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Caroline Antunes Martins Alamino

PRESÍDIO MARIA ZÉLIA:


REPRESSÃO POLÍTICA NO GOVERNO CONSTITUCIONAL
DE GETÚLIO VARGAS

Tese submetida ao Programa de Pós-


Graduação em História da
Universidade Federal de Santa
Catarina para a obtenção do Grau de
Doutor em História Cultural.
Orientador: Prof. Dr. Adriano Luiz
Duarte.

Florianópolis, SC
2018
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do
Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Alamino, Caroline Antunes Martins

Presídio Maria Zélia : Repressão política no


Governo Constitucional de Getúlio Vargas /
Caroline Antunes Martins Alamino ; orientador,
Adriano Luiz Duarte, 2018.
267 p. ; 21 cm

Tese (doutorado) - Universidade Federal de


Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências
Humanas, Programa de Pós-Graduação em História,
Florianópolis, 2018.

Inclui referências.

1. História. 2. Presídio Político. 3. Governo


Constitucional. 4. Armando de Salles Oliveira. 5.
Getúlio Vargas. I. Duarte, Adriano Luiz. II.
Universidade Federal de Santa Catarina. Programa
de Pós-Graduação em História. III. Título.
Dedico este trabalho à memória de
todos os presos do Presídio Maria
Zélia. E ao Will, por todo seu amor,
paciência e compreensão ao longo
desses anos.
AGRADECIMENTOS

No percurso traçado durante o doutorado, tive o privilégio de não


estar sozinha e, portanto, não poderia deixar de agradecer as diversas
pessoas que me incentivaram e me auxiliaram nesse processo direta ou
indiretamente.
Primeiramente quero agradecer aos meus pais, por serem os
responsáveis por minha educação desde a mais tenra idade. Ao meu
companheiro, o Will, que ao longo de todos esses anos teve uma enorme
paciência e compreensão com a tomada de tempo que o doutorado levou
em nossas vidas.
Agradeço em especial a meu orientador o professor Adriano Luiz
Duarte, que sempre me incentivou, me amparou nos momentos de
dúvidas e inseguranças durante o doutorado.
Agradeço ao professor Reinaldo Lindolfo Lohn, por tanto ter
contribuído com minha formação, desde meu mestrado, por suas
valiosas contribuições em minha qualificação e pela participação em
minha banca de defesa.
Presto meus agradecimentos ao historiador Dainis Karepovs,
pelas contribuições em minha qualificação, pelo aceite em participar de
minha banca de defesa, por me presentear com livros que auxiliaram
profundamente na escrita da minha tese, e, sobretudo pelo carinho,
desde o meu primeiro contato, a mais de uma década atrás.
Agradeço ao professor Thiago Bahia Losso, por aceitar participar
da banca de defesa desta tese, assim como aos professores Alexandre
Busko Valim e Regina Célia Pedroso, por se disporem como suplentes.
Agradeço a todos os funcionários do Arquivo do Estado de São
Paulo, que sempre foram extremamente prestativos e gentis, durante
todas as minhas visitas ao acervo do DEOPS-SP. Agradeço ao Centro de
Documentação e Memória – CEDEM, da UNESP, por disponibilizar seu
acervo para consultas. E ao Arquivo Nacional, pelo exímio trabalho de
sua hemeroteca.
Agradeço a Marília, que foi fundamental para eu superar meu
bloqueio durante o difícil período de escrita.
À CAPES, pela concessão da bolsa de doutorado por três anos,
que me possibilitou uma maior tranquilidade para a realização da minha
pesquisa.
A todos meus agradecimentos e carinho.
RESUMO

Esta tese investiga a história do Presídio Maria Zélia, presídio político


que existiu na cidade de São Paulo entre os anos de 1935 e 1937. O
local, que abrigou centenas de presos, funcionou em uma estrutura
improvisada dentro de uma antiga fábrica têxtil e foi palco de torturas e
assassinatos após uma tentativa de fuga em abril de 1937. Apresenta a
história de alguns dos presos, dando voz aos relatos das vítimas que
presenciaram o massacre e os abusos constantes cometidos dentro do
presídio, analisando suas trajetórias diante de um sistema repressor de
suas convicções políticas. Este trabalho estabelece conexões entre a
história do presídio e o cenário político do Brasil, através do
levantamento da legislação que regia o período e a história do sistema
carcerário e policial no país. Possui foco nas relações de poder que se
estabeleceram durante toda a década de 1930, sobretudo em relação ao
jogo político que ocorreu com aproximações e distanciamentos entre o
governo nacional e o governo estadual de São Paulo, representados
pelas figuras de Getúlio Vargas e Armando de Salles Oliveira,
respectivamente. Desta forma, apresenta uma análise do complexo
período histórico denominado Governo Constitucional, governo
inaugurado com a Constituição de 1934, retomando brevemente a
democracia no Brasil. Democracia que perdeu espaço alguns meses
depois quando se iniciou a instituição de meios de repressão com a Lei
de Segurança Nacional, o Tribunal de Segurança Nacional e por fim,
após os Levantes de novembro de 1935, o estado de exceção no país que
ocasionou a abertura do Presídio Maria Zélia.

Palavras-Chave: Presídio Maria Zélia; Governo Constitucional de


Getúlio Vargas; repressão; presos políticos; Armando de Salles Oliveira.
ABSTRACT

This thesis analyses the history of Maria Zélia Prison, a political prison
which existed in the city of São Paulo between 1935 and 1937. This
prison, which contained hundreds of political prisoners, functioned in an
improvised structure located inside an old textiles factory, and was the
scene of torture and murder following an attempted break-out in April
1937. This analysis presents the story of some of the prisoners, giving a
voice to those who witnessed the massacre and the constant abuses
committed inside the prison, and analyses their individual trajectories as
they faced a system intent on suppressing their political convictions.
This piece of research establishes links between the history of the prison
and the contemporary political scene in Brazil, analysing both the
legislation that was in force at the time and the history of the prison and
policing systems in the country. There is a focus on the power
relationships that were established throughout the 1930s, with particular
attention given to the political game of alternate approximation and
distancing which took place between the national government and the
state government of São Paulo, these represented respectively by
Getúlio Vargas and Armando de Salles Oliveira. In this way, the thesis
presents a study of the complex period known as Constitutional
Government (Governo Constitucional). This government was
inaugurated with the 1934 Constitution which briefly reinstated
democracy in Brazil. This democracy lost ground just a few months
later when the institution of repressive measures began, first with the
National Security Law and the National Security Tribunal, and then
finally, after the Uprisings of November 1935, with the state of
exception, which led to the opening of Maria Zélia Prison.

Key Words: Maria Zélia Prison; The Constitutional Government of


Getúlio Vargas; repression; poltical prisoners; Armando de Salles
Oliveira.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Imagem da Cela “G” .........................................................223

Figura 2 - Imagem do piso superior ...................................................224

Figura 3 - Imagem da Cela “C” ...........................................................225

Figura 4- Imagem da Cela “D” ...........................................................226

Figura 5- Capa da Revista Juventude de abril de 1937 .......................227

Figura 6 - Revista Juventude novembro de 1936.................................228


LISTA DE ABREVIATURAS

AIB Ação Integralista Brasileira


ANL Aliança Nacional Libertadora
DEOPS Departamento Estadual de Ordem Política e Social
DNC Departamento Nacional do Café
DOP Delegacia de Ordem Política
DOS Delegacia de Ordem Social
FUP Frente Única Paulista
IC Internacional Comunista
INSS Instituto Nacional de Seguro Social
LEC Liga Eleitoral Católica
LSN Lei de Segurança Nacional
PCB Partido Comunista do Brasil
PC Partido Constitucionalista
PD Partido Democrático
PM Polícia Militar
PRP Partido Republicano Paulista
RI Regimento de Infantaria
TSN Tribunal de Segurança Nacional
UDB União Democrática Brasileira
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................19
1.GOVERNO VARGAS E SUAS FERRAMENTAS DE
OPRESSÃO............................................................................................29
1.1 TENENTISMO ............................................................................... 29
1.2 REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA .................................... 36
1.3 A AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA E A ALIANÇA
NACIONAL LIBERTADORA ............................................................. 38
1.4 LEVANTES DE NOVEMBRO 1935 ............................................. 42
1.5 LEI DE SEGURANÇA NACIONAL ............................................. 46
1.5.1 Lei de Segurança Nacional: a institucionalização da perseguição
política no governo de Getúlio Vargas. .. ...............................................46
1.5.2 Oposição ao projeto de Lei na Câmara de Deputados .. ................52
1.5.3 Lei de Segurança Nacional na imprensa....................................... 53
1.5.4 A Lei de Segurança Nacional ....................................................... 56
1.6 O PROJETO NACIONALISTA E CENTRALIZADOR DO
GOVERNO ........................................................................................... 64
2. O PRESÍDIO MARIA ZÉLIA ..........................................................74
2.1 O SISTEMA PENAL NO BRASIL ................................................ 74
2.1.1 O sistema policial no Brasil.......................................................... 86
2.2 A HISTÓRIA DO MARIA ZÉLIA ................................................. 93
2.2.1 O surgimento e a estrutura............................................................ 93
2.2.2 A Universidade Popular e o Teatro Maria Zélia........................... 98
2.3 A VIOLÊNCIA DENTRO DO PRESÍDIO MARIA ZÉLIA ........ 102
2.3.1 As fugas e os levantes ................................................................ 110
2.3.2 Os assassinatos ........................................................................... 113
3. ARMANDO DE SALLES OLIVEIRA E GETÚLIO VARGAS:
JOGO POLÍTICO DE APROXIMAÇÕES E AFASTAMENTOS ..141
3.1 A TRAJETÓRIA DE ARMANDO DE SALLES OLIVEIRA ..... 141
3.2 A CONSTITUINTE ...................................................................... 152
3.3 OS DIÁRIOS E OS DISCURSOS: RASTROS PARA
COMPREENDER OS PENSAMENTOS POLÍTICOS DE GETÚLIO
VARGAS E ARMANDO DE SALLES OLIVEIRA ......................... 159
4. OS PRESOS DO PRESÍDIO MARIA ZÉLIA................................193
4.1 O JORNALISTA .......................................................................... 195
4.2 O MÉDICO ................................................................................... 198
4.3 O PROFESSOR ............................................................................ 205
4.4 O CABO........................................................................................ 209
4.5 O DESENHISTA .......................................................................... 214
4.6 O BANCÁRIO POETA ................................................................ 217
4.7 O MILITAR .................................................................................. 219
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................225
FONTES...............................................................................................231
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................241
ANEXO I – ICONOGRAFIA..............................................................255
ANEXO II – POEMA “BRASIL” DO PRESO ANTÔNIO
BALOTA..............................................................................................261
ANEXO III – CARTA DOS PRESOS DO MARIA ZÉLIA AO
JORNAL O IMPARCIAL....................................................................262
ANEXO IV - TEXTOS ENCONTRADOS NOS BOLSOS DE
NAURÍCIO MENDES.........................................................................266
19

INTRODUÇÃO

Esta tese tem como objeto o Presídio Maria Zélia, que foi
estabelecido na década de 1930, em uma antiga fábrica têxtil, que
possuía em anexo uma vila operária paulistana de mesmo nome. Meu
interesse pelo tema surgiu durante a graduação em História, quando eu
fazia o trajeto diário entre casa-trabalho-faculdade, percorrendo as
estações de trem da Mooca, em São Paulo, até Santo André. Repleto de
antigas fábricas abandonadas, esse cenário me levava a imaginar como
deveria ter sido o mundo daqueles operários que ali trabalharam no
começo do século XX, suas rotinas e a vida política da época.
Logo descobri que, em São Paulo, eram comuns as vilas operárias
anexas a fábricas. No bairro do Belenzinho, por exemplo, há uma vila
operária tombada como patrimônio histórico, que perdurou juntamente
com o conjunto arquitetônico da fábrica que lhe deu origem. Manteve-se
como moradia dos funcionários da fábrica e, depois, dos seus
descendentes, mesmo quando a fábrica foi fechada no início da década
de 1930, durante o Governo Constitucional, para servir de presídio
político. Intrigada, em uma busca por mais informações na internet, me
deparei com um texto sobre o presídio, cujo autor fornecia seu e-mail.
Tratava-se de Dainis Karepovs, historiador de quem eu desconhecia o
trabalho à época. Muito gentilmente, ele indicou caminhos para a minha
pesquisa, alertando sobre a pouca quantidade de trabalhos
historiográficos sobre o tema e recomendando que eu iniciasse minha
busca no Centro de Documentação e Memória da UNESP – CEDEM.
Na ingenuidade de principiante em pesquisa histórica, levei um
susto ao me deparar com caixas de papelão espalhadas pelo chão de uma
sala num prédio na Praça da Sé, centro de São Paulo. Havia fotocópias
de atas de reuniões da Assembleia Legislativa de São Paulo, jornais da
década de 1930, assim como muito material recolhido pelo próprio
Dainis Karepovs. Após esse primeiro sobressalto, voltei muitas tardes ao
local, em busca de informações.
No Arquivo do Estado de São Paulo, busquei nomes de pessoas
presas no Maria Zélia, a partir de fichas do Departamento Estadual de
Ordem Política e Social – DEOPS. Foi um momento de comoção
durante o trabalho de pesquisa, pois me deparei com fichas, fotografias,
cartas trocadas entre os presos e seus familiares, relatórios feitos por
investigadores sobre a rotina desses presos, entre outros. Eram
documentos que davam humanidade, nomes e fisionomias aos objetos
20

de estudo. O levantamento mostrou que a pesquisa era muito ampla, não


sendo possível executá-la durante a graduação. Guardei o projeto, com o
intuito de desenvolvê-lo na pós-graduação, mais especificamente, em
um doutorado, por conta do ineditismo da proposta e dos cuidados
historiográficos que exige.
Para retratar a breve existência do presídio Maria Zélia, foi
necessário superar obstáculos, como as significativas lacunas na
historiografia sobre o tema, relativas ao levantamento historiográfico
sistematizado sobre a estrutura, o funcionamento do presídio e a história
de seus presos políticos; sua contextualização no governo estadual de
Armando de Salles Oliveira e a sua relação com o governo federal de
Getúlio Vargas; as implicações legais quanto aos assassinatos, torturas e
maus-tratos que ali ocorreram; a relevância de eventos como a iniciativa
educacional politizadora denominada “Universidade Maria Zélia”.
Muitos estudos acadêmicos pesquisam amplamente sobre a
história de presos políticos no Brasil, porém a maioria possuem como
objeto a ditadura civil-militar estabelecida em 1964. No entanto, a
perseguição política no país ocorre desde suas origens e não somente em
períodos de ditadura. O Presídio Maria Zélia funcionou durante o
período conhecido como Governo Constitucional de Getúlio Vargas, ou
seja, foi estabelecido antes do Estado Novo. Embora a eleição
constitucional de 1934 tivesse garantido o retorno da democracia no
país, após os Levantes de novembro de 1935, o governo passou a operar
sob estado de sítio, com fortes características de um regime autoritário.
Uso como referência nesta pesquisa a definição de Juan José Linz para
regimes autoritários:

Sistemas políticos com pluralismo político


limitado, não responsável, sem ideologia
orientadora e elaborada, mas com mentalidades
distintas, sem mobilização política extensiva ou
intensiva, exceto em alguns pontos do seu
desenvolvimento, e no qual um líder ou,
ocasionalmente, um pequeno grupo exerce o
poder dentro de limites formalmente mal
definidos, mas, na realidade, bem previsíveis.
(LINZ 1964, p. 255 apud LINZ, 1979, p. 121)

Para compreender o uso da máquina estatal como ferramenta de


repressão política já no período anterior ao golpe do Estado Novo
(1934-1937), é necessário ressaltar as relações e disputas entre o
governo estadual de São Paulo e o governo federal. Para tanto, este
21

trabalho também busca respostas a algumas questões: após os Levantes


de novembro de 1935, que não ocorreram em São Paulo, por que um
presídio político foi ali estabelecido? Que posição política assumia
Armando de Salles Oliveira, a frente do governo estadual, a ponto de
manter um presídio político onde ocorreram torturas e assassinatos?
Quais as funções de um presídio político no período Constitucional e
durante o estado de exceção? Com relação aos presos políticos,
trabalhadores supostamente “protegidos” pelo governo getulista, busco
as consonâncias entre suas memórias e a historiografia do período.
Uma das hipóteses para compreender a existência do Maria Zélia
como instrumento de repressão aponta para o receio de Getúlio Vargas
quanto à articulação de uma oposição, por meio de sindicatos e partidos
políticos, sobretudo com a Constituição de 1934, além dos próprios
levantes de novembro de 1935. Outra hipótese refere-se a Armando de
Salles Oliveira, interessado na repressão ao comunismo como
plataforma eleitoral. Embora o Presídio Maria Zélia tenha sido ativado
no fim de 1935, encerrando suas atividades em 1937, o recorte temporal
dessa pesquisa abarca as décadas de 1930 e 1940, pois a partir da
tomada do poder por Getúlio Vargas em 1930, foi construída a
atmosfera política que culminou na abertura desse presídio. Além disso,
seus efeitos sociais e políticos se prolongaram pela década de 1940, o
processo pelos assassinatos que ali ocorreram foi aberto em 1937 e
prosseguiu e se encerrou na década de 1940. O recorte temporal mais
amplo também é necessário para que se compreenda o cenário político
do Brasil inserido em uma tendência mundial, sobretudo europeia, com
a crise liberal entreguerras e a ascensão fascista e nazista. Como
sublinhou Eric Hobsbawm, a América também foi incluída nesse
contexto sombrio que atingia a Europa, apresentando diferenças:

Um continente em que o impacto ideológico do


fascismo europeu foi inegável: as Américas. [...]
O que os líderes latino-americanos tomaram do
fascismo europeu foi a sua deificação de líderes
populistas com fama de agir. Mas as massas que
eles queriam mobilizar, e se viram mobilizando,
não eram as que temiam pelo que poderiam
perder, mas sim as que nada tinham a perder. E os
inimigos contra os quais eles as mobilizavam não
eram estrangeiros e grupos de fora, mas a
“oligarquia” – os ricos, a classe dominante local.
Perón encontrou núcleo de seu apoio na classe
trabalhadora argentina, e sua máquina política era
22

algo parecido a um partido trabalhista construído


em torno do movimento sindical de massa que
promoveu. Getúlio Vargas no Brasil fez a mesma
descoberta. Foi o exército que o derrubou em
1945 e, mais uma vez, em 1954, forçando-o a
suicidar-se. Foi a classe trabalhadora urbana, à
qual ele dera proteção social em troca de apoio
político, que o chorou como o pai de seu povo. Os
regimes fascistas europeus destruíram os
movimentos trabalhistas, os líderes latino-
americanos que eles inspiraram os criaram.
Independentemente de filiação intelectual,
historicamente não podemos falar do mesmo tipo
de movimento. (HOBSBAWM, 2005, p.135-8)

Para analisar os dois anos de existência do Presídio Maria Zélia,


na transição do Governo Constitucional de Vargas para o Estado Novo,
foi estabelecido um diálogo entre História Política e História Cultural,
buscando compreender as nuances e a diversidade de medidas desse
governo. Entre os principais referenciais teóricos estão os trabalhos de
Ângela de Castro Gomes (com destaque para o artigo Cultura Política e
Cultura histórica no Estado Novo, 2007), Maria Helena Capelato e
Jorge Ferreira. O livro Manicômios, Prisões e Conventos, de Erving
Goffman (1974), foi igualmente importante para compreender os
instrumentos de opressão dos quais lançam mão os governos
autoritários. E ao pensar nos descompassos entre a versão oficial sobre
as execuções no Presídio Maria Zélia, a que foi aos tribunais, e os
testemunhos e denúncias de torturas e maus tratos que ali ocorreram,
lancei mão do que Michael Pollak (1989) caracterizou como “memória
proibida”, “clandestina”.
Realizar o levantamento e a análise de fotos, cartas e documentos
familiares compôs um mosaico para compreensão do regime prisional,
somando-se aos periódicos da época e documentos oficiais, permitindo
reconhecer valores, interpretações do mundo, modelos de
comportamento, individualidades, operando na perspectiva da micro-
história, com o “jogo de escalas” – ou seja, partir de microanálises para
entender fatos históricos políticos e culturais em uma escala nacional, e
o inverso, ao assimilar o contexto histórico nacional para realizar a
microanálise. Para tanto, Jogos de Escalas (1998), obra organizada por
Jacques Revel, foi utilizada como referencial teórico. Para compreender
o anticomunismo que orientou as perseguições políticas do período,
utilizei o artigo de Rodrigo Patto Sá Motta, O Perigo é Vermelho e vem
23

de Fora: O Brasil e a URSS (2007) e sua tese de doutorado Em guarda


contra o “Perigo Vermelho”: o anticomunismo no Brasil (1917-1964),
nos quais demonstra que o ideário anticomunista do Brasil se
diferenciava daquele propagado nos Estados Unidos, por conta de uma
forte influência da igreja. Já o trabalho de Simon Schwartzman, Helena
Maria Bousquet Bomeny e Vanda Maria Ribeiro Costa, Tempos de
Capanema (2000), auxiliou a compreender o projeto de Estado de
membros do governo Vargas, como Francisco Campos:

É no livro O Estado Nacional que Francisco


Campos elabora com minucia de detalhes os
fundamentos políticos e ideológicos que
justificariam a criação de um Estado totalitário
que deveria substituir o Estado liberal-
democrático, uma experiência, para o autor, em
franco processo de decadência e desintegração. (p.
79)

Mesmo que esses projetos não tenham se consolidado, é


importante compreender as relações de poder que se configuraram o
período, caracterizando um governo autoritário, sobretudo pelas relações
com a Alemanha nazista.
Outra obra importante que fornece um panorama do período
varguista é Repensando o Estado Novo (1999), organizada por Dulce
Pandolfi, uma coletânea de artigos sobre diversas esferas do governo
Vargas entre 1930 e 1945. Os livros de Regina Célia Pedroso, Signos da
opressão: história e violência nas prisões brasileiras (2003) e Estado
autoritário e ideologia policial (2005) foram importantes para a
compreensão das origens do sistema penal brasileiro e o legado
autoritário da colonização portuguesa, culminando num processo de
exclusão social a partir de práticas policiais e carcerárias.
Com levantamento historiográfico sobre instituições penais no
Brasil no século XX, foi possível estabelecer um diálogo entre
produções de diferentes áreas das Ciências Humanas, enriquecendo a
pesquisa. No campo da História, destacam-se estudos como o de
Elizabeth Cancelli, Repressão e controle prisional no Brasil: prisões
comparadas (2005), que traça um perfil dos presídios construídos no
Brasil nas décadas de 1920, 1930 e 1940. A autora pesquisou a Casa de
Correção, a Casa de Detenção e a Colônia Correcional de Dois Rios,
todas no Rio de Janeiro, comparando-as à Penitenciária do Estado de
São Paulo (depois transformada no Complexo Penitenciário Carandiru).
24

A partir da história comparativa, Cancelli demonstra um quadro que se


repete em todos os trabalhos aqui consultados, independentemente da
área à qual pertençam: a superlotação carcerária no Brasil, em
instituições penais urbanas e rurais. Também destacam-se no trabalho da
autora os testemunhos de diversos presos políticos como fonte de
pesquisa, sem os quais não seria possível conhecer os detalhes da
realidade prisional ao longo da história do Brasil.
Entre os trabalhos sobre instituições penais, vale destacar Os
Porões da República: a barbárie nas Prisões da Ilha Grande: 1894-
1945 (2009), de Myrian Sepúlveda dos Santos, historiadora e socióloga,
sobre o presídio Dois Rios, na Ilha Grande, município de Angra dos
Reis (RJ). O local foi utilizado como presídio político durante todo o
governo Vargas e em parte da ditadura de 1964. O historiador Marcos
Bretas prefaciou o livro, descrevendo o presídio como um: “projeto
social republicano de ocultar suas misérias, colocando-as em um lugar
distante, inacessível e virtualmente invisível” (BRETAS, 2009, p. 15).
Tem-se, assim, um cenário de “escoamento” de presos considerados
politicamente perigosos para permanecerem no espaço urbano; a
segregação em uma ilha dificultaria eventuais conspirações políticas.
Essa hipótese pôde ser validada nesta pesquisa sobre o Presídio Maria
Zélia, pois pude verificar que o espaço urbano facilitou o acesso a
notícias externas à vida no presídio, assim como o contato com
familiares e até mesmo com companheiros de militância.
Os dois volumes de História das Prisões no Brasil (2009)
também são referência nos estudos historiográficos sobre instituições
penais. Organizados por Clarissa Nunes Maia, Flávio de Sá Neto,
Marcos Costa e Marcos Luiz Bretas, trazem uma coleção de ensaios,
sem narrativa linear nem cronológica, com pesquisas originais e
trabalhos monográficos produzidos em diversas universidades
brasileiras. A obra busca compreender os sentidos históricos da prisão
no Brasil e estabelece o debate sobre violência e segurança pública,
apresentando pesquisas que vão de Entre dois cativeiros: escravidão
urbana e sistema prisional no Rio de Janeiro 1790- 1821, de Carlos
Eduardo M. de Araújo, a Cada homem traz dentro de si sua tragédia
sexual – visitas conjugais, gênero e questão sexual nas prisões (1914),
de Lemos Britto. Os textos abordam a modernização dos códigos penais,
e consequentemente, do sistema carcerário, o trabalho dos presos, os
presos sem trabalho, a relação entre presídio e escravidão e o caso das
prisões por “vadiagem”. Cabe destacar o texto de Amy Chazkel, Uma
Perigosíssima Lição: a Casa de Detenção do Rio de Janeiro na
Primeira República, uma análise sobre o sistema carcerário do Rio de
25

Janeiro nas primeiras décadas da Primeira República (1889-1930).


Chazkel trata do presídio como local insalubre, assim como do problema
histórico da superlotação e do sistema carcerário como espaço de
exclusão e não de reabilitação e reinserção – a autora aponta que, em
1912, um terço dos presos da Cadeia Municipal do Rio de Janeiro fora
detido por “vadiagem”. Outro destaque é o texto A Casa de Detenção do
Recife: controle e conflitos (1855-1915), de Clarissa Nunes Maia, que
discute sobre as características que marcaram o presídio em Recife e
também as práticas prisionais do século XX em todo o país. Incluem-se
aí a educação e o trabalho carcerário, práticas previstas já na legislação
de 1890, impedidas por superlotação, problemas de higiene e outras
condições materiais, não efetivando a reabilitação dos presos nem sua
reinserção na sociedade. O interessante de uma obra tão vasta quanto a
História das Prisões no Brasil é identificar pontos em comum e de
conexão entre os estabelecimentos prisionais investigados, justamente
como insalubridade e superlotação.
Ainda na área da História, gostaria de citar dois trabalhos que
abordam instituições penais no Brasil com um recorte temporal mais
recente: Memórias dos cárceres: Breve análise comparativa entre os
relatos de presos políticos no Estado Novo e na Ditadura Militar
(2013), de Flavia Maria F. Ribeiro, e Entre o controle e a resistência: o
Presídio da Ilha das Flores como espaço de luta e afirmação de
identidade de ex-prisioneiros políticos (2007), da historiadora Maria
Fernanda Magalhães Scelza, ambos parte de pesquisas de mestrados em
história. O primeiro aborda a história das instituições penais que
funcionaram como presídios políticos durante os dois momentos de
maior repressão política na história do século XX no Brasil, o Estado
Novo e a ditadura civil-militar. O segundo trata do presídio político da
Ilha das Flores, no período de 1969 a 1971, a partir da resistência e das
identidades de presos, assim como das formas de controle e repressão.
Ambas as pesquisas analisam as instituições penais a partir de memórias
de seus presos.
Para esta pesquisa, foram utilizados como fonte jornais das
décadas de 1930 e 1940, sendo 16 periódicos do Rio de Janeiro e 8 de
São Paulo, com 187 notícias sobre o Presídio Maria Zélia. Após os
assassinatos ali ocorridos, percebi que muitos jornais fizeram uso
político do massacre em seus textos, pois já era o período da campanha
eleitoral presidencial de 1938. Foram consultadas 176 atas de sessões na
Assembleia Legislativa de São Paulo, das décadas de 1930 e 1940, as
Constituições federais de 1891, 1934 e 1937, os Códigos Penais de
1830, 1890 e 1940, assim como um conjunto leis e decretos que regeram
26

o período pesquisado, com ênfase na Lei de Segurança Nacional. No


Arquivo do Estado de São Paulo, no acervo do DEOPS-SP, foram
consultadas 692 páginas de prontuários de presos que passaram pelo
Presídio Maria Zélia. Foi usado como fonte o processo Defesa dos
componentes da guarnição militar do Presídio “Maria Zélia”,
denunciados como responsáveis pelas ocorrências de 21 de abril de
1937, publicado em formato de livro em 1939, cotejado com diversos
relatos sobre a noite dos assassinatos, publicados no jornal carioca O
Imparcial e nas atas da Assembleia Legislativa de São Paulo.
O livro Maria Zélia, escrito em 1957 por Antônio Vieira, foi
utilizado como fonte, pois mesmo escrito vinte anos após os eventos,
retrata as convicções pessoais do autor, que passou pelas dependências
do presídio na década de 1930; o relato é fruto de seu tempo, pois
embora não trate especificamente da experiência do autor, retrata a
rotina do presídio com a riqueza de detalhes de quem vivenciou seus
horrores. Também utilizei o livro A Marcha Vermelha, de 1948,
autobiografia de Davino Francisco dos Santos, que esteve preso no
Maria Zélia. Ele retratou sua trajetória desde a infância, passando por
sua entrada no PCB e suas diversas prisões, até a anistia em 1945.
Compilação das anotações que fez em cadernos quando preso, esta
autobiografia tem um caráter de denúncia, tanto das irregularidades que
presenciou dentro do PCB, quanto da desigualdade social que vivenciou.
Não se trata, portanto, de um texto acadêmico ou com pretensões
historiográficas, mas como fonte, é um depoimento importante sobre os
eventos relacionados ao presídio, possibilitando uma visão mais acurada
sobre os presos que ali estiveram.
Os diários de Getúlio Vargas, publicados em 1995, foram
utilizados igualmente como fonte, com ênfase nas opiniões sobre o
governo de São Paulo, para compreender a sua relação com Armando de
Salles Oliveira. No mesmo sentido, também utilizei como fonte a
coletânea de discursos de Armando de Salles Oliveira, denominada
Escritos Políticos (2002), para analisar suas posições políticas, que se
modificavam conforme sua relação com o governo federal se alterava.
Tais análises estão distribuídas nos quatro capítulos desta tese. O
primeiro deles, Governo Vargas e suas ferramentas de opressão,
apresenta importantes movimentos que levam a compreender a
organização política e social do Brasil quando o Presídio Maria Zélia foi
estabelecido. É preciso retornar ao movimento tenentista da década de
1920, pois mesmo que pareça difuso à primeira vista, ganhou
importância nacional, a ponto de deus membros se tornarem importantes
aliados na Revolução de 1930 e participarem do governo como
27

interventores em diversos estados. A Revolução Constitucionalista de


1932 demonstra as posições políticas de São Paulo diante do governo
Vargas. Os Levantes de novembro de 1935 são necessários para
entender o aprofundamento da perseguição aos comunistas, que resulta
na abertura do Presídio Maria Zélia. Por fim, foram analisadas as
principais características do governo Vargas, buscando compreender seu
projeto centralizador, que atingiu as mais diversas esferas (saúde,
educação, trabalho, economia e segurança) e localizar os acontecimentos
de repressão política como parte de um projeto nacionalista abrangente.
No segundo capítulo, O Presídio Maria Zélia, há um histórico da
legislação penal, da formação policial e do sistema carcerário no Brasil,
situando o contexto legal no qual o Presídio Maria Zélia funcionou. O
capítulo traz a história do presídio, seu funcionamento, as tentativas de
fuga, as iniciativas culturais e educacionais que ocorreram em seu
interior e discute o massacre que o colocou nos principais jornais do
período. O intuito é compreender a história da instituição e também sua
excepcionalidade.
Em Armando de Salles Oliveira e Getúlio Vargas, jogo político
de aproximações e afastamentos, o terceiro capítulo, trabalho com o
histórico político de Salles Oliveira em São Paulo, para entender sua
participação nos eventos da década de 1930 que culminaram na abertura
do presídio. A formação da Assembleia Constituinte também é
abordada, para a compreensão do mosaico político que se formava com
a nova Constituição e com novas alianças. Por fim, contraponho os
discursos de Salles Oliveira ao diário de Getúlio Vargas, para
compreender o jogo de aproximações e distanciamentos entre ambos,
nas disputas pelo poder.
No quarto capítulo, Presos do Maria Zélia, apresento a história
de sete presos, a partir de suas fichas individuais, que constam no
arquivo do DEOPS-SP, e suas memórias, encontradas em biografias,
entrevistas e relatos de familiares. Busco compreender, através dos usos
da memória na História, o que a existência do Presídio Maria Zélia
representou como experiência humana e social.
A distribuição dos temas dos capítulos levou em consideração os
jogos de escalas, mencionados anteriormente, apresentando inicialmente
um cenário macro, com o panorama político do país, partindo para um
micro, explicando o universo do presídio, em seguida, realizando o
mesmo processo, apresento a configuração política através das duas
grandes figuras do período, Getúlio Vargas e Armando de Salles
Oliveira, em contraposição com os presos políticos, buscando apresentar
28

“sob ângulos diversos realidades frequentemente contraditórias”


(ROSENTAL, 1998, p.151)
Ao longo do trabalho, utilizo os termos encontrados nas fontes.
Assim, a chegada de Vargas ao poder é indicada como Revolução de
1930, embora tenha encontrado em algumas das fontes referências a
“tomada de poder” e “golpe de 1930”. Também utilizo o termo
Revolução Constitucionalista, o mais comum nas fontes, assim como
Levantes de novembro de 1935, que encontrei igualmente em outros
termos – “insurreição”, “movimento subversivo de 1935” e “movimento
armado de 1935”.1

1
Os Levantes de novembro de 1935 são indicados nos livros didáticos como
Intentona Comunista. A expressão, cunhada de forma pejorativa após os
eventos, não aparece em nenhuma das fontes desta pesquisa.
29

1. GOVERNO VARGAS E SUAS FERRAMENTAS DE OPRESSÃO

1.1 TENENTISMO

Após a Primeira Guerra Mundial, a defesa nacional se tornou


uma das prioridades do governo brasileiro, que adotou o recrutamento
universal e recebeu a Missão Militar Francesa para melhorar a formação
dos oficiais. Essas medidas foram insuficientes, pois no início da década
de 1920, o Exército brasileiro convivia com falta de armamentos,
cavalos, medicamentos e formação adequada do efetivo. Esses
problemas se somavam aos baixos soldos, à insatisfação dos militares
com a nomeação do civil Pandiá Calógeras como ministro da Guerra e
com a demora de promoções na carreira, sobretudo as dos tenentes, que
podiam levar até dez anos para se tornarem capitães. Nesse cenário de
carências e insatisfações, ocorriam levantes liderados pelos tenentes – o
que deu origem ao termo tenentismo. Os maiores foram os de 1922, no
Rio de Janeiro, e 1924, em São Paulo.
Segundo Maria Cecília Spina Forjaz, o trabalho burocrático civil
e militar do Estado estava a cargo das camadas médias urbanas. Isso deu
ao tenentismo um caráter liberal-democrata, com tendências autoritárias,
visando ampliar a representatividade do Estado e mantendo uma
perspectiva elitista:

O comportamento político ideológico dos tenentes


só pode ser explicado pela conjugação de duas
dimensões: sua situação institucional como
membros do aparelho militar do Estado e sua
composição social como membros das camadas
médias urbanas. A superposição dessas duas
“situações” teria produzido o tenentismo. A
participação no aparelho militar do Estado,
responsável pelo resguardo das instituições,
explicaria o impulso de intervenção no processo
político para corrigi-lo, “reconduzindo-o” a seus
marcos institucionais. Enquanto militar, o tenente
se vê como responsável pela sociedade e como
representante dos interesses gerais da
nacionalidade, além do que, possui os
instrumentos para concretizar sua intervenção: a
força e a organização. (FORJAZ, 1977, p. 20-1)
30

Os tenentes se mostraram críticos ferrenhos do governo,


desejando sua derrubada, mas não dispunham de uma proposta efetiva
para sua substituição nem um programa claro, apenas ideias gerais que
se opunham ao predomínio de Minas Gerais e São Paulo à frente do
governo. Também defendiam o voto secreto, o fim do voto de cabresto,
a reforma na educação pública, a independência do Poder Judiciário e
um Estado mais forte. Contudo, a opinião dos tenentes não era
unanimidade, pois mesmo oficiais insatisfeitos com a situação das
Forças Armadas julgavam que os métodos dos tenentes dividiam e
enfraqueciam o Exército.
Na década de 1920 a economia brasileira era agroexportadora,
com hegemonia do setor cafeeiro. Com uma industrialização ainda
embrionária, as oligarquias agrárias detinham o poder político, sem
representar os interesses das camadas médias urbanas. Este é fator que
contribuiu para as manifestações tenentistas.

Do ponto de vista econômico, a década de vinte


foi marcada por altos e baixos. [...] A
diversificação da agricultura, um maior
desenvolvimento das atividades industriais, a
expansão de empresas já existentes e o surgimento
de novos estabelecimentos ligados a indústria de
base foram importantes sinais do processo de
complexificação pelo qual passava a economia
brasileira.
Junto com estas mudanças observadas no quadro
econômico processava-se a ampliação dos setores
urbanos com o crescimento das camadas médias,
da classe trabalhadora e a diversificação de
interesses no interior das próprias elites
econômicas. Em seu conjunto estas
transformações funcionariam como elementos de
estímulo a alterações no quadro político vigente,
colocando em questionamento as bases do sistema
oligárquico da Primeira República. (FERREIRA;
PINTO, 2006, p.1-2)

A animosidade entre os tenentes e o governo federal se acirrou


por conta da eleição de Artur Bernardes, em março de 1922, com posse
marcada para novembro, e igualmente pela prisão do marechal Hermes
da Fonseca. Ela fora ordenada pelo presidente Epitácio Pessoa, em
retaliação às críticas do marechal sobre a intervenção federal na
31

sucessão do governo de Pernambuco. O presidente também ordenou o


fechamento do Clube Militar, em 2 de julho de 1922.
Na madrugada, de 5 de julho de 1922, houve uma série de
levantes militares: Forte de Copacabana; guarnições da Vila Militar; o
Forte do Vigia; a Escola Militar do Realengo; e o 1° Batalhão de
Engenharia, no Rio de Janeiro; membros da Marinha e do Exército, em
Niterói; no Mato Grosso, a 1ª Circunscrição Militar, comandada pelo
general Clodoaldo da Fonseca, tio do marechal Hermes da Fonseca.
Com exceção do Forte de Copacabana e do Forte do Vigia, os levantes
de todas as outras guarnições foram sufocados tão logo tiveram início.
Sob o comando do capitão Euclides Hermes da Fonseca, filho do
marechal, o Forte de Copacabana disparou seus canhões contra diversos
redutos do Exército, forçando o comando militar a abandonar o
Ministério da Guerra. As forças legais revidaram, e durante toda a
manhã do dia 5 de julho o forte sofreu bombardeios da Fortaleza de
Santa Cruz. O capitão Euclides Hermes e o tenente Siqueira Campos
permitiram que desistissem da luta aqueles que assim o desejassem. Dos
mais de trezentos militares e civis presentes, apenas vinte e nove
decidiram continuar. Em uma tentativa de negociação, o capitão
Euclides Hermes saiu da fortaleza e foi preso.
No início da tarde do dia 6 de julho, ante a impossibilidade de
prosseguir no movimento, os revoltosos, decididos a não se renderem ao
governo, abandonaram o forte e marcharam de encontro às forças
legalistas. A eles aderiu o civil Otávio Correia, até então, mero
espectador dos acontecimentos. A bandeira nacional que carregavam foi
dividida, e os pedaços distribuídos entre os participantes da marcha, que
seguiu pela Avenida Atlântica em direção ao Leme. Um tiroteio fez com
que dez revoltosos abandonassem o grupo. Os dezoito restantes, que
deram nome ao movimento (Rebelião dos 18 do Forte de Copacabana),
se mantiveram em marcha, até serem derrotados em frente à Rua
Barroso (atual Siqueira Campos), na altura do Posto 3 de Copacabana.
Apenas Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram.
Apesar da insatisfação com a política oligárquica que se
perpetuava, os militares de alta patente não aderiram ao movimento.
Mas por prevenção, o governo substituiu os principais comandantes
militares da capital. Em 15 de novembro de 1922, Artur Bernardes
assumiu a presidência da República sob estado de sítio, decretado por
ocasião do levante de julho.
Luís Carlos Prestes participou do início do movimento tenentista
de 1922, comparecendo a uma das primeiras reuniões, sobre a qual
relatou:
32

Tinha bem uns quarenta oficiais ali, numa sala


pequena, oficiais do Exército e da Marinha, a se
insultarem e atacarem uns aos outros,
responsabilizando-se mutuamente por não se fazer
nada. Um berreiro tremendo, todo mundo aberto.
(PRESTES apud VIANNA, 1992, p.73).

Segundo Marly Vianna (1992), Prestes usou seu prestígio como


tenente e assumiu o comando da conspiração na Companhia Ferroviária,
proibindo que se falasse do assunto no quartel e ganhando sargentos
para o movimento. Desde o início, a intenção dos tenentes era derrubar o
governo de Epitácio Pessoa, antes da candidatura de Bernardes, para
colocar o marechal Hermes da Fonseca em seu lugar. A ação ia sendo
adiada, por falta de armamentos e munição. No dia do levante, um
ataque de tifo impediu Prestes de participar da revolta. Mas sua simpatia
pelos revoltosos lhe valeu a transferência para o Rio Grande do Sul,
onde organizou o batalhão de Santo Ângelo e ficou a par da conspiração
que ocorria para outro levante, desta vez em São Paulo.
Desde dezembro de 1923, o julgamento e a punição dos
implicados nos levantes militares de 1922, acusados de promover um
golpe de Estado, gerava tensão nas relações entre o Exército e o governo
federal. Em 5 de julho de 1924 eclodiu a revolta tenentista em São
Paulo. Dirigido pelo general Isidoro Dias Lopes, foi o maior conflito
bélico já ocorrido na cidade. Os revoltosos ocuparam as estações da
Luz, Estrada de Ferro Sorocabana, Brás e os quartéis da Força Pública.
A revolta durou 23 dias, fazendo com que o presidente do estado, Carlos
de Campos, fugisse para o interior após o bombardeio do Palácio dos
Campos Elíseos, sede do governo paulista. O próprio Isidoro Lopes
assumiu o governo provisório. No interior do estado, ocorreu a tomada
de diversas prefeituras.
Utilizando o chamado “bombardeio terrificante”2, o exército leal
ao presidente Arthur Bernardes atingiu os bairros operários da Mooca e
do Brás. Foram atacados também indústrias e depósitos de alimentos
junto à via férrea. Em meio ao pânico, ocorreram assaltos e saques a
armazéns. Estima-se que entre 300 e 450 mil pessoas deixaram a capital
no período. O número de mortos passou de cinco mil. Houve algumas
tentativas de armistício, tendo à frente José Carlos de Macedo Soares,
membro da Associação Comercial de São Paulo, como mediador. O

2
Bombardeio por aviões e canhões de 75, 105 e 155 mm. A ação é tipificada como
crime de guerra pela Convenção de Haia de 1917.
33

general Isidoro Dias Lopes, a princípio, exigiu a entrega do poder a um


governo federal provisório e a convocação de uma assembleia
constituinte, mas não foi atendido.
Após os bombardeios, as exigências dos revoltosos se reduziram
à concessão de anistia, reivindicação igualmente não atendida. Muitos
foram para a cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, e posteriormente,
uniram-se aos oficiais gaúchos comandados por Luís Carlos Prestes.
Sob as ordens do general Isidoro Dias Lopes, as forças rebeladas no Rio
Grande do Sul marcharam rumo a Foz do Iguaçu, para unir-se a outros
revoltosos paulistas. No estado gaúcho, levantaram-se contra o governo
as tropas de São Luís, São Borja, Uruguaiana, Alegrete e Guaçuboi,
chefiadas por Pedro Gay, Rui Zubaran, Juarez Távora, João Alberto e
Honório Leme – este último derrotado pelas tropas legalistas de Flores
da Cunha. Chegaram ao destino apenas em abril de 1925, após
atravessarem Santa Catarina e parte do Paraná, travando diversos
combates com tropas legalistas, comandadas pelo general Cândido
Rondon, nos quais perderam quase metade de seu contingente.
Ainda em abril de 1925, os líderes Isidoro Dias Lopes, Miguel
Costa, Luís Carlos Prestes e Bernardo Padilha se reuniram e decidiram
prosseguir a marcha, até o Mato Grosso. Lopes foi o único contrário à
decisão, pois acreditava que era o momento de cessar a luta.3 Foi então
criada a 1ª Divisão Revolucionária, sob o comando do general Miguel
Costa, tendo como chefe de estado-maior o coronel Luís Carlos Prestes
– conhecida como Coluna Miguel Costa-Prestes ou simplesmente
Coluna Prestes. A maior parte de seus integrantes era de capitães ou
tenentes da classe média, que praticavam o ideal do “soldado cidadão”,
termo criado no final do século XIX na Escola Militar da Praia
Vermelha, para designar o soldado a serviço do povo e preocupado com
a formação política nacional.
A Coluna Prestes deslocou-se pelo interior do país pregando
reformas políticas e sociais, opondo-se ao governo de Artur Bernardes e,
posteriormente, ao de Washington Luís. Entrou no Mato Grosso pelo
Paraguai, percorreu Goiás, Minas Gerais e retornou a Goiás. Partiu em
direção ao Nordeste em novembro de 1925. Em dezembro, chegou ao
Piauí, onde enfrentou tropas do governo federal, em Teresina. Os
sobreviventes foram para o Ceará, onde Juarez Távora foi capturado.
Em janeiro de 1926, a coluna chegou ao Rio Grande do Norte; em
fevereiro, na Paraíba, onde enfrentou e venceu a resistência comandada
pelo padre Aristides Ferreira da Cruz, líder e político local. Atravessou

3
Isidoro Dias Lopes foi enviado para a Argentina para coordenar os exilados.
34

Pernambuco e Bahia, retornando para Minas Gerais. Sem munição e


com resistência legalista, a coluna retornou ao Nordeste, voltando pela
Bahia, Piauí, chegando a Goiás e voltando ao Mato Grosso. O
movimento divulgava os problemas do poder concentrado na república
oligárquica que perdurava no país.
Em março de 1927, em precárias condições, depois de quase dois
anos de marcha e 25 mil quilômetros percorridos, optaram pelo exílio –
uma parte da coluna foi para o Paraguai e outra para a Bolívia. Um terço
dos revoltosos morreu, foi gravemente ferido ou capturado– embora não
tenha derrubado o governo de Arthur Bernardes e conquistado o poder, a
Coluna Prestes, militarmente, ganhou todos os combates em que esteve
envolvida, sendo apelidada no período de Coluna Invicta. O movimento
tenentista não conseguiu produzir resultados imediatos na estrutura
política do país, mas foi o início de manifestações históricas dentro das
Forças Armadas contra o poder das oligarquias, influenciando
diretamente a Revolução de 1930 e os Levantes de 1935.
Bertoldo Klinger, militar preso pela participação na Revolta da
Vacina em 1904, anistiado um ano depois, participou de um estágio
militar na Alemanha, entre 1910 e 1912. Voltou ao Brasil com novas
ideias organizacionais, fundando a revista Defesa Nacional, na qual
criticava a nomeação de civis para ministérios militares e a intervenção
francesa na formação de oficiais brasileiros. Com toda essa bagagem,
Klinger se juntou ao tenente coronel Góes Monteiro, para elaboração da
proposta de uma intervenção militar no país. A proposta seguia as
iniciativas tenentistas em prol de um governo autoritário nas mãos das
Forças Armadas. Com isso, tenentes que passaram a ser perseguidos se
exilaram, no exílio se dividiram entre os que apoiaram ou não a
iniciativa da Coluna Prestes. Os que não apoiavam a iniciativa de
Prestes voltaram ao Brasil com a ideia de um novo levante armado e
contribuíram com a Revolução de 1930.
Nas eleições de março de 1930, Júlio Prestes derrotou Getúlio
Vargas, que era apoiado pela Aliança Liberal. Articulou-se então uma
nova oposição, para impedir sua posse. Em busca de mudanças no
sistema político, estava o grupo de políticos que, embora jovens, já
possuíam representatividade, como o próprio Vargas, Lindolfo Collor,
Francisco Campos, Flores Cunha e Oswaldo Aranha. Os tenentes Juarez
Távora, Miguel Costa e João Alberto queriam reformas sociais e a
centralização do poder. Por fim, havia o grupo dos políticos que
almejavam o aumento do próprio poder, como era o caso de João
Pessoa, Afrânio de Melo Franco e Artur Bernardes. Assim originou-se a
Revolução de 1930, da união dos tenentes que não apoiavam a Coluna
35

Prestes e dos políticos derrotados nas eleições, que, por meio de


articulações políticas, pôs fim ao sistema oligárquico que se revezava no
poder (posteriormente chamado de Primeira República). O assassinato
de João Pessoa, então presidente da Paraíba e candidato à vice na chapa
derrotada de Getúlio Vargas, aumentou o apoio popular à Aliança
Liberal e aos preparativos para a tomada de poder.
Em 3 de outubro de 1930, sob o comando de Getúlio Vargas e
Góes Monteiro, tiveram início as ações militares para estabelecer a
revolução no Nordeste, no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais. Após
um mês de conflito, o governo federal mantinha controle apenas de São
Paulo, Bahia, Pará e Rio de Janeiro. As forças revolucionárias gaúchas
dirigiram-se ao Rio de Janeiro e intimaram o presidente Washington
Luís a deixar o poder. Em face de sua recusa, militares decretaram sua
prisão, cercaram o Palácio de Guanabara, formando uma junta
provisória que transmitiu o poder a Vargas. Num gesto simbólico,
revolucionários gaúchos amarraram seus cavalos no obelisco da
Avenida Rio Branco. Tinha início o período conhecido como Governo
Provisório. Getúlio Vargas nomeou vários tenentes como interventores
nos estados. Juracy Magalhães foi nomeado interventor na Bahia;
Landri Sales no Piauí; Magalhães Almeida no Maranhão; Magalhães
Barata no Pará, entre outros.
Luís Carlos Prestes era contra a tomada de poder por Vargas, e
logo começaram a surgir manifestações de oposição.
A eclosão da Revolução de 1930 ampliou o
espaço de participação política, fazendo com que
os mais diversos setores da população
elaborassem seus programas, se organizassem
politicamente, buscassem alianças e,
principalmente, disputassem a liderança em ações
de rua. E se a luta era essencialmente política,
nenhum grupo descartava o recurso às armas: a
tradição republicana brasileira não era de
mudanças eleitorais, mas de movimentos
militares. (VIANNA, 2003, p. 69)

Assim, o Governo Provisório recém-instalado se viu em meio a


embates políticos e disputas de poder, por conta das diversas demandas
do grupo heterogêneo que auxiliou Getúlio Vargas a chegar ao poder.
36

1.2 REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA

Para manter o apoio dos tenentes, o Governo Provisório, nomeou


vários deles como interventores, ato que teve consequências indesejadas.
A falta de experiência desses tenentes ficou evidenciada em São Paulo,
onde houve grande insatisfação política. A Revolução de 1930 não
solucionou os problemas econômicos e sociais, o Governo Provisório já
contava dois anos e a nova Constituição não havia sido promulgada.
Esses fatores levaram parte dos paulistas a se unirem contra o que
consideravam arbitrariedades do governo federal.
Apoiado e divulgado pelos principais jornais do estado, no dia 24
de fevereiro de 1932, ocorreu o Comício Pró-Constituinte, reunindo
milhares de pessoas na escadaria da Catedral da Sé, ainda estava em
construção. Na sequência, houve greves, aumentando a crise econômica.
Vargas substituiu o interventor, nomeando o paulista Pedro Manuel
Toledo, em uma tentativa de acalmar os ânimos. A mudança não surtiu
o efeito desejado, sobretudo pelo envio de Osvaldo Aranha como
representante do governo federal para participar da constituição do
secretariado do estado, tirando a autonomia de Toledo.
O aumento das insatisfações deu origem à Frente Única, que
reuniu os dois partidos rivais de São Paulo: o Partido Republicano
Paulista (PRP), que fora contra a Revolução de 1930, e o Partido
Democrático (PD), que a apoiara, mas rompeu com o Governo
Provisório em fevereiro de 1932, por discordar das nomeações de
Vargas para São Paulo.

No primeiro semestre de 1932, o clima de


agitação em São Paulo era tal que o compromisso
assumido por Vargas de marcar eleições para uma
Assembleia Constituinte, a serem realizadas em 3
de maio de 1933, não teve a menor repercussão. A
decisão de ir à luta armada já se mostrava
irreversível. A reforma do general Klinger – uma
das situações definidas como casus belli no pacto
de maio de 1932 – , imposta pelo governo
provisório, foi o motivo esperado para a
deflagração do movimento. (CAPELATO;
PRADO, 1980, p. 47)

Em 23 de maio de 1932, a população paulista foi às ruas


demonstrar sua insatisfação. Um protesto de estudantes culminou na
invasão da Legião Revolucionária, organização que apoiava o governo
37

federal. Os estudantes foram recebidos com tiros e quatro deles


morreram – Mario Martins de Almeida, Euclides Miragaia, Draúsio
Marcondes de Souza e Antônio Camargo de Andrade. Orlando de
Oliveira Alvarenga foi ferido e faleceu meses depois. O incidente tornou
os estudantes mártires da revolta, e esta tomou novas proporções.
Em julho de 1932, um movimento armado para derrubar o
Governo Provisório era organizado, com tropas lideradas pelo general
Bertholdo Klinger, que havia sido exonerado. Em 9 de julho, o
interventor Pedro de Toledo aceitou a convocação para aderir à causa
paulista, rompendo com o governo federal, sendo aclamado governador
de São Paulo. Membros importantes da sociedade, como Armando de
Salles Oliveira, Euclides Figueiredo e Júlio de Mesquita Filho aderiram
imediatamente ao movimento.

Vitoriosa a Revolução de 30, as diferenças não


tardaram a vir à tona. A oposição paulista não
realizava seus anseios de estar à frente do
Governo do Estado, e não aceitava a política do
Governo Provisório. Nessa medida, viu-se na
contingência de se aliar a seus inimigos de outrora
para lutar contra a centralização do poder e pela
“volta da autonomia de São Paulo”, pregando
então a “união de São Paulo” contra a
“humilhação de São Paulo”. (CAPELATO, 1981,
p. 52)

São Paulo organizou um esforço de guerra, mobilizando


indústrias para a produção de armamentos e organizando a Campanha
do Ouro para o Bem de São Paulo. Isolado, o movimento não resistiu.
Em 1º de outubro de 1932, a Revolução Constitucionalista chegou ao
fim, com a assinatura de um termo de rendição. Os líderes do
movimento tiveram seus direitos políticos cassados. O gaúcho
Valdomiro Lima foi nomeado interventor militar de São Paulo até 1933.
Apesar da derrota, houve o fortalecimento do projeto constitucional,
com a criação de novos partidos para as eleições para a Assembleia
Nacional Constituinte, em maio de 1933.
Segundo Maria Helena Capelato, o liberalismo paulista lutava
contra a intervenção do Estado na economia e na política, buscando
combater o centralismo e a tendência unificadora do Governo
Provisório: “a classe dominante paulista queria recuperar a autonomia
de São Paulo, mesmo porque com isso seria possível readquirir o
controle do Estado” (CAPELATO, 1981, p. 57). O que de certa forma
38

ocorreu, pois a Frente Única Paulista (FUP) lançou a Chapa Única por
São Paulo Unido e obteve ampla vitória nas eleições para a constituinte.
O então interventor, general Valdomiro Lima, foi substituído por
Armando de Salles Oliveira em agosto de 1933. E em 1935, Armando
de Salles Oliveira foi indiretamente eleito como governador
constitucional de São Paulo, pela Assembleia Constituinte Estadual.

1.3 A AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA E A ALIANÇA


NACIONAL LIBERTADORA

Plínio Salgado chegou a São Paulo em 1919, para trabalhar no


periódico Correio Paulistano, do Partido Republicano Paulista. Em
pouco tempo, passou a integrar o quadro do partido, se elegendo como
deputado estadual em 1928. Em 1930, apoiou Júlio Prestes, o candidato
do PRP, para a presidência. Em outubro de 1932, fundou a Ação
Integralista Brasileira inspirada no fascismo italiano. O autoritarismo
que se espalhava pelo mundo tinha fortes laços no Brasil, com seu
passado recente de séculos de escravidão. Vinculado à corrente
modernista dos verde-amarelos, Plínio Salgado viajou à Itália em 1930,
onde entrevistou Benito Mussolini. De volta ao Brasil, fundou o jornal A
Razão, no qual divulgava ideais nacionalistas e antiliberais.
Segundo a filósofa Marilena Chaui (1985, p. 69) no discurso
integralista, 1930 e 1932 “aparecem como datas que impelem a
inteligência culta à ação social, isto é, à fundação de um centro de
estudos (a SEP) capaz de propor a necessária ‘revolução das
mentalidades’ de que carece a nação para construir-se”. Da mesma
forma, o ano de 1935 teria demonstrado a necessidade de um partido
que fizesse frente ao “bolchevismo”.
Após a criação da AIB, Plínio Salgado lançou o Manifesto
Integralista, com o perfil da nova organização, que defendia o
nacionalismo e o corporativismo, combatia o liberalismo e rejeitava o
socialismo. As ideias fascistas conquistaram adeptos rapidamente entre
as classes dominantes, na classe média urbana, nos altos escalões
militares até mesmo entre operários. Nitidamente inspirados no fascismo
italiano, cultivavam símbolos e rituais para afirmação de identidade,
como os uniformes verdes ornados com a letra grega sigma, a saudação
“Anauê!” e o lema “Deus, Pátria e Família”. Possuía também sua
própria milícia armada, um grupo de imprensa composto por jornais de
circulação local, revistas e um órgão de divulgação nacional chamado A
Ofensiva. Com um projeto de expansão nacional, a AIB organizou seu
primeiro desfile público em São Paulo em 1933. No ano seguinte,
39

realizou seu I Congresso Nacional, em Vitória. Em 1936, estima-se que


a AIB possuía entre 600 mil a um milhão de membros pelo Brasil.
Estados fortes, com regimes autoritários, eram uma tendência que se
alastrava pela Europa como solução para a crise do Estado liberal e do
capitalismo de livre concorrência, após a quebra da Bolsa de Nova
York, em 1929.

Unificando capitalismo, imperialismo dos países


industrializados e não conformismo face ao
materialismo histórico, fazendo do comunismo o
desdobramento do capitalismo, Salgado designa a
burguesia (sem especificar suas frações) e os
revolucionários como os “outros” e, acreditando
que o nacionalismo arrastará a massa, usará essa
bandeira como arma política. (CHAUI, 1985,
p.73-4)

Em 1937, Plínio Salgado se candidatou à eleição presidencial,


que não ocorreu por causa do golpe do Estado Novo. Salgado estava a
par de tudo, desde o início. Tanto assim que o Plano Cohen, utilizado
como justificativa para o golpe, foi forjado por Olímpio Mourão Filho,
dirigente integralista. Segundo Marilena Chauí (1985), Plínio Salgado
mantinha em seus discursos a tônica anticomunista, mas também
apresentava um “espiritualismo católico”, explicando que só haveria
possibilidades: “por Deus e contra Deus”. Usou o lema “Deus, Pátria e
Família” para criticar tanto a democracia liberal, que rompia com os
valores sagrados, quanto o comunismo, que seria ateu, internacionalista
e destruidor do núcleo familiar.
Houve também no país iniciativas antifascistas que se articularam
em uma frente única. Em setembro de 1934, foi lançado o Comitê
Jurídico Popular de Investigação, que deu origem à Aliança Nacional
Libertadora. A iniciativa surgiu das lutas democráticas e do combate à
repressão, sobretudo após o I Congresso Nacional contra a Guerra
Imperialista e o Fascismo, realizado no Rio de Janeiro, em agosto de
1934. Um pequeno grupo, composto por intelectuais e militares,
articulava no Rio de Janeiro uma organização política capaz de dar
suporte nacional às lutas populares que então se travavam. Com forte
adesão de tenentes de esquerda descontentes com o governo Vargas,
buscavam uma grande frente anti-imperialista e anti-integralista que
agrupasse todas as forças e instituições democráticas.
Em janeiro de 1935, a ANL lançou seu primeiro manifesto
público na Câmara Federal; em fevereiro, divulgou seu programa, que
40

reivindicava a suspensão do pagamento da dívida externa do país,


nacionalização das empresas estrangeiras, reforma agrária, proteção a
pequenos e médios proprietários, garantia de amplas liberdades
democráticas e constituição de um governo popular (sem, contudo,
definir as vias para tanto). Em março de 1935, constituiu o diretório
nacional provisório, com Hercolino Cascardo na presidência e Carlos
Amorety Osório como vice-presidente. No fim de março, a ANL foi
oficialmente lançada, em um grande comício no Teatro João Caetano, na
capital federal, ao qual compareceram milhares de pessoas. Um
manifesto foi lido pelo então estudante Carlos Lacerda. Luís Carlos
Prestes, que estava na clandestinidade, foi escolhido como presidente de
honra da organização.
A escolha do nome de Luís Carlos Prestes para a
direção de honra da ANL teve consequências
importantes para a organização. Impossível dizer
se a ideia dos proponentes fora apenas garantir
para a ANL o prestígio do nome do general da
coluna, mesmo sem contar com sua atuação na
organização, uma vez que Prestes estava fora do
país. Mas Prestes era um homem de ação e não
emprestaria seu nome sem juntar a isso uma ativa
participação na direção do movimento.
(VIANNA, 2003, p.81)

Ao tomar conhecimento da ANL, o PCB optou por uma postura


preventiva, sem aderir, mas apoiando a frente. Havia diferenças
ideológicas entre os grupos, pois os comunistas propunham a tomada do
poder por um governo popular, e os tenentes não falavam em tomada de
poder; a ANL pregava a união de classes, e os comunistas, a luta de
classes. As posições dos comunistas e dos tenentes coincidiam em
pontos essenciais, como a luta democrática, anti-imperialista,
antilatifundiária e antifascista; as diferenças estavam na compreensão do
conteúdo e nas formas das lutas. Logo que chegou ao Brasil, Prestes
buscou assumir a liderança do movimento, lançando a palavra de ordem
“por um governo popular nacional revolucionário”, que acabou
incorporada ao programa da ANL. Em três meses, a ANL organizou
centenas de núcleos em todo o Brasil, recebendo milhares de filiações,
com adesões importantes como as de Miguel Costa e Maurício de
Lacerda. Diversas personalidades e alguns ex-interventores mostraram-
se simpáticos à Aliança. O PCB ingressou na ANL e Prestes passou a ter
participação efetiva. Tamanha atividade preocupou o governo, que
aprovou a Lei de Segurança Nacional.
41

Segundo Vianna (2003), Prestes e os tenentes estavam


convencidos de que a revolução no Brasil se aproximava, e tanto os
comunistas quanto os tenentes de esquerda consideravam a luta armada
o único caminho para alcançar seus objetivos. A aclamação do
“Cavaleiro da Esperança” como presidente de honra da ANL selou a
aliança entre tenentes e comunistas. As frequentes greves e
descontentamento com ajustes feitos nas Forças Armadas fortaleceram a
situação da ANL. Militares integralistas e aliancistas passaram a se
manifestar politicamente, o que fortaleceu a expectativa de um conflito
armado, como uma continuação das revoltas tenentistas. Havia boatos,
já no começo de 1935, de que haveria um golpe. Vianna cita que havia
provocações contra a ANL, como a do jornal A Ofensiva, que chamou
Prestes de “cavaleiro da triste figura”. Um comício foi então organizado
em Madureira, no qual militares fardados saudaram Prestes, sendo, em
seguida, expulsos do exército e presos por ordem do ministro da Guerra.
Ao mesmo tempo, houve greve dos tecelões e ameaça de greve dos
marítimos. A notícia de redução dos efetivos militares quase passou
despercebida, mas foi fato decisivo na eclosão dos levantes de
novembro de 1935.
Antes disso, no dia 8 de junho, a ANL se posicionara contra o
imperialismo e o ameaçava revolucionariamente. Alegava que, em caso
de um golpe fascista, o exército nacional popular e anti-imperialista
implantaria o governo popular. No dia seguinte, em comício de apoio a
grevistas, integralistas atiraram na multidão; um operário morreu e
diversos ficaram feridos. O jornal A Manhã desafiava o governo e
ameaçava uma greve geral de 2,5 milhões de trabalhadores, enquanto
folhetos ofendendo Vargas circulavam entre militares. De acordo com
Vianna (2003), as lutas militares que ocorriam desde 1922 geravam um
clima de esperança no Exército e a favor de um golpe de militares
redentores. E a agitação em torno da ANL levava a crer que o povo
participaria de um ato insurrecional.
Em junho, o jornal O Globo noticiava um plano vindo de Moscou
para a implantação de um regime similar ao soviético no Brasil, na
Argentina e no Uruguai. O periódico citava uma ação rápida e violenta,
incluindo fuzilamentos e invasão de domicílios. Nesse clima de
ameaças, começaram as prisões de aliancistas, líderes sindicais, entre
outros. As exaltações aos tenentes ficavam cada vez mais fortes. Em 5
de julho, na celebração dos levantes tenentistas, Prestes lançou um
manifesto de apoio à ANL, clamando por “todo poder à ANL”, pretexto
usado para o seu fechamento, pelo Decreto n. 229, assinado por Vargas
em 11 de julho. Na clandestinidade, a ANL se esvaziou. O PCB e
42

Prestes passaram a dominá-la e manifestaram o desejo de dar


continuidade à Coluna Prestes. Em outubro, o cenário era de greves e
conflitos entre a AIB e os comunistas. Telegramas eram enviados à
presidência, com boatos de golpe e rompimentos de bancadas estaduais
com o governo. Havia um clima revolucionário, com questões do
movimento tenentista ainda não resolvidas.
Hoje, vemos que o país não estava amadurecido
para um movimento revolucionário, mas as lutas
militares que vinham de 1922, remontando às
tradições republicano-positivistas e ao
jacobinismo florianista, passando pela epopeia da
Coluna Prestes e pela organização da ANL —
com a adesão de Prestes ao movimento —, tudo
isso autorizava o clima emocional de esperanças
no Exército e em favor de golpes militares
redentores. (VIANNA, 2003, p. 85)

Mesmo com o planejamento da ANL e o PCB para uma


revolução no Brasil, as necessidades tenentistas passaram à frente em
novembro, com levantes motivados por insatisfações militares. Segundo
Marilena Chauí (1985), apesar de Roberto Sisson e Luís Carlos Prestes,
a presença tenentista na ANL e seu programa nacionalista, defensor da
pequena propriedade e nacionalizador da economia, não deu ao
movimento um caráter revolucionário. Mesmo assim, foi entendido
como “comunista”, por razões conjunturais que serviam aos interesses
de grupos ligados a Vargas.

