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Organizadores

Prof. Dr. Francivaldo Alves Nunes


Athos Matheus da Silva Guimarães

I SIMPÓSIO ONLINE DE HISTÓRIA DOS


ANANINS:
ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO

Realização: Grupo de Pesquisa Escola dos Ananins


(simpoananinepe.blogspot.com, de 10 a 14 de dezembro de 2018)

Ananindeua, 2019
2

Copyright © by Organizadores e autores

Primeira edição, 2019.

Capa: Construída com imagens disponíveis gratuitamente, e sem necessidade de referência, no


site https://pixabay.com/pt/
Produção: Editora Cordovil E-books.
Revisão: Autores.

Editora Cordovil E-books


Ananindeua, Pará, 67133-170
CNPJ: 32.262.244/0001-39
cordovilebooks@gmail.com

900
NUNES, Francivaldo Alves; GUIMARÃES, Athos Matheus da
Silva [orgs.] I Simpósio Online de História dos Ananins:
ensino, pesquisa, extensão. Ananindeua [PA]: Editora
Cordovil E-books, 2019.
ISBN: 978-65-80307-00-5
Disponível em: simpoananindepe.blogspot.com

I SIMPÓSIO ONLINE DE HISTÓRIA DOS ANANINS: ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO


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Sumário
Uma História Dialógica – Apresentação ............................................................................................................... 7
PREFÁCIO ................................................................................................................................................................ 10
HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO ............................................................... 13
Nikolas Corrent

IDENTIDADE E MEMÓRIA: UMA ABORDAGEM TEÓRICA ................................................................... 23


Nikolas Corrent

SER OU VIR A SER NEGRO: EIS UMA QUESTÃO IDENTITÁRIA .......................................................... 34


Antônio José de Souza

TERRA DE QUILOMBO: IDENTIDADE, TERRITORIALIDADE E OS IMPACTOS SOCIAIS NA


COMUNIDADE DE ABACATAL ....................................................................................................................... 43
Vânia Maria Carvalho de Souza

ENSINO SECUNDÁRIO PÚBLICO E PARTICULAR EM DUAS PROVÍNCIAS: UM ESTUDO DE


CASO (1870) ............................................................................................................................................................. 53
Meryhelen Alves da Cruz Quiuqui

A ESCOLA DE PRIMEIRAS LETRAS NA COLÔNIA BENEVIDES: RELAÇÕES ENTRE TRABALHO


AGRÍCOLA E ENSINO NA AMAZÔNIA OITOCENTISTA ........................................................................ 60
Francivaldo Alves Nunes

O IMPÉRIO PORTUGUÊS: AS PRIMEIRAS NAVEGAÇÕES E A EXPERIÊNCIA ESCRAVISTA ...... 70


Rafael Noschang Buzzo

CAFEICULTURA & MEMÓRIAS: HISTÓRIAS DOS TRABALHADORES DO MUNICÍPIO DE SÃO


PEDRO DO IVAÍ-1980-1990.................................................................................................................................. 77
Eliane Aparecida Miranda Gomes dos Santos

A CRIAÇÃO DE GADO E OS IMPACTOS DA LEI DE TERRAS DE 1850 NA FRONTEIRA ENTRE O


PARÁ E O MARANHÃO (1840-1853) ................................................................................................................. 87
Adriane Aline Soares da Silva; Talita Almeida do Rosário

ESBOÇO PARA UMA HISTÓRIA DA CAPOEIRA PARANAENSE........................................................... 94


Jeferson do Nascimento Machado

TRAJETÓRIAS DE FAMÍLIAS ALFORRIADAS DA SESMARIA VITÓRIA: SÃO JORGE DOS


ILHÉUS – BAHIA, (1874-1887)............................................................................................................................ 107
Victor Santos Gonçalves

MAURA LOPES CANÇADO E A SUA BUSCA DO “NÃO SEI O QUE É, MAS É MARAVILHOSO”
(1929-1993)............................................................................................................................................................... 116
Edivaldo Rafael de Souza

CIÊNCIA E HISTÓRIA: APONTAMENTOS SOBRE A PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA


DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRAPHICO PARANAENSE NO INÍCIO DO SÉCULO XX ... 120
Megi Monique Maria Dias

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4

A PERFEITA MULHER CASADA NAS INSTRUÇÕES DO FREI LUIS DE LEÓN NO SÉCULO XVI,
REFLEXÕES PARA UM DEBATE ..................................................................................................................... 129
Lidiana Emidio Justo da Costa

UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE O TRATAMENTO MENTAL NO BRASIL DO SÉCULO XX A


PARTIR DA OBRA “HOSPÍCIO É DEUS – DIÁRIO I” DE MAURA LOPES CANÇADO .................. 139
Edivaldo Rafael de Souza

A PRAGA VOLÁTIL E OUTROS INFORTÚNIOS ENTOMOLÓGICOS NA HISTÓRIA DO BRASIL


.................................................................................................................................................................................. 144
Márcio Mota Pereira

NACIONALISMO: UM FENÔMENO HISTÓRICO E SOCIAL ................................................................. 153


Megi Monique Maria Dias

O PENSAMENTO POLÍTICO DO BARÃO DO RIO BRANCO E O IMPÉRIO DO BRASIL .............. 160


Danilo Sorato Oliveira Moreira

NAS CERCANIAS: GENTE, PAISAGEM E OCUPAÇÃO EM TERRAS ANANI (PARÁ, SÉCULO XIX)
.................................................................................................................................................................................. 167
Paulo Henrique Santos; Francivaldo Alves Nunes

EM PAUTA, A VIOLÊNCIA: A IMPRENSA E OS CONFLITOS DE TERRA NO PARÁ (ANOS 2000) –


ASPECTOS PRELIMINARES DE UMA PESQUISA .................................................................................... 174
Rafael Souza Ferreira; Francivaldo Alves Nunes

EM “CIRCUNSTÂNCIAS DUVIDOSAS”: VIOLÊNCIA E ASSASSINATO DE TRABALHADORES


RURAIS EM PERNAMBUCO (1950-1960) ....................................................................................................... 183
José Rodrigo de Araújo Silva

COLONIZAÇÃO INTERNA E NECROPOLÍTICA: VIOLÊNCIA, DOMINAÇÃO E O PAPEL DO


INTELECTUAL...................................................................................................................................................... 194
Rafael Noschang Buzzo

A CONDIÇÃO PÓS-MODERNA DO REAL NO CINEMA CONTEMPORÂNEO ................................ 204


Leonardo Inácio Grazziani

AGRICULTURA, AGROECOLOGIA E O DIÁLOGO ENTRE SABERES TRADICIONAIS E


CIENTÍFICOS A PARTIR DA ATIVIDADE EXTENSIONISTA NO TERRITÓRIO VELHO CHICO
(BA) .......................................................................................................................................................................... 209
Heron Ferreira de Souza; Moisés Leal Morais

PSICANALISE, ARTE E RERODUÇÃO: DO SENTIMENTO OCEÂNICO AO FIM DA AURA NO


CAPITALISMO ..................................................................................................................................................... 222
Pablo Rodrigo Barreto Coelho

A MASCULINIDADE DE HEITOR NA OBRA DE HOMERO ................................................................... 230


Ana Maria Lúcia do Nascimento

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JORNAIS: AS DIFERENTES UTILIZAÇÕES DESTA FONTE E A LUTA PELA CONQUISTA DE


DIREITOS DAS MULHERES A PARTIR DO JORNAL O SEXO FEMININO NO SÉCULO XIX........ 238
Carolyn Santiago pinheiro

DEUSES E HOMENS: A LINHA TÊNUE ENTRE O TEMPO MÍTICO E O TEMPO HISTÓRICO .... 244
Lidiana Emidio Justo da Costa

VIDA PRIVADA SOB A ÉDIGE DEMOCRÁTICA: CONSTRUINDO UM TRAJETO NA


PERSPECTIVA HISTÓRICA.............................................................................................................................. 249
Maicon Douglas Santos Kossmann; Carolina Fernandes dos Santos

IDENTIDADE E CULTURA: A PARTICIPAÇÃO FEMININA NO RITUAL INDÍGENA MENINO DO


RANCHO ................................................................................................................................................................ 257
Yuri Franklin dos Santos Rodrigues

RETROCESSOS E AVANÇOS NAS REPRESENTAÇÕES DA CULTURA INDÍGENA NOS LIVROS


DIDÁTICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL ............................................................................................... 270
José Humberto Rodrigues; Reinaldo Pereira da Silva; Rosângela Pereira Silva

A FORMAÇÃO DE CONSCIÊNCIA HISTÓRIA E O ENSINO DE HISTÓRIA PELO CINEMA ....... 281


Leonardo Inacio Grazziani

POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM PERSPECTIVA: A REFORMA DO ENSINO MÉDIO E O ENSINO


DE HISTÓRIA ....................................................................................................................................................... 290
Amanda Camargo Rocha; Ana Beatriz Camargo Rocha

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A REPRESENTAÇÃO DO EGITO ANTIGO NAS MÍDIAS


AUDIOVISUAIS E SEUS USOS NO ENSINO DE HISTÓRIA .................................................................. 301
Edimar Ribeiro dos Santos Junior

NOTAS SOBRE AS EXPERIÊNCIAS DO PIBID: DISCUTINDO A TEMÁTICA INDÍGENA NA


ESCOLA .................................................................................................................................................................. 309
Yuri Franklin dos Santos Rodrigues; Deisiane da Silva Bezerra

A TRANSFORMAÇÃO COMO FIM E O MÉTODO COMO MEIO: O JURI SIMULADO PARA UM


ENSINO DE HISTÓRIA RELEVANTE ............................................................................................................ 319
Rayme Tiago Rodrigues Costa

HISTÓRIA E TEATRO: REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA DOCENTE.................................................... 326


Rudy Nick Vencatto; Franciele Aparecida de Araujo

A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL, O MADONNARO E OS HOMENS-MEMÓRIA: DIALOGANDO


COM A HISTÓRIA DE PIRANEMA ................................................................................................................ 334
Marcelo Amaral Coelho

MINHA ROUPA NOVA: A ESCOLA ............................................................................................................... 345


Siméia de Nazaré Lopes; Felipe Araújo de Melo; Lucas da Silva Leal

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PROJETO DE MONITORIA “TEORIA E METODOLOGIA DA HISTÓRIA”: NOTAS INCIAIS DE


UMA EXPERIÊNCIA NO ENSINO ................................................................................................................... 354
Siméia de Nazaré Lopes; Arthur Bezerra Monteiro; João Tavares Noronha Neto

A INDÚSTRIA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL E O COTIDIANO OPERÁRIO EM


PARACAMBI – RJ ................................................................................................................................................ 360
Rafaela Alvarez Ferretti Albieri

PATRIMÔNIO HISTÓRICO: CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO - UMA QUESTÃO DE


CIDADANIA ......................................................................................................................................................... 370
José Humberto Rodrigues Reinaldo Pereira da Silva; Rosângela Pereira Silva

PRAÇA MATRIZ DE ANANINDEUA: UM PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL OU UMA


PROPRIEDADE DA IGREJA CATÓLICA? ..................................................................................................... 379
Andreia Brito Lucas; João Carlos Lopes Cardoso; Zilda do Socorro de Souza Pereira

UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE AS NOVAS TECNOLOGIAS DIGITAIS E O ENSINO DE


HISTÓRIA: A CONECTIVIDADE ENTRE A INTERNET E O ESPAÇO ESCOLAR ............................. 386
Athos Matheus da Silva Guimarães

O USO DAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA NA DISCIPLINA DE HISTÓRIA ....................... 393

Franciele Aparecida de Araujo; Rudy Nick Vencatto

TECNOLOGIA E ENSINO DE HISTÓRIA: NOVAS ABORDAGENS DA PRATICA DOCENTE..... 404


Andre Lisboa Lopes

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Uma História Dialógica – Apresentação

Entre os dias 10 a 14 de dezembro foi realizado I Simpósio On Line de História dos


Ananins. O evento virtual, organizado pelo grupo Escola dos Ananis, da
Universidade Federal do Pará - Campus Universitário de Ananindeua reuniu
professores e pesquisadores interessados em temáticas que envolvem os estudos
históricos.

Diante de um quantitativo de relevante de trabalhos apresentados foi possível reuni,


através desta obra, um conjunto de estudos que dialogam em diferentes frentes de
trabalho, o que perpassa pela relação história, memória e identidade; história da
educação, do ensino de história e suas implicações; história e eventos históricos em
diferentes temporalidades; diálogos com história e outras ciências; ensino de
história e suas implicações de métodos e materiais didáticos; história e patrimônio e
a experiência do professores de história diante das novas tecnologias.

Para facilitar a compreensão da proposta, o livro foi dividido em sete partes, que
aproximam os artigos, considerando suas temáticas de observação e análise.

A primeira parte “História, memória e identidade”, os estudos se voltam para


compreender as implicações entre os estudos da memória e a produção do fato
histórico, assim como a memória como instrumento de construção de identidade.
Neste aspecto, duas questões aparecem com maior relevo: a identidade negra e
quilombola.

A parte dois “História da educação e do ensino de história” os artigos se voltam


para análise de como o ensino era compreendido no século XIX, com destaque para
os liceus de ensino do Ceará e Espírito Santo e escola agrícola da colônia Benevides,
na província do Pará.

Sobre a parte três “ História e eventos históricos”, esta constitui a com maior
quantidade de artigos e diversidade de temáticas, que perpassam pela compreensão
da atuação do Império português, quanto a navegação e escravidão, as experiências
de trabalho e produção no Brasil do século XIX, tendo como foco a fronteira do
Maranhão com o Pará até a cultura cafeeira ao Sudeste do país, no século XX.
Pensamento político, ações nacionalistas, trajetórias familiares, experiências de

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tratamento mental e violência no campo, também foram objetos de análise.

Para a quarta parte, em que chamamos de “História e outros diálogos” observamos


a presença de estudos sobre a atuação dos intelectuais diante do processo de
dominação e reprodução da cultura das classes dominante, relação entre pós-
modernidade e cinema contemporâneo, diálogos entre saberes populares e
científicos a partir de atividade extensionista junto a trabalhadores rurais, a
produção artística e a diversidade de possibilidades de leituras e compreensões,
Homero e as concepções de masculinidade, ações individualistas em tempos de
democracia e identidade e cultura em ritual indígena.

Na quinta parte “História e Ensino de História” o destaque é para os estudos que


analisam as representações presentes no livro didático, cinema e formação da
consciência histórica, as representação do Egito Antigo nas mídias audiovisuais e as
possibilidades de utilização destas produções como ferramenta didática no ensino-
aprendizagem de história, políticas educacionais e reformas do ensino médio, o
PIBID e a temática indígena na escola, método do júri simulado para o ensino de
História, teatro e a prática docente, assim como experiência de pesquisa, extensão e
monitoria no espaço escolar.

Na sexta parte, “História e patrimônio” os artigos estabelecem diálogos quanto a


indústria como patrimônio cultural e o cotidiano operário, preservação e
conservação em cidades históricas e um caso modelar observado na praça da matriz
da cidade de Ananindeua, entre um debate sobre partimônio público e interesses
particulares.

A ultima parte, a sétima, “História e novas tecnologias”, o espaço foi destacado a


artigos que dialogam com a relação entre internet e o espaço escolar, assim como o
uso de tecnologia no ensino de história, a partir da perspectiva do recente avanço
tecnológico e da massificação do uso de dispositivos de telefonia móvel, como os
smartphones, assim como o uso de internet de alta velocidade, interatividade em
rede e mídias sociais.

Ao que se observa, este conjunto de texto coloca desafios a historiadores,


professores, estudantes de história e de disciplinas que tem nos estudos históricos
elementos de diálogo e análise. Um desses desafios é agregar ao ambiente de seus
afazeres e lugares específicos a possibilidade de conversar com outras formas de

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produção do conhecimento. Neste aspecto este livro constitui um espaço de


experiência social e democrática de como desenvolver o conhecimento histórico de
forma dialógica.
Ananindeua, 23 de dezembro de 2018.
Francivaldo Nunes

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PREFÁCIO

A história não pode se tornar mais um objeto esquecido no passado ou


simplesmente se tornar antiquado. Ela deve estar acompanhando a sociedade e
observando as suas construções e também as suas rupturas. A sociedade é
permeada por paradigmas, tanto por velhas e novas situações. A História não deve
estar somente à margem de tudo isso, deve estar envolvida e observando todas
essas transformações e continuidades.

O presente livro possui um leque de trabalhos para refletirmos sobre a História e as


estruturas que o mantêm. Publicados por diversos autores de várias regiões do
Brasil, os trabalhos estão refletindo sobre os diversos aspectos da História, as
reflexões são a partir de experiências de suas regiões de origem, neste sentido o
debate envolveu toda uma carga de experiências da relação da história com os mais
variados aspectos, sejam eles territoriais, temporais, experiência no ensino e dentre
outras perspectivas que fazem parte do debate.

Os textos que neste livro estão são consequência do I Simpósio Online de História
dos Ananins: Ensino, Pesquisa e Extensão1, que ocorreu de 10 a 14 de dezembro de
2018. Como no próprio título do simpósio, ele ocorreu totalmente de forma digital.
Essa característica do evento possibilitou o envolvimento de diversos pesquisadores
das várias regiões do Brasil e suas pesquisas sobre seus locais de origem. É uma
nova característica de realizar eventos acadêmicos e proporcionar intensos debates,
com novas perspectivas de pesquisa.

O meio digital possibilita uma grande interação social e troca de informações em


grande velocidade. O grupo Escola dos Ananins2, grupo que organizou o evento,
utilizou-se desta ferramenta para proporcionar a interação de pesquisadores por
todo o Brasil. Acessível a todos os interessados em participar do evento, as
discussões ocorriam a todo o momento e oportunizando conhecer a realidade de
outras regiões a partir das pesquisas submetidas no Simpósio.

