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PUC-SP
São Paulo
2016
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
São Paulo
2016
Banca Examinadora
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AGRADECIMENTOS
Ao CNPq pela concessão de bolsa de estudo, apoio este fundamental para a realização
desta pesquisa
Ao querido mestre e amigo Prof. Dr. Norval Baitello Junior, ao qual agradeço pela
acolhida amigável e leve. Tê-lo como orientador é uma dádiva.
É preciso reconhecer aqueles que foram fundamentais antes mesmo deste trabalho vir à
tona: meu agradecimento aos professores da Universidade Estadual de Londrina, Dirce
Vasconcellos Lopes, Miguel Luiz Contani e Alberto Klein pelos diálogos em tempos de
graduação e mestrado, e por fomentarem em mim o espírito de pesquisador.
Aos professores Amálio Pinheiro e Lucrécia D’Aléssio Ferrara, pelas aulas inspiradoras.
A Profa. Malena Contrera, pelo pensamento transgressor.
Aos professores presentes na banca de qualificação Profa. Dra. Christine Mello e Prof.
Dr. Maurício Ribeiro da Silva pela leitura criteriosa e contribuições fundamentais à
pesquisa.
A minha querida companheira Danielly, que pacientemente me apoiou desde o início desta
jornada partilhando angústias e alegrias, nunca deixando de me incentivar.
Sou grato também aos familiares de Londrina, pelos ensinamentos de vida e incentivo.
Aos queridos amigos do CISC e do Arquivo Vilém Flusser São Paulo, em especial Diogo
A. Bornhausen, Camila L. Garcia e Luiza S. Amaral, junto aos quais caminhei nestes
últimos anos partilhando experiências e principalmente, aprendendo.
Aos deuses e anjos.
Paul Klee
Angelus Novus (1920)
Desenho à nanquim, giz pastel e aquarela sobre papel
RESUMO
ABSTRACT
The main objective of this research is to examine whether imagination can be configured
as an “archaeological tool” over the image in its saturated media environments. The work
begins considering Google Street View as its media environment and we affirm that
inflation and continuous dissemination of images by its apparatuses causes a
anaestheticization of senses. The selected corpus of analysis was the photographic act of
German photographer Michael Wolf in the series titled Street View, in which author takes
photos, through computer screen, from Google Street View site. By this object, one
analyzes the inventive and delved character of this photographic dynamic over the images,
which one suggests an archaeological nature in this photographic act. By this point, the
idea of an archeology of image is here evoked in the sense of depth perception, which
points not only to past traces hidden in the depths of the image, but also prospect signal
elements that indicate future tracks in it. Therefore, one justifies the need for this
archaeological sight, as a way to overcome the celebrated superficial visuality in mediatic
images, and our suggested hypothesis is that the archaeological tool, which is able to delve
on the image is imagination. Consequently, imagination would operate as a point of
equalization in front of saturated visual media environments. The methodology adopted
was an approximation to the object, which took place oblique cuts and a broader target,
one considers for an Archeogenealogy of concepts and theories. The research approaches
aspects of Image Theory in Walter Benjamin, Aby Warburg, Hans Belting and Norval
Baitello Jr., about media environments and how images in excess dulls perception, there
was discussion with reflections of Theory of Media in authors like Vilém Flusser –
concepts of reign of garbage and escalating of abstraction - Dietmar Kamper (imaginary
orbit and force of imagination) and Malena Contrera, concept of mediasphere. Regarding
the concept of imagination, one argues based on Bachelard, and about visual thinking we
consider reflections from Arnheim and Damasio. As a result, therefore, we emphasize how
imagination is configured as an archeology of image based on three aspects: thought by
images, optical unconscious and distraction. Thereby, one reaffirms the fundamental role
of the imagination, and thus the body, in its anthropological relationship with images.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Carro do Google Street View .............................................................................. 19
Figura 2- Trekker do Google Street View ........................................................................... 19
Figura 3- Trolley do Google Street View ............................................................................ 20
Figura 4- Motoneve do Google Street View ....................................................................... 20
Figura 6- Coleta de imagens ............................................................................................... 21
Figura 7- Alinhamento de imagens ..................................................................................... 21
Figura 8- Como transformar fotos em panoramas de 360˚ (I) ............................................ 22
Figura 9- Como transformar fotos em panoramas de 360˚(II)............................................ 22
Figura 10- The real toy store (instalação) ........................................................................... 25
Figura 11- Architeture of density ........................................................................................ 25
Figura 12- Frame do documentário Peeping. Michael Wolf procura imagens no GSV. .... 26
Figura 13- Frame do documentário Peeping. Michael Wolf fotografando. ....................... 27
Figura 14- a Series of unfortunate events (1) ..................................................................... 29
Figura 15- a series of unfortunate events (2) ...................................................................... 29
Figura 16- Paris (1) ............................................................................................................ 30
Figura 17- Paris (2) ............................................................................................................ 30
Figura 18- Eiffel Tower (1) ................................................................................................. 31
Figura 19- Eiffel Tower (2) ................................................................................................. 31
Figura 20- Manhattan (1) ................................................................................................... 32
Figura 21- Manhattan (2) ................................................................................................... 32
Figura 22- Fuck you (1) ...................................................................................................... 33
Figura 23- Fuck you (2) ...................................................................................................... 33
Figura 24- Portraits (1) ...................................................................................................... 34
Figura 25- Portraits (2)....................................................................................................... 34
Figura 26- Interface (1)....................................................................................................... 34
Figura 27- Interface (2)....................................................................................................... 35
Figura 28- Transparent city(1) .......................................................................................... 36
Figura 29-Transparent city( 2) ........................................................................................... 36
Figura 30- Ouroboros ....................................................................................................... 115
Figura 31-Anel Benzênico ................................................................................................ 115
Figura 32- Sala de leitura da Kulturwissenschaftliche Bibliothek Warburg (Biblioteca
Warburg de Ciências da Cultura ................................................................................ 120
Figura 33- Detalhe do painel 48 do Atlas Mnemosyne. Fortuna. Símbolo do conflito
próprio do homem que conquista sua liberdade (comerciante). ............................... 120
Figura 34- Esquema de disposição das imagens para ilustrar conferência sobre astrologia
orientalizante. ............................................................................................................. 121
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO __________________________________________________________ 11
1 DA ESTRELA AO PIXEL, OU DA IMAGEM MÍTICA À MIDIÁTICA __________________ 17
1.1 Cartografia fotográfica no Google Street View ________________________________________________ 18
1.2 Em busca de imagens nas imagens ____________________________________________________________ 24
1.3 Escanear e cortar _______________________________________________________________________________ 35
1.4 A imagem como duplo __________________________________________________________________________ 37
1.5 A estrela, a orientação e a imagem mítica _____________________________________________________ 42
1.6 Imagem de culto ________________________________________________________________________________ 44
1.7 Imagem artística ________________________________________________________________________________ 46
1.8 Imagem e reprodutibilidade técnica __________________________________________________________ 48
1.9 O pixel, a desorientação e a imagem midiática _______________________________________________ 50
1.10 Imagem midiática e a subtração dos corpos ________________________________________________ 55
1.11 A escada positiva e o espaço imaginado _____________________________________________________ 57
1.12 Contaminações e intersecções ________________________________________________________________ 60
1.13 Ambiência de tensionamentos simbólicos __________________________________________________ 62
2 IMAGINAÇÃO COMO ARQUEOLOGIA DA IMAGEM ___________________________ 68
2.1 De Kepler a Kamper, ou da órbita planetária à órbita imaginária __________________________ 69
2.2 A órbita imaginária _____________________________________________________________________________ 70
2.3 Mediosfera e órbita imaginária ________________________________________________________________ 73
2.4 Dejetos e a premência de uma arqueologia ___________________________________________________ 75
2.5 Entre rastros e restos ___________________________________________________________________________ 79
2.6 Topografia irregular e háptica da imagem ____________________________________________________ 83
2.7 Rasgar e dialetizar ______________________________________________________________________________ 87
2.8 Nas dobras, as espacialidades __________________________________________________________________ 90
2.9 Tempo espacializado X instante decisivo _____________________________________________________ 92
2.10 Arqueologia como duração e duração como arqueologia __________________________________ 97
2.11 Quebrar espelhos e voltar ao corpo _________________________________________________________ 100
3 O PENSAMENTO POR IMAGENS _________________________________________ 103
3.1 Imaginação como força corporal _____________________________________________________________ 104
3.2 Vigiar e sentir __________________________________________________________________________________ 107
3.3 A imagem como pensamento _________________________________________________________________ 110
3.4 A serpente de Kekulé __________________________________________________________________________ 113
3.5 A serpente de Warburg ________________________________________________________________________ 116
3.6 A serpente de Wolf _____________________________________________________________________________ 122
3.7 O Inconsciente ótico, a fresta e o rastro ______________________________________________________ 124
3.8 O rastro como lapso e o fotógrafo como esgrimista _________________________________________ 129
3.9 A imagem como flor de Lótus _________________________________________________________________ 131
3.10 A distração na duração _______________________________________________________________________ 132
3.11 Sentar sem sedar _____________________________________________________________________________ 135
CONSIDERAÇÕES FINAIS _________________________________________________ 138
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ___________________________________________ 145
INTRODUÇÃO
Nesse âmbito, a problemática inicial que nos instigou – antes mesmo da proposição
do projeto de pesquisa vir à tona – foi: como lidar/perceber as imagens em um cenário cada
vez mais prenhe de visualidade? Obviamente que, após discussões sobre o projeto de
pesquisa, bem como reflexões instauradas no decorrer de leituras e dos cursos
frequentados, tal questão inicial foi lapidada, complexificou-se e articulou-se ao objeto de
estudo selecionado. Assim, o problema de pesquisa desta tese fundamenta-se em duas
perguntas: como é possível lidar mais harmonicamente com a imagem no contemporâneo
em plena era de sua desmesura? E, estando o corpo afetado diretamente pelo processo de
hipertrofia da visualidade contemporânea, porém sendo ele fundamental no processo de
produção e transformação das imagens, como é possível recuperar sua presença ativa neste
processo? Trata-se, como é sabido, de indagação importante já nas primeiras décadas do
século XX, cuja reflexão inspirou estudos fundamentais de autores como Walter Benjamin,
Guy Debord, Daniel Boorstin, Jean Baudrillard, Vilém Flusser, Aby Warburg, Dietmar
Kamper e de professores deste Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e
Semiótica, em especial Norval Baitello Jr., orientador desta pesquisa. Assim, em
consonância com a problemática de pesquisa, o objeto de estudo selecionado foi o ato
fotográfico empreendido pelo fotógrafo alemão Michael Wolf na série street view, em que
o autor fotografou, via tela do computador, imagens do site Google Street View.
11
aspectos correlatos e envolvidos no objeto analisado: pensamento por imagens,
inconsciente ótico e distração, os quais, acreditamos, contribuiriam para melhor
caracterizar essa dinâmica arqueológica e ampliariam o entendimento de que a imaginação
é uma força do corpo, conforme afirma Dietmar Kamper (1997, 2002a, 2002b, 2016).
Para além de uma pesquisa que vise apenas a comprovar sua hipótese, este trabalho
busca articular ao seu prognóstico um viés crítico sobre os conceitos, lastreando-os em
distintas nuances, projetando discussões, e assim, fomentar debates em torno da imagem na
atualidade, denominada neste trabalho de midiática. Sob essa perspectiva, na primeira parte
do capítulo Da estrela ao pixel, ou da imagem mítica à midiática, apresentamos o objeto
contextualizando-o ao problema da pesquisa – o ato fotográfico de Michael Wolf e seu
“método” de fotografar em meio à gigantesca tapeçaria imagética do Google Street View.
Nesse sentido, primeiramente elaboramos um panorama sobre o que é a ferramenta Google
Street View, como funciona e de que modo se desenvolvem as etapas subsequentes ao
registro automático das fotografias. Destaca-se a importância de configurar tal quadro, pois
ele encaminha a reflexão sobre características dos ambientes midiáticos contemporâneos,
como a quantidade exacerbada de imagens com intuito informativo e de entretenimento.
Na abordagem relacional entre a prática fotográfica do autor e a imagem midiática, nosso
eixo de investigação privilegia um viés antropológico. Isso posto, na segunda parte do
primeiro capítulo, dissertaremos sobre o que é a imagem e, diante desta complexa tarefa,
enfatizaremos sua dimensão cultural, a qual projeta diferentes “funções” da imagem e seus
distintos ambientes, tal como afirma Baitello Jr. sobre imagem mítica, cúltica, artística e
midiática. No encerramento do capítulo, refletiremos sobre possíveis consequências
socioculturais advindas do excesso de produção e disseminação de imagens, como a
constante “transformação” do mundo quadridimensional em superfície visual, e
projetaremos contaminações, intersecções e tensionamentos simbólicos entre imagens de
distintas épocas e ambientes, já que a divisão acima mencionada sobre o conceito não
objetiva compartimentar isoladamente significações.
12
esse cenário, portanto, aprofundaremos no capítulo Imaginação como arqueologia da
imagem, a reflexão iniciada no capítulo anterior a respeito das ambiências midiáticas
atuais impregnadas de visualidade, sob os conceitos de imaginário (Kamper, 2002, 2016)
e mediosfera (Contrera, 2010), os quais versam, grosso modo, sobre como as imagens
cerram nosso entorno e acossam nossa imaginação. Após essa etapa, estabeleceremos uma
metáfora entre imaginário/mediosfera e a reflexão de Vilém Flusser (1972) sobre o Reino
do Lixo, de modo a considerar que grande parte do conteúdo daquelas estruturas –
imagens inconsumidas e/ou mal digeridas – pode configurar-se como resíduo. A partir da
exposição crítica deste panorama e seu vínculo ao objeto de estudo, emergem as seguintes
questões: De que forma a imaginação poderia auxiliar nesse cenário de embotamento
perceptivo? Poderia ela configurar-se como uma arqueologia da imagem?
13
rememorar a concepção de Hans Belting (2006) de que as imagens nascem no corpo e
perfazem um trânsito fluido e ambivalente entre o ambiente interno e seus suportes
externos, como céu, caverna, papel, tela, etc. Ou seja, a imagem está em devir nos espaços
entre, e a força que age nessas transmutações é a imaginação, de origem endógena,
portanto, corporal.
14
A investigação que adotamos nos parece oportuna na abordagem em relação à
imagem e ao objeto selecionado. Estando aquela em contínuo devir, incorporando
elementos e amplificando-se ambientalmente, empregaremos o método de campo de
observação, configurado como movimento de aproximação ao empírico. Tal como em um
sítio arqueológico – ambiente caro a esta pesquisa –, balizamos áreas e delimitamos
recortes específicos, que, no entanto, puderam ser ampliados ou reduzidos conforme o
olhar que se pretendia ao objeto. Como no espaço arqueológico, sabe-se que,
independentemente do tamanho do objeto encontrado, todos os rastros são fundamentais à
compreensão dos fenômenos. É nesse diapasão de Arqueogenealogia (Severino, 2007)
que a metodologia desta pesquisa se faz, recolhendo rastros, considerando teorias e
conceitos e os colocando em uma relação síncrono-diacrônica com o objeto.
15
as imagens, o que de certa forma é uma derivação da célebre frase de Harry Pross (1972)
de que “toda comunicação começa e termina no corpo”1.
1
“Toda comunicação humana começa na mídia primária, na qual os indivíduos se encontram cara a cara,
corporalmente e imediatamente, e toda comunicação retorna para lá” (Pross, 1972. p. 128). Citado a partir de
Menezes, 2015.
16
1 DA ESTRELA AO PIXEL, OU DA IMAGEM MÍTICA À MIDIÁTICA
2
Utilizaremos, a partir deste ponto do texto, a abreviação GSV para referenciarmos o Google Street View.
17
1.1 Cartografia fotográfica no Google Street View
Ainda no ano de 2003, conforme explica Levy (2012, p.427), o Google compra a
empresa de mapeamento por satélite Keyhole e, a partir disso, desenvolve produtos que
se utilizam de geodados. Em 2006, surge o Google Maps e, oriundo deste, em 2007,
nasce o GSV “como consequência da fome onívora por geodados” (LEVY, 2012, p.427).
No seu ano de estreia, a ferramenta exibia timidamente fotografias de cinco cidades
americanas; no ano seguinte, mais de 30 países já contavam com o serviço de
mapeamento fotográfico4.
Atualmente, as fotos são obtidas por quinze câmeras fotográficas – com sensores
de GPS para georreferenciamento – afixadas em uma espécie de tripé localizado
aproximadamente a dois metros acima do veículo que o carrega. Inicialmente, apenas
carros transportavam as câmeras fotográficas, no entanto, com a expansão do projeto e a
impossibilidade de os veículos entrarem em ambientes de difícil acesso, as câmeras foram
também afixadas em motos, bicicletas, barcos, motoneve, camelos e transportadas por
pessoas e mergulhadores no fundo do mar. Dessa maneira, percorrem-se ruas, avenidas,
estradas, passagens, vales, desertos, campos nevados, fundo do oceano, aeroportos,
shoppings, arenas esportivas, museus, enfim, quaisquer lugares que possam ser registrados
para a confecção dos mapas imagéticos.
3
In “História Universal da Infâmia”. Tradução de Davi Arrigucci Jr. Companhia das Letras, São Paulo,
2012.
