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AQUI TEM ALMA

UM ESTUDO SOBRE LUGARES


COM BOAS VIBRAÇÕES

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO MARINA AYUMI ONODA


ORIENTADOR GIORGIO GIORGI JR

FAU USP DESIGN


UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
JUNHO DE 2019
SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 3
2. OBJETIVO 4
3. REVISÃO DE LITERATURA 4
3.1. SOBRE LUGAR 4
3.2. SOBRE ALMA DO LUGAR 6
3.2.1. GENIUS LOCI 6
3.2.2. NÃO-LUGAR 6
3.2.3. ANIMA MUNDI (CIDADE & ALMA) 7
3.2.4. MA 8
3.3. SOBRE A LINGUAGEM AUDIOVISUAL 9
3.3.1. LINGUAGEM DO DOCUMENTÁRIO 9
3.3.2. REFERÊNCIAS 10
4. METODOLOGIA 12
4.1. O QUE FAZ UM LUGAR TER ALMA? 13
4.2. REGISTRO E COMPARTILHAMENTO 13
4.3. CASAS AO ACASO 14
4.4. PRODUÇÃO 14
4.5. INSTALAÇÃO 15
5. RESULTADOS 16
5.1. O QUE FAZ UM LUGAR TER ALMA? 16
5.1.1. CONSTRUÇÃO NÃO-VERBAL 16
5.2. CASAS AO ACASO 17
5.3. INSTAGRAM 18
5.4. INSTALAÇÃO 18
5.4.1. INSPIRAÇÕES 18
5.4.2. ESBOÇOS 21
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 22
7. AGRADECIMENTOS 24
8. REFERÊNCIAS 24
9. APÊNDICE 26
9.1. VISITAS 26
9.1.1. O QUE FAZ UM LUGAR TER ALMA? 26
9.1.2. CASAS AO ACASO 30
9.2. PLANILHA DE GASTOS 34
RESUMO

O presente trabalho é um estudo sobre lugares com alma. Em outras palavras, é uma investigação em torno do fator de encan-
tamento que determinados locais são dotados. A palavra alma remete a um conjunto de qualidades abstratas que geram mag-
netismo: sejam características estéticas, históricas ou afetivas. Por lugar, entende-se uma delimitação espacial, independente
da escala, dotada de significado para um indivíduo ou grupo de pessoas. A pesquisa teve como ponto de partida a indagação:
o que faz um lugar ter alma? Por meio de revisão bibliografica, descobriu-se o que já foi falado a respeito com um enfoque na
arquitetura e no urbanismo. Por meio de vivências, chegou-se a um resultado particular. A experiência deu-se, em grande parte,
por meio de entrevistas e visitas, as quais foram tratadas de maneira audiovisual. Como maneira de estabelecer diálogo entre
os participantes e favorecer possíveis interações externas, os resultados parciais foram publicados gradualmente na plataforma
Veja os vídeos aqui: Instagram. A tônica da pesquisa baseou-se em aprendizados práticos e de natureza sinestésica, dessa forma, para um resultado
www.instagram.com/aquitem.alma/
condizente, buscou-se a transmissão dos conhecimentos adquiridos de formas múltiplas.

PALAVRAS-CHAVE:alma do lugar, genius loci, anima mundi, espírito do lugar, não-lugar

1. INTRODUÇÃO

Por que às vezes entramos num lugar em que nunca estivemos antes e nos sentimos em casa? Ao caminhar pela cidade, já se
deparou com algum prédio que exerceu um magnetismo anormal, mesmo não sabendo nada sobre ele? Já sentiu uma inex-
plicável curiosidade de adentrar aquela janelinha acesa de noite, mesmo sem conhecer os moradores? O trabalho parte dessas
inquietações banais que vez ou outra acometem os habitantes de uma metrópole cheia de estímulos como São Paulo e sintetiza
na seguinte pergunta: o que faz um lugar ter alma?

Não custa reforçar que a alma a que esse trabalho se refere nada tem a ver com fenômenos sobrenaturais ou aparições de
ectoplasma. A escolha da palavra alma é um convite para sair do registro da racionalidade da matéria e permitir-se embarcar na
sintonia da intuição e dos sentidos. É uma abertura para apreender o mundo com as cores, texturas, cheiros, sabores e sons. E,
quem sabe, algo além disso. Ou tudo isso misturado.

É uma experiência de fruição estética da cidade. Do caminhar e se permitir o arrebatamento de reconhecer o coletivo histórico
representado nas fachadas dos prédios e casas antigos. De visitar alguém e descobrir que aquele pequeno espaço da residência
guarda um universo paralelo já que cada objeto ali contido carrega uma história particular. De saber das coisas mesmo sem
saber, apenas sentindo.

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Ao longo desse processo, foram visitados 11 lares: de amigos de longa data, recém-amigos, amigos de amigos e completos desco-
nhecidos. Foram feitas inúmeras caminhadas, muitas conversas e alguns vídeos. O resultado desse trabalho ainda em andamen-
to, pode ser lido neste relatório.

2. OBJETIVO

Este trabalho busca compreender as qualidades abstratas de um ambiente no que diz respeito a sua espacialidade, aos artefatos
que o compõem e as suas dinâmicas. São características que muitas vezes não podem ser vistas ou mensuradas, apenas sentidas.
Apreendidas de forma tão rápida e intuitiva que não passam pelo filtro da razão. Portanto, não cabe ao estudo sistematizar e
racionalizar os resultados obtidos, mas sim transmiti-los também de forma intuitiva, por meios sinestésicos.

3. REVISÃO DE LITERATURA

Sob um enfoque predominantemente voltado para a arquitetura e o urbanismo, estudou-se o que já foi falado sobre a questão
metafísica dos espaços, buscando textos e autores que têm reverberação dentro desta faculdade. Praticamente todas as leituras
foram indicadas por colegas e funcionários do design e arquitetura. Algumas mais de uma vez por pessoas diferentes. Na etapa
anterior, de TCC1, também foram estudadas questões acerca da linguagem audiovisual, o meio escolhido para o registro e
tratamento dos dados da pesquisa.

3.1. SOBRE LUGAR

Primeiramente, buscou-se uma conceituação do que seria entendido como um lugar. Para isso, usou-se como base o texto O
Conceito de Lugar, do arquiteto Luiz Augusto dos Reis-Alves, um compilado das várias definições do termo. Como ponto de
partida, o autor começa por diferenciar e definir os termos espaço e lugar do ponto de vista etimológico usando como base o
dicionário etimológico de Cunha e o dicionário Aurélio:

Espaço: distância entre dois pontos, ou a área ou o volume entre limites determinados1
Lugar: (do latim locālis, de locus) espaço ocupado, localidade, cargo, posição.
1. Espaço ocupado; sítio. 2. Espaço. 3. Sítio ou ponto referido a um fato. 4. Esfera, ambiente. 5. Povoação, localidade, região ou país2

Baseando-se na última definição que pontua que lugar é povoação, localidade ou país, o autor conclui que lugar é o espaço

1 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982. apud REIS-ALVES
2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini-Aurélio século XXI escolar: O minidicionário da língua portuguesa. 4ª edição.Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2001 apud
REIS-ALVES

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ocupado ou habitado. Ou seja, é o espaço no qual há presença humana. O espaço ganha significado e valor pela presença do
homem, seja como palco para sua habitação ou suas atividades. Prosseguindo nas definições levantadas pelo autor, segundo
o geógrafo sino-americano Yi-Fu Tuan, um espaço indiferenciado se torna lugar na medida em que o conhecemos melhor e o
dotamos de valor.

O espaço transforma-se em lugar à medida que adquire definição e significado 3


Quando o espaço nos é inteiramente familiar, torna-se lugar 4
Centros aos quais atribuímos valor e onde são satisfeitas as necessidades biológicas de comida, água, descanso e procriação5

Para Tuan, o lugar se relaciona de três formas distintas com o tempo: o lugar se torna significativo para alguém em função do
tempo ali vivido; o lugar é uma pausa na corrente temporal de um movimento, uma vez que seria a parada para o descanso e sa-
tisfação de necessidades fisiológicas e, por fim, o lugar seria o tempo tornado visível, já que é uma materialização de memórias.
Para Tuan, o lugar pode existir em diversas escalas: um quarto, assim como a casa na qual ele está inserido e a cidade onde a casa
se localiza podem ser chamados de lugares.

Outro estudioso contemplado por Reis-Alves é o arquiteto norueguês Norberg-Schulz. Para ele, “o lugar é a concreta mani-
festação do habitar humano”. E por habitar entende-se algo para além do abrigo, seria algo que o arquiteto chama de “suporte
existencial”.

O suporte existencial (que segundo ele seria o objetivo da arquitetura) é conferido ao homem através da relação entre este e o
seu meio através da percepção e do simbolismo. O autor introduz o conceito de espaço existencial, que “não é um termo lógi-
co-matemático, mas compreende as relações básicas entre o homem e o seu meio” 6

Em análise de Reis-Alves, o lugar é composto por 3 atributos: espaciais, ambientais e humanos. Entre as esferas ambiental e hu-
mana estaria o elemento tempo. Somente com essas três esferas um espaço se tornaria um lugar. Os atributos espaciais seriam
questões de morfologia: as áreas, os volumes, dimensões, planos etc. Os ambientais dizem respeito às características climáticas
naturais: insolação, luminosidade, incidência eólica, sons, odores, umidade etc. Por fim, os humanos agem sobre os atributos
naturais do espaço criando valores e significados e usufruindo dele para suas atividades. Já o elemento tempo exerce influência
sobre os atributos ambientais e humanos, seja na variação de luz ao longo do dia ou na execução de tarefas. Há, ainda, um
último fator que compõe um lugar, que é um fator identitário e próprio de cada localidade, como que a personalidade de um
local: seria a sua essência ou o genius loci, conceito que será abordado no tópico sobre a alma do lugar.

3 TUAN, Yi-fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983 p 151 apud REIS ALVES
4 idem, p 83
5 dem p 4
6 NORBERG-SCHULZ, p19 apud REIS-ALVES

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Já o psicólogo James Hillman, que veremos mais detalhadamente logo abaixo, conceitua da seguinte forma:

Lugares são fusões de ordem humana e natural e são importantes centros de nossas experiências imediatas do mundo. São definidos menos pela
unicidade, paisagem e comunidades, do que pelo foco de experiências e intenções na intimidade do indivíduo. Os lugares não são abstrações
ou conceitos, mas são fenômenos diretamente experienciados do mundo vivido e, portanto, estão cheios de significados, com objetos reais e
atividades em curso. São importantes fontes de identidade pessoal e comunitária, e são muitas vezes, centros profundos da existência humana
com os quais as pessoas têm vigorosos laços emocionais e psicológicos. Na verdade, nossas relações com lugares são tão necessárias, variadas e, às
vezes, tão desagradáveis como nossos relacionamentos com outras pessoas (HILLMAN, p. X)

De forma geral, todas as definições de lugar apontam para a ação do homem sobre o espaço, seja pela sua presença física ou
simbólica e que pode existir em diversas escalas, desde que tenha um significado para um indivíduo ou grupo de pessoas.