1 Link para acessar a página do evento: http://simpoananinepe.blogspot.com/ acessado no dia 18/12/2018.


2 Link para acessar o blog da Escola dos Ananins: http://escoladosananins.blogspot.com/ acessado no dia 18/12/2018.

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Esse livro apresenta reflexões sobre diversos aspectos e temporalidades sobre os


Eixos Ensino, Pesquisa e Extensão. Os debates se aprofundaram nas mais diversas
estruturas da História, Historiografia e sobre o Ensino de História. Como por
exemplo o debate sobre as Novas Tecnologias de Informação e comunicação
(NTIC’s) foram bastante expressivas para refletir sobre as possibilidades da
utilização dessas novas ferramentas no Espaço Escolar, como no debate teórico em
torno dessas novas perspectivas que é a NTIC’s.

O Espaço Escolar recebeu bastante destaque e em suas mais diversas


temporalidades, desde escola de primeiras letras em Benevides/PA até a reflexão
sobre NTIC’s no ensino de história. São textos que estão analisando velhos
paradigmas da História, como História Oral e a possibilidade da utilização como
pesquisa até o desenvolvimento de análises sobre um determinado município. São
textos inspiradores para as mais variadas possibilidades de pesquisas e reflexões
sobre as estruturas da História e seus, velhos e novos, paradigmas.

Athos Matheus da Silva Guimarães.


Ananindeua, 18 de dezembro de 2018.

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PARTE 1:
HISTÓRIA,
MEMÓRIA E
IDENTIDADE

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HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA: UM DIÁLOGO


NECESSÁRIO
Nikolas Corrent

Resumo: A memória desempenha um papel vital na formação e manutenção do


próprio passado e do passado coletivo de um povo ou nação. A memória,
infelizmente, é altamente suscetível a distorções e erro, por isso, torna-se importante
entender como a memória pode transformar o que "estava" em o que "parecia ser"
para entender como os erros de memória podem se infiltrar e moldar a história
pessoal e coletiva. Neste texto, exploramos como e por que a memória tende a
distorcer o passado. Essas distorções são uma consequência natural de nossas
tentativas de reconstruir experiências. Com reconstrução vem a distorção. Durante a
revisão historiográfica, descreve-se algumas das maneiras pelas quais se concebem a
memória e as formas em que a memória opera, então discute-se várias técnicas que
foram usadas para distorcer a memória para experiências pessoais. Argumenta-se
que os mecanismos responsáveis pela formação de memórias também podem estar
por trás da criação de falsas memórias históricas.

Palavras-chave: História oral. Memória. Coletividade. História.

1 INTRODUÇÃO

As fontes vão se anquilosando por seu uso na reconstrução, reinterpretação e


reescrita da história. Conceber a interpretação histórica como um processo dinâmico
nos leva a trabalhar com novas fontes. Esses novos tipos de fontes, dentre os quais
os podem ser os testemunhos de depoentes, dão a possibilidade de conhecer antigas
tradições ou costumes das gerações anteriores, mas acima de tudo, os novos tipos de
fontes, aproximam-nos dos setores sociais que não estavam inseridos na coleção
documental.

Pegando o que foi exposto pode-se dizer que as vozes desses assuntos, às vezes
relegados em busca de uma história construída de cima, trazem certos espaços de
natureza privada, "as esferas ocultas". Essas esferas, que de outra forma seriam
fechadas a qualquer tipo de pesquisa científica, oferecem uma nova visão dos
diferentes e imaginários espaços das sociedades. Também pode-se saber como a
vida de uma pessoa influencia o que é narrado. (THOMPSON, 1992).

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Do campo da disciplina da História, o que se pretende é trazer uma parte


do todo que supõem os estudos da memória na atualidade: os depoimentos, como
um dos elementos formadores de memória, estudados no campo da História Oral.
Por causa de sua capacidade de recorrer à memória e experiência para abordar a
vida cotidiana e formas de vida não registrado, tornou-se uma categoria importante
para tais estudos.

A História Oral incorpora o propósito social da história ao introduzir novas


evidências éexpandir os "dados históricos" da coleção de documentários e abrir
novas áreas de pesquisa para que as outras fontes não consigam alcançar. Mas
também a história oral recebeu uma forte crítica, com base na subjetividade da
fonte, uma vez que ela é criada no processo de interação entre pesquisador e
protagonista, mediando cada um deles por uma série de fatores e influências, visto
que o nível de espontaneidade dos depoimentos que varia de acordo com a carga
emocional de conteúdo.

Dado o problema da subjetividade das fontes, o historiador desce às fundações da


experiência humana para introduzir a variável "significado" em sua análise e refletir
sobre o que influencia ou afeta cada sujeito quando se trata de narrar seu
testemunho e se isso está diretamente relacionado com a capacidade da memória de
se tornar umamemória testemunhada e lembrar-se de outro problema relacionado à
história oral e suas fontes tem sido o da narração, isto é, ficar com isso narrado pelos
protagonistas sem fazer qualquer análise crítica ou compreensão do contexto.

2 HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA

A história oral foi amplamente utilizada na Inglaterra na década de 1960 para


trabalhar em questões relacionadas com a história dos trabalhadores e novos
movimentos sociais. O objetivo era dar voz àqueles sem voz, àqueles
marginalizados pela historiografia tradicional.

Identifica-se entre os problemas mais frequentes da história oral em técnica de


pesquisa as particularidades do processo de entrevista, o papel do pesquisador, o
elo passado/presente, o entrevistado e sua percepção sobre quem faz a entrevista (a
quem o entrevistado fala?) e, finalmente, o claro estabelecimento dos objetivos da
entrevista.

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Na história da vida, a história oral, é testemunho de uma realidade distante em


tempo e espaço, quando é registrado adquire valor documental, torna-se objeto de
estudo e interpretação. A memória coletiva é o produto de um processo de estrutura
social pela qual o significado é construído em relação ao passado e presente de cada
sociedade. É ao mesmo tempo um elemento constitutivo e essencial da identidade
de uma pessoa e um grupo social.

“A memória é uma construção social do significado do passado que se


baseia lembre-se, é o ato e a capacidade dos sujeitos de se lembrarem; É então
um discurso que nem sempre segue uma ordem cronológica, mas sim
regras subjetivas em relação à temporalidade onde os atores, ao lembrar saltam
de um período para outro sem mediação ou causalidade linear.” (LE GOFF, 1996, p.
98).

Diferentes interpretações sociais do passado podem se tornar uma razão para um


conflito e debate. Datas e aniversários funcionam como ativadores de memória;
neles os fatos reordenar ou estragar o que estabeleceu-se, as vozes das novas
gerações questionam e repensam as histórias orais, gerando novas visões sobre o
que foi dito e o que foi omitido.

Por outro lado, monumentos e lembretes, se tornam espaços de luta política e


pública atualmente; esse é o caso, por exemplo, dos órgãos de direitos de seres
humanos e diferentes organizações sociais quando geram atividades diversificadas,
desde publicações na mídia impressa até propostas de nomenclaturas de ruas e
praças.

Outras formas de intervir na memória são as instâncias de destruição da


materialidade da memória (monumentos, por exemplo) como tentativas de destruir
a própria memória, para apagar as marcas do passado.

“Não há articulação do social que é de uma vez por todas, nem na superfície, ou em
profundidade [...] que está articulação, tanto em termos diz respeito às partes que
possui, bem como às relações que estabelece entre os partidos e entre eles e o todo, é
a todo momento uma criação da sociedade em pergunta. A sociedade é estabelecida
como modo e tipo de convivência.” (HALBWACHS, 2003, p. 101).

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Por causa disso, a memória coletiva é um meio de construir história oral,


contribuindo para a historiografia como fonte de história. Neste sentido, como dito
acima, todo testemunho oral traz um fardo emocional e sensível que depende do
modo como a memória foi alojada na memória, para a qual, recordando a memória
de volta ao presente, ela pode ser feita de diferentes maneiras e cada pessoa em sua
memória individual vai lembrar o evento ou o feito de uma maneira diferente.

No entanto, o fato, como tal, não muda, apenas modifica o que significa que dá
quem se lembra. Então, uma primeira conclusão é que a interpretação desses fatos,
através da "purificação" da memória e da busca por pontos comuns nas memórias
individuais permite construir uma visão generalizada de vários eventos que
poderiam dar origem a uma memória coletiva.

Pelo exposto, para que a coleção de memórias possa efetivamente tornam-se fontes
para a história oral, o papel do entrevistador é vital importância, já que é ele quem,
através da interação com o outro em um momento e espaço definido, conseguirá
que o assunto "rememore".

Nesse sentido, para alcançar uma coleção de memórias, devemos levar em conta os
quadros de memória proposta por Halbwachs, que nos permitiu articular o tipo de
perguntas a serem feitas aos entrevistados, em primeira instância.

Finalmente, esta ordenação de memórias permite então construir a história oral,


como é realizado na investigação do bairro. Para isso é necessário não apenas limpar
as memórias, mas também confiar em estruturas sociais, aspectos temporais e
espaciais da memória.

A História Oral busca criar novos registros documentários que permitam construir
uma nova forma de historiografia baseada em pesquisa de campo. Nesse sentido, a
história oral realiza uma busca e compilação das histórias (narrativas), geralmente a
partir da pessoa comum ou da classe popular, pois são essas pessoas que, na
maioria das vezes, não possuem documentos escritos ou não são mencionados nos
documentos que o historiador usa como fonte. Daí deriva a importância desta
compilação, pois compõe uma história articulada em um processo narrativo, de
igual caminho em uma fonte adequada para o trabalho do historiador.

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Atualmente, o interesse que a história oral despertou influenciou seu tempo, em


novas possibilidades de história social e conseguiu influenciar a
multidisciplinaridade da história, relacionadas a outras ciências sociais, como
geografia, antropologia cultural, sociologia, entre outros. (HALBWACHS, 2003).

O sucesso da história oral é que por meio de um procedimento adicionado ao


método utilizado na história, é possível estudar comunidades que pensaram sem
história, comunidades com declarações orais que não criam documentos escritos ou
comunidades que perderam seus documentos escritos e que, no entanto, são ricas
em oralidade, no conhecimento do espaço, tradições, festivais, costumes, mitos e
rituais e que têm conseguido transferir sua memória de geração em geração para
não ser esquecido.

Fundamentalmente, a importância de usar esse procedimento na historiografia, é


que permitiu estudar comunidades que não foram consideradas anteriormente
como objetos de estudo por falta de documentos escritos (formais).

Na relação do historiador com os testemunhos orais, que sendo apenas uma


compilação generosa, pode ser que muitas vezes, no final de uma investigação, não
terá nenhum resultado concreto ou detalhado, mas isso não significa que as fontes
são menos válidas, como foi feito para pensar.

“Mas a importância do trabalho de campo na história oral está relacionada à


existência da possibilidade de recuperação da tradição oral, que às vezes é
considerada extinta e muitas outras vezes é criada onde a palavra escrita existe já
esta tradição, tem a possibilidade de aplicar crítica histórica para a interpretação
desses dados.”(THOMPSON, 1992, p. 46).

Em outras palavras, o trabalho com os testemunhos orais tornou possível o


conhecimento de períodos históricos em que fontes escritas são escassas e, em
alguns casos, inexistente, transformando os fatos em fontes para o historiador.

Dentro das dificuldades que existem no trabalho com fontes de tipo oral, pode-se
mencionar o problema da confiabilidade da fonte e seu caráter de objetividade.
Nesse sentido, Bossi (1994), ressalta que esse não é um problema exclusivo da
história oral, é apresentado em qualquer fonte consultada, para qualquer forma de
história.

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Nesse sentido, Thompson (1992) considera que a memória da vida em geral de uma
pessoa ou informante (como ele será chamado a partir de agora) a partir de sua
própria perspectiva dentro do que ele considera importante, gera uma história e, em
consequência, o documento mais confiável que pode ser encontrado, já que
memórias trazem com detalhes que não podem ser encontrados de outra forma e
permitir a construção de histórias em pequena escala. (ALBERTI, 2004).

De acordo com isto, é importante para a compreensão da metodologia usada para a


construção de uma história oral, a partir do resgate da memória coletiva definindo o
conceito de "Memória", dando sentido a pesquisa.

Para mergulhar neste assunto, para finalmente entender o que é memória individual
e o que é memória coletiva, a primeira coisa é explicar a noção de memória do que é
lembrado e a quem está memória pertence.

Bossi (1994), explica que os gregos tinham duas palavras para se referir a "memória",
"mneme" e "anamnesis", para designar a memória e o exercício de recordar a
memória, respectivamente. Seguindo esta explicação simples, pode-se dizer que há
uma imagem do passado, que é chamado como uma memória e um exercício
pessoal que é lembrar, em que a memória de cada um é usada para "lembrar-se",
isto é, ter uma memória de si mesmo.

Explana-se que a pessoa explica os eventos e suas ações neles, a partir da maneira
pela qual se percebe no território e em sua sociedade. Então, voltando para os
limites de amplitude e precisão que foram definidos como o limite entre a memória
e esquecimento, pode-se afirmar que, por um lado, a dificuldade de amplitude tem
relação com o âmbito da temporalidade e da espacialidade e, por outro lado, na
precisão, influencia a profundidade da memória e a clareza de sua representação,
típica da capacidade humana de "lembrar". (ALBERTI, 2004).

Por mais desencorajador que a tarefa de colecionar a memória possa parecer,


existem alguns elementos que atuam como facilitadores da memória, que
necessitasse levar em consideração ao projetar uma metodologia para abordar a
construção de uma história oral.

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19

Neste trabalho, a memória pode ser feliz, ou dolorosa, no entanto, se o entrevistador


estimular a memória ele consegue "reviver" a experiência, pode superar ou
marginalizar experiências dolorosas. (THOMPSON, 1992).

3 HISTORIADOR, DEPOENTE E MEMÓRIA: UM TRIPÉ ESSENCIAL

De qualquer forma, o entrevistador tem uma tarefa de importância vital, uma vez
que o assunto lembra pela interação com o outro.

Nesse sentido, propõe-se que, para "lembrar-se", é necessário ter a opinião dos
outros, isto é, as pessoas não se lembram sozinhas, e a partir dessa ideia é possível
dizer que lembrar uma única pessoa é um ponto de vista da memória coletiva.
Então o "outro" não é apenas um facilitador de memória, mas age como uma
estrutura social para ela.

“Além disso, deve ser entendido que a estrutura para memória, além de ser social, é
também espacial e temporal, de modo que a memória será modificada pelos
contextos espaciais e temporais em que o sujeito está inserido.” (HALBWACHS,
2003, p. 100).

Outrossim, a memória individual que utiliza os quadros sociais de memória, "é


apenas uma parte e um aspecto da memória do grupo", que é preservado como
memórias quando ligado as mídias sociais, uma vez que os quadros de memória são
conhecidos, é possível entender como a memória individual se torna uma memória
coletiva, para poder entender de que forma de memória pode ser um meio para a
construção da história oral.

Nesse sentido, a memória coletiva não é composta apenas da purificação e


ordenação de histórias individuais, mas na busca de um terreno comum para a
inter-relação das memórias, levando em consideração as emoções e formas de
lembrar-se, uma vez que é isso que dá o quadro social da memória em que a
lembrança era possível.

O uso de histórias orais e a transmissão da memória histórica é tão antiga como o


homem, no entanto, aparece como instrumento de pesquisa de historiadores,
etnólogos, antropólogos e sociólogos da segunda metade do século XX.

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20

Embora possa ser dito que é difícil através da história oral poder reconstruir os
eventos históricos concretos (exceto em casos que são as únicas fontes de informação
sobre um período histórico) constitui uma documentação inestimável na
reconstrução da atmosfera, ambiente de eventos, subjetividade, práxis individual e
coletiva de um grupo social.

Ao trabalhar com histórias orais, estas nem sempre são coincidem com as diferentes
"visões" dos que testemunharam um fato do passado. Quando se investiga sobre a
vida cotidiana de uma sociedade pode-se encontrar versões dissimilar e até o oposto
do mesmo fato histórico. Ao ouvir de uma pessoa um conto, lenda ou simplesmente
“determinada” versão em um determinado assunto encontra-se antes de um caso
único de interpretação histórica, já que "aquele" momento de diálogo é irrepetível.
Entende-se que no caso da história oral a fonte é construída pelo mesmo
pesquisador o material obtido das entrevistas que devem ser corroborados com
outros documentos da época, na medida em que existam.

A riqueza inegável das fontes de declarações orais é que em numerosas ocasiões elas
revelam fatos ou aspectos desconhecidos ignorados sobre fatos desconhecidos para
certos grupos populacionais ou para regiões que não é possível investigar através da
documentação existente na história tradicional.

Porque a memória está envolvida em um processo de seleção, o inconsciente


determina o que devesse lembrar e o que devesse reprimir. Para o pesquisador é tão
importante o que é lembrado como o que não é lembrado. A ausência não pode ser
interpretada como um esquecimento ou como uma deficiência e a memória de
simples reprodução da realidade passada. Portanto, é que os “erros" das fontes orais
fazem parte do material histórico, os dados fornecidos por um informante não
coincidem com os documentos escritos da época, eles têm valor como uma fonte
documental na medida que se referem a interpretações pessoais da realidade
histórica que se relaciona.

Esta metodologia de trabalho incorpora a história da cultura para todos os homens,


independentemente da condição social a que pertencem, ou a extensão pública de
suas ações. Eles interessam como sujeitos protagonistas da manutenção ou
transformação de ordem sociocultural que caracteriza um tempo histórico
determinado.

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As fontes construídas através do método da pesquisa da História Oral são


significativas para a comunidade, uma vez que se referem aos seus próprios
assuntos, comuns e próximos. Outro valor que eles adquirem é o fato de ser
relevante porque se referem ao conhecimento de eventos e processos sociais que
fazem parte da vida cotidiana.

