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CRICKET CERVEJA &


BARBECUE
Austrália para principiantes
HEITOR HERCULANO DIAS
3

© Heitor Herculano Dias


4

Para Wanilde e Lara Estrela, amadas filha e


neta pelas quais pude conhecer um pouco
deste país.
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6

Aborígenes australianos: objeto do capítulo


6.
7
8

SUMÁRIO

1. Introdução
2, Como tudo começou
3. Sydney
4, Trânsito e transportes públicos
5. A mídia australiana
6, Aborígenes: um capítulo delicado
7. Imigrantes
8. A casa australiana
9. A família australiana
9
10

1) Introdução
Com este pequeno trabalho a respeito das

várias particularidades concernentes ao modo

de ser e viver do povo australiano, observadas

por mim graças a repetidas e prolongadas

visitas à Austrália, espero brindar o leitor com

informações práticas e algumas peculiaridades

históricas acerca desta nação-continente, tendo

por base Sydney, sua maior e principal cidade.

A partir das fortes restrições ao ingresso


11

de estrangeiros nos Estados Unidos da

América, a Austrália se tornou o país preferido

por quem busca aprimorar o estudo da língua

inglesa.

Além disso, é uma atração para os

apreciadores do ecoturismo, graças às suas

belezas naturais proporcionadas por imensas e

bem preservadas áreas verdes e vales

esplendorosos; acrescentando-se suas

paradisíacas costas e aprazíveis praias, cenários

perfeitos para o iatismo e o surf.

País cuja população demonstra um gosto


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inusitado pela vida ao ar livre (praias, o

tradicional barbecue – carne grelhada nos

quintais ou nos bem aparelhados parques ̶, e

muita cerveja nos clubes e pubs), não seria

exagero afirmar que o australiano é um

hedonista por natureza, mesmo que muitos

deles sequer tenham ouvido falar a respeito

dessa doutrina filosófica em que o prazer e a

felicidade são os bens supremos da vida.

Detalhe importante é a constatação da

atual convivência pacífica entre povos e etnias

de costumes os mais diversos, situação


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resultante da tenacidade empregada por

milhões de imigrantes na perseguição de uma

vida mais digna e, em determinadas hipóteses,

garantias de respeito a seus direitos como seres

humanos, o que resultou na transformação da

ex-colônia britânica em um país heterogêneo.

Quanto à origem do nome, frise-se que

desde 1788, início de sua colonização, a

Austrália inteira foi conhecida como New

South Wales (Nova Gales do Sul), até Lachlan

Macquarie, governador das terras onde mais se

concentravam os britânicos, hoje o estado que


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conservou para si aquela denominação, sugerir

em 1814 que a matriz batizasse como Austrália

todo o continente, baseado na expressão latina

Terra Australis, Terra do Sul, anteriormente

empregada pelo navegante Matthew Flinders.

Sendo a mais jovem entre as prósperas

nações (pois apenas em 1901 foi instituída

como federação), a Austrália não faz jus apenas

à qualificação de “a terra dos cangurus”, mas

principalmente ao título de o único país que

deu certo entre os situados abaixo da linha do

equador. É evidente que apesar de tantas


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vantagens oferecidas aos seus cidadãos, sem

distinção entre australianos natos e imigrantes

naturalizados, a Austrália não é um paraíso na

Terra, havendo saudosistas que atribuem a

épocas passadas do país melhores condições de

vida do que as do tempo presente. Torna-se

necessário, porém, pesar na balança essa bem

conhecida filosofia dos mais idosos (comum ao

ser humano) de atribuir pesos maiores a

determinados aspectos que ficaram na poeira

do tempo. O que não se pode ignorar são as

opiniões de experimentados analistas


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internacionais a respeito de temas tais como

proteção à infância, geriatria, higiene, acesso à

educação, saneamento básico, assitência

médico-hospitalar e segurança pública entre

outros temas concernentes ao modo de

proporcionar melhores condições de vida ao ser

humano, cujos estudos colocam a Austrália

entre os pouquíssimos países aparelhados para

a otimização dessas necessidades dos seus

habitantes, posição que tem dividido há

décadas apenas com a Noruega e o Canadá.

Sydney é o pulmão e o coração da Austrália,


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com um terço da população de todo o país; daí

que as grandes vantagens e as poucas

desvantagens dessa nação apenas em Sydney

podem ser vistas e entendidas.

2) Austrália: como tudo começou

2.1: Os Pommies

Lá por volta dos 50.000 anos antes de

Cristo, povos oriundos do norte do planeta

iniciaram sua migração rumo ao lado

meridional, e o continente hoje denominado

Austrália foi um dos pontos de sua fixação,

mas pouco se sabe a respeito daquela gente,


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existindo contudo comprovações arqueológicas

de que, nos 40.000 aC, os aborígenes

australianos deixaram marcas próprias através

de imagens de animais gravadas na região

atualmente denominada Olary, ao sul do país,

consideradas as mais antigas obras de arte

conhecidas. Esses mesmos nativos alcançaram

a Tasmânia uns 5.000 anos depois, época em

que a
19

atual ilha e um dos estados australianos ainda

não se desprendera do continente, fato que

somente veio a ocorrer no ano de 12.000 aC.

A percepção de que no extremo sul do

Oceano Pacífico existia uma larga porção de

terra completamente ignorada desde os tempos

de Alexandre Magno, César e Marco Antonio,

hunos, godos, visigodos, mouros, semitas,

ibéricos, caucasianos, nações da Ásia Menor e

outros reinados, cujas ambições não eram

outras senão a conquista de terras que lhes

pudessem assegurar um engrandecimento físico


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e econômico, somente aconteceu no ano de

1422 dC quando a esquadra chinesa do

almirante Hong Bau encontrou o que então foi

chamado de “uma grande ilha a sudeste do

Pacífico”.

Depois disso, passou-se ainda um século

para que outra visita estrangeira aportasse no

que hoje é a Austrália, e isso aconteceu em

1523 com navegantes portugueses sob o

comando de Cristóvão de Mendonça, que

chegaram à costa sudoeste do país, mapearam-

na e deram-lhe a denominação de “A Grande


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Java”; mas disso não passou o interesse

lusitano pelas terras descobertas, consideradas

primordialmente a lucratividade que o

comércio com Goa, na Índia, e a extração das

riquesas naturais do recém descoberto Brasil

representavam para Portugal.

Após a visita portuguesa, que se

prolongou até 1539, foi a vez dos holandeses,

quando em 1606 a nau Duyfken aportou ao

norte do continente australiano, pouca

oportunidade porém concedendo aos seus

ocupantes para um conhecimento mais


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aprofundado do lugar, eis que um marinheiro

foi logo flexado pelos aborígenes, incidente

que convenceu ao comandante do navio que

melhor seria afastar-se do local; e outra

aproximação batava somente veio a ocorrer dez

anos depois a cargo do capitão Dirck Hartegh,

quando um pires de cobre com o nome da nau,

Eendrachtslanden, foi afixado a uma árvore,

não constando notícias de quanto tempo os

holandeses, naquela oportunidade,

permaneceram ocupando parte do território

australiano. Mais consistentes são os relatos


23

sobre outro navegante holandês, Abel Tasman,

que desembarcou na Tasmânia no ano de 1642.

Mercê da busca às tão propaladas vantagens

comerciais oferecidas pelas especiarias

indianas, a Holanda enviava expedições

marítimas ao sul do Pacífico sem se preocupar

com as esquadras britânicas e espanholas,

dominadoras das rotas criadas pelas ambições

comerciais européias, e em uma dessas

incursões o capitão Tasman veio parar na ilha

que hoje é um dos seis estados componentes da

federação australiana, batizando-a então de


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“Terra de Van Diemen”, em honra do

governador das Índias Ocidentais Holandesas.

Contudo, a colonização não prosperou face o

desinteresse da matriz européia pela exploração

comercial da ilha, observadas a vida rudimentar

dos habitantes nativos e a inexistência de ouro,

prata ou qualquer produto natural cujo

aproveitamento pudesse trazer lucros aos

conquistadores. Outrossim, a resistência oposta

pelos aborígenes diante da tentativa holandesa

de manutenção da Tasmânia como colônia do

reino batavo deu origens a combates em que


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aqueles europeus, treinados para batalhas nos

campos abertos do velho continente, tiveram

que amargar derrotas em meio a florestas e

pântanos, o habitat dos nativos da ilha.

Após tantos descobrimentos e abandonos

sem qualquer intuito de efetiva colonização por

parte de chineses e portugueses, e o fracasso

honlandês na Tasmânia (para estes a Terra de

Van Diemen), chegou a vez dos ingleses, que

afinal fizeram da Austrália uma de suas

colônias e assim a conservaram até o país

receber autonomia perante a matriz, para


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integrar-se à Comunidade Britânica, como até

hoje permanece.

Tudo começou em 1770 quando o

navegante inglês James Cook regressava de

uma viagem destinada à observação do trânsito

de Vênus sobre o Tahiti, e assim determinar a

melhor maneira para o cálculo das longitudes.

Prosseguindo em sua rota, Cook tomou o rumo

da Nova Zelândia, atingindo então a costa

sudeste da Austrália. O navegante inglês

buscou aportar inicialmente na já conhecida

Tasmânia dos holandeses, e durante dez dias a


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HMS Bark Endeavour costeou o litoral das

terras avistadas rumo ao norte, antes de ancorar

no ponto que ao seu comandante pareceu o

mais protegido contra ventos e ondas violentas,

a sudeste da atual Sydney, em 19 de abril de

1770. O local de desembarque mereceu a

denominação de Botany Bay por sugestão de

Joseph Banks , botânico-chefe da expedição,

que se admirou da exuberante flora ali

encontrada. Os descobridores britânicos, após

estudos e mapeamento da região,

denominaram-na New South Wales, em


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deferência ao País de Gales, que ao lado da

Escócia e da Inglaterra integra a Grã-Bretanha.

Tais fatos são de primordial importância para

os australianos, que têm James Cook como o

autêntico descobridor da Austrália. No

trabalho de observação das terra descobertas, o

Capitão Cook se deparou com uma grande

enseada, intitulando-a Sydney Cove, numa

obediência à prática da época em que as terras

descobertas herdavam nomes de soberanos ou

autoridades a quem os navegantes serviam. O

homenageado foi Lord Sydney, Home


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Secretary do Rei George III, o qual

futuramente se empenharia junto ao seu

soberano para o envio de gente ao continente

descoberto, com o propósito do

estabelecimento de uma colônia britânica. Em

1783, Mario Matras, ex-integrante da

tripulação de James Cook e que na volta à

Inglaterra escrevera um livro acerca de Botany,

dirigiu uma carta ao governo inglês sugerindo o

aproveitamento da localidade para a instituição

de uma colônia penal e, concomitantemente,

um novo domicílio onde pudessem se


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estabelecer os cidadãos britânicos

desapossados de suas propriedades por força da

independência dos Estados Unidos da América.

Recorde-se que na segunda metade do

século XVIII, o império britânico atravessava

uma época de extremo rigor na punição a

acusados pelos delitos mais corriqueiros que

fossem, de que não estavam isentas sequer

crianças e adolescentes. Uma criança que se

apoderasse de uma peça de roupa, por exemplo,

mesmo que pertencente a outra criança, poderia

perder a vida por decisão judicial inapelável,


31

ou na melhor das hipóteses ser confinada para

o resto da vida em horríveis calabouços. Apesar

de tantas execuções, o aumento do número de

sentenciados a encarceramento aumentava

assustadoramente, e eram muitas as revoltas

causadas pela promiscuidade, maltratos físicos,

parca alimentação e falta de espaco. Um

paliativo para tal situação constrangedora era a

aplicação da pena de degredo, reunindo a coroa

britânica prisioneiros livrados da pena de morte

por indulto a outros sentenciados ao cárcere,

com o objetivo de enviá-los a territórios


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estrangeiros conquistados, entre os quais

predominava em importância, por tamanho,

riquezas a explorar e valor estratégico a colônia

norte-americana.

Enquanto a Inglaterra possuiu aquelas

imensas áreas conquistadas mas carentes de

ocupação efetiva, a expulsão através a pena de

degredo foi mantida como rotina, livrando

Londres e outros centros urbanos dos

problemas gerados pela excessiva população

carcerária, e solidificando a presença britânica

em terras norte-americanas. Mas em 1776 veio


33

a Revolução Americana, e com ela o inevitável

abandono da remessa de degredados para a

grande nação que nascia sob a liderança de

George Washington. Outrossim, a mão-de-obra

obtida através o tráfigo de escravos africanos já

esgotara a necessidade do aproveitamento de

prisioneiros britânicos, mesmo em outras

colônias britânicas; e a América do Sul, por sua

vez, já então estava completamente nas mãos

de portugueses e espanhois.

O já referido Lord Sydney foi quem, em

1786, anunciou a decisão do Rei George III


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pelo aproveitamento de Botany Bay como o

local para onde deveriam ser enviados os

prisioneiros britânicos condenados ao degredo.