3.2. SOBRE ALMA DO LUGAR

3.2.1. GENIUS LOCI

Ainda explorando os conceitos do texto de Reis-Alves, chegamos à idéia de espírito do lugar. O arquiteto e teórico norueguês
Norberg-Schulz pega emprestado da religião na Roma Antiga o termo genius loci e introduz seu uso na arquitetura. Genius
loci, na antiga crença romana, denominava um espírito protetor particular a uma localidade. A arquiteta lituana Jurate Marke-
viciene, em seu estudo sobre o tema, definiu que o genius loci seria “uma qualidade intangível de um local físico, percebido de
maneira física e espiritual” (MARKEVICIENE, p. 2). Para Markeviciene, o espírito do lugar é sempre fruto do acaso, surgin-
do como que espontaneamente pela ação do homem e não podendo ser de forma nenhuma recriado após o seu desaparecimen-
to.7 Dessa forma, essa é uma das interpretações para a alma utilizada no questionamento central deste estudo. Seria a essência
própria de um lugar, sua personalidade, sua identidade.

3.2.2. NÃO-LUGAR
Pode-se chegar também à ideia pretendida de alma por meio da negação de um conceito. Tomando emprestado o termo forja-
do por Marc Augé, o não-lugar seria o oposto de um lugar com alma. Não-lugares seriam espaços padronizados e desprovidos
de identidade, produzidos pelo que o autor chama de supermodernidade.

O não lugar é diametralmente oposto ao lar, à residência, ao espaço personalizado. É representado pelos espaços públicos de rápida circulação,
como aeroportos, rodoviárias, estações de metrô, e pelos meios de transporte - mas também pelas grandes cadeias de hotéis e supermercados. Só,
7 BAPTISTA, Marta. Genius Loci. Disponível em: <http://knoow.net/ciencsociaishuman/genius-loci/>. Acesso em: 19 nov. 2018.

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mas junto com outros, o habitante do não lugar mantém com este uma relação contratual representada por símbolos da supermodernidade,
seja um bilhete de metrô ou avião, cartões de crédito ou o cartão telefônico, além de documentos - passaporte, carteira de motorista ou qualquer
outro -, símbolos que, enfim, permitem o acesso, comprovam a identidade, autorizam deslocamentos impessoais. (AUGÉ, 1994, p. 73)

3.2.3. ANIMA MUNDI (CIDADE & ALMA)


Recomendação: Em seu livro Cidade & Alma, o psicólogo americano James Hillman, sugere uma abordagem na psicoterapia que “devolva” a
Colóquio cidade e alma: Perspectivas (FAU USP)
alma ao mundo. Em vez de encarar a realidade psíquica num sistema de sujeitos particulares animados e objetos públicos inani-
abordagem multidisciplinar unindo arquitetura,
urbanismo, paisagismo, artes, psicologia e psicanálise, mados, Hillman propõe uma visão predominante em muitas culturas chamadas pelos antropólogos do ocidente de animistas
com o objetivo de levantar uma discussão poética acerca e primitivas e que teve sua glória no ocidente no período renascentista, sendo esse pensamento representado pelo filósofo
de São Paulo, usando como ponto de partida o livro do
psicanalista James Hillman, humanista Marsilio Ficino (p.14). Encarar que “há alma em todas as coisas. Cada coisa de nossa vida urbana construída tem
uma importância psicológica”. (p.9)

Essa maneira de pensar remonta também ao conceito da filosofia grega antiga conhecido por anima mundi, ou seja, uma
alma fluida que perpassa não apenas os seres vivos, mas todas as manifestações da natureza e do homem. “Não apenas animais
e plantas almados como na visão romântica, mas a alma que é dada em cada coisa, as coisas da natureza dadas por Deus e as
coisas da rua feitas pelo homem.” (p.14)

Isso significa que os psicoterapeutas agora analisarão seus divãs? Eles irão mostrar aos ventiladores do escritório que seus funcionários são autômatos
presunçosos que interrompem os assuntos com uma monotonia fria, passiva/agressiva e cronometrada? Iremos analisar os carros e colocar os
motoristas num estacionamento-creche? Claro que não! Mas irei propor o que podemos fazer com essa visão ampliada de realidade psíquica. (p.17)

Essa visão ampliada a que se refere Hillman é um chamado para voltar a sentir o mundo com o coração. Na psicologia grega
antiga e na psicologia bíblica, o coração era o órgão responsável pela percepção, pelos sentidos e também pela imaginação.
Em suma, sua função era estética (do grego aisthesis = sentir). “ O coração percebe tanto sentindo como imaginando: para
sentir penetrantemente devemos imaginar e, para imaginar com precisão, devemos sentir” (p.17). A abordagem da psicologia
ocidental moderna, ao fragmentar o estudo da experiência de percepção do mundo em uma ordem corpórea e outra de ordem
psíquica, destruiu com a idéia totalizante de alma do mundo. Ao separar o corpo da mente, deslocou-se o centro da consciência
de um indivíduo do coração para o cérebro.

Com o coração, entramos imediatamente na imaginação. Quando o cérebro é considerado o centro da consciência, procuramos localizações
literais, ao passo que não podemos considerar o coração com o mesmo literalismo fisiológico. O movimento para o coração já é um movimento
de poesis: metafórico, psicológico (p. 18).

Segundo o autor, enxergar o mundo como dotado de alma, permite transcender o ego, um eu pequeno, individual e subjetivista, para
uma experiência mais ampla de se entender como parte de uma totalidade por meio de processos sensíveis, portanto, estéticos (p.22).

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“Mover-se com o coração em direção ao mundo faz com que a psicoterapia deixe de se conceber como uma ciência e passe a se
imaginar mais como uma atividade estética” (p.20) Contudo, Hillman salienta que “ A reação estética nunca é um panteísmo
vago, uma adoração generalizada da natureza ou mesmo da cidade. Em vez disso, ela é aquela vigilância agradável dos detalhes,
aquela intimidade de um com o outro, como os amantes conhecem. Nesse ponto, a própria individuação passa de uma realiza-
ção individualizada do ‘eu’ para uma individuação da matéria.” (p.24)

3.2.4. MA
A arquiteta Michiko Okano, nascida no Japão e criada no Brasil, faz um esforço de tradução do conceito japonês de Ma. É algo
tão banal e entranhado no cotidiano japonês, que, para a realidade desse povo, parece descabido tentar explicar racionalmente
e estabelecer definições. Está presente em todas as manifestações artísticas e no próprio modo de ser dos japoneses. De forma
bastante rudimentar: o Ma é um vazio, um intervalo de tempo ou de espaço. Ao contrário da ideia ocidental, o vazio para os
japoneses não significa ausência, mas sim, um infinito de possibilidades. O vazio tem uma função fundamental dentro do todo.
Ainda em contraste com o pensamento ocidental linear e racional, o Ma não é um fenômeno lógico. É apreendido por todos
os sentidos humanos (às vezes de forma extra-sensorial), por meio da vivência e se dá de diferentes formas para cada um.

A origem do termo é muito antiga e remonta ao espaço vazio destinado à aparição divina, no contexto da espiritualidade
xintoísta. Seria o espaço demarcado por quatro estacas no chão, conectadas por cordas (shimenawa). Uma definição mínima de
lugar. Alguns estudiosos japoneses ensaiaram constatações acerca do Ma:

Ki é um conceito oriental de energia vital que permeia Ma é um espaço vazio, não no sentido de vacuidade, mas prenhe de energia ki” 8 (KEN’MOCHI, Takehiko)
todos os seres e coisas do universo. Conhecida como chi Ma não possui explicação lógica, Ma é justamente porque não possui essa lógica. E quando ela é forçada, o Ma distancia-se da sua essência 9
para os chineses e prana para os indianos.
(KAWAGUCHI, Hideko)

Arata Isozaki, vencedor do prêmio Pritzker de 2019 A exposição organizada pelo arquiteto Arata Isozaki na França chamada Ma: Espace-Temps du Japon (1978) foi um marco na
disseminação desse conceito para o ocidente e o primeiro grande esforço nesse sentido. A cultura japonesa passou a ter bastante
reverberação no mundo artístico ocidental a partir do final do XIX, com a abertura do Japão para o ocidente e as exposições
internacionais. No caso da França, é sabida a influência e o desenvolvimento de um japonismo principalmente nas artes gráficas
do art nouveau, o impressionismo e em gravuristas como Toulouse-Lautrec. Esse intercâmbio deu-se no sentido de incorpo-
ração e adaptação da cultura iconográfica oriental. Tornaram-se populares as manifestações da cultura visual japonesa. Já as
questões de ordem abstrata e, por assim dizer, espirituais do pensamento japonês, permaneciam na penumbra até a exposição
de Arata procurar lançar luz sobre essa questão.

8 KEN’MOCHI, Takehiko. Ma no Nihon Bunka (a cultura japonesa do Ma) Tokyo:Chôbunsha, 1992


9 KAWAGUCHI, Hideko. Nihon buyô no Ma, 1982. In: MINAMI, HIroshi. Ma no kenkyu: nihonjin no biteki hyôgen, 1983

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Esse trecho ilustra muito bem as diferenças na percepção do mundo e do espaço do ocidente e do oriente. Enquanto que o
espaço ocidental é regido pela razão das relações métricas, com a valorização de uma visualidade totalizante, o espaço oriental
preza pelos percursos e todos os estímulos sensoriais por eles despertados, não apenas a visão. Para os parâmetros ocidentais, é
uma sensação muito apaziguadora conseguir apreender o ambiente inteiro com uma panorâmica (vide o quilométrico Jardim
de Versailles que pode ser todo compreendido numa única visada). Já para os japoneses, a beleza está no oculto, nas surpresas,
nos invólucros em camadas, naquilo que não se revela por completo, no processo de descoberta e descortinamento. Nesses
momentos de suspense, pausa e transição, é que o Ma aparece.

