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Mario Alencastro

MAÇONARIA E PÓS-MODERNIDADE
INTERFACES, NOVOS DISCURSOS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Mata/Shutterstock

2018
2

Sumário

Apresentação ................................................................................................................................ 3
Capítulo 1 – A era da comunicação, do conhecimento e da informação ..................................... 5
1.1 Uma sociedade em rede ..................................................................................................... 6
1.2 Comunidades virtuais .......................................................................................................... 7
1.3 A nova Caverna de Platão?.................................................................................................. 8
1.4 A Maçonaria na Internet ..................................................................................................... 9
Capítulo 2 – O pensamento pós-moderno e a Maçonaria .......................................................... 13
2.1 A condição pós-moderna .................................................................................................. 14
2.2 Desdobramentos ............................................................................................................... 15
2.3 Maçonaria, tradição e contemporaneidade ..................................................................... 20
Capítulo 3 – A vida em Loja ......................................................................................................... 21
3.1 A Loja ................................................................................................................................. 22
3.2 Comportamento em Loja .................................................................................................. 24
3.3 Organização dos trabalhos ................................................................................................ 27
3.4 A prática ritualística........................................................................................................... 28
Capítulo 4 – Interfaces, novos discursos, desafios e perspectivas.............................................. 34
4.1 Universalidade maçônica .................................................................................................. 34
4.2 O grande “Cisma” .............................................................................................................. 36
4.3 Teoria da dupla tradição ................................................................................................... 40
4.4 Igualdade de gênero.......................................................................................................... 41
4.4 Portadores de deficiência na Maçonaria .......................................................................... 45
Para concluir................................................................................................................................ 46
Referências .................................................................................................................................. 48
Sobre o autor............................................................................................................................... 52

© Mario Alencastro

3

Apresentação

A Maçonaria é uma instituição muito antiga. Herdeira das tradições dos


Maçons operativos da Idade Média foi em 1717, com a fundação da Grande Loja
de Londres e Westminster, que ela se apresentou oficialmente na condição de
especulativa, embora já se tenha notícias de Lojas especulativas bem antes
deste período.
Do alto de seus 300 anos de existência, a Maçonaria ainda hoje exerce
um enorme poder de atração, congregando em suas fileiras indivíduos dos mais
diferentes segmentos sociais que buscam, pelo aperfeiçoamento do caráter, se
transformarem em pessoas melhores.
Apesar de todo o seu passado glorioso e ainda figurar no rol das
organizações que se destacam no cenário mundial, a Maçonaria, tal como várias
outras instituições tradicionais, tem pela frente o desafio de conviver com as
turbulências trazidas com o advento da pós-modernidade. De que forma uma
organização tão rica em tradições e alicerçada sobre sólidos princípios morais,
dará conta de singrar os mares tormentosos destes tempos pós-modernos, nos
quais tudo é posto em xeque, das instituições às crenças? Como lidar como o
novo, sem abrir mão de seus princípios e propósitos?
Sabe-se que enfrentar desafios não é algo desconhecido para a
Maçonaria, organização que por séculos sempre soube encontrar soluções de
continuidade e florescer. Tal situação foi o fator motivador para a elaboração
deste pequeno texto, uma modesta contribuição que disponibilizo para o público
maçônico. Trata-se de uma discussão em torno de velhas e novas ideias e que
se dá em torno dos desafios que a Maçonaria tem pela frente neste século XXI,
uma época marcada pela velocidade vertiginosa dos acontecimentos.
A linha condutora de toda a nossa argumentação é a dialética, no sentido
de “caminho entre as ideias”, um método de diálogo que se dá a partir da
contraposição e contradição de ideias que conduzem a outras ideias. Na filosofia
antiga e medieval era sinônimo de lógica ou arte da argumentação e fazendo
parte chamadas artes liberais do Trívio (lógica, gramática e retórica) e Quadrívio
(aritmética, música, geometria e astronomia) que certamente faziam parte da
formação de um mestre construtor.

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Buscou-se aqui o sentido originário do termo, que para muitos encontra-


se em Heráclito de Éfeso, segundo o qual, nada seria permanente, não podendo
um indivíduo banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez o rio (ou
a pessoa) já teria se modificado. Em outras palavras, as mudanças são a
essência da existência.
Sócrates via no diálogo, um método essencial para o conhecimento das
coisas e de si mesmo. A dialética socrática permite, pelo diálogo, a proposição
de uma tese, sua crítica (antítese) e construção de uma síntese, uma descoberta
em comum, ao termo da controvérsia.
O maçom é um indivíduo livre e de bons costumes. Não se refere aqui à
liberdade física ou a capacidade de não ser escravo dos vícios, mas sim a
liberdade de pensamento, a capacidade de se tornar um livre pensador. Nesse
sentido a dialética como método de discussão é fundamental, pois, mediante sua
prática, é possível com liberdade de pensamento, com tolerância e sem
preconceitos, discutir qualquer assunto, por mais polêmico que seja.
O texto se organiza em quatro partes. As duas primeiras são uma espécie
de contextualização. No primeiro capítulo são apresentadas as principais
características de um mundo globalizado e alicerçado nas tecnologias de
comunicação e informação. Em seguida, no Capítulo 2, discute-se o advento da
pós-modernidade e seus desdobramentos nos campos filosófico, político e até
religiosos, dos quais a Maçonaria não pode ficar alheia.
A vida em Loja é abordada no terceiro capítulo. Aspectos relacionados à
organização dos trabalhos, às relações interpessoais e a importância da prática
ritualística são ali apresentados como fatores capazes de enriquecer as sessões
e contribuir para a permanência dos obreiros nas oficinas maçônicas.
Temas polêmicos são tratados na quarta parte do texto. Coloca-se então
em perspectiva o Landmark 18, na restrição que impõem às mulheres e
deficientes físicos no que diz respeito ao seu ingresso na Maçonaria. A discutida
pretensão de universalidade maçônica também é analisada de forma crítica
nesse último capítulo.
Por fim, o autor gostaria de chamar a atenção para o fato de que, mais
importante do que o texto em si, são as notas de rodapé. Utilizamos o sistema
de citação numérico pois limpa o texto e permite um acesso mais rápido às fontes
utilizadas, a nosso ver a maior contribuição do trabalho.
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Capítulo 1 – A era da comunicação, do conhecimento e da


informação

Não há mais limites para o alcance da informação. Tal assertiva parece


exagerada, mas a emergência de um novo paradigma tecnológico, com bits
armazenados em computadores de alta performance e circulando em altíssima
velocidade em redes telemáticas, faz com que expresse a mais pura realidade.
O fato é que se ampliaram os recursos comunicacionais. Desde a década
de 1980, desenvolve-se de forma crescente e contínua, um complexo conjunto
de recursos tecnológicos interligados entre si que, por meio da união das funções
de hardware, software e telecomunicações, proporciona a integração de vários
modos de comunicação numa rede interativa que permite o fluxo ultrarrápido e
contínuo de dados, sons, imagens e textos que cruzam o planeta
instantaneamente.
Dessa forma, são superadas as limitações de espaço e tempo, abrindo-
se assim, múltiplas possibilidades de comunicação que estão revolucionando
praticamente todos os processos de interação humana. Obviamente os maçons,
habitantes que são desta “aldeia global”1, sofrem, direta ou indiretamente, os
efeitos dessa revolução informacional.
Proliferam na Internet sites sobre Maçonaria e inúmeros periódicos online
sobre o tema, alguns de discutível credibilidade, encontram-se disponíveis na
rede. Tal fenômeno representaria uma oportunidade de divulgação dos ideais da
Ordem, ou uma ameaça às suas tradições, discretamente preservados no
decorrer de séculos? Como separar o joio do trigo, ou seja, selecionar as
informações verídicas das improcedentes, neste labirinto global da informação
disponível em rede? São questões como estas que nortearão o presente
capítulo.

1
Aldeia global é um termo criado na década de 1960 pelo filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan.
Ele tinha o objetivo de indicar que as novas tecnologias eletrônicas tendem a encurtar distâncias e o
progresso tecnológico tende a reduzir todo o planeta à mesma situação que ocorre em uma aldeia: um
mundo em que todos estariam, de certa forma, interligados. Cf. MCLUHAN, Marshall. A galáxia de
Gutenberg: a formação do homem tipográfico. São Paulo, Editora Nacional, Editora da USP, 1972.
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1.1 Uma sociedade em rede

O universo comunicacional convencional, com ênfase no rádio e na


televisão, vem, paulatinamente, perdendo terreno para um outro modelo, que
pode ser chamado de multimídia interativa, no qual intercalam-se diversas
linguagens (visual, radiofônica, televisiva, cinematográfica e videográfica) que se
apresentam de forma não sequencial, por meio de uma estrutura tecnológica que
permite a combinação de som, texto e imagens difundidas em tempo real. Tal
estrutura midiática permite uma intensa interatividade entre os agentes, pela
profusão dos meios de comunicação e pela simultaneidade das mensagens2.
Assim, é possível concluir que já está ocorrendo a migração de um modo
de comunicação em massa ao estilo broadcasting, no qual se transmite ou
difunde determinada informação a muitos receptores ao mesmo tempo, como se
faz no rádio e televisão, para os meios digitais e das redes, que permitem a
interatividade e a colaboração.
As TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) proporcionam
recursos que permitem ouvir, ler, gravar, voltar, seguir adiante, selecionar, tratar
e enviar qualquer tipo de mensagem para qualquer lugar e a qualquer tempo.
Assim, os usuários deixam de ser passivos telespectadores e assumem a
condição de sujeitos operativos no processo.
São tantas (e aceleradas) transformações no campo comunicacional,
materializadas na passagem de uma cultura baseada na escrita para a cultura
da multimídia, que o momento atual é semelhante ao que aconteceu na Grécia
por volta de 500 a.C., quando os gregos passaram a valer-se do alfabeto e que,
no intervalo de apenas duas gerações, migraram de uma cultura eminentemente
oral para uma cultura baseada na escrita.3
Não é exagero afirmar que as sociedades hodiernas se caracterizam, seja
na vida social como na esfera política, como sociedades da informação, nas
quais o local e o global estão conectados just in time, o que permite uma nova
forma de relacionamento humano, pois, com a eliminação das barreiras de
espaço e tempo, é possível relacionar-se face a face e em tempo real com

2
SROUR, Robert Henry. Poder, cultura e ética nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1998. p.29-30.
3
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. v. 1. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6.
ed. São Paulo: Paz e Terra, 2012.p.414
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pessoas geograficamente distantes. Ademais, um evento que aconteça do outro


lado do planeta, imediatamente vira notícia para todos os continentes. Isso faz
com que os fatos locais sejam penetrados e moldados por influências sociais
distantes a eles, o que contribui para uma transformação da ordem social, na
qual valores tradicionais, quando confrontados com outros, sejam colocados em
xeque4.

1.2 Comunidades virtuais

Os poderosos recursos de interatividade disponíveis neste imenso


sistema global de redes de computadores interligadas, conhecido como Internet,
permitem aos indivíduos construírem seus próprios sistemas de comunicação,
dando origem a um fenômeno conhecido como Comunidades Virtuais, nova
forma de comunidade que reúne as pessoas on-line ao redor de valores e
interesses em comum.
Uma Comunidade Virtual é definida como um grupo de pessoas que
interagem entre si, aprendendo com o trabalho das outras e proporcionando
recursos de conhecimento e informação ao grupo, em relação a temas sobre os
quais há acordo de interesse mútuo. Cada integrante de uma comunidade virtual
é um elemento ativo que contribui para evolução do grupo, superando a condição
de mero expectador.5
As Comunidades Virtuais, compostas por indivíduos online conectados
por valores, objetivos e interesses em comum, alojam-se em espaços sociais
conhecidos como Redes Sociais. Ali, mediante relacionamentos horizontais e
não hierárquicos entre os participantes, além do compartilhamento de textos,
fotografias, músicas e filmes, são desenvolvidos projetos cooperativos de grande
escala como a Wikipédia (a enciclopédia de código aberto) e até redes de
ativismo social/político/religioso.6

4
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora da Universidade Estadual
Paulista, 1991. p. 28.
5
HUNTER, B. Learning in the Virtual Community Depends upon Changes in Local Communities. In:
RENNINGER, K. A.; SHUMAR, W. Building virtual communities. Learning and change in cyberspace. New
York: Cambridge University Press, 2002. p. 96.
6
CASTELLS, op. cit., p. xiii.
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Atualmente, Redes Sociais como o Facebook, atraem pessoas das mais


diversas faixas etárias e níveis sociais, ampliando a sua sociabilidade. As
comunidades on-line estão se tornaram um elemento fundamental da vida
cotidiana que continua a crescer por toda a parte e interatividade que
proporcionam é um desafio para todos os agentes envolvidos com os processos
de comunicação.

