada para carga e descarga de
produtos que abasteceriam o comércio local:

As conveniências técnicas provaram que realmente São Braz era o ponto ideal para
a construção de uma estação de passageiros.

Na ala direita, entre a fachada principal e o apêndice de serviços, há um pátio


descoberto, com área aproximada de 144m2, reservado ao estacionamento de
veículos pesados (carga e descarga) que deverão abastecer o comércio local.

O projeto seguiu a concepção que fazia referência a um modernismo tardio. Um


grande espaço coberto, totalizando 14.900m2 com planta retangular, lajes em concreto armado,
sustentadas por pilotis, simetria entre as linhas horizontais e verticais, se destacando na
paisagem urbana, por suas dimensões e expressividade arquitetônica. (figura 29).

16
Jornal A Folhado Norte, de 29.07.1970.
17
Jornal O Liberal, de 29.07.1970
76

Figura 29: Terminal Rodoviário de Belém, no início da década de 1970, localizado à Praça do
Operário.

Fonte: cartões postais EDIOURO, disponível em <www.nostalgiabelem.com>>, acesso em


17.07.2013.

O lay-out interno trouxe inovações em seu programa de necessidades, como jamais


existira na cidade. Um edifício com três pavimentos, trinta lojas internas e externas,
restaurantes, sanitários coletivos e privativos, guarda-volumes, doze unidades de guichês, um
grande salão para circulação do público, salas administrativas para os órgãos de apoio e um
pavimento exclusivo para a administração da estação. O acesso ao prédio se dava pela parte
frontal, para o público, e nas laterais para os veículos de transporte e descarga18.

O entorno ganhava neste momento o único e mais importante equipamento urbano de


infraestrutura de transporte rodoviário da capital, trazendo uma nova dinâmica ao Largo de
São Brás: fluxo de pessoas, vendedores ambulantes, veículos particulares, transportes
públicos (ônibus interestaduais e táxis), se desenvolvendo às proximidades do mercado
público (figura 30). A magnitude do projeto foi sentida pelos moradores da área:

18
Jornal O Liberal, de 29.07.1970
77

O que eu consigo lembrar foi a expectativa de uma melhoria, de um intercâmbio


com os outros interiores. Facilitava muito a chegada de ônibus. Era uma alegria.
Havia uma empolgação. Os moradores do IAPI ficaram muito empolgados porque
era o progresso chegando. Abriu estradas para interiores que eu não conhecia e
nunca tinha ouvido falar. O Terminal Rodoviário deu um impulso muito grande para
os interiores do Pará... (Graça Martins, moradora do conjunto habitacional do IAPI,
desde a década de 1950).

Figura 30: área de embarque /desembarque e estacionamento, em frente ao Terminal Rodoviário de


Belém, próximo à Praça do Operário.

Fonte: imagem disponível em <www.nostalgiabelem.com>, acesso em 23.08.2013.

A implantação da estação rodoviária guardava em suas entrelinhas, a intenção do


governo federal em abrir vias para o Norte, no âmbito do Projeto de Integração Nacional. A
vinda do Ministro dos Transportes envolvia três propósitos: inaugurar a estação, o trecho
asfáltico da Belém-Brasília entre Anápolis e Jaraguá e anunciar a vinda do Presidente Emílio
Médici, no mês de outubro seguinte, para inaugurar a Transamazônica.19 Estas ações eram
correlatas, no sentido de fazer avançar os grandes projetos para a Região Norte, dentro de uma
ideologia de desenvolvimento, como a construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí e o
Projeto Ferro Carajás, cujos estudos de implantação já haviam iniciado.
19
Jornal A Folhado Norte, de 29.07.1970.
78

Com a inauguração, em 1970, se encerra um período de quarenta anos de


transformações ao longo da Avenida Tito Franco, abrindo uma via de comunicação entre
Belém e o interior do Estado, conforme o relato da antiga moradora. Os trens e os trilhos
deram lugar aos transportes coletivos e às estradas que permitiriam descobrir a geografia
regional, desconhecida até aquele momento.

As construções apresentadas, objeto deste estudo, se originaram do saber profissional


(WAISMAN, 1972), transformando a paisagem urbana do Largo de São Brás e concretizando
o ideal de modernização iniciado em 1930, com continuidade nos governos seguintes,
estabelecendo novos modos de vida, o que se configurava quando, no início da década de
1970, os habitantes daquela área se confrontariam com um novo estilo de morar, de se educar
e de se deslocar.

Figura 31: vista aérea do Largo de São Brás, atravessado pela Avenida AlmiranteBarroso, no início
da década de 1970, com o Mercado de São Brás (no círculo em amarelo), o conjunto habitacional do
IAPI e a Escola Municipal Benvinda de França Messias, à direita da avenida, em frente ao mercado
e o Terminal Rodoviário de Belém, à esquerda, á Praça do Operário

Fonte: arquivo José Maria de Castro Abreu Júnior, disponível em < http://fauufpa.org,>, acesso em
09.07.2012.
79

Esta dinâmica de desenvolvimento urbano e arquitetônico fez do Mercado de São


Brás “um autêntico centro de interrelações econômicas, reproduzindo em pequena escala, em
seu entorno, a mistura de atividades que haviam conhecido seus dias, os velhos mercados ao
ar livre” (GUÀRDIA & OYÓN, 2010, p.54).

Esta nova configuração foi o resultado das intervenções realizadas de forma pontual,
mas que ao seu término, criaram uma particularidade no contexto da cidade: o espaço urbano
tinha se tornado um conjunto arquitetônico formado espontaneamente, tendo a Avenida
Almirante Barroso como via de acesso em dois sentidos, em direçào à saída da cidade e as
áreas centrais de Belém, como mostra a imagem anterior (figura 31). O Largo de São Brás
havia se transformado, em 1970, num mosaico de peças distintas, a partir de sucessivas
intervenções, mas estas peças se relacionam, o que será analisado a seguir.

2.3 – ARQUITETURA, IDEOLOGIA E SERVIÇOS PÚBLICOS: UMA TRAMA URBANA

2.3.1 – CONSIDERAÇÕES SOBRE NOÇÃO DE TRAMA HISTÓRICA

O recorte temporal entre a implantação do conjunto IAPI Belém, em 1950, e a


inauguração da estação rodoviária, em 1970, tem como objetivo mostrar uma sucessão de
intervenções do poder público que transformou o entorno do mercado de São Brás, em vias de
expansão em direção ao bairro do Marco, limite da 1ª’Légua Patrimonial da cidade de Belém;
uma ocupação que se processou em diferentes tempos e ritmos, resultando num adensamento
de construções com naturezas distintas.

Ao discorrer sobre o tempo das teorias de auto-organização, no âmbito da história


urbana, Lepetit (2001) aborda a mudança de rumo inesperado e a complexidade de evolução
dos sistemas e as possibilidades de análise de sua historicidade. “A primeira segue uma
trajetória temporal, em que cada sequência depende das precedentes, mas não as reproduz de
forma idêntica” (LEPETIT, 2011, p.138) e a segunda analisa a “historicidade como um
processo temporal complexo, no sentido de que o sistema vê seus elementos surgirem de uma
pluralidade de tempos descompassados cujas modalidades de combinação geram mudanças a
cada instante” (LEPETIT, 2011, p.138).
80

A pluralidade de tempos e as mudanças resultantes que transformaram o Largo de


São Brás conduziram a uma reflexão sobre a existência de uma trama histórica subjacente a
este objeto de estudo, que envolve arquitetura, ideologia e serviços públicos, pela forma como
as ações ocorreram, ou seja, num descompasso temporal que não permite situar o Largo de
São Brás na categoria de espaço urbano planificado.

Considera-se que “todo o material com que trabalha a arquitetura é histórico”


(WAISMAN, 1972, p.64) e a historia é constituída por fatos, pontuais, sucessivos ou
simultâneos no binômio espaço/tempo, numa mistura humana que Veyne (1930) define como
trama histórica:

Os fatos não existem isoladamente, nesse sentido de que o tecido da história é o que
chamaremos de uma trama, de uma mistura muito humana e muito pouco “científica”
(grifo do autor) de causas materiais, de fins e de acasos, de um corte de vida que o
historiador tomou, segundo sua conveniência, em que os fatos têm seus laços
objetivos e sua importância relativa... um corte transversal dos diferentes ritmos
temporais, como uma análise espectral; ela será sempre trama porque será humana,
porque não será um “fragmento de determinismo”, (VEYNE, 1930, p.28).

A compreensão da história urbana do espaço edificado no entorno do mercado e suas


relações intrínsecas, implica inicialmente em desvendar a articulação entre os fatos históricos
articulados, dentro de um “conjunto emaranhado: a trama dos acontecimentos” (AURÉLIO,
2013, p.683). A ação humana produziu “fatos arquitetônicos” (ROSSI, 1995, p.26) criando
um sistema auto-organizado, dentro de uma cronologia, resultando no adensamento de uma
arquitetura modernizante no entorno de uma construção com elementos classicizantes.

Do ponto de vista metodológico, ao se escolher a análise que segue a cronologia, não


haveria o recorte, a transversalidade, os fins e os acasos, mencionados por Veyne, nem o
emaranhado de acontecimentos que caracterizam a noção de trama, em sua definição literal, e
a ideia que se pretende defender, neste momento, se opõe à abordagem cronológica dos fatos
históricos. Defende-se que o entorno edificado do Mercado de São Brás foi a consequência de
fatos históricos e arquitetônicos que se cruzaram no tempo e no espaço, constituindo uma
“trama urbana” (MONTANER, 2005, p. 131) ao seu término.

Uma trama parte de um acontecimento inicial que desencadeia uma série de eventos
intercalados. Neste sentido, não se deve atribuir à construção do conjunto habitacional IAPI,
em 1950, como o marco da constituição do entorno, tanto urbano quanto arquitetônico, É
fundamental, para entender este adensamento construtivo, articular fatos anteriores e cortes
transversais que contribuíram para a referida constituição.
81

2.3.2 – A TRAMA URBANA E SEUS PONTOS: O MERCADO E OUTRAS OBRAS


PÚBLICAS

Definiu-se então, o início do funcionamento da Estrada de Ferro Belém-Bragança,


em 1884, como o primeiro ponto da trama histórica que se engendrou, primeiramente, por sua
importância no aspecto da mobilidade urbana e relevância econômica na região ao longo de
seis décadas; segundo, por sua localização e importância na criação do principal eixo de
comunicação entre a cidade, o interior do Estado e as demais regiões do país, permanecendo
mesmo após a extinção da linha ferroviária.

A escolha de sua localização se deu por decisão governamental, nos limites da Lei n.
658/1870, no marco da 1ª. Légua Patrimonial, com a denominação de Estação Central São
Brás, em posição geograficamente estratégica entre a zona central e o bairro do Marco, o
único bairro planejado até aquele momento. Esta ação seguia uma política de construção de
ferrovias que partiu da iniciativa de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá em
implantar a primeira estrada de ferro do país, no Rio de Janeiro. Andrade (2010) destaca os
interesses nacionais e internacionais na construção de ferrovias, como transporte moderno e
eficiente.

Em 1884, a imagem da cidade correspondia à descrição feita pelo governador Pedro


Vicente de Azevedo, em seu relatório de 1875, “como sendo uma grande capital, com
comércio ativo e laborioso e ricos e suntuosos prédios, retrato muito diferente daquele da
primeira metade do século XIX ”(PENTEADO, 1968, p.134). As décadas seguintes seriam
marcadas pela gestão de Antonio Lemos (1897-1911), seguindo o modelo pautado no
pensamento francês de urbanização, embelezamento e higienização.

O segundo ponto desta trama histórica se dá com a construção do mercado, na Praça


Floriano Peixoto, “que tinha anteriormente o nome de Largo de São Brás, denominação
mantida tradicionalmente pelo povo” (CRUZ, 1992, p.111). Por determinação legal, no
âmbito de suas últimas ações, sua construção era um modelo de arquitetura importada que
incluía a adoção de uma arquitetura inspirada em padrões europeus que contribuísse para a
afirmação de uma ideologia política progressista e assim o legitimar politicamente. O
mercado gerou uma dinâmica de relações sociais e comerciais, expandindo o Largo de São
Brás, em outras direções, como havia acontecido nas capitais europeias, onde “os mercados
82

cobertos eram, no início do século XX, polos funcionais importantíssimos para estruturar os
bairros, para “construir cidade” (grifo do autor) (GUÀRDIA & OYÓN, 2010, p.53).

Belém não possuía um sistema de transportes planejado e a combinação linha


ferroviária/mercado, poderia contribuir para que a cidade se tornasse um agente polarizador
na Região Norte. Esta lógica de expansão urbana que segue a relação de troca é explicitada
por Salgueiro (2001), dentro dos princípios da economia política francesa que relaciona
comércio e cidade:

A reflexão sobre a ideia de cidade como agente de polarização de uma região,


organizando o sistema de trocas – a cidade capital como “nó” de comunicação – é
um dos princípios da economia política francesa que se generaliza, aparecendo aqui
e acolá na reestruturação do espaço (SALGUEIRO, 2001, p.147).

Comércio e mobilidade urbana se desenvolveram, no Largo de São Brás, a estação de


1884 e o mercado de 1911, e suas respectivas atividades, se fundem num único momento,
iniciando a transformação do espaço urbano. O mercado público gerou a substituição da troca
comercial ao ar livre, a feira, pela troca sob o espaço coberto. Mas o ajuntamento de barracas
ao redor de um mercado público parece ser automático e esta configuração retorna anos
depois. Capitais europeias como Paris e Barcelona, tinham vivenciado a dinâmica de
comércio espontâneo ao redor de seus mercados.

Em 1939, quase trinta anos após a construção do mercado, a gestão municipal


inaugura um pavilhão anexo destinado exclusivamente à venda de peixes e mariscos. Fontes
históricas mostram que havia mais uma vez, uma intenção política subjacente nesta iniciativa.
Poderia-se supor que a necessidade de abastecimento havia aumentado, em função do
aumento da população, mas “sua população chegou mesmo a diminuir, aproximando-se em
1940, ao número de habitantes que possuía na primeira década deste século... todavia Belém
mantinha um certo ar de prosperidade” (PENTEADO, 1968, p. 166, 167).

A concepção arquitetônica deste anexo assimilou os princípios arquitetônicos dos


mercados cobertos do século XIX, com suas normas de organização espacial interna e higiene
similares àquelas da edificação principal, associados aos valores inerentes do classicismo: a
nobreza, a tradição, o conservadorismo e o sentido de continuidade que se expressam nas
antigas formas.
83

No início do século XX, a crise do progresso que se esboça, determina novas atitudes
em face do passado, do presente e do futuro. A ligação ao passado começa por adquirir
formas inicialmente exasperadas, reacionárias” (LE GOFF, 1990, p.220). Nesta exasperação,
o futuro já havia começado a perturbar sutilmente a acomodação confortável do passado e a
trama histórica fixa seu terceiro ponto. Em 1929, os trabalhos de abertura da Estrada de
Rodagem Tito Franco, como foi chamada inicialmente, já haviam iniciado no extremo oposto
do Largo de São Brás, em linha paralela à via férrea.

