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ARTIGO Educação
na DE Superior
REVISÃO
Abordagem psicopedagógica do
aprender na Educação Superior
Sílvia Maria de Oliveira Pavão; Carmen Rosane Segatto e Souza
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séculos, mas estão ainda engessadas a conceitos para interagir em uma sociedade cada vez mais
criados na sua origem que se transformaram em complexa e dinâmica, marcada pelo desenvol-
paradigmas. vimento social e econômico dos novos tempos,
A educação no Brasil e no mundo esteve, depositando nestes profissionais da educação
a partir da Declaração de Salamanca11 e da esperanças de mudanças de suas atividades
publicação de outras documentações legais12, diante das contingências das relações sociais,
em um cenário reconstruído pelo paradigma da políticas e econômicas. Diante disso, também
inclusão. A inclusão proporcionou visibilidade existe a preocupação de entender a identidade
às pessoas com deficiência que antes circula- profissional dos educadores, as características e
vam muito pouco nos espaços educacionais, ou, necessidades dos estudantes e, também o papel
podendo-se mesmo dizer que não circulavam. A social das instituições de ensino.
inserção de estudantes com deficiência aumenta Em análise comparativa, se percebe que os
gradativamente a cada ano nas instituições de diferentes elementos postos – professor, estu-
Educação Superior e, de forma geral, essas insti- dante e instituição educacional – não gozam de
tuições não foram planejadas para trabalhar com iguais características e necessidades. Destaca-se
a diversidade de pessoas que a elas recorrem. assim, segundo Zeichner, citado por Sacristan e
A forma como a sociedade interage com as Gómez15, “[...] preparar professores que tenham
pessoas com deficiência1 modificou-se e vem se perspectivas críticas sobre as relações entre a
transformando ao longo da história. Incluir todas escola e as desigualdades sociais é um compro-
as pessoas, com ou sem deficiência, requer da misso moral para contribuir para a correção de
sociedade contemporânea importantes modifi- tais desigualdades [...]”. Enfim, necessita-se de
cações capazes de criar alternativas possíveis professores que assumam uma atitude reflexi
de superar a exclusão. Sassaki13 apontou as va quanto a sua forma de ensinar as condições
diferentes fases em que a sociedade praticou a sociais que o influenciam, com consciência e
exclusão social, destacando os marcos históricos sensibilidade social.
da segregação e integração até a contemporânea Necessário, igualmente, é o compromisso
inclusão social. ético profissional, que permite a compreensão
A sociedade atual passa por um momento de diferentes âmbitos, não só de conhecimentos
em que reconhece direitos e deveres de pessoas sistematizados, mas também de habilidades,
com deficiência e muitas vezes forçando-os a hábitos, atitudes, convicções, valores que o au-
adaptarem-se a uma sociedade já existente, en- xiliarão, por meio de sua trajetória profissional,
quanto o ideal, acredita-se que todos a favor de a tornar os sujeitos mais livres, menos depen-
uma sociedade inclusiva entendam assim, seria dentes sob a perspectiva de uma sociedade
o processo inverso. inclusiva. Esse entendimento é corroborado por
Carvalho14 afirma que um dos desafios do Arroyo16 quando reflete sobre o ser professor de
milênio é conscientizar a sociedade de que as hoje, dizendo que, “[...] às vezes, diante da figura
limitações impostas pelas múltiplas manifesta- do professor (a), sinto-me como se tivesse diante
ções de deficiência não devem ser confundidas de um velho e apagado retrato de família. Com
com impedimentos. Esses desafios têm origem o tempo perderam-se cores e apagaram-se os
na própria sociedade, em suas formas e nos detalhes e traços”.
estereótipos que cria, prejudicando o desenvol- Assentir que são muitas as atribuições dire-
vimento individual que depende das interações cionadas aos professores, em certa medida, dan-
com os outros, posto o caráter essencialmente do a entender que somente a ele são delegadas
social da natureza humana9. as responsabilidades do processo de aprender
Incontestável, é a máxima sobre a urgência e ensinar, pode parecer ilógico, principalmente
de professores com habilidades e competências quando se compreende que o aprender depende
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favorecendo a aprendizagem, diminuindo o olhar rias, seja com seus pares ou com outros especia-
assistencialista para com estes sujeitos. listas que se debruçam sobre o ato de aprender,
A articulação entre os envolvidos no processo como o psicopedagogo, poderá transformar a
de ensinar e aprender é substancial, “[...] não se relação pedagógica, resultando na interação com
pode entender um processo somente a partir do seu estudante, todos com expectativas, próprias
aprendente, sem recorrer ao ensinante [...]”28, de uma caminhada com objetivos e desejos úni-
pois ao realizar um trabalho com função media- cos. Mas, também o estudante é comprometido
dora9, com uma dedicação envolvente e conta- para a essa ação. Partindo do conceito da própria
giante, compreendendo como o outro se sente, Psicopedagogia, não se pode conceber o ato de
é possível proporcionar ambientes facilitadores aprender de forma unilateral, ou seja, quando
à aprendizagem que exigem, por parte de quem somente um dos lados é responsável pelo movi-
aprende, condições específicas que precisam mento seguinte.