1.4 LEVANTES DE NOVEMBRO 1935

Os levantes de novembro de 1935, durante o Governo


Constitucional, foram posteriormente denominados, de forma pejorativa,
como Intentona Comunista. No Rio Grande do Norte, a Guarda Civil foi
dissolvida, gerando tumultos, mas o Partido Comunista de Natal
recomendou cautela, com possibilidade de levante apenas em
simultaneidade com outros estados. Contudo, durante os tumultos,
soldados do 21º Batalhão assaltaram um bonde; foram presos e expulsos
do exército, o que deixou indignados os militares subalternos nos
quarteis. O sargento Quintino Clementino e o cabo Giocondo Dias
dirigiram-se à sede do Partido Comunista, para informar que, às sete
horas e trinta minutos do dia 23 de novembro, iriam se rebelar no 21º
Batalhão e queriam que o partido dirigisse a revolta.
43

A princípio, o PCB foi contra, mas depois de muita insistência,


resolveu participar. O quartel foi rapidamente tomado, mas nenhum
oficial assumiu a direção da rebelião. Os comunistas, usando fardas e
empunhando armas, saíram em missões pela cidade, junto com os
militares. Tomaram Inspetoria da Polícia, Correios e Telégrafos,
Cavalaria, aeroporto, estradas de ferro, Central Elétrica, delegacias e
cartórios. Somente a Polícia Militar resistiu, e um soldado legalista
morreu. A revolta se espalhou pelo interior do estado, e muitos a viam
como obra do ex-governador derrotado nas eleições. Em Caicó, o
fazendeiro e político Dinarte Mariz juntou homens armados e pediu
ajuda ao governo da Paraíba para combater os rebeldes. Entrou em Natal
depois de alguns combates, no dia 27 de novembro, quando a polícia
rendeu os rebelados. Os membros do Comitê Popular deram ordem para
debandar, mas já era tarde. A princípio, o governador mandou prender
seus inimigos políticos, mas após a revolta no Rio de Janeiro, começou
a perseguição aos comunistas. O levante no Rio Grande do Norte,
segundo Vianna (2003), não era socialista, não tinha programa e muitos
desconheciam como e por que havia começado, apesar de quatro dias de
duração e participação dos comunistas.
Em Recife também houve um levante, na noite de 24 de
novembro. Ali ficava a sede do Secretariado Comunista do Nordeste,
com Silo Meireles (que esteve com Prestes em Moscou) à sua frente. A
greve na Estrada de Ferro Great Western recebeu apoio do 29º Batalhão,
o que também fez os comunistas acreditarem em uma situação
revolucionária. Soldados enfrentaram oficiais contrários à greve, que
culminou na morte de um tenente integralista. Os comunistas assumiram
a direção do movimento e criaram o Comitê Popular Revolucionário,
que requisitou armas, carros e mantimentos. Dinheiro foi distribuído ao
povo sem qualquer critério, assim como pão. O transporte público
passou a ser gratuito. Chamou-se o povo para unir-se ao movimento,
contando com a participação popular, sobretudo de estivadores,
portuários e operários. Contudo, não houve adesão popular. Já na tarde
do dia 25 de novembro, os revoltosos estavam encurralados pelas tropas
legalistas. No dia seguinte, chegaram reforços de outros estados. Houve
uma tentativa de fuga para Vitória de Santo Antão, mas as tropas do
governo fecharam o cerco e, na noite de 27 de novembro, todos os
chefes da revolta de Recife já estavam presos.
O levante de Recife teve um caráter mais politizado. Os que
aderiram eram comunistas, que quando presos, alegaram o desejo de um
governo popular, revolucionário, que não sofresse vexames impostos
pelo capitalismo. Mas a desorganização do levante foi evidente, pois no
44

dia 23 de novembro, acontecia um encontro da direção nacional do


PCB, no Rio de Janeiro, também com representantes do Rio Grande do
Norte, sem que ninguém soubesse o que estava acontecendo. Mais tarde,
o PCB carioca, na figura de Miranda e dos assessores da Internacional
Comunista, Harry Berger e Rodolfo José Ghioldi, foram contra o
levante. Mas Prestes os convenceu do contrário, argumentando que não
poderiam abandonar os camaradas do nordeste.
Na obra Estratégias da Ilusão, Paulo Sergio Pinheiro utilizou
uma fala de Luís Carlos Prestes para elucidar o motivo pelo qual a
movimentação no Rio de Janeiro ocorreu apenas no dia 27 de
novembro:
Na madrugada de 23 para 24 de novembro, eu
recebi informe de um companheiro dando conta
do levante de Natal. Há muitas versões sobre esse
levante. Fala-se de provocação, mas a verdade é
que foi um movimento espontâneo, sem ordem da
direção do partido. No dia seguinte, houve o
levante de Recife. Eu achei que era o momento de
os operários se sublevarem no Rio, para dar apoio
aos companheiros de Recife. Mas não queria
tomar essa decisão sem consultar o secretário-
geral do partido. Só no dia 25 à tarde é que
conseguimos encontrar Miranda. Fizemos uma
reunião e decidimos que o levante seria na noite
de 26 para 27. (PRESTES apud PINHEIRO, 1991,
p. 299-300)

Com a revolta marcada, Prestes buscou contato com Moscou,


para informar sobre a decisão, e enviou ordens para as unidades
militares do Rio de Janeiro. Segundo Vianna (2003), ele enviou cartas
aos amigos que serviram com ele na Coluna. Mas se enganara: Newton
Leal, convidado a participar do levante, foi um dos primeiros a atacar os
revoltosos, comandando o Grupo de Obuses de São Cristóvão.
O Partido Comunista tentou organizar brigadas civis, reunindo
140 pessoas, que começaram a produzir bombas nas casas dos
militantes. O 3º Regimento de Infantaria possuía 1700 homens e apenas
dois oficiais ligados ao partido, o tenente Leivas Otero e o capitão
Agildo Barata. Havia muitos aliancistas4 e simpatizantes. No 3º

4
Membros da ANL – Aliança Nacional Libertadora, que abarcava militares
dissidentes das revoltas tenentistas de 1922 e 1924 que não eram
necessariamente ligados ao Partido Comunista no Brasil.
45

Regimento de Infantaria, houve resistência das Forças das


Metralhadoras. Quando os rebelados conseguiram tomar o quartel, já
estavam cercados pelas forças governistas. Os reforços esperados da
Vila Militar não chegaram, pois esta não se rebelou e a Escola de
Aviação foi derrotada. Antes do meio dia de 27 de novembro, os
rebelados foram bombardeados e se renderam. A Marinha não aderiu ao
levante, as brigadas civis se mostraram um fracasso e a população não
sabia o que acontecia. Ao saber da derrota, Prestes considerou-a apenas
um revés em uma luta que continuaria. Os revolucionários ainda
acreditavam em uma vitória, pois havia boatos sobre um golpe de
generais e sobre uma oposição a Filinto Müller nas Forças Armadas. Por
fim, o PCB concluiu que o motivo da derrota foi a prematuridade das
ações.
Nos diferentes estados, os Levantes de 1935 ocorreram de formas
distintas. O de Natal, mais semelhante a uma desordem social, sem real
participação dos comunistas e sem lideranças A princípio, o governo
chamou o movimento de “anarquia”, depois, afirmou que os levantes
foram incitados por ordens diretas de Moscou. Mesmo não planejada, a
revolta do Recife, também acusada de seguir ordens de Moscou, foi
constituída por membros mais politizados com reinvindicações mais
objetivas. No Rio de Janeiro, embora encabeçado por Prestes, o levante
só recebeu anuência de Moscou muito tempo depois de seu fim, tendo
sido executado por aliancistas muito mais próximos do movimento
tenentista da década anterior que dos comunistas. Autores especialistas
no tema, como Marly Vianna (1992) e Paulo Sérgio Pinheiro (1991),
concluíram que os levantes, embora de grande relevância para o Partido
Comunista do Brasil, foram desorganizados e motivados pelas
insatisfações do tenentismo, prolongadas até a década de 1930.
A complexidade dos seus elementos torna superficial a tentativa
de classificação dos eventos – como tenentista, comunista ou aliancista
–, não dando voz a seus membros, que possuíam níveis diferentes de
interesses e de consciência política. Os levantes forneceram o pretexto
para que Getúlio Vargas se firmasse como protetor contra a “ameaça
comunista que assolava o país”, declarando estado de sítio por 120 dias.
Para localizar comunistas estrangeiros no Brasil, foram utilizados o
serviço de inteligência inglês e a Gestapo. Um clima de ameaça de
guerra civil era mantido, para justificar a anulação das eleições em 1937.
Getúlio Vargas, que já havia deixado clara sua insatisfação com a
Constituição de 1934, a partir dos levantes de 1935, teve o pretexto que
precisava para suspender a Constituição e legitimar sua própria
disciplina social, justificada a partir de uma ameaça comunista que
46

garantia a alimentação do seu próprio processo político sustentado pela


população civil.
Rodrigo Patto Sá Motta (2000) aponta que as ações
anticomunistas no Brasil, embora inicialmente de inspiração europeia,
sobretudo francesa, desenvolveram características nacionais próprias a
partir do levante de 1935.
Surgiram elaborações originais, relacionadas às
singularidades da dinâmica política brasileira. É o
caso do imaginário construído em torno do
levante de 1935, a “Intentona Comunista”, que
forneceu boa parte do arsenal propagandístico
usado pelos anticomunistas do Brasil. A forma
como o episódio de 1935 foi explorado
dificilmente encontra similar em outros países. A
“Intentona” deu origem não somente à construção
de um imaginário, mas ao estabelecimento de uma
celebração anticomunista ritualizada e sistemática.
Outrossim, contribuiu para solidificar o
comprometimento da elite militar com a causa
anticomunista, por via da exploração da
sensibilidade corporativa do grupo (MOTTA,
2000, p.18)

Em 24 de janeiro de 1936, o Ministro da Justiça, Vicente Rao,


anunciou a formação da Comissão Nacional para Repressão ao
Comunismo, órgão autônomo de investigações. Em março de 1936, a
polícia invadiu a sede do Poder Legislativo e prendeu cinco
congressistas, que permaneceram presos por 14 meses sem julgamento.
A perseguição atingiu outros parlamentares e, para sustentar a situação,
o Congresso votou a suspensão das imunidades, instalando o Tribunal
de Segurança Nacional, que possibilitou diversas prisões sem
julgamentos até 1945.

1.5 LEI DE SEGURANÇA NACIONAL

1.5.1 Lei de Segurança Nacional: a institucionalização da


perseguição política no governo de Getúlio Vargas.

O Governo Constitucional de Getúlio Vargas foi marcado pela


criação da Lei de Segurança Nacional, objeto jurídico que possibilitou a
47

declaração de estado de sítio e a criação de um Tribunal de Segurança


Nacional, mergulhando o país em um estado de exceção. Tais
acontecimentos levantam questões como: que condições políticas deram
origem à Lei de Segurança Nacional (LSN)? Como a LSN foi tratada
pela imprensa, e como se deu seu debate público? Por que o projeto da
LSN foi criado antes da Aliança Nacional Libertadora e dos
movimentos de novembro de 1935? Que ameaça acreditava-se existir
para a sua criação?
A hipótese levantada para compreender essa legislação parte da
insatisfação do governo Vargas em relação à Constituição de 1934, por
conta da ampla liberdade que ela garantia. Isso podia se tornar uma
ameaça, permitindo a composição de uma oposição mais articulada,
através de sindicatos ou partidos políticos. O caminho para pensar essas
questões é abrangente, por isso, é preciso visitar a linha histórica da
política no Brasil, partindo da década de 1920. Para tanto, uso como
fontes o debate sobre o projeto de lei na Câmara de Deputados, as
diferentes posições de três periódicos sobre a Lei de Segurança Nacional
e, por fim, o texto da própria Lei de Segurança Nacional.
Para compreender o contexto histórico de 1935, quando a LSN
foi aprovada, é preciso atentar para a situação política como fio
condutor, a partir da Revolução de 1930, com alguns momentos
anteriores.
No plano ideológico debatiam-se as correntes
liberais e antiliberais; entre estes marcavam
presença os nacionalistas oriundos do movimento
tenentista, os católicos e os integralistas [...] o
texto constitucional representou uma síntese de
posições contrarias, nenhum dos grupos se sentiu
plenamente vencedor. (CAPELATO, 2006, p.
115)

Embora a Revolução de 1930 tenha se solidificado a partir de


diversas frentes insatisfeitas com o governo da chamada Primeira
República, que representava claramente os interesses de algumas
oligarquias, a solução apresentada com o golpe não satisfez quem
também buscava alternativas para o governo do país.
Após perder as eleições de 1930, os políticos e os tenentes
resolveram pôr fim ao governo oligárquico, comandado por paulistas,
através do uso de armas. Os tenentes, que já tinham demonstrando suas
insatisfações através de duas revoltas tenentistas, encontraram na
oposição estruturada em torno da figura de Vargas a chance de ter suas
48

demandas atendidas após tomar o poder. A Revolução não representava


a união nem a concordância, e o governo que estava por vir enfrentou
diversas fissuras, remediadas com a força e a repressão de uma ditadura.
Uma situação problemática se apresentou no estado de São Paulo,
com João Alberto Lins de Barros, que governou contra a vontade dos
paulistas e levou à Revolução Constitucionalista de 1932. Apesar do
fracasso, o levante foi um marco histórico, sobre o qual se produziu uma
narrativa histórica oficial, que celebra até os dias atuais a “bravura dos
heróis de 32”. Essa memorialística foi construída com símbolos como o
Obelisco Mausoléu aos Heróis de 32, o feriado regional de 9 de julho e
nomes de ruas e escolas relacionados à Revolução Constitucionalista.
Intelectuais paulistas trataram de produzir essa memorialística, mesmo
que oriundos de correntes diferentes.

As redes de sociabilidade que se travam,


sobretudo, neste momento, entre as correntes
políticas e intelectuais em São Paulo são
interessantíssimas. Ao mesmo tempo em que o
poeta Guilherme de Almeida, vinculado aos
“verde-amarelos”, trabalha para o jornal O Estado
de S. Paulo, o periódico, propriedade do
interventor, serve à sua legitimação. Em outro
ponto, enquanto Alfredo Ellis Junior e Menotti
Del Picchia dedicam-se, com um recuo maior dos
cargos políticos, à continuação da formulação do
modelo épico da história regional, cujo levante de
1932 constitui, a partir de então, uma das laudas
mais notórias, o intelectual José de Alcântara
Machado de Oliveira integra e lidera a bancada
paulista na Assembleia Constituinte.
(RODRIGUES, 2009, p.319)

O processo de criação de uma história heroica somou-se ao


pedido que Armando de Salles Oliveira fez a Getúlio Vargas,
solicitando a recondução de funcionários públicos federais que
participaram do levante às suas funções, assim como o retorno dos
exilados.
Os memorialistas fizeram questão de ressaltar que a vitória
paulista se traduziu na promulgação da Constituição de 1934. Esta tinha
pretensões de acalmar os ânimos quanto à legalidade do Governo
Provisório, aprovando Vargas como presidente da República com
70,58% dos votos.
49

A Constituição de 1934 foi uma Constituição com


fortíssima “retórica federativa” encobrindo um
regionalismo bem mais ativo. A Constituição de
1934 foi muito importante na busca desse
consenso pela via da democracia liberal,
combinando a descentralização estadual com o
reformismo social, de cunho centralizador.
Evidentemente, em 1934 a questão social era
muito forte, e a Constituição absorveu bem o
problema. Quem não absorveu tão bem foi a
prática política do federalismo oligárquico, que
acabou levando ao fechamento do Congresso e ao
golpe de 1937. (CAMARGO, 1999, p. 46)

Marca dessa insatisfação do governo com a Constituição de 1934


foi a crítica de Francisco Campos:

Voltando-se para a política brasileira, ele


(Francisco Campos) faz uma crítica aos desvios
que o país vinha sofrendo depois da Revolução de
30, absolutamente alterada, segundo ele, nos seus
propósitos fundamentais. O predomínio dos
políticos no cenário das decisões teria
transformado o movimento revolucionário numa
experiência abortada. A revolução teria sido
frustrada pela precipitação da
reconstitucionalização, uma referência direta à
Constituinte de 1934, que acabara por se utilizar
de instrumentos de falsificação das decisões
populares para dar cobertura à ação pessoal de
chefes locais (SCHWARTZMAN, BOMENY e
COSTA, 2000, p. 82)

A nova Constituição também trouxe o voto obrigatório e secreto a


todos os alfabetizados e alfabetizadas maiores de 18 anos, criou a Justiça
do Trabalho, proibiu o trabalho infantil, fixou a jornada de trabalho de
oito horas, tornou obrigatórios o repouso semanal, as férias
remuneradas, a indenização para trabalhadores demitidos sem justa
causa, as assistências médica e dentária, a assistência remunerada a
trabalhadoras grávidas, proibiu a diferença de salário por idade, sexo,
nacionalidade ou estado civil e extinguiu o cargo de vice-presidente (que
voltou a existir em 1946). Segundo Raphael Marques (2011, p. 45),
Filinto Müller acreditava que a Constituição de 1934 possibilitava aos
50

comunistas um forte programa de agitação, pois, “como se pode notar, a


maior causa do alastramento da subversão comunista era, para a elite
governamental, evidente: as garantias constitucionais”.
Suspensa com o estado de sítio de 1935 e anulada com o Estado
Novo em 1937, a Constituição de 1934 vigorou oficialmente por um
ano. Essa retirada acelerada das instituições políticas liberais ocorria no
contexto mundial, segundo Eric Hobsbawm:

Em 1918-1920 assembleias legislativas foram


dissolvidas ou se tornaram ineficazes em dois
Estados europeus, na década de 1920 em seis, em
1930 em nove, enquanto a ocupação alemã
destruía o poder constitucional em outros cinco
durante a Segunda Guerra Mundial. [...]. Nas
Américas, a outra região dos Estados
independentes, a situação era mais confusa, mas
não chegava a sugerir um avanço geral das
instituições democráticas. A lista de Estados
consistentemente constitucionais e não
autoritários no hemisfério ocidental era curta:
Canadá, Colômbia, Costa Rica, os EUA e a hoje
esquecida “Suíça da América Latina” e sua única
democracia verdadeira, o Uruguai. (2005, p.115)

Quando trata da queda do liberalismo, no livro A Era dos


Extremos, Hobsbawm afirma que os sobreviventes do século XIX se
chocaram quando os valores da civilização liberal entraram em colapso,
pois acreditavam nos valores da razão, no Estado e na sociedade
formados no debate público, pela educação, pela ciência e pela
capacidade de melhoria da condição humana. “Antes de 1914, esses
valores só tinham sido contestados por forças tradicionalistas como a
Igreja Católica Romana, que ergueu barricadas defensivas de dogmas
contra as forças superiores da modernidade" (HOBSBAWM, 2005, p.
114). O Brasil acompanhou essa tendência mundial, fruto do
desencantamento com o liberalismo advindo da Primeira Guerra
Mundial e do aprofundado com a crise econômica de 1929, uma
desilusão que encontrou amparo em projetos nacionalistas de governo
ao redor de todo o mundo.

Em resumo, o liberalismo fez uma retirada


durante toda a Era da Catástrofe, movimento que
se acelerou acentuadamente depois que Adolf
51

Hitler se tornou chanceler da Alemanha em 1933.


Tomando-se o mundo como um todo, havia talvez
35 ou mais governos constitucionais e eleitos em
1920 (dependendo de onde situamos algumas
repúblicas latino-americanas). Até 1938, havia
talvez dezessete desses Estados, em 1944 talvez
doze, de um total global de 65. A tendência
mundial parecia clara. (HOBSBAWM, 2005,
p.115)

As forças que derrubavam os regimes liberal-democráticos eram


autoritárias. Alguns reacionários anacrônicos proibiam partidos,
especialmente o comunista, e todos tendiam a ser nacionalistas.
Características que floresceram com o governo Vargas no Brasil. Até
1939, ele demonstrava simpatia pelas práticas políticas do Estado
alemão, e não era o único. Diversos países do mundo se interessaram
por essa direita que surgia: “o fascismo, primeiro em sua forma original
italiana, depois na forma alemã do nacional-socialismo, inspirou outras
forças antiliberais, apoiou-as e deu à direita internacional um senso de
confiança histórica: na década de 1930, parecia a onda do futuro.”
(HOBSBAWM, 2005, p. 116).
Rodrigo Patto Sá Motta chama a atenção para o fato de que os
países de orientação fascista pregavam o combate ao comunismo, o que
contribuiu para a identificação de um “inimigo comum”:
Efetivamente, no período entre 1935 e 1939 o
governo brasileiro estreitou laços com a
Alemanha nazista, tanto políticos como
econômicos. Acordos comerciais já vinham sendo
firmados antes de 1935, mas o advento da
Intentona consolidou tal tendência. Policiais
brasileiros foram enviados para treinamento na
Alemanha com objetivo de aprender como a
Gestapo lidava com a ameaça comunista, e
diplomatas foram convidados a tomar parte em
congressos anticomunistas. A solidariedade
anticomunista também foi a razão principal para a
simpatia brasileira à causa franquista na Guerra
Civil Espanhola. Cauteloso, Vargas deu apoio
apenas discreto aos nacionalistas, mas, no íntimo,
seu governo torcia pela derrota dos republicanos.
(2007, p. 235)
52

Na contramão da Constituição de 1934, havia um governo que


simpatizava com as iniciativas políticas autoritárias e totalitárias da
Itália e da Alemanha, unificadas na crítica ao liberalismo e, sobretudo,
no anticomunismo. “Visto do outro lado do Atlântico, o fascismo sem
dúvida parecia a história de sucesso da década.” (HOBSBAWM, 2005,
p.137). Sendo assim, foi aprovada a Lei de Segurança Nacional,
amplamente utilizada para a repressão política no país. Contudo, essa
aprovação não foi unânime.

1.5.2 Oposição ao projeto de Lei na Câmara de Deputados

Segundo Marques (2011, p. 49) a autoria do projeto de Lei de


Segurança Nacional não foi evidenciada. Alguns autores sugerem que
teria sido de Vicente Rao; outros, que o teria elaborado com Raul
Fernandes. Formalmente, o projeto não foi apresentado pelo poder
Executivo, mas pelos parlamentares. O deputado Domingo Velasco
(PSR-GO) criticou o projeto, para ele inspirado pelos interventores e
redigido pelo ministro da Justiça; segundo o deputado, o poder
Executivo não teve coragem de apresentá-lo e arcar com as revoltas que
ocasionaria, jogando a responsabilidade para a Câmara de Deputados.
Segundo Casimiro Neto (2006) o projeto de lei n. 78 começou a
tramitar em 26 de janeiro de 1935. Antes mesmo da discussão do
projeto, o deputado Adolfo Bergamini (PD-DF) protestou contra as
prisões de jornalistas, funcionários da imprensa e da perseguição ao
Jornal do Comércio. O deputado José Ferreira de Souza (PP-RN) alegou
que o próprio governo alimentava a crise com uma “possível ameaça
comunista”, afirmando que era preciso atentar para as liberdades
constitucionais, num período em que já ocorriam perseguições aos que
estavam contra os interesses dos interventores.
Na mesma linha, o deputado Antônio Augusto Covello (Partido
da Lavoura-SP) criticou a falta de precisão quanto à qualificação de
certos delitos. Christiano Balz (2009, p. 36) destaca que Covello,
formulou duras críticas contra as medidas que o governo tomava em
nome da defesa social e política do país; para o deputado, o projeto da
LSN era uma medida de exceção, com dispositivos vagos e elásticos.
Adolfo Bergamini propôs a elaboração de um substitutivo, já que o
projeto se chocava com a Constituição. O deputado José Matoso de
Sampaio Corrêa (Avulso-DF) declarou que o projeto de lei se
preocupava em armar os agentes do poder público, sem cogitar a
salvaguarda e a defesa dos direitos dos cidadãos.
53

Percebe-se que não houve aprovação unânime da lei na Câmara,


já que alguns deputados compreendiam que se tratava de um
cerceamento, uma legitimação de cassações políticas, acima dos direitos
constitucionais. Mesmo assim, com 116 votos a favor (e 26 contra), a
LSN, também conhecida como “Lei Monstro”, foi aprovada pela
Câmara e sancionada pelo presidente Getúlio Vargas.

1.5.3 Lei de Segurança Nacional na imprensa

Para compreender a importância social da LSN e analisar as


posições da imprensa sobre o assunto, fiz alguns apontamentos a partir
de três jornais do período. Selecionei uma pequena amostragem de
reportagens do Diário Carioca, com foco em três notícias que
circularam nos dias anteriores ao lançamento de projeto de lei. A
escolha não foi aleatória e teve o intuito de apresentar um periódico com
posições governistas, que defendeu o projeto de lei antes mesmo que seu
conteúdo fosse divulgado. Também selecionei três reportagens do jornal
Correio da Manhã, que, embora não fosse oposicionista, tinha
divergências em relação ao governo Vargas. Por fim, selecionei três
reportagens do jornal O Imparcial, que manteve duras críticas à
repressão no período do Governo Constitucional.
No dia 20 de janeiro de 1935, o Diário Carioca, publicou A Lei
de Segurança Nacional, tratando de comentários desencontrados que
circulavam sobre o tema: “não há motivos para alarme, trata-se apenas
de uma lei de segurança nacional, enquadrada rigorosamente dentro das
normas, dos princípios e do espirito da Constituição de 16 de julho”.
(DIÁRIO, 20/01/1935, p. 3). Em 23 de janeiro de 1935, o mesmo
periódico publicou a matéria A Lei de Segurança, de Pedro Vergara5,
que esclarecia: “Em verdade, a futura lei de segurança nacional, como
está no projeto, - não viola nem sobrexcede a qualquer texto
constitucional [...] em suma o projeto será, exatamente, como está no
seu nome espontâneo de batismo, uma lei de segurança nacional.”
(DIÁRIO, 23/01/1935, p. 3)
Nesse mesmo dia, o Correio da Manhã publicou, na página 3: “O
projeto de lei de segurança nacional talvez ainda hoje não seja
apresentado à Câmara [...]. Ontem à noite, o projeto foi entregue ao

5
Escritor gaúcho que, em 1945, publicou o livro Getúlio Vargas, o orador e
escritor, foi o único autor a assinar suas matérias, entre todos os três jornais
aqui analisados.
54

ministro da Justiça que o teria levado à assinatura dos deputados


paulistas ora nesta capital” (CORREIO, 23/01/1935, p. 3). No dia
seguinte, publicou “Protestos por antecipação”, sobre uma manifestação
organizada por “extremistas” contra a Lei de Segurança Nacional, que
foi impedida pela polícia de Belo Horizonte: “o orador desses
apressados vedetas de Moscou desceu da tribuna ao ser advertido pelos
agentes incumbidos da manutenção da ordem pública”. O texto
prosseguiu, tratando da “atitude precipitada” dos manifestantes, já que o
conteúdo da lei ainda era desconhecido, e finalizou: “a nação não pode
estar à mercê de uma opinião artificiosa que deseja liberdade plena de
expansão para todos os fermentos de anarquia e dissolução,
disseminados na vastidão de nosso território” (CORREIO, 24/01/1935,
p. 4).
No dia 25 de janeiro de 1935, o Diário Carioca, publicou, na
página 6, o texto Eu proíbo, sobre um pronunciamento de Plínio
Salgado a respeito do projeto da LSN: “reuniu-se em São Paulo um
Congresso Provincial Integralista, presidido pelo Sr. Plínio Salgado,
chefe daquela agremiação política que combate a democracia liberal”. O
jornal tratou o discurso como violento e contra o “nosso” regime
político, ironizando a figura de Plínio Salgado: “o pior é o que sai dos
lábios do chefe, o Sr. Plínio parece viver sonhando com outro mundo e,
por isso mesmo, já se julga um super-homem ou um semideus”.
Acusava Salgado de almejar ser como Simon Bolívar e finalizava
afirmando que, caso a LSN fosse aprovada, o chefe integralista gritaria
“Eu proíbo a liberal-democracia no Brasil!”.
No mesmo dia, o Correio da Manhã trouxe, na página 4, o texto
Extremismo, que demonstrava preocupação quanto ao que a LSN
entendia como combate ao extremismo, pois este se estenderia tanto aos
integralistas como aos comunistas. Segundo a reportagem “há um grave
erro nessa falsa apreciação. Não se poderia incluir o integralismo, escola
de cultura cívica em que o cidadão aprende a ser homem, a ser
disciplinado e a amar à sua pátria, como doutrina extremista”. E alertava
para o fato que a lei tinha “aspectos razoáveis” e “perspectivas
salubres”, mas não deveria ultrapassar os limites do bom senso: “as
ideias dignas, mesmo que contrariem um regime estabelecido, não
podem ser combatidas, porque representam o direito das criaturas, isto é,
o meio que os homens possuem para melhorar a existência e serem
felizes.”
Com a Lei de Segurança Nacional já em vigência, o jornal O
Imparcial publicou na página 11, em 13 de junho de 1935, Os abusos a
que se presta a lei de segurança, reportagem que trouxe a história de
55

Oscar Pereira Gomes, tabelião do 3º Ofício de Nova Iguaçu,


denominado por seu advogado como “chefe socialista” na cidade. Ele
angariou antipatias dos policiais filiados ao Partido Progressista, que o
prenderam por porte ilegal de arma, mas em vez de enquadrá-lo por
simples contravenção, o fizeram pela Lei de Segurança Nacional. O
advogado apontava a falta de lógica do ato, visto que a arma estava
descarregada e o indiciado seguia para casa depois de um dia de
trabalho; logo, não estaria cometendo crime contra a ordem política, fato
que tornaria o delito inafiançável. A reportagem também ironizava o
fato de a arma, um revolver Colt, ser tratada nos autos como “arma de
guerra”. A notícia concluía sobre “a que se reduz esse caso: uma simples
perseguição injustificável, e, como disse a imprensa, unanimemente, o
que seria a Lei de Segurança nas mãos das imoderadas autoridades, uma
das provas de que ela se presta aos mais revoltantes abusos”.
Em 18 de julho de 1935, O Imparcial publicou, na página 9, O
Sr. Abguar Bastos desvenda na Câmara o plano de provocação contra a
Aliança Nacional Libertadora. Era o relato do deputado federal, que
questionava a intencionalidade da LSN: “Quando o Governo pediu à
Câmara a Lei de Segurança Nacional, o fez contra quais conspirações?
Existia naquela época, a Aliança Nacional Libertadora? Não. Então,
para que apelava o Governo, afim de lançar as garras de semelhante
lei?” Alegava igualmente que o governo sentia sua perda de
popularidade e a crescente demanda por liberdade, “apavorado por essa
subconsciência do povo, com essa forma de expansão das massas, o
Governo imediatamente recorreu à Lei de Segurança Nacional”
Por fim, em 24 de julho de 1935, na página 1 do jornal O
Imparcial, era publicada a notícia Foi proibido o comício de
integralistas no Rio Grande, sobre uma nota da chefatura de polícia do
Rio Grande do Sul proibindo manifestações integralistas nas ruas, sob
pena de enquadramento na LSN.
O jornal Diário Carioca fora criado por José Eduardo de Macedo
Soares para fazer oposição ao governo Washington Luís. Apoiou, desde
o início, a Aliança Liberal, portanto, não era inesperado o total apoio ao
projeto de nação do governo Vargas e ao projeto da LSN, antes mesmo
de sua apresentação à Câmara de Deputados.
Já o periódico Correio da Manhã, tradicional jornal carioca
criado em 1901, fundado por Eduardo Bittencourt, era dirigido por seu
filho Paulo Bittencourt em 1935. O periódico também apoiou a Aliança
Liberal e a Revolução de 1930, mas logo entrou em rota de colisão com
o Governo Provisório. As discussões que publicou sobre a LSN são
igualmente anteriores à apresentação do projeto à Câmara. Em comum,
56

ambos os jornais acreditavam na lei como ferramenta necessária ao


combate do comunismo, mas divergem quanto ao combate ao
integralismo. O Diário desdenha o movimento, a ponto de ridicularizar
a figura de Plínio Salgado, enquanto o Correio defende o integralismo
como um bem nacional, inclusive como proposta válida de oposição às
ideias do governo.
Quanto a O Imparcial, foi fundado em maio de 1935, portanto,
não tomou parte nas mesmas discussões anteriores ao projeto de lei n.
78. Criado por José Soares Maciel Filho, o jornal fazia oposição a
Vargas e acabou se tornando o porta-voz de diversas denúncias contra
abusos de poder exercidos durante o Governo Constitucional6. As
matérias aqui selecionadas demonstram essa oposição, ao denunciarem
os abusos de uso da LSN e questionarem sua função, entendida como
instrumento para aumentar o controle do governo sobre a sociedade.
Contudo, quando se tratava do integralismo, o jornal apresentava uma
relativa imparcialidade sobre o tema.
Os três periódicos mostram que a discussão sobre a LSN no
âmbito público, desde seu projeto até a sua aplicação, teve debates
acalorados entre seus defensores e opositores.

1.5.4 A Lei de Segurança Nacional

Como Balz (2009) expõe, antes da criação da LSN em 1935, os


crimes contra a segurança do Estado, exceto aqueles relacionados ao
anarquismo, foram regulados pelo ordenamento penal brasileiro do
mesmo modo que os crimes comuns.
Com a criação da Lei de Segurança Nacional e
com suas posteriores modificações esses crimes
passariam a ser regulados por legislação especial,
submetidos a um regime mais rigoroso, que
abandonava diversas garantias processuais. No
ano seguinte, na própria competência para julgar
esses crimes viria a ser modificada, com a
transferência da justiça comum para uma justiça
especial, que tomaria forma com o Tribunal de
Segurança Nacional. (BALZ, 2009, p. 36-7)

6
Embora no período do Governo Constitucional o jornal O Imparcial
apresentasse criticas ao governo Vargas, posteriormente seu criador José Soares
Maciel Filho se aproximou do governo e da figura do Getúlio Vargas, inclusive
sendo seu ghost writer, demonstrando assim uma posição ambígua.
57

Portanto, essa nova legislação, além de servir de base jurídica


para a regulamentação de perseguição política, abriu o precedente para
os demais instrumentos legais de opressão. Não se pode ignorar que ela
vem em uma esteira de acontecimentos ligados à organização de
movimentos operários, às revoltas tenentistas e à revolta de 1932. Havia
antecedentes de repressão e controle do Estado, como a Lei Adolfo
Gordo. Criada em 1907, para repressão dos movimentos operários,
trazia igualmente resoluções sobre a expulsão de estrangeiros. Já a Lei
Celerada, de 1927, proibia as greves. A LSN expandiu a abrangência da
punição legal, diferenciando-a do crime comum, criminalizando as mais
diversas formas de oposição ao governo. Definia os crimes contra a
ordem política e social, considerando criminoso quem se opusesse
diretamente à reunião ou ao livre funcionamento de qualquer um dos
poderes políticos da União. A pena de reclusão era de 2 a 4 anos. Em
seu art. 3, previa prisão celular de 1 a 3 anos a quem fizesse oposição,
por meio de ameaça ou violência, ao livre e legítimo exercício de
funções de qualquer agente do poder político da União.
No art. 5, previa penas de 3 a 9 meses de prisão celular para quem
impedisse algum funcionário público de tomar posse do cargo para o
qual tivesse sido nomeado, para quem usasse de ameaça ou violência
para forçá-lo a praticar ou deixar de praticar qualquer ato de ofício. O
art. 7 prescrevia a mesma pena para quem incitasse funcionários
públicos ou servidores do Estado à cessação coletiva, total ou parcial,
dos serviços. A previsão atingia a greve no serviço público, que ficava
terminantemente proibida. A perda de cargo era a pena prevista para o
funcionário público que paralisasse suas atividades. A instigação da
desobediência coletiva determinada pela ordem pública era também
penalizada com 1 a 3 anos de prisão celular.
O art. 10 indicava que incitar militares, inclusive os das polícias,
a desobedecer a lei ou a infringir de qualquer forma a disciplina, a
rebelar-se ou desertar, teria a pena de prisão celular de 1 a 4 anos; o
mesmo para quem distribuísse ou procurasse distribuir entre soldados e
marinheiros papéis impressos ou manuscritos que incitassem à
indisciplina. Esse artigo em especial foi muito utilizado em processos no
Tribunal de Segurança Nacional, definindo todo e qualquer panfleto,
bilhete ou mesmo rascunho como evidência.
No capítulo II, foram listados os crimes contra a ordem social:
incitar o ódio entre as classes sociais, com pena de 6 meses a 2 anos de
prisão celular; instigar as classes sociais à violência, com pena de 6
meses a 2 anos de prisão celular; incitar luta religiosa pela violência,
58

com pena de 6 meses a 2 anos de prisão celular; incitar ou preparar


atentado contra pessoa ou bens, por motivos doutrinários, políticos ou
religiosos, com pena de 1 a 3 anos de prisão celular; instigar ou preparar
a paralisação de serviços públicos, ou de abastecimento da população,
com pena de 1 a 3 anos de prisão celular; induzir empregadores ou
empregados à cessação ou suspensão do trabalho por motivos estranhos
às condições deste, com pena de 6 meses a 2 anos de prisão celular;
promover, organizar ou dirigir sociedade de qualquer espécie, cuja
atividade subverta ou modifique a ordem política ou social por meios
não consentidos em lei, com pena de 6 meses a 2 anos de prisão celular;
e tentar, por meio de artifícios fraudulentos, promover a alta ou baixa
dos preços de gêneros de primeira necessidade, visando lucro ou
proveito, com pena de 6 meses a 2 anos de prisão celular. Percebe-se a
criminalização da luta de classes, abrindo, assim, o precedente para a
prisão de comunistas e socialistas, mesmo que não citados diretamente.
No capítulo IV, o art. 22 afirmava que não seria tolerada a
propaganda de guerra ou de processos violentos para subversão da
ordem política ou social. O art. 23 prescrevia pena de 1 a 3 anos de
reclusão para quem fizesse propaganda de processos violentos para
subversão da ordem pública e da ordem social. No Capítulo V, o art. 26
vedava a impressão, exposição à venda, venda, ou qualquer modo de
circulação de gravuras, livros, panfletos, boletins ou quaisquer
publicações não periódicas, nacionais ou estrangeiras, nas quais se
verificasse prática de ato definido como crime na lei, devendo a
autoridade apreender os exemplares, sem prejuízo da ação penal
competente. A mesma prática, por meio de radiodifusão, ensejava a
aplicação de multas pecuniárias, além da suspensão do funcionamento
por prazo não excedente a 60 dias, ou o fechamento, constatada a
reincidência. Seriam multadas também as agências de publicidade, ou
transmissoras de notícias e informações, que praticassem delitos
definidos pela lei, tratando, assim, do cerceamento da liberdade de
expressão política.
O art. 30 proibia a existência de partidos, centros, agremiações ou
juntas, de qualquer espécie, que visassem à subversão, pela ameaça ou
violência, da ordem política ou social, complementado pelo art. 32, que
previa afastamento para o servidor público civil que se filiasse ostensiva
ou clandestinamente a partido, centro, agremiação, ou junta de
existência proibida pela lei. O art. 36 estabelecia que, sem prejuízo de
ação penal, perderia o cargo o professor que, na cátedra, praticasse
quaisquer dos atos definidos como crime pela lei de segurança, provado
o fato em processo administrativo, ou, se estável, mediante sentença
59

judiciária. Estes artigos criminalizavam a existência do Partido


Comunista, assim como qualquer prática julgada como comunista, sob
alegação de subversão da ordem.
O art. 37 previa o cancelamento da naturalização, tácita ou
voluntária, de quem exercesse atividade política nociva ao interesse
nacional, como a prática de qualquer delito previsto na lei, sem prejuízo
de outros casos previstos na legislação.
A LSN agiu de forma coercitiva em relação às conquistas
constitucionais. A Lei nasce como forma de proteção jurídico-política
em relação à crescente movimentação da oposição governamental, com
o intuito de se “proteger” de uma suposta ameaça comunista, que acabou
no início tendo como seu alvo principal a organização da Aliança
Nacional Libertadora – ANL, cujo primeiro manifesto público foi lido
na Câmara Federal em janeiro de 1935.
Ela deu fundamentação legal para o Decreto n. 229, que fechou a
ANL. Com os levantes de novembro de 1935, o estado de sítio foi
aprovado na Câmara, com 172 votos a favor e 52 votos contra. Em
setembro, foi criado ao Tribunal de Segurança Nacional. Segundo
Reynaldo Campos (1979), o Tribunal se consolidou como instrumento
de distribuição de condenações, contando com juízes que atribuíam
pesadas sentenças, mesmo contra as evidências dos autos.
A principal hipótese sobre o contexto da criação da LSN foi a
utilização do já conhecido “terror” causado por uma ameaça comunista,
nas décadas de 1920 e 1930. No entanto, ao problematizar-se a questão,
é possível perceber um conjunto de leis criadas a partir 1907, com a já
citada Lei Adolfo Gordo e o Decreto 4.247 de 1921, que em seu art. 2,
parágrafo 4, declarava que qualquer estrangeiro poderia ser expulso do
país caso sua conduta fosse considerada nociva à ordem pública ou à
segurança nacional – a ideia inicial era conter os imigrantes anarquistas
e, posteriormente, os comunistas. O Decreto 4.269 regulamentava
especificamente a perseguição ao anarquismo; e a Lei Celerada, de
1927, esclarecia:
O art. 12 da lei n. 4.269, de 17 de janeiro de 1921,
fica substituído pelo seguinte: “O Governo poderá
ordenar o fechamento, por tempo determinado, de
agremiações, sindicatos, centros ou sociedades
que incidam na pratica de crimes previstos nesta
lei ou de atos contrários á ordem, moralidade e
segurança públicas, e, quer operem no estrangeiro
ou no país, vedar-lhes a propaganda, impedindo a
distribuição de escritos ou suspendendo os órgãos
de publicidade que a isto se proponham, sem
60

prejuízo do respectivo processo criminal”.


(BRASIl, Decreto nº 5.221., 12/08/1927)

Ou seja, já existiam aparatos jurídicos para conter atividades


consideradas subversivas. É importante ressaltar que a repressão
autoritária às camadas socialmente excluídas sempre ocorreu no Brasil.
Fosse no período escravocrata ou fosse com o projeto higienista das
primeiras décadas do século XX, a repressão policial representando o
Estado exerceu-se sobre as camadas mais pobres da população que não
correspondiam à ordem almejada pelos governantes.
Paulo Sergio Pinheiro (1979) apresenta em seu artigo sobre
violência do Estado algumas notícias do jornal Fanfulla, periódico
destinado principalmente a operários de origem italiana. Já em 1903
havia reclamações contra a polícia paulista, acusando-a de manter presos
sem alimentação e praticar tortura. Pinheiro também indica trechos de
um relatório do cônsul italiano em São Paulo, de 1909, no qual acusa a
polícia de violência, agressão e de não saber distinguir greve de
insurreição:
Essa dificuldade em distinguir entre classes
trabalhadoras e classes perigosas, entre greve e
insurreição, fica patente quando se analisa o
procedimento do aparelho do Estado diante das
manifestações populares urbanas que marcaram o
período. Quando essa prática de maus tratos
violência e tortura não parecia ser suficiente, a
pretensão do aparelho de repressão, [...] era livrar-
se dos maus elementos, fazer desaparecer os
supostos causadores das revoltas. (PINHEIRO,
1979, p.9-10)

O autor explica que esses “desaparecimentos” ocorriam por meio


de deportações em massa, na crença de que fazendo desaparecer os
insatisfeitos, sumiriam também as motivações para revolta. Os desterros
eram medidas igualmente profiláticas, para se livrar de “mendigos e
vagabundos”, aliviando a superlotação carcerária:

É preciso isolar os elementos estranhos às classes


subalternas, tanto os que se recusam a trabalhar
(“vagabundos”, “vadios”, “mendigos”),
desterrando-os, como aqueles que “agitam” as
classes trabalhadoras, expulsando-os”.
(PINHEIRO, 1979, p.13).
61

Contudo, sobre a criação de leis específicas como a Adolfo


Gordo e a Celerada, era importante a repressão de um novo tipo de
“indesejados”: os participantes de movimentos políticos.
Em 1913, foram expulsos do Brasil 132 estrangeiros. Por conta
de greves, o Congresso alargou a legislação de expulsão, retirando a
proteção mesmo dos que contavam mais de dois anos de residência no
país, com esposa e filhos brasileiros. Apesar de a deportação ser um
instrumento usual no período em vários países, no Brasil:

Foi uma arma muito mais poderosa para as classes


dominantes locais, porque utilizada contra um dos
raros movimentos operários compostos
basicamente de operários estrangeiros, permitindo
livrar-se do grosso das lideranças operárias no Rio
de Janeiro, São Paulo e Santos” (PINHEIRO,
1979, p. 14).

O autor descreve que, até a década de 1920, havia pouca


distinção entre a repressão a crimes comuns e a crimes políticos. A
partir de então, essa distinção começou a aparecer e a ser aprofundada,
sobretudo após o levante tenentista de 1924, que aterrorizou as classes
dominantes e levou o governador a fugir da capital paulista
bombardeada.
O que se depreende ao longo de toda esta tese é o interesse que
havia em dar forma legal a um projeto político decorrente da Revolução
de 1930, que se evidenciou a partir de 1937, com a busca de um governo
forte, antiliberal e anticomunista, por meio de um nacionalismo
autoritário. Este projeto já era desenvolvido em esferas como a
educacional, com as reformas de Francisco Campos e Gustavo
Capanema, e a do trabalho, com o controle dos sindicatos a partir da Lei
Sindical de 1931. Na esfera legal, houve a necessidade de se construir
aparatos que controlassem as liberdades garantidas pelas Constituição
de 1934. Para responder à questão de por que foi necessária uma lei
especial em 1935, Marques propõe:
As possíveis razões parecem ter sido a
constitucionalização efetuada em 1934, que ao
reorganizar a relação entre direito e política,
acabou por demandar novos instrumentos de
repressão política, como também a necessidade de
adequação da legislação à nova semântica
conceitual do crime político e a radicalização da
62

polarização ideológica entre “esquerda” e


“direita” (2011, p. 55).

Para manter um controle mais efetivo, esses aparatos legais de


repressão, representados mais fortemente pela LSN, ampliaram o
conceito de comunista, indo além dos membros do Partido Comunista
ou adeptos de literatura de cunho comunista, abrangendo todo e
qualquer indivíduo que representasse oposição ao sistema político.
Segundo Eliana de Freitas Dutra (2002, p. 49) é necessária a figura do
inimigo para legitimar o poder e dar a consciência de unidade ao povo.
O comunismo se apresenta, assim, como um corpo estranho, “é exótico,
não faz parte da nossa experiência de mundo, não tem raízes nacionais, é
estrangeiro, perturba a saúde política”. O comunismo representaria uma
oposição a integridade nacional, civilização cristã, família, moral,
propriedade e ordem, temas que alimentam o imaginário anticomunista.
Se a pátria, a família, a ordem, a propriedade, a
civilização cristã são realidades inquestionáveis,
há de ter alguma eficiência a estratégia política
que figura o inimigo como aquele que tem por
princípio a destruição dessa realidade. É, pois, em
função desse enfrentamento pelo domínio do
social que esses conteúdos são investidos de uma
carga retórica defensiva, pois em si mesmos eles
não necessitam de nenhum tipo de justificativa. E
toda a retórica tenta desmontar o que se apresenta
como sendo o “conteúdo” do inimigo. Esse
inimigo é o comunismo, objetivação do objeto
persecutório que ameaça essa totalidade formada
pela propriedade, ordem, família, civilização
cristã, irmanadas no corpo da pátria. (DUTRA,
2002, p.73)

Getúlio Vargas fez uso dessa retórica quando, em discurso de


1936, manifestou um nacionalismo defensivo diante de uma suposta
ameaça comunista, justificando medidas antidemocráticas como o
estado de sítio, o TSN, a censura à imprensa, entre outras. A legislação
penal tornara-se insuficiente, pois a ameaça comunista não se
enquadrava legalmente nos crimes contra o Estado, mas sim contra a
ordem política e social. Para a implementação da LSN, houve uma
campanha por parte da imprensa, positivando a efetivação da lei,
apresentando-a como benéfica para o país.
63

É interessante observar que as atitudes de defesa,


articuladas em torno do anticomunismo, insistem
na iminência do perigo, nos riscos de escravização
da pátria, caso a ameaça se concretize, nunca,
porém, no fato consumado, nem mesmo quando
ocorrem as insurreições de novembro. Afinal, as
autoridades reagem rápida e duramente, dominam
a situação e utilizam a eficácia da sua ação
repressiva para manter intacto seu prestígio, para
garantir a sua oferta de proteção e para poder
liberar, de acordo com sua conveniência, doses
homeopáticas de apreensão. E, ao fazê-lo, as
atitudes defensivas se revestem de um caráter
preventivo. Por outro lado, como vimos
anteriormente, o anticomunismo se mobiliza
fundamentalmente em defesa da ordem, da
propriedade, do regime constitucional, da religião
e, nesse sentido, o nacionalismo defensivo que o
toma como seu conteúdo principal, é defensivo
“duplamente”. (DUTRA, 2002, p.145-6)

Por fim, a lei possuía um conteúdo com forte abrangência de


controle sobre oposição, levantes e greves, principalmente se partissem
do funcionalismo público e das forças militares. Isso desvela a
preocupação de Vargas com uma oposição que se levantasse dentro de
sua própria administração.
O terreno da lei surge, assim, como um espaço
privilegiado para a racionalização da autoridade e
para a ocultação do discurso da violência, uma
vez que este utiliza a linguagem da ordem e da lei.
E será em nome da tranquilidade pública, dos
direitos dos cidadãos, da consciência cívica e
moral, das instituições e do progresso que a
repressão se negará enquanto violência e enquanto
censura. (DUTRA, 2002, p.224)

A LSN permitiu que, através de uma aparência legal, fossem


cometidos atos de censura, abuso de força policial, perseguições a
sindicatos e aos considerados inimigos dos representantes do poder. Sob
o pretexto de proteção da sociedade contra os perigos que o comunismo
representaria, “o autoritarismo desvenda, na prática, para o observador,
o que nas outras fases democráticas fica dissimulado: o caráter político
da repressão ao crime comum”. (PINHEIRO, 1979, p.6)
64

1.6 O PROJETO NACIONALISTA E CENTRALIZADOR DO


GOVERNO

Ao chegar ao poder, mais do que mudar a maneira de governar o


país, Vargas tinha um projeto de combate às oligarquias cafeeiras. Era
um projeto de poder nacionalista e centralizador de todas as esferas
administrativas. Segundo Maria Luiza Tucci Carneiro (1999), entre os
anos de 1930 e 1935, conviveram vários projetos que tentavam oferecer
ao Brasil uma nova ordem político-jurídica. Embora distintas, essas
alternativas eram a expressão de um país que vivenciava um capitalismo
tardio e dependente. Graças à situação econômica, houve espaço para a
implantação de um regime autoritário, cujo discurso apoiava-se na ideia
de um Estado forte, industrializado e capitalista.
A Constituição de 1934 representou um marco histórico:
extinguiu o cargo de vice-presidente; estabeleceu o ensino primário
como obrigatório e gratuito; implantou o voto secreto e feminino; deu
autonomia aos sindicatos; impôs restrição à imigração; estabeleceu a
nacionalização das empresas estrangeiras de seguros; proibiu às
empresas estrangeiras a posse de órgãos de imprensa; obrigou empresas
estrangeiras a manter, no mínimo, dois terços de empregados brasileiros;
criou o mandado de segurança para a defesa dos direitos e liberdades
individuais; criou a justiça do trabalho, complementada com leis
trabalhistas sobre jornada de trabalho, repouso semanal, salario mínimo
e férias remuneradas. O poder Legislativo voltou a funcionar, por meio
do Senado e da Câmara: dois senadores por estado, com mandato de oito
anos, e deputados eleitos por quatro anos, em número proporcional aos
habitantes de cada estado. Sendo uma breve abertura democrática.
O projeto de Estado Nacional se tornou mais claro a partir do
Estado Novo:
A ordem pública que se estruturou no Estado
Novo desejou homogeneizar as multiplicidades e
pluralidades culturais percebidas como empecilho
à constituição do Estado Nacional, uno, coeso e
homogêneo, condição para manutenção de uma
ordem pública estável. Nesse contexto, a
construção do Estado Nacional, ao imbricar o
público e o privado, o fez como meio de despojar
a esfera pública de seu componente político,
tecnicizando suas decisões e sacralizando os seus
efeitos. (DUARTE, 1999, p. 24-5)
65

Adriano Luiz Duarte (1999) afirma que este projeto de governo


recusava a heterogeneidade social, ou seja, variedade de modos de vida,
crenças, opiniões, comportamento e cultura, pois a diversidade punha
em risco a coesão social, abrindo caminho para disputas de espaço e
debates.
A nova estruturação do Estado levou à criação do Conselho
Nacional de Educação, que dispôs sobre o ensino superior, deliberou
sobre o ensino secundário, instituiu o ensino religioso, entre outras
medidas, traçando a linha educacional centralizada pelo poder do
governo federal. Após a demissão de Francisco Campos do Ministério
da Educação e Saúde Pública em setembro de 1932, Washington Pires
assumiu a pasta até julho de 1934, quando Gustavo Capanema ficou à
frente do Ministério, até 1945. A Reforma Capanema culminou na
criação da Universidade do Brasil do Serviço de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. No entanto a reforma educacional iniciada por
Francisco Campos em 1931, e levada adiante por Capanema, visava
uma educação diferenciada para as elites, que cursavam o ensino
secundário propedêutico, enquanto os estudantes que não pertenciam às
camadas mais abastadas da sociedade cursavam o ensino comercial, que
não possibilitava o ingresso nos cursos superiores: “a reforma de
Francisco Campos acabou por estabelecer na prática seu antigo projeto
de educação diferenciada, uma ‘educação para pensar’ e outra ‘para
produzir’.” (MORAES, 1992, p. 303)
No âmbito da saúde, identifica-se um processo de centralização
dos serviços, com o objetivo de nacionalização de suas políticas. A
estrutura dos departamentos estaduais de saúde foi uniformizada.
As reformas da saúde pública acompanharam as
oscilações políticas do Governo Provisório,
período marcado pela instabilidade política e por
sucessivas mudanças no comando do Ministério
da Educação e Saúde Pública até a posse de
Gustavo Capanema, em 26 de julho de 1934.
(HOCHMAN, 2005, p. 129)

Segundo Gilberto Hochman, a partir de 1930 ocorreram as


reformas já anunciadas antes da mudança de governo; algumas
constavam na plataforma de campanha de Vargas em 1929.

Os ideais de formação de um Estado robusto e centralizado pareciam ser


realizados pela constituição de um aparato governamental que alcançasse todo o
território nacional, integrando as esferas federal, estadual e municipal em um
66

projeto político-administrativo mais unificado. Era uma clara reação ao


federalismo extremado da primeira constituição republicana. A criação do
MESP estava inserida nessa perspectiva de reforma administrativa.
(HOCHMAN, 2005, p.130)

A preocupação do governo Vargas com os problemas do Brasil se


desdobrou em estudos estatísticos sobre o país, no crescimento da
burocracia e da máquina governamental. A formação positivista de
Vargas refletia esse ideário na política, sobretudo com o antiliberalismo
e a busca de progresso e desenvolvimento sob um nacionalismo
autoritário. Na gestão Gustavo Capanema, o Ministério da Educação e
Saúde Pública dividiu o Brasil em oito regiões administrativas, cada
uma delas com uma Delegacia Federal de Saúde. Essas supervisionavam
os serviços locais e federais de saúde pública e assistência médico-
social, assim como as instituições privadas de saúde. Ao mesmo tempo
em que beneficiava a população, ampliando a rede de atendimento
público de saúde, era uma política que exercia controle e centralização
do poder nessa área.
A instauração da ditadura em 10 de novembro de
1937 facilitou a implementação de uma reforma
que pretendia aumentar a presença dos serviços
sanitários federais nos estados, reformulando a
relação entre estes e a União. Essa preocupação
parecia ser uma resposta aos que indicavam que
os serviços sanitários, a despeito de seus objetivos
nacionais, concentravam-se, na prática, no Distrito
Federal (HOCHMAN, 2005, p. 132)

O maior destaque do projeto de nacionalização do governo


Vargas foi na área trabalhista. Segundo Ângela Castro Gomes, após a
Revolução de 1930, já era possível identificar uma política de ordenação
do mercado de trabalho, materializada na legislação trabalhista,
previdenciária, sindical e também na instituição da Justiça do Trabalho.
Era uma estratégia político-ideológica de combate à pobreza, centrada
na promoção do valor do trabalho.
O meio por excelência de superação dos graves
problemas socioeconômicos do país, cujas causas
mais profundas radicavam-se no abandono da
população, seria justamente o de assegurar a essa
população uma forma digna de vida. Promover o
homem brasileiro, defender o desenvolvimento
econômico e a paz social do país eram objetivos
que se unificavam em uma mesma e grande meta:
67

transformar o homem em cidadão/trabalhador,


responsável por sua riqueza individual e também
pela riqueza do conjunto da nação. [...] É com
esse pano de fundo que se deve atentar para as
relações que se estabelecem entre as práticas
ideológicas do aparelho de Estado do pós-30, em
particular do regime estado-novista — isto é, para
a elaboração de um discurso de legitimação —, e
suas práticas políticas não manifestamente
ideológicas — como, por exemplo, a produção de
regras legais e a montagem de uma polícia
política. Estas últimas implicam técnicas
repressivas de exercício do poder, no sentido
mesmo de significarem a utilização da força física
como restrição às ações consideradas
ameaçadoras (GOMES, 1999, p. 55)

O Decreto 19.482 previa ao menos dois terços de funcionários


brasileiros natos nas empresas, salvo em casos de serviços
rigorosamente técnicos, com preferência para brasileiros naturalizados e
depois para estrangeiros. Foi complementado pelo Decreto 20.291, de
agosto de 1931, que regulou a imigração, definindo que, em caso de
redução de funcionários, os estrangeiros deveriam sempre preceder os
brasileiros. Ficavam isentos da obrigatoriedade de dois terços de
funcionários brasileiros indivíduos, empresas, associações, sindicatos,
companhias e firmas comerciais ou industriais que empregassem
estrangeiros na lavoura, pecuária e indústria extrativa.
O Decreto 19.770, de março de 1931, regulava os sindicatos,
determinando um mínimo de 30 associados, todos maiores de 18 anos e,
pelo menos dois terços, brasileiros. O primeiro artigo do decreto, na sua
cláusula F, proibia toda e qualquer propaganda de ideologias sectárias,
de caráter social, político ou religioso nas organizações sindicais, bem
como as candidaturas a cargos eletivos estranhos a natureza e finalidade
das associações. Com os sindicatos controlados pelo Ministério do
Trabalho, a politica trabalhista de Vargas contribuiu para desmobilizar
os trabalhadores, pois controlava seus tradicionais meios de expressão.
Regulavam-se, assim, manifestações políticas de trabalhadores que
pudessem surgir a partir de sua organização em busca de direitos. Já no
Estado Novo, em 1940, o Decreto-Lei 2.162 estabeleceu o salário
mínimo, que deveria ser capaz de satisfazer as necessidades de
alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte, com valores
68

diferentes em cada região do país. A Consolidação das Leis do Trabalho


só foi instituída em 1943.
Com relação à cafeicultura, desde o Governo Provisório buscava-
se conter os estragos causados pela crise de 1929. Em 1931, foi criado o
Conselho Nacional do Café, que estocava a produção para controlar os
preços. Recorrendo à queima desse estoque, a medida funcionou apenas
a curto prazo, dando lugar à política de substituição de importações, que
estimulou o crescimento industrial nacional.
Em 1930, havia a polarização capital versus
trabalho, que propiciou a emergência de um
empresariado e de um sindicalismo nacionais,
com a mediação estatal do Welfare State. Vargas
implantou o sistema no Brasil, com os limites e as
dificuldades óbvias de um país rural, pobre, sem
infraestrutura, de população rarefeita e mal
distribuída, e politicamente oligárquico. O preço
desse enclave modernizante, implantado à força
em 1930 e 1937, foi a instabilidade política
crônica que nos acometeu daí para a frente, com
sucessivas mudanças constitucionais e no sistema
partidário, e surtos de autoritarismo duradouro.
(CAMARGO, 1999, p. 41)

Com relação à economia, há, segundo Pedro Paulo Zahluth


Bastos, um debate acadêmico buscando determinar se Vargas era “mais
ou menos nacionalista”, em virtude de sua disposição a aceitar a
participação do capital estrangeiro no desenvolvimento econômico
nacional.
O problema das definições do nacionalismo
econômico varguista a partir dos meios pelos
quais os interesses nacionais de desenvolvimento
econômico seriam alcançados, é que Vargas não
manteve, ao longo do tempo, a adesão a formas
particulares de intervenção estatal e de associação
com o capital estrangeiro. O que apresenta maior
continuidade é a adesão ao ideário do nacional-
desenvolvimentismo, ou seja, a vinculação do
interesse nacional com o desenvolvimento,
ativado pela vontade política concentrada no
Estado, de novas atividades econômicas,
particularmente industriais, associadas a
diversificação do mercado interno, superando: (i)
a especialização primário-exportadora: e (ii) a
69

valorização ufanista das riquezas naturais,


associada à ideologia da vocação natural (passiva)
do Brasil para exploração primária de suas
riquezas. (BASTOS, 2006, p. 241)

Compreende-se a política nacional-desenvolvimentista como o


conjunto de práticas de defesa da industrialização, o intervencionismo
pró-crescimento e o nacionalismo. Segundo Pedro Cezar Dutra Fonseca,
se diferencia do nacionalismo presente nos períodos colonial, imperial e
na Primeira República, pois aquele era um nacionalismo agrário: “a
marca do nacionalismo agrário consistia em enaltecer o setor primário
como a vocação da economia brasileira, em associação a certo ufanismo
que glorificava a natureza privilegiada do país” (FONSECA, 2004, p.
231). Mesmo assim, o desenvolvimentismo já encontrava seus
defensores no século XIX, como foi o caso de Antônio Felício dos
Santos,
descendente de família de empresários mineiros e
responsável pela redação do manifesto lançado
pela Associação Industrial no Rio de Janeiro em
11 de maio de 1882. O manifesto atacava o
liberalismo como doutrina, responsabilizando-o
por condenar o Brasil à produção primária e à
estagnação econômica; somente através da
indústria conseguir-se-ia a independência do país.
(FONSECA, 2004, p.234)

Ao longo do governo Vargas, as formas da intervenção nacional


desenvolvimentista mudaram. A siderurgia era o foco no início da
década de 1930, quando se buscava independência de insumos
industriais. Já no Estado Novo, havia a preocupação de não contar com
fundos privados estrangeiros para o aparelhamento do Estado, sendo
necessário adiar o pagamento da dívida externa para não empobrecer a
economia.
O Departamento Nacional de Indústria e Comércio foi por
designado a Jorge Street, ex-proprietário da Fábrica de Tecidos de Juta
(que mais tarde se tornou o Presídio Maria Zélia). O governo tinha que
enfrentar o problema da superprodução da indústria de tecidos e da
baixa demanda. Isso ocorria por conta da expansão da indústria têxtil,
com abertura de novas fábricas em Pernambuco, Rio de Janeiro, e
interior de São Paulo. A solução foi o Decreto 19.739, de março de
1931, proibindo por três anos a importação de maquinaria para
indústrias, buscando garantir os produtores já estabelecidos barrando a
70

concorrência. Para o estabelecimento de indústrias novas e importação


de maquinário, passava a ser necessária a autorização do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio.
Segundo Flavia Rabelo Versiani, o desenvolvimento industrial
era um elemento de reforço da nacionalidade e um sinal de redução da
dependência em relação ao exterior. Com mais fábricas e um ativismo
crescente dos industriais, a indústria era uma realidade que dificilmente
podia ser ignorada pelo governo. Até mesmo os ministros favoráveis ao
livre comércio aprovaram a proteção da indústria nacional como
necessidade política. Com isso, a incidência do Imposto de Consumo foi
ampliada, aumentando o peso da produção industrial na geração de
receita fiscal. Acostumados com a proteção do governo, por meio de
elevações tarifárias, empréstimos, isenções de impostos, intervenções
cambiais, auxílios de emergência em situações de crise, os industriais
pressionavam o governo diante da crise da superprodução de 1930.