Um paralelo físico e um cruzamento temporal se desenham, pois dois sistemas de


mobilidade urbana com naturezas muito distintas iriam circular literalmente lado a lado, por
mais de três décadas, permitindo que a população tivesse um novo meio de locomoção, o
automóvel, enquanto os trens faziam seu percurso habitual. A cidade recebia os reflexos
econômicos da crise mundial nos anos pós-1ª. Guerra Mundial. Belém que sofrera o declínio
da borracha se encontrava sem perspectivas de desenvolvimento, como descreve Penteado
(1968):

Sem luz pelas ruas, sem dispor de água em quantidade suficiente às suas
necessidades, sem energia para que houvesse um desenvolvimento industrial
razoável, a capital do Pará, paradoxalmente, não decaía: estava como estagnada na
sua evolução, `a espera de que um novo surto de progresso, consequência de fatores
que até então desconhecia, lhe trouxesse condições socioeconômicas para
transforma-la em uma grande cidade (PENTEADO, 1968, p.163).

O novo surto de progresso chega na década de 50 e começa a se refletir na cidade e


no Largo de São Brás com a construção do conjunto habitacional IAPI, a escola Benvinda de
França Messias e o anúncio da possibilidade de implantação de uma moderna estação
rodoviária, reproduzindo a concepção arquitetônica das estações americanas. Havia, desde
então, o interesse em se alcançar a capital, por meio de uma estrada de rodagem, mas a
estação chega somente vinte anos depois, com a implantação do Terminal Rodoviário de
Belém.

Neste momento, a trama histórica fixa seu quarto ponto e os fatos parecem descer
numa espiral que envolve o mercado internacional, a política nacional e o contexto local, ou
seja, a crise pós-guerra, o populismo e o baratismo. Nem a população, nem a cidade estavam
preparadas para mudanças repentinas vindas do contexto externo. Lepetit (2001) analisa os
descompassos que se cruzam no tempo presente das cidades:
84

A cidade, como vimos, nunca é absolutamente sincrônica: o tecido urbano, o


comportamento dos citadinos, as políticas de planificação urbanística, econômica ou
social desenvolvem-se segundo cronologias diferentes. Mas ao mesmo tempo, a
cidade está inteira no presente. Ou melhor, ela é inteiramente presentificada por
atores sociais nos quais se apoia toda carga temporal (LEPETIT, apud SALGUEIRO,
2001, p. 145).

A afirmação de Lepetit (2001) de que a carga temporal se apoia nos atores sociais,
deve-se entender no âmbito deste objeto de estudo, que forças externas colocaram o Largo de
São Brás, numa situação antagônica. Um novo modo de habitar e de viver começava a se
impor sobre as práticas sociais oriundas do século XIX, dentre elas as relações comerciais no
mercado público e a forma de locomoção que ainda se desenvolvia nos trilhos de ferro.

A fala dos moradores do conjunto IAPI mostra o quanto seu cotidiano estava ligado
ao mercado e à estação de trem. Salgueiro (2001) destaca as consequências deste encontro de
práticas distintas na realidade:

As transferências de modelos são indissociáveis das condições de possibilidade


ligadas às práticas locais que as transformam. Sabe-se que, após o tempo da leitura,
vem o da realização. Das representações aos funcionamentos, a inserção das
imagens ideais na realidade física de uma cidade (a aplicação das utopias em
circunstâncias efetivas) supõe discrepâncias e descontinuidades. (SALGUEIRO,
2001, p.147)

Descontinuidades e discrepâncias na cultura local e na morfologia do espaço urbano.


O novo modo de habitar, em conjunto habitacional sujeito a normas, conforme relato dos
antigos moradores, se diferenciava do anterior em casas térreas e com a liberdade do espaço
da rua. Logo veio a formação espontânea de uma praça, ao lado do conjunto, que se tornou
um espaço de convivência. A concepção modernista que privilegiava a criação de espaço
entre os blocos, para o convívio social, não se mostrou suficiente e a praça se tornou uma
extensão do conjunto.

A trama histórica e seus fatos desciam numa espiral, com sucessivas políticas
públicas progressistas, integracionistas, pontuais e desconexas entre si, mas a trama urbana e
seus fatos arquitetônicos se articulavam na horizontalidade espacial. A extinção da ferrovia,
na década de 60, por decisão do governo federal, impulsionou a ampliação da Avenida
Almirante Barroso, ex-Tito Franco. O progresso se aproximava da cidade, juntamente com o
asfalto, fruto de uma ação iniciada em 1929, com a abertura da avenida, avançando ao longo
do bairro do Marco.
85

Com a implantação da estação rodoviária em 1970, trama histórica e urbana se


fundem, com a fixação de seu último e definitivo ponto e o Largo de São Brás, composto
antes pela estação ferroviária, mercado e estrada de ferro, se configura em mercado, conjunto
habitacional, escola, estação rodoviária e avenida arterial. A circulação na área se intensifica,
em razão do fluxo de ônibus interestaduais, dos novos estabelecimentos comerciais
vendedores ambulantes e usuários dos espaços públicos.

A nova configuração, estação rodoviária e avenida que se ligavam à rodovia,


possibilitou que os governos federal e estadual trabalhassem, finalmente, para atingir seu
intento, provocar um impacto territorial, abrindo as fronteiras para outras cidades do interior e
para outras regiões do país. Os grandes projetos políticos, comerciais e industriais avançariam
para a Região Norte, tendo a Belém-Brasília como eixo de ligação.

Figura 32: articulação dos pontos da trama histórica e arquitetônica que no plano físico resultou num
adensamento construtivo, constituindo uma trama urbana

Fonte: mapa base extraído do Google Earth, 2014, com indicações da autora.

A trama histórica atinge seu objetivo: o avanço para o futuro por meio de
construções e intervenções superpostas no espaço da cidade. Uma trama urbana que no espaço
físico, como mostra a imagem anterior (figura 32), que se traduzia no adensamento de
86

edificações, com a particularidade de se constituir um “nó central” (LYNCH, 1969, p.84)


onde se desenvolviam atividades de comércio, transportes, educação e habitação interligando
o bairro do Marco à zona central.

A extinção da Estrada de Ferro Belém-Bragança se deu por motivos econômicos.


Com o surgimento das primeiras linhas rodoviárias tornou-se impraticável a conservação da
via e manutenção das locomotivas e vagões e a ferrovia começava a entrar em estado de
decomposição (LEANDRO; SILVA, 2012, p.164). A retirada da via férrea foi mais que a
supressão de um meio de locomoção. Este ato representou o fim de uma era, na qual o
mercado público seria o único traço de memória do início do século XX uma resistência
fragmentária do passado, como define Montaner (2013):

Em toda cidade, os momentos relevantes de sua história se sobrepõem em camadas,


deixando ilhas de objetos, resistências fragmentárias, que remetem a globalidades
passadas, já impossíveis de recompor. Toda cidade viva tem como missão servir de
ponte entre o passado e o futuro, já que não pode existir futuro sem memória do
passado. (MONTANER, 1997, p.163).

Entende-se que, na década de 1960, tanto o mercado, quanto a estação eram


fragmentos de memória, mas a questão econômica prevaleceu, acarretando a retirada de um
meio de transporte secular, pois o moderno transporte rodoviário que se instalava
gradativamente apresentava um futuro promissor, para a região, no aspecto da mobilidade
urbana e para o país, com a perspectiva da implantação dos grandes projetos nacionais.

O mercado permaneceu com sua história e sua relevância como equipamento urbano
de abastecimento e comércio do bairro e da cidade, depois de reunir em seu entorno, durante
duas décadas, exemplares representativos da arquitetura pública, praças, avenidas, com uma
dinâmica de fluxo que permanece até o presente (figura 33), o que motivou este estudo de
caso, no sentido de entender sua relação com o Largo de São Brás. Esta configuração
possibilita que a análise prossiga num nível inferior da trama urbana, estabelecendo relações
entre o mercado público e o entorno histórico.
87

Figura 33: o Mercado de São Brás e as construções com referências modernistas que se adensaram em
seu entorno, entre 1950 e 1970

Fonte: mapa base extraído do Google Earth, 2014, com indicações da autora.

2.4 - A CONSTRUÇÃO DE UM DIÁLOGO

O Largo de São Brás se constituiu em um lugar, “uma totalidade de coisas concretas


que possuem substância material, forma, textura e cor” (NORBERG-SCHULZ, 1965 apud
NESBITT, 2008, p.444). O lugar possui um foco, aquele ponto para onde tudo converge, a
coisa edificada em si: “em um contexto maior, tudo o que fica encerrado se torna um centro que
pode exercer a função de “foco” (grifo do autor) para seu entorno” (NORBERG-SCHULZ,
1965 apud NESBITT, 2008, p.452).

Neste sentido, afirma-se que o Mercado de São Brás, um grande espaço fechado, se
tornou o foco do entorno histórico, para onde convergiram novas expressões arquitetônicas e
uma diversidade de atividades em novas relações, constituindo-se no que Waisman (1972)
define como “unidade cultural” do entorno histórico:
88

Uma unidade cultural, pois, estaria constituída por um conjunto de atividades, fatos,
problemas em termos gerais, de “objetos” (grifo do autor) do saber concernente ao
desenho e à construção do entorno –, que encontram sua unidade em sistemas de
valores e modos de ação e de pensamento suficientemente relacionados entre si como
para diferencia-los das outras unidades culturais. Quer dizer, sistemas e modos que
possuem um denominador comum, que surgem de atitudes vitais compartilhadas
(WAISMAN, 1972, p.47).

A definição conjunto mercado/entorno constitui-se nesta unidade cultural, e se refere


ao conjunto que começou em 1911, com a inauguração do mercado, e se consolida no período
de 1950 a 1970 com as construções dessa época, já apresentadas. No interior da unidade existe
uma “trama desenvolvida em vários níveis” (WAISMAN, 1972, p.43), cujos objetos, as
construções, estão interligados por valores e ações que nascem a partir das concepções
arquitetônicas, entendendo que “o saber profissional se mutila frequentemente a serviço de
regimes totalitários, nos quais a construção do entorno não surge das necessidades vitais do
homem, mas de requisitos políticos dirigidos à consolidação do poder do estado” (WAISMAN,
1972, p.47). Com efeito, este objeto de estudo trata de dois tempos da história urbana do Largo
de São Brás, cujas intervenções se originaram da vontade política dos gestores públicos. No
entanto, é necessário diferenciar os respectivos modos de ação, o que possibilita distinguir as
unidades culturais que compõem o objeto de estudo (figura 34).

Figura 34: delimitação das unidades culturais no conjunto mercado/entorno

Fonte: mapa base extraído do Google Earth, 2014, com indicações da autora.
89

A primeira unidade cultural é o Mercado de São Brás, edificado entre 1910 e 1911, no
âmbito de iniciativas de transformações urbanas de áreas da cidade de Belém, utilizando a
estratégia de ordenar e embelezar a cidade, com o remanejamento da população menos
favorecida para a periferia, dando espaço para as belas obras de arquitetura (SARGES, 2010).

Ao decidir pela construção de um novo mercado público, quando seu poder declinava
juntamente com o ciclo da borracha, o Intendente fundamentou, em termos, as bases da força
política que desejava impulsionar. Para isto, contratou profissionais competentes como Filinto
Santoro, para que a tipologia do grande mercado coberto, estruturado em ferro e vidro e com
um novo modelo de ordenamento espacial interno, transmitisse a mensagem ideológica do
início do século XX: o progresso manifestado na realização de grandes obras.

A segunda unidade cultural compreende as construções de expressão modernista


edificadas entre 1950 e 1970, o conjunto habitacional, a escola pública e a estação rodoviária,
que emergiram igualmente por meio da iniciativa dos gestores públicos estaduais e municipais,
mas de forma gradual, correspondendo às metas estipuladas em nível nacional, como as
políticas trabalhistas, habitacionais e educacionais da Era Vargas (1930-1945) e o Plano de
Metas de Juscelino Kubitscheck (1956-1961), concretizadas em última instância por Emílio
Garrastazú Médici (1969-1974).

Os discursos contidos na segunda unidade cultural propuseram mudanças que


colocariam o país em direção ao progresso. O “novo homem” (Getúlio Vargas, 1930),
“cinquenta anos em cinco” (Juscelino Kubitcheck, 1956) e “integrar para não entregar” (Emílio
Médici, 1970) guardavam em suas entrelinhas, o discurso da modernização e do progresso que
incidiu nas principais capitais brasileiras, entre elas, a cidade de Belém.

Os objetos da segunda unidade cultural materializaram os diferentes discursos


ideológicos, no continum da história urbana do conjunto mercado/entorno. O progresso se fixa
assim, como ponto de interseção da “trama de relações” (WAISMAN, 1972, p. 52) que se
pretende compreender (figura 35).

Porém não se afirma que houve uma supremacia da ideologia sobre as necessidades do
homem, ao contrário, sem o poder político e econômico que impulsiona as intervenções
urbanas, não seria possível materializar bens e serviços públicos, e a arquitetura não cumpriria
seu papel com seu principal cliente: o usuário do espaço.
90

Figura 35: as unidades culturais com seu ponto de interseção, a ideologia de modernização e
progresso.

Fonte: mapa base extraído do Google Earth, 2014, com indicações da autora.

Em ambas as unidades culturais, o poder público se utilizou do saber profissional dos


arquitetos e engenheiros, para consolidar sua força política. Oportunizando os recursos
tecnológicos disponíveis no momento da produção industrial da sociedade a que serviam, em
1911, e posteriormente, entre 1950 e 1970, estes profissionais expressaram os aspectos
funcionais e estéticos a que se propunha a expressão arquitetônica dos períodos analisados.

2.4.1 – OS OBJETOS E SUAS RELAÇÕES NA UNIDADE CULTURAL

Antes de adentrar o segundo nível da trama de relações, é pertinente fazer uma


aproximação sobre os conceitos de tipo e tipologia, no sentido de facilitar a compreensão do
projeto de arquitetura como uma ideia concebida (tipo) que se transmuta, originando séries de
representações visuais variadas (tipologias) que parte de uma ideia primeira.

Ao estudar a natureza e seus elementos, os cientistas do século XVIII propuseram o


uso do método como um mecanismo ordenador das formas e possíveis abstrações que delas
91

pudessem originar. Trabalhando com o binômio semelhança-diferença, utilizaram a ordenação


progressiva para estudar os tipos de uma espécie e sua evolução, criando uma tipologia (grifo
nosso). Entendendo que a natureza possuía tipos, foi estabelecida uma classificação do mundo
inanimado que originou as conhecidas nomenclaturas (FEFERMAN, 2009).

Esta lógica alcançou igualmente a teoria da arquitetura, fomentando estudos voltados


às tipologias arquitetônicas, baseados nas concepções projetuais, ao longo de sua história.
Paralelamente, o aperfeiçoamento da representação visual por meio das geometrias analítica e
descritiva deu novo impulso ao ensino da arquitetura. No início do século XIX, Jean-Nicolas
Durand, arquiteto e professor na École Polytchnique, começou a trabalhar com as variações das
composições arquitetônicas utilizando papel milimetrado seguindo uma tipologia, o que
conferiu um caráter metodológico ao desenvolvimento de projeto arquitetônico.