A capacidade de transmissão do intangível, os espaços onde alguns destes são


desenvolvidos, manifestações, conhecimento sobre técnicas desaparecem ou caem
em desuso devido à incorporação de novos, caem no esquecimento por causa das
transformações que vão surgindo nas sociedades. Isso é mais frequente naquelas
comunidades cujos membros migram para outros espaços por razões (voluntárias
ou não) de trabalho, estudo, exílio.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas últimas décadas do século XX, juntamente com a maior complexidade do


conhecimento, as ciências sociais têm sido caracterizadas por numerosas perguntas
para seus problemas de pesquisa. Os diferentes campos de disciplinadores devem
refletir novamente sobre suas questões centrais, responder a novas perguntas.

A história que depende da memória pode não ser melhor do que a memória em que
se baseia. Porque a história oral depende quase exclusivamente na memória, pode-
se argumentar que a história oral serve para reiterar o que é, melhor, uma
lembrança distorcida do passado.

Corresponde também à leitura atual do tema, assumindo a perspectiva ética para


elucidar o problema e, assim, fornecer critérios para reflexão sobre a relação de
conflito levantada entre os diferentes setores sociais que convergem no estudo de
recursos materiais e culturais simbólico no contexto. O uso de histórias orais no
registro da memória e na identificação das diferentes formas de identidade que
constituem o patrimônio cultural deve prestar atenção a esta problemática.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual


do Centro-Oeste (UNICENTRO). Graduado em Filosofia Licenciatura (2018) pelo
Centro Universitário de Araras “Dr. Edmundo Ulson” (UNAR), História
Licenciatura (2016) pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e Ciências
Sociais Licenciatura (2015) pela Faculdade Guarapuava (FG). Especialista em
Docência do Ensino Superior (2018) e Educação a Distância com Ênfase na Formação
de Tutores (2018) pela Faculdade São Braz (FSB); Educação do Campo (2017) pela
Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras (FACEL); Educação
Especial e Inclusiva (2016), Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia (2016) e
Ensino Religioso (2015) pela Faculdade de Educação São Luís (FESL). Participante
do grupo de pesquisa de Estudos em História Cultural da Universidade Estadual do
Centro-Oeste (UNICENTRO). Professor de Sociologia contratado pela Secretaria de
Educação do Estado do Paraná e leciona as disciplinas de Filosofia, História e
Sociologia no Colégio Imaculada Virgem Maria e Sociologia no Colégio São José.
Tem experiência nas áreas de Ensino Religioso, Filosofia, História e Sociologia.

ALBERTI, V. Ouvir contar textos em história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
ALBERTI, V. Manual de história oral. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
BOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994.
FERREIRA, M. de M.; AMADO J. (Orgs.) Usos e abusos da história oral. 8 ed. Rio
de Janeiro: Editora FGV, 2006.
HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2003.
LE GOFF, J. História e Memória. Campinas: Unicamp, 1996.
THOMPSON, P. A voz do passado: História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

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IDENTIDADE E MEMÓRIA: UMA ABORDAGEM TEÓRICA


Nikolas Corrent

Resumo: Esse artigo tem por objetivo mostrar o processo de construção da


identidade na historiografia. Assim, através de uma pesquisa qualitativa em
referenciais bibliográficos, identificaremos os usos e desusos do conceito de
identidade e de seus principais autores, dentre eles Stuart Hall, um dos mais
importantes teóricos do mundo social. Desse modo, compreende-se que a
identidade é flexível e pode ser reelaborada perante novos desafios e necessidades,
tendo em vista que sua construção ocorre de maneira social e histórica.

Palavras-chave: Identidade. Historiografia. Cultura.

INTRODUÇÃO

Parte-se nesta pesquisa da análise das relações entre memória e identidade,


especificamente o papel da memória enquanto condição para a construção de
identidades. Para tanto, é necessário recorrer às concepções sobre memória
presentes nas reflexões de Maurice Halbwachs (2003), que possibilitam relacionar os
conceitos de memória individual e memória coletiva à discussão sobre identidade,
cujas contribuições de Stuart Hall (2006) são fundamentais para que os conceitos de
memória e identidade possam dialogar.

No campo dos estudos relativos a fenômenos sociais encontramos uma farta


produção sobre identidade, no entanto, faz-se necessário salientar, que nem sempre
é fácil de buscar uma definição certeira a respeito da identidade, posto que
trabalhadas por distintas áreas, entre elas a título de exemplo, Antropologia,
História e Sociologia, o conceito se molda às exigências epistemológicas e teóricas de
cada área, deixando seu conceito em aberto.

A noção ou conceito de identidade aparece nesse sentido, portanto, como um


conceito comumente impregnado de entendimentos diferentes.

Portanto, produzida social e historicamente, a identidade é flexível e pode ser


reelaborada perante novos desafios e necessidades. A identidade, nessa concepção
histórica trata-se de um referencial de construções e desconstruções. Já a identidade

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cultural, nessa perspectiva, é um sistema de representação das demais relações entre


indivíduos e comunidades sociais espalhadas pelo mundo.

Partindo desta premissa, toma-se a afirmação de que a identidade é um processo de


identificações historicamente apropriadas que conferem sentido ao grupo (CRUZ,
1993). Uma discussão aprofundada sobre o conceito de identidade não caberia nos
limites deste artigo. No entanto, é necessário explicitar a maneira como o
empregamos, já que muitas vezes ele é utilizado para demarcar tanto
individualidades quanto coletividades, igualdades ou diferenças, sejam na História,
na Sociologia ou na Psicologia.

1. IDENTIDADE E MEMÓRIA COLETIVA: UM BREVE DIÁLOGO

É imperioso dizer então que neste artigo, a identidade é entendida pelos seus
aspectos constitutivos de pertencimento (nós) e de alteridade (outro). Ou seja, como
as representações que fazemos de nós mesmos e dos outros, assim como a memória
que construímos, para nós mesmos e para os outros. Por esse ângulo, a historiadora
Sandra Jatahy Pesavento (2004) foi quem melhor explicitou esta ideia:

“Enquanto representação social, a identidade é uma construção simbólica de


sentido, que organiza um sistema compreensivo a partir da idéia de pertencimento.
A identidade é uma construção imaginária que produz a coesão social”.
(PESAVENTO, 2004. p. 89-90).

Tais procedimentos de interação ocorrem fundamentalmente no âmbito de


relacionamentos entre sociedade, diferenciando-se de outros modos de junção social
do que é peculiar, quer dizer, a identidade étnica em si. Considerando então o
tamanho geral dos modos de interação humanos, o pertencimento de uma
sociedade é um fenômeno que garante a formação das identidades de uma maneira
na qual há uma representação universal da coletividade.

De acordo com o teórico da cultura Stuart Hall, não se pode pensar a construção da
identidade como algo puramente individual ou coletivo, mas como uma
permanente negociação entre indivíduo e sociedade. E, principalmente, não
podemos tomar tal construção como algo estático ou pronto, mas entendê-la como
um processo permanente de interação. Ora, assim, a identidade é construída,
arquitetada socialmente e se redefine nas escolhas e ações dos grupos sociais.

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Assim, segundo o entendimento de Hall (2006), as identidades correspondentes a


uma dada organização social em declínio, posto que a sociedade existe enquanto
movimento contínuo de não mutação e movimento. A discussão de Hall serve para
compreender a identidade como um processo mais amplo, forte e que assim torna-
se tema recorrente dentro do processo historiográfico devido à sua imbricação com
as práticas histórias dos sujeitos. Em Hall (2006, p. 76) as identidades são formadas
culturalmente.

Nessa lógica, é necessário levar em conta este entendimento para compreender que
não podemos falar de uma só identidade, uma única e isolada forma, mas sim na
configuração de múltiplas identidades, por vezes convergentes, em outras
divergentes, mas sempre fluidas e movendo-se a partir de fronteiras interativas.
Assim, “[...] a construção da identidade se faz no interior de contextos sociais que
determinam a posição dos agentes e por isso mesmo orientam suas representações e
suas escolhas” (CUCHE, 2002, p.192).

Sobre a memória coletiva, não podemos deixar de mencionar um pensador clássico


no assunto, Maurice Halbawachs (2003). Para ele, os feitos e eventos individuais
impactam diretamente nas nossas relações com os grupos, a partir do qual a
memória passa por teias de relações pessoais entre os grupos sociais e mistura com
outros fatos e tem grande dinamismo e impacto social. Neste contexto, a memória
está diretamente relacionada com o ‘ato de lembrar’, fatores inerentes ao grupo, logo
a memória se torna coletiva, mediante uma imagem elaborada com o que é ofertado
no presente (HALBAWACHS, 2003).

Na obra de Halbawachs (2003), notamos que toda memória é coletiva, e qualquer


memória individual é apenas um ponto de vista sobre a memória coletiva, portanto
ela não existe. Ele argumenta que,

“[...] não estamos ainda habituados a falar da memória de um grupo. Mesmo por
metáfora. Parece que uma tal faculdade não possa existir e durar a não ser na
medida em que está ligada a um corpo ou a um cérebro individual. Haveria então
memórias individuais e, se o quisermos, memórias coletivas”. (HALBWACHS, 2003,
p.36).

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Diante dessas proposições, faz cumprir que para Stuart Hall (2006), as
determinadas identidades existentes correspondentes a um determinado mundo
social estão em declínio, visto que a sociedade não pode mais ser vista como
determinada, mas em contínua mutação e movimento, fazendo com que novas
identidades surjam continuamente, em um processo de fragmentação do indivíduo
moderno.

Ainda, de acordo com a condução teórica proposta por Hall, com a identidade que
se mostra na pós-modernidade “[...] somos confrontados por uma gama de
diferentes identidades (cada qual no afazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a
diferentes partes de nós)” (2006, p.75).

Assim, pontua de forma assertiva que estaria ocorrendo uma mudança no conceito
de identidade e de sujeito, já que as identidades modernas estão sendo
“descentradas”, ou seja, deslocadas e fragmentadas e, como consequência, não é
possível oferecer afirmações conclusivas sobre que é identidade, visto tratar-se de
um aspecto complexo, que envolve múltiplos fatores. Destarte, em linhas gerais,
“[...] dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes
direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente
deslocadas” (HALL, 2006, p. 13). Ele ainda argumenta que:

Sem, contudo, deixar de explorar as especificidades psíquicas, pois com um olhar


um tanto quanto psicanalítico, inspirado em Freud e Lacan, Hall (2006, p. 38-39) faz
a seguinte afirmação a respeito de identidade:

“A identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos


inconscientes, e não algo inato, existente na consciência e no momento do
nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasioso sobre sua unidade, ela
permanece sempre incompleta, está sempre em processo [...]”. (HALL, 2006, p. 38-
39).

Ora, Stuart Hall salienta que as identidades modernas passam por um processo de
fragmentação e mutação cotidiana, não se mantêm fechadas, mas abertas à novas
condições sociais que possam surgir com o tempo. De modo assim que:

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“As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão
em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo
moderno, até aqui visto como um sujeito unificado.” (HALL, 2006, p. 7).

Em síntese, de frente às novas demandas culturais oriundas da pós-modernidade, a


condição identitária do sujeito se fragmenta, se dilui, é diante desta assertiva que
surge a proposição de Bauman as identidades transformaram-se em peças flexíveis,
voláteis, fluídas, pois, haja vista o modelo de sociedade instável.

Não obstante, uma análise possível de ser feita dentro da historiografia é a


constatação de sua junção de elementos como atribuições coletivas dos sujeitos,
posto que ao passo que se constroem novas identidades com outros formatos, tais
movimentações acompanham o ritmo histórico do fazer e do acontecer. Ainda que
rodeado por múltiplas visões, as identidades estariam relacionadas ao processo
representativo. Assim, nesta direção, pode-se evocar o pensamento de Norbert Elias
(1994, p.19) de que “[...] o indivíduo é parte de um todo maior, que ele forma junto
com outros”.

Concomitantemente ao processo de formação identitária dos sujeitos ao longo de


suas histórias, está circulado por tensões do cotidiano, assim, tomadas ao seu
contexto de produção histórica, tenciona‐se, então, problematizar as imbricações
teóricas levantadas. Ou seja, “[...] quando inserido numa parte do espaço, um grupo
o molda à sua imagem, mas ao mesmo tempo se molda e se adapta a coisas
materiais que a ela resistem” (HALBWACHS, 2003, p. 159).

Outrossim, a análise das identidades está diretamente associada à sua baliza


histórica, tensões, movimentos e ações ao decorrer na história impactam
diretamente na construção das identidades, bem como em sua manutenção,
propagação e transmissão. Por conseguinte, parte-se do pressuposto de que elas
nunca estão prontas, estão sempre abertas, podendo ser constantemente construídas
e reconstruídas (WOODWARD, 2000, p.12)

Nesse sentido, Barros afirma que “[...] toda vida cotidiana está inquestionavelmente
mergulhada no mundo da cultura. Ao existir, qualquer indivíduo já está
produzindo cultura automaticamente, sem que para isto seja preciso ser um artista,
um intelectual ou um artesão” (BARROS, 2005, p. 3). Diante deste quadro, pode-se
expor que todo simbolismo é fator de identidade e toda a cultura é cultura de um

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grupo: “[...] história é, ao mesmo tempo e indissociavelmente, social e cultural”


(PROST, 1998, p. 135).

Nas diretrizes históricas, o postulado da identidade e seu conjunto constituinte


integram-se de forma globalizada, contextualizando e relacionando-se com tempo,
espaço, lugar, subjetividades e especificidades ligadas ao comportamento e vivência
humana que devem ser levados em consideração para abarcar um conhecimento
amplo da temática identitária. Tomando o entendimento da subjetividade como
fator primordial, chega-se ao pressuposto de que:

“O ponto fundamental é o seguinte: a subjetividade é instituída socialmente. Ela é


uma criação da sociedade, da mesma forma que a língua, as regras de parentesco, os
valores ou os métodos de trabalho.” (MEZAN, 1997, p. 15).

Em seus trabalhos, Castells exalta que “[...] a construção de identidades vale-se de


matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e
reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de
poder e revelações de cunho religioso” (CASTELLS, 1996, p.23).

Assim sendo, no sentido expresso aqui, substrato de outros resquícios do


conhecimento humano, a identidade é agrupada por fatores coletivos que a
constituem, a moldam e a definem. Concentrando as atenções no desenrolar
processual da construção das identidades:

“As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para
compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua
concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio.”
(CHARTIER, 1990, p.17).

Cumpre-se dizer que os processos identitários estão permeados por sentidos


histórico-culturais, os quais são expressos nas práticas e experiências diárias.
Consequentemente, uma síntese básica possível na medida das condições históricas
que se pode traçar, é a de que a história é redefinida e moldada pelas identidades,
de modo que:

“A história é ordenada culturalmente de diferentes modos nas diversas sociedades,


de acordo com os esquemas de significação das coisas. A síntese desses contrários

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desdobra-se nas ações criativas dos sujeitos históricos, ou seja, as pessoas


envolvidas”. (SAHLINS, 1999, p. 7).

Não obstante, pensando o processo de construção identitária, o sentido do processo


identitário está envolto a costumes que se propagam entre o tempo e o espaço, de
forma simbólica chamando para si a marca da representação cultural, social e assim:

“[...] como tal, a representação é um sistema lingüístico e cultural: arbitrário,


indeterminado e estreitamente ligado às relações de poder. É aqui que a
representação se liga à identidade e à diferença. A identidade e a diferença são
estreitamente dependentes da representação. É por meio da representação, assim
compreendida, que a identidade e a diferença adquirem sentido”. (SILVA, 2000,
p.91).

De forma assertiva, é possível pontuar que identificação implica em representação e


vice-versa, de um símbolo, linguagem sinal, devem-se evidenciar as possibilidades
históricas para entendimento do processo de formação identitária como substrato da
história. A questão notável é que nesta conjuntura histórica, ao adotar o ponto de
vista das experiências dos sujeitos, colocamo-nos a pensar suas práticas históricas.

Neste panorama, considerando a ordem das práticas cotidianas em que Certeau


(1994, p.142) considera que toda atividade humana pode ser cultura, mas ela não o é
necessariamente ou, não é forçosamente reconhecida como tal, pois, “[...] para que
haja cultura, não basta ser autor das práticas sociais; é preciso que essas práticas
sociais tenham significado para aquele que as realiza”.

Nessa perspectiva, caminhando por esta linha de raciocínio, a atividade humana ao


longo da história é uma construção identitária, que se expressa em práticas sociais
comungadas por um grupo. Assim, de acordo com Certeau (1994, p. 47), as práticas
cotidianas em “[...] nossas sociedades [...] se multiplicam com o esfarelamento das
estabilidades locais como se, não estando mais fixados por uma comunidade
circunscrita [...] se tornassem errantes”.

Referindo-se ao processo das identidades como trabalhadas na ciência histórica, na


esteira desta discussão, tem-se um arcabouço teórico voltado às práticas e
manifestações culturais. A luz da teoria histórica, a identidade oferece um prisma
temporal que dispõe a relação entre o passado, o presente e o futuro. Pois assim,

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como informa Reinhart Koselleck “[...] a forma pela qual, em um determinado


tempo presente, a dimensão temporal do passado entra em relação de reciprocidade
com a dimensão temporal do futuro” (KOSELLECK, 2012, p.15).

Na verdade, as considerações a respeito das práticas identitárias não se fincam


somente ao que ocorre no presente, mas como uma esteira que traz sensações e
percepções do passado transcorrendo o presente e chegando ao futuro. Pode-se
postular que enquanto representação social, a identidade é uma construção
simbólica de sentido, que organiza um sistema compreensivo a partir da ideia de
pertencimento. Em termos gerais, cumpre-se assinalar que as identidades nesse
sentido, estão condicionadas historicamente, uma vez que, como expõe Hobsbawm:

“Só por um impulso forte para formar um “povo” é que cidadãos de um país se
tornaram uma espécie de comunidade, embora uma comunidade imaginada, e seus
membros, portanto, passaram a procurar (e consequentemente a achar) coisas em
comum, lugares, práticas, personagens, lembranças, sinais e símbolo”.
(HOBSBAWM, 2008, p. 111).