Alguns grandes produtores preferiram pressionar


o Governo por proteção a reorganizar suas
fábricas para reduzir preços e enfrentar a
concorrência. Não por incapacidade como
empresários – eram “capazes de melhores
empreendimentos”, como frisava o comentarista
contemporâneo –, mas por uma decisão que se
pode dizer racional, já que sabiam ser possível
que suas pretensões fossem atendidas, e os
concorrentes eliminados do mercado pelas
medidas que pleiteavam. Pedir a interferência do
Governo era o caminho de menor custo relativo.
Uma atitude que não se restringiu àquele período;
alguns diriam que o propósito de transformar a
concorrência em “jogos florais”, pela busca da
intervenção salvadora do Governo, pode ser
reconhecido ainda hoje, entre certos industriais.
(VERSIANI, 2012, p. 892)

No âmbito da segurança, adotou-se a chamada Doutrina Góes,


um apanhado de ideias do general Pedro Aurélio Góes Monteiro, que se
tornou Ministro da Guerra no Governo Constitucional e entendeu o
exército como um órgão político, vital para o nacionalismo, responsável
pela educação do povo e
[...] a formação de uma mentalidade que
sobreponha a tudo os interesses da pátria,
suprimindo, quanto possível, o individualismo ou
71

qualquer outra espécie de particularismo. A


liberdade deve ser compatível com a segurança
nacional. (PINTO, 1999, p. 298)

Após os Levantes de 1935, Góes Monteiro declarou que era


impossível garantir a segurança nacional nos termos da Constituição de
1934 sem mudá-la ou reformá-la. Apresentou como possíveis soluções o
golpe de Estado, somente se houvesse um consenso, o que não havia, ou
a reforma constitucional, caminho mais viável que garantiria plenos
poderes ao governo até que uma nova constituição fosse estabelecida.
Isso demonstra que a insatisfação com as liberdades garantidas pela
Constituição de 1934 ia além das discordâncias de Getúlio Vargas e
vinha de outras esferas, como a militar.

A formação da burocracia civil e militar, durante


os anos 30, revela que estava em curso o processo
de constituição de um novo sistema de
dominação, autoritário e centralizador, distinto do
existente durante a República Velha - oligárquico
e regionalista. Ao lado da paulatina desarticulação
do pacto oligárquico, era montado um esquema de
poder que viria a favorecer crescentemente a
burguesia industrial. Tal processo teria lugar
através da ampliação e reorganização da
burocracia civil anteriormente existente e,
também, da reestruturação das Forças Armadas -
surgia um novo modelo de burocracia militar,
devidamente capacitado e orientado a assegurar o
sucesso das metas de caráter industrializante
adotadas pelo novo grupo no poder. (PRESTES,
2011)

Mesmo com todas as formas de controle já citadas, a


desigualdade social estimulava formações com ideologias opostas, como
a Aliança Nacional Libertadora e o Partido Comunista, que foram
duramente perseguidos e presos, sobretudo após novembro de 1935,
muitos sem ao menos a constituição de processo penal. Para Elisabeth
Cancelli (1993, p. 47), após 1930, a instituição policial começou a
exercer um novo papel. Era o mais importante dos órgãos de poder na
sociedade, pois personificava o braço executivo do chefe de Estado e
seu novo projeto político. Vargas controlava a polícia de forma paralela
à lei, o que delineou o perfil de seu governo.
72

Antes mesmo dos levantes de novembro de 1935, havia a ideia de


um “perigo comunista” a ser combatido, em parte alimentada pela
imprensa. Esta apresentava com frequência notícias ruins sobre a União
Soviética, indicando uma ameaça comunista no país, que poderia tomar
o poder, fosse pelos imigrantes que chegavam, fosse pelos brasileiros
cooptados pelas “ideias vermelhas”. Davino Francisco dos Santos
chama a atenção, no livro A Marcha Vermelha, de 1948, para o elevado
número de notícias que havia sobre o “perigo comunista”:

Foi em 1934 que tive a atenção despertada para a


onda de notícias e de livros sobre o comunismo.
De vez em quando, eu lia nos jornais informações
sobre prisões de comunistas, sobre descoberta de
“células vermelhas”, e, no meio de tudo isto,
aparecia um palavreado todo misterioso sobre a
não menos misteriosa questão do comunismo.
(SANTOS, 1948, p. 67)

A polícia e os presídios políticos serviram de ferramenta para o


combate a essa “oposição comunista” e, após 1938, Vargas usou as
mesmas ferramentas contra os integralistas. Para José Murilo de
Carvalho, durante os governos Provisório e Constitucionalista, houve
dois atores políticos centrais: Vargas e os militares, ambos contrários às
oligarquias dominantes na Primeira República:

Um tema central da Revolução de 30, tanto entre


os militares como entre os civis que chegaram ao
poder, era a luta contra as oligarquias regionais e a
construção de um poder realmente nacional. O
grande inimigo de militares e civis
revolucionários eram as oligarquias que não
queriam aceitar e não aceitavam a perda de
influência e poder que detinham durante a
Primeira República. (CARVALHO,1999, p. 341)

Para construir seu poder nacional, Getúlio Vargas precisava das


Forças Armadas. Mas o exército estava politicamente desorganizado,
dividido entre membros de alta patente, favoráveis à elite política
oligárquica, e os militares que apoiaram a tomada de poder em 1930,
jovens, em sua maioria tenentes – a maior patente era a de Góes
Monteiro, então tenente-coronel. Assim, a vitória de 1930 subverteu a
ordem dentro das Forças Armadas, “dividindo-as ainda mais e fazendo
73

delas um ator político fraco, inadequado para servir de sustentação ao


processo de centralização e nacionalização do poder”. (CARVALHO,
1991, p. 341-2). Por isso, estrategicamente, Vargas percebeu que
precisava reconstruir as Forças Armadas como o aliado político de que
precisava.
Houve os expurgos após 1930, principalmente em 1932, após a
Revolução Constitucionalista, em 1935, após os levantes de novembro,
e 1938, após a Revolta Integralista. Com Góes Monteiro e Gaspar Dutra
à frente das Forças Armadas, Vargas conseguiu sua reunificação, do
ponto de vista ideológico e político, garantindo o apoio para o projeto
nacionalista que culminou no Estado Novo.
74

2. O PRESÍDIO MARIA ZÉLIA

2.1 O SISTEMA PENAL NO BRASIL

Embora a segregação dos indivíduos como forma punitiva exista


desde a Antiguidade, identifica-se a criação da pena de encarceramento
apenas na Idade Moderna, por volta do século XVIII, quando a privação
de liberdade como punição passou a ser racionalizada como ferramenta
social. A história do Brasil foi marcada pelo sistema punitivo desde a
colonização, quando os portugueses enxergaram recursos naturais a
serem explorados e um local para onde banir os criminosos indesejáveis
de Portugal.
Como a legislação penal era portuguesa, em 1591, foi instalado o
Tribunal do Santo Ofício, na Bahia e em Pernambuco. Posteriormente,
vigoraram as Ordenações Filipinas, o código penal português de maior
duração no Brasil, entre de 1604 a 1830. Este código previa penas de
morte conforme os crimes praticados, assim como a tortura, utilizada
conforme arbítrio dos juízes. Foi sob essa legislação que ocorreu a
condenação de Tiradentes ao enforcamento e depois esquartejamento.
A Carta Régia de 8 de julho de 1769 ordenava a construção da
primeira Casa de Correção no Rio de Janeiro, contudo, a prisão só foi
construída entre 1834 e 1850, no período imperial. A primeira Casa de
Correção de São Paulo data de 1852, tendo abrigado os primeiros
detentos já durante sua construção. Na década de 1930, com o nome de
Presídio Tiradentes, abrigou presos políticos críticos ao governo de
Getúlio Vargas. Ela ficava em frente ao Convento da Luz, onde
atualmente passa a Avenida Tiradentes. No período, era uma região
pouco habitada. Segundo Fernando Afonso Salla, o edifício não seguia
os moldes coloniais, aproximando-se dos modelos de prisões europeias
e norte-americanas, com celas individuais e oficinas de trabalho.
Buscava-se, assim, um distanciamento das cadeias da Província. As
regras de funcionamento previam silêncio, trabalho em conjunto,
isolamento noturno, atividades educativas e religiosas, “que revestiam a
pena de prisão de um sentido claro de transformação dos indivíduos
condenados”. (SALLA, 1999, p. 47)
A Constituição de 1824 modernizara o sistema penitenciário no
Brasil, seguindo a tendência de países da Europa e dos Estados Unidos,
com prisões adaptadas ao trabalho, condições higiênicas apropriadas e
com separação dos réus de acordo com a natureza de seus crimes. Já o
primeiro Código Penal brasileiro, então chamado Código Criminal, foi
75

criado em 1830 e sancionado por D. Pedro I. Manteve a pena de morte,


a prisão perpétua e retirou as práticas de torturas e esquartejamento.

Quando, em meados do século passado, entraram


em funcionamento a Casa de Correção do Rio e a
de São Paulo, significaram elas uma ruptura com
o padrão que vinha existindo de prisões [...]
forjam, para tanto, uma arquitetura igualmente
apropriada e em nada similar à das cadeias
coloniais. O seu aparecimento representa uma
nova sensibilidade para com o encarceramento:
não mais a mera detenção do indivíduo, mas
acima de tudo, a ideia da necessidade de regenerá-
lo para a volta ao convívio social. (SALLA, 1997,
p. 44)

Segundo Cintia Helena Santos (2006), a opinião pública também


teve papel importante nos debates sobre o regime penitenciário no país.
Missões especiais foram enviadas aos Estados Unidos, Inglaterra e
França, com o objetivo de verificar as verdadeiras circunstâncias de
aprisionamento e o gerenciamento das chamadas prisões-modelo.
Contudo, os requisitos da Constituição não eram sempre cumpridos,
como no caso da Prisão de Aljube, localizada no Rio de Janeiro. Criada
como prisão eclesiástica em 1735, foi transformada em prisão comum
com a vinda da família real e desativada em 1856. Segundo Santos, são
vários os testemunhos sobre o local, que dão o quadro de sofrimento dos
presos. Em 1828, portanto após a Constituição de 1824, José Vieira
Fazendo relatou, na Revista do Instituto Histórico e Geographico
Brasileiro, as impressões da comissão nomeada para visitar as prisões,
descrevendo os presos como maltrapilhos e subnutridos.
Apenas em 1890, com um novo Código Penal, o primeiro do
período republicano do Brasil, aboliu-se a pena de morte.7 O Código foi
considerado moderno, por conta das penas com reclusão celular, multas,
prisão disciplinar com progressão por bom comportamento e fim da
prisão perpétua. Demonstrava um caráter de recuperação dos detentos,

7
A pena de morte foi restabelecida nos períodos de ditadura no Brasil, pela
Constituição de 1937, sendo abolida pela Constituição de 1946. Retornou na
Emenda Constitucional n. 1 de 1969, complementada pelo Decreto-Lei n. 898,
sendo abolida com a Emenda Constitucional n. 11 de 1978. O Código Penal
Militar brasileiro, de 1969 e ainda vigente, prevê pena de morte em períodos de
guerra.
76

em vez das punições com intenção de castigá-los apenas. Este código foi
um marco legislativo da República, serviu de modelo para a
padronização dos presídios nas primeiras décadas do século XX e
rompeu com o modelo de leis penais do Império, marco do período
escravocrata, que previa execuções e castigos físicos.
Com a nova ênfase na prisão celular, foram construídos diversos
presídios no século XX visando a reabilitação social pelo isolamento.
Mesmo assim, o Código de 1890 era criticado por representar um
modelo de justiça que não era universal, mas que atendia aos interesses
da elite para um controle social, com punições para “vadiagem” e
prática de capoeira, por exemplo. Ainda que trazendo à luz a punição
criminal, antes praticada em obscuros porões, havia em seu texto
lacunas e omissões, sendo complementado por diversas emendas até
1932, quando, por meio de um decreto, passou a vigorar como Código
Penal Brasileiro, completado com as Leis Modificadoras em Vigor.
Assim, as mesmas leis utilizadas como parâmetro para a perseguição de
capoeiristas e “vadios” na virada do século XIX para o século XX,
também abarcaram os crimes das décadas de 1920 e 1930, inclusive nos
julgamentos de presos políticos, até 1940, quando foi criado o terceiro e
atual Código Penal brasileiro. A criação de instituições que
aprisionaram os considerados inimigos do Estado durante o Governo
Constitucional, sobretudo os comunistas, se deu sob a vigência das leis
penais do século XIX, incluindo a adaptação de locais inesperados em
prisões, como o objeto de estudo desta tese, o Presídio Maria Zélia.
Em Os Signos da Opressão (2003), Regina Célia Pedroso
trabalha com o relatório da Comissão das Prisões do Distrito Federal, de
1900. Este aponta e classifica as condições prisionais como dramáticas,
com problemas graves de higiene, superlotação, péssimas condições
alimentares e com segregação entre os presos abastados e os proletários.
Segundo a autora, não houve mudanças com o advento da República,
pois era útil ao Estado “a manutenção desses lugares excludentes, para
que os encarcerados servissem de exemplo e aprendessem com esse
exemplo: construiu-se uma pedagogia do medo”. (PEDROSO, 2003, p.
204)
A LSN, de 1935, também contribuiu nas configurações prisionais
no Brasil:
A Lei de Segurança Nacional seria o grande
suporte jurídico-criminal para a condenação de
atividades repressivas, contra grupos considerados
subversivos, ao longo daqueles próximos anos,
tendo sofrido adaptações que mais tarde iriam
77

também amparar as arbitrariedades da Ditadura


militar (RIBEIRO, 2008, p. 2).

Com a perseguição política aos opositores de Vargas, “as prisões


ficaram ainda mais precárias devido à quantidade de novos presos. O
cárcere tornou-se o local de exclusão por excelência, dos inimigos
políticos e sociais do regime” (PEDROSO, 2003, p. 151). A situação
prisional do período foi marcada pela tortura, prática considerada ilegal,
mas que sempre existiu no Brasil, principalmente em períodos de
perseguição política.
A dissertação de mestrado Cem anos de prisão: uma análise
comparativa da população carcerária da casa de correção e do
presídio central de Porto Alegre no intervalo de um século (2011), de
Bruno Rotta Almeida, traz uma análise comparativa da população
carcerária de Porto Alegre entre 1907 e 1918, a partir dos dados da
antiga Casa de Correção de Porto Alegre, e da atual, com os indicadores
do Presídio Central de Porto Alegre, relativos a novembro de 2010.
Embora evidencie as diferenças históricas e sociais das duas unidades
analisadas, separadas por um século, o autor conclui que “as
desigualdades sociais e os decorrentes preconceitos não se desfaleceram
no transcorrer do século XX, mas, muito pelo contrário, adentraram no
século XXI ainda mais perceptíveis” (ALMEIDA, 2011, p.120). Essas
desigualdades culminam no modo como a sociedade brasileira entende
os direitos humanos e nas práticas prisionais do país:

Antes, os denominados “grupos perigosos” eram


isolados da sociedade a fim de evitar o contágio,
sendo regenerados e corrigidos; hoje, eles são tão-
somente excluídos, depositados em um ambiente
subumano superlotado. Esses “grupos perigosos”
estão bem definidos/rotulados em nossa
sociedade. (ALMEIDA, 2011, p.120)

Para Almeida, a própria lógica social é produtora da


criminalidade “se na obra de Bauman, tínhamos os guetos norte-
americanos; em nossa realidade temos as favelas e os morros. Da mesma
forma em que os guetos sustentam as penitenciárias dos Estados Unidos,
as nossas favelas fazem o mesmo com as prisões brasileiras”. (p.121). O
autor conclui que a prisão no Brasil é um meio de exclusão e controle,
utilizada como reservatório, no qual as pessoas denominadas
“perigosas” são segregadas em nome da segurança pública.
78

Mas na teoria, as leis tentavam pautar uma reinserção social dos


presos. O Código Penal de 1890 previa reclusão máxima trinta anos. Em
seu artigo 43, definia como penas: prisão celular, banimento, reclusão,
prisão com trabalho obrigatório, prisão disciplinar, interdição, suspensão
e perda de emprego público e multa.

A questão penitenciária tratava do ponto de vista


ideal, mais do que nunca, das funções que a pena
deveria exercer na vida social. Toda essa boa
vontade entrou em colisão com as condições
deprimentes dos presídios brasileiros, detectáveis
através de estudos e depoimentos de época”.
(SANTOS, 2006, p. 25)

Como aponta Santos (2006, p. 29), a República trouxe a


legitimidade social da prisão, com unidades adequadas à qualificação do
preso, segundo categoriais criminais: contraventores, menores,
processados, loucos e mulheres. Havia asilos de contraventores, para
pessoas “socialmente inadequadas” (os chamados vagabundos e
alcoólatras); asilos de menores, que propunham uma pedagogia
corretiva à delinquência infantil, separando os processados dos já
condenados; manicômios criminais, para aqueles que sofriam alienação
mental e requeriam um regime ou tratamento clínico. Os cárceres para
mulheres eram organizados de acordo com as indicações especiais
determinadas por seu sexo.
Contudo, segundo Pedroso (2003), a preocupação excessiva com
a legislação, antes e depois do Código Penal de 1890, encobria a
realidade dos presídios, como no caso da Casa de Detenção e Correção
do Rio de Janeiro, com péssimas condições, falta grave de higiene,
superlotação, péssimas condições de alimentação (apenas duas refeições
por dia, café e pão na primeira, e arroz, feijão e carne na segunda
refeição).
O tratamento aos presos proletários era diferente daquele
oferecido aos presos com melhor condição financeira. Os presos mais
abastados tinham o direito de receber visitas diárias fora de suas celas,
caminhar ao ar livre no pátio e receber alimentação externa ao presídio.
“A tríade exclusão-repressão-prisão resume a trajetória da ideologia
estatal no Brasil em relação às classes populares, mantidas a todo custo
sob um manto de penalidades” (PEDROSO, 2003, p. 204).
Segundo Felipe Lima de Almeida (2014), em 1935, o senado
aprovou o Código Penitenciário da República, para criar regras mais
79

específicas, embora seguisse o pressuposto do Código de 1890, de


regeneração do presidiário. Elaborado em 1933, por uma comissão
chefiada por Cândido Mendes de Almeida, José Gabriel de Lemos Brito
e Heitor Pereira Carrilho, o código foi “esquecido” durante a vigência
do Estado Novo.
Na cidade de São Paulo, havia a Casa de Correção, com
capacidade para 160 presos. Inaugurada em 1852, a partir de 1870 já
estava superlotada. Havia denúncias sobre falta de higiene e de
atendimento adequado aos presos enfermos, como ocorria nas precárias
cadeias do estado. Buscando solucionar o problema, a construção da
Penitenciária do Estado de São Paulo se apresentou como uma resposta.
A Lei 967-A, de 24 de novembro de 1905, autorizou sua construção.
Segundo Salla (1999), Washington Luís, Secretário da Justiça, entre
1906 e 1912, procurou reformar a estrutura da polícia e, principalmente,
aparelhar o Estado com novas cadeias. Quanto à Casa de Correção, ele
não via possibilidades de reforma na construção existente. Seus esforços
resultaram, então, na Lei 117-A, de 27 de dezembro de 1907, que
destinava verba para a construção de capital uma nova penitenciária na
capital paulista.
A construção deveria atender aos requisitos da
segurança e da higiene, assim como às disposições
do Código quanto ao isolamento noturno e ao
trabalho em conjunto durante o dia. Previa salas
de aula, biblioteca, locais para culto religioso,
farmácia, enfermaria, locutório, refeitórios,
alojamentos para vigilantes, e próximo à
Penitenciária, uma casa para o diretor e sua
família residirem. Já indicava também as oficinas
a serem criadas (alfaiataria, sapataria, papelaria,
litografia e marcenaria) face às possibilidades de
atender no futuro às demandas do próprio Estado.
Ao mesmo tempo, o governo adquiria do senhor
Antônio Maria da Silva uma chácara no bairro de
Santana, com área de 20 alqueires para a
construção da Penitenciária. (SALLA,1999,
p.138)

Inaugurada em 1920, e ainda com suas obras em andamento, a


penitenciária foi considerada modelo de estabelecimento penal, com
capacidade para abrigar 1200 presos. Possuía oficinas de trabalho e
composição arquitetônica de celas consideradas símbolo de progresso.
80

A concepção desta prisão e depois sua construção


não foram apenas resposta ao Código. Ela se
encaixa num amplo projeto de organização social
elaborado pelas elites do período, no qual um
estabelecimento prisional deveria estar à altura do
“progresso material e moral” do estado [...] a
Penitenciária servia de modelo de disciplinamento
do preso como trabalhador, ajustando-se assim ao
momento de avanço da industrialização e
urbanização pelo qual passava o Brasil e, em
particular, a cidade de São Paulo. Ao mesmo
tempo, foi a expressão de posições que viam a
prisão como um local de cura, onde o preso é tido
como um doente, cujos “males” devem ser
diagnosticados, e a partir dos quais se formula e
desenvolve um tratamento “científico”,
individualizado. (SALLA, 1999, p. 15)

Durante a construção da Penitenciária de São Paulo, foi assinada


a Lei 1406, em 26 de dezembro de 1913, estabelecendo o regimento
penitenciário no estado de São Paulo. Designava a separação dos
condenados para trabalharem em três classes distintas: aprendizes,
operários e mestres. E enquanto a construção da penitenciária não
estivesse concluída, os condenados deveriam trabalhar na abertura,
construção e conservação de estradas públicas. A lei também
determinava que fossem criadas vinte escolas de ensino primário para os
condenados analfabetos.

Em meio à criação de outras instituições, a


Penitenciária do Estado de São Paulo foi uma das
primeiras onde os ideais da escola positivista
encontraram não só aceitação inconteste por muito
tempo, mas também o espaço necessário para a
sua aplicação nos mais diferentes setores da vida
prisional. (SALLA, 1999, p. 117)

Segundo Elisabeth Cancelli, no começo do século XX, os


presídios em pior situação estavam no Rio de Janeiro, capital da
República. Os principais centros de alocação de detentos e prisioneiros
eram a Casa de Correção, a Casa de Detenção e a Colônia Correcional
de Dois Rios, todas em péssimas condições de funcionamento. “Para se
ter uma ideia, em 19 de abril de 1933, o diretor da Casa de Detenção,
Floriano Reis, comunicou ao Ministério da Justiça um fato que se
81

tornara corriqueiro no estabelecimento: a superlotação.” (CANCELLI,


2005, p.144-5). A situação era tão precária, que, na década de 1930,
havia mais que o dobro de presos em relação à quantidade de vagas nos
três presídios. Após novembro de 1935, por causa da superlotação, a
Casa de Correção chegou a abrigar de 50 a 60 presos por cela, o que
resultava numa existência precária, com banhos semanais e rodízio para
os presos conseguirem dormir.

A superlotação das prisões e as péssimas


condições de habitabilidade eram comuns, sendo
também a perda das referências de civilidade entre
os presos uma constante. O fato ainda era
agravado pela introdução, nessa época, de técnicas
especiais de tortura. Segundo os levantamentos
realizados, os métodos constantes eram vários:
arrancar unhas com alicate, enfiar alfinetes sob as
unhas, espancar esposas ou filhas ou o próprio
prisioneiro, introduzir duchas de mostarda em
vaginas de mulheres, queimar testículos com
maçarico, extrair dentes com alicates, introduzir
arame na uretra depois de tê-lo esquentado com
maçarico, introduzir arame nos ouvidos, utilizar a
cadeira americana (com mola oculta, que jogava o
preso contra a parede), colocar máscara de couro
que impedia a respiração, queimar as pontas dos
seios com charutos ou cigarros etc. Havia ainda a
censura e o terror das ameaças. Embora a tortura
houvesse sido foi oficialmente abolida do Brasil
em 1821, como método de investigação e punição,
ela continuou a ser sendo utilizada e, na maior
parte das vezes, sem distinção entre presos
comuns e políticos. (CANCELLI, 2005, p. 146)

A história do sistema penitenciário do Brasil mostra que, desde


sua origem no período colonial – com as punições de ordem
eclesiásticas –, passando pelo período imperial – com a primeira
Constituição do Brasil em 1824 –, até o Código Penal de 1890, já na
República, não houve nenhum momento real de ordem e modernização
dos presídios para além de teorias. Apesar de a evolução legal ter sido
extremamente importante para eliminar as torturas e a pena de morte da
legislação brasileira, o cotidiano dos presídios, até a década de 1930
(período estudado nesta pesquisa), demonstra problemas sanitários, que
provocavam diversas enfermidades nos presos e, muitas vezes, a morte,
82

superlotação, maus tratos e, como ocorreu no Presídio Maria Zélia,


assassinatos.
Em Estado Autoritário e Ideologia Policial, Regina Célia
Pedroso explica que a segurança pública é definida pelo Estado como a
segurança da ordem pública contra violações de qualquer espécie.
Contudo, o projeto de nação que se construía no Brasil, mesmo após o
fim da escravidão, era higienista:

A construção do Estado-Nação no Brasil seguiu


os pressupostos; básicos do autoritarismo que, a
partir de estratégias de ordenação, racionalização
e exclusão, edificou um modelo dominador e
agregador das tensões sociais. A
institucionalização de mecanismos repressivos
sobre as camadas excluídas também é de longa
data no Brasil. Prisões arbitrárias, violência
policial, torturas, raptos, descasos, perseguições e
deportações representavam nitidamente o poder
de Estado sobre a população marginalizada.
(PEDROSO, 2005, p. 48)

O processo de punição penal com a exclusão social dos


indivíduos, algumas vezes culminou na expulsão desses indivíduos do
espaço urbano, inclusive da proximidade de suas famílias, com o envio
de presos para regiões isoladas do país. Segundo Marcos Florindo, as
primeiras deportações para institutos correcionais ocorreram em 1905,
tendo o Acre como destino. Ali, os presos eram vendidos como escravos
para os políticos locais, que controlavam a extração da borracha nos
seringais. A Colônia de Clevelândia, no Amapá, foi o ápice desse
modelo institucional, durante a Primeira República. Localizada na divisa
com a Guiana Francesa, para lá foram enviados 946 prisioneiros em
1924, sendo que, em 1926, 491 desses presos estavam mortos. O
processo se dava por meio de um acordo entre a polícia e a elite que se
beneficiava com esse processo.

A elaboração da lista de enviados,


responsabilidade do titular da 4a Delegacia
Especializada do Distrito Federal, ou Delegacia de
Ordem Política e Social, permite entrever a
nebulosa articulação entre polícia e justiça,
requisitada pelas estratégias de dominação
83

consignada pelas elites no poder. (FLORINDO,


2007, p. 87)

A prática de afastar os indivíduos indesejados dos principais


centros urbanos ocorreu durante o governo do presidente Artur
Bernardes, mostrando que a repressão por exclusão social, violência e
autoritarismo, para a manutenção da ordem desejada e preservação do
poder do Estado, já era comum antes de Vargas.
Quando se analisa o período republicano pré e pós Vargas, não se
notam rupturas no projeto elitista de uma nação que classificava como
“vadios” os indivíduos com subempregos, praticantes de religiões de
matriz africana, capoeiristas e descendentes de escravos em geral. A
sociedade deveria ser “limpa”, com o envio destes para as
penitenciárias. Nas primeiras décadas do século XX, o projeto higienista
do governo acrescentou os imigrantes ao grupo de possíveis
“indesejáveis” tanto na Primeira República, como no governo Vargas.
Com a imigração em massa de europeus vindos para trabalhar nas
lavouras e indústrias, chegaram também ideais políticos anarquistas e
comunistas, acrescentando à perseguição policial e política os
trabalhadores com empregos fixos, mas que personificavam potenciais
“subversivos”. A partir de 1935, os mais perigosos passam a ser os
comunistas.
Por mais que se busque uma ruptura política com a Revolução de
1930, percebe-se que ela não ocorreu no modus operandi do aparelho
policial, instrumento autoritário para manter a ordem pública desejada.
Mesmo com troca de governos, manteve-se o desejo imperioso de
manutenção do poder, usando a força policial como ferramenta.

A mentalidade autoritária no Brasil teve como


pressupostos básicos o modelo jurídico, o poder
centralizado e elitizado e a organização das forças
policiais que se incumbiram de perseguir as
camadas sociais desprivilegiadas. Ordem pública
e segurança interna encontram-se na raiz da
construção da ideologia de Estado. (PEDROSO,
2005, p. 49)

A legislação, por sua vez, ampliava a preocupação com a


Segurança Nacional. Na Constituição de 1891, a palavra segurança foi
citada cinco vezes: segurança de fronteiras, segurança interna do país,
segurança individual, segurança de minas e jazidas e segurança da
República – esta última trata do estado de sítio: “Art 80 - Poder-se-á
84

declarar estado de sítio em qualquer parte do território da União,


suspendendo-se aí as garantias constitucionais por tempo determinado,
quando a segurança da República o exigir, em caso de agressão
estrangeira, ou comoção intestina.” Na Constituição de 1934, a palavra
aparece dezenove vezes, definindo: segurança das fronteiras, segurança
interna do país (sobre a emissão de mandados de segurança), segurança
externa do país, segurança individual e segurança nacional.
O termo segurança nacional, que até então não aparecia na
Constituição de 1891, aparece então em um capítulo especial, indicando
o Conselho Superior de Segurança Nacional como responsável por todas
as questões de segurança nacional e pelos órgãos especiais para atender
às necessidades de mobilização. O presidente da República passa a ser
o presidente do Conselho igualmente, contando com a participação dos
Ministros de Estado, o Chefe do Estado-Maior do Exército e o Chefe do
Estado-Maior da Armada.

Após 1934, o conceito de Segurança Nacional,


que nas primeiras constituições interligava-se à
ideia de guerra e suas variantes, abarcou a
concepção de guerra, porém voltada contra
finalidades subversivas das instituições políticas e
sociais. Dessa forma, tornava-se mais abrangente
a atuação do Estado em prol de sua autodefesa,
bem como da manutenção do regime político.
(PEDROSO, 2005, p. 59)

A Constituição de 1934 já esboçava a necessidade de uma


doutrina de segurança nacional, para o caso de ameaças internas e de
sublevação popular. Na Constituição de 1937, o termo segurança
aparece 30 vezes, apresentado como necessário em virtude da apreensão
pela infiltração comunista. Como na versão anterior, trata da segurança
de fronteiras, segurança individual, segurança externa do país, mantém o
capítulo sobre Segurança Nacional e acrescenta termos sobre segurança
pública e integridade do Estado.
No item sobre direitos e garantias individuais, o artigo 122, o
parágrafo 13 especifica:
Não haverá penas corpóreas perpétuas. As penas
estabelecidas ou agravadas na lei nova não se
aplicam aos fatos anteriores. Além dos casos
previstos na legislação militar para o tempo de
guerra, a pena de morte será aplicada nos
seguintes crimes: [...] e) tentar subverter por
85

meios violentos a ordem política e social, com o


fim de apoderar-se do Estado para o
estabelecimento da ditadura de uma classe social;
[...] h) atentar contra a segurança do Estado
praticando devastação, saque, incêndio,
depredação ou quaisquer atos destinados a suscitar
terror. (BRASIL, Constituição 1937)

Embora assassinatos executados por policiais ocorressem nos


Governo Provisório e Governo Constitucional, foi com o Estado Novo
que o autoritarismo ganhou contornos perversos, chegando a decretar a
volta oficial da pena de morte. A Constituição de 1937, também previa,
em nome da segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro,
do cinema e do rádio, facultando à autoridade competente proibir a
circulação, a difusão ou a representação. O artigo 166 previa que, em
caso de ameaça externa ou eminência de perturbações internas, plano ou
conspiração que pudesse perturbar a paz pública ou por em perigo o
Estado, o presidente da República poderia declarar estado de
emergência. O artigo 169 dizia que, em estado de emergência, o
presidente pediria à Câmara a suspensão de imunidades de qualquer
membro.
O Conselho de Segurança Nacional havia sido criado em 1927,
pelo Decreto n. 17.999, com o nome de Conselho de Defesa Nacional.
Em seu artigo 2, definia: “A reunião em Conselho da Defesa Nacional
tem por fim, somente em ordem consultiva, o estudo e coordenação de
informações sobre todas as questões de ordem financeira, econômica,
bélica e moral, relativas à defesa da Pátria”. Em fevereiro de 1934, o
Decreto n. 23.873 dava as diretrizes para a organização do órgão,
explicando, em seu artigo primeiro, que o Conselho da Defesa Nacional
“tem por fim proporcionar ao Governo os elementos necessários para
que este possa resolver do melhor modo as questões relativas à defesa
nacional, cabendo-lhe, principalmente, resolver as questões que
interessam ou exigem a ação de mais de um ministério”. Com o Decreto
n 7, de agosto de 1934, o Conselho de Defesa Nacional passou a se
denominar Conselho Superior de Segurança Nacional. “O autoritarismo
detectado na história das legislações repressivas brasileiras indica que a
constituição do Estado-Poder foi balizada pelo pressuposto da
manutenção do status quo para um grupo privilegiado da população: a
elite”. (PEDROSO, 2003, p. 204).
Segundo Erving Goffman (1974, p. 17) presídios são instituições
totais organizadas “para proteger a comunidade contra perigos
86

intencionais, e o bem-estar das pessoas assim isoladas não constitui o


problema imediato”. Portanto, embora as prisões tenham como seu
projeto original a transformação dos indivíduos, e o discurso oficial
defina que presídios são órgãos de recuperação, a prática se deu de
forma diferente, como demonstra Michel Foucault (2001, p. 166):
A prisão esteve, desde sua origem, ligada a um
projeto de transformação dos indivíduos.
Habitualmente se acredita que a prisão era uma
espécie de depósito de criminosos, depósito cujos
inconvenientes se teriam constatado por seu
funcionamento, de tal forma que se teria dito ser
necessário reformar as prisões, fazer delas um
instrumento de transformação dos indivíduos. Isto
não é verdade: os textos, os programas, as
declarações de intenção estão aí para mostrar.
Desde o começo, a prisão devia ser um
instrumento tão aperfeiçoado quanto a escola, a
caserna ou o hospital, e agir com precisão sobre os
indivíduos. O fracasso foi imediato e registrado
quase ao mesmo tempo que o próprio projeto.
Desde 1820, se constata que a prisão, longe de
transformar os criminosos em gente honesta, serve
apenas para fabricar novos criminosos ou para
afundá-los ainda mais na criminalidade. Foi então
que houve, como sempre nos mecanismos de
poder, uma utilização estratégica daquilo que era
um inconveniente. A prisão fabrica delinquentes,
mas os delinquentes são úteis tanto no domínio
econômico como no político.

Em Vigiar e Punir (1987), Foucault explica como a prática


prisional na Idade Contemporânea contradiz o discurso liberal. Para os
liberais, os presídios aparecem como instrumentos de recuperação dos
indivíduos; para o autor, os presídios são locais de isolamento e
silenciamento dos presos, assim como ferramentas para impor medo na
sociedade externa aos seus muros.

2.1.1 O sistema policial no Brasil

No Brasil, a polícia sempre foi essencial à manutenção dos


governos, da escravidão à implantação da República, com o uso de
forças militares. Na Primeira República e no governo Vargas, foi a
87

mantenedora da ordem, perseguindo movimentos sociais e políticos que


contestassem o poder vigente.
[...] uma polícia calcada na falta de princípios
democráticos e que iria, por isso, se produzir e
reproduzir como o grande agente social de
instabilidade social, onde a primazia de um Estado
violento, suportado pela ação policial, pretendeu a
ordenação da sociedade no sentido de sua
existência orgânica, a partir do credo na mítica da
violência (CANCELLI, 1999, p. 309)

Quando se pensa no aparato policial do Brasil, é necessário


voltar-se à sua história para compreender os elementos que
possibilitaram o cenário de repressão da década de 1930. Em 1532, com
a criação das Câmaras Municipais, surgiram as primeiras funções
judiciárias e policiais. Os juízes eram responsáveis por julgamentos em
primeira instância. A partir de 1808, com a vinda da Corte Portuguesa,
foi criada a Intendência Geral de Polícia da Corte e do Reino, com Paulo
Fernandes Viana como Ouvidor da Corte e Desembargador. A
intendência tinha as funções: policial, de combate aos crimes; e de
departamento de inteligência, investigando possíveis levantes contra a
Corte e monitorando a movimentação dos franceses no país. Ou seja,
elementos que Dom João VI considerava como ameaças ao seu governo.
Com a mudança da Corte real portuguesa, a população do Rio de Janeiro
aumentou, assim como os problemas da cidade. Por esse motivo foi
criada a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia. Durante o império,
se tornou a Imperial Guarda de Polícia, comandada pelo Duque de
Caxias. Em 1831, tornou-se a Guarda Nacional, composta por cidadãos
eleitores, com renda superior a cem mil réis por ano, dirigida por
políticos locais. Após a Proclamação da República, foi se
enfraquecendo, até ser extinta em 1922. Em São Paulo:
O Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, então
Presidente da Província, criou a 15 de dezembro
de 1831 o Corpo Policial Permanente, que contava
com um efetivo de cento e trinta e homens. O
Corpo Policial Permanente nasceu uma
organização híbrida, [...] estrutura militar e
hierarquizada ao molde do Exército e, por outro,
funções de natureza civil, voltadas para a
preservação da ordem social interna. A estrutura e
potencialidade militar da polícia paulista refletiu-
se no período imperial participando na Guerra dos
88

Farrapos (1838), Campo das Palmas (1839),


Revolução Liberal de Sorocaba (1842) e Guerra
do Paraguai (1865 a 1870). (PEDROSO, 2005, p.
71)

Segundo Pedroso, a formação do aparato policial de São Paulo


passou pela participação na Guerra do Paraguai. Como o Corpo Policial
Permanente foi enviado para a guerra, criou-se o Corpo Policial
Provisório para a manutenção da ordem pública. Posteriormente, este
também foi enviado para a guerra, dando lugar, em 1866, à Guarda
Municipal da Província – extinta em 1868, com o retorno do Corpo
Policial Permanente. A Força Paulista reprimiu movimentos de origem
popular, social ou oposicionista, quando o Exército se mostrou ineficaz
no controle dessas manifestações. Também participou da Campanha de
Canudos, oferecendo seus serviços ao governo central. Essa participação
foi lembrada pelos memorialistas oficiais pela “glória” pelo heroísmo
dos combatentes. “Outro episódio sobre o qual se construiu a memória
policial ocorreu em 1932. O movimento paulista passou a ser lembrado
como democrático, em oposição à ditadura getulista”. (PEDROSO,
2005, p. 80)
Em 1891, por meio de um decreto, o Corpo Policial Permanente
passou a ser a Força Militar de Polícia do Estado de São Paulo. Atuando
na Revolução Federalista em 1894, também foi requisitada para
dispersar greves, como a greve dos operários da Companhia de Gás, em
1917. Com a República, as organizações policiais se tornaram regionais,
com características mais específicas, de acordo com o estado em que se
localizavam. A maioria dos estados aumentou as Forças Públicas, que
assumiram as atividades da polícia judiciária. Em São Paulo, durante o
governo de Jorge Tibiriçá, as Forças Públicas foram militarizadas, ao
mesmo tempo em que se passou a exigir a graduação em Direito para
alguns cargos da Polícia Judiciária. Algo semelhante ocorreu no Rio de
Janeiro em 1907, quando da reforma da Polícia Judiciária, que passou a
exigir bacharel em Direito para os cargos de delegados e comissários
Segundo Pedroso, a militarização e a profissionalização da Força
Pública Paulista, integrante maior da Força Policial do Estado, se deu
por conta da contratação da Missão Francesa como instrutora, o que
trouxe inovações operacionais, tecnologia no campo de armamentos,
meios de locomoção, canil, telégrafo, artilharia e esquadrilha de aviação,
tornando a Força Pública um “pequeno exército paulista”.
89

O contrato entre o governo paulista e o governo


francês deu-se [...] em 22 de dezembro de 1905 e
previu a constituição de uma Missão de
organização e instrução militar para a Força
Pública do Estado de São Paulo, com o objetivo
de estruturar e moldar os policiais paulistas
segundo os princípios de severa disciplina,
aperfeiçoando a técnica e cultura da organização.
(PEDROSO, 2005, p. 82)

Até a Revolução de 1930, não havia a delimitação atual de polícia


civil e polícia militar. As Forças Públicas estaduais ocupavam quase
todas as funções policiais, complementadas por Capitanias e Guarda
Civil, variando de acordo com as regiões do país. Com a Constituição de
1934, definiu-se: “Art 5 - Compete privativamente à União: [...] XIX -
legislar sobre: a) direito penal, comercial, civil, aéreo e processual,
registros públicos e juntas comerciais” (BRASIL, 1934). O governo
passou a controlar efetivamente o sistema policial, transformando as
corporações da Força Pública em Polícia Militar e as da Guarda Civil
em Polícia Civil, com denominações e subdivisões próprias a cada
estado. Foi apenas em 1946 que a Polícia Militar passou a ser assim
denominada oficialmente.
Aparelho de repressão do Estado muito utilizado para a
consolidação do projeto de nação de Vargas, o Departamento Estadual
de Ordem Política e Social de São Paulo (DEOPS-SP) fora criado antes
de 1930, durante o governo de Washington Luís em São Paulo,
funcionando até 1983. Surgiu como uma delegacia e se tornou um
departamento que coordenava diversas delegacias, investigava,
promovia prisões políticas, tanto nos períodos de ditadura quanto fora
deles, tendo a tortura como prática corriqueira para obtenção de
informações.

Desde o início da República, com as leis


referentes a expulsão de estrangeiros, até os anos
20, com a legislação de repressão ao anarquismo e
depois ao “bolchevismo”, abrem-se, na prática da
repressão, espaços cada vez mais alargados de
arbítrio: a legalidade do aumento da repressão
implica uma contrapartida de maior ilegalidade
para o seu funcionamento (PINHEIRO, 1991, p.
87)
90

Segundo Florindo (2011), a polícia civil se tornou mais


especializada, com departamentos específicos para diversas modalidades
de crime e de criminosos. Isso se deu para o controle da questão
operária, que colocou o DEOPS em destaque no novo arranjo
institucional do policiamento. Sua estrutura se modificou algumas
vezes, como no período em que se dividiu em Delegacia de Ordem
Política e Delegacia de Ordem Social, em 1930, por um mês. Em 1933,
um estatuto da Delegacia novamente as separou, com Delegacias de
Ordem Política, subordinadas ao chefe de polícia; e a Delegacia
Especializada de Ordem Social, ligada ao chefe do Gabinete de
Investigações. Como se reunificaram em 1938, alguns dos arquivos de
presos que passaram pelo Presídio Maria Zélia constam nos prontuários,
ora que foram fichados pela DOS (Delegacia de Ordem Social), ora pela
DOP (Delegacia de Ordem Política). A DOS era responsável pela
investigação e pela prisão de indivíduos que induzissem pessoas à
greves ou agissem com intuito de causar uma revolução social, enquanto
a DOP era responsável pela investigação e prisão de indivíduos que
causassem ou tentassem causar atentados contra o Estado, autoridades e
o regime.
Desde sua criação, o DEOPS utilizou de violência em suas
investigações, com tortura para obtenção de informações, prática que se
aprofundou sob o emblema da segurança nacional, após 1935, em que o
governo compreendeu que existia uma ameaça nacional causada por
grupos políticos que buscavam uma tomada de poder através de uma
revolução. Segundo Pedroso (2005), no primeiro regulamento da
Guarda Civil foi estabelecido que os policiais deveriam buscar a
tranquilidade, a segurança e a manutenção da ordem pública. Era
recomendada a ação preventiva e que os interrogatórios de suspeitos não
os escandalizassem, de forma que se justificassem aos próprios olhos do
interrogado a conveniência da ação policial. Contudo, o DEOPS foi uma
“máquina repressiva, que agiu desde sua formação na República Velha
até sua extinção nos momentos finais da ditadura militar, com grande
liberdade frente às normas legais” (FLORINDO, 2011, p.125).
Adaptando-se ao contexto histórico, começou a reprimir os
imigrantes na Primeira República, aperfeiçoando-se na perseguição aos
operários, que estendeu a todos os que considerasse uma ameaça na Era
Vargas e tornando-se uma ferramenta fundamental de violência durante
a ditadura militar de 1964. “A Polícia Política e Social comportava uma
especificidade: a tipologia do criminoso ao qual deveria vigiar já estava
dada pela legislação; cabia ao policial ou investigador a montagem do
estereótipo de inimigo a ser perseguido” (PEDROSO, 2005, p.115). A
91

truculência dos investigadores do DEOPS dava a aparência de


despreparo para enfrentar as situações de crise, com respostas violentas
em vez da negociação no controle dos conflitos sociais. Mas mesmo
com essa aparente ineficiência em resolução de crises, recebeu muitos
investimentos em recursos materiais e humanos. Em São Paulo, foi um
laboratório de aplicação das modernas práticas de organização
burocrática, criando o Departamento Administrativo do Serviço Público,
durante o Estado Novo.

A preocupação com a modernização da polícia


demonstrava a importância do departamento para
a consolidação do regime. A burocracia racional
legal emprestava ao policiamento mais eficácia
nas operações e na organização das informações,
isto em detrimento de seu potencial de renovação
dos quesitos de legitimidade do poder estatal.
Nada de imparcialidade ou de observância as
lógicas do direito, o que valia era ampliar as
possibilidades do controle pelo temor, ampliando
o próprio poder discricionário do policial nos
cenários de conflito (FLORINDO, 2011, p. 125)

A partir da Revolução de 1930, o interventor João Alberto


paulista emitiu os decretos estaduais n 4.780, de 28 de novembro de
1930, e n 4.790, de 05 de dezembro de 1930, desvinculando o DEOPS
das cadeias de comando interno da polícia civil e subordinando-o
diretamente ao chefe de polícia do novo regime, Vicente Rao. Essas
reformulações retiraram da administração policial as lideranças ligadas à
Primeira República, dando ao Estado maior controle, com a nomeação
de diversos delegados de confiança do governo recém-instaurado.

O DEOPS, devido à sua relevância instrumental


nas táticas do poder, tornou-se o protagonista
principal, dentre as delegacias especializadas, de
um ciclo de renovação (o qual referenciava ao
mesmo tempo a conservação) dos modelos de
policiamento e repressão desempenhados pela
polícia civil. (FLORINDO, 2007, p. 12)

O sistema de repressão ganhou ares de modernização, quando o


que ocorria era uma maior burocratização, especialização e, sobretudo,
investimento no aparato de repressão de um Estado que, desde o início,
92

se preocupou em ter um braço armado regulando os movimentos sociais


e qualquer ameaça à ordem estabelecida. Afinal “a polícia é poder. A
ação da polícia controla e orienta o comportamento das pessoas e dos
grupos sociais, inculcando noções de certo e de errado, correspondentes
à conduta desejada no espaço público” (FLORINDO, 2007, p. 38). A
polícia sempre esteve presente no cotidiano da cidade, interferindo em
seu funcionamento, regulando-o e, muitas vezes, se confundido com a
própria lei. O DEOPS foi uma representação clara dessa “confusão”,
agindo diversas vezes na ilegalidade com suas práticas truculentas. Após
os levantes de novembro de 1935, procedeu a diversas detenções sem
processo constituído, mantendo indivíduos presos por anos, sem
processo ou julgamento, apenas pela “vontade policial”.
O aparelhamento policial da República permitiu ao Estado dar
formas à sociedade; mesmo que não conseguisse consolidar o modelo
social moderno que almejava, a polícia contribuía para a “limpeza da
sociedade”. O Estado moldava a sociedade no Brasil, e não o inverso,
competindo à polícia delinear essa sociedade excludente:

O perigo representado perante o poder de Estado


pelas oposições políticas no Brasil serviu de
bandeira para a construção do mito da ordem e
segurança pública e para a edificação da estrutura
autoritária que persistiu ao longo do século XX
em nossa sociedade. Cabe ao historiador buscar,
ao longo de nossa história política, as relações de
poder existentes na sociedade, que serviram de
suporte e tal, para a edificação do viés autoritário
por parte das elites políticas. (PEDROSO, 2005,
p.91)

Projetos de higienização da sociedade, nos quais o governo se


utiliza do aparato policial para se livrar dos “indesejáveis”, sempre
existiram. Em 1935, houve o deslocamento das preocupações, quando
“vagabundos” e estrangeiros fomentadores de greve deixaram de ser o
maior risco à estabilidade do poder. A partir de então, o governo
desejava se livrar dos tenentes que se rebelaram, dos membros do
Partido Comunista, da ANL e de todos os que representassem
divergências com o Estado Nacional. Tanto o governo federal, na figura
de Getúlio Vargas, quanto o governo estadual paulista, representado por
Armando de Salles Oliveira, utilizaram o expediente da segurança
pública contra a suposta ameaça comunista para se firmarem no poder.
93

E justamente nessas relações de poder é que se situa o Presídio


Maria Zélia, instrumento de repressão que serviu a propósitos
ideológicos, muitas vezes distantes da realidade de seus presos e suas
penas.

2.2 A HISTÓRIA DO MARIA ZÉLIA

2.2.1 O surgimento e a estrutura

Em novembro de 1935 iniciou-se o processo de prisões dos


revoltosos e a perseguição política dos que representavam ameaça ao
regime. O presidente utilizou-se da Constituição de 1934, no art. 161:
“O estado de guerra implicará a suspensão das garantias constitucionais
que possam prejudicar direta ou indiretamente a segurança nacional”,
para suspender os direitos constitucionais e se valer de um aparato
jurídico e militar para prender suspeitos, sem direito à defesa. Como os
presídios políticos eram instrumentos dessa repressão, foi necessário
aumentar seu número. No Rio de Janeiro, o navio Pedro I foi utilizado
como prisão e, em São Paulo, o Presídio Maria Zélia foi improvisado
em uma antiga fábrica têxtil na Avenida Celso Garcia, no Bairro do
Belenzinho.
Fundada em 1912 por Jorge Street, chamava-se Companhia
Nacional de Tecidos de Juta. Ao lado, fora construída a vila operária que
recebeu o nome de Maria Zélia, em homenagem à filha de Street,
falecida ainda na adolescência. O nome da vila ganhou expressão,
passando a denominar igualmente a fábrica e, posteriormente, o
presídio. Jorge Street administrou a fábrica até 1924, quando a vendeu
para a família Scarpa. Em 1934, ele foi nomeado como diretor-geral do
Departamento Estadual do Trabalho pelo interventor Armando de Salles
Oliveira, permanecendo no cargo até 1936. A fábrica funcionou até
1934, quando declarou falência, foi tomada pela Caixa de Aposentadoria
e Pensões do Governo Federal e foi desativada. No final de 1935, as
instalações passaram a ser utilizadas como presídio político, até 1937.
Em 1939, foi adquirida pela fábrica de pneus Goodyear.
Em nenhuma das fontes pesquisadas foram encontrados dados
sobre a data da abertura do presídio. No arquivo da Assembleia
Legislativa do Estado de São Paulo há três decretos de Armando de
Salles, sobre a locação de prédios situados na Avenida Celso Garcia
para uso da Secretaria de Segurança Pública. São designados para uso de
postos ou delegacias policiais, sem qualquer menção ao presídio. Na
94

Revista Juventude, produzida dentro do Presídio Maria Zélia,


encontramos um texto de 21 de novembro de 1936, que trata do
Tribunal de Segurança Nacional, que se inicia com o seguinte trecho
“Presídio Maria Zélia, onde estamos há cerca de um ano”. Isso permite
saber que o local passou a funcionar como presídio por volta de
novembro de 1935.
No livro Maria Zélia (1957), Antônio Vieira indica que o
presídio foi aberto após os Levantes de novembro de 1935; no entanto,
entre os diversos prontuários pesquisados no DEOPS-SP, encontramos
como data de entrada mais antiga no presídio dezembro de 1935. Ou
seja, existia antes mesmo de 24 de janeiro de 1936, quando o Ministro
da Justiça, Vicente Rao, anunciou a formação da Comissão Nacional
Para Repressão ao Comunismo, órgão autônomo de investigações. Isso
demonstra que o Presídio Maria Zélia foi instalado às pressas, para
receber os detentos que teriam alguma conexão com os levantes. Vieira8
fez uma breve descrição do espaço físico do presídio:

[...] naquele presídio, de 40 metros de largura por


100 de comprimento. Em seu interior havia 8
xadrezes, mas, em virtude das reivindicações dos
próprios presos, tornou-se a partir de janeiro de
1936, num único alojamento, embora com as
divisões denominadas: ‘A', "B”, “C”, “D”, "E”,
“F”, “G”, “H”. (1957, p.104)

No prontuário do Presídio Maria Zélia9, encontrei algumas


fotografias das celas realizadas em 30 de abril de 1936, usadas como
evidências em um relatório que denunciava a quebra das celas com
ferramentas às quais os presos tinham acesso.

8
Sobre sua própria prisão, Antônio Vieira cita-a em uma nota de rodapé. Relata
que, dias depois de sua prisão, em 1936, seu irmão José Vieira de Farias
também foi detido, pois a polícia queria verificar se havia ligação entre ambos.
José Vieira disse que não sabia por que o irmão havia sido preso, e, após onze
horas de interrogatório, foi solto. Antônio Vieira afirma ter pago propina a dois
agentes, por dois anos. Ainda assim, a polícia investigou sua casa e a de seus
parentes; como muitos trabalhavam na Light, emitiu-se a comunicação
informando que se tratava de elementos perigosos, que não deveriam ascender
em seus cargos na empresa.
9
Embora o termo prontuário seja comumente utilizado para designar arquivos
pessoais, no arquivo do DEOPS-SP, o arquivo do Presídio Maria Zélia recebe
essa denominação.
95

Na imagem da cela “G”, figura I no anexo, vê-se que as divisórias


de madeira das celas eram construídas entre colunas de concreto,
originais da antiga fábrica que ali funcionava. As divisórias não
chegavam ao teto, provavelmente porque o pé direito era bastante alto.
Com cerca de dois metros de altura, eram complementadas por um
cercado de metal, logo acima, com, aparentemente, mais de um metro de
altura. Ainda assim, as paredes das celas ficavam distantes do teto da
fábrica, o que garantia uma boa iluminação natural. Pelas frestas que
foram abertas, podemos observar um varal de roupas improvisado,
cadeiras, mesas e um preso sentado, observando o fotógrafo.
Em outra fotografia, indicando as peças de madeira utilizadas na
sublevação dos presos descrita no relatório (figura II no anexo), vê-se a
porta de acesso ao piso superior e uma janela que provê abundante
iluminação ao ambiente, ambas adaptadas com grades de ferro.
Na imagem da cela “C” (figura III no anexo), aparece a mesma
estrutura das celas “G” e “D” retratadas em outras imagens, sendo que a
“C” mostra menos depredações. Por fim, a fotografia da cela “D” (figura
IV no anexo) mostra as divisórias arrancadas do chão, em celas
enfileiradas em um enorme salão da fábrica, criando um largo corredor
do lado oposto. Pelas aberturas causadas pela depredação, vê-se parte do
interior da cela, que também contém mesas e cadeiras. É possível ver
uma das camas e dois presos, um de costas e outro em pé, olhando para
o fotógrafo. Embora as imagens não mostrem, em diversos relatos foi
mencionado um pátio para o banho de sol – o mesmo pátio onde houve
um massacre na noite de 21 de abril de 1937.
No texto de Dainis Karepovs e Régis Leme (1985) há alguns
dados sobre a estrutura do presídio, descrito como um espaço de quatro
mil metros quadrados, com apenas oito celas. Em menos de dois anos,
passaram por ali cerca de 70010 presos. O presídio improvisado possuía
dois andares e ligava-se por uma passarela a outro depósito idêntico, que
não foi utilizado.

A instalação do Presídio foi feita às pressas. No


andar inferior funcionava a administração, no
superior ficavam os presos. Na lateral um pátio
aberto onde estavam localizados banheiros e

10
No períodico O Jornal do Rio de Janeiro, no dia 25 de fevereiro de 1937, na
página 4, publicou a matéria “Os presos políticos em São Paulo”, na qual
informava que desde os levantes de novembro de 1935 haviam sido detidos 743
presos políticos, sendo sua fonte a Secretaria de Segurança Pública.
96

tanques e que servia para os exercícios e os


banhos de sol. Ao fundo, o Destacamento da
Guarda e a cozinha. Ao redor guaritas, torres de
vigia, muros e, mais adiante, os sobrados da
sossegada vizinhança, dos quais era possível
espiar a vida no interior do presídio.
(KAREPOVS; LEME, 1985, p.13-4)

Os autores também descrevem a rotina do local, com a limpeza


feita pelos presos, que se organizavam dividindo as tarefas. As visitas
eram permitidas a cada quinze dias e tinham duração de trinta minutos.
Davino Francisco dos Santos foi um dos presos do Maria Zélia.
Em A Marcha Vermelha, ele descreveu o alojamento dos presos:

Dentro dos xadrezes, os presos faziam barracas de


pano ou de papel, e nelas moravam em grupos de
2 e até de 4 homens. As tendas eram em grande
número e davam a ideia da existência de uma
cidade dentro do grande caixão de cimento. As
barracas serviam para as reuniões secretas das
várias organizações revolucionárias. (SANTOS,
1948, p.151-2)

É preciso registrar que, ao longo da pesquisa, me deparei com


duas fontes relatando a existência de uma ala feminina no presídio. Na
ata da 97ª Sessão Extraordinária da Assembleia Legislativa de São
Paulo, de 13 de junho de 1937, o deputado Alfredo Ellis Jr. (PRP) relata
ter recebido uma carta das mulheres presas:

Exmo. Sr. Deputado, à Assembleia Legislativa,


dr. Alfredo Ellis Jr. – Nós, mulheres presas no
Presídio Político “Maria Zélia”, viemos apelar
para a sua consciência democrática, para que faça
ouvir a Câmara o que passamos aqui há quase
dois anos, as torturas morais e físicas que nos
assassinam lentamente. (ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
13/06/1937, p.894)

A carta segue denunciando as condições do local onde estavam


alojadas, com umidade constante e nenhum acesso à luz natural; a
alimentação era péssima e sofriam maus tratos, o que levou muitas
97

presas a adoecerem. A carta relata que, quando as presas protestaram


contra essas condições, foram torturadas na DOS. E finalizam:

Chegamos a fazer uma greve de fome, o que nos


valeu conseguir algumas pequenas reivindicações,
mas pouco melhorou ainda a nossa situação. É por
isso que apelamos a v. Excia. que faça qualquer
coisa por nós, que proteste conosco para que
cessem as opressões físicas e morais para que pelo
menos, sejamos transferidas para um local onde
possamos não morrer - As presas políticas do
Presídio “Maria Zélia”, no dia 4 de junho.
(ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO
DE SÃO PAULO, 13/06/1937, p. 894)

Davino dos Santos fez uma pequena menção ao setor feminino do


Maria Zélia, quando descreveu o trajeto pelo qual foi levado, após sua
frustrada tentativa de fuga na noite em que ocorreu o massacre:

Quando cheguei, mais ou menos na altura dos


fundos do Maria Zélia, tive medo. O guarda
marchava a poucos passos atrás de mim [...].
Continuamos a andar, dando volta pelos fundos
dos dois grandes prédios. Saímos no outro
extremo do Maria Zélia, onde havia a prisão das
mulheres e dali rumamos para a direita.
(SANTOS, 1948, p. 183)

Não encontrei outras fontes sobre esta ala feminina, nem menção
ao setor nos documentos oficiais no DEOPS ou sequer o nome de
alguma das mulheres que esteve presa.
Na rotina diária, os presos se ocupavam trabalhando: professores
lecionavam na chamada “Universidade Maria Zélia”, jornalistas,
escritores e teatrólogos redigiam materiais, artesãos confeccionavam
diversos materiais como canetas, chapéus, cintos, bolsas e objetos
artísticos.
O presídio encaixava-se no conceito de instituição total, definido
por Erving Goffman como “um local de residência e trabalho, onde um
grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da
sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma
vida fechada e formalmente administrada”. (1974, p.11). Além da rotina
formalmente administrada pela direção do presídio, havia a rotina
98

elaborada e administrada pelos presos, com atividades físicas,


intelectuais e culturais.

2.2.2 A Universidade Popular e o Teatro Maria Zélia

O destaque da rotina no presídio se dava por conta da iniciativa


que ficou conhecida como “Universidade Maria Zélia”, proposta
coletiva de educação dentro do presídio, em que eram distribuídas
atividades conforme as aptidões e formação dos presos. Santos
descreveu a intensa produção intelectual e política:

O conjunto dos xadrezes era um vulcão de


atividades legais e ilegais. Havia reuniões e mais
reuniões dos grupos da Aliança, do Partido, do
Socorro Vermelho e da Juventude Comunista. Os
bureaux dirigentes conferenciavam também.
Esquemas de organizações eram confeccionados;
programas da Aliança eram pregados nos
tabiques; tiravam-se recortes dos diários para
coloca-los no jornal mural do Presídio; traduziam-
se artigos do secretário do Partido Comunista
Norte-americano; liam-se secretamente boletins
do Partido vindo de fora e escreviam-se cartas
com tinta feita de amido de arroz. À parte dessas
atividades, existia o trabalho de preparação do
jornal secreto “Liberdade”. Era o órgão da
Juventude Comunista. Todos os núcleos do
Partido e do Socorro Vermelho Internacional liam
esse jornal. Elementos da Aliança que
merecessem fé o liam também. Tinha a
Universidade Popular Maria Zélia, onde davam-se
aulas de alfabetização e ensinavam-se línguas,
matemática e outras matérias. Como parte
integrante da Universidade, havia uma biblioteca
com algumas centenas de obras. Bons professores
lecionavam na Universidade. (SANTOS, 1948, p.
159)

Vieira (1957) relata que as atividades da “Universidade Maria


Zélia” eram divididas: inicialmente, atividades físicas, com práticas de
esportes e torneios organizadas por ex-sargentos, ex-cabos e ex-soldados
99

do Exército e da Guarda Civil de São Paulo, quase todos diplomados em


educação física. Os detentos acreditavam que a prática de atividades
físicas estimulava os presos aos estudos de teorias políticas. Entre uma
atividade e outra havia aulas de higiene e anatomia, ministradas pelos
médicos ali presos, que explicavam sobre asseio pessoal até como
utilizar os banheiros. A universidade organizava atividades que se
iniciavam às sete horas da manhã, após a leitura dos jornais, encerrando-
se apenas à noite. A iniciativa ganhou a simpatia de alguns vigilantes,
que copiavam todos os dias os conteúdos dos quadros negros para
relatórios policiais e acabavam se aproximando de alguns presos.
Chegavam mesmo a fornecer notícias, como a da fuga do Presídio
Paraíso, antes da publicação nos jornais.
Nas atividades teóricas, eram ministrados cursos de matemática,
geografia e línguas, conferindo diplomas aos presos a cada três meses de
curso. A maioria dos presos participava das atividades da universidade,
mesmo diante da diversidade de conhecimentos e posições ideológicas:
“no mesmo ambiente se achavam comunistas, socialistas, anarquistas,
apolíticos e cinco trotskistas” (VIEIRA, 1957, p. 100). As atividades
intelectuais eram tão intensas, que em 6 abril de 1937 foi criada a
Biblioteca Maria Zélia, para resguardar e dispor para consultas as
redações e revistas manuscritas produzidas no presídio. Essa produção
chamou atenção da imprensa, que publicou trechos da carta do preso
Augusto Pinto à sua mãe, escrita em 14 de junho de 1936.

É verdade que nós temos a virtude de transformar


num esforço que a mim próprio causa admiração e
entusiasmo este cárcere numa escola, numa
academia, numa quase universidade, onde todo o
mundo aprende, predica e realiza, num ambiente
de fé e de esperança, tão grande e comovedor, que
vocês aí de fora nem sequer podem suspeitar [...]
meus dias se escoam com rapidez. Enquanto
aguardo melhores tempos, procuro tirar aqui
dentro todos os ensinamentos possíveis e ganho
mais e mais convicção de que nada é inútil e que
cada acontecimento é uma experiência a provocar
uma aplicação honesta. (VIEIRA, 1957, p. 103)

Um dos materiais produzidos no presídio foi a Revista Juventude.