Se a organização do espaço ocidental é dominantemente inscrita pela proporção e regida pelo rigor geométrico e matemático, que se expressa
pela linearidade e simetria, o espaço japonês pode ser distinguido, além de pelo movimento, pela assimetria, aliada ao descentramento e à
organicidade. A rejeição à visão de um observador único, fruto do enfraquecimento do sujeito individual, e a adesão a uma sociedade peculiar
baseada em grupocentrismo refletem-se na linguagem espacial como “lococentrismo”, em oposição ao antropocentrismo, e na preferência por
uma composição dos espaços celulares, em vez da visão panorâmica e totalizante. (OKANO, p. 75)

3.3. SOBRE A LINGUAGEM AUDIOVISUAL

3.3.1. LINGUAGEM DO DOCUMENTÁRIO


O professor da Unicamp Fernão Pessoa Ramos em seu livro Mas Afinal… o que é mesmo documentário? responde de forma
sintética o questionamento do título da sua obra com a seguinte definição: “O documentário, portanto, se caracteriza como
uma narrativa que possui vozes diversas que falam do mundo, ou de si” (p. 24). De uma forma mais detalhada:

O documentário, antes de tudo, é definido pela intenção de seu autor de fazer um documentário (intenção social, manifesta na indexação da
obra, conforme percebida pelo espectador). Podemos, igualmente, destacar como próprios à narrativa documentária: presença de locução
(voz over), presença de entrevistas ou depoimentos, utilização de imagens de arquivo, rara utilização de atores profissionais (não existe um star
system estruturando o campo documentário), intensidade particular da dimensão tomada. Procedimentos como câmera na mão, imagem
tremida, improvisação, utilização de roteiros abertos, ênfase na indeterminação tomada pertencem ao campo estilístico do documentário,
embora não exclusivamente. (RAMOS, p.25)

No documentário clássico, que predominou até o final dos anos 50, foi largamente utilizado o recurso do voz over ou voz de
Deus, uma locução detentora do saber do mundo e que é geralmente enunciada com tonalidades grandiloquentes. A partir dos
anos 60, o documentário passa a assumir uma construção dialógica principalmente pelo formato da enunciação, que passa a
ser por meio de entrevistas e depoimentos. Nesse caso, o mundo fala por si só. Muitas vezes, em peças de caráter mais autoral, a
enunciação é feita em primeira pessoa, partindo das próprias experiências de vida do realizador.

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Para melhor entendimento das diversas vertentes, Ramos divide os documentários em quatro orientações éticas distintas: 1.
educativa 2. imparcial (em recuo), 3. interativo/reflexivo, 4. modesta. A seguir, com base no autor, vamos entender o que é cada
uma dessas orientações:

Referência: No Brasil, o INCE/1936 (Instituto 1. Ética educativa: estilo dominante é o do documentário clássico: presença de voz over, ausência de entrevistas/depoimen-
Nacional do Cinema Educativo)
tos, uso de cenários ou locação, uso de pessoas comuns como atores. Não encontra dilema em servir-se de propaganda de
determinado conjunto de valores e presta-se justamente a educar a sociedade de massa emergente nos anos 20-30 (RA-
MOS, p. 35)
Referências: Frederick Wiseman e Albert Maysles 2. Ética da imparcialidade/recuo: Surge na segunda metade dos anos 1950. Tem como características principais: a fala
do mundo e o som ambiente. A ideia é que o “mundo deve ser oferecido em uma bandeja para que o espectador possa
assumir de modo integral sua parcela de responsabilidade, seu engajamento.” (RAMOS, p.36)
Referências: Michael Moore (Tiros em Columbine, 3. Ética interativa/reflexiva: Assume a posição de que não é possível ser imparcial. Desta forma, é visto como um aspecto
2002), Jean Rouch (Chronique d’un été, 1961) positivo evidenciar a mão do realizador na obra, em certos casos, de forma literal, sendo o cineasta um próprio perso-
nagem. “A questão ética se desloca inteiramente para o modo de construir e representar a intervenção do sujeito que
enuncia: a ideia é que a construção se revele ao espectador.” (...) “A ética da intervenção valoriza aquele documentário que
se abre para a indeterminação do acontecer, mas flexiona o acontecer do mundo segundo sua crença e o compasso de sua
ação” (RAMOS, p 27). É dentro dessa ética que atuam as duas referências principais para o desenvolvimento deste traba-
lho, Eduardo Coutinho e Agnès Varda.
Referências: Brasil – Carlos Nader, Sandra Kogut, 4. Ética modesta: Uma abordagem sobre a qual paira um certo ar niilista em que o realizador não se sente suficientemen-
Kiko Goifman, Cao Guimarães. Internacionais – te convicto para abordar nenhum aspecto do mundo que não seja ele mesmo. É um documentário que eventualmente
Jonas Mekas, Marlon Riggs, Daniel Reeves, Sadie
Benning, Jonathan Caouette amplia para além do eu, mas sempre mediado pela primeira pessoa e distanciando-se de questões da sociedade. “O sujeito
pós-moderno, não podendo mais adquirir altura para emitir saber, se restringe a vôos modestos, que, em geral, se esgotam
no criticismo dos enunciados de saber” (RAMOS, p. 38).

3.3.2. REFERÊNCIAS

AGNÈS VARDA
A cineasta, ainda na ativa até seu último ano de vida, dirigiu seu primeiro longa aos 25 estreando La Pointe Courte (1955),
uma narrativa inovadora que contrasta o drama amoroso de um casal burguês com a luta por sobrevivência de um vilarejo de
pescadores. Pode ser considerada a vanguarda da vanguarda, já que seu filme precedeu em quase cinco anos obras consideradas
grandes marcos da Nouvelle Vague, como Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut e Acossado (1960), de Jean-Luc
Godard. Apesar de pioneira em muitos aspectos da linguagem cinematográfica da Nova Onda (a produção fora do sistema de
estúdios, filmagem em locações, uso de equipamento de mão, de não-atores, som ambiente), Varda se manteve à margem do

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fluxo principal do movimento. Rive Gauche (margem esquerda), como era denominado o grupo de cineastas do qual Agnès
fazia parte, adotava uma abordagem experimental e em constante diálogo com outras artes, ao passo que o grupo principal
tinha uma visão mais academicista, produzindo conteúdo teórico para fundamentar suas produções.
A obra de Agnès Varda como um todo é inspiradora para este trabalho por diversos motivos. Seja na ficção ou em documen-
tário, para cada filme, a cineasta criou seu próprio jeito de construir uma história. Tinha o processo em suas mãos, tomando
conta de sua integralidade: fotografia, roteiro, direção, montagem. Teve motivações sinceras para a realização de seus filmes,
partindo de emoções genuínas: seja a simples alegria de encontrar um tio desconhecido (Uncle Yanko, 1967) ou a curiosidade
de entender e descobrir o outro (Os Catadores e eu, 2000, Visages Villages, 2018).

EDUARDO COUTINHO

Bom é o filme que faz pergunta. O filme que dá resposta, joga no lixo (COUTINHO, entrevista ao G1, 2013)
A primeira coisa essencial (para extrair depoimentos tão sinceros) é estar vazio diante dos outros (...) do ponto de vista ideológico, etc,
se colocar vazio para poder receber do outro o que ele tem a dar e a dizer sem que ele seja julgado, sabe. Para que ele seja legitimado (...)
(COUTINHO, entrevista ao G1, 2013)
Eu acho que o que interessa no cinema, documentário ou ficção, é ter um olhar diferente sobre alguma coisa. O tema não é importante. (...) O
que interessa é como você encara o objeto (COUTINHO, Sangue Latino, Canal Brasil, 2013)

Coutinho nasceu em São Paulo em 1933, onde cursou Direito na USP, logo abandonando o curso. Aos 24 anos entrou em
contato com o cinema e documentário na prática estudando em Paris. Retornou ao Brasil engajado no propósito do Cinema
Novo, de levantar temas de relevância social para a conscientização da realidade brasileira. Em 1964 iniciou sua principal obra:
Cabra Marcado Para Morrer, que a princípio, seria um filme de ficção com pessoas reais sobre um líder camponês da Paraíba.
Com o golpe militar o filme foi interrompido e retomado 17 anos depois, já com uma linguagem documental de coleta de
depoimentos dos participantes do filme, sendo lançado em 1984.

Em seu trabalho documental, alguns traços de linguagem se tornaram característicos: uso de depoimentos, enquadramen-
tos fixos, planos longos, ausência de música (exceto quando ambiente ou cantada por algum participante). Assim como não
existe trilha sonora para colaborar com a dramaticidade, também não são usados recursos de câmera para tal. A sua principal
característica é que a potência dramática está focada nas falas, por isso a necessidade dos planos longos e a sobriedade em todos
os outros aspectos.

A importância de Coutinho para este trabalho é seu desejo de compreender o outro com empatia, não de uma posição de
detentor do conhecimento, de cima para baixo. Da atitude de estar aberto, se colocar “vazio” para receber o outro. Estar aberto,

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também, aos caminhos a serem seguidos: ausência de um roteiro predefinido, deixar-se suscetível a seguir um rumo de acordo
com os estímulos e divagações que surgem.

4. METODOLOGIA

De forma geral, enxergou-se o TCC como uma oportunidade para desenvolver habilidades pouco exploradas ao longo do
curso de forma prática. Além disso, foi também uma diretriz interna do trabalho o cuidado de se estabelecer um diálogo com a
realidade circundante e com as pessoas que contribuíram para sua construção. Por experiência própria, provou ser uma ques-
tão desmotivante participar de pesquisas e enquetes de estudos acadêmicos pois, na maioria deles, não houve um retorno dos
resultados obtidos ou uma maneira de acompanhar o seu desenvolvimento. Dessa forma, tentou-se, ao máximo, que tudo fosse
realizado no sentido de troca.

Desta forma, desde o início, existiu a preocupação em compartilhar os resultados parciais com os participantes. Foi princi-
palmente por esses dois motivos que se optou pelo audiovisual: para aprofundamento de questões técnicas pouco treinadas
e também por abraçar uma mídia que talvez esteja se tornando mais popular que os textos, dotada de grande potencial de
comunicação e mais adaptada à base atual de comunicação por smartphones.

É no sentido de transmissão dos resultados com estética (aiesthesis = sentido, sensação) ao invés da sistematização racional, que
também se pensou em sintetizar parte das descobertas do trabalho com a elaboração de uma ambiência efêmera no dia da rea-
lização da banca. Portanto, o audiovisual e a fotografia foram usados como forma de registro da pesquisa, as redes sociais como
tentativa de etabelecimento de um diálogo e, para mostrar os resultados, a idealização de uma instalação. Contudo, devido às
condições de restauro do mobiliário da sala escolhida para intervenção, não se sabe se será possível concretizar a última etapa.