1.3 A nova Caverna de Platão?

Embora se acredite que essa nova dimensão da comunicação poderia


permitir o compartilhamento de conhecimento e que isso possibilitaria
importantes perspectivas e possibilidades para a vida em sociedade, nem tudo
são flores, pois, a despeito do imenso manancial de informações que podem ser
obtidas na Internet, há também muito material inconsistente e de procedência
duvidosa.
Sob este aspecto, talvez seja útil revisitar a Alegoria da Caverna,
concebida pelo filósofo grego Platão e apresentada no Livro VII da República 7.
Em linha gerais, trata-se de uma parábola que relata uma história de seres
humanos que permanecem no interior de uma caverna, na qual nasceram e
cresceram. Todos estão de costas para a entrada e, como estão acorrentados,
não podem se mover e apenas enxergam a parede do fundo da caverna. Atrás
dos prisioneiros há uma fogueira, separada deles por uma pequena parede, por
detrás da qual passam pessoas carregando objetos que representam "homens
e outras coisas viventes".
Tal mecanismo faz com que as sombras dos objetos carregados sejam
projetadas na parede do fundo da caverna, a única coisa que os prisioneiros
conseguem enxergar. Os sons provenientes do lado de fora, associados às
imagens projetadas, fazem com que os prisioneiros confundam as sombras
(simulacros) com a realidade.
É interessante a imagem criada por Platão, pois ao remeter à questão do
discernimento entre o que é real e o fictício, faz lembrar que os meios de

7
Cf. PLATÃO. República. Rio de Janeiro: Editora Best Seller, 2002.
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comunicação, dentre eles a Internet, estão repletos de informações que


mascaram a realidade.
A respeito deste mascaramento da realidade e da proliferação de
informações que a distorcem ou criam ficções que corrompem a concretude dos
fatos, cabe chamar a atenção para uma espécie de “Cultura do Simulacro”, na
qual a representação da realidade (os simulacros) difundida pela mídia tem mais
força do que a própria realidade. Em outras palavras, as simulações malfeitas do
real são mais atraentes ao espectador do que o próprio objeto que reproduzem.8
Há muito a informação ultrapassou a barreira da verdade, sendo que, em
muitos casos, sua veracidade “repousa sobre a credibilidade instantânea”9, o
verdadeiro se justifica pelo fato de que se pretende ser representado em tempo
real, o que não exclui toda sorte de manipulações que vão desde a escolha do
que se quer apresentar, às manipulações grosseiras. Nem sempre a velocidade
do hiperespaço midiático permite aprofundamento e reflexão.
Cabe ao maçom pesquisador ser imune à “pós-verdade”, um neologismo
criado para descrever como a opinião pública é influenciada por algo que, com
aparência de verdade, passa a ser mais importante do que a própria verdade. A
pós-verdade, que se constrói a partir da superposição das versões em relação
aos fatos em si, é notadamente presente nas propagandas políticas e em
diversas formas de proselitismo ideológico.10

1.4 A Maçonaria na Internet

A Internet é, sem dúvida, um dos principais meios para o acesso às


informações do cotidiano. O uso crescente de dispositivos móveis, tais como os
smartphones, contribuem para manter as pessoas informadas em tempo real. A
Maçonaria não fica fora desta realidade. Basta uma ligeira pesquisa em qualquer
mecanismo de busca na rede, usando descritores como “Maçonaria” e “Maçom”,
para se ter como resposta milhões de resultados. Diante desse volume de
informações, o que fazer para garantir a qualidade do material pesquisado?

8
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulação. Lisboa, Relógio d’Água editores, 1991.
9
BAUDRILLARD, Jean. Tela total: mito-ironias da era do virtual e da imagem. Porto Alegre: Editora
Sulina, 1999. p. 59.
10
LLORENTE, José Antônio. A era da pós-verdade: realidade versus percepção. Revista UNO, São Paulo,
nº 27, 2017.p. 9.
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Ao se levar em conta o fato de que se a Internet torna acessível todo tipo


de material literário maçônico que se possa imaginar, cabe questionar qual seria
o comportamento adequado diante de tal realidade. 11
É certo que entre os maçons não há um consenso em relação a Internet,
que, para os conservadores, é o retrato da decadência da Maçonaria, visto que
promove, por sua ampla disponibilização, uma banalização da tradição e dos
ensinamentos maçônicos.12
Nunca é demais lembrar que, apesar de conservadora em seus princípios,
a Maçonaria nunca se tornou arcaica e nem deixou de evoluir com a passagem
do tempo, sempre se adaptando às mudanças que ocorreram com o progresso
das sociedades. Por conseguinte, não se furtará a lidar de forma sábia com o
advento das novas tecnologias de comunicação e informação.13
Nesse contexto, um debate muito interessante envolve a comparação
entre livros e blogs, visto que ambos disponibilizam informação maçônica para
quem quiser ter acesso. Os livros podem ser encontrados nas livrarias, portanto,
acessíveis a quem estiver disposto a comprar. Já os blogs representam literatura
maçônica gratuita e de fácil acessibilidade para os irmãos.
Tanto o autor de livros quanto o “blogueiro” fazem a mesma coisa:
escrevem. Se é assim, como aferir a qualidade do material? No caso dos livros
as editoras funcionam como “filtros de qualidade”, garantindo um conteúdo mais
consistente e impedindo assim, que “aberrações” sejam publicadas. No caso dos
blogs não há como garantir este filtro, sendo que a triagem fica a cargo do leitor.14
O fato é que existem riscos e oportunidades quando se trata do uso da
Internet na Maçonaria. No que diz respeito às oportunidades, pode-se alegar que
os trabalhos postados na rede, além de não acarretarem custos, ainda
possibilitam aos profanos, pela identificação com os princípios maçônicos, uma
maior aproximação com a Maçonaria, o que poderia representar num acréscimo
qualitativo em seus quadros.

11
ISMAIL, Kennyo. Debatendo tabus maçônicos. Londrina: Ed. Maçônica “A Trolha”, 2016.
12
Ibid., p. 73.
13
RAIMUNDO, Nuno. A Maçonaria e as novas tecnologias de informação e comunicação (2016). In: A
partir pedra. Blogue sobre Maçonaria escrito por mestres da Loja Mestre Affonso Domingues. Disponível
em: <https://a-partir-pedra.blogspot.com.br/2016/05/a-maconaria-e-as-novas-tecnologias-de.html>.
Acesso em: 04 dez. 2017.
14
ISMAIL, op. cit, p. 74-75.
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Ademais, a Internet possibilita uma excelente oportunidade de acesso a


material maçônico de qualidade para quem se encontra longe dos grandes
centros urbanos e também para os mais jovens, sempre mais afeitos à uma
crescente cultura digital, na qual a leitura eletrônica vem ganhando espaço.
Os riscos são bem conhecidos. Vão desde a divulgação de material
maçônico que não deveria ser exposto publicamente, até a divulgação de
conteúdo inverídico, impreciso, fantasioso, e mesmo difamatório, conduzindo o
leitor menos preparado a formar uma imagem distorcida acerca da Maçonaria.
O que fazer para ser prever em relação aos riscos?
Algumas ações podem ser muito úteis para se identificar a veracidade de
um conteúdo. Procurar identificar quem é o autor da informação é o primeiro
passo. Verificar se ele tem credibilidade no meio maçônico e se a origem do
conteúdo é reconhecida, são medidas de precaução indispensáveis. Outro ponto
importante é saber se o conteúdo expressa apenas uma opinião pessoal ou se
está balizado por alguma instituição que tenha credibilidade.15
Para concluir, cabe chamar a atenção para o aparecimento de lojas online,
como no caso da Internet Lodge nº 965916 jurisdicionada à Grande Loja
Provincial de East Lancashire (GLUI) e a Lodge Ireland 200017 que integra a
Grande Loja de Maçons Antigos, Livres e Aceitos da Irlanda. Interessante notar
que já consta do List of Lodges Masonic 2018, a Castle Island Virtual nº 190, que
funciona sob os auspícios da Loja de Manitoba (Canadá) 18.
Em tais lojas online, os irmãos reúnem-se virtualmente a partir de qualquer
lugar onde estão localizados. As reuniões têm abertura e encerramento
ritualístico e a Sessão da Loja é conduzida da mesma maneira que numa loja
presencial. Geralmente promovem quatro encontros presenciais ao ano e as
demais atividades são conduzidas valendo-se dos mais variados recursos
disponíveis na Internet, tais como e-mails, chats e fóruns. As lojas online ainda

15
Biblioteca Virtual do Governo do Estado de São Paulo. Como checar informações na internet.
Disponível em: <http://www.bibliotecavirtual.sp.gov.br/temas/internet-e-tecnologia/como-checar-
informacoes-na-internet.php>. Acesso em 29 jan. 2018.
16
Internet Lodge nº 9659. Disponível em: <http://internet.lodge.org.uk>. Acesso em 04 fev. 2018.
17
Lodge Ireland 2000. Disponível em <https://www.ireland2000.org/>. Acesso em 04 fev. 2018.
18
MORAIS, Cassiano Teixeira de. Evasão maçônica. Causas e consequências. 2.ed. Brasília: Ed. DMC,
2017. p. 104.
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são uma incógnita. Se vingarão ou serão apenas exóticas exceções, somente o


tempo trará a resposta.

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Capítulo 2 – O pensamento pós-moderno e a Maçonaria

Vive-se hoje em “tempos líquidos”, nos quais nada foi feito para durar. São
tempos pós-modernos, nos quais a transitoriedade prevalece sobre os valores
tradicionais que até então davam sustentação às sociedades ocidentais.19
A incredulidade em relação às metanarrativas é a marca da condição pós-
moderna.20 Entende-se por metanarrativa, uma narrativa de nível superior capaz
de explicar todo o conhecimento existente ou de representar uma verdade
absoluta sobre o universo. Representam visões totalizantes da história, capazes
de prescrever regras de conduta política e ética para toda a humanidade. A Bíblia
e o Alcorão são exemplos de metanarrativas universalmente conhecidas. Da
mesma forma, as ideologias iluministas e marxistas também representam
metanarrativas.
As grandes narrativas estão em crise, em vias de desaparecer,
carregando com elas também as narrativas religiosas, que entram em declínio
juntamente com concepções filosóficas, utopias gerais e projetos históricos com
pretensões totalizantes. A consequência é que tudo que é sólido parece se
dissolver no ar e que a humanidade caminha sobre areia movediça.21
No que diz respeito à Maçonaria, algumas questões podem ser
levantadas. Que atitude ela deve adotar em relação à contemporaneidade? Deve
se tornar um reduto de conservadorismo, resistindo às mudanças do tempo, ou
deve estar em constante processo de construção, renovação e adaptação à pós-
modernidade? É o que será discutido a seguir.

19
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001
20
LYOTARD, Jean-François. O Pós-Moderno. 4.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993. p.24.
21
Tudo que é Sólido Desmancha no Ar é a obra mais conhecida do autor estadunidense Marshall Berman,
configurando-se numa história crítica da modernidade e contendo análises críticas de vários autores e
suas épocas - desde o Fausto de Goethe, passando pelo 'Manifesto' de Marx e Engels e pelos poemas em
prosa de Baudelaire.
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2.1 A condição pós-moderna

A condição pós-moderna22 materializa-se na necessidade de superação


da modernidade, de seus valores e princípios. Grosso modo, é possível elencar
alguns aspectos que caracterizam o pensamento pós-moderno:

• As ideias tradicionais deixam de ser referências válidas (colapso das


grandes narrativas e utopias).
• Desencanto social em relação à religião, à política e à ciência.
• Interesse pelo alternativo.
• Subjetividade, multiculturalismo e pluralidade.