emergir de dentro para fora em um processo A Psicopedagogia, como área de conhecimen-
dinâmico, que não é linear, complementando to e como prática, pode colaborar com os estu-
sua vivência acadêmica. Para todas essas ações, dantes para que estes compreendam o seu papel
é necessário que exista um tipo de autorização, como estudantes universitários, pois os mesmos
permissão. se deparam não só com atividades cognitivas e
Desse modo, ao buscar evidenciar a constru- curriculares, mas precisam se sentir parte do
ção do vínculo autorizante da aprendizagem nas universo universitário, se identificarem com o
relações de professor e estudante na Educação ambiente, estabelecendo relações interpessoais
Superior, remete-se ao vínculo autorizante com
fortes, estabelecendo uma filosofia de vida15.
condição para aprender algo.
No que tange ao vínculo autorizante na
CONSIDERAÇÕES FINAIS
aprendizagem, as contribuições de Alicia Fer-
Ao tecer algumas considerações finais sobre
nández28 mostram que existe um determinado
momento na relação do aprender, entre sujeitos a Psicopedagogia na Educação Superior em
e objetos de conhecimento em que fatalmente se tempos de inclusão educacional, fio condutor
remete a um tipo de autorização, para o apren- para estas reflexões, verifica-se a importância
der, para o ensinar, para o criar, entre outros. do professor na ação do ato de ensinar, res-
Na relação professor e estudantes, há que se peitando a diversidade e a diferença humana,
desenvolver a confiança necessária para que um pois fica evidenciada nas pesquisas desta nova
e outro possam ensinar e aprender em tempos era a necessidade da quebra de preconceitos,
e movimentos sincronizados com o desejo que objetivando a inclusão para todos em todos os
os levou a esse encontro. Fernández traz à tona espaços sociais.
o conceito de sujeito aprendente, desejante ou A ação psicopedagógica, que atualmente
aquele sujeito cognoscente e cognoscível. Esse avança sobre espaços formativos, conquistando
último, apenas possível a partir de uma lógica em sua importância como mediadora da aprendi-
que autorize o outro a aprender dele e com ele. zagem, fortalece as relações e potencializa as
Nesse sentido talvez a inovação, para além aprendizagens. Seu caráter interdisciplinar
de se constituir como um desafio, é uma ação compreende os sujeitos, com ou sem deficiência,
elementar no âmbito das instituições educacio- a partir de suas características, necessidades
nais que, para continuar desenvolvendo a ação e principalmente desejos de aprender. Pessoa,
social que lhes originou, precisam planejar e professores, estudantes, sujeitos do aprender
agir pensando no futuro29. e do ensinar podem se permitir, se autorizar a
O desacomodar-se está diretamente ligado à compartilhar as diferenças e respeitar a forma
atuação do professor que, ao estabelecer parce- de pensar de cada um acerca do mundo.
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Essa autorização para ser no mundo, ser sem sua contrapartida, nos modos de ser, apren-
no plano de relações interpessoais subsiste à der e perceber.
necessidade de se emancipar, libertar-se de con Essa investigação, com o intuito de dialogar
ceitos que não mais correspondem aos atuais sobre a autorização para aprender, destaca a
desejos de desenvolvimento, apostando em complexidade da construção desse processo
novas e gratificantes práticas de conviver com que envolve diferentes sujeitos. Se de um lado
a diferença, em especial nos espaços formativos se analisa o professor, de outro surge o estu-
da sociedade. dante. Estão os dois em um cenário formativo,
Nesta perspectiva, reitera-se que a educa- que é a instituição educacional. Todos convivem
ção é um direito de todos, quando cada um se em uma sociedade, cujos paradigmas vigentes
permite e se autoriza a crescer e se desenvolver estão paulatinamente sendo questionados e
na relação com o outro, em igual processo de transformados.
aprendizagem. Em um universo repleto de di A análise a partir das características indivi-
ferenças, cada um, professor ou estudante, pode duais desses elementos pode garantir, por meio
manter a atenção sobre os outros seres que ha da comparação e explicação, a compreensão de
bitam um mundo em constantes mutações. possíveis dificuldades ou dispositivos asserti-
Se relacionar com o público acadêmico, em vos para a que a aprendizagem ocorra. Mas, é
especial o universitário nos dias atuais, sugere somente quando esse microprocesso é lançado
uma formação voltada para o acolhimento e em projeção com a sociedade que se pode per-
para a humanização, um movimento de ir e vir, ceber quão longe ainda se está de uma educação
aberto para a diversidade e para a diferença, com inclusiva.
projetos ancorados em uma qualificação profis- Começar por algum lugar, por algum espaço
sional permanente. Do mesmo modo, também entre as características, necessidades, diferenças
o estudante, aquele que ingressa na Educação e desejos de si e do outro. Começar por permitir e
Superior, deve se comprometer com seu apren- autorizar a construção de um processo que pode
dizado, posto que ao vigorar uma perspectiva levar uma coletividade a possuir mais legitimi-
inclusiva não há como ocorrer a aprendizagem dade de seu viver.
¹- Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas13.
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SUMMARY
Psychopedagogical approach for learning in college education
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