4.1. O QUE FAZ UM LUGAR TER ALMA?

O trabalho teve como ponto de partida uma indagação central: o que faz um lugar ter alma? Com o objetivo de realizar um
levantamento inicial sobre o tema, a pergunta foi feita aos colegas mais próximos em conversas informais. Optou-se pela
abordagem com uso de termos universais para que pudesse ser compreendida e respondida por qualquer pessoa, independen-
temente da sua área de conhecimento ou grau de estudo. Uma boa parte da bibliografia foi levantada nesse momento por meio
de indicações daqueles que mais se sensibilizaram com a proposta.

Num segundo momento, procurou-se registrar essas impressões por meio de entrevistas no formato audiovisual. Um total
de sete pessoas do próprio círculo social foram entrevistadas nos lugares em que consideraram seus favoritos em São Paulo.

AQUI TEM ALMA 12


A abordagem foi semiestruturada, com algumas perguntas-base e bastante espaço para questões circunstanciais. Como uma
tentativa de acionar o lado analógico dos entrevistados, após a entrevista verbal, a pergunta também foi dirigida na forma de
desenho colaborativo, técnica bastante familiar e utilizada pessoalmente para destravar a criatividade em conjunto.

A proposta do projeto foi apresentada para a equipe do VideoFAU, que passou a apoiar e contribuir com o trabalho. Com o
envolvimento do VideoFAU, surgiram duas novas possibilidades de entrevistas, que foram realizadas com auxílio no transporte
e na captação. Todo o material foi editado e resumido em uma série de nove vídeos curtos. A edição foi feita no software Adobe
Premiere e, eventualmente, no Adobe After Effects.

Não houve uniformidade na captação, sendo testados vários equipamentos distintos ao longo dos vídeos: emprestados do
VideoFAU, itens próprios ou adquiridos ao longo do tempo. De maneira geral, foi utilizada câmera DSLR própria (Canon
T5, lente 18-55 e 50mm) e o gravador do celular junto com o microfone do fone para a captação dos depoimentos (Samsung
Galaxy J7). O áudio e a imagem, portanto, foram tratados separadamente. Em algumas ocasiões específicas, como inserções
em pixilation, o celular por si só foi suficiente e apresentou uma agilidade maior para a demanda sem perdas significativas de
qualidade.

De início, um retorno aos participantes era feito de forma individual, enviando o vídeo finalizado via Whatsapp assim que a
edição era concluída. Foi uma preocupação ter um feedback dos entrevistados acerca do produto final para saber o nível de
conforto com relação à maneira como foram retratados e também questões técnicas de audiovisual que poderiam ser melho-
radas. Com o objetivo de agilizar esse diálogo, além de fornecer ao participante um panorama mais amplo da sua inserção no
trabalho, foi feito um site com a explicação da proposta e onde foram inseridos os vídeos de todos os participantes até então.
Essa solução se provou pouco eficaz uma vez que o site não possibilitava um diálogo dentro da própria plataforma. Além disso,
por utilizar um template gratuito do servidor Wix.com, a visualização no modo mobile era muito ruim, o que se tornou uma
grande incongruência, visto que a base da comunicação era feita via celular.

4.2. REGISTRO E COMPARTILHAMENTO

Alguns ensaios em html foram feitos com intuito de criar uma interface de melhor navegabilidade e que suprisse às demandas
do trabalho. A falta de conhecimento e vocação para programar felizmente permitiu o vislumbre de uma solução muito mais
simples e eficaz: o Instagram. A plataforma permite o upload de vídeos de até 1 minuto. Desta forma, algumas entrevistas
sofreram um processo de síntese dramática, enquanto outras se beneficiaram pela falta de material visual coletado. A natureza
heterogênea do trabalho, portanto, se beneficiou dessa rede social, que cria um padrão mínimo de um mosaico de mídias no
mesmo formato quadrado. Além disso, a fácil usabilidade e grande permeabilidade dentro do contexto social desse trabalho,
permitiu interações espontâneas que só vieram a agregar. (www.instagram.com/aquitem.alma/)

AQUI TEM ALMA 13


4.3. CASAS AO ACASO

Oi, meu nome é Marina. Estou fazendo um trabalho de faculdade sobre lugares com alma e achei sua casa muito bonita, você
poderia conversar um pouco sobre ela?

Por meio das entrevistas de pessoas “à paisana”, chegou-se a um conceito abrangente sobre o que faz um lugar ter alma. Tendo
isso em mente, iniciou-se uma busca por uma definição própria de lugar com alma. Para isso, lançou-se mão do método
intuitivo e das circunstâncias. Realizaram-se uma série de derivas à pé, num raio de até 3km da própria residência, no Butantã.
Uma atividade corriqueira, visto o gosto já estabelecido por caminhar pela cidade com o propósito único de fruição estética
da natureza urbana. Nesse caso, contudo, muniu-se de um ímpeto a mais para adentrar as casas de estranhos que, de alguma
forma, exerceram alguma atração. Foram realizadas até então 4 excursões de prospecção, nas quais ocorreram visitas-surpresa de
apresentação com a entrega de um cartão de visita (anexo A) para transmitir maior confiabilidade ao morador. Nesse choque
inicial, após o acionamento da campainha, a interação se deu com a frase em destaque: não foi citado o nome da faculdade nem
as intenções de fazer registros imagéticos dela. Em cada excursão, buscou-se contato com três a seis moradores, obtendo um
êxito em cada expedição.

Em duas das casas, houve um retorno em dias posteriores para o registro visual (em vídeo ou fotografia), por isso a importância
da proximidade geográfica. Na terceira abordagem, pelo fato do bairro ser um pouco mais distante, muniu-se previamente de
câmera e o registro se deu no próprio contato inicial.

4.4. PRODUÇÃO

Acredita-se que, para a viabilização de um projeto, ainda que seja com finalidade didática, é necessário, para além das suas
qualidades argumentativas e estéticas, que seja estudada sua viabilidade no sentido material. Desta forma, a realização de orça-
mentos, pesquisa de materiais e pólos de comércio especializado também fizeram parte do estudo. Em pesquisas informais com
pessoas principalmente do design, arquitetura e audiovisual na USP, foram levantados dados de custo de TCCs para descobrir
como se dava a questão de planejamento financeiro.

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É bastante comum as produções dos TCCs do audiovisual serem realizadas em grupo, para que se receba uma ajuda de custo
de R$ 5.000 da própria faculdade. Uma outra alternativa também praticada na produção de curtas na ECA é a realização de
crowdfunding. Em relatos, foi citado um curta de animação que arrecadou cerca de R$ 35.000 por meio da plataforma Catarse
e divulgação intensiva em redes sociais. Nesse caso, houve o desenvolvimento de uma campanha bastantante completa com
um diário de andamento da produção no Tumblr e um teaser, item indispensável para uma campanha bem sucedida. No caso
de um curta sobre modelos vivos, com verba de R$ 10.000 (também arrecadada por crowdfunding), os gastos foram princi-
palmente destinados ao catering, aluguel de equipamentos, cachê dos modelos e uma parte menor com materiais de desenho e
brindes de recompensa da campanha de arrecadação.

Já no caso dos TCCs da FAU, no geral, a maior parte dos custos é dedicada a impressão e encadernação dos cadernos. Em
consulta a cerca de oito colegas, o investimento variou bastante: de R$ 100 a R$ 1000 por unidade. Os altos custos geralmente
estão relacionados a encadernações sofisticadas e ao prazo apertado para sua confecção. Não existe uma tradição de campanhas
de arrecadação nos tccs da FAU. Esse tipo de arrecadação envolve uma publicidade que não é muito natural ao curso e nem ao
caráter de alguns trabalhos.

A título de controle pessoal e como uma oportunidade de treinar o lado mais pragmático do projeto, realizou-se uma planilha
de gastos e de ganhos (apêndice 9.2.). Nos ganhos foram considerados dois trabalhos remunerados, não diretamente relacio-
nados com o TCC, mas decorrentes dele. Esses trabalhos foram experiências complementares de aperfeiçoamento das habili-
dades de edição de vídeo, motion graphics e fotografia. Evidentemente, como “fluxo de caixa”, tem um caráter acessório, já que
desconsidera dados importantes como gasto com transporte e investimentos a longo prazo como tripé e lente, adquiridos no
decorrer do projeto.

4.5. INSTALAÇÃO

A última etapa do trabalho, iniciou-se com a compreensão do espaço destinado à intervenção: a sala 802. Foram levantadas as
medidas e analisadas as possibilidades de alteração perceptiva do espaço com o rearranjo dos elementos do próprio lugar. O de-
safio é realizar acréscimos minimamente invasivos e de montagem e desmontagem rápida, devido à ocupação da sala por outras
bancas. Foi realizada uma pesquisa imagética de referências de intervenções artísticas de natureza imersiva e um esboço de uma
proposta de intervenção. Em paralelo, fez-se uma pesquisa de campo nos grandes pólos comerciais de São Paulo, em busca de
soluções de materiais e preços. Essa etapa ainda estará indefinida até o fechamento do relatório devido às condições de restauro
do mobiliário da sala em questão.

AQUI TEM ALMA 15


5. RESULTADOS

5.1. O QUE FAZ UM LUGAR TER ALMA?

história, memória, lembranças, afetividade, uso e ocupação, sentimento, vivências, vida, sensação, ar do lugar, movimento, amor,
linhagem, intencionalidade, acaso, identificação (“match energético”)

Um resumo dessas entrevistas pode ser visto aqui As entrevistas (apêndice 9.1.) apontaram palavras importantes relacionadas à percepção da alma do lugar. Afinal, para os
https://www.instagram.com/p/Bv2ycx-BUx8/
entrevistados, o que faz um lugar ter alma? De forma geral, o tema história foi quase unânime, seja na forma de lembrança indi-
vidual ou memória coletiva. Para alguns, a alma só existiria num lugar que tenha alguma conexão vivencial corpórea, já outros
conseguem sentir o peso da história e o acúmulo de significados contidos em um local mesmo sem nunca ter pisado nele. Foi
uma resposta comum atribuir grande parte dessa carga de alma do lugar aos objetos nele contidos: um músico, um fotógrafo de
publicidade e uma ceramista talvez tenham maior tendência a enxergar o mundo por meio de artefatos. Por outro lado, as duas
arquitetas entrevistadas deram maior enfoque à espacialidade em si, ressaltando também que as qualidades transcendentais de
um espaço podem vir da intencionalidade, do pensamento projetivo. Houve pessoas que citaram questões fora da curva como
a alma do lugar estar num processo de autoconsciência e também, em emanações da ancestralidade.