4
Sabe-se que, além do serviço de mapeamento fotográfico, o GSV se utiliza de geodados comprados de
governos nacionais e regionais que permitem ao usuário doméstico, quando navega pela ferramenta,
deparar-se involuntariamente com sugestões de serviços como restaurantes entre outros. A despeito da
complexidade e multiplicidade de dados contidos no GSV, nos interessa, sobretudo para o desenvolvimento
da pesquisa, a capacidade deste ferramental em mapear fotograficamente.
18
Conforme os veículos (ou pessoas) do Google andam, as câmeras digitais
fotografam automaticamente e em intervalos regulares, registrando imagens em
angulações de até 290º na vertical e 360º na horizontal, que depois são alinhadas e
“costuradas” por softwares que também suavizam a transição entre as imagens e simulam
o efeito estereoscópico5 de tridimensionalidade para a exibição no site e no aplicativo.
Dessa forma, quando os acessamos, é possível procurar por ursos polares na tundra
canadense, visitar a Estátua da Liberdade ou um beco de Nova York, as falésias da ilha
de Sardenha, o ambiente subaquático de Fernando de Noronha, grandes museus e até
explorar a vila do Papai Noel na Finlândia, tudo mediado pelas fotografias do GSV.
5
No capítulo 2 abordaremos de forma mais aprofundada a estereoscopia no GSV.
19
Figura 3 - Trolley do Google Street View
6
Os dados aqui inseridos referem-se a 03 de janeiro de 2016. Após fevereiro deste mesmo ano, o Google
indisponibilizou as informações sobre o Street View.
20
petabyte = 1 milhão de gigabytes). A fim de aprimorar a interface de uso, o GSV integra,
desde o segundo semestre de 2015, a plataforma Google Maps, unificando assim os
“produtos de imagens do Google”, e já conta tanto com aplicativos para celular que
permitem ao próprio usuário comum registrar determinado lugar, gerar uma fotografia
“esférica” e publicá-la no google.com quanto com uma ferramenta exclusiva para
empresas que queiram, supostamente, aumentar sua visibilidade na rede, o Street View
Trusted7.
21
Figura 8- Como transformar fotos em panoramas de 360˚ (I)
Com mais de 10 milhões de seguidores nas redes sociais e uma colaboração cada
vez mais constante dos usuários para o mapeamento, o Google, não raro, é alvo de
críticas, já que as imagens de Street View invadiram a privacidade das pessoas e, mesmo
com a ferramenta de “borramento” automático do rosto, o projeto, desde seu início,
causou polêmica, pois poderia expor pessoas a situações indesejadas
22
Nesse sentido, tendo em vista questões internas de segurança8, o GSV não é
permitido em parte da África e em países islâmicos como a Arábia Saudita, que alegam –
além da segurança nacional – invasão da privacidade de seus cidadãos. Por serem
produzidas por meio de captura automática e intermitente das câmeras fotográficas,
esporadicamente são publicadas no site imagens constrangedoras ou mesmo violentas de
pessoas tropeçando, assaltos e mesmo cadáveres nas ruas. Para resolver essa questão de
“odd or unpleseant moments” (momentos constrangedores ou ímpares) como é
denominado pela empresa, o Google criou um ícone na própria página chamado de
“report a problem”, no qual o próprio usuário solicita uma revisão de conteúdo nas
fotografias publicadas, o que na maioria das vezes é rapidamente atendido e as imagens
“constrangedoras” prontamente retiradas do ar. Dessa forma, fotos alusivas à violência,
pessoas abordando prostitutas, fazendo gestos obscenos ou qualquer outra “impertinência”
não fazem parte do estatuto de visibilidade do GSV.
8
Assange (2015) de certa forma corrobora essa desconfiança ao afirmar que o Google Maps e o Street View
recebem sistematicamente financiamento do serviço de defesa americano.
9
De acordo com estimativas recentes de fabricantes de câmeras digitais e de empresas de produtos químicos
usados na revelação de fotografias analógicas, a cada dois minutos são produzidas mais fotografias no mundo
do que todo o montante produzido no século XIX. Estima-se ainda que em 1930 produzia-se 1 bilhão de
fotos/ano; em 1960, 3 bilhões; 1970, 10 bilhões. A partir do ano 2000 (popularização massiva da fotografia
digital), esse número alcançou 86 bilhões de fotos por ano; em 2013 estaria na ordem de 380 bilhões de fotos
por ano e no ano passado, 880 bilhões de fotos/ano. Fonte: http://www.popphoto.com/news/2013/05/how-
many-photos-are-uploaded-to-internet-every-minute. Acesso em 07/07/2015.
10
Trivinho (2007, 2015) explica o conceito de existência em tempo real partindo do fundamento
sociocultural contemporâneo em que o ciberespaço e a cibercultura são matizes predominantes na civilização
midiática, que tem na comunicação eletrônica sua principal característica. Segundo o autor, o existir em
tempo real transcende o “existir a distância”, mas articula-se pelo modo como o sujeito se põe na e através da
rede. Trata-se de um reescalonamento da vivência cotidiana, presencial e material, para uma vivência no
ciberespaço. O existir em tempo real “sustém, em sua fenomenologia, o condicionamento do valor, da
validade e atualidade do ser e do agir no mundo à exigência social reinante de inserção na visibilidade
mediática” (2007, p.13), dessa forma, afirma o autor, dos fatos econômicos aos culturais, do trabalho ao
tempo livre, o existir em tempo real cumpre papel fundamental na dinâmica do capitalismo contemporâneo,
como demonstra o exemplo citado no texto sobre a ferramenta business view do GSV, na qual empresas
pagam ao Google em busca de melhorar sua visibilidade na plataforma.
11
A empresa não divulga um número exato ou aproximado sobre a quantidade de imagens presentes em seu
domínio, menciona apenas em seu site que são “dezenas de milhões de fotografias”.
23
acessos12 passa pelo portal google.com. Singrar entre essas imagens do Street View,
porém, de maneira consciente, dialetizar, perceber e extrair singularidades, algo para
além de sua superficialidade, constitui-se como árdua e exaustiva tarefa e, é neste âmbito
que fotografar a partir das fotos do GSV, torna-se, ao nosso ver, interessante objeto de
pesquisa que merece cuidadosa apreciação.
Após críticas positivas sobre esse primeiro trabalho, Wolf desenvolveu projetos
cujos temas abrangem a arquitetura e a vida nas grandes cidades, como o architeture of
density que exibe, além da estética formal e funcional das construções do skyline de
Hong Kong, aspectos contemporâneos que denotam a emergência de um simbólico poder
econômico da região.
12
Pesquisa realizada pela Serasa Experian no ano de 2013 aponta que no Brasil 91,3% das buscas na internet
são realizadas pelo portal google.com. Disponível em: http://olhardigital.uol.com.br/noticia/google-lidera-
buscas-no-brasil-mas-bing-e-mais-relevante-diz-estudo/38245. Acesso em 07/07/2015.
13
Médico e autodidata em fotografia, Otto Steinert (1915-1978) lecionou inicialmente na Staaliche Schule
für Kunst und Handwerk, em 1949 funda o grupo Fotoform, responsável por experimentações de vanguarda
na fotografia. A partir de 1959 leciona na School of Design de Essen, onde Michael Wolf estudou.
24
Figura 10- The real toy store (instalação)
No ano de 2008, por conta de uma oferta de emprego a sua esposa, Wolf mudou-
se para Paris e passou a se questionar sobre como poderia fotografar uma cidade
registrada belamente pelas lentes de fotógrafos como Eugène Atget, Henri
Cartier-Bresson, Robert Doisneau e Willy Ronis. Além do que, o autor vislumbrava uma
Paris ainda velha, que não havia substancialmente mudado de paisagem nos últimos 100
anos. De que maneira fotografar uma cidade cheia de clichês visuais e que pouco
25
mudara?14. Como passava a maior parte do tempo em casa, resolveu conhecer a cidade-luz
por meio do site GSV, que estava no ar há pouco mais de seis meses.
Figura 12- Frame do documentário Peeping. Michael Wolf procura imagens no GSV.
14
Entrevista concedida ao British Journal of Photography. Disponível em: https://vimeo.com/20667709.
Acesso em 08 de fevereiro de 2013.
15
Câmeras fotográficas de médio formato, seja com a utilização de película ou no suporte digital, afirma
Hedgecoe (2013, p.15), produzem imagens de alta qualidade e possibilitam ampliações detalhadas,
impossíveis de serem realizadas com câmeras fotográficas do tipo reflex, cujo tamanho do sensor e
consequentemente da imagem é menor em relação às câmeras de médio formato.
16
Com base em Baitello Jr. (2005), distinguimos os conceitos de visualidade e visibilidade da seguinte
forma: sobre o primeiro, pode-se citar a experiência cultural contemporânea de transformar o mundo
concreto em imagens, em visualidade, que em sua dimensão excessiva condena à invisibilidade. A
visibilidade está no âmbito de uma efetividade perceptiva simbólica da visualidade, portanto, pode-se dizer
que esta instância é a de um pathos, aquilo que efetivamente, dentre uma visualidade narcotizante (pois nem
tudo o que é visual se torna visível), nos impressiona, ou seja, transita da visualidade para a visibilidade.
26
Figura 13- Frame do documentário Peeping. Michael Wolf fotografando.
Nessa série, portanto, denominada genericamente pelo autor de Street View17, suas
fotografias não remetem à realidade espaçotemporal, mas a uma realidade abstraída em
bidimensionalidade, a imagens que se desdobram em um espiral infinito de outras
imagens. O disparo do obturador opera como parte de um processo intenso de
garimpagem, deflagrando a abertura de um portal, de um vórtice imagético – tema sobre o
qual discorreremos posteriormente.
27
contentou-se em fotografar as paisagens impressas nas revistas. Por
ocasião da Guerra do Golfo (1991), a artista israelense Michel Rovner
realizou uma série de grandes fotografias das operações militares. Mas
não foi até o local, como um repórter teria feito: simplesmente
fotografou uma tela de televisão. Essa prevenção estética designa uma
situação visual onde o contato direto com o real se tornou impossível e
até mesmo supérfluo, onde o mundo ficou reduzido à sucessão de suas
imagens [...] em todos esses trabalhos, a fotografia não remete às coisas,
mas à espiral infinita, a outras imagens. Ao mundo das coisas sucede o
das imagens, e as próprias imagens tendem a tornar-se mundo.
(ROUILLÉ, 2009, p.144 e 145).
28
Figura 14- a Series of unfortunate events (1)
29
Figura 16- Paris (1)
30
Figura 18- Eiffel Tower (1)
31
Figura 20- Manhattan (1)
32
Figura 22- Fuck you (1)
Fonte: www.photomichaelwolf.com(2016)
33
Figura 24- Portraits (1) Figura 25- Portraits (2)
Fonte: www.photomichaelwolf.com(2016) Fonte: www.photomichaelwolf.com(2016)
Fonte: www.photomichaelwolf.com(2016)
34
Figura 27- Interface (2)
Fonte: www.photomichaelwolf.com(2016)
Ao olhar as fotos com lupa, Wolf notou em uma delas um homem mostrando-lhe o
dedo, pois havia percebido que estava sendo fotografado a longa distância. A partir desse
episódio, o autor passou a buscar nas fotografias elementos que rasgassem a
superficialidade imanente da imagem, vagueou pelas fotos tal qual Flusser sugere:
35
Como afirma Silva (2012) há uma armadilha típica do pensamento flusseriano ao
afirmar que o significado da imagem encontra-se em sua superfície. Para além dos seus
constituintes superficiais, reside na ação sobre ela – o modo como se estabelece esse
scanning – a articulação de significados. Dessa forma, o scanning de Wolf vagueia
meticulosamente pelas janelas mais distantes em busca de fatos inusitados e capturados
imotivadamente, encontrando vários deles. Sendo talvez um dos mais interessantes a
imagem em uma tevê que exibia uma cena do filme Janela indiscreta (1954) de Alfred
Hitchcock em que o ator James Stewart apontava sua teleobjetiva para o apartamento à
frente. Sobre esse episódio, poder-se-ia aqui refletir sobre um irônico encontro
escopofílico entre o ator e o artista que se dá nos interstícios da imagem, entre sua
estrutura e “impulsos no íntimo do observador” (FLUSSER, 2002, p.8) que geram
visibilidade por meio de novas fotografias que, ao acaso e aleatoriamente, exibem rastros
que se aninham nas dobras recônditas e fendas abissais da imagem.
36
de uma aparente fundamentação metodológica na dinâmica, Wolf enfatiza em entrevistas
o caráter intuitivo do processo.
Dessa forma, como objeto desta pesquisa, nos interessa especialmente a dinâmica
arqueológica empenhada pelo fotógrafo em busca de rastros, de outras imagens que se
escondem nas próprias imagens. Trata-se, assim, de investigar não as fotografias da série
mencionada, mas sim o processo fotográfico que ocorre amplamente na duração do ato –
compreendido pela expectação, clique e pós-clique - que se plasma em jogo imaginativo
e dialético, scanning que evoca, desdobra e também inventa imagens. Assim sendo, o
primeiro conceito que se apresenta como fundamental para a dinâmica da pesquisa é o de
imagem, aqui compreendido sob um viés cultural.
37
vieses, sobretudo, o antropológico e o interdisciplinar, já que, como afirma Belting (2009,
p.11), “nenhuma das disciplinas acadêmicas tem competência plena sobre as imagens, que
parecem estar em um âmbito de estudo de todas e não de uma em exclusivo”19. Em menor
intensidade, como auxílio fundamental a uma compreensão que se pretende
complexificada, algumas leituras historiográficas e da história da técnica e dos meios serão
também utilizadas. O que queremos enfatizar, já de antemão, é a incapacidade teórico-
conceitual da ciência em clarificar a totalidade do fenômeno imagem, que se
metamorfoseia continuamente.
Para além de uma compreensão reducionista deste conceito que se coloca, muitas
vezes, como “percepção visual de uma informação que nos chega por intermédio da luz
que entra em nossos olhos” (AUMONT, 1993, p.22), neste trabalho compreende-se a
imagem como uma somatória de processos culturais e, portanto, cumulativos, que não se
restringe à visualidade material externa que se apresenta, mas também corresponde a
aparições mentais e oníricas presentes nos meandros da imaginação.
A sombra, que é ser vivo para a criança, como fez notar Spencer, foi para
o homem um dos primeiros mistérios, uma das primeiras percepções de
sua pessoa. E, como tal, a sombra tornou-se a aparência, a representação,
a fixação, o nome do duplo, não somente os gregos com o Eidolon, como
também os Tasmanianos (Tylor), os Algonquins e numerosos povos
arcaicos empregam a palavra sombra para designar o duplo e,
simultaneamente, o morto [...] as superstições que traduzem o temor e a
inquietação suscitados pela sombra do vivo são da mesma natureza das
que exprimem o temor e a inquietação suscitados pelos mortos-sombras.
(MORIN, 1970, p.126 e 127).
19
“Ninguna, pues, de las disciplinas académicas tiene competencia plena sobre las imágenes, que parecen
caer en el ámbito de estudio de todas y de ninguna en exclusiva.” Tradução do autor.
38
Hans Belting (2007, p.178) afirma que, sendo o “morto sempre um ausente, e a
morte uma ausência insuportável, o homem produz imagem para lidar com seu vazio”20.
Recorre a uma sombra que também, a exemplo do corpo vivo, necessita de roupas, armas e
dos seus bens. Em pesquisas de campo, o paleontólogo francês André Leroi-Ghouran
encontrou restos de sepulturas do Paleolítico onde foram descobertos corpos inumados
com “adornos pessoais, rede de conchas, pingentes, colares [...] em construções funerárias
onde os corpos estavam protegidos por uma espécie de caixão” (s/d. p.67). Em princípio
análogo, sabe-se também que, no Egito Antigo, as pirâmides possuíam uma função de
morada dos corpos mumificados dos faraós com suas posses materiais. Há, dessa forma, a
percepção de que este corpo morto e mumificado não apenas representa, de maneira
mediada, o que fora aquele corpo em vida, mas é a própria pessoa plasmada em imagem
(ainda materialmente corporificado) que recebe uma concessão à perpetuidade.
20
“El muerto será siempre un ausente, y la muerte una ausencia insoportable, que, para sobrellevarla, se
pretendió llenar con una imagen.” Tradução do autor.
39
explica que, na língua alemã, a palavra bild (imagem) vem do germano arcaico bilidi, cujo
significado, por um lado, significa “essência, sinal, forma [...] uma ordem mágica da plena
presença idêntica àquilo que mostra”, corroborando o caráter pleno da imago.
A partir desses exemplos, portanto, a imagem não apenas pode exercer a função
paradoxal de exibir a “presença de uma ausência” (BELTING, 2007, p.178), mas também
confundir-se com o próprio objeto, projetar integralmente, investir-se da inteireza da
própria coisa, ser a presença de uma presença21, exibir-se como “mística de uma
homologia automática” (Machado, 2015).
40
tomar inteiramente o espaço da percepção e atenção humanas. A imagem
tira a sua força da assimilação e cria uma semelhança com o
representado. O bezerro é – quando visto da perspectiva do ritual – Deus.
