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O presente trabalho é um estudo sobre lugares com alma. Em outras palavras, é uma investigação em torno do fator de encan-
tamento que determinados locais são dotados. A palavra alma remete a um conjunto de qualidades abstratas que geram mag-
netismo: sejam características estéticas, históricas ou afetivas. Por lugar, entende-se uma delimitação espacial, independente
da escala, dotada de significado para um indivíduo ou grupo de pessoas. A pesquisa teve como ponto de partida a indagação:
o que faz um lugar ter alma? Por meio de revisão bibliografica, descobriu-se o que já foi falado a respeito com um enfoque na
arquitetura e no urbanismo. Por meio de vivências, chegou-se a um resultado particular. A experiência deu-se, em grande parte,
por meio de entrevistas e visitas, as quais foram tratadas de maneira audiovisual. Como maneira de estabelecer diálogo entre
os participantes e favorecer possíveis interações externas, os resultados parciais foram publicados gradualmente na plataforma
Veja os vídeos aqui: Instagram. A tônica da pesquisa baseou-se em aprendizados práticos e de natureza sinestésica, dessa forma, para um resultado
www.instagram.com/aquitem.alma/
condizente, buscou-se a transmissão dos conhecimentos adquiridos de formas múltiplas.
1. INTRODUÇÃO
Por que às vezes entramos num lugar em que nunca estivemos antes e nos sentimos em casa? Ao caminhar pela cidade, já se
deparou com algum prédio que exerceu um magnetismo anormal, mesmo não sabendo nada sobre ele? Já sentiu uma inex-
plicável curiosidade de adentrar aquela janelinha acesa de noite, mesmo sem conhecer os moradores? O trabalho parte dessas
inquietações banais que vez ou outra acometem os habitantes de uma metrópole cheia de estímulos como São Paulo e sintetiza
na seguinte pergunta: o que faz um lugar ter alma?
Não custa reforçar que a alma a que esse trabalho se refere nada tem a ver com fenômenos sobrenaturais ou aparições de
ectoplasma. A escolha da palavra alma é um convite para sair do registro da racionalidade da matéria e permitir-se embarcar na
sintonia da intuição e dos sentidos. É uma abertura para apreender o mundo com as cores, texturas, cheiros, sabores e sons. E,
quem sabe, algo além disso. Ou tudo isso misturado.
É uma experiência de fruição estética da cidade. Do caminhar e se permitir o arrebatamento de reconhecer o coletivo histórico
representado nas fachadas dos prédios e casas antigos. De visitar alguém e descobrir que aquele pequeno espaço da residência
guarda um universo paralelo já que cada objeto ali contido carrega uma história particular. De saber das coisas mesmo sem
saber, apenas sentindo.
2. OBJETIVO
Este trabalho busca compreender as qualidades abstratas de um ambiente no que diz respeito a sua espacialidade, aos artefatos
que o compõem e as suas dinâmicas. São características que muitas vezes não podem ser vistas ou mensuradas, apenas sentidas.
Apreendidas de forma tão rápida e intuitiva que não passam pelo filtro da razão. Portanto, não cabe ao estudo sistematizar e
racionalizar os resultados obtidos, mas sim transmiti-los também de forma intuitiva, por meios sinestésicos.
3. REVISÃO DE LITERATURA
Sob um enfoque predominantemente voltado para a arquitetura e o urbanismo, estudou-se o que já foi falado sobre a questão
metafísica dos espaços, buscando textos e autores que têm reverberação dentro desta faculdade. Praticamente todas as leituras
foram indicadas por colegas e funcionários do design e arquitetura. Algumas mais de uma vez por pessoas diferentes. Na etapa
anterior, de TCC1, também foram estudadas questões acerca da linguagem audiovisual, o meio escolhido para o registro e
tratamento dos dados da pesquisa.
Primeiramente, buscou-se uma conceituação do que seria entendido como um lugar. Para isso, usou-se como base o texto O
Conceito de Lugar, do arquiteto Luiz Augusto dos Reis-Alves, um compilado das várias definições do termo. Como ponto de
partida, o autor começa por diferenciar e definir os termos espaço e lugar do ponto de vista etimológico usando como base o
dicionário etimológico de Cunha e o dicionário Aurélio:
Espaço: distância entre dois pontos, ou a área ou o volume entre limites determinados1
Lugar: (do latim locālis, de locus) espaço ocupado, localidade, cargo, posição.
1. Espaço ocupado; sítio. 2. Espaço. 3. Sítio ou ponto referido a um fato. 4. Esfera, ambiente. 5. Povoação, localidade, região ou país2
Baseando-se na última definição que pontua que lugar é povoação, localidade ou país, o autor conclui que lugar é o espaço
1 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico nova fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982. apud REIS-ALVES
2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini-Aurélio século XXI escolar: O minidicionário da língua portuguesa. 4ª edição.Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2001 apud
REIS-ALVES
Para Tuan, o lugar se relaciona de três formas distintas com o tempo: o lugar se torna significativo para alguém em função do
tempo ali vivido; o lugar é uma pausa na corrente temporal de um movimento, uma vez que seria a parada para o descanso e sa-
tisfação de necessidades fisiológicas e, por fim, o lugar seria o tempo tornado visível, já que é uma materialização de memórias.
Para Tuan, o lugar pode existir em diversas escalas: um quarto, assim como a casa na qual ele está inserido e a cidade onde a casa
se localiza podem ser chamados de lugares.
Outro estudioso contemplado por Reis-Alves é o arquiteto norueguês Norberg-Schulz. Para ele, “o lugar é a concreta mani-
festação do habitar humano”. E por habitar entende-se algo para além do abrigo, seria algo que o arquiteto chama de “suporte
existencial”.
O suporte existencial (que segundo ele seria o objetivo da arquitetura) é conferido ao homem através da relação entre este e o
seu meio através da percepção e do simbolismo. O autor introduz o conceito de espaço existencial, que “não é um termo lógi-
co-matemático, mas compreende as relações básicas entre o homem e o seu meio” 6
Em análise de Reis-Alves, o lugar é composto por 3 atributos: espaciais, ambientais e humanos. Entre as esferas ambiental e hu-
mana estaria o elemento tempo. Somente com essas três esferas um espaço se tornaria um lugar. Os atributos espaciais seriam
questões de morfologia: as áreas, os volumes, dimensões, planos etc. Os ambientais dizem respeito às características climáticas
naturais: insolação, luminosidade, incidência eólica, sons, odores, umidade etc. Por fim, os humanos agem sobre os atributos
naturais do espaço criando valores e significados e usufruindo dele para suas atividades. Já o elemento tempo exerce influência
sobre os atributos ambientais e humanos, seja na variação de luz ao longo do dia ou na execução de tarefas. Há, ainda, um
último fator que compõe um lugar, que é um fator identitário e próprio de cada localidade, como que a personalidade de um
local: seria a sua essência ou o genius loci, conceito que será abordado no tópico sobre a alma do lugar.
