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“MPB: um pouco de história”

Carlos Sandroni
Cult, 105, ano 9, agosto 2006, p.59-62

A sigla “MPB” apareceu na língua portuguesa em algum momento dos anos 1960, como
uma abreviação de “música popular brasileira”. Mas o que se entendia então, e o que se entende
hoje, por “música popular brasileira”? A popularidade da música é algo de difícil definição, e,
quem sabe, apenas um pouco menos volátil que a popularidade dos políticos.
Talvez seja útil recuar um pouco na história. No século XIX, por exemplo, não se
falava, salvo engano, em música popular brasileira. Até a libertação dos escravos, estes não eram
legalmente considerados como parte do “povo”, e suas formas de expressão sonora não eram
considerados como “música popular”. Aliás, mesmo depois disto, havia quem nem visse razões
para chamá-las de “música”. O crítico literário Sílvio Romero, um dos primeiros a se interessar
por estes assuntos, chamou seu livro aparecido em 1883 de Cantos populares do Brasil, e não
Música popular do Brasil. Talvez, naquele momento, a expressão “música popular” pudesse ser
vista como contraditória: a palavra “música” seria reservada para uma das Belas Artes, praticada
e usufruída pela aristocracia do fino gosto; e pelo povo só na medida em que se identificasse com
os valores daquela. Como escreveu o pianista Arnaldo Estrela em 1931: “Este é o mês do
carnaval. (...) Enquanto a Sra. Música no seu recolhimento austero goza as férias de verão, a
musa popular samba e canta ao léu das ruas.” (Citado em Andrade, 2004:30)
Por outro lado, no título escolhido por Romero, o emprego do qualificativo “do Brasil”,
em vez de “brasileiro”, sugere que os cantos seriam cantados aqui, mas talvez não
necessariamente criados aqui, ou de caráter intrinsecamente identificado ao país. (De fato, as
pesquisas do crítico sergipano deram grande ênfase à permanência de canções portuguesas entre
nós).
Mais tarde, nas primeiras décadas do século XX, Mário de Andrade e outros estudiosos
consideraram que o povo brasileiro (formado, na concepção vigente, sobretudo pela população
rural) tinha sido capaz de criar expressões musicais próprias, às quais atribuíram grande valor
tanto em termos de beleza, quanto de identidade cultural. Esta música foi chamada de “popular”,
e talvez a principal obra de síntese escrita sobre ela, da autoria da discípula de Mário de
Andrade, Oneyda Alvarenga, teve por título Música popular brasileira (primeira edição em
1947).
Mas também foi nas primeiras décadas do século XX que novas formas de expressão
sonora, ligadas ao mundo das cidades, e também a novas formas de tecnologia (como os discos e
o rádio), passaram a ganhar crescente importância no país. Compositores como Sinhô, Noel
Rosa, Ari Barroso, e intérpretes como Francisco Alves, Carmen Miranda e tantos outros,
ganharam entre circa 1920 e 1940 um novo e logo imenso público, predominantemente urbano,
de consumidores de discos e programas de rádio. Esta música, num primeiro momento, não foi
chamada de “popular” - pelo menos não por pensadores da estirpe de Romero e Andrade. Tal
palavra, para eles, estava por demais associada a certos ideais nacionais, incompatíveis com os
ingredientes cosmopolitas e comerciais que, em maior ou menor medida, entravam na
composição daqueles novos sambas, marchas e frevos. Esta música foi por isso chamada de
“popularesca”, palavra cuja conotação pejorativa não se pretendeu disfarçar.
Mas no decorrer do século XX esta expressão foi abandonada, e a música urbana passou
a ser conhecida como “popular” , adotando-se para a música rural a etiqueta de “folclórica”. A
história destas mudanças ainda está para ser contada em detalhes, mas pode-se avançar algumas
idéias. Em primeiro lugar, o monopólio do discurso sobre música por parte dos intelectuais
tradicionais sofreu no período fortes abalos. A nova música urbana já vinha com seus próprios
intelectuais: Alexandre Gonçalves, autor de O choro; Francisco Guimarães, autor de Na roda do
samba; Orestes Barbosa, autor de O samba (além de compositor); Almirante, radialista (além de
cantor e compositor); Ari Barroso, radialista e vereador (além de pianista e compositor). Todos
eles tinham profundas ligações pessoais com a música sobre a qual vieram a manifestar-se como
autores de livros, jornalistas, radialistas, e pelo menos em um caso, político. É natural que não
quisessem chamá-la com uma etiqueta pejorativa como “popularesca”.
Em segundo lugar, os herdeiros de Sílvio Romero e Mário de Andrade passaram a
adotar a expressão “música folclórica” em vez de “música popular”. Esta mudança pode, por sua
vez, ter duas explicações. A primeira, é que Renato Almeida e Oneyda Alvarenga entre outros,
reconheceram na música dos rádios e dos discos não só o que poderíamos chamar de
“popularidade adjetiva” (que seria a “popularesca”, sinônimo de aceitação ampla), mas também
“popularidade substantiva”, associada aos nobres ideais da nacionalidade. (A outra face desta
moeda, é que personagens depois considerados como ilustres pioneiros da MPB - como
Pixinguinha, Donga, Noel Rosa, Almirante - começaram sua carreiras fazendo músicas que,
pelos padrões dos anos 1960-70, seriam consideradas “folclóricas”).
A segunda explicação é que a cultura anglo-americana substituiu a cultura francesa
como influência dominante no país. Na França, usa-se (ainda hoje) a expressão “musique
populaire”, e não “musique folklorique”, para designar as expressões sonoras rurais de caráter
tradicional. Em inglês, estas são ditas “folk music”, enquanto “popular music” corresponde
grosso modo ao “música popular” da sigla MPB.
Assim, nos anos 1950 aparece no Rio de Janeiro a Revista de música popular: seu
assunto são os compositores e intérpretes do rádio e dos discos. Em 1976, Zuza Homem de
Mello publica um livro com o mesmo título daquele que Oneyda Alvarenga publicara em 1947,
Música popular brasileira. Mas o conteúdo tinha mudado inteiramente. Agora se falava de
bossa-nova, e não de bumba-meu-boi; e os personagens não eram mais agricultores anônimos,
mas Tom Jobim, Chico Buarque, Elis Regina e seus colegas. Ainda mais interessante, da mesma
maneira como o público havia entendido nos anos 1940 o significado do título do livro de
Alvarenga, entendeu nos anos 1970 o do livro de Homem de Melo.
E a sigla MPB? Ao que tudo indica ela aparece no início dos anos 1960, mas não se
sabe o momento exato. Um dos seus primeiros registros conhecidos, é o nome do conjunto MPB-
4. Segundo o Dicionário Cravo Albin (<www.dicionariompb.com.br>),

