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VALDINEI DERETTI
BLUMENAU
2011
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VALDINEI DERETTI
BLUMENAU
2011
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AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares, principalmente meus pais, Norma e Valdir e minha irmã,
Marilei, pelo apoio dado em toda a graduação e principalmente na realização desta
pesquisa.
À minha namorada, Jordana, companheira de todos os momentos, por ter me
compreendido, apoiado e aturado principalmente no período de realização desta
pesquisa.
Aos professores, responsáveis diretos pela minha formação, em especial à
professora Cristina Ferreira que, através da sua dedicação, experiência e seu
comprometimento, tornou possível a realização desta monografia.
Aos companheiros de turma que, direta ou indiretamente, participaram da
minha formação, tanto acadêmica como pessoal, nestes quatro anos de convivência.
À Urda e à Lia Leal que gentilmente se dispuseram a fornecer material e
ajuda para realização da pesquisa.
Ao pessoal do Arquivo de Joinville, pela atenção.
À Fundação Cultural de Guaramirim, pelo zelo com o acervo histórico de
Guaramirim.
Aos amigos de longa data, pelos momentos de descontração durante este
percurso.
4
RESUMO
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................6
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................55
6 REFERENCIAS.......................................................................................................58
6
1 INTRODUÇÃO
1
SILVEIRA JUNIOR. Memórias de um menino pobre (romance rural): história sem retoque de
uma comunidade de agricultores pobres do Sul do Brasil, com algumas ilustrações. Florianópolis:
UDESC/Lunardelli, 1977. 163p
7
2
LEAL, Lia Rosa. Silveira Jr Imortal. Original cedido pela autora.
3
JUNKES, Lauro(Org.). Imponderáveis do destino. Florianópolis: ACL, 2010.
4
DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo : Edusp, 2009. p 100
8
5
BORGES, Vavy Pacheco. Grandezas e misérias da biografia. In: PINSKY, Carla Bassanezi;
BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Fontes históricas. 2. ed. São Paulo : Contexto, 2006. p. 204
6
BORGES, Vavy Pacheco. Op. cit., p. 205
7
LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: Usos e abusos da história oral. 6ed. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2005. p. 170
10
8
DOSSE, François. Op. cit., p.13
9
DOSSE, François. op. cit., p. 16
10
LEVI, Giovanni. op. cit., p. 168
11
BORGES, Vavy Pacheco. op. cit., p 209
11
12
LEVI, Giovanni. op. cit., p.169
13
DOSSE, François. op. cit., p. 55
14
BORGES, Vavy Pacheco. op. cit., p.210-215
15
DOSSE, François. op. cit., p. 229
16
DOSSE, François. op. cit., p. 17
12
17
BORGES, Vavy Pacheco. op. cit.
13
18
DOSSE, François. op. cit., p.254
19
LEVI, Giovanni. op. cit., p. 174
20
SCHMIDT, Benito Bisso. Grafia da vida: reflexões sobre a narrativa biográfica. História UNISINOS.
Vol8. No10. Jul/Dez. 2004.p. 138
14
ao seu biografado. Para isso, para preencher estas lacunas, o biógrafo tem de
“valer-se da intuição” 21 , ou seja, criar hipóteses ou proposições a partir da sua
percepção, desde que possuam algum fundamento.
Para Borges pode-se de forma simples caracterizar três tipos: o artigo de
dicionário biográfico, que seria apenas uma breve biografia, um “resumo da vida de
uma pessoa pública”; a monografia de circunstancia, ligada a elogios fúnebres ou
algum tipo particular de circunstancia; a biografia dita “científica” ou dita “literária”,
obras que possuem preferência narrativa e uma finalidade histórica utilizando
documentação em grande escala.
Levi aprofunda a abordagem e propõe uma classificação, elencando algumas
tipologias para discussão: 1) prosopografia e biografia modal, seria a biografia que
aponta um caso para servir de ilustração de um coletivo, de uma sociedade em um
determinado período de tempo; 2) biografia e casos extremos, é a biografia do
indivíduo que de certa forma se destaca por alguma particularidade que influencia no
entendimento do seu período e de sua comunidade, um exemplo é o livro de Carlo
Ginzburg, O queijo e os vermes; 3) biografia e hermenêutica, atua na área da
antropologia através de perguntas e respostas dentro de uma comunidade, mas
“não se consegue traduzir-lhe a natureza real”, apesar de ter sido esse viés que
alerta para o sentido plural de uma vida; 4) biografia e contexto, através da biografia
de um indivíduo pensa-se a reconstituição do seu contexto histórico e social,
buscando comportamentos que são típicos de um meio social22.
Assim como no trabalho de Joseli Mendonça sobre Evaristo de Moraes, esta
pesquisa também procura abordar “as dinâmicas e processos sociais na perspectiva
de uma experiência particular”23, ou seja, realizar um estudo sobre o Núcleo Rio
Branco através das percepções que Silveira Jr deixou em seu livro. Para isso,
pensa-se a biografia contexto como um caminho interessante.
A biografia contexto leva o biógrafo para duas perspectivas diferentes. Uma
das perspectivas está relacionada a reconstituição de um contexto histórico e social
em que se desenrola a trajetória de vida do biografado tornando possível a
compreensão e o retrato de uma época ou de um grupo. Isso se dá através de uma
espécie de normalização dos comportamentos que, ao se tornarem típicos de um
21
DOSSE, François. op. cit., p.67
22
LEVI, Giovanni. op. cit., p. 174-178
23
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Evaristo de Moraes, tribuno da República. Campinas : Ed.
UNICAMP, 2007. p. 40
15
24
LEVI, Giovanni. op. cit., p.175 e 176
25
DOSSE, François. op. cit., p 15
26
BORGES, Vavy Pacheco. op. cit., p.222 e p.223
27
SCHMIDT, Benito Bisso. Op. cit., p.138 e p.139.
28
BORGES, Vavy Pacheco. op. cit., p.222 e p.223
16
Além disso, estudar a trajetória de uma vida não permite que se esgote as
possibilidades do “eu”, a multiplicidade de um indivíduo. Pensar os atores históricos
como seres providos de uma racionalidade comum e limitada, que seguem uma
ordem cronológica de vida coerente e estável, ignorando as possíveis inércias e
incertezas desses seres durante a sua trajetória de vida29 é caminhar ao encontro de
tal esgotamento.
Compreender o sentido de uma vida implica em considerar a pluralidade, pois
toda experiência cotidiana envolve as práticas e mudanças do tempo vividas pelo
indivíduo, portanto, o relato de vida composto pelo biógrafo não se dá através de
uma “chave única” de leitura, mas sim por intermédio de vários recursos
interpretativos30.
Apesar de se propor nesta pesquisa realizar um trabalho de biografia
relacionado a biografia contexto de Levi e a biografia modal de Dosse, que coloca o
indivíduo como “mero reflexo” do contexto social em que está inserido, aqui pensa-
se no indivíduo como sendo constituído e constituinte do contexto social em que se
encontra, buscando construir a relação entre a personagem – Silveira Jr – e o
contexto – Núcleo Rio Branco.