3 TUAN, Yi-fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983 p 151 apud REIS ALVES
4 idem, p 83
5 dem p 4
6 NORBERG-SCHULZ, p19 apud REIS-ALVES
Lugares são fusões de ordem humana e natural e são importantes centros de nossas experiências imediatas do mundo. São definidos menos pela
unicidade, paisagem e comunidades, do que pelo foco de experiências e intenções na intimidade do indivíduo. Os lugares não são abstrações
ou conceitos, mas são fenômenos diretamente experienciados do mundo vivido e, portanto, estão cheios de significados, com objetos reais e
atividades em curso. São importantes fontes de identidade pessoal e comunitária, e são muitas vezes, centros profundos da existência humana
com os quais as pessoas têm vigorosos laços emocionais e psicológicos. Na verdade, nossas relações com lugares são tão necessárias, variadas e, às
vezes, tão desagradáveis como nossos relacionamentos com outras pessoas (HILLMAN, p. X)
De forma geral, todas as definições de lugar apontam para a ação do homem sobre o espaço, seja pela sua presença física ou
simbólica e que pode existir em diversas escalas, desde que tenha um significado para um indivíduo ou grupo de pessoas.
Ainda explorando os conceitos do texto de Reis-Alves, chegamos à idéia de espírito do lugar. O arquiteto e teórico norueguês
Norberg-Schulz pega emprestado da religião na Roma Antiga o termo genius loci e introduz seu uso na arquitetura. Genius
loci, na antiga crença romana, denominava um espírito protetor particular a uma localidade. A arquiteta lituana Jurate Marke-
viciene, em seu estudo sobre o tema, definiu que o genius loci seria “uma qualidade intangível de um local físico, percebido de
maneira física e espiritual” (MARKEVICIENE, p. 2). Para Markeviciene, o espírito do lugar é sempre fruto do acaso, surgin-
do como que espontaneamente pela ação do homem e não podendo ser de forma nenhuma recriado após o seu desaparecimen-
to.7 Dessa forma, essa é uma das interpretações para a alma utilizada no questionamento central deste estudo. Seria a essência
própria de um lugar, sua personalidade, sua identidade.
3.2.2. NÃO-LUGAR
Pode-se chegar também à ideia pretendida de alma por meio da negação de um conceito. Tomando emprestado o termo forja-
do por Marc Augé, o não-lugar seria o oposto de um lugar com alma. Não-lugares seriam espaços padronizados e desprovidos
de identidade, produzidos pelo que o autor chama de supermodernidade.
O não lugar é diametralmente oposto ao lar, à residência, ao espaço personalizado. É representado pelos espaços públicos de rápida circulação,
como aeroportos, rodoviárias, estações de metrô, e pelos meios de transporte - mas também pelas grandes cadeias de hotéis e supermercados. Só,
7 BAPTISTA, Marta. Genius Loci. Disponível em: <http://knoow.net/ciencsociaishuman/genius-loci/>. Acesso em: 19 nov. 2018.
Essa maneira de pensar remonta também ao conceito da filosofia grega antiga conhecido por anima mundi, ou seja, uma
alma fluida que perpassa não apenas os seres vivos, mas todas as manifestações da natureza e do homem. “Não apenas animais
e plantas almados como na visão romântica, mas a alma que é dada em cada coisa, as coisas da natureza dadas por Deus e as
coisas da rua feitas pelo homem.” (p.14)
Isso significa que os psicoterapeutas agora analisarão seus divãs? Eles irão mostrar aos ventiladores do escritório que seus funcionários são autômatos
presunçosos que interrompem os assuntos com uma monotonia fria, passiva/agressiva e cronometrada? Iremos analisar os carros e colocar os
motoristas num estacionamento-creche? Claro que não! Mas irei propor o que podemos fazer com essa visão ampliada de realidade psíquica. (p.17)
Essa visão ampliada a que se refere Hillman é um chamado para voltar a sentir o mundo com o coração. Na psicologia grega
antiga e na psicologia bíblica, o coração era o órgão responsável pela percepção, pelos sentidos e também pela imaginação.
Em suma, sua função era estética (do grego aisthesis = sentir). “ O coração percebe tanto sentindo como imaginando: para
sentir penetrantemente devemos imaginar e, para imaginar com precisão, devemos sentir” (p.17). A abordagem da psicologia
ocidental moderna, ao fragmentar o estudo da experiência de percepção do mundo em uma ordem corpórea e outra de ordem
psíquica, destruiu com a idéia totalizante de alma do mundo. Ao separar o corpo da mente, deslocou-se o centro da consciência
de um indivíduo do coração para o cérebro.
Com o coração, entramos imediatamente na imaginação. Quando o cérebro é considerado o centro da consciência, procuramos localizações
literais, ao passo que não podemos considerar o coração com o mesmo literalismo fisiológico. O movimento para o coração já é um movimento
de poesis: metafórico, psicológico (p. 18).
Segundo o autor, enxergar o mundo como dotado de alma, permite transcender o ego, um eu pequeno, individual e subjetivista, para
uma experiência mais ampla de se entender como parte de uma totalidade por meio de processos sensíveis, portanto, estéticos (p.22).
3.2.4. MA
A arquiteta Michiko Okano, nascida no Japão e criada no Brasil, faz um esforço de tradução do conceito japonês de Ma. É algo
tão banal e entranhado no cotidiano japonês, que, para a realidade desse povo, parece descabido tentar explicar racionalmente
e estabelecer definições. Está presente em todas as manifestações artísticas e no próprio modo de ser dos japoneses. De forma
bastante rudimentar: o Ma é um vazio, um intervalo de tempo ou de espaço. Ao contrário da ideia ocidental, o vazio para os
japoneses não significa ausência, mas sim, um infinito de possibilidades. O vazio tem uma função fundamental dentro do todo.
Ainda em contraste com o pensamento ocidental linear e racional, o Ma não é um fenômeno lógico. É apreendido por todos
os sentidos humanos (às vezes de forma extra-sensorial), por meio da vivência e se dá de diferentes formas para cada um.
A origem do termo é muito antiga e remonta ao espaço vazio destinado à aparição divina, no contexto da espiritualidade
xintoísta. Seria o espaço demarcado por quatro estacas no chão, conectadas por cordas (shimenawa). Uma definição mínima de
lugar. Alguns estudiosos japoneses ensaiaram constatações acerca do Ma:
Ki é um conceito oriental de energia vital que permeia Ma é um espaço vazio, não no sentido de vacuidade, mas prenhe de energia ki” 8 (KEN’MOCHI, Takehiko)
todos os seres e coisas do universo. Conhecida como chi Ma não possui explicação lógica, Ma é justamente porque não possui essa lógica. E quando ela é forçada, o Ma distancia-se da sua essência 9
para os chineses e prana para os indianos.
