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Wounds of passion
Charlotte Lamb
CAPITULO I
Projeto Revisoras 2
Charlote Lamb – Verão em Veneza
(Sabrina 869)
— Você também, Patrick. Algumas semanas de sol só lhe farão bem, pode acreditar.
Patrick fixou os óculos escuros para a ponta do nariz e admirou o céu muito azul, sem uma
única nuvem.
— Sim, ando muito cansado. Aliás, por isso estou aqui. Para passar algumas semanas bem
calmas e sossegadas.
Patrick frisou as últimas palavras para se fazer entender, mas Rae nem se deu conta.
— Você jamais encontrará paz e sossego num hotel em Nice, meu caro. Venha comigo para
Bordighera. Lá, sim, terá toda a tranqüilidade do mundo para relaxar. E quem mandou
convidá-lo foi Alex. Ele e Suzan-Jane adoram ter a villa repleta de amigos e andam
ansiosos para conhecê-lo desde que mencionei o seu nome pela primeira vez.
Patrick colocou a mala no chão, prevendo uma discussão pela frente. Quando Rae punha
uma idéia na cabeça, vencia o adversário por cansaço. Nunca desistia. Daquela vez, porém,
ele não estava disposto a dar-lhe a menor chance.
— Não, obrigado, Rae. É muita gentilezas deles me convidarem, mas já fiz reservas no hotel
e agora não há como cancelar.
— Claro que há, Patrick! Olhe, a villa é muito tranqüila e confortável, nem se compara a
certos hotéis de hotéis de Nice. Podemos ligar de lá mesmo, quando chegarmos e can celar
a sua reserva. Pela autopista em poucas horas estaremos em Bordighera.
Patrick suspirou, munindo-se de paciência. Rae sempre tivera aquela mania de tomar as
decisões por ele e se até então ele evitara contrariá-la fora só porque a admirava muito.
Com apenas vinte e oito anos e a aparência de uma garota, Rae se tornara uma escritora de
grande sucesso. Seus livros infantis eram sensíveis, originais e inteligentes como a autora.
Muito antes de conhecê-la e ser convidado para ilustrar a nova série de publicações em que
Rae trabalhava, Patrick já era seu fã.
Mas Rae também tinha uma energia incrível e gostava de comandar a vida das pessoas ao
seu redor. Especialmente a dele e o problema era que Patrick não queria mais ser
manipulado por mulher alguma no mundo. Bastava-lhe uma experiência má.
Decidido, Patrick ergueu a mala do chão, dando o encontro por encerrado.
— Bem, agradeça aos seus amigos, mas realmente, prefiro ficar sozinho no hotel. Não ando
com disposição para conversas sociais e coisas do tipo.
— Oh, Patrick, você deve vir comigo para a villa. Lá terá chance de descansar e...
— Rae! Quer parar de tomar conta de mim, sim?
Diante da explosão, Rae pousou nele seus olhos escuros e cheios de vida.
— Desculpe, Patrick. Eu estava mesmo?
— Estava. E, por favor, pare com essa mania. Posso cuidar da minha vida sozinho, eu
agradeço.
Ele se virou, mudou a mala de mão, e seguiu para o terminal de táxis. Esperava que
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daquela vez Rae tivesse entendido a mensagem, mas enganou-se. Dois segundos depois ela
se encontrava caminhando ao lado dele.
— Graham me contou tudo sobre você e Laura, Patrick. Oh, eu lamento tanto...
— Esse abelhudo do Graham fala demais, sabia?
Ele havia almoçado com Graham no dia seguinte ao rompimento de seu noivado com
Laura. Muito magoado ainda, passara o tempo todo falando na ex-noiva e Graham o dei-
xara desabafar à vontade. Agora Patrick se arrependia de ter-se exposto tanto.
Virou-se para Rae, cheio de irritação.
— Aposto como você também já contou tudo aos seus amigos americanos, daí eles terem
me convidado para ficar na villa. Pois bem, Rae. Não preciso da simpatia deles e menos
ainda da sua. Não sou o primeiro sujeito a levar o fora da noiva e nem serei o último, OK?
Não vou morrer disso, eu lhe garanto.
— Claro que não, Patrick! — Rae quase se ajoelhou em plena rua. — E juro como não contei
a ninguém mais sobre Laura!
— E não mencione mais esse nome na minha frente!
Patrick não suportava conversar sobre Laura, ainda assim não conseguia parar de pensar
em Laura. Oh, céus! Quanto tempo levaria para se livrar daquele tipo de dor? Se fosse igual
a uma dor de cabeça ou uma enxaqueca, duas aspirinas e algumas horas de repouso
resolveriam o seu caso. Mas não. Contra aquele tipo de sofrimento não existiam pílulas
eficientes. E muito menos se podia calcular seu tempo de duração.
Finalmente, com Rae pendurada em seu braço e falando sem parar, eles chegaram ao
terminal de táxis. Não havia um único disponível. Patrick olhou para ambos os lados e
jogou a mala no chão.
— Droga!
— Pretende esperar?
— Claro!
— Pode levar horas, Patrick! Por que ao menos não me deixa lhe dar uma carona até o seu
hotel?
Ele hesitou e com Rae era sempre fatal hesitar. Ela passou o braço em torno do dele para
atravessarem a rua e parou diante de um Fiat vermelho estacionado do outro lado.
Enquanto ela destrancava a porta, Patrick decidiu colocar os pingos nos iis.
— Só irei se você prometer não fazer mais perguntas, Rae.
— Combinado, Patrick. Não vou nem mencionar o nome de Laura.
E mais uma vez ela o mencionara.
Oh, Laura, Laura... O simples som daquele nome abria uma nova ferida no coração de
Patrick. Como ela pudera maltratá-lo tanto?
Quando jovem, ele nunca tivera problemas para conquistar garotas, ao contrário, elas não
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o deixavam em paz. Apesar de não se considerar nenhum galã de cinema, bem cedo
percebera que possuía aquele "algo mais" capaz de virar a cabeça do sexo feminino.
Poderia creditar o sucesso aos seus um metro e noventa de um físico bem proporcionado,
ombros largos, peito amplo e coxas musculosas. Ou ao seu cuidado no se vestir e manter
um bom corte de cabelos. Mas Patrick preferia atribuir o charme ao seu temperamento
alegre, sociável e comunicativo. E nunca levara nenhum namoro a sério até conhecer Laura
e se apaixonar perdidamente por ela.
Grande tolo! Desde o início ele tivera provas de que esse amor não era retribuído com a
mesma intensidade. Laura sempre se mostrara fria e distante, um desafio para quem se
acostumara a ter quantas garotas desejasse.
Na troca do primeiro olhar, Laura fizera seu coração disparar alucinadamente dentro do
peito. E em virtude dessa reação estranha, nunca sentida antes, Patrick descobrira estar
apaixonado.
Em pouco tempo ele descobriu também, que Laura não tinha só aparência fria; ela era
inteira gelada, por dentro e por fora. Muito bonita e inteligente, acostumada ao assédio dos
homens, Laura não se parecia em nada com suas antigas namoradas. Enquanto elas
adoravam mimá-lo, lavando, limpando e cozinhando para ele, Laura se dizia sempre
ocupada, dirigindo o próprio negócio, uma agência de relações públicas.
Além disso, Laura odiava serviços domésticos. Em geral eles jantavam fora e quando
ficavam em casa, no apartamento dele, claro, quem preparava as refeições era Patrick.
Mas ele não se queixava. Homem meticuloso e prático, Patrick gostava de manter o
apartamento na mais perfeita ordem. Também era hábil com as mãos, fosse pintando,
esculpindo ou cuidando do serviço doméstico. Sempre tivera muita paciência com objetos e
com pessoas. Sentia um enorme prazer num serviço bem feito e mais ainda quando se
tratava de agradar Laura.
Laura... Aquele nome um dia soara como música em seus ouvidos. Laura fria como as
manhãs de inverno e distante como o horizonte azul-escuro, diante de seus olhos.
Durante muito tempo, Patrick idealizara um tipo ideal de mulher, aquela com quem um
dia se casaria. E quando vira Laura pela primeira vez, quando mergulhara o olhar nos
lindos olhos verdes de gata, nos cabelos dourados e no corpo esguio e elegante, percebera
que ela correspondia com perfeição à imagem de seus sonhos.
Então, certa vez perguntara se ela também tinha um sonho semelhante.
— Claro que sim, Patrick! Quem não sonha? O meu homem teria de ser alguém disposto a
dividir tudo comigo. Meio a meio. P»r exemplo, quando eu chegasse em casa cansada, ele
correria preparar o nosso jantar. Depois, quando eu tivesse de trabalhar até tarde, ele iria
ao supermercado. Ah, e principalmente, nunca me obrigaria estar sempre à disposição
dele, como fazia meu pai em relação à minha mãe. Céus! Mamãe mais parecia uma
empregada, de cá para lá, servindo seu senhor e patrão. Comigo não será assim. Muito
cedo tomei a decisão de jamais concordar com um relacionamento desse tipo.
Patrick ouvira cada palavra com atenção e se empenhara em ser o homem dos sonhos de
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Laura. Como fora estúpido! Ainda assim ela o deixara. Bem, pelo menos, servira de lição.
Nunca mais se submeteria aos caprichos de mulher alguma nesse mundo. Pessoas
submissas eram sempre pisoteadas.
Laura não tinha tempo para o amor porque o trabalho lhe absorvia toda a energia e
atenção. Era com essa desculpa que Patrick se iludia enquanto esperava inutilmente o dia
de ver as emoções geladas se derreterem e uma Laura ardente e apaixonada surgir em seus
braços.
De fato, elas acabaram se derretendo, mas não por ele. Por um fazendeiro rude de
Yorkshire, um verdadeiro homem das cavernas, um machista totalmente oposto ao
príncipe maravilhoso dos sonhos de Laura.
Patrick ainda não se refizera do choque. O que Laura, uma mulher bela, sofisticada e
inteligente, podia ter em comum com aquele brutamontes incapaz de sentimentos ternos e
gentis? Ele mal podia imaginar Josh Kern tirando as próprias botas, quanto mais
cozinhando ou indo ao supermercado!
Logo ao conhecer Kern, Laura não poupara críticas aos maus modos do fazendeiro,
salientando o quanto o detestava. E Patrick ingenuamente acreditara até surpreendê-lo um
dia no apartamento de Laura e notar o olhar trocado por ambos.
Percebeu de imediato o que se passava. Nem foi preciso ouvir dos lábios de Laura a
confirmação. No olhar, no rosto, através do corpo inteiro, ela demonstrava o quanto estava
apaixonada.
As lembranças doeram e Patrick apertou o maxilar com força. Ao lado dele, Rae percebeu
sua tensão e tocou-lhe a mão com carinho.
— Oh, Patrick; não fique assim. Detesto vê-lo tão deprimido.
— Pelo amor de Deus, Rae! — Ele puxou -o braço irritado. — Quantas vezes tenho de
repetir para você me deixar em paz?!
Rae não respondeu, mostrando-se magoada. Antes ela não tivesse ido ao aeroporto, Patrick
pensou. Fizera aquela viagem para ficar sozinho e sossegado e agora tinha de aturar
justamente aquela mulher.
— Qual é o seu hotel, Patrick? — Rae perguntou de repente. — Ah já sei! Um daqueles
antigos do século XIX, com lindas sacadas de ferro batido, certo?
Evidentemente ele não ficaria em nenhum hotel luxuoso e Rae sabia disso. Exibindo um
meio sorriso, Patrick decidiu esquecer o mau humor.
— Engraçadinha. Como está indo o novo livro, Rae?
— Otimamente.
Rae aceitou a mudança de assunto e começou a falar sobre seu trabalho, algo que sempre
fazia com entusiasmo.
Patrick a considerava um gênio da literatura infantil. Rae escrevera seu primeiro livro
quando ainda estava na universidade. Tratava-se de um conto de fadas moderno, que logo
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aguardando-o no carro com seu sorriso alegre e os cabelos curtos despenteados pelo vento.
— Você está pronto?
Patrick comprara uma pequena valise de mão onde colocara duas mudas de roupa para o
fim de semana. Jogou-a no banco de trás do carro e em seguida partiram sob um céu muito
azul e um sol escaldante.
Exceto pela demora na fronteira, a viagem foi rápida e bela com a estrada contornando a
costa do Mediterrâneo.
Rae dirigia bem, embora falasse o tempo todo sobre suas idéias a respeito das ilustrações
do novo livro.
— O que pretende fazer quando terminarmos essas ilustrações, Patrick? Voltar para York?
Patrick pretendia ficar a quilômetros de distância de qualquer lugar onde pudesse se
lembrar de Laura. Se voltasse a York, onde vivera durante os últimos anos, fatalmente
cruzaria com ela.
— Não — respondeu secamente. — Estou pensando em morar na Itália.
— Na Itália?!
Ao ver o olhar surpreso de Rae, Patrick sorriu consigo mesmo. Era exatamente essa a sua
intenção dali em diante. Surpreender as pessoas em suas menores ações.
Minutos após terem cruzado a fronteira, percorriam a auto-estrada para Bordighera.
Atravessaram a antiga cidade e desceram a costa em direção ao mar. Rae parou junto a um
enorme portão de ferro, digitou alguns números num painel de metal e quando o portão se
abriu eletronicamente, eles entraram por alameda orlada de ciprestes, oliveiras e
primaveras.
À medida que se aproximavam da villa, Patrick foi arregalando os olhos, visivelmente
impressionado. Ela era enorme, construída em vários níveis, uma profusão de paredes
brancas, telhados vermelhos e janelas com batentes de madeira escura e venezianas
pintadas de preto. Junto a casa erguia-se um pinheiro cujas pinhas se espalhavam pelo
chão de pedra do pátio. Gerânios floridos se debruçavam para fora dos vasos, um gato
amarelo dormia no tapete da porta da frente e canteiros de rosas e alfazemas enriqueciam
o ar com suas fragrâncias. Patrick nunca estivera numa propriedade tão encantadora.
— Não parece magia? — Rae perguntou-lhe, sorrindo.
— De fato é linda.
Os Holtner saíram para recebê-los, ambos extremamente simpáticos e hospitaleiros. Alex
era muito alto e magro, com bigode e cabelos ruivos, aparentando uns quarenta anos.
Suzan-Jane, bem mais jovem, possuía longos cabelos pretos e exibia todas as suas curvas
sedutoras dentro de um biquíni minúsculo.
— Olá pessoal! — Alex estendeu a mão para Patrick. — Bem-vindos à villa. Estávamos
ansiosos para conhecê-lo, meu rapaz. Rae nos falou muito a seu respeito.
— Como vão? — Patrick respondeu, tentando não olhar para o corpo bronzeado da esposa
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A respiração de Patrick voltou ao normal mas ele sentiu raiva como se a moça o tivesse
enganado deliberadamente.
Entretanto, a estranha continuou olhando para ele, com um meio-sorriso nos lábios
carnudos. Tinha os olhos muito azuis e não verdes e o rosto em forma de coração
terminando em linhas suaves no queixo. E ela era muito jovem, com pouco menos de vinte
anos. Se o corpo tinha incrível semelhança com o de Laura, as feições eram completamente
diferentes, bem mais frágeis e delicadas.
Frustrado, Patrick se virou de costas e terminou de beber o vinho, largando o copo sobre
uma mesa. Quando ia afastar-se, ouviu uma voz gentil atrás de si.
— Venha dançar comigo.
Ele soube que era ela antes mesmo de virar-se para se certificar. A voz alegre e jovial tinha
um sotaque distinto. Americana, Patrick pensou. Seria parente de Alex? Durante o almoço
os Holtner haviam mencionado uma sobrinha jovem, estudante de arte em Florença, que
viria para a festa.
Mas ele nem prestara muita atenção na conversa, alheio a tudo e a todos.
Ela o tocou de leve no braço, curvando os lábios num sorriso incrivelmente sedutor.
— Você fala inglês? —perguntou-lhe suavemente.
Num primeiro impulso, Patrick se viu tentado a dançar com a moça. Poderia fingir, só por
um instante, enquanto tivesse aquele corpo delicado nos braços, que ela era Laura. Seria
tão fácil...
Então ele encarou os olhos azuis, aguardando ansiosos por sua resposta e sentiu desprezo
por si mesmo.
— Obrigado, eu não danço — disse bruscamente e se afastou.
Teria sido loucura, Patrick disse a si mesmo misturando-se aos convidados. Jamais
esqueceria Laura daquela maneira. E nunca se perdoaria por ter usado aquela garota
meiga em suas fantasias. Ela era tão jovem com aquela pele de pêssego, cabelos sedosos e
loiros, o olhar radiante e expressivo. E possuía uma sensualidade inconsciente na maneira
de andar e erguer os lábios carnudos quando sorria.
A semelhança dela com Laura o deixou deprimido e inquieto, sem a menor vontade de
continuar na festa. Cruzando o jardim discretamente, ele chegou à praia, livrou-se dos
mocassins e caminhou durante algum tempo. Então sentou-se na areia para ouvir o
barulho das ondas e ficou ali uma meia hora antes de se levantar e voltar para a villa.
A maior parte dos convidados se encontrava ao redor da piscina, comendo e bebendo.
Evitando as luzes, Patrick deu um jeito de entrar na casa sem ser visto e subiu para o seu
quarto onde se despiu e deitou-se nu devido ao calor.
Dormia há algum tempo quando foi acordado pela entrada intempestiva de dois homens
em seu quarto. Totalmente atordoado, Patrick se sentou e olhou para eles com irritação.
— Que diabos vocês querem aqui?!
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Os intrusos o fitavam com apreensão, como se esperassem dele alguma atitude violenta. E
usavam uniformes da polícia, o que o deixou mais confuso ainda.
— Você é Patrick Ogilvie? — um deles perguntou.
— Sim, sou eu mesmo. Quem são vocês? O que está acontecendo? Por que entraram em
meu quarto no meio da noite?
— Sou o brigadeiro Saltini dos Carabinieri, a polícia italiana. Há quanto tempo está em sua
cama, sr. Ogilvie?
Patrick deu de ombros, sem entender o motivo da pergunta.
— Sei lá, eu estava dormindo. Umas duas horas, talvez.
— Tem certeza? Não teria vindo se deitar há apenas uma hora?
— Não, já faz mais tempo. Por quê?
— Bem, queira se levantar e se vestir para nos acompanhar à delegacia, por favor.
Patrick não se moveu.
— Não sem antes me dizerem o que está se passando. Por que diabos...
— Uma garota foi atacada na praia.
— Atacada? — Patrick o fitou incrédulo. — Foi Rae? O brigadeiro balançou a cabeça.
— Não, o nome dela era outro. Trata-se de uma americana de cabelos loiros, uma
convidada da festa. Você esteve falando com ela, não? Lembra-se disso?
— Sim, eu me lembro e... — Patrick arregalou os olhos.
— Então foi aquela garota?
O policial balançou a cabeça, confirmando.
— E você foi visto encarando-a. Algumas testemunhas afirmaram que não tirava os olhos
dela enquanto ela dançava.
— Porque ela me lembrou alguém que conheço, só isso.
— Patrick pensou em Laura e em seguida tratou de afastá-la da mente. — Então a moça foi
atacada... Ela era tão jovem e... — De repente ele compreendeu o que se passava. — Ei! Eu
mal falei com ela! Por que precisam conversar comigo?
O brigadeiro o encarou seriamente ao responder.
— Porque a descrição do atacante nos dada pela moça, coincide exatamente com a sua.
CAPÍTULO II
Passados dois anos do incidente, de vez em quando Patrick ainda tinha pesadelos com os
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momentos seguintes à invasão de seu quarto pelos guardas. As cenas horríveis se repetiam
seguidamente em seus sonhos e ele acordava suado e sem ar.
Naquela noite o brigadeiro o deixara sob a supervisão do subalterno enquanto ele se vestia
ás pressas, pegando o primeiro jeans e camiseta limpos. Tivera de calçar um outro par de
sapatos já que os mocassins usados na festa haviam sido requisitados pela polícia como
prova circunstancial.
Até para ir ao banheiro lavar o rosto e se pentear, ele precisara da permissão do brigadeiro.
Mas tivera de deixar a porta aberta e aturar o olhar curioso do subalterno. —Você tem de
ficar aí parado me olhando? — ele se irritara. — São as ordens, signore.
Patrick sabia que era inocente ainda assim não conseguia relaxar, atormentando-se com
uma série de perguntas sem respostas. Por que a garota dera a descrição dele? O que acon-
teceria? Para onde o estavam levando? O que ele deveria fazer?
— Muito bem, vamos embora.
O encarregado o levara para fora do quarto e ao passarem pelo oficial, Patrick o escutara
murmurar algumas palavras em italiano.
— Mi dispiace molto per lei.
Eu sinto muito por você. Somente mais tarde ele entenderia o significado exato daquelas
palavras.
Céus! Ele estava preocupado, apavorado e acima de tudo com raiva. Com muita raiva. Não
fizera nada e não compreendia por que o tratavam daquela maneira.
No andar de baixo o clima de festa não existia mais. Reinava na sala um silêncio de velório
quando ele desceu as escadas escoltado pelos guardas e passou entre os convidados.
Mesmo se sabendo inocente, Patrick enrubescera. Os olhares deles o fizeram sentir-se
culpado.
Foi quando ele deu conta de um fato perturbador: ninguém acreditava em sua inocência.
Um suor frio começou a escorrer em sua testa.
Alex Holtner se encontrava no jardim, sentado num banco, muito pálido e desfigurado. Ao
vê-lo, fez um movimento para se levantar, mas foi impedido pela mulher que o segurou
pelo braço.