A busca por um conceito-chave de tipo prosseguiu ao longo do século XIX.


Quatremère-de-Quincy, arquiteto, escultor e acadêmico, publica os volumes de seu
Dictionnaire Historique de l’Architecture (1832), estabelecendo a diferenciação entre tipo e
modelo: “Tipo é a ideia genérica, platônica, arquetípica, é a forma básica comum da
arquitetura; modelo é aquilo que pode ir se repetindo tal qual, como um selo que possui uma
série de características recorrentes” (QUINCY, 1832 apud MONTANER, 1997, p.118).

A partir do desenvolvimento da Arquitetura Moderna, outros teóricos buscaram


encontrar um conceito-chave para tipo e tipologia. Aldo Rossi, da escola italiana, resgatou o
conceito afirmando a importância da herança histórica dos tipos para a constituição de uma
trama que se constitui a partir dos elementos de uma tipologia como assinala Montaner (2005):

Esta posição vai ligada a uma atitude classificatória, baseada na crença de princípios
imutáveis e de formas que permanecem ao longo dos séculos e sobre as quais se
podem estabelecer critérios lógicos. Manifesta a importância da herança histórica e
sobretudo, a relação de toda tipologia com a trama urbana (MONTANER, 1997,
p.131).

A metodologia de Waisman (1972), para o segundo nível da trama de relações, propõe


estudar as relações internas das unidades culturais, ou seja, entre os objetos, partindo de uma
classificação em três séries tipológicas: as tipologias estruturais, as tipologias formais e as
tipologias funcionais. Não se trata de uma classificação restritiva a um ou outro objeto, nem as
92

séries são excludentes entre si, pelo contrário, a autora entende que a análise deve abordar
estrutura, forma e função de maneira integrada, expressando uma totalidade:

Se por outro lado levamos em conta o propósito deste trabalho, que não é, como já se
disse o de analisar obras isoladas, mas o de criar métodos que permitam estudar a
totalidade das construções que constituem o entorno, cujo estabelecimento de relações
estruturais é necessário, então o critério tipológico aparece efetivamente como o mais
apropriado para organizar a vasta variedade de fenômenos a considerar (WAISMAN,
1972, p. 67)

As tipologias estruturais partem do princípio que “materiais e técnicas construtivas,


juntamente com a forma dão lugar à criação de tipos estruturais” (WAISMAN, 1972, p.72). As
tipologias formais “tem a forma como o elemento da arquitetura mais obviamente expressivo
da ideologia, porque se converte no objeto levando a especulações e manipulações ideológicas.”
(WAISMAN, 1972, p.80) e as tipologias funcionais “se apresentam para nós como
instrumentos válidos para a indagação proposta, já que constituem uma espécie de condensação
das funções sociais, das necessidades e práticas sociais e dos modos de vida.” (1972, p. 100).

O objeto da primeira unidade cultural, o Mercado de São Brás, apresenta na origem de


sua concepção, uma problemática histórica: a cobertura dos grandes espaços. Nos templos
gregos e egípcios e no fórum romano, com seus edifícios públicos, “o espaço se constituía
enquanto tal pela interação entre volumes” (Gideon, 2004, p. 25) e a monumentalidade ficava
em evidência, pois deveria expressar o poder de seus governantes, mas, evidentemente, o
espaço interno tinha uma grande importância para o desenvolvimento das relações comerciais e
sociais. O mercado público do século XIX é uma referência à forma do grande espaço coberto
da Antiguidade que segundo Waisman (1972) desempenham um papel no entorno edificado:

Estas antigas formas que permanecem em uso, ou que se repetem através do tempo
desempenham um papel conservador no entorno; ao dar um sentido de continuidade á
cultura em transformação ou em revolução, permitem assimilar grandes inovações
sem intranquilizar a comunidade em demasiado, sem que seu entorno lhes aparente, de
repente, estranho: atuam de um modo seguro contra a alienação (WAISMAN, 1972,
p.84).

No entanto, o contexto da Revolução Industrial se diferenciava da Antiguidade, pois


envolvia êxodo rural, explosão demográfica, expansão urbana, necessidade de abastecimento,
renovação das técnicas construtivas, fenômenos impulsionados pela filosofia do liberalismo
93

econômico. As formas antigas eram familiares, mas a sociedade que se constituía aos poucos
causava estranhamento, pelas demandas urgentes de organização espacial dos espaços fechados
e abertos, para que as relações econômicas sociais não se desenvolvessem no caos.

A concepção arquitetônica dos mercados, galerias e pavilhões do século XIX era um


desafio para o profissional que deveria encontrar soluções arquitetônicas que abarcassem o
confronto entre espaço, estrutura e função, isto é, projetar um grande espaço (forma), com uma
cobertura leve (estrutura), para abrigar um grande número de pessoas (função), como destaca
Frampton (2005):

O livro de Durand, Précis des leçons données à l’Ecole Polytechnique, difundiu um


sistema por meio do qual as formas clássicas, concebidas como elementos modulares,
podiam ser organizadas à vontade para adequar-se a programas de construção sem
precedentes, abrangendo mercados, bibliotecas e quartéis do império napoleônico.
Rondelet primeiro, Durand depois, codificaram uma técnica e um método de projetos
graças ao qual um classicismo racionalizado podia ser levado a adequar-se não apenas
a novas exigências sociais, mas também a novas técnicas. (FRAMPTON, 2008, p.25).

O mercado herdou a inovação do ferro forjado que usado “junto com o


envidraçamento modular, tornaram-se a técnica padrão de rápida pré-fabricação e construção
de centros urbanos de distribuição: mercados, casas de câmbio e galerias” (FRAMPTON, 2005,
p. 29). O autor destaca a rapidez de montagem dos kits pré-fabricados de ferro/vidro e o início
de sua exportação para o mundo inteiro, em meados do século XIX. Sua utilização está
presente nos lanternins da cobertura, nas escadas, nos quiosques de vendas, nas grades das
portas e janelas, expressa nas formas decorativistas do Art-Nouveau, dando ao ferro mais que
uma função estrutural, uma função estética.

Assim, a forma e estrutura do mercado interagem no espaço para que seja possível a
realização de sua função: receber um grande número de produtos e usuários, para a realização
de atividades comerciais, pois “a conformação do espaço e das funções no espaço constituem
um “recorte” (grifo do autor) tanto na realidade espacial quanto na realidade social”
(WAISMAN, 1972, p.106). O grande espaço coberto do mercado de São Brás respondeu à
realidade das demandas de abastecimento da cidade de Belém, cuja população aumentara no
ciclo da borracha, recebendo, estocando, comercializando e distribuindo, para as feiras locais,
os produtos que chegavam da zona bragantina, desde 1911 até a década de 1970.

Esta função transcendeu os limites do espaço interno e o mercado se tornou um


“unificador fictício de coisas muito diversas” (GUÀRDIA & OYÓN, 2010, p. 12). O fluxo de
pessoas, com suas funções, necessidades, práticas e modos de vida, A figura 36, do início da
94

década de 70, sugere a existência de uma feira livre adjacente à edificação e que permanece até
o presente, em outra configuração, lembrando que a intenção era de suprimi-la, à época da
construção do mercado.

Figura 36: Mercado de São Brás, no início da década de 1970, com fluxo comercial em seu entorno

Fonte: disponível em <www.nostalgiabelem.com>, acesso em 23.08.2013.

As coisas diversas (GUÀRDIA & OYÓN, 2010, p. 12) e as construções diversas se


adensaram no entorno. Os registros fotográficos permitem identificar o processo de
adensamento construtivo ao longo do século XX, abrangendo não somente as edificações
arquitetonicamente mais expressivas, mas também edificações menores. Possibilitam
identificar igualmente o surgimento de praças, estabelecimentos comerciais, ruas e avenidas,
atribuindo características similares ao entorno de outros mercados públicos no Brasil.

Em outros registros (figuras 37 e 38) do mesmo período, é possível identificar ônibus


estacionados nas laterais da edificação, em situação que caracteriza sua importância como
referencial para a mobilidade urbana.
95

Figura 37: Mercado de São Brás, na década de 1970, com indicação dos
transportes urbanos estacionados na lateral

Fonte: disponível em <www.nostalgiabelem.com>, acesso em 23.08.2013.

Figura 38: Mercado de São Brás, na década de 1970, com indicação dos
transportes urbanos estacionados na fachada principal.

Fonte: disponível em <www.nostalgiabelem.com>, acesso em 23.08.2013.


96

A segunda unidade cultural que compreende o conjunto habitacional, a escola e a


estação, traz em seu conteúdo ideológico, a visão de que a sociedade deveria caminhar em
direção ao futuro, numa perspectiva que caracterizou a transição entre os séculos XIX e XX,
com suas transformações territoriais, sociais e tecnológicas, levadas a termo pela evolução do
processo produtivo. Frampton (2008) assinala a transição como o início dos questionamentos
do homem no contexto da industrialização:

Enquanto as mudanças tecnológicas levavam a uma nova infraestrutura e à exploração


de uma maior capacidade produtiva, a mudança da consciência humana produzia
novas categorias de conhecimento e um modo historicista de pensamento, reflexivo o
bastante para questionar sua própria identidade (FRAMPTON, 2008, p. 3).

A consciência humana que reflete e questiona sua identidade, também questiona a


própria cultura em transformação e os profissionais de arquitetura da primeira metade do século
XX, procuraram responder às perguntas. A partir da inovação tecnológica, os profissionais
encontraram nos materiais disponíveis, o ferro, o vidro e o concreto, a possibilidade de
revolucionar a cultura artística em crise que intencionava se desligar das representações do
passado. A arquitetura se tornou o elo entre o profissional e a sociedade, pois “uma tipologia
formal implica uma certa tipologia de relações com o entorno físico que é sempre, ao mesmo
tempo, um entorno cultural” (WAISMAN, 1972, p. 86).

O recorte no espaço se operou, por meio da integração da forma e das estruturas em


concreto armado. As soluções arquitetônicas materializaram o espaço no qual as atividades
contribuiriam para a criação da nova mentalidade, das novas práticas sociais e exigências da
cultura, cujo resultado foi a criação de “genealogias e séries de obras modélicas, de tipos ideais
que vão balizando a aventura épica da arquitetura moderna” (MONTANER, 1997, p.120).

Na Arquitetura Moderna “as formas, as superfícies e os planos não apenas moldam o


espaço interno. Eles têm a mesma força que ele e vão bem além dos limites de suas próprias
dimensões, como elementos constitutivos de volumes isolados no espaço (GIEDION, 2004).
Pilares, lajes, vigas, brise-soleils, trapézios, rampas e combogós, as “obras modélicas”
(Montaner, 1997) participavam esteticamente, funcionalmente e estruturalmente da construção.
Os elementos formais e estruturantes dos objetos valorizam o espaço para o correto
desenvolvimento das funções “pois é na elaboração das tipologias de coordenação das funções
que função, forma e conteúdo se encontram e coincidem”. É neste ponto, em que se define
97

portanto, a unidade e a coerência de uma obra” (WAISMAN, 1972, p.107)., entendendo


coordenação de funções como a articulação entre forma, estrutura e a função do espaço da
edificação.

Elementos que vão além, como os blocos simétricos, alinhados e equidistantes do


conjunto habitacional que destacam o espaço de convivência necessário às relações de
vizinhança, se estendendo para a praça; os pilares internos da escola que delimitam o pátio de
recreação e abrem para os jardins laterais, como um prolongamento, para o desenvolvimento
das atividades lúdicas; a laje contínua da estação rodoviária que destaca a horizontalidade do
espaço interno necessário para o alinhamento de boxes e do espaço externo para o
posicionamento de veículos e a praça frontal que se torna um espaço de vitalidade, com
pedestres e vendedores.

As soluções arquitetônicas materializaram o espaço no qual as funções intrínsecas


aos objetos, habitação, educação e transportes, práticas sociais renovadas, contribuiriam para
a criação de um novo espírito de cidadania, dentro dos princípios ideológicos, como a fé no
progresso, o propósito de formar um novo homem e a integração nacional.

Aos profissionais envolvidos coube assimilar a mensagem da sociedade e traduzi-la


em suas concepções arquitetônicas. O arquiteto decodifica a mensagem interpretando-a por
meio de instrumentos – intelectuais e técnicos – que maneja, enquadrando-a dentro das
exigências do processo de produção e estabelecendo uma seleção e uma hierarquização que
correspondem a sua particular ideologia arquitetônica (WAISMAN, 1972, p.110).

Neste momento, as etapas do projetar, envolveram mecanismos exteriores, as


políticas públicas e o desenvolvimento do processo produtivo. Apesar das diferenças de
contexto, pode-se afirmar que a ideologia do progresso, a inovação tecnológica e a oferta de
serviços públicos são pontos de interseção, nos dois tempos estudados, se manifestando em
ritmos diferentes.

A partir da compreensão dos conteúdos das unidades culturais, pode-se partir para a
análise da influência do mercado, uma obra de arquitetura com traços clássicos, sobre o
entorno edificado num período de vinte anos, marcado por profundas mudanças na cultura do
país, o que se constitui no objetivo principal deste trabalho.

Do ponto de vista empírico, a convivência entre duas expressões arquitetônicas


diferenciadas, no mesmo espaço urbano, foi fruto da decisão de gestores públicos, em eleger
98

arbitrariamente um espaço na cidade e nele registrar suas ações, por meio de grandes obras, o
que de fato ocorreu, em 1911, e de 1950 a 1970.

A questão que se impõe agora é entender, por exemplo, como edifícios verticais
modernos se elevaram em torno de uma basílica, como é o caso do Largo de Nazaré ou como
praças e um centro comercial ao ar livre se fixaram em torno do Palácio Antonio Lemos, em
Belém do Pará. Estas situações são utilizadas como exemplo, para mostrar que o Mercado de
São Brás e seu entorno é um dos casos identificados no contexto da história urbana da cidade,
no qual edificações de expressão modernizante coexistem com as construções de expressão
eclética no mesmo espaço urbano.

Partindo do princípio de que “a obra de arquitetura, a de determinação espacial, é em


si mesma uma questão de entorno total: a obra é o entorno, ou bem o germe da organização
total do entorno” (WAISMAN, 1972, p.116). A partir do momento em que o mercado foi
implantado na paisagem do Largo de São Brás, a praça, a estação de trem e a caixa d`’agua
em ferro do século XIX, se integraram à construção, formando o entorno total, criando uma
relação de pertinência, pois todo o conteúdo da paisagem do entorno do Mercado de São Brás
se tornou uma extensão da edificação. No momento em que novas construções se agregam,
começam também a pertencer à mesma extensão e o diálogo entre as obras se faz necessário.
Ao citar Scully (1965), a autora destaca esta necessidade:

Pois dentro do mesmo conceito se desenvolve a ideia da necessidade de que cada


novo edifício estabeleça um diálogo com os edifícios já existentes ao seu redor; uma
relação que pode ser dialética, mas que de algum modo há de ajudar a constituir um
todo vivo e harmônico que ganha existência na rua (SCULLY, 1965 apud
WAISMAN, 1972, p.119).