A imagem e seu conteúdo fundem-se a ponto de serem indistinguíveis
(BOEHM apud WULF, 2013, p.29).
No atual cenário onde o GSV se propõe como uma tapeçaria de imagens costuradas,
estas se projetam, segundo Kamper (2002, p.7), em três funções: “a de presença mágica, a
de representação artística e a de simulação técnica, entre as quais existem múltiplas
intersecções e superposições”. Dessa forma, quando pensamos em nosso objeto de
pesquisa – o processo de fotografar imagens nas próprias imagens vinculado à ambiência
midiática contemporânea – para além das fotografias com objetivo cartográfico, há uma
complexa trama simbólica de elementos que vinculam outras modulações da imagem bem
como ambientes, gerando assim, outras visualidades e possíveis visibilidades que se
22
Nesta pesquisa, o conceito de mídia, bem como seu derivado midiático, não aponta para linguagens
restritivas nem aparatos técnicos difusores de informação, mas o amplia para a compreensão da Teoria da
Mídia que “vem se dedicando a exorcizar o fetichismo das linguagens (e técnicas) separadas do ambiente do
qual nascem e que fazem mudar. Por isso desloca-se o foco da mera informação transferindo as atenções para
a geração de vínculos e ambientes de vínculos, entidades muito mais complexas, pois que envolvem
necessariamente uma confluência multidisciplinar e uma visão prospectiva, preocupações com
desdobramentos e cenários futuros” (BAITELLO JR, 2010, p.10).
23
Esta divisão proposta – ainda não publicada – foi elaborada pelo Prof. Dr. Norval Baitello Jr. e proferida
em aulas gravadas em áudio (25/09/2015 e 29/10/2015) de cursos ministrados no Programa de Estudos
Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica (PUC-SP), assim como em palestra proferida no II
EIEIMAGEM (Encontro Internacional de Estudos da Imagem) ocorrido na Universidade Estadual de
Londrina entre os dias 19 e 22/05/2015). Trata-se, a nosso ver, de uma concepção que dialoga proximamente
com a teoria da imagem de Aby Warburg e Hans Belting, e com autores como Dietmar Kamper, Christoph
Wulf, Walter Benjamin e Vilém Flusser.
41
formam em espiral, em camadas mais profundas, sendo assim, faz-se basilar compreender
essas modulações simbólicas da imagem.
Sabe-se também que já nos séculos II e III a.C, navegadores Fenícios e Cretenses
utilizavam as estrelas como referência para as longas viagens marítimas empreendidas,
sendo o norte geralmente determinado pelo posicionamento da estrela Polar. Os Egípcios
também foram argutos na navegação orientada pelos astros, chegando, inclusive, a elaborar
um calendário, o chamado ciclo decanal, com o posicionamento de 36 estrelas.
24
Disponível em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k550486/f263.item.zoom. Acesso em 20/05/2016.
42
“estrela imperecível” e assim viveria para sempre (Quirke apud Ronnberg, 2012, p.18).
Seu sarcófago “construído à semelhança do mundo visível [...] e com entradas alinhadas
com as estrelas” (JOÃO, 2008, p.85) tinha no teto a representação do céu sob a forma da
deusa Nut, que com seu corpo alongado e coberto por estrelas formava a abóbada celeste.
43
como nas paredes das cavernas, o homem as projetava mentalmente no firmamento
psíquico e no céu, orientado por uma força plena de equivalência entre céu e terra, pois,
conforme o segundo princípio da filosofia hermética (princípio da correspondência) “o que
está em cima é como que está embaixo, e o que está embaixo é como que está em cima25”
(1989, p.13), assim, céu e terra são duplos um do outro e, via imaginação, o homem
vislumbrava corpos celestes no céu e projetava imagens.
44
e criavam uma ambiência envolvente, a qual apontava para a presença do divino que se
encarnava e simbolizava no objeto ou pessoa a “presença de uma presença”. Hans Belting
(2009), na grande obra ocidental dedicada à imagem de culto intitulada Imagen y culto,
analisa meticulosamente um período de 1200 anos, afirmando o caráter milagroso dessa
modulação imagética. Sobre imagens de mártires e santos, afirma o autor (2009, p.13): ela
“marca sua presença intemporal, que depois da sua morte opera milagres por meio de sua
imagem, ou seja, segue vivendo26”.
Enfatiza-se também que essa dimensão de duplo da imagem de culto não está
restrita a períodos históricos antigos, ela se faz notar ainda hoje em diversos ambientes
midiáticos. No que tange ao cenário religioso (e em grande parte também midiático) a
sacralização de imagens e ídolos tem ainda uma intensa força, relembra Klein (2006, p. 54)
sobre uma controvérsia recente:
26
“Subraya la presencia intemporal del santo, que después de su muerte obra milagros en su imagen, es decir,
sigue viviendo”. Tradução do autor.
45
1.7 Imagem artística
27
“the pictorial invention that we call perspective was a revolution in the history of seeing. When perspective
turned the gaze into the umpire of art, the world became picture, as Heidegger would later observe. For the
first time, paintings in perspective depicted the gaze that a spectator turned on the world, thereby
transforming the world into a view of the world. The term "analog image", to which we look back with
nostalgia from the digital era, was first coined for photography. Yet as far as the early modern period people
recognized that the new kind of picture using the perspective technique was somehow "analogous" to our
visual perception, even though the claim was a bold one. Pictures in perspective suggested - just like all the
46
Assim, o espectador, a fim de contemplar a beleza e precisão dos traços, deve se
ater calma e meticulosamente à observação dos planos homogeneizados da imagem, cujo
objetivo “não é a semelhança, mas a aparência do aparecimento” (WULF, 2013, p.31),
compreender com os sentidos as cores, textura e elementos da superficialidade do plano
bidimensional, enfim, colocar a imagem para dentro de si (aisthêtiké) que sugere, em maior
grau, uma relação de imanência entre observador e imagem. No ambiente da arte, a
imagem ganha em exponibilidade, já que passa a figurar também nos palácios e não
somente nas igrejas. Em sua face predominantemente artística, ela é alvo de reverência,
sendo sua qualidade artística e estética centros dessa admiração e privilégio. Walter
Benjamin, no notável ensaio escrito em 1935 A obra de arte na era da reprodutibilidade
técnica28, aborda um aqui e agora da autenticidade da imagem, uma aura que se percebe na
trama singular de espaço e tempo, uma “manifestação próxima de algo por mais distante
que esteja” (Benjamin, 2012), que se faz presente nas imagens de culto e artísticas, como
na Verônica de São Pedro de Roma29, apresentada em ocasiões solenes e sempre recuada.
47
forma, a imagem artística seria mais bem compreendida com o conhecimento e consciência
dos historiadores da arte, afirmação esta refutada por Hans Belting30 (ele próprio
historiador da arte) que redimensiona histórica e culturalmente o ambiente da imagem na
era da arte, decretando que, com a possibilidade de múltiplas reproduções técnicas da
imagem a partir de meados do século XIX, a historiografia da arte tendencialmente
perderia sua função.
30
Hans Belting “O fim da história da arte”. São Paulo, Cosacnaify: 2012.
48
passa ser ditada pelo ritmo cada vez mais veloz das máquinas. Vincular, portanto, a
Revolução Industrial Mecânica, o desenvolvimento da fotografia e do cinema e a alteração
perceptiva-sensorial da sociedade faz-se necessário tendo em vista a influência desse
contexto ambiental no desenvolvimento desses aparatos que hoje se amplifica pelo cenário
hipersaturado de imagens a que somos submetidos.
49
O diagnóstico apocalíptico e revelador de Dietmar Kamper a respeito do
padecimento dos olhos leva em conta o processo hipertrófico da visualidade,
principalmente em voga após o Renascimento. Pelo excesso, as imagens não são mais
retidas por esse sentido, elas apenas passam e são reiteradamente repetidas pelos aparatos
midiáticos. Tal repetição, como sintoma da reprodutibilidade, afirma Baitello Jr. (2005,
p.49), ocorre porque “não são mais os olhos que buscam as imagens, mas o oposto, as
imagens ‘nos procuram’ e querem se animar por meio da nossa visão”.
50
computador, câmeras fotográficas digitais, tablets, celulares, aparelhos da imagiologia
médica entre outros meios disponíveis.
Para que na atualidade fosse possível a síntese dessa porção mínima da imagem
digital, a partir de complexos processos matemáticos e computacionais, foram necessários
caminhos científicos e uma tradição histórica analítica que pensasse a imagem de maneira
decomposta em linhas e pontos. Tal cenário se acentua a partir de meados do século XIX
no campo das artes e, principalmente, com a mecanização dos processos figurativos. Com
o Impressionismo, por exemplo, e, mais radicalmente com a técnica do pontilhismo,
observa-se essa fragmentação, a imagem é decomposta e vista como um mosaico. George
Seurat (1859-1891) é o principal representante dessa técnica, ancorada em bases
científicas.
31
Um dos processos fotográficos pioneiros em meados do século XIX. Desenvolvido por Louis Daguerre e
patenteada pelo governo francês em 1839, a técnica consistia em, por meio de uma câmera obscura, expor
uma placa de cobre à sensibilização pela luz (Rouilé, 2009).
51
Rapidamente foi possível decompor a imagem em linhas, com o fito de
não reproduzi-la ou criá-la mas de transmiti-la. Essa decomposição
analítica da imagem fixa em elementos lineares descontínuos e paralelos,
realizou-a pela primeira vez Caselli, entre 1855 e 1861. O pantelégrafo,
máquina elétrica que funciona sob o duplo princípio da varredura e da
sincronização – sob esse aspecto incontestável antepassado da televisão –
conseguia transmitir imagens em contorno, entre Paris e Lyon, em quinze
minutos. (COUCHOT, 2011, p.38).
Se para o homem do Paleolítico de 25 mil anos a.C os pontos nas imagens eram
pensados como fruto da imaginação e privação de sentido32, para o homem do século XIX,
com o desenvolvimento de mecanismos técnicos de divisionismo da imagem há uma
pretensão científica, ordenadora e industrial do processo – que é acirrada na atualidade
pela numerização da imagem, pela correspondência entre ponto luminoso e codificação
binária. Matematicamente, afirma Trigo (2007, p.30), “a imagem digital pode ser
entendida como uma função de intensidade luminosa bidimensional f (x,y)”.
32
Nas cavernas de Peche Merle, centro sul da França, há imagens de cavalos, felinos, bisões e mamutes e, em
algumas destas, encontram-se pontos vermelhos inscritos. Na série documental da BBC How art made the
world, no episódio 2 The day pictures were born, o professor e pesquisador da Universidade de Cambridge
Dr. Nigel Spivey, historiador da arte e especialista em imagens pré-históricas, afirma que esses pontos nas
imagens são fruto da privação de sentido e alterações no estado de consciência causados pela escuridão das
cavernas. Dessa forma, esses elementos teriam sido imaginados pelo homem do Paleolítico e seriam padrões
visuais cerebrais, tese em parte corroborada pelas pesquisas do neurocientista português António Damásio
sobre a imagem como padrão mental, como abordaremos adiante.
33
Curiosamente, no site do GSV, o conjunto de imagens de determinado ambiente é denominado constelação.
52
sobre a imaginação, chegamos a um estágio de imanência simulativa dos pixels que se
plasmam em imagens nas múltiplas telas dos aparatos os quais fatigam e extenuam o
sentido da visão.
34
Tradução do autor : ORIGIN mid 19th cent.: variant of pixie-led, literally [led astray by pixies,] figuratively
[confused].
35
The fairy mythology (1828). De Thomas Keightley. Obra disponível para download gratuito no Google
books.
53
entretenimento e sedutoramente luminosas plasmadas nos pixels das imagens nas telas36,
que, tal como os pixies da mitologia celta, também nos confundem e desorientam pela sua
sedução figurativa.
54
roupas e acessórios que de alguma forma evocam sensações de contravenção, devora-se a
imagem da rebeldia que se projetará em um corpo/imagem imagem/corpo, já que este
também foi devorado pela imagem (Baitello Jr, 2005).
A partir do momento em que o homem passa a existir, ele tem a capacidade de dar
um passo atrás (o primeiro passo), “abstrair tempo e transformar o mundo em circunstância
abstrata, em Vênus de Nillendorf (sic), em faca de sílex, em cultura” (FLUSSER, 2008,
p.16), trata-se da manipulação como gesto primordial, a subtração do tempo que origina a
circunstância tridimensional.
55
Lascaux, Peche Merle, Altamira, São Raimundo Nonato, entre outras. “A visão é o
segundo gesto a abstrair” (FLUSSER, 2008, p.17), a tridimensionalidade do espaço menos
o seu volume resulta nas pinturas nas paredes, em circunstância imaginada. Passamos,
portanto, de uma tridimensionalidade à bidimensionalidade, imaginação bidimensional.
56
(curvas projetadas), planos secundários (imagens técnicas), volumes secundários
(hologramas)” (FLUSSER, 2008, p.19).
38
Do inglês technical imagination, o conceito foi escrito no dicionário Flusser (2015) por Yuk Hui e
traduzido para o português como imaginação técnica. Para Flusser, a faculdade da imaginação
(Einbildungskraft) tem papel fundamental no progresso humano, sendo que, com as diferentes etapas da
escada da abstração, a imaginação sofreu metamorfoses e, com as imagens técnicas, ela passa a ser
imaginação calculada, a qual, afirma Flusser (2007), ainda não aprendemos como utilizar. Tecnoimaginação,
portanto, afirma o autor, se instaura como “capacidade de decifrar tecnoimagens” (FLUSSER, 2011, p.120).
57
qual tratou repetidamente em seus últimos escritos. (KAMPER, 2016,
p.33).
Ao voltar para frente após bater com as costas na lousa, Flusser simboliza uma
inversão de caminho; caminha para frente, reconquista paulatinamente outros níveis até se
chegar novamente ao estágio do horizonte concreto; perfaz, dessa forma, uma escalada
reconstitutiva de abstrações e perdas, uma escada positiva. Será possível, no entanto, essa
escalada reconstitutiva de espaço e de corpo?
39
No artigo “Vilém Flusser e a terceira catástrofe ou as dores do espaço, a fotografia e o vento”, Norval
Baitello Jr. refere-se à figura polêmica e hipnotizante de Flusser, menciona, a partir do comunicólogo
espanhol Vicente Romano, uma discussão entre este e o filósofo tcheco brasileiro sobre
abstração/corporeidade: “Vicente Romano relata uma célebre polêmica entre ambos. Flusser afirma: “Já não
existe nenhuma diferença entre uma maçã e o holograma de uma maçã”. Responde, então, Romano: “Que
bom, já não teremos que brigar pela comida, você come o holograma e eu como a maçã!”. Disponível em:
http://www.flusserstudies.net/sites/www.flusserstudies.net/files/media/attachments/terceira-catastrofe-
homem.pdf. Acesso em 19/05/2016.
58
modo de reverter o processo histórico da abstração, também analisamos com ressalvas o
“caminho de volta da escada” proposto pelo filósofo tcheco brasileiro, citando Kamper:
40
Em consulta ao Prof. Dr. Michael Hanke (UFRN) na 25ª Compós (Goiânia, 2016), o pesquisador,
estudioso da obra de Flusser, afirmou que uma das possibilidades de reconstituição da escadaria positiva
rumo a Lebenswelt, mencionadas indiretamente por Flusser em alguns de seus textos, estaria futuramente na
utilização de aparatos capazes de sintetizar objetos a partir de softwares, prevendo, de certa forma, as atuais
impressoras 3D.
41
Em um dos seus cursos em São Paulo, Flusser aborda o conceito de espaço empregando fundamento
biológico (o labirinto como órgão utilizado para a orientação), enfatizando seu caráter abstrato e o modo
como a fantasia se torna fundamental para o espaço. “Aqueles entre vocês que tem imaginação biológica e
inclinação literária talvez inventem um mundo de monstros e marcianos, assim que vivem dentro de um
59
Neste contexto de abstração das dimensões espaçotemporais, o fator
decisivo para o processo de comunicação seria a atuação da imaginação
como processo não somente de subtração das dimensões presentes no
mundo, como também responsável pela reconstituição das dimensões
anteriormente abstraídas [...] são nas ações realizadas sobre a imagem (a
reconstituição do tempo imposta pelo ‘vaguear do olhar’ ou scanning que
se restauram de modo mágico, as dimensões abstraídas. (SILVA, 2012,
p. 20).
Além do próprio esquema de escada de abstração, cujos rastros nos fornecem pistas
iniciais, a teoria da imagem também pode auxiliar quando afirma a coexistência de
múltiplas faces da imagem que se exibem diferentemente entre épocas e ambientes. Nesse
sentido de coexistência de possibilidades, ao afirmarmos certo protagonismo da imagem
midiática na comunicação contemporânea e uma vivência ampla na e pelas imagens a
“transferência de corpos para a vivência in effigie” (Baitello Jr, 2005), pode-se dizer que a
vida e suas demandas concretas continuam ocorrendo, ou seja, o denominado “mundo das
imagens” coexiste ao mundo concreto, sendo que naquele as modulações da imagem não
se configuram separadamente, mas se hibridizam e se contaminam.
60
apontam imagens (Flusser, 2015), enquanto aquela é “superfície coberta de símbolos que
apontam para o mundo dos objetos” (Flusser, 2015); a primeira da ordem da analogia, a
segunda da simulação.