A escolha, apesar de inicialmente sugerida por

Mario Matras, foi ratificada após ouvido Sir

Joseph Banks, o botânico que procedeu a

estudos da flora local. Além de New South

Wales poder absorver o excesso de condenados

britânicos que tanto atormentava as autoridades

londrinas, um fator estratégico pesou

favoravelmente na escolha das tão distantes

terras, eis que o Rei George III se preocupava


35

com a presença francesa ao sul do Pacífico; daí

porque também a Ilha de Norfolk foi incluída

como possível local para o estabelecimento

paralelo de uma colônia penal britânica. Os

prisioneiros foram transportados por uma

esquadra de 10 naves – Sirius, Supply,

Alexander, Scaraborough, Friendship, Prince

of Wales, Charlotte, Lady Penrhyn, Golden

Grove e Borrowdale -, sob o comando do

Almirante Arthur Phillip, partindo do porto de

Portsmouth em 13 de maio de 1787, com

ordens do primeiro ministro William Pitt e de


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todo o gabinete do Rei George III para a

implantação de uma colônia penal em Botany

Bay, situada em New South Wales, como na

época era conhecido todo o continente

australiano. Cada embarcação levava não

menos de cem degredados, mas a longa

duração da viagem e as péssimas condições do

transporte aliadas ao uso de grilhões e o

emprego de chibatadas como punição por

eventuais faltas ou desobediências, do que não

estavam isentos os próprios marinheiros,

reduziu a menos de 800 o número dos


37

prisioneiros desembarcados vivos pela até hoje

orgulhosamente lembrada First Fleet, somados

homens, mulheres e crianças.

Na chegada a Botany Bay, os planos de

Phillip tiveram que ser alterados quanto ao

desembarque de sua carga humana, pois ali

poucas probabilidades de sobrevivência

material existiriam para os integrantes da

esquadra, além de os navios não obterem a

necessária proteção em uma enseada cheia de

dunas e varrida por ventos. Aquele comandante

percebeu então que os conselhos do botânico


38

Joseph Banks não poderiam ser seguidos ao pé

da letra, e por isso buscou outro local de

desembarque, guiado pelo mapeamento de

James Cook, até achar a enseada denominada

Sydney Cove, quando então deu-se o

ancoramento dos navios e posterior

desembarque. Era o dia 26 de janeiro do ano de

1788, e naquela data a Union Jack (bandeira

britânica) pôde afinal ser hasteada. Não

distante do local, hoje conhecido por The

Rocks, encontra-se o símbolo-maior da cidade

de Sydney, que é o grande e original complexo


39

arquitetônico do Opera House, cujo desenho

aparece em qualquer postal, flâmula, camiseta

ou objeto que busque representar a cidade.

Mas apesar de a colonização do país ter

sido iniciada no dia do desembarque da

Primeira Esquadra, seu nome somente veio a

ser adotado oficialmente em 1817, quando

Lachlan Macquarie governava Nova Gales do

Sul, nome pelo qual todo o continente

australiano era até aquele ano conhecido. Em

despacho endereçado a Londres, aquele

mandatário da coroa britânica anunciou sua


40

pretensão de promover novas incursões pelo

“Continent of Australia” , endossando anterior

sugestão do navegante Matthew Flinders, para

quem a expressâo latina Terra Australis (terra

ao sul) não magoaria escrúpulos nem de

ingleses nem de holandeses, os dois povos que

maiores contatos tiveram com o continente,

sugerindo o Governador em seu despacho que

doravante por esse nome assim fosse conhecida

toda a colônia britânica.

O uso das terras australianas para a

implantação de colônias penais não se esgotou


41

com a decantada First Fleet de 1788, pois

outros carregamentos de homens, mulheres e

crianças se sucederam, neles incluído o da nave

Lady Juliana, utilizado para o transporte de

250 mulheres, em sua grande maioria

prostitutas de Londres, cujo envolvimento com

a tripulação e convictos do sexo masculino

durante a longa viagem legou ao navio a

alcunha de The Floating Brothel (O Bordel

Flutuante); e tampouco Sydney é a única

metrópole da Austrália nascida de uma colônia

penal britânica, pois a mais importante das


42

cidades do estado de Queensland, Brisbane,

também teve sua fundação, que se deu em

1825, justificada para o acolhimento dos

convictos mais rebeldes entre os

desembarcados até aquele ano.

Dois anos após o estabelecimento da

colônia penal em Sydney Cove, outra esquadra

britânica aportou em Sydney com a

incumbência de transportar mais prisioneiros e,

ao mesmo tempo, prover de alimentos tanto os

posseiros quanto os convictos vindos com a

Primeira Esquadra, pois as provisões vindas da


43

Ilha Norfolk escasseavam assustadoramente.

No ano seguinte, com a Terceira Esquadra,

chegaram mais de 2.000 condenados,

engrossando substancialmente a população

dentro da estratégia estabelecida pelos

colonizadores; e em dezembro de 1799 já 862

descendentes de convictos formavam a

primeira geração de australianos natos,

rapidamente aumentada em conseqüência das

usuais uniões de fato, não apenas entre

convictos como também entre mulheres

condenadas e homens livres, daí porque no ano


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de 1807 os filhos legalmente tidos como

ilegítimos somavam 60% da colônia britânica.

O transporte de prisioneiros ingleses com

a determinação de povoar a Austrália somente

terminou oitenta anos depois, com a chegada

de 159.000 deportados para Fremantle,

Western Australia, em 1868. Entre o

desembarque dos primeiros convictos vindos

na Primeira Esquadra e o último

“carregamento” de homens, mulheres e

crianças, 159.000 prisioneiros britânicos

chegaram ao país, número que razoavelmente


45

sustenta a afirmativa de que pelo menos a

maioria dos anglo-australianos descende de

condenados vindos da Inglaterra. Mas isso de

maneira alguma causa lhes traz

constrangimento, e sim pelo contrário, pois

descender de um convicto chegado à Austrália

é considerado motivo de orgulho para todo

fair dinkum aussie, australiano de boa cepa na

tradução mais apropriada, e nem John Howard,

detentor de renovados mandatos como chefe de

governo da Austrália, disso faz segredo

conforme suplemento especial do jornal The


46

Saturday Daily Telegraph de 17 de fevereiro

de 2007. Segundo David Dale (Who We Are –

A Miscellany of the New Australia, 2006,

edição de Allen & Unwin), somente após cinco

anos do desembarque dos convictos trazidos

pela esquadra de Arthur Phillip chegaram os

primeiros colonos livres à Austrália,

procedentes de Londres.

Do ponto de vista dos mais circunspectos

e conservadores (australianos e estrangeiros)

Sydney seria a mais “decadente” das cidades da

Austrália, mas não se pode negar que ninguém


47

de fora poderá dizer que conheceu esse país

sem visitá-la, mesmo considerando as

deliciosas atrações turísticas oferecidas pela

costa nordeste do estado de Queensland, como

a Barreira de Coral e os confortáveis hotéis à

beira-mar; ou Melbourne, o pólo desportivo

australiano; e o árido, vermelho e místico

interior do continente, atração para os

apreciadores do turismo de aventura.

2.2: Os carneiros

Depois do estabelecimento dos ingleses,


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chamados pommies pejorativamente por

australianos e neozelandeses, segundo o

Conciso Dicionário da Língua Inglesa (editado

na Austrália por G.A.Wilkes & W.A.Krebs)

possivelmente em razão das faces rubras dos

ingleses, foi a vez dos carneiros, que fizeram

do país um dos maiores produtores de lã do

mundo. Antes dos colonizadores, o solo

australiano conhecia apenas seus primitivos

habitantes, os hoje qualificados Aborigenes, e

uma fauna totalmente peculiar e em sua

maioria existente apenas no país,


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predominando o canguru. A criação de

carneiros teve início graças a John Macarthur,

que em 1798 resolveu importar da África do

Sul exemplares da raça merino, daí em diante

se expandindo a criação desse animal em

fazendas de diversas regiões australianas; e

hoje em dia, além de responsável pelo

fornecimento da lã como matéria prima

essencial para a indústria do vestuário, esse

animal tem sua carne fartamente aproveitável

na mesa australiana, competindo com a carne

bovina. Nas lojas de souvenirs do país, apenas


50

os artefatos dos aborígenes se igualam em

procura aos diversificados artigos feitos de lã

ovina. É curiosa, porém, a inexplicável

ausência de um símbolo relativo a esse animal

no emblema do país, ocupado pelas figuras do

canguru e da emu - a avestruz australiana. Pelo

menos no que diz respeito à fauna, essa espécie

de avestruz está bem atrás do carneiro, tanto

em números quanto principalmente em

importância econômica para o país,

consideradas a lã e o alto consumo de sua

carne. O carneiro está cotidianamente presente


51

nas campanhas promocionais dos mais variados

objetivos; e os meios publicitários do país

ficariam de pés e mãos amarrados para evocar

o verdadeiro espírito da Austrália se não

pudessem dispor deste quarteto formado pelo

canguru, o barbecue , a cerveja e o merino.

3) Sydney
52

3.1: Seu dia-a-dia


Falar em Austrália é pensar em sua mais
populosa e principal cidade, Sydney, tal qual
falar nos Estados Unidos da América é ter em
mente Nova Iorque, como pensar em Paris
quando a palavra é França, ou dizer Brasil e
vislumbrar paisagens do Rio de Janeiro; mas o
que de antemão deve ser esclarecido é que a
principal metrópole australiana está despojada
53

de qualquer um dos clichês aplicados ao que se


convencionou chamar de cidades de primeiro
mundo. Se você imagina encontrar na mais
populosa cidade australiana atualizados
padrões da moda internacional comparáveis aos
do eixo Roma-Paris-Nova Iorque, ou talvez
locais e quarteirões preferidos pelos
intelectuais, românticos e nostálgicos, pode
desistir; nem a sofisticada Manhattan ao estilo
cinematográfico de Woody Allen e nem
tampouco nenhum Quartier Latin com seus
cafés consagrados às memórias de Sartre,
Picasso, Gertrude Stein e outros ícones,
encaixam-se nesse padrão de praticidade e
indiferença a quaisquer modismos ou cultos à
intelectualidade, característica não apenas de
54

Sydney, mas sim de toda a Austrália. O apego


ao lado prático da vida é sobretudo revelado
pela maneira como o povo australiano encara o
trabalho e a garantia do sustento, onde o que
menos importa é a ostentação de um título
universitário, realidade facilmente constatada
na pouco acentuada estratificação sócio-
econômica dos menos de vinte e dois milhões
de habitantes do país, exatamente o extremo
oposto de muitas nações cultuadoras do
academicismo, onde por séculos prevalece
sobre uma larga base piramidal lotada de
desempregados, biscateiros, miseráveis e uma
classe média em acelerada pauperização um
pequeno e seleto grupo de privilegiados pela
desumana distribuição de renda aliada à cultura
55

de um mero diploma de “doutor”.


Certamente que um estudo antropológico
em muito suplantaria as presentes notas
concernentes à ausência de vocação do
australiano para uma longa permanência nos
bancos escolares; mas o que salta aos olhos do
visitante são acima de tudo a naturalidade e a
ausência de pudores classistas com que homens
e mulheres se igualam no exercício das mais
variadas profissões – mais uma vez é forçosa a
comparação -, cuja ocupação estaria restrita a
analfabetos ou possuidores de um mero curso
primário em países onde impera a rigida
estratificação social calcada em propriedade,
diploma e diferença de sexos. Tarefas rotineiras
da construção civil e da infra-estrutura dos
56

serviços públicos, como por exemplo


escavação, terraplenagem, conserto nas redes
elétricas e de esgoto, asfaltamento, entre outras,
comumente empregam mulheres para a sua
execução, e todos esses trabalhadores,
independente de sexo ou idade, estão longe de
apresentar as marcas físicas e comportamentais
do operário estigmatizado por décadas de
exploração e baixos salários.
À hora do almoço pode-se ver, nos
arborizados e bem tratados parques e nas áreas
de alimentação dos shopping centres, operários
com
seus tradicionais macacões brancos, pesadas
botas e capacetes de segurança lado a lado com
executivos e secretárias, na rotina dos
57

diversificados fast foods oferecidos pelas


culinárias chinesa, arabe, vietnamita, italiana e
grega, principalmente, quando não limitados ao
rotineiro mas nunca desprezado fish and
chips, que é o filé de peixe com muita batata
frita.
3.2: Seus costumes
Talvez ofenda aos conservadores e
puritanos o modo livre e imune a preconceitos
como o homossexualismo é visto na cidade,
com as bandeiras do arco-íris (símbolo
internacional de gays e lésbicas) exibidas em
fachadas, varandas e mastros de hotéis, cafés,
livrarias, restaurantes e farmácias das áreas
urbanas onde é mais fervilhante a vida noturna,
como são as de Kings Cross, Taylor Square e
58