O sentido de existência se dá na rua, por meio da interação entre os atores sociais que
ao utilizarem os espaços físicos dos edifícios, transformam o espaço urbano em um lugar de
encontro. Os moradores do conjunto, os frequentadores do mercado, os alunos da escola e os
usuários da estação rodoviária não utilizam somente os serviços públicos inerentes a um
edifício exclusivo, mas todos eles, de acordo com suas necessidades. É quando o diálogo se
estabelece, a partir de suas funções, pelo encontro de pessoas em seus espaços internos e
externos, avenidas, ruas, calçadas, praças e feira, tendo o usuário como vetor que cria o nexo
entre as construções.
99

O diálogo se firma igualmente pelo contraste entre duas expressões arquitetônicas,


em razão de seus distintos conteúdos culturais. O passado classicizante do século XIX e a
obra racionalista do século XX. Waisman (1972) afirma que esta relação é a situação mais
frequente e a que tem merecido mais esquematizações de estudo, pois a “obra clássica, como
a racionalista, tem aspiração de eternidade ou de atemporalidade” (WAISMAN, 1973, p.122).

.O Mercado de São Brás é a obra clássica, com “aspirações de eternidade”, e ao


conceber os edifícios modernos, os profissionais quiseram, primeiramente, expressar, um
respeito ao entorno existente com seu edifício principal; segundo, atribuir ao conjunto
mercado/entorno um sentido de continuidade no tempo, fazendo com que as obras modernas
fossem tão históricas quanto o mercado clássico “pois a obra pretende superar o valor do
instante” (WAISMAN, 1972, p.122), do momento em que são construídas.

O respeito se traduz pelo efeito da ressonância que o edifício principal provoca na


concepção projetual dos edifícios circundantes. O grande espaço coberto da estação
rodoviária tem o mesmo valor estrutural e funcional do grande espaço coberto do mercado
público, pois ambos trabalham com o mesmo objetivo, solucionar a questão da cobertura das
grandes áreas; os pilares que sustentam sua estrutura com toda a rigidez, aparentemente
estática, adquire beleza no alinhamento simétrico, tal qual as colunas dóricas alinhadas do
mercado.

Estas reflexões são pertinentes, no sentido de mostrar que não há supremacia de uma
arquitetura sobre a outra, mas que ambas pretendem guardar seu sentido de continuidade na
história, na união harmônica entre forma, estrutura e função. Sentido que se expressa na
prática, por sua estética, mas igualmente pelo uso permanente de seus espaços, pela dinâmica
e fluxos que se manifestam na rua como espaço público, a partir do interior das edificações, e
pelo reconhecimento da sociedade sobre seu caráter histórico, o que aconteceu efetivamente
com o tombamento da área pelo poder público.

As relações no entorno histórico não se restringem às construções, pois as atividades


que decorrem de suas funções geraram vitalidade no espaço urbano, desde a sua constituição
com inauguração do mercado. Assim, o entorno histórico é também um espaço de
experiências que se processam até os dias atuais, o que lhe confere o sentido de lugar. No
próximo capítulo, será tratado este aspecto, no intuito de verificar igualmente, o sentido de
permanência do Mercado de São Brás, a partir dos fenômenos que se processam em seu
interior e no entorno.
100

CAPÍTULO 3 - O MERCADO E ENTORNO: ESPAÇOS DE VITALIDADE

3.1 – OS TESTEMUNHOS ORAIS E A FOTOGRAFIA COMO FERRAMENTA DA


HISTÓRIA URBANA

Quando se escolheu o Mercado de São Brás e entorno, como objeto de pesquisa, a


motivação inicial partiu da valorização de uma construção pertencente ao patrimônio
edificado da cidade, cujos aspectos arquitetônicos, econômicos e geográficos se tornaram um
referencial no bairro em que está localizada. Num segundo momento, optou-se por estabelecer
relações com as construções do período de 1950 e 1970, no sentido de reconstituir e
compreender a história urbana de um espaço afetado por transformações em sua paisagem e
arquitetura. A delimitação da área e a definição das construções para análise seguiu o critério
de periodização, ou seja, expressões arquitetônicas que apresentavam os referentes claros da
arquitetura moderna e do processo de modernização que se produzia no país, com as
mudanças na primeira metade do século XX, e no critério de estreita proximidade física com
o mercado público, até então visualizado como um monumento.
Apresentou-se, assim, no capítulo anterior, a constituição do entorno edificado, como
o resultado de uma trama articulada entre fatos históricos e fatos arquitetônicos que
influenciaram na dinâmica do espaço urbano denominado Largo de São Brás. As construções
e suas funções responderam aos anseios do ideal de modernidade vigente das hegemonias
dominantes, cujo momento auge foi o período da economia da borracha, atravessando um
hiato de três décadas sem grandes realizações, sendo retomado no novo contexto político dos
anos do segundo pós-guerra.
Seguindo a nova proposta arquitetônica, o conjunto mercado/entorno começou a se
constituir no final da primeira metade do século XX, contribuindo para dar um novo sentido
aos espaços ocupados por meio da inserção de novos edifícios. O Mercado de São Brás e a
Estação Ferroviária Belém-Bragança foram equipamentos urbanos que propiciaram o
desenvolvimento da sociabilidade no Largo de São Brás. Estas novas construções
A concepção da arquitetura moderna atribuiu novas representações aos espaços ao
fazer um recorte que distinguiu a vida social em duas categorias de função, a função natural,
aquela que o homem cumpre para sobreviver, e a função culturalizada que é o resultado da
condensação das funções naturais expressas em uma determinada cultura que ao serem
101

captadas pelo arquiteto conduz à elaboração de programas de necessidade (WAISMAN,


1972).
Estas novas construções, escola, conjunto habitacional, estação rodoviária
apresentadas nesta análise responderam objetivamente às demandas da sociedade. Suas
respectivas funções, comércio, habitação, educação e transporte favoreceram os contatos
interpessoais em seus espaços internos e externos, razão pela qual o Largo de São Brás se
tornou um dos pontos de maior vitalidade na cidade de Belém.
Fontes históricas, como as matérias de imprensa, atestam a importância desta nova
arquitetura para a chegada gradual do progresso almejado, por meio do reordenamento do
espaço urbano dentro de uma conjunção de fatores políticos, econômicos e geográficos,
relativos a diferentes tempos da historia da cidade.
Esta é uma das possibilidades de se entender a história urbana da área em estudo.
Pretende-se, a partir deste ponto, tomar outro caminho, baseado na definição que coloca a
influência dos aspectos vivenciais e subjetivos que Giedion (2004) aponta, como o sentimento,
na realidade que a história se propõe a desvendar:

A economia e a politica foram tomadas como pontos de partida para explicar a


estrutura de uma época, em todos os seus aspectos. A influência do sentimento sobre
a realidade, e sua constante permeação em todas as atividades humanas, foi
amplamente desconsiderada ou menosprezada. Ao traçar as interrelações entre os
avanços na arte, na arquitetura e na construção ao longo de um determinado período,
é precisamente a influência do sentimento que devemos enfatizar (GIEDION, 2004,
p.43).

Relacionar arquitetura e construção com a subjetividade dos aspectos vivenciais


implica em buscar compreender como forma, função e estrutura provocam reações, o que nos
indica a buscar na Psicologia os fundamentos que auxiliem a análise da interação
espaço/homem, em decorrência dos fenômenos e eventos que se processam no cotidiano.
Assim, passa-se a abordar o objeto de pesquisa pela perspectiva do indivíduo nas atividades
humanas e ao invés de se discutir somente o valor das atividades no espaço, direciona-se a
discussão para os efeitos decorrentes dos fenômenos e das experiências no lugar, ou seja,
aquilo que confere vitalidade às construções e à paisagem urbana.

Para o pesquisador, a consulta aos documentos escritos é imperativa, mas o que se


propõe, neste momento, é apresentar a fotografia e os testemunhos orais como uma das
possibilidades de aproximação da realidade, pois as imagens podem fornecer indícios sobre
comportamentos numa determinada época, auxiliando o trabalho comparativo entre diferentes
102

tempos de uma sociedade. O trabalho da Escola dos Annales demonstrou a necessidade da


história de trabalhar com diversos tipos de documentos, incluindo a fotografia:

O novo documento, alargado para além dos textos tradicionais, transformado –


sempre que a história quantitativa é possível e pertinente – em dado, deve ser tratado
como um documento/monumento. De onde a urgência de elaborar uma nova
erudição capaz de transferir este documento/monumento do campo da memória para
o da ciência histórica (LE GOFF, 1990, p.549).

Estudos apontam que “cada vez mais de interesse dos historiadores, a fotografia
ainda aponta problemas de ordem teórica e metodológica que cumpre enfrentar” (POSSAMAI,
2008, p.256), mas acredita-se, de maneira otimista, que o estudo da fotografia como
documento, possa dar novos rumos à construção metodológica, pois ao mesmo tempo em que
a cultura visual se expande na sociedade contemporânea, as imagens antigas vem
conquistando seu espaço, sendo disponibilizadas em mídia digital. Este fenômeno atesta a
importância da imagem para a compreensão da história social e urbana, principalmente, nos
séculos XIX e XX, pois “imagens assim como textos e testemunhos orais, constituem-se
numa forma importante de evidência histórica. Elas registram atos de testemunho ocular”
(BURKE, 2001, p.17).

A imagem teve um importante papel na História, pois o Estado foi o principal


contratante dos artistas nas Idades Antiga e Média, como uma das formas de registrar os
grandes homens e seus feitos famosos. Reis, rainhas, políticos e suas famílias, batalhas,
cerimônias oficiais e religiosas permeiam o acervo fotográfico das sociedades, transmitindo
quase sempre o positivismo dos fatos, lugares e pessoas. Naquele contexto, o feio não era
importante para o contratante e quando era registrado, intencionava-se mostrar uma
transgressão e sua consequente coerção pelo poder, como é o caso das imagens talhadas em
madeira, onde aparecem bruxas sendo queimadas pela fogueira da Inquisição ou a morte do
inimigo pela espada do reino vencedor.

Com o advento da fotografia, na Idade Moderna, entra em cena o fotógrafo


profissional. A imagem ganhou mais credibilidade, por sua exatidão, passando pelo período
pós-Segunda Guerra Mundial, prosseguindo até a Guerra do Vietnã e finalmente alcançou o
status de “fotografia-documento”, com a função de informar e “criando um forte vínculo com
a imprensa” (ROUILLÉ, 2009, p.126).

Sabendo que toda interpretação textual ou visual, traz consigo a subjetividade do


autor, com a fotografia, o risco de cair em abstrações e generalizações é iminente. A evidência
103

histórica se torna relativa, pois não há como extrair verdades absolutas. Kossoy (2012)
esclarece sobre os limites de informação contida na fotografia:

A fotografia é indiscutivelmente um meio de conhecimento do passado, mas não


reúne em seu conteúdo o conhecimento definitivo dele. A imagem fotográfica pode
e deve ser utilizada como fonte histórica. Deve-se, entretanto, ter em mente que o
assunto registrado mostra apenas um fragmento da realidade passada: um aspecto
determinado. (KOSSOY, 2012, p.119).

Este aspecto determinado da realidade, em forma de fragmento, precisa se expandir e


para que ele seja verossímil, as fontes escritas e os testemunhos orais podem preencher os
vazios da imagem, com o objetivo de se aproximar o máximo possível do entendimento do
passado. Em se tratando dos séculos XIX e primeira metade do século XX, o acervo
fotográfico, na maioria em preto e branco, fornece elementos que despertam o instinto
investigativo do historiador: pessoas e suas posturas, vestuário, alimentação, monumentos,
paisagens, cenas do cotidiano, objetos de decoração e até mesmo animais.

A sociedade, seus atores e seus costumes, tão diferenciados do mundo


contemporâneo, se desvelam na imagem como egressos de um mundo distante, inacessível
pelo hiato temporal. A análise de uma fotografia conduz à abstração, ao imaginário e à busca
pela suposta verdade histórica escondida.

Os registros fotográficos do Largo de São Brás, relativos aos períodos investigados


são escassos, assim buscou-se fazer uma seleção de imagens para se somar a outros mais
recentes, no intuito de identificar construções e cenas do cotidiano. O conteúdo das imagens
revelou a existência de eventos pontuais ocorridos no entorno do mercado, com a participação
da coletividade, não importando o grau de hierarquia dos indivíduos na sociedade vigente.

É possível identificar em seu conteúdo, as transformações arquitetônicas e urbanas,


ao longo de cinco décadas, que constituíram a trama urbana apresentada no capítulo anterior.
A análise visual a seguir, não pretende formular generalizações, nem tão pouco estabelecer
verdades absolutas. O que se pretende efetivamente, neste capítulo, é buscar uma
aproximação da realidade vivenciada no passado e no presente, associando aos testemunhos
orais que permitam enxergar os traços de vitalidade que nasceram dos fenômenos sociais e
seus atores e que conferem ao conjunto mercado/entorno os sentidos de lugar e permanência
na cidade de Belém.
104

3.2 – UM LUGAR DE URBANIDADE

Ao se estabelecer um nível de análise, abordando atividades humanas no espaço,


mas para as experiências humanas no lugar, esta envolve comportamentos, sensações e
percepções, ou seja, o que significa entrar no “campo existencial” (CASTELLO, 2006, p.83).
A teoria da arquitetura encontrou na abordagem fenomenológica de Norberg-Schulz (1965) os
fundamentos para a elaboração do conceito de lugar em arquitetura que traduz a experiência
sensorial no espaço geográfico ou no espaço construído. O autor aponta elementos como
estrutura, fronteira e o retorno às coisas presentes nos lugares habitados, elevando o ambiente
construído a um nível perceptivo.

Nesta perspectiva, o conjunto mercado/entorno se constituiu num lugar, a partir de


suas construções que juntas formaram “uma totalidade de coisas concretas que possuem
substância material, forma, textura e cor” (NORBERG-SCHULZ, 1965 apud NESBITT, 2008,
p.444). Este lugar contém uma essência, o genius loci ou o espírito do lugar, um conceito
romano retomado pelo autor, para explicar o ambiente como uma fonte de inspiração que leva
o homem à abstração e ao entendimento da vida a partir dos fenômenos:

No curso da história, o genius loci (grifo do autor) tem se mantido como uma
realidade viva, apesar de nem sempre ser designado por esse nome. Artistas e
escritores buscam inspiração no caráter local e tendem a “explicar” fenômenos da
vida cotidiana e da arte por referência a paisagens e ao contexto urbano
(NORBERG-SCHULZ, 1965 apud NESBITT, 2008, p.454).