Diante da casa, Patrick contou pelo menos cinco viaturas da polícia e uma dezena de
guardas circulando de um lado para o outro. Enquanto ele era conduzido a um dos carros,
Rae passou por ele num outro carro da polícia e por um instante seus olhares se cruzaram.
Ela também estava muito pálida, com olheiras profundas. Deu a impressão de que queria
falar com ele, quando o policial o apressou para entrar na viatura e Rae se foi, deixando-o
com uma dúvida terrível.
Acaso ela também o considerava culpado? Mesmo conhecendo-o tão bem e sabendo que
ele nunca seria capaz de um ato insano daqueles.
A possibilidade de nem mesmo Rae acreditar nele, o deixou arrasado e sem esperanças.
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Quase começava a sentir-se culpado. E tudo por causa da maneira como haviam olhado
para ele com aquele ódio e indignação estampados no rosto.
Anos mais tarde, ao sonhar com o incidente, Patrick continuava com a mesma impressão
de ter sido vítima de um pesadelo vivo. Não passara de um sonho ruim, tentava se enganar.
Aquilo não podia ter acontecido com ele.
Infelizmente acontecera. E na ocasião, Patrick não tivera alternativa senão obedecê-los.
Quando o carro deixou a villa, um dos policiais o obrigou a baixar a cabeça para se
esconder dos paparazzi, os jornalistas caçadores de sensacionalismo. Patrick via a luz dos
flashes batendo sem cessar e ouvia as pessoas gritando para ele através do vidro fechado,
como se ele fosse um criminoso.
Na delegacia, ao atravessar o pátio, passou de novo pela mesma humilhação. Teve de
enfrentar mais flashes e um novo bando de curiosos exaltados. Provavelmente só não foi
linchado graças à eficiência da polícia italiana.
A cada segundo o pesadelo aumentava. Patrick se sentia revoltado e com ódio de quem o
pusera naquela situação absurda. Foi revistado, examinado por um médico e depois levado
à presença do brigadeiro para o interrogatório. Felizmente àquelas alturas ele já
recuperara controle suficiente para pensar com coerência.
— Quero um advogado e que fale a minha língua — exigiu tão logo foi levado à presença do
brigadeiro. — Tenho esse direito e o senhor não pode me recusar. O cônsul britânico
certamente poderá indicar o meu representante.
— Cada coisa no seu devido tempo, sr. Ogilvie. Sem dúvida é um direito seu, mas por
enquanto se trata apenas de uma entrevista preliminar. Antes de o determos, precisamos
primeiro estabelecer se irá precisar de um advogado. Ou você já está admitindo a culpa?
— Claro que não! — Patrick explodiu e em seguida procurou se acalmar. — Não. Eu não fiz
nada para me sentir culpado.
— Nesse caso não há necessidade de advogados nem cônsul britânico. Ainda. Agora sente-
se, sr. Ogilvie. Vou pedir um café, aceita um também?
Patrick apenas balançou a cabeça afirmando.
— Puro? Com leite? Açúcar?
— Puro com açúcar.
O brigadeiro deu a ordem por telefone e em seguida recostou-se na cadeira, pegando um
lápis.
— Muito bem. Esta entrevista está sendo gravada, sr. Ogilvie. Aqueles dois ali são...
Haviam mais dois homens na sala, um de uniforme e outro à paisana. Seus nomes foram
dados, mas Patrick não os conhecia.
Ele teve de passar horas naquela sala, respondendo às mesmas perguntas, vezes e mais
vezes. O brigadeiro era um homem perfeccionista, paciente e obsessivo por detalhes.
Teimava em saber a razão do comportamento de Patrick durante o churrasco e descobrir
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algum lugar. Teria sido através de Rae? Dos Holtner? Seria mesmo ela a tal sobrinha,
estudante de arte em Veneza?
Antonia Cabot... Era um nome tão bonito e sonoro como a dona dele. Céus! O que
acontecera com aquela garota adorável naquela noite?
O brigadeiro o observava atentamente e pareceu adivinhar seus pensamentos.
— Uma garota linda, loira, atraente e desejável. Você a Queria, não é mesmo?
Patrick empalideceu e por pouco não o confirmou. Sim, infelizmente era verdade.
Enquanto olhava para aqueles lindos olhos azuis, para o rosto bonito e o corpo adorável,
ele a desejara. Mas ela não era Laura e Patrick não tinha a menor intenção de se envolver
com uma garota estranha só porque ela se parecia com Laura. Por isso ele se virara de
costas e se fora.
Várias perguntas giravam em sua cabeça num redemoinho sem fim. Por que ela dera a
descrição dele à polícia? Por que dissera que o atacante se parecia com ele? Teria mentido
de propósito ou estaria simplesmente confusa?
— Por que não me conta exatamente o que aconteceu, Brigadeiro? O senhor fica me
fazendo perguntas, mas nunca responde as minhas. A garota foi atacada na festa? No jar-
dim? Dentro da casa? E ninguém viu nem ouviu nada? Haviam tantas pessoas, certamente
uma delas deve ter visto alguma coisa.
— Eles o viram atravessando o jardim em direção à praia, sr. Ogilvie. E ela foi atrás. Tinha
achado o seu olhar muito triste e quando o tio comentou sobre o rompimento do seu
noivado, ela decidiu segui-lo para conversar. Talvez com a intenção de consolá-lo, eu não
sei.
— Mas eu nem sequer a vi!
— A srta. Cabot disse que seguia a suas pegadas na areia, numa espécie de brincadeira,
quando, de repente, alguém saiu de trás de um barco e pulou sobre ela. Graças ao luar ela
teve uma ligeira visão do rosto, dos cabelos castanhos, da camiseta e dos jeans. No início
pensou que fosse uma brincadeira sua e começou a rir.
— Não era eu. Eu nem sequer a vi na praia, já disse! Ignorando os protestos de Patrick o
brigadeiro prosseguiu.
— Então ela foi atingida por alguma coisa na cabeça e desmaiou. Não sabe dizer por quanto
tempo ficou inconsciente e quando voltou a si, tinha a boca amarrada por uma fita e os
olhos vendados. Não podia gritar, nem ver, apenas ouvir. E o agressor falou com ela em
inglês e segundo a moça, a voz se parecia com a sua.
— Mas eu só conversei com ela uma vez! E disse apenas uma frase! Como ela poderia
reconhecer minha voz?
— Você esteve na praia, sr. Ogilvie?
— Sim, mas...
— Havia areia nos seus sapatos e também em suas roupas.
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— Porque fiquei sentado na areia durante algum tempo! Eu nem vi essa garota! Não fui eu
quem a atacou!
— Diga-me, sr. Ogilvie, por que foi até a praia? Patrick passou a mão nos cabelos,
desanimado. Sua cabeça parecia prestes a explodir.
— Estou cansado, Brigadeiro, e preciso dormir. Não pode me manter aqui sem me dar
direito a um advogado. Deixe-me falar com o cônsul inglês.
— Nós já providenciamos um advogado e ele deverá chegar a qualquer momento. O cônsul
também virá vê-lo pela manhã, após a identificação.
— Que identificação?
— A srta. Cabot ficará esta noite no hospital mas se dispôs a vir amanhã para fazer o
reconhecimento do culpado. Ela é uma garota muito corajosa.
Patrick esteve com o advogado ainda naquela noite e o encontro não foi nada animador.
— As evidências estão contra você, sr. Ogilvie. A moça praticamente jura como foi você e
entenda, a sua aparência, o som da voz e o fato de tê-lo visto indo para a praia são provas
muito fortes. Outras testemunhas também o avistaram saindo da festa e você próprio
admitiu ter estado na praia. Ninguém mais se ausentou da festa e todos têm álibis para
provar. Além disso, rompeu o noivado recentemente, não? Para a polícia isso é motivo de
provas contra você.
— Eu não fiz nada!
— Claro, claro. De qualquer maneira, eles ainda precisam dos resultados dos exames feitos
em você e na garota. O problema é o seguinte, o atacante fugiu antes de violentá-la.
Aparentemente ouviu vozes e saiu correndo. Quando se viu sozinha; ela se livrou das
vendas e arrastou-se até o mar.
— Por que cargas d'água ela fez isso?
— Trata-se de um comportamento comum nesses casos. Ela se sentiu suja e o primeiro
impulso foi se lavar. Disse que nadou durante algum tempo antes de voltar para casa.
— Santo Deus! Quanta confusão!
— Pois é. Infelizmente ao nadar ela eliminou todas as provas que poderiam haver contra
você. Se você fosse culpado, teria sido uma bênção, mas como lutamos para provar a sua
inocência, isso significa problema.
— Está me dizendo que não devo ter esperanças?
— Absolutamente. Vamos aguardar pelo exame de reconhecimento e torcer para ela não
apontá-lo.
— Mas ela vai me apontar.
— Tenha cuidado. Isso pode parecer uma confissão.
— Não importa se parece, o fato é que não fui eu e ela vai me acusar. Eu não quis dançar
com ela na festa, lembra-se? Dei-lhe as costas e só por isso ela vai me apontar.
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noiva, preso e acusado de tentativa de estupro, e perdi amigos como você, Rae. Não, você
não faz a menor idéia de como me sinto.
— Você vai ultrapassar tudo isso, Patrick. E trabalho é a melhor receita para esquecer.
Talvez deva começar imediatamente as ilustrações da nova série e...
— Não estou mais trabalhando com você, Rae.
— Patrick! — Rae o fitou assustada. — Escute, não tome decisões apressadas. Daqui a
algumas semanas vai pensar diferente e...
— Não, Rae. Já tomei a minha decisão e não pretendo voltar atrás.
— Mas Patrick, você não pode...
— Posso e vou.
Ao perceber que seu poder sobre ele já não funcionava mais, Rae ficou rubra de raiva e
explodiu.
— Você não pode quebrar o nosso contrato, Patrick! Os editores não o deixarão livre assim
sem mais nem menos! Você se comprometeu através de um contrato legal a terminar a
série de ilustrações!
— Caso eu tivesse sido condenado por tentativa de estupro, você ainda me pediria para
ilustrar os seus livros, Rae? E quanto aos editores? Falariam em quebra de contrato ou
contratariam os melhores advogados para darem um jeito
de voltarmos atrás?
Rae não teve resposta. Ambos sabiam o que teria acontecido se ele tivesse sido condenado.
— Adeus, Rae.
Patrick saiu caminhando pelas ruas da Velha Nice em direção à Baía dos Anjos. Não sabia
o que seria de sua vida dali em diante. Sem emprego e sem Laura via somente um futuro
vazio. Mas estava zangado. Muito zangado. Com Laura, com Rae, com o destino e, acima
de tudo, com aquela garota, a tal Antonia Cabot. Esperava nunca mais vê-la de novo, pois,
se a visse, não se responsabilizaria pelas próprias ações.
Por outro lado, ele reconhecia que a garota também passara por momentos terríveis. Se o
acusara conscientemente ou não, não importava. Ela já sofrera o bastante. Melhor seria ele
sufocar a raiva e cuidar da própria vida.
Contudo, nos dois anos seguintes Patrick se viu atormentado em sonhos por aquela raiva
oprimida, tomando consciência do quanto se tornara frágil e debilitada a sua
personalidade. Vivendo de algumas economias, estudou arte em Roma durante um ano e
depois mudou-se para Florença onde se instalou num modesto albergue para estudantes.
Comia pão, queijo e frutas, bebia vinho barato e nos fins de semana ganhava um extra
trabalhando num bar à noite e pintando retratos de turistas durante o dia.
Nas férias de verão ele ia para Veneza onde um de seus professores conseguiu-lhe um
emprego numa agência de turismo como cicerone. Sua função era acompanhar turistas
ingleses ou americanos em passeios, ajudá-los nas compras, encontrá-los quando se
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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CAPITULO III
Por um instante, Antonia Cabot pensou estar tendo visões. Olhava para o canal e lá estava
o rosto dele refletido nas águas escuras.
Era o mesmo rosto com o qual tivera inúmeros pesadelos naqueles últimos dois anos.
Céus, como era terrível! Com medo de pegar no sono e sonhar de novo com aquele homem,
muitas vezes ela varava a noite sentada na cama, com os olhos bem abertos.
Mesmo agora, apesar de cada vez menos freqüentes, esses pesadelos ainda aconteciam.
Antonia despertava no meio da noite, trêmula e apavorada, então vinham as lembranças e
ela passava horas pensando nele.
Antonia viu o reflexo daquele rosto e esperou que ele desaparecesse a qualquer minuto.
Não desapareceu. Simplesmente foi se aproximando mais, tornando-se maior e mais nítido
à medida que o vaporetto atracava.
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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Com a respiração suspensa, ela ergueu o rosto devagar e quando os olhares de ambos se
encontraram, ela sentiu os cabelos da nuca se arrepiarem. Não se tratava de uma visão. Ali
estava mesmo ele, Patrick Ogilvie em carne e osso, a poucos passos dela.
Alguns detalhes sobre aquele homem ela nunca esquecera; o brilho sedoso dos cabelos
castanhos, o ar ameaçador das sobrancelhas grossas e escuras realçando ainda mais os
olhos azuis, o nariz reto e a boca... Oh, a boca...
Foi olhando para as linhas duras dos lábios, que Antonia se libertou do estado de inércia.
Virou-se bruscamente e fugiu em disparada como um animal assustado, atraindo olhares
curiosos ao seu redor.
Não era comum se ver alguém correndo em Veneza. Os turistas costumavam vagar pelas
ruas, admirando as antigas construções, e os habitantes locais nunca tinham pressa,
especialmente durante o calor do verão.
Antonia, no entanto, corria como louca. Embora fosse fácil uma pessoa se perder em
Veneza, com tantas ruas, vielas e pontes, formando um verdadeiro labirinto, ela já estava
familiarizada com o local.
Enquanto corria, instintivamente prestava atenção se era seguida. Os muros altos e a água
aumentavam o som; num dia tranqüilo, podia se ouvir até um sussurro.
Nos primeiros minutos ela escutou passos correndo. Cruzou a ponte sobre o rio São Vito,
andou alguns quarteirões e atravessou uma outra ponte de volta, saindo atrás da
Academia.
Conseguira despistá-lo. Atravessou uma praça, tirou uma chave do bolso e destrancou um
portão de ferro ladeado por uma parede de pedra. Finalmente entrou no jardim
sombreado.
Exceto pela agitação dos pássaros nas árvores, o ruído brando das folhas e o murmurinho
de uma fonte, o silêncio ali dentro era total. Antonia sentou-se na mureta de pedra em
torno da fonte para recobrar o fôlego e fechou os olhos.
Ele mudara. Ela não sabia definir onde ou em que, ainda assim o teria reconhecido em
qualquer lugar do mundo. Mas o que ele estaria fazendo em Veneza? Turismo? Ou também
morava ali? E se o visse de novo?
Um calafrio percorreu-lhe a espinha de alto a baixo. Oh, céus! Não suportaria encontrá-lo
novamente!
Nos últimos dois anos Antonia vivera apavorada diante da possibilidade de cruzar com ele
em algum lugar; numa rua, numa galeria de arte ou mesmo num restaurante. O mundo
moderno se tornara tão pequeno, que às vezes se encontrava as pessoas mais estranhas nos
lugares menos prováveis.
Antonia baixou o olhar para a água da fonte e entre as folhas escuras e os lírios brancos
flutuantes, viu o rosto dele refletido. Soltou um gemido e fechou os olhos.
Desesperada, arrancou os óculos escuros e mergulhou o rosto na água fria e refrescante.
Mais calma, endireitou o corpo e enquanto procurava pelo lenço na sacola de material,
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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ouviu o ranger do portão. Virou-se imediatamente para trás e lá estava ele de novo, diante
do portão aberto.
Seu coração deu um salto no peito. A respiração tornou-se difícil e ela não conseguia se
mover. Como fora estúpida! Na pressa de chegar em casa, esquecera de trancar o portão!
Paralisada pelo medo, ficou olhando para ele como quem via um fantasma.
Ele entrou e veio caminhando lentamente em sua direção. Antonia tremelicava, apesar do
calor da tarde. E quando finalmente encontrou forças para abrir a boca e gritar, ele já se
encontrava perto o suficiente para cobri-lhe os lábios com a mão.
— Não grite! Não vou machucá-la, ouviu bem? Já basta ter sido preso uma vez por sua
causa!
Antonia o encarou assustada, procurando decifrar quais eram as intenções dele.
— E pare de me olhar desse jeito! — ele se irritou. — Você me acha mesmo com cara de
quem sai por aí violentando mulheres? Posso ter ficado com ódio de você naquela época,
mas já tive tempo para me acalmar. Você não corre perigo comigo, eu lhe asseguro. Agora
prometa não gritar e tirarei a mão da sua boca. — Ele aguardou um instante e insistiu. —
Tudo bem? Balance a cabeça se concordar.
Antonia não conseguia respirar, estava sufocada. Balançou a cabeça e quando ele retirou a
mão, teve de engolir várias vezes antes de falar.
— Você... você realmente ficou com ódio de mim, não? E... eu sinto muito por tê-lo
denunciado à polícia.
— Quer dizer que você de fato me acusou?! Então não deu apenas a minha descrição!
A aspereza da voz dele foi demais para Antonia. cabeça começou a girar, os sons se
distanciando, o jardim foi sumindo lentamente e ela tombou para o lado.
Patrick conseguiu ampará-la antes que ela caísse no chão. Ela era tão leve quanto uma
criança. Devia se alimentar como um passarinho. Com o corpo desfalecido nos braços, ele
olhou ao redor e a levou para um banco de madeira num canto do jardim.
Deitou-a com todo cuidado e voltou à fonte para molhar seu lenço na água. Refrescava-lhe
as têmporas, quando ela abriu os olhos, muito assustada, tentando sentar-se.
— O que aconteceu?
— Você desmaiou. Acalme-se, não precisa ter medo de mim. Não fui eu quem a atacou,
lembra-se? Ou ainda não tem certeza?
Um ligeiro rubor tingiu o rosto pálido.
— Não estou com medo de você. Patrick percebeu que ela estava mentindo.
— Não mesmo? Mas pensou que tivesse sido eu, não? Por que razão me acusou?
— Bem, estava escuro na praia e... e o cabelo dele era da mesma cor do seu.
— Só por isso?
— Ele... ele também tinha um sotaque inglês. Nós havíamos acabado de conversar na festa
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e pensei...
— Pensou o quê?
Ela o encarou com aqueles enormes olhos azuis assustados e suspirou.
— Você me pareceu zangado naquela noite. Tive a impressão que me odiava.
Em parte era verdade e Patrick não tinha como negar. Passou a mão na nuca, tentando
aliviar a tensão e balançou a cabeça.
— Sim, eu me lembro. Sinto muito, eu estava num péssimo humor naquela noite.
— Eu sei. Meu tio viu tudo e me aconselhou a desculpar a sua indelicadeza porque você
havia acabado de romper o noivado e estava muito infeliz. Então o vi descendo para a praia
e decidi segui-lo. — Ela deu de ombros. — Por qualquer razão achei que poderia consolá-lo
e... Bem, depois aconteceu aquilo e... e por várias razões pensei que fosse você.
— Você pensou, não é? Pois saiba que esse seu "pensamento" me custou muito caro. Passei
dias infernais, sabe disso?
— Tudo bem eu me enganei. Também não vivi momentos maravilhosos!
A maneira como ela revidou o deixou sem jeito.
— Tem razão. — Patrick reconheceu, sem jeito. — Eu sinto muito, não sei por que me
descontrolei. Eu já deveria ter superado, não? Mas talvez tenha acontecido num péssimo
momento da minha vida. Eu ainda tentava me refazer de um choque quando fui atingido
em cheio por outro. — Ele suspirou, olhando para o banco. — Escute, está muito quente e
andei um bocado até aqui. Preciso me sentar, você se importa?
Antonia hesitou.
— Não há mais nada para conversarmos, há? Já pedi desculpas e expliquei por que me
enganei. Na verdade eu estava muito confusa quando me interrogaram. Sei o quanto você
sofreu e sinto muito, acredite-me. O que mais posso dizer? Isso já faz tanto tempo, será que
você não pode esquecer?
— Você esqueceu?
Antonia o encarou por alguns segundos e baixou o olhar, sem responder. Seria preciso?
Patrick sentou-se ao lado dela, apoiando o braço no encosto do banco e esticando as pernas
para a frente. A proximidade dele a perturbava. A semelhança ainda existia: a mesma cor
dos cabelos, o sotaque inglês, a maneira de mover o corpo. Ela se viu balançando como um
pêndulo, entre atração e repulsa.
— Vamos mudar de assunto — ele sugeriu casualmente. — O que você está fazendo em
Veneza? Decidiu estudar aqui?
Uma figueira majestosa sombreava o banco enquanto a luz do sol penetrava entre os
galhos, formando desenhos exóticos no chão de pedra. Desde que chegara, Antonia se
sentira atraída por aquela árvore e pensava em pintá-la. Agora provavelmente, desistiria da
idéia. Depois daquele encontro com Patrick não conseguiria mais olhar para a figueira sem
lembrar-se dele.
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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— Não — ela murmurou suavemente. — Assim que a polícia italiana me liberou, voltei para
o Estados Unidos sem terminar o meu curso em Florença. Meu pai está escrevendo um
livro e comecei a trabalhar com ele, ajudando-o nas pesquisas.
— Seu pai é escritor?
— Ele é historiador de arte. Já ouviu falar em George Cabot?
— George Cabot... Arte moderna?
— Isso mesmo.
Patrick tinha verdadeira fascinação pelo Renascentismo Italiano e pouco lia sobre arte
moderna.
— Esse nome me é familiar. — disse a ela. — Ambos os seus pais são vivos?
— São.
— Com quais dos dois você se parece?
— Com nenhum.