61
artística barroca, mas sua função no momento de desespero do passageiro foi
eminentemente de culto. Ele não rezou para os pixels que simulam Cristo, tampouco para a
representação barroca da imagem, mas suas preces foram diretamente para o duplo de
Deus encarnado na imagem. Nesse sentido, ela (a imagem midiática) o colocou em contato
direto, exibiu-se em seu “caráter de plena magia” (KAMPER, 2002), operou também em
nível de imagem de culto, ou seja, ocorreu um trânsito antropológico em que capilaridades
simbólicas profundas foram trazidas à tona sob uma dinâmica de trânsitos simbólicos
inscritos na imagem que, de alguma forma, subverteu a abstralidade que lhe é
característica como imagem técnica nulodimensional.
62
obsessões, “sobrevivências”, remanências (sic), reaparições das formas.
Ou seja, por não saberes, por inflexões, por inconscientes do tempo [...]
tratava-se, pois, de um modelo sintomal, no qual o devir das formas
devia ser analisado como um conjunto de processos tensivos -
tensionados, por exemplo, entre vontade de identificação e imposição de
alteração, purificação e hibridação, normal e patológico, ordem e caos,
traços de evidência e traços de irreflexão. (DIDI-HUBERMAN, 2013,
p.25).
42
Ao contrário da iconologia classificatória e reducionista proposta por Panofsky, curiosamente discípulo de
Warburg, a iconologia warburguiana opera complexificando as tramas simbólicas entre imagens de diferentes
épocas e ambientes. Há uma dialética que localiza entre as fissuras da imagem rastros e elementos paradoxais
que são tensionados ora em relações de analogia, ora em polaridades conflitantes.
43
“A justa” é um texto descritivo de uma sequência de esculturas imaginárias que representariam a deusa
Vênus saindo das águas (Michaud, 2013).
44
Segundo Brandão (2013, p. 223), Ninfa significa “a que está coberta com um véu”. São chamadas
divindades secundárias da mitologia, essencialmente ligadas a terra e à água, simbolizando a própria força
geradora daquela [...] são divindades femininas de eterna juventude que traduzem a perenidade de Geia, a
Terra-mãe.
63
cerne visual correspondente entre as imagens, uma expressividade comum entre distintas
manifestações artísticas.
Dessa forma, o autor observa nas imagens da sua época uma tipologia visual
retomada, reengendrada, forças energéticas destruidoras ou apaziguadoras (caráter
dionisíaco e apolíneo), polaridades conflitantes que caminham juntas aos movimentos
patéticos presentes nas imagens e que nos aplacam.
45
O termo pathos é fundamental para a compreensão do conceito warburguiano de Pathosformel e por
extensão auxilia no entendimento sobre a imagem. Pathos significa sentimento de paixão e emoção, e
também sofrimento, ser afetado positiva ou negativamente por algo, como demonstra Bordelois (2007) em
amplo estudo sobre a etimologia do termo na cultura ocidental. A autora estabelece tensionamentos entre o
pathos e a cobiça, avareza, inveja, ciúme, tristeza, mas também com alegria, felicidade e esperança. Assim,
no pathos configura-se uma ambivalência que é típica também à imagem.
46
“Orfeu, filho de Apolo e da musa Calíope, recebeu de seu pai, como presente, uma lira e aprendeu a tocar
com tal perfeição que nada podia resistir ao encanto de sua música” (BRANDÃO, 2014, p.463). Após a
morte da amada Eurídice, recusava enfaticamente qualquer donzela que se aproximasse, até que em certa
ocasião, jovens Mênades excitadas pelos ritos de Baco lançam dardos em Orfeu matando-o violentamente e
arrancando sua cabeça, cena esta desenhada por Albrecht Dürer.
64
2013), Nachleben der Antike (pós-vida do antigo) que brotam de imemorialidades, estão
nas franjas da cultura, nos entremeios, nos espaços desconsiderados e vivências recalcadas.
São formas metamorfoseantes que irrompem do subterrâneo das imagens – fluxos e
refluxos –, heranças que se dinamizam.
47
Warburg, em viagem ao Novo México, nos Estados Unidos, em 1895, pesquisa o ritual da serpente entre os
índios Hopi, assim como os motivos iconográficos da tribo análogos à dinâmica de movimento do animal
ctônico. Nesses rituais, os Hopi dançavam com os animais entrelaçando-os ao corpo coreograficamente, pois
acreditavam que eles agiam como um catalisador de forças naturais. Ao presenciar tais rituais, o autor evoca
a imagem do célebre grupo escultural do Laocoonte e, nesse sentido, passa a investigar a existência de
fórmulas patéticas primitivas (Pathosformel) entre os rituais indígenas com outros ritos primitivos e pagãos,
vislumbrando características essenciais das sobreviventes na cultura. Segundo Warburg (2008, p.48) o “ritual
da serpente poderia ser associado, por sua natureza, às práticas mágicas da Antiguidade greco-romana”. Em
1923, após o período de internação na clínica psiquiátrica Bellevue, a fim de provar sua cura psíquica,
Warburg profere conferência sobre a pesquisa no Novo México intitulada “A sobrevivência da humanidade
primitiva na cultura dos índios Pueblo”, o que lhe permitiu, pouco tempo depois, receber alta médica.
65
Nessa complexificada conjunção de forças e energias presentes na imagem, reduzi-la
em sistemas classificatórios específicos e estanques significa amputar seus lastros arcaicos
e rebaixá-la à mera classificação formal, desconsiderando suas fissuras labirínticas – e
territórios insondados – de onde emergem fragmentos simbólicos. Compreendemos assim,
baseados nessa constelação de autores que complexificam o fenômeno da imagem, e
sobretudo em Warburg, que devemos analisar criticamente este objeto sob uma mirada
fractal que, ao mesmo tempo em que permite um vislumbre enviesado, esteja interligada ao
todo, conjugando paradoxos e ambivalências, observando a imagem em seu devir
metamorfoseante. Sob esse aspecto, ao considerarmos este objeto em modulações como a
mítica, cúltica, artística e midiática não estamos seccionando fragmentos específicos de
maneira isolada, mas analisando um viés complexificado ao todo, o que nos permite
afirmar níveis energéticos e polaridades distintas entre essas modulações da imagem, todos
eles em constante dinâmica fluida.
66
a) De que modo se caracteriza o ambiente das imagens midiáticas e o atual estágio
antropológico de vivência na e pelas imagens? (no qual a imagem se sobressai
e toma o lugar das coisas concretas), e, qual o papel da mídia nesse cenário?
67
2 IMAGINAÇÃO COMO ARQUEOLOGIA DA IMAGEM
“Seus olhos estão escancarados, seu queixo caído e suas asas abertas. O
anjo da história deve ter esse aspecto. Seu semblante está voltado para o
passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma
catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as
arremessa a seus pés [...] mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-
-se em suas asas com tanta força que o anjo não pode mais fechá-las. Essa
tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele volta as
costas, enquanto o amontoado de ruínas diante dele cresce até o céu”
Walter Benjamin, sobre a obra Angelus Novus de Paul Klee.
68
premente dos olhos em acompanhar a ubiquidade de imagens fragmentárias, velozes e
repetitivas que, não totalmente consumidas, amontoam-se nos ambientes midiáticos na
forma de dejetos imagéticos residuais os quais provocam crescente embotamento
perceptivo. Sob esse cenário, portanto, investigaremos inicialmente neste capítulo o
conceito de imaginário em Dietmar Kamper, estabelecendo diferenças entre a acepção
deste autor e seu uso pelas teorias do imaginário. Em referência ao primeiro, reforçaremos
a noção de um intenso povoamento das imagens nos ambientes midiáticos analisando a
apreciação de mediosfera, elaborada por Contrera (2010). Sob esse contexto, refletiremos
criticamente sobre o acúmulo dessas imagens e seus rastros maldigeridos que giram
repetida e orbitalmente em nosso entorno e acossam a imaginação.
69
de fora” (CUNHA, 2010, p.238). Assim, o movimento elíptico configura uma órbita
imperfeita (do latim orbis, círculo) em torno de algo, porém, sem tocá-lo. É o movimento
dos planetas ao redor do Sol que serviu de inspiração a Kamper (2016) para refletir sobre a
dinâmica da imageria contemporânea em sua relação com as pessoas e com o imaginário
cultural.
Uma órbita a partir das ruínas das grandes obras da humanidade: religião,
estado, filosofia, arte e técnica. É um novo tipo de prisão; não é feita de
muros e sim de desejos e sonhos fracassados, principalmente do sonho da
razão que, há dois séculos, tem gerado monstros. Por motivos de
simplificação, isso recebe aqui o nome de “imaginário”, um caldeirão
pós-histórico de estratégias históricas ligadas à realidade e à aparência
[...] O imaginário é a relação dos seres humanos com seus corpos. É
resultado inesperado de um trabalho realizado no medo do sexo e da
morte. Funciona como um escudo protetor. Estende-se na imagem-superfície e
não no corpo-espaço. É tão intocável quanto as imagens que o
constituem. É uma superfície ilimitada que encobre um núcleo finito e
mortal até torná-lo irreconhecível. É um universo do espírito, aversivo e
hostil ao corpo, a tudo o que do corpo provém. É um duplo daquilo que se
entende até agora por realidade, mas não real e sim virtual. Sua
modalidade não é nem a necessidade nem a realidade, mas o possível. O
que um dia já foi necessário ou real, agora virou possível. Consiste em
restos de sonhos, nostalgias, esperanças, visões, mas também de dejetos
de programas fracassados, conceitos, projetos. Um lixo histórico na
reciclagem da cultura. Seu tempo é o futuro do pretérito. Tudo o que é
terá sido. Neste sentido, ele tem seu futuro sempre no passado. O
imaginário, do ponto de vista interno, nunca aconteceu. Por fora, nega sua
origem. Jamais pode parar. Tem uma eternidade fatal que força seus
prisioneiros à compulsão pela imagem. (KAMPER, 2016, p.117).
70
órbita imaginária kamperiana. Essas imagens ubiquitárias tendem a representar e a emular
a realidade, porém, gradativamente tornam-se autorreferentes, sua imanente
superficialidade e veloz disseminação tendem a encobrir os lastros simbólicos profundos
contidos nas múltiplas camadas das imagens. Essa imensa bolha é, como afirma o próprio
autor, uma grande festa com participação espontânea dos envolvidos (Kamper, 2016) que
se utilizam e creem piamente nas imagens luminosas repetidas em looping infinito na atual
cultura das telas. Nesse ambiente onde o homem “é só Narciso sem eco” (KAMPER, 2016,
p.91) fabricam-se repetidamente verdadeiras “cavernas de imagem” que funcionam como
prisão de espelhos e praticamente não possibilitam ver “nenhum além para além de sua
própria cavidade” (KAMPER, 1997, p.232), perfazendo uma imanência de instâncias
totalitárias.
71
notabiliza-se consequentemente nossa incapacidade para o consumo total dessas imagens,
as quais, inconsumidas e/ou maldigeridas, acumulam-se junto aos restos e rastros
simbólicos nas vias labirínticas e nos cantos dessa órbita elíptica imaginária. Nesse
cenário, portanto, há uma compensação distrófica a essa impotência: mais e mais imagens
passam a circular nessa bolha de imanência imaginária acrescendo ainda mais os acúmulos
residuais e cerrando os horizontes do sentir.
A órbita do imaginário atua como uma ampla caverna elíptica de espelhos que se
apresenta na superfície e está constantemente em um ciclo dinâmico, fechado e
tautológico. Compõe-se, assim, um novo “céu artificial” (KAMPER, 2016, p.74) onde se
projetam, como explanado no capítulo um, novas constelações de imagem e, tal como o
espetáculo debordiano, a órbita do imaginário é “o sol que nunca se põe no império da
passividade moderna [...] recobre toda a superfície do mundo e está indefinidamente
impregnado de sua própria glória” (DEBORD,1997, p.17).
49
Deus Cananeu e demônio na tradição cristã e cabalística. Ligado ao sacrifício de crianças, identificado na
tradição grega como Cronos. Fonte: Encyclopedia Mythica, disponível em:
http://www.pantheon.org/articles/m/moloch.html. Acesso em 01/03/2016.
72
2.3 Mediosfera e órbita imaginária
50
No sentido de transformar, ressignificar as imagens primeiras. É importante enfatizar também que Durand
(2012) opondo-se duramente à concepção racionalista de Jean Paul Sartre sobre o imaginário - que afirma
que o pensamento é empobrecido pela imagem - inverte essa acepção e afirma que são as imagens que
enriquecem o pensamento: “mesmo um pensamento afinado, de cem mil francos, não pode prescindir das
imagens de quatro vinténs” (DURAND, 2012, p.31) e a riqueza da ação imaginante reside nas metáforas,
afirmação esta que tem papel fundamental no desenvolvimento desta pesquisa.
51
No texto “Raízes dos estudos do imaginário: teóricos, noções e métodos”, a autora Ana Taís Martins
Portanova Barros (UFRGS) nos fornece, como o próprio título do texto sugere, um mapeamento amplo e
aprofundado sobre estudos da área.
73
Diante dessa configuração do imaginário cultural e cotejando-o com o conceito
kamperiano de “órbita do imaginário”, que tem relação premente com o ambiente da
comunicação contemporânea, duas questões surgem de imediato: Esses “imaginários” se
distanciam? Em que medida? Há influência entre eles? O próprio Gilbert Durand (1998)
alerta para o tríplice perigo das imagens midiáticas sobre as “gerações do zapping”, já que
hiperinflacionada e onipresente sob diversas formas, elas “sufocam o imaginário, nivelam
valores de grupo – isto é, homogeneízam indevidamente valores e culturas – e podem
escapar ao controle daqueles que pretendem governar” (DURAND, 1998, p.120), no
sentido em que se enxergam apenas os benefícios desta revolução civilizacional. Nesse
diagnóstico que sugere prejuízos, o autor afirma que o imaginário e a criatividade são as
vítimas sacrificiais, tomados pelas imagens na era da mídia eletrificada.
Contrera (2010) também nos fornece rastros importantes sobre este tema,
afirmando que a expansão da imageria midiática recente é tão intensa que se pode falar de
um imaginário próprio à mídia, ou mediosfera, que certamente influencia o imaginário
cultural e vice-versa.
74
Percebe-se, neste contexto, uma apropriação gradual de padrões míticos e
arquetípicos para a esfera da mídia eletrônica contemporânea, que, obedecendo quase que
unicamente a critérios econômicos de visibilidade e audiência, pasteurizam e
homogeneízam conteúdos do imaginário cultural52. Essa imageria padronizada, superficial
e que objetiva ser digerida rapidamente por espectadores, nasce no contexto de
proliferação dos aparatos de reprodutibilidade midiáticos. Com a crescente inflação das
imagens midiáticas, afirma Contrera (2010), pressionam-se internamente as estruturas do
imaginário cultural que cede espaço à mediosfera (imaginário midiático), ou seja, dilata-se
a mediosfera que empurra para segundo plano o imaginário cultural. Nesta inversão de
papéis que sobrevaloriza o imaginário midiático, a mediosfera torna-se uma estrutura de
imagens midiáticas prêt-à-porter que tem como isca um verniz superficial mítico e
arquetípico.
52
No texto “Publicidade e mito” in Publicidade e Cia. (2003), Contrera analisa a transformação de padrões
míticos em formatos estereotipados presentes na publicidade atual.
75
autoconsome gerando mais lixo) na cultura, de que forma é possível pensar e lidar com
esses dejetos? Tendo como referência uma reflexão de Vilém Flusser (1972) sobre nossa
incapacidade para o consumo, e na trilha dos rastros kamperianos que configura o
imaginário como “depósito universal de detritos” (KAMPER, 2016, p.56), compreendemos
como uma das possibilidades, primeiramente assumir essa impotência para o consumo total
da natureza transformada em cultura e posteriormente revisitar o inconsumido53.
Em uma abordagem com viés antropológico, o autor afirma certa novidade histórica
em nossa incapacidade para o consumo, já que “desde o Paleolítico até a Segunda Guerra
Mundial, os bens produzidos nunca conseguiram suprir a avidez da demanda” (FLUSSER,
1972. p.35). Na crença de um consumo interminável, incrementam-se os ritmos de produção
53
Ao abordarmos a órbita imaginária (neste trabalho, em parte, representada pelas imagens que estão
disponíveis no Google Street View) em paralelo à reflexão flusseriana sobre o reino do lixo, fazêmo-lo de
forma alegórica em sentido benjaminiano. Nos textos “Origem do drama trágico alemão” e “Paris do segundo
império em Baudelaire”, Benjamin aborda o modo específico de constituição de sentido da alegoria que, na
historicidade moderna, ganha importância fundamental já que com o choque e as novas dinâmicas do
período, o significado das coisas tende a se rarefazer. Na alegoria, a historicidade aparece como forma
imagética e o princípio fundamental de atribuição de sentido está na subjetividade, oportunizando, dessa
forma, um amplo panorama para a denominação das coisas, cujos sentidos passam a ser libertados de um
único contexto: “Cada coisa, cada relação pode significar qualquer outra coisa” (BENJAMIN, 2013, p.186).