No mundo clássico, o genius loci precedia as construções. Aldo Rossi (1995) o


entende como uma divindade que liga intimamente arquitetura e lugar:

Já aludi várias, no decorrer deste ensaio, ao valor do “locus”, entendendo com isso
aquela relação singular mas universal que existe entre certa situação local e as
construções que se encontram naquele lugar (grifo do autor). A escolha do lugar
tanto para uma construção como para uma cidade tinha um valor preeminente no
mundo clássico: a “situação”, o sítio, era governado pelo “genius loci”, pela
divindade local, uma divindade de tipo intermediário que presidia tudo o que ocorria
naquele lugar” (ROSSI, 1995, p.147).
105

Na arquitetura clássica, o ”locus” se referia à arquitetura antiga e renascentista que


circundam as praças italianas. A construção humana, e não apenas a paisagem, adquiriu valor
de lugar e memória, conformando um sítio, ao qual Rossi (1995) denomina de fato urbano,
um entorno mais delimitado da cidade que tem uma individualidade, governado por um
espírito ou aura (CASTELLO, 2007, p. 20) que governa o espaço, o tempo e as memórias
associadas.

É com base nesse conceito que no início do século XX, o lugar denominado Largo de
São Brás configurava um fato urbano, um entorno composto de elementos singulares: uma
caixa d’água em ferro, herança da era da borracha, um córrego que permitia o deslocamento
fluvial, uma estação de trem, servindo de conexão com o interior do Estado e uma feira. Um
lugar no qual o homem vivenciava a experiência da chegada e da partida, da troca e do
convívio social. O genius loci governava as atividades de transporte, comércio e as relações
interpessoais. A população da cidade era composta de comerciantes locais, de uma minoria de
imigrantes europeus e de imigrantes nordestinos, numa região de clima tropical e economia
baseada no extrativismo da borracha (SARGES, 2010, p.82).

Figura 39: cartão postal, provavelmente do fim do século XIX, mostrando a revista da tropa armada
no Largo de São Brás. Ao fundo, à esquerda, é possível identificar a caixa d’água em ferro (1884).

Fonte: cartões postais ARMANINO – Gênova, disponível em <www.nostalgiabelem.com>, acesso em


17.10.2012.
106

Um dos primeiros registros fotográficos do entorno do Largo de São Brás (figura 39),
um cartão postal, provavelmente do fim do século XIX, mostra o momento em que é realizada
a revista da tropa armada, um procedimento usual à ocasião de solenidades oficiais. Ao fundo,
à esquerda, pode-se ver a caixa d’água em ferro, erguida em 1884, e casas simples que
pertenciam supostamente à população menos favorecida. Ao centro, o bonde com passageiros,
cuja visualização se torna mais nítida na imagem seguinte (figura 40).

Figura 40: área central da figura 39, ampliada, com destaque para o bonde que trafegava na cidade de
Belém

Fonte: cartões postais ARMANINO – Gênova, disponível em <www.nostalgiabelem.com>, acesso em


17.10.2012.

Não é possível ver o extraquadro, a realidade além da imagem, a totalidade do


entorno, como por exemplo, a estação de trem, o mercado, o homem comum. Não há verdade
iconográfica. Boris Kossoy afirma que “a fotografia ou um conjunto de fotografias apenas
congelam, nos limites do plano da imagem, fragmentos desconectados de um instante da vida
das pessoas, coisas, natureza, paisagem urbana e rural” (KOSSOY, 2012, p.127), porém
Braga (1916) é quem nos fornece uma descrição do Largo, em 1916, ao realizar um passeio
de bonde pela cidade:
107

Chegamos depois á vastíssima praça Floriano Peixoto, antigo largo de São Braz,
neste largo e no eixo da Avenida da Independencia eleva-se o bello edifício do
Mercado, servindo a toda essa zona urbana, que se acha muito afastada do mercado
municipal. O tramway (grifo do autor) volta-se para a esquerda, contornando a praça,
tendo deixado á esquerda, no ângulo, o grande reservatório d’agua potável. Esta
vasta praça ainda está sendo devidamente tratada; fica ella próxima do bairro de
canudos, habitado por trabalhadores. Ao deixar a praça, vamos entrar na extensa e
bellissima avenida Tito Franco; antes, porém, podemos admirar a estação central da
estrada de Ferro de Bragança (BRAGA, 1916, p.46).

Associando a descrição à imagem, as possibilidades de análise são variadas e a


interpretação se desenvolve em função da apreensão subjetiva do leitor, no sentido de compor
a imagem e a realidade além do quadro. As imagens acima não expressam uma dinâmica de
eventos, mesmo sabendo que eles estavam acontecendo. Ela é estática, congelada num tempo
do passado, mostrando serenidade e ordem no instante registrado, o que não significa que
estes atributos retratam a verdadeira realidade da cidade.

A realidade além da imagem era de uma população menos favorecida, os imigrantes


nordestinos que não seguiram para os seringais, enfrentava a difícil realidade do desemprego
ou subemprego, além de serem obrigados a viver nas áreas mais distantes do centro e cumprir
as normas de higiene e conduta imposta pela gestão de Antonio Lemos (SARGES, 2010,
p.200).

A construção de um mercado público de traços palacianos transformou o sítio e


renovou o espírito do lugar onde o homem comum habitava e trabalhava. Uma arquitetura de
raízes europeias numa cidade de raízes coloniais, na qual a percepção do homem comum do
inicio do século XX era basicamente ligada à cultura local, suscita uma reflexão de caráter
fenomenológico, sobre quais sentimentos foram evocados; aceitação ou repulsa, inspiração ou
vazio, identificação ou estranhamento. Norberg-Schulz (1965) afirma que:

[...] os sistemas perceptuais se compõem de estruturas universais, inter-humanas, e


também de estruturas condicionadas pela cultura e determinadas pelo lugar. É
evidente que todo ser humano precisa possuir tanto sistemas mentais de orientação
como de identificação (NORBERG-SCHULZ, 1965 apud NESBITT, 2008, p.457).
108

O Largo de São Brás possuía seus elementos referenciais, a caixa d’água em ferro
(1884), o canal-doca que ligava a área ao rio Tucunduba, como mostra o mapa de Manoel
Odorico Nina Ribeiro 20 e a Estação de Ferro Belém-Bragança, originados da cultura local e
com a construção do mercado, os sistemas mentais de orientação mudariam, pois a partir de
1911 ele se tornaria o foco (NORBERG-SCHULZ, 1965) do entorno. Novos eventos e novos
atores ocupariam o lugar, criando uma nova identidade, pois “na verdade, proteger e
conservar o genius loci implica concretizar sua essência em contextos históricos sempre
novos” (NORBERG-SCHULZ, 1965, apud NESBITT, 2008, p.454).

A imagem seguinte mostra uma batalha de confete, no Carnaval de 1941, realizada


no bar Fortaleza, ao lado do Mercado de São Brás. Esta construção, juntamente com outra
similar, existe até os dias atuais, onde funcionam respectivamente um bar e o posto da
Secretaria Municipal de Economia que administram a organização do mercado e da feira. As
batalhas de confete eram organizadas e transmitidas pelas rádios da cidade, indicando quem
eram os favoritos a campeão (TEIXEIRA, 2011, p.6).

Figura 41: batalha de confete realizada às proximidades do Mercado de São Brás

Fonte: revista Pará Ilustrado, 1941, disponível em<www.nostalgiabelem.com>


10.09.2014.

A postura contida dos participantes não expressa a alegria característica deste tipo de
manifestação, provavelmente em razão das limitações impostas ao carnaval, no período do

20
Idem p. 43
109

Estado Novo, quando “as autoridades não proibiram diretamente o carnaval, mas buscaram
circundá-la, acredito que no intuito de prevenir possíveis irregularidades que pudessem
ocorrer nas ruas principalmente no que se refere à conjuntura vigente” (TEIXEIRA, 2011,
p.6). Assim, o espírito de lugar se manifestava em forma de festa com clima de ordem, diante
das restrições do poder de polícia e não supostamente pela ausência de motivação dos
participantes, como sugere a imagem.

Um novo contexto histórico que renova o espírito do lugar é o registro fotográfico


de 1959, quando o Largo de São Brás se tornou palco de um evento oficial promovido pelo
Estado, a inauguração do Monumento ao ex-governador Lauro Sodré, (figura 42), um
acontecimento que ganha importante destaque na imprensa e na sociedade local, com a
presença do governador Moura Carvalho, do poeta Bruno de Menezes e dos filhos do
homenageado21. A solenidade foi realizada na Praça Floriano Peixoto, em frente ao mercado,
que neste momento já havia conquistado sua representatividade no bairro e na cidade como
espaço público de comércio.

Figura 42; inauguração do Monumento à Lauro Sodré, na Praça Floriano Peixoto, em


frente ao Mercado de São Brás

Fonte: <www.nostalgiabelem.com>, acesso em 19.07.2012.

21
Fonte: Jornal A Folha do Norte, de 11.06.1959.
110

Neste evento em circunstâncias diferentes da imagem anterior, é possível perceber a


mesma rigidez na postura dos participantes. O fotógrafo captou a horizontalidade simétrica do
alinhamento das pessoas, compondo com a verticalidade das edificações, do monumento e das
árvores. A rigidez pode ser uma tipificação de imagem que segue o critério de registro do
fotógrafo, na qual “as pessoas retratadas podem ser vistas com maior ou menor distância, num
enfoque respeitoso, satírico, afetuoso, cômico ou desdenhoso. O que vemos é uma opinião
“pintada’, uma “visão de sociedade” num sentido ideológico, mas também visual” (BURKE,
2004, p.149).

O evento retrata o perfil de uma sociedade que atendia e as convocações oficiais, em


sinal de respeito. A postura dos participantes e o modo de se vestir não permitem nítidas
distinções. Rasmussen (1959) explica a semelhança entre pessoas de uma mesma época a
partir de seu comportamento:

Nas fotos de uma época determinada, as pessoas se parecem muito entre si. Não é só
uma questão de roupa ou penteado, mas também de poses e gestos e de sua maneira
de se comportar em geral. Nas memórias da mesma época descobrimos que a forma
de vida se harmoniza com a aparência exterior e também que os edifícios, as ruas e
os povos estavam no tom do ritmo dos tempos (RASMUSSEN, 1959, p.29).

Procurou-se mostrar, até este ponto, a dinâmica de eventos que envolveu o Mercado
de São Brás, porém é importante destacar um registro fotográfico da década de 1950 que
remete à questão do transporte urbano, a partir da estação de trem e posteriormente, com os
transportes públicos e automóveis, comprovando que os povos e as ruas estavam nos ritmos
dos tempos, como analisa Rasmussen (1959). O próximo registro (figura 43) recuperam um
meio de transporte que chegou em Belém na década de 1940, os zeppelins, que exerceram
fascínio na população pelo seu aspecto perolado. A chegada desse modelo de transporte está
relacionada historicamente com a presença de uma base aérea americana em Belém, após a
Segunda Guerra Mundial e com a existência de uma oficina local que realizava seu
acabamento externo (SOARES, 2014, p.7). Pode-se supor que havia uma estação de ônibus às
proximidades do mercado, mas a imagem não permite afirmar esta situação. O registro foi
feito em tempo chuvoso e não há, aparentemente, um fluxo de pessoas em seu entorno.
111

Figura 43: ônibus Zepellin estacionado em frente ao mercado, na década de 1950.

Fonte: acervo da Revista LIFE, disponível em <www.nostalgiabelem.com>, acesso em 19.07.2012.

O espaço físico do mercado e seu entorno se consolidaram como lugar, a partir destes
registros, eventos e usos, mas os ritmos do tempo transformaram a arquitetura, os atores
sociais e os fenômenos que se produziram nas décadas seguintes, porque “a forma de um
lugar é sempre a forma de um tempo dos lugares; e existem muitos tempos na forma de um
lugar” (ROSSI, 1995, p.68).
Sua passagem cria outros sentidos e nas últimas décadas do século XX e no início
deste século, as atividades no entorno do mercado não se restringiam a eventos solenes
organizados pelo poder público. As mentalidades e as posturas mudaram, trazendo um novo
modo de expressão das massas que se apropriaram das praças públicas, organizando
manifestações populares. Estas experiências conservaram e renovaram, mais uma vez o
genius loci, (NORBERG-SCHULZ, 1965). Castello (2007) ao explorar as concepções de
lugar, na virada do milênio, sob a ótica das, busca aproximar o conceito de lugar da realidade
contemporânea, a partir da noção de urbanidade:
112

A urbanidade é uma qualidade típica e única do ambiente construído pelo ser


humano. É nosso entendimento que a urbanidade é a qualificação vinculada à
dinâmica das experiências existenciais conferidas às pessoas pelo uso que fazem do
ambiente urbano público, através da capacidade de intercâmbio e de comunicação de
que está imbuído este ambiente (CASTELLO, 2007, p.29).

Estes fenômenos que se produziram no entorno, nas últimas décadas do século XX e


no início deste século, estiveram imbuídos de experiências existenciais: comícios políticos,
concentração de categorias de classes trabalhadoras, espetáculos musicais, festas juninas,
reunião de acampamento de sem-terra. Estes eventos analisados foram pontuais,
desencadeados por circunstâncias políticas e econômicas, mas a urbanidade é uma
característica do cotidiano dos espaços públicos, como descreve Castello (2007).

Cabe obviamente a ressalva de que a urbanidade como a entendemos aqui é aquela


que se desenvolve no “public realm” das cidades. E que decorre da intensa interação
dos fenômenos típicos da vida urbana, da dinâmica do cotejo das relações sociais e
econômicas, da alteridade, da aventura, do aventurar-se da descoberta, de uma
tessitura de eventos e de experiências. Ainda assim, também no campo da
urbanidade é possível detectar variações, das quais, talvez a mais expressiva seja a
que se refere ao âmbito “público” dos lugares da urbanidade. (CASTELLO, 2007,
p.30).

Aventurar-se no Largo de São Brás significa partir da observação de como se


desenvolvem as relações entre os espaços públicos e os habitantes da cidade. O chamado
Complexo do Mercado de São Brás é constituído pelo mercado, o ponto focal da área, feira,
mercado de carne e peixe e espaço gastronômico, guardando uma multiplicidade de
fenômenos, por sua natureza pautada no modelo de troca do século XIX que coloca vendedor
e comprador numa relação direta.

A complexidade não está apenas em seu nome, mas na dinâmica de sua urbanidade
que conduz a questionamentos sobre a resistência de uma construção e seus valores
intrínsecos, no contexto da cidade contemporânea, onde o consumidor mergulha num
universo de experiências sensoriais, a partir dos odores misturados entre camarão seco, ração
para animais, madeira e produtos químicos para a conservação de móveis. A variedade de
cores e produtos, na maioria não perecíveis (figura 44), desperta a curiosidade, mas ao mesmo
tempo contrasta com o tom branco amarelado e a umidade das paredes devido à falta de
conservação.
113

Figura 44: interior do Mercado de São Brás, com a variedade de produtos,


na maioria industrializados

Fonte: foto da autora, 2014.

Figura 45: detalhe do lanternim da cobertura do Mercado de São Brás,


estruturado em ferro forjado e vidro.

Fonte: foto da autora, 2014.