Utiliza-se aqui nesta pesquisa uma autobiografia como fonte principal sobre o
biografado e o contexto em que se encontra. As relações entre biografia e
autobiografia e entre romance e autobiografia geram problemáticas que acarretam
uma espécie de imprecisão nos termos utilizados e uma confusão generalizada na
tentativa de definição do próprio gênero autobiográfico. Lejeune, depois de
apresentar uma incerta possibilidade de definição da autobiografia, esboça uma
tentativa de fazê-lo: “narrativa retrospectiva em prosa que uma pessoa real faz de
sua própria existência, quando focaliza sua história individual, em particular a
história de sua personalidade”. Assim, formas de linguagem usadas para compor
uma narrativa autobiográfica podem referenciar temáticas como “vida individual e
história de uma personalidade” para evocar a identidade do autor e/ou narrador,
portanto “é uma autobiografia toda obra que preenche as condições indicadas nas
29
LEVI, Giovanni. op. cit., p.169
30
DOSSE, François.op. cit., p.375
17
31
LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico: de Rousseau à internet. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2008. p.13-15
32
LEJEUNE, Philippe. op. cit., p. 15
33
RICARDO, Katiuscia Correa. Clarice Linspector e o pacto autobiográfico: paradoxo entre
realidade e ficção p. 2
34
TEIXEIRA, Leônia Cavalcante. Escrita autobiográfica e construção subjetiva. Revista Psicologia
USP, v. 14, n. 1, São Paulo, 2003
35
RICARDO, Katiuscia Corrêa . op cit., p 4
36
SILVEIRA JR, Norberto Candido op. cit., p.61
37
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.58
38
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.122
18
deste momento que ele passa a procurar maneiras de manifestar a sua diferença
perante aquela sociedade. Então a autobiografia se torna pertinente, por isso, a
necessidade de firmar a sua existência39.
A oposição entre biografia e autobiografia está na reflexão sobre semelhança
e identidade. “A identidade é um fato imediatamente perceptível – aceita ou
recusada, no plano da enunciação; a semelhança é uma relação, sujeita a
discussões e nuances infinitas, estabelecida a partir do enunciado”. A identidade é
definida a partir do autor, narrador e personagem, onde o autor é “representado na
margem do texto por seu nome, é então o referente ao qual remete, por força do
pacto autobiográfico, o sujeito da enunciação”. Quanto a semelhança é necessário
inserir um quarto elemento “um referente extratextual que poderia ser chamado de
protótipo, ou melhor, de modelo”40.
Ao mesmo tempo em que biografia e autobiografia se opõem, dependem de
um pacto referencial, ou seja, buscam informar sobre uma “realidade”, submetendo-
se a uma prova de verificação que não ocorre na ficção. “O modelo do biógrafo é a
vida do biografado ‘tal qual foi’, [...] A semelhança buscada não pode nunca ser
atingida e só constitui, para o biógrafo, uma meta de trabalho, uma intencionalidade
que o impele para a representância” 41 . Na autobiografia a narrativa pessoal é
irredutível a narrativa impessoal. Primeiramente é na identidade que está a diferença
entre biografia e autobiografia, mas na autobiografia “o sujeito do enunciado é duplo
por ser inseparável do sujeito da enunciação”, que torna a relação confusa entre
autor e modelo. Lejeune então, apresenta duas fórmulas que ilustram essa
diferença: “Biografia: A é ou não N; P se parece com M. Autobiografia: N está para P
assim como A está para M”. Sendo A: autor; N: narrador; P: personagem; M:
modelo42.
39
TEIXEIRA, Leônia Cavalcante. op. cit., p. 4 e 5
40
LEJEUNE, Philippe. op. cit., p.36
41
DOSSE, François. op. cit., p 96
42
LEJEUNE, Philippe. op. cit., p. 40 e 41
19
43
JUNKES, Lauro(Org.).op. cit., . p.14
44
ARANHA, Maria L. A. História da educação. 2ed. rev. e atual. São Paulo: Moderna, 1996. p. 198
45
DALLABRIDA, Norberto. A fabricação escolar das elites: o Ginásio Catarinense na primeira
república. Florianópolis: Cidade Futura, 2001. p.60
20
Com quase oito anos, foi matriculado pela mãe na Escola Mista do Núcleo Rio
Branco, dirigida neste período pelo professor Cantalício Érico Flores, conforme mais
detalhes que serão explorados no decorrer desta pesquisa. Silveira Jr concluiu a
primeira, segunda e terceira série nesta escola, e por mais três anos freqüentou a
terceira série novamente. Devido ao fato de a escola existente no núcleo possuir
apenas as três séries iniciais de ensino e à ausência da possibilidade de Silveira Jr
freqüentar outra escola, sua mãe pede ao professor para que aceite que Silveira Jr
repeta o último ano da escola para “não esquecer o que havia aprendido”. Repetiu a
terceira série novamente quando, já em Joinville, foi matriculado no grupo escolar
Conselheiro Mafra. Após esta fase sua formação se dá, segundo o próprio autor,
pela via do autodidatismo.
46
SILVEIRA JR, Norberto Candido apud KLUEGER, Urda Alice. Discurso de posse da Academia
Catarinense de Letras.
47
ARANHA, Maria L. A. op. cit.,p. 200
21
da literatura brasileira, que ele manteve no decorrer de sua vida, como por exemplo,
Bernardo Guimarães, o qual teve contato já na infância com a obra O Índio Afonso e,
também, A Escrava Isaura que sua mãe lhe contava, mais tarde Machado de Assis,
Euclides da Cunha, Jorge Amado entre outros.
Na apresentação do livro Memórias de um menino pobre, Silveira Jr dá
indicativas sobre as influências que sofre, principalmente no que diz respeito ao
estilo literário da obra. Inicia a apresentação declarando fascínio pelos romances
telúricos. Telúrico, segundo o dicionário, significa “relativo a Terra, relativo ao solo”,
esses romances estão próximos ao que seriam os romances regionalistas, mas mais
voltado para a questão da natureza e de determinada comunidade, sempre
compromissado com a realidade. Lista ainda alguns autores que escrevem este tipo
de romance, como Pearl Buck, Jorge Amado, José Américo, Amado Fontes e, com
maior destaque dado pelo autor, Gabriel García Marquez com sua obra Cem Anos
de Solidão, através da qual Silveira Jr se espelha na pequena Macondo e a compara
com Rio Branco, e diz que a diferença do seu livro com esses romances citados é a
“autenticidade das histórias” narradas, pois “sou eu que repito a história que ouvi ou
conto aquela que presenciei”48.
Mas sua obra muito tem a ver com a do colombiano Garcia Márquez, pois,
apesar do colombiano não alegar, sua obra apresenta indícios de mescla com a
realidade da Colômbia e de sua própria vida, é considerada uma obra de “realismo
fantástico”, pois o autor insere seus personagens num contexto sócio-cultural
colombiano abordando fatos sociais, com um toque de humor e com um toque de
fantasia49. E a obra de Silveira Jr, apesar de ele alegar sua preocupação com o real,
tem características próximas a essas. Logo, a principal diferença entre as duas
obras fica por conta da afirmação do testemunho.
Em outro momento, Silveira Jr apresenta muitas outras influencias dos
jornais e da literatura. Começando com “Humberto de Campos”, jornalista, contista e
memorialista, é considerado por Silveira Jr a sua principal influência, seu livro mais
célebre foi Memórias 1886-1900 (1933) que consiste em crônicas “dos começos de
sua vida” 50 , o que diz muito sobre sua influência em Silveira Jr. “Mas estagiei
também em Amando Fontes, passei por Darcy Azambuja, estive com Alcântara
48
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p 9
49
SÁ, Katiuscia de. Resenha Cem anos de solidão. Argumento.net, 2009.
50
Academia Brasileira de Letras. Biografia Humberto de Campos.