(KAWAGUCHI, Hideko)
Arata Isozaki, vencedor do prêmio Pritzker de 2019 A exposição organizada pelo arquiteto Arata Isozaki na França chamada Ma: Espace-Temps du Japon (1978) foi um marco na
disseminação desse conceito para o ocidente e o primeiro grande esforço nesse sentido. A cultura japonesa passou a ter bastante
reverberação no mundo artístico ocidental a partir do final do XIX, com a abertura do Japão para o ocidente e as exposições
internacionais. No caso da França, é sabida a influência e o desenvolvimento de um japonismo principalmente nas artes gráficas
do art nouveau, o impressionismo e em gravuristas como Toulouse-Lautrec. Esse intercâmbio deu-se no sentido de incorpo-
ração e adaptação da cultura iconográfica oriental. Tornaram-se populares as manifestações da cultura visual japonesa. Já as
questões de ordem abstrata e, por assim dizer, espirituais do pensamento japonês, permaneciam na penumbra até a exposição
de Arata procurar lançar luz sobre essa questão.
Se a organização do espaço ocidental é dominantemente inscrita pela proporção e regida pelo rigor geométrico e matemático, que se expressa
pela linearidade e simetria, o espaço japonês pode ser distinguido, além de pelo movimento, pela assimetria, aliada ao descentramento e à
organicidade. A rejeição à visão de um observador único, fruto do enfraquecimento do sujeito individual, e a adesão a uma sociedade peculiar
baseada em grupocentrismo refletem-se na linguagem espacial como “lococentrismo”, em oposição ao antropocentrismo, e na preferência por
uma composição dos espaços celulares, em vez da visão panorâmica e totalizante. (OKANO, p. 75)
O documentário, antes de tudo, é definido pela intenção de seu autor de fazer um documentário (intenção social, manifesta na indexação da
obra, conforme percebida pelo espectador). Podemos, igualmente, destacar como próprios à narrativa documentária: presença de locução
(voz over), presença de entrevistas ou depoimentos, utilização de imagens de arquivo, rara utilização de atores profissionais (não existe um star
system estruturando o campo documentário), intensidade particular da dimensão tomada. Procedimentos como câmera na mão, imagem
tremida, improvisação, utilização de roteiros abertos, ênfase na indeterminação tomada pertencem ao campo estilístico do documentário,
embora não exclusivamente. (RAMOS, p.25)
No documentário clássico, que predominou até o final dos anos 50, foi largamente utilizado o recurso do voz over ou voz de
Deus, uma locução detentora do saber do mundo e que é geralmente enunciada com tonalidades grandiloquentes. A partir dos
anos 60, o documentário passa a assumir uma construção dialógica principalmente pelo formato da enunciação, que passa a
ser por meio de entrevistas e depoimentos. Nesse caso, o mundo fala por si só. Muitas vezes, em peças de caráter mais autoral, a
enunciação é feita em primeira pessoa, partindo das próprias experiências de vida do realizador.
Referência: No Brasil, o INCE/1936 (Instituto 1. Ética educativa: estilo dominante é o do documentário clássico: presença de voz over, ausência de entrevistas/depoimen-
Nacional do Cinema Educativo)
tos, uso de cenários ou locação, uso de pessoas comuns como atores. Não encontra dilema em servir-se de propaganda de
determinado conjunto de valores e presta-se justamente a educar a sociedade de massa emergente nos anos 20-30 (RA-
MOS, p. 35)
Referências: Frederick Wiseman e Albert Maysles 2. Ética da imparcialidade/recuo: Surge na segunda metade dos anos 1950. Tem como características principais: a fala
do mundo e o som ambiente. A ideia é que o “mundo deve ser oferecido em uma bandeja para que o espectador possa
assumir de modo integral sua parcela de responsabilidade, seu engajamento.” (RAMOS, p.36)
Referências: Michael Moore (Tiros em Columbine, 3. Ética interativa/reflexiva: Assume a posição de que não é possível ser imparcial. Desta forma, é visto como um aspecto
2002), Jean Rouch (Chronique d’un été, 1961) positivo evidenciar a mão do realizador na obra, em certos casos, de forma literal, sendo o cineasta um próprio perso-
nagem. “A questão ética se desloca inteiramente para o modo de construir e representar a intervenção do sujeito que
enuncia: a ideia é que a construção se revele ao espectador.” (...) “A ética da intervenção valoriza aquele documentário que
se abre para a indeterminação do acontecer, mas flexiona o acontecer do mundo segundo sua crença e o compasso de sua
ação” (RAMOS, p 27). É dentro dessa ética que atuam as duas referências principais para o desenvolvimento deste traba-
lho, Eduardo Coutinho e Agnès Varda.
Referências: Brasil – Carlos Nader, Sandra Kogut, 4. Ética modesta: Uma abordagem sobre a qual paira um certo ar niilista em que o realizador não se sente suficientemen-
Kiko Goifman, Cao Guimarães. Internacionais – te convicto para abordar nenhum aspecto do mundo que não seja ele mesmo. É um documentário que eventualmente
Jonas Mekas, Marlon Riggs, Daniel Reeves, Sadie
Benning, Jonathan Caouette amplia para além do eu, mas sempre mediado pela primeira pessoa e distanciando-se de questões da sociedade. “O sujeito
pós-moderno, não podendo mais adquirir altura para emitir saber, se restringe a vôos modestos, que, em geral, se esgotam
no criticismo dos enunciados de saber” (RAMOS, p. 38).
3.3.2. REFERÊNCIAS
AGNÈS VARDA
A cineasta, ainda na ativa até seu último ano de vida, dirigiu seu primeiro longa aos 25 estreando La Pointe Courte (1955),
uma narrativa inovadora que contrasta o drama amoroso de um casal burguês com a luta por sobrevivência de um vilarejo de
pescadores. Pode ser considerada a vanguarda da vanguarda, já que seu filme precedeu em quase cinco anos obras consideradas
grandes marcos da Nouvelle Vague, como Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut e Acossado (1960), de Jean-Luc
Godard. Apesar de pioneira em muitos aspectos da linguagem cinematográfica da Nova Onda (a produção fora do sistema de
estúdios, filmagem em locações, uso de equipamento de mão, de não-atores, som ambiente), Varda se manteve à margem do
EDUARDO COUTINHO
Bom é o filme que faz pergunta. O filme que dá resposta, joga no lixo (COUTINHO, entrevista ao G1, 2013)
A primeira coisa essencial (para extrair depoimentos tão sinceros) é estar vazio diante dos outros (...) do ponto de vista ideológico, etc,
se colocar vazio para poder receber do outro o que ele tem a dar e a dizer sem que ele seja julgado, sabe. Para que ele seja legitimado (...)