Cabe ressaltar que nem todos os autores optaram pelo termo “pós-
moderno”. Não obstante, apesar de usarem terminologias diferenciadas, não
escapam de apresentar a época atual como marcada pela subjetividade e
incertezas. A expressão “tempos hipermodernos”, por exemplo, é utilizada para
definir uma época na qual, ocorre a intensificação do tripé da modernidade, ou
seja, a exaltação do mercado, o individualismo e a escalada técnico-científica.23
O conceito de “modernidade líquida” também seria adequado para definir
o tempo presente. A metáfora do “líquido” ou da fluidez serve para ilustrar o
principal aspecto do estado dessas mudanças. Um líquido sofre constante
mudança e não conserva sua forma por muito tempo. As formas de vida
contemporânea se assemelham aos líquidos pela vulnerabilidade e fluidez,
incapazes de manter a mesma identidade por muito tempo, o que reforça um
estado temporário e frágil das relações sociais e dos laços humanos. Essas
mudanças de perspectivas aconteceram em um ritmo intenso e vertiginoso a
partir da segunda metade do século XX. Com as tecnologias, o tempo se

22
Entende-se por Modernidade o período, influenciado pelo Iluminismo, em que o homem passa a se
reconhecer como um ser autônomo, autossuficiente e universal, e a se mover pela crença de que, por
meio da razão, se pode atuar sobre a natureza e a sociedade. Já a pós-modernidade teve início a partir
dos anos de 1960. As raízes da discussão encontram-se na crise cultural que se faz sentir principalmente
a partir do pós-guerra. O desencanto que se instala na cultura é acompanhado da crise de conceitos
fundamentais ao pensamento moderno, tais como verdade, razão e progresso. Cf. CHEVITARESE, L. “As
razões da pós-modernidade”. In: Análogos. Anais da I SAFPUC, Rio de janeiro: Boolink.
23
Cf. LIPOVESTSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004.
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sobrepõe ao espaço. Podemos nos movimentar sem sair do lugar. O tempo


líquido permite o instantâneo e o temporário.24
Se, no período que precedeu a pós-modernidade, que poderíamos
intitular de “modernidade sólida”, os conceitos, ideias e estruturas sociais eram
mais rígidos e inflexíveis e o mundo tinha mais certezas, o que conferia aos
indivíduos uma certa estabilidade, apesar de sustentada por graus variados de
autoritarismo, na modernidade líquida tudo se volatiza e passa-se a viver num
“mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma
imprevisível”.25
Outra abordagem interessante é a concepção de “sociedade de risco”, na
qual se associa o processo de industrialização à produção de riscos, dado que,
uma das principais consequências do desenvolvimento científico industrial é a
exposição da humanidade a riscos e inúmeras modalidades de contaminação
nunca observadas anteriormente, constituindo-se, portanto, em ameaças para
os habitantes e para o meio ambiente. Tais riscos abrangem um amplo espectro
que vai desde a instabilidade dos mercados às catástrofes ambientais e
terrorismo. O problema é ainda maior porque os riscos gerados hoje não se
limitam à população atual, uma vez que as gerações futuras também serão
afetadas de forma até mais grave.26

2.2 Desdobramentos

Apesar da dificuldade de se estabelecer marcos conceituais para explicar


o momento presente, é possível identificar alguns desdobramentos significativos
e que acarretarão em impacto nas atividades maçônicas. Um primeiro ponto a
ser discutido é o niilismo.
Para se entender o niilismo, cabe recorrer ao filósofo Friedrich Nietzsche,
quando ele, na voz do seu homem louco, teria anunciado a “morte de Deus”.

[...] Para onde foi Deus? gritou ele, já lhes direi! Nós o matamos –,
vocês e eu. Somos todos os seus assassinos! [...] O mais forte e mais
sagrado que o mundo até então possuíra sangrou inteiro sob os nossos

24
Cf. BAUMAN, op. cit. p.9
25
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Ed. Zahar,
2004. p. 7
26
Cf. BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2011.
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punhais – quem nos limpará deste sangue? Com que água poderíamos
nos lavar? Que ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos que
inventar? A grandeza deste ato não é demasiado grande para nós?
Não deveríamos nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos
dele?27

A metáfora da morte de Deus significa o enfraquecimento da tradição


metafísico-teológica cristã e de todas as certezas que ela comportava. Também
simboliza o vazio espiritual que marcou o homem ocidental desde o momento
em que as referências tradicionais, os ideais suprassensíveis e os valores
supremos foram suprimidos. A precariedade da vida moral e as incertezas
axiológicas do homem contemporâneo têm, no niilismo, sua gênese.
O termo niilismo está associado à ausência de metas e com a falta de
respostas à pergunta ‘para quê?’. Nietzsche concebeu o niilismo como uma
espécie de inibição, de bloqueio ao ato de progredir, de lançar-se
agressivamente à frente. Essa forma passiva de niilismo expressa o
desdobramento da decadência quando a força do espírito humano se
apresentou cansada e esgotada.28
Um individualismo exacerbado acompanha o niilismo. Com o
enfraquecimento das grandes doutrinas totalizantes, dentre elas os princípios
iluministas de emancipação humana, presentes no lema de Liberdade, Igualdade
e Fraternidade, tão familiares aos maçons, prevalece o individualismo, a atitude
que privilegia o indivíduo em relação à comunidade.
O que se tem é a depreciação do ideal de abnegação em prol da
satisfação das aspirações imediatas, à paixão pelo ego, à felicidade intimista e
materialista. Tal movimento não representa um triunfo da individualidade em face
das restrições que lhe são impostas, mas, sim, da realização de indivíduos
estranhos às disciplinas, às regras, aos constrangimentos diversos, às
uniformizações. A característica do individualismo contemporâneo é o
narcisismo e a explosão hedonista, muito mais que a conquista da liberdade.
Privilegiam-se agora as escolhas privadas e individuais.29

27
NIETZSCHE, Friedrich W. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. Parte 125. p.147-148.
28
GIACOIA Jr., Oswaldo. Nietzsche. São Paulo: Publifolha, 2000. p.64-65.
29
LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barueri, SP:
Manole, 2005. p. xviii-xix.

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17

Com o um enfraquecimento das doutrinas e sistemas unitários, bem como


dos grandes discursos de legitimação do real, o pensamento filosófico
contemporâneo denuncia o fato de que as referências tradicionais estão
desaparecendo e está difícil estabelecer quais seriam os fundamentos possíveis
de uma teoria ética pertinente à realidade que ora se apresenta. Estão
enfraquecidas as bases habituais que antes serviam de sustentação à filosofia
moral. A crise dos fundamentos que caracterizam o universo contemporâneo,
crise notória na ciência, na filosofia ou mesmo no direito, afeta particularmente o
campo ético.
Assim, no que tange à ética, o que prevalece é o relativismo, segundo o
qual não há princípios morais universalmente válidos, pois, os princípios morais
são válidos segundo uma cultura ou segundo escolhas individuais; embora o
comportamento moral acompanhe o ser humano desde os seus primórdios, a
moral muda e se desenvolve com a mudança e o desenvolvimento das diversas
sociedades concretas. Isso pode ser comprovado pela substituição de certas
normas e princípios por outros, de certos valores morais e de certas virtudes por
outras.30
Com a profusão de interpretações acerca do ato moral, confunde-se a
consciência ética do indivíduo e, por conseguinte, com o modo como ele dá
resposta à normatividade social. Desta forma, fica à cargo do Direito, na
condição de que “representa apenas o mínimo de Moral declarado obrigatório
para que a sociedade possa sobreviver”31 a organização do comportamento
moral dos indivíduos na sociedade. Uma vez que, nem todos podem, ou querem
realizar de forma espontânea as obrigações morais, situação que se agrava com
o relativismo, torna-se “indispensável armar de força certos preceitos éticos, para
que a sociedade não soçobre”32. Com isto tem-se a judicialização da ética.
Outro ponto de interesse é o que se pode chamar de império da
tecnociência, o imenso desenvolvimento científico e tecnológico que exerce
profunda influência na vida das pessoas. A respeito disso, é possível afirmar que
“os desenvolvimentos da ciência, da técnica, da indústria, da economia, que

30
VÁZQUEZ, Adolfo Sanchez. Ética. 15.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p.229
31
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.42
32
Ibid., p.42.
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18

doravante propulsionam a nave espacial Terra, não são regulados nem pela
política nem pela ética nem pelo pensamento”.33
Ressalte-se o fato de que, a ação humana tecnologicamente
potencializada pode danificar irreversivelmente a natureza e o próprio homem.
Surge assim uma nova dimensão para a responsabilidade, que seja capaz de
interagir com essa nova ordem de grandeza, em termos de consequências
futuras para a ação humana.34
Tudo conduz a uma crise socioambiental sem precedentes, uma situação
que perdura desde as últimas décadas do século XX. Crise que afeta todos os
aspectos da vida humana – saúde, relações sociais, economia, tecnologia e
política. Uma crise de dimensões morais, intelectuais e espirituais, em tal escala
que, pela primeira vez na história, a humanidade está sendo obrigada a se
defrontar com a real ameaça de sua extinção e de toda a vida no planeta. 35

De fato, o desenvolvimento tecnológico e científico abriu possibilidades


para um melhor conhecimento da natureza e melhores condições de vida
humana, mas também está pondo em risco a sobrevivência da Terra, pois o
avanço acelerado da sociedade urbana e industrial tem provocado graves
impactos no meio ambiente. Os sinais de perigo são evidentes: a poluição do ar,
das águas e do solo, o desmatamento, o agravamento do efeito estufa
(aquecimento do planeta), a extinção de espécies da fauna e flora, as alterações
climáticas, desertificação, chuva ácida, destruição da camada de ozônio e a
escassez dos recursos hídricos, são apenas alguns exemplos de problemas
contemporâneos, cuja solução exige grandes investimentos e mobilização em
escala mundial.
É a concretização da Sociedade de Risco, na qual, “a geração mais
tecnologicamente equipada da história humana, é aquela mais assombrada por
sentimento de insegurança e desamparo”. 36

33
MORIN, Edgar. Rumo ao abismo: ensaio sobre o destino da humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2001. p.7.
34
JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de
Janeiro: Contraponto : Ed. PUC-Rio, 2006.
35
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix,
2012. p.21
36
BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 2003.p. 132
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19

Ainda, quando se analisa os desdobramentos do pensamento pós-


moderno, há de se considerar a questão do consumismo desenfreado e seus
impactos na vida em sociedade, o que é um fator de extrema preocupação para
aqueles que trabalham em prol de uma sociedade mais justa e perfeita.
Os norte-americanos, por exemplo, consomem 88kg de recursos naturais
por dia. Se todos vivessem assim, a Terra só comportaria 1/5 da população atual,
o que per si, já mostra a insustentabilidade de um modelo econômico centrado
no consumismo.37
O consumismo é um veículo de narcisismos, por meio dos seus estímulos
estéticos, morais, sociais; e aparece como o grande fundamentalismo do nosso
tempo, porque alcança e envolve toda gente. Por isso, o entendimento do que é
o mundo passa pelo consumo e pela competitividade, ambos fundados no
mesmo sistema da ideologia.38
Interessante notar que mesmo dentre os integrantes da intelligentsia
capitalista, já existem críticas ao consumismo exacerbado, que estimula o débito
elevado do consumidor e conduz a uma economia cada vez mais impulsionada
pelas finanças do que pelos produtos. Tal situação dá sustentação a um modelo
que permite que os políticos e os interesses comerciais colaborem para
subverter os interesses econômicos da maioria dos cidadãos.39
Não se pode esquecer o fato de que, o atual modelo de desenvolvimento
(produção e consumo de massa) além de causar impactos irreversíveis ao
ambiente e à saúde das pessoas, ainda não conseguiu propor soluções para a
pobreza sempre persistente. Sabe-se que cerca de 5 bilhões das mais de 7
bilhões de pessoas que habitam a Terra são pobres ou extremamente pobres.
Passam fome, não têm acesso à e nem aos serviços de saúde.40
A Maçonaria, organização que historicamente sempre esteve atenta ao
clima intelectual e cultural do mundo, o “espírito da época”, não deve se omitir

37
Governo do Estado de São Paulo – Secretaria do Meio Ambiente. Cadernos de educação ambiental:
consumo sustentável. Disponível em: <http://arquivos.ambiente.sp.gov.br/cea/2014/11/10-CONSUMO-
SUSTENT%C3%81VEL.pdf>. Acesso em 28 mar 2018.
38
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 11. ed.
Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 49.
39
KOTLER, Philip. Capitalismo em confronto: soluções reais para os problemas de um sistema
econômico. Rio de Janeiro: Best Business, 2015.p.22-23.
40
Ibid. p. 30-31.
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20

diante de dos desafios trazidos pela pós-modernidade e nem evitar o embate


que se apresenta entre a tradição e o pensamento pós-moderno.