Não era verdade. Ela sabia que saíra uma mistura dos dois; herdara os olhos e a pele clara
da mãe e o dom pela arte, assim como a timidez, do pai.
Naqueles meses em que trabalhara para o pai, Antonia o vira tão pouco quanto durante o
resto de sua vida. Muito reservado, George Cabot vivia e respirava trabalho, sem tempo
para a esposa e a filha.
Também de sua mãe, Antonia nunca recebera muita atenção. Igualmente ocupada e
distante, Annette Cabot vivia em função de uma vida social intensa, trabalhando para
entidades de caridade, participando de comitês e diariamente almoçando ou jantando com
pessoas influentes.
Sim, ela ainda possuía os dois pais vivos, porém separados dela por uma barreira quase tão
forte quanto a morte: a indiferença.
Ainda menina, Antonia fora mandada para um colégio interno. Nas férias, em vez de voltar
para casa, como a maioria dos colegas, os pais a enviavam para acampamentos de meninas
durante o verão e estações de esqui no inverno. E quando ela completou dezoito anos, foi
"presenteada" com uma viagem para a Itália a fim de estudar arte.
Como as amigas a invejaram! Viver sozinha na Itália, longe dos pais, dona do próprio
nariz? Não podia existir nada mais sensacional, diziam, elogiando a atitude avançada de
seus pais.
Mas elas não compreendiam que durante toda a vida Antonia fora mandada para longe.
Em alguns aspectos, entretanto, ela não podia se queixar dos pais. Sempre haviam sido
gentis e generosos com ela, provendo-a de todo o conforto e bens materiais. Quanto a
amor... Antonia nunca se sentira amada. Sempre vivera com a sensação de ser uma intrusa
na vida deles.
Sem dúvida eles haviam se comovido com seu incidente na Itália e demonstrado um
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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grande interesse numa aproximação maior. Mas para ela era tarde demais. Não precisava e
não queria mais do apoio deles.
Construindo em torno de si uma barreira intransponível, Antonia preferiu ficar sozinha
com seus traumas e pesadelos. Parou de se alimentar, alheou-se do mundo e das coisas e
acabou se transformando num fantasma de si mesma.
Então, certo dia, o irmão de sua mãe, tio Alex, foi visitá-los e se horrorizou com seu estado.
— Santo Deus, criatura! Você emagreceu tanto! Está parecendo uma criança de doze anos!
E por que se veste com estas roupas folgadas? Por acaso está querendo voltar à infância
para fingir que nada aconteceu? Não entendo como seus pais ainda não tomaram uma
providência. Temos de fazer alguma coisa a respeito. Você precisa enfrentar, meu bem,
voltar à Itália e encarar o que aconteceu.
— Não, eu não posso, tio Alex!
Seus protestos foram em vão. Passados alguns dias, Antonia? Se encontrava num avião,
rumo à Florença, para retomar os estudos.
Os pais não contestaram, ao contrário, ficaram aliviados ao vê-la partir. Não se sentiriam
mais culpados por não poderem ajudá-la e essa foi uma das razões pelas quais Antonia
decidiu voltar à Itália: não suportava mais conviver com olhar de culpa de seus pais.
A outra razão foi a tristeza que viu no rosto do tio ao encontrá-la naquele estado. Tio Alex a
fizera sentir-se querida e desde então Antonia sentia um carinho muito especial por ele e
por Susan-Jane.
— Antonia? Por que está com esse olhar tão triste? Em que pensava?
A voz de Patrick a trouxe de volta à realidade.
— Em nada.
Ela mentia. Patrick observou o rosto pálido e frágil, tentando adivinhar qual o motivo de
tanta tristeza. As circunstâncias do primeiro encontro entre eles e depois o trauma vivido
por ambos de certa forma haviam originado um laço entre ambos.
Naqueles últimos dois anos, Patrick pensara nela o tempo todo. E agora, por tê-la ali tão
próxima, tão fraca e indefesa, queria acariciá-la. Mas seria loucura. Mesmo conhecendo-a
pouco, ele sabia que ela ficaria aterrorizada com um simples toque de mão.
Se ao menos ele pudesse adivinhar o que se passava dentro dela... Ou talvez fosse melhor
nem descobrir? Algo terrível acontecera àquela garota para deixá-la com um olhar tão
triste.
— E quando você voltou para a Itália? — ele perguntou, retornando ao assunto.
— Há algum tempo. Primeiro passei seis meses em Florença com meu tio Alex e Susan-
Jane, num apartamento alugado. Terminei meus estudos e quando o contrato venceu, eles
se foram e eu me mudei para um apartamento menor.
Antonia jamais se esqueceria do carinho dos tios. Ambos haviam sido maravilhosos com
ela. Obrigaram-na a voltar aos estudos e a fizeram engordar, preparando os mais deliciosos
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da rua.
Aquele distrito de Veneza se chamava Dorsoduro — Costa-Dura — e abrangia a área que se
estendia entre a Academia e a Igreja de Santa Maria delia Salute.
Construído sobre uma base rija de argila, era formado por um labirinto de vielas sinuosas.
A maioria das pequenas casas eram propriedades particulares, habitadas no passado por
trabalhadores e mais tarde por ingleses, num período em que havia uma grande colônia
inglesa em Veneza. Patrick olhou ao redor, para o jardim sombreado.
— É tão calmo aqui, não? Até parece que se está no campo e não no centro de Veneza. Por
quanto tempo vocês ainda vão ficar nesta casa?
— Só mais algumas semanas e já estou sofrendo por partir.
— Pretende voltar para Florença?
— Não. Já terminei o meu curso e agora arranjei um emprego, isto é, tio Alex me arranjou.
— Que tipo de emprego?
— Vou catalogar uma coleção particular de objetos de arte. Você já ouviu falar em Patsy
Dewon, a viúva de Gus Dewon? Patrick balançou a cabeça e ela começou a falar sobre os
Dewon à vontade, já que o assunto era impessoal.
— Bem, a família Dewon foi primeiro dona de uma fábrica de rádios nos Estados Unidos e
mais tarde de computadores. Então, quando se aposentou, o velho Gus veio para a Europa,
instalou-se em Veneza e durante suas viagens foi adquirindo toda espécie de objetos de
arte. Comprava lotes fechados, sem saber o que continham e guardava tudo no último
andar do palácio onde eles moram. O lugar é úmido e a maioria das peças está em péssimo
estado devido ao fungo e mofo. Você não imagina quanto trabalho tenho pela frente.
Patrick prestava atenção na maneira como ela falava, notando que os olhos azuis pareciam
mais brilhantes e a expressão menos contraída.
— E você pretende ficar aqui em Veneza sozinha, depois que os seus tios se forem?
Ela o fitou preocupada ao concordar, deixando-o intrigado com a mudança súbita de
atitude.
— Está pensando em ir para um apartamento ou para uma pensão?
Novamente ela hesitou. Parecia relutante em fornecer informações sobre si mesma.
— Bem, fui convidada para morar no palazzo até terminar meu trabalho — confessou
finalmente, acrescentando em seguida — Vou sentir tanto em deixar esta casa. Gosto muito
de morar aqui. Ela é pequena, mas aconchegante e é tão raro se ter um jardim aqui em
Veneza. Este parece um sonho.
— Você tem razão. Essa fonte com essa figueira carregada de frutos... Sempre sonhei em
ter uma figueira e colher meus próprios frutos.
— Pegue um — ela ofereceu, sorrindo. — Há tantos que não daremos conta.
— Posso mesmo?
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— Claro.
Patrick se levantou e escolheu um figo bem maduro, sentando-se novamente. Descascou a
fruta com a unha, partiu-a ao meio e ofereceu uma das metades para ela.
Enquanto comia, ele observava Antonia levar seu pedaço aos lábios, revelando os dentes
muito brancos e perfeitos. Foi quando notou o enorme diamante em sua mão esquerda.
— É um anel de noivado?
Antonia baixou a mão depressa, tentando esconder o anel, mas Patrick insistiu, pegando-
lhe o braço para olhar a jóia de perto.
— Quando ficou noiva?
— No mês passado.
Antonia mal conseguia respirar. De novo ele a amedrontava com aquele olhar duro e
perturbador. Por que ele a encarava daquela maneira, como se ela tivesse feito algo errado?
E por que ela se sentia culpada? Por que não queria que ele soubesse sobre o noivado?
— Quem é ele? — Patrick perguntou quase com aspereza. — Algum italiano que você
conheceu em Florença?
— Ele se chama Cy.
— Como?!
— Cy. O apelido de Cyrus. O nome completo é Cyrus Dewon e ele é sobrinho da sra.
Dewon, isto é, sobrinho de seu último marido.
— O proprietário do palácio onde você vai morar?
— Exatamente.
— Foi onde vocês se conheceram?
— Foi.
— E ele também mora no palácio?
— Sim e não. No momento ele se encontra nos Estados Unidos, mas deve voltar no
próximo mês para ficar algumas semanas.
Patrick ficou olhando para ela, intrigado consigo mesmo. Qual seria o motivo daquela sua
súbita irritação com Antonia? Era como se a imaginasse de um jeito e ela o tivesse
desapontado. Ela não lhe parecia perdidamente apaixonada por ninguém, ao contrário,
tinha um ar muito infeliz. Além do mais, dava todos os indícios de ser uma criatura ame-
drontada, especialmente em relações a homens.
Incapaz de controlar-se, continuou atormentando-a com perguntas irônicas, sentindo um
grande prazer em vê-la constrangida.
— Esse seu noivo trabalha ou é rico demais e não precisa?
— Ele é contador, formado em Boston. Administra o dinheiro da família e herdará a
fortuna quando a sra. Dewon falecer.
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— Oh, então o homem é um contador milionário. Nesse caso, meus parabéns. Ele também
é tão bonito quanto rico? Um verdadeiro príncipe encantado, espero?
A despeito do sarcasmo, Antonia baixou o olhar para a corrente de ouro pendurada em seu
pescoço e tentou puxá-la para fora do decote. Mas o pingente havia se enroscado em algo e
antes que ela pudesse impedi-lo, Patrick afastou-lhe a mão.
— Deixe-me ajudá-la. — Os dedos firmes penetraram no decote e puxaram o pingente de
ouro para fora. — Era isto que você procurava?
Com o rosto em brasas, Antonia pegou o pingente das mãos dele.
Patrick a observava com atenção. Seu gesto ousado fora um risco calculado. Queria saber
como Antonia reagiria e acabava de confirmar sua suspeita; o incidente em Bordighera a
tornara uma pessoa arredia, principalmente em relação aos homens. E o fato de estar
noiva e para se casar o surpreendia ainda mais.
Ela abriu o medalhão de ouro, virando o rosto para o lado quando ele se inclinou para ver.
— Este é Cy — murmurou suavemente.
Patrick examinou a pequena fotografia com interesse e indignação. Antonia se encontrava
ao lado de um homem muito magro e pálido com um bigode fino, cabelos loiros e olhos
escuros. E no mínimo uns dez anos mais velho que ela.
— Mas ele tem idade para ser seu pai!
— Cy só tem trinta e poucos anos!
— Trinta e muitos, eu diria. Vai mesmo se casar com ele?
— Por que quer saber? Obviamente...
— Não há nada de óbvio nisso! E não me diga que está apaixonada por ele, porque não
acredito.
— Ora e quem se importa se você acredita ou não?!
— Eu me importo. Não posso ver uma garota tão jovem casando-se sem amor. Ele é velho
demais e depois você teve uma reação bastante reveladora quando peguei o pingente em
seu decote. Uma reação de quem entra em pânico cada vez que um homem se aproxima de
você.
— Ora, você não sabe nada a meu respeito! E é muito atrevido em falar comigo desse jeito!
Muito atrevido em ter colocado a mão dentro do meu decote e se tentar de novo eu juro
como... como... Como lhe atiro uma pedra na cabeça!
Patrick soltou uma gargalhada irônica.
— E além de tudo é infantil. Está tentando desviar o assunto só para não ouvir a verdade,
certo? Pois vou dizê-la assim mesmo. Você não está apaixonada por este sujeito e por
nenhum outro.
— Agora você fala como se me conhecesse há décadas e ainda por cima nunca viu Cy em
sua vida.
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— Vi o suficiente nesta fotografia e até posso adivinhar porque ficou noiva dele.
— Por acaso tem uma bola de cristal?
— Não preciso. Você é um livro aberto para mim, Antonia. Esse sujeito representa a sua
segurança e a certeza de que ele irá protegê-la sem jamais fazer exigências. Ele não me
parece do tipo sensual.
Antonia sentiu o rosto em brasas e virou para o lado cada vez mais enfurecida.
— Ora, cale a boca!
— Aposto como ele nunca tentou levá-la para a cama.
Sem responder, ela se levantou e saiu correndo na direção da casa. Patrick a alcançou perto
da fonte, enlaçou-a pela cintura com firmeza, obrigando-a a encará-lo.
— Olhe para mim, Antonia.
— Oh, por favor não me machuque!
— Quantas vezes vou ter de repetir que não vou machucá-la?
— Então me solte, por favor...
— Primeiro me responda. Você acha mesmo que eu teria coragem de atacá-la? Pareço
alguém desse tipo?
Antonia o encarou como uma criança apavorada.
— Não, claro. Mas... Oh, eu não consigo explicar! Você... você e ele se misturam dentro da
minha cabeça e...
— Até hoje você me confunde com aquele cafajeste? Muito obrigado.
— Desculpe, eu... Eu não sei o que se passa comigo. Patrick ficou olhando para ela sem
falar e então de repente desabafou.
— Alguma vez você já se olhou no espelho com atenção, Antonia? Eu me lembro de tê-la
visto naquela festa toda radiante e cheia de vida, linda e cintilante como uma árvore de
natal. Agora, olhe para você. Mais parece um fantasma. O que está tentando fazer a si
mesma?
— Estou procurando refazer a minha vida, só isso.
— E para tanto precisa usar esse vestido horrível? Esconder o corpo como se o fato de ser
mulher a envergonhasse? Você até cortou os seus lindos cabelos e nem usa um batom
como a maioria das garotas da sua idade. Está com uma aparência terrível, não percebe?
Visivelmente perturbada diante da verdade daquelas palavras, ela o encarou com os olhos
cheios de lágrimas.
— Deixe-me em paz, por favor! A vida é minha e não sua. E agora vá embora e nunca mais
volte!
Enquanto o grito de raiva ainda ecoava dentro da paz do jardim, Antonia o empurrou com
força, fazendo-o perder o equilíbrio, tropeçar na mureta e cair dentro da fonte.
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Quando Patrick se levantou, ensopado da cabeça aos pés, a viu correndo entre as folhas
verdes e rosas brancas e entrando na casa onde bateu a porta com violência.
Ele afastou os cabelos molhados do rosto, enxugou-se como pôde com o lenço encharcado
e pouco depois cruzava os portões de ferro. Sim, ele iria embora. Mas voltaria.
CAPITULO IV
De uma das janelas do andar de cima, Antonia viu Patrick indo embora. Apesar de trêmula,
desceu correndo para trancar o portão a chave e garantir que ele não entraria mais.
Em seguida, ligou para o palazzo e quem atendeu foi Lúcia, a governanta da sra. Dewon.
— Você está atrasada, Antonia. Aconteceu alguma coisa? La Signora está pensando que
você sofreu um acidente. Você a conhece, não? Ela é muito preocupada.
Por favor, Lúcia, avise a sra. Dewon que sinto muito, hoje não poderei ir trabalhar.
— Por que não avisou antes?
— Bem, na verdade eu já estava a caminho quando tive de voltar. Comecei a me sentir mal
e... apenas diga à sra. Dewon que amanhã estarei melhor.
Lúcia soltou um grunhido qualquer e em seguida desligou. Obviamente não acreditara na
mentira e Antonia sentiu-se culpada. Mas como ela poderia trabalhar naquelas condições?
Não conseguiria fingir e conversar com a sra. Dewon como se nada tivesse acontecido. Ela
veria em seu rosto que algo a atormentava.
Após o telefonema, Antonia se deitou para descansar, apreciando o silêncio da casa, dos
jardins e das ruas ao redor. Era como estar numa ilha deserta.
Uma faxineira costumava vir três vezes por semana, mas não era o dia. Felizmente, ela não
teria de fingir-se bem, quando na verdade o céu parecia ter desabado sobre sua cabeça.
Tivera tanta esperança de nunca mais ver Patrick Ogilvie. Céus! Ainda não se recobrara do
choque que tivera ao reconhecer o rosto dele refletido nas águas do canal. Fora um
momento surrealista. Inacreditável! Aterrorizante!
Àquelas alturas eleja devia estar longe dali. Mas voltaria, Antonia sabia disso. Acreditava já
estar superando o trauma, no entanto bastara vê-lo para sentir-se de novo atormentada. O
pesadelo a rondava e o medo de cair no sono voltava.
Apenas com sua presença, Patrick Ogilvie a deixara confusa e atormentada. Não sabia por
qual sentimento se vira mais dominada: medo ou atração. Se um simples olhar dele a fizera
entrar em pânico, não conseguia nem descrever o que sentira quando ele tivera a ousadia
de enfiar a mão em seu decote para pegar o pingente. Nunca sentira nada parecido em toda
a sua vida. Ficara com tonturas, o coração disparado e falta de ar. Mesmo agora, só de
lembrar da sensação provocada pelos dedos deslizando pelo decote do vestido, entre os
seios, ela ficava sem ar.
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Antonia fechou os olhos, tentando esquecer aqueles momentos. Oh, mas como era difícil.
Tudo se passou numa fração de segundos, mas para ela pareceu durar uma eternidade. O
toque dos dedos frios em sua pele, deixando um rastro de fogo e uma intensidade de
emoções como ela nunca sentira antes.
Cobrindo o rosto com as mãos, Antonia soltou um gemido de desespero. Desde aquela
noite na praia, não suportava mais qualquer tipo de intimidade física ou mental, princi-
palmente com o sexo oposto. Passara a manter as pessoas à distância, protegendo-se
dentro de uma barreira de ferro intransponível.
Menos para Patrick Ogilvie. Ele fora o primeiro a ousar transpor esse campo de defesa.
Invadira tanto a sua mente como seu espaço físico, ora sondando-a com perguntas que ela
não queria responder, ora tocando-a sob um pretexto ou outro.
E Antonia não sabia o que era pior — a invasão física ou a mental. Ficaram só alguns
instantes no jardim e ela não sabia dizer quantas vezes ele se aproximara demais.
Primeiro a pegou nos braços quando ela desmaiou. Depois, quando voltou a si, ele se
encontrava inclinado sobre ela, tão próximo que quase podia sentir-lhe a respiração morna
de encontro ao rosto. E mais tarde, ao enfiar os dedos em seu decote, ficara observando
suas reações para analisá-las como se fosse seu analista.
Os olhos azuis eram rápidos e astutos. Em certos momentos brilhavam como estivessem
lendo seus pensamentos. Ele próprio afirmara que ela era um livro aberto para ele, não?
Em meia hora apenas aquele homem conseguira deixá-la enfurecida, aterrorizada e
preocupada. Aproximara-se dela de uma maneira como nenhum outro o fizera naqueles
dois anos.
No dia seguinte, Antonia foi para o palazzo mais cedo que o costume e voltou bem mais
tarde. Se Patrick Ogilvie a sondara, não percebeu. Desta vez deixara o portão bem trancado
para não correr o risco de ter uma surpresa ao chegar.
O dia fora estafante. Ela abrira mais um dos enormes caixotes de madeira empoeirados e
repleto dos objetos de sempre: livros antigos e valiosos em meio à porcelana chinesa do
século dezoito, cilindros de cera para se tocar em gramofones, gravuras da época vitoriana,
documentos e cartas.
E como de costume, Patsy Dewon aparecera para supervisionar o seu trabalho.
Beirando os cinqüenta, Patsy era uma mulher culta, elegante, conservada e dona de uma
personalidade forte e interessante.
— Não faço a menor idéia de onde veio esse lote, minha querida — comentou, examinando
a pilha de objetos feita por Antonia sobre a mesa. — Em qual caixa eles estavam? Naquela?
— Antonia balançou a cabeça e ela examinou a etiqueta já amarelada num dos lados do
caixote. — Oh, este foi comprado num leilão em Paris. Sim, é o endereço do leiloeiro
francês. Gus estava sempre comprando essas coisas por onde passávamos e mandando
tudo para cá, Ele adorava o Mercado das Pulgas em Paris e não resistia a estas pechinchas.
Elas tem algum valor?
Projeto Revisoras 33
Charlote Lamb – Verão em Veneza
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— Estes cilindros de cera provavelmente são os mais valiosos. São raros e podem conter
gravações de algum artista famoso da época.
— Você tem noção de quanto podem valer?
— Bem, antes precisariam ser tocados num gramofone para descobrirmos se são mesmo
valiosos. Seria melhor mandarmos a um perito no assunto pois não tenho capacidade para
tanto.
— Pelo menos você sabe o que são. — Patsy riu pegando um dos cilindros para examinar. —
Eu nunca teria adivinhado. São engraçados, não?
Patsy era a quarta esposa de Gus Dewon, havendo uma enorme diferença de idade entre
eles. Gus colecionava mulheres assim como objetos de arte, embora seu interesse por elas
diminuísse bem mais depressa. O casamento com Patsy fora o mais duradouro. Estiveram
juntos durante vinte anos, até a morte dele, e mesmo não tendo conhecido o velho Dewon,
Antonia bem podia imaginar por que Patsy conseguira fisgá-lo.
Além de bonita, ela era um mulher cheia de vida, tinha bom coração e muita simpatia. Cy
também. Patsy o adorava como uma irmã e os dois haviam recebido Antonia com muito
carinho.