114

A sensação é dúbia porque “as cores quentes e frias desempenham um papel


importante em nossas vidas e expressam emoções e estados de ânimo muito diferentes”
(HASMUSSEN, 1959, p.172), a curiosidade em descobrir as opções de produtos e a surpresa
com o estado de conservação da construção. Esta alternância entre cores diversas e paredes
escurecidas pela umidade domina o interior do mercado, o que poderia ser modificado por
meio de uma revitalização, tirando proveito da luz natural que emana do lanternim da
cobertura e elementos construtivos (figura 45) e assim o espaço ganharia luminosidade.

Caminhar em seu interior é descobrir um produto diferente, é “a surpresa que deve


ser criada a cada curva, em cada corredor” (RENNÓ, 2006, p.102) e a cada vez que se dobra
uma das suas esquinas: alimentos, roupas, bolsas, calçados, discos de vinil, CD’s e DVD’s e a
oferta de serviços de conserto em geral, principalmente roupas e eletrodomésticos. Estes
serviços se estendem nas lojinhas das laterais do mercado, onde se encontram bares e lojas de
perfumes e ervas regionais. Não existe qualquer traço de modernidade no mercado, pelo
contrário, existe uma aura de simplicidade.

O horário da manhã concentra as atividades comerciais, como na maioria dos


mercados e feiras de gêneros alimentícios da cidade. Nas visitas realizadas em dias
diferenciados, ao longo da pesquisa empírica, não se observou diferença no número de
frequentadores entre os dias da semana e os sábados e domingos. O público feminino está
presente em sua maioria, uma característica que remete à importância da mulher na vida
social sob o mercado coberto e “tão menos devemos esquecer o impacto social e de gênero
que supõe a criação de um poderoso foco de vida e sociabilidade, no qual a visibilidade das
mulheres como compradoras e vendedoras no espaço público era definitiva” (GUÀRDIA &
OYÓN, 2010, p.13). São mulheres, jovens e idosas, que frequentam assiduamente o mercado
e algumas já o fazem há muitos anos:

[...] frequento o mercado há mais de quarenta anos, tem semana que eu passo sem
vir, mas tem semana que eu venho todo dia e às vezes, três vezes ao dia... (Eurídice
Roterdan, 65 anos, moradora do bairro de São Brás).

[...] frequento o mercado há uns 33 anos; venho aqui sempre (Raimunda Lameira, 74
anos, moradora do bairro de Canudos).

[...] venho todos os dias, fazer compra prá minha patroa... (Jaqueline Teixeira, 25
anos, moradora da Terra Firme).
115

Os consumidores masculinos são em menor número. Há muitos vendedores homens


e os consumidores estão quase sempre conversando, bebendo sua “cervejinha” ou em simples
estado de contemplação, o ócio criativo. As relações sociais se constroem na familiaridade e
não apenas no aspecto comercial. O lugar existencial da fenomenologia transcende a
formalidade da relação vendedor comprador. As motivações não são apenas econômicas, mas
também afetivas:

Todo mundo me trata bem, aqui todo mundo é feliz (Jaqueline Teixeira, 25 anos,
moradora da Terra Firme).

Amo! (o mercado). Aqui eu ainda tomo um bom raspa-raspa. O que eu gosto, eu só


encontro aqui e em Mosqueiro. Nem lá no Ver-o-Peso eu encontro. Tenho bons
amigos aqui. Muitos já estão em outro plano. Já desencarnaram. Parte da minha
juventude está se acabando (José Maria Silva, 58 anos, morador do Coqueiro).

[...] aqui você não tem fila, aqui você é o freguês. Porque no supermercado você
enfrenta fila, ninguém quer saber quem é quem. Aqui eu passo até por cima da
cabeça do outro e digo: “Fulano! Paulinho, eu quero um prego, eu quero isso! Eu
quero aquilo!” A gente que não é bem de situação, de saúde, a situação financeira,
hoje a metade do povo vive desse jeito. Aí a gente é atendido mais rápido, tem a
amizade, todo mundo te conhece, você conhece todo mundo. (Eurídice Roterdan, 65
anos, moradora do bairro de São Brás).

A afetividade e a familiaridade que os relatos expressam se manifestam pela


identificação com o lugar, pois “é possível sentir-se “em casa” (grifo do autor) sem conhecer
a fundo a estrutura espacial do lugar, isto é, o lugar é percebido por ter um caráter
genericamente agradável” (NORBERG-SCHULZ, 1965 apud NESBITT, 2008, p.456).

O aventurar-se (CASTELLO, 2007) na descoberta prossegue na parte posterior


externa do mercado. A feira, o pavilhão gastronômico, o mercado de carne e peixe, os
veículos e as pessoas provocam uma confusão visual (figuras 46 e 47), ao mesmo tempo em
que o som dos alto-falantes, rádios pessoais, o murmurinho das vozes, ou mesmo gritos, os
odores de comida sendo preparada e dos produtos da feira, do monóxido de carbono dos
veículos, tudo se mistura e se intensifica com o calor do local. Não há uma ordem aparente,
mas certamente para os ocupantes do espaço, há a ordem que eles compreendem. Vargas
(2010) destaca o aspecto confuso dos espaços de mercado no século XVIII e que ainda se
reproduz no Complexo do Mercado de São Brás:

Quanto ao significado e imagem da atividade comercial, todos os espaços de


mercado analisados no período reforçam a questão da diversidade e do
congestionamento de imagens, sons, odores, mercadorias e pessoas que refletem a
expressão máxima da vitalidade e do dinamismo do lugar. Desordem, confusão e
multidão são fortes indicadores de sucesso do comércio, ou pelo menos seus
requisitos essenciais (VARGAS, 2001, p.158).
116

Figura 46: estacionamento e feira situados na área posterior do Mercado de São Brás

Fonte: foto da autora, 2014.

Figura 47: a mesma área, vista sob outro ângulo, com a feira e o mercado de carne.

Fonte: foto da autora, 2014.


117

Se desordem e confusão são bons indicadores de sucesso comercial, por outro lado,
assumem um aspecto negativo. Ao longo da pesquisa empírica, se presenciou o
desentendimento entre uma vendedora e uma compradora, motivado por um suposto roubo da
segunda, episódio que exigiu intervenção policial. Gritos, agressões e ameaças foram
percebidos por todos que ali se encontravam e assim, com estas cenas supostamente
recorrentes, o mercado se transforma num espaço de caos, “o lugar dos pequenos furtos, das
palavras grosseiras e do ócio às vezes selvagem de uma multidão incontrolável” (GUÀRDIA
& OYÓN, 2010, p.18).

Historicamente, as praças de mercado eram frequentadas pelos bons, e pelos maus,


os pobres, os vagabundos, os meliantes e esta condição desencadeia cenas semelhantes. A
pobreza, uma condição social que desencadeia a carência em todos os aspectos, mas
sobretudo, a fome. O mercado público é um espaço de abastecimento, onde reina a aparente
fartura de quem vende e de quem compra, um espaço que tem uma permeabilidade, “que
convida à exploração e à descoberta” (VARGAS, 2001, p.156) e ainda que exista um poder de
polícia no Complexo do Mercado de São Brás, a insegurança se estende por todo seu entorno,
sendo percebida por seus usuários:

Até que aqui eu não tenho muito problema negócio de roubo durante o expediente
né, à noite não, eu não sei como é que funciona. É perigoso passar por essas áreas...
( Sr. Idenildo, servidor municipal e Administrador do Complexo de São Brás)

Aqui você tem que ver o horário. Depois de 1h ou 2h (da tarde), você tem que ter
mais cuidado aqui na feira. É um perigo. O final da tarde é melhor... (Tatiana Coelho,
35 anos, compradora, moradora do Bairro de São Brás).

[...] a praça ali está abandonada, cheia de meliantes. Você não pode nem ir por lá, os
caras ficam te atacando, querem dinheiro. Todas essas praças estão assim... (José
Maria Silva, 58 anos, morador do Coqueiro).

As praças são o local preferido dos meliantes. Sem vitalidade, são ocupadas nas
laterais por vendedores ambulantes e paradas de ônibus. A Praça Floriano, em frente ao
mercado, não possui atrativos, apesar dos bares que funcionam nas laterais do mercado. A
Praça do Operário, em frente à estação rodoviária, está envolta pela circulação de grandes
ônibus, caminhões, táxis, veículos particulares e pessoas, e a Praça da Leitura, subutilizada,
não cumpre o propósito que o nome indica, tendo a presença de indivíduos suspeitos
transitando e ocupando a área central.
118

O conjunto do IAPI e a Escola Benvinda de França Messias não transmitem o ideal


de vida em coletividade, à qual se propunham, como descrito pelos antigos moradores, nas
décadas de 50 a 70. As grades e cadeados mostram a insegurança do lugar e da cidade, ao
mesmo tempo. A vida acontece em seus interiores e o entorno é dominado pelo fluxo do
trânsito confuso nas vias do entorno que está diretamente relacionado ao trânsito da cidade.
No interior da estação a dinâmica ocorre em função do ato de chegar e partir, mas as lojas de
produtos e serviços em seu interior atraem consumidores diversos: passageiros, motoristas,
funcionários, moradores do bairro e há aqueles que contemplam a paisagem sem nenhuma
razão aparente.

O lugar vive assim entre dois tempos. O tempo do mercado e suas práticas
econômicas e sociais oriundas do século XIX, que ainda se reproduzem apesar das mudanças
na forma de consumo, e o ritmo acelerado de um grande centro urbano e seus problemas que
impactam no cotidiano da cidade e do Largo de São Brás.

O conjunto mercado/entorno, sua história, arquitetura e memória resistem, na prática,


a partir dos usos que os habitantes fazem de seus espaços e por esta razão merece uma
discussão sobre sua permanência ao longo das últimas décadas.

3.3 – O SENTIDO DE PERMANÊNCIA

O Mercado de São Brás representou um importante centro de distribuição e


comércio de alimentos para o bairro e para a cidade de Belém, de 1911 até o início da década
de 1970, além de atrair para seu entorno edificações expressivas que marcaram um período da
história da arquitetura em Belém. Uma tipologia do século XIX que concentrou “coisas muito
diversas” (GUÀRDIA & OYÓN, 2010, p.12), como comércio, transporte, cultura e sociedade,
sendo uma referência para a constituição de um espaço urbano.

A partir da década de 70, sob a influência das transformações mundiais nos modelos
de consumo, o país passou a receber a implantação dos supermercados, “o mais radical
desenvolvimento varejista” (VARGAS, 2001, p.241) que revolucionou o processo de compra
e venda. “Os supermercados nasceram revolucionários, uma espécie de marco do capitalismo,
e mudaram para sempre os meios de comercialização, tornando-se o símbolo máximo do
119

consumo mundial” (TOALDO; SOBRINHO; CAMARGO, 2009, p.454), se apresentando


como um potencial concorrente para os mercados públicos cobertos.

As transformações na economia nacional prosseguiram nas décadas de 80 e 90, com


um modelo derivado dos supermercados, os hipermercados, deixando o mercado público em
posição cada vez menos relevante nas cidades, no que se refere à modalidade de consumo.
Aos poucos, o modelo foi se instalando em Belém e algumas unidades se fixaram no bairro de
São Brás. Isto impulsionou a mudança no varejo local, ocasionando uma queda progressiva
nas vendas, sentida pelos vendedores mais antigos que trabalhavam no interior do mercado e
que foram posteriormente remanejados para a feira:

A gente lá dentro, a gente fazia boa venda lá dentro do mercado quando eu estava lá,
mas aqui com os supermercados elas caíram muito, as vendas... (D.Silvina dos
Santos, vendedora na feira desde 1952).

Isto aqui em outra época era um círio, um domingo, sábado, segunda, mas naquela
época não tinha supermercado, o supermercado hoje acabou com as feiras, por quê?
Na feira, o cidadão não tem cartão, ele vem, se ele não tiver dinheiro ele não compra,
a não ser que ele seja muito amigo, conheça mais... ”amanhã eu venho e pago”
(falando do cidadão)... no supermercado você leva o cartão, enche dois, três
carrinhos, você divide, paga em cinco, seis vezes e aqui não, então o supermercado,
ele tirou 60% das feiras (Geraldo Lisboa, vendedor na feira de São Brás, desde
1962)

Teve uma queda, devido as grandes redes... quando chegou as grandes redes o Líder,
o Grupo Yamada, o Grupo Formosa que entraram, e diminuiu antigamente
funcionava aqui todos os estado, hoje nós estamos num estado bem reduzido sentiu
muito pro pessoal que trabalha vendendo carne e peixe, porque devido as redes
grandes que chegaram nas proximidades, então devido a essa facilidade. Devido à
facilidade da conta, a forma de pagamento, parcelamento. E a segurança em si né, o
conforto, que o cliente quer o conforto, ele quer se sentir seguro onde ele vá comprar
(Sr. Idenildo, servidor municipal e Administrador do Complexo de São Brás).

Não se comparam operacionalmente ambos os espaços de consumo, mas indica-se


que a chegada do novo modelo pode ter desencadeado o declínio do Mercado de São Brás,
forçando a gestão municipal a encontrar novos sentidos para o espaço e lhe atribuir uma
permanência oscilante entre recuperação e degradação que se reflete na sua dinâmica até os
dias atuais.

Em 1986, a Prefeitura Municipal de Belém e o Governo do Estado iniciaram um


projeto de reurbanização denominado Complexo de São Brás. A intenção era recuperar a
praça Floriano Peixoto, construir a praça da Caixa d’Água, o Memorial Magalhães Barata e
120

reformar o mercado que se tornaria um espaço cultural destinado à expressão artística e à


comercialização de artesanato nas lojinhas laterais22. Este projeto se concretizou, a partir de
sua reinauguração, em 30.12.1988, e no ano seguinte, o espaço reunia exposições,
apresentações musicais, comércio de artesanato, o que atraiu turistas, e vida noturna nos bares
instalados em algumas lojinhas laterais, onde anteriormente funcionavam as mercearias.

Esta tentativa inicial de revitalizar este espaço corresponde ao que Castello (2006)
denomina como a clonagem de um lugar de urbanidade que se manifesta, em Arquitetura e
Urbanismo, quando “os projetos de lugar podem, também, se valer da tática de estimular uma
determinada percepção, introduzindo, de maneira intencional, novos elementos que irão
integrar e integrar-se à estrutura ambiental projetada” (CASTELLO, 2006, p.84) que neste
caso, objetivou atribuir novos usos ao mercado.

Criar intencionalmente um espaço cultural num equipamento urbano projetado para


comércio significa atribuir funções específicas reservadas a teatros, centros de convenções e
bares, o que Castello (2006) entende como clonagem de um lugar. A função principal,
comércio de alimentos, deixou de existir e se deslocou para a feira e prédios anexos, criando
uma concentração de atividades relacionadas ao abastecimento.