2.3 Maçonaria, tradição e contemporaneidade

A evasão maçônica, ou seja, a redução do número de maçons no mundo


e a consequente diminuição de sua influência é um fato de que não pode passar
desapercebido. Salvo algumas exceções, os números são preocupantes. A
Grande Loja Unida da Inglaterra, talvez a potência maçônica mais antiga do
mundo, que no século passado contava com cerca de 550 mil membros,
atualmente conta com aproximadamente 220 mil maçons. Situação semelhante
acontece nos Estados Unidos, a maior nação maçônica do mundo, que viu o
número de maçons cair de 4.600 para 1.300 milhões.41
Poderíamos citar várias possíveis razões para esse “esvaziamento”, mas
o que interessa no momento são suas possíveis relações com o mundo pós-
moderno, sempre a colocar em xeque as tradições. Aliás, e é bom ressaltar, não
se trata de algo que acontece apenas no seio da Maçonaria, pois, as Igrejas na
Europa estão passando pela mesma situação.
Segundo reportagem do The Wall Street Journal, por conta da
secularização que se expande na Europa, muitas igrejas estão literalmente
fechando as portas, muitas se transformando em museus, espaços culturais e
até mesmo bares. A situação da Holanda é emblemática, pois, nos próximos dez
anos, cerca de 65% das igrejas do país vão ser desativadas por falta de fiéis. A
Igreja Católica terá de fechar as portas de mil templos e a protestante, 700. A
Igreja da Inglaterra fecha cerca de 20 igrejas por ano. Quase 200 igrejas
dinamarquesas foram consideradas inviáveis ou subutilizadas. Já a Igreja
Católica Romana na Alemanha fechou cerca de 515 igrejas nos últimos dez
anos.42
A crise de valores das sociedades pós-modernas na qual prevalecem o
relativismo moral e a desconfiança em relação a tudo que diz respeito à tradição,

41
Cf. MORAIS, op. cit., p. 69-73.
42
BENDAVID, Naftali. Europa coloca suas igrejas vazias à venda. The Wall Street Journal. Jan. 7, 2015.
Disponível em: <https://www.wsj.com/articles/europa-coloca-suas-igrejas-vazias-a-venda-
1420607030>. Acesso em 28 mar 2018.
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21

assim como o advento de indivíduos que têm dificuldades em assumir


compromissos e que fazem do consumismo e do imediatismo o objetivo de suas
vidas, podem ser fatores determinantes para esse cenário tão desanimador.
Diante dos riscos que ora se apresentam à tradição qual o caminho a ser
seguido? Caberá “a cada maçom, isolada ou coletivamente, manter os ‘freios’
impostos pela tradição”43 ou “torna-se evidente a necessidade da ordem
maçônica reavaliar seu projeto existencial, adaptando-o velozmente às
condições naturais da vida moderna”? 44
Trata-se de uma encruzilhada. Entretanto, enfrentar dificuldades e
encontrar soluções não é novidade para a Maçonaria, pois sempre fizeram parte
da história da organização. A manutenção da integridade da Maçonaria, bem
como de seu protagonismo no mundo, são desafios que vêm sendo vencidos
desde antes de 1717, ano da fundação da Grande Loja de Londres e
Westminster.
Mudanças são necessárias para que a Maçonaria jamais perca seu
caráter de instituição progressista. No entanto, não se pode perder de vista de
que nem todo arcaísmo é um mal em si, muito menos que toda novidade sempre
represente um progresso. O momento exige ousadia, mas também prudência.
Prudência, grego phronésis e do latim prudentia, é a sabedoria na deliberação,
decisão e ação. É ela que determinará o que é necessário escolher e o que é
necessário evitar.45

43
CAMINO, R. da. A maçonaria e o terceiro milênio: objetos e objetivos da maçonaria. São Paulo:
Madras, 2005. p. 16.
44
TRAUTWEIN, B. Novos rumos à maçonaria. Londrina: Ed. Maçônica “A Trolha”, 1999. p. 32
45
Sobre o conceito de Prudência (phronesis) ver JAPIASSÚ, Hílton; MARCONDES, Danilo. Dicionário
básico de filosofia. Rio e Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991. p. 193.
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22

Capítulo 3 – A vida em Loja

Por tudo que foi apresentado até agora, uma pergunta se faz obrigatória:
“Como tornar a Maçonaria mais interessante para os seus membros, como levá-
los a preferirem os trabalhos em Loja, num mundo cheio de novas atrações,
Internet, cinema, desporto de massas?”.46
Está aí mais um grande desafio, do qual nenhum maçom pode se eximir.
Reuniões burocráticas, repetitivas e sem conteúdo, quase sempre omissas em
relação a temas relevantes e que dizem respeito à atualidade, podem contribuir
para a desmotivação em relação aos trabalhos em Loja. Da mesma forma,
posturas autoritárias e dogmatismos de toda natureza, assim como problemas
de relacionamento interpessoal contribuem para o esvaziamento das oficinas
maçônicas. Antes de discutirmos esses fatores, cabe compreender o
significado do termo “Loja”.

3.1 A Loja

Presente dos termos neolatinos loggia (italiano), loge (francês), logia


(espanhol), lodge (inglês) e loja (português), deriva do latim locus – lugar, local,
sítio, posição. A palavra Loja tem relação com as guildas medievais, sendo que,
num documento de 1292, a palavra foi utilizada para designar o local de trabalho,
ou a oficina dos artesãos. Também pode ser entendida como o alojamento
destes. Seria o local onde os pedreiros guardavam suas ferramentas de trabalho,
faziam suas reuniões e descansavam e, principalmente, estreitavam seus laços
de fraternidade.47
A Loja sem dúvida alguma é um agregado sociológico, um grupamento de
pessoas que se unem a partir de elementos compartilhados, ideias em comum
e visões semelhantes a respeito do mundo. Agregados sociológicos ou

46
OLIVEIRA, Cipriano. Maçonaria: passado, presente e futuro. Londrina: Ed. Maçônica “A Trolha”, 2011.
p.47.
47
Em Maçonaria, Loja é reunião de maçons, enquanto que o Templo é o local onde são realizadas as
sessões maçônicas. Sobre o conceito de Loja ver CASTELLANI, José. Dicionário de termos maçônicos.
2.ed. Londrina: Editora Maçônica “A TROLHA”, 1995. p. 10102-103. Ver também CASTRO FILHO, Plínio
Barroso de. Dicionário enciclopédico maçônico do Rito Escocês Antigo e Aceito. 10 ed. Curitiba: Eureka
Editora, 2014. p. 275.
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23

organizações sociais existem desde o momento em que o ser humano passou a


viver em sociedade. Têm como características a presença de indivíduos que
possuem objetivos, interesses e valores compartilhados. Geralmente são
estabelecidos em busca de determinadas finalidades como, por exemplo,
estudar ou discutir certos temas ou simplesmente compartilhar experiências.
Desta forma, é lícito inferir que a Loja também funciona como uma
Comunidade de Prática, visto que seus membros se unem em torno de tópicos
e interesses comuns a todos. Numa Comunidade de Prática os indivíduos
trabalham juntos com o objetivo de encontrar meios de melhorar o que fazem,
com base no aprendizado diário e por meio da interação regular.
Grosso modo, uma Comunidade de Prática se constrói sobre as seguintes
bases: (a) “empreendimento conjunto”, no qual são traçados objetivos comuns,
acordos entre os membros, responsabilidades e ritmos; (b) “engajamento
mútuo”, o que envolve os relacionamentos, as ações conjuntas e a manutenção
da comunidade e; (c) “repertório compartilhado” que são os elementos históricos,
as ferramentas, os discursos, eventos e conceitos que dão corpo à
comunidade.48
A Loja também é uma família, pois, “ao reunir homens de segmentos
distintos, recriando-os como irmãos, a instituição maçônica pode reinventar,
simbolicamente e em escalas menores, uma família”49 Este conceito de família
aparece com muita força no Salmo 133, presente em muitos ritos maçônicos.

Oh! quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união.


É como o óleo precioso sobre a cabeça, que desce sobre a barba, a
barba de Arão, e que desce à orla das suas vestes.
Como o orvalho de Hermom, e como o que desce sobre os montes de
Sião, porque ali o Senhor ordena a bênção e a vida para sempre.50

Na essência a Loja deveria ser um centro de união no qual se desenvolve


um verdadeiro e puro sentimento, e que se cultiva a liberdade individual, a
fraternidade universal, a igualdade de direitos, a solidariedade e a lealdade.51

48
Sobre as Comunidades de Prática ver WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning and
identity. 18. ed. Cambridge: University Press, 2008.
49
KOFES, Suely. Dilemas na maçonaria contemporânea: um experimento antropológico. Campinas:
Editora Unicamp, 2015. p. 85.
50
BÍBLIA, A. T. Salmos. In BÍBLIA. Português. Estudando a Palavra de Deus. Petrópolis: Vozes, 1995. p.
588.
51
PETERS, Ambrósio. Maçonaria, história e filosofia. 2.ed. Curitiba: Academia Paranaense de Letras
Maçônicas: Grande Oriente do Estado do Paraná, 1999. p. 39
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24

Mas nem sempre é assim, visto que fatores comportamentais muitas vezes
comprometem a harmonia da Loja.

3.2 Comportamento em Loja

Uma pesquisa realizada em 2017 pela Grande Loja Maçônica do Distrito


Federal (GLMDF) acerca de causas de evasões, concluiu que os conflitos
interpessoais (desavenças e desentendimentos com, ou entre, outros maçons)
foi a principal causa, representando 26,3% do universo. A frustração quando
membros não podem expressar suas ideias ou têm suas opiniões desvalorizadas
também é um forte fator (10,5%).52
Certamente os elementos identificados pela GLMDF estão presentes em
outros orientes e, possivelmente, em quase todas as Lojas. Fatores
comportamentais são determinantes quanto à permanência dos irmãos em Loja.
O fato é que, quando duas ou mais pessoas estão juntas sempre há a
possibilidade de conflito. Um conflito mal resolvido poder trazer consequências
nefastas para a Loja.
Viver com os outros nem sempre é coisa fácil. A existência, dentro de um
grupo social – e a Maçonaria não foge desta realidade – é feita de laços de
amizade, de simpatia ou mesmo de antipatia. Isso pode reforçar a coesão do
grupo ou destruir sua eficácia. Infelizmente um número muito expressivo de
pessoas ainda não entendeu que existe um bem comum a defender e do qual
elas dependem para o bem-estar próprio e o de seus semelhantes.
Quando se fala em relações humanas, é muito importante saber identificar
o efeito que as atitudes e comportamentos individuais causam no ambiente e
nos outros. Pessoas “de mal com a vida” geralmente não serão bons integrantes
de uma comunidade. É necessário, portando, buscar o entendimento das
atitudes negativas a fim de eliminá-las e aumentar a eficiência no contato com
os irmãos em Loja.
Toda pessoa que vive em coletividade está sujeita a interagir com outras,
portadoras das mais diversas características individuais, consequentes de suas
experiências de vida; em outras palavras, cada indivíduo carrega consigo uma

52
MORAIS, op. cit., p. 92
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25

“bagagem” de experiências que utilizam para reagir de forma diferenciada diante


de determinada situação.
Existem indivíduos que, por características pessoais, são naturalmente
agressivos. São do tipo que falam alto e muito sensíveis às críticas. Também
existem os calados, os falantes, os indecisos, os ocupados e os meticulosos.
Outro tipo interessante é o “sabe tudo”, vaidoso e que faz questão de mostrar
seus conhecimentos ou a sua inteligência a todos. Seu oposto é o dependente,
inseguro e que usa a queixa como meio de defesa.
Conheça seus irmãos, identifique suas características e necessidades
comuns e se adapte a essas pessoas para melhor atendê-las, o que
consequentemente melhorará seu desempenho profissional. Respeito aos
outros nunca é demais e controlar a agressividade é sempre um bom remédio
para se evitar aborrecimentos. Numa discussão cogitar que o outro pode ter
razão e que tudo pode girar em torno de pontos de vista diferentes, mas não
irreconciliáveis. A regra de ouro cabe bem aqui: “jamais fazer aos outros o que
não gostaríamos que fizessem conosco”.
Para se evitar conflitos é importante desenvolver em Loja um ambiente
aberto aos debates, com liberdade de comunicação e igualdade de tratamento.
A dialética deve prevalecer e a convivência deve se construir com foco no que
se tem em comum e não nas diferenças sejam elas religiosas ou políticas. O
posicionamento individual de cada irmão deve ser respeitado.53
Em suma, há de se cultivar a competência comunicativa, a igualdade de
chance no emprego da fala por todos os participantes do discurso, no qual todos
tenham o direito de proceder a interpretações, fazer asserções, pedir
explicações e detalhamentos sobre as proposições. A tônica está na capacidade
para expressar ideias, intenções e intuições pessoais, sempre com base na
democratização das informações.54
A Maçonaria se distingue das outras sociedades, por conta da filosofia
embutida no seu lema universal – liberdade, igualdade, fraternidade. Em outras
palavras, só há verdadeira fraternidade em uma comunidade quando todos se
sentem iguais; só há igualdade quando no convívio, os indivíduos minimizam

53
Cf. ISMAIL, op. cit., p.164 e PETTERS, op. cit, p. 219
54
Sobre a competência comunicativa ver HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
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26

conscientemente parte suas condições sociais de qualquer natureza; e, só há


verdadeira liberdade, quando todos podem decidir seus próprios destinos sem
imposições de qualquer espécie.55
Nesse ponto, nunca é demais recordar Voltaire para quem a “tolerância é
a consequência necessária da percepção de que somos pessoas falíveis: errar
é humano, e estamos o tempo todo cometendo erros”.
Não poderíamos encerrar esta seção, sem mencionar as
responsabilidades de quem governa a Loja, em especial o Venerável Mestre e
os Vigilantes. Como deveriam se comportar? Talvez os dez passos elencados a
seguir possam ajudar.