Ancorado nas considerações de Eric Hobsbawm, mais incisivamente em seu


entendimento, um olhar mais atento, indica uma proximidade com Certeau, posto
que ao referir-se a uma comunidade e suas relações como lugares, práticas e coisas
em comum, o procedimento metódico de intervenções, refletem a possibilidade de
pensar o conjunto identitário.

Assim, ao delinear as condições simbólicas existenciais das identidades, partimo-nos


no sentido a desbravar as implicações referentes ao seu estudo dentro da história.
Até o século XIX, vislumbrou-se uma história em que Hayden White descreve como
um "espetáculo de crimes, superstições, erros, duplicidades e terrorismos que
justificam recomendações visionárias para uma política que colocaria processos
sociais em um novo plano” (WHITE, 1995, p.77).

Isto se dá, cabe ressaltar, pelas condições históricas, não há como tratar nenhum
assunto dentro da historiografia sem levar em consideração as subjetividades
implícitas nas formações identitárias dos sujeitos, suas formas e ações. José Carlos
Reis expõe que “a história é o discurso que representa as identidades de indivíduos,
de grupos e nacionais, e a crítica historiográfica é a própria ‘vida do espírito’ de uma
nação” (REIS, 2006, p.20).

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É possível dizer ainda, que um dos maiores desafios dentro da historiografia atual
se dá pela instabilidade das identidades, mutáveis e múltiplas, que se cruzam,
entrelaçam, misturando histórias, discursos, cultural, representações sociais. De
forma que a “[...] identidade torna-se celebração móvel, formada e transformada”
(HALL, 2006, p. 11-12).

Por fim, resta dizer que a “produção” de uma identidade está imbricada a outras
ciências e saberes, uma vez colocado que o desafio epistemológico em lidar com a
identidade implica uma articulação entre a história e as demais ciências humanas,
visto sua complexidade e amplitude teórica.

Pois então, a partir dessa reflexão, pode-se entender que os sujeitos,


transformadores de uma tradição em objeto do passado, realizam essa operação a
partir de um determinado lugar social, de práticas científicas e de uma escrita que
organiza os dados (CERTEAU 2000, p. 55-56).

Sendo assim, a sociedade em sua história é entendida, como algo dinâmico, em


permanente processo de mudança, já que as relações e instituições sociais acabam
por dar continuidade à própria vida social. De modo que “um eu, uma identidade,
outros nomes da subjetividade, se, por um lado, são pontos de parada no processo
de subjetivação, por outro lado, são ancoradouros que garantem a navegação desse
mesmo processo” (CARDOSO JR., 2002, p. 190-191).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
À guisa de conclusão, trabalhar o conceito de identidade cultural no curso
da história da vida humana, tem-se sua ligação direta com os aspectos
socioculturais que impactam o modo como as identidades se formam e convivem
entre si.

Portanto, por tudo que fora exposto, as identidades estando presentes em todos os
espaços e tempos condicionam as relações sociais históricas implicando a
redefinição do modo de viver e fazer dos seres humanos.

No que tange à construção identitária e sua análise histórica, é preciso assim,


compreender que a identidade é produto de uma sequencia histórica de narrativas.

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A multiplicidade de identidades é fruto da consequência das junções culturais e dos


processos históricos ocorridos entre os sujeitos que os definem.

O que podemos notar é que a memória coletiva realiza um relevante papel nos
processos de construções identitárias. Desta forma, ela proporciona mais vitalidade
à cultura, uma vez que guarda o passado para grupos sociais, valorizando os
momentos significativos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Mestrando do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual


do Centro-Oeste (UNICENTRO). Graduado em Filosofia Licenciatura (2018) pelo
Centro Universitário de Araras “Dr. Edmundo Ulson” (UNAR), História
Licenciatura (2016) pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e Ciências
Sociais Licenciatura (2015) pela Faculdade Guarapuava (FG). Especialista em
Docência do Ensino Superior (2018) e Educação a Distância com Ênfase na Formação
de Tutores (2018) pela Faculdade São Braz (FSB); Gestão da Educação do Campo
(2017) pela Faculdade de Administração, Ciências, Educação e Letras (FACEL);
Educação Especial e Inclusiva (2016), Metodologia do Ensino de Filosofia e
Sociologia (2016) e Ensino Religioso (2015) pela Faculdade de Educação São Luís
(FESL). Participante do grupo de pesquisa de Estudos em História Cultural da
Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Professor de Sociologia
contratado pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná e leciona as disciplinas
de Filosofia, História e Sociologia no Colégio Imaculada Virgem Maria e Sociologia
no Colégio São José. Tem experiência nas áreas de Ensino Religioso, Filosofia,
História e Sociologia.

ALBUQUERQUE JR., D. M. de. Fazer história sem limites: a historiografia e as


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SER OU VIR A SER NEGRO: EIS UMA QUESTÃO


IDENTITÁRIA
Antonio José de Souza

O contexto do texto

Ser ou não ser. Existir ou não existir. Finalmente, viver ou morrer, eis a questão!
Lanço mão de uma das mais famosas frases da literatura mundial, subtraída da
peça A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca, de William Shakespeare, para
provocar intencionalmente uma reflexão que talvez seja percebida como conteúdo
complexo, profundo e, quiçá, da psicologia social. No entanto, parafraseando
Shakespeare, pretendo apenas constituir um pano de fundo para uma crônica
recente.

No início do mês de junho de 2018, as diversas mídias alardearam a notícia de que a


cantora Fabiana Cozza, que é filha de mãe branca e pai negro – e vem se
notabilizando pela força interpretativa do seu canto, bem como pelo engajamento na
projeção da nossa cultura, inclusive através da cultura negra, extrapolando os
limites endógenos, alcançando o mundo –, havia renunciado ao papel de Dona
Ivone Lara no musical “Dona Ivone Lara – um sorriso negro”, após uma série de
críticas sofridas, pois, segundo comentários, ela não teria pele negra legítima e
justificável para interpretar a sambista. Em seu perfil em uma rede social, Fabiana
publicou um desabafo em que, entre outros aspectos, explicava a decisão:

“Renuncio porque falar de racismo no Brasil virou papo de gente “politicamente


correta”. E eu sou o avesso. Minha humanidade dói fundo porque muitas me
atravessam. Muitos são os que gravam o meu corpo. Todas são as minhas
memórias. Renuncio por ter dormido negra numa terça-feira e numa quarta, após o
anúncio do meu nome como protagonista do musical, acordar “branca” aos olhos de
tantos irmãos. Renuncio ao sentir no corpo e no coração uma dor jamais vivida
antes: a de perder a cor e o meu lugar de existência. Ficar oca por dentro. E virar
pensamento por horas”.

Definitivamente, Cozza, você e eu, somos partícipes e também consequências das


engrenagens responsáveis pela formação do povo brasileiro diverso na cor da pele,

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crenças, costumes em razão da mestiçagem com as populações indígenas, brancas e


negras. Contudo, o conceito de miscigenação mostra-se deveras confuso, visto que o
termo mestiçagem, e mesmo hibridismo, implica a mistura de elementos
heterogêneos, delimitados e fixos, no entanto, o que se percebe, em determinados
compêndios, é a tentativa de romantizar a composição identitária brasileira com
uma suposta maleabilidade que favoreceu a mistura, produzindo, então, uma
sociedade miscigenada harmônica, cândida e proporcional diante das diferenças
próprias às culturas indígena, europeia e africana.

Tal percepção pressupõe que as circunstâncias significativas da formação brasileira


aconteceram pelo genuíno esforço, por parte dos europeus, em se adaptar a
condições inteiramente estranhas, pondo-se em contato amistoso com a cultura
indígena e sendo “amaciada pelo óleo” da intervenção africana, fundamentando,
dessa forma, uma homogeneização cultural que omite as diferenças e desigualdades
sociais, reverberando a ideia de uma História Nacional caracterizada pela ausência
de conflitos. Conquanto, a julgar pelo lamentável e insistente entalhamento do
negro despojado de sua humanidade na contemporaneidade, infere-se que há uma
colisão e, portanto, um conflito latente desde as correntes migratórias através do
Atlântico, contrabandeando africanos forçados a envolverem-se na “diáspora”,
tendo o Brasil como o local de desembarque, na condição de escravizados,
estrangeiros absolutos, os “de fora” mesmo “estando dentro”.

Ser negro, tornar-se negro

Tornou-se, o negro, o “estranho familiar”, hostilizado por robustas correntes de


pensamento racista do século XIX, como o racismo científico, a antropometria, o
darwinismo social, que “ [...], primeiro [apostava] na ideia de Tipos Perfeitos
(indivíduos que não eram miscigenados), segundo [considerava] a mestiçagem
como uma praga para a sociedade ‘civilizada’ que precisava ser evitada e
eliminada” (Silva; Santos, 2012, p. 1). Além disso, as teorias evolucionistas que
influenciaram, no Brasil, as reproduções simbólicas pejorativas atribuídas à figura
do negro, como o mito da “vadiagem” e da “preguiça”, além do mito da “mulata
sensual”, todas arraigadas à estrutura social brasileira da época, a ponto de
perpetuar-se nas estruturas contemporâneas que permanecem categorizando o
negro como integrante de uma raça inferior. Portanto, um legado deixado pela
experiência de uma Abolição tardia, proclamada oficialmente, mas que, na verdade,

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catapultou o negro na sarjeta, afinal, “[...] para serem livres, eles tiveram de arcar
com a opção de se tornarem ‘vagabundos’, ‘boêmios’, ‘parasitas de suas
companheiras’, ‘bêbados’, ‘desordeiros’, ‘ladrões’ etc.” (FERNANDES, 2017, p. 80).

Sendo assim, o negro é transfigurado em um espectro, visto que nas representações


sociais existem elementos determinantes para a classificação no regime de castas
que, para tal, considera o desembarque pretérito dos africanos, desenvolvendo um
imaginário de degenerações culturais, sociais e também biológicas, por isso a
mestiçagem significava, para as já mencionadas doutrinas raciais da segunda
metade século XIX, uma descendência corrompida. Com efeito, o afastamento da
eminente ameaça viria pelo branqueamento da sociedade brasileira, por meio da
eliminação gradativa do sangue “subalterno”, resolvendo, sumariamente, a questão
da formação identitária nacional, considerada incômoda, por conta da pluralidade
racial.

À vista disso, no percurso histórico brasileiro, homens e mulheres negras estiveram


resistindo, política e culturalmente, a toda forma de opressão e discriminação, de tal
modo que ações, no intuito de promover a igualdade de oportunidades entre os
grupos raciais excluídos e discriminados, constituem conquistas reais, na
atualidade. Entretanto, o reconhecimento dessas genuínas retratações e eventos
antirracistas não eliminam a memorável atrocidade diante das bizarras ideologias
raciais e discriminatórias que ainda deslocam o sentido ancestral africano que se
centraliza no processo estigmatizante do negro, personificado como o “outro”, o
estranho, o escravo, dominado e vítima permanente de incontáveis formas de
exclusão.

Irrefutavelmente, a mestiçagem integra as relações raciais no Brasil, seja na sua


configuração biológica (miscigenação), seja na sua configuração cultural
(sincretismo cultural), ou mesmo a partir da hibridização, conceito responsável pela
discussão em torno das demarcações identitárias e culturais, a fim de elucidar até
que ponto os elementos embrionários são mantidos, após as combinações, uma vez
que se combate a ideia de uma identidade integral, originária e unificada, sendo que
“[...] a própria ideia de uma identidade nacional pura, ‘etnicamente purificada’, só
pode ser atingida por meio da morte, literal e figurativa, dos complexos
entrelaçamentos da história e por meio das fronteiras culturalmente contingentes da
nacionalidade [...].” (BHABHA, 2013, p. 25).

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Provavelmente, em face dessa realidade, “Há quem se pergunte se no Brasil seria


possível a existência de uma identidade dos negros diferentes da dos demais
cidadãos.” (MUNANGA, 2012, p. 15). No entanto, a rememoração da história nos
revela uma relação racial branca hostil para com a resistência racial negra, deixando
escapar uma estreita e perniciosa aproximação com o racismo do qual é
consequência e resultado. Decididamente, os fatores perturbadores responsáveis
pela discriminação racial, expostos ou encobertos, praticados pelos poderes
econômicos, políticos e religiosos dão-se pela hierarquização das “raças”.

A identidade negra no Brasil de hoje constitui um contexto em que tanto se debate,


no entanto, em uma celeuma que, muitas vezes, pouco define a amplitude do
referido temário. Uma vez que alcançar a consciência da negritude significa ter
vivenciado experiências de invisibilidade, tendo no percurso de formação
identitária (“si mesmo”) perspectivas confundidas, sendo conduzido sutilmente a
expectativas de negação, pois, em uma sociedade como a nossa, os procedimentos
de exclusão são correntes e comuns. Assim, nessa conjuntura, a identidade negra,
como parafraseia Ciampa (1998, p. 16) é “[...] morte-e-vida [...] um outro nome para
identidade [...]”, eis a questão! É morte, mas é também, e sobretudo, vida expressa
naquele que se empenhou a escrever uma outra história, com as cores vivas, festivas
e vibrantes, de quem passa pelo processo de reconstrução da identidade.

“Saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade,


confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas
alienadas. Mas é também, [...], a experiência de comprometer-se a resgatar sua
história e recriar-se em suas potencialidades”. (SOUZA, 1983, p. 17-18)

À vista disso, as palavras de renúncia da cantora Fabiana Cozza revelam o paradoxo


de uma “[...] mestiçagem, que aparentemente aproxima e une, [mas] vem ferir o
indivíduo negro que não corresponde ao tipo ideal, o qual [...] supõe a exclusão e a
denegação da identidade” (D’ADESKY, 2009, p. 69). Em outras palavras, ela
renunciou, pois, a negritude que a atravessa, gravando marcas indeléveis da raça no
seu corpo e memória, não é suficiente.

“‘Somos daqui’, ‘somos deste lugar’, pertencemos a este lugar” (BAUMAN, 2005, p.
24). No caso da Cozza, o veredito para sua questão identitária veio pelo “outro”
que, por fim, a decretou como não sendo “uma pessoa deste lugar”, isto é, para
interpretar Dona Ivone Lara, faltava-lhe a negritude correspondente, logo, negra de

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menos, branca de mais. Esquecendo-se que a identidade é uma demanda imbricada


com a política, “tanto na atividade produtiva de cada indivíduo quanto nas
condições sociais e institucionais onde esta atividade ocorre. [Sendo assim,] [...] que
possibilidades nós nos permitimos – a nós e aos outros – de, sendo nós mesmos, nos
transformarmos [...]” (LANE, 1998, p. 10).

Obviamente, não se identifica na trajetória artística de Fabiana Cozza um impulso


aviltante pelo branqueamento e sua particular ideologia a partir da égide do
racismo, ditando a regra de que o apropriado e formoso é branco e tudo de
pernicioso é negro, estabelecendo, desse modo, a supremacia de uma aparência
física mais próxima da raça caucasiana, as feições comuns a todos os europeus, na
qual se destaca o cabelo, exercendo a impiedosa tendência que atrofia a identidade
do negro.

“[...] o sujeito negro [...], através da internalização compulsória e brutal de um Ideal


de Ego branco, é obrigado a formular para si um projeto identificatório incompatível
com a propriedades biológicas do seu corpo. Entre o Ego e seu Ideal cria-se, então,
um fosso que o sujeito negro tenta traspor, às custas de sua possibilidade de
felicidade, quando não de seu equilíbrio psíquico”. (COSTA, 1983, p. 3)

Percebe-se que Cozza tem um conhecimento profundo de todo o repertório da Dona


Ivone Lara e vive a sua negritude, indo além da pigmentação da pele, alcançando o
envolvimento emocional, ideológico, consciente do pertencimento e valor da raça e
cultura negra. Portanto, ela é “pessoa do lugar”, o que, em definitivo, não depende
da minha outorga ou de quem quer que seja. Não é rasourável a interferência de um
dito paladino que, do alto do seu cavalo, vaga pelos complexos meandros da
subjetividade e da identidade, postulando convicções e “certezas étnicas” que
maculam o respeito à alteridade alheia. Afinal, trata-se de uma travessia pessoal
pelas experiências culturais e identitárias que desembocam nas paulatinas ocasiões
transformadoras e, muito em razão disso, reconhecemo-nos no liame com o “outro”.
No entanto, é importante lembrar, que “[...] a negritude é a afirmação da identidade
negra no qual negros e negras deixam de ser objetos de uma história narrada por
um outro, que se pensa e diz ser diferente [...]” (MULLER; CARDOSO, 2014, p. 2).

A natureza relacional da identidade é o cerne onde residem os nossos sentimentos,


pensamentos e ações, posto que, em conformidade com Ciampa (1998, p. 34), “[...] é
o sentido da atividade social que metamorfoseia o real e cada uma das pessoas”. Por

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esse ângulo, a interação social parte do princípio e da compreensão de que a


experiência do ver e também ser visto não significa apenas um detalhe desprezível,
mas um efeito do olhar que sugestiona uma perspectiva, uma intencionalidade,
preconizando a visualidade sutil do bom e do bonito, do ruim e do feio. Isso
implica, como destaca Hall (2014, p. 110), o fato de “que as identidades são
construídas por meio da diferença e não fora dela. [...] apenas por meio da relação
com o Outro [...]” o que, irrevogavelmente, descarta o caráter impositivo e
chancelador desse “outro”.