(COUTINHO, entrevista ao G1, 2013)
Eu acho que o que interessa no cinema, documentário ou ficção, é ter um olhar diferente sobre alguma coisa. O tema não é importante. (...) O
que interessa é como você encara o objeto (COUTINHO, Sangue Latino, Canal Brasil, 2013)
Coutinho nasceu em São Paulo em 1933, onde cursou Direito na USP, logo abandonando o curso. Aos 24 anos entrou em
contato com o cinema e documentário na prática estudando em Paris. Retornou ao Brasil engajado no propósito do Cinema
Novo, de levantar temas de relevância social para a conscientização da realidade brasileira. Em 1964 iniciou sua principal obra:
Cabra Marcado Para Morrer, que a princípio, seria um filme de ficção com pessoas reais sobre um líder camponês da Paraíba.
Com o golpe militar o filme foi interrompido e retomado 17 anos depois, já com uma linguagem documental de coleta de
depoimentos dos participantes do filme, sendo lançado em 1984.
Em seu trabalho documental, alguns traços de linguagem se tornaram característicos: uso de depoimentos, enquadramen-
tos fixos, planos longos, ausência de música (exceto quando ambiente ou cantada por algum participante). Assim como não
existe trilha sonora para colaborar com a dramaticidade, também não são usados recursos de câmera para tal. A sua principal
característica é que a potência dramática está focada nas falas, por isso a necessidade dos planos longos e a sobriedade em todos
os outros aspectos.
A importância de Coutinho para este trabalho é seu desejo de compreender o outro com empatia, não de uma posição de
detentor do conhecimento, de cima para baixo. Da atitude de estar aberto, se colocar “vazio” para receber o outro. Estar aberto,
4. METODOLOGIA
De forma geral, enxergou-se o TCC como uma oportunidade para desenvolver habilidades pouco exploradas ao longo do
curso de forma prática. Além disso, foi também uma diretriz interna do trabalho o cuidado de se estabelecer um diálogo com a
realidade circundante e com as pessoas que contribuíram para sua construção. Por experiência própria, provou ser uma ques-
tão desmotivante participar de pesquisas e enquetes de estudos acadêmicos pois, na maioria deles, não houve um retorno dos
resultados obtidos ou uma maneira de acompanhar o seu desenvolvimento. Dessa forma, tentou-se, ao máximo, que tudo fosse
realizado no sentido de troca.
Desta forma, desde o início, existiu a preocupação em compartilhar os resultados parciais com os participantes. Foi princi-
palmente por esses dois motivos que se optou pelo audiovisual: para aprofundamento de questões técnicas pouco treinadas
e também por abraçar uma mídia que talvez esteja se tornando mais popular que os textos, dotada de grande potencial de
comunicação e mais adaptada à base atual de comunicação por smartphones.
É no sentido de transmissão dos resultados com estética (aiesthesis = sentido, sensação) ao invés da sistematização racional, que
também se pensou em sintetizar parte das descobertas do trabalho com a elaboração de uma ambiência efêmera no dia da rea-
lização da banca. Portanto, o audiovisual e a fotografia foram usados como forma de registro da pesquisa, as redes sociais como
tentativa de etabelecimento de um diálogo e, para mostrar os resultados, a idealização de uma instalação. Contudo, devido às
condições de restauro do mobiliário da sala escolhida para intervenção, não se sabe se será possível concretizar a última etapa.
O trabalho teve como ponto de partida uma indagação central: o que faz um lugar ter alma? Com o objetivo de realizar um
levantamento inicial sobre o tema, a pergunta foi feita aos colegas mais próximos em conversas informais. Optou-se pela
abordagem com uso de termos universais para que pudesse ser compreendida e respondida por qualquer pessoa, independen-
temente da sua área de conhecimento ou grau de estudo. Uma boa parte da bibliografia foi levantada nesse momento por meio
de indicações daqueles que mais se sensibilizaram com a proposta.
Num segundo momento, procurou-se registrar essas impressões por meio de entrevistas no formato audiovisual. Um total
de sete pessoas do próprio círculo social foram entrevistadas nos lugares em que consideraram seus favoritos em São Paulo.
A proposta do projeto foi apresentada para a equipe do VideoFAU, que passou a apoiar e contribuir com o trabalho. Com o
envolvimento do VideoFAU, surgiram duas novas possibilidades de entrevistas, que foram realizadas com auxílio no transporte
e na captação. Todo o material foi editado e resumido em uma série de nove vídeos curtos. A edição foi feita no software Adobe
Premiere e, eventualmente, no Adobe After Effects.
Não houve uniformidade na captação, sendo testados vários equipamentos distintos ao longo dos vídeos: emprestados do
VideoFAU, itens próprios ou adquiridos ao longo do tempo. De maneira geral, foi utilizada câmera DSLR própria (Canon
T5, lente 18-55 e 50mm) e o gravador do celular junto com o microfone do fone para a captação dos depoimentos (Samsung
Galaxy J7). O áudio e a imagem, portanto, foram tratados separadamente. Em algumas ocasiões específicas, como inserções
em pixilation, o celular por si só foi suficiente e apresentou uma agilidade maior para a demanda sem perdas significativas de
qualidade.
De início, um retorno aos participantes era feito de forma individual, enviando o vídeo finalizado via Whatsapp assim que a
edição era concluída. Foi uma preocupação ter um feedback dos entrevistados acerca do produto final para saber o nível de
conforto com relação à maneira como foram retratados e também questões técnicas de audiovisual que poderiam ser melho-
radas. Com o objetivo de agilizar esse diálogo, além de fornecer ao participante um panorama mais amplo da sua inserção no
trabalho, foi feito um site com a explicação da proposta e onde foram inseridos os vídeos de todos os participantes até então.
Essa solução se provou pouco eficaz uma vez que o site não possibilitava um diálogo dentro da própria plataforma. Além disso,
por utilizar um template gratuito do servidor Wix.com, a visualização no modo mobile era muito ruim, o que se tornou uma
grande incongruência, visto que a base da comunicação era feita via celular.
Alguns ensaios em html foram feitos com intuito de criar uma interface de melhor navegabilidade e que suprisse às demandas
do trabalho. A falta de conhecimento e vocação para programar felizmente permitiu o vislumbre de uma solução muito mais
simples e eficaz: o Instagram. A plataforma permite o upload de vídeos de até 1 minuto. Desta forma, algumas entrevistas
sofreram um processo de síntese dramática, enquanto outras se beneficiaram pela falta de material visual coletado. A natureza
heterogênea do trabalho, portanto, se beneficiou dessa rede social, que cria um padrão mínimo de um mosaico de mídias no
mesmo formato quadrado. Além disso, a fácil usabilidade e grande permeabilidade dentro do contexto social desse trabalho,
permitiu interações espontâneas que só vieram a agregar. (www.instagram.com/aquitem.alma/)
Oi, meu nome é Marina. Estou fazendo um trabalho de faculdade sobre lugares com alma e achei sua casa muito bonita, você
poderia conversar um pouco sobre ela?