1. Respeitar o ser humano e crer nas suas possibilidades que são


imensas;
2. Confiar no grupo, mais do que em si mesmo;
3. Evitar críticas a qualquer pessoa em público, procurando elogiar,
diante do grupo, os aspectos positivos de cada um;
4. Estar sempre dando o exemplo, em vez de ficar criticando o tempo
todo;
5. Evitar dar ordens, procurando a cooperação de cada um;
6. Dar a cada um o seu lugar, levando em consideração os seus
gostos, interesses e aptidões pessoais;
7. Evitar tomar, mesmo de maneira provisória, a iniciativa de uma
responsabilidade que pertença a outrem, mesmo pensando que
faria melhor; no caso de chefes que lhe são subordinados, evitar
passar por cima deles.
8. Consultar os membros do grupo antes de tomar uma resolução
importante, que envolva interesses comuns;
9. Antes de agir, explicar aos membros do grupo o que vai fazer e
porque;
10. Evitar tomar parte nas discussões, quanto presidir uma reunião;
guardar neutralidade absoluta, fazendo registrar, imparcialmente,
as decisões do grupo. 56

Por fim, cabe destacar a importância dos padrinhos, pois são


responsáveis por aqueles que foram apresentados, principalmente enquanto são
aprendizes, orientando-o no que diz respeito aos bons costumes maçônicos e à
conduta correta em Loja.

55
PETERS, op. cit., p. 212.
56
WEIL, Pierre. Relações humanas na família e no trabalho. 44.ed. Petrópolis: Vozes, 1992. p. 75.
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3.3 Organização dos trabalhos

A organização dos trabalhos é um fator fundamental para o sucesso de


uma Loja e é sempre bom enfatizar que “nenhum irmão deveria sair de uma
assembleia sem ter aprendido algo culturalmente novo”.57
Sabe-se que grande parte das evasões acontece por conta de reuniões
cansativas e sem conteúdo e isto parece ser um tema recorrente na Maçonaria
brasileira. 58 No congresso promovido pela Academia Maçônica de Letras, cujo
tema foi “Panorama Atual da Maçonaria no Mundo”, realizado no Rio de Janeiro
em 1981, já se discutia essa importante questão.59
Algumas inciativas podem ser incentivadas para contornar esse problema,
tais como, implantação de bibliotecas, incentivo a movimentos culturais em Loja,
incluir nas Sessões a discussão de temas atuais e emergentes, promoção de
reuniões “brancas”, incentivo às Lojas de Estudo e, acima de tudo, evitar o
isolamento com o estímulo a intervisitação.
No que diz respeito às Lojas de Estudo, cabe destacar as Lojas
Acadêmicas ou Universitárias, que foram concebidas com o objetivo de
modernização da Maçonaria e rejuvenescimento de seus quadros. Atualmente
existem Lojas Universitárias atuantes em todas as Obediências Maçônicas
Regulares do Brasil.
Embora regidas pelas mesmas leis que regulamentam qualquer Loja
Maçônica, têm como propósito privilegiar a iniciação de universitários,
professores e demais candidatos ligados à área acadêmica. Espera-se que,
além do desejado rejuvenescimento da Ordem, que se obtenha benefícios com
o ingresso do maçom universitário, no sentido da promoção da busca de um
conhecimento metodologicamente mais aprofundado e com a base científica
necessária para a consolidação do ensino maçônico.
Além disso, as Lojas Universitárias buscam adequar seus horários e
atividades à vida acadêmica do obreiro, buscando condições de horário, local e
frequência que possibilitem a conciliação das atividades da Maçonaria com as

57
PETERS, op. cit., p. 213.
58
Sobre as causas das evasões ver MORAIS, op. cit., p. 92-93.
59
Cf. Anais do I Congresso Internacional de História e Geografia. Rio de Janeiro: Academia Brasileira
Maçônica de Letras, 1981.
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28

de estudante ou professor, o que sem dúvida contribui para a permanência do


maçom na Loja.60
Além do que já foi apontado, é desejável também que a Loja tenha um
Planejamento, que os Vigilantes estejam preparados para orientar os aprendizes
e companheiros e que sempre os critérios de seleção dos candidatos sejam
rigorosos, visto que uma boa seleção garante uma safra de bons obreiros.

3.4 A prática ritualística

A dominação de todas as coisas por meios técnicos, pela ciência e pelo


cálculo, fez com que de certo modo ocorresse uma espécie de
“desencantamento do mundo”, a descrença em relação aos poderes mágicos e
misteriosos que poderiam agir e interferir no mundo. Este fenômeno de
“dessacralização da vida” se agravou com o advento da pós-modernidade que
nos trouxe a decomposição dos grandes relatos ao anunciar o fim das certezas
e das instituições (estado, família, religião etc.).61
Nesse contexto, como fica o trabalho maçônico em seu método ritualístico
e iniciático? Antes de se procurar uma resposta, é importante retomarmos o
conceito de Maçonaria, tal como apresentado por Albert Pike:

A Maçonaria é uma ciência especulativa, mas baseada na arte


operativa. Todos os seus símbolos e alegorias se referem a esta
ligação. Sua verdadeira linguagem é emprestada da arte, e sugere
singularmente que a iniciação de um candidato em seus mistérios é
chamada, em sua fraseologia peculiar, de obra.62

Se a Maçonaria é sistema de moral, velado por alegorias e ilustrado por


símbolos, como sobrevirá num mundo desencantado? Talvez pelo fato de que
seu método seja o que há de mais atual em termos de desenvolvimento pessoal
e social.

60
Cf. GALDEANO, L. F. As lojas universitárias e a modernização da Maçonaria. Um estudo no GOB na
Primeira Década do Século XXI. C&M. Brasília, Vol. 1, n.2, p. 125-136, jul/dez, 2013. Disponível em:
<http://cienciaemaconaria.com.br/index.php/cem/article/viewFile/17/15>. Acesso em: 31 mar 2018.
61
Sobre o “desencantamento do mundo” ver WEBER, Max. Ensaios de sociologia. 5.ed. Rio de Janeiro:
Livros Técnicos e Científicos Editora, 1982.
62
PIKE, Albert G. O simbolismo da Maçonaria. v.2. São Paulo: Universo dos Livros, 2008. p. 89.
© Mario Alencastro

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Na Maçonaria são usadas, há séculos, fórmulas recentemente


descobertas pelas ciências modernas: a dinâmica de grupo, os sociodramas
modelizados e a projeção simbólica. São práticas descondicionantes e
melhoradoras, que auxiliam seus membros a se tornarem seres humanos mais
tolerantes e moralmente responsáveis. Sem dúvida suas práticas são um
antídoto muito indicado para um certo desenvolvimento patológico da sociedade
atual.63
A representação dramática (dramatização) e suas qualidades catárticas
(método psicodramático) foram descobertas na antiguidade. Por meio desse
método, exploram-se vivencialmente os modos de ser próprios dos homens,
suas condutas, a maneira como eles se relacionam com os demais, suas paixões
e seus valores.64
Os ensinamentos na Maçonaria são revelados por símbolos e
sensibilizados num ritual. A partir da observação dos símbolos tem-se acesso a
uma “cosmologia” – esquema de conceitos e relações que tratam o Cosmo como
um todo ordenado e um “desenho para viver” – o ser humano pode ser
construído e/ou transformado pela posse de um conhecimento superior e ação
virtuosa.65
O que vem a ser um símbolo? Do grego symbolon (σύμβολον), designa
um tipo de signo em que o significante (realidade concreta) representa algo
abstrato (religiões, nações, quantidades de tempo ou matéria etc.). Os símbolos
são susceptíveis de revelar uma modalidade do real ou uma estrutura do mundo
que não é evidente no plano da experiência imediata.
A forma visível e exterior do signo, seja ela uma taça ou uma cruz, é
apenas um foco de atenção que capacita o adorador [no caso dos símbolos
religiosos] a entrar em contato psíquico com a força espiritual anima e dá sentido
aquele símbolo. A imagem pictórica, a forma, é apenas um canal para uma
realidade transcendente.66
A Maçonaria é uma ciência especulativa, mas que tem por base a arte
operativa. Seus símbolos e alegorias se referem a esta ligação. O esquadro, o

63
GALVÃO, Octaviano. In: CASTELLANI, José. A Maçonaria moderna. 2ª ed. São Paulo: A Gazeta
Maçônica, 1987. p. 11.
64
Cf. MENEGAZZO, Carlos M. Magia, mito e psicodrama. São Paulo: Ágora, 1994. P. 90-91
65
KOFES, op. cit., p. 218.
66
FORTUNE, Dion. Magia aplicada. São Paulo: Editora Pensamento, 1988. p. 27-28.
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30

compasso, o maço, o cinzel e tantos outros objetos da arte da construção


assumem no maçom especulativo um caráter simbólico e revelador. Aqui cabe
um adendo, pois é provável que, mesmo entre os maçons operativos, já existisse
algo de especial nesses objetos, pois, para os antigos, o trabalho era sagrado.
Quando trabalhavam na construção de uma catedral também estavam se
construindo, tornando-se trabalhadores e homens melhores.67
O método iniciático é essencialmente intuitivo. Trata-se de uma linguagem
tradicional, imemorial e universal que permite o estabelecimento através do
tempo e do espaço, da relação adequada entre o sinal e as ideias. Decorre daí
o fato de que a Maçonaria se utiliza de símbolos a fim de provocar a iluminação
por aproximação analógica. A plasticidade dos símbolos supera a limitação da
linguagem em exprimir a totalidade do objeto. Por esse motivo, é difícil traduzir
os símbolos maçônicos em linguagem usual sem lhes falsear o sentido profundo
e o valor. Oriundos da tradição religiosa, do hermetismo e das ferramentas e dos
usos e costumes dos maçons operativos, a simbologia maçônica não se constitui
apenas em objetos, mas também em gestos, sinais palavras, lendas e
parábolas.68
O método iniciático vale-se do simbolismo e de práticas ritualísticas. A
palavra rito tem sua origem no latim ritus, um costume ou cerimônia que se
repete de forma invariável de acordo com um conjunto de normas previamente
estabelecidas. São carregados de simbolismo e geralmente tendem a expressar
o conteúdo de algum mito. Ritual seria a celebração de um rito, via de regra,
conduzido por alguma autoridade.
Os ritos são de extrema importância para o ser humano. O homem profano
descende do homo religiosus. Os comportamentos de seus antepassados
religiosos fazem parte da sua constituição, tal como ele é hoje. De certo ponto
de vista, quase se poderia dizer que, entre os modernos que se proclamam a-
religiosos, a religião e a mitologia estão "ocultas” nas profundezas de seu
inconsciente69. O homem moderno (a-religioso) carrega ainda toda uma