Portanto, o discurso que tencionou a renúncia de Fabiana Cozza tem um coeficiente


de “expulsão”, um “princípio de exclusão: não mais a interdição, mas uma
separação e uma rejeição. [...] Era através de suas palavras [...] o lugar onde se
exercia a separação” (FOUCAULT, 2013, p. 10-11). Isto posto, a cantora teria
“dormido negra [...], acordado ‘branca’ aos olhos de tantos irmãos”, revelando uma
celeuma originada na diáspora negra e na miscigenação diversa no interior das
sociedades “hospedeiras”. Pai preto, mãe branca e a diversidade multicultural
tangível, por conseguinte, “[...] identidades plurais, mas também identidades
contestadas, em um processo que é caracterizado por grandes desigualdades”
(WOODWARD, 2014, p. 22).

Estou convencido que o episódio de contestação identitária, protagonizado por


Cozza, tem um substrato nas desigualdades existentes na sociedade brasileira e no
processo de marginalização em que índios e negros têm, há séculos, reagido
exaustivamente e, por isso, tenha se constituído um “exclusivismo cultural”.
Entanto, se na longínqua década de 1930 os militantes da Frente Negra Brasileira
empreendendo à conquista de uma ‘segunda Abolição’, padecia pelo antagonismo
do “‘novo negro’, que ‘quer subir na vida” e isolar-se ‘daquela gentinha negra’ e
repudia os movimentos negros, ‘porque eles dão azar’” (FERNANDES, 2017, p. 44-
45). Nos dias atuais, as deliberações do meio negro são cada vez mais amplificadas,
quer dizer, o orgulho de ser negro ganhou novas redefinições e se disseminou pelo
país. Evidentemente, ainda existem negros que não se declaram como tal, mesmo
que, em termos de fenótipo, isso seja inegável.

Alcançamos um movimento político mais agregador e unificado, se no passado,


mulatos e mestiços não estavam subjetivamente preparados para assumir uma
pauta afirmativa, hoje o movimento negro se reconhece como heterogêneo, plural e
com várias nuances, inclusive nos aspectos ideológicos, nas formas de atuação

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política e “em termos de cor”. No entanto, o que não mudou foi a discriminação
que, fazendo-se uma comparação entre negros e mulatos, percebe-se uma
discriminação em favor do mulato.

“[...] em termos de cor, se reproduz em várias direções. Por isso, dentro da


população negra e mestiça não há homogeneidade. Criar esta homogeneidade é um
problema preliminarmente político: trata-se de levar o mulato a se identificar não
com o branco, não com a rejeição à luta contra o preconceito, mas levá-lo a aceitar a
sua condição de negro e fazer com que sejam negros todos os que possuam
caracteres de origem”. (FERNANDES, 2017, p. 93)

Isto posto, concordo com a advertência acerca da concepção de uma


“homogeneização” de diferentes termos, mas também da cor. Parece-me
anacronismo, uma tentativa estúpida de retorno a uma época em que
mulatos/mestiços tinham horror de terem suas situações raciais descobertas e
alardeadas e, nesse sentido, era “reconfortante” ter documentado na certidão de
nascimento a “cor parda”.

Estou convencido de que Fabiana Cozza, diferente de tantas negras “retintas”,


vivenciou o caráter dúbio e ambíguo do mestiço, através da existência do
preconceito que “tolera” a mestiçagem, considerando, no processo de hibridização
do negro com o branco, a possiblidade de se tornar “agente de civilização”, pois
“[...] quanto mais o negro se aproximar do branco pela tez, pelos traços do rosto,
nariz afilado, cabelos lisos, lábios finos, maiores as suas possibilidades de ser aceito”
(BASTIDE; FERNANDES, 1959, apud GOMES, 2010, p. 146). No entanto, não se
justifica que sua identidade seja descaracterizada, transfigurada em identidade
moribunda, “morta-ainda-viva”. Portanto, é preciso “ser outro, mas com vida”, o
que deixará de acontecer se o entrincheiramento persistir entre nós, negros de
nuances diversas, afinal, é onde habita o torpor e o perigo.

Referências

Antonio José de Souza é Mestre em Educação e Diversidade (UNEB). Especialista


em Desenvolvimento Sustentável no Semiárido com Ênfase em Recursos Hídricos
(IF Baiano/Senhor do Bonfim-BA). Possui graduação (bacharelado) em Teologia pela
Faculdade Católica de Fortaleza. Licenciado em História pela Faculdade de Ciências

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41

da Bahia. Atua como Coordenador Pedagógico Geral pela Prefeitura Municipal de


Itiúba/BA. Integrante do Grupo de Pesquisa DIVERSO - Docência, Narrativas e
Diversidades, do Laboratório LaPPRuDes - Políticas Públicas, Ruralidades e
Desenvolvimento Territorial e da Associação Brasileira de Pesquisadores/as
Negros/as – ABPN.

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TERRA DE QUILOMBO: IDENTIDADE, TERRITORIALIDADE


E OS IMPACTOS SOCIAIS NA COMUNIDADE DE ABACATAL
Vânia Maria Carvalho de Sousa

O presente trabalho tem como finalidade apresentar a história de luta e resistência


da comunidade quilombola de Abacatal que está localizada no município de
Ananindeua. Entretanto, é interessante elucidar que a história paraense está
marcada com a chegada de negros oriundos de diversas regiões do continente
africano. Esta presença que marca a história na Amazônia tem como principal
finalidade a mão de obra barata, visto que a coroa portuguesa “tinha como meta
tornar as colônias produtivas pela exploração dos recursos da terra, atividade para a
qual os negros entrariam com seu trabalho escravo”. A exploração aconteceu das
mais variadas formas, sobretudo no cultivo da terra, trabalho pesado onde os negros
eram obrigados a trabalhar para seus patrões. As especificidades de cada região
mostram o quanto havia resistência por parte de alguns negros, dessa forma surgem
os quilombos como meio de sobrevivência e resistência a escravidão.

A comunidade quilombola de Abacatal, situada no município de Ananindeua,


resiste a toda sorte dos ataques neste território. O quilombo está presente desde o
ano de 1710, portanto, são três séculos de luta e de muita resistência. A comunidade
se auto-intitula como quilombola, marcada pela comunhão, força solidária que
advém de seus antepassados. Para o povo que lá residem, a terra é que lhes dá
moradia e alimento. É interessante notar que, ao longo da história a população
passou por diversas situações conflituosas, a terra, a floresta e os animais com os
quais compartilham suas histórias não é visto como mercadorias, mas é parte
integrante e que não podem ser dissociados.

Abacatal é um quilombo dentro da região metropolitana de Belém que traz uma


história de luta pelo reconhecimento das populações tradicionais da Amazônia.
Segundo sua história por gerações passadas, esta terra era de herança, que pertencia
a um conde português, Coma Mello. O mesmo não tendo filhos com sua esposa
procurou a sua escrava Olímpia, surgindo desta relação três filhas, que são
chamadas de Marias. Portanto, a terra foi dada como herança aos filhos dessas
Marias que até hoje habitam neste território.

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No decorrer da história, registra-se como se deu a titulação definitiva pela posse da


terra. Depois de mais de dois séculos de ocupação e de confrontos com os
apropriadores da terra, o povo finalmente consegue se estabelecer legalmente em
suas terras no ano de 1998. Durante muito tempo a comunidade configurou-se como
lugar de resistência, resultado da colonização, no entanto, Abacatal persistiu ao
modo de vida, a agricultura e as atividades extrativistas. Sobre o lugar, vários
registros foram feitos com pesquisas documentadas por pesquisadores que
adentraram neste universo tão complexo, cheios de contradições, mas, que revelam
também a beleza da comunidade, através da cultura, da religiosidade, e das
expressões sociais com políticas afirmativas, projetos de inclusão desenvolvidos na
comunidade, trabalhos alternativos, entre outros.

Uma das vias de acesso a comunidade é a estrada do Aurá, que fica na divisa entre
os municípios de Ananindeua e Marituba. Os moradores necessariamente precisam
passar por este caminho, porém, a via de acesso não está em boas condições para se
trafegar, visto que, há muitos buracos e no período de inverno a lama é constante. A
população sofre com todos esses problemas, pois em dias de sábado trazem seus
produtos para serem comercializados na feira de Ananindeua. Os alimentos
produzidos pela própria comunidade é um dos recursos na renda familiar. Os mais
produzidos são frutos regionais, como açaí, pupunha, cupuaçu, laranja, etc. A
produção agrícola é um dos meios de sobrevivência para a comunidade. Há
também de ressaltar que muitos que ali residem constituem outra profissão, por
isso, a necessidade de virem para o centro da cidade em busca de alternativas de
trabalho profissional.

Outra realidade vivida pela comunidade é a proximidade com o lixão do Aurá.


Segundo depoimentos dos moradores, o quilombo vivia em paz, porém, com a
chegada do “progresso” a população sofre toda sorte de mazelas e de ameaças a
comunidade. Suas terras foram invadidas, vendidas e as casas derrubadas, os
igarapés e o ar estão poluídos pelo aterro sanitário e pelo despejo de esgotos de
condomínios.

Uma importante contribuição sobre a formação do povo brasileiro, mas


especificamente no Pará, advém de Vicente Salles. Segundo ele, é importante notar a
contribuição africana nas Américas, que aconteceu não somente na Religião, mas na
agricultura, na dança, e no domínio do trabalho. “Os negros foram destinados,

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sobretudo para os canaviais e as lavouras de arroz e algodão”. Em todas as áreas do


Brasil eles construíram a nossa economia e desenvolvimento, por outro lado, foram
sumariamente excluídos da divisão dessa riqueza, não sendo diferente no Estado do
Pará.

A história do Brasil é pautada por conflitos. É na verdade uma sociedade desigual e


cheias de contrastes. Também no quilombo de Abacatal não foi diferente. Os
conflitos são intermitentes. Neste sentido, destaco como fator importante os sujeitos
que residem no quilombo, suas histórias de vida, como se identificam e quais suas
lutas pela defesa da vida, em decorrência de diversos projetos que estão sendo
pensados sem prévia consulta da comunidade.

Historicamente a comunidade vem construindo sua identidade, sofrendo algumas


mudanças no decorrer da história. Mudanças estas que afetam diretamente a
comunidade, como por exemplo, o lixão que fica próximo de suas casas, e pela
futura construção de uma ferrovia que afetará diretamente o território quilombola.
A maioria da população é constituída por negros, são família que se identificam
como quilombolas, assumindo sua identidade cultural.

No quilombo são realizadas diversas atividades culturais, sobretudo voltado para a


juventude. Nesses últimos meses há um projeto de percussão, em parceria com a
pastoral afro da conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). São atividades
de percussão, dança, musicalidade, onde favorece ao sujeito o reconhecimento e a
importância que ele tem no espaço da comunidade. A Pastoral Afro tem como
objetivo desenvolver formações e atividades ligadas a questão da identidade, bem
como o pertencimento a cultura afro-brasileira.

Quando me reporto a questão identitária no quilombo, trago presente as


contribuições de Stuart Hall, que descreve a identidade cultural da pós-
modernidade no processo histórico das comunidades tradicionais. O autor sugere
em sua linha de reflexão a existência de três concepções. Primeiro o sujeito do
iluminismo, na qual o sujeito está baseado na razão de consciência e de ação. Em
segundo lugar têm-se a concepção do sujeito sociológico, ou seja, formado a partir
da interação entre o sujeito e a sociedade, e por fim, o sujeito pós-moderno, que é
aquele que não assume uma identidade fixa, essencial ou permanente, mas passa a
assumir identidades diferentes em diferentes momentos.

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O autor ao discutir a questão da identidade como algo que está ligado ao processo
de representações, deixa claro que na sociedade pós-moderna esse fenômeno se
expressa de diferentes formas, pois no sujeito não existe uma única identidade,
como já foi discutido anteriormente. Ainda sobre esse elemento presente na
sociedade, Stuart Hall diz o seguinte:

“O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que


não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades
contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas
identificações estão sendo continuamente deslocadas”.

A comunidade nesses últimos tempos vem sofrendo diversas ameaças, entre elas, é
a passagem da ferrovia que afetará o modo de vida desses sujeitos. Por isso, o
quilombo preocupado com a sobrevivência das futuras gerações, vem discutindo e
propondo estratégias de como continuar vivendo sem essas interferências externas
que afetará o modo de vida desta população. A esses embates que se configuram em
torno da mesma, a Associação de Moradores e Produtores de Abacatal e Aurá
(AMPQUA), elaborou um protocolo de consulta, aprovado em assembleia geral no
dia 10 de julho de 2017. Este recurso foi baseado na Convenção 169, da Organização
Internacional do Trabalho, que assegura o direito de serem consultados
previamente. Neste protocolo o quilombo apresenta como deve ser assegurado este
direito e de que forma deve ser realizado a consulta.

Esses projetos que estão sendo pensados para a comunidade, nem sequer foram
consultados, mas que pode atingir seriamente o território, sobretudo com a
instalação de indústrias, rodovias e ferrovias. Esses tipos de empreendimentos
causam uma série de impactos a identidade cultural, que foi repassada por seus
ancestrais, através da memória e da oralidade, que é a maior riqueza desses sujeitos.
A perda de sua cultura pode os colocar numa situação de vulnerabilidade social,
ambiental, cultural e econômica. Portanto, a decisão do protocolo de consulta está
pautada na busca de reconhecimento e de seus direitos respeitados.

Esses grandes projetos trouxeram conflitos para a comunidade, tendo presente que
por ser uma comunidade quilombola a terra é de direito dos que ali residem. As
lutas empreendidas foram as mais diversas, como reuniões para organizar a

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comunidade, resistência diante das ameaças em tirá-los da terra, entre outros. É


interessante notar que a comunidade de Abacatal sempre recebeu ameaças de fora,
ficando a mercê de sua própria sorte. Entretanto, com a luta pela posse da terra e
pela exploração dos recursos naturais o quilombo enfrentou positivamente esses
projetos. Certamente, não foi fácil para a população resistir a essa agressão humana,
que tira o direito de viverem seu próprio território. A luta começa a partir do
momento em que o povo sente e vê suas terras invadidas, tudo em nome do
progresso.

Concomitantemente, a população tomou conhecimento de que sua área geográfica


será cortada pela ferrovia paraense, um dos grandes projetos do governo estadual.
No site oficial da SEDEME (Secretaria de Estado de desenvolvimento econômico,
mineração e energia) encontramos a seguinte informação: “A Ferrovia Paraense terá
1.312 km de extensão, interconectando todo o leste do Pará, desde Santana do
Araguaia até o Porto de Vila do Conde em Barcarena”.

Nos estudos que estão sendo feito a área de Abacatal será atingida, visto que, alguns
moradores já tomaram conhecimento deste projeto. A comunidade recebe
orientações da defensoria pública, na figura de Johny Giffoni do Núcleo de Defesa
dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Pará. Segundo ele, “para
que o processo de licitação do empreendimento já estivesse avançado ao ponto que
está, as populações tradicionais deveriam ter sido consultadas previamente,
conforme prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT),
decretada no Brasil em 2004”. Johny é um dos defensores públicos do Pará que
contribui significativamente nas discussões e combate a esses projetos. É
interessante lembrar que não é apenas Abacatal enquanto comunidade tradicional
que será afetada, mas 23 municípios paraenses.

O processo identitário de um grupo se constrói a partir da história de vida de seus


antepassados e dos atores sociais que fazem parte dessa comunidade, é o que
podemos perceber no quilombo de Abacatal. Essa construção coletiva agrega
valores que são importantíssimos na identidade de um povo. As situações de
sofrimento, perda de valores, ameaça aos seus territórios, atingiu fortemente a vida
da comunidade, criando barreiras quanto a aceitação de sua própria identidade. É o
que relata Rosa Acevedo em sua obra sobre as narrativas relacionadas ao processo
de afirmação étnica e política. Segundo ela, “a designação preto ou negro era

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recusada, por estar associada à situação de escravos e, por conseguinte, à imagem


imposta pela sociedade”.

O pertencimento quanto a cor da pele ainda continua muito presente até hoje na
comunidade, tudo isso deriva de suas origens culturais que via o negro como pessoa
inferior. Alguns estereótipos relacionados a sua ancestralidade faz com que ainda
haja uma não aceitação de suas origens. Neste sentido, o trabalho sobre a identidade
no quilombo é extremamente importante, para que as futuras gerações se apoderem
do ser negro na sociedade.

A conquista desses territórios continua até hoje como formas de resistir a qualquer
tipo de ameaça que impeça as comunidades tradicionais de viverem de forma
harmoniosamente, construindo valores, sendo sujeitos sociais num mundo
fragmentado e dando visibilidade a sua africanidade de um passado no qual foi
incorporado elementos relacionados a questão da etnicidade não muito positivo.

Segundo Simone e Lisângela, “ao negro foi-lhe negada uma cidadania real mesmo
após a abolição da escravatura”. Desta forma, é compreensível o estabelecimento
que se deu na composição de suas lutas, com suas bases de sobrevivência na
agricultura, a resistência que foi empreendida contra os ataques externos, bem como
a formação de uma territorialidade negra, com suas especificidades, construindo
uma identidade peculiar nos quilombos.

Para se compreender a territorialidade do quilombo é necessário discorrer sobre a


identidade do povo que ali residem, sua forma de pensar e de viver em
comunidade, respeitando suas especificidades, as transformações e permanências
que surgem no decorrer da história. Neste sentido, Maria Albenize lança um debate
bastante interessante sobre identidade e território, segundo ela,

“Quando discutimos identidade quilombola, território e identidade aparecem


intimamente imbricados, a construção do território produz uma identidade e a
identidade produz o território, este processo é produto de ações coletivas,
recíprocas, de sujeitos sociais. A territorialização, também é construção, movimento,
no tempo e no espaço. São relações entre os sujeitos com sua natureza. Essa relação é
registrada pela memória, individual e coletiva, fruto e condição de saberes e
conhecimento”.