— Bem, você cuida disso, minha querida. — Ela colocou o cilindro de volta sobre a mesa e
pegou a bolsa. — Estou saindo para almoçar fora com Amy Patterson. Até mais tarde.
Antonia almoçara ali mesmo, em meio à poeira, numa bandeja levada por Lúcia. Comera
melão com presunto e um prato de espaguete com molho de cogumelos e bacon.
Ao voltar para recolher a bandeja, Lúcia se demorara um pouco, tentando compreender
por que Antonia se fechava durante tanto tempo com aquelas velharias.
— Quanto bobagem aquele homem comprava! Eu já teria jogado tudo isso fora se fosse
meu.
— Nesse caso estaria jogando fora uma fortuna, Lúcia. A empregada olhou para os objetos
com um ar desconfiado.
— Isso aí vale muito, mesmo? Toda essa tralha empoeirada tem algum valor?
— Você está olhando para milhares de liras, Lúcia.
— Não acredito. — Ela pegou a bandeja e franziu as sobrancelhas ao ver o prato de
espaguete pela metade. — Você nem tocou na comida!
— Toquei sim e estava delicioso. — Antonia disse depressa. — Mas havia demais para mim.
— Você come feito um passarinho, não é para menos que está tão magra e pálida. Não
compreendo o que o sr. Cy vê em você. Ele precisa de uma mulher forte, com sangue
vermelho nas veias e não de uma branqueia franzina.
Lúcia não era uma simples empregada da sra. Dewon. Com seu aspecto rude de italiana da
Calábria, dirigia a casa com mãos de ferro. Comandava os demais empregados, assim como
sentia-se no direito de comandar Antonia. Opinava em tudo o que se relacionasse com a
família Dewon.
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
(Sabrina 869)
Antonia respondeu às palavras indelicadas com um sorriso, e voltou ao trabalho assim que
Lúcia se retirou.
Infelizmente não conseguiu mais se concentrar. Pensando em Cy, desejou que ele
telefonasse. Cy a deixava tão segura...
Segura. Patrick Ogilvie se encarregara de obscurecer o sentido daquela palavra. Se antes
ela acreditava ser suficiente sentir-se segura ao lado de Cy, agora via um quê de falso e
irreal no relacionamento deles.
Por que era errado desejar segurança? Que mal havia em querer se sentir protegida?
Sempre fora excluída da vida dos pais, passara a infância sozinha e abandonada, com
inveja da felicidade das amigas. Só experimentara a sensação de possuir uma família
quando recebera o apoio e carinho de tio Alex e Susan-Jane.
Naquela noite do churrasco em Bordighera, por exemplo, ela estava tão feliz, rodeada de
pessoas amáveis e alegres, jovens de sua idade. Dançava e se divertia como nunca, quando
notou Patrick Ogilvie num canto, encarando-a sem o menor constrangimento. O olhar dele
foi como um raio fulminante. Seu coração deu um salto dentro do peito e, de repente,
parecia não haver mais ninguém na festa, além dela e de Patrick.
Achou-o o rapaz mais excitante, bonito e atraente que já conhecera. Alto e bronzeado, com
ombros largos, olhos azuis e cabelos castanhos, queimados pelo sol, não tinha nada em
comum com os rapazes de sua idade. E ela também não conseguiu mais desprender os
olhos dele, morrendo de curiosidade para saber quem era.
Seria um ator? brincou de adivinhar. Tinha toda a aparência de um. Pena ser tão mais
velho, disse a si mesma. Deveria estar próximo dos trinta e possuía um olhar austero, um
ar irresistível de homem perigoso.
Antonia logo percebeu que não seria fácil aproximar-se dele como dos outros rapazes.
Esperou vê-lo olhar para as outras garotas, mas ele continuou fitando-a com uma in-
sistência surpreendente.
E se estivesse interessado nela? Seu coração acelerou-se ante a hipótese e quando ela
ensaiou um sorriso tímido, a expressão dele se transformou. Os lábios se curvaram com
desdém, as sobrancelhas se franziram e ele se virou de costas, esvaziando o copo de vinho e
colocando-o sobre uma mesa.
O entusiasmo dela se desmoronou ao vê-lo afastar-se, talvez para dançar com outra garota.
Por que perdera o interesse de repente, depois de encará-la com tanta insistência? Teria
chegado à conclusão de que ela era jovem demais para ele? Ou seria muito tímido e não
tinha coragem de tirá-la para dançar?
Não, ela não podia deixá-lo ir,embora assim, sem mais nem menos. Munindo-se de
coragem, decidiu dar o primeiro passo e fazer o convite ela mesma.
Um tanto insegura e ao mesmo tempo ansiosa, aproximou-se dele com um sorriso nos
lábios e o tocou de leve no braço. Fora indescritível. O simples contato fez sua temperatura
subir. De perto ele era ainda mais fascinante e envolvente.
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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Será que ele compreendia inglês? pensou ao fazer-lhe o convite e, enquanto esperava pela
resposta, mal contendo a excitação, viu os olhos azuis gelarem.
— Eu não danço — ele respondeu secamente e se afastou.
Antonia ficou rubra e em seguida pálida. Nunca se sentira tão humilhada em toda a sua
vida e só não chorou de vergonha por haver muita gente olhando.
Entrou por uma porta da casa às pressas, pretendendo esconder-se em seu quarto, quando
tio Alex a segurou pelo braço.
— Você está bem, meu anjo? O que Patrick disse para deixá-la assim?
Ela não pôde responder, pois estava prestes a romper em prantos.
— Seja o que for, não leve a sério, meu bem — o tio a consolou. — Patrick acabou de
romper o noivado e está muito deprimido.
— Você o conhece, tio Alex?
— Sim, meu bem.
O tio então contou-lhe que a noiva o havia abandonado por um outro homem e ela
compreendeu a razão do comportamento estranho de Patrick. Ele devia estar magoado
demais, desinteressado em novos envolvimentos e quem poderia culpá-lo?
Antonia sentiu simpatia por ele e ficou penalizada, desejando de alguma forma ajudá-lo,
fazê-lo sorrir novamente, ao menos durante um instante.
Quando voltou à festa para procurá-lo, avistou-o cruzando o jardim em direção à praia.
Tio Alex ainda a convidou para dançar, mas ela inventou uma desculpa qualquer. Na
verdade, já tomara a decisão de ir atrás de Patrick e oferecer-lhe um ombro amigo para
chorar as mágoas ou simplesmente animá-lo com algumas palavras. Na verdade, teria
inventado qualquer desculpa para procurá-lo.
Pouco depois, escapava da festa sorrateiramente e logo encontrava as pegadas dele na areia
da praia.
Numa atitude infantil, pôs-se a caminhar sobre elas, enquanto ouvia o som alegre das
ondas quebrando na areia. Estava tão distraída, pensando em Patrick, que não escutou
nenhum ruído antes de alguém saltar de trás de um barco e agarrá-la.
Graças ao luar, teve uma rápida visão da pele bronzeada e dos cabelos castanhos claros. E
quando foi silenciada por uma voz com sotaque inglês ao tentar gritar, achou que se tratava
de uma brincadeira de Patrick.
Não demorou muito, no entanto, ela percebeu que não era brincadeira. Enquanto ele a
forçava a deitar-se na areia e ela lutava e se debatia em total desespero, uma pergunta a
atormentava:
Estaria ele achando que ela o seguira com aquela intenção?
Mais perturbantes ainda eram as próprias dúvidas em relação a si mesma. Por que o
seguira? Teria procurado por aquilo? Acaso não fora imprudente demais?
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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Então, por uma sorte do destino, eles ouviram o som de vozes se aproximando. Ele a
soltou, fugindo em seguida e ela se arrastou até o mar onde em prantos e humilhada ao
extremo, por pouco não cometeu a loucura de se deixar levar pelas ondas. Felizmente uma
força poderosa dentro dela a impediu. E pouco depois ouvia a voz de tio Alex.
Graças a Susan-Jane, que notara sua longa ausência na festa e falara com o tio, todos
começaram a procurá-la, gritando-lhe o nome pelo jardim e pela praia. Se seu atacante
fugiu antes de tê-la violentado, foi por ter ouvido as vozes deles, Antonia concluiu mais
tarde.
Ela se lembrava bem do momento em que tio Alex a encontrou, em prantos e se arrastando
pela areia, saindo do mar. Muito pálido e zangado ele a levou para a villa onde mais tarde o
médico e a polícia foram chamados.
— Quem fez isso a você? — o tio perguntara.
— O inglês... Foi ele, o inglês...
— Você se refere a Ogilvie? Patrick Ogilvie?
— Ele mesmo.
A polícia Antonia também repetiu a acusação. Tinha certeza absoluta que fora ele.
Mais tarde, quando soube da verdade, sentiu uma mistura confusa de reações. Alívio por
não ter sido ele quem tentara violentá-la; choque por pensar que fora tocada por um
estranho; e angústia pelo mal que causara a Patrick Ogilvie.
— Ele deve estar me odiando — desabafara com o tio.
— Foi um engano honesto, meu bem. Você não teve culpa. Mas quando soube que Patrick
sequer voltara à villa para pegar as roupas e rompera o contrato com Rae Dunhill porque
ela o acreditara culpado, Antonia não se iludiu mais. Ele de fato a odiava.
Ela e Rae conversaram rapidamente antes de sua partida de Bordighera.
— Sinto-me péssima por ter acusado o seu amigo, Rae.
— Bobagem, ninguém a culpa. A própria polícia disse que o verdadeiro culpado se parece
vagamente com Patrick.
— Ainda assim, não me desculpo.
— Na verdade a grande pena foi tudo isso ter acontecido num momento ruim da vida de
Patrick. Ele já andava deprimido por causa do rompimento do noivado e agora foi a gota
d'água. Patrick ficou muito diferente. Deixou de ser aquele sujeito bem-humorado, fácil de
se conviver. Ele até rompeu o contrato comigo, imagine. Em geral ele fazia tudo o que eu
queria, mas desta vez não consegui convencê-lo de nada. Tive até medo da reação dele se
eu insistisse mais. Realmente Patrick me deixou muito preocupada.
Antonia sentiu-se mais culpada ainda ao ouvir aquelas palavras.
— E você tem idéia do que ele pretende fazer para viver?
— Bem, Patrick vinha guardando dinheiro para comprar uma casa quando ele e Laura se
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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casassem. Durante algum tempo, não terá problemas e mais tarde, com tanto talento,
encontrará trabalho sem dificuldade. — Rae parecia mesmo desconsolada. — É uma pena,
mas eu não queria perdê-lo. Patrick é o melhor ilustrador que já conheci. Ainda não
acredito que uma pessoa possa ter mudado tanto.
Antonia havia pensado em escrever uma carta para ele se desculpando ou mesmo fazê-lo
pessoalmente, mas depois da conversa com Rae, desistira da idéia. Ficara com medo de
encará-lo de novo e durante aqueles dois anos não conseguia pensar nele sem sentir
calafrios.
Agora, finalmente o reencontrara. Fora mais fácil do que ela pensara e ao mesmo tempo
pior. No início ele a assustara. Depois mostrara-se gentil e em seguida muito zangado ao
ver o anel. Por que ele se irritara ao saber que ela estava noiva?
Definitivamente, não compreendia Patrick Ogilvie. E ele continuava assustando-a.
Naquela tarde, ao chegar do palazzo, olhara para ambos os lados da rua antes de
destrancar o portão. Então entrara rapidamente e só se sentira segura após se fechar
dentro da casa.
Havia tomado um lanche, como de costume, e saíra pela porta da cozinha para chamar os
dois gatos que moravam na propriedade e alimentá-los, escutou passos no jardim.
Antonia sentiu os cabelos da nuca se arrepiarem. Virou-se para trás e antes mesmo de vê-
lo, sabia quem era. Patrick Ogilvie.
Ele se aproximou lentamente, uma sombra escura no entardecer. Usava jeans e camisa
preta aberta no peito e caminhava como um lobo pela alameda sombria.
A surpresa a deixou estática, sem iniciativa nem para correr e fechar a porta. Só quando ele
parou diante dela, a mente voltou a funcionar.
— Como entrou aqui?
— Pulei o muro, oras.
— Pulou o muro! Isso é arrombamento!
— Nunca vi ninguém arrombar um jardim.
— Invasão de domicílio, então. Seja o que for, ligarei para a polícia se não sair
imediatamente! Não quero você em minha propriedade!
Apesar de sua hostilidade, Patrick parecia calmo e decidido.
— Que eu saiba isto aqui não é propriedade sua. Seu tio alugou esta casa por algum tempo,
certo?
— Porque não vai embora e me deixa aqui sozinha em paz? Patrick ergueu as sobrancelhas,
curioso.
— Você está sozinha?
Antonia sentiu-se gelar. Ele nunca poderia saber que ela se encontrava sozinha.
— Não, eu... Claro que não estou sozinha!
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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está em Londres passando alguns dias. Não sente medo de ficar aqui sozinha?
— Veneza é uma das cidades mais seguras do mundo. Se um ladrão quiser assaltar uma
casa não terá como fugir a não ser a pé ou de barco. A polícia facilmente o pegará. Não
tenho o menor receio.
— Mesmo comigo aqui? Antonia baixou o olhar, nervosa.
— Se já terminou o seu café, diga o quer e vá embora, por favor!
— Meu senhorio pediu o quarto onde moro para um primo que está para chegar de
Florença. Bem, já andei procurando um outro lugar, mas com tantos turistas em Veneza
nesta época do ano, as pensões mais baratas estão lotadas. Então pensei em perguntar ao
seu tio se ele não quer me alugar um quarto nesta casa até eu encontrar um outro lugar.
— Aqui?! — Antonia soltou um grito e em seguida enrubesceu. — Bem, a casa não é nossa
e... Bem, não creio que tio Alex possa alugar um quarto.
— E você não me quer aqui.
— Eu? — Antonia deu de ombros. — Não tenho nada a ver com isso. O inquilino
responsável é tio Alex e a decisão cabe a ele.
Patrick esboçou um sorriso vago de quem sabia que ela não estava sendo totalmente
sincera.
— No fundo você ainda não confia totalmente em mim, não é?
Para alívio de Antonia, o telefone começou a tocar. Ela deu um salto para atendê-lo e ao
ouvir a voz de Cy do outro lado, virou-se de costas para que Patrick não a visse com o rosto
em chamas.
— Oh, é você Cy?
— Sim, sou eu, meu bem. Como vai, querida?
— Tudo bem.
— Tem certeza? A sua voz está estranha, meu bem. Por acaso pegou uma gripe? Tia Patsy
me contou que ontem você parecia indisposta. Se for uma gripe vá para a cama repousar
em nem pense no trabalho.
— Eu... eu estou bem, Cy. Não há nada de errado comigo.
— Não mesmo? Estou achando-a um pouco nervosa. Não ficou zangada comigo por ter
voltado para os Estados Unidos, ficou?
— Claro que não. Eu compreendo.
Ela queria pedir para ele ligar mais tarde, mas não podia contar o motivo. Se dissesse que
tinha visitas, Cy faria perguntas, deixando-a embaraçada.
Preferia não tocar no nome de Patrick Ogilvie. Cy sabia sobre o incidente em Bordighera,
pois quando ela fora trabalhar no castelo, ele fizera indagações sobre seu passado.
Meses depois, quando a pedira em casamento e Antonia tentara explicar por que não podia
aceitar, Cy a interrompera com gentileza.
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— Não precisa dizer nada. Sei de tudo desde o início e compreendo como se sente.
Também sei que você nunca teve nenhum namorado depois daquilo e talvez leve muito
tempo até poder encarar uma vida sexual normal. Eu não me importo. Tenho certeza que
poderemos ser muito felizes juntos, Antonia.
Cy era um homem bom, sossegado, trabalhador e honesto o bastante para confessar que
sexo para ele vinha em segundo plano, daí nunca haver se casado. Gostava dela e a
respeitava, apreciava sua companhia e nunca fazia exigências. Seus beijos eram
desprovidos de desejo e ele não tinha a menor pressa em marcar a data do casamento.
Antonia, por sua vez, concordara com o noivado porque pela primeira vez em dois anos,
alguém lhe oferecia um futuro tranqüilo. Além disso, Patsy, tio Alex e Susan-Jane haviam
delirado com a notícia.
— Tudo bem aí em Boston, Cy? — perguntou a ele.
— Não podia estar melhor. Consegui um novo cliente de uma companhia internacional o
que significa muito trabalho pela frente. E você? Encontrou mais alguma coisa interessante
naquelas caixas?
Antonia contou a ele sobre os cilindros de cera e as gravuras vitorianas. Cy no mesmo
instante se interessou pelas últimas.
— Separe-as para mim. Quero dar uma olhada nelas antes de colocarmos à venda e talvez
eu fique com algumas para a minha coleção particular.
Ele herdara do tio uma série de gravuras do século dezenove, e ela já devia ter imaginado
que Cy se interessaria por aquelas. Infelizmente passara a tarde com o pensamento em
outros assuntos.
— Bem, agora vou desligar assim você irá para a cama mais cedo, minha querida. Ligarei
outro dia, está bem? Boa noite, meu anjo.
— Boa noite, Cy — Antonia respondeu depressa e desligou antes dele.
Quando se virou, encontrou o olhar zombeteiro de Patrick.
— Uau! As linhas internacionais devem ter fervilhado de emoção! Vocês dois não formam
exatamente um par estilo "Romeu e Julieta", não é mesmo? Parecia mais uma conversa
entre dois executivos do que entre amantes. Por falar nisso, vocês são?
— Somos o quê? — ela perguntou ingenuamente e em seguida ficou rubra. — Você não sabe
falar de outro assunto?
— Ainda não são, claro. Bem, eu já devia ter imaginado. Você continua envolta numa
camada impermeável e o seu noivo não me parece do tipo fogoso.
Para Antonia aquelas palavras foram a gota d'água. Num rompante de ódio, aproximou-se
da mesa e esbofeteou o rosto de Patrick com uma força surpreendente.
No mesmo instante se arrependeu. Tão logo viu a marca vermelha dos próprios dedos e a
expressão atônita nos olhos azuis, percebeu que se arriscara demais.
Patrick se levantou e num gesto muito rápido e brusco, enlaçou-a pela cintura, puxando-a
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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CAPITULO V
Após chorar até a exaustão, naquela noite Antonia caiu num sono profundo mal colocou a
cabeça no travesseiro. O abalo emocional dragara todas as suas energias. Não tinha forças
sequer para pensar.
O sonho começou mais tarde. Como num velho filme, visto centenas de vezes, as cenas
eram familiares e se repetiam sem nenhuma seqüência, de forma apavorante.
Antonia se encontrava na praia, em Bordighera, numa noite quente e abafada. Pessoas
conversavam e riam e de repente ela estava sozinha, com a lua brincando de esconde-
esconde atrás das nuvens. Até o barulho das ondas se quebrando na areia era sinistro.
Então escutava passos. Os passos de Patrick se aproximando e estremecia, aguardando o
pior. Ele emergia do escuro, atirando-se sobre ela e Antonia soltava um grito de desespero
antes de ser amordaçada.
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Sempre acontecia da mesma maneira. A visão rápida de um rosto bronzeado, olhos azuis,
cabelos mechados pelo sol e o som de uma voz com sotaque inglês. Então pensava: "É ele.
É Patrick."
Depois ficava na dúvida se ele estava brincando, até sentir que as mãos a machucavam. Aí
se aterrorizava. Entrava em conflito consigo mesma, pensando se não o provocara demais
e de novo tentava gritar.
Aquela era a pior parte. Ele vendava-lhe os olhos com um lenço, tornando-a cega, indefesa.
E como na praia, Antonia repetia a si mesma que tudo não passava de um pesadelo do qual
logo iria acordar.
Naquele ponto, como em todos os sonhos, o dela mudava.
Continuava na praia, porém, agora enxergando. Livre da venda e da mordaça, sem
ninguém machucando-a. Por entre as mechas de seus cabelos caídos sobre os olhos, via
Patrick diante dela e ouvia o som macio de sua voz. — Você não precisa ter medo de mim,
Antonia.
— Eu não tenho, Patrick.
Ele a tocava nos seios e só então ela descobria que estava nua. As carícias prosseguiam,
Patrick explorava sua nudez com sensualidade e ela deixava escapar gemidos de prazer e
vergonha.
— Patrick...
— O que você quer de mim, Antonia?
Ela respondia arqueando o corpo e ele se inclinava, os lábios assumindo o lugar das mãos,
a língua transformando o desejo em paixão ardente e avassaladora.
Antonia então se apavorava diante da intensidade de suas emoções e o repelia.
— Não! Não, Patrick, não! Eu não quero que faça isso...
Mas ela sabia que estava mentindo. Seu corpo ansiava por ser tocado e naquele conflito
entre medo e desejo, de repente dia acordou para se descobrir sozinha em sua cama, toda
suada, envolta nos lençóis.
Ainda sonolenta, ouviu um movimento dentro do quarto escuro. O som de passos. Com os
nervos à flor da pele, livrou-se das cobertas e quando tentou sentar-se, encostou numa
barreira sólida e quente. O peito de um homem.
Por um instante ficou confusa, sem saber se estava acordada ou ainda sonhando. Então
percebeu que era real e começou a gritar.
— Tudo bem, Antonia, sou eu — Patrick murmurou em seu ouvido. — Acalme-se, ninguém
vai machucá-la.
Ela se aninhou no conforto dos braços fortes. O corpo dele era quente; escutava o ritmo
forte do coração de Patrick junto à face; aspirava o cheiro másculo da pele, e estremecia.
Mas não era seguro ficar tão perto daquele homem. Despertava um desejo intenso de
aproximar-se mais e ao mesmo tempo a enchia de pavor. Tinha de afastar-se dele.
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Projeto Revisoras 44
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— Você... me ouviu?