67
Usa-se o termo hierofania para designar a existência do sagrado quando se manifesta através de
objetos habituais do nosso cosmos. A sacralização da natureza ou os objetos sagrados.
68
NAUDON, Paul. A Maçonaria. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1968. p, 97-98
69
Genericamente, o termo inconsciente define todos aqueles processos mentais que ocorrem sem que o
indivíduo se dê conta. Sem que tenha consciência sobre eles. Para Freud, muito do que forma a
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31

mitologia camuflada e numerosos ritualismos degradados. Os festejos de Ano


Novo ou a instalação numa casa nova apresentam a estrutura (laicizada) de um
ritual de renovação. O mesmo pode se dizer das festas que acompanham um
casamento, o nascimento de uma criança e a obtenção de um novo emprego.70
Num sentido mais profundo, e aqui se inclui a ritualística maçônica, é pela
repetição dos rituais que o homem se projeta para uma época mítica, em que os
“arquétipos” foram revelados pela primeira vez. Arquétipo é uma imagem
apriorística incrustrada profundamente no inconsciente coletivo 71 da
humanidade, refletindo-se em diversos aspectos da vida humana como sonhos
e narrativas. São os elementos constitutivos dos mitos, imagens universais que
existiram desde os tempos mais remotos, como a morte do herói e a criação do
mundo.
Quando realizado em toda sua plenitude o ritual permite, pela sua
repetição, a abolição do tempo profano. Abandona-se por assim dizer a ditadura
de Chronos, o tempo linear cuja metáfora é o relógio, para se penetrar em Kairós,
o tempo da pura existência do ser e dos valores. Os símbolos e gestos presentes
no ritual agem como se fossem catalizadores de sentimentos de seus
praticantes, proporcionando ao maçom, não apenas um avanço educativo e
moral, mas também um reforço psicológico, por meio do mito trabalhado pelo
grupo.
A iniciação é exemplo de ritual arquetípico. Suas origens provavelmente
remontam à Caldéia, ao Egito e à Grécia, aos mistérios de Elêusis e aos
mistérios órficos-pitagóricos, nascidos dos mistérios egípcios, sendo que sua
finalidade sempre foi preparar o advento da Perfeição. Iniciar-se, era aprender a
morrer simbolicamente, alçar-se ao estado de pureza, de conhecimento e de
plenitude absoluta. A iniciação comportava diversos graus; o iniciado que parecia

consciência (desejos, lembranças, etc.) é inconsciente e escapam à própria consciência. Cf. JAPIASSU;
MARCONTES, op. cit. p. 131-132.
70
Sobre a ligação entre o homem profano e homo religiosus ver ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano.
São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 162-165.
71
Inconsciente Coletivo, segundo o conceito de psicologia analítica criado pelo psiquiatra suíço Carl
Gustav Jung, é a camada mais profunda da psiquê. Ele é constituído pelos materiais que foram herdados,
e é nele que residem os traços funcionais, tais como imagens virtuais, que seriam comuns a todos os seres
humanos. Cf. JUNG, Carl Gustav. Símbolos e interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
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32

conservar o mesmo corpo, a mesma alma, obtinha, na realidade, em cada grau


iniciatório, a regeneração de uma parte do ser.72
Desde a mais remota antiguidade ela consiste essencialmente numa
mudança do regime ontológico do neófito. Em outras palavras, a iniciação
representa uma experiência transpessoal possibilitada pela integração do
indivíduo na sua dimensão humana e cósmica. O neófito “morre” para sua vida
infantil, profana, não regenerada e renasce para uma nova existência, na qual,
em que, na condição de iniciado, poderá ter acesso a um conhecimento
superior.73
Jamais podemos esquecer também que a iniciação é uma metáfora para
a vida, pois toda a existência humana se constitui de uma série de provas, a
experiência reiterada da "morte" e da “ressureição". A própria existência humana
é uma iniciação.
O segredo maçônico, tão cercado de mistérios, pode se traduzir na
experiência interior que o processo iniciático proporciona; algo que é impossível
de se dar a conhecer, pois que é uma experiência única e subjetiva. O processo
iniciático consiste na busca da reintegração do homem em sua essência, ao
mesmo tempo pelo intelecto e pelo coração.74
Mesmo para os Maçons operativos a iniciação no conhecimento do ofício
era ao mesmo tempo a iniciação na lei divina pois o trabalho profissional era uma
forma de serviço a Deus.
Diante de tudo isso, como deveríamos nos comportar numa Sessão
Ritualítica? Em primeiro lugar devemos ter pelo Templo uma postura de respeito
absoluto. O templo é o espaço sagrado, uma “imago mundi”, a reprodução
terrestre de um modelo transcendente, uma concepção do Templo como cópia
de um arquétipo celeste, possivelmente herdada da tradição judaico-cristã.75
Ao se reconhecer seu caráter sagrado, jamais deveríamos adentrar no
Templo sem o devido respeito e preparo. Isso envolve a indumentária correta, a
limpeza corporal e mental, o desligar-se das coisas profanas e o despir-se das

72
NAUDON, op. cit., p. 86-87.
73
ELIADE, op. cit., p. 157
74
NAUDON, op. cit., p. 100.
75
ELIADE, op.cit., p.32.
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desavenças pessoais. Conversas frívolas, brincadeiras e anedotas de gosto


duvidoso também deveriam ser evitadas.
O ritual precisa ser conduzido com a máxima concentração, pois tem por
finalidade a concretização da passagem de um estado de consciência para outro,
do profano ao sagrado. No ritual, cada oficial é um ator que deve ter como meta
transmitir as mensagens da melhor forma possível. A representação de gestos,
a presença de música e a observação dos símbolos conduz o obreiro a uma
temporalidade diferente da profana (Chronos versus Kairós). A atenção ao ritual
permite a abstração das paixões e preocupações do mundo exterior.76
O ritual não envelhece, mesmo que seja muito bem conhecido e
executado na mesma sequência. A repetição faz parte do processo e, apesar da
formatação ser sempre igual, os resultados são inesperados e proporcionam ao
participante insights e percepções sempre novas. Quando executado e forma
apropriada, o ritual maçônico não cansa e sim renova as energias. 77

76
Cf. CHABOUD, Jack. Les francs-maçons. Toulouse: Éditions Milan, 2012. p. 26.
77
JINARAJADASA, C. Os ideais da Maçonaria. Curitiba: CEDITEO, 1987. p. 28-29.
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34

Capítulo 4 – Interfaces, novos discursos, desafios e perspectivas

A superexposição nas redes sociais que afeta indivíduos e organizações,


a multiplicidade de narrativas nem sempre condizentes com a realidade dos
fatos, a intensa troca de informações “em tempo real” e a gigantesca e quase
irrestrita disponibilização de conteúdos na Internet, são desafios a serem
enfrentados por organizações tradicionais como a Maçonaria.
Como garantir sua perenidade neste mundo pós-moderno, sem abrir mão
de seus princípios e se manter fiel à máxima “Novae sed Antiquae”. Trata-se de
um momento crucial na trajetória da Maçonaria, no qual alguns temas
espinhosos precisam ser abordados sem preconceitos, pois, não há como traçar
o cenário contemporâneo da Maçonaria sem abordar, por exemplo, as
discussões que envolvem igualdade de gênero, as restrições aos portadores de
deficiência física, as relações interinstitucionais e a universalidade maçônica.

4.1 Universalidade maçônica

A estrutura da Maçonaria, depende de uma organização local (as Lojas),


mas tem a universalidade como ideal e horizonte. Ao mesmo tempo que se dá a
expansão das redes maçônicas pela criação de novas Lojas, seu caráter
universal é garantido pela preservação e circulação de sua cosmologia, ou seja,
a cultura e o conhecimento maçônico, mantidos e atualizados nos e pelos rituais.
A Maçonaria, portanto, pretende a universalidade. “Ela é universal e suas
oficinas se espalham por todos os recantos da Terra, sem preocupação de
fronteiras nem de raças” como rezam alguns rituais. Mas será que é assim
mesmo?
No Brasil atualmente existem três Obediências que se inserem no que se
poderia considerar “Obediências Regulares”: o Grande Oriente do Brasil, as
Grandes Lojas Estaduais que compõem a Confederação da Maçonaria
Simbólica do Brasil (CMSB) e os Grandes Orientes Independentes, integrantes
da Confederação Maçônica do Brasil (COMAB).

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35

Não obstante a hegemonia das Lojas integrantes das Obediências


Regulares, existe um número expressivo de Lojas irregulares em atividade no
território brasileiro, o que põe em questão o tão propalado ideal de universidade
da Maçonaria. É um tema conflituoso, mas que merece uma reflexão serena por
parte de todos os maçons que propugnam em prol dos ideais de liberdade,
igualdade e fraternidade.
Outro ponto complicado é a questão do reconhecimento internacional,
discutível em termos de alcance e validade. Qual o verdadeiro alcance de se ter
o reconhecimento da Grande Loja da Inglaterra (GLUI), ou constar do List of
Lodges americano?78
Para muitos maçons, uma obediência regular é apenas aquela que tem o
reconhecimento da Grande Loja Unida da Inglaterra, a Grande Loja Mãe do
Mundo. Tal assertiva merece uma análise mais cuidadosa.
A primeira Grande Loja foi a Grande Loja de Londres e Westminster
fundada em 1717 e não a Grande Loja Unida da Inglaterra. Nesse ponto cabe
relembrar a celeuma envolvendo “antigos” e “modernos”79, que só teve fim em
1813, quando houve o entendimento entre as duas facções da Maçonaria Inglesa
que se fundiram para formar a Grande Loja Unida da Inglaterra. Sob esse viés,
o Grande Oriente de França, fundado em 1773, ou seja, 40 anos antes do que a
GLUI, também poderia se autoproclamar o primaz da Maçonaria do mundo.80
Há de se concluir, portanto, que a primazia da GLUI pode ser questionada,
e “nem lhe confere a condição de se autojulgar o arbitro da regularidade de todas
as outras potências, cujos efeitos práticos só fazem sentido dentro dos limites de
sua própria jurisdição” 81, faltando-lhe inclusive o poder de sanção, e sem este
poder não há autoridade.82

78
O List of Lodges é uma publicação anual da Pantagraph Printing Stationery Company, e é uma
importante referência da Maçonaria regular enquanto fonte de consulta. A condição para uma Grande
Loja aparecer no diretório List of Lodges é o reconhecimento por dez (10) Grandes Lojas regulares dos
Estados Unidos da América. Fonte: <http://www.pantagraphprinting.com/2017LoL.html>
79
A disputa entre “Modernos” e “Antigos” é uma disputa fundamental da maçonaria Inglesa.
Classicamente, ela é enunciada assim: até 1750, a Maçonaria Inglesa esteve unida e uniforme. Em 1751,
maçons irlandeses que viviam em Londres e afeitos aos usos e costumes herdados dos operativos,
passaram a questionar as inovações da Grande Loja de Londres e Westminster e fundaram a “Grande Loja
dos Antigos”. A partir daí, a outra grande loja, passou a ser chamada de “Grande Loja dos Modernos”.
80
MUNIZ, André Otávio Assis. Curso elementar de maçonologia. São Paulo: Richard Veiga, 2016. p. 49-
50
81
PETERS, op. cit., p. 45.
82
Ibid., p. 121-122.
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36

Feito esse adendo, qual seria a regra a ser seguida no que diz respeito a
um poder maçônico superior?
A GLUI, que tem um pouco mais de 200 mil maçons é a regra? A
primeira sempre manda? Aliás, ela é realmente a primeira? Ou será
que os EUA, que possuem mais de 2,5 milhões de Maçons, seriam a
regra? Aliás, a regra é sempre se balizar pelos outros? Isso não seria
um tipo de “colonialismo”?83

A questão do reconhecimento envolve uma série de aspectos que fogem


ao objetivo do presente trabalho. Há de se considerar sempre que existem Lojas
que seguem as regras de origem e funcionamento, mas que, ao se
desvincularem das obediências regulares tornam irregulares, enfraquecendo a
Maçonaria brasileira. Outro aspecto a se destacar é que talvez a Maçonaria
considerada regular está perdendo espaço no mundo, como será discutido
adiante.
A relação conflituosa entre as potências maçônicas, fator determinante
para desentendimentos e cisões, é preocupante, pois quebra a universalidade
da Maçonaria. Seja por diferenças de ordem filosófica, ritualística, organizacional
ou política, a quebra da unidade maçônica enfraquece a organização com um
todo.