Afirma ainda o autor: “No campo da intuição alegórica a imagem é fragmento, runa. A sua beleza simbólica
dilui-se, porque é tocada pelo clarão do saber divino” (BENJAMIN, 2013, p.187), ou ainda “[…] as alegorias
são, no reino dos pensamentos, o que as ruínas são no reino das coisas […] e nas ruínas jazem os fragmentos
altamente significativos” (BENJAMIN, p.189 e 190). Um clássico exemplo de forma alegórica é a referência
do autor à obra Angelus Novus (1920) de Paul Klee quando comenta “[…] enquanto o amontoado de ruínas
diante dele cresce até o céu”: muitos estudiosos viram na frase uma referência aos milhares de corpos
vítimas do holocausto e também ao cogumelo atômico das bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki.
Sob esse escopo alegórico, portanto, consideramos as imagens depositadas no Google Street View como
imagens e dejetos inconsumidos e maldigeridos da cultura contemporânea e não como virtualidade em
potência, à espera de usos e mediações.
54
Segundo o Prof. Dr. Norval Baitello Junior, em aula proferida no dia 07/11/2013 e registrada em áudio,
Flusser aborda, de forma ampla, a incapacidade humana em consumir a totalidade da natureza transformada
em cultura, cujos restos formam o “reino do lixo”. Apesar de não analisar em seu texto especificamente o
objeto imagem, afirma o Prof. Baitello, Flusser nos instiga a pensar, por exemplo, na questão do lixo
imagético que se forma pela nossa incapacidade de consumo total de imagens.
76
que culminam em um labirinto repleto de produtos, por onde caminham os homens
ocupados em produzir, transportar e desesperados por consumir tudo o que produziram
(FLUSSER, 1972). Configura-se assim a necessidade de um consumo (devoração)
exponencial e desmesurado que não objetiva a saciedade, mas que gera mais necessidade
de produção, justificando, mesmo que falsamente, a ânsia progressiva de consumo
(FLUSSER, 2008b). Nessas vias labirínticas, no entanto, acumulam-se nos cantos restos
inconsumíveis:
A má digestão daquilo que não foi completamente consumido provoca seu retorno,
mas não ao reino da natureza ou ao da cultura. Esses restos inconsumidos e não
metabolizados plenamente formam um terceiro reino, o do lixo, que é o passado da cultura,
ambiência de recalcamentos que se divide em duas partes: superficialmente, uma fina
camada de valores e formas, um passado assumido, “guardado na memória, nos silos, nos
arquivos [...] sempre apresentável e disponível” (FLUSSER 1972, p.39), ou seja, como
reitera Kamper (2016, p.56) “imagens desprovidas de referência [...] o imaginário como
modelo de dominação mundial, que se consome vertiginosamente”. Logo abaixo da
camada superficial, um grosso estrato de dejetos formado por vivências recalcadas, sonhos
fracassados, um passado recusado e não exibido “aparentemente eliminado e superado”
(KAMPER, 2016, p.56), que sub-repticiamente se apresenta de forma ardilosa, atestando
nossa impotência total para o consumo e “condicionando-nos muito mais que o
armazenado e deliberadamente apresentado” (KAMPER, 2016, p.56). Com o
conhecimento dessas camadas de dejeto, pergunta-se: de que modo acessar esses níveis
profundos que nos condicionam?
Para essa pesquisa de lixos atuantes, afirma Flusser, deve-se recorrer às ciências
arqueológicas diversas como ecologia, psicanálise, etimologia, mitologias, ecologia,
ciências da cultura, entre outras. Por meio dessas arqueologias profundas (pesquisa de lixo)
de revolvimento de camadas, que acessam importantes conteúdos recônditos, objetiva-se
77
alcançar e reconhecer a importância de capilaridades simbólicas recônditas e/ou
descartadas que, a despeito de eclipsadas, continuam como fontes influentes em nossas
vidas, pois, muito mais que o estrato superficial rememorado ampla e continuamente, é o
“passado recusado, jogado fora, que passaram a condicionar as perspectivas da sociedade
futura” (BAITELLO JR., 2010, p.26).
78
outras imagens, formar-se-iam vórtices, imagens em abismos, como afirma Baitello Jr.,
citando Eduardo Peñuela Cañizal56.
A arqueologia enunciada por Foucault mantém certo padrão constelar, já que opera
dialeticamente contrapondo saberes e procedimentos entre a ciência moderna e o chamado
período clássico (séculos XIV, XV e XVI), tendo sempre o homem posição privilegiada
em relação ao conhecimento. Dessa forma, sendo a história um amplo lastro de camadas
56
Norval Baitello Jr, citando Cañizal, afirma a perspectiva abismal entre as imagens. “O mundo das imagens
iconofágicas possui uma dimensão abismal. Por trás de uma imagem haverá sempre uma imagem que
também remeterá à outra imagem in As imagens que nos devoram – Antropofagia e Iconofagia” disponível
em http://www.cisc.org.br/biblioteca. Acesso em 06/03/2016.
57
Sobre o conceito de vórtice in Souza; Oliveira; Azevedo; Soares & Mata: “Uma revisão sobre a turbulência
e sua modelagem”. Revista Brasileira de Geofísica vol.29, n.1. São Paulo. Jan/mar. 2011. Disponível em:
http://www.scielo.br. Acesso em 10/03/2016.
58
No início do século XX, com ênfase nas artes plásticas e na literatura, nasce o grupo artístico vanguardista
britânico denominado vorticismo, que apresentava imagens sucessivas aceleradas em profundidade que
criavam vórtices perspectívicos. Fonte: http://www.tate.org.uk/learn/online-resources/glossary/v/vorticism.
Acesso em 22/02/2016.
59
Neste trabalho a palavra quiasma possui conexão direta com o pensamento de Dietmar Kamper. Em nota
explicativa presente no livro Mudança de horizonte (2016), a tradutora Danielle Naves de Oliveira explica
que “Quiasma ou chiasma é palavra que evoca o traço cruzado da letra grega χ. Dietmar Kamper vê no
quiasma um dos elementos fundamentais da civilização do Ocidente, pois confere ao homem a condição de
um constante dilacerado, uma existência na encruzilhada, na cruz, atravessada por oposições: verticalidade e
horizontalidade, vida e morte, corpo e imagem, presença e ausência, imaginação e imaginário. Kamper, dessa
forma, amplia a noção de Merleau-Ponty (para quem quiasma é entrelaçamento, nó, dobra do homem no
mundo e do mundo no homem), ao mostrar que o quiasmático pode, além de apaziguar as tensões da
existência, estrangulá-las” (KAMPER, 2016, p.227).
79
sedimentares que se interpenetram e se entrecruzam, há uma “movimentação tectônica” de
placas culturais que se atritam e se projetam umas sobre as outras, fazendo emergir por
entre fissuras elementos e rastros singulares, ou, como afirma Agamben (2009), pontos de
insurgência do fenômeno. No amplo terreno cultural, transitório e movediço que é a
imagem, a arqueologia foucaultiana pode se configurar como uma ferramenta de escavação
importante para “adentrar” a imagem, já que acompanha esse intenso dinamismo tectônico
e não opera rigidamente como procedimento epistemológico strictu sensu, mas sim
transita, tangencia e correlaciona saberes e práticas externas ao horizonte da racionalidade,
opera nos limiares de forma quiasmática promovendo aproximações e esquivando-se de
um princípio arqueológico unitário.
Vimos que uma das definições clássicas sobre imagem é a postulada por Hans
Belting (2007) que afirma o caráter paradoxal e ambivalente das imagens, pois são
“presença de uma ausência e ausência de uma presença”. Gagnebin (2012, p.28), ao
abordar o conceito de rastro (Spuren) em Benjamin – à luz da tradição filosófica e
historiográfica – relembra o caráter também paradoxal deste conceito, afirmando que o
rastro é “presença de uma ausência e ausência de uma presença”, ou seja, definição
idêntica à elaborada por Belting sobre o conceito de imagem. Se relembrarmos uma das
funções primevas da imagem como objeto antropológico, remetemos às máscaras
mortuárias confeccionadas em cera ou metais preciosos na antiguidade (imago) – como
explanado no capítulo um – cuja finalidade inicial era a preservação da memória, um rastro
do indivíduo morto entre seus contemporâneos, mas que de forma ambivalente, também
lembrava sobre a finitude do ser. Nesse sentido, portanto, imagem é rastro e o rastro
também é imagem.
80
seus artigos de consumo e acessórios. Sem descanso, tira o molde de uma
multidão de objetos; procura capas e estojos para chinelos e relógios de
bolso, para termômetros e portas-ovo, para talheres e guarda-chuvas. Dá
preferência a coberturas de veludo e de pelúcia, que guardam a impressão
de todo contato [...] a moradia se torna uma espécie de cápsula. Concebe-a como
um estojo do ser humano e nela o acomoda com todos os seus pertences,
preservando, assim, os seus vestígios. (BENJAMIN, 1994, p.43).
81
artística: a obra do Renascentista alemão Matthias Grünewald A crucificação (1520) que
em sua materialidade figurativa (próxima) evoca a aura, uma presença mágica, de um
fenômeno longínquo no espaço-tempo (o episódio da crucificação de Cristo). O rastro, por
sua vez, opera inversamente, trazendo à tona uma distância topográfica ou temporal, como
ocorre com o chamado Sudário de Turim, supostamente a mortalha que envolveu Cristo e
que conservou suas marcas corporais, os rastros. A peça, portanto, exibe em suas marcas
algo que está distante, por mais próximo que estejam os rastros61.
Nesse esquema paradoxal entre espaço e tempo que envolve os conceitos de aura e
rastro, a segunda parte da citação de Benjamin sobre as categorias soa menos intrincada:
“No rastro, apoderamo-nos da coisa; na aura, ela se apodera de nós”. Há aqui uma
dinâmica de movimento oposta; no rastro desempenhamos um papel ativo, deciframos
vestígios, ruínas e escombros que apontam para algo no passado, enquanto que na
experiência aurática há um encantamento, somos cativados, “entregamo-nos em repouso”
Janz In (Ginzburg & Sedlmayer, 2012, p.20). O rastro serve a Benjamin como fragmento
de leitura de uma história cultural, a aura opera no âmbito da estética.
O detetive examina como signo revelador tudo o que ficou marcado nos
lugares do crime, a obra voluntária ou involuntária do criminoso; o
caçador anda atrás do rastro da caça; o rastro reflete a atividade e os
passos do animal que ele quer abater; o historiador descobre, a partir dos
vestígios que sua existência deixou as civilizações antigas como
horizontes de nosso mundo. Tudo se dispõe em uma ordem, em um
mundo, onde cada coisa revela outra ou se revela em função dela. Mas,
mesmo tomado como signo, o rastro tem ainda isto de excepcional em
relação a outros signos: ele significa fora de toda intenção de fazer signo
e fora de todo projeto do qual ele seria a visada (...) o rastro autêntico (...)
decompõe a ordem do mundo; vem como “em sobreimpressão”. Sua
significância original desenha-se na marca impressa que deixa, por
exemplo, aquele que quis apagar seus rastros, no cuidado de realizar um
crime perfeito. Aquele que deixou rastros ao querer apagá-los, nada quis
dizer nem fazer pelos rastros que deixou. Ele decompôs a ordem de forma
irreparável. Pois ele passou absolutamente. Ser, na modalidade de deixar
um rastro é passar, partir, absolver-se. (LÉVINAS apud GAGNEBIN,
2012, p.31).
61
Rolf-Peter Janz (2012) cita o filósofo alemão Ernst Bloch, que em sua obra Erbschaft dieser Zeit
desmascara a auratização, a sacralização do rastro.
82
É eloquente o exemplo do ladrão empregado pelo filósofo que, na ânsia de apagar
rastros, deixa outros não intencionais. Nesse sentido, o rastro excede à vontade consciente
do sujeito, possui um viés desprovido de intencionalidade e significação e, não raro, pode
ser confundido como restos insignificantes que devem ser jogados no lixo. Benjamin, em
sua historiografia crítica do século XIX, debruçava-se, sobretudo, nos rastros
aparentemente menores, aleatórios, ou até mesmo os esquecidos e recônditos como forma
de erigir suas análises – o comentário sobre a preferência da burguesia pelo veludo e
pelúcia como mecanismos de reforçar os rastros é uma amostra de sua atenção às
singularidades.
Diante dos argumentos, portanto, consideramos a imagem como rastro, porém, não
se instaura como módulo de vestígio único, mas comporta uma série de outros rastros
fragmentários não oficiais e não conscientemente planejados que, se não percebidos em
suas nuanças, podem passar como restos desnecessários, como lixo. E, nesse ambiente de
“dejetos amontoados”, Wolf atua, fotografando como quem opera um sismógrafo, sentindo
rastros entre fissuras e meandros da imagem, fragmentando rastros maiores e visíveis em
menores que se escondiam, descobrindo e também deixando outros rastros. Por meio de
uma cartografia funcionalista tridimensional e fotográfica disponibilizada pela ferramenta
Street View do Google, Wolf percorre sua própria geografia mental e imaginativa de
sentidos e rastros por vias labirínticas62, atua como fotógrafo-sismógrafo e é auxiliado por
uma “topografia imagética” singular.
62
A simbologia do labirinto (a qual se aproxima do ambiente midiático do GSV) e a geografia imaginativa
perscrutada por Wolf, de certa forma, encontram respaldo na fundamental análise de Leão (2002) que reflete
sobre o conceito de estética do labirinto.
83
No caso das imagens capturadas pelo Google e disponibilizadas no Street View,
como mencionado no capítulo um, as dobras da imagem (e por consequência os rastros)
são potencializadas, já que são imagens do tipo estereoscópicas, uma técnica importante de
observação visual desenvolvida no século XIX, que consiste na justaposição de duas
imagens distintas de um mesmo objeto criando ilusão de profundidade e
tridimensionalidade entre os elementos observáveis.
84
tivemos da figura” (CRARY, 2012, p.122), ou seja, na fala do Dr. Helmholtz, se expressa
um dos argumentos benjaminianos sobre a cultura visual da modernidade, de que há uma
“necessidade de possuir o objeto tão perto quanto possível na imagem” (BENJAMIN,
2012, p.109).
85
sublinhando, dessa forma, dimensões táteis da imagem, já que a “topografia” da imagem
estereoscópica perfaz um terreno acidentado entre planos e texturas. Quando Wolf realiza
sua busca no GSV, no entanto, não está munido de óculos ou outro aparato que permite a
visão estereoscópica, o que há, efetivamente, é uma simulação do efeito de
tridimensionalidade da técnica, acentuado pela possibilidade de deslocamento horizontal e
vertical na imagem. Dessa forma, em sua caça aos rastros, Wolf visualiza imagens
bidimensionais que emulam tridimensionalidade e a topografia irregular e háptica das
imagens estereoscópicas e, ao fotografar utilizando-se frequentemente do mecanismo do
zoom da objetiva, registra detalhes e tessituras da imagem que, ampliados nas impressões
fotográficas, retomam, de certa forma, essa visualidade tátil da estereografia.
Nesse sentido, apesar de serem bidimensionais, as imagens por ele obtidas possuem
certa hapticidade e configuração rugosa, nas quais exibem-se maiores ou menores
distâncias entre os objetos que contêm diferentes intensidades de relevo. Devido a essa
natureza de “terreno acidentado”, quando os olhos percorrem essas imagens “seguem um
caminho sinuoso e errático para dentro da profundidade da imagem” (CRARY, 2012,
p.123), transitando de forma serpenteante por entre veredas de topografia instável,
passando por fissuras de onde irrompem outros rastros. A imagem estereoscópica, nesse
sentido, em sua visualidade háptica, dismórfica e tridimensional estimula o vislumbre de
tramas e seus espaços-entre, que, em nossa concepção, podem ser analogizados ao espaço
matemático Riemanniano, citados por Delleuze e Guattari64.
64
No capítulo três abordaremos a noção dos autores de espaço liso e estriado.
86
em suas filigranas os desdobramentos de espaços onde possíveis rastros se aninham. Trata-se
de um mapear que:
65
Episódio descrito na Odisseia de Homero. Edição bilíngue; tradução, posfácio e notas de Trajano Vieira
(3˚edição). Editora 34, São Paulo, 2014.
66
No texto “A imagem como rasgadura e a morte do deus encarnado” na obra Diante da imagem (2013a),
Didi-Huberman aborda brevemente a questão do mundo autorreferencial das imagens referindo-se a Kant
87
A perspectiva da rasgadura da imagem proposta por Didi-Huberman pressupõe um
olhar cultural diante deste objeto, que possui uma amplitude de sentidos e emoções muito
mais complexa e profunda do que apenas seu viés representacional67. Assim, com a
rasgadura da imagem, privilegiam-se distintos caminhos, evoca-se a visualidade em sua
vastidão, seus lastros abissais, memórias, esquecimentos e movimentos intrusivos de
energias subterrâneas, em vez de se considerar apenas sua imanente visibilidade
superficial. Afirma o autor sobre o movimento da rasgadura:
Essa cisão profunda e oblíqua da imagem tem como intenção muito mais que um
olhar, mas um sentir com os olhos fechados nos abismos da imaginação, um perceber em
sintonia fina entre frestas nos pormenores – já que, como afirmava Warburg, “Deus está
nos detalhes”. Busca-se com a rasgadura da imagem tensionar sua logia em analogia, mira-
lá como constante devir prenhe de possibilidades, como multiplicidade de sintomas, tal
como no sonho, onde imagens brotam por entre fissuras em relações aparentemente
paradoxais do ponto de vista lógico, exibem-se em copresença, “descentralizando o sujeito
do saber” (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p.203) e dilaceram a noção de inteligibilidade e
representação.