22
Dos estrangeiros, passei por Portugal. Fiz urna breve incursão pela França, estive
nos Estados Unidos e na União Soviética. Mas de nenhum deles guardei o
encanto que me deixaria Cervantes, que leio até hoje, sempre encontrando
novidades. Da Alemanha não fui além de um Tomas Mann; na Inglaterra tentei
desvendar os mistérios da linguagem pesada e difícil de James Joyce e da Áustria
tentei digerir Kafka.[...] Dos livros longos que li sem gostar incluo apenas Os
Lusíadas e A Divina Comédia”.
Mas uma leitura Silveira Jr faz questão de enfatizar, uma leitura que “tomou a
vida toda, [...]: é a Bíblia”. “Não existe para mim nada mais encantador do que esse
livro, que eu leio e releio à procura da minha espiritualidade perdida”, percebe-se em
Silveira Jr uma necessidade de afirmação de uma “religiosidade carente de fé” e é a
partir dessa carência que fica evidente as contradições da vida em Silveira Jr:
“posso dizer que me tornei um místico sem fé, um religioso sem religião, um
agnóstico à procura de Deus.”51
Esse caráter contraditório de uma vida faz parte dos obstáculos encontrados
pelo biógrafo na constituição desta trajetória, relacionados a construção de uma
identidade fragmentária, composta por “dúvidas e incertezas”, por “atos e
pensamentos da vida cotidiana”, que levam os historiadores a buscar uma
renovação da narrativa e também novos tipos de fontes “nas quais se poderiam
descobrir indícios esparsos dos atos e das palavras do cotidiano”52.
Uma das maneiras de se buscar estes indícios, principalmente ao analisar
uma autobiografia, é compreender a linguagem do biografado. Ao comentar sobre
seu trabalho acerca da biografia de Certeau, Dosse53, fala da relação do biógrafo
51
SILVEIRA JR, Norberto Candido apud KLUEGER, Urda Alice. op. cit.
52
LEVI, Giovanni. op. cit., p.169
53
DOSSE, François. op. cit..
23
54
JUNKES, Lauro(org.). op. cit., p. 13
55
JUNKES, Lauro(org.). op. cit.,. p.14
56
JUNKES, Lauro(org.). op. cit., p.272-274.
24
57
JUNKES, Lauro(org.). op. cit., p 93
58
Idem, p. 103
59
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.11
60
JUNKES, Lauro(org.). op. cit., p.55
25
61
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.12 e 13
62
JUNKES, Lauro(org.). op. cit., p.13 e p.59
63
JUNKES, Lauro(org.). op. cit., p.13
26
64
OLIVEIRA, Maurício. Escritores homenageiam Odilon Lunardelli. ANCapital. 25 de Novembro de
1999.
65
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit.,. Orelha esquerda.
27
66
SILVEIRA JR, Norberto Cândido; JUNKES, Lauro(Org.).op. cit.
67
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.11
68
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.10
28
O Núcleo Colonial Barão do Rio Branco foi criado pelo Governo Federal
através da Diretoria de Povoamento do Solo pelo decreto 10.059 de 14 de fevereiro
de 1913, no vale do rio Putanga, entre as cidades de Joinville e Blumenau. Neste
período as terras pertenciam ao município de Joinville que doa à União. Divididas,
as terras originaram aproximadamente 198 lotes, entre rurais e urbanos, sendo os
lotes urbanos os que se encontravam na área destinada a sede do núcleo.
Atualmente esta área é parte do município de Guaramirim. Situado na região norte
do estado de Santa Catarina, Guaramirim pertencia a Colônia Dona Francisca e
também foi distrito do município de Joinville, sendo emancipado no ano de 1949.
Hoje é uma cidade com aproximadamente 268km² de extensão e 35 mil
habitantes69. Rio Branco, atualmente, é a denominação de um bairro que se originou
no lugar onde existia a sede do núcleo colonial de quem inclusive herdou o nome.
As outras localidades existentes no núcleo, das quais algumas serão citadas
adiante, a maioria conservou o nome que possuía sendo hoje também novos bairros
pertencentes ao município de Guaramirim.
Ao classificar os tipos de colonização, chega-se geralmente em dois
processos há muito considerado distintos: “o que se atém ao simples povoamento e
70
o que conduz à exploração do solo” . Piazza conceitua “colonização” e
“povoamento” de maneira a deixar clara a intenção de desenvolvimento econômico.
E quanto a esses termos usados no século XX no Brasil, diz designar-se aos
“processos pelos quais se facilita o acesso de uma classe de pequenos proprietários
à propriedade da terra”. Ao conceito em si ele atribui um pensamento do sociólogo
Neiva71 que, por sua vez, apresenta o termo povoar como “encher de habitantes”,
que pode ser através de nascimentos ou pela entrada de pessoas ao país,
imigração, e colonizar como sendo “promover a fixação de elemento humano ao
solo, o aproveitamento econômico da região e a elevação do nível de vida, saúde,
instrução e preparo técnico dos habitantes” das regiões determinadas, ou seja, é
69
Site do IBGE
70
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 12
71
NEIVA, Artur Hehl. A imigração na política brasileira de povoamento. Boletim Geográfico, Rio
de Janeiro, Conselho Nacional de Geografia, 8 (86): 151-183, maio, 1950.
29
72
PIAZZA, Walter. A Colonização de Santa Catarina. 2 ed. Florianópolis: Lunardelli, 1988. p.12
73
PIAZZA, Walter. op. cit., p. 237
74
PIAZZA, Walter. op. cit., p. 237
30
Em Santa Catarina foram criados três desses Núcleos Coloniais pelo Governo
Federal: Senador Esteves Júnior em 1910 na região do município de Nova Trento,
Annitápolis em 1907 no território do município homônimo e Barão do Rio Branco já
citado e objeto desta pesquisa. Problemas administrativos cercavam as políticas de
colonização e principalmente os encargos da Diretoria Geral do Serviço de
Povoamento. O próprio Silveira Jr dá destaque, em determinado momento de sua
obra, à negligência que o núcleo colonial sofria por parte do governo. “O governo era
a coisa mais ausente deste mundo. Não havia nenhuma assistência social” 75 ,
aparentemente esta é uma situação que se apresenta desde os primórdios do
Núcleo Rio Branco como mostram dois jornais da cidade de Joinville, o Gazeta do
Commercio e também Gazeta de Joinville, edição de 1914 e 1913 respectivamente.
Estes dois jornais eram de propriedade de Eduardo Schwartz, o primeiro
fundado em 1914 e o segundo em 1905 que tem como redator principal Crispim
Mira, “um dos mais conceituados jornalistas de Joinville nas primeiras décadas do
século XX” 76 . Os dois jornais possuíam as mesmas características gráficas: as
páginas eram compostas geralmente por quatro colunas, em algumas edições se vê
cinco colunas. Os artigos eram distribuídos em sequência nas colunas. A primeira
página possuía o cabeçalho com o nome do jornal, nome do proprietário, data,
número e informações sobre assinatura do periódico, não existia nenhum tipo de
propaganda na primeira página das edições analisadas destes jornais.
Os dois periódicos denunciam, em um mesmo momento, em artigos o
descaso do inspetor de povoamento do estado de Santa Catarina para com o núcleo
Rio Branco. Estes artigos, que não continham a assinatura de um autor, vinham
publicados em primeira página em ambos os periódicos joinvillenses. Este fato dá ao
Núcleo Rio Branco certa importância, colocando-o em discussão no período, seja
por intenções puramente comerciais do jornal para atrair novos leitores ou por
intenções políticas, já que o próprio jornal não esconde sua vertente política: em um
artigo com o título de “O Futuro Governo do Estado” ,com uma foto de Felippe
Schmidt emoldurada bem no meio da primeira página, o jornal fala sobre a escolha
do candidato a governador do Estado pelo “Partido Republicano Catarinense” de
75
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit. p. 147.