Por meio das entrevistas de pessoas “à paisana”, chegou-se a um conceito abrangente sobre o que faz um lugar ter alma. Tendo
isso em mente, iniciou-se uma busca por uma definição própria de lugar com alma. Para isso, lançou-se mão do método
intuitivo e das circunstâncias. Realizaram-se uma série de derivas à pé, num raio de até 3km da própria residência, no Butantã.
Uma atividade corriqueira, visto o gosto já estabelecido por caminhar pela cidade com o propósito único de fruição estética
da natureza urbana. Nesse caso, contudo, muniu-se de um ímpeto a mais para adentrar as casas de estranhos que, de alguma
forma, exerceram alguma atração. Foram realizadas até então 4 excursões de prospecção, nas quais ocorreram visitas-surpresa de
apresentação com a entrega de um cartão de visita (anexo A) para transmitir maior confiabilidade ao morador. Nesse choque
inicial, após o acionamento da campainha, a interação se deu com a frase em destaque: não foi citado o nome da faculdade nem
as intenções de fazer registros imagéticos dela. Em cada excursão, buscou-se contato com três a seis moradores, obtendo um
êxito em cada expedição.
Em duas das casas, houve um retorno em dias posteriores para o registro visual (em vídeo ou fotografia), por isso a importância
da proximidade geográfica. Na terceira abordagem, pelo fato do bairro ser um pouco mais distante, muniu-se previamente de
câmera e o registro se deu no próprio contato inicial.
4.4. PRODUÇÃO
Acredita-se que, para a viabilização de um projeto, ainda que seja com finalidade didática, é necessário, para além das suas
qualidades argumentativas e estéticas, que seja estudada sua viabilidade no sentido material. Desta forma, a realização de orça-
mentos, pesquisa de materiais e pólos de comércio especializado também fizeram parte do estudo. Em pesquisas informais com
pessoas principalmente do design, arquitetura e audiovisual na USP, foram levantados dados de custo de TCCs para descobrir
como se dava a questão de planejamento financeiro.
Já no caso dos TCCs da FAU, no geral, a maior parte dos custos é dedicada a impressão e encadernação dos cadernos. Em
consulta a cerca de oito colegas, o investimento variou bastante: de R$ 100 a R$ 1000 por unidade. Os altos custos geralmente
estão relacionados a encadernações sofisticadas e ao prazo apertado para sua confecção. Não existe uma tradição de campanhas
de arrecadação nos tccs da FAU. Esse tipo de arrecadação envolve uma publicidade que não é muito natural ao curso e nem ao
caráter de alguns trabalhos.
A título de controle pessoal e como uma oportunidade de treinar o lado mais pragmático do projeto, realizou-se uma planilha
de gastos e de ganhos (apêndice 9.2.). Nos ganhos foram considerados dois trabalhos remunerados, não diretamente relacio-
nados com o TCC, mas decorrentes dele. Esses trabalhos foram experiências complementares de aperfeiçoamento das habili-
dades de edição de vídeo, motion graphics e fotografia. Evidentemente, como “fluxo de caixa”, tem um caráter acessório, já que
desconsidera dados importantes como gasto com transporte e investimentos a longo prazo como tripé e lente, adquiridos no
decorrer do projeto.
4.5. INSTALAÇÃO
A última etapa do trabalho, iniciou-se com a compreensão do espaço destinado à intervenção: a sala 802. Foram levantadas as
medidas e analisadas as possibilidades de alteração perceptiva do espaço com o rearranjo dos elementos do próprio lugar. O de-
safio é realizar acréscimos minimamente invasivos e de montagem e desmontagem rápida, devido à ocupação da sala por outras
bancas. Foi realizada uma pesquisa imagética de referências de intervenções artísticas de natureza imersiva e um esboço de uma
proposta de intervenção. Em paralelo, fez-se uma pesquisa de campo nos grandes pólos comerciais de São Paulo, em busca de
soluções de materiais e preços. Essa etapa ainda estará indefinida até o fechamento do relatório devido às condições de restauro
do mobiliário da sala em questão.
história, memória, lembranças, afetividade, uso e ocupação, sentimento, vivências, vida, sensação, ar do lugar, movimento, amor,
linhagem, intencionalidade, acaso, identificação (“match energético”)
Um resumo dessas entrevistas pode ser visto aqui As entrevistas (apêndice 9.1.) apontaram palavras importantes relacionadas à percepção da alma do lugar. Afinal, para os
https://www.instagram.com/p/Bv2ycx-BUx8/
entrevistados, o que faz um lugar ter alma? De forma geral, o tema história foi quase unânime, seja na forma de lembrança indi-
vidual ou memória coletiva. Para alguns, a alma só existiria num lugar que tenha alguma conexão vivencial corpórea, já outros
conseguem sentir o peso da história e o acúmulo de significados contidos em um local mesmo sem nunca ter pisado nele. Foi
uma resposta comum atribuir grande parte dessa carga de alma do lugar aos objetos nele contidos: um músico, um fotógrafo de
publicidade e uma ceramista talvez tenham maior tendência a enxergar o mundo por meio de artefatos. Por outro lado, as duas
arquitetas entrevistadas deram maior enfoque à espacialidade em si, ressaltando também que as qualidades transcendentais de
um espaço podem vir da intencionalidade, do pensamento projetivo. Houve pessoas que citaram questões fora da curva como
a alma do lugar estar num processo de autoconsciência e também, em emanações da ancestralidade.
Enquanto algumas pessoas tinham total familiaridade com palavras de natureza metafísica e muita fluência para utilizá-las,
outras, encontraram certa resistência ao termo escolhido para denominar as qualidades abstratas de um lugar. Talvez por asso-
ciarem à religiosidade e a fenômenos sobrenaturais, de alguma forma. Ou talvez por não se permitirem sair do registro racional
de pensamento. O que, de forma alguma, tem a ver com falta de sensibilidade, mas sim, com um descompasso terminológico.
O termo alma, para a maioria das pessoas, comunicou da maneira esperada a intenção do trabalho, sem a necessidade de
esclarecimentos adicionais, e suscitou uma resposta dentro do espectro imaginado. Nem todas as pessoas a que a pergunta foi
direcionada souberam como responder com precisão, mas todas elas embarcaram na reflexão e, por vezes, indicaram bibliogra-
fias muito pertinentes.