Enquanto algumas pessoas tinham total familiaridade com palavras de natureza metafísica e muita fluência para utilizá-las,
outras, encontraram certa resistência ao termo escolhido para denominar as qualidades abstratas de um lugar. Talvez por asso-
ciarem à religiosidade e a fenômenos sobrenaturais, de alguma forma. Ou talvez por não se permitirem sair do registro racional
de pensamento. O que, de forma alguma, tem a ver com falta de sensibilidade, mas sim, com um descompasso terminológico.
O termo alma, para a maioria das pessoas, comunicou da maneira esperada a intenção do trabalho, sem a necessidade de
esclarecimentos adicionais, e suscitou uma resposta dentro do espectro imaginado. Nem todas as pessoas a que a pergunta foi
direcionada souberam como responder com precisão, mas todas elas embarcaram na reflexão e, por vezes, indicaram bibliogra-
fias muito pertinentes.

5.1.1. CONSTRUÇÃO NÃO-VERBAL


O desenho coletivo originou uma cena de um local de lazer aparentemente público como um parque ou uma praça. Nela, é
possível observar um convívio harmônico entre elementos urbanos e naturais e entre os próprios seres humanos. Observa-se a
importância de aguçar todos os sentidos: a presença das luzes piscantes, o alimento à mesa, possíveis sons representados pelas
emanações dos seres e coisas.

AQUI TEM ALMA 16


Os urbanistas desta faculdade diriam se tratar de um espaço extremamente qualificado, que privilegia conexões locais, na escala
do pedestre, gerando uma área de permanência e convívio (inclusive noturno). As edificações sem muros ou grades indica um
nível urbanístico saudável no qual há fruição plena do passeio público e resolução dos conflitos sociais de maneiras mais efeti-
vas do que a construção de barreiras físicas.

5.2. CASAS AO ACASO

Os relatos detalhados de cada experiência se encontram no apêndice 9.1.2.

As casas cuja visita foi bem-sucedida tinham em comum o fato de apresentarem uma relação mais direta com a rua, com por-
tões baixos e alta permeabilidade visual ao invés de muros e grades. No primeiro caso, o contato foi feito diretamente com uma
das ocupantes da casa, que estava no portão. Nos outros dois casos, foi necessário o intermédio da campainha. Os logradouros
como um todo, transmitiam a sensação de convívio e interação, causando sensação de tranquilidade. De forma geral, essa
abertura para a rua foi um motivo decisivo para ler esses espaços como acolhedores e convidativos. Outro fato em comum e
surpreendente foi ter sido convidada para entrar imediatamente após a apresentação inicial. Além disso, houve uma forte iden-
tificação pessoal em todas as três interações. Em todos os casos, a afinidade com o lugar refletiu afinidade com os moradores,
seja num sentido de confluência de ideais ou num âmbito de carreira e interesses.

Além disso, a presença visível da natureza e a fruição estética foram também determinantes para se iniciar um contato. Na pri-
meira e terceira casa visitadas, a questão estética se deu por meio do projeto, visto que havia a mão de um arquiteto por trás das
construções. Já na segunda, o acaso foi o responsável pelo encanto: a passagem do tempo estava visível nos muros inteiramente
cobertos por trepadeiras. Houve ainda uma quarta casa (a visita não se realizou por um desencontro) em que o fator de atração
foi o acúmulo de tempo e história: era um dos moradores mais antigos do bairro.

As tentativas mal sucedidas se deram, em sua maioria, em residências muradas em que o contato se dava por meio de interfone.
Muitas das casas apresentaram campainhas quebradas (ou desativadas) ou simplesmente não tinham campainha. O logradouro
também parecia afetar a receptividade. Em ruas de fluxo intenso de veículos ou de muitas casas muradas, havia um clima hostil
e a sensação geral provocada ao caminhar era de medo. Muito provavelmente, o medo não era só próprio, mas a reverberação
daquele sentido pelos moradores, que viram na fortificação com barreiras físicas uma maneira de se proteger.

É importante notar que talvez o uso do termo alma tenha sido um fator de seletividade importante. Uma pessoa (por interfo-
ne) claramente interpretou alma como uma entidade espiritual maléfica, mostrando-se hostil. Na média, os moradores apenas
recusaram ou não atenderam.

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5.3. INSTAGRAM

A escolha pela plataforma Instagram aliada ao uso do sistema de busca por indexação, as hashtags, possibilitou um mapea-
mento natural e gradativo das manifestações comerciais relacionadas ao tema lugares com alma. A opção por um perfil de
negócio ao invés de pessoal possibilitou a visualização de dados estatísticos da conta, além do algoritmo privilegiar a visibilidade
entre outras páginas de negócios, propiciando interações inesperadas. Por meio dessas interações, descobriu-se todo um nicho
de mercado “com alma” que aposta no marketing digital via redes sociais. Desde objetos decorativos ligados ao candomblé
até escola de consciência ecossustentável. Posteriormente, começou a se descortinar uma série de arquitetos, decoradores de
interior e fotógrafos com abordagem afetiva, que valorizam o garimpo, a história, a originalidade, o fazer com as próprias
mãos e questões espirituais. Os negócios com alma no nome geralmente são ligados a produtos feitos de forma artesanal, com
materiais naturais. Foi encontrado um negócio do ramo alimentício de produtos veganos, de plantas, decoração de interiores e
moda com abordagem ética e consciente. Além disso, a plataforma facilitou as interações dos participantes e de pessoas de fora,
as quais enviaram comentários e sugestões significativos em “tempo real”.

5.4. INSTALAÇÃO

5.4.1. INSPIRAÇÕES
Para a proposta de instalação, foram pesquisadas algumas referências imagéticas de artistas cuja abordagem apresenta-se ali-
nhada com alguns conceitos estéticos desejados: leveza, passagem do tempo, minimalismo, transparência, efemeridade, névoa,
natureza, materias em sua essência, camadas, reuso, movimento. Muitas dessas temáticas são bastante recorrentes no Japão,
como veremos a seguir:

AQUI TEM ALMA 18


Aiko Miyanaga
A artista busca capturar o tempo e a sua
passagem por meio da representação de objetos
simples do cotidiano feitas de naftalina. Objetos
efêmeros sujeitos ao processo de sublimação e ao
desaparecimento.

Ryuji Nakamura
Arquiteto e designer japonês que explora a leveza
dos materiais como tecido e papel. Aposta na
sobriedade do branco.

Tokujin Yoshioka
Designer e artista japonês aclamado pelos trabalhos
que exploram a luz e temáticas ligadas a fenômenos da
natureza. Tem como traços marcantes o uso do branco,
da translucidez e das refrações.

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Arc Zero-Nimbus
O artista australiano James Tapscott foi convidado a fazer
uma intervenção na entrada do templo budista Kanonji.
A instalação feita de vapor d’água e luz remete a um
portal para outra dimensão de noite. Durante o dia, a
refração das gotículas reproduz um arco-íris.

Tunnel of lights
Restauro no túnel Kiyotsu Gorge em área montanhosa
do Japão pelo escritório MAD Architects, escritório
internacional com base na China.

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5.4.2. ESBOÇOS

PERSPECTIVA SALA 802


Mesas
As mesas da sala 802 estão sendo restauradas no
momento, sendo necessário repensar seu empilhamento
como mostrado na imagem

fio de nylon

Módulo luminoso
Foi pensada uma estrutura leve, de tecido semi-
transparente para ser fixada nos conduítes e funcionar perfil U
como uma divisória e como única fonte de luz

MÓDULO LUMINOSO

tecido sublimação
100% poliéster

Projetor
Pensou-se voltar o projetor para o sentido longitudinal da DETALHE: INTERIOR DO PERFIL U
sala para quebrar a sensação de corredor tubo de metal
(peso)

Interruptor

Fita de LED
4 baterias tipo
moeda de 3V (12V)

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho compactua com a visão de que todos os seres e coisas inanimadas emanam de si energia vital. Tudo no mundo
é decorrente de uma criação: seja da natureza (ou qualquer outra denominação de força superior), seja do homem, ou uma
confluência dos dois. Desta forma, mesmo aquilo que é inerte, desprovido de vida biológica, como uma pedra ou uma caneta,
também tem a potência de comunicar por si só.

Essa visão (chamada de anima mundi por Platão) é predominante na Ásia até os dias atuais e em culturas ditas primitivas e
arcaicas pelos antropólogos. Teve seu período de glória no ocidente no período clássico (Platão, Aristóteles), foi retomada
por alguns expoentes do humanismo renascentista (Marsílio Ficino), e perdida em grande parte com a preponderância de um
pensamento racional oriundo de correntes filosóficas como o iluminismo e o positivismo.

Perder essa abstração que emana de todas as coisas e operar apenas na materialidade racional pode significar um comprometi-
mento do aprendizado, pode fazer secar a fonte de estímulos para a imaginação e cessar a criatividade. A apreensão do mundo
de forma estética não é excludente com a racionalidade. São registros que nos ajudam cada um à sua maneira.

O aprendizado de humanidades, tanto as humanidades puras quanto, neste caso, as aplicadas, se beneficiam muito com as
vivências por meio dos sentidos. Permitem criar conexões únicas, já que cada um sente o mundo à sua maneira e teve um
conjunto de experiências distinto. Muitas vezes, essas criações irão confluir para o mesmo ponto. Mas não é isso que importa, a
beleza talvez esteja no percurso como um todo, não somente na chegada.

Além disso, em milênios de registro da história da humanidade e, dentre todos os bilhões de habitantes da terra, talvez seja
inocência imaginar-se detentor de uma idéia exclusiva, nunca antes pensada. As sensações, por sua vez, são únicas. Não há
ninguém que veja com meus olhos ou sinta através da minha pele. É um passo importante sair do eu pequeno e procurar
conectar-se sensivelmente com as forças do mundo. Entender-se como parte de um todo. Observar que os movimentos cíclicos
não estão somente naquilo que é chamado de natureza (da qual o homem costuma se excluir), mas também dentro da própria
natureza humana. Tudo é movimento e troca: desde os grandes ciclos biogeoquímicos, visões de mundo predominantes nas
sociedades, até os nossos processos intracelulares.