4.2 O grande “Cisma”

Tema pouco explorado pelos estudiosos brasileiros, mas que não pode
ser ignorado pelo seu alcance e consequências foi o rompimento ocorrido na
segunda metade do século XIX entre o Grande Oriente de França (GODF) e a
Grande Loja Unida da Inglaterra (GLUI), as duas Potências mais tradicionais da
época.
Em 1877 o GODF suprimiu a obrigatoriedade da utilização da fórmula “À
G.·.D.·.G.·.A.·.D.·.U.·.” e franqueou que se utilizassem “ao progresso da
Humanidade” e “a Glória da Franco-Maçonaria Universal”. Por considerar essa
atitude incompatível com os Landmarks, em 1878 a GLUI rompeu com o GODF.
Portanto, a causa do rompimento foi uma divergência entre as concepções
teístas e deístas na condução dos trabalhos maçônicos.

83
ISMAIL, op.cit., p. 196.
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37

Numa perspectiva teísta, Deus é um ser superior, criador do Universo,


onipotente, onipresente e onisciente. Deus é infinito e pessoal, sendo sempre
soberano e bom. Os teístas acreditam na verdade revelada pelas escrituras ou
outros meios e admitem uma relação direta da divindade com os homens. Para
os teístas Deus é a fonte de toda a existência e, na concepção judaico-cristã, os
seres humanos foram criados à Sua imagem e semelhança. A cosmovisão teísta
predominou no mundo ocidental até o final do século XVII.
O deísmo também admite a existência um Ser Superior criador, mas cuja
revelação é possível por meio da ciência e pelas leis da natureza. A razão
humana é a mediadora para a compreensão do Ser Superior que, para os
deístas é um “princípio vital”, “uma força criadora” ou a “energia motriz do
universo”. Rejeita-se, portanto a visão de um deus antropomórfico.84
Muito próximo dos ideais iluministas que certamente exerceram influência,
mas que também foram influenciados pela Maçonaria, o deísmo buscava uma
compreensão racional da divindade.

A mesma força de nosso entendimento que nos fez conhecer a


aritmética, a geometria, a astronomia, que nos fez inventar as leis,
também nos fez, portanto, conhecer Deus [...] não é necessária uma
revelação para compreender que o homem não se fez a si mesmo e
que dependemos de um Ser superior, qualquer que seja.85

Essa divergência entre concepções deístas e teístas merece uma análise


bastante cautelosa. De acordo com muitos estudiosos da Maçonaria, a versão
original das Constituições de Anderson 1723 é tolerante e próxima das
concepções deístas.
Qualquer pesquisador que examine o Livro das Constituições de 1723
perceberá que ela tem um espírito liberal e coerente com os princípios liberais
da sociedade culta da Inglaterra da época.86
Tanto assim, que é possível inferir que o texto de 1723 contém certa dose
de deísmo, pois, ao ser referir à “religião sobre a todos os homens estão de
acordo” talvez estivesse fazendo alusão à capacidade racional de se deduzir a

84
Sobre os conceitos de teísmo e deísmo ver JAPIASSÚ; MARCONDES, op. cit., p. 66 e p. 238.
85
VOLTAIRE. Deus e os homens. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 9.
86
Não pode ser meramente casual a coincidência tão marcante da Maçonaria Especulativa e do
nascimento do livre-pensamento e do deísmo, uma ideia bastante simpática aos pensadores ingleses e
franceses da época notoriamente influenciados pelo Iluminismo.
© Mario Alencastro

38

existência de Deus (religião natural). Não há na primeira versão das


Constituições nenhuma referência explícita a um conceito de Deus e nem
obrigação de que deve ser adotado.
É claro que isso acarretaria em reação por parte dos conservadores (os
antigos), o que se refletiu na segunda edição de 1738. Nas versões posteriores
os textos modificados, que incluem citações bíblicas, são uma forma de
acomodar antigos e modernos, cedendo às exigências dos conservadores, que
criticavam os modernos por terem descristianizado o ritual, ao omitir as orações
e ignorado o dia dos santos.
O novo texto agora fala “de se conformar à lei moral como um verdadeiro
noachida [...] e aos três grandes artigos de Noé”. Essa recorrência ao Antigo
Testamento apresenta forte conotação teísta, até mesmo com cores
protestantes.
A divisão entre antigos e modernos durou até 1813, com a reconciliação
entre eles e a criação da Grande Loja Unida da Inglaterra. A versão de 1815,
fruto do acordo de fusão entre antigos e modernos cedeu a uma visão
claramente teísta e cristã. O teísmo prevalece e se firma definitivamente na
organização da GLUI, que em sua constituição afirmava que um maçom jamais
poderia ser um “ateu estúpido” nem um “libertino religioso”.
Visto por esse ângulo, não foi o GODF que quebrou as tradições em 1877,
mas sim a GLUI que, para agradar aos antigos, modificou o sentido do seu texto
constitucional, tornando-o teísta e dogmático. O que o GODF fez foi voltar às
origens de 1717 e deixar a cada maçom a sua liberdade absoluta de consciência,
em impor crenças nem ideias religiosas.87
A favor da tradição teísta na Maçonaria, há de levar em conta que ela
sempre esteve presente na Maçonaria de Ofício. Cabe lembrar que a maioria
das lendas do ofício é de origem bíblica, tal como pode ser conferido em diversos
manuscritos da Maçonaria Operativa. Nenhum dos antigos estatutos e
regulamentos dos maçons deixa qualquer dúvida sobre a obrigação que se
impunham de respeitar estritamente os deveres religiosos. Em todas as antigas
cartas, de algum jeito aparece o preceito de que o maçom deve fidelidade a Deus

87
MUNIZ, op. cit., p. 49-50
© Mario Alencastro

39

e que deve fugir das heresias e do erro. O valor profissional era, assim, uma
forma de serviço à Deus.

Os estatutos das corporações previam os juramentos sobre os Santos


Evangelhos e afirmavam que o primeiro dever do obreiro (maçom) era
ser fiel a Deus e Santa Igreja, para não cair em heresia; além disso,
previam orações diárias a Deus Todo Poderoso e à Virgem Maria [...].88

Os agrupamentos de construtores medievais sempre estiveram próximos


das associações monásticas, no labor de construir igreja e conventos. Além
disso, “o estatuto da Igreja permitia, enfim, aos construtores escaparem à
servidão, ao vínculo do feudo, e conservarem o direito de circular, a “liberdade
de passar”, indispensável à arte da construção”89. Tal proximidade com a igreja,
reforça ainda mais a presença da religiosidade na maçonaria. “Embora composta
de leigos, seu fundamento continua a ser sagrado; a religião penetra toda a vida
profissional. O clero aí sempre estará presente”90.
Pode-se acrescentar ainda que a solidariedade entre os oficiais do mesmo
ofício foi uma solidariedade de culto. Pedreiros, talhadores de pedra,
carpinteiros, veneravam diversos santos, e não raro mais de um ao mesmo
tempo. No caso da Maçonaria os dois São João, cujo parentesco
(proximidade/semelhança) espiritual como anunciadores da Luz é evidente. 91
Evidencia-se dessa forma, que a religiosidade e até mesmo uma certa
influência da tradição judaico-cristã na Maçonaria tem raízes históricas muito
profundas. Tal tese pode ser reforçada se considerarmos também o fato de que
o escocesismo, uma categoria de ritos que teria surgido na França com os
católicos Stuart é de tradição cristã, assim como o discurso do Cavaleiro André-
Michel de Ramsay publicado em 1738.

88
CASTELLANI, José. A Maçonaria moderna. 2.ed. São Paulo: A Gazeta Maçônica, 1987. p. 21
89
NAUDON, op. cit., p.20
90
Ibid., p.21
91
Ibid., p.28
© Mario Alencastro

40

4.3 Teoria da dupla tradição

A cisão ocorrida na Maçonaria no século XIX deu origem a uma teoria,


que, para espanto de quem se aprofunda na historiografia maçônica, é quase
que desconhecida entre os maçons brasileiros. Trata-se da Teoria da Dupla
Tradição92. De acordo com esta teoria a Maçonaria está dividida em duas
grandes tradições:

(1) Maçonaria “Anglo-Saxônica” (regular), também conhecida como “Azul”,


“Tradicional” ou “Dogmática”. Afeita ao teísmo, sua inspiração é a GLUI.
Faz o uso de um Livro Sagrado (quase sempre a Bíblia) nos rituais e que
exige de seus membros a crença num Deus, na imortalidade da alma e
na vida além da morte.

(2) Maçonaria “Latina” (irregular), “Vermelha”; “Liberal” ou “Adogmática”. Aqui


se defende a liberdade absoluta de consciência e o livre pensamento, não
aceitando dogmas, que representam uma coação ao pensamento
racional. As crenças, que devem ser de foro íntimo de cada um, bem
como as ideias, devem estar abertas à avaliação crítica. Sua principal
referência é o GODF.

O GODF ao romper com a obrigatoriedade da crença no GADU, perdeu


sua prerrogativa de regularidade e foi excluído da comunidade de todos os
maçons do mundo. Tal processo, acabou por produzir um fenômeno de
polarização no mundo maçônico, quando muitas potências europeias e latino-
americanas aderiram a fórmula vinda de Paris. Daí se originou o hábito de se
falar de uma maçonaria “latina” em oposição à maçonaria anglo-saxônica.93
Em 1961 o Grande Oriente de França e o Grande Oriente da Bélgica
criaram o CLIPSAS (Centro de Ligação e de Informação dos Poderes maçônicos
Signatários do Apelo de Strasbourg) que agrupava um grande número de

92
Diversos autores sustentam a Teoria da Dupla Tradição, destaque para Mellor (1976); Kofes (2015);
Oliveira (2011); Lima (2012); Muniz (2016); Moretti (2012); e Chaboud (2012).
93
MELLOR, Alec. Os grandes problemas da atual Franco-Maçonaria: os novos rumos da Franco-
Maçonaria. São Paulo: Editora Pensamento, 1989. p. 170.
© Mario Alencastro

41

obediências que seguiam a tendência latina. O princípio fundamental do


CLIPSAS é o “absoluto respeito pela liberdade de consciência e pela perfeita
tolerância mútua”. Atualmente congrega mais de 100 obediências maçônicas ao
redor do mundo.94
Na mesma linha do CLIPSAS é possível identificar o EMA – European
Masonic Alliance, que afirma reunir 23 obediências e estar presente em 12
países da Europa.95
A liberdade de consciência apregoada pelo GODF e assimilada pela
Maçonaria “Latina” está em conformidade com os princípios que nortearam a
Maçonaria Especulativa desde seus primórdios na França, pois afirma os
princípios de universalidade, aperfeiçoamento da humanidade, respeito à
pessoa humana, liberdade de pensamento, democracia, e rejeição a qualquer
tipo de dogma, deixando para a consciência de cada indivíduo a decisão sobre
suas crenças e concepções metafísicas.96

4.4 Igualdade de gênero

Tema conflituoso desde a institucionalização da Maçonaria, a questão da


igualdade de gênero nas lojas maçônicas nos remete a uma discussão que que
ainda está longe de chegar ao seu termo.
Apesar das pistas históricas sobre a presença feminina, inclusive nas
corporações de ofício da Idade Média e de mulheres iniciadas em lojas
maçônicas especulativas, o caso mais significativo é o de Marie Deraismes,
expoente na luta dos direitos das mulheres e iniciada em 1882 na Loja “Livres
Pensadores”, afiliada à Grande Loja Simbólica da França.
Em 1893, juntamente com o eminente Maçom Georges Martin, fundou a
Ordem Maçônica Mista Internacional “Le Droit Humain” que, desde então, vem
se expandindo, contando hoje com cerca de 28 mil membros e se faz presente
em mais de 50 países, com federações nacionais autônomas, operando

94
Centro de Ligação e de Informação dos Poderes maçônicos Signatários do Apelo de Strasbourg.
Disponível em <http://www.clipsas.org/>. Acesso em 15 mar 2018.
95
European Masonic Alliance (EMA). Disponível em <http://www.ame-ema.eu/>. Acesso em 15 mar.
2018.
96
CASTELLANI, op.cit., p. 42.
© Mario Alencastro