Newtown, garantia explícita de normal


receptividade a turistas e nacionais da
comunidade GLS. Por sinal, existe mesmo um
cidadão já idoso, travestido de mulher no mais
exagerado gênero “perua” (Dame Edna) aceito
como uma das personalidades públicas de
Sydney e cuja presença já se tornou obrigatória
nos maiores eventos esportivos e sociais da
cidade, como aconteceu até mesmo no
encerramento dos Jogos Olimpicos de 2000 e
vem ocorrendo na maior prova turfística da
Austrália, a Melbourne Cup.
Não é por mero acaso que o filme
Priscila, a Rainha do Deserto, produção
australiana que narra a aventura de três
travestis percorrendo o interior da Austrália em
59

um ônibus alugado, é um dos mais conhecidos


internacionalmente dentre a pequeníssima safra
de filmes feitos na Austrália, empatando apenas
com o emblemático Crocodilo Dundee.
Pontificando no quadro de franca
liberdade sexual imperante em Sydney,
acontece em fevereiro ou princípios de março o
desfile à fantasia denominado Mardi Grass, no
qual gays e lésbicas, em fantasias ousadas e
criativas, percorrem em carros alegóricos uma
das mais longas e movimentadas vias urbanas
da cidade, a Anzac Parade. Trata-se de um
acontecimento aguardado com ansiedade e que
atrai milhares de expectadores, sendo mesmo
transmitido ao vivo por um dos canais de
televisão de maior assistência no país. A ele
60

aderem, sem o menor temor de ter seus nomes


ou carreiras atingidos desfavoravelmente,
políticos, administradores e gente do
entretenimento, alguns simplesmente para tecer
comentários diante microfones e câmeras,
outros decididamente participando do próprio
desfile. Segundo seus entusiastas apreciadores,
o Mardi Grass de Sydney é a mais criativa
parada do gênero, superior às similares norte-
americanas e européias.
Corroborando esse clima de absoluta
abertura diante preferências sexuais nada
ortodoxas, não causam estranheza ao público
cartazes em lojas de departamentos de primeira
linha onde ocasionalmente artigos de lingerie
ou cosméticos são mostrados por bem
61

produzidas fotos onde duplas femininas se


aconchegam em aparente troca inocente de
abraços, mas que a uma expectadora
desprevenida poderão subliminarmente
transmitir a idéia de que o lesbianismo seria
uma preferência tão cool quanto usar este ou
aquele perfume.
Saber da alma de Sydney é, inclusive, ler
Sydney – Biography of a City da escritura
australiana Lucy Hughes Turnbull, livro que
embora editado no último ano do século
passado (por Random House Australia Pty
Ltd.) transmite ao leitor tudo o que de concreto,
histórico, sentimental e até mesmo de mais
censurável poderia um autor de primeira linha
trazer a respeito dessa cidade. Traçando
62

exemplarmente a característica do típico


habitante da principal cidade da Austrália, Lucy
assim se expressa: “Não existe o culto da
personalidade aqui, pelo menos como acontece
nos Estados Unidos. Se um morador de Sydney
esbarrar em alguém famoso, na certa que
saudará a ela ou a ele na mais absoluta
informalidade, como se fossem amigos de
longo tempo. Tal hábito poderá desconcertar o
visitante acostumado a maiores formalidades
perante estranhos, e a habilidade do recém-
chegado em se recuperar dessa inesperada
informalidade servirá, muitas vezes, de base
para o julgamento de seu caráter e de como
será recebido na comunidade”.
Dizer que os australianos são um povo
63

que prima pela cordialidade soa tão falso


quanto classificá-los como deseducados, posto
que muito embora seja uma tarefa nada fácil
conquistar a amizade do vizinho ou merecer
um acolhedor sorriso por detrás do balcão da
padaria, quase nada se faz ou se pergunta a um
estranho sem o tradicional “excuse me”, ainda
que seja para o esclarecimento de uma dúvida
ou o pedido de informação sobre qual o melhor
caminho para se ir a algum lugar. Não se vê na
Austrália a conversa de vizinhos, tão comum
principalmente nos arrabaldes, vilas e vilarejos
latino-americanos, ibéricos e italianos.
Interessante observar que o recebimento de
dinheiro no ato da compra de qualquer
mercadoria é sempre antecedido por um
64

“thank you” acompanhando o gesto da mão


estendida à espera do pagamento, ato que ao
visitante estrangeiro pode parecer uma estranha
maneira de exigir dinheiro sem ofender a quem
paga.
65

3.3: The Rocks, Harbour Bridge,


Circular Quay e Opera House
É na enseada de Sydney Cove, onde
nasceu a colonização da Austrália, que se
encontram os dois principais símbolos da
cidade, a saber: a) a Sydney Harbour Bridge,
exuberante ponte que une o centro dessa
metrópole e seus subúrbios meridionais às
regiões situadas costa leste acima no estado de
New South Wales; e através dela circulam
diariamente milhares de veículos, incluídos os
ônibus urbanos e os trens que fazem a ligação
entre as duas regiões metropolitanas de Sydney.
Aos turistas não avessos às alturas, a
administração da Harbour Bridge oferece a
oportunidade de um passeio ao seu ponto
66

culminante, de onde se pode vislumbrar toda a


extensão da cidade, embora essa aventura se
apresente salgada em termos de custo.
Inaugurada em 1932, temporariamente eclipsou
o fervilhante movimento dos transeuntes pelo
Circular Quay, como é denominada a larga
área compreendida entre o mar e os prédios
que, já naquela época, projetavam a
concentração de arranha-céus hoje existente a
algumas dezenas de metros da ponte; e b) o
Opera House, construção inigualável em
originalidade e pompa arquitetônica, cujo
desenho procura imitar a pujança e a forma de
velas ao vento, sem qualquer entrave da
arquitetura tradicional. Trata-se de um conjunto
de salas para espetáculos musicais e teatrais,
67

restaurantes e áreas destinadas a exposições de


artes visuais, oficialmente inaugurado em 20 de
outubro de 1973, durante visita da Rainha
Elizabeth II. Esse complexo arquitetônico
dispõe de aproximadamente 1.000 divisões
internas, nelas incluídas a sala de concertos
com 2.690 assentos, o teatro para óperas com
554 assentos, e um espaço destinado a
atividades infantis com 398 assentos
Quanto a Circular Quay, trata-se de um
largo espaço onde se concentram cafés,
restaurantes de fast food, quiosques dedicados
a informações turística e venda de souvenirs,
pontos iniciais de linhas de ônibus destinadas a
quase todos os subúrbios, e acesso ao
transporte ferroviário, além das estações de
68

embarque e desembarque dos ferry boats,


bastante procurados por turistas e caravanas
escolares rumo ao zoológico de Taronga ou à
praia de Manly. É em volta de Circular Quay
que estão concentrados os mais altos edifícios
de Sydney, notadamente luxuosos hotéis e
sedes de importantes empreendimentos
comerciais e financeiros atuantes no país.
Nessa área, o espírito de Sydney pode ser visto
em toda a sua exuberância e energia, para usar
as palavras da aludida Lucy Hughes Turnbull.
Nos dias úteis é possível distinguir turistas e
gente a caminho do trabalho, estes pelo passo
mais apressado, ou de volta pra casa; mas
mesmo nesses dias não está afastada a hipótese
de o visitante ver-se surpreendido com a
69

exibição, hoje em dia bastante rotineira em


muitas cidades, das estátuas humanas, esses
imobilizados e solitários saltimbancos, ou a
apresentação de um bom jazz ao estilo New
Orleans, prazerosamente executado por
abnegados músicos na espera de que o estojo
do saxofone mereça ao menos algumas
pingadas moedas.
Complementando o quarteto emblemático
de Sydney está The Rocks, a mais antiga área
residencial da cidade cujo nome (as rochas)
vem do fato de o local, ao tempo da chegada
dos primeiros colonizadores, constituir-se de
grandes blocos rochosos de sandstone,
formação mineral composta de areia, quartzo e
hematita em cor amarelo-âmbar e que faz
70

praticamente parte de todas as antigas obras de


construção civil da Austrália, visível também
nos cortes longitudinais de colinas, às margens
de estradas e em reforços de encostas. O local
contém alguns vestígios intactos da primitiva
Sydney, mostrando como a cidade era no
século dezoito, uma autêntica urbe antecessora
da Revoluçāo Industrial, plena da mesma
sandstone, cuja abundância na cidade permitia
que a maioria das habitações proletárias fossem
erguidas com essas pedras.
3.4: The Argyle Cut
Percorrer a pé os quarteirões circunscritos
entre The Rocks e Cumberland Street, situados
a oeste de Circular Quay, é um passeio dos
mais agradáveis para quem aprecia ver as
71

originalidades oferecidas pelas inúmeras


lojinhas dedicadas especificamente aos turistas
de cruzeiros marítimos provenientes dos
transatlânticos atracados no bem próximo
terminal marítimo internacional. Há na região
um certo ar de sofisticação e informalidade
provocado por uma clientela naturalmente
provida de maiores recursos financeiros, se
comparada aos freqüentadores dos aeroportos;
e para o atendimento de suas preferências mais
refinadas, ali estão elegantes cafés e
restaurantes, lojas de souvenirs com esmerados
produtos, e o Museu de Arte Contemporânea. O
nome Argyle Cut provém do trabalho
executado por convictos iniciado em 1843, que
redundou na ligação da hoje denominada Kent
72

Street à enseada de Sydney Cove, por entre as


grandes rochas amarelo-âmbar ali
predominantes, corredor esse precisamente
denominado Argyle Street. Entre o terminal
marítimo e o Museu de Arte Contemporânea
está a Cadman’s Cottage, habitação erguida
entre 1815 e 1816 pelo prisioneiro John
Cadman, considerada a remanescente mais
antiga das construções feitas em Sydney pelos
colonizadores, a qual dá idéia da escala
utilizada pelos britânicos na arquitetura
empregada nos primórdios do século dezenove.
Detalhe bastante exemplificativo da extrema
rigidez do sistema judicial inglês da época, em
decorrência do que a Inglaterra contava com
um excessivo contingente de encarcerados, é o
73

fato de o aludido Cadman ter sido degredado


para a Austrália no cumprimento da pena de
prisão perpétua pelo roubo de um cavalo.
3.5: O centro da cidade
É difícil alguém se perder no centro de
Sydney, assim considerada sua extensão
latitudinal desde Circular Quay até Central
Station, unidos tais pontos pelas George Street
e Elizabeth Street; enquanto em longitude pode
ser delimitada a extensão entre Darling
Harbour a oeste e Kings Cross e Surry Hills,
no extremo leste, ficando ao centro o Hyde
Park. Esse largo e arborizado parque abriga, à
hora do almoço, funcionários e empregados dos
mais diversificados serviços comerciais e de
prestação de serviços cujos estabelecimentos se
74

situam em suas cercanias, para


descontraidamente saborear seus sanduíches,
refrigerantes, ou capuccinos, sentados sobre a
grama. Outros aproveitam seus momentos de
lazer no tradicional jogo de xadrez com pedras
gigantes; não faltando ainda os grupos de
turistas a fotografar em torno da Archibald
Fountain, ou diante da fachada da imponente
St. Mary’s Cathedral, a maior e mais
imponente obra australiana no estilo gótico. O
atual templo teve no mesmo local um
antecessor, destruído por um incêndio em 1865,
e a atual estrutura foi iniciada no ano seguinte,
ficando a catedral totalmente reformada em
1928, após sucessivas etapas, com acréscimos e
modificações. Compõem ainda a moldura
75

histórica e artística do parque a Igreja de St.


James, na King Street, inaugurada em 1822, e a
Grande Sinagoga, projetada por Thomas
Rowem , faceando a Elizabeth Street por
detrás de seus espetaculares portões de ferro.
Ocupando parte da área sul do Hyde Park está
o Anzac Memorial, museu consagrado à
memória das dezenas de milhares de soldados
australianos mortos na batalha de Gallipoli, na
Turquia, durante a I Guerra Mundial. A sigla
Anzac nasceu da união dos exércitos
australiano e neozelandês -Australian and
New Zealand Army Corps. Para muitos
australianos,a data desse desastre bélico – 25
de abril de 1915 - deveria substituir a da
chegada da Primeira Esquadra – 26 de janeiro
76

de 1788 – como o verdadeiro Australia Day,


posto que embora em Gallipoli haja ocorrido
um massacre (debitável a um erro estratégico
do comando britânico, no dizer de quem
preferiria tal substituição) , o fato ficou
entranhado na memória popular como
inesquecível dedicação patriótica, ao passo que
a chegada da esquadra do Almirante Phillip
com os seus convictos melhor ficaria lembrada
como mais uma das investidas imperialistas da
Grã-Bretanha do século XVIII, então a si
mesma denominada de A Rainha dos Mares.O
assunto é bastante controverso e não cabe a um
mero visitante julgar, mesmo considerando que
talvez, sem a intenção de permanência dos
ingleses, não se poderia afirmar como a
77

Austrália nasceria.
Bem defronte ao Hyde Park, para quem
caminha na direção oeste e entrando pela
Market Street, está o acesso à Centrepoint
Tower, o ponto mais alto de Sydney e que pode
ser avistado mesmo a partir dos subúrbios
afastados do centro da cidade. Sua altura total é
de 305 metros, dispondo de um terraço para
observação de toda a cidade a 252 metros.
Pelas leis atualmente vigentes para altura
máxima de prédios a construir, a Centrepoint
Tower não obteria licença para o seu
erguimento, mas o fato é que ela está ali e,
depois do Opera House e da Harbour Bridge,
nada a suplanta como outra imagem típica da
cidade.Ainda caminhando para oeste a partir do
78