Encontrei dois números, no prontuário Publicações Comunistas, do
DEOPS-SP. Datam de novembro de 1936 e abril de 1937. Em A
imprensa confiscada pelo DEOPS, 1924-1954, de Maria Luiza Carneiro
100

e Boris Kossoy (2003, p. 148), é relatado que, provavelmente, foram


produzidos doze números do periódico.
A revista era confeccionada manualmente, desde a arte da capa,
como pode ser visto no exemplar de abril de 1937 (figura V no anexo),
feita com lápis colorido. Seu conteúdo era composto por textos com
críticas ao sistema capitalista, como O café, fator político brasileiro, que
discorre sobre o plantio e a exportação de café no Brasil, desde o
período da escravidão, passando pela mão de obra imigrante e
culminando na crise da produção. O texto conclui que o capitalismo fez
com que a grande exploração do café gerasse um excesso de produção,
que passou a ser adquirida pelo governo, criando constantes
empréstimos do Estado para resolver problemas que eram dos
latifundiários. Em outro texto, intitulado Economia Política, menor e
mais didático, é explicado o conceito de mais valia. A revista também
traz um Suplemento Literário, com um texto ficcional e um pequeno
artigo intitulado Livros para elogiar o fascismo, que não cita nenhum
livro, mas trata da miséria na qual a Itália se encontrava, com uma
“fantasia fascista” de progresso. Há um desenho de página inteira
(figura VI no anexo), com um dragão de quatro cabeças, nas quais se lê
ferro, petróleo, energia elétrica, dívidas externas; em sua pata dianteira
está escrito café, no corpo, imperialismo. À sua frente, há um homem
vestindo apenas calças e com um machado na mão, o braço levantado,
como se combatesse o dragão. Há apenas a indicação da data, 21 de
novembro de 1936. Possivelmente, seja a capa do exemplar.
No número de novembro de 1936, o primeiro texto mostra a
palavra Liberdade e um punho cerrado desenhado logo acima. Ao redor
do punho, está escrito São Paulo e abaixo, Órgão dos presos políticos –
edição Maria Zélia. Segue o texto Ao povo e às classes armadas, que
discorre sobre a opressão do governo Vargas, denominando-o como
ditadura, mesmo antes do Estado Novo. Ali há a denúncia de torturas,
alguns assassinatos, presos deixados para morrer lentamente, a pão e
água, outros espancados, fuzilados ou que haviam cometido “suicídio”.
A palavra aparece entre aspas, para conotar ironia quanto a prática
conhecida nas ditaduras brasileiras, na qual assassinatos cometidos pela
polícia são descritos como suicídios. No mesmo texto, o autor denuncia
que, à sombra do estado de guerra, Getúlio Vargas cometia
barbaridades, como o fechamento de jornais e a ameaça de prisão aos
que escrevessem em oposição ao seu governo. Em outro texto, Menores
desamparados, são descritos dois menores engraxates, fugitivos de um
reformatório, que foram assassinados por policiais. Na conclusão, uma
crítica sobre a situação social das crianças vivendo em abrigos e
101

sofrendo maus tratos. Há um texto com o título T.S.N., sobre a esperança


que alguns presos ainda mantinham na justiça. O TSN – Tribunal de
Segurança Nacional é descrito como “Tribunal Infame”, e o autor
aconselha os companheiros a não gastarem dinheiro constituindo
advogados, mas sim organizando um boicote ao TSN. Clama para que
os presos desmoralizem, de todas as maneiras, o que o autor chama de
“obra de Getúlio e Ráo”, e que exijam que o governo solte todos os
presos políticos. Neste exemplar de abril de 1936, há ainda os textos O
petróleo no Brasil; O Regime de Getúlio e Ráo; Governos Impopulares;
Margem do Manifesto; Reivindicações Estudantis e Movimento
Sindical. São textos sempre críticos ao sistema capitalista, ao governo
Vargas, à violência política e, no cenário internacional, com diversas
críticas à ascensão do fascismo e do nazismo.
Segundo Vieira (1957), a universidade também incentivou
propostas artísticas e culturais, que resultaram no “Teatro Popular Maria
Zélia”. As peças eram produzidas por artistas profissionais, como o
diretor de arte Roberto Silva e o ensaísta Paulo Emilio Salles Gomes,
que após uma passagem pelo Presídio Paraíso foi transferido para o
Presídio Maria Zélia, participando ativamente do teatro, inclusive
criando a peça Destinos, que foi encenada dentro da prisão. A peça
tratava sobre a história de dois irmãos: Carlos um comunista e Álvaro
um conservador. Através da peça Paulo Emilio Salles Gomes criticava a
burguesia personalizada na personagem Álvaro e enaltecia o
proletariado através de Carlos, demonstrando através de sua obra suas
convicções políticas.
O teatro era tão organizado e bem elaborado, que despertou o
interesse das autoridades, levando os diretores do presídio, Plínio de
Sousa Morais, Adrião Monteiro e Renato Junqueira Franco, a assistirem
algumas peças. O teatro ganhou repercussão nas conversas internas dos
órgãos de repressão. Em uma das apresentações, esteve presente Arthur
Leite de Barros Junior, secretário de segurança pública, e Eusébio Egas
Botelho, superintendente da Ordem Política e Social. Essas visitas
levaram à apreensão dos textos de peças, jornais e revistas produzidos
dentro do presídio. O material era um incômodo para Secretaria de
Segurança, que sempre buscava os autores dos manuscritos. Como os
materiais não eram identificados e possuíam diversas cópias, com
caligrafias distintas, os presos afirmavam se tratar de uma produção
coletiva, sem um autor específico.
Também havia poetas que escreviam e declamavam suas poesias,
como Hilário Corrêa e o cabo do exército Antônio Balota, que escreveu
102

o poema Brasil (Anexo II). Os presos usavam as declamações como


forma de enfrentamento e resistência.
O discurso proferido calorosamente causava aos
vigilantes do presídio certa inquietude, pois
julgavam que o orador estivesse combatendo o
governo. Evidentemente os presos achavam nisso
muita graça e se divertiam durante várias horas
com essas representações. (VIEIRA, 1957, p. 106)

2.3 A VIOLÊNCIA DENTRO DO PRESÍDIO MARIA ZÉLIA

Embora o grande destaque sobre o Presídio Maria Zélia, em


diversos jornais, tenha sido o massacre de 21 de abril de 1937, outras
notícias relacionadas ao presídio dão conta de sua relevância como
ferramenta de opressão política. Na reportagem Os horrores das prisões
de São Paulo – Centenas de presos inocentes continuam apelando para
as autoridades!, publicada em O Imparcial, em de 19 de junho de 1937,
lê-se que a comissão formada por familiares dos presos políticos de São
Paulo vinha percorrendo os jornais, denunciando a situação. As senhoras
Guilhermina Reis, Darcilia Morgado dos Santos e Anna da Silva, viúva,
estiveram na redação do jornal, onde Guilhermina Reis relatou:

Sou esposa do preso Oscar Reis, impiedosamente


metralhado na ocasião em que, juntamente com os
companheiros de cárcere, intentava fugir do
presídio "Maria Zélia”. Meu marido era o meu
arrimo quando, há 16 meses, foi preso. Em
consequência disso, fiquei na miséria, em
companhia de quatro filhos menores.
A sua prisão, prossegue a nossa interlocutora, data
da greve geral que se manifestou na Companhia
Tração Força e Luz de São Paulo. Ele era
tesoureiro do Sindicato dos Metalúrgicos e, por
essa simples razão, foi julgado um dos
responsáveis pela situação. Após os ferimentos
que recebeu, em número de 16, completamente
inutilizado, o meu marido se encontra,
presentemente, recolhido no Hospital Militar. A
miséria em que vivo com os meus filhinhos é a
mais completa. Viajei para aqui auxiliada por
103

pessoas de minhas relações. (O IMPARCIAL,


19/06/1937, p.13).11

Os livros, jornais e cartas dos presos passavam por vistoria e


podiam ser retidos, tanto por censura quanto por punição. A censura e a
perseguição também se davam de outras formas mais perversas. Vieira
(1957) descreve que os agentes policiais enviados aos presídios criavam
pânico no interior dos cárceres. Criavam intrigas íntimas de famílias,
falando para algum preso sobre a mulher ou filha de um terceiro ou
relatando que as famílias dos presos estavam em estado de abandono, na
miséria, e que, sem o chefe da família presente, as esposas e as filhas se
desviavam. Isso causando alteração nos ânimos dos presos, que
brigavam com mais frequência e ficavam perturbados.
Por conta das más condições de instalação e alimentação,
somadas à perturbação psicológica e a maus tratos físicos, não era
incomum presos com problemas de saúde mental. Foi o caso do cabo
Adalberto, que ficou “furioso devido aos maus tratos sofridos, se deu
conta de que foi utilizado pela polícia para tirar a vida dos
companheiros. De fato, o militar assassinou com um cano de ferro o
companheiro de xadrez de nome Navarro, nos porões da polícia
política” (VIEIRA, 1957, p. 97). Adalberto realizava, insistentemente,
uma investigação para revelar quem eram os infiltrados no presídio.
Segundo Foucault (2001), a sociedade usa o discurso
criminologista para justificar as penas, que não seriam punitivas, mas
sim, transformadoras. Mesmo sabendo que a pena de morte, a prisão ou
até mesmo o pagamento de multa não transformarão o indivíduo em um
ser melhor, os juízes precisam de um vocabulário que estabeleça que as
penas não são vingativas. É o caso das torturas físicas e psicológicas que
levaram alguns presos do Presídio Maria Zélia à loucura e outros a
morte – o presídio não cumpriu o papel oficial de reformador, mas
apenas o papel punitivo. A punição, por sua vez, era motivada mais por
uma perseguição anticomunista do que por bases legais, visto que
muitos presos entraram e saíram do Presídio Maria Zélia sem que sequer
fosse estabelecido um processo criminal.
O jornal O Imparcial de 8 de setembro de 1937, na seção A voz
ao Povo, há uma denúncia, feita por alguém que se identificou como
companheiro de cárcere de Adalberto Alves de Souza, ex-cabo do
exército, que enlouqueceu após ver o massacre do Maria Zélia. Ele

11
Todas as citações foram atualizadas de acordo com as normas ortográficas
atualmente vigentes.
104

perambulava pelas ruas, passando horas em frente aos presídios Maria


Zélia e Paraíso, vivendo maltrapilho, “vítima da plutocracia paulista
representada pelo candidato que ainda tem o cinismo e o descaramento
de falar em democracia e bem estar para o povo. Ali está Adalberto
Alves de Souza, como que um protesto contra a tirania imposta por
Armando de Salles”.12 (O IMPARCIAL, 8/09/1937, p. 7). A notícia, que
tem como fundo uma crítica à candidatura de Armando de Salles
Oliveira à presidência do país, trata de mais um caso de traumas
resultantes das torturas físicas e psicológicas pelas quais passaram os
presos do Maria Zélia.
Em 21 de março de 1936, O Imparcial informava, na coluna Na
secção permanente do Senado, que o Senado também recebia denúncias
sobre os abusos cometidos pela polícia paulista. Esta espancava e
torturava os detidos suspeitos, como foi o caso dos operários Alfredo
Godofredo, presidente do sindicato de empregados da Light, espancado
a ponto de vomitar sangue, Sebastião de Francisco e Augusto Pinto,
funcionário da Caixa Econômica, que veio a ser uma das vítimas fatais
do presídio Maria Zélia. O periódico ainda cita que Augusto Pinto, em
desespero, tentou atirar-se do 3ᵒ andar do gabinete de investigações. Por
fim:
Dos presídios políticos do Paraiso e Maria Zélia
recebo, também, queixas impressionantes. Mais
de 300 pessoas lá presas há mais de cem dias,
ignoram inteiramente os motivos de suas
detenções e nunca foram interrogadas. O presídio
Maria Zélia é uma fábrica abandonada
absolutamente inadaptada ao seu novo mister. É
sobre o cimento que dormem os presos.
Assistência médica, praticamente não existe. (O
IMPARCIAL, 21/03/1936, p. 11)

A matéria continua informando que as famílias dos presos


políticos resolveram apelar para o ministro da Justiça sobre a situação
dos presos em São Paulo. A comissão que formaram percorreu diversos
jornais da cidade, denunciando a truculência da polícia paulista e as
prisões sem formação de culpa; ao jornal, senhoras da comissão

12
O cabo chamado Adalberto, que teria enlouquecido dentro do presídio, é
citado por Vieira (1957) apenas pelo primeiro nome. Assim, não foi
possível identificar se era o mesmo cabo que apresentou sinais de
insanidade depois de solto.
105

informaram que os presos José Rodrigues Cró Filho e Adalberto Alves


de Souza perderam a sanidade em virtude dos castigos que sofreram,
sendo que o primeiro agrediu o segundo, produzindo-lhe um ferimento
grave. A comissão também denunciou que muitos presos absolvidos
pelo Tribunal de Segurança Nacional (TSN) ainda se encontravam no
Presídio Maria Zélia e que nenhum apelo, por mais veemente que fosse,
comovia as autoridades paulistas.
Em 21 de fevereiro de 1937, sob a manchete A representação dos
presos políticos de S. Paulo ao Ministro da Justiça – Uma carta ao
diretor do Imparcial, o periódico publicou a carta de uma comissão
formada por parentes e advogados de presos, enviada ao ministro da
Justiça, sobre as prisões sem julgamentos nem provas de culpa, que se
acumulavam nos presídios de São Paulo após novembro de 1935.

[...] cerca de “quinhentos presos políticos”, que se


encontram nos presídios da capital de São Paulo,
vêm, por meio desta representação, á presença de
v. ex., expor e requerer o seguinte:
Vai, neste momento, para quinze meses, que se
acham estes quinhentos detidos nos presídios
“Maria Zélia” (Belenzinho), do Paraiso e
enfermaria-presídio do Hospital Militar da Força
Pública. Sem formação de culpa, apesar de
estarem, de há muito, encerrados os inquéritos que
a polícia instaurou, muitos deles
espalhafatosamente publicados na imprensa diária
e cujos relatórios dão bem a medida da iniquidade
das acusações neles articuladas. [...] Por mais
esforço que a polícia pusesse em estabelecer
ligações entre os presos paulistas e as insurreições
de novembro, quer como agentes, cumplices, co-
réus auxiliares ou responsáveis em nenhum desses
inquéritos ficou apurado, ou ao menos, resultaram
indícios de que os detidos de São Paulo tivessem
com as insurreições aludidas, a menor a mais
longínqua coparticipação pela simples razão de
que nenhuma dessas coisas, na realidade existe ou
existiu. (O IMPARCIAL, 21/02/1937,p.7)

A reportagem segue citando o caso de um juiz federal que deu


alvará de soltura a 34 presos, por ausência de provas que os
incriminassem. Mas o alvará não foi cumprido, pois a polícia alegava
que havia fatos, desconhecidos do juiz, alheios ao inquérito, que
106

justificavam a manutenção dos presos em custódia. O alvará de soltura


já tinha completado um ano, e não havia sido incluída nenhuma nova
acusação aos presos. A carta também questionava a alegação de os
levantes de novembro de 1935 terem sido a motivação das prisões, pois
estes não ocorreram em São Paulo.

Tal estado de coisas, porém, não é licito que


continue. Não é só ao ministro de Estado, cônscio
das suas responsabilidades, mas também ao
Professor de Direito, espírito afeiçoado ao culto
da Justiça e da Liberdade, que a Comissão abaixo
assinada vem trazer esta representação.
Transformados em armas políticas, de presos
perigosos que eram têm a sua sorte sujeita aos
azares e a confusão de uma luta, em redor do
curral presidencial, que indisfarçável e
nitidamente se delineia no horizonte, se alguém
que, nesse instante, tudo pode, não interveio com
a sua autoridade, para arrancar às grades aqueles
que nelas se encontram, reconhecida e
confessadamente inocentes.
Tem assim a presente o objetivo de pedir à v.
excia. que, ponderando as alegações aqui, em
síntese, oferecidas á sua meditação, se dignar
nomear uma Comissão — mas uma Comissão
insuspeita, digna e idônea — afim de rever esses
Inquéritos policiais, pesando as acusações
articuladas contra cada um, de modo a, sem mais
tardança, serem dadas as providencias necessárias,
no sentido de cessar esta calamidade, para respeito
dos direitos alheios, louvor de sua administração e
honra da JUSTIÇA. (O IMPARCIAL,
21/02/1937, p. 7)

Em sessão na Assembleia Legislativa paulista, em 7 de maio de


1937, o deputado Campos Vergal alegou que já havia um ano e meio
que o Presídio Político Maria Zélia se achava repleto de detidos
políticos, vítimas de perseguições pessoais, animosidades partidárias,
ignorando até o que vinha a ser propriamente comunismo. Portanto, se
fazia necessária uma revisão imediata, a fim de que se devolvesse a
liberdade aos inocentes. Sua fala foi apoiada pelo deputado Moura
Rezende (PRP) : “Sei de muitos presos que permaneceram no presídio
Maria Zélia e foram postos em liberdade sem jamais serem ouvidos por
107

qualquer autoridade. Esses homens permaneceram tanto tempo às


expensas do Estado, inutilmente, pois que não eram comunistas.”
A reportagem de O Imparcial, já citada, Os horrores das prisões
de São Paulo – Centenas de presos inocentes continuam apelando para
as autoridades! denunciou a situação dos presos políticos de São Paulo
como a mais angustiante possível, com prisões injustas e absurdas, a
partir de novembro de 1935. A matéria lembra que o ministro da Justiça,
Macedo Soares, pôs em liberdade diversos presos que se encontravam
encarcerados sem prova alguma de culpa. Contudo, a decisão não se
aplicou ao Presídio Maria Zélia:
O IMPARCIAL tem tratado, por diversas vezes
dos horrores do presídio macabro “Maria Zélia"
que, como é sabido, representa um verdadeiro
Inferno de Dante no coração civilizado da
Paulicéia.
TERROR QUE SE PERPETUA
A atitude do ilustre titular da pasta da Justiça bem
merecia ser seguida pelas autoridades dos demais
Estados da União. Entretanto, tal não se verificou.
Em São Paulo, onde a agitação foi bem menor que
nesta capital e no Norte, os presos-políticos, ao
invés de serem tratados como seres humanos, são
tremendamente castigados.
Uma infinidade de pessoas detidas e que se
encontram sem formação de culpa, jazem retidas
em imundos catres, severamente castigadas, a
espera da clemência das autoridades. Cerceadas as
atividades jornalísticas em São Paulo, Estado
onde deveria existir a máxima liberdade, as
famílias dos presos acusados de professar o credo
vermelho não poderiam jamais invocar a
clemência dos poderes competentes. (O
IMPARCIAL, 19/06/1937, p. 13)

Na seção Queixas do povo, de 21 de julho de 1937, a matéria


Presídio Maria Zélia traz uma carta enviada à redação do jornal por
Izabel Vieira, esposa de um presidiário:
Quem subscreve esta é uma esposa e mãe que,
tendo o seu marido encarcerado há 13 meses pela
polícia política de S. Paulo, vê os seus filhos se
definharem dia-a-dia pela ausência daquele que
era o sustentáculo do seu lar.
108

Sr. Redator, o espancamento de que foi vitima o


meu marido o abalou profundamente. Está quase
inutilizado.
E o fim da presente é pedir a V. S. que torne
público o seu angustioso grito de protesto contra a
permanência nessa casa de torturas que é o
presídio “Maria Zélia”, do seu esposo Antônio
Vieira, inspector da guarda civil que, apesar de
nenhum crime ter praticado, continua preso, com
mais 115 vítimas da reação do célebre fascista
Ráo. ( IMPARCIAL, 21/07/1937, p. 14)

A esposa de Antônio Vieira13 chamou a atenção para o fato de


que, no restante do país, haviam sido colocados em liberdade os
inocentes, e que apenas em São Paulo “para vergonha de nossa
civilização e para miséria de tantos lares, quer a polícia permanecer na
sua desvairada reação” (IMPARCIAL, 21/07/1937, p. 14). Ela clamava
para que os democratas não deixassem que a exceção se perpetuasse em
São Paulo. Na mesma seção, outra carta, enviada pela família de um
preso, denunciando sua situação:

(...) Ladislau Camargo, ferroviário e elemento que


despretensiosamente sempre esteve ao lado dos
seus companheiros nas causas justas, foi detido
em 25 de novembro de 1935 (antes, portanto dos
acontecimentos de novembro de 1935)
continuando até hoje em custodia no presídio
“Maria Zélia”, cuja existência esse jornal já se
tem ocupado com a acertada saliência. Num porão
da delegacia de ordem política e social de S.
Paulo, quatro meses após a sua prisão, foi vítima
de desumanos espancamentos, tendo sofrido entre
outras uma grave contusão no joelho [...]. Sem
tratamento adequado, pois a cura somente poderia
ser efetivada após delicada intervenção cirúrgica,
em virtude de se tratar de lesão interna no joelho,
a qual não estava ao alcance dos médicos que o
podiam tratar, seu estado depois de melhoras
intermitentes, ficou estacionário. Andou de

13
Não foi possível verificar se o citado na reportagem é o mesmo Antônio
Vieira autor do livro Maria Zélia (1957), pois foram encontrados diversos
prontuários com este mesmo nome no DEOPS-SP.
109

muletas algum tempo e hoje apoia-se numa


bengala. ( IMPARCIAL, 21/07/1937, p.14)

O autor da carta relatou os diversos pedidos de assistência médica


que foram feitos, pois a perna de Ladislau estava atrofiada, e para os
quais não houve resposta; a carta é assinada pela Família Camargo.
Segundo Vieira (1957), a alimentação no presídio também foi
uma ferramenta de desarticulação política interna. Os presos recebiam
pão e café pela manhã, arroz, feijão e carne no almoço e jantar. O
cardápio não supria as necessidades calóricas dos presos, muito menos a
de nutrientes e vitaminas. Não bastasse o racionamento da comida, ela
ainda vinha em péssimas condições de consumo, sobretudo a carne, que
quase sempre estava estragada. As famílias tinham liberdade para enviar
alimentos aos presos diariamente, mas eram poucos os que podiam
contar com esses recursos e ainda assim, uma prática que se tornou
cotidiana foi a contaminação das marmitas enviadas pelas famílias com
o cuspe dos carcereiros. Um paliativo encontrado pelos médicos ali
presos foi separar os grãos de arroz e feijão que se mostravam
estragados, lavar e cozinhar novamente os alimentos em suas tendas
improvisadas. Quanto à carne, era consumida somente quando estava
em reais condições salubres.
É possível notar, ao pesquisar o presídio Maria Zélia, evidências
de “falhas” nos órgãos repressores, que causaram efeitos inversos aos
esperados. Por exemplo, com a incessante “caçada” política que ocorreu
após novembro de 1935, foram encarcerados muitos indivíduos sem
posição política definida, mas que foram consideradas agitadores
comunistas. Alguns presos foram alfabetizados, receberam instrução
política e só então compreenderam do que estavam sendo acusados. A
opressão do regime e a prisão foram incentivos para esses presos, até
então despolitizados, se tornarem simpatizantes do comunismo. Vieira
descreve casos em que, na tentativa de mostrar eficiência, os policiais
criavam ligações entre pessoas que sequer tiveram conversas com algum
comunista e estabeleciam inquéritos como se tratasse de subversivos.
Por esse motivo, passavam pela Delegacia de Ordem Política (DOP),
onde eram espancados e fichados como criminosos comunistas; alguns
chegaram mesmo a ser condenados pelo Tribunal de Segurança
Nacional. Foi o caso de Manoel Dias Veloso que, quando preso, era
analfabeto e não compreendia sequer os termos pelos quais era acusado.
Dentro do presídio, não só recebeu instrução, como se tornou muito
interessado pela movimentação política comunista, tornando-se um dos
110

dirigentes dos movimentos dentro do presídio e participando avidamente


das discussões sobre textos de Marx e Lênin.

2.3.1 As fugas e os levantes

Em agosto de 1936, os presos Aldino Schiavo, médico, e Manuel


Medeiros, dirigente da Liga Comunista Internacionalista, estavam muito
doentes. Schiavo fora submetido a uma cirurgia no Hospital da Força
Pública e retornou logo em seguida ao Presídio Maria Zélia. Mesmo em
péssimas condições de saúde, Schiavo “ficara tão perturbado com o
brutal tratamento que recebera no hospital, que preferia morrer no
Presídio a ser devolvido à enfermaria” (KAREPOVS; LEME, 1985, p.
21). Contudo, os carcereiros passaram a exigir que Schiavo fosse levado
de volta ao hospital, como uma clara forma de provocação. Ao mesmo
tempo, Manuel Medeiros delirava em febre, com convulsões. Sem
assistência, ele morreu. O que se seguiu foi uma revolta no presídio,
com presos declarando que Schiavo não sairia contra sua vontade e que
o corpo de Medeiros ficaria no presídio até que os fatos fossem
divulgados publicamente, assim como tornada pública a falta de
medicamentos e as condições nas quais os presidiários eram atendidos.
No dia 18 de agosto de 1936, o presídio amanheceu cercado pelas tropas
da Força Pública e pelos policiais do DOPS:
Metralhadoras são instaladas nos telhados, tropas
são distribuídas pelas ruas vizinhas. Circulam
rumores de que legiões comunistas tentariam
liberar os presos. Uma comissão continua sem
descanso a discutir com a direção uma lista de
reivindicações sob a mira das armas. Mas não há
interesse em conceder nada: às 17:30, Fúlvio está
no portão falando com o delegado Tripoli. Sem
aviso, o vice-diretor Adrião Monteiro ordena a
invasão do prédio. Começa a fuzilaria. As
metralhadoras arrebentam as vidraças das janelas
abrindo espaço para as bombas de gás
lacrimogênio. Os presos não têm como reagir ou
se defender. A sensação é que ninguém sairá vivo,
a menos que se consiga chamar a atenção dos
jornalistas, retardar a invasão e parar o tiroteio.
No meio das balas alguém começa a puxar os
colchões para o corredor e atear fogo provocando
uma hesitação entre os policiais. O general Miguel
111

Costa grita: “Você está louco, moço! Chega para


cá que está chovendo bala!”. O moço era Abdon.
Logo, aparece o cabo do exército Argeu: “Vou te
ajudar, Abdon, acende mais este!”. No quinto
colchão, já se ouvia a gritaria lá de fora enquanto
cessavam os tiros: “Estão colocando fogo no
Presídio!”. Os policiais trouxeram grossas
mangueiras e começaram a jogar água sobre os
catres e os presos. Após a invasão, fizeram um
corredor polonês e começaram a chamar e a surrar
os presos identificados como “cabeças” da
rebelião. Ao todo foram acusados dezessete
presos; (KAREPOVS; LEME, 1985, p. 22)

Alguns presos foram levados para o DOPS, onde permaneceram


quase um mês. Quando voltaram, avisaram a Abdon Prado Lima que ele
corria risco de vida, pois os policiais sabiam que ele havia posto fogo
nos colchões. Isso motivou a sua fuga, descrita por ele a Karepovs e
Leme (1985):

O plano estava traçado e dependia basicamente de


dois fatores: preparo físico e rapidez. [...] Todos
os dias tinha banho de sol de manhã e à tarde, no
pátio aberto. Eu continuava treinando sem parar,
pronto para qualquer situação,
pulava sem dificuldade até 1,70m de altura sem
apoio. Então me veio a ideia. (KAREPOVS;
LEME, 1985, p. 23)

Sua ideia, extremamente simples e arriscada, era pular o muro de


2,30m que dava acesso à rua, sem ser fuzilado. Ele comunicou aos
companheiros de cela a sua ideia e disse que deveria executá-la sozinho,
por conta dos riscos e da necessidade de preparo físico. Seus
companheiros foram solidários.

Eu estou avisando vocês porque, se me matarem,


eu não tenho ninguém aqui, e quero que escrevam
para minha família em Pernambuco. Nesse
endereço. Eu estava certo que a polícia ia me
matar, não tinha outra saída. Pedi o maior segredo
aos dois, mostrei que eles não conseguiriam me
acompanhar, porque precisava de muito preparo
físico. Aí eles se convenceram e perguntaram se
112

eu precisava de algum dinheiro. Eu aceitei e pedi


duas camisas para não ser reconhecido após a
fuga. (KAREPOVS; LEME, 1985, p. 23-4)

Abdon Prado Lima colocou seu plano em prática em 19 de


novembro de 1936, durante o banho de sol das 8 às 9 horas. Escondeu-
se em um dos banheiros, mas foi surpreendido por uma faxineira, que
questionou o que ele fazia ali. Ele respondeu que estava a serviço,
consertando o banheiro. Sabendo que seria denunciado, Abdon foi até o
fundo do pátio, correu, tomou impulso e pulou. No primeiro pulo, não
conseguiu alcançar a borda do muro. Como os guardas ainda não tinham
notado sua presença, tomou impulso novamente e, dessa vez alcançou a
borda. O que se segue na sua narração demonstra que contou com a
sensibilidade e a solidariedade de pessoas que não o viam como um
perigoso fugitivo, mas como alguém que precisava de ajuda.

Caí na frente da janela de uma moça, que gritou: -


“Entre aqui, moço, entra depressa!”. Eu disse: -
“Não, não dá...”, corri até a avenida Celso Garcia
e entrei rapidamente em um bonde que ia para a
Penha. Estava tão apavorado que resolvi saltar do
bonde logo em seguida e entrar numa rua pouco
movimentada. Eu estava meio tonto. Na minha
direção, vinha um rapaz com jeito de operário.
Parei ele e disse: “Moço, eu saí agora mesmo do
Maria Zélia, sou preso político e escapei da morte
(aí eu exagerei um pouco a história)”. Ele me
olhou e disse: “O negócio é que já estão à sua
procura. Mas vamos lá.” Entrei na casa dele, um
porão ali perto. A mulher dele estava me servindo
café, quando ele contou a história. Ela deixou a
xícara cair e começou a chorar. Eu tranquilizei os
dois, disse que era por pouco tempo. Pedi que ele
fosse buscar um amigo meu que tinha um táxi no
ponto do Pátio do Colégio. Ele foi e voltou com o
carro. Tudo isso, e ele nem me conhecia! Dali
fomos para uma gráfica clandestina do PC
montada pelo Caio Prado no bairro de
Indianópolis, onde fiquei 15 dias. (KAREPOVS;
LEME, 1985, p. 24-5)

A polícia não divulgou a fuga, provavelmente para evitar uma


desmoralização. Pouco tempo depois, houve uma grande fuga do
113

Presídio Paraíso, mas alguns jornais a noticiaram como sendo no


Presídio Maria Zélia. O Imparcial, de 14 de fevereiro de 1937, publicou
a notícia Os fugitivos do Maria Zélia; como se preparou a evasão, sobre
a fuga de dezoito presos, que deixou em situação comprometedora os
encarregados da vigilância do presídio. Fugiram através de um túnel,
que eles mesmos cavaram e que levava ao terreno do Reformatório
Modelo. Dali, tomaram um rumo desconhecido. A polícia local
acreditava que houve cumplicidade dos guardas:

Entre os fugitivos estão Victor de Azevedo,


jornalista, e o padeiro Nino Rodrigues, agitador
conhecido.
Os restantes são estrangeiros. Durante vários dias,
os detentos cavaram um túnel de cerca de oito
metros de extensão, escondendo a terra removida
em baixo das camas.
A polícia guarda o maior sigilo sobre as
providências tornadas, no sentido não só de
descobrir o paradeiro dos fugitivos, como de
apurar responsabilidades.(O IMPARCIAL,
14/02/1937, p. 18)

A notícia tomou proporções maiores, aparecendo na capa do


jornal carioca Diário da Noite, no dia 22 de fevereiro de 1937, com as
fotografias dos fugitivos sob a manchete Fuga Sensacional. O jornal
alertava: “A polícia acredita que muitos dos fugitivos do presídio Maria
Zélia estejam nesta capital”. A notícia, de cunho extremamente
alarmista, dizia que os fugitivos eram extremistas e que se aproveitaram
da boa reputação junto aos guardas para terem menor vigilância sobre
suas atitudes, o que os possibilitou cavarem o túnel sem serem notados.
O túnel em questão começava embaixo de uma das camas da enfermaria
e terminava no quintal do reformatório vizinho. Não foi possível apurar
se o erro ao informar em qual presídio ocorreu a fuga foi meramente
casual, ou se houve alguma intecionalidade, visto que mais de um
períodico noticiou de forma errada.

2.3.2 Os assassinatos

Para descrever os eventos que culminaram no massacre do


Presídio Maria Zélia, é preciso atentar para o relatório do inquérito, que
114

apresentou duas versões sobre o ocorrido: a versão dos guardas


acusados de promoverem a chacina e a versão dos presos que a
testemunharam. Entre os muitos relatos pesquisados, há diversas
discrepâncias sobre os eventos.
Tudo teve início com um plano de fuga de presos da cela “D”,
passando pelo portão de aço que ficava na frente do xadrez e dava
passagem para o pavilhão abandonado da antiga fábrica. Para isso,
fizeram um buraco no portão, que disfarçaram com uma barraca
improvisada. Na noite de 21 de abril de 1937, às 23h30, 26 fugitivos
passaram pelo buraco, se reuniram no pavilhão abandonado, trocaram de
roupa e caminharam em direção à saída. Havia duas escadas que
levavam ao térreo por direções opostas. Dois presos se encaminharam
para uma das escadas e o restante para a outra. Francisco Ferraz de
Oliveira e José Aparecido da Fonseca, que se separaram do grupo,
foram os únicos presos que conseguiram concretizar a fuga. Os outros,
após descerem a escada, ficaram escondidos em um banheiro, para dali
atravessarem um pátio pavimentado, depois um capinzal, chegando até o
muro que pulariam. Contudo, ao chegarem ao pátio, houve os primeiros
disparos e soou a sirene. Alguns recuaram novamente para os banheiros,
outros correram para o pátio, onde encontraram sentinelas. Se acuaram
então em outros banheiros. Segundo o relato dos presos, os guardas
começaram a atirar nas paredes externas dos banheiros.
A partir de então são apresentadas duas versões. A primeira,
apresentada pelos dois sobreviventes da chacina, Oscar Reis e Antônio
Donoso Vidal, que foi posteriormente confirmada por guardas que
escreveram para jornais e para a Assembleia Legislativa de São Paulo,
sob a condição de anonimato. Contaram que os presos se renderam,
foram colocados em fileiras, por ordem do sargento da Divisão Especial
da Guarda Civil, Gregório Kovalenko, e conduzidos à administração do
presídio. Ao longo do percurso, foram espancados. Laudelino de Abreu,
delegado da corregedoria que escreveu o relatório sobre a noite do
massacre, nomeou quinze presos que teriam sofrido ferimentos em
função dos espancamentos.

Enfileirados, de mãos para o alto, os cinco presos


(restantes) aguardavam a hora de ser removidos
do pátio. Faltava apenas a ordem do sargento.
Nesse instante, chega um guarda e diz a
Kovalenko: “Matei um homem e deixei lá
encima”, ao que a sanguinária classe distinta
responde: “Isso não tem importância”.
115

(Depoimento de Oscar Reis, divulgado pela


tribuna da Assembleia Legislativa em 14/7/37,
pelo deputado Alfredo Ellis). O homem morto era
João Varlotta.
Kovalenko dá a ordem: “Marche”. Marcharam
alguns passos, sempre de mãos ao alto. “Alto”,
ressoa a voz do sargento. Param atônitos os
prisioneiros. “Marche”, foi a nova ordem. Ao
primeiro passo, ouviu-se a primeira rajada da
metralhadora portátil, empunhada pelo sargento
Kovalenko, a única arma daquele tipo vista pelos
presos. “A rajada foi disparada a sete metros de
distância, pelas costas”, disse Antônio Donoso
Vidal, o segundo sobrevivente, instrutor de tiro da
Força Policial. “Fui atingido pelas costas, pela
rajada de metralhadora” - declarou Oscar Reis.
(KAREPOVS; LEME, 1985, p. 31)

Com as rajadas de metralhadora de Kovalenko e tiros de fuzis dos


outros guardas, Augusto Pinto, José Constâncio da Costa, Naurício
Maciel Mendes, Oscar Reis e Antônio Donoso Vidal, foram feridos.
Naurício Mendes, que ainda estava vivo quando caiu, teve o crânio
esmagado a coronhadas por Kovalenko. Ele não fez o mesmo com Reis
e Vidal, que também estavam vivos após os tiros, pois naquele momento
entraram pelo portão principal as primeiras ambulâncias de socorro.
Augusto Pinto teve a perna direita praticamente decepada e
recebeu um tiro no peito. José Constâncio da Costa teve morte
instantânea, atingido por três balas no crânio. As ambulâncias
conduziram Antônio Donoso, Oscar Reis e Naurício Mendes para o
Hospital Militar, onde Naurício morreu, horas depois. Segundo
Karepovs e Leme (1985), os testemunhos dos dois sobreviventes
permitiram o esclarecimento dos fatos do dia 21 de abril, mas “como em
todo regime arbitrário e ditatorial, Kovalenko e os outros soldados
envolvidos no massacre, apesar das provas e do clamor da justiça, foram
absolvidos”. (KAREPOVS; LEME, 1985, p. 33)
A segunda versão dos fatos, que consta no inquérito do delegado
corregedor Laudelino de Abreu14, apresenta a versão dos guardas. Eles

14
Laudelino de Abreu foi delegado da DOS, conhecido por torturar os presos
em seus interrogatórios, a sua delegacia localizada no bairro do Cambuci. Esta
foi apelidada de “Bastilha do Cambuci”, por conta das atrocidades ali
cometidas.
116

alegaram que, depois de rendidos os fugitivos, enquanto os guardas


reencaminhavam os presos para as celas, Francisco Ferraz de Oliveira e
José Aparecido da Fonseca, que estavam escondidos atrás de privadas,
correram pelo capinzal dos fundos do presídio, alcançando o muro e
consolidando a fuga. Os guardas os avistaram e alertaram o sargento
Kovalenko, que, ao se distrair, foi atacado pelos presos capturados. Os
guardas, com destreza, conseguiram se livrar do ataque, dando os
primeiros disparos para assustar os fugitivos. No entanto, os outros
guardas começaram a atirar, teria mesmo havido cinco a dez minutos de
troca de tiros com os presos, ao final dos quais havia três presos feridos
e dois mortos. Afirmaram não terem como saber quais guardas mataram
os presos.
As primeiras notícias sobre o fato saíram nos jornais já no dia
seguinte. Na capa do A noite, de dia 22 de abril de 1937, havia a notícia
Três mortos e 15 feridos, com as primeiras informações:

Na madrugada de hoje verificou-se um motim


entre os encarcerados do presídio Maria Zélia, que
promoveram enorme algazarra praticando
depredação. Com a intervenção da Polícia
Especial, foi restabelecida a ordem, sendo
necessário o uso de energia, em virtude da atitude
violenta que assumiram os amotinados. Entre a
polícia e os fugitivos, que estavam armados,
inexplicavelmente, houve cerrado tiroteio. (A
NOITE, 22/04/1937, capa)

No dia 23 de abril, o Correio Paulistano, em sua capa, publicou a


manchete Evasão sangrenta do presídio ‘Maria Zélia’. Na notícia,
constava a nota do Secretário de Segurança, que informava haver três
mortos e sete feridos, e alegava que os guardas agiram de acordo com as
circunstâncias, que os disparos foram necessários.
No dia seguinte, o Correio noticiou, na sessão em que eram
publicados os principais assuntos discutidos na Assembleia Legislativa,
o debate entre o deputado Alfredo Ellis Jr., membro do PRP, e o
deputado Edgard França, do Partido Constitucionalista. Ellis Jr. fazia
oposição ao governo de Armando de Salles Oliveira, afirmando que a
violência ocorrida no presídio fora fruto do despreparo da segurança.
França, deputado da situação, alegava que a guarda e a polícia de São
Paulo não possuíam “elementos fascistas”, como acusava o deputado
Ellis Jr., que os eventos no Presídio Maria Zélia eram lamentáveis, mas
que o uso da força havia sido necessário.
117

No periódico O Imparcial de 25 de abril de 1937, foi publicada a


manchete Maria Zélia, o presídio macabro, com o subtítulo Uma
tentativa de fuga que se diz propiciada pelos guardas, para justificar a
chacina. O regime penitenciário aplicado aos presos políticos dali
atenta contra a civilização. Exibia uma foto da fachada do presídio. O
texto trazia notícias ainda desencontradas sobre os acontecidos:
“Perdura no espírito popular, a profunda impressão deixada pelos
acontecimentos verificados no presídio político ‘Maria Zélia’, do qual
fugiram vários presos, tendo sido mortos pelos guardas seis destes,
ficando vários gravemente feridos”. O autor do artigo conta que visitou
o presídio e que a normalidade havia sido restabelecida. Denominou o
lugar de “curral de homens”, tratados como animais, alegando que no
Rio de Janeiro não havia regime penitenciário tão duro e cruel como o
do Maria Zélia. Afirmou que a fachada do presídio enganava, ao dar a
impressão de um local de conforto e bem-estar, escondendo um regime
que permitia visitas aos presos apenas a cada quinze dias e apenas por
quinze minutos, com guardas à vista, que interrompiam as conversas
que se tornassem muito alegres e acaloradas, alegando perigo à ordem
interna. A reportagem também trouxe informações sobre a alimentação e
a higiene do presídio:
Feijão bichado, arroz ordinário, e péssimo preparo
das refeições, eis o que se come em “Maria Zélia".
E a higiene? Esta, quem faz são os próprios
presos, se quiserem ficar em ambiente
mediocremente limpo e respirável.
Pão não entra inteiro
A crueldade e excesso de segurança chega a tal
ponto que no presídio de “Maria Zélia” não entra
um pão inteiro: é logo na entrada partido em
pedaços, para ver se se encontra algo útil à fuga.
O resultado é bem fácil prever: o preso não recebe
o pão, e sim pedaços do mesmo, quando às vezes,
nem isso chega às suas mãos. Especialmente o
pão ou o bolo trazido ao marido por alguma das
desoladas esposas. (O IMPARCIAL, 25/04/1937,
capa)

Falou-se da correspondência controlada e da segregação que os


presos sofriam, com banho de sol de apenas 30 minutos, e do uso da
“solitária” como forma de punição – um cubículo com o chão de pedra
fria e com água parada, onde o detento podia passar dias preso. Há a
referência à fuga feita pelo túnel, quando os guardas utilizaram
118

metralhadoras quando a notaram. Sobre levantes, a notícia trata de um


ocorrido em 30 de maio de 1936, controlado pelos guardas com
metralhadoras e fuzis, assim como outro, no dia 18 de agosto de 1936,
quando os guardas utilizaram gás mostarda, das 20 horas até o
amanhecer, quase asfixiando todos os presos. A matéria foi assinada
pelo Capitão Oswaldo M. de Almeida.
Na 57ª Sessão na Assembleia Legislativa de São Paulo, no dia 26
de abril de 1937, o deputado Campos Vergal lamentou os assassinatos
ocorridos no Presídio Maria Zélia, quando foi interrompido pelo
deputado Ernesto Leme (PC), que declarou que o fato era deplorável,
mas que a polícia não podia ter agido de outra forma e que, se houve
excessos, estes seriam apurados por um inquérito regular. O deputado
Alfredo Ellis Jr pediu a formação de uma comissão para acompanhar
esse inquérito, que, segundo lhe constava, estava sendo parcial. O
deputado Vergal afirmou recear que o inquérito não fosse rigoroso, por
conta da quantidade detidos por perseguições pessoais ou por denúncias
infundadas. A prova disto era o grande número de detentos já postos em
liberdade, após longos meses de reclusão. O deputado Ellis Jr
completou, afirmando que no Brasil não havia mais a pena de morte.
Na 64ª Sessão da Assembleia, em 6 de maio de 1937, Alfredo
Ellis Jr. retomou a discussão sobre a necessidade de uma comissão que
acompanhasse a apuração da verdade sobre o Presídio Maria Zélia, pois
já ouvira rumores que deveriam ser averiguados. Informou que recebera
uma carta, que leu em seguida:

Exmo. sr. dr. Alfredo Ellis, Saudações. [...].


Presenciei, naquela noite trágica, todos os
acontecimentos e quero contribuir com meu
testemunho sincero e imparcial, para o
esclarecimento completo e punição dos
responsáveis pelo triste fuzilamento de indefesos
prisioneiros. Sim, fuzilamento, porque eu fui um
dos que recebi ordens de atirar em mais de uma
dezena de presos, todos encostados na parede,
com as costas voltadas para nós e de punhos
cerrados! (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO
ESTADO DE SÃO PAULO, 06/05/1937, p. 240)

O autor da carta afirmava que a sirene do presídio soou às 23h30,


e que ouvira alguns tiros de fuzil e gritos, dos quais ouviu claramente
“parem, que nós nos rendemos!”. Viu os soldados da divisão especial,
119

todos alemães, espancando 23 presos15, quando Pedro Kaufman16


ordenou que parassem, e que os presos se perfilassem e marchassem.
Depois, Kaufman foi à secretaria telefonar; quando voltou, ordenou que
a primeira e a segunda fileira de presos voltassem às celas.

Ficou na sala a terceira fila, com uns 12 ou 15


presos. Nisso, uma ordem: “Meia volta!”. Os
presos perceberam. Um deles, parece que o de
nome Augusto Pinto, disse: “Vocês têm coragem
de nos fuzilar depois de 16 meses de prisão!” A
resposta foi uma rajada de metralhadora!
(ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO
DE SÃO PAULO, 06/05/1937, p. 240)

E continuou descrevendo que nunca vira tamanha selvageria, pois


os caídos receberam novos tiros e os que ainda se mexiam tiveram suas
cabeças arrebentadas a coronhadas. Os guardas da divisão especial,
diziam obscenidades ferozes e selvagens. Por fim, o autor informou ter
40 anos de idade e que, em consequência dessa tragédia, estava
acamado, com as mãos trêmulas, tendo que ditar a carta a seu sobrinho.
Relatou que um dos mortos era o cabo Naurício Mendes, com quem ele
serviu na Força, e que havia morrido com 32 balas no corpo. Este relato
é mais detalhado, com referência a Kauffman, além de Kovalenko,
como responsável pelos assassinatos. Esta testemunha anônima dizia ter
presenciado o ocorrido na condição de guarda. Não relata, porém, que
João Varlotta fora assassinado antes, como o fez o preso Oscar Reis. O
deputado Ernesto Leme, membro do partido Constitucionalista,
questionou o deputado Alfredo Ellis Jr. (PRP) sobre a autoria da carta.
Ellis Jr. confirmou seu anonimato, esclarecendo que não a usava como
evidência, mas para uma indagação necessária a ser feita – sobre o relato
ser ou não verdadeiro.

15
No prontuario do Nauricio Maciel Mendes encontramos uma lista com os
nomes dos presos feridos: João Raimondi, José Freire, Fernando Costa, José
Jorge Oliveira, Fredeico Debelack, Sebastião Francisco Branco, Sebastião
Feliciano Ferreira, Gines Rodrigues, João Caminha Netto, Jocelyn Alves
Cardoso, Cassiano Pereira de Carvalho, Elisiolino Santana, Davino Francisco
dos Santos, Vicente da Paixão Vieira, Jacob Benajamin Leipz, Antonio José
Silva, Celso Nogueira Rosa e Nauricio Mendes. Nos nomes dos mortors
constam: João Varlota, Augusto Pinto e Jose Constancio da Costa.
16
Pedro Kaufman era inspetor da Superintendência de Ordem Política e Social,
nomeado pelo governador Armando de Salles Oliveira.
120

No jornal O Imparcial de 5 de maio de 1937, cuja capa trouxe


novamente a manchete Maria Zélia, o presídio macabro!, foi publicada
a carta que a mãe de Augusto Pinto endereçara ao redator do jornal, pois
acompanhava as notícias que publicava sobre o Maria Zélia:

Sou viúva e mãe inconsolável de meu único filho


AUGUSTO PINTO, covardemente massacrado
pela sanha bestial da polícia de São Paulo.
Meu filho foi preso na noite de 22 de janeiro de
1936, metido na enxovia da Ordem Política e
Social, conservado na mais completa
incomunicabilidade, sonegado de mim e do nosso
advogado, sofrendo toda a sorte de provocações e
acintes, e só depois de 56 dias torturantes, isso é: a
18 de março, foi transferido. Para o TRÁGICO
PRESÍDIO “MARIA ZÉLIA". Onde, justamente
na madrugada de 22 de abril, quando fazia 15
meses de sua prisão injusta e iniqua, foi trucidado
da maneira mais cruel e horrível que se pode
imaginar. (O IMPARCIAL, 05/05/1937, capa)

A carta de Nathalia Pinto fornece mais detalhes sobre a violência


que ocorreu no presídio, a partir da descrição do corpo de seu filho
morto.

Homens, que de homens só tem a forma, sem um


resquício de sentimento bom, brutalizaram, sem
piedade, covardemente, os pobres fugitivos, que
na ânsia de reconquistar a liberdade, expunham a
todos os perigos as suas vidas em flor, pois eram
todos jovens, ainda na primeira mocidade.
Nessa ocasião, pelos soldados que agiam sob
ordem superior dada pelas barbaras autoridades a
quem competia a guarda dessas vidas, foram
fuzilados por fuzil-metralhadora. O corpo de meu
filho, que eu só consegui reaver por influências
políticas, atestava a crueldade inominável das
feras que o trucidaram. Seu coração, aquele
coração que era a vida e a alegria do meu, estava
traspassado por balas, no seu lado direito,
inúmeros ferimentos, e a perna direita estava
estraçalhada: o osso destruído pela carga da
metralha, estando a perna apenas presa por
121

fragmentos de tendões. (O IMPARCIAL,


05/05/1937, capa)

Afirmou que o corpo, autopsiado por um médico da polícia, tinha


ficado exposto no necrotério até às 17 horas, sendo suturado às pressas,
o que lhe deu um aspecto aterrador. “Sr. J. S. Maciel Filho, eu lhe
suplico, do fundo do meu coração de mãe desgraçada, aniquilada, que O
IMPARCIAL publique a minha carta, e que ela sirva de para-choque
contra as balas a que ainda estão ameaçados cerca de 250 presos
inermes.” Nathalia Pinto datou a carta de 25 de abril de 1937, e esta foi
reconhecida por um tabelião.
No mesmo jornal, em 9 de maio de 1937, página 14, foi
publicada a matéria Nunca presenciei tamanha selvageria, com
subtítulo Impressionante depoimento de uma testemunha ocular do
fuzilamento de presos políticos no presídio Maria Zélia. Trata-se da
publicação de outra carta enviada ao jornal, assinada com as iniciais
R.T.S., datada de 27 de abril de 1937. Também se dirigindo ao redator
do jornal, o autor da carta justifica sua motivação pelo ânimo gerado por
outras reportagens sobre o Maria Zélia publicadas pelo O Imparcial. O
autor afirmava ter um emprego que o permitia frequentar com
assiduidade os presídios políticos de São Paulo, que conhecia a vida que
os presos políticos levavam e que queria contribuir para a denúncia das
barbaridades praticadas pela polícia de São Paulo. Alegou que a nota da
Secretaria de Segurança sobre o ocorrido era “cínica e mentirosa, pois
está bem longe do que aconteceu naquela trágica noite”. Como
testemunha, R.T.S. dizia ter presencidado um quadro dantesco.
Esclarecendo não ser político, disse que seu interesse era relatar a
verdade para apontar os verdadeiros assassinos, “os assassinos, porque
não passou de puro assassinato aquilo que a Secretaria de Segurança de
São Paulo, quer fazer passar por ‘tentativa de fuga de alguns presos’”.
Passou, então, a descrever o que testemunhara:
Precisamente às 23 horas e meia tocou o sinal de
alarme, acompanhado de alguns tiros de fuzis e
gritos lancinantes. A guarda toda, composta da
celebre Divisão Especial da Guarda Civil,
comandada pelo alemão Kaufman e organizada
em 1934 pelo governo do sr. Armando Salles, foi
imediatamente mobilizada, e eu corri para uma
sala que me indicaram. O que eu vi foi horrível e
inenarrável. Na sala contígua à que se achavam os
26 presos que tentaram a conquista da liberdade,
os alemães da Divisão Especial espancavam a
122

coronhadas de fuzil aqueles infelizes. Estavam


todos encurralados e não havia nenhuma
possibilidade de fuga. Foram surpreendidos antes
de alcançar sequer o pátio interno do presídio,
cabeças ensanguentadas e partidas. A uma ordem
de um dos guardas, os presos perfilaram-se
militarmente, enquanto Kaufman ia telefonar da
Secretaria do presídio que fica no prédio defronte.
Voltou mais feroz do que nunca. Era uma fera.
Mandou que a primeira fila se recolhesse ao
xadrez 4. Ordenou que a segunda fila fizesse o
mesmo. Como o preso Augusto Pinto se
encontrava entre estes, recebeu um violento socco
no rosto, e ordenaram que ficasse com a última
turma de presos, uns 12 ou 15. Kaufman deu
ordens de meia volta, no que foi obedecido pelo
grupo. Esses presos ficaram então, com as costas
voltadas para as guardas e a frente para a parede
lateral. Augusto Pinto percebeu qualquer coisa e
chegou a dizer para os guardas: “Vocês têm
coragem de nos fuzilar depois de 16 meses de
prisão?” A resposta foi uma rajada de
metralhadora! (O IMPARCIAL, 09/05/1937, p.
14)

O autor reafirmou relatar a pura verdade, dizendo que participou


da Revolução de 1932 no setor Cunha, onde, apesar dos horrores que
presenciou, nenhum foi tão selvagem quanto ao que ocorreu no Maria
Zélia. Confirmou que Augusto Pinto, mesmo dilacerado, ainda estava
vivo quando um guarda, ao vê-lo se mover, deu-lhe mais tiros. A carta
termina com uma crítica a Armando de Salles: “eis o que faz o homem
que quer ser presidente da República. A Divisão Especial foi organizada
pelo homem que enche a boca de Democracia, que pretende ocupar o
mais alto posto da nação”. O escritor anônimo justificou que, se viesse a
público, teria o mesmo fim que os presos assassinados, mas que se
necessário fosse, estava disposto a falar publicamente. Mesmo com o
abalo nervoso sofrido, poderia “escrever mais alguma coisa sobre os
presídios políticos de São Paulo e sobre a Divisão Especial de
Kaufman”. Ainda sobre este, alegou que era homem de confiança do
secretário de Segurança e que fazia a guarda pessoal de Armando de
Salles Oliveira “quando este pronuncia discursos em torno de
Democracia”. Sua descrição é bem semelhante à da carta também
123

anônima enviada a Ellis Jr; pode-se pensar que se trata da mesma


pessoa.
Em sessão da Assembleia Legislativa de São Paulo em 06 de
maio de 1937, o deputado Ellis Jr, questionava o fato de um alto cargo
da polícia ser ocupado por um alemão.

Pergunto, então, aos meus nobres pares: são


essas as autoridades do nosso Estado? Então
temos um elemento estrangeiro entre nós, como
ditador nazista, qual seja esse sr. Kauffmann que
aqui impera com essa desenvoltura? Onde está a
nossa dignidade de Estado soberano? Então
consentimos que um elemento estrangeiro aja
entre nós como si fossemos um Estado nazista?
Então permitimos uma situação assim em que
estrangeiros tomam atitudes draconianas? A
Revolução Francesa começou assim, mas contra a
estrangeira Maria Antonieta. (ASSEMBLEIA
LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
06/05/1937, p. 244)

Este incômodo sobre a nacionalidade alemã do chefe da guarda


do presídio nos remete a Eric Hobsbawm, quando se trata da influência
do aparato de repressão nazista em países da América Latina.
Na América Latina é que a influência fascista
europeia foi aberta e reconhecida, tanto em
políticos individuais, como Jorge Eliezer Gaitán,
da Colômbia (1898-1948), e Juan Domingo Perón,
da Argentina (1895-1974), quanto em regimes,
como o Estado Novo de Getúlio Vargas, de 1937
a 1945, no Brasil. Na verdade, apesar de
infundados temores americanos de um cerco
nazista a partir do Sul, o principal efeito da
influência fascista na América Latina foi interno a
seus países. [...] os governos do hemisfério
ocidental entraram na guerra do lado dos EUA,
pelo menos nominalmente. É, no entanto verdade
que em alguns países sul-americanos seus
militares foram moldados no sistema alemão ou
treinados pelos alemães ou mesmo por quadros
nazistas. (HOBSBAWM , 2005, p.136)
124

No Correio Paulistano de 30 de maio de 1937, a notícia O


“caso” do Presídio Maria Zélia, na página 6, explicava como os
acontecimentos estavam sendo tratados pelo governo. Presente na
memória das pessoas, por conta do inexplicado uso de violência pelos
guardas do presídio, o fato levou a protestos da população.

Uma rápida “nota” oficial referiu sucintamente o


lutuoso acontecimento, quando a opinião pública
reclamava explicações cabais e francas que
desfizessem temores despertados pelo insólito
proceder policial.
O sr. secretário da Segurança Pública, pesada
herança deixada pelo sr. Armando Salles ao sr.
governador Cardoso de Mello Netto, julgou de
melhor aviso silenciar, esperando, talvez, que o
tempo fizesse esquecer o triste episódio.
(CORREIO PAULISTANO, 30/05/1937, p. 6)

A notícia se referia à nota de Leite de Barros, que apenas


informou o ocorrido, sem fornecer outros informes sobre o caso. Não
justificou o ato violento de seus subordinados e nem esclareceu que
medidas seriam tomadas.
No jornal O Imparcial, de 30 de maio de 1937, página 13, a
notícia Egas Botelho, que fizeste de meu filho?, trata novamente de
Nathalia Pinto, mãe do jovem Augusto Pinto, assassinado no Maria
Zélia. Desde então, ela buscava justiça, desejando que os estrangeiros
que metralharam seu filho fossem punidos. Por isso, expôs o caso às
autoridades federais, entregando ao Ministério da Justiça uma longa
exposição sobre o assassinato de seu filho.
O deputado Alfredo Ellis Jr. leu outra carta referente ao Presídio
Maria Zélia, na sessão de 17 de maio de 1937, na Assembleia
Legislativa de São Paulo. Informou tratar-se da carta de um preso,
entregue ao deputado por familiares. Era um relato dos acontecimentos
do dia 21 de abril:
Uma guarda composta de estrangeiros massacrou
inúmeros brasileiros. Estou certo que da tribuna
ecoará o brado de revolta, dando a publicidade
nos jornais. O nome do verdadeiro responsável,
que é o russo sargento da Guarda Civil, elemento
da Divisão de Reserva, o famigerado Gregório
Kovalenko, que de metralhadora em punho,
varreu com balas as pernas de brasileiros que
125

achavam-se no interior do pátio. Morreram 14 e


saíram feridos 76, as ambulâncias trabalharam a
noite toda, transportando os mesmos para o
Hospital da Força Pública e outros para o
cemitério do Araçá. Divisão de Reserva da
Guarda Civil, repleta de estrangeiros sob o
comando do teuto Pedro Kaufman é a tropa-
brigada internacional, de confiança do
comandante José da Silva e do dr. Arthur Leite de
Barros! Deixo de assinar para evitar ser vítima de
espancamento. (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
DO ESTADO DE SÃO PAULO, 17/05/1937, p.
415-6)

A carta também afirmava que o inquérito que a apurava a chacina


estava sendo conduzido com parcialidade, pois diversos delegados se
posicionavam a favor dos guardas que atuaram na chacina. E pedia que
a Assembleia Legislativa realmente fiscalizasse o processo, pois caso
contrário, os próprios envolvidos apurariam o caso, atuando em causa
própria.
Na sessão de 8 de junho de 1937, o deputado Alfredo Ellis Jr leu
outra carta que lhe fora enviada pela mãe de Augusto Pinto:

Ilmo. sr. dr. Alfredo Ellis Junior, tendo ontem no


“Correio Paulistano”, do dia 29 de maio p. p. o
debate que o sr. tão corajosamente levantou na
Assembleia Legislativa, a propósito dos tráficos
assassinos da noite de 21 de Abril, no presídio
“Maria Zélia”, clamando pela necessidade de uma
comissão neutra para acompanhar o inquérito no
sentido de se apurar as responsabilidades dos
criminosos, eu venho por meio desta, agradecer-
lhe a atitude brava e digna que o sr. assumiu,
procurando a todo o transe que se faça justiça.
É que eu também corro em vão, atrás dessa
justiça!
Não era mais lógico, que no regime da liberal
democracia, ela, a Justiça, viesse solícita ao meu
encontro, procurando punir o mal imenso,
irreparável, que a polícia política do sr. Armando
de Salles me causou, trucidando impiedosamente
meu filho, Augusto Pinto, a alegria de minha vida
e que eu esperava fosse também o amparo de
minha velhice? (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
126

DO ESTADO DE SÃO PAULO, 08/06/1937, p.


685)

Nathalia Pinto alegava que os deputados Edgard França (PC) e


Albino Camargo (PC) acobertavam criminosos, fazendo-os passar por
vítimas; e questionava a legalidade das armas da guarda do presídio:

Quem ignora que os soldados da guarda do


presídio “Maria Zélia” são homens de físico
possante e andam super-armados? Não bastava
que eles tivessem usado bombas lacrimogêneas e
“cassetetes”? Não são essas as únicas armas que
os guardas podiam usar legalmente, procurando
impedir a fuga? (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
DO ESTADO DE SÃO PAULO, 08/07/1937, p.
685)

Sobre a alegação do deputado Edgard França, de que os guardas


agiram em legítima defesa, ela perguntava: “se o não fizessem, seriam
mortos por eles, mas com que armas? Se eles, os fugitivos, estavam com
as mãos para o alto quando foram fuzilados, meu filho e outros feridos
tinham perfuração nos braços e nas mãos?”. Ironizava a ideia de
legítima defesa contra jovens franzinos, enfraquecidos por meses de
cárcere e desarmados: “Foi em legítima defesa que chacinaram com
tanta crueldade Augusto Pinto, que eu vi com o coração perfurado por
balas? Com o osso da perna direita destruído por formidável descarga de
metralha?”. Questionava outras mortes igualmente: “Foi em legítima
defesa que atravessaram o coração de João Varlotta com um golpe de
baioneta e um tiro? Foi em legítima defesa que lhe deram coronhadas na
fronte e na orelha, que eu vi inchada, rosa e meio arrancada?” (O
inquérito policial descrevia que Naurício Mendes tivera a orelha
arrancada). Nathalia Pinto afirmou que não teve acesso ao laudo da
morte de seu filho, pois alegaram que ainda não era o momento
oportuno e que, no atestado de óbito, a causa da morte era “hemorragia
interna”, da qual ela desacreditava. Encerrou pedindo “aos srs. Edgard
França e Albino Camargo, um pouco de piedade, para as mães que, no
meio de sua dor imensa e de saudade imensa de seus filhos, clamam por
Justiça!” e assinou a carta, datando-a de 2 de junho de 1937.
127

No dia 13 de junho de 1937, Alfredo Ellis Jr leu a carta de Hear


Leite17, que dizia ter sido solto juntamente com Fúlvio Abramo e
Aristides Lobo, havia um mês e onze dias; que estava no Rio de Janeiro
contra a sua vontade, mas por conta de uma recomendação expressa de
Egas Botelho:

De abandonar o estado dentro de um mês. Nada


foi apurado contra mim, e apesar disso, fui
mantido preso durante mais de um ano, e quando
me restituíram à liberdade, foi isso de tal modo,
que não posso gozar, pois tenho todo o interesse
de não sair deste Estado, onde sempre vivi, apesar
de ser carioca. (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
DO ESTADO DE SÃO PAULO, 13/06/1937, p.
888)

Mais adiante, explicou o porquê da ordem do Secretário de


Segurança:

Na madrugada de 21 de abril, fomos testemunhas


de vista do fuzilamento daqueles infelizes moços,
e das cenas que tiveram lugar após a ordem de
descarga.
Vimos e ouvimos quando o tenente Pantaleão de
Lima, da Força Pública, que havia chegado ao
presídio na qualidade de um dos chefes da Guarda
Civil, mandou que se fuzilassem alguns para
exemplo. Foram então escolhidos aqueles que
deviam ser as vítimas. Quem procedeu à escolha
foram os guardas, quase todos estrangeiros, e
fascistas. Veja o senhor qual o critério para a
escolha, pois basta dizer que o chefe da guarnição
comparece ao serviço de camisa verde.
Após a descarga, como não houvessem ainda
morrido alguns, foram estes massacrados a
coronhadas. Vi quando Augusto Pinto, que foi
funcionário da Caixa Econômica, recebeu de um

17
A grafia na ata da Assembleia aparece como Hear Leite, posteriormente, na
mesma sessão, na página 923 da ata, a grafia aparece como Ilkar Leite, podendo
se tratar de Hilcar Leite, militante trotskista, entrevistado por Ângela Castro
Gomes em 1984. Na entrevista, publicada no libro Velhos Militantes, Leite
alegou que esteve preso no Maria Zélia e que, quando solto, foi obrigado a sair
de São Paulo, por ordens policiais.
128

alemão várias coronhadas no rosto, e nas costas,


bem como João Varlotta, que foi funcionário da
prefeitura. (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO
ESTADO DE SÃO PAULO, 13/06/1937, p. 888)

A notícia do jornal O Imparcial, de 18 de junho de 1937, com o


título Consciências liberais do Brasil – Atenção!”, trouxe a fala de
Carmine Varlotta, pai de João Varlotta, assassinado no dia 21 de abril de
1937 no Maria Zélia, com o crânio esmagado a coronhadas. O jornal
estampou a fotografia de seu corpo, com a legenda: “Flagrante
fotográfico de uma das vítimas sacrificadas ao ódio do ex-governador de
São Paulo, e ora candidato à suprema magistratura da Nação, o dr.
Armando de Salles Oliveira.” A reportagem pedia que fossem ouvidas
as expressões de dor e desespero de Carmine Varlotta:

Consciências liberais do Brasil atenção! Vai


desfilar perante os vossos olhos a farândola
sangrenta das vítimas do presídio Maria Zélia, de
São Paulo.
Ouve e medita. E depois, quando passar por vós o
candidato “nacional” à presidência da República,
declamando, liricamente, madrigais à Liberal
Democracia, dá-lhe a resposta a que faz jus
Homens Livres do Brasil! Escorraçai-o,
impedindo que a ameaça do seu predomínio
continue a pairar sobre os destinos da Pátria.
É um novo Torquemada, que ensaia reacender,
entre nós, em pleno século XX, as fogueiras
inquisitórias da Idade Média. Correi com ele, por
amor do Brasil, por amor da Liberdade! (O
IMPARCIAL, 18/06/1937, p. 11)

A notícia trazia a descrição de Carmine Varlotta sobre como


cortaram o braço direito de seu filho, que era funcionário municipal e
arrimo de família. “Do que recebia mensalmente, retirava uma pequena
parcela para si, reservando o restante para o sustento da velha mãe e das
irmãs. Depois da sua prisão, aumentou a nossa pobreza. Mas
esperávamos vê-lo solto cada dia” (O IMPARCIAL, 18/06/1937, p. 11).
A notícia também informava que Varlotta fizera três requerimentos às
autoridades paulistas pleiteando a liberdade do filho. “Ele era uma
criança, era o seu companheiro no duro ganha-pão de todas as horas,
alegrava o pai. Que o soltassem, ou, ao menos, que lhe dissessem por
129

que o mantinham em custódia” (O IMPARCIAL, 18/06/1937, p. 11).