88
esquecimentos, saber, não saber, mythos, logos, emoções, rastros arcaicos e perspectivas
futuras, enfim, toda uma magnitude simbólica em sua pós-vida (Nachleben), perceptíveis –
sempre em parte – e passíveis de distintas polaridades quando diante da imagem adota-se
uma postura de rasgá-la, senti-la em seu contínuo devir.
O índice histórico das imagens diz, pois, não apenas que elas pertencem a
uma determinada época, mas, sobretudo, que elas só se tornam legíveis
numa determinada época. E atingir essa “legibilidade” constitui um
determinado ponto crítico específico do movimento em seu interior. Todo
presente é determinado por aquelas imagens que lhe são sincrônicas: cada
agora é o agora de uma determinada cognoscibilidade. Nele, a verdade
está carregada de tempo até o ponto de explodir [...] Não é que o passado
lança luz sobre o presente ou que o presente lança luz sobre o passado;
mas a imagem é aquilo em que o ocorrido encontra o agora num lampejo,
formando uma constelação. Em outras palavras: a imagem é a dialética na
imobilidade. Pois, enquanto a relação do presente com o passado é
puramente temporal, a do ocorrido com o agora é dialética – não de
natureza temporal, mas imagética. Somente as imagens dialéticas são
autenticamente históricas, isto é, imagens não arcaicas. A imagem lida,
quer dizer, a imagem no agora da sua cognoscibilidade, carrega no mais
alto grau a marca do momento crítico, perigoso, subjacente a toda leitura.
(BENJAMIN, 2006, p.504 e 505 N 3,1).
89
incêndios da história. Então, a imagem dialética torna-se a imagem
condensada – que nos põe diante dela como diante de uma dupla
distância – de todas essas eclosões e de todas essas destruições. (DIDI-
HUBERMAN, 2010, p.174).
68
Também nesse sentido, a fotografia instaura-se como um dos principais mecanismos amplificadores de
percepções, tema este discutido direta ou indiretamente em textos de Benjamin, como no Pequena história da
fotografia (2012) e Sobre alguns temas em Baudelaire (1994).
90
intersticiais, espaços que se plasmam em espacialidades, aqui compreendidos segundo
Ferrara (2008) como:
Diante de tal cenário, urge atentarmos para a percepção fina de um espaço “entre”,
fundamental para melhor compreendermos distintas mediações e os processos vigentes da
comunicação contemporânea – dentre os quais, a intensiva mediação da realidade por
imagens com origem no século XIX. À época, afirma Ferrara (2008), a concentração
populacional que se ampliava nas cidades proporcionou a criação de novos espaços os
quais “se tornando exíguos ou diminutos, exigem ser multiplicados e inventados como se
novos fossem” (FERRARA, 2008, p.53), criando assim espacialidades que clamam por
visibilidade nas metrópoles modernas.
91
midiática que resgata em parte certa dimensão cúltica da imagem que em nossa época
ocorre de forma enviesada aos “deuses midiáticos”, obedece à lógica de quanto mais
visível mais importante é essa “divindade”.
92
estranhamento inicial, pois se configura como um novo modo de percepção sensorial
cotidiana, opositiva – em um primeiro momento – à pintura e aos modos manuais de
produção da imagem. Evidencia-se, segundo autores como Rouillé (2009), Souza (2004) e
Kossoy (2014), que a fotografia encarnava a dinâmica de representação da sociedade
industrial nascente, pois como filha da moderna urbanidade parisiense do século XIX,
legitima valores e práticas imbuídos de espírito racionalista organizador e se constitui
como instrumental inequívoco de representação da realidade, operando em consonância à
época.
93
nos estúdios fotográficos dos próprios hospitais onde trabalhavam. No sanatório francês
Salpêtrière, fotografavam-se pacientes epilépticos e histéricos do psiquiatra Jean-Martin
Charcot em plena crise a fim de se verificar e classificar contorções corporais e expressões
características ocasionadas pela doença70.
94
muitos setores; fica evidente entre outras coisas, no telefone, onde o
movimento habitual da manivela do antigo aparelho cede lugar à retirada
do fone do gancho. Entre os inúmeros gestos de comutar, inserir acionar,
etc., especialmente o “click” do fotógrafo trouxe consigo muitas
consequências. Uma pressão do dedo bastava para fixar um
acontecimento por tempo ilimitado. O aparelho como que aplicava ao
instante um choque póstumo. (BENJAMIN, 1994, p.124).
95
O presente da ação durante a qual o operador é ‘confrontado, no visor,
com a realidade’ dos corpos e das coisas. Esse presente concreto e
verdadeiro da percepção, do necessário contato físico com a realidade
material, tem uma certa duração. ‘Um evento é tão rico, que, durante seu
desenrolar, gravitamos em volta’, explica Cartier-Bresson, para quem o
processo pode durar alguns segundos, às vezes horas, e mesmo dias.
(ROUILLÉ, 2009, p.208).
96
2002, p.4). Dessa forma, a fotografia é a espacialização do tempo, congela o espaço e não
o tempo, opera como mecanismo ceifador e, imbuída do espírito racionalista, tende a
desprezar a duração do ato – expectação, clique e pós-clique – e valorizar a instantaneidade
e precisão do mecanismo.
97
qual reside “a essência da duração” (BERGSON, 1974, p.110) do que pelas aquecidas e
fragmentadas instantaneidades contemporâneas.
Isso posto, poderia se refletir sobre uma aparente contradição no objeto, já que a
temporalidade da arqueologia é da ordem do fluir, da expectação e depuração, enquanto o
“instrumental arqueológico” de Wolf, a câmera fotográfica, é da ordem da instantaneidade
seccionadora. Uma primeira pista a fim de diluir esse antagonismo está na pesquisa de
Lissovsky (2010), a qual aborda a ontogênese da questão do tempo na fotografia
contemporânea, amplificando este conceito para uma dimensão de expectação que se dá no
ato fotográfico. Sob esse viés, o autor primeiramente relembra as origens do processo
fotográfico em meados do século XIX, e afirma a necessidade de imersão na duração do
tempo da pose que os pioneiros daguerreotipistas tinham no momento do registro, fato este
que se perdeu frente aos sucessivos aquecimentos cronométricos que reduziram
drasticamente o tempo de exposição e que deram origem à “mística do instante decisivo”,
tão celebrada na fotografia, conforme aponta Machado (2015). Sobre a duração que
envolve o ato fotográfico, afirma Lissovsky:
98
vida finalmente se consuma, marca em cada rosto o seu aspecto.
(LISSOVSKY, 2010, p.64).
Reter o que já não é, antecipar o que ainda não é, eis a primeira função da
consciência. Não haveria para ela o presente se este se reduzisse ao
instante matemático. Este instante é apenas o limite, puramente teórico,
que separa o passado do futuro; ele pode a rigor ser concebido, não é
jamais percebido; quando cremos surpreendê-lo, ele já está longe de nós.
O que percebemos de fato é uma certa espessura de duração que se
compõe de duas partes: nosso passado imediato e nosso futuro iminente.
Sobre este passado nos apoiamos, sobre este futuro nos debruçamos;
apoiar-se e debruçar-se desta maneira é o que é próprio de um ser
consciente. Digamos, pois, que a consciência é o traço de união entre o
que foi e o que será, uma ponte entre o passado e o futuro. (BERGSON,
1974, p.77).
99
possibilita. Nesse sentido, Lissovsky (2010) busca resgatar na fotografia a dimensão
complexificada da imagem, afirmando a necessidade de a prática fotográfica pautar-se pela
duração e não pelo instante e desse modo, proporcionar ao fotógrafo a imersão na duração.
100
necessidade de um pensamento arqueológico em torno dos objetos das ciências da
comunicação, sugerimos – por meio do objeto da pesquisa – a possibilidade de a
imaginação atuar como arqueologia da imagem, desvelando rastros passados, intuindo e
inventando imagens futuras. Compreendemos que o “método” do fotógrafo poderia se
configurar como uma estratégia para lidar com as imagens midiáticas, uma perspectiva de
fuga frente à imanência imaginária e suas subtrações totalitárias. Em nossa análise,
depreendemos que o “sítio arqueológico” onde Wolf trabalha é compreendido por imagens
disponibilizadas no site Street View do Google, as quais são “rasgadas” e “dialetizadas” em
sua superficialidade, permitindo assim, que o fotógrafo encontre consciente e
inconscientemente rastros importantes. Ainda sobre a caracterização do procedimento
arqueológico, chamamos atenção para o caráter háptico das imagens do site, cujos
“terrenos acidentados”, de certa forma, metaforizam a deriva necessária que o artista
propõe por entre as camadas das imagens.
101
c) À luz do objeto de pesquisa, como compreender esse pensar por e
através das imagens? Qual sua relevância frente à comunicação e cultura
contemporânea?
102
3 O PENSAMENTO POR IMAGENS
103
totalitária dos ambientes visual midiáticos. Ocorrendo nas frestas da racionalidade, entre
distração e atenção, a imaginação pode fazer-se em uma espécie de pensamento de grandes
sínteses, irruptivo e por imagens. Assim, refletiremos sobre como e por quais meandros a
imaginação poderia se constituir como arqueologia da imagem, ampliando a análise
realizada sobre o ato fotográfico de Wolf e projetando que a dinâmica estabelecida pelo
autor poderia se configurar como gesto contemporâneo diante da órbita imaginária: ato de
deriva e imaginativo que rasga a imagem em sua superficialidade, esfrega-a em outras e
assim possibilita a emergência de rastros que se plasmam em imagens polissensoriais,
diante da atual caverna orbital de imagens.
Para Gilbert Durand (1995, 1998, 2012) o imaginário se perfaz por imagens cuja
dimensão simbólica motivada76 mantém certa relação natural com algo ausente. Ou seja, a
toda imagem ata-se uma dimensão de significado e esta dinâmica possui um trajeto
antropológico:
74
Tradução livre do autor a partir do trecho em epígrafe no início deste capítulo.
75
Buscando nas fontes primárias do inconsciente, o autor baseia suas reflexões nos elementos primordiais ar,
água, fogo e terra como matrizes para a imaginação do indivíduo. Interessa-nos aqui, sobretudo, sua
abordagem sobre a fluidez da imaginação. In: O ar e os sonhos, Martins Fontes: São Paulo, 2001.
76
Neste trabalho, a concepção de imagem simbólica faz referência aos Estudos do Imaginário (quando uma
imagem ata-se a um sentido) e não à Teoria dos Signos que observa no símbolo um caráter arbitrário.
104
Nesse sentido, percebe-se a constituição de um tripé entre imagem, imaginário e
imaginação77. Sob esse escopo, James Hillman (1992) opera em uma perspectiva das
imagens primordiais, aproximando as teorias da imagem e do imaginário, afirmando ser a
imagem – de mitos, sonhos, fantasia, poética – expressão de fundamentos arquetípicos,
acessíveis via imaginação78 (HILLMAN, 1992 p.10). Ou seja, via imaginação, há um
trabalho da imagem que alojada no imaginário (ora prevalentemente o cultural, ora o
midiático) nos atinge de alguma forma.
Ao refletirmos sobre esse lidar com imagens, não se pode esquecer da proposição
de Didi-Hiberman (2013a), a qual afirma sinergia entre olhar e coisa olhada, ou seja,
quando olhamos as imagens elas já nos olharam anteriormente. Equivale a dizer que, ao
ocuparmos as imagens via imaginação, também somos por elas ocupados, ou seja, “a força
representativa da imaginação torna possível transformar mundo exterior em mundo interior
e mundo interior em mundo exterior” (WULF, 2014, p.14). Nesse sentido, há o que Hans
Belting compreende como fluxo entre imagens endógenas e exógenas, marca indelével da
faculdade imaginativa que nesta pesquisa é compreendida como força corporal:
105
disponibilizadas pelas próprias armadilhas: “levar uma vida com imagens, contra as
imagens” (KAMPER, 2016, p.225).
79
Fita ou faixa de Moebius (Möbius) é um espaço topológico anelar inventado pelo matemático August
Möbius no qual não se faz distinção entre parte interna e externa. Segundo Naves (2016) “na obra de
Kamper, (a fita de Moebius) faz parte de um arcabouço de formas e topografias reunidas em desafio à
geometria euclidiana. Entre tais formas estão também os anéis borromeanos, a rosa, os fractais, o labirinto, o
deserto e o desenho a mão livre” In Kamper (2016, p.231).
106
maneira a manter abertas as sentenças inerentes ao homem. (KAMPER
2016, p.227).
107
crepusculares. Mais do que estar diante de algo, urge estar na própria coisa, sentir a carne
do mundo imbricada ao próprio corpo, o que pressupõe percepção que se confronta e não
apenas se conforma com as coisas, “percepção como possessão simbólica do mundo” (LE
BRETON, 2016, p.29) ou “existência pática” (KAMPER, 2016, p.169) que se dá pelos
sentidos, mesmo o saturado sentido da visão.
Confrontando-se com a imagem e não apenas diante dela, Wolf as olha no sentido
acima exposto por Le Breton. A temporalidade do olhar (que se desdobra na temporalidade
fotográfica de seu ato) não é a do instantâneo fotográfico, mas sim a da duração que capta
tanto estruturas gerais de conjunto quanto filigranas, não apenas descobre sentidos nos
rastros, mas também os constrói via imaginação, articulando assim sentidos e propondo
visualidades crepusculares.
108
antropologicamente, a visão é um sentido da distância, fóbico, de alerta, que “busca na
antecipação antever o futuro” (BAITELLO & CONTRERA, 2010) e que quando
empregado na proximidade busca tatilidade, quer tocar com os olhos, apalpar espessuras.
Para Le Breton (2016), a visão quer exercer sua plenitude junto ao tato – revirar objetos
com as mãos, sentir com os dedos – e quando não é possível essa associação entre os dois
sentidos e se tem apenas a visão (como no caso do objeto da pesquisa), há uma
incompletude do sentir, a qual busca ser compensada pelo olhar meticuloso, pela invenção,
imaginação e especulação81, por um olhar que se torna tátil.
Assim, o feltro está para o espaço liso, é de uma proximidade háptica, da ordem dos
fluxos e não dos fixos. Por outro lado, o tecido confeccionado em trama e urdidura é
espaço estriado, privilegia o distanciamento ótico e é da ordem de fixos e não de fluxos.
81
Segundo Cunha (2007) a palavra especulação tem origem no latim especularis (1572) que significa
examinar com atenção. Posteriormente (1813) refere-se àquilo que é próprio de espelho, speculum. Do Indo-
europeu Pokorny (1994) afirma a origem no radical Spek- “observação, olhar agudo”.
109
olhos são as mãos e a imagem a argila em devir. Os olhos derivam de forma inconstante e
pática pela imagem, que é deformada, reformada e transformada. Faz-se importante
salientar que no imenso patchwork de imagens do GSV, apesar da simulada estereoscopia
que sugere texturas, Wolf transmuta-a em um espaço liso, emaranhado de pixels – não
homogêneo – mas aplanado, aberto e ilimitado à deriva do olhar.
110
comum e baseadas em conteúdos mentais padronizados são da esfera do
intelecto. (ARNHEIM, 1989, p.14 e 16).
111
as sequências são concorrentes, outras vezes convergentes e divergentes,
ou ainda sobrepostas. Pensamento é uma palavra aceitável para denotar
esse fluxo de imagens. (DAMÁSIO, 2015, p.256).
Pensar e sentir, dessa forma, se dá por uma configuração mental em que imagens
irrompem na mente; quando se está atento a estímulos internos e externos ou distraindo-se
em uma caminhada pelo parque ou lendo um livro. É tocar a carne do mundo com o corpo
e sua somatossensorialidade e ao mesmo deixar ser tocado inesperadamente por ele. Nos
limiares tensivos entre racionalidade e intuição, concentração e distração, o pensar por
imagens não pede licença, brota de forma pática e assim imagens evocam outras imagens.
É o pensamento livre e sem amarras, fluxo de sensações que convoca reações musculares e
imagens mentais, pensamento-corpo.
82
In: PROUST, Marcel. No caminho de Swann. Trad. Mario Quintana. Abril Cultural: São Paulo, 1982.
83
Edição consultada: HADAMARD, Jacques. The psychology of invention in the mathematical field. New
York: Dover publications, 1954, Disponível em: http://worrydream.com/refs/Hadamard%20. Acesso em
02/08/2016. A partir do trecho “The above mentioned elements (sobre a pergunta de Hadamard) are, in my
112
sensorialidades – muitas vezes articuladas a partir de detalhes mínimos – analogizam-se
intempestivamente tanto sob a forma de imagens conscientes quanto inconscientes.
case, of visual and some muscular type. Conventional words and other signs have to be sought for
laboriously only in a secondary stage […] the play with the mentioned elements is aimed to be analogous to
certain logical conections” Tradução do autor.