Hyde Park e a três quarteirões de distância está


a George Street, a mais rica em variedade de
comércio varejista e uma das maiores ruas da
parte central da cidade, através da qual circula
em ida e volta a maioria dos ônibus cujas linhas
têm como um dos seus pontos extremos a área
de Circular Quay. Pontificam nessa via, em
matéria de qualidade e vetustez arquitetônica,
lembrança histórica e monumento religioso,
três importantíssimas construções, todas elas
datando da segunda metade do século XIX, a
saber: o Sydney Town Hall, projetado por J.H.
Wilson, cujo trabalho foi completado pelo
denominado Arquiteto da Cidade, Albert Bond,
em 1869. Sua total construção somente foi
concluída em 1889, e lutas políticas derivadas
79

de desentendimentos entre o governo da então


colônia New South Wales e vereadores
marcaram sua história, cuja utilidade
primordial, a exemplo dos demais de mesmo
nome existentes para cada um dos councils
(regiões administrativas) é em princípio sediar
a municipalidade; vindo em seguida,
principalmente se levado em consideração o
movimento cotidiano de transeuntes através
seus corredores e galerias com sofisticados
cafés e lojas, o Victoria Building, para os mais
conservadores cidadãos, o Queen Victoria
Markets. Trata-se de um maravilhoso trabalho
arquitetônico pertencente ao período da Rainha
Victoria, constando de sua história ter ele
nascido da escolha, pelo prefeito da cidade de
80

Sydney, feita entre quatro desenhos do


arquiteto George McRae. O projeto escolhido o
apresentava dentro dos moldes do chamado
estilo Romanesco, então considerado em moda
nos Estados Unidos. Esse grandioso e elegante
prédio foi completado em 1898, embora tenha
sofrido modificações cuja efetivação somente
se concluiu no ano de 1935. Para quem aprecia
transitar em ambientes que transmitem o
glamour e a fantasia do século XIX, não existe
nada melhor em Sydney do que sentar-se em
um de seus cafés interiores e, talvez, arriscar
alguma compra de CDs de magnífica
qualidade, livros de arte, jóias e bijuterias finas,
ou vestidos da temporada e camisas assinadas
pelos mais famosos costureiros europeus em
81

seu diversificado comércio interior. A terceira e


última construção a merecer especial interesse
na George Street, mas nunca a menos valiosa,
é a Catedral St. Andrew, situada na esquina
com a Bathurst Street e a poucos passos do já
comentado Town Hall. Seu arquiteto foi
Edmund Blacket, que incorporou ao seu
trabalho um prévio projeto de autoria de James
Hume e Bishop William Broughton. A maior
parte dessa catedral foi concluída em 1868,
mas como conseqüência do alargamento da
George Street, modificações foram
introduzidas, cujo projeto de Leslie Wilkinson
somente pôde ser terminado em 1949.
Este passeio pela George Street abaixo
termina em sua confluência com Pitt Street e
82

Lee Street, estando à esquerda o Belmore


Park, fronteiriço ao gigantesco complexo em
sandstone da Central Station, e à direita, com
acessos pelas Barlow Street e Rawson Street a
área conhecida como Chinatown, onde
pontifica o denominado Haymarket com vários
quarteirões e galpões dedicados ao comércio
dos mais variados gêneros imagináveis e a
preços populares.Percorrido esse trajeto, a
opção é o corredor para pedestres localizado
abaixo das linhas férreas e da própria estação
Central, atingindo a Elizabeth Street, por onde
se pode fazer o caminho de volta rumo ao
Hyde Park e Circular Quay, completando
assim o retângulo onde se encerra o miolo do
centro de Sydney; mas para quem pretende
83

conhecer uma outra face da mais importante


metrópole australiana, onde se encontram às
claras e sem quaisquer subterfúgios aqueles
aspectos provocantes e alheios a críticas morais
referidos em 3.2 , o caminho é o leste pela
Liverpool Street, com a qual se confronta o
lado sul do Hyde Park, ou um pouco mais ao
norte, pela William Street, onde o mesmo
parque está bipartido. A Liverpool muda de
nome para Oxford Street logo após seu
cruzamento com a Elizabeth Street, e a alguns
quarteirões adiante está a mal afamada Taylor
Square, aos mais incautos nunca aconselhada;
enquanto que a William Street conduz
diretamente a Kings Cross, cujas aprazíveis e
arborizadas ruas de fachadas em autêntica art
84

nouveau, trazem porém, desde a primitiva


urbanização de Sydney, a marca indelével de
um cenário de tráfico de drogas, lenocínio e
corrupção policial.
Fechando o retangular núcleo da cidade,
ainda por seu lado leste, está a imensa área
verde denominada Domain. Ali se encontram a
Art Gallery of New South Wales, prédio em
estrutura clássica projetado por W.L.Vernon em
1896, espaço que tem servido para exposições
de importantes artistas plásticos; a History
House, atual sede da Real Sociedade Histórica
Australiana, cujo prédio de quatro pavimentos,
feito em sandstone, é um dos poucos exemplos
remanescentes das graciosas mansões da
segunda metade do século XVIII, datando sua
85

construção do ano de 1852; a sede do


Parlamento do Estado; a Livraria Estadual; e a
Casa do Governo, defronte do gracioso Royal
Botanic Garden, cujas árvores de larga escala
se constituem em um apreciável contraste com
os perfis em concreto, vidro e aço dos edifícios
vislumbrados na linha do horizonte, sobre a
outra borda da Sydney Cove. Para quem
aprecia fotografar paisagens onde o lírico e o
concreto se fundem, as magníficas copas desse
jardim botânico e as ousadas formas
arquitetônicas dos altos prédios no entorno de
Circular Quay são um modelo de primeira
grandeza, a ele somadas as convexas coberturas
do Opera House. Visitados os cenários,
parques, logradouros e recantos aqui em
86

rápidas palavras descritos, o visitante poderá


com certeza afirmar que conheceu o centro de
Sydney e os pontos mais representativos dessa
cidade, nunca sendo demais lembrar que uma
travessia da enseada seria tarefa das mais
recomendáveis se a intenção for o
conhecimento de magníficas áreas residenciais,
com o predomínio de mansões cercadas por
bem tratados jardins no melhor estilo
hollywoodiano. Falando ainda em conhecer um
pouco mais além da área compreendida entre a
Central Station e Circular Quay, um passeio
de ferry boat trará ao visitante a oportunidade
de ver Manly e sua praia cercada de refinados
cafés com mesas ao ar livre, reduto da
juventude bronzeada de Sydney, ou talvez
87

visitar o bem tratado zoológico de Taronga, a


cinco minutos de travessia.
4) Trânsito e transportes públicos

Causa estranheza a quem visita a


Austrália o sistema de transportes públicos,
notadamente quando o recém-chegado ingressa
em um ônibus onde, acima de tudo, imperam a
88

calma e, por que não dizer, uma certa lerdeza


da parte dos passageiros no embarcar e
desembarcar, tudo bastante diferente do usual
em outras partes do mundo onde existe a pressa
e comumente o desrespeito mútuo entre
motoristas e passageiros. Bem diferente do
canguru, o saltitante e veloz marsupial cuja
imagem está ligada à Austrália em todo o
mundo, os ônibus circulam neste país de uma
maneira mais apropriada à comparação com
uma tartaruga, sem contar que os intervalos
entre um carro e outro da mesma linha podem
alcançar vinte minutos ou até mais, espaço de
tempo que pode ser abreviado para algumas
linhas nas chamadas horas de rush. Convém
entretanto uma palavra de elogio quanto à
89

maior segurança que a pouca velocidade


proporciona aos usuários, notadamente os
idosos, habituados a ingressar lentamente nos
coletivos, sacar da carteira o dinheiro da
passagem para a compra do ticket especial dos
aposentados, e pachorrentamente buscar
assento, tudo isso sem uma palavra de protesto,
tanto dos demais passageiros quanto dos
habituadíssimos motoristas. Os horários dos
ônibus são afixados nos pontos de embarque,
disponíveis também em folhetos editados pela
concessionária pública desse transporte. Esses
informativos podem ser encontrados em
algumas farmácias, bancas de jornais e postos
especiais montados para sua distribuição
gratuita. A maioria dos pontos de ônibus dispõe
90

de bancos de espera, alguns deles cobertos.


Existem ônibus dotados de portas com
plataformas móveis, prontas para serem
baixadas até o nível do meio-fio a fim de
permitir o embarque e desembarque dos
carrinhos de bebês e cadeiras de rodas para
deficientes físicos; constando informado nas
tabelas de horário as horas de chegada desses
veículos especiais, que desafortunadamente
para os usuários carecedores de tal vantagem
ainda são minoria dentro de toda a frota.
Detalhe que não pode passar em branco a
respeito dos ônibus é o alto espírito de
solidariedade e utilidade pública demonstrado
pelos motoristas, que na eventualidade de
algum enguiço na máquina de registro e venda
91

dos tickets, permitem que os passageiros


ingressem no veículo e sigam até seus destinos
sem desembolsar um centavo, predominando
pois a filosofia de que o cidadão precisa viajar
e não lhe cabe culpa se por um defeito
mecânico a passagem não pode ser vendida.
Outra característica dos condutores desses
coletivos está na boa vontade geral para
esclarecer ao passageiro a respeito de alguma
dúvida quanto ao itinerário do coletivo, ou
recomendar-lhe o melhor ponto de
desembarque.
Os trens de passageiros são compostos de
comboios de seis ou oito vagões, todos com
dois andares, alguns dispondo de ar
condicionado, mas ao contrário dos ônibus não
92

podem ser aquinhoados com elogios quanto à


segurança física e tranquilidade dos
passageiros, notadamente em viagens noturnas,
quando nunca é desprezível a hipótese de o
passageiro ser agredido por bêbados ou, em se
tratando de uma passageira, sofrer uma
tentativa de agressão sexual, panorama
infelizmente predominante nas grandes cidades
de qualquer país do mundo, pelo qual a
Austrália não merece condenação antecipada;
até porque todos os trens contam com a
vigilância de um fiscal postado à porta de um
dos vagões. A esse funcionário cabe a tarefa de
vigiar, à noite, o embarque e o desembarque de
pessoas em atitudes suspeitas, vigorando a
recomendação do sistema responsável pelo
93

tráfico ferroviário de os passageiros noturnos


darem preferência ao vagão onde o vigia se
encontra, indicado por uma lâmpada azul
afixada por sobre a respectiva porta.
Entretanto, em matéria de rapidez, é o meio de
transporte preferido por quem trabalha e tem
compromisso de horário, e em todas as
estações funciona com eficiência um quadro
eletrônico onde são informadas as paradas de
cada comboio e a hora de chegada do próximo
trem; e as portas somente são fechadas após o
aviso correspondente, coadjuvado em estações
de grande movimento pelo sinal de bandeira
dado na plataforma por um fiscal e um apito
soprado pelo já referido guarda de segurança.
As estações ferroviárias de maior afluência de
94

público dispõem de máquinas opcionais para a


venda de passagens, o que permite aos
usuários, nas horas de maior procura, utilizá-
los para evitar as filas junto aos guichês.
Quanto ao tráfego nas principais vias de
acesso ao centro da cidade de Sydney e demais
áreas urbanas de grandes concentrações
comerciais e industriais, os automobilistas
ainda não conhecem os quilométricos
engarrafamentos bastante comuns nas grandes
metrópoles do exterior. É interessante assinalar
que nas ruas, avenidas e estradas australianas
não existem guardas de trânsito, ausência que
de maneira alguma torna difícil a solução de
um ou outro problema ocasionado por
acidentes ou enguiços repentinos de veículos.
95

Na hipótese de algum acidente grave, ou


mesmo incidentes por desacordo entre
motoristas, a chegada de uma viatura policial
nunca se faz tardar. É notável a desenvoltura
com que pessoas idosas se põem atrás de um
volante para dirigir pelas vias urbanas e
rodovias australianas, onde muito raramente
aparecem motoristas viciados em mudar de
faixa de rolamento, dando as chamadas
“cortadas”, principais causadoras de graves
acidentes de trânsito; e para um motorista
familiarizado com a indisciplina imperante em
outros lugares, pode até parecer coisa de
ingênuo a expressa obrigatoriedade do
acionamento das luzes indicadoras de
conversão de rumo do veículo, mesmo em vias
96

de pouco movimento, cujo descumprimento é


punível com multa e perda de pontos na
carteira de habilitação. Mesmo os ciclistas são
obrigados a essa sinalização, que neste caso é
praticada com o braço.
Detalhe importantíssimo concernente às
bicicletas é a obrigatoriedade do uso de
capacete, da qual não estão isentas as crianças,
até mesmo quando montando velocípedes. Nas
encruzilhadas sujeitas a grande movimento de
tráfego estão os roundabouts, procedimento
copiado do trânsito inglês que consiste na
colocação de ilhas levemente superiores ao
nível da pavimentação, algumas como se
fossem jardins redondos, adornados com flores
da estação e forçando os motoristas a contorná-
97

las para evitar os tão perigosos choques em


vias perpendiculares. Quanto aos pedestres, em
todos os cruzamentos existem sinalizadores
mecânicos colocados nos poste e ao alcance da
mão, para que o pedestre aperte um botão e
assim faça funcionar a luz verde a seu favor, no
devido tempo. Tal recurso permite aos
deficientes visuais conhecer a hora exata da
travessia, pois enquanto transcorrem os
segundos necessários para que o sinal seja
aberto a seu favor, o aparelho colocado
permanece emitindo impulsos intermitentes, e
quando a luz verde é acesa o som mecânico
muda de intensidade, em ritmo acelerado, com
isso avisando ao pedestre que chegou a sua vez
de efetuar a travessia. Em ruas e avenidas onde
98