Próximo do Natal, ele pediu a Arthur Leite de Barros, secretário da
Segurança Pública do Estado, que lhe devolvessem o filho, em nome
dos sentimentos cristãos e em face das declarações do presidente da
República, mandando dar liberdade aos presos sem culpa formada. E
após a morte do filho, foi ao Rio de Janeiro pedir ao Presidente da
República e ao Ministro Macedo Soares que determinassem a abertura
de um rigoroso inquérito, no qual se apurasse a responsabilidade pelo
assassinato do seu filho. Em sua carta ao jornal, ainda sugere saber o
motivo pelo qual o filho fora preso:

Não tomou parte em nenhuma reunião política


ilegal e nem concorreu para a difusão das ideias
extremistas, todos esses fatos foram devidamente
apurados no inquérito policial promovido pelo
“Torquemada” — Egas Botelho — de nada
valendo as reclamações de sua detenção. A
veracidade dessa afirmação está no fato de não ter
o Tribunal de Segurança Nacional recebido, até
hoje, nenhum inquérito referente a tão perigoso
extremista.
Por que, então, estaria detido, há 18 meses, João
Varlotta?
O sr. Carmine Varlotta explica:
– Meu filho era funcionário municipal:
precisavam afastá-lo para dar o lugar a outro. (O
IMPARCIAL, 18/06/1937, p. 11)

Em 25 de junho de 1937, a notícia Na bastilha armandista, com o


subtítulo Como se desenrolaram as atrocidades “democráticas” do
sinistro presídio Maria Zélia – Uma carta das vítimas da hedionda
polícia política de São Paulo, publicada no jornal O Imparcial,
reproduzia uma carta enviada pelos presos políticos do Maria Zélia
(Anexo III). Esta havia sido enviada em 25 de abril de 1937, dirigida ao
redator do jornal. A carta relatava as violências sofridas pelos presos,
desde quando eram detidos na Delegacia de Ordem Social (DOS), por
até dois anos, sem acusação ou provas contra eles; reivindicam seus
direitos, e que o governo garantisse comida, trabalho, liberdade de se
desenvolverem, saúde e instrução ao povo. “Desejamos que o Brasil não
seja mais um ‘vasto hospital’ e um amontoado de analfabetos”;
reivindicavam que o Brasil não “seja vendido, aos poucos, aos grandes
grupos de banqueiros estrangeiros que sugam continuamente o suor, o
130

sangue de milhões de famintos, de flagelados pelas secas e de toda sorte


de misérias”. Diziam-se inocentes, que não representavam perigo à
ordem pública e que estavam com a saúde arruinada. Quanto a suas
famílias, que levaram para Assembleia o protesto contra a chacina,
afirmavam estar na miséria, por conta dos lares desmoronados.
Descreveram o ocorrido no dia 21 de abril, justificando a fuga:

É coisa elementar de raciocínio humano, que todo


aquele que se vê privado da liberdade, também
arbitraria e injustamente, por tão longo tempo,
sem sombra de justiça real e a ser submetido a
julgamento de um tribunal fascista, cujo
presidente condena antes de julgar (vejam-se
entrevistas por eles dadas) procure fugir, se
possível.
A fuga é um direito à suprema conservação do
homem contra a opressão. Liberdade é o brado de
todos os homens. Conquistar a liberdade quando
esta não nos é dada, é humano, é justo. (O
IMPARCIAL, 25/06/1937, p. 11)

Relatavam que, após atravessar o buraco feito na parede e


chegarem ao prédio contíguo, atingindo o quintal cercado por altos
muros e arame farpado, os guardas começaram a atirar. Com o alarme
dado pelas sirenes, alguns se abrigaram nas privadas ali existentes,
outros se estenderam no chão, no meio do capim, enquanto esperavam
ser reconduzidos ao presídio, uma vez que já estavam cercados. Augusto
Pinto levantou os braços e se entregou aos guardas, enquanto Naurício
Mendes e João Varlotta levantaram lenços brancos, em sinal de
rendição. A guarda mandou que avançassem devagar e de braços
levantados. Em seguida, fizeram-nos parar, ameaçando-os com fuzis e
metralhadoras – “os guardas estavam possuídos de uma verdadeira
obsessão sanguinária, disputando-se a tarefa infame de fuzilar-nos” (O
IMPARCIAL, 25/06/1937, p. 11). Entre estes, se destacavam Gregório
Kovalenko e os sargentos que davam ordens. Augusto Pinto exclamou:
“Vão fuzilar-nos depois de rendidos? Que estupidez!”. Encostados na
parede, foram revistados e espancados pelos policiais chefiados por
Sarti. Divididos em grupos, foram reconduzidos à carceragem,
recebendo xingamentos e coronhadas. Um grupo permaneceu; “ao
deixá-los, ouvimos os guardas dizerem: ‘Vamos fuzilar os outros’.
Rajadas de metralhadora foram logo após ouvidas, e os componentes
131

desse último grupo eram, assim, fria e barbaramentee assassinados” (O


IMPARCIAL, 25/06/1937, p. 11).
Segundo a carta, no grupo estavam Augusto Pinto, João Varlotta,
Naurício Mendes, José Constâncio da Costa, Oscar Reis, Antônio
Donoso Vidal, sendo os dois últimos os únicos sobreviventes, mas
gravemente feridos. A carta divulgava alguns pormenores:
Waldemar Schultz e Celso Nascimento Resu, que
ainda estavam dentro da “fábrica”, foram
encontrados pelo “tira” Floriano e um guarda da
primeira classe. Obrigaram-nos a se deitarem no
chão e a roer o cimento com os dentes, sob
coronhadas... Floriano fê-los levantar,
descarregando seu revólver contra eles, tendo uma
bala atingido o pé esquerdo de Schultz. Este
mesmo Floriano exclamou então: “Estão com
sorte, porque já esgotei a munição”. O tal guarda
de primeira classe descarregou o seu fuzil nos pés
dos detidos. Nesta ocasião, surgiu um sargento
que disse: “Não morreram à bala? Pois morrerão a
pancada” agredindo-os a coronhadas. Ao conduzi-
los à carceragem, trocou de fuzil, pois o seu não
tinha baioneta e, com a nova arma, feriu o rosto de
Waldemar, dizendo: “Toma, bandido.” (O
IMPARCIAL, 25/06/1937, p. 11)

Ainda segundo a carta dos presos, outro presidiário, de nome


Nelson Nascimento, também saiu gravemente ferido, pois fora entregue
aos agentes de polícia Sarti e Lionardo, que o espancaram barbaramente.
Um sargento da Guarda Civil ameaçou-o de fuzilamento. Após o
ocorrido, o tenente Pantaleão comandante da guarda, telefonou para
superiores, informando que os presos estavam agindo com toda a
violência. E a partir de então, quebraram tudo o que encontraram pela
frente, inutilizando móveis, até os de presos que não estavam envolvidos
na tentativa de fuga. Por fim, a carta apelava para que os deputados se
interessassem por conhecer os depoimentos por eles prestados no
inquérito e que o acompanhassem, exigindo a punição dos culpados.
“Com isto, terão correspondido aos anseios de justiça de todo o povo
que clama por liberdade e democracia.” (O IMPARCIAL, 25/06/1937,
p. 11). Esta carta, escrita pelos presos, fornece um cenário rico em
detalhes sobre a noite de 21 de abril de 1937, no Presídio Maria Zélia.
Nota-se que há pequenas divergências entre os diversos relatos, como a
troca de nomes de pessoas, mas todos coincidem a respeito da fuga, da
132

captura e dos assassinatos; a história se mantém em todos os


depoimentos, com exceção do testemunho discrepante dos guardas,
presentes no inquérito, que alegaram ter sido atacados pelos presos.
Em 25 de julho de 1937, o jornal carioca O Radical noticiou: Já
era tempo! Fecharam, em São Paulo, o presídio Maria Zélia, citando
notícias chegadas da capital paulista sobre o fechamento do Maria Zélia.
O editorial informava que, após denunciar as misérias praticadas pela
polícia contra os presos políticos ali detidos, agora tinha a satisfação de
noticiar “a providência tomada pelas autoridades bandeirantes, se não
estivessem chegando até nós os clamores angustiantes das mães dos
filhos e das viúvas dos que tombaram vítimas da fúria sanguinária dos
estrangeiros que servem na polícia do sr. Armando de Salles.”
Informava que “os inquéritos ‘arrumados’ pela Polícia concluíram pela
inexistência do atentado. Nem poderia ser de outra forma. Há uma
afinidade completa entre os gros bonnets do peceísmo18 e os assassinos
do Maria Zélia.” Alegava a cumplicidade de Armando de Salles com os
autores do massacre de presos, que impediam a punição dos verdadeiros
culpados.
Maria Zélia foi fechado, mas nos pátios e nos
cubículos ficaram as marcas de sangue de
inocentes covardemente trucidados. E essas, o
candidato da plutocracia não apagará com a sua
demagogia “democrática” de última hora.
Elas ficarão para marcar na história uma época em
que o crime era estimulado e aplaudido pelos
detentores do Poder. (O RADICAL, 25/07/1937,
p. 2)

No Jornal do Brasil de 25 de julho de 1937, na página 7, foi


anunciado Vai ser fechado o presídio Maria Zélia. Havia a explicação
que o governo de São Paulo anunciou que fecharia o presídio,
economizando a importância de vinte mil réis mensais, relativos ao
aluguel do prédio.
Da mesma forma que sobre a abertura do Presídio Maria Zélia,
não encontrei o registro de uma data exata do seu fechamento. Também
não consta nenhuma informação sobre o encerramento das atividades do
presídio no prontuário do presídio no DEOPS- SP. As fontes que

18
Gros bonnet é uma expressão francesa para denominar líderes em um sentido
pejorativo, semelhante ao uso, em português, das expressões “chefão” e
“manda-chuva”. Peceísmo é o termo que diversos periódicos do período
utilizavam para referirem-se ao Partido Constitucionalista.
133

indicam uma data próxima são as duas reportagens anteriormente


citadas, ambas publicadas no mesmo dia, 25 de julho de 1937; embora
elas apenas comuniquem o fechamento, sem especificar a data.
Encontrei algumas evidências que demonstram o esvaziamento do
presídio ocorreu ao longo de alguns meses em 1937.
Anteriormente, em 11 de junho de 1937, a notícia Concluído o
inquérito relativo à evasão dos presos políticos em São Paulo, na
página 11 do Jornal do Brasil, informava que ainda estavam no Presídio
Maria Zélia 124 presos. Um deles, Davino Francisco dos Santos, relatou
esse processo de esvaziamento do presídio:

No mês de junho, o Maria Zélia foi esvaziando-se.


O governo ordenara a soltura dos presos. Saíam
em turmas, com intervalo de dias, e, às vezes, de
horas. Em princípio de julho, restavam nos
xadrezes, dos quatrocentos e tantos presos, apenas
algumas dezenas. Entre os dias 1º e 16 ainda se
achavam no Presídio, Sebastiao, Cintra, Jacob, eu,
João, Schultz, Donoso e mais uns 5 ou 6 homens.
(SANTOS, 1948, p.190)

A partir de junho, teve início a impetração de diversos habeas


corpus, solicitando a soltura dos presos: “Os presos políticos de S. Paulo
solicitaram ao juiz federal a sua soltura, em consequência da cassação
do estado de guerra” (JORNAL DO BRASIL, 19/06/1937, p. 11). A
notícia cita a solicitação de soltura de cem presos. Dias depois, no
mesmo jornal foi publicado: Oitenta presos políticos impetraram
“habeas corpus” ao Juiz Federal de São Paulo (Jornal do Brasil,
22/06/1937, p. 10). O jornal afirmava que 5 habeas corpus pediam a
soltura de 80 presos do Maria Zélia, todos sem culpa formada. No mês
seguinte, na notícia O processo dos parlamentares no Supremo Tribunal
Militar, também no Jornal do Brasil, de 6 de julho de 1937, página 7,
foram citados os nomes de 41 presos que impetraram habeas corpus no
Supremo Tribunal Militar, alegando estarem presos sem culpa formada,
mas apenas por vontade do Secretário de Segurança Pública.
Não encontrei notícias a respeito da aceitação desses habeas
corpus, nem quantos ou quando os presos foram libertos. Mas encontrei,
no registro da 41ᵃ Sessão Ordinária da Assembleia Legislativa de São
Paulo, em 27 de agosto de 1937, a fala do deputado Alfredo Ellis Jr, que
leu uma carta de 16 de agosto, informando que no Maria Zélia só havia
sete presos, estrangeiros, que aguardavam a assinatura da portaria de
134

expulsão. A declaração era confirmada pelo deputado Edgard França.


Provavelmente, o presídio foi sendo esvaziado até encerrar suas funções,
no segundo semestre de 1937.19
Em O Radical de 15 de outubro de 1937, página 5, foi publicada
a matéria A justiça paulista denuncia os implicados nos acontecimentos
do presídio Maria Zélia, anunciando que o promotor público Barros
Penteado finalizou a denúncia, apontando como responsáveis pelas
agressões os guardas Gregório Covalenco20, Antônio Theodoro Fraga,
Gregório Adauto de Andrade, Etelvino Domingos Paes, Francisco
Dullinsky, Nicodemos Dutra da Rocha, Raphael Retamero, José Felix
de Moraes, Manoel Alexandre Reis, Oswaldo Romano, Eduardo Pinha,
Luiz Arruda Silveira, Bernardino Gonçalves Ferreira e Luiz Cezar,
todos qualificados. Também denunciou o inspetor-comandante da
guarnição do presídio, José Pereira Leite, e o tenente Pantaleão Lima,
que dirigiram a ação da guarda. Os guardas alegaram que os presos
fuzilados ofereceram resistência à prisão, avançando contra o sargento
que comandava o pelotão.
No Diário da noite de 4 de janeiro de 1940, na página 7, a notícia
Pronunciados os autores da chacina do presídio Maria Zélia, relatava
que, “em longa sentença, o referido juiz pronunciou, hoje, os guardas
Gregório Kovalenko, Francisco Dulinsky e Etelvino Domingues Paes
como autores das mortes de vários presidiários”. Foram impronunciados
na mesma sentença o tenente Pantaleão Lima, o inspetor Pereira Leite,
comandantes da guarda, e mais 12 acusados.

19
Encontrei uma notícia no Correio Paulistano, do dia 20 de abril de 1941, com
o título Desvio de mercadorias do presídio Maria Zélia, sobre um comerciante
processado como cúmplice de peculato, por ter adquirido mercadorias, em
novembro de 1937, de funcionários do Presídio Maria Zélia. Foi absolvido, pois
o juiz considerou que o acusado desconhecia a procedência dos artigos que
comprara. A nota não especifica que tipo de artigos foram adquiridos nem que
tipo de comércio o acusado possuía. Levanto a hipótese de que, por conta do
esvaziamento do presídio, conforme nota da Assembleia Legislativa de São
Paulo, com a permanência de apenas sete presos no local em novembro de
1937, os funcionários do presídio talvez tenham se aproveitado para vender
itens do Maria Zélia, em seu desmanche.
20
Gregório Kovalenko aparece em todas as fontes com a grafia com “K”,
apenas no inquérito a grafia foi mudada. O fato não passou despercebido pelo
deputado Alfredo Ellis Jr, que afirmou ter sido a grafia do nome
propositalmente modificada, na tentativa de esconder que se tratava de um russo
no comando da guarda.
135

O processo sobre o massacre se estendeu por anos, sendo que a


primeira audiência ocorreu apenas em 1939, quando foram ouvidas
testemunhas. A defesa da guarda do presídio apresentou evidências de
que os guardas prestaram socorro aos feridos, alegando também que os
guardas foram atacados pelos presos e agiram em legítima defesa – os
réus passaram a ser visto como vítimas. Gregório Kovalenko recebeu
homenagens por sua disciplina e carreira na Guarda Civil. Em maio de
1941, o promotor Vicente de Azevedo registrou um pedido de
condenação para Gregório Kovalenko de 130 anos; para Francisco
Dulinsky, de 144 anos; e para Etelvino Domingues Paes, 304 anos,
impronunciando os demais acusados. Contudo, Domingues Paes e
Dulinsky foram absolvidos. Kovalenko, condenado a sete anos de
prisão, recorreu e também foi absolvido. Em 1943, ele e Kauffman
foram exonerados da polícia por espionagem e por estarem ligados ao
coronel da reserva Kristiano Opolomb von Moser Klingelhoeffer,
revelando segredos brasileiros ao Estado Maior Alemão, durante a
Segunda Guerra Mundial. Após as exonerações, Kaufman abriu um bar
no bairro da Lapa, e Kovalenko adquiriu uma grande propriedade no
interior do estado, onde passou o resto de sua vida.
No processo de defesa da guarnição militar do Presídio Maria
Zélia, é possível visualizar os elementos que justificaram a decisão do
judiciário em absolver todos os guardas envolvidos. O processo
começou justificando o armamento e a formação de guerra dos soldados
dentro do presídio.

Em São Paulo, a guarda desses presídios é


confiada à Guarda Civil do Estado. Mas, como
iriam os seus componentes, armados de bastões e
de revólveres, falta de instrução militar adequada,
prover a custódia de uma população carcerária,
assim temível? Como iriam resistir aos assaltos do
exterior que visassem a libertação dos presos? O
Estado resolveu, eis que supunha existir tal
problema: dar-lhes instrução militar e armá-los
com armas de guerra. (HORTA; STAMATO,
1939, p. 39 e 40)

O depoimento de Egas Botelho, superintendente de Ordem


Política e Social do Estado, confirmou o uso de armamento de guerra,
com a mesma justificativa, qual seja, a de que presos políticos eram
mais perigosos que presos comuns, necessitando de um aparato policial
especial para o caso de tentativa de resgate. Botelho afirmou:
136

A guarnição do presídio Maria Zélia sempre


possuiu fuzis e armas automáticas.
Aliás, não se poderia conceber que assim não
fosse, porque, tratando-se de um presídio político,
estava constantemente ameaçado por elementos
interessados na subversão da ordem e não poucas
eram as notícias que corriam a respeito de ataques
vindos de fora, para tirada dos presos. Além disso,
vários atos de insubordinação ali ocorridos, e
várias fugas verificadas anteriormente,
justificavam as medidas rigorosas adotadas,
quanto à guarda do prédio. (HORTA;
STAMATO, 1939, p. 80 e 81)

Segundo o relatório do processo de defesa, alguns presos foram


ouvidos para a montagem do caso, como Antônio Vieira. Mas seu
depoimento foi anulado, pois na ocasião ele estava na cela, doente, e
nada viu da fuga. Ele depôs apenas por indignação, temendo que os
presos assassinados não recebessem justiça com as prisões de seus
algozes, o que de fato ocorreu. Oscar Reis depôs duas vezes. A defesa
alegou que, na segunda vez, ficou claro que Reis havia lido os autos do
processo e os relatos de outros depoentes, pois afirmou que Naurício
Maciel Mendes morreu dentro do presídio, com o crânio esmagado por
Gregório Kovalenko. Pesou contra sua denúncia o relato do preso
Waldemar Schultz, que alegou que fora o soldado Max o responsável
pelas coronhadas que levaram Naurício Maciel Mendes à morte, pois
seu porte de estrangeiro alemão não deixava dúvidas. O guarda noturno
David Avelino dos Santos também alegou que foi Max o assassino de
Naurício, negando categoricamente que Gregório teria sido o executor.
Pelo fato de ser proibida à testemunha a leitura dos relatos de outras, o
depoimento de Oscar Reis foi invalidado.
O tenente Pantaleão de Lima, segundo funcionários do presídio,
não estava presente no momento, estava em sua residência, quando foi
comunicado sobre a tentativa de fuga. Chegando ao presídio, solicitou
que fosse cercado todo exterior da prisão. Segundo Waldemar Schultz o
tenente estava presente a uma distância de aproximadamente vinte e
cinco metros de Kovalenko, no momento em que este fuzilou os
prisioneiros e que nada fez para impedi-lo. A defesa do tenente
Pantaleão afirmou que Waldemar Schultz mentia, ressaltando que o ele
fora condenado por atividades subversivas pelo Tribunal de Segurança
Nacional, numa clara tentativa de desqualificar sua fala e credibilidade;
137

alegava também que, no mesmo depoimento, Schultz declarava estar


escondido em um mictório quando assistiu à cena do fuzilamento, e que,
páginas depois, disse estar em um chão coberto de capim, e que os
guardas não o viram por conta da posição e da distância a que estava e
porque os guardas se “compraziam em sadismos, matando e
espancando” . Em ambos os casos, a defesa alegava ser impossível ele
ter visto algo, já que o mictório não tinha nenhuma vista para o local dos
tiros, e o capinzal estava escuro e distante do local, pelo menos uns
cinquenta metros. E Oscar Reis dissera não ter visto o tenente Pantaleão
durante toda a ação. A alegação da defesa sobre a acusação que fez
Waldemar Shultz de ter recebido ordens para roer cimento, enquanto
levava coronhadas de fuzil na cabeça, peito e outras partes do corpo, foi:
“não é de crer, todavia, que guardas realmente empenhados na captura
de evadidos, dispondo de escasso tempo para uma ação eficiente, fossem
maltratá-lo na prática de violências inúteis”. (HORTA; STAMATO,
1939, p. 193)
Ao longo deste capítulo, foram analisadas diversas fontes
jornalísticas e atas de sessões da Assembleia Legislativa do Estado de
São Paulo. Com relação aos periódicos, destaco O Imparcial, jornal
carioca diário e matutino, criado em maio de 1935 por José Soares
Maciel Filho, que desde sua abertura até meados de 1937, apresentou
uma postura agressiva em relação ao governo Vargas, chegando a
publicar uma entrevista com o presidente da Aliança Nacional
Libertadora, Herculino Cascudo. O Imparcial publicou as cartas de
parentes de presos do Presídio Maria Zélia, assim como diversas
matérias sobre os abusos cometidos no presídio. É interessante notar
que, a partir de 1937, o mesmo jornal mudou sua linha ideológica de
publicações, alertando para um perigo comunista, divulgando o Plano
Cohen, reivindicando a volta do estado de guerra e decretando apoio à
instalação do Estado Novo. Em fevereiro de 1942, Maciel Filho
anunciou o fechamento do jornal, alegando dificuldades financeiras
decorrentes da Segunda Guerra Mundial. É válido notar que, de todas as
38 matérias que citam o Presídio Maria Zélia, publicadas nas décadas de
1930 e 1940, apenas uma tem autoria: o texto Maria Zélia, o presídio
macabro, assinado pelo capitão Oswaldo M. de Almeida, em 25 de abril
de 1937.
Outro periódico carioca no qual encontrei diversas matérias sobre
o Presídio Maria Zélia foi o Jornal do Brasil, fundando em abril de
1891, por Rodolfo Sousa Dantas e Joaquim Nabuco, com críticas ao
regime republicano. No período pesquisado, o jornal manteve uma
posição moderada, tecendo críticas tanto à ANL quanto à Lei de
138

Segurança Nacional, embora tenha apoiado a candidatura de Armando


de Salles de Oliveira à presidência da República.
O Radical foi um jornal carioca de origem tenentista, fundado em
1932 por Rodolfo de Carvalho, com uma linha política a favor do
governo Vargas e ferrenhas críticas à Revolução Constitucionalista.
Contudo, era um jornal que pretendia atingir um público de operários e,
com a promulgação da LSN, passou a criticar a repressão do governo
sobre os sindicatos, chegando a manifestar simpatia pela ANL. Com a
declaração do estado de guerra em 1936, seu diretor, Rodolfo de
Carvalho, e diversos de seus jornalistas foram presos, deixando o
periódico algumas semanas fora de circulação. O jornal fez intensa
campanha contra o integralismo e, apesar da censura sofrida, sempre
manteve o apoio a Vargas. Em 1937, fez intensa campanha contra a
candidatura presidencial de Armando de Salles de Oliveira. Portanto,
utilizava os acontecidos no Presídio do Maria Zélia para questionar a
postura de Armando de Salles, definido como antidemocrático.
Já o Correio Paulistano, como o próprio nome indica, era um
periódico da cidade de São Paulo, criado em 1854. A partir da criação
do Partido Republicano Paulista, em 1873, o jornal passou ser seu
espaço de divulgação política. Em 1930, apoiou a candidatura de Júlio
Prestes; com a Revolução de 1930, permaneceu fechado até 1934.
Marcando seu retorno com críticas ao então interventor, Armando de
Salles Oliveira, manteve suas críticas após as eleições constitucionais.
Com os assassinatos no Presídio Maria Zélia, o jornal usou de seu
expediente para divulgar as falas do deputado de seu partido, Alfredo
Ellis Jr., e noticiar a falta de apuração do ocorrido, aproveitando para
criticar igualmente a gestão do governo de São Paulo como “herança”
deixada por Armando de Salles Oliveira.21
Uma das vozes mais presentes na discussão sobre o Presídio
Maria Zélia, na Assembleia Legislativa de São Paulo, foi a do deputado
Alfredo Ellis Jr, que, em diversas sessões, condenou as práticas policiais
dentro do presídio. Leu diversas cartas recebidas de presidiários,
familiares e funcionários testemunhas dos assassinatos que ali
ocorreram. Após o massacre de 21 de abril de 1937, o deputado pediu à
Assembleia que fosse aberta uma comissão parlamentar para
acompanhar o caso, mas seu pedido foi negado. É possível notar que,
em oposição a sua voz, em diversas sessões, estava o deputado Albino

21
O jornal O Estado de São Paulo, que pertencia a familia Mesquita e tinha
Armando de Salles Oliveira em sua direção, por ter se casado com a filha de seu
fundador, não divulgava notícias sobre o Presídio Maria Zélia.
139

Camargo Netto (PC), que sempre defendeu idoneidade dos policiais e da


investigação sobre os assassinatos, elogiando constantemente o
delegado da corregedoria, Laudelino de Abreu, que realizou o inquérito
sobre o massacre. Por isso é importante relatar aqui, brevemente, a
formação e a posição política destes dois deputados, afinal, por meio de
suas discussões na Assembleia Legislativa de São Paulo é possível
compreender o cenário político em torno do Presídio Maria Zélia.
Apesar de vozes dissonantes, a formação dos dois deputados foi
bastante similar: ambos eram formados pela Faculdade de Direito de
São Paulo, ambos lecionaram e lutaram na Revolução
Constitucionalista. Contudo, na Revolução de 1930, tomam caminhos
diferentes. Albino Camargo Netto era presidente do diretório local do
Partido Democrático e foi indicado como prefeito de Ribeirão Preto, em
1930, pelo interventor federal João Alberto Lins de Barros. Alfredo Ellis
Jr. ocupava o cargo de deputado estadual de São Paulo, em 1930,
quando seu mandato foi interrompido pelo Governo Provisório. No
período analisado, Albino Camargo Netto era deputado pelo Partido
Constitucionalista, o mesmo de Armando de Salles de Oliveira, que
pretendia ser candidato nas eleições presidenciais previstas para 1938.
Alfredo Ellis Jr. era deputado da oposição, pelo Partido Republicano
Paulista. Portanto, é preciso compreender que Ellis Jr. não possuía
identificação nem de classe, nem de ideologia com as vítimas do
presídio, mas representava a oposição ao governador de São Paulo e,
posteriormente, ao candidato à presidência Armando de Salles Oliveira.
Isso fica claro em uma das falas do deputado Albino Camargo:

Sr. Presidente, afinal de contas, todo esse clamor


contra a polícia paulista, que tem o endereço
evidente de fazer política contra o Partido
Constitucionalista, contra o Governo do Estado,
contra as altas autoridades policiais, toda essa
campanha, afinal, resulta nessa coisa pequenina: -
fazer, desde logo, carga contra os mais humildes
servidores do Estado, sem se esperar que sejam
submetidos ao julgamento da justiça!
(ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO
DE SÃO PAULO, 13/06/1937, p. 925).

Nesta sessão, o presidente era o deputado Alfredo Ellis Jr., que


havia dito, por diversas vezes, ser necessário um acompanhamento das
investigações sobre o Presídio Maria Zélia, por causa da desconfiança
140

que tinha quanto às relações entre policiais e os interesses do governo


estadual.
A partir dessas fissuras no espaço da micro-história da política
oligárquica, percebem-se evidências de uma disputa que se configurou
no espaço macro: durante toda a existência do Presídio Maria Zélia, as
aproximações e distanciamentos entre Getúlio Vargas e Armando de
Salles de Oliveira, tratadas no próximo capítulo.
141

3. ARMANDO DE SALLES OLIVEIRA E GETÚLIO VARGAS: JOGO


POLÍTICO DE APROXIMAÇÕES E AFASTAMENTOS

3.1 A TRAJETÓRIA DE ARMANDO DE SALLES OLIVEIRA

O interventor e governador do estado de São Paulo, Armando de


Salles Oliveira, é uma figura central para se compreender a configuração
política na qual se inseria o Presídio Maria Zélia. Quando o presídio foi
instalado, Oliveira era governador. Ele planejava concorrer à presidência
quando ocorreu o massacre. Nasceu em 1887, numa família de classe
média. Seu pai fora comerciante, engenheiro sanitário e presidente da
Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Graças às boas condições
financeiras que a família adquiriu, Armando de Salles Oliveira estudou
em bons colégios e cursou engenharia civil na Escola Politécnica de São
Paulo. Em 1908, trabalhou na construção da Estrada de Ferro Mogiana.
Depois de concluir seus estudos, especializou-se em projetos técnicos
para companhias de serviços públicos. Casou-se com Raquel de
Mesquita, com quem teve três filhos. Ela era filha de Júlio de Mesquita,
proprietário do jornal O Estado de São Paulo.
Salles Oliveira foi diretor e sócio de uma pequena usina que
prestava serviços para a Companhia de Luz de Jabuticabal, que
posteriormente se associou à Empresa de Eletricidade de Rio Preto.
Tornou-se proprietário da Companhia de Eletricidade São Simão Cajuru
e teve como sócios Júlio de Mesquita, Alfredo Braga e Cincinato Braga.
Sem conseguir financiamento para expandir seus negócios, vendeu todas
as empresas para uma companhia estadunidense. Após o falecimento de
seu sogro, tornou-se presidente da sociedade anônima proprietária do
jornal O Estado de São Paulo, enquanto Júlio de Mesquita Filho e
Nestor Rangel Pestana assumiam a direção do jornal. Em 1931, fundou
e comandou o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT),
que influenciava algumas das políticas públicas do estado.
Nessa década de 1930, a política em São Paulo se dividia entre o
Partido Republicano Paulista (PRP), fundado em 1873, e o Partido
Democrático (PD), criado em 1926, para fazer oposição ao primeiro.
Nas eleições de 1930, o PRP apoiou Júlio Prestes e o PD, a Aliança
Liberal, vindo posteriormente a participar da Revolução de 1930.
Armando de Salles Oliveira e demais diretores do jornal O Estado de
São Paulo, filiados ao PD, eram favoráveis ao movimento, mesmo que
não tenham tornado o periódico uma representação oficial do PD. Para
Maria Lígia Prado (1984, p. 71), o PD “respondeu fundamentalmente a
interesses muito definidos da classe dominante”. Embora mantivesse em
142

seus quadros muitos profissionais liberais e fosse visto por muitos como
um partido da classe média, os líderes do partido buscaram a adesão de
fazendeiros, contando com os votos de cabresto impostos pelos
coronéis. Nesse sentido o PD, não foi um partido progressista
modernizante, que representava o ideal liberal da classe média paulista.
Isso se confirmou no autoritarismo, também adotado por Armando de
Salles Oliveira, de diversas medidas repressoras.
N’O Estado de São Paulo, encontram-se traços desse apoio ao
autoritarismo, sobretudo na defesa da Lei de Segurança Nacional:

A primeira concessão estava feita. Nessa mesma


linha de atuação, o jornal combateu a minoria da
Câmara que se negou a referendar a lei de
segurança nacional, por entender que alguns de
seus postulados colidiam com o princípio da
liberdade de pensamento e de reunião assegurado
pela própria Constituição. O jornal acusou a
minoria de fazer o jogo dos subversivos,
argumentando que [...] “não há liberdades
absolutas. Todas estão sujeitas a restrições ditadas
pela utilidade geral e pelas conveniências do
Estado” (26-3-1935) (CAPELATO; PRADO,
1980, p. 57)

Com a Aliança Liberal no poder, o PD acreditava que tomaria a


frente em São Paulo, mudando a “velha política” praticada pelos
perrepistas e ascendendo no cenário nacional. Mas o acordo entre o PD
e Vargas foi breve, pois logo após a Revolução de 1930, ele nomeou
tenentistas para o governo de São Paulo.

Para os membros do Partido Democrático, a


Revolução de 1930 deixou de representar a
ruptura com o passado e a possibilidade de
ascensão ao poder, passando, assim, a indicar o
sentimento de traição e abertura de um período de
incertezas. A elite política paulista e o Governo
Provisório só voltaram a se entender quando
Getúlio Vargas indicou Armando de Salles
Oliveira à interventoria de São Paulo. (SOUSA,
2012, p. 22)
143

O Partido Democrático acreditava que o chefe do Governo


Provisório nomearia um interventor para mediar os interesses paulistas
junto à presidência. Quando houve a nomeação de João Alberto, tenente
pernambucano que integrara a Coluna Prestes, o ato foi considerado
traição – o PD queria Francisco Morato no cargo. Getúlio Vargas tentou
uma solução conciliatória, permitindo que João Alberto desse a
Francisco Morato a pasta da Justiça. A resposta de Morato foi
inequívoca:

Senhor tenente João Alberto, eu não estou aqui


mendigando emprego. Tenho uma banca de
advocacia que é das mais rendosas da República.
Estou aqui reivindicando para São Paulo o direito
de governar a si próprio, salientando que, não fora
a ação do Partido Democrático, de que sou chefe,
não haveria revolução, ou esta estaria derrotada e
o senhor continuaria um simples tenente no exílio.
(MAYER, Verbete sobre Francisco Morato;
CPDOC-FGV)

Em abril de 1931, o PD declarou seu rompimento com João


Alberto. Após a renúncia deste ao cargo, Vargas nomeou Laudo de
Camargo e, depois, Manuel Rabelo como interventores, demonstrando
que não estava disposto a entregar o governo de São Paulo ao PD. Em
fevereiro de 1932, o partido rompeu com o governo Vargas, por meio de
um manifesto assinado por seus representantes, incluindo Francisco
Morato. Com o rompimento, o PD buscou uma conciliação com seu
antigo adversário político, o PRP. Juntos, em março de 1932, formaram
a Frente Única Paulista (FUP), que reivindicava o retorno da
constitucionalidade ao país. Na tentativa de acalmar os ânimos, Getúlio
Vargas nomeou o paulista Pedro de Toledo como interventor e
promulgou o Código Eleitoral. As medidas não contentaram a FUP,
dando início à movimentação que culminou na Revolução
Constitucionalista de julho de 1932.
Embora os paulistas tenham saído derrotados, aumentaram a
pressão para a criação de uma nova constituição e para retornarem ao
poder no governo estadual. Vargas, então, nomeou Valdomiro Lima
como governador militar de São Paulo, buscando uma aproximação com
os paulistas, mas a investida não funcionou. No momento em que
Vargas ponderava sobre um substituto para Valdomiro Lima, a FUP
começou a ruir, pois o PRP queria Ataliba Leonel como interventor, o
que representava a volta do conservadorismo perrepista. No entanto,
144

Vargas tinha outros planos e, buscando diminuir o atrito com o jornal O


Estado de São Paulo, indicou Armando de Salles Oliveira como
interventor e convocou a Assembleia Nacional Constituinte.

O Governo Provisório encontrava-se numa


situação difícil e ambígua. Embora as cisões entre
as forças oligárquicas, em 1932, tivessem
permitido a vitória militar sobre a revolução
paulista, esta vitória não constituía um elenco
suficiente para que o governo se recuperasse do
abalo sofrido em sua legitimidade com a eclosão
da guerra civil. Pressionado inclusive por
elementos que lhe deram apoio na luta contra a
Revolução de 1932, o governo não podia protelar
por mais tempo a tomada de medidas efetivas para
o processo de recondução do país à ordem legal.
(GOMES, 1991, p. 19)

A nomeação de Armando de Salles Oliveira como interventor


teve a oposição dos militares, que desejavam o general Daltro Filho no
cargo. Para garantir cadeiras na Assembleia Constituinte, PD e PRP
voltaram a se unir, formando a Chapa Única por São Paulo Unido.
Ambos partidos tinham a necessidade de conter o poder de Getúlio
Vargas através dos meios políticos e, unidos, conseguiram 17 das 22
cadeiras às quais São Paulo tinha direito na Assembleia Constituinte.
Mas a nomeação de Armando de Salles Oliveira dava a Vargas fôlego
diante da força oposicionista que a Chapa Única representava. Ao
designar um interventor que refletia os interesses de um dos partidos que
a compunha – o PD –, gerou atritos com o outro partido – o PRP –,
tornando estrategicamente mais fácil conter a potencialidade da Chapa
Única. Isso trouxe resultados na Assembleia Constituinte:

A bancada paulista, sob a liderança de Armando


de Salles Oliveira, ao se ausentar diante de muitas
questões durante o debate constitucional, causou
desapontamento na oposição. A omissão da
bancada durante o debate constitucional seria
consequência do suposto acordo selado com
Getúlio Vargas. (SOUSA, 2012, p. 29).

Outra evidência de que havia um acordo entre Salles Oliveira e


Vargas veio com o aniversário da Revolução Constitucionalista, em
145

1934. Em discurso na Assembleia Nacional Constituinte, Abreu Sodré


conclamou ao esquecimento de sofrimentos passados, alegando que o
melhor a ser feito era a uma nova constituição, pois a pátria não deveria
levar a frente os ressentimentos de uma luta entre irmãos. Carolina
Soares Sousa sublinha:
A Revolução de 1932, os mortos paulistas, o
sentimento antivarguista, a humilhação sofrida por
São Paulo, tudo isso acabou sendo reduzido a uma
“briga de irmãos”. Como tal, deveria ser resolvida
em conversa, quem sabe por meio de um acordo
entre Getúlio Vargas e o grupo político de
Armando de Salles Oliveira. (SOUSA, 2012, p.
33)

Com o esvaziamento da celebração da Revolução


Constitucionalista, em nome de uma conciliação provisória que
beneficiaria ambos os lados, ficou minada de vez a relação entre o
Partido Democrático e o Partido Republicano Paulista. Na esteira dos
desentendimentos, o PD declarou sua dissolução, e Armando de Salles
Oliveira criou o Partido Constitucionalista de São Paulo – uma fusão
entre Partido Democrático, Ação Nacional Republicana (dissidência do
Partido Republicano Paulista) e Federação dos Voluntários. Como
arrastou importantes fileiras do PRP para o seu novo partido, acirrou-se
a disputa pelo governo de São Paulo. Para Vargas, isso era
estrategicamente vantajoso, pois preferia ver os partidos de São Paulo
lutando entre si, do que tentando depô-lo.

Para conseguir fortalecer seu governo e sua


presença política no cenário nacional, Armando
de Salles Oliveira orientava-se pelo princípio de
que a política era a “arte de esquecer”. Esquecer,
neste caso, tinha o claro sentido de organizar a
memória, excluindo dela o ressentimento que
incontornavelmente fazia parte do jogo político e
que, provavelmente, acabaria por impedir a
implantação de um projeto político que restituísse
a São Paulo a posição de importância
anteriormente ocupada no cenário nacional. Nessa
direção, Armando de Salles Oliveira justificava
sua aliança com o homem que venceu e humilhou
São Paulo, Getúlio Vargas. O jornal O Estado de
S. Paulo deu seu apoio ao interventor, propagando
a imagem de que a aproximação com o chefe do
146

governo nada tinha que ver com traição e sim com


a reinserção de São Paulo no cenário político
nacional. (SOUSA, 2012, p. 93)

O alinhamento do Partido Constitucionalista com o governo


Vargas rendeu frutos, pois permitiu a indicação dos paulistas Vicente
Rao para o Ministério da Justiça, José Carlos de Macedo Soares para a
pasta das Relações Exteriores e Luís Piza Sobrinho para o Departamento
Nacional do Café (DNC). Desde a sua criação, o partido desejava ter
alcance nacional, mas sua aliança com Vargas deu à oposição uma
grande oportunidade de ataque:
Enquanto as forças políticas, vencedoras em 1932,
escreviam a história evitando realçar o
acontecimento, procedimento idêntico ocorre
entre os vencidos que se transformaram em
aliados dos seus detratores. Sobrava farta munição
para os opositores e oportunistas, o Partido
Republicano Paulista, para alvejar o governo por
meio da evocação do passado revolucionário. Mas
reescrever a história do grupo derrotado, no caso
de São Paulo, não seria tarefa fácil. O aparente
esquecimento dos males causados pelo chefe do
Governo Provisório vai soar como um acordo
ainda mal amalgamado entre vencedor e
derrotado, o que se constituirá em campo fértil
para imprensa oposicionista. (SOUSA, 2012, p.
47)

Mesmo assim, o Partido Constitucionalista elegeu trinta e quatro


deputados estaduais em outubro de 1934, e Armando de Salles Oliveira
venceu as eleições constitucionais para governador em abril de 1935.
Na análise de Carolina Sousa (2012), o passado era um fator
importante tanto para o grupo político armandista quanto para os
perrepistas. O Partido Constitucionalista se colocava como a promessa
do futuro, da modernização política de São Paulo, tornando o passado
um incômodo. Já o Partido Republicano Paulista desejava o retorno do
poder oligárquico e usava como estratégia a lembrança dos pesares de
1930 e 1932 traduzidos “na expressão ‘O P.R.P. não esquece, não
transige e não perdoa’. Contrapondo-se à ideia de ‘política como arte de
esquecer’, defendida pelos constitucionalistas para se manterem no jogo
político do presente”. (SOUSA, 2012 p. 124)
147

Com vistas às eleições nacionais, Armando de Salles Oliveira


buscou transformar seu governo em São Paulo em uma amostra do que
poderia ser o país sob sua direção (e do Partido Constitucionalista). Deu
prioridade à modernização da política e da educação, utilizando como
vitrine a criação da Universidade de São Paulo, as construções da
Avenida Rebouças e do túnel Nove de Julho, as reformas no Viaduto do
Chá e na ladeira Dr. Falcão, a ampliação da Avenida Tiradentes, a
recuperação do Parque Ibirapuera, a criação de municípios e comarcas, o
recenseamento geral do estado em 1934 e soluções para disputas de
limites entre Minas Gerais e São Paulo. Em sua campanha, Salles
Oliveira voltou a utilizar a imagem do protagonismo de São Paulo na
história do país. Imagem utilizada pelas elites, teve origem na década de
1920, ressaltando o protagonismo dos bandeirantes. Na Revolução
Constitucionalista de 1932, transformou-se na alegoria de São Paulo
como “locomotiva” do país.
Uma vez estabelecidas a Constituição e a eleição constitucional
de 1934, Vargas já se preocupava com a sua continuidade no poder.
Após as eleições de 1935 para os governos estaduais, Getúlio Vargas
tinha cada vez mais dificuldade em conseguir apoio para uma
prorrogação de seu mandato por vias legais. Usou então a imprensa
para “vender” a ideia de que o Brasil se encontrava sob grave ameaça
comunista, sendo necessário reprimi-la. Foram estabelecidos a Lei de
Segurança Nacional e o Tribunal de Segurança Nacional (iniciativas
decisivas para a consolidação de um golpe posteriormente). “Não se
pode ignorar o fundamental papel desempenhado pela imprensa na
aprovação de tais medidas, e também em sua legitimação. Foi através da
imprensa que Getúlio Vargas acabou por ganhar respaldo social para
cercear as liberdades políticas” (SOUSA, 2016, p. 56). O grupo político
de Armando de Salles Oliveira contribuiu para forjar esse cenário, uma
vez que o governador proferia discursos alarmantes sobre a ameaça
comunista que pairava pelo país e elogiava a repressão que o governo
Vargas realizava: “aplainaram o terreno, amenizando o impacto das
medidas de exceção junto à sociedade, não importando que as mesmas
atingissem a própria imprensa. Tal posição de Salles de Oliveira pesou
na avaliação posterior do grupo a respeito de seus passos no passado”.
(SOUSA, 2016, p. 56)
Em 1935, foi decretado o estado de sítio, que ia sendo renovado,
com o apoio do governo armandista. Apenas com a proximidade das
eleições em 1937 é que o Congresso negou novo pedido de renovação,
pressionado por grupos ligados à campanha de Armando de Salles de
Oliveira.
148

Os paulistas participam do jogo político


disseminando a ideia de que o país vivia uma crise
política, ameaçado pelo extremismo de
comunistas da ANL e de integralistas da AIB.
Entretanto, no momento de dar início ao debate
sucessório, conscientizam-se que precisam
enfrentar outra força, bem mais poderosa que
aquela: Getúlio Vargas e sua movimentação no
sentido de prorrogar o mandato presidencial.
(SOUSA, 2016, p. 58)

Estava armado o cenário para o golpe. Vicente Rao, paulista


indicado ao cargo de ministro da Justiça pelo grupo de Armando de
Salles Oliveira, apoiava a ideia de prorrogar o debate sucessório para o
início de 1937, com a desculpa de não julgar prudente acirrar os ânimos
em uma disputa eleitoral que, naquele momento, fragilizaria a unidade
nacional diante da ameaça comunista. Para se candidatarem, os
governadores e deputados deveriam deixar seus cargos até janeiro de
1937, segundo a Constituição. Para tanto, Vargas precisava da
aprovação de dois terços do Congresso.
Para dar continuidade a seu plano de alcançar a presidência,
Armando de Salles Oliveira renunciou ao governo do estado em
dezembro de 1936, e tornou-se presidente do Partido Constitucionalista.
Lançou sua candidatura com uma campanha sempre pautada na
“proteção” do país: da ameaça comunista, da ameaça integralista e, a
partir daquele momento, da volta da “ditadura varguista” – ele voltava a
utilizar o termo “ditadura”, como durante a revolução de 1932. O
cenário das eleições então mudou de configuração:

Se em 1935 o inimigo comunista era o inimigo em


comum das demais forças políticas, e o
posicionamento do grupo armandista foi de defesa
das medidas propostas pelo presidente para
combater as ameaças comunistas, em 1936, essa
aliança desfez-se com a proposta de adiamento do
debate sucessório. No pensamento dos
democráticos, uma prorrogação de mandatos seria
o equivalente ao retorno à ditadura que
consideravam ter vivido entre 1930 e 1934.
Recusada a ideia de prorrogar os mandatos, o
nome de Armando de Salles Oliveira começou a
ser veiculado e discutido. Desta vez, pelo
149

governador do Rio Grande do Sul, Flores da


Cunha, uma das mais fortes oposições ao
continuísmo de Vargas. Uma vez que a estratégia
de articular apoio com antigos parceiros políticos
não obteve sucesso, Getúlio Vargas partiu para
outra estratégia: a tentativa de esvaziar o debate
sucessório. (SOUSA, 2016 p.63)

Segundo Sousa (2016), o jornal O Estado de São Paulo, que até


então tinha como prioridade matérias sobre o combate ao “perigo
vermelho”, defendendo até alterações na constituição para realizar esse
combate, mudou a diretriz de suas matérias. Ao perceber o interesse de
Vargas em se manter no poder, o periódico passou então a veicular em
seus editoriais que Armando de Salles Oliveira representava o respeito à
Constituição.
O governo lançou como candidato José Américo de Almeida,
com amplo apoio dos governadores, exceção de Rio Grande do Sul e
São Paulo. Os estados da Bahia e Pernambuco, que antes haviam
demonstrado apoio a São Paulo, diante de sua fragilidade econômica no
cenário nacional, resolveram apoiar o governo. Embora com apoio
menor, Armando de Salles Oliveira contava com a inabilidade política
de seu opositor, José Américo – este desagradava até Vargas, mas se
tratava de um “mal necessário”:

Diante dessa forte candidatura, o ditador procurou


inviabilizar o apoio que o candidato pudesse
receber dos estados do Norte e Nordeste. Buscou
fazê-lo por meio de incentivo a uma candidatura
que pudesse bloquear uma aliança dos dois
principais governadores do Nordeste, da Bahia e
de Pernambuco, com São Paulo. Vargas lançou
alguns balões de ensaio, mas, em março, com a
solidificação da candidatura paulista, fixou-se em
José Américo de Almeida, nome que vinha sendo
articulado por tenentistas e por lideranças do
Norte e Nordeste desde fins de 1936.
(KAREPOVS, 2003, p.153)

O PRP se posicionou a favor de José Américo, com o único


interesse de derrubar Armando de Salles Oliveira, em busca de mais
espaço e poder no cenário político nacional. Sujeitando-se assim a
apoiar o candidato do governo, mesmo diante do fato de o Correio
Paulistano ter sido empastelado duas vezes pelo governo de Getúlio
150

Vargas. O periódico O Estado de São Paulo expunha discursos de


campanha baseado numa tripla oposição:

Outro objetivo dos discursos de campanha era


expor as mazelas associadas às forças
concorrentes – extremismos da ANL e da AIB e
ditadura varguista – em contraponto com os
benefícios identificados com a administração
realizada por Armando de Salles Oliveira, o único
candidato capaz de fazer “o Brasil continuar”.
Observa-se, nesse jogo político, os usos e abusos
que eram feitos em nome da “crise”: assim como
Vargas fez uso de uma suposta crise para articular
seu continuísmo no poder, também o grupo
armandista empregou-a para fundamentar sua
condição para contornar a crise e governar o país.
(SOUSA, 2016, p. 110)

No jogo político em busca do poder, Armando de Salles Oliveira


usou de artimanhas semelhantes às de Vargas: a criação de possíveis
ameaças, mesmo que não fosse possível definir se realmente elas
existiam ou não. Mas ele estava correto ao supor que Vargas poderia
instaurar uma ditadura no país.
Durante este breve período de abertura política, ocorreu uma
aproximação entre a candidatura armandista e o PCB. Os comunistas
buscavam apoio para retirar Vargas do poder. Segundo Karepovs (2003,
p. 164), o Comitê Central do Partido Comunista do Brasil objetivava
defender a democracia, detendo o avanço do fascismo, por meio de um
trabalho voltado a sindicatos, organizações de massa e a base de partidos
políticos – sobretudo os de “tendência liberal e nacional-reformista”, em
especial, os que mais claramente se opunham a Vargas. A partir dessa
premissa, Alberto Moniz da Rocha Barros, representante do PCB na
direção estadual da Aliança Nacional Libertadora, estabeleceu contato
com o deputado estadual Paulo Duarte, do Partido Constitucionalista,
presidido por Armando Salles de Oliveira. Na ocasião de um banquete
em homenagem a Fernando de Azevedo, Duarte afirmou ser contra
qualquer regime totalitário e atacou a ditadura de Vargas.

Querendo enxergar além do discurso liberal um


fundo socialista em tais declarações, os
comunistas de São Paulo resolveram convidá-lo,
por meio de Rocha Barros, para ingressar em suas
151

fileiras. Embora recusando polidamente o convite,


Paulo Duarte declarou-se amigo e pôs-se à
disposição. (KAREPOVS, 2003, p.165)

Em janeiro de 1937, Rocha Barros procurou Paulo Duarte,


apresentando uma proposta dos comunistas de apoio a Armando de
Salles Oliveira nas eleições presidenciais; em troca, queriam anistia
geral aos presos e acusados de 1935 e o reconhecimento legal do Partido
Comunista. Paulo Duarte levou a proposta a Salles Oliveira. Este,
temendo a reação de seus aliados militares e conservadores, decidiu
protelar a resposta, a fim de estudar melhor a situação – demonstrando,
conforme aponta Karepovs (2003, p. 166), que “apesar da repressão e da
perseguição, os comunistas de São Paulo não podiam ser considerados
uma força desprezível, sem nenhuma penetração social.” Apesar desta
aproximação, o Comitê Regional do PCB de São Paulo continuou
criticando os discursos de Salles Oliveira, acusando-o de demagogia,
pois afirmava que o país vivia uma democracia, enquanto o seu próprio
sucessor no governo estadual, José Joaquim Cardoso de Melo Neto,
membro do Partido Constitucionalista, permitia práticas de repressão,
censura, tortura, entre outras. Por fim, diante do adiamento da resposta à
aliança oferecida, da falta de ação dos armandistas às evidências de um
golpe por Vargas e defesa da autonomia do Estado, os comunistas
acusavam o governo de São Paulo de exercer uma política pusilânime e
suicida. Foi o massacre no Presídio Maria Zélia, em 21 de abril de 1937,
que colocou um fim às relações. Os armandistas mantiveram a defesa
dos funcionários da Segurança Pública de São Paulo, endossando os
guardas no massacre. Para o PCB, era impossível fazer concessões e
aceitar passivamente o fuzilamento de presos políticos apenas para obter
uma aliança com opositores de Vargas.
Em junho de 1937, foi fundada a União Democrática Brasileira
(UDB), partido da candidatura de Armando de Salles Oliveira em
âmbito nacional. Era a união dos partidos Constitucionalista de São
Paulo, Republicano Liberal Rio-Grandense, Republicano Mineiro,
Progressista Democrático, Republicano Baiano, Social Democrático do
Ceará, Concentração Autonomista da Bahia e a Frente Única Paranaense
– em sua maioria, partidos de oposição aos governos estaduais
apoiadores de José Américo. A UDB teve curta duração, sendo extinta
em novembro de 1937, com o golpe do Estado Novo. Seus líderes foram
exilados.
O Congresso Nacional foi fechado em 10 de novembro de 1937, e
a eleição presidencial foi cancelada. No Rio de Janeiro, a casa na qual se
152

hospedava Armando de Salles de Oliveira foi invadida por soldados. Ele


ficou em prisão domiciliar até 20 de novembro, quando foi transferido
para Minas Gerais, permanecendo em prisão domiciliar na residência de
um engenheiro da Companhia Inglesa de Minas. Em maio de 1938, foi
transferido para a fazenda de um parente, em Espírito Santo do Pinhal
(SP), até outubro, quando recebeu de Góes Monteiro um telegrama com
ordens de Vargas para que deixasse o país. Ele embarcou para a França,
onde permaneceu até abril de 1939. Com a ameaça da ocupação nazista,
foi para os Estados Unidos e, em 1943, para a Argentina. Retornou ao
Brasil em abril de 1945, já debilitado por um câncer no estômago.
Faleceu em São Paulo, em 17 de maio de 1945.
Em 1939, Armando de Salles Oliveira dirigiu uma carta pública a
Góes Monteiro, acusando-o de ser um conspirador contra a democracia.
No exílio, foi um dos signatários de uma carta ao presidente
estadunidense Franklin Roosevelt, intitulada Mensagem dos exilados
brasileiros, que denunciava a ditadura do Estado Novo. Publicou, em
Nova York, um manifesto contra o regime brasileiro, no qual alertava
sobre o perigo do avanço do totalitarismo fascista e pedia que o exército
brasileiro defendesse a democracia. Em 1940, foi condenado pelo TSN
por insurreição contra o Estado Novo. Ainda nos Estados Unidos,
passou a colaborar com a Free World, uma revista com viés socialista
moderado.

3.2 A CONSTITUINTE

Para compreender o jogo político que aproximou Getúlio Vargas


de Armando de Salles Oliveira é preciso observar os acontecimentos na
Assembleia Constituinte, composta por diversos grupos disputando
espaço na abertura política, após três anos consecutivos de um governo
que se dizia transitório, mas se portava como uma ditadura, em busca de
controle e permanência no poder.
Após a instauração do Governo Provisório, em 11 de novembro
de 1930, Getúlio Vargas promulgou o Decreto n. 19.398, estabelecendo
que o novo governo passava a ser responsável pelos poderes Executivo e
Legislativo, até a eleição da Assembleia Constituinte. Em 10 de
fevereiro de 1931, um novo decreto, n. 19.684 definia as regras para a
criação de uma Comissão Legislativa, que produziria o anteprojeto da
nova Constituição, baseado em estudos da legislação existente, projetos
pendentes no Congresso e novos projetos elaborados pela própria
153

comissão. No dia 4 de maio de 1931, Vargas discursou sobre a situação


política na qual o país se encontrava:

Afirmo pura e clara verdade dizendo que o


governo provisório, embora ditatorial, tem
procurado governar legalmente. Começou
restringindo os seus poderes discricionários, com
a decretação de uma lei orgânica, que enumera as
leis em vigor, e continua a esforçar-se
sinceramente para assegurar todos os direitos. A
Constituição da República, que adotou como
princípios basilares a Federação e o regime
representativo presidencial, não foi abolida nem
revogada. Apenas suspensa parcialmente, a sua
revisão ficará a cargo da Assembleia Constituinte,
a convocar-se. (VARGAS apud D’ARAUJO,
2011, p. 329)

Os trabalhos da comissão se arrastaram até 1932, ganhando vigor


quando Maurício Cardoso assumiu o Ministério da Justiça e Negócios
Interiores e passou a dirigir a redação final do projeto eleitoral a ser
apresentado ao governo. Daí resultou o Decreto n. 21.076, de 24 de
fevereiro de 1932, que regia um novo Código Eleitoral. Este definiu
como eleitor todo cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo,
exceção feita a mendigos, analfabetos e praças de pré. Também
estabelecia o voto secreto, com representação proporcional. Em
substituição às funções fiscalizadoras do Poder Legislativo, instituiu-se
a Justiça Eleitoral, com tribunais superior, regionais e juízes eleitorais
nas comarcas e distritos. Essas mudanças buscavam dar às eleições no
Brasil ares mais modernos, demonstrando que se almejava o fim das
práticas antidemocráticas comuns na Primeira República.
Em maio de 1932, o Decreto n. 21.402 determinou as eleições
para compor a Assembleia Constituinte. Sob a presidência do Ministro
da Justiça e Negócios Interiores, a comissão para elaborar o anteprojeto
da Constituição foi criada – ficando conhecida como Subcomissão do
Itamaraty. Em julho, a Revolução Constitucionalista, mesmo derrotada
pelo Governo Provisório, trouxe à tona diversas insatisfações políticas,
principalmente no estado de São Paulo, que tinha como pautas
principais a Constituinte e as eleições, para acabar com o governo
ditatorial.
Entre novembro de 1932 e abril de 1933, realizaram-se as
inscrições dos candidatos e o registro eleitoral dos votantes. Enquanto
154

isso, a Subcomissão do Itamaraty redigia o anteprojeto da Constituição,


com 129 artigos. Entre os principais pontos, estavam a criação de uma
legislação de segurança nacional; eleições diretas para o Legislativo;
criação de um Conselho Federal Legislativo, sem o Senado, apenas com
a Câmara. Ainda em abril de 1933, foi promulgado o Decreto n. 22.621,
com o regimento da Assembleia Nacional Constituinte, determinando
que esta deveria ser composta por 254 deputados, sendo 214 eleitos na
forma prescrita pelo Código Eleitoral. Deveriam ser assim distribuídos:
4 no Amazonas; 7 no Pará; 7 no Maranhão; 4 no Piauí; 10 no Ceará; 4
no Rio Grande do Norte; 5 na Paraíba; 17 em Pernambuco; 6 em
Alagoas; 4 no Sergipe; 22 na Baía; 4 no Espírito Santo; 10 no Distrito
Federal; 17 no Rio de Janeiro; 37 em Minas Gerais; 22 em São Paulo; 4
em Goiás; 4 no Mato Grosso; 4 no Paraná; 4 em Santa Catarina; 16 no
Rio Grande do Sul; 2 no Território do Acre. Os outros 40 seriam eleitos
por sindicatos legalmente reconhecidos, associações de profissionais
liberais e associações de funcionários públicos existentes nos termos da
lei civil.
As eleições ocorreram no dia 3 de maio22, com 802 candidatos
disputando as 214 vagas. O resultado foi divulgado no dia 26 de junho
pelo Superior Tribunal Eleitoral e, em 15 de novembro de 1933,
começaram os trabalhos constitucionais. Em São Paulo, dos 22
deputados eleitos, 17 eram integrantes da Chapa Única,23 sendo os
outros 5 deputados, 3 do PSB e 2 do Partido Lavoura. Em Minas Gerais,
31 deputados eleitos integravam o Partido Progressista Mineiro e 6 eram
do Partido Republicano Mineiro; No Rio Grande do Sul, 13 eram do
Partido Republicano Liberal e 3 da Frente Única Gaúcha24. Em
Pernambuco, 15 deputados foram eleitos pelo Partido Social
Democrático, um pelo Partido Republicano Social e outro foi eleito
avulsamente. No Distrito Federal, 6 deputados eram do Partido
Autonomista do Distrito Federal. Em todos esses estados, a maioria dos
eleitos era ligada aos partidos dos seus interventores, o que, em teoria,
facilitaria a aprovação de itens de interesse do Governo Provisório.

22
As quarenta vagas dos deputados classistas foram escolhidos por delegados
eleitos pelos sindicatos, em uma Convenção Nacional no Distrito Federal.
23
A Chapa Única por São Paulo Unido, era formada pelo PRP, PD, Liga
Eleitoral Católica- LEC, Federação dos Voluntários e Associação Comercial de
São Paulo.
24
A Frente Única Gaúcha era formada pelo Partido Republicano Rio-Grandense
e pelo Partido Libertador.
155

Os resultados das eleições também proporcionaram uma vitória à


Liga Eleitoral Católica (LEC), vinculada a diversos partidos e
coligações. A representação da Igreja Católica na Assembleia
Constituinte conseguia, assim, constituir uma bancada autônoma. Filipe
de Farias Leite (2009) revela em sua pesquisa que, das 254 cadeiras
disponíveis para a Assembleia Constituinte, 146 foram ocupadas por
deputados eleitos com o auxílio da LEC – católicos ou que se
comprometiam com a defesa de interesses católicos.