42

administrativamente em inglês, francês, espanhol e português. No Brasil está em


atividade desde 1919 ano da fundação da Loja Ísis no Rio de Janeiro.97
A restrição do ingresso das mulheres na Maçonaria é algo que remonta
às Constituições de Anderson de 1723 e se faz presente nos Landmarks
(marcos, limites, regras) compilados por Albert Mackey em 1858. De acordo com
o que consta no Landmark de número 18, “os candidatos à Iniciação devem ser
isentos de defeitos ou mutilações, livres de nascimento e maiores. Uma mulher,
um aleijado ou um escravo não podem ingressar na Fraternidade”.
Se os Landmarks são entendidos como um conjunto de regras imutáveis
que devem nortear a Maçonaria, caracterizando-se juridicamente pela
imutabilidade e, sob o ponto de vista doutrinário, pertencente à essência da
instituição maçônica, fica claro que não podem ser questionados, mesmo que
com o aval de todos os maçons do mundo reunidos em assembleia.
Entretanto, uma interpretação menos ortodoxa e com base numa
historiografia maçônica mais crítica, aponta para o fato de que estes Landmarks
nunca foram oficialmente aprovados ou estabelecidos por alguma assembleia,
ou seja, têm apenas o aval da tradição, mas que, apesar disso, são observados
na formação e no funcionamento da maioria das Lojas e Grão-Mestrados, como
é o caso da Maçonaria brasileira.98
É interessante ressaltar que a compilação de Mackey, embora tradicional,
não é adotada ipsis verbis por todas as Obediências Maçônicas. As Grandes
Lojas dos Estados Unidos e Europa, por exemplo, têm utilizado suas soberanias
no governo da Ordem em suas jurisdições para delimitar seus próprios
Landmarks, variando entre apenas sete até mais de cinquenta, sendo que muitos
destes compêndios são anteriores à versão de Albert Mackey.99
Se um Landmark é algo que não pode ser questionado, encerra-se a
questão da participação das mulheres na Maçonaria. Contudo, o que se percebe
é que a questão feminina é um tema em que está constantemente em
perspectiva nos meios maçônicos, somando argumentos a favor e contra.

97
Cf. OLIVEIRA, op. cit., p. 54-57. Ver também Nascimento da OMMILDH disponível em
<http://www.droit-humain.org.br/website/pagina12.php> Acesso em 10 mar 2018.
98
PETERS, op. cit., p. 39.
99
ISMAIL, op. cit., p. 122.
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No que tange às considerações a favor, tem-se o fato de que a Maçonaria,


por combater os preconceitos, deveria consequentemente aceitar as mulheres
nas suas fileiras, visto que os seres humanos de ambos os sexos são iguais em
termos de capacidades e potencialidades, independente do sexo. Ademais, o
avanço da participação feminina em todos os ramos de atividade as coloca em
condições de igualdade com os homens.
Pode-se argumentar também que o Landmark 18 tornou-se anacrônico,
visto que traduz bem o espírito dos séculos XVIII e XIX, nos quais era possível
falar em escravo e nos quais as mulheres não tinham seus direitos assegurados,
ambas as situações impensáveis nos dias de hoje.
Em contrapartida é possível elencar uma série de argumentos contrários
ao ingresso das mulheres na Maçonaria. São restrições de cunho histórico,
social, ocultista, sexual, legal e moral.100
Sob o ponto de vista histórico, cada lembrar que a Maçonaria atual se
originou da Maçonaria Operativa, ou seja, um trabalho para homens, os
pedreiros de ofício. De mesma forma, ao se analisar a questão pela ótica social,
era vedado o acesso das mulheres aos trabalhos maçônicos, pelo fato de que
na ocasião do surgimento das primeiras lojas especulativas, elas se reuniam em
tabernas, um ambiente que não era apropriado para as senhoras e restrito
apenas aos homens. Tais costumes foram incorporados pela tradição e
perduram até hoje.
Há quem defenda a tese de que as mulheres não podem fazer parte da
Maçonaria com base em argumentos ocultistas e sustentados pela crença na
existência de Ordens Solares e Ordens Lunares. As Ordens Solares, que têm o
Sol presente em seu simbolismo, são voltadas aos homens, à razão, possuem
juramentos e segredos e são baseadas no compromisso. Já as Ordens Lunares
são femininas, dão ênfase à emoção e a devoção, possuindo menos hierarquia
e tendo a Lua presente no simbolismo. Sendo a Maçonaria uma Ordem Solar,
não seria adequada para as mulheres.
Mais evidente é a restrição de caráter sexual e a argumentação que a
sustenta é muito simples. As mulheres poderiam desviar a atenção dos obreiros
durante as reuniões, o que prejudicaria seu bom andamento. Além disso, caso

100
Cf. ISMAIL, Kennyo. Desmistificando a Maçonaria. São Paulo: Universo dos Livros, 2012. p. 70-73
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44

viessem a manter um relacionamento sexual, a fraternidade entre o homem e a


mulher envolvidos ficaria prejudicada.
Se considerarmos os Landmarks como cláusulas pétreas e que não
podem ser modificadas, cria-se uma restrição de cunho legal para o ingresso na
Maçonaria. Soma-se a ela a restrição de cunho moral, uma vez que o maçom
por juramento assume o compromisso de respeitar os Landmarks.
Apesar de que nos oito critérios de regularidade da GLUI conste que “os
maçons sob sua jurisdição devem ser homens, e ela e suas Lojas não devem ter
nenhum contato maçônico com lojas que admitam mulheres como membros”, é
de interesse chamar a atenção para um comunicado a respeito das Lojas
Femininas, publicado no periódico Grand Lodge News de 10 março de 1999.

Existem na Inglaterra e no País de Gales pelo menos duas Grandes


Lojas exclusivamente para mulheres. Exceto que esses corpos
admitem mulheres, eles são, na medida em que podem ser
determinados, de outra forma regulares em sua prática. Há também
um que admite homens e mulheres para a adesão. Eles não são
reconhecidos por esta Grande Loja e a intervisitação pode não ocorrer.
Há, no entanto, discussões de tempos em tempos com as Grandes
Lojas femininas sobre assuntos de interesse mútuo. Os irmãos são,
portanto, livres para explicar aos não-maçons, se solicitados, que a
Maçonaria não se limita aos homens (embora esta Grande Loja não
admita mulheres). Mais informações sobre esses órgãos podem ser
obtidas escrevendo para o Grande Secretário. 101

Percebe-se claramente uma postura de tolerância e boa convivência da


GLUI para com as Lojas Femininas, o que não acontece em relação às mistas,
com as quais não há qualquer tipo de aproximação. Percebe-se que para a GLUI
o que se opõe frontalmente à tradição maçônica é a mistura de gêneros dentro
das lojas
Há de se reconhecer que, ainda hoje e por tradição, a Maçonaria é
predominantemente masculina. Ela atua inclusive como um campo de

101
There exist in England and Wales at least two Grand Lodges solely for women. Except that these bodies
admit women, they are, so far as can be ascertained, otherwise regular in their practice. There is also one
which admits both men and women to membership. They are not recognised by this Grand Lodge and
intervisitation may not take place. There are, however, discussions from time to time with the women’s
Grand Lodges on matters of mutual concern. Brethren are therefore free to explain to non-Masons, if
asked, that Freemasonry is not confined to men(even though this Grand Lodge does not itself admit
women). Further information about these bodies may be obtained by writing to the Grand Secretary. Cf.
HFAF Official. http://www.hfaf.org/hfaf-official/
© Mario Alencastro

45

ressocialização de indivíduos que, mesmo provenientes de segmentos sociais


distintos, uma vez reunidos numa Loja, são recriados como irmãos, agora
integrantes da família maçônica. A própria iniciação maçônica tradicional vale-
se de uma simbologia específica de “ação” e “atitude” tipicamente masculinas,
pela qual é selado o compromisso humano (e masculino) de superação da
animalidade e da força bruta.102

4.4 Portadores de deficiência na Maçonaria

O Landmark 18 incorpora outro assunto polêmico que é a questão dos


portadores de deficiência na Maçonaria. Mackey, movido pela convicção de que
apenas um homem dotado de uma perfeita compleição física, poderia assumir a
condição de maçom, criou a regra de que um “aleijado” [termo que ele usou] não
poderia ser iniciado.
Possivelmente uma herança da Maçonaria Operativa, na qual a destreza
física era necessária, não apenas para os trabalhos, mas também para
autodefesa e defesa da corporação, a regra que exclui pessoas com deficiência
da Maçonaria ainda persiste nos dias de hoje e que no Brasil é um verdadeiro
tabu.103
Ao contrário do que geralmente acontece na Maçonaria brasileira, nos
Estados Unidos, por exemplo, a proibição do ingresso e pessoas com deficiência
é vista como sendo apenas de caráter simbólico, sendo que qualquer
discriminação a candidatos portadores de deficiência não é bem vista no meio
maçônico. São as qualidades internas e não aspectos externos que determinam
se um homem está em condições de se tornar maçom.
A maioria das Lojas estrangeiras aceita pessoas portadoras de
deficiência. O consenso geral é a de que, a despeito da deficiência, e são muito
poucas as deficiências físicas que não podem ser superadas, é possível a
participação nas reuniões. Para tanto, são criadas condições de acessibilidade
para pessoas portadoras de deficiências auditivas, visuais e de locomoção. Na
Inglaterra, Irlanda e Escócia já existem em rituais em Braille e cães-guia para

102
KOFES, op. cit., p. 85.
103
ISMAIL op. cit., p. 123
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cegos são admitidos nas lojas para guiarem os irmãos nas iniciações, elevações
e exaltações. 104

Para concluir

Conjecturar acerca do futuro da Maçonaria é um enorme desafio para o


pesquisador, que sempre corre o risco de cair nas armadilhas do exercício de
uma “futurologia” sem conteúdo e desprovido de fatos e dados consistentes. O
máximo que se pode fazer é apontar para alguns pontos debatidos com uma
certa frequência nos meios maçônicos e recorrentes na bibliografia maçônica
mais atual. Tal foi o objetivo desse pequeno trabalho.
Não obstante, cabe ao maçom, um indivíduo “livre e de bons costumes”
olhar para o futuro sem temor. Se os desafios que se apresentam para a
Maçonaria são enormes, ao mesmo tempo abre-se um gigantesco leque de
oportunidades.
Sempre à frente do seu tempo, a Maçonaria saberá, como sempre o fez
e sem perder sua essência, contextualizar suas práticas e ensinamentos,
ajustando-os às necessidades de uma humanidade cada vez mais perdida
diante da profusão de narrativas que “poluem” o imaginário da pós-modernidade.
Um bom exemplo disso foi a Carta de Brasília, oriunda da XXII Assembleia
Maçônica da CMI que aconteceu naquela cidade em 2012. O documento sinaliza
de forma inequívoca para uma agenda maçônica em sintonia com o século XXI
ao enfatizar a importância da democracia e do compromisso com os direitos
humanos e a condenação do terrorismo, do narcotráfico, dos fundamentalismos
e do “exercício ilimitado do poder”.
A importância dos cientistas e tecnólogos para o desenvolvimento da
América Latina e a necessidade de políticas de preservação do meio ambiente,
também constam da Carta de Brasília, o que revela seu caráter inovador.
Iniciativas dessa natureza devem ser procuradas e incentivadas. Além
disso, cabe despertar nos maçons brasileiros a necessidade de olhar para além

104
Ver posição 10 grandes lojas estrangeiras [GL Estado de New York; Tennessee; Michigan;
Massachusetts; Maine; Kentucky; Irlanda; Geórgia; Inglaterra; Carolina do Norte]. Cf. ISMAIl, Debatendo
tabus maçônicos, p. 125-132.
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47

dos muros de suas respectivas Lojas e filiações. Um “benchmarking”, no sentido


de se buscar as melhores práticas maçônicas, talvez seja um bom caminho, pois
a troca de experiências entre as Lojas e Obediências – nacionais e estrangeiras
– pode ser um fator primordial para o fortalecimento da Maçonaria.

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Sobre o autor

Mario Alencastro é professor universitário. Graduado em


engenharia, tem Doutorado em Meio Ambiente e
Desenvolvimento (UFPR), Mestrado em Tecnologia
(UTFPR) e Pós-Graduação em Filosofia (PUCPR).
Atualmente é Mestre Instalado e membro fundador da
ARLS Universitária Estrela de Pitágoras nº 177,
jurisdicionada à Grande Loja Maçônica do Estado do
Paraná.

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