76
BALDESSAR, Maria José; CRISTOFOLETTI, Rogério (org.).Jornalismo em perspectiva.
Florianópolis: [s.d.], 2005. p.25
31
quem é “órgão neste município”77. Outro fato é que, além de estarem na primeira
página destes jornais, as questões sobre Rio Branco aparecem antes de artigos e
notícias relacionados a Primeira Guerra, por exemplo. Os artigos denunciam atitudes
que consideram desonestas e desumanas como, por exemplo, a construção, contra
a promessa do Governo Federal aos imigrantes, de “ranchos de palha” para
servirem de moradia definitiva para os imigrantes no núcleo.
Esses ranchos de palha, a que se referem o jornal, são descritos em um
artigo relacionado ao relato de uma missivista, que o jornal trata por Snra. Volland,
que escreveu para o jornal depois de ler um artigo sobre as condições do núcleo.
Trabalhando no Hospital de Caridade do município de Joinville, Volland diz que sua
família é prova de que esses ranchos existem, “6 membros da sua família” se
encontram no Hospital devido a “umidade e a pouca proteção do rancho que lhes
servia de moradia”. Relata ainda que os habitantes ficam expostos a bichos durante
o dia e a noite também, e em dias chuvosos essas “habitações imundas” não
garantem asilo nenhum às pessoas. Todos da família estão com “bichos de pé e
bichos berne”, algo comum segundo o relato78. Esses ranchos, como já dito, vão
contra o Regulamento de Colonização, que diz no artigo 66 do capítulo VIII:
“Normalmente em cada lote rural será construída uma casa em boas condições
higiênicas, para residência do imigrante e sua família, preparando-se também
terrenos para as primeiras culturas a serem feitas pelo adquirente”79.
Outro artigo defende que “não se pode atirar dentro de um rancho miserável,
nas épocas de próximas invernias, pobres famílias de colonos que vêm confiantes
nas promessas de nosso Governo”80. Para apresentar ao leitor a amplitude de tal
negligência do Estado para com os colonos de Rio Branco, Silveira Jr utiliza uma
metáfora: “O cuidado que o Governo teve por esses colonos foi pouco mais do que
os antigos marinheiros dispensavam aos caprinos que depositavam em ilhas
desertas ‘para ver se na próxima viagem tinham sobrevivido e se aclimado”81. Esta
lembrança de abandono que Silveira Jr apresenta em seu livro está ligada ao
“enquadramento da memória”. Saber de determinados assuntos no presente faz
77
GAZETA DO COMMERCIO. Ano 1. n 24. Joinville, 25 de Março de 1914. Arquivo Histórico de
Joinville.
78
GAZETA DO COMMERCIO. Ano 1. n 23. Joinville, 21 de Março de 1914. Arquivo Histórico de
Joinville.
79
Decreto nº 9.081, de 3 de Novembro de 1911. Dá novo regulamento ao Serviço de Povoamento.
80
GAZETA DO COMMERCIO. Ano 1. n 24. Joinville, 25 de Março de 1914. Arquivo Histórico de
Joinville.
81
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p 161
32
com que o indivíduo reinterprete o passado, essa reinterpretação, que faz com que a
lembrança dialogue com os elementos históricos, é uma forma de enquadrar a
memória 82.
Assim com o envolvimento do autor no mundo intelectual, seu acesso a
diversos tipos de informação podem ter feito com que novas interpretações de
determinadas lembranças tenham ocorrido. Logo, por lembrar-se de nunca ter visto
alguém mais importante do que um intendente distrital em Rio Branco, e por,
provavelmente, ter lido sobre política e colonização posteriormente, Silveira Jr pode
ter reinterpretado suas lembranças a ponto de chegar às conclusões supracitadas.
Estes jornais vão além da denuncia ou do relato, eles indicam possíveis
motivos para essa negligencia como má fé do inspetor de povoamento ou então que
o Sr. Samuel Gomes Pereira, inspetor, é apenas “o instrumento do Snr. Director
Geral Dr. Ferreira Correia, que, na qualidade de paranaense ardoroso na questão de
limites, queira também, quem sabe? dificultar as aspirações justas dos
catarinenses”. E todas estas denuncias sempre baseadas na comparação com os
outros dois núcleos coloniais do estado. Como a questão da distribuição de verba
disponibilizada pelo Ministro da Indústria, “a quantia de trezentos contos de réis”,
sendo que destes o senhor inspetor dividiu pelos três núcleos do estado da seguinte
maneira: “cem contos para Annitapolis; cento e cinquenta para Esteves Junior e
cinquenta contos para Rio Branco” sendo que esses cinqüenta contos estariam
divididos em quatro meses. 83
Com uma existência breve, o Núcleo Rio Branco, como era chamado na
região, era uma pequena colônia de agricultores nacionais e estrangeiros, dentre
estes, alemães, russos, poloneses e italianos. Desde o começo os habitantes do
núcleo sofreram com problemas que costumavam estar presentes em colônias
como, a questão das necessidades básicas, condições de moradia, saneamento e
assistência médica. Em 1924 tem fim a zeladoria da colônia. Mas politicamente,
ainda, em 1920, pelo Decreto nº 1372 de 12 de Abril, do Governo do Estado, o
Núcleo Colonial passa a ser distrito policial, comportando a Sub-delegacia de Polícia
82
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. REH Vol2_No3_1989. p.9 e 10
83
GAZETA DE JOINVILLE. Anno IX. n 443. Joinville, 11 de Outubro de 1913. Arquivo Histórico de
Joinville.
33
84
FLORES, Cantalício Érico. Discurso manuscrito sobre a localidade de Rio Branco. 16 de
Outubro de 1967. Arquivo Histórico de Guaramirim.
85
FAUSTO, Boris. A revolução de 30. In: MOTA, Carlos G.(org.). Brasil em perspectiva. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. p. 234
34
86
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 103
87
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p 162
88
ANSART, Pierre. História e memória dos ressentimentos. In: Memória e (res)sentimento:
indagações sobre uma questão sensível. Campinas (SP) : Ed. Unicamp, 2004.
89
GAZETA DO COMMERCIO. Anno 1. n 24. Joinville, 25 de Março de 1914. Arquivo Histórico de
Joinville.
90
GUARAMIRIM. IBGE. www.ibge.org.br
35
91
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Revista de Estudos Históricos. Vol2. No3.
1989. p.3
92
SILVEIRA JR, Norberto Candido. Memórias de um menino pobre. Blumenau: Hemisfério Sul,
2009. p. 158
36
com os vários dias de repouso durante o ano devido aos constantes ataques da
malária.
Era tal o desconhecimento do povo para com a causa da malária que Silveira
Jr relata um costume: esquentar a água antes de beber, pois “a água fria era
[considerada] terrível para produzir malária”98. O remédio utilizado pelos acometidos
da malária eram as pílulas de quinino que serviam apenas para aliviar os sintomas
da doença. Essa falta de conhecimento da população de Rio Branco, pelo menos da
maioria pobre, se deve a ausência de mais dispositivos de informação. O único
veículo informativo, segundo Silveira Jr, em contato com os mais pobres, além dos
jornais que vinham embalando objetos e produtos, eram os almanaques.