As casas cuja visita foi bem-sucedida tinham em comum o fato de apresentarem uma relação mais direta com a rua, com por-
tões baixos e alta permeabilidade visual ao invés de muros e grades. No primeiro caso, o contato foi feito diretamente com uma
das ocupantes da casa, que estava no portão. Nos outros dois casos, foi necessário o intermédio da campainha. Os logradouros
como um todo, transmitiam a sensação de convívio e interação, causando sensação de tranquilidade. De forma geral, essa
abertura para a rua foi um motivo decisivo para ler esses espaços como acolhedores e convidativos. Outro fato em comum e
surpreendente foi ter sido convidada para entrar imediatamente após a apresentação inicial. Além disso, houve uma forte iden-
tificação pessoal em todas as três interações. Em todos os casos, a afinidade com o lugar refletiu afinidade com os moradores,
seja num sentido de confluência de ideais ou num âmbito de carreira e interesses.
Além disso, a presença visível da natureza e a fruição estética foram também determinantes para se iniciar um contato. Na pri-
meira e terceira casa visitadas, a questão estética se deu por meio do projeto, visto que havia a mão de um arquiteto por trás das
construções. Já na segunda, o acaso foi o responsável pelo encanto: a passagem do tempo estava visível nos muros inteiramente
cobertos por trepadeiras. Houve ainda uma quarta casa (a visita não se realizou por um desencontro) em que o fator de atração
foi o acúmulo de tempo e história: era um dos moradores mais antigos do bairro.
As tentativas mal sucedidas se deram, em sua maioria, em residências muradas em que o contato se dava por meio de interfone.
Muitas das casas apresentaram campainhas quebradas (ou desativadas) ou simplesmente não tinham campainha. O logradouro
também parecia afetar a receptividade. Em ruas de fluxo intenso de veículos ou de muitas casas muradas, havia um clima hostil
e a sensação geral provocada ao caminhar era de medo. Muito provavelmente, o medo não era só próprio, mas a reverberação
daquele sentido pelos moradores, que viram na fortificação com barreiras físicas uma maneira de se proteger.
É importante notar que talvez o uso do termo alma tenha sido um fator de seletividade importante. Uma pessoa (por interfo-
ne) claramente interpretou alma como uma entidade espiritual maléfica, mostrando-se hostil. Na média, os moradores apenas
recusaram ou não atenderam.
A escolha pela plataforma Instagram aliada ao uso do sistema de busca por indexação, as hashtags, possibilitou um mapea-
mento natural e gradativo das manifestações comerciais relacionadas ao tema lugares com alma. A opção por um perfil de
negócio ao invés de pessoal possibilitou a visualização de dados estatísticos da conta, além do algoritmo privilegiar a visibilidade
entre outras páginas de negócios, propiciando interações inesperadas. Por meio dessas interações, descobriu-se todo um nicho
de mercado “com alma” que aposta no marketing digital via redes sociais. Desde objetos decorativos ligados ao candomblé
até escola de consciência ecossustentável. Posteriormente, começou a se descortinar uma série de arquitetos, decoradores de
interior e fotógrafos com abordagem afetiva, que valorizam o garimpo, a história, a originalidade, o fazer com as próprias
mãos e questões espirituais. Os negócios com alma no nome geralmente são ligados a produtos feitos de forma artesanal, com
materiais naturais. Foi encontrado um negócio do ramo alimentício de produtos veganos, de plantas, decoração de interiores e
moda com abordagem ética e consciente. Além disso, a plataforma facilitou as interações dos participantes e de pessoas de fora,
as quais enviaram comentários e sugestões significativos em “tempo real”.
5.4. INSTALAÇÃO
5.4.1. INSPIRAÇÕES
Para a proposta de instalação, foram pesquisadas algumas referências imagéticas de artistas cuja abordagem apresenta-se ali-
nhada com alguns conceitos estéticos desejados: leveza, passagem do tempo, minimalismo, transparência, efemeridade, névoa,
natureza, materias em sua essência, camadas, reuso, movimento. Muitas dessas temáticas são bastante recorrentes no Japão,
como veremos a seguir:
Ryuji Nakamura
Arquiteto e designer japonês que explora a leveza
dos materiais como tecido e papel. Aposta na
sobriedade do branco.
Tokujin Yoshioka
Designer e artista japonês aclamado pelos trabalhos
que exploram a luz e temáticas ligadas a fenômenos da
natureza. Tem como traços marcantes o uso do branco,
da translucidez e das refrações.
Tunnel of lights
Restauro no túnel Kiyotsu Gorge em área montanhosa
do Japão pelo escritório MAD Architects, escritório
internacional com base na China.
fio de nylon
Módulo luminoso
Foi pensada uma estrutura leve, de tecido semi-
transparente para ser fixada nos conduítes e funcionar perfil U
como uma divisória e como única fonte de luz
MÓDULO LUMINOSO
tecido sublimação
100% poliéster
Projetor
Pensou-se voltar o projetor para o sentido longitudinal da DETALHE: INTERIOR DO PERFIL U
sala para quebrar a sensação de corredor tubo de metal
(peso)
Interruptor
Fita de LED
4 baterias tipo
moeda de 3V (12V)
Este trabalho compactua com a visão de que todos os seres e coisas inanimadas emanam de si energia vital. Tudo no mundo
é decorrente de uma criação: seja da natureza (ou qualquer outra denominação de força superior), seja do homem, ou uma
confluência dos dois. Desta forma, mesmo aquilo que é inerte, desprovido de vida biológica, como uma pedra ou uma caneta,
também tem a potência de comunicar por si só.
Essa visão (chamada de anima mundi por Platão) é predominante na Ásia até os dias atuais e em culturas ditas primitivas e
arcaicas pelos antropólogos. Teve seu período de glória no ocidente no período clássico (Platão, Aristóteles), foi retomada
por alguns expoentes do humanismo renascentista (Marsílio Ficino), e perdida em grande parte com a preponderância de um
pensamento racional oriundo de correntes filosóficas como o iluminismo e o positivismo.
Perder essa abstração que emana de todas as coisas e operar apenas na materialidade racional pode significar um comprometi-
mento do aprendizado, pode fazer secar a fonte de estímulos para a imaginação e cessar a criatividade. A apreensão do mundo
de forma estética não é excludente com a racionalidade. São registros que nos ajudam cada um à sua maneira.
O aprendizado de humanidades, tanto as humanidades puras quanto, neste caso, as aplicadas, se beneficiam muito com as
vivências por meio dos sentidos. Permitem criar conexões únicas, já que cada um sente o mundo à sua maneira e teve um
conjunto de experiências distinto. Muitas vezes, essas criações irão confluir para o mesmo ponto. Mas não é isso que importa, a
beleza talvez esteja no percurso como um todo, não somente na chegada.