— Ouvi. Você sonhava com aquela noite, não é? Ela hesitou e depois concordou, corando.
— E, sim.
— Por que gritava o meu nome?
— Eu gritava? — Antonia se fingiu surpresa. — Ora, não me lembro...
— Não minta Antonia! Ouvi muito bem você gritando o meu nome. Sonhava que era eu?
Sentindo o rosto em chamas, Antonia olhou para o lado e começou a tremer.
— Não!
— Não mesmo? — Patrick segurou-lhe o queixo e a obrigou a encará-lo. — Então por que
gritava o meu nome e repetia várias vezes, "Não, Patrick! Não!" Por que, Antonia?
— Eu... eu não sei!
— Você sabe, sim.
Ao vê-lo aproximar os lábios como quem fosse beijá-la, Antonia sentiu seu coração
disparar e entrou em pânico. Queria que ele a beijasse, a tocasse, e ao mesmo tempo
desejava fugir.
— Por favor, vá embora, Patrick...
— Você está tremendo.
— Não estou!
— Mentirosa. — Ele colocou o dedo em seu pescoço, onde uma veia pulsava, traindo suas
palavras. — Vê? — indagou então com um sorriso. — Está com medo de mim?
— Pare com isso, Patrick! Pare, por favor...
Ele continuou a acariciá-la ao longo do pescoço, deslizando o dedo até o queixo e depois
para o contorno dos lábios.
— O que eu fazia em seu sonho, Antonia? Era isso? Você parecia gostar.
As mãos desceram para o pescoço de novo, percorrendo a pele sedosa lentamente até
alcançar a renda delicada de sua camisola transparente. Antonia percebeu que aos poucos
perdia o senso da realidade. Não sabia mais se estava sonhando ou não. O contato dos
dedos com sua pele arrepiada a privava da razão.
Quando Patrick desatou a fita de cetim branca que prendia o corpete da camisola e olhou
para os seus seios quase à mostra, ela despertou da alucinação. Deu um salto e o empurrou
para trás, puxando o lençol até o queixo.
— Saia daqui! Suma desta casa e não volte nunca mais ou chamarei a polícia!
Sem nenhuma pressa e nada perturbado, Patrick ficou em pé, enfiando as mãos nos bolsos
das calças.
— Alguma vez você sonhou com o seu noivo, Antonia?
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— Saia daqui!
Ele abriu um sorriso como se ela tivesse dito não.
— Eu já saiba, perguntei por perguntar. Agora tente dormir e tome cuidado com os seus
sonhos. Pense no que faria se eles se tornassem realidade.
Ela não precisou retrucar. Patrick saiu em seguida e ao ouvi-lo descer as escadas, Antonia
saltou da cama para ter certeza que ele de fato ia embora.
Espiava do alto da escada quando ele se virou da porta, fitando-a com um brilho intenso
nos olhos azuis.
—Você sabia que a sua camisola é totalmente transparente?
Antonia deu um pulo para trás e ele soltou uma gargalhada. Havia um espelho no saguão e
através dele, ela pôde vê-lo saindo.
Ainda com o rosto em brasas, desceu as escadas e trancou todas as portas, verificou cada
janela e examinou cômodo por cômodo para certificar-se que se encontrava mesmo
sozinha.
Aquelas alturas o dia estava quase amanhecendo. O céu tinha um tom leitoso e uma névoa
úmida pairava sobre as árvores. Antonia preparou uma xícara de chocolate quente e voltou
para a cama com a intenção de dormir as poucas horas restantes.
Infelizmente, não conseguia parar de pensar em Patrick. Enquanto sorvia a bebida espessa
e doce, lembrava dos dedos longos acariciando-lhe a pele, descendo por seu pescoço, colo e
seios. Lembrava-se tão vivamente, que começou a suar e tremer, entrando de novo em
pânico.
Nunca mais ficaria sozinha com aquele homem, disse a si mesma. Nunca mais. Agora que
Patrick descobrira sua vulnerabilidade a ele, tinha de evitá-lo a todo custo.
Meia hora depois ela se levantou, tomou uma ducha e vestiu-se. Decidira ir mais cedo para
o palácio naquela manhã, assim não correria o risco de estar em casa, caso Patrick tivesse a
ousadia de voltar.
Quando retornou do trabalho, no final da tarde, percorreu os últimos quarteirões nervosa e
apreensiva. E se ele tivesse pulado o portão outra vez e se encontrasse no jardim esperando
por ela?
Incapaz de conter o tremor nas mãos, Antonia se preparava para destrancar o portão
quando ouviu vozes e risos vindos do jardim. Sua primeira reação foi esconder-se atrás do
muro. Quem poderia ser, pensou apurando os ouvidos e quando ouviu a voz de tio Alex,
abriu um sorriso de alívio. Felizmente ele voltara!
Destrancou o portão e entrou alegremente, pronta para abraçá-lo. Tio Alex jamais saberia
o quanto era bem-vindo, pensava consigo mesma, quando deu de cara com Patrick
conversando com o tio.
O choque a deixou sem ação durante alguns segundos. Ela respirou profundamente e se
obrigou a caminhar com a maior naturalidade possível para abraçar o tio.
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
(Sabrina 869)
— Finalmente você chegou, minha querida! Como passou esses dias aqui sozinha? Sem
problemas?
Antonia olhou rapidamente para Patrick antes de responder.
— Nada que eu não pudesse controlar.
— Boa garota.
— E Susan-Jane? — Antonia olhou para a casa. — Ela está lá dentro? Vou até lá
cumprimentá-la...
— Não, meu bem. Susan-Jane decidiu ir a Kent, fazer companhia à prima Jan, que acabou
de ter um bebê.
— É mesmo? E você não quis ir junto, tio Alex?
— Deus me livre! Rod, o marido de Jan, é o sujeito mais chato e cansativo deste mundo.
Ele pensa que porque escrevo histórias em quadrinhos, tem de ser engraçado o tempo
todo. Após dez minutos de conversa sinto vontade de esganá-lo. Preferi voltar para o
sossego de casa.
— E fico muito feliz por isso, tio Alex.
— Oh, meu anjo... — O tio a beijou carinhosamente. — Sentiu-se muito sozinha sem a
gente? Também fiquei com saudades de você. Sente-se aqui conosco. Patrick e eu es-
távamos aproveitando a fresca da tarde. Depois de Londres, o calor de Veneza me parece
pior ainda, principalmente dentro de casa. Não quer tomar uma limonada?
— Eu adoraria. Também estou morrendo de calor.
Antonia sentou-se e o tio entregou-lhe um copo cheio de gelo e rodelas de limão dentro do
refresco. De fato ela estava suando, mas não apenas pela caminhada. Grande parte da-
quelas gotículas de suor escorrendo em sua testa se devia à presença de Patrick.
Ao vê-la esvaziar o copo praticamente de uma vez, o tio sorriu.
— Gostou?
— Deliciosa!
— Patrick me contou que vocês se encontraram no ponto do vaporetto, junto à Academia.
Que coincidência, não meu bem? Incrível como esse mundo é pequeno. Eu acabava de
dizer a ele como me sinto aliviado de ter podido me desculpar sobre o mal-entendido em
Bordighera. Cheguei a escrever para o seu editor, você sabia, Patrick? Mas a carta me foi
devolvida dias mais tarde. Provavelmente perderam o seu endereço.
— Na verdade, eu me mudei sem dizer nada a eles.
— Sorte sua, meu rapaz. Às vezes tenho vontade de fazer o mesmo. Sumir sem deixar
endereço. Principalmente para os meus editores.
— De fato, às vezes faz bem.
— Vou pensar seriamente no assunto. — Alex riu e se virou para Antonia. — Sabe, meu
bem, Patrick anda passando por uma fase de má sorte. Imagine, você, que o senhorio o
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
(Sabrina 869)
despejou sem aviso prévio e ele só conseguiu lugar num hotel barato de terceira categoria.
Antonia olhou para Patrick e em seguida para o tio, disfarçando a apreensão.
— E mesmo?
— Pois então. E sendo assim, o convidei para morar aqui conosco durante alguns dias.
Você concorda, não é querida?
Sentindo toda a cor sumir de seu rosto, Antonia começou a gaguejar.
— Bem, eu... cla...claro, mas onde ele vai ficar? Digo, não temos quartos sobrando...
— Você se esqueceu do sótão? Patrick poderá se acomodar muito bem lá em cima. Talvez
seja um quarto pequeno, mas é bem mobiliado e confortável. Até já fomos vê-lo e Patrick
parece ter gostado muito.
Patrick confirmou, exibindo um sorriso triunfante.
— Mas tio Alex, você pode subalugar parte da casa? Não é contra o regulamento?
— E quem falou em aluguel? Não pretendo cobrar nada de Patrick, minha querida. Ele será
nosso convidado apenas.
— E eu lhe agradeço muito, Alex. — Patrick se adiantou. — Você precisava ver o quarto
onde estou hospedado. Pareço sardinha em lata. É muita gentileza sua.
Antonia estava horrorizada demais para continuar argumentando. Patrick era realmente
muito descarado. Dera um jeito de levar tio Alex na conversa e agora ela teria de morar sob
o mesmo teto que ele!
Mas por que ele insistia tanto em aproximar-se dela? Queria vingança pelo que o fizera
passar dois anos antes? Era bem possível. Quando o vira no vaporetto, naquele primeiro
dia, notara um brilho de ódio nos olhos azuis. Mais tarde, ali no jardim, de novo ele
demonstrara um desejo frio de magoá-la. Depois, no entanto, tornara-se menos agressivo,
quase gentil. Na verdade, Patrick era um oponente cheio de atitudes misteriosas e muito
perigoso.
Na noite anterior, por exemplo, ele a tocara de forma sedutora. Como ela gostaria de
esquecer o toque suave dos dedos em sua pele. Mas Patrick a marcara como se ela fosse
propriedade dele. Impregnara nela seu cheiro, o rastro ardente de suas carícias, um sinal
para evitar a aproximação de outros homens.
Pelo canto dos olhos, Antonia viu que ele a observava. Qual seria a verdadeira intenção de
Patrick? Talvez ainda a achasse parecida com a ex-noiva. A idéia deixou-a nervosa. Por
alguma razão não queria se parecer com ninguém. Preferia ser única para ele.
Ao mesmo tempo odiava aquela história de morarem sob o mesmo teto. Mas tio Alex ficara
tão feliz com a chance de poder compensar o mal entendido em Bordighera, que nem lhe
ocorrera a possibilidade de ela não gostar da idéia.
Patrick, no entanto, sabia sua opinião a respeito. E a fitava com um olhar cintilante,
observador. Se ao menos ela soubesse o que ele estava pensando. E se ele planejasse
mesmo se vingar?
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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primeiros segundos. Imóvel como uma estátua, Antonia lentamente começou a mergulhar
na escuridão confusa e tortuosa do pesadelo. Suas emoções se dividiam entre uma forte
atração e medo. De olhos fechados, não podia ver, apenas sentir o contato ex citante de um
corpo masculino.
Jovem ainda, Antonia nem havia descoberto o prazer dos sentidos quando todos os seus
instintos naturais foram represados naquela noite em Bordighera. Desde então fechara-se
em si mesma, evitando qualquer tipo de intimidade com pessoas, física ou mental.
Agora, inesperadamente, as comportas da represa se abriam e a água jorrava aos
borbotões; seu corpo tremia com sensações eróticas e selvagens.
Ao mesmo tempo, um outro pensamento a atormentava: se não tivesse sentido atração por
Patrick e o seguido até a praia, nunca teria sido atacada.
Assaltada novamente pelo pânico, ela começou a se debater, cheia de desespero e pavor.
Patrick interrompeu o beijo e a segurou pelos ombros, obrigando-a a se acalmar.
— Pare com isso, Antonia! Pare, vamos!
— Solte-me! — ela continuou lutando — Deixe-me ir, por favor! Solte-me, solte-me!
— Antes se acalme e depois a deixarei ir.
Patrick a puxou de encontro ao peito onde a fez encostar a cabeça e começou a afagá-la,
murmurando palavras gentis em seu ouvido. Aos poucos Antonia foi parando de se
debater, a respiração voltou ao normal e o tremor cessou. Então ele a obrigou a sentar-se,
fazendo o mesmo ao lado dela.
— Muito bem, Antonia. Não quer falar sobre isso, agora? Qual a razão desse pânico
repentino? E, por favor, ao menos desta vez, procure ser honesta com você mesma. O que
de fato a assustou tanto há poucos instantes?
Antonia baixou o olhar para as sombras da figueira no chão, ao responder.
— Não é óbvio?
— Nem um pouco. Você estava gostando do meu beijo e de repente...
— Eu não estava gostando!
— Antonia. — Patrick segurou-lhe o queixo, fazendo-a encará-lo. — Nós dois sabemos que
isso não é verdade. Por acaso me considera tão tolo assim, a ponto de não perceber quando
a mulher em meus braços me deseja?
— Eu não desejo você! Isso é mentira e nunca mais repita tamanho absurdo!
De repente ela sentiu as lágrimas escorrerem pela face e viu o rosto de Patrick tornar-se
sombrio. Houve um instante de silêncio, antes que ele falasse.
— Você tem pavor de admitir a verdade, não é mesmo? Ela cobriu o rosto com as mãos,
desta vez soluçando copiosamente. Patrick a deixou desabafar, então tirou um lenço do
bolso e pôs-se a enxugar-lhe o rosto e os olhos.
— Agora chega de chorar, vamos. Recomponha-se antes que seu tio volte e me acerte um
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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Ela não se surpreenderia se Rae estivesse apaixonada por ele. Notara um tom possessivo
quando a escritora falara dele e depois, Rae era uma mulher atraente, não? E quanto a
Patrick? Como se sentiria em relação a Rae?
Alex sorriu, envolvendo-a pelos ombros.
— Bem, então vamos jantar?
Foi uma noite estranha. Os dois homens conversaram a maior parte do tempo, enquanto
Antonia os ouvia silenciosa e atenta, principalmente em Patrick. De vez em quando ele a
fitava sobre a vela acesa e quando seus olhares se cruzavam ela disfarçava depressa,
envergonhada por ter sido pega em flagrante.
A cada segundo mais desejava nunca tê-lo reencontrado. Desde que o vira no vaporetto,
sua vida, já tão complicada, se tornava um caos. Lentamente, ela via suas defesas se
desmoronarem feito cacos de vidro se quebrando.
Todas as manhãs os três tomavam o café da manhã juntos, na mesa do jardim. A conversa
era sempre animada e muitas vezes ela precisava correr para não chegar atrasada no
palácio. Algumas tardes, quando ia à Academia fazer pesquisas sobre alguma obra não
catalogada, encontrava-se com Patrick que ali se encontrava trabalhando também. Nessas
ocasiões, voltavam juntos para casa, caminhando devagar pelas ruas silenciosas, enquanto
discutiam o tema favorito dos dois: Michelangelo ou Donatello.
Patrick a ultrapassava em conhecimentos, dominando o assunto tanto em teoria como em
prática. De observá-lo desenhar ou pintar e ouvi-lo, Antonia aprendeu mais do que com
qualquer de seus professores.
À noite, jantavam os três juntos. Às vezes iam a um restaurante, outras ficavam em casa
onde, ou comiam espaguete feito pelo tio, ou uma salada preparada por ela, ou o risoto
inventado por Patrick, de frutos do mar e ervas.
Após o jantar, jogavam baralho, ouvindo música. Com freqüência, o tio saía para visitar
algum amigo e ela e Patrick ficavam sozinhos. Iam para o jardim e conversavam
tranquilamente sob a noite quente do verão de Veneza.
Apesar de pressentir o perigo da situação, Antonia não queria evitá-la. Estar perto de
Patrick a fazia sentir-se viva. E quando ficavam longe, adorava pensar nele o tempo todo e
muitas vezes até se pegava cantarolando.
Durante meses Antonia levara uma vida estável e regrada, sem altos e baixos e na qual se
sentia segura. De repente seu mundo se transformara numa roda-viva de emoções. Se num
momento experimentava uma sensação nova e vibrante, no seguinte se via atormentada
em dúvidas e angústias e tudo por causa de Patrick Ogilvie.
Dois anos antes ela cometera um grave erro que o prejudicara muito. Sabia disso. Sempre
se culpara. Mas agora Patrick ficara o dono da situação. Por causa dele, ora ela estava feliz,
ora em mísero estado. E não compreendia por quê. Só sabia que o responsável pelos seus
altos e baixos era ele.
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CAPITULO VI
Projeto Revisoras 54
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— Tudo bem. Vou pegar meu maio e volto num instante. O Lido de Veneza se originara de
uma barreira de lodo construída pelos rios vindos das montanhas Dolomite. Carregando
lama e areia em suas águas, a despejavam no mar Adriático, onde se formou uma longa e
estreita ilha com praias de areia fina.
Sempre lotadas, essas pequenas praias eram uma atração em Veneza, durante o verão.
Uma fila de barracas coloridas podia ser vista ao longo da orla onde turistas e venezianos
dividiam espaço.
Antonia conhecia uma dessas praias, quando certa vez se hospedara com tio Alex num dos
charmosos hotéis antigos do século XIX. Mas naquela tarde, Patrick a levou a uma mais
distante onde alugaram colchões e guarda-sóis e sentaram-se lado a lado na areia.
Embora não estivesse mais tão cheia, devido ao horário, ainda haviam crianças brincando,
adolescentes nadando e pessoas de idade dormindo à sombra.
Antonia usava um maio inteiro preto, de uma lycra fina e colante. Ombros, costas e pernas
ficavam à mostra e o restante a cargo da imaginação de quem a via.
Temendo os olhares de Patrick ou algum comentário mais atrevido, ela saiu da cabine de
troca insegura como uma adolescente.
A atitude dele, no entanto a surpreendeu.
— Você prefere tomar um drinque gelado antes ou depois de nadarmos?
— Depois.
— Tudo bem, então vamos.
A sensação da água fria em seu corpo suado, foi melhor do que ela esperava. Nadava
distraída, mais se refrescando do que propriamente se exercitando, quando inesperada-
mente Patrick mergulhou e puxou-lhe o pé para baixo, fazendo-a submergir.
Antonia soltou um grito e, meio que rindo e alarmada, deu um impulso vigoroso para
voltar à tona. Em seguida começou a nadar com incrível rapidez.
— Ah, você não me escapa, Antonia!
A ameaça de Patrick a fez aumentar o ritmo das braçadas. Ela era uma exímia nadadora e
estava em boa forma. Sem pensar duas vezes, foi se distanciando cada vez mais da praia até
não ouvir mais o som de vozes nem o grito das crenças. Então diminuiu um pouco o ritmo
e quando Patrick a alcançou, aumentou a velocidade novamente.
— Antonia! Onde você pensa que vai?
Ignorando a pergunta de Patrick, ela continuou nadando, nadando, então de repente
começou a sentir cansaço. Braços e pernas pareciam pesados, os músculos doíam e a respi-
ração se tornava difícil. Por quanto tempo mais ela agüentaria? Não seria hora de voltar?
Preocupada, diminuiu o ritmo e virou-se para trás. Patrick continuava nadando, mas tinha
uma expressão tensa de quem também se sentia cansado. Ao longe, a praia agora era uma
faixa muito estreita e as pessoas pequenos pontos na areia.
Estava mais distante do que imaginara, Antonia pensou aflita e quando se virou para
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Podia-se dizer que ele estava nu. A sunga preta, além de minúscula, colava-se ao quadris,
revelando bem mais do que escondia.
A visão a fez corar e ela desviou o olhar depressa, temendo ser pega em flagrante. Deixou
passar um instante e arriscou de novo ao ver que os olhos continuavam fechados.
Desta vez, começou o exame de cima, passeando o olhar pelos ombros largos e bronzeados
cuja pele lisa e úmida era um convite a uma carícia. Cheia de ousadia, prosseguiu a
observação concentrando-se agora no peito amplo onde um tufo de pelos aloirados
cintilava com gotículas d'água. Embevecida, foi acompanhando o caminho dos pelos
através do abdome chato até vê-los desaparecer sob o cós da sunga.
De repente ela sentiu a boca seca. Sem dúvida, ele tinha um corpo incrivelmente sexy,
pensou baixando o olhar para as coxas musculosas, as pernas muito longas e os pés bem
feitos.
Foi quando Antonia percebeu que não sentia mais frio. Um calor intenso brotava de dentro
dela como se tivesse acabado de engolir um punhado de brasas incandescentes.
Naquele exato momento a respiração de Patrick se alterou e ela pôde ouvi-la. Olhou
depressa para o rosto dele e ficou horrorizada ao constatar que ele a observava.
O choque foi enorme e ela nem teve tempo de disfarçar. Quando deu por si, Patrick a
puxara para cima dele, deixando-a totalmente sem fala diante do impacto dos dois corpos.
— Beije-me, Antonia.
Ela balançou a cabeça com veemência, incapaz de falar, respirar ou mesmo protestar.
Nunca estivera encostada num homem daquela forma e de repente descobria que o contato
das peles ao mesmo tempo a constrangia e excitava.
— Vamos, Antonia, coragem — Patrick insistiu com suavidade. — Nunca vai afastar os
fantasmas se não admitir que tem um corpo com instintos naturais. Não tenha medo,
apenas se deixe levar por seus instintos. Beije-me.
— Eu... eu não posso, Patrick, por favor...
— Pode, sim. Basta dizer a si mesma que não há nada de errado em querer.
— Quem disse que quero?
Patrick continuou olhando para ela como quem lesse seus pensamentos. E era exatamente
o que Antonia mais temia: deixá-lo perceber sua aflição e angústia por não ter coragem de
encarar a realidade.
Por que ela era tão vulnerável a ele? Como Patrick conseguia perturbá-la tanto? E por que
"ele" e não um outro homem qualquer?