“O histórico do grupo remonta a 1962, inicialmente com formação de trio, integrado por
Ruy, Aquiles e Miltinho, responsáveis pelo suporte musical do Centro Popular de Cultura
da Universidade Federal Fluminense (filiado ao CPC da UNE), em Niterói. A partir do ano
seguinte, com a adesão de Magro, passou a atuar como Quarteto do CPC (...). Em 1964,
com a extinção dos CPCs, Magro e Miltinho, na época estudantes de Engenharia, batizaram
o conjunto como MPB-4, o que provocou por parte de Sérgio Porto o comentário de que o
nome do quarteto parecia "prefixo de trem da Central do Brasil" ”.

O comentário de Sérgio Porto parece mostrar que a sigla, se não foi inventada pelo
grupo, ainda não seria usual naquele momento. Mas a menção a uma outra sigla - CPC - é muito
significativa neste contexto. Antes do golpe militar de 1964, se o grupo era conhecida como
“Quarteto do CPC”, ele seria algo como o “CPC-4”. Depois do golpe, os CPCs são proscritos,
mas não parece improvável que a nova sigla de três letras, rima incluída, e com o “P” de povo
por assim dizer no centro, tenha sido sugerida pela recente (e agora censurável) ligação do
quarteto. De fato, como argumentei em outro lugar (Sandroni 2004), a sigla MPB condensa, além
de significações musicais - onde “popular” se define por oposição a “folclórico” e “erudito” -
associações políticas, onde ecoam não apenas os CPCs de antes do golpe, mas também o MDB
de depois do golpe.
A significação da sigla como etiqueta mercadológica é mais recente e talvez
incompatível com as outras duas. A partir dos anos 1990, há uma crescente fragmentação do
panorama musical, que põe em cheque a concepção de música-popular-brasileira como frente
única e compactada. Tal mudança liga-se, entre outros fatores, à afirmação de identidades
musicais regionais ou estaduais (mangue-beat pernambucano, axé baiano), transnacionais (rap,
funk) ou de popularidade considerada meramente adjetiva - embora a palavra “popularesco” não
tenha sido ressucitada (forró estilizado, pagode romântico). Neste contexto fragmentado, a MPB
passa a ter uma segunda vida, designando agora uma parcela do mercado de consumo, uma
prateleira entre as prateleiras das lojas de discos: aquela onde repousam os CDs de Chico
Buarque, Djavan, Gal Costa e outros compositores e intérpretes surgidos para a fama nos anos
1960 e 1970.
Para concluir, acredito que a discussão sobre a situação da MPB pode ganhar com a
contextualização histórica das concepções de “música”, “popular” e “brasileiro”. A MPB é um
constructo cultural, e como tal nem sempre existiu e nem sempre quis dizer a mesma coisa.

Bibliografia:
Alvarenga, Oneyda. Música popular brasileira. São Paulo: Duas Cidades, 1982.

Andrade, Nivea Maria da Silva. Os significados da música popular : a revista Weco,


revista de vida e cultura musical (1928-1931). Rio de Janeiro: PUC-Rio, Departamento de
História, 2004.

Mello, José Eduardo Homem de. Música popular brasileira. São Paulo: Melhoramentos,
1976.

Sandroni, Carlos. “Adeus à MPB”. Em Decantando a República, B. Cavalcante, H.


Starling e J. Eisenberg (orgs.), Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2004, p.23-35.

Romero, Sílvio. Cantos populares do Brasil. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1954.

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