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Neste contexto, a autora nos ajuda a entender o processo de construção da


identidade de um povo, reconhecendo em seu pertencimento formas de
sobrevivências, de resistências e lutas pela conquista da terra. Tal tarefa não é fácil
de ser empreendida, visto que, nas relações sociais sempre vai haver conflitos. Os
elementos de construção tanto territorial quanto identitário é fruto de uma relação
do passado com o presente, que vai do individual para o coletivo, tendo presente os
sujeitos que fazem parte da história, garantindo a vida, enquanto quilombolas.

Ainda de acordo com Malcher, “o território é o elemento de construção da


identidade étnica, que é o ponto mais importante da estrutura social” (p.8). Neste
sentido, observamos que o grupo é quem determina quanto o direito a permanência
na terra, mesmo com a complexidade de habitar em determinados espaços. As
relações sociais incluem relações de grupos com a terra, mas também lutas de poder.
O processo histórico rememorado por nossos ancestrais marca a conjuntura dos
territórios quilombolas, sobretudo onde aparece o maior número de conflitos, seja
por questão de terra, moradia ou pelas relações construídas na comunidade.

A organização do ponto de vista político e social abre novos caminhos de


legitimação quanto a conquista de seus territórios, assegurando a vivencia de sua
ancestralidade, reconhecimento de seus direitos, bem como projetos de inclusão
realizados dentro da comunidade. Os autores envolvidos buscam constantemente a
regularização de suas terras, visando o bem comum através de encontros,
organizações e resistência.

A territorialização defendida por Albenize é “elemento de construção da identidade


étnica, que é o ponto mais importante da estrutura sócio-espacial”. Neste processo a
identidade de um povo, sobretudo no quilombo dá-se por diversas formas, pois
como se sabe, temos uma variedades de identidades nos diversos aspectos da
comunidade, seja no modo de ser ou de agir dentro do espaço geográfico. O
processo de afirmação dentro de suas lutas políticas acontece pela organização,
encontros e participação em associação comunitária, garantindo direitos,
fortalecendo a resistência pela conquista de espaços e direitos reconhecidos.

Nesta luta pela terra os conflitos são os mais diversos, visto que as relações sociais
quase sempre são conflituosas. O reconhecimento de sua identidade quilombola é

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um dos meios de legitimação e permanência no território, tornando-se um elemento


importantíssimo na vida do quilombola, não obstante, a terra é um bem maior,
sendo de grande utilidade para a comunidade local. É o que discorre Albenize sobre
essa temática. De acordo com a autora, “a terra (território) torna-se um valor de
vida, um espaço de relações vividas, fruto da memória e da experiência pessoal e
compartilhada”.

Neste pequeno fragmento percebe-se que identidade e território tem uma


interligação que direciona para o reconhecimento da cultura e da vivência de um
determinado grupo social. É neste aspecto que a população do quilombo de
Abacatal tentam manter sua cultura dentro de seu território, mesmo sabendo que
suas terras são cobiçadas por empresas que tentam tirá-los desse espaço de
memórias, experiências vividas por seus ancestrais, cultivando valores que existem
até hoje. A luta pela terra começa desde muito tempo, na qual moradores legitimam
como propriedade particular, gerando conflitos que dificultam as relações sociais e
familiares.

É neste território onde se constitui o quilombo que vamos encontrar histórias de


vida, permeada por grandes tensões, atividades como produção agropecuária,
agricultura, pesca, entre outros. Outra presença importante é a escola municipal de
ensino fundamental Manoel Gregório Rosa Filho, disponibilizando o acesso ao
ensino fundamental.

A comunidade de abacatal configura-se num contexto de grandes projetos que irão


afetar direta e indiretamente sua população. Como se sabe ao longo de sua história
houve muita luta e resistência para continuar na terra. Neste aspecto é interessante
notar, que a presença do negro em alguns momentos da historiografia foram vistos
de forma preconceituosa, onde a exclusão social de certa forma imperava na
sociedade. Porém, há de reconhecer que na comunidade têm-se expressivas
contribuições advindas desses sujeitos históricos, que ao longo do tempo foram
construindo sua identidade, pautada pela luta, comunhão e resistência. Os autores
acima citados nos ajudam a compreender o contexto político e social que a
comunidade de Abacatal está inserida, ajudando-nos a compreender os impactos
que o quilombo sofrerá a partir desses grandes projetos.

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REFERÊNCIAS:

Vânia Maria Carvalho de Sousa possui graduação em História pela Universidade Vale do
Acaraú (2007). Especialização em Estudos Bíblicos pelo IESPES. Mestra em Ciências da
Religião pela UEPa. Especialização em andamento em História Agrária na Amazônia
Contemporânea pela UFPa.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A.


2005.
MARIN, Rosa Elizabeth Acevedo, CASTRO, Edna Maria Ramos. No caminho de
Pedras de Abacatal: experiência social de grupos negros no Pará. Belém:
NAEA/UFPA, 2ª. ed. 2004.
MALCHER, Maria Albenize Farias (2006). A geografia da territorialidade
quilombola na Microrregião de Tomá-açú:: o caso da ARQUINEC – Associação
das comunidade remanescentes de quilombos Nova Esperança de Concórdia do
Pará. Belém: CEFET. (Trabalho de conclusão de curso)
SALLES, Vicente. O negro na formação da sociedade paraense. – Belém: Paka-Tatu,
2004.

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PARTE 2:
HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO
E DO ENSINO DE
HISTÓRIA

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ENSINO SECUNDÁRIO PÚBLICO E PARTICULAR EM


DUAS PROVÍNCIAS: UM ESTUDO DE CASO (1870)
Meryhelen Alves da Cruz Quiuqui*

Palavras-Chave: Ensino secundário; Atheneu; Educação; Ceará; Espírito Santo.

Introdução
No contexto de transformações econômicas e culturais que marcam a sociedade do
novo milênio com exigentes padrões tecnológicos e valorização da diversidade de
gênero, étnica e cultural, a escola converteu-se em espaço de um saber em constante
mutação. As pesquisas no campo da História da Educação tendem a se consolidar
como lugar de reflexão dessa diversidade de experiências no tempo e abrem
perspectivas para a discussão dos desafios enfrentados atualmente pelas escolas.
Algumas técnicas naturalizadas como a separação em classes, intervalos de recreio,
a segmentação do ensino, dentre algumas práticas, pode ser problematizada a partir
do levantamento no passado de sua implantação. Ao considerar historicidade de
fazeres e saberes, as fronteiras da história vivida, da história escolar e da história
acadêmica podem se transformar em espaços de diálogos e reflexões.

Produções no âmbito da História da Educação secundária focaram no estudo do


Colégio Pedro II, instalado no Rio de Janeiro e sob administração da Corte Imperial,
relegando as outras instituições como simples cópias. Produções historiográficas
resentes apontam para o crescente investimento nas problematizações da história
das instituições escolares, da produção dos sujeitos escolares, de modelos
pedagógicos produzidos e postos a circular pelas províncias, das disciplinas
escolares e da formação de professores secundário. Essa última temática, cara à
historiografia da educação, tem ganhado fôlego. A partir de estudos apoiados em
diversos tipos de documentos, pesquisadores buscam compreender as condições em
que foram produzidas as representações sobre a docência realizando um intenso
diálogo entre o passado e o presente.

O presente trabalho busca, assim, ponderar a maneira com as quais os jornais


capixabas e cearense se referiam ao colégio secundarista da região analisada, ou
seja, qual era a visão da sociedade sobre a instituição. Procuraremos identificar se o

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fato de uma instituição ser pública e a outra particular, interferia nas notícias
publicadas pelos redatores.

Contexto histórico

Escolhemos analisar a década de 1870, por ser um período de intensa modificação


política, científica e cultural no Brasil. Jose Murilo de Carvalho (2011), explica que a
década aqui discutida foi marcada pela divulgação do Manifesto Republicano que
trouxe uma nova ideia para a política brasileira. Sobre a educação Carvalho
argumenta que esse setor, apesar de não o centro das discussões, que girava em
torno de qual seria a melhor forma de administrar o Brasil, não foi deixado de lado
pelo novo grupo político que surgia já que inúmeras palestras públicas sobre o
assunto foram realizadas pelo governo imperial. Angela Alonso (2002) argumenta
que os últimos anos no período imperial foram marcados pelo surgimento de novas
ideias, que pretendia contradisser o status quo imperial. A área educacional, para a
geração de 1870, tinha como objetivo civilizar os homens, pois a ascensão social
ocorreria por meio do ensino escolar, formando assim uma elite política graduada.
Para Maria Tereza Chaves Mello (2009), as novas ideias podem ser percebidas nos
jornais, que empregavam termos como democracia, futuro, igualdade, razão e
ciências em suas notícias. Assim, entendemos os anos de 1870 como um período de
intensa transformação.

Sobre a cultura escolar, utilizaremos as ideias de Dominique Julia (2001), que a


defini como um conjunto de normas e práticas que determinam conhecimentos e
ensinam condutas, é, portanto, impossível estudar a história das instituições de
ensino sem levar em conta as relações – culturais, políticas, econômicas e religiosas.
Nesse quadro, a figura dos professores não pode ser deixada de lado, pois eles são
convocados a obedecer a essas ordens e utilizar dispositivos pedagógicos
encarregados de facilitar sua aplicação.

Júlia (2001) também argumenta que existem três eixos para entender a cultura
escolar, um deles é a avaliação do papel desempenhado pelo educador. Assim, no
final do processo educacional sempre é o docente que escolhe o que será ensinado,
pois ele não é uma simples massa de manobra – apesar das inúmeras leis e
regimentos que comandam a escola, mas vale ressaltar que cabe ao aluno a

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oportunidade de intervir no planejamento das aulas, pois é a mudança de público


que impõe a mudança dos conteúdos.

Assim, a cultura escolar não pode ser pensada como uma ‘coisa’, como um
programa ou curso de estudos e, sim, como um ambiente simbólico, material e
humano que é constantemente reconstruído – envolve aspectos técnicos, estéticos,
éticos e políticos – respondendo tanto ao nível individual/pessoal como social. Ou
seja, envolve compromissos relacionados ao discurso político e ideológico, às
políticas de Estado, ao conhecimento que é ensinado nas escolas, às atividades
diárias de professores e estudantes nas salas de aula e, de como entendemos tudo
isso. Nesse sentido, não são compromissos que se dão entre ou no meio de iguais.
Ela não é alguma coisa que se traduz num movimento estático, e sim dinâmico:
entre estratégias e táticas; entre espaço e lugar – a vida é dinâmica; a vida da escola é
dinâmica. Então, pensar no ambiente escolar significa pensar uma cultura que se
reorganiza cotidianamente, que se faz e refaz, entre estratégias e táticas cotidianas, e
que se reconstrói a cada dia, a cada momento, considerando o conjunto de
educadores que se apropriam dele. A cultura da/na escola tem uma representação
oficial, mas também se apresenta em sua materialização cotidiana de cada escola,
num movimento das táticas, “lance por lance” (CERTEAU, 1994, p. 100).

Sobre as fontes utilizadas, esse trabalho pautará nos jornais em circulação pelas
províncias do Ceará e Espírito Santo na década de 1870. Para o tratamento dessas
fontes é essencial à análise de conteúdo proposta por Laurence Bardin (2004). A
autora (2004, p.15) ao descrever a importância da metodologia da análise de
conteúdo, assevera que a apreciação estatística comungada a categorização - a
técnica de classificação de elementos por diferenciação a partir de um conjunto e
pelo seu posterior reagrupamento em pequenos grupos - permite a melhor
apreensão da realidade, já que oferece uma técnica sistemática de objetividade do
material analisado e uma apreensão clínica do conteúdo. Nessa perspectiva o
paradigma indiciário, metodologia desenvolvida pela escola histórica italiana,
também auxilia no trabalho com as fontes, pois torna possível a investigação dos
pequenos indícios fornecidos pela documentação e a percepção da atuação política e
cultural dos colégios analisados nas terras capixabas e cearenses.

Sobre o uso dos jornais como fonte histórica, Tania Regina de Luca (2008),
argumenta que até a década 1970 ainda havia uma aversão por parte dos
historiadores quanto a sua utilização. Essa modificação terá início com a Escolas dos

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Annales, em 1930, ao realizar uma renovação temática no campo da pesquisa


histórica (LUCA, 2005, p. 113). É evidente a relevância dos periódicos para o
desenvolvimento historiográfico, já que por meio da imprensa escrita podemos
compreender melhor alguns hábitos e condutas de uma dada sociedade. Os jornais
do século XIX podem servir como fontes para a pesquisa dos costumes e dos locais
de sociabilização no meio urbano do Brasil (BEZERRILL, 2011). Assim, por meio da
linguagem jornalística de duas sociedades distante geograficamente no Oitocentos,
analisaremos duas instituições secundárias que tinham o mesmo nome: Atheneu.

A impressa escrita

Para Régia Agostinho Silva (2011), o final de 1870 no Ceará, foi marcado por uma
grave seca, que prejudicou a economia provincial e abalou o discurso progressista.
Em relação ao Espírito Santo, Karulinny Silveiro Siqueira (2016) argumenta que
essas novas ideias em voga no Brasil Império também chegaram. Até 1870, não
existiam claras manifestações contra o poder imperial. O radicalismo presente na
Corte não atravessou as fronteiras provinciais até esse momento. Esses pensamentos
reformistas somente encontraram terreno propício quando as novas gerações de
políticos e intelectuais, formados na Corte, retornaram para a terra natal e
encontraram um mercado literário mais amplo que na década anterior.

O Atheneu Cearense foi criado em 1863 para formar a elite intelectual de Fortaleza,
que poderia pagar pelos estudos, e fechou as portar 23 anos depois, em 1886. De
acordo com Karolynne Barrozo de Paula e Antonio Germano Magalhães Junior
(2012), a instituição se destinava a educação religiosa e preparatória para o ingresso
nos cursos superior do Império, admitindo alunos internos e meio pensionistas de
todas as faixas etárias. Em sua grade curricular, de acordo com os autores citados
anteriormente, podemos observar matérias ligadas aos estudos humanísticos, como
a língua francesa, latim, geografia e história.

Analisando os jornais em circulação na província do Ceará, foram localizados três


que fazem menção ao Atheneu: A Constituição, Pedro II e O Cearense. O primeiro
jornal de dedicou a publicação de anúncios a pedido do colégio, relacionados a
mudança de endereço e período de matrícula. Já os redatores do periódico Pedro
II teceram alguns comentários obre o colégio em suas páginas, mas todos sempre
elogiosos. Nesse jornais foram localizadas a manchetes sobre o bom comportamento
dos alunos que chegaram a receberam distinção de mérito (1872, ed. 90, p. 2); em

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outro momento argumenta que o colégio é bem construído e conservado debaixo


das regras da boa higiene, sendo falsa a notícia de que dezessete alunos estavam
acometidos por beribéri (1872, ed. 195, p. 2); assim como anuncia que a instituição
foi transferida de local, provando que a direção não tem poupado esforços para
manter o estabelecimento com as proporções exigidas para a “distinta função
educacional”, continuando merecedor de todo reconhecimento do público cearense
e louva, ainda, ao colégio por instalar aulas noturnas gratuitas para os “desvalidos”,
como o objetivo de ensinar a ler e escrever.

O terceiro jornal mencionado, O Cearense, também redigiu comentários positivos


sobre o colégio, pois na opinião dos redatores era louvável, por exemplo, a criação
Sociedade Manumissora, por parte do colégio, que tinha como função libertar
escravos (1871, ed. 111, p. 1). Em outro momento o jornal destaca uma fala do
diretor, ao entregar prêmios para os alunos que mais se distinguiram pelo
comportamento e estudo, sobre as péssimas condições que estava a instrução
pública fazendo “judiciosas considerações” (1871, ed. 138, p. 1), assim como felicita a
instituição pela contratação de um professor, que aos olhos dos redatores, era uma
excelente aquisição (1873, ed. 43, p. 2); no 13ª aniversário da instituição houve uma
festa que compareceram as mais brilhantes famílias da cidade, congratula pelos
bons serviços prestados a instrução e que merece a confiança e simpatia dos que
sabem prezar a civilização (1876, ed. 96, p. 3). Por fim, cabe destacar a mensagem
impressa no jornal, sobre outra na festa de distribuição de prêmios, que por meio
dela pode-se perceber o desenvolvimento intelectual dos jovens ao realizarem
discursos e declamações de poesias, diz ainda que o colégio é perfeitamente
montado e dirigido com zelo e habilidade.

Já o Atheneu foi instalado em Vitória capital da província do Espírito Santo em 1873


pelo governo provincial, com a missão de preparar a juventude capixaba para o
ingresso nos cursos superiores espalhados pelo Brasil (SIQUEIRA, 2016). Mesmo
sendo uma instituição pública, o ensino não era gratuito, já que era cobrado um
valor para matrícula dos estudantes. Convém destacar, que o ensino ministrado
pelo educandário capixaba também era pautado no discurso humanístico de ensino,
em que as matérias de latim, francês e língua portuguesa tinha supremacia sob as
áreas ligadas ao ensino científico.

Na década de 1870, as principais queixas dos redatores e cidadãos que publicação


nos jornais eram o mal comportamento de alguns alunos e pelo fato dos professores

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terem mais de uma função pública, questão impedida por lei. Sobre os alunos, foi
publicado a baderna realizada em praça pública, que recebeu advertência do
Presidente da Província (A Actualidade, 1878, ed. 64, p. 8). Tal confusão dizia respeito
as caricaturas, que tinha como tema os professores e funcionários da instituição,
feita pelos alunos e pregadas em ruas da cidade. Em outro momento, um jornal
publicou uma série de notícias sobre a acumulação de cargos públicos pelos
professores (O Espírito Santense, 1876, ed. 1, p. 3). Mas o mesmo jornal que criticava,
também elogiava em outros momentos. Um ano antes que criticar a acumulo de
cargos pelos professores, O Espírito Santense (1875, ed. 8, p. 4) enalteceu os
profissionais, argumentando que com a organização escolar estabelecida pela
administração, tornado os alunos “discípulos distinto”, a comunidade capixaba já
estava colhendo os frutos e os esforços seriam compensados com a gloria de
encontrar na futura inteligências do Espírito Santo “essas luzes”, ou seja, na
instituição estavam sendo formada os futuros dirigente da província.