84
Da raiz grega ana=reintegração, comparação e logos=razão, indica a transposição de um determinado
domínio conhecido a outro. Trata-se de um eixo comparativo no qual há sugestão de proporcionalidade entre
os elementos que possibilitariam, assim, sintetizar novos conhecimentos. Tão antiga quanto o próprio
desenvolvimento da razão, tendo sido empregada pela filosofia clássica, alquimia e ciência moderna, a
analogia, afirmam Gentner & Jeziorsky (1979), citados por Rodrigues (1997), “se constitui como
mapeamento de conhecimento que parte de um domínio (a base) para dentro de outro domínio (alvo) tal que
sistema de relações que envolvem os objetos da base também envolve os objetos do alvo”, ou seja, trata-se,
ao fim e ao cabo, de uma equiparação modelar ou equivalência estrutural entre partes. As analogias e
metáforas possuem papel fundamental na cultura e aqui nesta pesquisa são instâncias consideradas à luz do
pensamento por imagens.
113
banheira, o corpo desloca água proporcionalmente a sua massa, logo, ao colocar a coroa,
a água deslocada será proporcional à massa dos metais presentes. Só que no pensamento
analógico por imagens essa associação é da ordem da irrupção mental, junção violenta e
inesperada a qual auxilia o sábio a vislumbrar a solução do problema.
Isaac Newton (1643-1727) com o não menos famoso caso da queda da maçã em
correspondência com a força gravitacional é outro paradigmático episódio em que há essa
associação analógica de imagens85. Menos conhecido do que a banheira de Arquimedes ou
a maçã de Newton, porém cientificamente tão importante quanto, é o sonho com a serpente
alquímica (Ouroboros) do cientista alemão Friedrich August Kekulé (1829-1896), que
possibilitou a descoberta da estrutura do benzeno (C6H6) no século XIX. Relata o químico:
85
Biógrafos e estudiosos da obra de Newton observam com certa reticência o episódio da maçã, que segundo
William Stukeley, amigo de Newton e responsável por redigir Memoirs of Sir Isaac Newton (citado por
Ortoli & Witkowski, 1997), teria sido mencionado pelo cientista inglês à sobrinha Catherine Conduitt, a qual
teria incrementado a história. Apesar da suspeita, Stukeley relata o episódio ocorrido em 1726. “Depois da
ceia, o tempo ameno incita-nos a tomar chá no jardim, à sombra de algumas macieiras. Entre outros assuntos
de conversa, disse-me que se encontrava numa situação análoga àquela em que tivera a ideia da gravitação.
Esta fora-lhe sugerida pela queda de uma maçã num dia em que, estando de humor contemplativo, se sentara
no jardim (William Stukeley apud ORTOLI & WITKOWSKI, 1997, p.17).
114
Figura 30- Ouroboros Figura 31-Anel Benzênico
Fonte: O livro dos símbolos (2012). Fonte: Wikipedia. Acesso em 19/07/16.
Nos exemplos científicos acima mencionados, nos interessa refletir sobre esse
procedimento mental e imaginativo que estabelece uma relação de síntese entre
fenômenos, fazendo irromper violentamente imagens mentais, conscientes e inconscientes
que se associam. Trata-se do pensar por imagens, força corporal da imaginação que joga
com a racionalidade positivista.
Em seu Seis propostas para o próximo milênio, Ítalo Calvino (1923-1985) elege os
temas leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência (este último
nunca fora escrito) como fundamentais para o século que se aproximava. No tema sobre a
visibilidade, o autor versa sobre a importância dos processos imaginativos e de como esse
“cinema mental” opera em nós de modo contínuo, e mesmo antes da invenção desta
técnica “nunca cessou de projetar imagens em nossa tela anterior” (CALVINO, 1990,
p.99), tema este que será abordado por Belting (2006), o qual afirma como sendo o corpo a
fonte primeira das imagens. Versando sobre a importância da imaginação na cultura, o
modo como ela opera intuitivamente projetando cenários hipotéticos e seu poder de
evocação, Calvino problematiza, enfim, a relação entre imaginação e a cultura da imagem
no século XX:
115
bombardeados por uma tal quantidade de imagens a ponto de não
podermos distinguir mais a experiência direta daquilo que vimos há
poucos segundos na televisão. Em nossa memória se depositam, por
estratos sucessivos, mil estilhaços de imagens, semelhantes a um
depósito de lixo, onde é cada vez menos provável que uma delas adquira
relevo. (CALVINO, 1990, p.107).
116
antes. A imagem é um dínamo de forças que sobrevive como fundamento de memória
(pessoal e coletiva) na cultura.
117
“iconologia dos intervalos”. A disposição dos elementos possibilita pensar em fluxos
diversos entre as imagens, além de o espectador entrever e “comparar com uma só olhadela,
numa mesma prancha, não duas, porém dez, vinte ou trinta imagens” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p.
387). Atlas Mnemosyne constitui um estudo profundo e meticuloso sobre as raízes
ancestrais e os lastros de memória encarnados nas imagens e que transitam entre elas.
Dizia o autor que Mnemosyne queria ser antes de tudo um “inventário dos modelos
antiquizantes preexistentes que influenciaram a representação da vida em movimento e
determinaram o estilo artístico na época do Renascimento” (WARBURG, 2010, p.03). As
contradições e polaridades presentes nas imagens eram parte de um organismo complexo e
dinâmico, as quais projetavam as simbologias metamorfoseantes da imagem. A
complexidade e também incompletude do Atlas é explicada por Georges Didi-Huberman:
118
Newton, Gauss e Arquimedes que se depararam intempestivamente com um raio súbito o
qual trouxe o clarão do saber, Warburg vai combinando as imagens e de certa forma
construindo um cenário – diferentemente dos cientistas mencionados – que estimula esse
fluxo de imagerias. O autor de Atlas Mnemosyne, dessa forma, prevê a irrupção de
imagens recônditas que poderão surgir nas pranchas do Atlas, que funciona muito mais
como espaço liso de livre deriva mental do que como um mapa delimitador de fronteiras.
Assim, de certa forma similar à tabela periódica dos elementos químicos de Mendeleiev86 –
entretanto com menos amarras científicas – o Atlas warburguiano é a materialização do
pensar por imagens, que tem no próprio serpentear uma alegoria do dinamismo de energia
entre imagens; um sentir ziguezagueante nas pranchas que sutura visualidades labirínticas
e recônditas. Trata-se de fisgar lastros em movimentos anadiômenos e fantasmáticos,
vincular dejetos memoriais e imemoriais, tensionar distintas visualidades, rastrear nos
intervalos entre as imagens que recalcam outras imagens. Pensamento por imagens em
Warburg é rastrear e sentir complexamente a imagem por meio dela própria, dialetizar e
imaginar, é estar ciente que sua visibilidade imanente é apenas a ponta do iceberg. No
espaço entre analogias das imagens, vislumbrar a escuridão dos intervalos como cavernas
que em sua profundidade ecoam e amplificam rastros, os quais operam aqui como
elementos ativadores da energia imaginativa corporal.
86
Em 1869, o químico russo Dimitri Mendeleiev começa a agrupar elementos químicos em uma tabela,
seguindo certo padrão de similaridade entre elementos dispostos em uma mesma coluna. Inicia-se, assim, a
tabela periódica de elementos químicos, que, à época, além de não entusiasmar a comunidade científica, foi
motivo de chacota, e seu autor ridicularizado, já que havia casas em branco as quais Mendeleiev afirmava
que seriam ocupadas por elementos a serem descobertos. “Em 1879 é descoberto o escândio, que vem a
ocupar o lugar de uma das casas, e, dezessete anos depois, o gálio e o germânio vêm preencher as restantes
casas vazias e surpreender os químicos de todo o mundo”. (ORTOLI & WITKOWSKI , 1997, p.84).
119
Figura 32- Sala de leitura da Kulturwissenschaftliche Bibliothek Warburg (Biblioteca
Warburg de Ciências da Cultura
120
Figura 34- Esquema de disposição das imagens para ilustrar conferência sobre
astrologia orientalizante.
Pensar por imagens, ou seja, não mais nos convida a estar ante a imagem
na fruição da sua contemplação, mais ou menos alerta, mais ou menos
colaborativa e atuante. Ao contrário, propõe pensar com imagens ou
através dela; porém, vislumbramos uma diferença ontológica importante
entre pensar por imagens e pensar imagens e essa diferença exige que
passemos de um estágio antropológico de análise, para atingir a
arqueologia da visualidade que, por sua vez, exige operar,
comparativamente, entre imagens, pensar suas construções, suas
articulações e as possibilidades da sua cognição. (FERRARA in Baitello
& Wulf, 2014, p.190).
121
articulações, operando comparativamente e sugerindo outras imagens para além das
visuais. Trata-se, deste modo, de celebrar a imagem como um gaio saber87 (Didi-Huberman,
2015).
87
Georges Bataille faz uso do termo gaio saber pensando a imagem em suas lacerações, aproximações e
esfregamentos, tal como se observa na revista surrealista marginal Documents, editada de 1929 a 1930.
Editor desta publicação, que recebeu contribuições de Michel Leiris e Fritz Saxl (discípulo de Warburg),
Bataille priorizava nas páginas montagens inusitadas entre imagens de distintas épocas, objetivando
articulações por semelhança e dessemelhança que configurassem sintomas nas imagens (do grego Symptoma
– o que cai junto com – um encontro, uma queda, um choque). Nesse sentido, afirma Didi-Huberman (2015)
a revista Documents pode ser comparada ao Atlas Mnemosyne de Warburg, pois, de certa forma, também
visa a superar a iconografia tradicional. Afirma Didi-Huberman (Idem, p.402) “ambos endereçavam o mesmo
gênero de questão antropológica ao mundo das imagens e ao das condutas sociais. No fim das contas, uma
mesma prática interpretativa vinha a lume, destinada a fazer fundir e difundir o sentido através de um
trabalho da montagem figurativa que as pranchas quase mudas de Mnémosyne, exatamente contemporâneas
de Documents, tão bem encarnam na obra de Warburg”. (DIDI-HUBERMAN, 2015, p.402).
122
No desenvolvimento da série percebe-se uma geografia imaginativa tateada pelo
autor, que se molda em arqueologia da visualidade (conforme descrevemos no capítulo
dois). Trata-se de um pensar por imagens, pois, para além do sentido da visão, Wolf sugere
outras sensorialidades ao se aproximar às imagens do site e transmutar a imanência visual
em visualidade háptica, sugerindo texturas e meandros, rasgando fendas que podem evocar
outras imagens corporais. Assim, por meio da visibilidade luminosa do site, o autor
refotografa lastros, fragmentos específicos de imagem os quais denotam a arqueologia
imaginativa da visualidade que possibilita a evocação de imagens conscientes e
inconscientes, em níveis táteis, olfativos, enfim, em outras sensorialidades para além
unicamente da visual. Trata-se de um fotografar, mas antes de tudo, de estar atado à
imagem e pensar por meio dela, seguir ao sabor de seus meandros imaginativos, lacerar sua
superfície, escavar nas suas fissuras abissais e alcançar (e ser alcançado) pelos dínamos de
forças que toda imagem contém. Tal qual uma serpente, Wolf observa sem pestanejar,
ouve através da pele, sente as vibrações energéticas dos subterrâneos da imagem, enrolar-
se a ela e embarca em seus encontros numinosos.
Seguindo a pista kamperiana de “levar uma vida com imagens, contra as imagens”
(KAMPER, 2016, p.225), o trabalho do fotógrafo não sugere solução miraculosa para o
lidar com imagens em plena era do seu excesso, mas antes caminhos que se fazem por
descaminhos, a imaginação contra a órbita imaginária, saltos quânticos em vez de
linearidades analíticas. Para tal empreitada, faz-se necessário perfurar o imaginário
midiático de imagens reluzentes e superficiais, o que significa cair, ter contato com a
matéria escura, buscar na arqueologia da visualidade um fluir intempestivo da imaginação,
pensar por imagens e intuir imagens nos limiares da consciência e da inconsciência, razão
e imaginação.
123
Nesse sentido, parece plausível refletir sobre essa deriva arqueológica empreendida
pelo fotógrafo como uma espécie de colagem singular à Warburg: Wolf inicialmente
escolhe e recorta rastros nas imagens do Google que, posteriormente são alçados à
condição de imagem eles próprios. Não se trata, portanto, de uma colagem tout court na
qual se escolhe, recorta e juntam-se fragmentos, mas antes uma colagem mental que
promove tensionamentos múltiplos entre imageria endógena e exógena, atravessamentos
entre razão/imaginação e diferentes saberes. Colagem que remexe em dejetos, ato que
“nega o lixo ao retransformá-lo em cultura [...] gesto mais radical em favor da cultura,
mais radical que o gesto produtor de obra com matéria natural, porque é gesto que sustenta
a cultura enquanto luta contra o esquecimento”88. Trata-se, ao fim e ao cabo, de gesto que
visa libertar, transpor os biombos visuais da órbita elíptica imaginária via
somatossensorialidade corporal e imaginação plasmada em imagens conscientes e
inconscientes.
“Por que esperar mais?” Essa é a pergunta que o escritor e fotógrafo amador
Roberto Michel – personagem de Julio Cortázar no conto As babas do diabo89 – se faz
depois de um tempo observando um casal no parque e em meio à indecisão de fotografar
ou não a cena. Ele não mais espera: enquadra, seleciona uma abertura para a objetiva e
fotografa displicentemente. No processo de ampliação fotográfica, Michel dilata parte da
cena fotográfica repetidas vezes e, surpreendentemente, para além do casal na imagem,
vislumbra o que seria um cadáver em meio a um arbusto.
88
Retirado do tiposcrito inédito “Reflexão sobre collage-valor e lixo”, consultado no Arquivo Vilém Flusser
São Paulo, indicado por [sem referência]. 3085_pasta essays 16-Portuguese Q-R.
89
Em 1966, o conto de Cortázar foi adaptado para o cinema “Blow up - Depois daquele beijo” sob a direção
de Michelangelo Antonioni.
124
invisíveis a olho nu, e, a essa habilidade instrumental, o autor propõe a metáfora de um
inconsciente ótico contido na câmera.
A natureza que fala à câmara não é a mesma que fala ao olhar; é outra,
especialmente porque substitui um espaço preenchido pela ação
consciente do homem, por um espaço que ele preenche agindo
inconscientemente. Percebemos, em geral, o movimento de um homem
que caminha, ainda que de modo grosseiro, mas nada percebemos de sua
postura na fração de segundo em que ele dá um passo. A fotografia torna-a
acessível, através dos seus recursos auxiliares: câmara lenta, ampliação.
90
Faz-se importante ressaltar a dimensão metafórica entre os “inconscientes” que Benjamin propõe. Nesse
sentido, permitimo-nos discordar de Krauss (1993) que questiona o cotejamento entre os conceitos sob um
ponto de vista essencialmente racionalista: “a rigor, como pode o campo ótico ter um inconsciente”?
(KRAUSS, 1993, p.178 e 179). Acreditamos que não se trata de uma violência epistemológica em que o
inconsciente ótico toma de empréstimo a totalidade e complexidade do inconsciente (Unbewusste), mas sim
de um pensar por imagens muito caro a Benjamin como afirma Arendt (2008, p.179): “As metáforas são os
meios pelos quais se realiza poeticamente a unicidade do mundo. O que é tão difícil de entender em
Benjamin é que, sem ser poeta, ele pensava poeticamente e, por conseguinte, estava fadado a considerar a
metáfora como o maior dom da linguagem”. Dessa forma considera-se essa relação entre inconsciente ótico e
inconsciente (Unbewusste) como da ordem do pensamento por imagens e não lógica strictu sensu.
125
Só a fotografia revela esse inconsciente ótico, como só a psicanálise
revela o inconsciente pulsional91. (BENJAMIN, 2012, p.100 e 101).
91
Benjamin utiliza a expressão inconsciente pulsional. Lagache (2001, p.235) define o inconsciente como
“representações das pulsões”; isto torna a expressão benjaminiana explicativa (e de certa forma, redundante),
mas não incorreta. Para Roudinesco & Plon (1998), entretanto, a expressão ‘inconsciente pulsional’
(Triebunbewusste) não aparece em Freud, por sua vez, a palavra ‘inconsciente” (Unbewusste) possui neste
autor um sentido específico, de “instância ou sistema constituído por conteúdos recalcados que escapam às
outras instâncias [...] e que se revelam através do sonho, dos lapsos, dos jogos de palavras, dos atos falhos”
(ROUDINESCO & PLON, 1998, p.375).
92
O eixo comparativo proposto por Benjamin, apesar de sui generis, não é inédito à época, pois como
assinala Hansen (in BENJAMIN & SCHÖTTKER & BUCK-MORSS & HANSEN, 2012), teóricos do
cinema como Jean Epstein e Béla Balázs utilizam-se de analogias psíquicas e fisionômicas a fim de “ler” e
conceituar o cinema da época. Ainda de acordo com a autora, possivelmente um ensaio de Kracauer tenha
exercido influência direta sobre o conceito benjaminiano, pois refletia sobre um “momento libertado da
tirania humana” no momento da captação fotográfica. O pioneiro no processo da calotipia Henry Fox Talbot
também enunciava na década de 1840 que uma das causas do “encanto da fotografia” consistia em desvelar
detalhes que “haviam passado totalmente despercebidos” (HANSEN, 2012, p.78). Faz-se importante
mencionar também que Freud elabora uma analogia conceitual entre atividades psíquicas (consciente e
inconsciente) e a fotografia. Afirma o autor que “o primeiro estágio da fotografia é o negativo; cada imagem
fotográfica tem de passar pelo processo negativo, e só alguns desses negativos, que foram aprovados, são
admitidos ao processo positivo, que afinal termina na imagem fotográfica” (Freud apud Hansen In
BENJAMIN & SCHÖTTKER & BUCK-MORSS & HANSEN, 2012). Dessa forma, o inconsciente estaria
para o negativo – recalcado, negado, porém ativo – e o consciente estaria para o positivo, as imagens que
efetivamente são percebidas e estão presentes em nossa consciência.