Essas publicações, “editadas desde o final do século XIX”, se tornam parte da
vida cotidiana das populações urbanas e rurais. Esses almanaques de farmácia são
fontes de informação e entretenimento, mesclando informações dos almanaques
tradicionais com propagandas de produtos de saúde e higiene, “transcenderam o
caráter panfletário, instalando-se como hábito de leitura”99. Daí a importância que
Silveira Jr dá para esse tipo de publicação na formação cultural das pessoas de Rio
Branco. Estes almanaques “davam os eclipses anuais do sol e da lua, [...] os santos
do dia, as informações agrícolas e muitos outros avanços da tecnologia”. Quanto as
propagandas, Silveira Jr diz que nunca soube de alguém de Rio Branco que tivesse
comprado os remédios ou outros produtos que ali constavam100.
Os remédios em Rio Branco eram mais simples e mais baratos. Estes
cuidados ficavam por conta dos conhecimentos populares e dos práticos de
farmácia, devido a falta de acesso a médicos. As doenças eram, pelo mesmo motivo
dos remédios, explicadas a partir do “fantástico” e do “sobrenatural”: “em Rio Branco
as crianças morriam geralmente embruxadas, de arca caída e mal de gumito”.
Silveira Jr apresenta alguns remédios utilizados: o leite de figueira contra vermes, o
sal-amargo ou o óleo de rícino como purgantes, a infusão de picão-branco para as
feridas, e também os chás para tosse, para desinteria, entre outros. Esses remédios,
os que não eram caseiros, poderiam ser encontrados na farmácia de João Lyra101,
prático de farmácia estabelecido no núcleo, ou então na venda da sinhá Madalena
98
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 28
99
GOMES, M. L. Vendendo saúde! Revisitando os antigos almanaques de farmácia. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 13, n. 4, out.-dez. 2006.p. 1008
100
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 88
101
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 89
38
102
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 98
103
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 97 e 98
104
CERTEAU, Michael de; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. op. cit., p. 230
39
105
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 158
106
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 163
107
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 157
40
farinha; à noite, o feijão que sobrou do meio-dia, com qualquer tipo de carne e, como
reforço, café com pão de milho ou polenta, ou banana cozida com farinha”108. O
gosto muito tem a ver com a necessidade, ou melhor, sofre sua influência, pois a
composição alimentar, de uma camada mais pobre, se forma através de uma
simples fórmula: “alimentos mais nutritivos e mais econômicos ao mesmo tempo”109.
Essa afirmação de Bourdieu faz pensar a composição alimentar descrita acima, não
como a alimentação de preferência de Silveira Jr, mas sim como a melhor dentre as
opções possibilitadas pela condição da sua família e de muitas outras em Rio
Branco. Já que a falta de uma alimentação salgada gerava fraqueza e
consequentemente problemas com o trabalho pesado.
Os laticínios eram complementos quase inexistentes, “o leite aparecia na
dieta diária, na medida em que houvesse ou não uma vaca em período de lactação”
e, a manteiga, praticamente ninguém considerava complemento de rotina, “mesmo
os polacos e os teuto-brasileiros que produziam, vendiam-na integralmente, usando
banha com sal no pão”.
Nas lembranças de Silveira Jr um alimento aparece como o melhor: a galinha
ensopada. “Uma felicidade que nascia de uma galinha ensopada, uma cuia de
farinha e uma chaleira de água quente. Por isso, se hoje eu tivesse que escolher um
animal para imortalizá-lo em bronze” seria “essa ave humilde, sofredora e rústica,
[...] a galinha”. Essa lembrança com exagero sobre a galinha referencia o acesso
limitado a esse alimento, servido principalmente em datas festivas como o Natal e,
esse exagero desmedido, que aparece, também, em outros momentos da obra, é
um elemento da literatura narrativa usado para dar ênfase à determinada situação,
chamada hipérbole, usada quando se quer definir dramaticamente determinada
situação ou fato que se quer apresentar.
Mas essa alimentação, considerada farta, era muito dispendiosa, logo, havia a
necessidade de alternativas. Quando a situação financeira apertava a família de
Silveira Jr partia para alternativas como “banana cozida, arroz com café, polenta,
pão de milho”, mas existiam alternativas que, para Silveira Jr, eram “tão
desagradáveis que correspondiam a passar fome, mesmo de estômago cheio”. Para
ele a pior comida que poderia existir em uma casa pobre de Rio Branco “era o café
preto, temperado com melado e farinha de mandioca”. Dentre as alternativas,
108
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 154
109
BOURDIEU, Pierre apud CERTEAU, Michael de; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. op. cit., p. 251
41
110
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.155
111
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 162 e 163
42
112
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 163
113
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 100
114
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 160
115
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 163
116
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 137
43
calçada. “É verdade que uma vez ou outra, vinha a aula uma criança que tomara
purgante de óleo de rícino no dia anterior, arrastando um par de tamancos ou até um
chinelinho de tapete [...]. Mas calçar sapatos mesmo era privilégio dos que haviam
atingido a idade adulta”117. Logo, nunca sentiu falta de sapatos na sua infância, se
ganhasse um sapato “teria vergonha de usá-lo e garantidamente seria ridicularizado
pelos demais colegas”, mas era muito diferente quando o assunto era chapéu.
“Ninguém, indistintamente, saía de casa sem um chapéu na cabeça”, característica
cultural que apresentava o povo de Rio Branco naquele período, apenas as
mulheres e as meninas andavam sem chapéu. Utensílio que ajudava a identificar
ricos e pobres, estava sempre em circulação por Rio Branco, “os meninos ricos
(geralmente filhos dos donos de venda ou de proprietário de extensos arrozais)
usavam chapéu de couro de pano (feltro) e os meninos pobres usavam chapéu de
palha”. O desejo de Silveira Jr “era ter um chapéu de pano, como o do João
Advento, tão luxuoso e bem acabado, que tinha até um friso de gorgorão,
contornando o arremate da aba” 118 . A partir daí, o autor narra sua luta para
conseguir o dinheiro suficiente para comprar um Ramenzoni, marca famosa de
chapéu na região, para isso começou a limpar o cafezal do seu Marcelino
juntamente com seu irmão Pedro. Juntando o dinheiro, foi a loja do seu João
Brückeimer em Bananal, e comprou um Ramenzoni de gorgorão na aba. “E fiquei
aguardando o domingo para pô-lo na cabeça e ir com ele à venda da sinhá
Madalena”, provavelmente aguardou o domingo porque é este o dia que ocorre mais
intensamente a interação social no núcleo. “Esse foi um dos raros momentos de
afirmação na minha vida de menino pobre. Aquele chapéu me conferia status [...].
Posso garantir, sem nenhum exagero, que a minha vida se divide em duas épocas:
antes e depois do chapéu de pano”, já o sapato, que veio já na cidade, diz o autor,
“não deixou nenhuma marca importante na minha formação”119.
Esse simbolismo apresentado pelo autor, que escolhe o chapéu como um
divisor em sua vida neste lugar, está relacionado à reflexão que a autobiografia
permite devido ao indivíduo que consegue “isolar-se do seu lócus e vê-lo dentro de
uma contextualização criada a partir dos seus julgamentos”120.
117
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 105
118
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 106
119
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 110
120
TEIXEIRA, escrita autobiográfica.p. 4
44
No Zé Polaco moça de boa família não gostava de ir. Era um baile para
putangueiros[...]. Na sinhá Madalena, os bailes eram muito raros, mas de
grande respeito, que o seu Zeca não gostava de desrespeito na sua casa.