Além disso, em milênios de registro da história da humanidade e, dentre todos os bilhões de habitantes da terra, talvez seja
inocência imaginar-se detentor de uma idéia exclusiva, nunca antes pensada. As sensações, por sua vez, são únicas. Não há
ninguém que veja com meus olhos ou sinta através da minha pele. É um passo importante sair do eu pequeno e procurar
conectar-se sensivelmente com as forças do mundo. Entender-se como parte de um todo. Observar que os movimentos cíclicos
não estão somente naquilo que é chamado de natureza (da qual o homem costuma se excluir), mas também dentro da própria
natureza humana. Tudo é movimento e troca: desde os grandes ciclos biogeoquímicos, visões de mundo predominantes nas
sociedades, até os nossos processos intracelulares.
É uma opção interessante para o contexto atual de acirramento dos ânimos conflituosos (inclusive em conflito interno) ob-
servar o mundo em totalidades complementares, ao invés de dualidades que se rivalizam. Eu x outro, razão x emoção, corpo x
mente, teoria x prática, natureza x homem. Aquilo que é diferente de mim, me complementa e me leva a melhor auto-compre-
ensão. A razão sistematiza e facilita a replicação daquilo que outrora foi uma emoção difusa e subjetiva. Às vezes esquece-se que
o próprio sistema nervoso não é composto só de cérebro, mas por todos os nervos sensitivos que perpassam o corpo inteiro.
A teoria pode advir da prática, assim como a prática pode vir da teoria. Por fim, enquanto o homem se rivalizar com as forças
Esse trabalho, portanto, foi um exercício de ouvir, observar e sentir o mundo ao redor, sob o olhar de alguém contextualizado
no âmbito universitário, com um treinamento para a arquitetura e o design, ainda que de forma geográfica e temporalmente
limitada, que permitiu ser expandida por meio da leitura.
No final de tudo isso, o que faz um lugar ter alma? Para mim, é saber sentir.
Agradeço:
à minha mãe Eliane pela sensibilidade e ao meu pai Paulo pelo espírito da bricolagem
aos meus avós Mamoru, Sachiko, Taeko e Jun pela sabedoria
aos amigos Erika Vanoni, Caroline Ploennes, Claudio Luiz, Renata Yoshida, Letícia Almeida e Larissa Nissi pelo apoio
aos colegas José Leonardo Otero Neto, Accacio Mello e Thomas Yuba pelas referências
a todos os youtubers, profissionais e amadores, que dedicaram seu tempo à disseminação do conhecimento
8. REFERÊNCIAS
AUGÉ, Marc. Não-Lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Tradução de Maria Lúcia Pereira.
Campinas, SP: Editora Papirus, 1994
BACHELARD, Gaston. A Poética do espaço. 1958.
BAHIA, Tarcísio. Ausência e presença arquitetônica na cidade contemporânea. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n.
051.05, Vitruvius, set. 2004. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.051/557>
CAMPANHA, Aline Lourenço; ALMEIDA, Eneida de. Territórios da fronteira entre memória e história em São Pau-
lo. Arquitextos, São Paulo, ano 19, n. 217.03, Vitruvius, jun. 2018. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/
read/arquitextos/19.217/7021>.
OS CATADORES e eu. Agnès Varda. França: _ 2000. (82 min)
COLÓQUIO Cidade e alma, perspectivas. São Paulo: Videofau, 2017. (242 minutos). Disponível em: <http://intermeios.fau.
usp.br/midia/4876800>
EDIFÍCIO Master. Eduardo Coutinho. Rio de Janeiro: VideoFilmes, 2002. (110 min.) YouTube. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=anYgvkAgMXU>
9.1. VISITAS
Para sintetizar o relatório, foram suprimidas as transcrições integrais das entrevistas. Na primeira parte, o enfoque foi dado
às respostas à pergunta central e na segunda, optou-se pelo registro por meio de relato, já que apenas uma das entrevistas foi
devidamente registrada em áudio.
Fomos descendo a ladeira. Pensei em tocar a campainha de uma casa bem comum, mas que se destacava pela presença de uma
árvore frondosa cheia de flores. Fiquei hesitante, seguimos reto. Uns passos adiante, me lembrei do porquê estávamos ali.
Aquela casinha estreita que mais parecia uma cabana de madeira sempre me chamou atenção no meio das alvenarias pintadas.
Uma construção discreta coroada com uma peculiar cisterna de concreto em forma de icosaedro e ornamentada por uma
luxuriosa bananeira. Aproveitei que havia uma moça segurando um bebê no alpendre e, com toda a cara de pau que consegui,
iniciei o contato. Em meio à barulheira do cachorro defendendo sua propriedade, me esgoelei da forma mais delicada possível:
é um trabalho de faculdade sobre lugares com alma, é que achei sua casa bonita, podemos conversar!? A moça pediu um mo-
mento e se recolheu. Para a minha surpresa, em seguida, surgiu a dona da casa e, sem questionar, abriu o portão e nos coloco
para dentro. Vencemos a barreira canina e adentramos a casa.
A sensação foi de encantamento: me senti transportada para um lugar bucólico fora de São Paulo. Tudo era diferente: o ar, a
luz, a temperatura, as texturas, as cores, até o silêncio era diferente, não tinha um zumbido maquínico. De fora, era impossível
imaginar que na sala de estar tinha um fogão de lenha e vista para uma mini-floresta. O que mais me encantou, contudo, foi a
cozinha: encaixada dentro de um arco auto-portante, toda iluminada por um rasgo de luz zenital.
A dona da casa, também Marina, já foi explicando tudo: que na verdade não era a dona, o dono mesmo era o arquiteto que
pensou em toda a casa, que era uma reforma, e até botou a mão na massa em diversas partes. Pelo carinho dedicado na cons-
trução, Tomaz, o arquiteto, ao se mudar para o interior, fez um rigoroso processo seletivo para os ocupantes da casa. Marina e
seu marido, um casal de biólogos, provaram ser as pessoas capazes de entender as dinâmicas de uma Casa Viva. Viva porque as
coisas estavam em constante ciclagem e reuso lá dentro, viva pela madeira ser um tecido da natureza, pelas paredes pintadas de
cal, um pigmento biodegradável, por permitir o controle do conforto ambiental por meio das plantas, pela iluminação natural
usada de forma inteligente.
Saí de lá impressionada com o universo que tinha se aberto diante dos meus olhos e com conceitos que nunca tinha parado
No dia seguinte voltei a Casa Viva para fazer um registro desse encontro e notei que o que fazia a rua ser diferente e eu me
sentir bem nela era o fato de que havia uma relação de vizinhança muito forte ali. Muitas das casas tinham alpendres onde os
moradores ficavam sentados lendo ou observando o movimento, havia conversas na rua, havia crianças brincando nos quintais
e nenhuma casa tinha muros ou grades altas.