Analisando as notícias vinculadas pelos jornais estudados observamos que o


Atheneu Cearense não recebeu nenhuma crítica dos redatores e da população, na
seção destinadas as publicações “A pedido”, apesar de diversas figuras importantes
terem estudado na instituição como: João Guilherme Studart, Clóvis Beviláqua e
Capistrano de Abreu. Talvez essa falta de crítica se referia aos status religioso do
colégio, que publicava constantemente as reuniões para a celebração da primeira
comunhão dos alunos, e o fato dela ser particular e não sofre interferências do poder
político provincial. Já a instituição pública capixaba recebeu diversas críticas e
elogios dos jornais capixabas, apesar dos alunos serem formados pela elite regional.
As críticas sempre envolviam discussões políticas entre liberais e conservadores,
atingindo a direção escolar e professores. Até mesmo quando os alunos recebiam
críticas dos jornais e da população.

Referências Bibliográficas

*Mestranda em História e integrante do grupo de pesquisa “Laboratório de História,


Poder e Linguagens”, ambos ligados a Universidade Federal do Espírito Santo e sob
orientação da Profa. Dra. Adriana Pereira Campos. E-mail: merycalves@gmail.com.

ALONSO, Angela. Ideias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império.


São Paulo: Paz e Terra, 2002.

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BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Ed. 70, 2004.


CARVALHO, José Murilo. República, democracia e federalismo Brasil, 1870-
1891. Varia historia, vol. 27, n. 45, pp. 141 – 157, 2011.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1994.
JULIA, Dominique. A cultura escolar como objeto histórico. Revista brasileira de
história da educação, Maringá, n. 1, jan./jun., p. 9-43, 2001.
LUCA, Tania Regina de. A grande imprensa na primeira metade do século XX. In:
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Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Espírito Santo,
Vitória, 2016.

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A ESCOLA DE PRIMEIRAS LETRAS NA COLÔNIA


BENEVIDES: RELAÇÕES ENTRE TRABALHO AGRÍCOLA E
ENSINO NA AMAZÔNIA OITOCENTISTA
Francivaldo Alves Nunes

A escola da segunda metade do século XIX torna-se um instrumento de fabricação


do cidadão, importante na luta do governo imperial contra o que se chamava de
hábitos não civilizados. De acordo com Faria Filho (2000) é o momento em que se
defende a superioridade e a especificidade da educação escolar frente a outras
instâncias de socialização, como a família, a igreja e o grupo social.

Nas províncias os formatos de educação adotados nesses locais quase sempre


refletiam os interesses e valores locais. No caso dos núcleos coloniais as
especificações do ensino adotado nesses espaços, refletem, portanto, os embates
entre interesses locais, dos colonos e mais gerais, das autoridades provinciais.

Considerando que o processo de escolarização deve ser melhor entendido na sua


diversificação a partir de interesses locais, diríamos que na Amazônia,
especialmente nos espaços dos núcleos coloniais, as instituições de ensino se
caracterizam por um modelo de instrução das práticas religiosas, das primeiras
letras, associado à ideia de valorização da agricultura e do respeito as normas e
autoridades provinciais. Para uma região em que a falta de braças para atuar na
lavoura era uma das principais questões presentes nos debates das autoridades
provinciais, tornavam mais preeminentes o objetivo da formação de um povo
trabalhador e obediente a legislação.

Criar escolas era indicador importante, portanto, de progresso e civilização, pois se


passava a ideia de que novos espaços de domesticação social estavam sendo
construídos. Nesse aspecto, a diretoria da Colônia Benevides, localizada algumas
léguas de Belém, capital da província do Pará, nos primeiros meses de 1879,
apontava o funcionamento de uma escola para crianças do sexo feminino, duas do
sexo masculino e uma noturna, que atendiam alguns colonos que tivessem interesse
em aprender as primeiras letras (Arquivo Público do Estado do Pará - APEP. Caixa
367. 1880-1886. Ofício de 02 de agosto de 1880).

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A primeira escola achava-se, sob a direção da professora Filomena Rodrigues da


Silva que cuidava da educação das meninas. As duas do sexo masculino sob os
cuidados do padre Lyra e do professor José Valhão de Vasconcelos. A escola que
funcionava a noite estava sob a guarda do professor Antonio Duarte Balby. O
ensino da leitura e escrita, associado aos valores religiosos constituía a base de
ensinamento nessas escolas; situação que pode ser evidenciada pela apresentação do
nível de conhecimento dos alunos feita pelo padre Lyra e da própria presença do
pároco com um dos professores .

De acordo com os dados da administração da colônia, dos 161 alunos matriculados


de 1º de agosto a 06 de setembro de 1878, e que estavam sob os cuidados do padre
Lyra, este fazia questão de destacar que: "143 começavam a ler o a-b-c, 13
balbuciavam as primeiras sílabas, 03 já soletravam nomes, e outros 03 possuíam
princípios de leitura" (O Liberal do Pará, Belém, 06 de abril de 1879, p. 01).

Nas escolas dos núcleos coloniais do Pará, predominavam o que se poderia chamar
de escolas primárias, ou seja, eram instituições de ensino dedicadas ao ensinamento
elementar que consistia na leitura, escrita, quatro operações aritméticas, noções
práticas do sistema métrico, doutrina cristã e da religião do Estado, e costura para as
meninas. No caso de ensinamentos mais adiantados como a gramática portuguesa,
caligrafia, desenho linear, aritmética avançada, elementos de geometria, de
geografia e de história estes eram ministrados somente nas escolas públicas da
capital ou nas sedes dos municípios mais populosos. Caso houvesse interesse de
continuar os estudos era necessário que os filhos dos colonos se deslocassem para
essas localidades, o que quase sempre não acontecia.

A criação de escolas na Colônia Benevides estava circunscrita a um contexto


marcado por discursos que tem como propostas principais a disseminação da
instrução pública a todos os habitantes do país. De acordo com as autoridades
provinciais o desafio era a expansão das escolas aos lugares distantes e pouco
povoado (Relatório da presidência do Pará de 15 de fevereiro de 1881, p. 60 ). Nesse
aspecto, diríamos que o conceito de ensino pensado pelas autoridades locais, se
remete ao surgimento de um espaço educacional articulado aos interesses do
Estado. No entanto, há de se considerar as resistências, conflitos e diversidades das
práticas pedagógicas que caracterizaram a implantação e implementação da forma
moderna de educação pensada para o país.

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De acordo com Irmã Rizzini (2004, p. 78), as práticas tradicionais de socialização


talvez tenham sido as mais resistentes ao modelo escolar oficial, por este "competir"
com as famílias, tutores e protetores, uma vez que acabava usurpando as crianças na
ocupação do tempo e do espaço, além do que tentava impor um aprendizado que
nem sempre era o mais valorizado em seu meio, ou que garantisse a reprodução dos
valores familiares.

Na Amazônia, como em outras regiões brasileiras, o processo de afirmação e


expansão da forma escolar sofreu reveses vindos de todas as partes e pela própria
diversidade da constituição étnica e cultural da população. Esta questão se refletia
no número de crianças frequentando a escola e nos índices de participação nas
aulas.

Nos dados contendo a frequência nas escolas da Colônia Benevides, o que se


observava era que muitos alunos deixavam de ir à escola. Isto que dizer que, quase
sempre era atribuído pelas autoridades à falta de interesses dos pais "que deixavam
de enviar seus filhos, preferindo levá-los para o trabalho na lavoura"; afirmava o
diretor da colônia na época, Henrique Costard em 1879 (O Liberal do Pará, Belém, 06
de abril de 1879, p. 01).

A acusação de que as famílias se mostravam indiferentes à instrução de seus filhos


omitia, em grande parte, a incapacidade do governo em garantir o ensino público às
populações desprovidas de recursos. As escolas públicas primárias, responsáveis
pelo ensino das primeiras letras, eram quase sempre isoladas; ou seja, cada escola
tinha um professor que regia uma aula, atendendo a alunos de várias idades, na
faixa etária que podia ir dos 6 aos 15 anos. No caso de escolas com grande número
de crianças, estas podiam ter o auxílio de um professor adjunto, o que não resolvia o
problema de manter crianças de diferenciadas idades frequentando o mesmo espaço
e obtendo o mesmo tipo de ensinamento.

A casa utilizada como escola era alugada pelo professor ou professora, que neste
mesmo espaço morava com a família, reservando um dos cômodos para a função
pública; o que não deixava de se constituir enquanto locais improvisados. A escolha
da casa cabia ao mestre, o que levava os visitadores das escolas, responsáveis pela
fiscalização destes estabelecimentos, à denúncia de que, em geral, as residências
eram acanhadas, anti-higiênicas e sem ventilação. No interior, faltavam habitações
apropriadas, levando, em alguns casos, à instalação de escolas em verdadeiras

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palhoças. A falta de utensílios, mobílias e livros levavam os professores a utilizarem


o que tinham à mão e ao que estavam habituados. Os meios disciplinares, quase
sempre, extrapolavam o permitido por lei, fazendo com que as crianças
aprendessem sob o jugo do "terror do mestre", como diziam alguns visitadores. No
caso específico da Colônia Benevides as escolas funcionavam em prédios
improvisados, uma a proximidade da Igreja de Nossa Senhora do Carmo e o outro
nos fundos da diretoria do núcleo. Estas duas salas de aulas atendiam até 50
crianças cada uma ( O Liberal do Pará, Belém, 06 de abril de 1879, p. 01).

Embora ficassem evidentes os problemas enfrentados pelo ensino público no Pará, o


governo reduzia esses problemas aos obstáculos impostos à sua difusão pelos
hábitos, costumes e modos de viver da população. Era comum ouvir das
autoridades que a educação na província mantinha-se acanhada devido a imensa
região e o isolamento de sua população. No entanto, acreditamos que as
dificuldades de se implantar um ensino regular na província do Pará e que
garantisse a permanência dos educados nas escolas públicas era resultado das duas
situações; se por um lado não havia ações do poder público em criar espaços de
ensino que melhor atendessem aos educandos, por outro há uma resistência dos
colonos em encaminhar os filhos para freqüentar os improvisados estabelecimentos
de ensino. Essa resistência dos colonos quanto a encaminhar os filhos para as escolas
públicas é registrada na fala dos administradores. Para as autoridades provinciais as
tentativas de reforma da instrução pública esbarravam na necessidade da reforma
daquilo que chamavam de "reforma indiana" numa alusão ao modo de vida das
comunidades indígenas e que em parte havia sido adotado pelos colonos (Falla da
presidência do Pará de 2 de fevereiro de 1889, anexo, p. 32).

Nos dizeres dos administradores a prática extrativa era o principal obstáculo para a
propagação do ensino na região. Dentre as atividades extrativas, a borracha aparecia
com a grande vilã, por afastar as crianças das escolas durante o verão, ou seja, no
segundo semestre de cada ano, quando intensificava os trabalhos de extração do
látex. Nesse caso, o diretor de instrução pública do Pará em 1877, Joaquim Pedro
Corrêa de Freitas, lamentava que em boa parte das escolas fosse pouco concorrido à
frequência de alunos devido o período de colheita da borracha, quando os povoados
eram abandonados por muitos de seus habitantes.

Os estudos sobre a instrução nas diversas localidades do Pará, incluindo as escolas


implantadas nos núcleos coloniais, realizado pela diretoria de instrução pública

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confirmariam que a atividade extrativa seria o grande obstáculo para o


desenvolvimento do ensino. Sobre a questão Joaquim Pedro Corrêa de Freitas
identifica que nos locais "em que são mais disseminadas a população, menos
frequentadas são as escolas". Outra observação é quanto aos lugares em que a
população "entrega-se a extração da borracha". Nesses espaços as escolas, em certa
época do ano, "ficam quase despovoadas", ao passo que as escolas implantadas em
localidades que vivem da lavoura e da pesca, "estas tem grande número de alunos
matriculados, e a frequência nos diversos meses do ano é quase sempre a mesma"
(Falla da presidência do Pará de 15 de fevereiro de 1877, anexo 3, p. XLI).

Em 1883 as observações das autoridades provinciais quanto à relação entre a prática


extrativista e a educação permaneciam caracterizadas pela contrariedade. Nesse
caso, o então visitador de escolas públicas Joaquim Maria Nascentes de Azambuja
identificava na atividade extrativa o principal motivo do constante deslocamento
das populações pelo interior da província, impossibilitando uma regular frequência
dos alunos nas escolas públicas. Afirmava, então, que a "população move-se em
busca de um pretendido Eldorado"; "move com açodamento, arrastando consigo
mulheres, filhos, agregados, tudo deixando, abandonando as casas de sua
residência"; situação que para Joaquim Azambuja eram os fatores responsáveis pela
dizimação dessa população, assim como pela falta de estabilidade de seus
habitantes; o que "inviabilizaria a implantação de escolas públicas em populações
com semelhantes práticas que mais lembravam selvagens do que povos civilizados"
(AZMBUJA, 1885, p. 46).

Ao que tudo indica, até o final do século XIX, a "vida nômade" provocada pela
extração e fabricação da goma elástica, assim como a colheita de vários produtos,
em muito importunará os gestores de instrução pública no Pará. Nesse caso, a
população é acusada de viver embrenhada nas matas, onde "as vistas do governo, a
ação benéfica e a regular administração da justiça dificilmente podem
chegar" (Falla da presidência do Pará de 15 de fevereiro de 1877, anexo 3, p. XLI).
Julião Honorato Miranda e Antonio Manuel Gonçalves Tocantins, engenheiros na
época à serviço da província do Pará, identificam na criação de estradas e a
consequente facilitação da comunicação entre as localidades, como uma das
soluções para este isolamento; sendo ainda defendido a fixação dos "errantes
habitantes da Pará" em espaços de colonização agrícola; o que em parte "facilitaria a
educação de seus filhos" (Relatório da presidência do Pará de 15 de fevereiro de 1872,
anexo 1).

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Considerando estas questões diríamos que combater as práticas indígenas era um


dos propósitos das escolas na Amazônia. Nesse caso, no espaço dos núcleos
coloniais a presença das instituições de ensino marcava um embate entre ações
costumeiras dos colonos e os discursos de civilidade empreendidos pelo governo
provincial que tinha na estrutura administrativa da colônia e nos professores seus
representantes mais diretos. Nesse caso, a escola era utilizada como instrumento de
defesa de valores e interesses do governo provincial, valores que não apenas
estavam relacionados à ideia de respeito às leis e as autoridades locais, ou ainda a
princípios e valores cristãos, há de se considerar que esses espaços eram também
utilizados para divulgação de ideia quanto a superioridade da prática agrícola em
relação a extrativa, numa visível demonstração da necessidade de ampliar as áreas
de produção de alimentos na província e assegurar a permanência dos colonos
nessas áreas de cultivo.

Tratava-se, portanto, de um embate entre as representações do que se considerava


como selvagem e atrasado e o que era concebido como moderno e civilizado. Nesse
caso, os discursos oficiais, quase sempre opunham, quando discutiam a instrução
pública na Amazônia, a atividade agrícola da prática extrativa; nesse caso,
recomendavam veementemente o domínio do cultivo sobre a coleta. Estes debates
apresentavam um cenário amazônico de luta pelo avanço do progresso e da
civilização sobre a natureza e a barbárie de seus habitantes, os índios, os caboclos, os
mestiços.

Esta oposição, guardadas as devidas proporções, não deixava de afetar a educação


da população e a solução apontava para aquilo que consideravam como "vitória das
armas da vida civilizada". Os engenheiros Corrêa de Miranda e Gonçalves Tocantins
eram enfáticos na ideia de que a educação mais regular só se viabilizaria com a
opção pela lavoura. Neste aspecto, a lavoura implicava na mudança considerada
fundamental quanto aos hábitos dos colonos na província do Pará; uma vez que,
através da agricultura, estes deixariam a "vida errante" em que estavam habituados
(Relatório da presidência do Pará de 15 de fevereiro de 1876, p. 6).

Embora a lavoura fosse vista como um importante elemento de garantia de fixação


do colono em determinada área, pois ao contrário do extrativismo não vai exigir os
constantes deslocamento das populações pelo interior da província, na Colônia
Benevides, a agricultura vai ter um outro efeito quando relacionado à criação de

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espaços de instrução pública. A pouca presença de crianças frequentando o núcleo


colonial, associado à baixa freqüência dos que haviam se matriculado era atribuído
pelos professores, conforme apontamos anteriormente, à falta de interesses dos pais
que deixam de enviar seus filhos, preferindo levá-los para o trabalho na lavoura.

O que para os professores poderia ser uma opção dos pais, no caso da cearense
Maria Francisca do Espírito Santo, de 44 anos e moradora de Benevides desde 1878,
tratava-se da necessidade de mais braços para o trabalho no roçado. Afinal os seus
três filhos ajudavam nas atividades de capina e plantio; auxílio necessário, pois era
preciso abreviar o quanto antes o trabalho de cultivo, uma vez que, o auxílio do
governo para os colonos recém-chegados a Benevides se estenderia apenas por seis
meses (APEP. Auto de Inquérito da Chefatura de Polícia de 13 de junho de 1879).

Considerando o período de limpeza dos terrenos (final de agosto, setembro e


outubro), plantio (início de novembro e dezembro) e primeira capina (final de
janeiro e início de fevereiro), observa-se que são os meses de novembro, dezembro e
fevereiro em que se atinge a menor frequência na escola. No caso da turma do
professor Antonio Balbi, para um número de 119 alunos matriculados, menos da
metade, 53 frequentavam a escola no período de cultivo nos lotes; o que comprova a
situação de que muitos colonos, a exemplo da cearense Maria Francisca do Espírito
Santo, aproveitam o trabalho dos filhos para adiantar os serviços de plantio.