93
Segundo Detlev Schöttker (in BENJAMIN & SCHÖTTKER & BUCK-MORSS & HANSEN, 2012), a
primeira versão do texto traz mais claramente o modo de reflexão benjaminiano entre inconsciente ótico e
inconsciente pulsional. Na segunda versão, foi retirado um parágrafo da primeira que versa sobre a
personagem do Mickey Mouse e sua presença no imaginário coletivo: “O cinema introduziu uma brecha na
velha verdade de Heráclito, segundo a qual o mundo dos homens acordados para quem o mundo dos homens
acordados é comum, o dos que dormem é privado. E o fez menos pela descrição do mundo onírico que pela
criação de personagens do sonho coletivo, como o camundongo Mickey, que hoje percorre o mundo inteiro”
(2012, p. 205).
126
O cinema enriqueceu o nosso mundo perceptível com métodos que
podem ser esclarecidos pela teoria freudiana. Há cinquenta anos não se
prestava atenção a lapsos durante uma conversa. Seria considerado muito
raro que um mero lapso no meio de uma conversação comum e corrente
tivesse algum significado profundo. Desde a psicopatologia da vida
cotidiana isso mudou. Esse texto foi capaz de destacar coisas que antes
passavam despercebidas no vasto fluxo de mundo perceptível, tornando
possível analisá-las. De modo semelhante, o cinema ampliou em toda a
sua extensão a percepção do mundo perceptível e agora também do
mundo acústico [...] por meio de grandes planos, do foco em detalhes
ocultos nos objetos familiares e da investigação de ambientes comuns
graças à direção genial da câmera, o filme amplia a visão sobre as
coerções que regem o nosso cotidiano [...] então torna-se evidente que a
natureza que fala à câmera é diferente daquela que se expõe aos nossos
olhos, sobretudo porque o espaço no qual o indivíduo age
conscientemente é substituído por outro no qual a ação é inconsciente [...]
ela (a câmera) nos abre pela primeira vez o inconsciente óptico, do
mesmo modo que a psicanálise nos revelou a experiência do inconsciente
pulsional. (BENJAMIN, 2012, p.27 e 28).
127
que é vivido conscientemente. Nesse sentido, no processo fotográfico de Wolf, mesmo o
fotógrafo escaneando minuciosamente fragmentos superficiais nas fotos, há lastros, dejetos
memoriais e imemoriais que se aninham nas fendas abissais da imagem e que vem à tona
não exclusivamente por meio de sua singular percepção, mas também via inconsciente
ótico. Assim, o fotógrafo seleciona em meio às imagens entulhadas e inconsumidas
presentes no GSV uma série que contém singularidades e fragmentos que usualmente não
estariam presentes, como cenas de pessoas caindo (figura 14), roubos, etc. Via inconsciente
ótico, conjuntamente à percepção, emergem outros rastros que trazem à tona uma
visualidade marginal; configuram-se outras imagens que podem se desenrolar em imagens
hápticas, táteis, somatossensitivas, enfim, evocam outras imagerias que transitam entre
ambiência endógena e exógena. Faz-se necessário recordar que, como a arqueologia
imaginativa da visualidade desenvolvida pelo fotógrafo é da ordem de uma temporalidade
dilatada, da duração no ato, esses processos descritos acima não ocorrem isolada e
separadamente, mas estão sobrepostos e atravessados entre si na mesma bacia da
expectação, no refluir do tempo.
128
esquecidos, recuperando lapsos profundos nas/das imagens, os quais são
elementos do inconsciente coletivo e pessoal.
129
Os lapsos, característicos do ato falho, configuram-se como ações ditas/não ditas
onde se verificam relações psíquicas recalcadas. Ele chama atenção, pois o foco se volta
para o “acidentalmente” proferido, aquilo que não é deliberadamente declarado, que em
meio ao fluxo é fisgado. O ato falho torna visível relações psíquicas, é transgressão de uma
ordem, a manifestação do inconsciente, “imbricação de uma vontade e de uma contra-vontade”
(FREUD apud ROUANET, 1990, p.38) tal qual é a mais planejada das fotografias, pois
nela residem rastros do inconsciente coletivo e pessoal e fragmentos míticos, ou seja, por
debaixo de sua superfície reluzente amontoam-se visualidades recalcadas e centelhas do
acaso.
130
de temporalidade para além do isto foi barthesiano, mas situa-se também
contemporaneamente no aqui e agora de sua existência/insistência e também aninha pistas
futuras. No seu devir contínuo é que a imagem ainda será “a fotografia como reserva do
porvir” (Lissovsky, 2014).
É na sua abertura para o futuro que a fotografia ainda pensa. Inútil buscar
um pensamento fotográfico na imagem feita ‘nostálgica’, ‘polissêmica’,
‘casual’. Só há pensamento na expectação, no devir do aspecto, na
iminência do choque. É no vestígio da expectativa configuradora da
imagem que podemos reencontrar aquilo em que se funda seu sentido,
aquilo por meio do qual ela comunica. Nunca depois, nunca depois do
clique, nunca depois que a foto já adquiriu um ‘assunto’. (LISSOVSKY,
2014, p.52).
Na narrativa épica da Odisseia, o poeta Homero relata que após Ulisses e seus
homens saírem de Troia, os ventos marítimos os conduziram para o sul, especificamente
para a terra dos Lotófagos, onde os habitantes da ilha alimentavam-se exclusivamente da
flor lótus. Ao desembarcarem, em vez do combate, foi ofertada aos homens de Ulisses a
doce florescência, que causava um torpor, uma narcose que provocava a dissolução da
vontade e a suspensão do tempo e espaço “quem provava o puro mel da fruta-lótus, não
queria mais voltar ou informar-nos de algo, optando por permanecer entre os Lotófagos,
comendo lótus, esquecidos do retorno” (Homero, 2014, canto IX p.255). A apatia e
languidez que os homens sentiam ao comer a flor era tamanha que não conseguiam sequer
131
se levantar dos jardins, retornavam a uma espécie de estado primitivo, apático e vegetativo,
destituídos de seus desejos. Não se concentravam em outra coisa senão na flor, apenas
deleitavam-se em uma espécie de hedonismo paralisante. Assim, para voltar aos barcos, os
marujos tiveram de ser carregados à força e amarrados.
Sob esse cenário é que se torna imperativo uma virada de mesa: contra a órbita
imaginária narcotizante, a imaginação, operar na encruzilhada e de modo embusteiro; se a
caverna imaginária oferece as imagens midiáticas como entretenimento, subvertê-la:
pensar corporal e imaginativamente por imagens no trânsito entre endogenia e exogenia e,
no âmbito da duração, jogar com a distração.
132
recuperada nos arquivos de Max Horkheimer apenas em meados dos anos 1980 e
publicada em 1989 no volume suplementar VII de Gesammelt Schriften (obras reunidas).
Segundo Francisco de Ambrosis Pinheiro Machado, em prefácio à primeira edição
brasileira da segunda versão, publicada em 2012, há diferenças importantes com relação à
primeira versão do texto, já que a segunda é resultado de uma ampliação e revisão e traz
alguns conceitos não elaborados para a primeira edição, publicada na França e com
alterações propostas por Horkheimer.
133
sociais como a adesão das massas ao antissemitismo. A indústria cultural, empregando
estratégias embusteiras como a onipresença do entretenimento, impõe uma distração
nociva, que se plasma em monotonia e enfadamento, uma fruição tediosa “transformada e
alienada, passível e obediente, na propensão induzida a consumir mercadorias
compensatórias de relaxamento e distração, produzidas pela indústria cultural”
(GAGNEBIN, 2014, p.110).
96 Methode ist umweg: citação presente no início da obra Origem do drama barroco alemão. São Paulo:
Brasiliense, 1984.
134
fotógrafo alemão modela-se em artifício, pois se faz nas franjas de métodos tradicionais, é
antes uma rota de fuga sem querer sê-lo, evoca o pensamento kamperiano de que “qualquer
um pode fazer magia, desde que não queira” (Kamper apud Naves, 2014, p.170) e coloca-se
como uma “epistemológica” do pathos na qual opera uma tensão/distensão dos fatos.
Trabalha-se, dessa forma, com aproximações transversalizadas: atenção/distração estão de
mãos dadas, se entreolham o tempo todo, a racionalidade cede ao intuitivo e à força da
imaginação, o pensamento linear é inflado volumetricamente e se plasma em pensamento
que salta quanticamente, em pensamento por imagens.
135
estados de saúde e de doença; com a sua higiene quer do corpo, quer
mental. (FREYRE, 1983, p.228 e 229).
Wolf, entretanto, fotografa nas zonas intervalares entre luz e sombra: sua série é
exemplo de uma “vida com imagens, contra as imagens”, como nos ensina Kamper. Em
consonância com o gesto típico contemporâneo, o fotógrafo trabalha disfarçadamente
sentado, porém, não está sedado diante das imagens, seu distrair-se diante da imagem
transcende a distração narcotizante, é ardiloso e irruptivo, se faz por descaminhos e aos
saltos, é impulsivo e mimético. Paradoxalmente, o autor assume o sentar (assim como o
faz com a órbita imaginária), porém de forma crítica: o corpo está na cadeira, no entanto, a
força da imaginação – que é de ordem corporal e se dá quanticamente – não se deixa sedar,
age livre e intempestivamente por meio do pensamento por imagens nas franjas da
racionalidade linear, intuindo imagens inconscientes e inventando outras. Trata-se de gesto
paradoxal de enfrentamento (sentado, porém não sedado; com imagens, contra as imagens)
que auxilia a sair da imanência imaginária da caverna orbital, já que embusteiramente
disfarçado, porém reformulando-o criticamente. Wolf traveste-se matreiramente de
97
Em São Paulo, há em andamento o projeto municipal WiFi livre SP que visa instalar rede de conexão Wifi
gratuita em praças e locais públicos de todas as regiões da cidade. É curioso observar o cenário peculiar
criado a partir do projeto, pois, em estações de metrô e nas praças - estas antes basicamente destinadas ao
convívio comunitário, com crianças brincando e adultos se exercitando - as pessoas sentam-se e permanecem
silenciosamente por longo tempo com seus smartphones conectados à internet.
136
fotógrafo reprodutor de clichês quando na verdade é fotógrafo arqueólogo-esgrimista
engajado em gesto que visa transpor as aporias da caverna orbital imaginária; disfarça-se
sentado diante da tela, mas age imaginativamente aos saltos penetrando nas abissalidades
da imagem, age nas encruzilhadas e, na era dos corpos que desejam cada vez mais ser
imagem, inverte o sentido, relembrando-nos que está no corpo e não nas máquinas a
capacidade de produzir imagens.
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Tão logo o vejas em decúbito, emprega tua força toda para aprisioná-lo
bem, pois nada poupa em seu intuito de fugir. Em tudo tentará se
transmudar: nos seres serpenteantes, água, fogo divoflâmeo. Deveis
aprisioná-lo com mais força ainda. Quando ele mesmo te indagar
reavendo a forma em que antes o encontraste jazente com focas, então
liberta o velho paulatinamente, ó herói, pergunta qual dos deuses te
persegue, como hás de retornar às ôndulas piscosas” (Homero)
138
Objeto fugidio e em devir, a imagem é inicialmente produzida para ser uma
encarnação do duplo. Assim, máscaras mortuárias e corpos mumificados trazem em si um
caráter pleno magicizante; não representam algo, mas são efetivamente. Do Paleolítico,
passando pelo pensamento clássico grego, paganismo, o misticismo dos herméticos e
chegando às imagens de culto, a imagem possui uma entonação de duplo, uma magicidade
simbólica celebrada em ambientes ritualísticos. A partir da era artística, a imagem
configura-se predominantemente representacional, e a ela é agregado um viés especular,
assim, valoriza-se em especial suas dimensões estéticas e a figuratividade de sua
representação.
139
ao trabalho do fotógrafo alemão Michael Wolf, o qual escolhemos como objeto de estudo
não pelas fotografias obtidas, mas pelo processo fotográfico em si, de fotografar imagens
do site mencionado. Diante de análises iniciais em sua conjuntura ambiental, buscou-se
argumentar sobre as camadas culturais da imagem, bem como apontar o processo de
abstração do mundo das coisas em consonância à intensificação dos processos técnicos de
produção e disseminação da imagem. Nesse contexto, conjecturamos que a possibilidade
de reconstituição das etapas subtrativas do processo de hominização elaborado por Flusser,
em oposição ao que afirma este autor, ocorre não como reconquista física do espaço
abstraído ipsos facto, mas como ação imaginativa que joga com a realidade, criando dobras
na imagem a abrindo vórtices que possibilitam a emergência de outras imagens. Dessa
forma, tem-se um espaço reconstituído via imaginação, ou seja, a mesma força capaz de
abstrair fenômenos é também capaz de reconstitui-los.
140
relações e pontos quiasmáticos, sente a movimentação das placas tectônicas da cultura e o
modo como se entrecruzam.
Dessa forma, a imaginação foi descrita como ação interna de deformar as imagens e
nos libertar das primeiras percepções, assim, refletimos sobre essa instância e sua
capacidade de transmutar e derivar simbologias. Como uma força corporal, a imaginação
age sobre as imagens que estão no imaginário, tanto o cultural quanto o midiático. Logo,
141
tendo em vista os argumentos apresentados, estabelecemos relação entre imaginação,
imagem e imaginário, afirmando que, na plasticidade da imaginação corporal, via pathos,
as imagens são deformadas e transformadas e, assim, podem suplantar o imaginário
midiático que nos cerca com suas imagens prêt-à-porter reluzentes. Nesta dinâmica
imaginativa descrita, portanto, a imaginação é considerada como uma estratégia do
pensamento-corpo e, como tal, é irruptiva e mimética, não segue ordenamentos e sequer
necessita ser um pensamento.
Diante dos fatos elencados, refletimos sobre a ideia de um pensar como fluxo de
imagens. Afirma-se, dessa forma, que o pensar ocorre essencialmente por imagens cuja
dinâmica não é ordenada e sequencial, mas errática e “aos trambolhões”, possui percursos
concomitantes e sobrepostos, sendo que essas imagens podem ser olfativas, sonoras,
gustativas, enfim, transcendem o sentido visual. Tendo em vista a ideia de que o
pensamento ocorre por imagens, argumentamos, via exemplos clássicos da história da
cultura e da ciência, sobre a importância deste pensar por imagens, o modo como a
imaginação a ele se articula e como ele pode auxiliar na compreensão de fenômenos.
Compreendemos que o pensar por imagens é uma estratégia do pensar-corpo; não é
oposição à racionalidade, mas joga com ela, é da ordem da irrupção mimética e das
grandes sínteses inesperadas.
O terceiro elemento sobre o qual refletimos foi a distração. Tal como a imaginação
é infantilizada e considerada menor diante dos processos lógicos científicos, a distração é
abordada superficialmente pela mídia: é força contrária ao foco, ao trabalho e ao sucesso e
142
permitida apenas em breves momentos de lazer. Em nossa argumentação, destacamos esta
inversão operada pela órbita imaginária e enfatizamos – contrariamente ao que projeta a
mídia – que a distração/dispersão (Zerstreuung) possui um caráter de pulsão mimética e
lúdica, não segue linearidades, conduz-se desatentamente por caminhos e atentamente por
descaminhos. Elucidamos, assim, seu caráter ardiloso, mimético e lúdico da distração que
pode auxiliar na percepção de quiasmas e zonas intervalares dos fenômenos.
143
esfregar a imagem em outras imagens, sentir e intuir em suas filigranas energias e sintomas
que desdobram outras imagens, ou seja, empregar a imaginação como arqueologia da
imagem. No desencadear de fluxos de pensamento não racionalizados, pensar pelas
imagens ao seu próprio sabor, evocar imagens profundas conscientes e inconscientes,
distrair-se no jogo mimético por ela proposto. Não há que se esperar revolução contra o
mundo das imagens ou uma ruptura nas dinâmicas midiáticas; a órbita elíptica continuará
nos circundando repetida e reiteradamente, porém, pode-se e deve-se acrescer um novo
paradigma transformador que vise modular a relação cultural entre homem e imagem. Está
na força da imaginação esta capacidade de “conquistar as imagens nos vestígios de uma
nova reflexão [...] transformar a TV, de uma paixão apática e estúpida, numa telepatia
clarividente” (KAMPER, 1997, p.1), ver e sentir nas imagens algo além de sua imanência
paralisante, e nesse sentido imaginar, ser mais divino do que mortal, pois como afirmou o
poeta romântico Hölderlin “o homem quando sonha é um deus, mas quando reflete é um
mendigo”.
144
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