É uma opção interessante para o contexto atual de acirramento dos ânimos conflituosos (inclusive em conflito interno) ob-
servar o mundo em totalidades complementares, ao invés de dualidades que se rivalizam. Eu x outro, razão x emoção, corpo x
mente, teoria x prática, natureza x homem. Aquilo que é diferente de mim, me complementa e me leva a melhor auto-compre-
ensão. A razão sistematiza e facilita a replicação daquilo que outrora foi uma emoção difusa e subjetiva. Às vezes esquece-se que
o próprio sistema nervoso não é composto só de cérebro, mas por todos os nervos sensitivos que perpassam o corpo inteiro.
A teoria pode advir da prática, assim como a prática pode vir da teoria. Por fim, enquanto o homem se rivalizar com as forças

AQUI TEM ALMA 22


naturais com o objetivo de domá-las, ao invés de se sentir parte dela, as catástrofes ambientais de todo dia continuarão aconte-
cendo.

Esse trabalho, portanto, foi um exercício de ouvir, observar e sentir o mundo ao redor, sob o olhar de alguém contextualizado
no âmbito universitário, com um treinamento para a arquitetura e o design, ainda que de forma geográfica e temporalmente
limitada, que permitiu ser expandida por meio da leitura.

No final de tudo isso, o que faz um lugar ter alma? Para mim, é saber sentir.

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7. AGRADECIMENTOS

Muito obrigada a todos que participaram na frente ou atrás das câmeras!

Luís Fuzile William Zeytounlian Marina Campos


Laura Bellesa Gilberto Bronko Sirlene Giannotti
Daniel Sommerfeld Daniel Carlomagno Juliana Russo
Rose Moraes Pan Fabiana Imamura Otavio Nagano
Toninho Diego Santos Yvonne Mautner
Diógenes Miranda Giorgio Giorgi Taata Mutá Imê
Anselmo Turazzi Ana Lanna

Agradeço:
à minha mãe Eliane pela sensibilidade e ao meu pai Paulo pelo espírito da bricolagem
aos meus avós Mamoru, Sachiko, Taeko e Jun pela sabedoria
aos amigos Erika Vanoni, Caroline Ploennes, Claudio Luiz, Renata Yoshida, Letícia Almeida e Larissa Nissi pelo apoio
aos colegas José Leonardo Otero Neto, Accacio Mello e Thomas Yuba pelas referências
a todos os youtubers, profissionais e amadores, que dedicaram seu tempo à disseminação do conhecimento

8. REFERÊNCIAS

AUGÉ, Marc. Não-Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Tradução de Maria Lúcia Pereira.
Campinas, SP: Editora Papirus, 1994
BACHELARD, Gaston. A Poética do espaço. 1958.
BAHIA, Tarcísio. Ausência e presença arquitetônica na cidade contemporânea. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n.
051.05, Vitruvius, set. 2004. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.051/557>
CAMPANHA, Aline Lourenço; ALMEIDA, Eneida de. Territórios da fronteira entre memória e história em São Pau-
lo. Arquitextos, São Paulo, ano 19, n. 217.03, Vitruvius, jun. 2018. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/
read/arquitextos/19.217/7021>.
OS CATADORES e eu. Agnès Varda. França: _ 2000. (82 min)
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EDIFÍCIO Master. Eduardo Coutinho. Rio de Janeiro: VideoFilmes, 2002. (110 min.) YouTube. Disponível em: <https://
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AQUI TEM ALMA 24


HILLMAN, James. Cidade & alma. Coordenação e tradução Gustavo Barcellos e Lúcia Rosenberg. São Paulo: Studio No-
bel, 1993.
MARKEVICIENE, Jurate. Genius Loci and Homo Faber: A Heritage Making Dilemma, in 16th ICOMOS General
Assembly and International Symposium: ‘Finding the spirit of place – between the tangible and the intangible’, 29 sept – 4
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MASCELLI, Joseph V. Os cinco Cs da cinematografia.
NORBERG-SCHULZ, Christian. Genius loci: Towards a phenomenology of architecture. Londres, Academy Editions,
1980.
OKANO, Michiko. Ma: entre-espaço da arte e comunicação no Japão. São Paulo: Annablume; Fapesp; Fundação Japão,
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RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal… o que é mesmo documentário?. São Paulo: Editora Senac, 2008.
REIS-ALVES, Luiz Augusto dos. O conceito de lugar. Arquitextos, São Paulo, ano 08, n. 087.10, Vitruvius, ago. 2007.
Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.087/225>.
RODRIGUES, Cris. O cinema e a produção. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
SCHMID, Aloísio. A ideia de conforto.
SENNET, Richard. Humanismo. Revista Serrote. Edição 14

Manual do mundo: Qual a diferença entre volt, watt e ampére?


<https://www.youtube.com/watch?v=JtttnL28m3Q>
Ann Mitchell: Como fazer uma animação em stop motion no photoshop
<https://www.youtube.com/watch?v=xCvUEiRRaCk>
SescTV: Teatro e Circunstância: A Desconstrução do Espaço Cênico - Profissão Cenógrafo
<https://www.youtube.com/watch?v=fwmk3ITApmg>

AQUI TEM ALMA 25


9. APÊNDICE

9.1. VISITAS

Para sintetizar o relatório, foram suprimidas as transcrições integrais das entrevistas. Na primeira parte, o enfoque foi dado
às respostas à pergunta central e na segunda, optou-se pelo registro por meio de relato, já que apenas uma das entrevistas foi
devidamente registrada em áudio.

9.1.1. O QUE FAZ UM LUGAR TER ALMA?

DANIEL CARLOMAGNO EM SEU ESTÚDIO


músico e compositor
Data: 09/10/2018
“Eu acho que, na verdade, é quase como a gente colocando o nosso mundo interno nas coisas né. Então, por exemplo, eu
tenho um violão ali que (...) deve ter uns 60 anos de idade, uns 70, que foi dado pelo meu tio. Então, ele tá ali… não é só ele que
tá. Toda a história dele, as coisas que eu vivi… Foi meu primeiro violão, com 5 anos de idade eu aprendi música nele… Ou seja,
é um objeto que não é só ele em si. (…) Então essa ideia dos objetos que estão numa casa, da casa em si, não são o objeto em si,
mas sim as lembranças, as memórias, a afetividade e tudo a que esse objeto remete. Então, por exemplo, aquele violão não
é só um violão: é minha infância, minha adolescência, as cidades por onde eu passei, as minhas aventuras e desventuras. Acho
que é disso que é composta uma casa, um lugar. Se a gente perder essa abstração, passa a ser um pedaço de madeira com umas
cordas de nylon, né.”

FABIANA IMAMURA NO CCSP


arquiteta-engenheira
Data: 12/10/2018
“Eu acho que o que faz um lugar ter alma é o uso que as pessoas fazem dele. É quando você pensar nesse lugar, ele te trazer as
melhores memórias possíveis. É ele te despertar coisas e sentimentos muito bons. Claro que isso está muito amarrado com
as vivências que você tem do espaço, mas acho que também com as características intrínsecas a ele – não só pela experiência
que você teve mas pelas qualidades que ele tem enquanto espaço. Então, no caso do CCSP, acho que é um espaço que tem
muita alma, porque ele promove o encontro entre as pessoas, entre as mais diversas pessoas. Está sempre acontecendo uma
coisa nova, criando-se uma coisa nova. Seja através dos shows, das danças, as pessoas conseguem se apropriar desse lugar de uma
maneira muito tranquila... Eu acho que é isso. Esse é, pra mim, um dos lugares que mais tem alma na cidade porque me vem à

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memória sentimentos muito bons. De alegria, de felicidade, de coragem, das pessoas transgredirem, do espaço mais artístico, do
espaço livre. Acho que ele tem uma potência muito grande. Por isso eu acho que ele tem muita alma.”

DIEGO SANTOS EM SEU APARTAMENTO


Designer e estudante de filosofia
Data: 14/10/2018
“Eu acho que são as relações que você cria naquele lugar. Um lugar sem alma é um lugar onde você não teve história, não teve
nada. Se você chega num lugar novo, por mais que aquele lugar seja significativo para outra pessoa, pra você ele é vazio. Ele é
só um espaço quadrado, quatro paredes, um teto, ou até mesmo um parque, alguma coisa assim. Pra você, vai ser indiferente.
Mas a partir do momento em que você começa a criar relações com aquele lugar, você teve uma primeira experiência naquele
lugar, ou você teve muitas experiências significativas na sua vida que aconteceram naquele lugar, ele passa a ter uma alma que
conversa com você. Então quando você chega... por exemplo, quando eu chego aqui na minha casa, é como se alguém estivesse
me recebendo, a minha casa me recebendo. Sabe? É diferente de se eu chegasse num apartamento novo. Se eu me mudasse
agora e estivesse morando num outro apartamento, quando eu chegasse em casa, ia rolar um estranhamento. Pô, eu não sei
quem é você, casa. Eu não sei o que são essas paredes. Não tem nenhuma lembrança de estar lá, limpando essa parede, ou de
estar passando mal nessa cama, ou de receber um amigo nessa cozinha. Eu acho que são essas relações que criam esse espírito,
essa alma do lugar.”

GILBERTO “BRONKO” EM SEU APARTAMENTO


Fotógrafo e videomaker
Data: 20/10/2018
“Eu acho que são esses objetos que têm história. O dinheiro compra qualquer objeto, mas ele... isso é um sentimento que
você tem, mas que é facilmente identificável por outras pessoas. Então você consegue entrar numa casa e ver que aquela é só
uma casa – ela não é um lar. E quando ela tem essa ligação com o morador, você sente, qualquer pessoa que entra de fora
sente a relação dela com os objetos. Eu posso colocar um monte de cristal Baccarat aqui e você vai entrar e vai falar “tem algo
errado aqui” [risos]. (…) eu tive muito essa experiência quando fotografei para o Estadão, caderno Casa, e aí entrava em casas
que eram montadas pelo arquiteto. Tinha aquela família ali e tinha uma casa em volta delas, mas não estava dentro delas. Por-
que, isso é uma coisa engraçada né, a gente entra na casa mas no final é a casa que está dentro da gente mesmo.”

AQUI TEM ALMA 27


LAURA BELLESA NO JARDIM DA BIOLOGIA
Designer
Data: 22/10/2018
“Acho que não é tão certo assim, como uma equação matemática (…) Se bem que como eu falei de natureza, isso já é uma gran-
de coisa. Porque é uma coisa viva né? Eu acho que precisa de alguma coisa viva pra ter alma(…) Acho que não precisa ter uma
relação comigo, porque o ambiente pode ter alma por si só, principalmente se tiver alguma história, um ambiente históri-
co. Eu acho que é uma coisa de sensação mesmo, de você sentir o ambiente. Às vezes você nem sabe que ocorreu uma coisa lá
importante mas você sente no ambiente. Eu não sei se é pela arquitetura… Lugares antigos têm um peso diferente. Acho que
não são só indícios visuais. Acho que vai pra além disso. O ar do lugar, acho que dá pra perceber. Muita coisa eu não consigo
compreender, eu sinto, sabe? Não é consciente, eu preciso parar pra refletir.”