Os primeiros resultados da Constituinte foram


significativos para a Igreja Católica. Logo no
preâmbulo, ficava evidente o caráter leigo do
Estado brasileiro, a partir de 1934, quando evocou
a “confiança em Deus”. Também ficaram
marcados, no artigo 16 da constituição, os fortes
laços entre o Estado e a Igreja, pois se permitia a
“colaboração recíproca em vista do interesse
coletivo” entre as partes. Essa postura inicial para
a Igreja era vista como uma reivindicação social,
não um privilégio alcançado. (LEITE, 2009, p.54-
5)

A vitória católica demonstrava como eram frágeis os princípios


de laicidade que regeram a nova Constituição e a vida política no país. A
bancada católica votava em bloco sobre qualquer artigo que fosse de
interesse das organizações católicas, causando certo desconforto para a
representação moderna que se desejava. O Centro Dom Vital se
pronunciou, alegando que não se tratava de postura premeditada “mas
apenas uma tomada de consciência coletiva entre os deputados em prol
da garantia dos preceitos católicos” – defendiam tratar-se de uma
questão moral, não partidária (LEITE, 2009, p. 57). A Igreja Católica se
envolvia na política como uma forma de garantir seu lugar na sociedade,
considerando como ameaças o comunismo e o crescimento do
protestantismo no país. Com isso conquistou espaço na Constituição,
tanto com a menção religiosa no preâmbulo, como no ensino religioso
nas escolas. Eric Hobsbawm afirma que a Igreja Católica não era
fascista, apenas possuía interesses em comum com o fascismo:

O que ligava a Igreja não só a reacionários


anacrônicos, mas aos fascistas, era um ódio
comum pelo Iluminismo do século XVIII, pela
Revolução Francesca e por tudo o que na sua
156

opinião dela derivava: democracia, liberalismo e,


claro, mais marcadamente, o “comunismo ateu”.
(HOBSBAWM, 2005, p. 118)

Como Leite (2009) destaca, a Igreja Católica já estava inserida


nas esferas políticas, como na assistência espiritual ao exército e na
participação nas frentes de batalha da Revolução Constitucionalista. A
Igreja defendia que o ensino religioso já era previsto em quase todos os
países modernos, mesmo onde predominava o protestantismo –
entendendo essa inserção nas esferas públicas como algo moderno.
Antes do início oficial da Assembleia Constituinte, dirigida pelo
presidente do Supremo Tribunal Eleitoral, elegeu-se seu presidente, o
deputado Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, do Partido Progressista
Mineiro. Nesse pleito, todos os deputados da Chapa Única se
abstiveram. Em duas reuniões preparatórias para a Assembleia
Constituinte foram eleitos os seis deputados componentes da mesa
diretora, sendo três do Partido Social Democrático; Osvaldo Aranha,
então ministro da Fazenda, foi proclamado líder da maioria. Com
exceção de Andrada, todos eram ligados ao tenentismo. Em seguida, foi
instituída a Comissão Constitucional, formada por 26 deputados, um
representante de cada bancada estadual. A presidência ficou nas mãos de
Carlos Maximiliano, do Partido Republicano Liberal do Rio Grande do
Sul, e a relatoria com o deputado Raul Fernandes, do Partido Popular
Radical do Rio de Janeiro. A comissão tinha como função estudar o
anteprojeto constitucional e as emendas apresentadas, para isso,
trabalhando de novembro de 1933 a março de 1934. Quando entregou o
anteprojeto à Assembleia, este era diferente do apresentado pelo
Governo Provisório, pois mais de mil emendas foram adicionadas ao
projeto original.
No final de dezembro de 1933, Osvaldo Aranha renunciou o
cargo de ministro da Fazenda e deixou vaga a liderança da Assembleia
Constitucional até 12 de janeiro de 1934, quando o deputado Antônio
Garcia de Medeiros Neto, do PSD, foi indicado por Vargas para o cargo.
O fato gerou reações contrárias, por conta da intromissão do presidente
da República na Constituinte. No começo de março de 1934, o projeto
estava pronto para avaliação da Comissão Constitucional. As emendas
só poderiam ser aceitas se fossem aprovadas pela maioria dos 26
membros da comissão, em um prazo de 24 horas. Por fim, no dia 14 de
março, foi entregue para discussão o texto do substitutivo do anteprojeto
do governo.
157

A Assembleia dividiu-se então em blocos, denominados maioria


e minoria, assim como em grandes e pequenas bancadas. A maioria era
composta pelos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e
São Paulo, que buscavam a manutenção de uma série de privilégios
políticos e econômicos. A minoria, oposicionista, era representada por
muitos tenentistas, defendia interesses de oligarquias dos estados do
Norte e do Nordeste, mas não representava, necessariamente, uma
oposição a Getúlio Vargas. Ambos os blocos lutavam por espaço de
expressão legal. O momento era propício para garantir o prosseguimento
do governo Vargas, pois, após a Revolução Constitucionalista, os líderes
políticos que se opunham ao Governo Provisório foram expulsos do
país. As lideranças da Assembleia – seu presidente, o presidente da
Comissão Constitucional e o líder da maioria –, articularam a
conciliação dos principais interesses das maiores bancadas, com
concessões mútuas, mesmo com a bancada de São Paulo, em troca do
continuísmo do governo Vargas. Nesse sentido, as emendas foram
planejadas para garantir os interesses das grandes bancadas.
No final de maio de 1934, a Assembleia Constituinte começou a
discutir as “Disposições transitórias”, que definiriam as eleições
presidenciais, dos governadores e do legislativo. A nova Constituição
autorizava interventores federais a concorrerem nas eleições para
governadores. Com relação ao Legislativo, foi organizada a transição da
Assembleia Constituinte para a Câmara de Deputados:

Art 2º - Empossado o Presidente da República, a


Assembleia Nacional Constituinte se transformará
em Câmara dos Deputados e exercerá
cumulativamente as funções do Senado Federal,
até que ambos se organizem nos termos do art. 3º.
Art 3º - Noventa dias depois de promulgada esta
Constituição, realizar-se-ão as eleições dos
membros da Câmara dos Deputados e das
Assembleias Constituintes dos Estados. Uma vez
inauguradas, estas últimas passarão a eleger os
Governadores e os representantes dos Estados no
Senado Federal, a empossar aqueles e a elaborar,
no prazo máximo de quatro meses, as respectivas
Constituições, transformando-se, a seguir, em
Assembleias ordinárias, providenciando, desde
logo, para que seja atendida a representação das
profissões. (BRASIL, 1934)
158

Segundo Thiago Cavaliere Mourelle (2015), a Constituição de


1934 foi muito celebrada por trazer o país de volta ao regime
constitucional. As “disposições transitórias” garantiram as etapas
políticas necessárias para a reorganização do espaço político, prevendo a
eleição do novo presidente da República pela Assembleia Nacional
Constituinte e a transformação da Assembleia em Câmara dos
Deputados, até que uma nova fosse eleita.
Em seu 18º artigo, a Constituição de 1934, anistiava qualquer ato
do Governo Provisório, tanto no âmbito nacional como estadual,
eliminando possíveis problemas futuros quanto os desmandos de Vargas
e dos interventores. Em campanha para prosseguir no poder, Vargas
assinou o Decreto n. 24.297 no final de maio de 1934, concedendo
anistia aos integrantes do movimento revolucionário de 1932, numa
clara tentativa de arrecadar votos da Chapa Única de São Paulo. Em
julho, assinou o Decreto n. 24.776, sobre a liberdade de imprensa, num
esforço de demonstrar estar preparado para a condução da abertura
democrática do país.
Vargas perdeu parte de seu poder com a nova Constituição, que
não permitia governar por decretos-lei, estratégia que utilizara no
Governo Provisório. Segundo Mourelle (2015), havia uma preocupação
em garantir que o poder Executivo não tivesse poder em excesso. A
Constituição previa ressalvas no controle do poder do Executivo apenas
em caso de estado de sítio ou estado de guerra. “A grande preocupação
dos constituintes quanto a essa questão tinha razão de ser, tendo em
vista os três anos do Governo Provisório e a desconfiança que parte da
elite política tinha em relação à atuação de Vargas como presidente
constitucional.” (MOURELLE, 2015, p. 20). O que também não foi o
suficiente para garantir a democracia no período denominado de
Governo Constitucional, visto que Vargas fez uso, diversas vezes, do
expediente de Estado de Sítio até o golpe do Estado Novo.
Para o pleito presidencial, a Assembleia Constituinte se dividiu
entre os que apoiavam e os que se opunham à eleição de Vargas. Os
oposicionistas se dividiram em apoio a outros candidatos, o que facilitou
a eleição de Getúlio Vargas com 175 votos, contra 59 votos para Borges
Medeiros; 4 para Góes Monteiro; 2 para Protógenes Guimarães; Raul
Fernandes, Arthur Bernardes, Afrânio de Melo, Paim Filho e Levi
Carneiro receberam apenas um voto cada. Permitia-se, assim, mais
alguns anos de poder a Vargas, de forma legal, até novembro de 1937.
159

3.3 OS DIÁRIOS E OS DISCURSOS: RASTROS PARA


COMPREENDER OS PENSAMENTOS POLÍTICOS DE
GETÚLIO VARGAS E ARMANDO DE SALLES OLIVEIRA

Uma das formas para compreender o pensamento de Getúlio


Vargas e o direcionamento de suas ações é a leitura de seus diários. De
forma bem intimista, ele registrou seus pensamentos e posicionamentos
políticos. Iniciou seu diário em outubro de 1930, poucos dias antes da
Revolução, indicando que tinha expectativas sobre a importância
histórica do período.

Lembrei-me que, se anotasse diariamente, com


lealdade e sinceridade, os fatos de minha vida
como quem escreve apenas para si mesmo, e não
para o público, teria aí um largo repositório de
fatos a examinar e uma lição contínua da
experiência a consultar. (VARGAS, 1995a, p. 3)

Embora explicasse seu propósito nessa primeira anotação, a


formalidade de sua escrita, não registrando situações de cunho pessoal,
leva a supor que Vargas esperava que, em algum momento da história,
seus diários viessem a público. Em Escrita de si, Escrita da História
(2004), Ângela de Castro Gomes descreve a produção da “escrita
autorreferencial” como “um diversificado conjunto de ações, desde
aquelas mais diretamente ligadas à escrita de si propriamente dita –
como é o caso das autobiografias e dos diários – até a da constituição de
uma memória de si” (GOMES, 2004, p. 11). Há um caráter de coleção
nos dados que formam a memória de um período, quando da construção
da identidade pelo indivíduo.
Tanto os diários de Getúlio Vargas quanto os discursos de
Armando de Salles Oliveira são usados aqui não como fontes de eventos
históricos, mas como representações dos seus pensamentos políticos. De
acordo com Gomes:

O que passa a importar para o historiador é


exatamente a ótica assumida pelo registro e como
seu autor a expressa. Isto é, o documento não trata
de “dizer o que houve”, mas de dizer o que o autor
diz que viu, sentiu e experimentou,
retrospectivamente, em relação a um
acontecimento. Um tipo de discurso que produz
uma espécie de “excesso de sentido do real pelo
160

vivido”, pelos detalhes que pode registrar, pelos


assuntos que pode revelar e pela linguagem
intimista que mobiliza. (GOMES, 2004, p. 15).

Nesta pesquisa, dei preferência aos trechos que citam a visão


política de Vargas sobre São Paulo e sobre Armando de Salles Oliveira,
entendido ora como um possível aliado, mas sempre com desconfianças,
ora como um nome forte na concorrência presidencial, o que
atrapalharia seus planos.
Os discursos de Armando de Salles Oliveira, por sua vez, foram
feitos para convencer seus ouvintes, revelando suas intencionalidades,
sem revelar, entretanto, sua percepção pessoal do governo Vargas. Essa
diferença de propósitos na escrita de cada um também se reflete na
forma como se expressaram, sendo os discursos longos e formais,
enquanto o diário é composto de breves trechos sobre rotina de trabalho,
relações pessoais e pensamentos sobre eventos que ocorriam no país.
Para compreender alguns trechos dos diários foi necessária uma leitura
dos eventos políticos e históricos do período, pois Vargas escrevia para
si mesmo, não sentindo a necessidade de explicações mais profundas.
Os discursos de Armando de Salles Oliveira, por serem públicos
desde suas enunciações, demonstram um cuidado ao exercer críticas,
nunca utilizando nomes, inclusive quando eram direcionadas a Vargas.
Salles Oliveira preferiu utilizar expressões vagas como “forças que se
opõem” e “homens públicos”. Também iniciavas frases com sujeitos
ocultos. A coletânea de discursos, cartas e mensagens de Salles Oliveira
se refere ao período entre novembro de 1933 e abril de 1945.
O discurso político tem espaços clássicos de enunciação, e os de
Salles Oliveira, em sua maioria, foram pronunciados em cidades do
interior de São Paulo, num almoço oferecido aos deputados da
Constituinte, na Bolsa de Fundos Públicos de São Paulo, alguns em
eventos específicos do Partido Constitucionalista e outros foram
dirigidos a militares. Para esta análise, selecionei os discursos que citam
suas impressões políticas sobre eventos-chave para compreender o
cenário histórico no Brasil e em São Paulo, além das relações com o
governo Vargas. Não são analisados os discursos sobre situações
específicas de algumas cidades no interior do estado, eleições
municipais, questões relativas a limites territoriais, à malha ferroviária
ou ao preço do café, por exemplo.
O primeiro discurso da coletânea, Discurso proferido no
banquete oferecido aos deputados constituintes de São Paulo, em 7 de
novembro de 1933, Salles Oliveira cita o “espírito” com o qual os
161

paulistas deveriam compreender a nova Constituição. É perceptível sua


aproximação com o governo de Getúlio Vargas, mesmo após a recente
derrota da Revolução Constitucionalista:

A política é, até certo ponto, a arte de esquecer.


No momento em que se reúne a Constituinte,
dissipadas para sempre todas as prevenções,
devem os brasileiros se compenetrar de que
nenhum entendimento será possível e nenhuma
obra realizável se o debate das ideias não se travar
sobre a rocha firme e indiscutida da unidade
nacional. Este é o meu sentimento, arraigado nas
moléculas mais íntimas do meu ser, tenaz e
resistente às mais impiedosas as provas.
Identificado com São Paulo, cheio de uma
gratidão que nenhuma palavra poderia exprimir,
tenho sempre, diante de sua grandeza, uma atitude
de infinita humildade. (OLIVEIRA, 2002, p. 25)

O discurso foi proferido pouco tempo depois de sua nomeação


como interventor de São Paulo. Alinhava-se politicamente ao governo
federal, para a elaboração da Constituição, utilizando a expressão “arte
de esquecer” para explicar o que era necessário, do seu ponto de vista,
para o bom andamento da política em São Paulo. Havia que se esquecer
das animosidades que tiveram início em 1930, com a recusa da
nomeação de um interventor paulista, com ápice na Revolução de 1932.
No Discurso de agradecimento proferido no almoço oferecido no
Rio de Janeiro pelos deputados constituintes de São Paulo, em 5 de
dezembro de 1933, Armando de Salles Oliveira afirmou:

O tempo se encarregará de dissipar, em muitos


paulistas, uma sensibilidade de extrema
delicadeza, que só não compreendem aqueles em
que se embotou a força do sentimento ou a luz da
inteligência. Sofrendo ainda de feridas recentes,
revolvem o espírito, num apertado círculo vicioso,
dentro do qual nenhuma imaginação humana seria
capaz de descobrir o remédio para os males de
que se queixam. (OLIVEIRA, 2002, p. 25)

Via a necessidade de uma justificativa para a aproximação com


Getúlio Vargas; e que fosse levado em conta que, para a população
paulista, ainda pesava a dor de centenas de mortes, causadas por um
162

conflito contra inimigos que agora os chamavam para a união em nome


de um interesse maior, a Constituição. Salles Oliveira falava de
nacionalismo e necessidade de unidade, mas sem desprezar a
individualidade:

Certos espíritos maldizem a cruel epidemia de


nacionalismo econômico, que se abateu sobre o
mundo e criou um mecanismo produtor de um
incessante aumento de bem-estar material, mas
que só pode funcionar à custa de contínuas e
terríveis dificuldades, sob as quais os governos
correm o risco de ficar esmagados. Se é um mal
esse nacionalismo econômico, é um mal que já
agora inevitável, e nem foi o Brasil quem
inventou. Muitos de seus germes, entretanto, são
capazes de se transformar em sementes de vida
nova e de magníficas realizações. Em todo o caso,
o que é preciso é que o Brasil, seguindo o
exemplo dos outros países, defenda e fortifique
por todos os meios à sua organização.
(OLIVEIRA, 2002, p. 29)

A discussão sobre nacionalismo estava em pauta no cenário


internacional desde o fim da Primeira Grande Guerra, aprofundando-se a
partir da crise de 1929. Acreditava-se que uma política econômica
nacionalista e antiliberal era a solução para o fortalecimento dos Estados
em meio à crise.
Em Discurso de agradecimento na manifestação de
solidariedade do Partido Constitucionalista, em 6 de março de 1934, o
interventor paulista expôs:

O que distingue o tirânico nacionalismo que se


alastra pelo mundo é a sua impressionante
unanimidade. Inspirados exclusivamente pelos
ideais nacionais, sufocando os últimos frêmitos do
individualismo, alguns povos cimentam a sua
unanimidade moral por meio de uma disciplina
absoluta, que lhes assegura uma superioridade
inigualável, tanto nas competições pacíficas como
no campo das lutas armadas. (OLIVEIRA, 2002,
p. 46)
163

Ele discorreu sobre a ameaça de despotismo dentro das próprias


organizações partidárias, que precisavam de uma disciplina que
coordenasse em uma só direção todas as energias da nação. Falou sobre
os membros do PRP que buscavam apoio dos militares para derrubá-lo
do cargo, explorando o prestígio dos militares por interesses
particulares, justamente no momento em que o Brasil organizava suas
forças nacionais, principalmente o Exército, para defender uma unidade.
É possível notar que Oliveira falava de unidade nacional,
nacionalismo e fortalecimento da nação, sem explicitar como se daria
esse fortalecimento. Dava algumas pistas, ao dizer que o Exército era a
principal força para a reorganização do país, e que havia necessidade de
disciplina. Ao mesmo tempo em que usou termos ligado ao
nacionalismo autoritário, citava a palavra democracia em quase todos os
seus discursos, definindo-a como sistema político essencial, que deveria
ser almejado.
Traçou novas críticas à perseguição ao seu governo, no Discurso
pronunciado em Santos, em 12 de abril de 1934:

Seria preciso uma excessiva ingenuidade para não


perceber a trama com que, logo depois da minha
posse, alguns doutores mais refinados tentaram
envolver-me o governo e confinar-me nos
incômodos e sombrios quartos da administração,
reservando-se para si os amplos e dourados salões
da política. A mim me caberiam as
responsabilidades. Quanto à autoridade - toda para
aqueles políticos! A política interna de São Paulo,
em todas as suas manifestações, eles a fariam,
obrigando-se a minha mão dócil a recolher as
indicações que conviessem aos seus pequeninos
interesses de bairro. À sombra dessa
complacência, os velhos agrupamentos partidários
locais iriam recompor tranquilamente as peças das
respectivas máquinas, desarticuladas em 1930.
Perdíamos assim a única oportunidade de
transformar os nossos costumes. (OLIVEIRA,
2002, p. 58-9)

Nesse trecho do discurso, Salles de Oliveira não explicitou quem


eram as pessoas ou organizações que o desejavam apenas como
burocrata a serviço dos interesses particulares de políticos. Mas fica
clara a sua defesa à Revolução de 1930 e a necessidade de mudanças no
164

“velho” jeito de se fazer política em São Paulo. Na sequência, afirmou


que a única saída para evitar a anarquia era a Constituição, que fixaria os
direitos, deveres e restauraria a ordem e a disciplina no país. Para ele,
sendo a Constituição ótima ou péssima, estabeleceria a ordem na qual
São Paulo queria trabalhar e recuperaria a prosperidade e a riqueza. Mas
“nada se faria, entretanto, sem a cooperação com o Governo Provisório
e com os outros Estados, numa aproximação que tentasse reunir as
vontades incertas para aquela política salvadora” (OLIVEIRA, 2002, p.
59).
Tratando novamente sobre a necessidade de aproximação com o
governo de Vargas, mas ressaltando que defendia as reivindicações de
São Paulo, sem “uma submissão humilhante que São Paulo não
suportaria”, afirmou: “Não tenho dúvida de que o povo paulista, se lhe
explicarmos toda a verdade, preferirá essa política de cooperação aos
males e perigos incalculáveis do isolamento”. (OLIVEIRA, 2002, p.
60). O interventor se posicionava claramente sobre o fim do afastamento
entre São Paulo e o Governo Provisório, declarando insistentemente
essa reaproximação nos discursos de 1933 e 1934. Destacou um item
para se referir especificamente à Revolução de 1930, para ressaltar os
benefícios que ela trouxera:
Proclamem todos os erros dos revolucionários de
1930 e neguem-lhes tudo. Não lhes negarão a
instituição do voto secreto, do voto real, do voto
como suprema manifestação da dignidade de um
povo, do voto respeitado como deve ser respeitado
um bem alheio, do voto assegurado por uma
magistratura independente, libertada de todas as
influências políticas. Sem o voto, assim
soberanamente livre, como teríamos
reconquistado autonomia de São Paulo? O mais
gélido dos homens que tenha assistido em São
Paulo, em qualquer ponto do seu território, ao
extraordinário espetáculo cívico que foram as
eleições de 3 de maio, não pode ter ficado
insensível à sua grandiosidade. Que diriam os
adversários do sufrágio universal que vissem com
os próprios olhos o seu rigoroso funcionamento, e,
à mesma hora, homens e mulheres escolherem,
em todo o Estado, de consciência livre, quase com
devoção, os cidadãos a que iriam confiar defesa
de interesses vitais?
Estamos diante de uma conquista definitiva, que
ninguém mais ousara mutilar. E a liberdade, a
165

segurança e o respeito do voto são desde já pontos


de honra, de que nem um governo poderá se
esquivar por tênues que lhes sejam sentimentos da
dignidade. (OLIVEIRA, 2002, p. 63)

No Discurso pronunciado em Araras, em 22 de abril de 1934,


repetiu como foi necessária a Revolução de 1930 para tirar do poder a
velha oligarquia, nepotista, causa da decadência política do país. Para
Salles Oliveira, subvertendo os valores dentro do próprio partido à custa
de injustiças, “a casta política que, desde os primeiros anos da
República, tomou conta do país e se outorgou todos os privilégios,
chegou ao apogeu, em São Paulo, nos anos que antecederam a
Revolução de 30” (OLIVEIRA, 2002, p. 72); indignou-se, alegando que
homens assumiam funções políticas para as quais não tinham
competência apenas por interesses individuais das lideranças. Nota-se
em seus discursos que se tornou importante utilizar a Revolução de 1930
como evento modernizante da nação, justificando seu apoio ao inimigo
paulista na Revolução Constitucionalista. Tentava fazer esquecer o
inesquecível: a morte de centenas de paulistas em batalha contra o
governo, que agora se posicionava como aliado. Ao mesmo tempo,
buscava não aparentar submissão ao governo Vargas, em nome de seu
eleitorado, no Discurso pronunciado na sessão de encerramento do
congresso do Partido Constitucionalista, em 21 de setembro de 1934:

Quando, em junho do ano passado,


desempenhando conhecida missão, subi pela
primeira vez as escadas do Catete para me
pronunciar sobre o panorama político de São
Paulo, encerrei a minha exposição ao atual
presidente da República com estas palavras
textuais: “Qualquer que seja o paulista que vossa
excelência designe para interventoria da minha
terra, ele só poderá governar ultimamente se levar
o pensamento que é o meu é que e o dos homens
de maior responsabilidade de São Paulo - o de
defender a todo transe as conquistas da Revolução
de 32 e de manter intransigente fidelidade aos
seus ideais. (OLIVEIRA, 2002, p. 140-1)

Dizia-se o escolhido para o invejável posto que ocupava, pois


Vargas queria começar uma política de apaziguamento com São Paulo,
afirmando: “Quero que compreenda em toda sua amplitude a
166

significação do meu ato: com este decreto entrego o Governo de São


Paulo aos revolucionários de 32”. (OLIVEIRA, 2002, p. 141). Oliveira
se responsabilizava por ter reatado a harmonia entre São Paulo e o
Brasil, destruindo preconceitos que alguns homens públicos teriam com
relação a São Paulo. Assinalou que desfez mal-entendidos e transformou
adversários em amigos. E teria feito essas conquistas demonstrando que
a Revolução Constitucionalista foi mais do que uma reivindicação
regional, foi um “levante coletivo de larga expressão humana”
(OLIVEIRA, 2002, p. 141).
No dia citado no discurso, o da posse de Oliveira como
interventor de São Paulo, em 16 de agosto de 1933, Getúlio Vargas fez a
seguinte menção: “Nomeado o dr. Salles para interventor em São Paulo,
afastadas todas as dificuldades. Isso traz uma sensação de
tranquilidade.” (VARGAS,1995, p. 232). Obviamente Salles Oliveira
foi muito mais prolixo do que Vargas sobre a sua nomeação, por estar
discursando e tentando demarcar um espaço de respeito na relação com
o governo. Já Vargas, descreveu sucintamente que a nomeação de
Oliveira se dava, sobretudo, para inaugurar um período de paz com São
Paulo e dar prosseguimento ao seu projeto de governo no país.
No Discurso pronunciado no almoço oferecido ao Ministro da
Marinha, 25 de janeiro de 1935, Armando de Salles Oliveira afirmou:

Os homens e os governos passam, os erros ficam e


são às vezes mortais. Aos repetidos golpes
vibrados contra os sentimentos e os interesses de
São Paulo e que provocaram a terrível reação de
1932, não tínhamos o direito, nós, paulistas, de
responder com outros e mais graves erros,
embriagados pela música selvagem da não
colaboração ou pelo tóxico branco da definitiva a
separação.
Em vez de voltar as costas ao Brasil, o novo
partido foi ao seu encontro e selou com ele um
cordial, insofismável e perpétuo entendimento.
Não nos moverá para a luta de 1932 o impulso de
um orgulho desmesurado e cego, nem a convicção
de sermos uma raça privilegiada dentro da nação.
O que nos impeliu foi o desejo de que na
Federação haja um lugar para cada Estado e cada
Estado fique em seu lugar. (OLIVEIRA, 2002, p.
219)
167

Ele desejava deixar claro para os militares que, embora


defendesse a Revolução Constitucionalista, nunca desejou que esta fosse
separatista, mas pelo estabelecimento de uma nova constituição, para
que ocorressem eleições.
No discurso Saudação às classes armadas da nação, no banquete
que o Governo de São Paulo lhes ofereceu, em 25 de janeiro de 1936,
Salles Oliveira se posicionou a favor do nacionalismo. É importante
contextualizar esse discurso, pois foi o primeiro após os levantes de
novembro de 1935, dirigido a uma plateia de militares. Nele, o
interventor se posicionava:

Longe de amortecer a unidade nacional, o


regionalismo dá-lhe vida e colorido. A integridade
territorial e espiritual não é incompatível com a
existência de um regionalismo persistente e vivaz.
Unidade não significa uniformidade. Cada uma
das regiões do país cultiva e resguarda as
tradições locais, os costumes e as peculiaridades
da vida social, mas permanece brasileira,
visceralmente brasileira. As múltiplas
combinações dessa diversidade é que constituem a
grandeza da pátria. (OLIVEIRA, 2002, p. 258)

Ele deixava claro que, embora o Brasil fosse uma unidade, e que
todos brasileiros devessem amor à pátria, o país possuía uma
diversidade em suas regiões, o que não garantia uma uniformidade.
Nota-se um esforço para destacar que o estado de São Paulo era único,
com aspectos de grandeza exclusivos, ao mesmo tempo em que pregava
a necessidade de uma união nacional para combater a ameaça
comunista.
Todos nós, brasileiros, guardamos na alma um único modo de
ser, uma mesma religião, um mesmo instinto de pátria. Pois, foi tudo
isto que quiseram romper e extinguir há dois meses. Uma horda brutal,
conduzida por agitados e agitadores sem pátria, tentou apoderar-se do
Brasil, do Brasil livre, do Brasil democrático, Brasil cristão.

A tempestade comunista não desabou sobre nós


como o dilúvio da Rússia ou como o bárbaro
ciclone que, por intermitências, devasta e
martiriza a China. Aqui, ela apareceu como uma
rápida tromba de fogo, que incendiou apenas três
pontos do país. Mas, foi bastante para que
168

deixasse impressos no solo brasileiro os sinais


característicos da ação bolchevista.
Começando pela traição e pelo massacre,
continuou, onde conseguiu dominar alguns dias,
pelo saque e pelo cruel repúdio de todos os
direitos e de todos os respeitos humanos.
(OLIVEIRA, 2002, p. 258-9)

Neste trecho, clamou por uma unidade em prol de valores que


considerava inerentes a quase todos no país. Para isso utilizou
novamente a imagem da pátria à qual acrescentou a da religião. Ele
buscava delinear uma nação em que todos se reconhecessem como
participantes, para que fizesse sentido o tom de preocupação sobre a
ameaça comunista crescente, representada pelos que não possuíam
valores e queriam se apoderar do país, caracterizando-os como traidores.

Do regime político do Brasil, por culpa de São


Paulo, não se dirá, como de outros, que pereceu,
não pela força dos que o atacaram, mas pela
fraqueza dos que o defenderam. De São Paulo não
partirá um gesto que incentive a confusão e a
instabilidade, mas a palavra, a ação que defendam
um regime como o nosso, eminentemente
adequado para preservar a ordem social e a
integridade da nação. (OLIVEIRA, 2002, p. 262)

Retornava ao discurso da nação a ser defendida, colocando São


Paulo como superior ao Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e
Pernambuco, que, em suas “fraquezas”, permitiram levantes.

O regime presidencial é a robusta armadura com


que defenderemos as instituições republicanas.
Não a trocaremos por outra, por mais brilhante
que seja a sua aparência. A lição do que se passa
com os povos que querem vencer as suas crises
sem apelar para o supremo recurso de uma
ditadura da direita traça-nos o caminho.
Poderemos, se quiserem, ajustar melhor a couraça
do sistema presidencial ao corpo do Brasil, mas
com o objetivo de lhe dar um poder executivo
forte, capaz de assegurar a ordem pública, de
reparar as finanças e de aniquilar as investidas
bolchevistas. (OLIVEIRA, 2002, p. 262-3)
169

Neste trecho, nota-se a preocupação com a instalação de uma


ditadura, baseada nos eventos de novembro de 1935. Encontra-se aí um
dos primeiros pronunciamentos de Armando de Salles Oliveira acerca
de seu temor quanto ao cancelamento das eleições presidenciais por
Vargas. Essa preocupação surgiria em outras falas em 1936 e 1937.

Não nos contentaremos com o paliativo de


simples medidas de repressão, que resolvem
apenas os embaraços do presente. O que sentimos,
na raiz de todas as nossas dificuldades e todos os
nossos desentendimentos, é que o problema
brasileiro é um problema de educação. Reagindo
contra a indiferença geral e corrigindo um sistema
pedagógico que tem como principal objetivo o
desenvolvimento do indivíduo como célula
independente no organismo social, cabe-nos
estabelecer um largo programa de educação
nacional. E a alma desse programa será uma
estreita coesão entre a Universidade e o Exército
que passariam a ser alimentados por uma única
corrente de fé patriótica. (OLIVEIRA, 2002, p.
264)

Ele propôs um projeto de educação nacionalista, com um


estreitamento entre a educação e os militares, objetivando desenvolver o
patriotismo nos indivíduos, para que não ocorressem levantes como os
de novembro de 1935, que considerava resultado da falta de amor à
pátria. Em outro trecho do mesmo discurso, nota-se o apreço pela junção
de educação com o militarismo em países nos quais ascendiam o
fascismo e o nazismo:

Olhando para o que se passa nos grandes países,


vemos que, para imprimir novo entusiasmo e dar
novo sangue à mocidade, os nacionalismos de
todos os matizes assenhoram-se da educação,
dirigem-na e fazem dela uma irresistível força de
disciplina e de solidariedade.
A Itália, tornando inseparáveis as funções de
soldado e de cidadão, dá caráter militar à severa
educação de seus filhos. Na Alemanha, o Estado
apodera-se da mocidade e impõe-lhe o culto da
guerra, propagado e exaltado em todas as
Universidades. (OLIVEIRA, 2002, p. 264)
170

É interessante notar a inconsistência na defesa de uma


democracia no Brasil, ao mesmo tempo em que exaltava a militarização
e a educação na Itália e na Alemanha. Neste espírito patriótico e de
estado de guerra, encerrou o discurso convocando todos ao dever para
com o país: “soldados, marinheiros, professores, sacerdotes, operários e
todos vós concorreis com o vosso labor e o vosso exemplo [...] selamos
este compromisso de defender com o coração e com o sangue a bandeira
da nacionalidade e as insígnias da civilização cristã”. (OLIVEIRA,
2002, p. 266). Salles de Oliveira era um liberal típico paulista, que não
se constrangeu em defender o fascismo, demonstrando uma face do
liberalismo brasileiro que não se furta do autoritarismo.
No Discurso pronunciado em Piracicaba, em 12 de Março de
1936, Armando de Salles Oliveira retornou às justificativas sobre
aproximações e afastamentos em relação ao governo Vargas. Como
membro do então Partido Democrático, ele apoiara a Revolução de
1930; depois, afastando-se do governo federal de forma violenta,
durante Revolução Constitucionalista, e reaproximando-se, a partir de
1933, quando foi nomeado interventor e teve início a Constituinte.

As revoluções são feitas por homens e não por


anjos. Inútil, repisar os erros, os desvios e os
males que a Revolução de 30 praticou. Os homens
São Paulo, com responsabilidade nesse
movimento, tentaram repor no leito a torrente e
subir por ela às suas puras origens. Não o
conseguindo, romperam com seus antigos aliados
e abandonaram num mesmo dia as posições que
ocupavam. Em 1932, ergueram-se com São Paulo,
numa reivindicação que foi um dos mais belos
impulsos da altivez de um povo.
Terminada a luta, conhecemos longos meses de
estagnação e de incertezas, com as feridas abertas
e com a descrença em dias mais felizes. Reagindo
contra a descrença, posso dizer que apareci na
primeira linha dos homens que procuravam,
dentro das angústias, a saída libertadora.
(OLIVEIRA, 2002, p. 327)

E concluiu dizendo que a Revolução de 1932 não foi uma


resposta à Revolução de 1930, pois considerava que os eventos de 1930
trouxeram a renovação que o país precisava; já os acontecimentos de
171

1932, afirmava, só buscaram consolidar a modernização política que se


almejava no desenvolvimento do Brasil.
A partir de 1937, seus discursos se voltaram para as eleições.
Candidato, Armando de Salles Oliveira, demonstrava preocupação
quanto ao governo de Vargas permitir ou não as eleições. No Discurso
pronunciado na sessão de encerramento do congresso do Partido
Constitucionalista, em 15 de maio de 1937:

Não acreditamos, a despeito de alguns rumores


alarmantes, que vinguem intenções de adiar o
pleito ou de frustrar o exercício de um direito
fundamental do povo. O país não suportaria o
espetáculo de uma comédia eleitoral, em que os
homens sinceros, não podendo dominar a
repugnância de se aproximar das urnas,
preferissem a abstenção. A abstenção,
generalizando-se, conduziria à morte o regime,
que nos compete preservar. A atmosfera fúnebre,
que um oportunismo sem entranhas, de círios na
mão, procura criar para o nosso regime, nós a
desfaremos com as rajadas salubres de uma
campanha patriótica, que nada arrefecerá.
(OLIVEIRA, 2002, p. 369)

Também se posicionou sobre o fato de ter deixado o cargo de


governador de São Paulo para pleitear as eleições presidenciais, pois,
segundo ele, alguns não compreenderam o ato de renúncia de um cargo
tão importante, que seria loucura de sua parte. Que outros não
compreenderam por não contarem com sua participação em um jogo
político que já estava delineado e outros, ainda, por não possuírem
idealismos, pregavam a todo o momento a necessidade de conservar a
ordem. Contudo Oliveira, afirmava que sua candidatura fora, um antes
de tudo, “uma afirmação de fé na nossa democracia” (OLIVEIRA, 2002,
p. 369).
Mais uma vez, demonstrou flexibilidade em suas posições, pois
no discurso pronunciado em Santos, em 12 de abril de 1934, a palavra
ordem, utilizada diversas vezes na sua fala, representava algo
extremamente necessário para o progresso e a prosperidade do país.
Porém, em 1937, criticou os que pregavam a todo instante a necessidade
de se conservar a ordem, exigindo que ele concluísse seu mandato de
governador.
172

Ainda em seu Discurso pronunciado na sessão de encerramento


do congresso do Partido Constitucionalista, em 15 de maio de 1937,
disse não ignorar a necessidade de afastar as ameaças à integridade do
Brasil, que possuía uma característica única, a “ausência do ódio nas
suas relações internas como externas” (2002, p. 371). Alegava que havia
um respeito a todas as religiões, concomitante ao crescimento da igreja
católica, que guiou os primeiros passos da nação, mantida por um clero
com inteligência e virtude. Também afirmava ser o Brasil um país
acolhedor de todas as raças, sem distinção. Além disso:

Desconhecemos o ódio de classe e as classes


pouco a pouco se organizam, obedientes a leis
sociais decretadas espontaneamente e não pela
imposição de massas conflagradas. Essas leis não
só deverão ser mantidas, mais aperfeiçoados e,
sobretudo, cumpridas com probabilidade
(OLIVEIRA, 2002, p. 371)

Ele propagava o discurso em voga em sua época, visto que Casa


Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, havia sido publicado em 1933,
trazendo ideias de uma conciliação do Brasil com seu passado
escravocrata, fato que nunca ocorreu. Mas fica claro no discurso de
Armando de Salles Oliveira a falácia elitista de que o Brasil tratava a
todos, independentemente de credo, raça e posição social, como iguais –
portanto, não havia aqui conflitos raciais nem disputa de classes. Ao
negar essa disputa, ele construía o que chamava de ideia nacional:

Os adeptos dos regimes de força inculcam-se


como os únicos defensores da ideia nacional. O
acordo, porém, não é geral, na escolha da
instituição salvadora. Uma das facções, usando e
abusando de uma tolerância, condenável, mas não
sem explicação, reivindica para si o privilégio do
nacionalismo e conspira abertamente contra a
Constituição, que o governo jurou defender com
patriotismo e lealdade. (OLIVEIRA, 2002, p. 372)

Salles Oliveira se percebia como a saída democrática de uma


disputa pelo projeto de nação, que se dava entre dois extremos: a
ditadura varguista e a tomada do poder por comunistas. “Não, os
verdadeiros detentores da ideia nacional não são os homens da extrema
esquerda, não são os partidários das ditaduras: somos nós, os que
173

carregamos estandarte da democracia” (OLIVEIRA, 2002, p. 373).


Mudava, então, seu discurso de apoio ao governo nacional vigente,
tratando-o novamente como uma ditadura a ser combatida, ao mesmo
tempo em que se deveria combater um inimigo em comum, que eram os
movimentos de esquerda e a eterna ameaça de uma revolução
comunista.
No Discurso pronunciado no Rio de Janeiro, em 10 de junho de
1937, disse:

A ideia nacional nunca nos abandonou, a mim e


eu aos meus companheiros de São Paulo, nas
horas mais angustiadas da Revolução de 1932.
Naquele movimento não foi o sentimento
regional, mas a própria alma do Brasil que se
ergueu para conduzir o país ao leito das suas
tradições. O sacrifício de tantos homens heroicos
nos dois campos de luta transformou-se afinal
numa vitória da nação. Até os homens que
jogaram a vida, combatendo contra os
constitucionalistas, pronunciaram sua opinião
definitiva sobre o caráter daquele episódio
extraordinário. As sombras que sobre eles tinham
lançado já se vão dissipando e logo ficará apenas
o fulgor intenso de uma verdade nobilitante: os
revolucionários de 32, quem suas fileiras
contavam brasileiros de todos os setores do país,
alimentavam-se de um móvel espiritual - a
convicção de que se batiam pela sobrevivência do
Brasil. (OLIVEIRA, 2002, p. 376)

Nota-se que, conforme se aproximava a instituição do Estado


Novo, a tensão que pairava na política se refletia nos discursos de
Armando de Salles Oliveira, desfazendo a proximidade construída nos
anos anteriores – baseada na “arte de esquecer” –, para reavivar os
sentimentos dos revolucionários de 1932. No Discurso pronunciado no
estádio do América F.C., no Rio de Janeiro, em 16 de julho de 1937,
afirmou:

A crise não é do regime, mas da maneira como é


praticado. O povo brasileiro não suportaria o mais
leve regime de coação, que, para começar, tivesse
de lhe suprimir o direito de se reunir, dentro de
formas legais, para a livre defesa de seu
174

pensamento. Para restabelecer o prestígio do


poder, cuja autoridade se enfraquece todos os
dias, não precisamos apelar para a ditadura, nem
mesmo promover uma alteração profunda no texto
constitucional. Basta a reforma dos maus hábitos,
que desviaram a vida normal da democracia.
Basta a honesta obediência aos princípios do
regime, a subordinação de todos ao interesse
coletivo. (OLIVEIRA, 2002, p. 380)

Também marcava esse distanciamento com uma posição de


defensor da democracia versus ditadura – que ainda não havia sido
implantada, mas dava pistas de que ia ocorrer. Salles Oliveira defendia o
que chamava de “ideia nacional”, como um elemento de patriotismo
democrático:

Com a ideia nacional também nos apresentamos


nós, dentro da fórmula democrática, para servir o
Brasil. essa fórmula, pela ação da caserna e da
escola, poderá fazer a grandeza da pátria uma
ideia fixa - a mística irresistível que, desde o
berço envolva, domine e arrebate o indivíduo.
(OLIVEIRA, 2002, p. 381)

No mesmo discurso estabeleceu uma relação da “ideia nacional”


com os partidos que ele chamava de nacionais, existentes desde o
regime monárquico, no qual dois partidos mantinham o equilíbrio
político, mas que se desfizeram com a proclamação da República. Para
ele, os primeiros partidos republicanos se preocuparam com seus
problemas imediatos e locais, “o poder federal ficou sem uma base
política nacional”; e que, em 1930, fracassaram todos os esforços
patrióticos para aglutinar o país em um único plano nacional
(OLIVEIRA, 2002, p. 382). Afirmou igualmente que os homens que
participaram da Revolução de 1930 esperando uma renovação na nação
confessavam estar decepcionados.

É o momento de realizar uma das límpidas


intenções de 1930 e de dar consistência à ideia
nacional, concretizando a identidade de
convicções de quase todos os brasileiros no que
respeita à organização do Estado. É o momento de
reunir as forças partidárias que se acham
representadas nesta admirável solenidade e fundi-
175

las em um só bloco nacional, ao calor de uma


campanha política, que se acendeu pelas mãos do
próprio povo. (OLIVEIRA, 2002, p. 384)
Ele passou a demonstrar em seus discursos que a Revolução de
1930, embora necessária, não obteve os resultados desejados. E se
apresentou como a solução para essa questão, indicando que o resultado
almejado seria um projeto nacional patriótico e democrático, eleito pelo
povo. Finalizou dizendo que a União Democrática Brasileira, seu
partido recém-fundado, “respeita a grande tradição brasileira de
acolhimento hospitaleiro a homens de todas as raças. A nação,
entretanto, tem o direito de fazer as restrições que entender na defesa de
seus elementos vitais: o Brasil, em primeiro lugar é dos brasileiros”.
(OLIVEIRA, 2002, p. 389). Comentou sobre a restrição a imigrantes,
lembrando que a Constituição de 1934 estabeleceu a “lei de cotas”, que
se tratava de uma emenda que estabelecia limites para a entrada de
estrangeiros de acordo com sua nacionalidade. Em seu artigo 121,
parágrafo 6, determinava:

A entrada de imigrantes no território nacional


sofrerá as restrições necessárias à garantia da
integração étnica e capacidade física e civil do
imigrante, não podendo, porém, a corrente
imigratória de cada país exceder, anualmente, o
limite de dois por cento sobre o número total dos
respectivos nacionais fixados no Brasil durante os
últimos cinquenta anos. (BRASIL, Constituição,
1934)

Além desta emenda constitucional, estavam em debate no período


ideias eugenistas representadas principalmente pelo deputado Miguel
Couto25, sobretudo contra imigrantes japoneses. Ainda no Discurso
pronunciado no estádio do América F. C., explicou as motivações de
sua candidatura, que tinha como principal objetivo a defesa da
Constituição de 1934, assim como organizar o país para dar-lhe
estrutura econômica, social e moral. Também apresentou seu partido, a
União Democrática, que embora constituído de diversos partidos,
representava, “pelo espírito, um só partido”, capaz de manter a
continuidade dos projetos nacionais, mesmo com a alternância de

25
Miguel Couto alegava que os japoneses não contribuiriam para o processo de
“branqueamento” dos brasileiros e ainda representavam uma ameaça à
Segurança Nacional, por conta da expansão do império japonês.
176

homens no poder. Citou a “pureza de nossas origens”, como uma


qualidade para angariar votos na eleição presidencial, prevista para 3 de
janeiro de 1938. Contudo, não ficava claro que pureza seria essa; talvez
o orgulho regional de ser paulista, presente em quase todos os seus
discursos, sempre ressaltando a característica sui generis do estado de
São Paulo. Ou uma pureza em intenções de governo, algo mais nobre.
Contudo, a primeira hipótese é mais plausível, pois na continuidade de
seu discurso, há uma crítica à Federação, que ele chama de fatalidade
política necessária para a unidade brasileira, mas da qual a história
republicana mostrava falhas, como a persistência do espírito
intervencionista que feria a autonomia dos estados e o princípio da
Federação.
Diante da iminência do golpe, Salles Oliveira escreveu a carta
Aos chefes militares do Brasil, em 8 de novembro de 1937, no Rio de
Janeiro (publicada no Diário do Poder Legislativo, n.763, de 10 de
novembro de 1937, p. 49.911). Era apelo, no qual revelava estar cheio
de emoção e amargura diante do panorama nacional, no qual o
comunismo não era a única ameaça contra o Brasil. Temia que se
alguma força poderosa não agisse, um golpe abalaria a nação e mutilaria
a formação moral do país. Ele suplicava:

Pela primeira vez, em nosso país, um partido de


oposição, confiante na opinião popular, suplica
que se cumpra a lei eleitoral, ao passo que, nos
domínios governamentais, se trama contra ela.
Para mim e para o meu partido, o voto,
assegurado pela lei atual, continua a ser a melhor
expressão de altivez brasileira. Com esse voto a
nossa vida cívica tinha adquirido uma dignidade
antes desconhecida. Impedir, frustrar ou viciar o
voto, para nós, é violar a dignidade do Brasil.
(OLIVEIRA, 2002, p. 444)

Indignado com a possibilidade de Exército e Marinha ficarem


indiferentes ao golpe que instalou o Estado Novo, Oliveira proclamava
que soldados e marinheiros tinham o dever de salvaguardar as tradições,
integridade e honra da pátria, pois o destino do Brasil estava nas mãos
deles, para “evitar que o Brasil, desviando-se de seus rumos tradicionais,
tome um caminho desconhecido, no qual, de sobressalto em sobressalto,
de fraqueza em fraqueza, de capitulação em capitulação, sucumbiria em
pouco tempo na menos invejável das mortes” (OLIVEIRA, 2002, p.
177

446). Segundo ele, no Rio de Janeiro já havia tambores avisando o fim


do regime e da felicidade nacional. Seu clamor parece demonstrar que
desconhecia o apoio das Forças Armadas ao golpe de Getúlio Vargas.
José Murilo de Carvalho (1999) elucida que, durante a Revolução
de 1930, o Exército estava desarticulado, e a revolução teve apoio
apenas dos tenentes, sendo Góes Monteiro detentor da patente mais alta
entre os apoiadores, a de tenente-coronel. Após uma reformulação nas
Forças Armadas, sobretudo com expurgos, formou-se o que Carvalho
chama de facção, com hegemonia ideológica e política dos generais
Góes Monteiro e Gaspar Dutra. “O Exército se tornou, desse modo, um
ator político capaz de secundar a ação nacionalizante de Vargas, com a
qual estava de pleno acordo. O casamento consolidou-se em 1937,
quando foi implantado o Estado Novo” (CARVALHO, 1999, p. 342).
Em 11 de abril de 1945, em seus últimos momentos, internado
num hospital em São Paulo, Armando Salles Oliveira falou a jornalistas
sobre a anistia: “A memorável decisão trouxe-me um grande conforto,
mas posso afirmar que essa impressão se atenua grandemente com a
lembrança de que muitíssimos outros brasileiros, que na prisão ou no
exílio sofrem pelas suas ideias, continuam privados de liberdade.”
(OLIVEIRA, 2002, p. 571). É importante notar que, já no fim de sua
vida, após ter sido privado de sua própria liberdade, Salles Oliveira
condenou uma prática muito comum durante o seu governo no estado de
São Paulo: a prisão de pessoas por suas ideias políticas – como os tantos
presos que passaram pelo Presídio Maria Zélia, unicamente por
possuírem algum livro ou escreverem algum texto sobre ideologias
políticas diferentes das aprovadas pelo Estado.
Quanto aos diários de Getúlio Vargas, selecionei alguns trechos
que ajudam a compreender o jogo político de aproximações e
distanciamentos em relação ao Estado de São Paulo. Em 29 de outubro
de 1930, ele registrou sua chegada a São Paulo, quando de sua viagem
para tomada do poder: “Parece que toda a população de São Paulo
comungava com a Revolução. Magnifico povo”. (VARGAS, 1995a, p.
19). No dia seguinte, relatou que, ao sair para jantar, foi aclamado pelo
povo. E no seu caminho até a estação de trem para embarcar para o Rio
de Janeiro, viu uma aglomeração do povo com vivas, flores e festas.
Como o trem demorou a sair, foi assediado e assinou quase uma centena
de autógrafos, mostrando que, ao menos ao seu redor, não houve
protestos ou maiores resistências, pois havia entre os paulistas muitos
simpatizantes da causa.
178

Nos registros dos dias 24, 25 e 26 de novembro de 1930 (1995a,


p. 28), Vargas declarou ter nomeado João Alberto como interventor de
São Paulo. Diz também ter recebido uma correspondência de José Maria
Whitaker, propondo que fossem nomeados Assis Brasil ou João Neves
para o cargo. Na noite de 25 de novembro, João Neves procurou Getúlio
na qualidade de emissário de Assis e João Batista Luzardo; antecipava
que, caso João Alberto fosse nomeado interventor, haveria uma renúncia
dos secretários do governo de São Paulo e dos ministros Whitaker, Assis
e Luzardo.
Nos dias 3 e 4 de dezembro de 1930, Vargas registrou: “crise
política em São Paulo, demissão do gabinete” (1995a, p. 30). Como
havia sido avisado por Neves, a disputa, entre o Partido Democrático e a
Legião Revolucionária, por espaços ocupados até então pelo PRP,
culminou com a demissão coletiva do secretariado pela insatisfação do
PD com a nomeação de João Alberto. Em uma tentativa de solucionar a
crise, reuniu-se com Osvaldo Aranha, Assis Brasil, Batista Luzardo,
Morais Barros e José Maria Whitaker, o que, em sua visão, apaziguou os
ânimos temporariamente.
Em 19 de janeiro de 1931, assinalou em seu diário que “estava
marcado para a explosão de uma revolução comunista” (VARGAS,
1995a, p. 44) – essa anotação referia-se à Marcha da Fome, marcada
para ocorrer dois dias antes, organizada pelo Partido Comunista
Brasileiro, impedida pela polícia e convocada novamente para o dia 19
de janeiro, quando ocorreram diversas prisões de militantes. No dia 31
de janeiro de 1931, relatou uma reunião coletiva do Ministério, na qual
se tratou sobre a propaganda comunista e a segurança pública. Embora a
marcha estivesse programada para ocorrer no Rio de Janeiro, a repressão
aos comunistas teve seu expediente ampliado, com prisões em São
Paulo, como a de Paulo Lacerda, membro do PCB e redator do jornal A
Nação. No dia 30 de abril de 1931, Vargas anotou:

Nota-se movimento civil de políticos em favor do


constitucionalismo. Tomam parte os libertadores
do Rio Grande, os democráticos de São Paulo, os
partidários de Artur Bernardes em Minas e outros
grupos. O ministro da Justiça pressente uma
campanha que ele chama de descrédito contra
mim, uma conspiração nesse sentido, e solicita
demissão para não criar dificuldades. Também o
ministro da Fazenda o faz, declarando sua
situação de constrangimento no caso de São
Paulo. Recuso a ambos. Troco impressões com o
179

ministro da Justiça no sentido de uma atuação


mais enérgica.
Um oficial encarregado do inquérito sobre a
sublevação de São Paulo traz o informe de que o
comandante da Força Pública acusou o general
Isidoro como instigador, pedindo a nomeação de
oficial de posto correspondente ao daquele general
para presidir o inquérito. Chamei o ministro da
Guerra, à noite, a quem oficial vindo de São
Paulo, capitão Alcedo Cavalcanti, fez o relato dos
acontecimentos. (VARGAS, 1995a, p. 59-60)

O general mencionado era Isidoro Dias Lopes, que já havia


criticado diretamente o presidente pela nomeação de João Alberto como
interventor de São Paulo. Vargas convidou Tasso Fragoso para presidir
o inquérito sobre a rebeldia da polícia de São Paulo. Embora tivesse
aceitado a incumbência, Fragoso deixou claro estar incrédulo quanto à
participação do general Isidoro. Ele pediu a Vargas que ouvisse o
general antes de incluí-lo no inquérito. Isidoro Lopes não compareceu
ao chamado de Vargas, alegando doença e deixando a suspeita sobre a
sua pessoa, que não tardou a se confirmar.
Vargas (1995a) relatou que, diante do crescente clima de tensão
em São Paulo, João Alberto o comunicou que deixaria a interventoria,
com a indicação de Plínio Barreto para o cargo, com a anuência de Góes
Monteiro, Miguel Costa, o Exército e a polícia. Em seguida, ocorreram
protestos contra a candidatura de Plínio Barreto, por conta de um artigo
que ele escrevera criticando os revoltosos do Forte de Copacabana em
1922. Embora Plínio Barreto tenha ido até a imprensa se justificar,
alegando que se colocara ao lado dos revoltosos mais tarde, Miguel
Costa pediu que Vargas adiasse a nomeação até a chegada de Osvaldo
Aranha. O chefe da polícia de São Paulo também escreveu a Vargas,
pedindo para que reconsiderasse o nome de Plínio Barreto, alegando que
ele não satisfazia os interesses de São Paulo. Por fim, Góes Monteiro foi
até Vargas com uma carta de Miguel Costa, propondo escolher outro
interventor e reestruturar os secretários para abranger os diversos grupos
políticos.
Sobre esse assunto, Vargas registrou que Góes Monteiro
discordava da posição de Miguel Costa: “Góes acusa Miguel de estar
servindo de instrumento aos comunistas, e que a própria Polícia Civil do
180

estado é comunista26” (VARGAS, 1995a, p. 67). Por fim, Plínio Barreto


desistiu da candidatura. Laudo Camargo, magistrado estadual, foi
escolhido como interventor federal em São Paulo. Seu governo durou
pouco, até novembro de 1931, quando renunciou. Vargas nomeou o
coronel Manuel Rabelo para o cargo, registrando em seu diário:

Há restrições sobre a nomeação do coronel


Rabelo, que todos elogiam, por ser militar.
Sempre, porém, que se abre discussão sobre um
nome civil, surgem as divergências, porque
querem um civil da sua grei, que faça a política da
Legião – pelo menos é o que pleiteia Miguel
Costa. Resolvo deixar o coronel Rabelo, para
ganhar tempo e examinar melhor o tabuleiro.
(VARGAS, 1995a, p. 79)

Percebe-se, pelos diários, que Vargas ouvia muitas pessoas que


ocupavam os mais diversos cargos ao seu redor, anotava a opinião de
cada uma, ponderava sobre as discordâncias. No imbróglio da seleção
para interventor de São Paulo, por exemplo, ele recebeu cartas e visitas
de diversos políticos que opinaram sobre a nomeação. Demonstrava
compreender que todos tinham um interesse por trás de suas indicações
e ponderava sobre qual seria o mais benéfico para o seu governo.
Entre os dias 11 a 16 de janeiro de 1932, Vargas (1995a, p. 87-8)
publicou em seu diário que Paulo de Morais de Barros o procurara para
falar sobre a substituição de Rabelo, segundo os interesses do PD. Ele
pediu que Barros procurasse Miguel Costa para tratar do assunto e, caso
não fosse atendido, que lhe escrevesse novamente, indicando nomes do
Partido Democrático para o cargo. Por fim, registrou que Barros
retornou para São Paulo e, sem qualquer comunicação, o PD lançou um
manifesto de rompimento com o governo.
Entre os dias 18 a 21 de fevereiro de 1932, Vargas (1995a, p. 91)
anotou ter enviado a São Paulo o ministro da Justiça e Miguel Costa
“para examinarem in loco o caso paulista, trazendo-me o nome do
interventor”; ele recomendava que o interventor não deveria ser hostil ao
governo federal, que deveria ser civil e paulista, para despertar em seus
conterrâneos a confiança na Revolução de 1930. Pedro Manuel Toledo
assumiu o cargo.

26
Em 1931, Miguel Costa ocupava os cargos de comandante da Força
Pública Paulista e de secretário de Segurança do Estado.
181

Estes diversos relatos mostram que Getúlio Vargas buscava uma


saída diplomática, para que não houvesse um conflito com São Paulo;
contudo, priorizava escolhas indicadas por diversos de seus aliados,
como confiáveis à manutenção de seu poder. Desta forma, nunca atingia
realmente os interesses dos paulistas. O que se seguiu em seu diário
sobre São Paulo foram relatos sobre as manifestações, algumas traições
e, finalmente, a Revolução Constitucionalista.
No início de 1933, Getúlio Vargas ainda relatava diversos
problemas com São Paulo, desde ameaças de greve por operários da
Light, informações de que haveria uma desorganização militar no
estado, até informações de que a Força Pública Paulista estava sendo
armada novamente. Ele ponderou que, diante das notícias, precisava
tomar medidas preventivas. Em 11 de janeiro de 1933, registrou ter
recebido notícias tranquilizadoras sobre a situação da capital paulista e
sobre o desempenho de seu governador militar, Valdomiro Castilho de
Lima. Dias depois, indicou ter recebido o ministro Osvaldo Aranha, que
se dizia impressionado com a situação de São Paulo e a atuação de
Valdomiro, aconselhando a substituição do interventor. A solução
provisória de Vargas foi se reunir com Valdomiro Castilho de Lima,
Osvaldo Aranha, Juarez Távora, João Alberto e Ari Parreiras, para
esclarecer todas as suspeitas que pairavam nas conversas individuais.
Decidiu que Lima seria mantido à frente do estado de São Paulo e,
quando acabasse seu mandato de governador militar, seria nomeado
como interventor. E registrou, em 23 de janeiro de 1933: “desanuviou o
ambiente carregado de boatos” (VARGAS, 1995a, p. 182).
Sobre as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, em 3
de maio de 1933, escreveu:

Realizou-se o grande pleito. Está cumprida a


palavra do Governo Provisório, apesar de todas as
descrenças e dos embaraços criados por uma
paradoxal Revolução Constitucionalista, feita
preventivamente para realizar uma
constitucionalização já com data marcada.
(VARGAS, 1995a, p.208-9)

Em junho de 1933, Valdomiro Castilho de Lima apresentava um


desgaste em sua imagem por causa de disputas internas pelo poder em
São Paulo. Enviou, por sua filha, uma carta a Vargas apresentando um
pedido de demissão, ao qual o presidente respondeu pedindo que
aguardasse até que tivesse o nome de um substituto. Em 4 de julho de
182

1933, Vargas pontuou em seu diário que teve uma longa reunião com
Armando de Salles Oliveira, um dos nomes indicados para a
interventoria de São Paulo.
Julho foi um mês intenso para Vargas. Em busca de um nome
para a interventoria de São Paulo, recebeu visitas de Benedito
Montenegro, Cantídio de Mouros Campos, Francisco Machado de
Campos e Cintra Gordinho. No dia 11 de julho de 1933, recebeu
novamente Armando de Salles Oliveira:

À noite, recebo o dr. Armando Sales, a quem


confio meu propósito de nomeá-lo interventor,
desejando saber até onde vai a cooperação e o
apoio da Chapa Única. Depois de bem debatidos
esses assuntos, ele opina por uma nova consulta
aos seus companheiros. (VARGAS, 1995a, p.
224)

No dia 15 de julho, Vargas relatou ter recebido Armando de


Salles Oliveira e Macedo Soares. Fazendo os acertos finais, avisou que
chamaria Valdomiro de Lima para dar a notícia sobre a nova
interventoria. Os ânimos se acirraram quando a redação do jornal O
Estado de São Paulo foi ameaçado por oficiais do Exército. Vargas
realizou uma reunião ministerial para comunicar que nomearia Armando
de Salles Oliveira, quando foi alertado por Góes Monteiro que aquele
pertencia ao bloco do jornal O Estado de São Paulo, tido como
adversário do seu governo. Assim, no dia 27 de julho de 1933, Manuel
de Cerqueira Daltro Filho assumiu interinamente a interventoria de São
Paulo27, até que, finalmente, no dia 16 de agosto do mesmo ano,
Armando de Salles Oliveira foi nomeado interventor federal. Nos dias
14 e 15 de março de 1934, Vargas registrou:

Em São Paulo, dão-se algumas escaramuças


políticas, dissolvendo a polícia um meeting
perrepista organizado a título de vetar a minha
candidatura. Rompem-se as hostilidades entre o
elemento perrepista reacionário e o novo partido

27
Durante o governo de Valdomiro Castilho de Lima foi instaurada uma
sindicância para apurar irregularidades no Instituto do Café de São Paulo;
Getúlio Vargas preferiu nomear um interventor interino até o fim desta, para
depois nomear Salles Oliveira.
183

organizado pelo interventor. (VARGAS, 1995a,


p.277)

Referia-se, nesse trecho, ao fim do Partido Democrático, à


fundação do Partido Constitucionalista e ao rompimento definitivo entre
membros do PD e o PRP, que haviam se unido em prol da Revolução
Constitucionalista. Embora o Partido Constitucionalista contasse com
dissidentes do PRP, anteriormente na Ação Nacional Republicana, a
proximidade com as eleições constitucionalistas e a consolidação de
Armando de Salles Oliveira como aliado ao governo federal estabeleceu
claramente o PRP como oposição.

O próprio nome do maior partido paulista,


chamado “Constitucionalista”, era uma
homenagem à Revolução de 1932. Porém, a
maioria dos deputados paulistas, muitos dos quais
combatentes de Vargas em 1932, agora se
posicionavam ao lado do presidente, tendo papel
fundamental na base de sustentação de seu
governo. O que assistimos na Câmara dos
Deputados, em 1934 e 1935, é São Paulo andando
de braços dados com o governo, apoiando-o no
que fosse necessário, inclusive na repressão aos
movimentos políticos e sociais contrários ao
governo. (MOURELLE, 2015, p. 112)

A nomeação de Armando de Salles Oliveira consolidou uma


divisão em São Paulo entre o PC e o PRP, já esperada em função das
velhas disputas pelo poder em São Paulo. Contudo, a novidade foi o
apoio do Partido Constitucionalista – formado pelos constitucionalistas
derrotados em 1932 – a Vargas. No dia 3 de junho de 1934, ele
assinalou que a Constituinte aprovava a elegibilidade dos interventores,
afirmando que não concordava com a medida, mas que nada podia fazer
para evitá-la (1995a, p. 299).
Nos dias 14 a 16 de julho de 1934, vésperas das eleições
presidenciais constituintes, escreveu: “O candidato de oposição será o
dr. Borges de Medeiros, apoiado inclusive pela representação de São
Paulo, que, espontaneamente, se comprometera a não servir de apoio, de
centro de aglutinação a nenhum candidato de oposição.” (1995a, p. 307).
No dia seguinte, após vencer a eleição constitucionalista, Vargas se
reuniu com Armando de Salles Oliveira:
184

Entrando na matéria do dia, ele ponderou-me que a atitude a que a


bancada fora levada, por proposta do deputado Cincinato Braga, não tinha
maior importância, porque era a melhor solução. Pensava que eu deveria
organizar um governo prestigiado pelo apoio de todo o país.
Respondi-lhe que este era meu desejo, não tinha ressentimentos nem má
vontade em se tratando de servir ao interesse do país. Havia dado as maiores
provas do meu desejo de aproximar-se de São Paulo, de ter a sua colaboração,
mas que a bancada paulista, esquiva, vacilante, faltando quase sempre aos
compromissos que assumia nas coordenações havidas durante a discussão da
Constituinte, não inspirava confiança. Finalmente, sua atitude, combinando-se
com elementos da oposição para votar no dr. Borges de Medeiros, demonstrava
a persistência de um espírito de hostilidade que eu via com pesar, e que nada
poderia fazer sem que partisse deles um gesto de pacificação.
Ele concordou inteiramente e prometeu intervir nesse sentido.
(VARGAS, 1995a, p. 307-8)

Entre os dias 21 a 24 de julho de 1934, Vargas nomeou os


ministros Raul Fernandes e Vicente Rao para os ministérios do Exterior
e da Justiça. Como eram paulistas, “o interventor Armando de Salles
ficou encantado”, observou Vargas. “O interventor de São Paulo, que
acompanhou de perto as démarches para a formação ministerial, está
radiante” (1995a, p.309 ).
Segundo Mourelle (2015, p. 37), “no início do segundo semestre
de 1934, São Paulo causou uma importante mudança no cenário político
nacional: passou de radical adversário a aliado de Vargas”. Isso se
refletia diretamente na governabilidade de Vargas, visto que o Partido
Constitucionalista detinha a maioria da bancada do estado na Câmara
Federal.