Os comerciantes, deslocados do espaço interior para o exterior, em barracas


padronizadas aprovaram as mudanças no início, mas com o tempo manifestaram seu
descontentamento, em razão da deterioração da estrutura em ferro galvanizado e má qualidade
de sua cobertura23 e no final de 1989, apenas um ano depois o Complexo já começava a ser
depreciado. A sujeira na feira, o lixo acumulado por falta de coleta adequada, a escuridão
durante a noite, pichações nas paredes do mercado, lâmpadas e refletores queimados eram as
principais reclamações dos usuários.24

Em 1991, os artesãos foram reconduzidos para o interior do mercado,


compartilhando o espaço com eventos como exposições, feiras e atividades culturais, 25 mas a
precariedade na infraestrutura do Complexo já anunciava um segundo momento de declínio
provocado pela depreciação do local. Assim, ficou evidenciada a incompatibilidade das
funções de comércio e eventos coexistindo, em espaços cuja conservação é imprescindível.
Pode-se afirmar que a clonagem (CASTELLO, 2006) foi mal sucedida e o resultado colocou a

22
Jornal dos Bairros, Ano II, edição 348, de 09.01.1989.
23
Jornal dos Bairros, Ano III, edição 511, de 04.09.1989.
24
Jornal dos Bairros, Ano IV, edição 846, de 17.12.1989.
25
Jornal dos Bairros, Ano V, edição 936, de 22.04.1991.
121

permanência do mercado em nova situação de risco e desta vez, a responsabilidade não seria
do principal concorrente, o supermercado.

É importante relembrar que, historicamente, feiras e mercados são espaços


permeáveis, ou seja, usuários, pedintes, veículos de descarga e alimentos acessam livremente
as áreas adjacentes e suas práticas intrínsecas criam uma zona de desordem e confusão
(VARGAS, 2001). Esta situação se estendeu pelos anos seguintes e em 1993, a Prefeitura
Municipal de Belém, sob nova gestão, anuncia a elaboração de um estudo para
reaproveitamento dos espaços do Complexo, objetivando criar um centro de conhecimento
informatizado, denominado Centro Municipal de Informação, Educação e Cultura, para
atender a população na área educacional. 26 A proposta tramitou, por um longo período, entre
as esferas municipal e estadual, e em 1998, reformado e reinaugurado sob nova gestão, foi
anunciado que o espaço continuaria a ser um mercado público, com uma de suas alas sendo
utilizada como espaço cultural.27

Percebe-se, até este ponto, a dificuldade na tomada de decisão quanto à destinação de


uma das mais representativas construções do Pará, no sentido de garantir sua permanência. A
falta de conhecimento sobre as possibilidades de integração mercado/cidade, sem a
necessidade de dar novos usos ao espaço, ou as mudanças políticas que interrompem a
continuidade das ações administrativas ou em último caso, a escassez de recursos financeiros,
não permitiram que o mercado fosse reestruturado para fins comerciais e turísticos, mesmo
que as mudanças na economia de varejo que se processaram em nível nacional e local, ao
final do século XX, colocassem em risco sua permanência como monumento.

A importância do entorno histórico obteve ações de legalidade, como a Lei de


Tombamento n. 4855-03 de setembro de 1979, do Departamento de Patrimônio Histórico,
Artístico e Cultural do Governo do Estado do Pará, que delimita a área abrangendo a caixa
d’água em ferro do século XIX, o mercado e a escola Benvinda de França Messias, e o
Decreto Municipal nº 26579 de 14 de abril de 1994 que dispõe sobre o funcionamento de
feiras livres.

As intervenções de reestruturação física no mercado e de legalização patrimonial no


conjunto mercado/entorno comprovam o reconhecimento do poder público pelo sua

26
Jornal O Liberal, de 06.03.1993.
27
Jornal O Liberal, de 09.05.1998.
122

importância histórica e arquitetônica. Waisman (1990) atribui o sentido de permanência de


uma obra à sua condição de obra de arte, de monumento:

Mas, a diferença do acontecimento histórico, a consideração do fato artístico não se


esgota no exame de suas circunstâncias históricas, pois sua permanência no tempo –
sua significativa permanência no tempo – se deve a uma qualidade extra-histórica,
isto é, seu valor artístico ou arquitetônico, sua condição própria de obra de arte, de
monumento (WAISMAN, 1990, p.18).

A dinâmica da Estação Ferroviária Belém-Bragança, a decadência política de


Antonio Lemos, a ideologia modernizante do Estado Novo e o desenvolvimentismo de
Juscelino Kubitcheck possibilitaram que se erguessem edifícios que são referências para a
arquitetura da cidade. Mas as construções que remetem a uma determinada expressão
arquitetônica não representam apenas períodos e materialidade artística. Elas são
experimentadas no campo existencial (CASTELLO, 2008). Existem no mundo presente,
mas proporcionam a experiência fenomenológica atemporal de experimentar o passado, por
meio de suas formas, de seus espaços e funções, o que para Rossi (1995) dá significado à
permanência:

Para essas considerações, devemos ter presente também que a diferença entre
passado e futuro, do ponto de vista do conhecimento, consiste precisamente no fato
de que o passado é em parte experimentado agora e que do ponto de vista da ciência
urbana, pode ser esse o significado a dar às permanências: elas são um passado que
ainda experimentamos (ROSSI, 2001, p.49).

Assim, o lugar de urbanidade (CASTELLO, 2007), é vivenciado no presente pelas


práticas associadas ao passado. Comércio, transporte, habitação e educação garantem, desde o
início do século XX, a permanência das construções e da dinâmica do conjunto
mercado/entorno, com as influências peculiares do mundo contemporâneo: o concorrente
supermercado, o tráfego urbano intenso e a violência.

A partir dos testemunhos orais, percebe-se que o passado é experimentado no


exterior, nos espaços, e no interior da memória, nas lembranças daqueles que presenciaram a
fase áurea do mercado e a constituição do entorno edificado, como o Sr. Paulo Menezes,
vendedor no mercado desde 1949 e o mais antigo que se conseguiu identificar. Seu relato se
aproxima de uma descrição que só pode ser encontrada em jornais da época:
123

Quando eu vim prá cá, o conjunto ainda nem existia. Não tinha o IAPI, não tinha o
Lar de Maria, não tinha o Berço de Belém. Nada, (...) era cheio de carne aqui dentro
e as laterais eram mercearias. Tinha loja de fazenda (tecido), tinham as costureiras.
Hoje em dia não tem mais. É só roupa feita né? O mercado era bonito, tudo de
mármore, piso de mármore, o telhado com telhas francesas, não tinha esse forro. No
centro do mercado, tinha um chafariz, com uma águia que jogava água e de lá, a
gente tirava água para lavar o mercado. O mercado era lavado todos os dias.

Ao conversar com o Sr. Paulo, percebe-se as lembranças ainda muito vivas de um


período intenso envolvendo o mercado e a Estação de Ferro Belém-Bragança e ao mesmo
tempo um pesar, pela situação de degradação em que se encontra aquele espaço. Este pesar é
sentido por todos os vendedores antigos, seja pela situação de abandono ou pela queda nas
vendas, mas as lembranças são ao mesmo tempo, um vínculo afetivo com o passado de um
lugar que guarda histórias de vida.

O lugar de urbanidade é também o lugar da memória (CASTELLO, 2007, p.22) que


permanece na história de sua arquitetura e na história vivenciada pelas pessoas, aquela que
vem acompanhada de sentimentos positivos, como as amizades feitas: “olha o que significa
pra mim, é uma parte da minha vida; aqui eu construí meu... fiz amizade, ganhei dinheiro;
entendeu, e geralmente quando você trabalha numa parte que você faz boa amizade já faz uma
boa parte da sua vida, então...” (Sr. Geraldo Lisboa, vendedor antigo) e negativos, como a
sensação de derrota, “daqui... ah eu não gosto é de nada mais aqui, eu tô aqui porque eu já
estou aposentado... prá mim agora não presta mais. Eu tô aqui pra cumprir tabela mesmo” (Sr
Xavier, vendedor no mercado de carne há 48 anos). Castello (2007) referencia Kevin Lynch,
resgatando a importância da memória dos lugares:

Assim, como parece desejar ardorosamente Lynch, o lugar da memória será


representativo tanto do patrimônio construído que é comumente listado pelos
cognoscenti –comemorando sua import6ancia histórica e arquitetônica -, como,
também pelas memórias que as pessoas têm... (CASTELLO, 2007, p.22)

Os testemunhos orais mostram que a memória dos vendedores antigos, compradores


e moradores do bairro está ligada à arquitetura do mercado e do entorno, à dinâmica do
transporte ferroviário, ao comércio próspero entre 1950 e 1970, as relações sociais, aspectos
que constituem os fenômenos associados ao mercado público, como equipamento urbano e
“autêntico coração e fundamento da vida urbana, a condição mesma de possibilidade de
cidade” (GUÀRDIA & OYÓN, 2010, p.14). Existe um desejo de continuidade que se
124

expressa na luta dos vendedores pela sua permanência, no sentido de solucionar os problemas
de infraestrutura do Complexo, aos quais está sujeito há pelo menos duas décadas.

Em 2013, quando o mercado completou 102 anos, foi realizado um café da manhã
com a presença de autoridades e usuários, momento em que foram anunciadas sua inclusão no
Plano Plurianual “Belém 2014/2017” e a indicação para restauração, dentro do projeto “PAC
Cidades Históricas” do Ministério da Cultura e posterior transformação em polo gastronômico
e cultural.28 Esta ideia foi contestada, num pronunciamento na Assembleia Legislativa, de um
ex-prefeito de Belém e deputado estadual, sob argumento de que ao se fazer um investimento
público num imóvel tombado para depois repassar sua administração à uma Organização
Social, a população mais humilde deixa ter a possibilidade de acesso ao espaço público, como
aconteceu em outros espaços da cidade. 29

O Brasil tem um exemplo similar de intervenção bem sucedida, como a que foi
realizada no Mercado Central de Belo Horizonte. O projeto de revitalização foi pactuado entre
os poderes público e privado, resultando na privatização do mercado, perpetuando assim um
equipamento urbano na paisagem da capital mineira, como mostra Filgueiras (2006):

Apesar da modernização do Mercado estimular certo receio com relação à sua


descaracterização, observamos que a singularidade deste lugar emerge, sobretudo,
pela forma como incorpora elementos tipicamente modernos e contemporâneos à
sua atmosfera tradicional e provinciana, atualizando as tradições que o caracterizam
e que fazem dele o maior ponto turístico da cidade, o lugar, ou o “monumento”,
mais representativo da cultura mineira (FILGUEIRAS, 2006, p.141).

O caso de Belo Horizonte mostra que é possível integrar o mercado público ao


espaço urbano, seja por meio de uma ação pública ou compartilhada. A questão que se coloca
está na elaboração de políticas públicas que vislumbrem o contexto histórico e cultural do
bairro e da cidade, como sugere Vargas (2009):

[...] quando se intervém no espaço urbano, principalmente nas áreas urbanas centrais
consolidadas, em processo contínuo de transformação, abandono e resgate, a
compreensão desta origem e miscigenação de tempos e práticas deve-se apresentar
como premissa para o projeto (VARGAS, 2009, p.92).

28
Fonte: site da Prefeitura Municipal de Belém, disponível em http://<ww3.belem.pa.gov.br>, acesso em
19.09.2014.
29
Fonte: disponível em www.edmilsonbritorodrigues.com.br, acesso em 19.09.2014.
125

A alternância entre abandono e resgate está na origem dos problemas que colocam o
mercado e o entorno frente a frente. De um lado, existe a dinâmica envolvendo o conjunto
habitacional e a estação que se desenvolvem no contexto da cidade contemporânea. De outro,
o mercado público com suas práticas que ainda se encontram fundadas no século XIX, com
reflexos no tecido urbano: a falta de higiene, o fácil acesso de pessoas de classe menos
favorecida, como os meliantes e pedintes, que induz e à falta de segurança.

Logo, não se trata de qual destino, ou função se deve atribuir à construção ou os


meios empregados para a execução de seu restauro, mas como integrar dois tempos que se
tangenciam na cidade. Para efeitos de comparação, o Mercado do Ver-o-Peso não se encontra
na mesma situação de abandono, tendo encontrado seu sentido simbólico, entre a cidade, o rio
e a região, como descreve Leitão (2013):

A maior riqueza do Ver-o-Peso está contida no lastro de memória da própria cidade


que pode ser ali encontrado. Há muito deixou de ser apenas um porto e uma feira
livre, na qual se negocia toda espécie de produtos comestíveis, industrializados,
vestuário, artesanato, ervas, etc., para se consolidar como importante lugar de
práticas culturais, onde o cotidiano regional e o imaginário amazônico se
reproduzem e se perpetuam por meio das mais diversas atividades tradicionais – do
preparo de alimentos ao uso de ervas com fins medicinais e místico-religiosos.
Nesse sentido, o Ver-o-Peso é também um mercado de bens simbólicos, que
alimenta o corpo, a alma e o espírito de uma cidade que mantém elos com o rio e a
floresta (LEITÃO, 2013, p.13).

Se foram encontrados os elos que unem o Ver-o-Peso e a cidade, ao rio e à floresta,


convém buscar, igualmente, os elos que unem o Mercado de São Brás, inicialmente ao seu
bairro e posteriormente à cidade, os quais acredita-se estar, inicialmente, relacionados à antiga
Estação de Ferro Belém-Bragança e às primeiras intervenções urbano-arquitetônicas no
entorno.

Esta perspectiva de abordagem necessita de um trabalho de recuperação da memória


do lugar que se encontra em sua arquitetura e na fala de seus atores passados e atuais, pois
diferentemente do Ver-o-Peso, que ainda possui o rio e a floresta como elementos
dinamizadores, o Mercado de São Brás não possui mais a estação ferroviária, restando apenas
a herança arquitetônica da era da borracha, com a qual é necessário estabelecer as devidas
conexões dentro da história urbana.

A última intervenção no sentido de revitalizar o Complexo, foi realizada em 2013,


com a reforma da Praça Floriano Peixoto que meses depois, já se encontrava em estado de
126

abandono.30 Recentemente, as chuvas invadiram o mercado, em razão das más condições do


telhado e os vendedores foram obrigados a chegar mais cedo diariamente, para limpar o piso e
as barracas, pois a concentração de consumo e produtos se encontra em seu espaço interno.

Os assaltos frequentes são outro motivo de reclamação, sobretudo porque segundo os


vendedores, afasta os clientes que reclamam da precariedade na manutenção do local. A
justificativa sobre o atual estado da construção se pauta em atrasos no processo licitatório para
a execução do restauro.31 Os vendedores reiteram as solicitações feitas à gestão municipal, por
meio da Associação dos Empreendedores, sob o seguinte argumento:

[...] porque São Brás não pode desaparecer, a feira, porque o mercado foi criado pro
feirante, pro mercado municipal mesmo pra ser o feirante, o elemento, porque hoje o
mercado aqui, eu considero o shopping do dia-a-dia do povão, por que aí vem do
governador ao gari, e você entra aí e têm tudo; tem sapateiro, tem relojoeiro, a única
coisa que falta aí é uma Caixa Eletrônica que é pro pessoal ter mais movimento, tem
tudo, só isso que não tem (Geraldo Lisboa, vice-presidente da Associação de
Vendedores do Mercado de São Brás e vendedor na feira de São Brás, desde 1962).