TAATA MUTÁ IMÊ EM UMA CASA NO CAXINGUI


Pai de santo
Data: 27/11/2018
“É o lugar onde tem vida, onde existe movimento. Alma é… amor. Onde existe amor... toda pessoa que tem amor no cora-
ção, (...) toda pessoa que se ama de verdade, de fato, existe vida aí, né. E um lugar, um espaço, um ser que tem amor, tem alma,
então a alma e o espírito estão juntos. O espírito é o movimento, o espírito é a ação, é atitude. A alma é amor, é tranquilidade,
é sentimento. Então todo lugar que existe isso, que não é aquela coisa inerte, que não é aquela coisa tão firmada, mas sim
firme, é um lugar que tem vida.”

YVONNE MAUTNER EM SUA RESIDÊNCIA


Professora de arquitetura
25/03/2019
“Eu não acho que os lugares têm alma, na realidade. Eu acho que a gente tem uma relação com o lugar. É difícil dizer que você
passa e de repente algo te chama. Ou às vezes acontece mesmo porque é um canto bonito (...), mas eu acho que não é questão
de ter alma ou não mas sim de ser uma coisa bem localizada, interessante… Quando você viaja e não tem relação nenhuma com
o lugar, às vezes você acha bacana, mas aí tem a história do lugar, como foi construído (...), uma coisa que te chama atenção
pela forma que ele tá lá, ou pela disposição… a gente tem um treinamento pra isso né, ao longo da vida como arquiteto. (...) Pra
mim é mais uma questão de treino e a forma como é disposto. (...) Eu sei que existem intenções. Você coloca uma intenção
mesmo quando faz uma obra de paisagismo. Você pode se sentir bem, por exemplo, num jardim maravilhoso do Burle Marx,
porque ele fez de uma forma que você fala “nossa, queria morar aqui dentro”. Então o que tem muitas vezes é a intenção de
quem fez e por outras vezes, tem o acaso. Acontecem acasos que dão certo também”

AQUI TEM ALMA 28


OTAVIO NAGANO EM SEU APARTAMENTO
Designer e co-fundador do Coletivo 82
04/04/2019
“O que faz um lugar ter alma é simplesmente eu me identificar com esse lugar. É eu ver refletido nesse lugar, eu ver emanan-
do desse lugar, algum aspecto que eu gosto muito em mim, na verdade. Quando rola esse match energético: seja um boteco,
seja a natureza, seja a casa da minha mãe, seja a minha casa, seja a igreja, é porque são aspectos em mim que eu acho que eu
gosto muito. Esse lugar emana isso e dessa relação entre eu e o lugar é que eu digo que tem alma. E acho que é por isso que
cada um tem uma resposta. Depende do seu background, depende da sua vida. (...) Acho que quem tem mais dificuldade de
entender isso é quem tem mais dificuldade de entender aspectos que ele sente confiança que é seu mesmo. Não se identificar
em nenhum lugar é não encontrar seu lugar no mundo. Não encontrar seu lugar no mundo é não entender seu papel. Um
lugar que tenha alma para mim é um lugar com o qual me identifico e que leio que isso faz parte de mim. Por isso que eu acho
que as respostas mais comuns vão ser as próprias casas, porque você investe na sua casa - nem sempre né (risos) - aquilo que
você tem de melhor”

SIRLENE GIANOTTI EM SUA CASA-ATELIER TAPIR


Ceramista e doutoranda na área de educação
15/04/2019
A minha concepção de alma é mais do que uma ocupação. Tem a ver com presença. Então eu brinco com a minha filha que
quando a gente faz um molho branco, que é um molho branco que eu aprendi com a minha tia que não está mais aqui nesse
plano, eu escrevo para minha filha na receita assim: “você vai usar duas colheres de manteiga, uma de farinha branca, um alho
ralado e aí chame a tia Nair”. E é um chamado num sentido, bem dessa alma mesmo. Eu acredito que é aquilo que se chama
de linhagem. Chamar em você aquilo que a sua tia é. Então, é uma viagem, mas é no que eu acredito. Eu tenho em mim as
almas que povoaram a minha linhagem. Eu adoro abóbora, como meu pai adorava abóbora, como minha avó adorava abóbora.
Então a gente guarda a semente da abóbora, deixa secar em cima do telhado, depois enfia no chão em algum lugar. Daí vou
encontrar minha prima que tá lá na Itália e eu vejo que ela faz a mesma coisa! Daí eu falo: somos da mesma linhagem! Então
essa casa tem alma, porque eu fico recontando essas histórias e as coisas aqui contam histórias. Tudo tem que ter história. (...)
O que faz um lugar ter alma é ele guardar história.

JULIANA RUSSO NA SUA CASA-ATELIER SALA ABERTA


Ilustradora
07/06/2019
(sem registro)

AQUI TEM ALMA 29


9.1.2. CASAS AO ACASO

MARINA CAMPOS NA CASA VIVA


Data: 26/04/2019
Luís, companheiro de derivas urbanas me encontrou em casa e me perguntou: onde vamos? Era o primeiro dia de exploração,
não havia nenhum lugar em mente. Deixei meus pés me levarem. Caminhamos alguns poucos metros até que me lembrei: tem
algo de diferente naquela ladeira! Ah, ela me deixava sem ar sempre que subia sua declividade sofrida do ponto de ônibus até
em casa. Mas com certeza não era sua inclinação generosa que a fazia especial. Não sei que magnetismo era esse que até foto no
celular eu tinha! Uma rua absolutamente suburbana, mais pra feia do que bonita, com uma mistura de casas ordinárias. Umas
cuidadinhas e outras que lembravam depósitos de cacarecos.

Fomos descendo a ladeira. Pensei em tocar a campainha de uma casa bem comum, mas que se destacava pela presença de uma
árvore frondosa cheia de flores. Fiquei hesitante, seguimos reto. Uns passos adiante, me lembrei do porquê estávamos ali.
Aquela casinha estreita que mais parecia uma cabana de madeira sempre me chamou atenção no meio das alvenarias pintadas.
Uma construção discreta coroada com uma peculiar cisterna de concreto em forma de icosaedro e ornamentada por uma
luxuriosa bananeira. Aproveitei que havia uma moça segurando um bebê no alpendre e, com toda a cara de pau que consegui,
iniciei o contato. Em meio à barulheira do cachorro defendendo sua propriedade, me esgoelei da forma mais delicada possível:
é um trabalho de faculdade sobre lugares com alma, é que achei sua casa bonita, podemos conversar!? A moça pediu um mo-
mento e se recolheu. Para a minha surpresa, em seguida, surgiu a dona da casa e, sem questionar, abriu o portão e nos coloco
para dentro. Vencemos a barreira canina e adentramos a casa.

A sensação foi de encantamento: me senti transportada para um lugar bucólico fora de São Paulo. Tudo era diferente: o ar, a
luz, a temperatura, as texturas, as cores, até o silêncio era diferente, não tinha um zumbido maquínico. De fora, era impossível
imaginar que na sala de estar tinha um fogão de lenha e vista para uma mini-floresta. O que mais me encantou, contudo, foi a
cozinha: encaixada dentro de um arco auto-portante, toda iluminada por um rasgo de luz zenital.

A dona da casa, também Marina, já foi explicando tudo: que na verdade não era a dona, o dono mesmo era o arquiteto que
pensou em toda a casa, que era uma reforma, e até botou a mão na massa em diversas partes. Pelo carinho dedicado na cons-
trução, Tomaz, o arquiteto, ao se mudar para o interior, fez um rigoroso processo seletivo para os ocupantes da casa. Marina e
seu marido, um casal de biólogos, provaram ser as pessoas capazes de entender as dinâmicas de uma Casa Viva. Viva porque as
coisas estavam em constante ciclagem e reuso lá dentro, viva pela madeira ser um tecido da natureza, pelas paredes pintadas de
cal, um pigmento biodegradável, por permitir o controle do conforto ambiental por meio das plantas, pela iluminação natural
usada de forma inteligente.

Saí de lá impressionada com o universo que tinha se aberto diante dos meus olhos e com conceitos que nunca tinha parado

AQUI TEM ALMA 30


para pensar: que podemos transformar o que já existe ao invés de demolir e gerar um monte de resíduos, que muitas vezes essas
coisas não precisam ser compradas, que quanto mais nos inserirmos nos ciclos da natureza, menor a necessidade de nos inserir
nos ciclos do consumo, de compra e descarte. Claro que para quem estuda a permacultura, devem ser coisas óbvias, mas esse
termo sempre tinha passado batido por mim até então. Fui empolgada mostrar as fotos dessa visita para minha mãe. Como eu
já esperava, em mais de 20 anos morando na Vila Gomes, ela nunca tinha notado a existência dessa casa.

No dia seguinte voltei a Casa Viva para fazer um registro desse encontro e notei que o que fazia a rua ser diferente e eu me
sentir bem nela era o fato de que havia uma relação de vizinhança muito forte ali. Muitas das casas tinham alpendres onde os
moradores ficavam sentados lendo ou observando o movimento, havia conversas na rua, havia crianças brincando nos quintais
e nenhuma casa tinha muros ou grades altas.

DANIEL SOMMERFELD NA CASA DE VÓ


29/04/2019
Convidei a quase vizinha Laura para um passeio no bairro dela. Laura me mostrou algumas casas arquitetonicamente curiosas
e outras que certamente eram ocupadas por artistas. Paramos no “castelinho da Vila Indiana”, um grande aglomerado de pu-
xadinhos em estilos arquitetônicos desconexos. Aparentemente, não havia um apreço especial por aquele lugar, além do gosto
exótico do seu proprietário e sua vontade de alugar mais unidades habitacionais. Notamos, nesse trajeto, que somos atraídas
pelas ruas arborizadas e, aparentemente, as personalidades artísticas também. As ruas mais áridas tendiam a ter casas em estilo
asséptico e com uma uniformidade visual, ao passo que nas mais arborizadas, os moradores procuravam mostrar um pouco de
si nas fachadas com esculturas, vasos, entre outros bibelôs.