não existem tais sinais mecânicos, estão


postadas faixas próprias para travessia, as
pedestrian crossing, inclusive nas vias
suburbanas de pouco tráfego, devidamente
assinaladas e precedidas dezenas de metros
adiante de avisos sobre a existência de cada
uma, a fim de prevenir os motoristas de que
devem ir diminuindo a velocidade a tempo de
evitar freiadas bruscas; e nas cercanias de
algumas escolas a sinalização costuma ser
reforçada por um funcionário do Council
(órgão administrativo regional) postado junto
ao meio-fio a exibir uma placa com o aviso de
existência de escola nas proximidades.
Infelizmente, como falhas humanas podem
acontecer até diante dos mais rígidos e
99

vigilantes sistemas de controle do


procedimento humano, acidentes com crianças
durante a travessia de ruas podem acontecer,
mas quando isso ocorre a opinião pública é
presa de grande comoção, propalada com
destaque pela imprensa, o que acima de tudo
comprova que a segurança das crianças é
tomada verdadeiramente a sério pelos
australianos.
A orientação para quem necessita atingir
qualquer logradouro público, seja de ônibus ou
de trem, ou até mesmo conjugando esses dois
meios de transporte coletivo, pode ser tomada
pela consulta a mapas onde estão informados
os itinerários em cores distintas das diversas
linhas, e a localização das estações de trens;
100

sendo que em Sydney esse apoio é aprimorado


por um serviço de utilidade pública disponível
as 24 horas do dia (Infoline), pronto para
informar o melhor meio de ser atingido
determinado endereço, ainda que seja uma
ruazinha não servida diretamente por qualquer
transporte público.
O observação da adequada mão de
direção ocorre até nas escadas (comuns ou
rolantes), corredores e quaisquer outras
passagens para pedestres, devendo ser
obedecida a chamada “mâo inglesa”, sob pena
de o infrator ter que ouvir reclamações, às
vezes bem iradas, ainda que antecedidas pelo
usual “excuse me!”. Nas escadas ou esteiras
rolantes existentes nas estações ferroviárias
101

sujeitas a grande afluência de público, essa


norma de o lado direito ficar desimpedido é de
capital importância, o que permite aos
passageiros mais apressados subirem ou
descerem livremente e independentes da
condução mecânica.

5) A mídia australiana

Ratificando o desinteresse mostrado pelo

australiano para com o que ocorre além mares

– melhor dito assim porque a Australia é uma

imensa ilha e, por conseguinte, não faz

fronteira com país algum — os meios de

comunicação do país pecam por um raquitismo


102

nada condizente com o que se espera de uma

nação integrante do chamado primeiro mundo.

Via de regra, os jornais se limitam ao mundo

esportivo interno (cricket e rugby

especialmente), às notícias policiais de maior

impacto, aos fenômenos meteorológicos como

os anualmente previsíveis incêndios nas matas,

a um ou outro escândalo de corrupção, às

fofocas em torno de astros de Hollywood de

alguma forma ligados à Australia, e notícias

pertinentes às inúmeras etnias integrantes da

população. O que consegue romper o


103

isolamento da imprensa australiana diante o

mundo exterior são os fatos ligados à familia

real britânica, pois afinal de contas o país

integra a Commonwealth, e de uma certa

maneira o australiano ainda não teve

sentimentalmente seu umbigo separado da mãe

inglesa, tendo em vista que até o ano de 1901

(quando o país se tornou uma federação) a

Austrália não possuía exército nem bandeira, e

sequer uma política exterior própria.

Tradicionalmente, os informativos televisivos

das principais cidades do mundo se dividem


104

entre os acontecimentos locais, nacionais e

internacionais, o que, entretanto, não ocorre

com a televisão australiana, que prefere se

manter dentro de um espírito mais provinciano,

abordando questões internas onde às vezes o

sensacionalismo se mescla ao orgulho nacional,

como sucedeu recentemente diante as mortes

trágicas de Steve Bindi, o conhecido “Caçador

de Crocodilos”, e do automobilista Peter

Broke, ou na paralização por quase uma

semana de uma pequena cidade da Tasmânia,

presa de ansiosa expectativa em torno da sorte


105

de dois trabalhadores soterrados em uma mina

da localidade. Uma particularidade acerca da

face interiorana dos meios de comunicação do

país é o desdobramento que envolve a morte de

personalidades públicas, pois o necrológio

costuma ocupar à saciedade os noticiários por

dias e dias, considerando que na Austrália é

praxe o sepultamento ser realizado quando já

decorridos às vezes até mais de sete dias desde

a morte.

Exemplo marcante desse costume de a

imprensa local importar—se quase que


106

exclusivamente com os sentimentos e o

interesse do povo australiano ocorreu durante

as Olimpíadas de 2000, realizadas em Sydney,

quando o canal de televisão dono do direito de

transmissão de todos os jogos concentrou—se

exclusivamente nas provas onde eram grandes

as possibilidades de os atletas australianos

obterem medalhas; daí que as provas de

natação obtiveram a maior parte do tempo

reservado à cobertura do evento, eis que

indubitavelmente a Austrália é um celeiro de

excelentes nadadores. Ocorreram detalhes


107

curiosíssimos nas resenhas apresentadas após

os jogos onde a vitória não sorriu para os

atletas da casa, como por exemplo a

reprodução da filmagem do único gol marcado

pela equipe australiana de futebol feminino em

uma partida onde foi derrotada, sem que a

reportagem se importasse em exibir ao menos

um gol sequer do time vencedor.

Não se pode dizer que a televisão aberta

australiana seja um primor de diversidade e

técnica jornalística, pois dos seis canais

atualmente em operação cinco praticamente se


108

igualam em programações pautadas em

culinária, notícias nacionais e locais,

transmissões esportivas (cricket, rugby e

football association), e concursos com

distribuição de elevados prêmios em dinheiro,

nos quais aflora o amor do australiano pelo

jogo, plenamente livre no país e praticado

convulsivamente em cassinos, clubes sociais e

pubs. A exceção fica por conta do SBS – Canal

1, cuja programação dedica substancial espaço

aos interesses das maiores etnias alienígenas

habitantes da Austrália, em cujo quadro de


109

jornalistas figuram nomes de primeira linha, e

onde programações de alto nível podem ser

encontradas, tais como entrevistas de cunho

cultural, político e social, exibições de filmes

de boa qualidade artística, e reproduções de

espetáculos diversos produzidos no país ou no

exterior.

Um detalhe interessante, ainda a respeito

da televisão mas contando pontos a favor da

democracia, são as transmissões ao vivo das

sessões do Parlamento, realizadas

semanalmente de segunda a quinta—feira


110

(Parliament Question Time) entre as duas e três

horas da tarde pela ABC — Canal 2. Trata—se

de um bom exemplo de transparência

governamental, pelo qual os cidadãos têm a

oportunidade de acompanhar o desempenho

dos políticos, estaduais e federais, colocados

nas casas legislativas através o voto popular,

que na Austrália é obrigatório, não ficando

isentos sequer e os debates de que participa o

Primeiro Ministro.

As rádios (AM e FM) tampouco

enveredam por caminhos estranhos à televisão


111

quanto à prioridade absoluta das matérias

concernentes ao interesse australiano; e a

exceção, mais uma vez, fica por conta da

mesma SBS detentora do Canal 1 de televisão,

com programações musicais direcionadas às

diversas colônias estrangeiras. Mas quanto às

demais, intercalam programas dedicados à

denominada música pop e ao rock com notícias

locais e nacionais, algumas vezes alcançando

os conflitos bélicos no Iraque e Afganistão,

exceção sem dúvida creditada ao fato de a

Austrália estar com tropas de intervenção


112

naqueles países, mantida que está sua

tradicional posição de principal aliada dos

Estados Unidos da América em questões de

política internacional.

6) Aborígenes: um capítulo
delicado
Segundo The Encyclopaedia of
Aboriginal Australia, publicada pela
Aboriginal Studies Press para o Australian
Institute of Aboriginal and Torres Strait
Islander Institute (1994) sob a edição geral de
David Horton, os aborígenes da Austrália
habitam-na “há mais de 18 milhões de dias”, e
sua convivência com a população não-indígena
113

tem sido assaz traumática, a contar desde o


desembarque dos primeiros europeus no
continente australiano, os holandeses, em 1606,
no Golfo de Carpentaria, ao norte do país.
Outras tentativas de colonização por parte
desses mesmos estrangeiros ocorreram em
1623 e 1642, nesta última oportunidade ao sul,
quando Abel Tasman descobriu a ilha que
afinal dele herdou seu nome, Tasmânia, hoje
um estado insular da Austrália. Mas a
desigualdade de forças em armamentos nunca
impediu que os primitivos habitantes
enfrentassem os invasores desejosos de se
apossar do que aparentava ser um
prolongamento da América do Sul, para eles
quiçá o caminho de terra firme rumo ao tão
114

sonhado El Dorado, erro explicável pelas


precárias cartas marítimas de que dispunham os
navegantes à época.
No dizer de Deborah Bird Rose, incluído
em elucidativa coletânea editada por Bain
Attwood & S.G.Foster ( Frontier Conflict –
The Australian Experience) “ao vencedor
pertencem os despojos, e um dos despojos da
guerra é a narrativa; e se os vencedores optam
por erradicar histórias outras que não as de si
próprios, frequentemente eles têm força para
tanto”. Esse poder a que se refere a autora pode
ser facilmente constatado quando o visitante
procura alguma placa comemorativa sobre
Pemulwuy, o nativo cujo nome foi dado a um
pequeno parque situado em Redfern, subúrbio
115

onde vive o grosso da população aborígene de


Sydney; eis que na verdade o triunfo britânico
sobre a resistência dos primitivos habitantes do
continente australiano praticamente raspou da
memória do país a figura de quem é
considerado, entre o povo aborígene da
Austrália, um lutador pela liberdade das tribos
que desde os primórdios da raça humana
viveram no que foi Gondwana, a grande massa
de terras de 40.000 anos aC, de onde se
desprenderam a Austrália e a Nova Zelândia,
somente visitadas por alienígenas nos
primórdios do século XV dC.
Mas ainda com apoio em Deborah Bird
Rose, vale salientar suas próprias palavras –
“contudo, a própria História é um exercício
116

sábio que pode se opor ao poder erradicador da


memória” -, visto que alguns fatos da
resistência ferrenha de Pemulwuy e seus
liderados ultrapassaram, através principalmente
as memórias e narrativas de seu próprio povo,
as barreiras éticas, políticas e imperialistas dos
conquistadores britânicos; sendo hoje sabido
que apenas por falta de comunicação entre os
governadores da colônia e a coroa britânica, o
intento inglês em manter a Austrália em seu
império não foi abandonado, pois as sucessivas
derrotas sofridas pelos conquistadores frente
aos aborígenes liderados por Pemulwuy
atingiram graus de desmoralização para os
conquistadores. Tamanha era a ira e o
desespero dos britânicos que até mesmo
117

tentadoras ofertas de recompensa para quem


capturasse o líder nativo foram oferecidas,
como exemplifica David Dale em The 100
things everyone needs to know about Australia,
transcrevendo uma das notícias propaladas por
um dos governadores de New South Wales com
o objetivo de atrair a cobiça de quem se
dispusesse a caçar o guerrilheiro aborígene –
“20 galões de aguardente, dois trajes novos
para um homem livre, e para quem já estiver
em livramento condicional, perdão total e
recomendação de uma passagem para a
Inglaterra”.
Pemulwuy foi afinal morto em 1802,
quando liderava mais um ataque contra os
colonizadores, e teve a cabeça decepada a
118

golpes de sabre, conservada em álcool e


posteriormente remetida em um jarro para o
botanista Joseph Banks, em Londres, com a
inscrição de tratar-se de um espécimen da
“fauna” local. Foi certamente a maneira mais
apropriada surgida para os conquistadores de se
vingarem por tantas derrotas e, ao mesmo
tempo, extravasarem seus sentimentos racistas
em relação àqueles seres que tão tenazmente a
eles se opunham. A maior batalha entre os
aborígenes comandados por Pemulwuy e as
forças britânicas aconteceu em Parramata, New
South Wales, junto ao rio do mesmo nome, mas
nenhuma indicação ou placa existe no local,
exatamente porque ao vencedor pertence o
direito de escrever a sua história. A memória
119

dos choques entre os colonizadores britânicos e


os aborígenes australianos possui exemplos
significantes de sangue, violência e aberrações
praticadas contra cadáveres de nativos mortos.
Keith Windschuttle (The Fabrication of
Aboriginal History, vol. I, Macleay Press,
2002, Sydney) reproduz o primeiro parágrafo
da reportagem assinada por dois jornalistas do
Wall Street Journal de 21 de agosto de 2000,
ano em que a Austrália sediou os vigésimos-
sétimos Jogos Olímpicos. Narrou aquele jornal
norte-americano o episódio sucedido na
Tasmânia em 1804, denominado de O
Massacre de Risdon Cove pelos jornalistas;
nele, um grupo de nativos, incluídas mulheres e
crianças, quando perseguiam alguns cangurus,
120