Estávamos passando por uma grande praça verde quando avistei na esquina uma casinha de vó coberta de trepadeiras. Já tinha
tentado entrar em uma dessas antes, mas a vó em questão não estava a fim de papo. Essa casa, no entanto, era convidativa
demais para eu não tentar. A única fachada não dominada pela vegetação era a principal, pela qual dava para ver o rosado da
parede e os bibelôs do lado da porta. Sem pensar duas vezes, apertei a campainha, sinalizada com uma placa no meio dos matos
todos. Foi uma quebra de expectativa o moço jovem que apareceu na janela, com cara de recém-acordado. Fiz a apresentação de
sempre do portão e ele apareceu na porta, de pijama.
Sem delongas, também nos convidou para entrar. Ultrapassamos as barreiras caninas, dessa vez em dupla e dentro de casa, e
nos sentamos na cozinha. O anfitrião gentilmente nos ofereceu água. Pegou dois copos da pilha de louça e lavou-os. O filtro
de barro estava quase seco, foi necessário dar uma leve inclinada para encher os copos. Daniel ainda estava se adaptando à casa
da mãe, mas tratou de dar uma personalizada no espaço. Em meio a cristaleiras antigas, quadrinhos decorativos e luminárias
âmbar, podiam ser vistos cartazes de filmes antigos aqui e ali. Dentre essa profusão de objetos à vista, o que mais me chamou
a atenção foi a guitarra branca na sala de estar. Eu particularmente sinto que os instrumentos musicais têm uma magia a mais
Chamei de novo o Luís para me dar um apoio moral. Já saí de casa preparada, com as paçoquinhas e a câmera na mochila.
Andamos até chegar numa curiosa casa térrea de fachada em estilo art déco, dificilmente identificável pela quantidade de vasos,
suculentas, arbustos, palmeiras, cipós e toda a sorte de vegetais tampando sua vista. Tenho um gosto particular pela pátina e
por uma certa decrepitude das paredes descascadas. Acho que no meu inconsciente devo entender como um indício de muitas
histórias acumuladas. A casa não tinha campainha, mas a porta estava aberta. O morador, que estava assistindo tv, entreviu a
movimentação e veio até o portão.
Era um jovem bem alto e magro. Depois de me apresentar, ele respondeu: meu pai é um morador muito antigo do bairro, o
nome dele é Mauro. Acabou de sair, mas ele gosta muito de falar com o pessoal, pode aparecer aqui de novo que ele explica tudo!
Tive a impressão de já conhecer aquele rapaz, que mora só com o pai numa casinha pitoresca. Uns passos adiante me lembrei:
já entrei nessa casa! E esse moço grande ainda era uma criança! O sentimento de tia idosa tomou conta de mim. Não só já entrei
como passei muito tempo olhando fotos velhas e ouvindo histórias de um dos moradores mais antigos do Morro do Querose-
ne. Tudo isso para um trabalho de paisagismo, nos tempos de arquitetura.
Continuando a deriva, entrei numa rua com casas maiores e mais abastadas. As construções ali pareciam ter um pensamento
projetual maior: algumas mais para modernistas, outras mais para chalé campestre. Uma modernista me chamou particular
atenção: tinha a cara da FAU, mas numa escala humanamente aconchegante. Além disso, havia o simpático detalhe de ter um
carrinho de rolemã cuidadosamente pintado em cores primárias pendurado na parede da garagem. Estava inclinada a me apro-
ximar quando um carro acionou o portão automático e estacionou lá dentro. Era a diretora da FAU que estava dirigindo, do
lado ia o marido. Como instinto, fingi que não estava olhando e passei reto, totalmente dissuadida do meu propósito inicial.
Na semana seguinte, sem grandes planejamentos, voltei pra visitar o Sr. Mauro e o filho Gabriel também com o parceiro
Sr. Anselmo estava com cara de poucos amigos, mas nos convidou para entrar e sentar no sofá. O que vocês querem saber? Per-
guntei quem tinha projetado a casa. Fui eu… Respondeu sem empolgação. Mas hoje em dia teria feito tudo diferente, não teria
me preocupado em aproveitar o terreno o máximo possível… não precisava de uma casa tão grande. Pensei que era pelo trabalho
de limpar tudo, minha mãe vive reclamando disso. Não, esse granilite mal feito aqui até que é fácil limpar… Eu tinha muitos
requisitos na época, e todos eram prioritários, teria feito algo muito mais simples hoje em dia...pensei numa casa para uma famí-
lia grande, com três filhos. Dois já foram embora e a mais nova nem se formou e não vê a hora de sair. Nesse momento entendi a
falta de entusiasmo para falar de uma casa tão acolhedora.
Sr. Anselmo iniciou o tour pela casa. Primeiro nos apresentou a cozinha, com armários feitos de caixilhos e vidro texturizado,
pelos quais passava a luz de fora: uma solução muito bonita. Esse armário achei que ficou legal! Finalmente um orgulho do Sr.
Anselmo! Enquanto isso, eu tentava tirar fotos com minhas habilidades precárias. O equipamento em modo manual e a lente
errada não ajudaram muito. Em seguida, fomos lá para cima. A sala era muito aconchegante e dava para o terraço onde estava a
empregada quando chegamos. Lá de baixo não dava para imaginar que tinha dois espelhos d’água com carpas e plantas aquáti-
cas. Enquanto eu tirava fotos tremidas e sem foco de coisas que eu achava incríveis, Anselmo falava do quão difícil estava se li-
vrar daquela casa. Já tinha anunciado em um site de vendas voltado para casas zen mas ninguém tinha se interessado. Voltamos
pra baixo, perguntei o que achava do bairro. Ah, é um pedaço verdadeiro de São Paulo! Aqui tem de tudo, tem traficante, tem
estudante, tem travesti, tem rico, tem pobre, tem a Festa do Boi… Comentei do quão lotadas estavam as Festas do Boi agora, que
não era uma coisa tão do bairro mais. Não sei, nunca fui. Eu não saio muito de casa… Falou com o olhar vago, enrolando seu
cigarro. Essa hora eu estava sentada no chão de granilite junto com o cachorro, tinha me dado por vencida na batalha contra a
câmera.
Dei a minha paçoquita e fomos até a porta. Sr. Anselmo, consternado, contava os dramas da vizinha, uma japonesinha que
nem eu, que estava morrendo aos poucos de uma doença terrível. Apesar de o tema não ser dos mais amenos, o melancólico
arquiteto já não estava com cara de poucos amigos. Falou de uma outra casa logo ali que poderíamos visitar, do irmão do Pun-
toni, outro arquiteto da FAU, e que a gente podia voltar lá se precisasse.
* Devido à falta de tempo e estrutura para alcançar o conduíte, não será executada a instalação
ação