Em seu Aquilino as exigências eram demasiadas [...] dançar em seu
121
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. REH Vol2_No3_1989.p.13
122
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.130
123
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.131
45
Aquilino era um privilégio dos bem nascidos, ou dos que tinham grandes
arrozeiras[...], plantador de mandioca, fazedor de farinha, ou tirador de
lenha para a estrada de ferro não tinha condições sociais e financeiras para
esses bailes”. Existiam também os bailes mais humildes, nas “tifas: no
Perdido, no Tibagi, na Ponta Comprida, na Estrada do Leitold, no Barro
Branco, na Joana... Eram bailes onde não se tinha uma cota fixa, cada um
dava o que podia para entrar e dançar, não raro a música era uma gaita de
boca e o salão um rancho de barro batido, isto é, sem assoalho”. [...]Ali
dançava todo mundo, contanto que fossem todos da mesma cor. Em baile
124
de branco, só branco; em baile de preto, só preto.
Nota-se que os bailes eram realizados nas casas dos anfitriões e quanto a
questão racial era atitude comum do período a separação em clubes de dança para
brancos e clubes de dança para negros, mas uma característica que, talvez, seja
particularidade de Rio branco é que o negro poderia entrar no baile do branco,
inclusive sem pagar, apenas não poderia dançar, como atesta a fala de “seu
Aquilino” num baile narrado nas memórias de Silveira Jr: “Vossemecê pode apreciar
o nosso balho, mas dançar vossemecê não dança, porque vossemecê, me
adescurpe, não é branco”125. Essa fala de seu Aquilino, além de ilustrar a questão
racial nos bailes, mostra a presença de características dos romances regionalistas
na obra de Silveira Jr, a questão da utilização do linguajar local, também presente no
romance de 30 e nos romances telúricos.
Os bailes no Rio Branco eram geralmente ao som da gaita do seu Generoso e
as pessoas dançavam descalços. Mas seu Aquilino “fixou uma época” quando
resolveu fazer “a maior inovação social que houve em Rio Branco”, ele estava
preparando um baile onde só poderia dançar quem estivesse calçado. Esse se
tornou o assunto de todos e também o fato de que o seu Generoso não era quem
iria animar o baile, “seu Aquilino foi lá na Lagoa da Campinha e contratou a
Orquestra do Mochi”. Segundo Silveira Jr, quase ninguém sabia o que seria essa tal
de orquestra, só os que já haviam ido a bailes em Joinville, mas com certeza a maior
polêmica ficou por conta da exigência dos sapatos que, até então, não era de uso
obrigatório, “quem podia ia calçado; quem não podia, dançava descalço”126.
O baile foi realizado no rancho das forragens dos animais, com pequenos
ajustes para dar uma cara melhor ao lugar. Quando do início da festa seu Aquilino
ditou algumas regras: “ninguém não pode dançar duas vezes seguidas com o
mesmo par”, “moça que negasse para um, não podia mais dançar a noite inteira”,
124
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.133
125
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.121
126
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.111
46
127
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.116 e p.117
128
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.112
129
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.134
130
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.132
131
POLLAK, Michael. op. cit., p. 3
47
Outra forma de convívio que Silveira Jr deixa aparecer em suas memórias são
as “rodas de pinga” que aconteciam na venda da sinhá Madalena, era a venda o
local onde ocorria este tipo de encontro devido a importância que os armazéns
possuíam para com a população, o armazém mantinha relação com todos do lugar.
Nas rodas é que os contadores de casos faziam a sua fama. Muitas das histórias
que Silveira Jr descreve nas suas narrativas como histórias que ele ouvira de
alguém, provavelmente provém destes contadores de casos das rodas de pinga.
Estas rodas, pelo que dá a entender nas narrativas, são compostas por homens e
pela dona do lugar, que trazia notícias de fora quando ia buscar os produtos para
sua venda, única mulher envolvida em tal coletivo. Nessas rodas “duas conversas
principais ocupavam os homens de Rio Branco: revoluções e aparições
fantasmagóricas”132.
Silveira Jr “sempre ouvira dizer que na volta do Zé Jacinto aparecia a mula-
sem-cabeça. O seu Tôta Silveira já a havia visto, seu Dodô também; seu Marcelino
chegou a ver até a cor da mula”133. Esta personagem que aparece em Rio Branco,
faz parte do folclore açoriano, o que mostra uma presença grande de colonos vindos
de regiões litorâneas. Outra atividade também atesta esta afirmação.
Esta manifestação folclórica realmente marcou a vida de Silveira Jr e pelo que
ele apresenta, marcou também o povo de Rio Branco:
Percebe-se nesta descrição a ênfase que Silveira Jr dá para esta festa que
tanto marcou a sua infância, provavelmente, pelo mesmo caráter de espetáculo que
132
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p.150
133
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p 148
134
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p170-172
48
Silveira Jr diz ter encanto pelo valor que sua mãe, analfabeta, dava à
instrução. Não menciona se seus irmãos tiveram o mesmo caminho que o dele no
ensino, mas ele, perto de seus oito anos, que seria aproximadamente no ano de
1925, foi matriculado pela mãe na Escola Mista do Núcleo Rio Branco. Situada na
sede do núcleo, próximo da igreja e da casa da agência postal, “era uma
modestíssima escola que ministrava apenas três anos de aula”135.
A Escola Mista do Núcleo Rio Branco é uma típica escola rural, também
conhecida como escola isolada. A denominação “mista” no nome da escola sugere,
ao mesmo tempo, duas possibilidades: a de que a escola era freqüentada por
meninos e meninas e outra que está ligada a questão da escola ser multisseriada,
ou seja, todos os alunos ficavam na mesma sala com o mesmo professor, que, por
sua vez, era o responsável por todos os encargos da pequena escola, ministrando
aula para os três níveis de aprendizagem e conhecimento que a escola fornecia. E
como podemos perceber nas falas de Silveira Jr, a Escola Mista do Núcleo Rio
Branco se encaixa nas duas situações.
Ao falar do seu primeiro dia de aula na Escola Mista, Silveira Jr diz lembrar-se
de quando “o professor chamou todos os meninos e meninas que haviam começado
o primeiro ano naquele dia” para que escrevesse o alfabeto em suas lousas136. A
análise de um relatório administrativo do núcleo Rio Branco, possibilita constatar,
através da lista de freqüência e do resultado dos exames finais, que em 1918 a
escola já possuía esse caráter misto em relação ao gênero dos alunos. Mas tanto a
primeira quanto a segunda situação foram alvos de amplas discussões quando das
reformas no sistema de educação brasileiro.
O que pode ser considerado o marco ou, talvez, um impulso inicial dessa
reforma do ensino no Brasil, é a reforma educacional do Estado de São Paulo
guiada por Caetano de Campos a partir do ano de 1893, que serve de modelo para
135
SILVEIRA JR, Norberto Candido. Memórias de um menino pobre. Blumenau: Hemisfério Sul,
2009. p.122
136
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit.,p.122
49
outros Estados brasileiros, inclusive Santa Catarina 137 . Esta independência dos
Estados em relação ao ensino público, que pode ser um dos motivos para a
precariedade do ensino primário devido ao investimento que determinadas regiões
não poderiam fazer138, é herança do período imperial que, através do Ato Adicional
de 1834, atribui às Províncias as responsabilidades para com o ensino primário e
secundário, ficando à cargo da Província a legislação, organização e a fiscalização
da educação.