Desde o primeiro encontro deles, naquela festa em Bordighera, sua reação fora idêntica a
daquele momento: atração e medo.
— Beije-me, Antonia.
— Eu não quero.
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dominados por Patrick. Só respondia a ele, num prazer crescente e intenso, como jamais
conhecera.
Pensava estar entrando no paraíso quando, de repente, Patrick a segurou pelos ombros,
empurrando-a para trás.
— Acho melhor voltarmos agora para a praia, Antonia. O sol está quente demais.
Ela mal registrou as palavras. Observava os, lábios se movendo, com a respiração
suspensa. Toda a sua concentração se restringia àquele ponto do universo: a boca de
Patrick. Queria beijá-la de novo. Passaria uma eternidade beijando aqueles lábios.
— Não era a minha intenção ir tão rápido nem tão longe assim, Antonia. — Patrick disse
bruscamente. — E se não formos embora logo, não garanto que pararemos por aqui. E
como também não quero ser acusado de tê-la forçado a nada, de agora em diante você terá
de pedir pelo que quiser.
Rubra de ódio e vergonha, Antonia se levantou bruscamente, fazendo questão de limpar a
areia do corpo em cima dele.
— Você é o sujeito mais vaidoso que eu já conheci em toda a minha vida!
Em seguida ela se atirou no mar e começou a nadar de volta para a praia.
Escutou Patrick mergulhando em seguida, mas não o esperou. Sem cãimbras e furiosa,
chegou bem antes dele e estirou-se no colchão, colocando o fone de ouvido. Quando
Patrick deitou-se ao lado dela, ignorou-o por completo.
Aquelas alturas o sol já ia baixo no céu e o movimento na praia diminuíra muito. Vencida
pelo cansaço, Antonia adormeceu e começou a sonhar que Patrick a beijava. Acordou
assustada. Virou-se de lado, confusa e agitada e quando abriu os olhos, Patrick a observava
com aquele olhar de quem sabia o que acontecera.
— Por que está me olhando? Por acaso sou alguma peça rara?
— Qual é o problema? Você estava dormindo, por que deveria se incomodar?
— Mas agora estou acordada! Patrick começou a rir.
— Tem certeza?
— Muito engraçado. Você pode gostar de fazer piadas, mas eu não!
— Simplesmente porque não sabe. Aliás você precisava ter algumas aulas de como
aproveitar a vida.
— Não com você, obrigada.
Ela se virou de costas para ele e aumentou o volume do fone de ouvido para não escutar
mais nada do que Patrick dissesse.
Voltaram para casa quando o sol se punha e encontraram um bilhete de Alex avisando que
fora jantar com alguns amigos. Nervosa ante a perspectiva de ficar sozinha com Patrick,
Antonia fez a única sugestão plausível.
— Bem, talvez seja melhor também jantarmos fora, não?
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Aos poucos, foi surgindo no papel uma criatura esguia com cachos aloirados e olhar
sensual. Um rosto com traços semelhantes aos dela e ao mesmo tempo diferentes; uma
outra Antonia criada por Patrick.
Ao terminar, ele virou o desenho para ela.
— E então, o que acha?
Antonia olhou para a boca da garota. Lábios entreabertos e sensuais; não eram os dela.
Assim como o olhar, cintilante e sedutor.
— Essa não sou eu, Patrick.
— Claro que é, sua boba. — Ele se levantou para pegar um pequeno espelho de parede e o
colocou diante dela. — Olhe-se com atenção. Esta é você como deveria ser e não como se
imagina.
Ao se olhar no espelho, Antonia teve uma surpresa inesperada. De fato seu rosto era muito
parecido com o da garota do desenho. Tinha o mesmo olhar sedutor e lábios entreabertos,
num convite erótico e sensual.
— Você se parecia com esta garota, quando a vi pela primeira vez. — Patrick lembrou com
um sorriso.
— Mentiroso. Naquela noite você havia acabado de romper o seu noivado e nem prestou
atenção se eu era sexy ou não.
— Engano seu. De fato, eu estava num péssimo humor, mas não pude tirar os olhos de você
nem por um minuto. E quando mais tarde eu soube do seu incidente na praia, senti-me tão
culpado como se tivesse sido eu o atacante.
— Você?
— Sim, no fundo eu a desejava para mim.
— Não foi a impressão que eu tive!
— Eu sei. E você nem imagina como me arrependi de ter sido tão tolo naquela noite. Eu
devia ter dançado com você. Devia tê-la beijado, abraçado e a levado para a cama! Talvez
então, você não tivesse ido até aquela praia sozinha, não é mesmo?
Ao sentir os olhos cheios de lágrimas, Antonia se levantou de um salto e subiu as escadas
correndo, sem dizer boa noite.
Já era madrugada e ela ainda se revirava na cama, tentando imaginar como teria sido se
Patrick tivesse dançado com ela naquela festa. Teriam mesmo ido para a cama?
Certamente.
Odiava admitir, mas fora amor à primeira vista. Naquela noite, ela era uma fruta madura,
pronta para ser colhida. Bastaria Patrick ter esticado a mão para ela cair nos braços dele e
o deixar saborear seu doce sumo.
Infelizmente ele a rejeitara e com isso arruinara dois anos de sua vida. Droga! Algumas
vezes chegava a odiá-lo. Tinha vontade de fazê-lo sofrer da mesma maneira como ele a
fizera. Se Patrick ousasse fitá-la com aquele olhar sexy de zombaria e de novo dissesse para
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tinha?
— Sei lá. O homem, segundo comentários, é um fazendeiro rude do interior da Inglaterra,
com conceitos da Idade da Pedra em matéria de mulheres. — Rae soltou uma risada. —
Comigo o infeliz jamais daria certo. Patrick e eu sempre nos demos bem justamente porque
ele me deixava decidir tudo por nós dois.
— Nesse caso, você também nunca daria certo com o meu Alex. Ele jamais a deixaria tomar
as decisões por ele.
— Susan-Jane está certa, Rae — Alex concordou. — Estou sempre pronto para ajudá-la a
fazer todo o serviço doméstico quando necessário, mas quando se trata de tomarmos uma
decisão, fazemos sempre em conjunto. Respeito as opiniões de Susan-Jane, assim como ela
respeita as minhas. Conosco é tudo na base do meio a meio.
Naquele instante, Antonia ouviu um barulho na porta. Pouco depois Patrick entrou na
cozinha. Estava irresistível de jeans e camiseta branca, com os cabelos despenteados sobre
o rosto bronzeado. Seu coração disparou. Céus! Morreria de ciúmes quando o visse com
Rae.
— O que há Antonia? Não ficou muito feliz em me ver, ficou?
— Eu...? — ela disfarçou, sem jeito. — Não seja bobo. Susan-Jane e Rae chegaram, sabia?
— Não, é mesmo?— A expressão dele mudou, iluminando-se com um sorriso. — Elas não
vinham só na segunda-feira?
— Conseguiram pegar um vôo mais cedo.
Antonia ainda nem digeriria a expressão de felicidade de Patrick quando ouviram vozes na
escada e Rae surgiu na porta da cozinha. Ao dar com Patrick, a escritora estancou,
estendendo os dois braços para ele.
— Patrick! Eu estava morrendo de saudades!
Segurando-lhe ambas as mãos, Patrick afastou-se um pouco, examinando-a com um
sorriso.
— É bom vê-la de novo Rae. Você me parece bem, como sempre.
— Obrigada. E como vão as coisas?
Enquanto eles conversavam, Antonia procurava decifrar cada palavra, reação e gesto de
Patrick. Ainda não tinha certeza de quais eram exatamente os sentimentos dele para com
Rae. De amizade apenas? Ou existiria algo mais profundo? Teria sido Rae o motivo do
rompimento entre ele e Laura Grainger?
Oh, eram tantas as perguntas e tão poucas respostas...
— Ei pessoal! — Tio Alex bateu palmas para chamar a atenção. — Vamos todos, sair para
comemorar. Rae, você tem algum restaurante favorito aqui em Veneza?
Rae revirou os olhos, pensativa.
— Bem, deixe-me ver... Oh, sim, o Antico Martini!
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— Como vê, só faltava alguém proporcionar um encontro entre eles, para tudo se resolver.
São dois teimosos e orgulhosos demais para darem o primeiro passo. Apesar disso, fazem
uma dupla perfeita e me sinto feliz por tê-los ajudado.
Na segunda-feira bem cedo, Rae viajou para Florença. Apenas Antonia se levantara e se
encontrava tomando o café da manhã na cozinha, quando a escritora desceu de malas
feitas.
— Bom dia, Antonia. Já em pé?
— Bom dia, Rae. Acabei de comprar pão e o bule está cheio de café. Não quer se servir?
— Não, obrigada. Comerei qualquer coisa no aeroporto. Já me despedi de todos ontem à
noite, só faltava você. Foi uma pena não termos conversado mais, mas espero que vá me
visitar em Florença.
— É, quem sabe algum dia. Faça uma boa viagem.
— Obrigada. Ah, e dê um abraço em Patrick por mim quando ele se levantar, sim?
Antonia sorriu, fingindo concordar e a fitou intrigada.
— Patrick não vai se encontrar com você em Florença? Rae deu de ombros, com um ar
aborrecido.
— De fato essa era a minha intenção, mas ele alegou que ainda tem alguns assuntos
pendentes para tratar aqui em Veneza.
— Oh, é mesmo?
Rae aproximou-se dela, diminuindo o tom de voz.
— Cá entre nós, Antonia. Patrick mudou muito. Antigamente ele era um sujeito fácil de se
lidar, mas hoje em dia! Haja paciência! Ele só faz o que bem entende. Chego a colocar em
dúvida se nosso relacionamento no trabalho vai ser tão bom quanto antes. Não dá para
cada um ter a própria opinião e afinal, esse projeto é meu, não?
Antonia balançou a cabeça sem saber o que dizer.
— Bem, não devo mais aborrecê-la com meus problemas. Acho melhor eu ir andando ou
perderei o avião. Fico feliz em saber do seu noivado e que já superou aquela tragédia em
Bordighera. Espero nos vermos qualquer dia destes, certo? Adeus e mande lembranças
minhas a todos.
Sem ver necessidade de responder, Antonia bebeu um gole de café enquanto Rae pegava as
malas e saía pela porta, falando sem parar. Ao se ver sozinha, suspirou aliviada.
— Adeus, Rae.
Pouco depois, quando tio Alex entrou na cozinha, bocejando, ela comentou com ele que
Rae acabara de sair.
— Sim, ontem ela me disse que pretendia pegar o primeiro vôo para Florença. É uma
mulher muito independente, não? Mas como hóspede, um tanto cara. Exige o melhor e
sem dúvida o consegue.
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— Pensei que Patrick fosse com ela para Florença, tio Alex. Por quanto tempo ele ainda
pretende se demorar?
— Até a nossa partida. Convidei-o para ficar enquanto estivermos por aqui. Rae está
negociando um contrato melhor para ele com o editor e Patrick pretende alugar um
apartamento mais confortável.
— Ele... ele vai morar aqui em Veneza?!
— Durante algum tempo.
Antonia mal conseguia respirar. Seus sentimentos nunca foram tão contraditórios. Passara
os últimos dias infeliz, acreditando que Patrick partiria com Rae e agora se via nervosa
porque ele se instalaria em Veneza.
Procurando mostrar-se indiferente, levantou-se para pegar um copo de água.
— Mas ele e Rae não vão trabalhar juntos, tio Alex? Como farão isso morando em cidades
diferentes?
— Bem, eles combinaram manter contato por telefone e Rae enviará os textos pelo correio.
Nesse tipo de trabalho não há necessidade de se encontrarem com muita freqüência.
Passados alguns dias, os tios também começaram a arrumar as malas para partirem. A
convite de Patsy, Antonia se achava de mudança para o palazzo.
Apesar de saber que teria uma linda suíte inteira para si, num lugar belo e luxuoso, ela se
sentia deprimida por deixar a singela casa cor de rosa. Nada se comparava à tranqüilidade
e beleza daquele jardim com a fonte e a figueira. Ali ela descobrira seu amor por Patrick; ali
conhecera uma nova paz; ali voltara a sentir alegria de viver.
Antonia sempre traria na lembrança a imagem de Patrick junto à fonte, alimentando os
pombos com miolo de pão, observando as sombras da imensa árvore com seus olhos azuis
cintilando ao sol das manhãs.
Durante dois longos anos, ela fora atormentada em pesadelos por uma visão sombria de
Patrick. Aquelas semanas em Veneza, sem dúvida haviam mudado essa imagem ruim. Mas
não a apagaram completamente. Patrick ainda a perseguia e amedrontava em sonhos.
Como podia esquecer que se não tivesse ido atrás dele na praia, não teria sido atacada?
desse sentimento de culpa ela nunca se livraria.
Numa mesma noite sentira atração por um homem e depois acreditara ter sido atacada por
ele. E ao saber que ele era inocente, continuara confusa, dividida entre sentimentos de
paixão e medo, desejo e repulsa.
Naqueles últimos dias, com os preparativos das mudanças dela e dos tios, havia uma
grande agitação na casa cor de rosa. Antonia já descera com suas malas para o saguão,
quando a lancha-táxi chegou para levá-la ao palazzo. A despeito de seus protestos, Patrick
insistiu em acompanhá-la e ela só não fez uma cena por estarem diante do barqueiro.
A viagem pelos canais de Veneza sempre a agradava. Ver os lindos palácios refletidos na
água, os mosaicos das cúpulas de San Marco se perdendo à distância, era uma visão
incansável.
Projeto Revisoras 67
Charlote Lamb – Verão em Veneza
(Sabrina 869)
O palazzo dos Dewon tinha seu próprio ancoradouro. Patrick a ajudou a descarregar as
malas e Lúcia os aguardava no saguão.
— Madame está tomando café com a Baronesa — comunicou-lhe secamente, lançando
olhares desconfiados para Patrick. — Você já sabe onde é o seu quarto, Antonia. E quem é
esse homem?
Ela fez as apresentações e quando Patrick se curvou para beijar a mão de Lúcia, notou um
certo rubor no rosto rechonchudo da governanta.
— Então ele é um pintor, hein? — Lúcia exibiu um raro sorriso. — Conheço bem esse tipo
de gente. São ainda mais perigosos que os homens em geral. Vou preparar um café
enquanto vocês sobem com a bagagem.
— Oh, ele já está de saída. — Antonia apressou-se em dizer. — Eu mesma levarei as malas
para cima.
— Ora, você não pode carregar tudo isso sozinha! — Patrick objetou, pegando as duas
malas maiores e já subindo as escadas sem esperar por ela.
A governanta endereçou um olhar malicioso para Antonia.
— Pelo visto, esse aí não é tão dócil como o sobrinho de Madame.
Com o rosto em brasas, Antonia pegou as malas menores e seguiu atrás de Patrick.
Ele a esperava no início de um longo corredor escuro, com uma infinidades de portas,
todas fechadas.
— Então, qual é o seu quarto?
Sem responder, Antonia tomou a dianteira e no final do corredor abriu uma porta dando
para uma sala finamente mobiliada onde colocou as malas no chão.
Patrick fez o mesmo, soltando um assobio ao olhar ao redor.
— Que luxo! A sala é enorme, mas... onde está a cama?
— Ali, naquele outro quarto. A suíte inteira é minha.
Se ela esperava impressioná-lo com suas palavras, desapontou-se. Patrick a fitou
duramente e se dirigiu ao dormitório a fim de inspecioná-lo.
Seguindo-o, Antonia ficou atenta aos olhos azuis, tentando adivinhar o que ele pensava
enquanto examinava cada canto, cada detalhe do ambiente decorado com luxo.
— Maravilhoso! — finalmente ele se expressou. — Então esse é o palácio que o seu lindo
noivinho vai herdar um dia! Agora entendo porque o acha tão atraente.
— Não seja maldoso! Nunca estive interessada no dinheiro de Cy! Eu me casaria com ele
mesmo se não tivesse um níquel furado!
— Desde que não tentasse fazer amor com você, certo? Eram palavras tão próximas da
verdade, que Antonia não pôde suportá-las. Ergueu a mão para esbofeteá-lo, mas Patrick
segurou-lhe o braço, puxando-a de encontro a ele.
— Você não ia me bater, ia, Antonia? Cuidado! Está começando a perder o controle e não
Projeto Revisoras 68
Charlote Lamb – Verão em Veneza
(Sabrina 869)
deve deixar isso acontecer. Precisa refrear seus impulsos ou trairá o fato de que é uma
mulher normal com desejos e necessidades naturais.
— Solte-me, Patrick!
— Em um minuto. Antes quero fazer isso.
Um beijo intenso e possessivo a obrigou a agarrar-se aos ombros de Patrick, para não
perder o equilíbrio. Os lábios quentes e impetuosos se apoderavam dos dela numa fúria
louca, impedindo-a sequer de respirar. Ainda assim, Antonia resistiu bravamente até ver as
forças se esvaírem na batalha contra os sentidos.
Patrick soltou-lhe as mãos apenas para enlaçá-la pela cintura, eliminando de vez a pouca
distância entre os dois. Ela poderia ter aproveitado aquele segundo para fugir, não
estivesse já dominada pelo magnetismo da boca masculina. Deixando escapar um suspiro
de prazer, entreabriu os lábios, rendendo-se totalmente à paixão do beijo.
As mãos de Patrick começaram a se mover, percorrendo todas as saliências e curvas de seu
corpo. Os dedos hábeis, quentes e sensíveis moldavam as carnes rijas com a mestria de um
escultor. A cada toque mais ousado, Antonia ansiava por um outro ainda mais íntimo;
queria aquelas mãos de encontro à sua pele tanto quanto queria entrelaçar os dedos nos
pelos macios do peito másculo.
A sensualidade desperta corria em suas veias, fazendo-as pulsar sob a pele, pelo corpo,
acompanhando os caminhos das mãos. Ela usava apenas uma camiseta curta e sem
mangas; Patrick a ergueu e após abrir o fecho do sutiã rendado, envolveu-lhe um dos seios
com a mão.
Naquele ponto Antonia não se conteve mais. Com os dedos trêmulos, desabotoou-lhe a
camisa, encontrando a carne firme e musculosa do peito, a maciez dos ombros bronzeados,
o estômago chato e os pelos sedosos do abdome.
Enquanto o explorava, Patrick a encorajava com ondulações do corpo e gemidos de prazer
intenso. Havia escorregado os lábios para seu pescoço, onde depositava beijos úmidos e
quentes, entremeados de mordidas leves e lambidas suaves.
Os dois corpos estavam colados; os peitos se roçavam, os quadris balançavam em sincronia
perfeita, as coxas se bus cavam numa ânsia febril. Cada movimento reavivava em Antonia o
fogo ardente do desejo. Ela já não suportava mais. Cruzando os braços em torno do
pescoço viril, os dedos entrelaçados nos cabelos nuca, moveu a coxa instintivamente, num
convite explícito.
Naquele momento, para seu total desaponto, Patrick se afastou, interrompendo as carícias.
Respirava com dificuldade e os olhos azuis refletiam o brilho sombrio da paixão.
— Quem sabe agora você tenha coragem de admitir a verdade, Antonia. Não está e nunca
esteve apaixonada por Cy Dewon. Alguma vez o desejou assim, com essa intensidade? Não
percebe que se levar adiante essa farsa de casamento, estará arruinando a vida de vocês
dois?
Antonia ergueu o olhar para ele, atônita. Era a pura verdade.
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
(Sabrina 869)
CAPITULO VII
Cy ligou para Antonia naquela mesma noite, 'querendo saber se a mudança correra bem.
Patsy havia saído para jantar com uma amiga e ela já se encontrava em seu novo quarto,
pronta para dormir.
— Espero não tê-la acordado, meu amor. Ficou muito cansada com a mudança?
— De fato foi um dia exaustivo, por isso decidi me deitar cedo.
— Mias correu tudo bem, não?
— Claro.
Procurando mostrar-se animada, Antonia contou que já desfizera as malas e se encontrava
confortavelmente instalada em seu novo lar. Comentou sobre a decoração do quarto,
mencionando até detalhes idiotas como a cor do pingente da cortina.
Enquanto falava, pensava numa maneira de entrar num certo assunto, delicado demais,
principalmente para ser tratado por telefone. Oh, como gostaria de ter Cy ali com ela. Seria
tão mais fácil conversarem frente à frente. Ou não? Se ao menos ela não fosse tão covarde!
Mas Cy, sensível como sempre, notou algo estranho em seu tom de voz. Era a deixa que ela
tanto precisava.
— Você está com algum problema, Antonia?
— Oh, Cy, você percebeu? Como adivinhou?
— Você não pára de falar, parece tão nervosa.
— Bem, eu... você tem razão. Oh, Cy, tenho pensado tanto e... bem, é difícil colocar em
palavras, mas ando muito confusa a respeito de tudo.
— Sobre o nosso noivado, você quer dizer? Antonia respirou fundo, criando coragem.
— Exatamente. Eu sinto muito, Cy. Não quero arruinar a sua vida e se eu me casasse com
você nunca o faria feliz. Eu jamais deveria ter concordado com o nosso noivado. Fui
precipitada e... e agora estou arrependida.
— Não se aflija tanto, meu amor. Podemos adiar a data por quanto tempo quiser, você sabe
disso. Não há pressa e nenhuma necessidade de entrar em pânico.
Antonia mordeu o lábio, preocupada. Ainda não dissera toda a verdade a Cy. Como ela era
covarde. Tinha medo de dizer a Patrick que o amava e de contar a Cy por que não queria
mais se casar com ele. Depois do incidente em Bordighera tornara-se medrosa demais para
correr riscos.