O Complexo de São Brás permanece, desta forma, entre o amparo da legalidade


patrimonial, memórias, usos equivocados no presente, projetos passados não concluídos,
projetos futuros não iniciados e sob o desejo de continuidade dos vendedores que dele tiram o
seu sustento e dos compradores que por razões diversas, sejam elas econômicas, sociais ou
geográficas, optam por usar seus serviços.

O espaço serviu de ponto de concentração de estudantes na ocasião das


manifestações que se processaram no país em junho de 2013, contra o aumento das passagens
dos transportes coletivos e outras reivindicações sociais. No que se refere às posturas, há um
nítido contraste com as imagens das primeiras décadas do século XX. Os corpos estão mais
soltos, pode-se ver alguns estudantes sentados no chão, as mãos dadas que expressam união e
força, o olhar corajoso e desafiador do estudante, provavelmente indignado com a conjuntura
social. Assim estavam as ruas e os povos, em junho de 2013, no tom e nos ritmos dos tempos,
como definiu Rasmussen (1959).

30
Jornal O Diário do Pará, de 27.04.2014.
31
Jornal O Diário do Pará, de 27.04.2014.
127

Figura 48; concentração de estudantes, em frente ao Mercado de São Brás,


momentos antes da passeata, em junho de 2013.

Fonte: disponível em <http://noticias.uol.com.br>, acesso em 14.08.2014.

Uma ação cultural vem sendo realizada quinzenalmente, desde 2013, o Batuque do
Mercado de São Brás (figura 49). São artistas que buscam incentivar a conscientização do
público sobre o cuidado com a praça, estimulando a coleta de resíduos produzidos no evento e
cultivando a valorização cultural e artística dos ambientes urbanos; “acreditamos que pela arte
podemos contribuir com a construção de sociedade mais justa, mais inclusiva, onde as pessoas
se reconheçam no espaço público urbano e queiram transformá-lo no lugar de uma verdadeira
cidade (nia)”.32

Figura 49: imagem do evento Batuque do Mercado de São Brás,


na Praça Floriano Peixoto.

Fonte: <https://www.facebook.com/batuquecanalha/info>,
acesso em 16.08.2014.

32
Fonte: página do evento Batuque do Mercado de São Brás, disponível em
https://www.facebook.com/batuquecanalha/info, acesso em 16.08.2014.
128

Enquanto não se apresentam as medidas saneadoras, o Complexo de São Brás vive


seu cotidiano comercial, social e artístico, o que mostra sua importância para aqueles que
pelas razões apresentadas, sejam elas econômicas ou afetivas, atribuem um sentido para sua
permanência. Apesar dos problemas que se apresentam, este espaço guarda a vitalidade que se
mostrou entre imagens e testemunhos orais, comprovando que novos modelos de consumo,
como supermercados e shoppings não tem a força que se supõe, para colocar a construção e
seu entorno, numa situação completa de esquecimento. Espera-se que os gestores públicos
tenham a percepção desta vitalidade, ao decidirem pela próxima destinação de uso, cujo
projeto se encontra no Planejamento Plurianual de 2014.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito deste trabalho consistiu em realizar um estudo sobre um momento de


transição da arquitetura de Belém do Pará, no início da segunda metade do século XX, a partir
de uma situação local, cuja história urbana foi impulsionada pela dinâmica de uma estação
ferroviária e um mercado público coberto. Assim, se fez necessário estudar as relações
comerciais e sociais desencadeadas por dois equipamentos urbanos que colocaram o bairro e o
Largo de São Brás no tempo da modernidade preconizada por um ideal da nação. Ambos
protagonizaram um enredo, cuja narrativa expressava a nutrição, a troca monetária, a
comunicação, a interação entre os atores sociais e a integração entre cidade e território, de
onde se extraiu uma primeira constatação, de que a proximidade entre o mercado de São Brás
e a Estação de Ferro Belém-Bragança gerou o primeiro momento de vitalidade e a
consequente valorização de uma área da cidade, considerada “o fim do mundo”, segundo os
testemunhos orais.

Com a entrada de novos princípios ideológicos como a modernidade e a fé no


progresso, o mercado público e a estação ferroviária continuaram contribuindo, literalmente,
com os novos personagens que viriam se somar ao processo de constituição histórica do
objeto pesquisado. A partir de 1950, história, arte, arquitetura e política, convergem para o
Largo de São Brás novas práticas sociais, a habitação, a educação e o deslocamento em
veículos automotores, que deveriam se incorporar àquelas existentes, o comércio e o
deslocamento sobre trilhos. A transição que se processou no entorno do Mercado de São Brás
129

pela renovação da estética e dos usos que impuseram um novo modo de viver, sinalizando a
modernidade futura.

Qualquer transição parece se realizar gradualmente, um processo que exige etapas e


assim esta pesquisa foi conduzida no sentido de identificar as intervenções urbanas iniciadas
no período estudado. No entanto, ao se descobrir uma ação anterior, o início das obras da
Avenida Tito Franco, em 1922, e a intenção de se construir uma estação rodoviária no Largo
de São Brás, decidiu-se estabelecer uma articulação entre as mesmas, no intuito de investigar
sobre a existência de um encadeamento simultâneo entre fatos históricos nacionais e locais
cujo contexto político-econômico refletiu na arquitetura de Belém do Pará, na metade do
século XX. O conjunto mercado/entorno que se estabeleceu no Largo de São Brás é, portanto,
o resultado de uma trama urbana, como especificado no desenvolvimento desta dissertação,
cujo contexto político-econômico, de momentos distintos, refletiu na arquitetura local. A
partir da introdução de um único personagem, o supermercado, a estabilidade comercial do
Mercado de São Brás foi abalada, conforme se pôde comprovar nas entrevistas com os
frequentadores, como relata a D. Silvina vendedora na feira desde 1952, “a gente lá dentro, a
gente fazia boa venda lá dentro do mercado quando eu estava lá, mas aqui com os
supermercados elas caíram muito, as vendas” . A premissa inicial foi de responsabilizar o
concorrente intruso pelo declínio do espaço de consumo dominante, o mercado público. A
pesquisa evidenciou que não somente o supermercado, mas a falta de entendimento acerca da
importância arquitetônica de um equipamento urbano para o desenvolvimento do entorno e da
cidade, conduziram o espaço a uma situação de sobrevivência, em todos os aspectos. Sem a
implementação de políticas públicas preservacionistas, o poder público realizou ações
pontuais no Complexo de São Brás que se esgotaram num curto espaço de tempo, sem um
projeto de continuidade, comprometendo sua permanência.

O descaso público abriu, desta forma, um espaço para ações espontâneas como os
eventos e as manifestações populares. Isto significa que o lugar permanece para quem o
valoriza arquitetonicamente e socialmente. Ao longo da pesquisa empírica e analisando os
testemunhos orais, percebeu-se que apesar do avanço das grandes redes de supermercado,
com sua organização, conforto e apelo publicitário, ainda assim esses atributos não distanciam
definitivamente os consumidores da forma primeira de consumo, sob o grande espaço coberto
e nos caminhos da feira livre.

Mesmo com o tombamento da área pelo poder público, a situação em que se encontra
o Mercado de São Brás, atualmente, se assemelha a uma administração “doméstica”, aquela
130

que se faz rotineiramente sem grandes inovações, sem acrescentar qualquer elemento que
possa resgatá-lo do seu mundo de abandono e incertezas quanto ao futuro.

O complexo de São Brás configura-se como um lugar cujas práticas comerciais não
se vinculam totalmente ao tempo presente, por não estar em consonância com o modelo de
consumo preconizado, nem ao passado, pela ausência de um trabalho que restaure sua função
original, sua arquitetura e consequentemente sua relação com o entorno, como se efetivou no
século XIX até a década de 1970.

Esta configuração dificulta a apreensão do significado do mercado e entorno como


espaços públicos de troca. No entanto, acredita-se, como contribuição deste trabalho, na sua
permanência, a partir de um projeto que o coloque em relação com a sociedade em geral, por
meio de ações que possam assegurar, definitivamente, sua qualidade e vitalidade, com a
manutenção da segurança e higiene, requisitos essenciais para o Complexo do Mercado de
São Brás. Porém, se faz necessário ouvir todos os interessados, governo, sociedade, assim
como os “donos” do espaço, os vendedores, compradores, moradores e artistas, pois são eles
que vivenciam o seu cotidiano, com pontos positivos e negativos, e que podem contribuir com
sugestões para a permanência do lugar, a partir de suas experiências.

Poderá ser de grande valia, uma análise antropológica que permita interpretar como a
transição transformou a vida dos habitantes do Largo de São Brás, mas os testemunhos orais
apontam para uma fase tranquila entre a vida em coletividade e as relações no mercado
público, além de que este último alcançou o ápice, no período analisado, com a chegada de
novas construções e novos atores sociais, a partir de 1950.

O caminho de investigação escolhido para entender as transformações do entorno,


teve como premissa a existência de uma trama histórica, entendendo que o mercado público
foi importante para a formação das cidades. Assim, as fontes primárias, como jornais de época,
os mapas e as fotografias foram ferramentas metodológicas indispensáveis no estabelecimento
dos pontos da trama, inicialmente, para depois integrá-los ao espaço em estudo, no sentido de
se verificar se houve ou não a existência de uma trama urbana, no entorno do espaço de
comércio. A existência foi confirmada como apresentado nesta análise.

Desta forma, pode-se verificar a importância do mercado como foco do entorno e


estabelecer as relações entre unidades culturais distintas, o mercado (1911) e as construções
de expressão modernista (1950-1970) e afirmar que a tipologia mercado coberto atrai outras
131

expressões arquitetônicas ao seu entorno, cujo diálogo merece uma interpretação. Este foi o
procedimento adotado no segundo capítulo que se considera o eixo principal da análise.

Os conceitos utilizados, lugar e permanência, objetivaram comprovar que o mercado


público não se restringe às trocas comerciais, mas também às relações sociais que resultam
em aspectos subjetivos como familiaridade, afetividade e memória, de onde decorre sua
permanência no espaço urbano. Com base nestas experiências, o consumidor encontra
motivações para continuar a frequentar e usufruir das especificidades que o local oferece,
como por exemplo, alimentos frescos, contato social com os vendedores e um preço mais
acessível.

A análise das imagens, a partir da fotografia, possibilitou encontrar indicações, mas


não evidências concretas sobre os modos de vida ou fatos, havendo a necessidade de associá-
las aos testemunhos orais e às reportagens de época. Ainda assim, a imagem contribuiu
especificamente na identificação de eventos, comprovando que o Largo de São Brás e seu
mercado foram palco de experiências humanas, em uma aproximação à abordagem
fenomenológica, e ao conceito de urbanidade que entende o espaço público como um palco de
experiências humanas.

Como a temática permite abordagens múltiplas, espera-se também que esta análise
possa contribuir para o desenvolvimento da temática “Mercados Públicos”, lembrando da
multiciplidade de que a tipologia encerra entre arquitetura, comércio, sociedade, gestão
pública e espaço da cidade como abordado no início desta Dissertação.

Sugere-se em futuros trabalhos investigar conceitos como centralidade que coloca o


mercado público em relação ao território da cidade, do Estado e da região, como o caso do
Ver-o-Peso, ou com relação à questão de gênero que aborda o papel da mulher nos espaços de
consumo. Estes conceitos podem trazer uma relevante contribuição para a história urbana do
entorno dos mercados públicos, considerando que se trata de um estudo que envolve aspectos
culturais do contexto social.

A relevância do estudo do Mercado de São Brás e seu entorno, para o campo


disciplinar da história urbana e arquitetônica, está, em parte, em compreender a importância
dos mercados públicos municipais de Belém, em aspectos como a criação de fluxos
comerciais e sociais nos bairros em que estão situados, obedecendo a critérios de organização
interna e externa, para que se evitem casos de abandono e deterioração, como o que está
ocorrendo no referido mercado. Levando-se em conta fatores como estes, pode-se desenvolver
132

projetos de restauro e adequação funcional do espaço, mas também de revitalização do


entorno, incluindo a malha viária, praças, segurança e transportes urbanos.

Conclui-se este trabalho, com a expectativa de que abra caminho para o


desenvolvimento de pesquisas em novas abordagens sobre o Mercado de São Brás e
colaborando dessa forma, com a construção de uma historiografia dos mercados públicos em
Belém.

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VIEIRA, Sidney. Fantasmagoria dos mercados públicos na Europa: a sobrevivência das


velhas formas e as novas funções. Anais do IV Colóquio Comércio e Cidade: uma relação
de origem. 2013. Uberlândia, Universidade Federal de Uberlândia (CD). ISBN 978-85-8089-
041-9.

OUTRAS FONTES DE INTERNET – sites e blogs

<www.pt.wikipedia.org/wiki/Wikimedia_Commons>, acesso em 15.02.2014

<http://www.gastronomica.org/emile-zolas-portrait-of-les-halles>, acesso em 08.02.2014

<www.nostalgiabelem.com>, acessos em 12.04.2012, 19.07.2012, 17.10.2012, 16.04.2013,


17.07.2013, 23.08.2013, 28.08. 2014, 10.09.2014, 15.09.2014

<www.ter-pa.jus.br>>, acesso em 08.05.2013

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<http://noticiasuol.com.br>, 14.09.2014
143

APÊNDICES
144

Entrevistados: vendedores antigos do Mercado de São Brás Nome: Idade:

Data: 17.12.2013

N. de entrevistados: 05 vendedores

1) O senhor trabalha há quantos anos?

2) E o senhor veio para cá quando?

3) E o senhor vendia o quê?

4) Em que ano foi isso mais ou menos?

5) O que é que esse Mercado aqui representa para o senhor?

6) E o senhor vendia o quê especificamente?

7) O senhor ainda viu a extração daqui de Belém – Bragança

8) O senhor passava muito por aqui

9) Quais os problemas que vocês encontram aqui no Mercado de São Brás

10) Que sugestões você daria para melhorar o Mercado?


145

Entrevistados: consumidores do Mercado de São Brás Nome: Idade:

Data: 14.05.2014 e 12.07.2014

N. de entrevistados: 07 consumidores

1) Em que bairro você mora?

2) Há quanto tempo você compra no mercado e com que frequência?

3) Por que você compra no Mercado de São Brás?

4) O que você mais gosta no mercado e o que você não gosta?

5) Você acha que o Mercado deveria ter outra utilização?

6) Que sugestões você daria para melhorar o mercado?


146

Entrevistados: moradores antigos do conjunto habitacional do IAPI (1950 a 1960)

Nome: Idade:

Número de entrevistados: 04 moradores

1) Há quanto tempo você mora no bairro de São Brás?

2) Em que ano você veio morar no conjunto do IAPI?

3) Como era a vida aqui no conjunto e no bairro?

4) Qual a lembrança que você tem da Estrada de Ferro Belém-Bragança?

5) Você lembra da época da construção do Terminal Rodoviário?

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