deparou-se com soldados ingleses, que não


tiveram dúvidas em disparar tiros de canhão
contra os aborígenes, causando
aproximadamente umas 50 mortes, sendo os
corpos recolhidos e salgados para estudos
antropológicos no Reino Unido. O citado autor,
claramente contrário a versões como a do Wall
Street Journal, ataca-as de exageradas, as quais
em seu bojo ocultariam provocações de cunho
político destinadas a desacreditar a democracia
australiana durante as Olimpíadas de 2000,
enquanto autores de renome aludem ao
incidente como o sinal primeiro para o
extermínio dos aborígenes da Tasmânia.
Oficialmente, os aborígenes somam dois e
meio por cento da população australiana,
121

número certamente passível de ampliação se


acrescido dos denominados half-caste, termo
inglês largamente utilizado na Austrália em
referência às pessoas de ascendência anglo-
australiana mesclada à aborígene. Abordar
aspectos da vida, origem e participação dos
aborígenes na construção do país exige, antes
de tudo, apurado tato para que antigos mas
ainda vivos preconceitos e mágoas não venham
inesperadamente à tona, causando assim
dissabores ou mesmo rejeições ao incauto
inquiridor. Historiadores se dividem no
levantamento de fatos e aspectos relacionados
com a conquista do território australiano pelos
britânicos; alguns comparam a atuação desses
europeus diante da resistência nativa ao modo
122

genocida de Hernán Cortez no México ou


Francisco Pizarrro no Peru, outros rechaçam
com firmeza tais argumentos com a tese de
que, dos embates entre ingleses e nativos
australianos, ferimentos e mortes ocorreram em
ambos os lados, e que explorações de cunhos
filosófico e/ou político sempre buscaram
exagerar a necessária firmeza dos
colonizadores no cumprimento das ordens reais
para a implantação da colônia.
O mencionado episódio de Risdon Cove é
apenas uma dos muitas histórias de massacres
perpetrados pelos colonizadores contra os
nativos australianos ventiladas en acadêmicos
compêndios que têm como tema a formação da
Austrália, a maioria desses fatos tendo por cena
123

a Tasmânia do princípio do apossamento


britânico, em 1803, não faltando quem coloque
os ingleses como autores de um genocídio
equivalente aos dos judeus durante a II Guerra
Mundial, ou ao do povo cambojano sob o
regime de Pol Pot na década de 1970, entre
outros de memória mais recente, além das já
faladas conquistadores espanhois do México e
Peru. Vozes contrárias, outrossim, colocam-se
radicalmente contra essa posição, acusando os
historiadores denunciantes dessas mortes
praticadas por posseiros e militares britânicos
de propalarem teses bizarras e absurdas.
Contudo, aqueles outros tenebrosos
acontecimentos passados ao correr da História
e por terras e nações as mais diversas tiveram,
124

por via de regra, a violência de um povo contra


outro povo, finda a qual os beligerantes se
apartaram atrás de fronteiras quando os
genocidas esgotaram suas forças ou foram
compelidos à retirada diante de pressões
internacionais e/ou se viram derrotados em
campos de batalha por interventores mais
poderosos, como sucedeu com os sérvios face
os bombardeios punitivos da OTAN, quando
afinal abdicaram da matança dos albaneses de
Kosovo. Com os aborígenes da Austrália,
porém, ocorre um fato ímpar, já que, tenha ou
não havido massacres no passado colonial, eles
fazem parte do povo australiano e coabitam
com os descendentes daqueles que, em
compasso com documentos, relatos e
125

depoimentos que datam do início da


consolidação da colônia, além de filmagens e
fotografias de épocas mais recentes, teriam lhes
infligido sofrimentos morais e físicos ao ponto
de reduzi-los a uma pequena e paupérrima
parcela da população de um país considerado
de primeira grandeza. Vencedores e vencidos
são assim, no caso australiano, compelidos a
conviver em um mesmo território – repita-se:
de modo contrário ao ocorrido nas diversas
tragédias de natureza étnica do passado.
Enquanto Keith Windschuttle rechaça
categoricamente as versões em torno de
massacres de nativos pelos colonizadores
britânicos, no outro extremo aparecem não
menos prestigiados historiadores cujas obras
126

mencionam fatos com detalhes acerca de


morticínios perpretados pelos ingleses,
militares ou não, contra os primitivos
habitantes da Austrália, dentre esses escritores
sobressaindo Henry Reynolds, autor de não
menos que dez trabalhos versando sobre a
causa aborígene-australiana, entre elas “Por
que não nos contaram? Uma busca pessoal para
a verdade de nossa história” (1999, edição de
Viking, Ringwood). São estas as palavras de
Reynolds: “Quanto mais eu leio, mais claro
fica que, entre 1900 e 1960, os aborígenes
foram virtualmente apagados da História
Australiana. O ‘Grande Silêncio Australiano’
foi aplicado à nova nação após a Federação e
assim permaneceu por mais de meio século”.
127

Lucy Hughes Turnbull, em Sydney –


Biography of a City, publicado por Random
House Australia em 1990, dá-nos as seguintes
e pungentes palavras a respeito dos nativos
australianos: “A sorte dos aborígenes
australianos desde 1788 é uma questão sobre a
qual muitos australianos não-aborígenes
sentem uma grande dose de responsabilidade
coletiva, ainda que, individualmente, não
tenham tido um papel direto na ação ou
omissão que levou à quase total destruição da
população e cultura indígenas. Outros negam
os menos heróicos elementos da história
australiana e ignoram a extensão que o passado
traz até o presente. Os aborígenes estão hoje,
qualquer que seja o teste, em condições muito
128

piores do que os outros australianos: eles


morrem mais jovens, são mais pobres,
encontram-se mais propensos a enveredar no
crime, no álcool e nas drogas, e estão
desproporcionalmente representados na
população carcerária”.
Nāo cabe a um mero visitante, nestas
notas cujo objetivo é apenas tecer comentários
em torno dos principais aspectos da existência
do povo australiano, vestir a toga julgadora e
apontar para que lado tende a verdade, ou ao
menos uma parcela da verdade; mas o que salta
aos olhos de quem vem à Austrália é o
testemunho da precariedade das condições
físicas e morais dos seus aborígenes, presa que
se encontra o grosso dessa pequeníssima
129

parcela da população do país do álcool, das


drogas e da violência familiar. É impossível
apagar literalmente da história da Austrália a
existência de sua população indígena, até
porque, paradoxalmente e ao contrário da
maioria dos países em que as tradições
culturais (música, artes visuais, artesanato,
lendas) são diversificadas segundo suas
regiões, ascendências e influências exógenas,
este país não é farto em características
exportáveis culturalmente senão o que ele
possui em termos de representatividade ligado
aos seus aborígenes. As lojas de souvenirs
estão sempre fartas de trabalhos manuais dos
nativos, a começar pelo conhecidíssimo
bumerangue e o didjeridu, que é um
130

instrumento musical feito de um longo tronco


de árvore tornado oco, por motivo de fogo ou
corroído por formigas, do qual os aborígenes
extraem sons musicais de apreciável
originalidade. Além desses artefatos, existem as
telas pintadas pelos nativos, com
predominância do negro, amarelo e vermelho,
invariavelmente sublinhadas por inúmeros
pontos brancos, todas transbordantes em
ingenuidade e lamentos pela história de um
povo sofrido e sem perspectivas. Pode-se
afirmar, sem sobra de dúvidas, que tais telas
constituem a primordial característica, para não
dizer a única e atual arte figurativa da
Austrália. Nas festividades escolares, os
professores não têm nada além da apresentação
131

de cânticos e danças dos aborígenes para fazer


tocar nos corações infanto-juvenis algo próprio
do que a nação tem de mais seu, ainda que os
pais e familiares anglo-australianos dessas
mesmas crianças intimamente possam
discordar.
A existência de uma bandeira nas cores
preto e vermelho, com um círculo amarelo ao
centro, hasteada ao lado das representações da
Austrália e do respectivo estado da federação,
faz ver ao visitante que a memória aborígene é
pelos menos suportada pelas autoridades,
enquanto prossegue nos meios políticos a
discussão em torno da necessidade e de como
poderá ser feita a sonhada Reconciliação, em
outras palavras o esquecimento das lutas do
132

passado entre aborígenes e não-aborígenes, e a


cura das seqüelas deixadas, estas últimas, como
é fácil constatar, pesando exclusivamente sobre
a parte mais fraca em representação política,
escolaridade e saúde.
7) Imigrantes
A história da imigração na Austrália está
perfeitamente escrita e documentada para
mostrar que antes de 1901, ano em que a
Austrália foi declarada uma federação (ou
comunidade de estados), a entrada e a vida no
país era um fator de plena insegurança para
qualquer imigrante não-oriundo do Reino
Unido. No dizer de Marie de Lepervanche,
autora do brilhante ensaio Immigrants and
Ethnic Groups, inserido na antologia publicada
133

por Longman Cheshire Pty Ltd. (1984,


Austrália) Australian Society, “A celebração da
etnicidade e a promoção da identidade étnica
são episódios relativamente recentes na história
da Austrália”. A aceitação do ingresso de
estrangeiros na Austrália foi um processo
efetivado em escala ascendente quanto às
inúmeras etnias que se propunham a emigrar
para o país, sendo o portão aberto primeira e
unicamente para os considerados brancos de
origem anglo-saxônica, para depois deles,
paulatinamente, ingressarem os imigrantes
originários do sul da Europa, mesmo assim
sujeitos a severas medidas de controle, hoje
reconhecidas pela opinião pública australiana
como de bases racistas, como informa a
134

referida Marie de Lepervanche: “Hoje,


reconhecemos que a retórica da Austrália
Branca era racista, e que as noções de
assimilação a um modo de vida anglo-
australiano constituía pura ideologia”- pg. 172.
Os asiáticos em geral, com predominância dos
chineses, que iniciaram sua migração para a
Austrália por volta de 1851 durante a chamada
Corrida do Ouro, foram certamente a etnia que
maiores obstáculos e rejeições encontrou por
parte da política de prevalência dos herdeiros
diretos da colonização britânica; e apenas os
aborígenes os suplantam em matéria de
marginalização calcada em valores raciais,
posto que aos últimos faltou a docilidade
asiática no trato com os anglo-australianos, daí
135

sua conhecida história de quase total


aniquilamento físico. Um parêntesis, contudo,
precisa ser feito quando o assunto é aceitação e
entrosamento mútuo entre australianos natos e
imigrantes, sendo estes últimos provenientes do
Oriente Médio e, mais recentemente, do
Afeganistão, posto que a face externa desses
estrangeiros na Austrália tem sido pintada com
tintas nada favoráveis a partir dos atentados de
setembro de 2001 em Nova Iorque. A
generalização, ou o nivelamento por baixo que
põe os “libaneses” (como os australianos
qualificam todos os nacionais dos países
árabes, incluindo até mesmo turcos, egípcios e
iranianos) e os afegãos para arderem na
caldeira reaquecida pelas brazas ainda não
136

extintas do rancor xenófobo e racista modelado


pela Austrália Branca do One Nation Party,
vem claramente enodoando a imagem de
paraíso multirracial que a Austrália logrou
adquirir no mundo, imagem esta que sofreu um
profundo e bastante lamentável arranhão
quando da ocorrência do que ficou rotulado
como o Incidente do Tampa.
Sucedeu que em plena efervescência das
últimas eleições nacionais para a indicação do
nome de quem ocuparia o mais alto cargo
público australiano, o de Primeiro Ministro, do
qual John Howard já então figurava como
titular efetivo e dono de reeleições anteriores,
um cargueiro de bandeira norueguesa, o
Tampa, após ter recolhido em alto mar mais de
137

duas centenas de refugiados de nacionalidades


diversas, predominantemente asiáticos e
indonésios, sobreviventes do naufrágio de uma
frágil embarcação onde os famigerados
traficantes de gente os amontoaram com a
promessas de levá-los a terras onde ficassem
livres de perseguições por motivos políticos,
raciais ou religiosos, viu-se militarmente
impedido de ingressar em águas australianas.
Dando um retrocesso no cumprimento da
Convenção Relativa à Condição de Refugiados
de 1951, ratificada pelo Protocolo Relativo à
Condição de Refugiados de 1967 estipulada
pela ONU, ambos os tratados assinados pela
Austrália, o ministro e candidato à reeleição
para o novo mandato a ter início em 2002
138

pautou seus discursos e comunicados à


imprensa em afirmações de que o desembarque
daqueles refugiados representaria um absoluto
e iminente perigo de o país sofrer graves
violações em sua segurança nacional e o povo
australiano ver-se solapado em suas mais
indisponíveis tradições e liberdades
individuais, apesar de o Tampa, um
transportador de containers, não estar
preparado para acomodar mais de 50 homens e
haver, entre os refugiados recolhidos do
oceano, inúmeros casos de desidratação e
seqüelas outras provenientes da precariedade
do barco em que viajaram. Militares
australianos das forças especiais conhecidas
pela sigla SAS invadiram o cargueiro e
139

constrangeram seu comandante a mudar a rota


do Tampa, sendo todos os pormenores dessa
operação filmados desde helicópteros e
utilizados na televisão com o propósito de fazer
convencer a parcela da população mais
consternada com o drama dos refugiados de
que o recebimento da carga humana do navio
norueguês poderia representar um precedente
para que mais e mais gente de outras etnias
viesse a inundar ainda mais o país, desbotando
a Austrália em sua nacionalidade própria.
Com essa estratégia, amparada com
entusiasmo pelos simpatizantes de um
sentimento nacionalista exacerbado,
subliminarmente injetado na mente da parcela
australiana ainda não etnicamente miscigenada,
140

