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A alteridade tem também papel de relevo na lógica de Hegel: o "qualquer coisa", o ser
determinado qualitativamente, está em uma relação de negatividade com o "outro" (nisso
reside a sua limitação), mas está destinado a se tornar em outro, a se "alterar",
incessantemente, mudando as próprias qualidades (assim as coisas materiais nos processos
químicos).
O uso do termo também surge na filosofia do século XX (existencialismo), mas com significados
não equivalentes.
Alteridade na Antropologia
A Antropologia é conhecida como a ciência da alteridade, porque tem como objetivo o estudo
do Homem na sua plenitude e dos fenômenos que o envolvem. Com um objeto de estudo tão
vasto e complexo, é imperativo poder estudar as diferenças entre várias culturas e etnias.
Como a alteridade é o estudo das diferenças e o estudo do outro, ela assume um papel
essencial na antropologia.
Mesmo sem percebermos ou ainda sem dizer uma única palavra, ao nos confrontarmos com o
estranho, o não familiar, de alguma forma, nossas condutas, ações e pensamentos moldam-se
a partir dessa interação. Essa interação entre o “eu”, interior e particular a cada um, e o
“outro”, o além de mim, é o que denominamos de alteridade. Esse conceito parte do
pressuposto de que todo indivíduo social é interdependente dos demais sujeitos de seu
contexto social, isto é, o mundo individual só existe diante do contraste com o mundo do
outro.
O antropólogo brasileiro Gilberto Velho elucida: “A noção de outro ressalta que a diferença
constitui a vida social, à medida que esta efetiva-se através das dinâmicas socais. Assim sendo
a diferença é, simultaneamente, a base da vida social e fonte permanente de tensão e
conflito.”* Simplificando, Gilberto Velho mostra de que forma a interação entre a parte íntima
e interior do indivíduo e o outro forma o cerne da vida social. Ao interagirem, os indivíduos
reafirmam o que faz parte de si mesmo e o que faz parte do mundo externo.
A ideia da alteridade é tratada por algumas disciplinas distintas, sendo a Psicologia, a Filosofia
e a Antropologia as principais. Emboras suas abordagens sejam diferentes, o conflito entre o
mundo interno e o mundo externo sempre está em questão.
Para a Psicologia, trata-se do processo de formação psíquica do ser humano. Lev Semenovitch
Vygotsky é um dos autores da psicologia que se dedicaram ao estudo do complexo processo
de formação e do desenvolvimento humano. A atividade humana no meio social é o principal
impulso que movimenta todo o processo de formação da psiquê humana. Nesse sentido, o
teórico aproximava-se e concordava em vários aspectos com a teoria marxista acerca do
mundo social e das implicações da ação humana em seu meio. Vygotsky afirmava isso baseado
na ideia de que é pela interação social que o sujeito constrói-se como indivíduo diante do
confronto com o mundo externo. Em suma, ao distinguirmos aquilo que não somos, também
determinamos aquilo que somos.
Para a Antropologia, a alteridade volta-se para a observação do contato cultural entre grupos
étnicos diferentes e dos conflitos consequentes que se desenvolveram sob diferentes
perspectivas. A descoberta do “Novo Mundo”, isto é, o início da colonização europeia nas
Américas, parece ser o ponto de partida para os questionamentos que envolvem a ideia de
alteridade. O encontro com o “outro” é marcado pelo medo e pelo fascínio, pela distinção
clara entre o que é estranho e o que não é. O contraste cultural, de certa forma, acaba
fortalecendo a noção de que “aquilo que sou é diferente daquilo que não sou”, o que, em
outras palavras, significa dizer que o mundo estranho é um enorme espelho que reflete o que
é familiar ao destacar tudo aquilo que nos é estranho.
Modernidade liquida
Bauman escolhe o “líquido” como metáfora para ilustrar o estado dessas mudanças:
facilmente adaptáveis, fáceis de serem moldadas e capazes de manter suas propriedades
originais. As formas de vida moderna, segundo ele, se assemelham pela vulnerabilidade e
fluidez, incapazes de manter a mesma identidade por muito tempo, o que reforça esse estado
temporário das relações sociais.
Há 100 anos, ser moderno significava buscar um ponto de perfeição e hoje representa o
progresso constante, sem um resultado final único prestes a ser conquistado.
Em entrevista ao canal Quem Somos Nós?, o professor Luís Mauro Sá Martino explica as
transformações do conceito de “família” segundo Bauman: “A partir do século 19 ou 20, o
afeto e amor surgem como elementos fundadores da família, mas nem sempre foi assim e não
é por acaso que nosso imaginário sempre gostou de idealizar as histórias de amor”, observa.
“No passado, as pessoas casavam com quem os pais mandavam, mas os laços de uma família
ainda eram algo sagrado. Hoje, por outro lado, constituímos várias “famílias”, assumindo as
diferenças disso em relação ao mundo pré-moderno, com a independência e também as
dificuldades que essa pluralidade de relacionamentos pode trazer.”
Bauman observa que o século 20 sofreu uma passagem da sociedade de produção para a
sociedade de consumo. Com isso, também passamos pelo processo de fragmentação da vida
humana e deixamos de pensar em termos de comunidade — a qual nação, grupos ou
movimento político pertencemos. A identidade pessoal, após essa transformação, restringiu o
significado e propósito da vida e da felicidade a tudo aquilo que acontece com cada pessoa
individualmente.
Pontos-chave
A modernidade imediata é “líquida” e “veloz”, mais dinâmica que a modernidade “sólida” que
suplantou. A passagem de uma a outra acarretou profundas mudanças em todos os aspectos
da vida humana.
A modernidade líquida seria "um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com
rapidez e de forma imprevisível". Na sociedade contemporânea, emergem o individualismo, a
fluidez e a efemeridade das relações. “Vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar”.
Essa é uma das frases mais famosas do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, falecido em
janeiro de 2017, aos 91 anos.