Depois, com a República e a constituição de 1891 praticamente nada interfere
nas competências no que tange a educação, ficando fundamentado pelo princípio
federativo a descentralização do ensino e determinada a responsabilidade dos
Estados e dos municípios para com o desenvolvimento do ensino primário e
secundário, ficando à cargo da União apenas o ensino superior139. A influência do
Estado de São Paulo chega em Santa Catarina no governo Vidal Ramos, com a Lei
nº 846 de 11 de outubro de 1910, coordenada por Orestes Guimarães, trazido de
São Paulo pelo governador catarinense. E como principal obra dessa reforma está o
novo tipo de escola, já existente no Estado de São Paulo, criado em Santa Catarina,
o chamado Grupo Escolar140.
Esse tipo de escola também aparece nas memórias de Silveira Jr, apesar de
apenas uma nota, ela informa o acompanhamento da cidade de Joinville na cena
nacional da educação. O autor fala que quando sai de Rio Branco, com 15 anos, em
1932, vai para Joinville e é matriculado no Grupo Escolar Conselheiro Mafra141. Este
tipo de escola é criticado pelo jornal Gazeta do Commercio, como sendo o tipo de
escola que não serve para se estabelecer em colônias: “Deixemo-nos de grupos ou
escolas modelos em colônias; criemos escolas, mas escolas de verdade, com
professores de verdade, e não academias com professores de cacaraçás”142. Os
grupos escolares tem como características o ensino graduado, a divisão de
atividades entre diferentes professores para diferentes séries, e todas as atividades
sobre a supervisão de um diretor, se tornando a escola modelo criticada pelo jornal
137
SCHUELER, Alessandra F. M. de; MAGALDI, Ana M. B. de M. Educação escolar na primeira
república: memória, história e perspectivas de pesquisa. p. 42
138
LOPES, Silvana Fernandes. A educação escolar na primeira república: a perspectiva de Lima
Barreto. p.2
139
SCHUELER, Alessandra F. M. de; MAGALDI, Ana M. B. de M. op. cit., p. 39 e 40
140
FAGUNDES, José; MARTINI, Adair Cesar. Políticas educacionais: da escola multisseriada à
escola nucleada. Olhar de professor. Vol 6. No 1. Ponta Grossa, 2003.p. 102
141
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p123
142
Gazeta do Commercio. Ano 2. n 78. Joinville 6 de Outubro de 1915. Arquivo Histórico de Joinville.
50
joinvillense. Esta crítica tem a ver com a ampla discussão sobre o ensino que
decorre no período de tal publicação. Com o surgimento de uma nova burguesia
após a Primeira Guerra Mundial, devido a industrialização e a urbanização do Brasil,
surge a necessidade, por parte desta nova burguersia, de um maior acesso à
educação. Este fato traz maiores discussões nesse campo143.
O escolanovismo surge, então, como uma das principais vertentes da reforma
educacional brasileira. Baseado em um conjunto de preocupações os escolanovistas
apresentam diretrizes para mudanças das práticas e dos saberes escolares. Com
maior ênfase na década de 20, a escola nova incita mudanças como a introdução
das ciências naturais no ensino primário, principal exemplo das apropriações dos
saberes e práticas sociais para o ambiente escolar, juntamente com o método
intuitivo, que trariam ao estudo da natureza como uma concepção evolucionista da
ciência e do homem. E como principal meta da escola nova, se tem a incorporação
de toda a população infantil ao ensino144, o que tem ligação com o “entusiasmo pela
educação”, e um “otimismo pedagógico”, que, por sua vez, estão relacionados a
idéia de que a educação é a solução para o Brasil republicano.
Outra mudança pautada pela escola nova e também devido as características
da nova situação política do Brasil, a república, ou seja, Estado e Igreja separados, é
a laicização do ensino e a co-educação de meninos e meninas. Neste âmbito
travam-se lutas entre escolanovistas, que defendiam também uma escola pública
igualitária, sem privilégios para determinados grupos e a Igreja Católica, que detinha
o comando das instituições de ensino elitstas, logo, ia contra a ideia do
escolanovismo, inclusive pela já citada questão da laicização do ensino e a co-
educação145.
Mas o alcance de todas essas mudanças não chegou a todo o território
brasileiro. Na Primeira República, a presença de escolas nos moldes do século XIX,
como as escolas isoladas e multisseriadas, é constante principalmente nas regiões
mais afastadas, principalmente no meio rural146. Exemplo dessa permanência é a
própria escola em que Silveira Jr teve sua primeira formação. Mas algumas
mudanças, principalmente na questão de método de ensino aparecem também na
143
ARANHA, Maria L. História da educação. São Paulo: Moderna, 1996. p. 198
144
VIDAL, Diana Gonçalves. Escola nova e processo educativo. In: LOPES, Eliane Marta Santos
Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive. 500 anos de educação no
Brasil.3. ed. Belo Horizonte : Autêntica, 2003.p. 509 e 512
145
ARANHA, Maria L. História da educação. São Paulo: Moderna, 1996. p. 198
146
FAGUNDES, José; MARTINI, Adair Cesar.op.cit., p100
51
escola do Núcleo Rio Branco: “O método adotado tem sido o Socrático ao serviço do
ensino intuitivo, simultâneo e coletivo, baseado na observação e experiência,
quando não na exposição” 147 , este método consiste de duas partes: a ironia,
“processo negativo e destrutivo de descoberta da própria ignorância” e a maiêutica
(relativo ao parto), “é construtiva e consiste em dar à luz novas idéias”148. Assim
como Silveira Jr, o jornal Gazeta do Commercio, periódico da cidade de Joinville,
fala da estrutura da casa como sendo de pouco espaço já em 1915, além de relatar
outros problemas que a escola possuía como a questão das diferentes
nacionalidades e a precariedade, quando não a ausência, de material didático149.
O professor, seu Cantalício Érico Flores, “era um homem de conhecimentos
gerais muito acima de um professor de primeiras letras [...] homem patriota, que não
deixava uma data cívica sem uma festa e dúzias de recitativos”150. Quando Silveira
Jr havia entrado para a escola, como já dito, aproximadamente em 1925, Cantalício
já havia ocupado o cargo de farmacêutico e zelador do antigo núcleo colonial, além
de exercer a função de subdelegado do distrito policial do núcleo Rio Branco desde
1920 e também havia sido designado professor da Escola Mista do Núcleo Rio
Branco neste ano em que Silveira Jr entrava para a escola, como mostra a carta
enviada pela Secretaria do Interior e Justiça do Estado de Santa Catarina ao
professor151.
Isto pode justificar a característica de grandes conhecimentos gerais que
Silveira Jr recorda dele que, inclusive, era característica normal de professores deste
tipo de escolas, por geralmente serem escolhidas pessoas que tinham amplos
conhecimentos gerais e não profissionais da educação, devido ao fato de que a
formação de professores para o ensino primário no Brasil neste período era ainda
muito precária. Esta precariedade na formação do professor primário é uma situação
que se arrasta do império que não tinha a preocupação da educação da massa
popular. O que leva o Estado a “improvisar” professores de diversas áreas
147
Relatório administrativo do Núcleo Colonial Barão do Rio Branco. 1918. Arquivo Histórico de
Guaramirim.
148
ARANHA, Maria L. op. cit., p. 44
149
GAZETA DO COMMERCIO. Ano 2. N 92. Joinville, 24 de Novembro de 1915. Arquivo Histórico de
Joinville.
150
SILVEIRA JR, Norberto Candido. op. cit., p. 123
151
Carta da Secretaria do Interior e Justiça do Estado de Santa Catarina designando o professor
Cantalício Érico Flores ao cargo de professor da Escola Mista do Núcleo Rio Branco. Arquivo
Histórico de Guaramirim.