Ao vê-la em silêncio, Cy suspirou.
— Sabe de uma coisa, meu bem? Cometi um erro vindo para os Estados Unidos e
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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deixando-a tanto tempo sozinha. Na época achei que deveria lhe dar algum tempo para se
acostumar com a idéia do casamento, mas foi bobagem minha.
— Não, você estava certo, Cy! Eu realmente precisava de um tempo para pensar.
— Isso você já teve até demais — Cy, retrucou um pouco menos gentil. — Passou dois anos
se amargurando por causa daquela noite em Bordighera, não? Sei o quanto é difícil,
Antonia, mas você precisa esquecer o passado e tratar de tocar a vida em frente.
— Eu... eu também acho, Cy.
— Por mim, eu tomaria o primeiro avião para Veneza, mas, infelizmente, estou atulhado de
trabalho. De qualquer maneira, prometo estar aí o mais breve possível. Até lá, trate de não
se preocupar, Antonia. Procure viver cada dia, não passe muito tempo sozinha, saia
bastante de casa e esqueça o casamento por enquanto. Não quero vê-la sob nenhuma
pressão. Ah, e tire o anel do dedo se ajudar. Mas guarde-o bem hein? Não vá perdê-lo!
Ele riu, como se tivesse feito uma brincadeira, no entanto Antonia sabia que ele falara
sério. O anel valia alguns milhares de libras!
— Fique tranqüilo, Cy. Não vou perder o anel.
— Boa menina. Bem, falaremos sobre tudo isso quando eu chegar. No momento, só quero
que relaxe e confie em mim. Agora trate de dormir e amanhã se sentirá muito melhor.
Assim espero.
Antonia suspirou, desanimada. Cy gostava de tratá-la como uma criança, achando-se
responsável por ela. De fato, existia uma grande diferença de idade entre os dois; Cy era
pouco mais jovem que seu pai. Talvez por esta razão ela se sentisse tão segura ao lado dele.
Sim, só podia ser isso. A única dúvida era: por que Cy queria se casar com ela se a via como
uma criança?
Após desligar, Antonia se deitou e ficou olhando para o teto do quarto, com um peso
enorme no coração. Cy não a levara a sério.
De qualquer maneira, ela não fora totalmente honesta com ele. Não mencionara o ponto
principal e Cy provavelmente atribuíra suas inquietações a uma crise pré-nupcial. Ele
ainda nem sabia sobre seu reencontro com Patrick.
Oh, céus! Por que não contara de uma vez que amava Patrick e por isso não podia mais se
casar com ele? Cy nem sofreria. Ele não a amava mesmo. Ou pelo menos nunca dera
nenhum indício de estar apaixonado. Quando a beijava, muito raramente, tratava-se de
meros contatos rápidos de lábios, incomparáveis aos beijos ardentes de Patrick.
Oh, os beijos de Patrick...
Antonia enterrou a cabeça no travesseiro, cerrando os dentes com força. Não queria
começar a pensar naquele assunto. Se voltasse a lembrar os momentos nos braços de
Patrick, passaria a noite acordada.
No dia seguinte, ela voltou pela última vez à pequena casa cor de rosa. Alex e Susan-Jane
haviam terminado de encaixotar seus pertences e despachado tudo para Monte Cario num
caminhão.
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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Naquela noite, eles dariam uma festa de despedida aos amigos de Veneza e Antonia passou
a tarde toda ajudando-os nos preparativos.
No final do dia, exaustos e suados, os três se sentaram na sala para um vinho branco
gelado. Susan-Jane soltou um longo suspiro e começou a rir.
— Só mesmo dois loucos como nós para darmos uma festa na noite anterior à nossa
partida, Alex! Amanhã estaremos mortos e ainda teremos de viajar o dia todo.
— Pelo menos não teremos de limpar nada, meu bem. Contratei uma faxineira para deixar
a casa em perfeita ordem. E depois, não precisaremos fazer a viagem numa esticada só. Se
ficarmos cansados, dormiremos em algum hotel no caminho. Relaxe, minha querida. Não
existe problema sem solução.
— Oh, você adora mesmo dar festas, Alex.
—Tudo bem, eu reconheço. Mas você também, Susan-Jane!
— Concordo. Só acho que devíamos ter dado esta despedida há uma semana atrás.
— Uma despedida uma semana antes de viajarmos?! Não teria o mesmo significado, minha
querida. Não, a melhor ocasião para uma festa desse tipo é na noite anterior à partida.
Então, basta acordar no dia seguinte e ir embora!
Susan-Jane terminou o vinho e olhou para o relógio, levantando-se de um salto.
— Primeira a tomar banho!
Quando ela saiu da sala, o tio se virou para Antonia, rindo.
— Ela é sempre a primeira, não sei por que tanto alarde. Aliás, eu até prefiro. Susan-Jane
demora tanto para se arrumar. Experimenta uma dúzia de vestidos, outros tantos sapatos e
leva horas se maquilando. Quem vê, pensa que está decidindo o destino do mundo.
— Mas o resultado é sempre espetacular, tio Alex.
— Nesse ponto, concordo plenamente. Susan-Jane é uma mulher maravilhosa. Você
também, Antonia. Por falar nisso, o que pretende usar esta noite? Algo selvagem e sexy ou
elegante e sofisticado?
Antonia fez uma careta, sabendo que nenhuma dessas descrições jamais combinaram com
ela. Sua última intenção era se mostrar sexy ou selvagem. Achava arriscado demais atrair a
atenção dos homens dessa forma. E quanto à sofisticação ou elegância, embora apreciasse
ambas as qualidades em outras mulheres, nunca se iludira em possuí-las. Faltava-lhe
altura e desembaraço para tanto.
— Estou pensando no meu vestido de carnaval, tio Alex.
— Aquele?! É belíssimo! Aposto como ninguém vai tirar os olhos de você.
— Do meu vestido, você quer dizer.
— De ambos.
Antonia ganhara aquele vestido dos tios, logo ao chegarem a Veneza. Quinze dias antes
havia sido o famoso carnaval da cidade e ele se encontrava em oferta numa vitrina, junto
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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Projeto Revisoras 73
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corredor e suspirou aliviada. Felizmente, Susan-Jane ainda não se fora e poderia ajudá-la.
— Você pode vir até aqui um instante, Susan-Jane?
Pelo espelho, ela viu a porta sendo aberta e já ia sorrir quando, em vez da tia, surgiu o rosto
de Patrick.
No primeiro minuto, Antonia ficou sem ação. Ele a encarava com um brilho estranho no
olhar e quando ela se lembrou que ainda não se vestira e usava apenas a combinação preta
e transparente, com corpete de renda, teve um acesso de fúria.
— Saia já do meu quarto! Quem lhe deu o direito de entrar aqui sem bater?!
— Ora, você me convidou para entrar.
— Eu pensei que fosse Susan-Jane e você me ouviu muito bem dizer o nome dela! E agora
saia daqui ou começo a gritar por socorro!
— Não há ninguém lá embaixo, poupe a sua garganta. Aliás, onde estão seus tios? A festa
não começava às oito horas?
Patrick estava irresistível de smoking, com os cabelos molhados do banho e inundando o
quarto com um perfume avassalador.
Em meio ao ódio e indignação, Antonia começou a sentir uma reação já familiar. Um calor
crescente que começava no estômago e ia subindo para o pescoço e rosto, impedindo-a de
falar ou raciocinar.
— Antonia? Eu perguntei onde estão seus tios? Pegando o robe para se cobrir, ela começou
a gaguejar.
— E... eles saíram pára comprar mais bebida e logo estarão de volta. Agora quer se retirar
do meu quarto, por favor?
— Em dois segundos. Primeiro quero fazer uma pergunta.
— Qual é?
Patrick a encarou com um brilho intenso no olhar.
— Você tem noção do quanto está sexy com esta máscara? Sempre desconfiei que havia
algo de transcendental nesse seu jeito arredio de tratar as pessoas, mas hoje posso afirmar
com segurança. Você me lembra alguém do outro mundo, uma criatura mística dos contos
de fadas, metade pássaro, metade mulher.
Antonia engoliu em seco. Patrick fora se aproximando lentamente e agora se encontrava
diante dela, tocando a máscara.
— Que penas são estas? Não são de pombas ou teriam de ser mais brancas. De que ave
foram tiradas?
— Com... compramos como sendo de faisões prateados.
— São lindas. E então, Antonia? Você é pássaro ou mulher?
Ela estremeceu quando os dedos tocaram sua pele, deslizando até a boca, cujo contorno foi
delineado. Observava Patrick hipnotizada, por trás da máscara.
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— Se fosse um pássaro, eu a poria numa gaiola — ele prosseguiu num tom rouco e sensual.
— Se fosse mulher, eu fecharia aquela porta e passaria dias aqui dentro, fazendo amor com
você.
Os lábios dele sorriam, mas os olhos azuis refletiam um brilho flamejante. Antonia
começou a respirar mais rápido e soltou um riso nervoso, como se tivesse ouvido uma
piada de mau gosto.
— Você tem um senso de humor estranho, Patrick. Não acho nada engraçado.
— Eu não estava tentando ser engraçado — ele respondeu segurando-lhe os braços e
fazendo-a olhar para o espelho. — Diga, Antonia. Você é uma mulher, não é?
— Não faça isso, Patrick!
— Por que não?
Ela girou o corpo, debatendo-se freneticamente para se livrar do abraço. Foi inútil. Patrick
a envolveu pela cintura e puxou-a de encontro a ele, revelando a virilidade pulsante entre
as coxas.
— Pare de lutar, Antonia. Relaxe e sinta.
Como se ela já não tivesse sentido! Aquele corpo pressionando o dela parecia uma brasa
ardente queimando-lhe as entranhas, provocando calor e arrepio, desejo e medo, dor e
prazer. E todas essas emoções conflitantes transformavam seu próprio corpo num campo
de batalha.
Ela fechou os olhos como se não vendo talvez também não sentisse.
— Eu não posso, Patrick! Por favor, eu não suporto...
— Abra os olhos e se olhe no espelho, Antonia! Veja bem o que a tem apavorado tanto a
ponto de fazê-la fugir.
Ela balançou a cabeça com veemência, mantendo as pálpebras abaixadas.
— Abra os olhos! — Patrick se impacientou — Se não olhar, se continuar fingindo que não
está acontecendo, nunca vai superar, Antonia!
— Por favor, não grite comigo! Aquele outro homem, ele... estava zangado e... e não
suporto quando você fala assim comigo. Começo a me lembrar...
— Tudo em mim faz você lembrar, não? Como acha que me sinto? Às vezes quando me
olha, seus olhos ficam sombrios, então você estremece e eu percebo perfeitamente no que
está pensando. Droga! Tenho vontade de sair à caça daquele miserável e matá-lo!
Antonia abriu os olhos e o encarou através do espelho com uma expressão assustada e
curiosa.
— Olhe bem para mim, Antonia. — Patrick a fitou de volta. — Você quer viver como um ser
incompleto pelo resto da vida? Cedo ou tarde, terá de admitir que é uma mulher e, como
tal, sentirá necessidade de amar e ser amada. Não há nenhuma vergonha nisso; é a coisa
mais natural desse mundo. Eu também preciso. Todos nós precisamos. Os seres humanos
carecem de amor como as plantas da chuva. Você teve uma experiência má e se quiser se
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tornar uma mulher normal vai precisar esquecer e correr o risco de amar novamente.
Antonia o encarava fixamente. Os dois corpos entrelaçados no espelho pareciam um só e
ela se envergonhou de estar tão próxima de um homem, em trajes tão íntimos. Quis fechar
os olhos, mas Patrick a magnetizava com o olhar.
Sem dar-lhe chance de evitá-lo, ele começou a explorar seu corpo, movendo os lábios ao
longo da pele sedosa do pescoço, rumo aos ombros e braços, caminho de ida e de volta.
Enquanto isso, as mãos também se ocupavam. Gentilmente baixaram as alças da
combinação, depois do sutiã, dando total liberdade aos seios redondos e bem feitos.
Calada, trêmula e indefesa, Antonia acompanhava cada movimento no espelho. E Patrick
não desprendia o olhar de seu rosto, lendo suas reações enquanto as mãos vagavam por
um mundo proibido.
— Não há nada de terrível no que estamos fazendo, há? — perguntou a ela num sussurro.
— Você não está com medo. Meus carinhos não a ferem e você gosta deles. Não finja,
Antonia. Você quer que eu continue tocando-a.
Ela não poderia negar, mesmo se quisesse. Mal conseguia respirar, quanto mais falar.
Patrick, lentamente escorregou a mão para os quadris, alcançou a bainha da combinação e
a ergueu até a cintura. Quando a tocou da maneira mais íntima possível, ela reagiu,
tentando esquivar-se.
— Não! Por favor, não faça isso!
— Calma, Antonia, calma. — Patrick a tranqüilizou com gentileza. — Está tudo bem, vê? Se
gosta, por que reagir?
Os olhos azuis se inundaram de lágrimas, embaçando a visão no espelho. Antonia se
consumia em desejo e ao mesmo tempo tremia. Permitira que Patrick fosse longe demais e
agora ele sabia o quanto ela o desejava também. Ele descobrira o seu segredo mais íntimo;
a umidade quente da paixão ardendo entre suas pernas a traíra.
E enquanto ele a torturava com as mãos, arrancava de seus lábios suspiros involuntários de
puro prazer. Ela o desejava como nunca e ao mesmo tempo continuava com medo. Uma
terceira sombra, sempre ao lado deles, a impedia de render-se aos sentimentos.
— Eu não posso! Por favor, Patrick, não posso!
— Por que, Antonia? Você ainda me confunde com ele? Como posso provar quê nunca
magoei mulher alguma dessa forma? Em toda a minha vida jamais usei de força para con-
vencer uma mulher a... — Ele se interrompeu ao ouvi-la soltar um gemido e a fitou
intrigado — Isso foi de ciúmes, Antonia?
Sem coragem de encará-lo, ela baixou o olhar, corando. Patrick sorriu triunfante e a fez
olhá-lo de novo.
— Não precisa ficar com ciúmes porque eu nunca a confundi com nenhuma outra mulher,
minha querida.
Ninguém jamais chamara de "querida" daquela maneira. E fora tão doce ouvir aquela
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palavra dos lábios de Patrick, que Antonia se rendeu. Quando ele se inclinou para beijá-la,
foi ao encontro da boca macia e quente, com os lábios entreabertos. Num ímpeto selvagem
de paixão e ousadia, envolveu-o pelo pescoço, colando-se ao corpo másculo.
Sem parar de beijá-la, Patrick a ergueu do chão pela cintura e a levou para a cama,
deitando-se sobre ela. No mesmo instante, Antonia enrijeceu o corpo e fechou os olhos,
reprimindo um grito de pavor.
— Não entre em pânico, querida — ele disse depressa. — Relaxe, não há nada para ter
medo. Sou eu, Patrick. Olhe para mim, querida...
Ela obedeceu, fitando-o inquieta, cheia de ansiedade, então deixou escapar um longo
suspiro.
— Patrick...
— Sim, é Patrick e você não precisa mais ter medo. Pode confiar em mim, querida.
Ninguém vai machucá-la.
Patrick roçou-lhe os lábios e ela retribuiu o beijo com ardor, começando a desfrutar o peso
e a proximidade do corpo masculino. Não sentia mais medo. Ajudou-o a se despir, movida
agora por outros sentimentos, outras urgências.
Patrick ainda murmurou alguma coisa como "não vou machucá-la", mas Antonia não
registrou, obcecada pelo desejo de acariciar a pele lisa e bronzeada, a musculatura firme. A
sólida força viril a fascinava.
Então, quando Patrick separou-lhe as coxas e moveu-se entre elas, Antonia teve um
sobressalto. Abriu os olhos e o medo voltou. Não reconhecia mais o homem sobre ela. Não
sabia quem era o estranho com aquelas feições contraídas, a respiração ofegante e os lábios
entreabertos.
Enrijecendo os músculos, começou a se debater, mas era tarde demais para interrompê-lo.
Ao sentir o impacto do corpo masculino de encontro ao seu, Antonia soltou um grito,
cravando as unhas com força nas costas dele.
— Pare com isso, Antonia! Não vamos começar tudo de novo, por favor!
A voz autoritária a fez voltar à realidade. Aos poucos ela foi se acalmando, parando de se
debater, até ficar imóvel. De repente começou a chorar.
— Eu a machuquei, Antonia?
— Não...
— Então o que fiz para provocar essa explosão de raiva?
— Eu sinto muito. Oh, Patrick eu não queria arranhá-lo, mas não entendo como...
— Tudo bem, não faz mal.
— Claro que faz! — ela insistiu, passando as mãos pelas costas dele. — Você está
sangrando, veja! Eu não tive intenção, me desculpe...
— Pare de chorar, Antonia! — Patrick perdeu a paciência. — Pode imaginar a minha
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situação vendo você chorar como uma menina triste? Eu é quem peço desculpas por ter ido
tão longe, mas pensei que estivesse preparada. Eu podia apostar como você também
queria.
— Mas eu quero, Patrick...
Ele ergueu um pouco o corpo, encarando-a seriamente.
— Pense bem, Antonia. Pense no que está fazendo comigo. Sou feito de carne e osso e
acabarei por perder o controle se continuarmos nessa brincadeira de sim e não. A decisão é
sua. Sempre foi. Mas terá de dizer isso olhando nos meus olhos. Você quer que eu continue
ou não?
— Quero.
— Então não mude mais de idéia ou não serei responsável por mim. — Patrick a beijou nos
olhos. — E agora chega de lágrimas, está bem?
— Oh, Patrick, se ao menos eu conseguisse esquecer aquela noite...
— Faça de conta que ela nunca existiu. Pense nela como tendo sido apenas um pesadelo. Só
esta noite importa.
Só esta noite importa... Com aquelas últimas palavras ecoando em sua mente, Antonia se
libertou do pesadelo. Patrick tinha toda a razão. Apenas aquela noite importava; apenas o
fato de estar nos braços do homem que ela amava e com quem fazia amor; apenas os
sentimentos e as emoções daqueles momentos de prazer absoluto.
Ela se entregou totalmente e quando ambos estavam para chegar ao clímax, ouviram uma
voz vinda do andar de baixo.
— Antonia? Você ainda não se arrumou? Precisa de ajuda? Ofegantes e pálidos, os dois se
entreolharam apavorados.
— Oh, céus! Tio Alex!
— E eu nem tranquei a porta!
Patrick foi até a porta e girou a chave com todo o cuidado para não fazer barulho.
Começava a se vestir, quando ouviram novamente a voz de Alex e duas batidas na porta.
— Já está pronta, meu bem? Temos uma surpresa aguardando por você lá embaixo.
— Oh, eu sinto muito, tio Alex. Devo ter pego no sono quando vocês saíram e me atrasei
um pouco. Em dez minutos estarei pronta.
— Você precisa de ajuda? Posso pedir a Susan-Jane para...
— Não! Isto é, posso me arranjar sozinha, não se preocupe.
— Então se apresse, OK? Não esqueça da surpresa esperando lá embaixo.
Quando o tio se afastou, Patrick já se encontrava vestido, terminando de dar o nó na
gravata. Através do espelho, olhou para Antonia ainda embaixo dos lençóis.
— E agora? Como vou sair daqui sem eles descobrirem que estávamos juntos?
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CAPITULO VIII
Se Antonia conseguiu chegar até o grupo de 'homens sem hesitar, foi graças à máscara que
escondia sua expressão, emoções e pensamentos.
Evitando o olhar implacável de Patrick, estendeu as duas mãos para Cy, que a beijou na
face e se esquivou rindo.
— As suas penas pinicam, meu bem! Lembra-se quando usou esse vestido na festa de Patsy
e causou uma enorme sensação? Ele combina tão bem com você, Antonia. Sempre existiu
um quê de pássaro na sua maneira se ser. Não podia estar mais encantadora.
— Obrigada, Cy.
Pelo canto dos olhos, Antonia viu a expressão de Patrick se contrair e a boca se tornar uma
linha branca e rígida. Felizmente, só ela percebeu.
— Venha, Patrick, vamos deixar os dois pombinhos em paz — o tio sugeriu em seguida. — E
você, Cy, veja se aproveita para beijar a noiva enquanto o pessoal não começa a dançar.
Vou tentar segurá-los lá dentro um pouco mais, mas não garanto muito tempo, hein?
Cy e Alex riram enquanto Patrick se afastava, muito sério.
Ao ficar a sós com Cy, Antonia se sentou no banco sob a figueira. Suas pernas tremiam e
ela mal conseguia respirar.
— Não ficou feliz em me ver, Antonia?
Ela olhou para Cy e viu um estranho. De repente percebeu que não se sentia mais segura ao
lado dele, ao contrário, tinha a sensação de estar caminhando sobre uma corda bamba.
Preferia que Cy não tivesse voltado de Veneza.
— Sempre ficou feliz em vê-lo, Cy — mentiu e ele abriu um sorriso.
— É mesmo? Fiquei preocupado depois da nossa conversa pelo telefone, ontem à noite.
Pensei bastante e achei que seria vital termos uma outra conversa frente a frente.
— E... e o seu trabalho?
— Movi céus e terras e consegui adiar meus compromissos de hoje e amanhã. Então voei
para Nova York onde no último instante consegui um lugar no Concorde. Cheguei a
Londres ontem à meia-noite e...
— Isso é impossível, Cy. As nove da noite nós falávamos pelo telefone e...
— Você está esquecendo a diferença de horário, meu anjo. Para você eram nove horas, mas
para mim, ainda estávamos no meio da tarde. Bem, continuando, em Londres decidi me
hospedar num dos hotéis ali mesmo no aeroporto e peguei o vôo desta tarde para Veneza.