Já contando com o apoio da maioria dos


deputados gaúchos e mineiros, Vargas se
fortaleceu ainda mais ao negociar uma aliança
com o maior partido paulista, cerca de dois anos
depois do enfrentamento armado que tivera contra
tal estado. Não é fácil precisar uma data exata
para essa aproximação, mas a escolha de dois
paulistas para importantes ministérios, no final de
julho de 1934 serve como uma pista à nossa
análise. (MOURELLE, 2015, p. 37)

A aproximação de Vargas com São Paulo, a partir da nomeação


do interventor Armando de Salles Oliveira, ocorreu depois de várias
tentativas de colocar o estado nas mãos de algum líder mais próximo, ou
185

pelo menos que tivesse menor expressividade. Contudo, ao final de


diversos conflitos, a solução foi nomear um representante de um dos
grandes partidos paulistas, que, apesar de ser uma escolha mais “fora do
controle” de Vargas, se mostrou benéfica, para amenizar a oposição e
ganhar espaço na Câmara.
Entre os dias 5 a 7 de janeiro de 1935 Vargas relatou ter se
reunido com o ministro da justiça e com os interventores Flores, Juraci,
Lima Cavalcanti e Valadares, para tratar de um projeto de defesa do
Estado. Após a reunião, chegou Armando de Salles Oliveira, que
concordou com todas as medidas acertadas. No dia 4 de abril Vargas
anotou:

O Jornal publicou uma entrevista com Osvaldo


lançando a candidatura do Armando à futura
sucessão presidencial, atacando a Lei de
Segurança, defendendo sua administração
financeira e esgrimindo remoques e cutiladas
contra pretendidos inimigos ocultos na sombra
(VARGAS, 1995a, p. 376)

A notícia a qual se referia foi publicada na capa de O Jornal, com


o titulo: O embaixador Osvaldo Aranha conversa sobre coisas e homens
do Brasil, com subtítulo: Impressões acerca dos srs. Borges Medeiros e
general Góes Monteiro – Se lhe fosse dado o direito de escolha,
indicaria o sr. Armando de Salles Oliveira à sucessão do sr. Getúlio
Vargas. Nota-se a preocupação de Vargas com a sucessão presidencial e
como aliados tão próximos, consultados constantemente pelo presidente,
desconheciam suas reais intenções de permanência no poder.
Vargas pensava diferente de Armando de Salles Oliveira sobre a
Revolução Constitucionalista. Em seu diário, afirmou que os políticos
gaúchos Borges de Medeiros e Raul Pilla sabotaram a obra de sua
ditadura e estimularam a Revolução de São Paulo (VARGAS, 1995a, p.
416). Em outra anotação Vargas (1995a, p. 421), afirmou: “A
Revolução de São Paulo foi um movimento reacionário para se apoderar
do governo, falsamente rotulado de constitucionalista”. Relatos
obviamente feitos na esfera íntima dos diários de Vargas, pois
publicamente, Oliveira várias vezes disse que Vargas respeitava São
Paulo e os constitucionalistas.
No dia 12 de setembro de 1935, Getúlio Vargas (1995a, p.422) se
reuniu durante um almoço com Armando de Salles Oliveira, os
ministros do Exterior e da Justiça, o senador Morais Barros e vários
186

deputados paulistas, “demorando-me em palestra amigável”. No mesmo


dia, recebeu privadamente Armando de Salles Oliveira, registrando que
conversaram longamente sobre assuntos financeiros, econômicos e
políticos: “Provocou minha opinião sobre a conciliação para manifestar-
se contrário, principalmente com os seus opositores do Partido
Republicano Paulista”. Como Mourelle indica, o conflito entre São
Paulo e Vargas cessou em julho de 1934. Os paulistas do Partido
Constitucionalista apoiavam o presidente, inclusive na repressão aos
movimentos sociais; “tal aliança despertava a ira do PRP, que não se
cansava de revezar seus deputados na tribuna, que diariamente
condenava a proximidade entre São Paulo e o presidente”
(MOURELLE, 2015, p.153).
No dia 25 de novembro de 1935, após os levantes em Recife e
Natal, Getúlio Vargas anotou ter solicitado estado de sítio, que foi
votado na Câmara com 172 deputados a favor e 56 contra, e no Senado,
com apenas três votos contra. Escreveu: “Após a votação da Câmara,
vieram vários deputados trazer-me seus cumprimentos e solidariedade,
entre eles, a bancada constitucionalista de São Paulo e a bancada
classista. A bancada paulista a meu lado, e a gaúcha, contra. Ironias
mordentes da sorte.” (1995a, p. 445). Se referia à reviravolta de alianças
políticas, tendo a bancada de seu estado agora se voltando contra suas
estratégias políticas, enquanto os paulistas, que eram o grande
empecilho na sua continuidade de governo em 1932, agora se
convertiam em aliados fundamentais.
Em 25 de janeiro de 1936 Vargas (1995a, p.472) registrou ter
autorizado o Exército e a Marinha a participarem das comemorações do
aniversário da cidade de São Paulo. Anotou que Armando de Salles
Oliveira fez um bom discurso, mas sem referências ao presidente.
Demonstrava uma relação de apoio que esperava retorno em todas as
ações políticas. Entre os dias 28 e 29 de janeiro, se encontrou em duas
ocasiões com Armando de Salles Oliveira. Na primeira reunião, o
governador de Minas Gerais também participou. Vargas não apontou
quais os assuntos debatidos na reunião, apenas anotou: “O governador
de São Paulo se mostrou francamente contrário a acordos, tanto na
política federal como na estadual”. No segundo encontro, Salles Oliveira
fez reclamações quanto à postura de funcionários federais em relação ao
seu governo, sobretudo os da direção da Caixa Econômica. E entrou em
um consenso com Vargas sobre política: “Em matéria política, ficamos
firmes na sustentação do regime, na recusa de fórmulas, mas aceitando a
colaboração da oposição e a sua possível participação no governo”. No
187

dia 30 de abril de 1936, em uma visita de Armando de Salles Oliveira,


Getúlio Vargas lhe deu um conselho:
Tratamos da conciliação política, da dificuldade
de entendimento com os seus adversários de São
Paulo, etc. Informei-o sobre os estados das
démarches, as divergências da oposição entre os
elementos que tomaram parte na Revolução de 30
e os que foram por ela depostos, e de como ele
poderia aproveitar a situação, dividindo os
adversários e absorvendo os elementos solúveis.
(VARGAS, 1955a, p. 503)

Vargas aconselhou Oliveira a agir com o PRP, como ele próprio


agira no passado – com a Chapa Única, que era sua adversária, a qual
dividiu e absorveu um dos lados.
Entre os dias 26 e 27 de maio, Vargas (1995a, p. 510) anotou a
publicação pelos jornais de um telegrama de 60 deputados comunistas
espanhóis intimando à soltura de Luís Carlos Prestes. Registrou
igualmente que recebia diariamente telegramas de países do mundo
todo, com exceção da Rússia, solicitando providências sobre os
suplícios e crueldades que os presos comunistas sofriam, Vargas
atribuiu isso a uma campanha de descrédito do Brasil promovida pelos
próprios comunistas no exterior, demonstrando não assumir a repressão
que seu governo infligia a diversos cidadãos, incluindo opositores
políticos comunistas e pessoas que nada tinham haver com o
comunismo.
No dia 24 de setembro de 1936, escreveu: “O general Góis
preveniu-me contra certas maquinações no Ministério da Guerra em que
o próprio ministro mandara dizer ao governador de São Paulo da
simpatia pela sua candidatura, e que ele se considerava um ministro de
São Paulo” (VARGAS, 1995a, p.546). Embora não declarasse
claramente em seu diário suas pretensões de prosseguir no poder após
vencer a eleição constitucionalista, mesmo sabendo que, por vias
democráticas isso não seria possível, Vargas estava sempre anotando
informações sobre quem poderiam ser os concorrentes à presidência em
1937, preocupado com o apoio que Armando de Salles Oliveira recebia.
No dia 19 de outubro de 1936, ele escreveu: “Dois
acontecimentos de sensação no dia: o discurso do governador de São
Paulo em São José do Rio Claro e a visita dos integralistas à Câmara dos
Deputados” (VARGAS, 1995a, p.553). No dia seguinte comentou que o
discurso de Salles Oliveira deu lugar a um ensaio de candidatura à
188

Presidência e, no dia 23 de outubro de 1936, anotou: “O discurso do


Armando Sales continua explorado pelos politiqueiros, principalmente
os da oposição” (VARGAS, 1995a, p. 555). Na realidade, este discurso
ocorrera em São José do Rio Pardo. Nele Oliveira descreveu as
vantagens da federação, e um dos trechos que provavelmente
incomodou Vargas foi:

Se cometêssemos o erro de apelar para um regime


totalitário, não apagaríamos as esperanças das
ambições comunistas que espreitam o Brasil. A
centralização traz o germe da morte inevitável:
atirando o país, mais cedo ou mais tarde, na
guerra civil, conduziria à desagregação.
(OLIVEIRA, 2002, p.338)

Em seus discursos, Oliveira ressaltava a necessidade de fortalecer


o regionalismo, na contramão do governo Vargas, que buscava uma
centralização da administração e do poder político em diversas esferas.
O incômodo que a candidatura de Armando de Salles Oliveira para a
presidência gerava em Getúlio Vargas se aprofundou, antes mesmo da
oficialização da candidatura. Em 14 de novembro de 1936, ele escreveu:

O panorama político toma um aspecto mais sério:


os paulistas começam a apregoar, com arrogância,
que ninguém poderá deter a candidatura
Armando, que pretendem humilhar São Paulo, e
que o Armando deixará o governo breve. Essa
arrogância se apoia no caudilhismo do Flores. O
ministro da Justiça manobra, o perrepismo vacila,
o ministro da Guerra contemporiza com a situação
do Rio Grande, sabotando o general Góis e
deixando-se influenciar por elementos
carcomidos.
São Paulo e Rio Grande unidos, Santa Catarina e
Paraná absorvidos, o Exército minado, a situação
é séria. Devo passar à ofensiva. (VARGAS,
1995a, p. 560)

Essa preocupação se manteve. No dia 14 de dezembro de 1936,


Vargas (1995a, p. 568) escreveu: “Continuam os boatos políticos,
principalmente em torno da renúncia do governador de São Paulo, único
que ainda não respondeu ao meu telegrama-circular sobre o apoio à
prorrogação do estado de guerra e a recusa à convocação
189

extraordinária”. Entre os dias 15 e 16 de dezembro de 1936, escreveu


sobre a votação da Suprema Corte no caso da quota de sacrifício de café,
em que ocorreu um desempate pelo voto do presidente. O ministro da
Fazenda informou a Vargas sua impressão de que os paulistas
envolvidos torciam contra o governo. (VARGAS, 1995a, p. 569). No
mesmo dia, Vargas escreveu que aguardava a vinda de Salles Oliveira, e
que pretendia demovê-lo da ideia de renúncia ao governo do estado para
concorrer à presidência. Sobre essa conversa, Vargas anotou, entre os
dias 18 e 19 de dezembro de 1936:

Aí, às 9 e meia da noite, recebi Armando Sales.


Conversou sobre várias coisas (...) abordou o
assunto: a renúncia, a necessidade de
desincompatibilizar-se, não para ser candidato à
Presidência da República, mas para enfrentar
dentro de São Paulo uma luta política contra um
candidato perrepista. O pretexto era visível, o
motivo, fraco, a hipótese do candidato perrepista,
muito hipotética.
Falei-lhe com amizade, com carinho, mas com
firmeza, fazendo-lhe ver que isso, em primeiro
lugar, era quebra do compromisso de não
discutirmos o assunto senão no ano próximo;
segundo a vitória moral de Flores [...]; em
terceiro, o pretexto para explorações de toda
ordem e tranquilidade para o seu próprio estado e
para o país. Conversamos muito, e ponderei-lhe
que pensasse melhor, falasse novamente aos
amigos, aos seus correligionários etc. Ficou de
assim fazer e retirou-se já cerca das 13 da manhã
(sic). (VARGAS, 1995a, p.570-571)

Em 21 de dezembro de 1936, registrou ter falado novamente com


Armando de Salles Oliveira antes de seu retorno a São Paulo, tentou
dissuadi-lo mais uma vez da candidatura presidencial. Salles Oliveira
prometia consultar os amigos. Vargas anotou que ele estava vacilante
(VARGAS, 1995a, p. 571). Nos dias seguintes, confirmou-se a
candidatura de Armando de Salles Oliveira, e Vargas escreve ter
recebido notícias de que os perrepistas eram unanimemente contrários à
candidatura.
Seu temor se confirmou: Armando de Salles Oliveira nomeado
por ele próprio como interventor, cresceu em popularidade para ser
eleito governador e agora desejava alçar voos maiores. A simples
190

possibilidade do governo do país voltar para as mãos dos paulistas


incomodava Vargas profundamente, a ponto de ele tentar novamente
dissuadir Oliveira dessa empreitada através de Juraci Magalhães (1995b,
p.14).
A disputa pelo pleito em 1937 se acirrava, e entre os dias 13 e 15
de outubro, Vargas anotou:

O panorama da vida política do Brasil vai se


complicando. Os partidários dos dois candidatos
começam a vacilar. O sr. Armando Sales, perdida
a esperança na vitória, pensa delegar poderes ao
governador do seu estado para tratar com o de
Minas a escolha de um terceiro candidato. Na
Câmara, uma certa corrente de opinião trata da
prorrogação dos mandatos. Entre os militares, há
um certo grupo partidário do sr. Armando Sales
que disfarça sua atitude, manifestando-se
contrário às medidas tomadas pelo governo. O
ministro da Guerra, porém, prepara com decisão a
marcha dos acontecimentos. Assinei dois decretos
requisitando as polícias militares de São Paulo e
Rio Grande. (VARGAS, 1995b, p. 74)

O decreto ao qual ele se refere trata de policiais militares


incorporados às Forças Armadas federais. Começando os preparativos
para o golpe, Vargas demonstra uma preocupação constante com os
passos tomados pelos governos de São Paulo e do Rio Grande do Sul.
Em 18 de julho de 1937, escreveu:

Newton Cavalcanti (...) traz vários papéis contra a


Bahia e Pernambuco, aos quais acusa de estar
combinados com São Paulo e Rio Grande num
movimento contra o governo federal e, por fim,
faz várias acusações ao ministro da Justiça,
dizendo que ele e seu companheiro sentem-se
incompatibilizados para trabalhar com aquele.
Digo-lhe que levem os fatos ao conhecimento dos
respectivos ministros militares, com os quais me
entenderei a respeito. Está criada a crise, ou antes,
uma nova crise. (VARGAS, 1995b, p. 75)

Neste clima de tensão, no final de setembro de 1937, foi


divulgado o Plano Cohen, a farsa que contribuiu para o fortalecimento
191

do golpe de estado. No dia 7 de novembro de 1937, ele escreveu: “Não é


mais possível recuar. Estamos em franca articulação para um golpe de
Estado, outorgando uma nova Constituição e dissolvendo o Legislativo”
(1995b, p. 82). E no dia 9 de novembro de 1937:

Tive conhecimento de que a carta do candidato


Armando Sales, lida na Câmara pelo deputado e
João Carlos Machado, fora profusamente
espalhada entre os militares. Pedi ao Macedo que
fosse ao ministro de Guerra, e este a palácio, para
confirmar-me não só que a data do movimento
marcado para quinta-feira, 11, já estava
conhecida, como se estava fazendo um trabalho de
intriga e divisão dos militares.Em vista disso, era
preciso precipitar o movimento, aproveitando a
surpresa. E assim se fez. (VARGAS, 1995b, p.82-
3)

Armando de Salles Oliveira acabou influenciando a antecipação


do golpe do Estado Novo, através de seu discurso para os militares, já
citado, no qual suplica que seja impedido o avanço do golpe.
Embora os dois formatos nos quais as ideias foram expressas
sejam distintos – discursos e diários –, não sendo possível uma análise
equivalente das articulações políticas entre Armando de Salles Oliveira
e Getúlio Vargas, é possível verificar que eles se encontravam em
momentos distintos de suas trajetórias, representando, cada um deles,
uma face diferente de interesses políticos.
No período em que Getúlio Vargas já estava no auge do poder,
Armando de Salles Oliveira construiu a carreira como interventor,
posteriormente como governador e lutou pela presidência até a sua
expulsão do país. Nessa escalada pelo poder, entre 1933 e 1936, teve
interesse em manter uma aliança com Vargas. Contudo, conforme
Oliveira expandiu suas intenções de carreira política, diminuiu a
capacidade de manter uma aliança pacífica com Vargas, visto que
ambos almejavam o mesmo cargo. Assim, ocorreu um jogo de
aproximações e afastamentos entre Vargas e Oliveira. Aproximaram-se
na Revolução de 1930, por terem um inimigo em comum, o PRP.
Subverteu-se a ordem, e o PRP passou a ser um aliado do grupo de
Oliveira. O inimigo passava a ser, em 1932, o governo Vargas. Em
1933, restabeleceu-se a ordem original, com a reaproximação política
entre Oliveira e Vargas, novamente com o PRP como inimigo comum,
acrescentando-se a ameaça comunista – diante da qual ambos
192

mantiveram uma política de repressão violenta. Por fim, quando houve a


corrida presidencial, ocorreu o afastamento definitivo, marcado por uma
vitória de Vargas, que, com o apoio dos militares para instalar a ditadura
do Estado Novo, pôs fim a carreira política de Armando de Salles
Oliveira.
Nesse embate entre duas grandes forças, a prática de perseguição
aos comunistas era tida como uma obrigação moral, como uma
plataforma política, que fez muitas vítimas. Pessoas que também
possuíam ideais sobre um governo que diminuísse a desigualdade do
país. Sobre essas vítimas é que trata o próximo capítulo.
193

4. OS PRESOS DO PRESÍDIO MARIA ZÉLIA

Ao optar por trabalhar historiograficamente com um presídio


político, me deparei com a necessidade de trabalhar com memórias de
fatos relacionados à violação dos direitos humanos, colocando em
evidência o sofrimento de indivíduos expostos à tortura e prisões
arbitrárias, assim como os grupos que tiveram uma postura
condescendente em relação a esses acontecimentos. Neste capítulo são
brevemente retratadas as vidas de alguns dos presos que passaram pelo
Presídio Mara Zélia. São breves por conta da carência de fontes, já que a
maioria deles não produziu relatos sobre suas próprias vidas.
Em razão das relações de poder que se estabeleceram, os presos
políticos dos governos Vargas e armandista são muitas vezes retratados
como uma “massa uniforme” de oposição. Quando suas histórias são
analisadas mais de perto, percebem-se histórias únicas, mesmo que a
história oficial faça com que percam suas individualidades. Assim, essa
história, por décadas contada pelo viés dos vencedores, fornece uma
vasta bibliografia sobre Vargas. Quanto aos vencidos, muitas vezes há
apenas resquícios de suas existências nas fichas do DEOPS. Dar
visibilidade à trajetória desses presos é dar voz à história dos vencidos,
mas sem heroicizar os acontecimentos. É dar voz a um passado ao qual
esses presos têm direito, mas que muitas vezes têm sua importância
diminuída em prol de uma história de “grandes nomes”.
Para compor a história de alguns dos presos do Presídio Maria
Zélia, analisei fontes que são vestígios entrelaçados de suas vidas e da
história do presídio. Trata-se de pessoas tanto públicas quanto
trabalhadores que passaram anonimamente pela história. Compreendo
ser necessário demonstrar que a repressão ocorreu contra indivíduos,
não contra uma massa uniforme de militantes comunistas, como foram
retratados nos discursos que frisavam a necessidade de combater a
“ameaça comunista”. Esse combate se deu por meio de prisões, torturas
e até assassinatos. Portanto, a escolha de relatar um pouco da vida
desses indivíduos é, sobretudo, um ato de resistência à insensibilidade
causada pelo silenciamento de suas histórias.

Ao reordenar os paradigmas básicos da disciplina


historiográfica nos anos 90, a história cultural
propôs a revalorização do indivíduo na História e,
consequentemente, a revalorização de suas ações,
baseadas em intenções que são escolhas realizadas
194

em um campo limitado de possibilidades, mas que


oferece diversas alternativas. Ao abrir espaço para
modelos de análises em que os indivíduos
desempenham um papel importante, a história
cultural revalorizou também os vestígios escritos
onde estão registrados as escolhas individuais,
suas intenções e suas ações públicas.
(VENÂNCIO, 2003, p. 3)

As fichas no DEOPS-SP analisadas neste capítulo, contêm


relatórios de policiais e testemunhos de conhecidos chamados a depor
sobre os presos. Há uma autobiografia de um desses presos e relatos de
Fúlvio Abramo, que viveu até 1993 e fundou o Centro de
Documentação Mário Pedrosa, no qual trabalhou para a recuperação de
fontes que compõem a história do movimento operário do Brasil. Com
isso, pretende-se não uma versão “mais verdadeira”, mas a análise de
todas essas fontes como partes de uma mesma história.
Quando o tema é a disputa de memórias, é referência a obra
Memória, Esquecimento, Silêncio (1989) de Michael Pollak, que trata
das “memórias subterrâneas”, argumentando que trazê-las à superfície é
escancarar o “caráter destruidor, uniformizador e opressor da memória
coletiva nacional” (POLLAK, 1989, p. 4). Por isso, quando há um
transbordamento de lembranças marginalizadas para a esfera pública,
geralmente em períodos de conflitos ideológicos, ocorre uma disputa de
memórias, entre a narrativa oficial e a até então silenciada. “O longo
silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a
resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de
discursos oficiais” (POLLAK, 1989, p. 5).
Após novembro de 1935, os primeiros presos foram militantes
comunistas, em sua maioria membros da Aliança Nacional Libertadora,
mas também militantes de esquerda que dela não participaram, como
trotskistas, anarquistas e socialistas; e por fim, qualquer um que fosse
considerado oposicionista tanto ao governo Vargas, quanto ao governo
de Armando de Salles Oliveira – ou amigo desses opositores, ou que
houvesse mantido qualquer relação de aproximação com eles. Havia
presos de origem militar, como ex-sargentos, ex-cabos e ex-soldados do
Exército e da Guarda Civil de São Paulo, médicos, comerciantes,
intelectuais, analfabetos, artistas, entre outros, formando uma rede de
trocas, contatos e aprendizados na convivência forçada pelo
enclausuramento.
195

Em São Paulo os presos políticos eram encaminhados para


Superintendência de Ordem Política e Social, onde eram fichados e
interrogados. Em seguida, eram encaminhados para a prisão, podendo ir
para o Presídio Paraíso ou para o Presídio Maria Zélia. O Paraíso era o
único cárcere político na cidade de São Paulo no início da década de
1930; após a Revolução de 1932, ficou lotado e, com os levantes de
novembro de 1935, não tinha mais vagas. Foi necessário estabelecer a
segunda prisão política da cidade, o Presídio Maria Zélia. Diversos
presos passaram pelos dois presídios, alguns por terem sido presos antes
e depois de 1935, outros por fugirem, pois quando eram recapturados,
eram enviados à outra cadeia.
Pelo Presídio Maria Zélia passaram centenas de presos. Aqui, há
a história de sete deles. Busquei um pouco da história de cada um,
escolhendo os que eram mais citados em outras fontes, além dos
prontuários do DEOPS-SP.

4.1 O JORNALISTA

Fúlvio Abramo nasceu em 20 de abril de 1909, em São Paulo.


Segundo Karepovs (1993), ele era neto do anarquista Bôrtolo
Scarmagnan e filho do humanista Vincenzo Abramo. Após os estudos
primários e secundário, estudou ciência no Instituto Dante Alighieri,
tendo que abandonar o curso em 1926, por razões econômicas. Foi
trabalhar como comerciante e depois como jornalista. Em entrevista a
Eugênio Bucci, Abramo declarou:

A influência da educação elitista que meu pai deu


a mim e meus irmãos começava pela grande
biblioteca que ele sempre colocou à nossa
disposição. Desde criança nós tínhamos que
aprender a falar e escrever italiano, francês e
português, como se fossem nossas línguas
próprias. Além disso, no Dante Alighieri
aprendíamos muito bem literatura universal,
história etc. A Divina Comédia, por exemplo, nós
passamos três anos lendo, comentando e
estudando. Sem falar nos clássicos latinos e
gregos. À parte esta educação clássica e
aparentemente conservadora, recebíamos o
influxo da participação do meu avô, que era forte
dentro da família. (BUCCI, 1987)
196

Fúlvio Abramo participou da Liga Comunista Internacionalista,


foi secretário da Frente Única Antifascista, participando ativamente da
contramanifestação da Ação Integralista Brasileira em 7 de outubro de
1934, na Praça da Sé em São Paulo. Houve confronto, no qual morreram
seis policiais e um militante comunista. Mário Pedrosa ficou ferido e, ao
visitá-lo no hospital, Fúlvio Abramo foi preso pela primeira vez. Ficou
no Presídio Paraíso durante 22 dias, de onde foi retirado ao ficar doente
– o carcereiro orientou seu pai a procurar um deputado e médico para
ajudar; foi, então, Adhemar de Barros quem o tirou da prisão.
Com a polícia em seu encalce, foi mandado pelo pai para a casa
de um tio, no bairro da Penha. Mas Abramo – que usava os
pseudônimos “Roberto”, “Rinaldo” e “Britscher” –, já vinha sendo
investigado pela DOS, acusado de propaganda comunista, e foi preso.
Em junho de 1936, foi aberto inquérito contra ele. Foi posto em
liberdade em 10 de maio de 1937. Quinze dias depois, o TSN o
condenou a dois anos de prisão. O mandado foi expedido pelo Dr. Pedro
Borges da Silva, juiz do TSN. Como Abramo já havia cumprido 11
meses e um dia de prisão, determinou-se que cumprisse mais 12 meses e
29 dias. Mas ele já estava exilado na Bolívia, onde permaneceu até ser
expulso em 1946.
Em seu prontuário do DEOPS-SP, consta que declarou estar
desempregado desde novembro de 1935, que pertencia à Liga
Comunista Internacionalista havia três anos e que suas atividades como
membro consistiam em escrever artigos para o jornal O Proletário.
Declarou que fazia propaganda da ideologia bolchevique-leninista e que
nem em sua organização e nem em qualquer outra de ordem comunista
revolucionária se praticavam ameaças a quem desejasse se afastar.
Declarou também que sofrera coação moral por parte da polícia, e que a
data de seu depoimento na polícia estava incorreta.
Segundo o Relatório da Superintendência de Ordem Política e
Social, de novembro de 1935, a redação do jornal A Platea era
frequentada por numerosos comunistas, como Ladislau de Camargo e
Fúlvio Abramo. Ali ocorriam vários encontros, nos quais eram tratados
os meios de propaganda. Ainda de acordo com o relatório, Caio Prado Jr
sustentava grande parte da propaganda comunista em São Paulo, agitava
o meio intelectual e havia fundado, no Rio de Janeiro, a revista
comunista Marcha.
Fúlvio Abramo foi acusado de práticas comunistas por ter
discursado em um comício da ANL, em nome do Sindicato dos
Empregados do Comércio, em 1935. Em um relatório da DOS de 2 de
setembro de 1936, consta uma busca em sua casa, após a família
197

Abramo ter se mudado de sua residência bruscamente, de acordo com


uma vizinha, que também relatou que a família era malvista na
vizinhança por deixar muitas dívidas. O investigador Augusto Novaes
constatou que Fúlvio Abramo não trabalhava na Companhia General
Eletric, como havia declarado, sendo apenas um revendedor, que suas
ideias eram comunistas e trotskistas e que ninguém conhecia sua atual
residência. Abramo sobreviveu um ano em meio no Presídio Maria
Zélia, testemunhando todas suas barbáries, inclusive o massacre em
abril de 1937, sendo solto no mês seguinte, quando se exilou na Bolívia,
onde trabalhou como professor. Em uma entrevista cedida 47 anos
depois da prisão, falou brevemente de sua experiência no presidio:

[...] fui preso novamente, condenado a dois anos e


oito meses no presídio Maria Zélia, onde acabei
ficando um ano e meio. Durante minha estadia na
prisão, morreu o gráfico Manoel Medeiros,
dirigente da LCI, por falta de assistência médica.
Ao constatar a morte do preso, a administração
resolveu retirar o cadáver sem qualquer exame da
causa da morte, para esconder responsabilidades.
Reivindicamos que antes da retirada do corpo ele
fosse examinado. Os médicos tomaram a frente
dessa luta. O delegado da polícia política, Tripoli,
exigiu a retirada dos médicos da prisão, entre os
quais o comunista Leo Schiavo. Depois, atribuiu-
se falsamente a revolta no presídio à retirada de
Leo Schiavo. Devido à campanha das eleições
presidenciais, o então governador Armando de
Salles Oliveira abriu as prisões em 37 (procurava
angariar simpatia entre as esquerdas e a população
trabalhadora), e foi então que fui para a Bolívia.
(ARBEX, 1984)

Ao retornar para o Brasil, Abramo prosseguiu sua militância no


Partido Socialista. Em 1953, trabalhou na Diretoria do Abastecimento
de São Paulo, onde desmanchou uma rede de atravessadores,
combatendo a corrupção praticada na área. Em 1954, deixou a diretoria
e voltou a trabalhar como jornalista, sendo eleito presidente do comitê
de greve dos jornalistas estaduais e participando ativamente da greve
dos jornalistas em 1962. Após o golpe de 1964, atuou como militante de
base, na região de Santo Amaro, em São Paulo, atividade que exerceu
durante toda década de 1970. Em 1980, participou da fundação do PT.
198

[...] tinha contatos espaçados com Mário Pedrosa,


que vinha e ficava hospedado aqui ao lado de
casa, na residência de meu irmão Cláudio. Mário
também não sabia o que fazer – e tinha também
uma necessidade compulsiva de fazer política.
Num desses encontros, impressionado com a onda
de greves do ABC e vendo que tinha surgido um
líder de massas, o Mário resolveu escrever uma
carta, na casa do Cláudio, endereçada ao Lula, e
chamou a mim e ao Plínio Mello para aprovarmos
a carta, na qual ele propunha a fundação do
partido. O Cláudio publicou a carta na Folha de S.
Paulo, em 1977. Depois disso, quando nasceu o
Partido dos Trabalhadores, eu resolvi suspender
toda a minha atividade individual. (BUCCI, 1987)

Em 1981, Fúlvio Abramo fundou o Centro de Documentação


Mario Pedrosa, onde se dedicou a maior parte dos seus trabalhos nos
últimos anos de vida, vindo a falecer em maio de 1993, aos 84 anos.

4.2 O MÉDICO

Quirino Pucca era médico, nascido em agosto de 1900 em São


Paulo. Sua ficha na DOS o descreve como um homem branco, de
cabelos e olhos castanhos, estatura média, corpo regular e casado. Em
um relatório da Organização de Direito Comissário para a inquirição de
presos políticos, em 2 de dezembro de 1935, Pucca declarava ter 35 anos
de idade, era solteiro, natural de São Paulo, médico diplomado pela
Faculdade de Medicina na mesma cidade, turma de 1925, e exercia sua
profissão na capital. Declarou que em 1932, durante o movimento
constitucionalista, esteve preso durante dois dias no presídio político da
Liberdade e que, sem ser interrogado, foi solto. Atribuía sua soltura ao
fato de nada ter sido apurado contra ele.
Nesse relatório também consta que, durante essa curta prisão,
Pucca esteve junto a vários comunistas; e que, antes dessa prisão,
publicara Medicina e Médicos e suas imoralidades. Pucca alegou que o
livro não tinha orientação comunista, muito pelo contrário, predominaria
nele certo misticismo, com uma boa dose de individualismo e a censura
ao mercantilismo da medicina. Por causa dessa publicação e dos
contatos com comunistas que teve durante sua prisão, segundo o
relatório, Quirino Pucca passou a ser procurado por operários e pessoas
199

pobres que não podiam pagar consultas – nasceu daí a acusação de ser
ele um médico do Socorro Vermelho Internacional.
Declarou que não pertencia ao Partido Comunista, que não tinha
ideologia comunista e que nem mesmo tinha uma noção nítida de como
era a doutrina e que era inteiramente falsa a acusação de que tivesse
distribuído boletins comunistas; dissera ter sido preso em 1933 sob a
mesma acusação, sendo logo imediatamente solto, pois se provou não
haver fundamento. Sobre esta primeira detenção, consta em seu
prontuário, de 5 de agosto de 1932, uma declaração feita na 8 ª
Subdelegacia pelo subdelegado João Elisiário da Cunha, que se dirigiu
ao delegado da 2ª Delegacia de Polícia, relatando:

Levo ao conhecimento de V. Excelência que


pessoas residentes neste distrito declararam-me
que no prédio “Sul-América”, à rua Boa Vista, n°
31, 5° andar, está localizado o consultório médico
do Dr. Quirino Pucca, o qual segundo as
declarações do denunciante exerce forte
propaganda comunista. Segundo ainda o mesmo
denunciante, diariamente no local citado, reúnem-
se diversos operários russos, e de outras
nacionalidades e ali só tratam da propagação dos
ideais comunistas.
E para que a V. Excelência tome as providências
que o caso de suma gravidade requer, faço a V.
Excelência a presente comunicação. (ARQUIVO
PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO,
prontuário 1332)

Há uma declaração datada de 29 de março de 1937, com


assinatura ilegível, destinada ao Dr. Leite de Barros, indicando o
endereço onde se encontraria “a senhora do Dr. Quirino Pucca, um dos
extremistas detidos”, informando que se reunia com diversos elementos
suspeitos, “provavelmente comunistas”, e que ela distribuía panfletos
comunistas. Na mesma declaração, perguntava:

Aproveito o ensejo para consultar a V. Sa. se, em


determinadas ocasiões urgentes, quando a ação
repressiva se tornar absolutamente necessária, é
lícito ao cidadão, seja ou não da Guarda Civil,
providenciar até a entrega dos implicados às
autoridades competentes. Aceite V.Sa., muito
cordialmente, as expressões de minha simpatia e
200

segura admiração. (ARQUIVO PÚBLICO DO


ESTADO DE SÃO PAULO, prontuário: 1332)

Esta denúncia sugere que seu autor era um civil, profundamente


incomodado com a rotina da esposa do Dr. Quirino, a ponto de
questionar se não podia ele mesmo, providenciar a “ação repressiva”, até
que a cidadã suspeita fosse entregue às autoridades competentes. Isso
leva a questionar a origem desse incômodo tão grande quanto à
“suspeita”, e sobre o que seria a “ação repressiva” que queria pôr em
prática contra essa senhora.
Em comunicação de 29 de abril de 1937, o inspetor identificado
apenas como n. 80, relatou que havia informações obtidas de pessoas
idôneas sobre a entrega de panfletos comunistas pelo Dr. Quirino Pucca
a diversas pessoas, para que estes fossem distribuídos. Em seu
prontuário, consta a acusação de atividade subversiva durante o
movimento revolucionário de caráter comunista que, em novembro de
1935, “ensanguentou o solo pátrio”. Havia também acusações anteriores
nos relatórios da DOS, de 12 de setembro de 1933, informando que o
médico colaborava profissionalmente com a organização Socorro
Vermelho Internacional, tendo sido convidado após a Revolução de
1932. Atendia, portanto, muitos pacientes, dos quais não recordava os
nomes, podendo ser comunistas ou não. No mesmo relatório, consta
que Pucca reconheceu o material encontrado em seu apartamento como
sendo de propaganda do Partido Comunista e que em seu consultório se
reuniam diversos operários para tratar da propagação dos ideais
comunistas.
É importante atentar que, em declarações de 1933, Quirino Pucca
disse pertencer ao Socorro Vermelho Internacional. Em 1935, ele nega
essa participação. Embora não haja informações sobre isso, é possível
tecer duas hipóteses para essa discordância: a primeira é que ele fora
forçado a declarar sua participação, em 1933. A segunda, é que Pucca
negou a participação no depoimento de 1935 por conta da conjuntura de
violência e perseguição a atividades consideradas comunistas do
período.
No seu prontuário também constam as declarações de três
testemunhas, que trabalhavam com ele, afirmando que, pouco antes dos
movimentos de novembro de 1935, Pucca fizera uma viagem para o
Nordeste, a fim de se recuperar de cirurgias às quais havia se submetido,
mas que nas declarações do próprio indiciado não consta qualquer
menção a essa viagem. O relatório da DOS conclui: “que nos leva a
convicção plena e firme de que a teriam ditado motivos inconfessáveis”.
201

Ou seja, o relatório sugere que embora não tenha evidências de em que


parte do nordeste Quirino Pucca esteve, nem se realmente estava apenas
viajando para descansar e se recuperar de cirurgias, que segundo
testemunhas haviam sido realizadas, acredita-se que Pucca participou
dos levantes de novembro de 1935, durante seu pós-operatório.
Também há relato de informações sobre terem sido encontrados
em seu apartamento jornais subversivos. Mesmo que essas publicações
fossem permitidas anteriormente, sublinhava-se que Pucca se preocupou
em guardar o material, que continha textos de finalidade condenável e
de incitamento contra a estabilidade das instituições políticas e sociais.
Em declarações de outubro de 1936, o médico afirmou integrar a
Sociedade de Socorros Mútuos Internacional, que, segundo ele, não
chegou a funcionar por divergências surgidas entre seus dirigentes. A
DOS manteve discreta observação sobre a sociedade em questão,
portanto, os nomes de seus membros eram conhecidos pela Polícia de
Ordem Política e Social por causa de suas ideias e atividades; alguns
deles, detidos e processados por envolvimento com a organização dos
levantes. Pucca também afirmou que fora convidado para a sociedade,
em 1931, pelo advogado Theodoro Sampaio Filho; que Caio Prado Jr e
o engenheiro Flávio de Carvalho eram os dirigentes desta, uma espécie
de cooperativa que contava com certo número de cotistas, como os
próprios Prado Jr., Carvalho, Sampaio Filho e também Procópio
Ferreira. A sede ficava instalada na Praça da Sé, mas não chegou a
funcionar em virtude das divergências surgidas. Afirmou que a
sociedade não tinha ligação alguma com o Socorro Vermelho
Internacional. Declarou saber que Caio Prado Jr era o presidente da
ANL (na verdade, era vice), sendo esse um dos motivos pelos quais
Pucca se encontrava detido; que sabia igualmente que o Dr. Pedro Motta
Lima era diretor do jornal A manhã, mas que desconhecia os ideais
políticos dessas pessoas, assim como os de Procópio Ferreira, pois não
frequentava os meios intelectuais.
A respeito do seu livro Medicina e Médicos e suas imoralidades,
num relatório da Superintendência de Ordem Política e Social, o
delegado verificou que, no inquérito instaurado contra Issa Maluf e
outros, havia um recorte de jornal com o Medicina e médicos, por
Cicero de Azevedo, no qual o livro de Quirino Pucca, (chamado de
Quirpu) é citado.

(...) Quirpu parece ter aquela mesma intuição de


Dostoievski a respeito do sofrimento, em seu
profundo significado religioso. Por tudo isso o
202

livro de Quirpu deve ser encarado, mais como um


instrumento de ação, do que propriamente como
um valor especulativo. E vale como documento
vivo da alma humana, através dos complexos
secretos, profundos e inconsciente da alma de
Quirpu, que é preciso saber ver através do seu
livro, sem muito nos impressionou com as ideias e
percebemos que por essa atitude, Quirpu procura
realizar em si qualquer coisa de profundo em
obediência a necessidades imperiosas, O esforço
pode ser certo ou errado, o que não resta duvidas,
é que obedece a uma aspiração, para ele mesmo
ainda enigmática e não podia ser de outro modo.
Ao demais, é uma obra característica do período
social que atravessamos. (ARQUIVO PÚBLICO
DO ESTADO DE SÃO PAULO, prontuário:
1332)

Em outro relatório, consta uma crítica ao livro, feita pelo Dr.


Cicero Flores de Azevedo: “uma obra característica do período social
que atravessamos”; essa apreciação teve valor incontestável, pois foi
feita por um comunista já processado pela DOS, que apurou que o Dr.
Azevedo era médico do Socorro Vermelho Internacional, assim como o
Dr. Pucca. Uma das testemunhas que depôs sobre o caso alegou se tratar
de um livro comunista. Concluindo o relatório, há a seguinte declaração:

[...] por tudo isso e pelo mais que destes autos se


contem, conclui-se que o indicado, Dr. Quirino
Pucca, pelas suas ideias e pela propaganda que
dela faziam, pelas suas atitudes e pelos seus
manejos em prol de uma difusão da doutrina
comunista entre nós – incidi-o nos dispositivo da
lei n° 38 de 4 de abril de 1935 (Lei de Segurança
Nacional), pelo que deve merecer a punição que,
certamente, não faltará, visto que procurou-a,
desejou-a, como homem que não podia ignorar as
consequências que lhe adviriam dos atos que
praticava conscientemente. Esperamos, pois, que,
nessas condições, recebe ele, o indiciado, o
castigo a cujo encontro sempre andou.
(ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO, prontuário: 1332)
203

O livro foi considerado comunista e subversivo, embora em seu


processo não conste que tenha sido lido e analisado por qualquer
membro da investigação, mas foi referenciado em textos de outro preso
político, detido por atividades comunistas. Há no prontuário uma
investigação conduzida em outubro de 1936, na qual a DOS interrogou
conhecidos de Pucca, que apenas informaram que ele estava preso por
ideias comunistas. Consta que todas as pessoas que o conheciam se
abstiveram de dar informações, temendo serem incomodadas pela
polícia.
Já no inquérito, as testemunhas foram intimadas: Feliciano
Galhoto, de 33 anos, farmacêutico, que atestou trabalhar com o Dr.
Pucca na Companhia Sul América (de seguros), na qual o médico era
encarregado da seção de Acidentes no Trabalho. Galhoto declarou que
só mantinham relações profissionais e que não conhecia a ideias de
Pucca. Alcides Braga Reis, 39 anos, zelador e porteiro do Edifício Sul
América, declarou que conhecia o Dr. Quirino Pucca havia cerca de
cinco anos, que sabia que o médico estava preso desde novembro de
1935, acusado de comunismo, mas que desconhecia essas atividades e
que, no período do “movimento extremista do norte do país”, Pucca
estava viajando para restabelecer-se de intervenções cirúrgicas; disse
que o médico só atendia os acidentes e segurados da referida companhia
Sul América, mais de trezentos, diariamente; e que desde que o Dr.
Pucca fora operado, não o encontrou mais e não teve conhecimento de
quaisquer atividades comunistas porventura realizadas por ele;
O médico Roberto Gomes Caldas Filho testemunhou conhecer
Pucca havia sete anos, que trabalhara com ele na Companhia Sul
América, se declarando completamente avesso à política, e, portanto,
que nunca teria conversando com ele sobre esse assunto. Também
declarou que ficou sabendo da prisão pelo rádio, confirmando que o
médico esteve internado cerca de três meses no Hospital Alemão, entre
junho e setembro de 1935. E que, a partir de setembro, Pucca obteve
licença da Companhia Sul América e viajou para o “Norte do país”,
ignorando, porém, para qual estado, sendo uma viagem de
convalescença. Por fim, declarou que sua convivência com Pucca era
meramente profissional.
Já o zelador do prédio onde Pucca morava quando foi preso,
Francisco Kurt, declarou que Quirino Pucca residia no mesmo prédio há
um ano, com uma mulher chamada Leonor Pucca. Disse que, nos
primeiros dias de janeiro, o médico fora detido pela polícia e, após a sua
detenção, fizeram uma diligência no apartamento, apreendendo papéis
que diziam ser material de propaganda comunista; informou que dona
204

Leonor Pucca estava presente quando a polícia apreendeu os referidos


papéis. Sobre a rotina do médico, o zelador alegou que trabalhava na Sul
América e pouco ficava no apartamento, geralmente saindo pela manhã
e voltando à noite; que não sabia que o doutor exercia atividades
comunistas até o dia em que foi dada a busca em seu apartamento; que
Leonor Pucca continuou morando no ali por mais cinco meses, tendo a
Companhia Sul América se responsabilizado pelos aluguéis;
posteriormente, ela se mudou para o Largo do Arouche e o zelador não
soube mais. Ele também alegou saber que Pucca escrevera um livro
sobre médicos, com fundo comunista.
As testemunhas desse processo não relataram, em momento
algum, a prática de atitudes subversivas de Pucca, apenas falaram sobre
sua rotina e comentários que ouviram a seu respeito após a prisão.
Todos os relatos que o acusam de práticas comunistas foram anônimos.
Em 11 de dezembro de 1935, Leonor Pucca solicitou ao Juiz de
Direito Comissário providências a fim de poder visitar o Quirino Pucca,
para combinar medidas assecuratórias de subsistência dos dois filhos do
casal. Em 9 de janeiro de 1936, ela solicitou ao delegado Egas Botelho,
da Superintendência da Ordem Política e Social, que seu marido fosse
internado no Hospital Alemão, por estar gravemente enfermo,
necessitando urgentemente de cuidados médicos. Em 22 de janeiro de
1936, foi enviado ao Diretor do Presídio um parecer médico manuscrito,
indicando que o estado de saúde de Quirino Pucca vinha se
complicando, sendo prudente sua internação em um hospital, para
tratamento médico que não era acessível no presídio. O parecer afirmava
que a permanência no presídio poderia trazer consequências graves e até
mesmo fatais. Não há informações sobre Pucca ter recebido ou não o
tratamento médico. Mas na obra de Vieira (1957), consta que passou
pelo Hospital da Força Pública. Sobre ele, há relatos de que auxiliou
enfermos no presídio, muitas vezes apenas com auxilio psicológico; que
também ensinou métodos de higiene como prevenção de doenças e
como separar e reaproveitar a comida, que diversas vezes chegava
parcialmente inapropriada para o consumo.

O tenente Osvaldo Melantônio, referindo-se ao


Dr. Quirino Pucca, afirmou que como capacidade
médica foi incansável ao lado de pobres e ricos,
salvando as vidas de quantos operou ou deu
assistência (...), além de confortar, moralmente
seus clientes tratou centenas de operários sem lhes
cobrar nada e muitas vezes, no caso de
205

internamento em hospitais, pagava a despesa ou


tornava-se seu fiador. Centenas de nordestinos
tiveram sua assistência. (VIEIRA, 1957, p.101)

Em seu histórico de prisões, notamos que, durante toda a década


de 1930, Quirino Pucca foi perseguido pela repressão ao comunismo,
tendo sua vida investigada e sendo detido diversas vezes. Em julho de
1932, por exercer atividade comunista; em dezembro de 1935,
igualmente; e em maio de 1937, o TSN mandou arquivar o processo no
qual era indiciado, pondo-o em liberdade.
Em junho de 1939, voltou a ser detido para averiguações e posto
em liberdade três dias depois. Em setembro de 1939, foi aberto um novo
inquérito, e o TSN declarou sua prisão preventiva, revogada em
novembro. Em 1940, o TSN o absolveu. No ano seguinte, foi novamente
processado e condenado a dois anos de reclusão. Em menos de um mês,
foi absolvido e solto novamente.
Davino Francisco dos Santos relatou em seu livro A Marcha
Vermelha (1948), que, após ser solto do Presídio Maria Zélia, buscou
ajuda financeira com Pucca: “Um dia, tive de ir às pressas ao dr. Quirino
Pucca arranjar 20 cruzeiros, porque no dia imediato não tínhamos o que
comer. Ele não possuía um vintém sequer. Mandou-me esperar um
momento, pois talvez chegasse algum cliente com dinheiro” (SANTOS,
1948, p. 192). Santos relatou que, após atender uma cliente com uma
criança, ele trouxe o dinheiro e disse que não precisava devolvê-lo, pois
o fazia em nome da solidariedade. E que esse era um hábito Quirino
Pucca: servir uma grande quantidade de comunistas, com ajuda médica
ou financeira.
Nathalia Pinto, mãe do preso Augusto Pinto disse sobre Quirino
Pucca: “Se além da vida terrena houver algo como recompensa aos
bons, o Dr. Quirino Pucca, certamente recebê-la-á como prêmio de sua
bondade na terra” (VIEIRA, 1957, p.125). Ele faleceu em 1º de
novembro de 1946, em extrema pobreza. Em 1951, uma rua no bairro
Vila Romana, em São Paulo, recebeu seu nome.

4.3 O PROFESSOR

João Baptista Moura Dubieux nasceu em São Paulo em 31 de


maio de 1906. Era solteiro e professor das primeiras letras do Liceu
Higienópolis. Em sua ficha da DOS, consta que Dubieux era branco, de
olhos e cabelos castanhos, possuía estatura média, nível superior e o seu
pseudônimo era Zico.
206

Em julho de 1933, foi convocado pela DOS para prestar


declarações. Por meio de seus próprios depoimentos e relatórios
policiais, têm-se algumas informações sobre sua vida política antes da
passagem pelo Presídio Maria Zélia. As declarações foram dadas em
situação de investigação policial, não retratavam uma narrativa de sua
vida, mas um processo de defesa.
Dubieux disse que, a partir de 1930, após a revolução de outubro,
iniciou leituras marxistas, tornando-se simpatizante do comunismo.
Afirmou que em 1924, combateu pela revolução chefiada pelo General
Isidoro; que em 1925, 1926 e 1928 conspirou contra o governo (não há
detalhes sobre essa “conspiração”); em 1930, tornou a combater pelo
governo e, finalmente em 1932, ao lado de São Paulo, estava na frente
Oeste, incorporado no Batalhão “Rio Grande do Norte”, com posto de
capitão. No período entre 19 de novembro e 15 de dezembro de 1930,
integrou o 5º R.I., como Segundo Tenente, aquartelado em Lorena, de
onde foi desligado pelo Coronel Mendonça Lima. Alegou que, apesar de
conservar o ideal comunista, manifestara seus ideais apenas após o
movimento de 1932, continuando suas leituras marxistas e sobre outros
credos até fevereiro de 1933, quando se aproximou do Comitê
Antiguerreiro, apesar das francas desconfianças dos membros do comitê,
pois ele vinha de família burguesa, seu pai era proprietário e vivia de
rendimentos. O relatório traz um adendo, informando que, apesar de ter
dito não poder participar do PCB por conta de suas origens burguesas, a
DOS possuía evidências de que ele participava de algumas das diversas
comissões que o partido mantinha, com intelectuais incumbidos de fazer
a compilação e impressão de manifestos.
Dubieux declarou que, em fevereiro de 1933, em uma reunião do
Comitê, conheceu Paulo (não consta sobrenome), travando com ele
amizade, até que um dia, numa livraria, propôs que ele lhe desse uma
prova de confiança antes de pôr em prática qualquer ação de propaganda
comunista. Dubieux aceitou e se comprometeu a dar essa prova,
prometendo falar em público, poucos dias depois. Paulo marcou um
encontro em sua casa, e João Dubieux se ofereceu para produzir no
mimeógrafo alguns boletins comunistas no idioma iugoslavo; imprimiu
450 manifestos naquele dia, deixando-os na casa de Paulo. No dia 22 de
julho de 1933, cumpriu sua promessa, indo falar aos operários
ferroviários da São Paulo Railway na Lapa, na hora da saída,
convidando-os a participar das manifestações antiguerra.
Em seu prontuário, há diversos relatórios de agentes que seguiam
Dubieux. Em um deles, foi registrado que, “amante como é das coisas
comunistas, e apreciador dos costumes soviéticos”, foi três vezes à sede
207

do Clube dos Artistas, para ouvir o intelectual comunista Jayme Adour


da Câmara e visitar a exposição de cartazes de propaganda do regime
soviético, de propriedade intelectual de Ozorio Cezar e Tarsila do
Amaral. Dubieux declarou que possuía em sua casa uma biblioteca com
6 mil volumes sobre diversos assuntos e que sua intenção era fundar um
Centro de Cultura Social. Declarou que ainda mantinha ligação com o
Comitê Antiguerreiro, de base comunista e, como tal, propagava o ideal
moscovita. Disse que entrou para o PCB em junho de 1933 e foi expulso
em agosto do mesmo ano, em função de um mimeógrafo do PCB ter
sido apreendido (não há detalhes sobre a apreensão). Mas existe outra
afirmação em seu prontuário, que talvez explique sua expulsão do
partido: João Dubieux “era filho de capitalista e sua origem burguesa”
não inspirava confiança por parte dos dirigentes do PCB. Depois de sua
expulsão Dubieux, fez parte da ANL28, declarou ser inimigo da Ação
Integralista e que isso não se caracterizava atividade extremista.
À diferença de outros presos aqui citados, ele não foi capturado,
mas preso ao se apresentar ao Gabinete de Investigações depois de ter
sido procurado em sua residência. Como estava ausente, foi-lhe deixado
um recado para que se dirigisse ao gabinete. Detido em 27 de novembro
de 1935, sob a acusação de produzir em mimeografo boletins de
propaganda comunista, foi posto em liberdade em 12 de abril de 1937,
apenas alguns dias antes da chacina no Presídio Maria Zélia. Após sua
soltura, foi seguido por diversos dias.
Dubieux escreveu uma carta à sua irmã, que ficou detida na
censura, indo parar no seu prontuário, a qual agora temos acesso:
Bastilha, 9 de maio de 1936.
Maninha. Beijos.
Choraste quinta-feira passada.... Senti
imensamente não poder lavar o teu rosto e limpar
tuas lágrimas com o que em meu íntimo eu
reservo aos nossos adversários. Senti igualmente a
tua fraqueza e se me orgulhei de ser amado
fraternalmente, tive, por ambivalência, pejo de ver
em tuas faces estas quentes e cristalinas pérolas.
Tive pejo ao pensar que, em tua momentânea
fraqueza, te olvidaste de que em nossas veias
pulsa o mais férreo, nobre e vingativo sangue; que
te esqueceste dos heroísmos da nossa raça e do

28
Embora não conste em seu prontuário nenhuma declaração sobre o assunto,
está anexada a sua ficha uma carteira de filiação ao Partido Socialista Brasileiro
de São Paulo, de 1934, sendo o filiado nº 217.
208

valor dos nossos ancestrais. Tem animo, sê firme


e espera confiante no futuro brilhantes que estes
pequeninos desgostos, estas ninharias irão trazer.
Inquiriste-me se olvidei, nossa querida,
estremecida velhinha... não a esqueci... não a
esqueci, como não olvidei papa, mas, é preciso
que compreendas que nós todos somos partículas
dessa grandiosa humanidade que vamos ver surgir
e eu, ultimo recebendo da nossa raça devo
proceder de modo que venhamos ter orgulho de
dizer que não degeneramos. Não deves chorar...
pelo contrário.... Deves rir-te... rir-te das misérias
mesquinhas de agora para preparar um forte
coração para o dia da vingança; ele não tardará!
Mudando de argumento, peço-te que envie o
mano para buscar minhas roupas que esqueceste
na tua inolvidável comoção. Recebi tudo que me
trouxeste. Agradeço-te. Peço-te avisar para
comprar as revistas costumeiras e não olvidar o
azeite de dendê que lhe pedi. Envia-me o retrato
de seu neném, conforme combinamos. Dá
lembranças a todos; beijos às crianças e um forte
amplexo em papa e mama. Do mano Lico, J.B.
Dubieux. (ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO
DE SÃO PAULO, prontuário: 4123)

No prontuário há a indicação que, em 23 de março de 1937, a


subchefia dos inspetores retirou João Dubieux do presídio para que
visitasse sua mãe enferma. Ele disse que não iria, e que se ela falecesse,
a única responsável seria a Superintendência de Ordem Política e Social.
Contudo, com a interferência de seu irmão, ele resolveu fazer a visita.
No relatório consta:

Outro fato que também merece nota, é o de ter


Dubieux, ao chegar à residência de sua família,
cumprimentado a todo a maneira do seu credo,
isto é, com os punhos cerrados. Logo mais,
também, com a chegada de mais pessoas que
vieram vê-lo em sua casa, tornou Dubieux a
repetir a mesma saudação, com um entusiasmo de
convicto e correligionário solidário.
Depois, em conversa com essas pessoas que ali se
achavam, Dubieux mostrou-se bastante
contrariado, quando foi comentado entre os
209

mesmos a instalação de um núcleo integralista em


Santana. (ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO
DE SÃO PAULO, prontuário: 4123).

Fora de seu prontuário no DEOPS-SP, encontramos referências


sobre sua vida e estadia na prisão no livro de Vieira (1957). O capítulo
Universidade Popular Maria Zélia cita o professor João Baptista
Dubieux como um dos organizadores das atividades e publica um
poema do cabo Antônio Balota, um dos aluno de João Dubieux. No
capítulo Dirigentes ele é citado como um dos intelectuais que auxiliava
na formação política dos demais presos. E no capítulo Bombas
Lacrimogêneas, João Dubieux é citado como um dos responsáveis pela
tentativa de rebelião em 18 de agosto de 1936, que teve como
consequências:

Estes homens foram levados à Ordem Política [...]


onde foram espancados. Depois do inquérito,
regressaram ao presídio, exceto três considerados
mais responsáveis: Maffei, Wanderlei e Dubieux.
Estes três patriotas iniciaram a greve de fome.
Após longos dias a polícia devolveu-os ao
presídio. (VIEIRA, 1957, p. 159)

Embora tenha cumprido um ano e quatro meses de detenção


durante todo esse período, não houve processo nem julgamento. Após a
sua soltura é que foi remetido um inquérito à DOS, em 20 de abril de
1937; em outubro do mesmo ano, Dubieux foi detido novamente,
ficando preso por três meses. Solto em 1938, sua vida continuou sendo
investigada, sobretudo pela convivência com seu primo Anísio Teixeira.
A última informação no prontuário de Dubieux é um relatório de 15 de
setembro de 1941, indicando que foram verificadas reuniões comunistas
na residência de Anísio Teixeira, na Rua Voluntários da Pátria, com seu
primo Dubieux e outros elementos que tiveram atuação destacada na
propaganda comunista em São Paulo anos antes, porém, estavam então
afastados. O relatório conclui que não foram constatadas atividades
subversivas.

4.4 O CABO

José Constâncio Costa nasceu no Recife em setembro de 1915.


Em seu prontuário no acervo do DEOPS-SP consta que era branco, de
210

cabelos tão louros que lhe renderam o apelido de “Loirinho”, tinha olhos
verdes, estatura média, era solteiro e com formação primaria. Aos 21
anos, quando foi fichado pela polícia, servia o exército no 4° RI.
Seus problemas começaram em 20 de novembro de 1936, quando
foi detido na DOS e transferido 20 dias depois para o Presídio Maria
Zélia. Em 4 de março de 1937, foi emitido um Boletim de Informações a
seu respeito, informando que ele figurava no Registro Geral do Gabinete
de Investigações, com a ordem para que a DOS o processasse por
atividades subversivas. Também em seu prontuário, consta um relatório,
sem data e nem indicação de origem, que o descreve como ex-cabo do
Exército Nacional, funcionário do Partido Comunista, ligado ao
indiciado Waldemar Schultz, responsável por seu pagamento. Fazia
distribuição de boletins subversivos nos quartéis e vias públicas,
procurando doutrinar outros elementos para a causa comunista.
Há informações de que Costa convidou seu companheiro de
quarto, Naurício Maciel Mendes, para aderir à causa comunista dentro
da Força Pública. Naurício Mendes chegou a auxiliar o Partido,
emprestando a importância de 500.000 réis a João Raimondi e escreveu
um manifesto de propaganda subversiva dirigido aos colegas da 2ª
Formação de Intendência. Na residência de Costa e Mendes foram
apreendidos muitos boletins comunistas e escritos subversivos, livros de
“credo marxista”, como A Conquista do Pão e O Extremismo, doença
infantil do Comunismo. Interrogados, ambos confessaram suas
atividades delituosas. José Constâncio declarou:

Que há três meses vem trabalhando com


Waldemar para o Partido Comunista Brasileiro,
sendo até o dia de sua prisão apenas tinha a tarefa
de distribuição de boletins de propaganda que
recebia de Waldemar Schultz, que Waldemar
sempre dizia ao declarante que mais tarde quanto
obtivesse mais traquejo, encarregaria outros
trabalhos, que durante os três meses que trabalhou
para o partido sempre recebeu seus vencimentos
por intermédio de Waldemar, que o livro
comunista apreendido pela polícia em poder do
declarante é de propriedade de Waldemar e se
achava emprestado ao declarante. Que o livro que
acima se referiu é intitulado “Extremismo, doença
infantil do comunismo” da autoria de Lenin. Pelo
declarante foi dito mais que a carta de fls. 138 é
do punho de Naurício Maciel Mendes e foi
211

dirigida ao indiciado João Raimondi, que o


declarante pode afirmar o porque foi o próprio
portador dessa carta. (ARQUIVO PÚBLICO DO
ESTADO DE SÃO PAULO, prontuario: 4632)

A partir apenas das frias fichas de seu prontuário, é muito difícil


compreender o que realmente aconteceu com Costa – inclusive se
realmente ele denunciou seus colegas; e se o fez sem coerção física e
psicológica. Os únicos elementos que ajudam a humanizar a figura de
José Constâncio Costa são duas cartas que escreveu aos seus pais.
Segundo Michel Foucault (1992, p.136) “a carta faz o escritor
‘presente’ àquele a quem a dirige”, relatos de presos políticos nos
trazem a noção de seus sentimentos e ideais quando em situação de
cárcere, deixando suas memórias “presentes não apenas pelas
informações que lhe dão acerca da sua vida, das suas atividades, dos
seus sucessos e fracassos, das suas venturas ou infortúnios; presente de
uma espécie de presença imediata e quase física”. Mesmo quando lidas
décadas depois, ali ainda pulsa a vida.
Como estão no arquivo do DEOPS-SP, deduz-se que as cartas de
José Constâncio nunca chegaram ao seu destino final. A primeira delas,
sem data, informava sobre sua detenção:

Presidio Político Maria Zélia


Queridos pais,
Saudações.
Ficarei bastante satisfeito se receberes esta em
perfeita saúde, juntamente com minha mãe. A
última carta que escrevestes eu não respondi
devido desde 15-11-36, estou preso sob a
acusação de exercer atividades comunistas. De
saúde eu não vou bem, estou um pouco gripado,
minha situação aqui é precária. Espero que
saberão como se deve comunicar a minha mãe,
não sei quando serei posto em liberdade, daqui a
um (1) ou (10), preso estou aprendendo muita
coisa que em liberdade eu não sabia. Mas não tem
nada, isso um dia melhorará e este dia deve ser
breve, sou jovem, 21 anos incompletos. Mas é da
juventude de hoje que está o destino desse mesmo
planeta que se chama Terra. Quanto a minha vida
não tenho medo, eu saberei me defender muito
bem. Se puder mandar alguma coisa para o agora
e para o futuro, mande. Não tenha vergonha de ter
212

um filho preso como comunista, quando eu fui


preso não o era, hoje trabalho para ser o
vanguardeiro da revolução proletária.
Meu endereço é José Constâncio Costa. Presidio.
Político “Maria Zélia”. Avenida Celso Garcia n°
471. Detido. (COSTA, apud ARQUIVO
PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO,
prontuário: 4632)

Apesar de curta, a carta traz alguns elementos sobre este jovem


preso político, que se preocupava em alertar os pais sobre sua situação,
pedindo especial cuidado ao comunicarem o fato a sua mãe, mostrando,
assim, proximidade com sua família residente no Nordeste. Também se
destaca sua crença no futuro, que seria posto em liberdade e teria a
oportunidade de defender a própria vida. Outro elemento a ser destacado
é o fato de ele alegar não ter sido comunista antes de sua prisão, mas que
a partir dela, tornou-se.
Sua segunda carta é mais extensa, contém três páginas inteiras
manuscritas em 10 de fevereiro de 1937. Informava novamente aos pais
sobre sua detenção, alegando ter sido preso “sob o pretexto de exercer
atividades subversivas”. Critica a doutrina dos “apregoadores de Deus,
Pátria e Família”, que ele chama de exótica e incompatível com a luta
pelas liberdades populares. Argumentou sobre a incoerência de estar
preso sem ter cometido nenhum crime, num país que se diz a vanguarda
da democracia.
Comentou sobre a seca no Nordeste, em especial no Ceará, que
chamou de “estado pobre climaticamente e politicamente” porque as
políticas da União, que auxiliavam as famílias produtoras de açúcar e
café durante a crise, não socorriam as vítimas da fome, e “nem eles
poderão gritar porque serão trancafiados e taxados de subverter a ordem
pública”. Também argumentou sobre a situação dos pequenos
produtores de café em São Paulo, que estavam com suas fazendas
hipotecadas em bancos estrangeiros e pagando altas taxas pelas sacas. E
refletiu: “Para onde marchamos? Para a bancarrota! Esta resposta
simples e lógica até um colegial daria. Para saber para onde marchamos,
as pessoas aceleradas, não é preciso conhecer economia política nem tão
pouco materialismo dialético.” (ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO
DE SÃO PAULO, prontuário 4632). Analisou igualmente a política do
país, falando do petróleo em Alagoas, que o departamento de
mineralogia do país informava não existir para defender os interesses da
Standard Oil. Que os mesmos que diziam defender a Pátria, Deus e a
213

Família, vendiam a nação e prendiam os brasileiros que não desejavam a


bancarrota do país, que queriam ver o país “liberto de vez dos
imperialismos estrangeiros, pois de liberto só tem o nome está até os
cabelos enterrados em dívidas e lutam pelas liberdades populares e por
uma verdadeira democracia”. Costa encerrou a carta sem se despedir,
apenas assinando o nome e indicando o presídio.
Ele foi um dos quatro jovens assassinados na fatídica noite de 21
de abril de 1937, não vendo consolidadas suas expectativas de liberdade,
de retorno à família e luta pela própria vida. Foi fuzilado, sem direito à
defesa, rendido e encostado em um muro, sob alegação de defesa
própria e da segurança pública. Um dos assassinos de Costa chegou a
receber homenagens pela disciplina em sua carreira na Guarda Civil.