52
profissionais para suprir a escassez existente 152 . Não seria diferente em Santa
Catarina, que tem como um dos seus “grandes problemas [...]a formação da grande
maioria dos docentes, os quais, além de serem mal qualificados, não tinham um
comprometimento com um ensino de qualidade” 153 . A formação de professores
também está em pauta na discussão das reformas do ensino brasileiro, com a
reformulação das disciplinas nas Escolas Normais, também com influência da escola
nova principalmente na década de 20, mas mudança considerável só aparecerá
realmente a partir de 1930 com o governo Vargas.
“Eu me lembro como se fosse hoje do meu primeiro dia de aula. Levei uma
lousa(First Quality, Morton London, Made in England) e um lápis também de pedra,
da mesma aristocrática origem inglesa”. Este era o principal material utilizado na
Escola Mista do Núcleo Rio Branco, segundo Silveira Jr, a lousa e o lápis de pedra,
era ali que aprendiam o alfabeto e faziam suas lições. Outro material citado pelo
autor é a famosa Cartilha, da Série Fontes, impressa em Florianópolis, na livraria
Entres, mas esta cartilha era apenas para alfabetização dos alunos, e pelo menos
em Rio Branco, como mostra um artigo sobre ensino no núcleo no jornal Gazeta do
Commercio, ano de 1915, o professor criava, à mão, o chamado caderno ponto,
principalmente para o estudo de história do Brasil e geografia e também mapas154.
Estes cadernos são constituídos de pontos sobre o tema proposto, toma-se como
exemplo um caderno ponto de geografia155 encontrado no Arquivo de Guaramirim:
apresenta informações “principais” geográficas. Começa com o continente
Americano, apresentando os países e suas capitais (divisão política), especificando
a Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, EUA, México. Divisão política da Europa.
Apresenta as características geográficas do Brasil como: divisão política, geografia
do solo, bacias fluviais, clima, flora e fauna, rios, agricultura, mineral, indústria
extrativa, pecuária, comercio interno, pesca. Então foca-se no estado de Santa
Catarina com informações como: divisão política, lista de municípios e vilas, portos,
produção.
O papel e a caneta vão aparecer apenas nos últimos anos em que Silveira Jr
freqüentou a escola, e somente para fazer o exame final que, era realizado ao final
152
ACCÁCIO, Liéte Oliveira. Formando o professor primário: a escola normal e o instituto de
educação do Rio de Janeiro. p. 2
153
FAGUNDES, José; MARTINI, Adair Cesar.op.cit., p101
154
Jornal Gazeta do Commercio. Ano 2. N 92. Joinville, 24 de Novembro de 1915. Arquivo Histórico
de Joinville.
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Caderno ponto de geografia. Arquivo Histórico de Guaramirim
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de cada ano para avaliar os alunos, “seu Cantalício convidava as pessoas mais
importantes de Bananal para delas participarem.”156 Estes exames finais possuem
caráter festivo na localidade e estará ligado à atividades cívicas. Estas atividades
cívicas são comuns nas escolas republicanas, além da disciplina de instrução moral
e cívica, são muito constantes os festejos de datas cívicas nas escolas. Esta ênfase
às questões cívicas faz parte do projeto da escola primária republicana, fazendo
parte da construção da nação. Através de formas diversas como, a presença de
símbolos patrióticos no cotidiano da escola, as datas festivas, o calendário escolar
com base no calendário cívico e também as leituras apresentadas aos alunos, se
consegue levar para toda a comunidade em torno da escola a mensagem patriota157.
O jornal Gazeta do Commercio, no mesmo artigo em que critica as escolas modelos
em colônias, apresenta o patriotismo da escola do núcleo Rio Branco:
A 3 de Maio fez-se a festa da Bandeira... Com que entusiasmo, com que
gosto aprenderam o hino! E no dia da festa foi preciso fazer sorte para
saber-se qual a menina que deveria içar a bandeira... Choviam empenhos
de famílias alemãs para que fosse uma menina alemã a que tivesse a dita;
o mesmo com as famílias letãs. Afinal, a sorte decidiu que fosse uma
brasileira, mas quando essa içava a bandeira vagarosamente,
acompanhando a musica do hino, duas meninas alemãs, colocadas ao lado
do mastro cobriam a nossa bandeira de flores, com os olhos umedecidos
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pelas lágrimas da emoção .
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Relatório administrativo do Núcleo Colonial Barão do Rio Branco. 1918. Arquivo Histórico de
Guaramirim.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Núcleo Colonial Barão do Rio Branco foi uma colônia como tantas outras no
Brasil, apesar de sua existência ter sido curta. Mas possuía suas particularidades,
como a forma de distinção social, as características dos colonos.
A biografia se torna uma ferramenta para o historiador a partir do momento
em que ela permite buscar aspectos de uma época e de um lugar quase
imperceptíveis, específicos da sua abordagem. E é a partir da biografia que esta
pesquisa consegue encontrar, na análise de uma autobiografia, uma caracterização
do contexto de Rio Branco inserido nas memórias de Silveira Jr.
A memória cria pontos de referência ao lembrar de acontecimentos passados,
pontos que servem para que o indivíduo delimite as suas lembranças e as
desenvolva. Na obra de Silveira Jr, Memórias de um menino pobre, estes pontos
também estão presentes e é através deles que buscou-se as características do
contexto em que o autor está inserido.
O principal objetivo de Silveira Jr é, através da sua obra, mostrar a vida das
famílias pobres de Rio Branco. Essa discussão sobre a pobreza toma uma grande
dimensão, que mostra a marca que esta trajetória de pobreza deixou nas memórias
do autor. Em boa parte da obra ele procura falar sobre o que pensa serem os
motivos dessa condição da sua família e tantas outras em Rio Branco. Como uma
forma da memória através do ressentimento, que busca elementos de culpa para
determinada situação. Entre estes motivos estão: a geografia do lugar, o abandono
do governo e a desinformação dos colonos.
A geografia que Silveira Jr descreve da região do núcleo pode ser válida, mas
não significa que é ela realmente a culpada do empobrecimento do colono. Nem
esse abandono, que o autor tanto critica, exageradamente, do governo marca
praticamente toda a existência do núcleo, mas que é um problema comum em
colônias. Pelo fato de que os jornais apresentam o núcleo como próspero, é que se
contrapõe a idéia de Silveira Jr, mas a falta de mais documentação sobre o tema
acaba limitando a pesquisa a certas considerações.
Através de características que Silveira Jr apresenta no decorrer da obra
identifica-se esse colono como de origem litorânea. Além do desconhecimento de
técnicas relacionadas à agricultura, tem a popularidade de manifestações folclóricas
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vida, essas lacunas se tornam mais difíceis de se resolver. Mas com futuros avanços
do Arquivo Histórico de Guaramirim com essa documentação pensa-se em tentar
preencher estas lacunas que ficaram abertas devido a essa falta.
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6 REFERENCIAS
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: Usos & abusos da história oral. 6ed. Rio
de Janeiro: Editora FGV, 2005.
DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo : Edusp,
2009.
LEAL, Lia Rosa. Silveira Jr, imortal. Original cedido pela autora.
LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: Usos e abusos da história oral. 6ed. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2005.
SÁ, Katiuscia de. Resenha Cem anos de solidão. Argumento.net, 2009. Disponível
em: http://www.argumento.net/cena-critica/literatura/cem-anos-de-solidao.
VIDAL, Diana Gonçalves. Escola nova e processo educativo. In: LOPES, Eliane
Marta Santos Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia
Greive. 500 anos de educação no Brasil.3. ed. Belo Horizonte : Autêntica, 2003.
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FONTES