John Howard logrou a condução a mais um


mandato de primeiro ministro, deixando
perplexa a opinião pública internacional, para a
qual a aceitação pela Austrália de milhares de
refugiados vietnamitas, cambodjanos e
laosianos após o término da Guerra do Vietnãm
e durante os conflitos concomitantes que se
extenderam aos vizinhos Cambodja e Laos
durante a década de 1970 representou um
exemplar ato de solidariedade humana e fiel
cumprimento de um signatário da Convenção e
do Protocolo concernentes a refugiados.
O atentado contra as torres gêmeas do
World Trade Center de Nova Iorque em 11 de
setembro de 2001 e a represàlia norte-
americana com a invasão do Iraque, com a
141

desculpa de destronar o ditador Saddam


Hussein e destruir alegados depósitos de armas
químicas, mais as incursões armadas dentro do
Afeganistão para caçar terroristas diretamente
envolvidos naquele tenebroso ataque à
população civil da mais moderna e rica cidade
da mais poderosa nação do mundo
contribuiram para elevar ainda mais a
temperatura de rejeição e suspeição contra os
genericamente denominados “libaneses” por
parte de setores do governo e da mídia
australiana. Diferente e mais abrangente em
relação à recusa ao desembarque dos boat
peoples recolhidos pelo navio Tampa, o
estudado afastamento físico e cultural
empregado contra as etnias do Oriente Médio e
142

afegãos se faz atuante não apenas contra


aqueles que buscam entrar na Austrália sem um
visto imigratório, mas também contra a
substancial parcela daqueles que já residem no
país. São utilizadas com estudada sabedoria,
para um melhor convencimento da população
de estrutura anglo-australiana, as desculpas da
não-proficiência em inglês de grande parte
desses imigrantes e a excessiva submissão
aplicada às mulheres muçulmanas, detalhe este
que não se harmonizaria com a filosofia
australiana de igualdade entre os sexos e
proibição de qualquer diferenciação entre
pessoas por motivos religiosos e raciais. Não
obstante tantos entraves ao estabelecimento
efetivo e legalizado dos imigrantes na
143

Austrália, injustiça seria afirmar que não existe


futuro na terra dos cangurus para quem nela
busca um horizonte menos aterrador para si e
seus familiares, onde o progresso material
poderá rapidamente ser alcançado. Existem
subúrbios em Sydney cujo comércio se
encontra nas mãos de uma ou duas colônias de
imigrantes, às quais os órgaos da administração
pública regional (councils), bibliotecas e
associações culturais e esportivas dedicam
especial destaque, detalhe fácil de observar nos
folhetos, anúncios e conclamações variadas,
onde as mensagens ou comunicações ao grupo
ético visado sempre vêm em sua língua própria
ao lado do correspondente texto em inglês.
Apenas como exemplos dessa concentração
144

étnica, vale citar os subúrbios de Leichhardt,


onde os italianos se concentraram com seu
tradicional gosto pela cozinha, Petersham,
claramente um bairro português de
convidativos restaurantes, e Marrickville, onde
chineses, vietnamitas e gregos negociam no
comércio de hortifrutas, cozinhas variadas e
prestação de serviços vários; enquanto por sua
vez, o mais internacionalmente conhecido
bairro de Sydney, Bondi, agrupa a colônia
judaica. Por sua vez, imigrantes provenientes
da América Latina ainda não privam de uma
localização geográfica específica e podem ser
inicialmente classificados em dois grupos, a
saber: argentinos, uruguaios e chilenos, em sua
maior parte refugiados estabelecidos na
145

Austrália durante as sangrentas ditaduras


militares que assolaram seus países em finais
dos anos 60 e primeira metade dos anos 70; e o
grupo formado brasileiros, peruanos,
equatorianos, colombianos e alguns nacionais
de repúblicas centro-americanas,
predominando neste grupo de latino-
americanos os denominados overstayers pelas
autoridades de imigração da Austrália, que são
todos aqueles que entram no país com vistos a
prazo fixo (turistas e estudantes em sua maior
porção) e acabam permanecendo no país
clandestinamente, fenômeno migratório filho
bastardo da união entre o capitalismo
exacerbado e a globalização, do qual a
Austrália não é receptor único.
146

Importante aspecto da total integração


dos imigrantes à sociedade australiana é o
oferecimento de intérpretes pagos pelos cofres
públicos para assistência aos que não dominem
o idioma do país. Profissionais plenamente
habilitados e concursados podem ser
contactados através uma central telefônica para
prestarem sua assistência em hospitais,
delegacias policiais e tribunais, desde que o
estrangeiro necessidado esteja em condição
legal dentro da Austrália, sem o desembolso de
um centavo, ou mediante honorários
previamente acertados quando essa assessoria
for destinada a intermediações em consultórios
médicos, escritórios de advocacia ou
contabilidade e hospitais e clínicas particulares.
147

De grande auxílio ainda para o imigrante de


pouca ou nenhuma experiência no manejo da
língua inglesa são determinados avisos e
comunicações que, independente de regiāo,
apresentam-se ao mesmo tempo nos idiomas
das maiores colônias estrangeiras. Nos
hospitais e todos os serviços de saúde
principalmente, os avisos aos usuários
aparecem em grego, italiano, espanhol, árabe,
persa, servo-croata, mandarim, cantonês,
português, macedônio e hindi entre outros. As
escolas, notadamente as públicas, onde é bem
mais expressiva a freqüência de filhos de
imigrantes, dedicam substancial destaque ao
congraçamento das diversas nacionalidades
existentes na Austrália; e o internacional Dia da
148

Harmonia (21 de março) sempre merece


destaque, quando diretores e professores
dedicam à data solenidades especiais para
melhor divulgar entre os alunos o que há de
mais interessante e próprio em cada um dos
diversos países de onde provêm suas famílias.
Aos espanhois e latino-americanos pode caber
um certo orgulho ao observar que o idioma
estrangeiro com o qual o povo australiano
melhor se afina é o castelhano, apesar de a
colônia hispânica perder em números
acentuados para gregos, italianos e asiáticos em
geral. Tal fato pode assustar aos brasileiros em
particular, que sempre tiveram orgulho por sua
música popular ser conhecida nos quatro cantos
do mundo, o que na verdade não ocorre na
149

Austrália, onde a salsa, o merengue, a rumba e


outros ritmos cantados em espanhol não
deixam margens para canções do Brasil,
principalmente os seus versos.

8) A casa australiana
Há uma conhecida música portuguesa
que, salvo engano quanto a uma ou outra rima,
diz mais ou menos assim: “Um São José de
azulejo, um cheirinho de alecrim, uma
promessa de beijos, dois braços à minha espera,
é uma casa portuguesa com certeza, é com
certeza uma casa portuguesa!”. O autor desses
versos buscou reproduzir em poesia o que para
ele seria um simples mas típico lar português,
onde habitariam a conhecida religiosidade
150

ibérica, a limpeza representada pelo suave


aroma do alecrim, e o carinho da mulher à
espera de seu companheiro. Ao australiano
comum faltaria muito desse romantismo, por
que não dizer uma forte dose de sensibilidade,
e até mesmo aquela tristeza que transborda dos
mais marcantes versos e canções criados não
apenas pelos portugueses, mas também
oriundos dos cancioneiros espanhol e hispano-
americano, sem falar na riqueza da música
brasileira quando o tema é o lar simples
temperado com amor. Exigir que pelas veias de
um povo cujo arcabouço social foi acimentado
pela mágoa e o rancor de europeus anglo-
saxões arrancados das masmorras do século
dezoito e lançados em um continente árido e de
151

população inóspita, corra uma considerável


porção de sensibilidade capaz de propiciar que
o australiano comum teça versos para descrever
o seu próprio lar, é sem sombra de dúvidas uma
temeridade.
Na casa australiana não se encontra
qualquer São José de azulejo, como na canção
portuguesa, tampouco de madeira, cerâmica ou
outro material apropriado ao fabrico de
imagens, dado que a religiosidade não
transparece como atributo primordial dos
aussies, timidamente divididos entre as igrejas
Anglicana e Católica, não ultrapassando a casa
dos 48% da população segundo David Dale em
Who We Are (edição de 2006 de Allen &
Unwin). Afora tal tíbio percentual, é possível
152

contabilizar, ainda escudado em Dale, uns 4 a


5% englobando budistas, judeus e
muçulmanos, fator que na verdade não serve
para engordar a parcela maior em termos das
religiões seguidas na Austrália porque diz mais
respeito a etnias vindas de fora e estabelecidas
no país.
Portanto, afastada a possibilidade da casa
australiana ser poeticamente pintada em tons
amorosos e religiosos, três utensílios de
inegável importância e que certamente
constituem a marca registrada de uma
habitação no país são a jarra elétrica, o
microondas e o secador de roupas em forma de
guarda-chuvas giratório. Se alguém poventura
avistar esta última das três maiores utilidades
153

domésticas australianas em um filme, por


exemplo, poderá afirmar com certeza absoluta
de que se trata de uma cena passada na
Austrália. A jarra elétrica, que arremessa para
as memórias dos tempos antigos a
conhecidíssima chaleira aquecível no fogão,
tem o seu lugar de honra em qualquer cozinha,
por mais simples que seja a habitação,
principalmente quando se trata do preparo de
um cup of tea, xícara de chá, foneticamente
reduzido ao simples “câpati”. O terceiro
elemento indisponível em um lar australiano é
o microwave, ainda considerado supérfluo em
alguns países, mesmo aqueles onde o consumo
de aparelhos eletrodomésticos e eletrônicos
esteja em ascensão.
154

Reunidas essas três figuras, ainda que


eliminado o secador de roupas giratório quando
o lar australiano for um apartamento, está feito
o cenário da casa australiana; devendo ser
acrescentado – e este detalhe depende de
espaço disponível – um grande fogareiro para o
barbecue, uma das mais fortes tradições do
país, que é o churrasco grelhado de carne (de
boi, porco ou carneiro) podendo ser
acrescentada a linguiça feita de carne de porco.
Diferente do churrasco usual dos gaúchos,
incluídos os brasileiros meridionais, os
argentinos e os uruguaios, feito em grandes
pedaços de carne que são transpassados por
longos espetos semelhantes a finas espadas e
postos para assar ao calor das brazas, o
155

australiano é praticado com a carne posta sobre


uma grelha. De acordo com a área disponível e
a disponibilidade financeira, o fogareiro poderá
ser substituído por apetrechos maiores e mais
sofisticados, alguns adaptados para o uso de
gás em botijão. Organizado o barbecue com os
amigos, e bastante cerveja na geladeira (sempre
bebida na garrafa, tipo long neck, nunca em
copos) está completa a reunião social do
australiano, ocasionalmente tendo como pano
de fundo sons e imagens da televisão a
transmitir uma partida de cricket, rugby ou
football assosciation.
E por falar em cerveja, dizem os
australianos que apesar da fama de grandes
bebedores, perdem para os companheiros de
156

copo da República Tcheca, Irlanda e Alemanha.


Um fator que pesa sensivelmente a favor
da organização da casa australiana é o
incomparável espírito de iniciativa e
criatividade da população quando o assunto é
modificar ou fazer adaptações, sejam no
interior da habitação ou no quintal. A mão-de-
obra de um carpinteiro, pedreiro ou pintor, por
exemplo, é dispendiosa, posto que no país não
vigora o costume de tarefas de estrita execução
manual estarem a cargo de meros curiosos que,
à falta de uma política nacional de
conscientização e preparo técnico para o
exercício de profissões não elitizadas, oferecem
sua força de trabalho para qualquer serviço.
Conforme foi comentado no item 3.1, o
157

australiano está habituado a atribuir idêntico


valor a qualquer ocupação profissional, longe
da tradição latino-americana de aos diplomados
por universidade ser concedido um melhor grau
de colocação na escala social; daí que tanto o
bombeiro hidráulico como o dentista, por
exemplo, são tidos como profissionais
qualificados cujos ganhos podem em alguns
casos ficar equiparados. Como conseqüência
desse tipo de cultura, são comuns na televisão,
por exemplo, programas de ensino e incentivo
para que a própria dona-de-casa faça um
armário, modifique o jardim, mude as cores das
paredes, e coisas tais. É bastante comum a
existência de um conjunto de ferramentas e
apetrechos diversos necessários para tarefas de
158

carpintaria, jardinagem e pintura, entre outras,


em um lar australiano. Jornais e revistas
habitualmente publicam anúncios de
promoções na venda de tudo que é
equipamento necessário para uma reforma no
interior da casa, desde de os mais variados
tipos de serra até furadeiras e máquinas
similares apropriadas à colocação de parafusos,
estas últimas demonstrando que as tradicionais
chaves-de-fenda manuais são coisas do
passado. As escadas de madeira, outrossim,
foram totalmente substituídas por similares em
alumínio, um detalhe que elimina o perigo do
tão habitual risco de uma queda perigosa, para
quem está habituado a subir em degraus
sujeitos a apodrecimento.
159

A dona de casa australiana está habituada


ao uso de água quente na pia da cozinha, não
existindo aquela limitação desse conforto
unicamente para as classes abastadas, conforme
acontece em muitos países onde o uso e a
instalação dos cognominados boilers são
dispendiosos. Muito embora esse aquecimento
de toda a água utilizada no lar seja refletido na
conta de gás, trata-se de uma despesa já
absorvida pelo povo, até porque a utilização do
aquecimento em si está imune ao risco de
determinados acidentes que soem ocorrer em
casas onde existe a necessidade de riscar um
fósforo para fazer funcionar o aquecedor do
banheiro.
É entretanto original a técnica de
160

construção de habitações na Austrália. As casas


de até dois pavimentos têm seu arcabouço feito
em madeira, assim considerados os quatro
ângulos onde as paredes se encontrarão, os
portais e caixilhos para as janelas, mais os
caibros e a cumeeira; tudo parecendo de início
uma brincadeira de criança, vindo em seguida
os dutos para a condução de luz e força, e a
canalização de água e gás. Só após o término
desse esqueleto as paredes são colocadas,
sempre obedecendo a tradição inglesa do uso
de pesados tijolos compactos, montados um a
um, sem revestimento em argamassa. Segundo
especialistas, trata-se de um sistema
absolutamente seguro porém dispendioso,
considerados o alto preço da madeira no país e
161

a necessidade de uma perfeita disposição dos


tijolos, que devem obedecer a um nivelamento
perfeito, disso resultando níveis elevados para
o valor das moradias australianas em razão
direta do alto custo da mão-de-obra dos
pedreiros e demais executores.
Já foi apontada no item 3.1 a absoluta
falta de pudores classistas do australiano para
desempenhar tarefas manuais, em outras
nações tidas como mais apropriadas a pessoas
de baixa condição social e pouquíssimo estudo;
e por isso que a construção civil é considerada
um atraente mercado de trabalho por sua
excelente remuneração, absorvendo tanto
australianos quanto imigrantes, para estes
últimos o modo mais rentável de obter um
162

padrão de vida infinitamente superior ao


possuído em seu país de origem.