Para que a engrenagem da tortura funcionasse e


ainda hoje funcione de forma azeitada e produtiva,
foram, e ainda são, necessários muitos elos.
Muitos profissionais como psicólogos, psiquiatras,
médicos legistas, advogados, dentre outros,
respaldaram, e ainda hoje continuam respaldando,
com seus saberes/práticas, os terrorismos de
Estado em diferentes países,
assessorando/produzindo/fortalecendo ações de
exclusão e violência. Através de treinamentos,
específicos ou não, muitos desses profissionais -
assim como muitos de nós, têm tido suas
subjetividades produzidas no sentido de acreditar
na inferioridade e periculosidade de alguns
segmentos sociais, em especial dos considerados
“diferentes” e dos pobres. (COIMBRA, 2001, p.
15)

Ao estudar os aspectos psicológicos da sociedade que forma


torturadores, Cecília Coimbra fornece algumas respostas para
compreender eventos históricos como os assassinatos do Presídio Maria
Zélia. Os torturadores e assassinos de 21 de abril de 1937 não podem ser
entendidos apenas como meros sádicos ou conservadores aplicando
algum tipo de revanchismo. São elementos de todo um sistema que os
aparelha, tanto ideologicamente, psicologicamente como judicialmente,
respaldando suas atrocidades.
Em 26 de julho de 1938, mais de um ano após a sua morte, foi
expedido o mandado de prisão de José Constâncio Costa, pelo juiz
Antônio Pereira do TSN. Em 27 de julho de 1938, foi solicitado que
214

José Constâncio da Costa e Naurício Maciel Mendes fossem transferidos


para a Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro, ficando à disposição
do TSN para o julgamento. Isto ocorreu em julho de 1938, condenando-
os a quatro anos e quatro meses de prisão, segundo os artigos 1 e 4 da
Lei n 38, de 4 de abril de 1935.29 O Boletim de Informação do TSN, de
7 de agosto de 1938, reafirmava que José Constâncio da Costa fora
condenado a quatro anos e quatro meses de reclusão, tendo cumprido
anteriormente quatro meses e quatro dias de prisão. O aparelho
burocrático do TSN ainda não sabia que era tarde demais.

4.5 O DESENHISTA

Naurício Maciel Mendes era cearense, natural de Baturité,


nascido em 28 de outubro de 1916. Solteiro, militar da 2ª Formação
Internacional, ex-cabo, com estudo secundário, tinha olhos e cabelos
castanhos, pele branca e media 1,66 m de altura. Foi fichado pela polícia
aos 20 anos.
Segundo Mauro Mendes Jr. (2009), Naurício era filho de
Francisco Mendes, coletor estadual em Baturité, que foi exonerado pelo
interventor do Ceará, Fernandes Távora, e se mudou com seus sete
filhos para Fortaleza. Ali, Naurício Mendes estudou no Colégio Militar
e, com a ajuda de um ex-professor major, arrumou emprego como
desenhista no Instituto Federal de Obras Contra as Secas. Trabalhar nas
obras para os flagelados da seca de 1932, período no qual montou uma
célula da Juventude Comunista, atrelada à Secção de Fortaleza da
Juventude Internacional Comunista de Moscou (igualmente fundada por
ele e seus primos).

29
A Lei n. 38/1935 estabelece crimes nos quais se enquadrariam José
Constâncio Costa: “São crimes contra a ordem política, além de outros
definidos em lei. Art. 1º: Tentar diretamente e por facto, mudar, por meios
violentos, a Constituição da República, no todo ou em parte, ou a forma de
governo por ela estabelecida; [...] Art. 4º: Será punido com as mesmas penas
dos artigos anteriores, menos a terça parte, em cada um dos graus, aquele que,
para a realização de qualquer dos crimes definidos nos mesmos artigos, praticar
algum destes atos: aliciar ou articular pessoas; organizar planos e plantas de
execução; aparelhar meios ou recursos para esta; formar juntas ou comissões
para direção, articulação ou realização daqueles planos; instalar ou fazer
funcionar clandestinamente estações radiotransmissoras ou receptoras; dar ou
transmitir, por qualquer meio, ordens ou instruções para a execução do crime”
(BRASIL, 1935).
215

Alistou-se como voluntário no Batalhão Ferroviário de Mato


Grosso. No final de 1933, embarcou para São Paulo, em busca de
conexão para Cuiabá. Ao desembarcar no porto de Santos, Mendes
encontrou outro ex-professor do Colégio Militar, o capitão Silva Barros,
que o convenceu a desistir da ida ao Mato Grosso. Ele então se tornou
soldado raso na Segunda Formação de Intendência Divisionária de São
Paulo, no bairro da Barra Funda, sendo, em pouco tempo, promovido a
cabo.
Foi detido em 01 de dezembro de 1936 e intimado a comparecer
na DOP no dia 5 do mesmo mês. Nada declarou em depoimento, sendo
transferido para o Presidio Político Maria Zélia em 21 de dezembro de
1936. Em seu prontuário no DEOPS-SP, há um Boletim de Informações
do Ofício nº 1083, de 4 de março de 1937, no qual consta que Naurício
Maciel Mendes foi identificado, em 25 de abril de 1935, como cabo
militar cooptado para a ação comunista por seu colega de quarto José
Constâncio, que auxiliou pecuniariamente o Partido Comunista,
emprestando 500 mil réis a João Raimondi; além disso, escrevera um
manifesto de propaganda subversiva dirigido aos colegas da 2ᵃ
Formação de Intendência.
No prontuário de Naurício Maciel Mendes também consta a
informação dos boletins subversivos e livros marxistas, como A
conquista do pão e Extremismo, doença infantil do comunismo. Mendes
era descrito como elemento perigoso, por ser considerado cooptador e
divulgador de ideias comunistas. Ele negou ter dado seu apoio à
articulação comunista existente, entretanto, confessou que o manifesto
subversivo era de seu próprio punho. Aliás, isso não adiantaria negar,
visto que a perícia gráfica também constatou sua autoria.
Na noite de 21 de abril de 1937, Naurício Mendes estava entre os
fuzilados no Presídio Maria Zélia, apesar de não ter morrido na hora –
ao notarem que ainda respirava, os guardas lhe deram tantas coronhadas,
que mutilaram sua face e lhe arrancaram uma orelha. Em seguida, foi
levado ao Hospital da Força Pública.
Em nome da subchefia dos inspetores, a DOS expediu para o
Delegado de Ordem Social, em 23 de abril de 1937, o comunicado sobre
o falecimento de Naurício Maciel Mendes, às três horas da manhã,
quando estava internado na enfermaria presídio do Hospital Militar da
Força Pública. A nota também comunicava que em um de seus bolsos
foram encontrados dois esboços de propaganda consideradas
subversivas, com os títulos A situação dos operários nos países
capitalistas é inferior à dos cães e Alto lá, senhores nazistas do Brasil!
(Anexo IV).
216

Seus pais souberam de seu falecimento meses depois, por uma


carta anônima enviada com o recorte de um jornal noticiando a tragédia.
Segundo Mendes (2009), em junho de 1937, a mãe de Naurício recebera
outra carta, informando o local da sepultura de seu filho. Assinada por
Dona Sebastiana, a carta informava que ela e uma moça que namorava
Naurício iam sempre à sua sepultura e levavam flores.
Os textos encontrados em seu bolso após sua morte não eram
assinados, não havendo nos relatórios nenhuma confirmação de sua
autoria. O texto A situação do operariado nos países capitalistas é
inferior à dos cães, era um protesto contra donos de fábricas e empresas,
alegando que eles queriam matar os operários de fome; e quando estes
reclamavam, eram taxados de comunistas, jogados no cárcere e até
mesmo fuzilados. Esse trecho se torna sombrio, com a coincidência
nefasta de sua morte por fuzilamento. O texto justifica seu título com
dados sobre o quanto era gasto com alimentação, salão de beleza e
hospitais para cães norte-americanos, concluindo que os operários dos
países capitalistas estavam morrendo de fome, sem hospitais, sem
diversões, sem escolas, enquanto os animais recebiam conforto. A única
solução era uma revolução.
O texto Alto lá, senhores nazistas do Brasil! fala de uma
olimpíada infantil no Clube Germânia, que o autor definia como nazista.
O texto notava que a prática esportiva em si não tinha problemas, a
contrariedade estava na propaganda do hitlerismo, propagando as
vantagens da disciplina e organização alemãs, e pelo fato de o clube não
ter aceitado a inscrição de vários nadadores do rio Tietê, que estavam
dentro do regulamento. O texto descrevia que a motivação para essa
rejeição se devia à preocupação que os nadadores do rio Tietê
vencessem a competição, contradizendo a “superioridade” alemã
alegada pelos membros do clube. O texto conclui afirmando que o
governo popular não permitiria tais abusos, atuando no sentido de paz e
cultura, não de guerra e destruição, como os fascistas.
Após sua morte, o inquérito contra Mendes prosseguiu na DOP e,
em 22 de julho de 1938, foi proferida sua pena; em 26 de julho de 1938
foi expedido um mandado de prisão contra Naurício Maciel Mendes,
pelo juiz do TSN Antônio Pereira Braga, condenando-o a um ano e nove
meses de prisão celular, em grau médio do art. 10 da lei n. 38 de 4 de
abril de 1935. No dia 22 de agosto de 1938, foi expedido outro mandado
de prisão, pelo desembargador Frederico de Barros Barreto, do TSN. A
burocracia do aparato jurídico prosseguia sem a informação da morte de
Naurício Mendes. Em 24 de agosto de 1938, a secretaria do TSN
expediu um comunicado ao Secretário de Segurança Pública de São
217

Paulo, confirmando a sentença de um ano e nove meses de Naurício


Mendes, assinado pelo presidente do TSN Frederico de Barros Barreto.
Como visto no segundo capítulo, nenhum dos responsáveis pela morte
de Naurício Maciel Mendes foi preso.

4.6 O BANCÁRIO POETA

Há muitas informações sobre a vida de Augusto Pinto, antes de


sua ida para o Presídio Maria Zélia, na obra Maria Zélia, de Antônio
Vieira (1957). Contudo é importante atentar para o fato que o autor
descreve Augusto Pinto a partir de uma visão romantizada, tratando-o
como um herói que se tornou mártir. No arquivo do DEOPS-SP, seu
prontuário possui relatórios sobre sua participação em atividades
consideradas subversivas. Nos periódicos, encontra-se seu nome citado
em diversas reportagens sobre o massacre, sobretudo pelas denúncias
feitas por sua mãe.
Augusto Pinto nasceu no dia 6 de novembro de 1911, em São
Paulo, filho do negociante brasileiro Duarte Pinto e da russa Nathalia
Schmitd Pinto. Estudou no Liceu Nacional Rio Branco, até seu pai
adoecer e ser internado em Campos do Jordão. Em 1928, abandonou os
estudos e começou a trabalhar, passando a ser, aos 16 anos, responsável
por ajudar a mãe a custear o tratamento do pai e as contas da casa.
Segundo Vieira (1957), Augusto Pinto foi trabalhar na Firma
Carnaíba e Formigas, na função de caixa, recebendo 300 mil réis
mensais. Como a renda ainda era pouca para as despesas da família, se
candidatou para uma vaga de chefe de correspondente de empresa, na
companhia Barros & Cia., com salário de 800 mil réis e gratificação
anual. Conseguiu a vaga e teve suas primeiras desilusões com o abuso
patronal: receberia metade do salário prometido, sem a gratificação ao
final do ano. Quando seu pai faleceu, em 1930, seus chefes baixaram
seu salário, sob a alegação de que não mais precisaria pagar as despesas
médicas do pai.
Ainda em 1930, Augusto Pinto passou a trabalhar como
secretário no Jornal de Santo Amaro, no qual publicou diversos poemas
e crônicas de cunho romântico. Vieira (1957) relata que, entre 1930 e
1934, ele demonstrava preocupações apenas por questões amorosas. Em
1932, Augusto Pinto participou da Revolução Constitucionalista,
servindo na Companhia Isolada de Santo Amaro. Em seu prontuário no
DEOPS-SP e jornais que noticiaram sua morte, consta que, no momento
de prisão, ele era bancário, funcionário público da Caixa Econômica;
218

contudo não se encontram outras fontes com essa informação. Em 1935,


ele começou a tomar consciência dos abusos sofridos em seus empregos
anteriores, através da amizade com um rapaz apelidado de “Vagalume”,
que o fez questionar os interesses por trás da Revolução de 1932. Ele
passou a contribuir com artigos políticos para o jornal Classe Operária.
Augusto Pinto tinha 24 anos quando foi fichado pela DOS. Em
sua ficha consta que era branco, de olhos e cabelos castanhos, solteiro,
com 1,67 m de altura, possuía o ensino secundário e era funcionário
público federal. Estava entre os 21 indiciados por prepararem um
atentado extremista. Eram todos comunistas, que trabalhavam em
organizações de núcleos distritais da extinta ANL e faziam propaganda
de “credo vermelho”. Com eles, foram apreendidas armas, munições e
bombas. O relatório alegava que, após o movimento armado de
novembro, os comunistas que ficaram em liberdade em São Paulo
retomaram seus trabalhos de cooptação e conspirações, para pôr em
prática a revolução comunista. No mesmo relatório, foi citado que, em
22 de janeiro de 1936, foram detidos, no momento em que se reuniam
clandestinamente, cinco indivíduos, entre eles Augusto Pinto, descrito
como figura influente na ANL; que esses indivíduos eram fervorosos
marxistas e estavam tramando a reorganização do núcleo comunista no
Cambuci e uma greve dos comerciantes de São Paulo. O relatório
acusava que em posse de Augusto Pinto estava um revolver oxidado, e
que todos resistiram à prisão.
Após sua prisão, é possível notar certo protagonismo de Augusto
Pinto nas atividades desenvolvidas dentro do Presídio Maria Zélia.
Vieira (1957) o descreve como um dos organizadores das atividades
intelectuais da “Universidade Maria Zélia”. Santos (1948) descreve
Augusto Pinto como um dos líderes comunistas dentro do presídio, que
tomou a frente na organização da fuga que culminou em sua própria
morte.
Após ter sido enviado ao Presídio Maria Zélia, seu prontuário no
DEOPS-SP indica uma ordem do Delegado de Ordem Social, Venâncio
Ayres, para que os carcereiros entregassem a Augusto Pinto a quantia de
50 mil réis e um tubo de pasta de dentes, deixados na delegacia por sua
mãe, Nathalia Pinto. Esta sempre se mostrou presente durante a prisão
de seu filho. Com sua morte, lutou bravamente para que fosse feita
justiça, divulgando nos jornais o ocorrido, o estado em que entregaram o
corpo de seu filho, depois de sua insistência, mesmo sob ameaças da
polícia.
Segundo os diversos relatos de testemunhas denunciando os
eventos da noite de 21 de abril de 1937, Augusto Pinto foi selecionado
219

propositalmente para ficar entre os presos que foram fuzilados, pois os


policiais o tinham como uma incômoda liderança dentro do presídio. Em
seu prontuário, consta em papel timbrado da DOPS a inscrição de sua
lápide:

Nasceu em 6-11-1911 – Guiado por um sublime


ideal, ele amou a humanidade, ele cultuou a
Justiça e a Verdade. Encarcerado no Presídio
Maria Zélia, foi massacrado pela Polícia de São
Paulo na noite sinistra de 21-4-1937. Oxalá que a
Humanidade possa compreendê-lo um dia. Ao
Mártir, a comovida homenagem de sua mãe e de
sua irmã. (ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO
DE SÃO PAULO, prontuário: 933)

Esta última homenagem de sua mãe foi considerada subversiva e


foi arrancada por ordem do delegado Juvenal de Toledo Ramos, efetivo
do DEOPS-SP.

4.7 O MILITAR

No texto O relato biográfico como fonte para história, Marly


Motta (2000, p.22) trata os relatos biográficos como fontes históricas
importantes para compreender “o complexo processo de reconstrução do
passado, onde se cruzam a memória coletiva e a memória individual”. A
obra A Marcha Vermelha, de Davino Francisco dos Santos, sua
autobiografia, demonstra essa reconstrução do passado. Publicado em
1948, a partir de cadernos de anotações do autor, o livro relata sua
história pessoal mesclada à história coletiva do período abordado nesta
pesquisa.
Em meio à história de sua origem, construção familiar, trabalho e
as diversas vezes em que foi preso, Santos demonstra como ocorreu sua
formação ideológica. Desde jovem, tinha interesse em acontecimentos
políticos, passando pela leitura de livros marxistas, sua entrada no PCB,
o aprofundamento de suas convicções comunistas, até seu
desencantamento com os companheiros do partido, seu desligamento e
as diversas denúncias do que considerava imoral na prática de diversos
membros do PCB.
Percebe-se em Davino dos Santos o que Motta (2000, p. 10)
descreveu como “a procura de maneiras de distinguir o homem na
sociedade, o reconhecimento da liberdade individual de escolha, e a
220

confrontação entre sociedade e indivíduo na fixação de valores,


convergiram para a necessidade da busca do ‘eu’.” Ele descreve seu
descolamento do meio em que vive, tanto quando está servindo no
exército, quanto quando está militando no PCB. Não se reconhece
como parte da repressão que os militares representam, assim como não
se reconhece em meio aos membros do PCB, construindo através dessas
vivências a sua individualidade.
Davino Francisco dos Santos nasceu em Jacobina, Bahia, no dia 2
de dezembro de 1909, filho de agricultores. Entrou para o Tiro de
Guerra aos 15 anos e para o Esquadrão de Cavalaria aos 16, encarregado
de limpar as cocheiras. Gastava parte do seu salário comprando os
jornais O Imparcial e A Tarde, pois lê-los diariamente era seu grande
prazer. Em seus relatos, nota-se seu interesse por leituras
questionadoras do sistema vigente. Ao longo da biografia, Santos (1948)
demonstra que a miséria na qual a família vivia sempre o levou a
questionar o sistema, o que torna compreensível sua identidade com o
Partido Comunista.
Após seis meses de serviço na Cavalaria, um amigo lhe sugeriu ir
para São Paulo, para ser praça, já que na Bahia havia excesso de rapazes
querendo servir, e o exército não possuía tantas vagas. Ele já havia sido
rejeitado em duas tentativas de servir, por excesso de contingente. Como
em São Paulo faltavam praças, pois havia tropas paulistas na Bahia
procurando Prestes, Santos se candidatou à Força Pública de São Paulo.
Embarcou em um navio até o Rio de Janeiro e, de lá, num trem até São
Paulo, com mais de trezentos outros voluntários. Ao fim do mesmo ano
já era cabo. Casou-se em 1930, teve sua primeira filha em 1931 e foi
promovido a sargento em 1932. Santos demonstra que o exército
formava contingentes de soldados motivados pela busca de condições
para uma vida digna, não por um real sentimento de servir a pátria.
Sobre a Revolução Constitucionalista de 1932, Davino Santos
(1948) alegou que, como se mostrara favorável à Revolução de 1930 e
contrário aos ideais constitucionalistas, só foi convocado quando não
havia mais alunos-oficiais para seguir no campo de luta. Tornando-se
tenente pela emergência do cargo em meio ao conflito, alegou: “eu me
sentia mal com os galões de tenente nos ombros, dados por uma causa
que eu era contra” (SANTOS, 1948, p. 55). Quando chamado para a
frente de combates, se recusou a ir e foi preso, em 11 de agosto de 1932,
no mesmo ano em que nasceu seu segundo filho.
Em 1934, notou que os jornais publicavam notícias sobre o
comunismo constantemente; as livrarias começaram a expor em suas
vitrines obras de teóricos comunistas do mundo todo; o jornal A Plateia
221

publicou uma coluna especial, na primeira página, sobre teorias


marxistas e leninistas. Santos afirmou que, até então, não entendia sobre
o comunismo, apenas percebia que a imprensa sempre estava contra os
comunistas, sem dar-lhes o direito de defesa, o que lhe causava dúvidas
sobre as acusações. Declarou que tinha um interesse em causas
humanistas e por isso lia livros ligados a ideias marxistas. Quando lia
um livro chamado Rússia30, na metade de 1934, encontrou-se com o
cabo Mar, ex-colega de curso da Escola de Cabos. Por conta do livro
que carregava, Mar falou que lhe apresentaria um “vermelho”. Embora
Santos tenha respondido não ter interesse, quinze dias após essa
conversa, o amigo do cabo se apresentou a Davino dos Santos e disse
que gostaria de conversar. O rapaz, com o codinome de Tupi (se tratava
de João Raimondi), entregou alguns escritos para que Santos lesse e
recomendou que os repassasse apenas a algum amigo de confiança. Os
papéis eram reivindicações de soldados e operários, assinados pelo
Partido Comunista do Brasil, Seção da Internacional Comunista. Após
lê-los, Santos queimou-os. Mas continuou a encontrar-se com Mar e
Tupi, que continuaram a lhe fornecer boletins do PCB. Davino Santos
refletia sobre aquele momento:

[...] ao lado da vontade de recuar daquela posição


perigosa, marchava o desejo de construir algo de
bom e duradouro para todos os deserdados da
fortuna e acabar com o enorme desequilíbrio entre
o pobre e o rico. Às vezes, eu me perguntava
interiormente se eu me esquecera de minha
origem paupérrima, de meus infelizes parentes
que curtiam lá no sertão baiano as amarguras da
pobreza (SANTOS, 1948, p. 77).

Em 1935, com 25 anos e já pai de quatro filhos, mergulhou de


vez nesse território proibido e tão perseguido, ao escrever um artigo, a
pedido de Tupi, para o jornal A sentinela, além de filiar-se oficialmente
ao Partido Comunista. Logo a repressão deu resposta às suas escolhas, e
no dia 2 de dezembro de 1936, Davino Francisco dos Santos foi preso

30
O nome completo do livro era Rússia: impressões de viagem, de 1931, escrito
por Maurício Campos de Medeiros, deputado do Rio de Janeiro que teve o
mandato interrompido pela Revolução de 1930. Passou um mês na União
Soviética e, ao retornar, escreveu o livro. Foi acusado de ser simpático ao
sistema comunista e preso pelo chefe da polícia, João Batista Luzardo.
222

na Delegacia de Ordem Política. Depois de três semanas, no dia 21 de


dezembro de 1936, foi levado para o Presídio Maria Zélia.
Sobre o local, Davino Francisco dos Santos o descreveu com um
andar gigantesco, no qual havia cerca de 400 homens, todos de
esquerda. Santos foi colocado no xadrez “A”. Descreveu que no térreo,
ficavam a diretoria, seções administrativas, a cozinha e um
destacamento da Guarda Civil. “O andar superior, que nos retinha, era
como um descomunal caixão de cimento armado” (SANTOS, 1948,
pp.148-149). Seu alojamento era tido como “prisão dos burgueses. Ali
moravam doutores, contadores, oficiais, capitalistas e alguns sitiantes
espanhóis da zona paulista de Nova Granada” (SANTOS, 1948, p. 149).
Quirino Pucca ali estava. Além dessa divisão social nos xadrezes,
Santos também descreveu uma segregação quanto aos membros da
ANL, que não eram membros do PCB:

A grande maioria dos detidos pertencia à Aliança


Nacional Libertadora e não era comunista. No
entanto, o Partido Comunista ossificado ali dentro,
exercia sua ditadura velada sobre todos. Os
membros do Diretório da Aliança que não fossem
comunistas, ficavam sempre à mercê da outra
parte, que fazia e desfazia o que entendesse da
Aliança a seu bel prazer. Havia de um lado os
grupos aliancistas, nos quais se achavam todos os
membros do Partido no Presídio. E de outra
banda, de maneira “secreta”, existiam,
separadamente, as células do Partido. Os pobres
aliancistas estavam para os comunistas, como bois
de guia estão para o carreiro. (SANTOS, 1948,
p.158)

A condição de sua família piorou muito em 31 de janeiro de


1937, quando Davino foi expulso das fileiras da Força Pública, deixando
sua esposa e seus quatro filhos na miséria (o mais velho tinha apenas
cinco anos). A esposa rifou todos os seus livros, amortizando parte do
empréstimo tomado do proprietário do terreno e da sua casa, e passou a
trabalhar formalmente. A família recebia 50 mil réis por mês, como
ajuda do Socorro Vermelho.
Sobre a tentativa de fuga e os assassinatos ocorridos em abril de
1937, Santos relatou ter sido responsável, juntamente com Castro
Corrêia, Oscar Reis, Naurício Mendes e Vicente (não citou seu
sobrenome) para ir à frente, avaliar a situação e indicar caminhos. Os
223

cinco atravessaram o buraco feito pelos presos, acessando uma escada


que dava em um pátio, no térreo do edifício. Santos decidiu retornar até
o buraco, para ajudar os demais companheiros. Soube que dois já
haviam saído e não tinham ido para o lugar indicado.
Ele ajudou todos os presos que participaram da tentativa de fuga
a saírem pelo buraco e seguiu até a porta do pátio, onde se reuniram 30
presos. Ele, Castro Correia e Vicente, rentes ao chão, foram até o meio
do pátio, quando perceberam que já havia diversos presos atrás deles,
sem sequer se abaixarem. Logo se ouviu o som do primeiro tiro. Alguns
retornaram para a escada, outros foram para o muro do pátio.
Juntamente com Augusto Pinto, Davino dos Santos resolveu seguir em
frente, chegando a um banheiro, onde alguns presos haviam se
escondido, quando um guarda apareceu ameaçando atirar se eles
avançassem. Santos avançou, outro guarda o rendeu e o levou para a
frente do presídio, onde foi revistado e levado para a sala do carcereiro.
Ali, ficou observando a chegada de grupos de presos. Segundo Santos,
todos estavam deitados no chão, sob a mira de uma metralhadora,
quando ouviu o tenente Pantaleão afirmar, ao telefone, que havia alguns
mortos. No dia seguinte, Laudelino de Abreu começou o inquérito, e só
então souberam dos quatro mortos, dois feridos gravemente e dois que
realmente fugiram.
Santos refletiu sobre João Varlota, que assim que chegou ao
presídio, foi caluniado para o Comitê Regional, que emitiu uma nota de
expulsão. Mas Sebastião Francisco, um dos líderes do partido dentro do
presídio, reabilitou-o, o que Santos (1948, p.191) lamentou: “Se Varlota
continuasse a ser ‘traidor’, não teria saído na fuga. Estaria vivo ainda
hoje?”. Em seguida, relatou:

Em junho de 1937, minha mulher foi ao Rio de


Janeiro, com mais duas senhoras, falar com o sr. J.
C. de Macedo Soares, Ministro da Justiça, sobre a
liberdade dos presos. Naquela Capital, as solturas
dos presos políticos começaram muito antes das
de São Paulo. (SANTOS, 1948, p.191).

Como resultado, em 15 de julho de 1937, foi posto em liberdade.


Em março de 1941, foi preso novamente, na Casa de Detenção, acusado
de organizar um novo comitê do PCB no Mato Grosso. Em dezembro,
foi transferido para o presídio de Fernando de Noronha; em fevereiro de
1942, para o presidio Colônia de Dois Rios, na Ilha Grande, no Rio de
Janeiro. Em 30 de setembro de 1942, escreveu uma declaração se
224

desvinculando do PCB e enviou cópias para membros do partido, para


Secretaria de Segurança Política e Social do Rio de Janeiro e de São
Paulo. Retornou para a Casa de Detenção em São Paulo em 1943, onde
permaneceu até a anistia, em 1945. Após publicar a obra A Marcha
Vermelha, Davino Francisco dos Santos conseguiu retornar ao quadro
da Força Pública, sendo exonerado em 1966, acusado de desvio de
verbas. Conseguiu provar sua inocência apenas em 1986. Faleceu aos 88
anos de idade, em fevereiro de 1998.
225

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A existência do Presídio Maria Zélia esteve ligada ao estado de


exceção do país após os levantes de novembro de 1935. No dia 26 de
novembro de 1935, pelo Decreto n. 457, Getúlio Vargas instaurou o
estado de sítio, por 30 dias, com respaldo da maioria do Congresso. Ao
término dos 30 dias, um novo decreto prorrogou-o por mais 90 dias. Em
21 de março de 1936, foi assinado o decreto n.702, que instaurou o
estado de guerra, por mais 90 dias, prorrogado por mais 90 dias.
Assim, entre o fim do Governo Provisório e o golpe que instaurou
o Estado Novo, o chamado Governo Constitucional teve pouco mais de
um ano de abertura democrática, permanecendo em um estado de
exceção sistematicamente prorrogado. Um breve período de abertura
política, entre 18 de junho e 2 de outubro de 1937, ocorreu por pressão
do poder Legislativo para que se organizassem eleições no país. Esse
período possibilitou que o então ministro da Justiça, José Carlos de
Macedo Soares, decretasse a libertação de centenas de presos políticos
no país, no episódio que ficou conhecido como “macedada”. Mesmo
assim, o Presídio Maria Zélia continuou ativo. Como visto, em diversas
notícias de jornais e em algumas denúncias na Assembleia Legislativa
de São Paulo, a liberação dos presos se deu esparsamente, ao longo de
meses, após forte pressão de familiares, que denunciaram à imprensa, à
Assembleia Legislativa de São Paulo e ao Ministério da Justiça, que,
enquanto diversos presos políticos sem culpa formada foram postos em
liberdade, o mesmo não ocorria no Presídio Maria Zélia.
O complexo funcionamento político do país, no período
denominado Governo Constitucional, regeu as práticas repressivas que
conduziram a existência e funcionamento do Presídio Maria Zélia. Além
do estado de exceção, foi instituído durante o Governo Constitucional: a
Lei de Segurança Nacional, a Comissão Nacional de Repressão ao
Comunismo e o Tribunal de Segurança Nacional.
Cabe destacar que a Lei de Segurança Nacional, criada em 4 de
abril de 1935, dentro do período democrático, antecedeu as sucessivas
declarações de estado de exceção. Demonstrando que o cenário em que
ocorreu a abertura do presídio, foi o ápice de um embate político que já
estava presente no país, entre um governo autoritário e iniciativas que o
questionavam, sobretudo a Aliança Nacional Libertadora e o Partido
Comunista. Essa conjuntura marcada pelo autoritarismo, antes do
Estado Novo, vinha na esteira de um contexto de eventos mundiais com
226

forte influência de movimentos fascistas europeus no período entre


guerras.
Assim, com repressão a operários, sobretudo imigrantes, que já
ocorria desde a década de 1920; o projeto autoritário de governo,
instalado no país com a tomada de poder por Getúlio Vargas; os
levantes de novembro de 1935; e o apoio do governador Armando de
Salles Oliveira, que exercia as mesmas práticas de repressão política que
o governo federal, estabeleceu-se um cenário que possibilitou a
existência do Maria Zélia. Presídio com um modelo incomum: uma
estrutura improvisada numa fábrica, centenas de presos políticos sem
julgamento, uso constante de violência policial e assassinatos
promovidos pela polícia deliberadamente, no meio da cidade de São
Paulo.
A Revolução de 1930 deu início às movimentações políticas que
embora tenham ocorrido em um curto espaço de tempo, provocaram
consequências profundas. A tomada de poder varguista gerou
insatisfações nas antigas oligarquias que perderam espaço, mas também
em aliados, tanto no grupo armandista, quanto nos tenentistas. Em
paralelo ocorria um aumento dos ideais comunistas, espalhados em
sindicatos, no PCB e na ANL, que fortaleceram a oposição ao governo.
Os resultados vieram tanto na Revolução Constitucionalista, como nos
Levantes de novembro de 1935.
Fruto desses embates, o Presídio Maria Zélia foi o espaço onde
eram despejados os indesejados no meio político, abarcando todos tipos
de indivíduos, de diversos níveis educacionais, culturais, políticos e
financeiros. Que possuíam em comum a denúncia policial de
representarem uma ameaça à ordem política do país, por praticarem atos
subversivos, independente de tais denúncias corresponderem ou não à
verdade. Como vimos ao longo dessa pesquisa, diversos presos ficaram
detidos meses e depois foram soltos, sem que se quer fosse aberto um
processo criminal contra eles. Alguns presidiários desconheciam o que
era o comunismo e mesmo assim foram presos acusados de praticarem
tal ideologia. Pois, o anticomunismo era muito mais que o combate ao
comunismo, era a justificativa para praticas de repressão a todos
inimigos do governo, para o controle de movimentos sociais, sobretudo
de movimentos operários. Em suma era o argumento para justificar um
governo autoritário cometer abusos e desmandos à vontade, em nome do
combate a uma ameaça que nunca apresentou um risco real a ordem
constituída.
O cenário de perseguição ao comunismo que se instalou no país
após novembro de 1935 favoreceu Vargas politicamente. Ele fez uso de
227

uma polícia violenta, que prendeu, torturou e assassinou inocentes, em


nome de uma “limpeza do credo vermelho” no país. Embora tenha
colhido os frutos positivos dessas ações, como a imagem de um
presidente que mantinha a ordem no país, deixou que as denúncias de
abusos da violência policial recaíssem sobre Filinto Müller, por meio de
jornais situacionistas que nomeavam o Chefe da Polícia do Distrito
Federal como o responsável pelas barbáries. Embora houvesse
evidências31 de que Vargas tinha conhecimento da violência com a qual
eram tratados seus opositores, incluindo senadores e deputados que
foram depostos, a má reputação de tal violência não respingou em sua
imagem.
Essa “invisibilidade” que Vargas conseguia manter, com raros
casos de denúncias ligando seu nome à violência policial, também
ocorreu com os eventos ligados ao Presídio Maria Zélia. Após o excesso
de violência no presídio, que resultou na morte de quatro presos,
Armando de Salles Oliveira saiu prejudicado, com a sua candidatura
manchada, quando diversos jornais e políticos o culparam pelos
assassinatos e o acusaram de antidemocrático – fama que não atingiu
Getúlio Vargas.
Muitos jornais que noticiaram o massacre eram situacionistas, e
os deputados que denunciaram o massacre na Assembleia Legislativa de
São Paulo eram membros do PRP. Embora houvesse violência sistêmica
em presídios políticos de todo o país, a denúncia sobre o Presídio Maria
Zélia vinha com interesses políticos de minar a candidatura presidencial
de Salles Oliveira. Este também foi responsável pela violência
institucional no presídio, embora não mais ocupasse o cargo de
governador quando ocorreu o massacre, já que renunciara meses antes
para concorrer à eleição presidencial. Mas Oliveira era governador
quando o presídio foi instalado e quando os abusos de autoridade foram
denunciados na imprensa. Embora a imprensa de oposição ao Partido
Constitucional tenha acusado Armando de Salles Oliveira de ser
responsável pela violência no presídio, devido a motivações políticas
partidárias, Oliveira realmente tinha responsabilidades sobre o cenário
autoritário e repressivo no estado de São Paulo que culminou no
massacre do Presídio Maria Zélia.
Quando se realiza um estudo histórico sobre o funcionamento dos
presídios no Brasil, percebe-se que os maus tratos aos presos

31
Segundo Cancelli (1999), Vargas se reuniu com a chefia policial inúmeras
vezes e criou verbas suplementares para a ampliação do aparato de repressão ao
comunismo, chegando a contratar consultorias internacionais.
228

permanecem, desde o período colonial até o início da República e,


posteriormente, no período Vargas. Alguns dos fatores em comum são
falta de higiene, de condições sanitárias, atendimento precário de saúde,
alimentação inadequada e agressões. Durante o período Vargas, a
repressão esteve direcionada aos presos políticos de forma mais
acentuada que nos períodos anteriores.
Quando são analisadas as mudanças que ocorreram com a
implantação da Primeira República e com a Revolução de 1930,
percebe-se que o sistema carcerário brasileiro seguiu uma lógica
histórica, que, mesmo reconhecendo por lei a necessidade de
modernização e a caracterização do sistema prisional como recuperador,
na prática, não atingiu esses objetivos. Sobretudo nos presídios
políticos, que tinham um claro caráter punitivo, por questões de ordem
ideológica.
Da mesma forma, o modus operandi da polícia não se
modernizou nem sofreu uma ruptura profunda correspondente às
modificações no cenário político. Assim, mesmo que a prática de tortura
e a pena de morte tivessem sido abolidas, continuaram acontecendo
dentro das cadeias. A legislação penal mostrou mudanças, tornando-se
progressivamente mais repressiva em relação à segurança nacional e
ampliando o significado de segurança nacional. Percurso coerente com a
política autoritária e nacionalista que foi instalada no país, a partir de
1930.
Como representante do Partido Democrático, Salles Oliveira se
posicionou a favor do governo Vargas, fazendo oposição ao PRP, que
representava a continuidade da oligarquia paulista no poder, rompida
pela Revolução de 1930. Essa frágil aliança se desfez no início do
Governo Provisório, quando Vargas desprezou o interesse do PD em ter
um interventor do partido à frente de São Paulo. Com a aliança desfeita,
o PD uniu forças com seu inimigo histórico, o PRP, formando a Frente
Única Paulista, numa oposição contra o Governo Provisório que levou a
uma revolta armada em 1932. Embora os paulistas tenham sido
derrotados na Revolução Constitucionalista, o número de mortos,
feridos e de indenizações que o governo federal teve que pagar aos seus
soldados alterou as relações entre Vargas e os paulistas.
Como visto em diversas falas em seu diário, Vargas possuía
interesse apenas em acalmar os ânimos para que São Paulo não se
transformasse em empecilho ao seu projeto de governo. Por isso, após a
Revolução Constitucionalista, considerou menos danoso nomear
Armando de Salles Oliveira como interventor. Retomava, dessa forma,
sua aliança com o PD, desfazendo a FUP e enfraquecendo a oposição
229

dos paulistas. Ao mesmo tempo, reacendia as velhas disputas entre PRP


e PD.
Com a Constituição de 1934, ocorreu uma breve abertura
democrática no país, o que gerou um incômodo a Vargas, pois retirava o
controle autoritário e ditatorial que o Governo Provisório mantinha
(conforme as palavras do próprio Vargas e as de Francisco Campos).
Esse incômodo foi logo resolvido, com a aprovação da LSN e, depois,
com o retorno do estado de exceção. O Estado fora aparelhado para
reprimir opositores que se enquadravam no amplo conjunto de
significados do anticomunismo. Contudo, havia opositores
conservadores, como o próprio Armando de Salles Oliveira, que ainda
não se enquadrava como um inimigo da nação, mas representava um
perigo à continuidade no poder de Vargas. Sobretudo quando Oliveira se
candidatou à eleição presidencial, que deveria ocorrer em 1938, e
recebeu apoio de Flores Cunha. O problema foi resolvido com o golpe
do Estado Novo.
A partir das questões que regeram esta pesquisa, consegui
identificar algumas peculiaridades do período político e do Presídio
Maria Zélia. Embora os Levantes de novembro de 1935 tenham sido o
fator desencadeador da instalação do presídio, a questão que pairava,
inclusive nos jornais do período, se referia aos motivos da repressão em
São Paulo, visto que os levantes não ocorreram no estado. O projeto
varguista compreendia as organizações políticas de esquerda, como
uma ameaça a ser combatida. A visão encontrava apoio de todos os
políticos conservadores do país; no caso de São Paulo, ambos os
partidos, PRP e PD, compartilhavam essa premissa.
O PCB e a ANL eram representantes mais evidentes dessa
ameaça a ser combatida, mas atividades sindicais e organizações
trabalhistas em geral eram vigiadas e controladas, para que não
representassem uma ameaça ao poder conservador que regia a política
nacional e estadual. Portanto, embora os levantes não tenham ocorrido
em São Paulo, representavam uma ameaça de sublevação espalhada pelo
país, já fortemente atacada, sobretudo com a prisão de membros da
ANL. Caio Prado Jr., um de seus fundadores, preso no Presídio Maria
Zélia é um dos exemplos a indicar que a repressão foi uma forma de
manter o poder, de maneira antidemocrática e que ia além dos eventos
de novembro de 1935.
Percebe-se que o grupo armandista, apesar de ter tido uma breve
aproximação com o PCB, por meio de Paulo Duarte, defendia uma
política conservadora e de combate ao comunismo. Era coerente com a
violência comandada pela polícia paulista, tanto dentro do Presídio
230

Maria Zélia quanto no DEOPS. Demarca-se, assim, um fator em comum


entre os governos de Getúlio Vargas e Armando de Salles Oliveira, que,
como tratado no terceiro capítulo, travaram uma disputa pelo poder,
representando dois projetos autoritários de governo para o país. O
primeiro nunca deixou de sofrer as consequências de não ter se
estabelecido democraticamente, sendo marcado por conflitos e usando
do autoritarismo para se perpetuar. O segundo viu na Revolução de
1930 a chance de afastar o PRP, seu antigo inimigo político, da frente
dos governos estadual e nacional, mas levou anos para conseguir a
interventoria de São Paulo, tendo que concretizar alianças ora com
Vargas, ora com o PRP, para alcançar espaço na tumultuada vida
política do país.
Em relação ao resultado final dessa disputa pelo poder, podemos
considerar que o projeto varguista saiu vitorioso, ao dar um golpe de
estado, afastando seus inimigos, a partir de então não apenas
representados por comunistas, mas também por antigos aliados, como os
integralistas e o próprio Armando de Salles Oliveira, que foi exilado. No
entanto é importante ressaltar que Oliveira mantinha uma política de
repressão com elementos autoritários, demonstrando que seu liberalismo
era mais retórico do que real. Seus momentos de aproximação com
Getúlio Vargas revelam que havia muitas similaridades entre as
motivações políticas de ambos, levando a supor que, caso Armando de
Salles Oliveira chegasse à presidência, não apresentaria mudanças
substanciais em relação às práticas do governo vigente.
Tudo isso deixou como rastro torturas e assassinatos de diversas
pessoas, algumas, totalmente inocentes, outras culpadas por almejarem
mudanças políticas no país. O Presídio Maria Zélia foi uma
demonstração clara de que essa política elitista, conservadora e
autoritária deixou vestígios de barbárie na população. Cabe à história
deixar que as memórias desses presos políticos não caiam em
esquecimento nem sejam silenciadas, pois a partir delas é que foi
possível ter uma compreensão da repressão praticada, não só contra eles,
como também contra suas famílias, muitas vezes privadas de seus
arrimos, passando por necessidades, sem qualquer respaldo do governo
comandado pelo “pai dos pobres”.
O Presídio Maria Zélia, embora tenha sua história particular,
também foi uma peça no cenário nacional, durante um período de
disputas pelo poder. Serviu como ferramenta política de repressão,
apartando da sociedade vozes que ameaçavam a estabilidade do poder
autoritário vigente.
231

FONTES
Decretos e Leis

BRASIL. Código Criminal do Império do Brasil (1830). Lei de 16 de


dezembro de 1830. Manda executar o Código Criminal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-16-12-1830.htm.
Acesso em 10 de setembro de 2015.

BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados


Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 1891. Disponível em :
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao91.htm.
Acesso em 10 de setembro de 2015.

BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados


Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 1934. Disponível em
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Acesso em 10 de setembro de 2015.

BRASIL. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do


Brasil. Rio de Janeiro, 1937. Disponível em
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Acesso em 10 de setembro de 2015.

BRASIL, Decreto nº 17.999, de 29 de novembro de 1927. Providencia


sobre o Conselho da Defesa Nacional. Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-17999-
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01 de setembro de 2014.

BRASIL, Decreto nº 19.398, de 11de novembro de 1930. Institue o


Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, e dá
outras providencias. Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19398-
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10 de janeiro de 2017.

BRASIL. Decreto nº 19.482, de 12 de Dezembro de 1930. Aprova o


regulamento para execução do art. 3º do decreto n. 19.482, de 12 de
dezembro de 1930. Disponível em:
232

http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19482-
12-dezembro-1930-503018-republicacao-82423-pe.html. Acesso em:
12/10/2015

BRASIL, Decreto nº 19.684, de 10 de fevereiro de 1931. Promulga os


dispositivos disciplinares da Comissão Legislativa. Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/ legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19684-
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janeiro de 1935, p.3

A LEI de Segurança Nacional. Correio da Manhã. Rio de Janeiro. 23 de


janeiro de 1935, p.3

A REPRESENTAÇÃO dos presos políticos de S. Paulo ao Ministro da


Justiça – Uma carta ao diretor do imparcial. O Imparcial. Rio de
Janeiro, 21 de fevereiro de 1937, p.7
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A VOZ ao Povo. O Imparcial. Rio de Janeiro, 8 de setembro de 1937,


p.7

ALMEIDA, Oswaldo M. Maria Zélia o presídio macabro. O Imparcial.


Rio de Janeiro, 25 de abril de 1937, capa

CONCLUÍDO o inquérito relativo a evasão dos presos politicos em São


Paulo. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro,11 de junho de 1937, p.11.

CONSCIENCIAS liberaes do Brasil- Attenção! O Imparcial. Rio de


Janeiro, 18 de junho de 1937, p11.

DESVIO de mercadorias do presidio Maria Zélia. Correio Paulistano.


São Paulo, 20 de abril de 1941, p.7

EGAS Botelho, que fizeste de meu filho? O Imparcial. Rio de Janeiro,


30 de maio de 1937, p.13.

EU PROIBO. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 1935, p.6


EVASÃO sangrenta do presídio ‘Maria Zélia’. Correio Paulistano.
São Paulo, 23 de abril de 1937, capa.

EXTREMISMO. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 25 de janeiro de


1935, p.4

FOI proibido o comício de integralistas no Rio Grande. O Imparcial.


Rio de Janeiro, 24 de julho de 1935, p.01

JÁ ERA tempo! O Radical. Rio de Janeiro, 25 de julho de 1937, p.2


MARIA Zélia, o presídio macabro! O Imparcial. Rio de Janeiro, 5 de
maio de 1937, capa.

NA BASTILHA armandista. O Imparcial. Rio de Janeiro, 25 de junho


de 1937, p.11.

NA SECÇÃO permanente do senado. O Imparcial. Rio de Janeiro, 21


de março de 1936, p.11.

NUNCA presenciei tamanha selvageria. O Imparcial. Rio de Janeiro, 9


de maio de 1937, p. 14 .
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O CASO do presídio Maria Zélia. Correio Paulistano. São Paulo,


30 de maio de 1937, p.6

O EMBAIXADOR Oswaldo Aranha conversa sobre coisas e homens do


Brasil. O Jornal. Rio de Janeiro, 04 de abril de 1935, capa.

O PROCESSO dos parlamentares no Supremo Tribunal Militar. Jornal


do Brasil. Rio de Janeiro, 06 de julho de 1937, p.7

OITENTA presos políticos impetraram “habeas corpus” ao Juiz Federal


de São Paulo. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro,22 de junho de 1937,
p.10.

O SR. ABGUAR Bastos desvenda na Câmara, o plano de provocação


contra a Aliança Nacional Libertadora. O Imparcial. Rio de Janeiro, 18
de julho de 1935, p.09

OS ABUSOS a que se presta a lei de segurança. O Imparcial. Rio de


Janeiro. 13 de junho de 1935, p.11

OS FUGITIVOS do Maria Zélia, como se preparou a evasão. O


Imparcial Rio de Janeiro 14 de fevereiro de 1937, p.18.

OS HORRORES das prisões de São Paulo O Imparcial. Rio de Janeiro,


19 de junho de 1937, p. 13.

OS PRESOS políticos de S. Paulo solicitaram ao juiz federal a sua


soltura em consequência da cassação do estado de guerra. Jornal do
Brasil. Rio de Janeiro, 19 de junho de 1937, p.11

OS PRESOS políticos em S. Paulo. O Jornal. Rio de Janeiro, 25 de


fevereiro de 1937.

OS TRABALHOS extraordinários da Assembleia Legislativa .


Correio Paulistano. São Paulo, 23 de março de 1937, p.3.

OS TRABALHOS extraordinários da Assembleia Legislativa.


Correio Paulistano. São Paulo, 24 de abril de 1937, p.3.

POSTO em liberdade em S. Paulo seis presos políticos. O Jornal. Rio de


Janeiro, 27 de dezembro de 1936, p.12
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PRONUNCIADOS os autores da chacina do presídio Maria Zélia.


Diário da noite. Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1940, p.7
PROTESTOS por antecipação. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 24 de
janeiro de 1935, p.4

QUEIXAS do povo, Presídio Maria Zélia. O Imparcial. Rio de


Janeiro,21 de julho de 1937, p14

TRÊS mortos e 15 feridos. Diário da noite. Rio de Janeiro, 22 de abril


de 1937, capa.

VAI ser fechado o presídio Maria Zélia. Jornal do Brasil. Rio de


Janeiro,25 de julho de 1937, p.7

VERGARA, Pedro. A Lei de Segurança. Diário Carioca. Rio de


Janeiro. 23 de janeiro de 1935, p.6

Prontuários

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Prontuário:


00000933. Augusto Pinto. Acervo DEOPS-SP

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Prontuário:


00000712. Fulvio Abramo. Acervo DEOPS-SP

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Prontuário:


00108458. Heitor Ferreira Lima. Acervo DEOPS-SP

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Prontuário:


00004123. José Baptista Moura Dubieux. Acervo DEOPS-SP

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Prontuário:


00004632. José Constâncio Costa. Acervo DEOPS-SP

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Prontuário:


00004656. Naurício Maciel Mendes. Acervo DEOPS-SP

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Prontuário:


00005229. Presídio Maria Zélia. Acervo DEOPS-SP
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ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Prontuário:


0040610. Publicações Comunistas. Acervo DEOPS-SP

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Prontuário:


00001332. Quirino Pucca. V.1 e 2. Acervo DEOPS-SP.

Atas da Assembleia Legislativa de São Paulo

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. 41ª


Sessão extraordinária em 10 de abril de 1937. Caixa 10. Material de
Referencia Arquivo Dainis Karepovs. CEMAP. São Paulo, 1937.

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. 57ª


Sessão extraordinária em 26 de abril de 1937. Caixa 10. Material de
Referencia Arquivo Dainis Karepovs. CEMAP. São Paulo, 1937.

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. 64ª


Sessão extraordinária em 6 de maio de 1937. Caixa 10. Material de
Referencia Arquivo Dainis Karepovs. CEMAP. São Paulo, 1937

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. 65ª


Sessão extraordinária em 7 de maio de 1937. Caixa 10. Material de
Referencia Arquivo Dainis Karepovs. CEMAP. São Paulo, 1937

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. 73ª


Sessão extraordinária em 17 de maio de 1937. Caixa 10.Material de
Referencia Arquivo Dainis Karepovs. CEMAP. São Paulo, 1937

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. 79ª


Sessão extraordinária em 24 de maio de 1937. Caixa 10. Material de
Referencia Arquivo Dainis Karepovs. CEMAP. São Paulo, 1937

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. 92ª


Sessão extraordinária em 8 de junho de 1937. Caixa 10. Material de
Referencia Arquivo Dainis Karepovs. CEMAP. São Paulo, 1937

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. 97ª


Sessão extraordinária em 13 de junho de 1937. Caixa 10. Material de
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do Estado de São Paulo. Prontuário: 00004632. José Constâncio Costa.
Acervo DEOPS-SP

COSTA, José Constâncio. [Carta]10 de fevereiro de 1937, São


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país. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Prontuário: 00004632.
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ANEXO I - ICONOGRAFIA

Figura 1
Imagem da Cela “G”

Figura do Prontuário 00005229. Presídio Maria Zélia. Acervo DEOPS-SP-


Arquivo Público do Estado de São Paulo.
256

Figura 2
Imagem do piso superior

Figura do Prontuário 00005229. Presídio Maria Zélia. Acervo DEOPS-SP-


Arquivo Público do Estado de São Paulo.
257

Figura 3
Imagem da Cela “C”

Figura do Prontuário 00005229. Presídio Maria Zélia. Acervo DEOPS-SP-


Arquivo Público do Estado de São Paulo.
258

Figura 4
Imagem da Cela “D”

Figura do Prontuário 00005229. Presídio Maria Zélia. Acervo DEOPS-SP-


Arquivo Público do Estado de São Paulo
259

Figura 5
Capa da Revista Juventude de abril de 1937

Figura do Prontuário 0040610. Publicações Comunistas. Acervo DEOPS-SP-


Arquivo Público do Estado de São Paulo
260

Figura 6
Revista Juventude novembro de 1936

Figura- Revista Juventude. Prontuário 0040610. Publicações Comunistas.


Acervo DEOPS-SP- Arquivo Público do Estado de São Paulo.
261

ANEXO II – POEMA “BRASIL” DO PRESO ANTÔNIO


BALOTA

BRASIL
Quarenta e quatro milhões de ignorantes, sem higiene, nem luz,
sem instrução;
Quarenta e três milhões agonisantes; disseminados por um vasto
chão.
Um milhão de famintos retirantes Desfalecendo por inanição, a
bradar, a gemer horripilantes a nós pedindo um pouco dágua e pão.
Febre, maleita, fome e opilação!
Pelo vício da pinga embrutecidos Três quartos da total
população...
Tudo coberto por um céu de anil tanta miséria e males
recolhidos...
— Essa é a grande riquesa do Brasil!”
(Antônio Balota)
262

ANEXO III – CARTA DOS PRESOS DO MARIA ZÉLIA AO


JORNAL O IMPARCIAL

“São Paulo, 25 de Abril de 1937 — Exmo. Sr. Redactor do O


IMPARCIAL — Capital.
Presado senhor.
Nós os presos políticos recolhidos ao presídio Maria Zelia pela
presente, vimos esclarecer a V. Exa. sobre os recentes e graves
acontecimentos que, neste presídio se desenrolaram na noite de 21
ultimo.
Em primeiro lugar temos a salientar as violências sofridas cons-
tantemente desde o inicio de nossa prisão, tanto nas masmorras da Or-
dem Social como nos presídios a que fomos recolhidos. Estas violências
são as mais odiosas e injustificáveis, sendo publico que estamos detidos
ha quase dois anos sem que, contra nós, haja factos concretos que jus-
tifiquem o afastamento nosso do seio da nossa familias o unico crime (si
assim quizerem os nossos algozes dizer) é o de lutar por um Brasil
melhor, um Brasil livre, que seja governado pelos brasileiros
democraticamente, isto é, que tenha um governo realmente sendo do
povo, que represente de facto, as aspirações e desejos de todos as que
aqui trabalham.
Desejamos um governo que dê pão trabalho, liberdade a todos de
se desenvolverem, que dê saude e instrução ao povo.
Desejamos que o Brasil não seja mais um “vasto hospital” e um
amontoado de analphabetos.
Queremos que nínguem mais possa repetir a celebre phrase do
grande medico Miguel Pereira.
Não queremos que o Brasil seja vendido, aos poucos, aos grandes
grupos de banqueiros extrangeiros que sugam continuamente o suor, o
sangue de milhões de famintos, de flagellados pelas seccas e de toda
sorte de miserias
Desejamos que, as nossas riquezas do solo e do sub-solo não se
escoem continuamente para os cofres dos magnatas que nos exploram.
Queremos um Brasil 'livre, são e senhor de si.
Não somos malfeitores e assassinos nem perigosos á ordem
publica. Temos familias que queremos tanto quanto todos querem ás
suas e a demonstração disso a tivestes nos gritos desesperados de dor de
nessas mães, esposas, irmãs e filhos, que por toda a parte clamam para
nossa liberdade. E dentro da própria Assemblea levaram o seu protesto
263

contra a infame chacina de quarta feira ultima, nunca igualada em toda a


historia do Brasil.
Estamos presos porque queremos o bem das nossa familias e de
todos os que aqui trabalham e produzem porque amamos o Brasil.
Apezar do grande numero de libertados, após mais de um anno de
cadeia, somos ainda centenas os que continua mas soffrendo os horrores
da reacção policial.
“Fomos presos sem nenhuma explicação e seremos soltos
tambem assim porque não ha o que nos possa condenar.
As nossas familias estão na miseria mais negra, os nossos lares
foram desmoronados, a nossa saude esta arruinada, mas nossa moral se
agigantou porque sabemos que um povo de quarenta milhões palpita e
soffre comnosco, sob esta oppressào que o Brasil jamais sentiu.
É cousa elementar de raciocinio humano, que todo aquelle que se
vê privado da liberdade, tambem arbitraria e injustamente, por tão longo
tempo, sem sombra de justiça real e a ser submettido a julgamento de
um tribunal fascista, cujo presidente condena antes de julgar (vejam-se
entrevistas por elles dadas) procure fugir, si possivel.
A fuga é um direito á suprema conservação do homem contra a
oppressão. Liberdade é o brado de todos os homens. Conquistar a liber-
dade quando esta não nos é dada, é humano, é justo.
Assim tentamos libertar-nos na noite de 21.
Depois de havermos atravessado um orificio por nós feito na
parede e ganho o predio contíguo, attingimos o quintal deste ultimo,
cercado por altos muros e cercas de arames farpado.
Não chegamos a galpão pois fomos presentidos pelos guardas os
quaes atiraram contra nós. Com o alarme dado pelas sirenes, nos abri-
gamos, uns nas privadas ali existentes, outros nos estendemos no chão,
no meio do capim, para não sermos attingidos pelas balas. Esperavamos
ser reconduzidos ao presídio, uma vez que já astavamos cercados.
“Augusto Pinto”, nosso companheiho, nos fez então ver que nos
considerassemos rendidos, por ser inutil a continuação da fuga.
Levantando os braços, elle se entregou aos guardas, enquanto “Mauricio
Mendes e João Varlotta,” levantavam lenços brancos, em signal de
rendição. A guarda mandou que, avançassemos devagar e de braços
levantados e apos um curto trajecto, nos fez parar, ameaçando-nos com
fuzis metralhadoras, de fuzilamento em massa. Os guardas estavam
possuídos de uma verdadeira obcessão sanguinaria, disputando-se a
tarefa infame de fuzilar-nos.
Entre elles distinguiam-se um tal "Gregorio e os sargentos que
davam ordens.
264

Àugusto Pinto. diante dos preparativos de morte que estavam fa-


zendo, exclamou: Vão fuzilar-nos depois de rendidos? Que estupidez.”
. Todos estavam serenos calmos e de mãos ao alto, encostados á
parede, sob ameaça de fuzilamento. Ahi, fomos todos revistados e
espancados pelos “tiras” do presídio chefiados pelo de nome Sarti.
Fomos divididos em grupos e reconduzidos á carceragem debaixo de
offensas moraes, coices de fuzis e de bayonetas. Um grupo, entrettanto,
não foi conduzido a carceragem é ao deixai-los ouvimos os guardas
dizerem: “Vamos fuzilar os outros”. Rajadas de metralhadora foram
logo apoz, ouvidas e os componentes desse ultimo grupo eram assim
fria e barbaramente assassinados.
Compunha este grupo:Augusto Pinto, João Varlotta, Maurício
Garcia Mendes. João Constâncio da Costa, Oscar dos Reis, Antonio
Donoso Vidal, dos quaes os unicos que temos informações de
continuarem vivos são os dois ultimos porem gravemente feridos á bala.
Alguns pormenores:Waldemar Schultz e Celso Nascimento Resu,
que ainda estavam dentro da “fabrica” foram encontrados pelo “tira”
Floriano e um guarda do primeira classe. Obrigaram-nos a se deitarem
no chão e a roer o cimento com os dentes, sob coronhadas... Floriano fe-
los levantar descarregando seu revolver, contra elles, tendo uma bala
attingido o pé esquerdo de Schultz. Este mesmo Floriano exclamou
então: “Estão com sorte porque já esgotei a munição”. O tal guarda de
primeira classe descarregou o seu fuzil nos pés dos detidos. Nesta
occasiáo surgiu um sargento que disse: “Não morreram à !bala? Pois
morrerão a pancada — aggredindo-os a coronhadas.
Ao conduzi-los a carceragem, trocou de fuzil, pois o seu não
tinha bayoneta e, com a nova arma, feriu o rosto de Waldemar, dizendo:
“Toma. bandido.”
Nelson Nascimento apanhou tanto que sahiu gravemente ferido,
estando actualmente no Hospital Divino Francisco dos Sanros aspirante
da Força Publica, foi preso por um guarda e por esse conduzido á
carceragem e entregue aos agentes de policia Sarti e Lionardo, que o
espancaram barbaramente. O sargento da guarda civil que se supõe ser
allemão, ameaçou-o nesse momento de fuzilamento.
Os demais detidos abaixo assignados soffreram eguais
espancamentos dos feridos que foram recolhidos.
É possivel que a policia os mate para que não possam relatar com
detalhes o covarde fuzilamento em que tombaram quatro brasileiros que
buscavam liberdade.
Após tudo “serenado” o tenente Pantaleão commandante da
guarda, telephonou para “fora” dizendo" Estamos agíndo com toda a
265

violência”, e depois, dirigindo-se a nós disse: “Vocês deviam ser todos


fuzilados Os vigilantes e outros "tiras”, chefiados por Floriano, Sarti e o
chauffeur do director subiram ao alojamento com outros presos,
iniciando toda a sorte de depredações repelindo scenas vandálicas da
celebre, madrugada de 18 de Agosto.
Queriam vingar-se até dos que não haviam fugido quebrando
tudo que encontravam na sua frente, inutilizando moveis, etc. ,
Para se ter uma ideia de como age a direcção do presídio, basta
citar o facto de serem entregues fuzis, embalados a menores que
trabalham nos serviços de limpeza taes como os de nomes Sebastião e
José de Tal.
Estão assim relatados em resumo e com singeleza, os factos
occoridos durante toda a noite de nossa tentativa de fuga.
Appellamos para os senhores deputados para que se interessem
por conhecer os depoimentos por nós prestados no inquérito aberto e o
acompanhem exigindo a punição dos culpados e que tornem conhecidas
da Tribuna parlamentar esta noite obscura da reação. Com isto terão
correspondido aos anseios de justiça de todo o povo que clama por
liberdade e democracia.
São Paulo – Presídio Politico “Maria Zélia”, 23 de abril de 1937.
(O IMPARCIAL 25/06/1937, p.11)
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ANEXO IV - TEXTOS ENCONTRADOS NOS BOLSOS DE


NAURÍCIO MENDES

O A situação do operariado nos países capitalistas é inferior à


dos cães
Companheiros jovens:
Lemos diariamente na “Imprensa burguesa” que a situação
econômica dos países capitalistas é verdadeiramente critica. Pois como
vemos existem atualmente greves em diversas fabricas e porque isto?
Porque todos nós sabemos que na situação atual os donos das fabricas e
de empresas, isto é, os donos dos meios de produção, não cedem
reinvindicações alguma aos operários sem ser pela força, quer dizer, por
meio de greves e outros meios que só nós operários conscientes sabemos
e podemos executar nas de necessidades. Porém, o que eles querem é
matar os operários de fome, e quando nós reclamamos melhoria de
salário e outras reinvindicações justas, somos jogados nos cárceres e
taxados de comunistas e até fuzilados.
Companheiros: - dizemos que a situação do operário atualmente é
inferior à dos cães, todos eles pertencentes aos burgueses reacionários.
No fim de um ano gastaram 40.000.000 de dólares com sua alimentação.
Existem ainda para estes animais, operários servindo de criado, salões
de beleza, um hospital que custou 40.000 dólares. Agora comparando a
situação do operariado como a totalidade de países capitalistas, à, dos
cães norte-americanos, logo vemos que enquanto aquele está morrendo
de fome, sem hospitalização, sem diversões , nem escolas, estes animais
têm todo conforto, até dentes de ouro na boca. Portanto só com uma
Revolução é que extinguiremos estas calamidades e opressões.
(C. fiel )

Alto lá senhores nazistas do Brasil


No domingo passado levou-se a efeito no campo da E. C.
Germania a Olimpiada Infantil promovida por esse clube nazista.
A competição esportiva, por si só, não apresenta inconveniente
algum, os esportes são necessários para o fortalecimento do físico e
neste caso a competição esportiva tinha muito mais interesses e
importância pois era disputada entre crianças.
Mas os fascistas, aproveitando-se desse meio de atração popular,
transformaram a competição esportiva em uma propaganda desbragada e
vergonhosa de hitlerismo. Muito claro e ilustrativo é o protesto que o
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Diário de São Paulo fez em sua seção esportiva. Diz esse jornal que “As
bandeiras, as saudações o ambiente em geral, denunciavam antes de
mais nada a preocupação de exaltar as vantagens da disciplina e
organização alemã?”
Desse modo através das exibições esportivas nazistas de São
Paulo procuram instaurar aqui a torpe deturpação do esporte que Hitler
há quatro anos adota na Alemanha escravizada transformando-a numa
propaganda da guerra e do regime de força.
Mas não parou ali a insolência dos nazistas do Clube Germania.
Vejamos o que diz o mesmo jornal sobre o caráter imoral que os
dirigentes dessa Associação imprimiram à competição “Uma das provas
dos indesejáveis propósitos que animam os promotores do certame está
no fato de não terem sido aceitos nas competições, vários nadadores do
Tietê, cuja inscrição entretanto, estava perfeitamente dentro do
regulamento. É que tais elementos de valor sabidamente reconhecidos,
iriam com certeza ameaçar seriamente a vitória das escolas e dos
grêmios cuja pretensa superioridade em matéria de educação física a
Olimpíada Infantil tem por feito pôr em evidencia custe o que custar”
Isso é o cumulo! Esses fascistas insistem em afirmar que sua
saúde é superior. E vejam como eles o provam, sabendo muito bem que
os “moleques” brasileiros iam “dar na cabeça”, deixar na rabeira os
alemães, lançaram mão de métodos os mais desleais para impedi-los de
concorrer.
Esses fatos não trazem novidade, temos o exemplo recente e de
escala mundial das Olimpíadas de Berlim.
A nota esportiva em questão termina dizendo que “diante destes
fatos o boicote às Olimpíadas Intantis se torna obrigatória”.
Encorajados pelos métodos reacionários do governo os nazistas
no Brasil incentivam sua propaganda e não somente através do esporte,
a propaganda hitlerista se exerce no país e cedendo a um plano geral de
norte a sul e com as boas graças dos traidores nacionais.
O governo popular não permitirá a continuação de três abusos, o
esporte será facilitado à grande massa, que haja não pode pratica-lo na
sua orientação será no sentido de paz e cultura e não de guerra e
destruição como o utilizam os fascistas

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