— Oh, céus, você deve estar exausto, Cy! Não devia ter vindo só por minha causa. Se eu
soubesse não teria permitido.
— Eu sei e justamente por isso não contei a ninguém que viria.
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Charlote Lamb – Verão em Veneza
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— Nem à Patsy?
— Nem à Patsy. Ela ficou surpresa quando cheguei.
— Então você já esteve com ela?
— Sim, fui direto para o palazzo, esperando encontrá-la lá e Patsy me contou sobre a festa
de despedida de seus tios. Liguei para Alex e quando ele me convidou, pedi segredo
absoluto sobre a minha vinda. Eu queria fazer uma surpresa para você, meu bem.
— E fez — Antonia concordou com um sorriso trêmulo. — Oh, Cy, você não precisava ter
viajado tanto só por minha causa. Eu pretendia escrever explicando tudo.
— Pois era justamente o que eu não queria. Cartas deixam sempre a desejar. Na minha
opinião, sempre é melhor se ter uma conversa frente à frente.
Antonia suspirou, percebendo que não seria fácil abordar o assunto com Cy se mostrando
tão gentil e carinhoso com ela.
— Bem, talvez tivesse sido muito mais fácil para nós dois se tivesse me deixado explicar
numa carta, Cy. Acho tão difícil falar.
— Eu compreendo, minha pequena. E é por esta razão que durante todos estes meses
tenho evitado tocar no assunto com você. Essas coisas levam tempo para ser esquecidas e
de forma alguma quero me mostrar impaciente, meu bem.
— Mas não é isso, Cy!
— Como assim?!
— Bem... isto é, não é bem por causa disso, Cy. Andei pensando e... e cheguei à conclusão
que não posso me casar com você. Eu não o amo. Não da maneira como... digo, não o
bastante para me casar com você. E não seria justo para nenhum de nós dois se eu me
casasse sabendo que nunca vou poder amá-lo.
Enquanto ela falava o rosto de Cy foi ficando pálido e a expressão alegre se tornando triste.
Quase havia irritação na maneira como ele a encarava agora.
— Não estou pedindo para você se apaixonar por mim, Antonia. Você sempre soube disso.
Não sou nenhum adolescente romântico à procura da garota dos meus sonhos. Apenas
acho que nós dois combinamos. Eu nunca vou exigir muito de você e espero o mesmo de
sua parte em relação a mim. Eu a admiro como pessoa, gosto do seu estilo discreto e da sua
boa aparência. Apesar de muito mais jovem, você daria uma boa esposa. A nossa diferença
de idade até poderia ser um problema, mas no seu caso veio a calhar.
Antonia o fitava atônita, por trás da máscara. Cy nunca falara daquela maneira antes.
Tinha de admitir que fizera suposições erradas a respeito dele.
— Bem, depois daquela sua má experiência há dois anos, — ele prosseguiu, friamente —
compreendi que sexo se tornara um problema para você. Talvez um problema irreversível.
Daí surgiu a minha idéia de pedi-la em casamento.
Antonia respirava fundo, tentando manter-se impassível. Felizmente, a máscara escondia
de Cy seu olhar de incredulidade.
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— Para ser sincero, nunca fui do tipo muito sensual — ele admitiu com indiferença. —
Talvez por isso eu ainda não tenha me casado. Claro, gosto da companhia das mulheres,
mas sempre estive ocupado demais para procurar uma esposa. Agora que estou perto dos
quarenta, Patsy começou a insistir em me ver casado. Foi ela quem me abriu os olhos para
você. Patsy a estima muito e sente que nos daremos bem.
Nunca passara pela cabeça de Antonia a idéia de Patsy estar envolvida em seu noivado.
Sentia-se uma tola. Chegara mesmo a temer um certo ressentimento da parte de Patsy!
— Passei este verão no palazzo para conhecê-la melhor — Cy continuou. — No início eu
achava loucura de Patsy, sendo você tão jovem, quase uma criança. Mas ela me fez ver por
um outro ângulo; seria muito mais fácil ensinarmos uma jovem como dirigir o palazzo e se
adequar ao nosso estilo de vida. E além disso, com você eu não teria "outros" tipos de
preocupações, ela me alertou. Sim, porque você nunca me trairia com outro homem, me
colocando numa posição embaraçosa. Achei que seria feliz ao meu lado. Sou uma pessoa de
hábitos reservados, gosto de uma vida sossegada e só quero alguém para dividi-la comigo.
Se por acaso à seu medo for não poder me oferecer uma paixão selvagem, não se preocupe.
Sexo para mim não passa de um lado superestimado da vida. Evidentemente eu gostaria de
ter um filho, mas não é o principal motivo do meu casamento com você. — Ele riu. —
Temos tempo de sobra para tratar desse assunto.
Antonia não conseguia pensar numa resposta. Embora Cy nunca tivesse falado com tanta.
franqueza por que a pedira em casamento, de certa forma fora honesto. Jamais se dissera
apaixonado ou se arriscara além de beijos rápidos. Ela o achava sensível e carinhoso mas
só agora percebia que na verdade Cy era nunca sentira a menor atração por ela.
Se nunca tentara nada em matéria de sexo, não era por uma questão de respeitar o seu
"problema", como ele dizia. Era porque "ele" não a desejava!
Céus! Como não vira antes o verdadeiro Cy? Talvez, obcecada pelos próprios problemas ela
o vira e ouvira sem na realidade compreender. Ah, mas agora estava tudo muito claro.
Claríssimo!
Cy a escolhera por ela ser jovem, inexperiente, recatada e emocionalmente aleijada. Porque
desejava alguém a quem pudesse moldar de acordo com seu estilo de vida: uma mulher
conhecedora de arte para cuidar das coleções do palácio; uma mulher com boa aparência e
educada para poder exibir aos amigos; e finalmente uma mulher jovem para ser dominada
com facilidade.
Até o seu trauma fazia dela a esposa ideal. Sim, porque ela nunca faria exigências no
campo emocional, não? Jamais esperaria demonstrações de amor profundas, em suma,
nunca desejaria o que Cy não podia dar-lhe.
Ele não queria uma mulher de carne e osso. Queria um robô programado. Quanta ironia
pensar que ela estivera tão preocupada em escolher as palavras certas para não magoá-lo.
Poderia ter rompido aquele noivado pelo telefone. Cy nunca sentira nada por ela exceto
uma vaga afeição. E a teria feito muito infeliz quando ela descobrisse o erro cometido.
— Eu sinto muito, Cy — disse a ele calmamente, enquanto tirava o anel do dedo. — Acho
que nós dois cometemos um erro. Realmente, não sou a mulher ideal para você.
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Cy recebeu o anel das mãos dela e. ficou olhando para o brilhante, incrédulo.
— Você... Você nem vai me dar uma explicação, Antonia?! Não acha que me deve uma?
— Oh, Cy, é tão complicado explicar. Mudei de idéia, só isso. Por favor, não torne as coisas
mais difíceis. Sei o que estou fazendo. Vou pedir demissão do meu emprego no palazzo e
me mudar o quanto antes. Patsy certamente não terá dificuldades em encontrar outra
garota mais adequada para casar com você.
Ele respirou fundo, visivelmente indignado.
— E uma sugestão insultante e eu não mereço!
— Desculpe, Cy, não foi minha intenção insultá-lo. Sinceramente, espero que encontre
outra garota muito em breve. Deve haver centenas delas dispostas a aceitar um homem tão
gentil, generoso e com tanto a oferecer como você. E Patsy também é maravilhosa. Adoro
vocês dois, mas descobri que desejo mais de um casamento. Amizade e estilo de vida não
me satisfazem.
Cy se levantou bruscamente e aproximou-se da fonte onde permaneceu de costas para ela
enquanto falava.
— Patsy vai ficar muito desapontada. Ela estava tão feliz com o nosso noivado. Na minha
opinião, você devia conversar com ela antes de desistir do emprego. Patsy gosta muito do
seu trabalho e com certeza não vai querer perdê-la. Quanto a cruzar comigo dentro do
palazzo, não se preocupe. Devo voltar para os Estados Unidos, imediatamente. Sugiro que
fique, pelo menos enquanto Patsy estiver em Veneza.
Antonia não sabia como responder. Se Patsy ficasse magoada, não haveria clima para ela
continuar catalogando as peças. Ainda assim, achou melhor concordar.
— Tudo bem, falarei com ela amanhã.
— Ótimo. — Cy virou-se para encará-la com uma expressão fria no olhar. — Se eu me
retirasse agora, as pessoas comentariam, por isso sugiro voltarmos para a festa como se
nada tivesse acontecido. — Ele estendeu o anel para ela. — Por favor, Antonia, coloque-o de
volta só por esta noite. Amanhã poderá deixá-lo no palazzo, mas hoje seria embaraçoso a
vissem sem ele. Você sabe, fariam perguntas, teríamos de responder e... bem, tudo isso
seria muito desagradável.
O primeiro impulso de Antonia foi recusar. Então percebeu que Cy não estava preocupado
apenas com a situação embaraçosa. Muito formal e dono de um forte senso de dignidade e
status, Cy temia sentir-se humilhado quando soubessem que ela rompera o noivado.
Principalmente porque ele atravessara o oceano só para vê-la.
Com certa relutância, Antonia colocou o anel de volta no dedo. Havia se sentido tão livre
quando o tirara e agora parecia uma prisioneira de novo.
— Posso fazer mais um pedido, Antonia?
— Claro.
— Não comente nada com ninguém até eu chegar em Nova York.
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impressão real. Na verdade ele era tão irreal quanto o palácio que um dia herdaria: valioso,
cheio de mistério e remoto. Ela nunca se sentira à vontade naquele palazzo; e jamais se
sentiria.
— Já com saudades do seu noivo, meu bem? — Susan-Jane a abraçou ao vê-la pensativa. —
Quer mudar de idéia e correr atrás dele? Pensando bem, Cy fez essa longa viagem só para
vê-la. Talvez tenhamos sido egoístas pedindo para você ficar.
— Imagine. Cy está cansado, não haveria sentido eu segui-lo.
— Por quanto tempo ele pretende ficar em Veneza?
Antonia pensava numa resposta quando Patrick se juntou a eles. Pega de surpresa,
começou a gaguejar.
— Eu... eu não sei, isto é, não muito tempo porque...
— Será que ele não estaria pensando em levá-la junto para os Estados Unidos? — o tio
perguntou. — Não deve ser muito agradável para um casal de noivos viverem tão distantes.
Ou Cy quer se casar logo?
— Não é isso, tio Alex — ela respondeu, evitando o olhar gelado de Patrick, enquanto
imaginava uma desculpa. — Ele... Bem, na verdade Cy veio para tratar de negócios com a
tia e não para me ver.
— É mesmo? Aí está a desvantagem em se casar com um contador, minha querida.
Um dos amigos de tio Alex, dono de um famoso restaurante em Veneza, aproximou-se do
grupo e sorriu para Antonia.
— Dança comigo, passarinho?
— Vou adorar, Giorgio.
Aliviada por se ver livre da conversa, Antonia por pouco não deu um beijo de
agradecimento em Giorgio. Cinquentão rechonchudo, casado e pai de seis filhos, Giorgio
era divertido e simpático. Gostava de flertar e a esposa os observava complacente pois
sabia que as conquistas do marido não significavam nada.
Antonia ria sem parar das bobagens que Giorgio sussurrava em seu ouvido.
— Eu juro, meu bem. Você é a garota mais bonita da festa.
— Quantas vezes você já disse essa frase esta noite, Giorgio?
— Céus! Como as mulheres de hoje em dia são desconfiadas! Quando eu era jovem elas
acreditavam em tudo o que um homem lhes dissesse.
— Elas fingiam que acreditavam, Giorgio.
Fazia uma noite agradável, Giorgio dançava bem e as pessoas ao redor deles os observavam
fascinados. Era um daqueles momentos românticos, excitantes e glamourosos.
Infelizmente, Antonia tinha de se esforçar até para sorrir.
O tempo todo, se sentia constrangida pelo olhar gelado de Patrick. Ele ainda não dançara
com ninguém. Encostado na figueira, sozinho, não desprendia os olhos dela, deixando-a a
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— Ora, mas o que significa isso?! — Alex se indignou. — Podem me dizer do que se trata?
— Antonia é adulta, Alex. Deixou de ser criança há um bom tempo. E esta é uma discussão
particular. Por que não volta para a sua festa?
Alex hesitou, esperando a confirmação de Antonia.
— Tudo bem, tio. Pode descer sossegado.
— Mas se precisar de mim, dê um grito.
Assim que ele saiu e fechou a porta, Patrick se voltou para ela.
— Como eu estava dizendo, quando seu tio chegou, você não pode se casar com aquele
sujeito. Aliás, agora que o vi, não consigo nem imaginar como pôde pensar na hipótese. Por
segurança? Numa cela de prisão você sentiria a mesma segurança. Oh, claro, seria uma
cela bastante luxuosa, mas o sujeito tem no mínimo quinze anos mais que você, está
ficando careca e não passa de um chato. Você também acha, vi isso nos seus olhos quando
estava com ele. Entrou nesse noivado de olhos vendados e quando se der conta do erro,
poderá ser tarde demais, Antonia.
Ela prometera a Cy não comentar com ninguém que haviam rompido o noivado.
Angustiada, olhou para o lado.
— Não quero mais falar sobre esse assunto, Patrick.
— Evidentemente. A realidade pode estar diante dos seus olhos, mas você se recusa a vê-la,
não é Antonia?
— Oh, pare com isso, Patrick! Vá embora, eu lhe peço! Tio Alex e o resto do pessoal, vão
ficar imaginando... mil coisas a nosso respeito.
— Vão pensar que estamos fazendo amor, você quer dizer?
— Claro que não!
— Mas eles vão, sim. — Patrick a encarou com um brilho intenso nos olhos azuis. — E daí,
Antonia? Também não tenho pensado muita coisa a noite toda.
Antonia parou de respirar. Tudo nela parou. Por um bom tempo ficou olhando para ele,
suspensa no espaço. De repente, o coração voltou a bater forte, o ar começou a entrar em
seus pulmões e o sangue a correr em suas veias. Era como se estivesse renascendo.
— Oh, Patrick...
— Fiquei morrendo de frustração, desde que Alex e a esposa nos interromperam. Eu
preciso de você, Antonia.
Ela se aninhou nos braços dele, esquecendo tudo o mais. Também se sentira frustrada
durante toda a noite. Patrick a beijou longamente e afastou-se um pouco.
— Você não pode se casar com aquele almofadinhas, Antonia. Eu não suportaria. Tem de
se casar comigo. Não sabe que sou loucamente apaixonado por você?
Antonia mal podia acreditar no que acabava de ouvir. Patrick a amava! E queria se casar
com ela! Já percebera que ele a desejava, mas ainda não se atrevera a incluir amor nos
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sentimentos dele.
Ele a fitava impaciente, esperando por sua resposta.
— Quero saber o que se passa nessa sua cabeça, Antonia! Tire essa máscara, vamos! — Ele
desprendeu o fecho atrás da cabeça de Antonia e a máscara caiu no chão entre eles. —
Agora seja sincera. O que sente por mim?
Sem desprender o olhar do dele, Antonia falou num sussurro.
— Eu te amo.
— Oh, meu amor. — Patrick segurou-lhe o rosto entre as mãos e a beijou com paixão. — Eu
queria mesmo era levá-la para a cama agora, minha querida. Mas Alex pode voltar a
qualquer minuto e se trancarmos a porta ele será capaz de derrubá-la, pensando que estou
matando sua sobrinha querida.
— Pobre tio Alex. — Antonia riu. — Ele deve estar muito preocupado.
— Não tanto quanto fiquei quando o seu noivo chegou! Céus! Eu estava tão contente, já
fazendo mil planos para nós, quando vi vocês dois juntos. Tive medo que você levasse
adiante aquela idéia louca de casamento.
Antonia hesitou, dividida entre sua promessa a Cy e a vontade de confessar a verdade a
Patrick.
— Eu não seria tão tola — disse a ele, finalmente.
— Não? — Patrick a fitou intrigado e riu. — Pense bem, Antonia. Cy Dewon tem muito mais
para oferecer. Ele é rico e aquele palácio pode ser uma grande tentação para muita gente.
Além disso, você me disse que ele a faz sentir-se segura. Talvez preferisse optar por
segurança e riqueza.
— Preferi optar por amor.
Patrick abriu um sorriso e pegou-lhe a mão com o anel.
— Então tire isso. Não suporto mais vê-lo em seu dedo.
— Ainda não, meu amor.
— Ora, mas...
— Vou explicar, não se zangue — Antonia o acalmou com um beijo. — Mas não deve contar
a ninguém. Bem, eu... eu já rompi com Cy...
— Você fez isso?! E não me contou nada?! Por que me deixou esse tempo todo
acreditando...
— Eu sinto muito, Patrick. Prometi a Cy não dizer nada a ninguém até ele ir embora de
Veneza. Cy também me pediu para ficar com o anel esta noite e deixá-lo amanhã no
palazzo. Ele tem um forte senso da própria dignidade e não quer passar o vexame de ter
levado o fora da noiva. Em Boston, ninguém me conhece e é para onde ele pretende voltar.
E sem dúvida dirá aos amigos que quem rompeu o noivado foi ele.
— Ele nunca a amou, não é?
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— Não.
— Eu já desconfiava desde o começo, mesmo antes de conhecê-lo. Vocês acabaram de ficar
noivos e ele partiu para os Estados Unidos, deixando-a aqui sozinha. Das duas uma, pensei
com meus botões. Ou ele a amava muito a ponto de preferir dar-lhe um tempo para se
acostumar com a idéia de casamento, mesmo correndo o risco de perdê-la, ou era um tipo
esquisito que nunca estivera apaixonado por Você.
— De fato ele nunca me amou. Achou que estava na hora de se casar e fez a escolha
adequada. Esta noite ele foi muito franco comigo a esse respeito. Pela primeira vez percebi
quem era o verdadeiro Cy. Mas em nenhum momento ele me magoou e nem eu a ele por
isso não acho justo ficarmos falando desse assunto. O importante foi feito e só isso
importa.
— Você tem razão, meu amor. E muito fácil magoarmos os outros sem intenção. Fico feliz
por você não ter precisado dizer coisas desagradáveis a ele.
— Por falar nisso, Patrick, nós nunca conversamos sobre Laura. Não acha que devemos?
— Você já sabe o mais importante, meu amor. Eu amava Laura e íamos nos casar quando
ela encontrou alguém. Na época fiquei muito ressentido e só quando conheci você, pude
compreendê-la. Porque o mesmo também estava acontecendo comigo. Ao encontrar o
verdadeiro amor, Laura percebeu o erro cometido. Se tivéssemos nos casado, teríamos sido
os dois infelizes porque ela nunca me amaria como eu a amava.
— Oh, Patrick, você a amava muito, não?
— Só um pouco. — Ele a beijou levemente. — Depois que a conheci, minha querida,
descobri que meu amor por você é dez vezes maior.
— Mas naquela noite, em Bordighera, você me olhou porque me achou parecida com ela.
— Só enquanto a vi de costas. Depois você se virou de frente e, ainda assim, continuei
atraído, como estou até hoje. Quando a polícia me acusou, naquela noite, fiquei confuso a
ponto de eu mesmo duvidar da minha inocência. E tudo porque no fundo eu a queria para
mim enquanto a encarava durante a festa.
— Patrick! — Antonia ficou pálida. — E durante todos esses anos eu costumava sonhar...
— Que havia sido eu?
Ela balançou a cabeça e viu os lábios de Patrick se contraírem.
— Por isso ficou tão apavorada quando me encontrou de novo? por que tinha tanto medo
de admitir que queria fazer amor comigo?
— Oh, Patrick não me olhe assim, por favor. Não gosto quando se zanga assim.
Ele a abraçou com ternura, beijando-lhe os cabelos.
— Não estou zangado com você, meu amor. Estou zangado com o que aconteceu com você.
— E foi tudo por culpa minha.
— Como assim?
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— Naquela noite eu o segui até a praia porque me senti atraída por você. Se eu não tivesse
ido, nada teria acontecido.
— Santo Deus! Como pode se culpar pelo que aquele crápula fez a você?
— Eu agi mal, Patrick. Eu o segui porque me senti atraída e queria ficar com você. Se meus
pais soubessem de toda a verdade, provavelmente diriam que procurei por aquilo.
— Nos dias de hoje? Você deve estar enganada em relação a eles, Antonia. Oh, meu amor...
— De certa forma é verdade, Patrick. Se eu não tivesse ido atrás de você, nada daquilo teria
acontecido. Você já havia deixado bem claro que não estava interessado e ainda assim fui
atrás, lembra-se?
— Antonia...
— Não, não foi culpa sua, eu sei. Você só estava infeliz por causa de Laura, mais tarde eu
compreendi. Mas então passei a ter sonhos estranhos. Tudo se misturava na minha cabeça,
o ataque com meus sentimentos por você. Como se eu estivesse sendo punida por causa
deles. Estes sonhos me deixavam apavorada, principalmente de ter um relacionamento e
ser punida outra vez.
— E agora? Como se sente, agora, nesse momento? Antonia abriu um sorriso de felicidade.
— Eu me sinto... — Ela fez uma pausa, procurando pela palavra exata. — Livre... Oh,
Patrick, eu o amo tanto.
Patrick a tomou nos braços e a beijou longamente. Antonia nunca se sentira tão feliz em
toda a sua vida. Sabia que nunca iria esquecer totalmente aquela noite em Bordighera. O
amor de Patrick, no entanto, se encarregaria de cicatrizar suas feridas. Ele fora seu
primeiro amor e seria seu primeiro amante. Juntos desmascarariam os fantasmas que a
haviam assombrado naqueles dois últimos anos.
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