9) A família australiana
A família australiana propriamente dita se
restringe basicamente ao casal de pais e filhos,
ficando tios, primos, sogros e demais afins ou
consangüíneos equiparados aos eventuais
amigos, tudo isso sem qualquer mágoa
recíproca; e os idosos recebem com
naturalidade seu endereço em uma das nursing
homes (abrigo de idosos) como um fato
inevitável para o final de suas vidas. Na
verdade, para quem está habituado a estender e
buscar manter laços de amizade, e mesmo um
163

amor imorredouro com os integrantes as vezes


mais longínquos de sua árvore genealógica, o
conceito de família encontradiço na sociedade
australiana causa certamente um choque. A
amplitude do grupo familiar existente em maior
grau nas nações de origem latina é ignorada na
sociedade australiana, não existindo aquele
sentimento tão comum principalmente entre os
europeus meridionais, dentre eles sobressaindo
os italianos, onde a famiglia, apesar de o termo
ter sido ampliado para indicar associações
criminosas, é considerada a base da sociedade
enquanto civilizada. Até 1868, ano em que
chegaram à Austrália os últimos degredados
britânicos, a população do país foi constituída
por uma grossa maioria de homens,
164

considerados os prisioneiros, os militares, os


funcionários civis a serviço da matriz e outros
cidadãos britânicos dedicados ao cultivo da
terra e à pecuária. As pouquíssimas mulheres,
exceto algumas esposas de servidores civis e
militares graduados vindas com seus maridos
da Grã-Bretanha, eram também degredadas, daí
que muitas delas, vivendo no ambiente rude e
inóspito da nascente colônia, sentiam-se livres
e até mesmo incentivadas diante da procura de
fêmeas por parte da predominante parcela
masculina, para o exercício da prostituição.
Conforme está narrado no item 2.1, aconteceu a
viagem da nave Lady Juliana, usada para o
transporte de 250 mulheres degredadas, todas
prostitutas de Londres, e como conseqüência
165

das longas durações das viagens marítimas da


época aliadas à natural acomodação das
prisioneiras a uma atividade certamente já
desenvolvida com normalidade em suas terras
de origem, o navio inglês entrou para a história
da colônia com o apelido de Bordel Flutuante.
Não é de estranhar que em 1807, dezenove
anos após a chegada dos primeiros colonos
forçados, os filhos nascidos de uniões livres
somavam 60% da população do país, o que sem
sombra de dúvida desemboca na conclusão de
que até hoje (com apenas duzentos e dezenove
anos de idade) a Austrália ainda não haja
modificado seu modo de enxergar e dar talvez
uma importância mais aprimorada ao
formalismo do casamento como instituição
166

legal, ou religiosa.
Nem sempre a comparação entre usos e
costume de nações diferentes pode conduzir a
um resultado pelo menos lógico; entretando é
inevitável para o observador sentir a absoluta
ausência de expectativa do minguado núcleo de
que se constitui a família australiana quanto ao
futuro dos filhos em relação ao casamento,
notadamente as filhas em decorrência da
maleável mas universal desigualdade entre os
sexos. Esperar que os pais australianos tenham
em mente, como um dos sonhados objetivo de
realização do casal, o casamento de suas filhas,
é ignorar o arcabouço individualista sobre o
qual está plantada a sociedade australiana,
posto que um valor mínimo é concedido à
167

união conjugal segundo as leis vigentes, tanto


como aprimoramento do status social, ou
mesmo religioso do casal.
A adolescente australiana para sair de
casa e viver com um boy friend é fato que a
nenhuma mum desta nação originalíssima
provoca desmaios ou quaisquer outros tipos de
reações contrárias, posto que o país está
plenamente vacinado contra o que chamam de
sentimentalismo inútil. Na Austrália vive-se o
dia presente, e embora a maior parte da
população ignore o que representa o
hedonismo, aquela doutrina filosófica onde o
bem supremo da vida é o prazer aliado ao bem-
estar físico, pode-se afirmar sem medo de errar
que é dessa forma que os australianos encaram
168

a finalidade da existência humana; donde que a


reduzida, em amplitude, família australiana
representa por si só o pensamento dominante
no país, ficando as exceções por conta dos
costumes trazidos pelos imigrantes, quaisquer
que sejam suas etnias, cujos hábitos do cultivo
das tradições familiares são frontalmente
opostos aos nacionais oriundos dos ex-
colonizadores britânicos.
36

10) O Dia da Austrália


O dia 26 de janeiro é efusivamente
comemorado em todo o país
como o Dia da Austrália, rememorando a data em que
a Primeira Esquadra aportou no solo australiano
conduzindo os convictos deportados da Inglaterra que,
a despeito de sua situação legal, deram início ao
povoamento do país. Contrariamente ao que costuma
acontecer na maioria dos países, quando a data
nacional é comemorada com desfiles militares, o
Australia Day é um dia de festas cívicas realizadas
nos inúmeros e verdejantes parques existentes nas
metrópoles, onde o que menos importa para os
cidadãos é o montante de mísseis, tanques ou canhões
de longo alcance ao dispor das forças armadas
australianas. Famílias convergem para as aprazíveis
áreas verdes onde o tradicional barbecue (churrasco
grelhado) pode ser feito nos conjuntos de mesas e
37

armações de tijolos com grelhas afixadas ao dispor da


população; ou assistir à atuação de cantores,
dançarinos e conjuntos musicais; tudo isso num clima
de elevada cordialidade, não faltando variadas
atrações para a criançada – clowns, jogos, brinquedos
e barraquinhas de gulodices.
Em alguns desses parques são realizadas
cerimônias de diplomação da cidadania australiana,
sonho maior de todo estrangeiro legalmente residente
na Austrália, reconhecidamente um país de
imigrantes; e para essa camada da população nascida
fora da Austrália é usual, nesse dia de congraçamento,
a apresentação de bandas musicais e bailarinos
dedicados à interpretação de melodias e danças
folclóricas alienígenas, detalhe que é assistido com
bastante interesse pelos australianos natos,
considerando que os cantos e danças que podem ser
ditos típicos da Austrália estão circunscritos à cultura
aborígene, infelizmente nem sempre disponíveis para
38

certas e determinadas solenidades por motivo de a


ferida causada pelos colonizadores à população
indígena ainda não estar cicatrizada. Por conta dessa
limitação, quando não apresentados aspectos musicais
próprios dos imigrantes, o cancioneiro australiano se
escuda nos costumes musicais da Irlanda ou da
Escócia , posto que entre os convictos que
germinaram a fundação do país muitos provieram
desses países integrante do Reino Unido. A
oportunidade é também aproveitada pelos intérpretes
dedicados à música norte-americana, com destaque
para o jazz ao estilo New Orleans e a country music,
esta uma paixão particular dos australianos, mormente
os freqüentadores de clubes e pubs animados com
música ao vivo.
É fato comum a aparição, dentre os grupos
familiares que comparecem a essas celebrações ao ar
livre, de pessoas integrantes dos grupos étnicos os
mais diversificados, não sendo fator de espanto para
39

nenhum australiano nato se deparar v.g. nos gramados


com a figura de uma mulher afegã envolta na
obrigatória e tradicional burca cinza-azulada, pagando
tranqüilamente o algodão doce ou o sorvete do filho,
imune a olhares indiscretos e curiosos, o que
fatalmente ocorreria em qualquer outro país não tão
espantosamente heterogêneo como é a Austrália.
Nesse dia, ruas, residências, automóveis e
estabelecimentos comerciais exibem com orgulho a
bandeira do país em uma comovente demonstração de
orgulho patriótico, ainda que para abalizados
cientistas políticos australianos a bandeira azul
estrelada, com a miniatura da Union Jack (símbolo
britânico) em seu canto superior esquerdo esteja com
os seus dias contados, considerado o resultado do
último plebiscito nacional onde, por uma reduzida
margem de votos, os republicanos perderam a
oportunidade de ver a nação capacitada para eleger
seu próprio chefe de estado e sair da tutela indireta da
40

coroa britânica. Verificada tal condição, que sepultaria


o status de vassalagem perante a rainha Elizabeth II e
sucessores, certamente que a manutenção de 26 de
janeiro de 1788 como data comemorativa nacional
não mais teria razão de ser. Mas enquanto esse fato
político não acontece, a Austrália segue remando
contra o sentimento unânime entre as ex-colônias
européias com relação aos seus antigos colonizadores,
pelos quais nenhuma morre de amores, muito menos
ao ponto de celebrar a data do início de sua conquista
como dia nacional. Mas enquanto a república não
vem, a Austrália permanece adotando o retrato da
soberana britânica como o ícone oficialmente mais
respeitável do país e cultivando com intenso interesse
tudo o que diz respeito ao Reino Unido, desde o
futebol e o rugby até os gossips em torno da família
real. Fato digno de nota e que de certa maneira reforça
a previsibilidade de o país, num futuro talvez não
muito distante, ver-se fora da comunidade britânica é
41

a ostentação de uma bandeira  digamos não oficial


, nas cores verde-musgo e dourado, tendo ao centro
a figura de um canguru, em eventos esportivos e
principalmente com predominância do público jovem.
Isso faz o observador acreditar que as mais novas
gerações australianas talvez não levem tão seriamente
a ligação umbilical com os antigos colonizadores do
país e não pretendam aturá-la por tempo
indeterminado. Até mesmo os uniformes esportivos
das equipes nacionais australianas têm no verde e
dourado a sua marca, em nada lembrando o azul,
branco e vermelho da bandeira da federação ou as
cores britânicas. Mas como em história as previsões
são desaconselháveis, pode ocorrer que ao exemplo de
sua poderosa coirmã na Comunidade Britânica –
Canadá –, a Austrália futuramente substitua a atual
bandeira por outro símbolo de modo algum ligado ao
Reino Unido, permanecendo porém integrada à
comunidade internacional sediada em Londres. Por
42

enquanto, 26 de janeiro continua sendo a mais


importante data para os australianos, e naturalmente
incluídos todos os estabelecimentos de ensino,
imprensa, organizações comerciais, pequenos
vendedores ambulantes, grupos teatrais e musicais e,
como não podia ser diferente, todos os políticos e
administradores.
59

Bibliografia
Além das observações feitas por mim
pessoalmente durante seguidas e prolongadas visitas a
Sydney, escudei-me nos seguintes trabalhos literários
para escrever este livro:

King, Jonathan: First Fleet (ed. Robertsbridge and


Fairfax, 1987)
Flower, Cedric: New South Wales (ed.Rigby, 1981)
Coleman, Joanne: In and around The Rocks
(ed.Sydney Western Colour Print, 1984)
The Encyclopaedia of Aboriginal Australia (ed.
David Horton, 1994)
Gamble, Allan: Historic Sydney (ed. Craftsman
House, 1998)
Ruehl, Peter: American Down Under (ed. Allen &
Unwin, 1992)
King, Robert J.: The Secret History of the Colony
60

(ed.Allen & Unwin, 1990)


Rose, Deborah Bird: Frontier Conflict – The Australian
Experience (ed. Bain Attwood & S.G.Foster, 2003)

Dale, David: Who We Are – A Miscellany of the New


Australia (ed. Allen & Unwin, 2006)
Dale, David: The 100 things everyone needs to know
about Australia (ed.Sydney Pan, 1999)
Hergenhan, Laurie: New Literary History of
Australia (ed. The Penguin Books, 1988)
Collins Concise Dictionary of the English Language
(ed. G.A.Wilkes & W.A.Krebs, 1984)
Mares, Peter: Borderline (ed. UNSW Press Book,
2001)
Lepervanche, Marie de: Immigrants and Ethnic
Groups (ed. Longman Cheshire, 1984)
61
38

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