Estávamos passando por uma grande praça verde quando avistei na esquina uma casinha de vó coberta de trepadeiras. Já tinha
tentado entrar em uma dessas antes, mas a vó em questão não estava a fim de papo. Essa casa, no entanto, era convidativa
demais para eu não tentar. A única fachada não dominada pela vegetação era a principal, pela qual dava para ver o rosado da
parede e os bibelôs do lado da porta. Sem pensar duas vezes, apertei a campainha, sinalizada com uma placa no meio dos matos
todos. Foi uma quebra de expectativa o moço jovem que apareceu na janela, com cara de recém-acordado. Fiz a apresentação de
sempre do portão e ele apareceu na porta, de pijama.

Sem delongas, também nos convidou para entrar. Ultrapassamos as barreiras caninas, dessa vez em dupla e dentro de casa, e
nos sentamos na cozinha. O anfitrião gentilmente nos ofereceu água. Pegou dois copos da pilha de louça e lavou-os. O filtro
de barro estava quase seco, foi necessário dar uma leve inclinada para encher os copos. Daniel ainda estava se adaptando à casa
da mãe, mas tratou de dar uma personalizada no espaço. Em meio a cristaleiras antigas, quadrinhos decorativos e luminárias
âmbar, podiam ser vistos cartazes de filmes antigos aqui e ali. Dentre essa profusão de objetos à vista, o que mais me chamou
a atenção foi a guitarra branca na sala de estar. Eu particularmente sinto que os instrumentos musicais têm uma magia a mais

AQUI TEM ALMA 31


do que os objetos sem música. Sempre fico magnetizada por eles. Era um instrumento que seu avô havia feito em homenagem
a sua esposa, com o nome dela gravado. Daniel se mostrou mais empolgado em expor seu cantinho na casa, uma garagem
transformada em sala de projeção. Estava esperançoso com os novos rumos da sua carreira profissional, de ator de teatro para o
mundo do audiovisual.

ANSELMO TURAZZI NA CASA MODERNISTA ZEN


06/05
O Morro do Querosene dá uns 3km daqui de casa, mas sempre vale a caminhada. É um bairro com cara de bairro: que ainda
não foi tomado pelos condomínios e estabelecimentos comerciais padronizados. Tem vida na rua e cultura próprios: tem a Fes-
ta do Boi, tem o milenar caminho indígena do Peabiru, tem uma nascente de águas límpidas (que infelizmente dão no esgoto),
tem mobilização popular pelo verde, tem a orquestra de berimbaus...

Chamei de novo o Luís para me dar um apoio moral. Já saí de casa preparada, com as paçoquinhas e a câmera na mochila.
Andamos até chegar numa curiosa casa térrea de fachada em estilo art déco, dificilmente identificável pela quantidade de vasos,
suculentas, arbustos, palmeiras, cipós e toda a sorte de vegetais tampando sua vista. Tenho um gosto particular pela pátina e
por uma certa decrepitude das paredes descascadas. Acho que no meu inconsciente devo entender como um indício de muitas
histórias acumuladas. A casa não tinha campainha, mas a porta estava aberta. O morador, que estava assistindo tv, entreviu a
movimentação e veio até o portão.

Era um jovem bem alto e magro. Depois de me apresentar, ele respondeu: meu pai é um morador muito antigo do bairro, o
nome dele é Mauro. Acabou de sair, mas ele gosta muito de falar com o pessoal, pode aparecer aqui de novo que ele explica tudo!
Tive a impressão de já conhecer aquele rapaz, que mora só com o pai numa casinha pitoresca. Uns passos adiante me lembrei:
já entrei nessa casa! E esse moço grande ainda era uma criança! O sentimento de tia idosa tomou conta de mim. Não só já entrei
como passei muito tempo olhando fotos velhas e ouvindo histórias de um dos moradores mais antigos do Morro do Querose-
ne. Tudo isso para um trabalho de paisagismo, nos tempos de arquitetura.

Continuando a deriva, entrei numa rua com casas maiores e mais abastadas. As construções ali pareciam ter um pensamento
projetual maior: algumas mais para modernistas, outras mais para chalé campestre. Uma modernista me chamou particular
atenção: tinha a cara da FAU, mas numa escala humanamente aconchegante. Além disso, havia o simpático detalhe de ter um
carrinho de rolemã cuidadosamente pintado em cores primárias pendurado na parede da garagem. Estava inclinada a me apro-
ximar quando um carro acionou o portão automático e estacionou lá dentro. Era a diretora da FAU que estava dirigindo, do
lado ia o marido. Como instinto, fingi que não estava olhando e passei reto, totalmente dissuadida do meu propósito inicial.

Na semana seguinte, sem grandes planejamentos, voltei pra visitar o Sr. Mauro e o filho Gabriel também com o parceiro

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andarilho Luís. Dessa vez nenhum dos dois estava em casa. Aproveitei para tirar fotos de coisas que me chamavam atenção na
vizinhança, um pouco frustrada. Fomos parar na rua das casonas de novo. Novamente, me chamou a atenção a garagem com
o carro e o carrinho. Fiquei hesitante mas pensei que o máximo que poderia acontecer era nada, então apertei a campainha.
A empregada, lá da varanda, perguntou o que era e com quem eu queria falar. Quero falar com quem mora aí! Eu não conheço
ninguém, só achei bonita a casa, respondi. Logo mais surgiu na porta um cachorrinho descabelado abanando o rabo para os
desconhecidos e o senhor de cabelos brancos que estava no banco do passageiro semana passada. De que faculdade vocês são?
Vocês sabem que é a casa da Ana Lanna? Eu soltei um resmungo entre o sim e o não, o Luís falou que sim.

Sr. Anselmo estava com cara de poucos amigos, mas nos convidou para entrar e sentar no sofá. O que vocês querem saber? Per-
guntei quem tinha projetado a casa. Fui eu… Respondeu sem empolgação. Mas hoje em dia teria feito tudo diferente, não teria
me preocupado em aproveitar o terreno o máximo possível… não precisava de uma casa tão grande. Pensei que era pelo trabalho
de limpar tudo, minha mãe vive reclamando disso. Não, esse granilite mal feito aqui até que é fácil limpar… Eu tinha muitos
requisitos na época, e todos eram prioritários, teria feito algo muito mais simples hoje em dia...pensei numa casa para uma famí-
lia grande, com três filhos. Dois já foram embora e a mais nova nem se formou e não vê a hora de sair. Nesse momento entendi a
falta de entusiasmo para falar de uma casa tão acolhedora.

Sr. Anselmo iniciou o tour pela casa. Primeiro nos apresentou a cozinha, com armários feitos de caixilhos e vidro texturizado,
pelos quais passava a luz de fora: uma solução muito bonita. Esse armário achei que ficou legal! Finalmente um orgulho do Sr.
Anselmo! Enquanto isso, eu tentava tirar fotos com minhas habilidades precárias. O equipamento em modo manual e a lente
errada não ajudaram muito. Em seguida, fomos lá para cima. A sala era muito aconchegante e dava para o terraço onde estava a
empregada quando chegamos. Lá de baixo não dava para imaginar que tinha dois espelhos d’água com carpas e plantas aquáti-
cas. Enquanto eu tirava fotos tremidas e sem foco de coisas que eu achava incríveis, Anselmo falava do quão difícil estava se li-
vrar daquela casa. Já tinha anunciado em um site de vendas voltado para casas zen mas ninguém tinha se interessado. Voltamos
pra baixo, perguntei o que achava do bairro. Ah, é um pedaço verdadeiro de São Paulo! Aqui tem de tudo, tem traficante, tem
estudante, tem travesti, tem rico, tem pobre, tem a Festa do Boi… Comentei do quão lotadas estavam as Festas do Boi agora, que
não era uma coisa tão do bairro mais. Não sei, nunca fui. Eu não saio muito de casa… Falou com o olhar vago, enrolando seu
cigarro. Essa hora eu estava sentada no chão de granilite junto com o cachorro, tinha me dado por vencida na batalha contra a
câmera.

Dei a minha paçoquita e fomos até a porta. Sr. Anselmo, consternado, contava os dramas da vizinha, uma japonesinha que
nem eu, que estava morrendo aos poucos de uma doença terrível. Apesar de o tema não ser dos mais amenos, o melancólico
arquiteto já não estava com cara de poucos amigos. Falou de uma outra casa logo ali que poderíamos visitar, do irmão do Pun-
toni, outro arquiteto da FAU, e que a gente podia voltar lá se precisasse.

AQUI TEM ALMA 33


9.2. PLANILHA DE GASTOS

Item Quantidade Valor Onde observação G


tecido sublimação 100% poliéster (amostra) 1m x 3,5 m (CxL) R$4,98 Niazi Choffi (25 de Março) tecido para forro de cortina (largura do rolo 3,5m) E
Estimativa de uso de tecido p/ instalação* 4m x 3,5 R$19,92 Niazi Choffi não será executada! F
Celofane nacarado 70x90 cm R$4,90 Bairro teste
Lantejoula 1 R$1,50 Bairro teste "
Lâmpada dicróica 1 R$10 Bairro teste
Carimbo em flexografia 1 R$16 Galeria California muito bom, entregam no dia seguinte
Almofada tinta 1 R$6 Galeria California
Fita de LED 5 m (300 leds SMD 5050) R$25 Sta Ifigênia modelo desencapado para facilitar a solda
Baterias 3V 40 baterias (Unidade=R$1,05) R$54 Lojas Americanas frete incluso
impressão relatório (3 cópias erradas, 3 cópias corretas) 37 pág x 6 R$355 Arrisca (Pinheiros) papel pólen 90g, colorido
papel vegetal 180g A4 3 R$3,60 FAU corte não muito preciso
Envelopes e fita adesiva pacote com 10 envelopes R$10 Kalunga
Total gastos (até 15/06/2019) R$510,90

* Devido à falta de tempo e estrutura para alcançar o conduíte, não será executada a instalação

Valor Onde observação Ganhos Valor Tempo execução


R$4,98 Niazi Choffi (25 de Março) tecido para forro de cortina (largura do rolo 3,5m) Edição de vídeos p/ YouTube R$450 2 dias
R$19,92 Niazi Choffi não será executada! Fotografia p/ portfolio R$260 2 dias
R$4,90 Bairro teste
R$1,50 Bairro teste "verba total" R$710,00
R$10 Bairro teste
R$16 Galeria California muito bom, entregam no dia seguinte
R$6 Galeria California
R$25 Sta Ifigênia modelo desencapado para facilitar a solda
R$54 Lojas Americanas frete incluso
R$355 Arrisca (Pinheiros) papel pólen 90g, colorido
R$3,60 FAU corte não muito preciso
R$10 Kalunga
R$510,90

ação

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