Nos dizeres das autoridades provinciais, a indiferença dos pais pela instrução dos
filhos seria uma das principais causas atribuídas ao "atraso da instrução" na região,
em todo o Segundo Reinado. De acordo com Irma Rizzini, quase sempre, os pais do
interior eram lembrados pelos governantes, principalmente por este descuido,
explicado pela "indiferença, senão repugnância pela instrução da infância" nos
lugares distantes e pouco povoados. Já nos grandes povoados, habitados por uma
"população mais desenvolvida pela educação", haveria maior recepção dos pais à
instrução da infância, podendo-se ampliar o ensino público (RIZZINI, 2004, p. 113).
No caso dos núcleos coloniais, a necessidade de se garantir as atividades de cultivo
exigia o uso quase constante do trabalho das crianças, o que inviabilizava a sua
frequência na escola.

A realização de atividades agrícolas pelo conjunto do grupo familiar, inclusive


crianças, é apontada por Ana Dourado, Cristiane Dabat e Teresa Corrêa de Araújo
como uso costumeiro dos trabalhadores rurais do Nordeste durante o século XIX

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(ARAÚJO, DABAT & DOURADO, 2000). Além de aumento da renda da família, a


estas crianças era dada a responsabilidade de aprender as técnicas agrícolas para as
culturas diversas de raízes, legumes e frutas; garantindo o sustento futuro da
família. Esta prática pode, portanto, está sendo reproduzida pelos colonos cearenses
em Benevides.

Diríamos, portanto, que a agricultura embora fixasse o homem a terra, a esta era
ainda atribuída à capacidade de facilitar a propagação do modelo de educação
pensada pelas autoridades imperiais. Em outras palavras, seria justamente a
capacidade de fixar as populações em uma dada região o elemento facilitador de
implantação de um ensino regular e oficial. No entanto, há de se considerar que a
identificação dos colonos com o modelo proposto de ensino e a dinâmica de
trabalho dos colonos parecem se constituir como elementos decisivos nesta questão,
seja para facilitar a implementação dessas proposições de ensino, seja para negá-la;
pelo menos é o que mostra a experiência da escola de primeiras letras da Colônia
Benevides.

Figura 1: Escolas de primeiras letras no Brasil do Século XIX.


Fonte: Site Porto da Lage, acesso em 12-2018.

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Agradecimentos

O texto é resultante do plano de trabalho vinculado ao projeto de pesquisa


“Ocupação da terra, paisagem e produção rural nos aldeamentos e colônias
agrícolas do Pará, décadas de 1840-1880”, financiado pelo CNPq, em que
registramos nossos agradecimentos.

Referências

ARAÚJO, Teresa Corrêa de; DABAT, Cristiane & DOURADO, Ana. "Crianças e
adolescentes nos canaviais de Pernambuco". In: DEL PRIORE, Mary (org.). História
das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000, 407-436.
AZAMBUJA, Joaquim Maria Nascentes de. Doutrinas pedagógicas e elementos de
instrucção publica organisadas pelo Conselheiro D'Azambuja para uso das
escolas de ensino primario especialmente das Províncias do Amazonas e do
Pará. Pará: Typ. do Livro do Commercio, s.d. [1884].
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Instrução elementar no século XIX. In: LOPES,
Eliane Marta et al (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte:
Autêntica, 2000.
RIZZINI, Irma. O cidadão polido e o selvagem bruto: a educação dos meninos
desvalidos na Amazônia Imperial. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS/PPGHIS, 2004. Tese
de Doutorado.

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PARTE 3:
HISTÓRIA E
EVENTOS
HISTÓRICOS

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O IMPÉRIO PORTUGUÊS: AS PRIMEIRAS NAVEGAÇÕES E


A EXPERIÊNCIA ESCRAVISTA
Rafael Noschang Buzzo

1 INTRODUÇÃO

A entrada dos europeus na corrida pelo comércio africano data do século XIV,
através da Península Ibérica, esforçavam-se para competir com as rotas árabes e
fazer suas trocas com o mundo desconhecido e mítico. Mesmo antes deste século já
havia negros escravizados na Europa, vindos do Cáucaso ou dos litorais africanos,
onde já estava sendo aprimorada a tese da inferioridade negra, conferindo “um
conjunto de imagens particularmente degradante”, preparavam o mundo para o
tráfico transatlântico. (M’BOKOLO, 2008, p. 252)

Antes da retomada europeia, a Península Ibérica podia ser considerada a porta de


entrada para muitos escravos na Europa, sob ocupação de muçulmanos, era
abastecida com escravos e soldados do Norte da África em um fluxo constante. No
século XV, já era notório o número de negros para a venda na Espanha, nas cidades
do sul da França e da Itália. Esta última, quando não os recebia diretamente da
Espanha, fazia incursões aos países Norte Africanos para capturar pessoas para a
escravidão. (M’BOKOLO, 2008, p. 253).

O cronista Gomes Eanes de Azurara (1841, p. 57) faz referência a chegada de um


pequeno carregamento de cativos na cidade de Lagos, trazidos por Gil Eannes das
Canárias, no ano de 1433, para servir ao reino. A rapina de pessoas será recorrente a
partir desta data, onde inicia o período chamado de “descobertas”, incentivado pela
corrida expansionista.

2 CORRIDA PORTUGUESA PARA O ALÉM-MAR

A corrida expansionista iniciada tanto por Portugal e Espanha no século XIV, foi
caracterizada pelo envio de várias embarcações na tentativa de descobrir novas
terras para o comércio ou domínio da região. Podemos evidenciar esta corrida pela
tomada das Ilhas Canárias, as tentativas de conquista são marcadas já nos primeiros
anos de 1310. Os ibéricos faziam comércio, através do estreito de Gibraltar, com a

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África, após a tomada de Ceuta pelos portugueses no ano de 1415. Entretanto, as


Canárias representam um símbolo desta expansão, tanto pela insistente tentativa de
conquista portuguesa e espanhola, pela verba investida nas incursões ou por uma
busca constante do retorno deste investimento.

Fica evidente quando analisamos os motivos de Infante Dom Henrique de Avis para
suas navegações: 1º conhecer as terras além das Canárias; 2º achando terras com
cristãos ou sem perigo para navegar, trariam mercadorias e fariam comércio; 3º
conhecer as forças dos mouros; 4º verificar se se achavam terras com cristãos e se
algum príncipe necessitasse de ajuda contra os infiéis; 5º conversão ao cristianismo.
Não o fizeram antes por medo das correntes, do desconhecido e de não achar terras
possíveis de abastecer os navegadores. (AZURARA, 1841, p.50)

As Canárias representam um primeiro ensaio escravagista, de organização colonial


e de trato com os nativos, por parte dos portugueses. Nesta busca pelo retorno e do
lucro é que vai se dar a violência extrema contra a população autóctone e as
primeiras experiências da plantação da cana-de-açúcar. A possibilidade de retorno
do financeiro da cana, impulsionará portugueses para as demais ilhas e, por fim, as
grandes navegações. (GODINHO, 1952).

Iniciada no reinado de Dom Affonso IV, a corrida para descobrir novas terras é
incentivada e pesadamente investida pela coroa. São inúmeras as tentativas de
ultrapassar os pontos navegáveis conhecidos mais ao sul da Costa Africana. O
primeiro deste, conhecido como Cabo Não, foi vencido em 1417, o segundo o cabo
Bojador somente em 1433. Várias empreitadas foram lançadas até 1441, data em que
foi feito os primeiros raptos registrados por portugueses em terras africanas não
conhecidas, na localidade de Rio do Ouro, por Antam Gonçalvez – este, captura
duas pessoas na sua incursão, um homem e uma mulher. (AZURARA, 1841, p.79).

A expansão marítima portuguesa pode ser mensurada quando analisamos as


tentativas dos reis portugueses em cruzar o Cabo Não e o Cabo Bojador. O primeiro
era considerado intransponível e ponto mais ao sul navegável, nenhuma incursão
enviada por Dom Affonso IV conseguiu cruzá-lo. Somente no ano de 1417, sob
mando de Dom João I, atravessarão 180 milhas ao sul, chegando ao Cabo Bojador,
novamente considerado intransponível. Sucessivos envios de navios, com gastos
altíssimos são referenciados por Azurara. Em 1436, Afonso Baldaia cruza o Cabo
Bojador, chegando até O Rio do Ouro. (AZURARA, 1841, p. 65)

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Em 1472 e 1473, Fernão de Póo e Lopes Gonçalves chegam as ilhas Formosa e Gabão
(AXEL, 2017, s/p). Somente em 1483, ano em que alcançam o reino do Congo, com
sua capital, Banza Congo, é que iniciará o comércio português. As primeiras trocas
são de manilhas de cobre e marfim congolês, por mercadorias portuguesas e
serviços de conselheiros técnicos. Três anos após, nas ilhas de São Tomé e no Golfo
da Guiné é que os portugueses vão desenvolver a indústria açucareira.
Demandando mão de obra, na década de 1490, os portugueses, exigirão escravos
para seus engenhos (HALL, 2017, p. 252).

O tráfico em larga escala na região vai iniciar após 1500, aumentando


gradativamente entre 1520 e 1560, chegando a exportar até sete mil indivíduos
escravizados por ano. Para os cativos, a situação é agravada quando o Rei do
Congo, se converte ao cristianismo, batizado como Afonso I e a capital passou a
chamar-se São Salvador. As rivalidades entre as potências europeias, traficantes
portugueses e brasileiros, fragilizavam ainda mais o reino, que se via desmembrado
pelo conflito dos funcionários portugueses e congoleses na busca por lucro (HALL.
2017, p. 254).

Em 1575 os portugueses concentram-se mais ao sul, fixando porto em Luanda, na


busca por prata e cativos. Devido à instabilidade deixada na região pelos lusos, no
ano de 1622 o Reino de Ngola (também chamado de Dongo, Ndongo ou Angola) se
separa do reino do Congo (São Salvador). Com domínio português o novo reino vai
ser o principal polo do tráfico de escravos da África Centro-ocidental.

M’Bokolo (2008, p. 260) aponta as causas da navegação e interesse no continente


africano, principalmente pela Europa Ibérica. Primeiro, na busca do lucro no
comércio; segundo a busca por produtos escassos na Espanha como trigo, ouros,
ferro e açúcar, sendo este, o produto específico que levará as expedições
escravagistas posteriores ao descobrimento do Brasil. O autor completa:

“[...] a abertura do Atlântico foi uma operação de grande folego durante a qual a
sede de ouro e a busca por especiarias, a audácia de navegadores portugueses,
assim como de espanhóis e de italianos, interessados no lucro das operações [...]”
(M’BOKOLO, 2008, p. 257)

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Dos fins do século XV até o século XVI, a captura de escravizados não era, nem de
longe, a atividade principal de renda portuguesa, onde a maioria dos cativos era
adquirido pelo rapto. Contudo, no final do século XVI, ao menos dez por cento dos
habitantes de Lisboa eram escravos (CARVALHO, 1999, p. 233). A regularidade do
comércio aumentava entre estes séculos, assim: “A partir de 1644, as importações
anuais de escravos capturados na Guiné tornaram-se regulares.” (M’BOKOLO, 2008,
p. 261)

A ideologia da inferioridade do negro ganha vulto em meados do século XV,


propriamente para justificar o aprisionamento, exploração e violência contra estes.
Os europeus utilizam o mesmo argumento sagrado que os muçulmanos para
escravizar os africanos. As escrituras descrevem a maldição de Cam e a detração de
seus herdeiros, enquanto os muçulmanos usavam a jihad e os escravos serviriam as
causas de Allah, descreve assim os autores Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 16):
“Eram as guerras santas, as jihad, destinadas a islamizar populações, converter
líderes políticos e escravizar os “infiéis”, ou seja, quem se recusasse a professar a fé
em Alá”. Podemos encontrar nas Crônicas de Azurara (1841, p. 93) as evidências
deste embasamento sagrado cristão:

“E aquy avees de notar que estes negros postoque sejam Mouros como os outros,
som porem servos daqueles, per antiigo costume, o qual creo que seja por causa da
maldiçom, que despois do deluvyo lançou Noe sobre seu filho Caym, pella qual o
maldisse, que sua geeraçom fosse sogeita todallas outras geeraçooes do mundo, da
qual estes descendem, segundo screve o arcebispo dom Rodrigo de Tolledo, e assy
Josepho no livro das antiguidades dos judeus, e ainda Gualtero, com outros autores
que fallarom das geeraçooes de Noe depois do saimento da arca. “

A visão do lucro que poderia surgir do cativo, fazia com que leituras tendenciosas
das escrituras sagradas, de ambas religiões, justificassem a escravidão do negro.
(M’BOKOLO, 2008, p. 262).

Na cunhagem ideológica do negro em que partes do mundo (não somente o


ocidente) articulam em volta dos africanos, afim de satisfazer a necessidade de
transformá-los em coisa, encontra a justificativa na transformação do ser vivo em
mercadoria. Mbembe (2014, p. 77) salienta que a disseminação e insinuação da total
inferioridade, de mentiras e de fantasias em torno do negro, cria uma carapaça, um
invólucro que destrói o seu portador. Toda a alegoria, fantasia, da criação de um ser

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mítico, bruto, “carne humana e carne animal”, transforma o homem africano em


objeto, coisa, dominado pela emoção e desprovido de intelecto. (MBEMBE, 2014, p.
76). A frequência da repetição e do trato do mundo para com o africano possibilita a
banalização desta condição e sua total coisificação, autorizando a violência extrema
e seu aprisionamento.

3 ESCRAVIDÃO

A escravidão angolana já existia, assim como em todo o continente e em diferentes


partes do mundo antigo. Diferente em muitos aspectos da escravidão imposta por
europeus e até mesmo dos países do Norte ou do oriente, onde os muçulmanos
possuíam o controle das rotas comerciais.

O escravismo Centro-africana, conforme conceitua Filipe Carvalho (1999, p. 234),


possui caráter limitado, ou seja, o sujeito que sofre a pena não perde sua condição
de humano, não é transformado em objeto: “Além de não determinar o
desenraizamento cultural que resultava do transporte para uma terra
completamente estranha, não reduzia o escravo à condição de simples executante de
tarefas árduas e prolongadas.” (CARVALHO, 1999, p. 234). Conforme o autor, a
escravidão se dava através de aprisionados de guerra, criminosos graves,
adquiridos por herança e em feiras.

Autores como Wlamyra Albuquerque e Fraga Filho (2006, p. 14) caracterizam esta
prática como escravidão doméstica, onde o aprisionamento de vencidos em conflitos
era comum. Trabalhando no campo e auxiliando no sustento do grupo, os
escravizados representavam prestígio para os possuidores, as mulheres eram a
preferência, pois seguidamente tinham filhos com os senhores. A linhagem das
escravas que nasciam no círculo familiar dos senhores, com o tempo, era
incorporada ao grupo perdendo a condição servil. As crianças também eram
buscadas, por facilidade de assimilação das regras do grupo raptor e por criar
vínculo afetivo com a nova família. (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 15).

O emprego do escravismo de caráter limitado anterior a chegada dos europeus,


justificou a tomada de assalto e violência empregada pelos raptores portugueses,
abastecendo o tráfico negreiro. As feiras significavam abastecimento constante de
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75

escravizados para os portugueses, onde os angolanos eram enviados para Portugal,


Índia e Brasil. (CARVALHO, 1999, p. 234). A predação portuguesa muda a lógica
escravista africana, alterando as formas dos autóctones adquirirem os cativos. O
ataque a vilas e outras famílias tornou-se comum após o tráfico de escravos
ganharem grandes proporções (ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006, p. 15).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os primeiros contatos entre os portugueses e angolanos, mesmo nos seus


primórdios, visavam o comércio, se não de produtos exóticos, seria os próprios
homens a mercadoria. Para tanto, foi necessário transformar o indivíduo em coisa,
em objeto, colar em estratos diferentes. A tipificação do homem de acordo com a cor
de sua pele é mecanismo justificador de ações predatórias e que busca o ganho. O
tráfico de escravos, atividade lucrativa, enriquecia muitos homens transformando os
escravizados em propriedade e trabalho bruto em lucro.

A chegada dos portugueses e o início do tráfico atlântico, altera de forma definitiva


a lógica de aquisição dos escravos no território africano. O saque as vilas pequenas,
alimentava as feiras ou pumbos, de onde os contrabandistas levavam até os portos
para embarque e envio para as Américas. No Brasil, os portos da Bahia recebiam
contingentes da África Ocidental, no Rio de Janeiro desembarcavam pessoas
escravizadas Centro-africanas, estas, por sua vez, eram reembarcados para o Sul da
colônia. Entretanto, o fluxo não era exclusivo, alimentado pelo tráfico interno de
escravos, indivíduos saiam da região baiana para o sul, assim como das províncias
sulistas para a região cafeeira, movimentando um mercado lucrativo, amalgamando
as etnias e suas culturas.

A compreensão da origem de nossa população perpassa o estuda da diáspora.


Assim, concluímos que houve um grande número de indivíduos das etnias que
contemplam o Reino de Ngola e Congo em todas as regiões do país, porém existe a
presença massiva de outras etnias nos documentos oficiais, o que corrobora a tese
do grande tráfico interno que havia na colônia. A população brasileira está
permeada por uma diversidade de etnias, línguas, culturas e cosmovisões que foi
produzida pelo próprio sistema escravista. O mesmo sistema que alimentava o
tráfico servia para manter os cativos como objetos, alastrou tais etnias por todo

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76

território brasileiro, sendo nossa sociedade fruto deste trânsito de vidas humanas.

REFERÊNCIAS

Rafael Noschang Buzzo – Pós-graduando em História e Cultura Afro-brasileira –


rnbuzzo@gmail.com - http://lattes.cnpq.br/1380326098437307

ALBUQUERQUE, W; FRAGA FILHO, W. Uma História do Negro no Brasil.


Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006.
AZURARA, G. E. Chronica do Descobrimento e Conquista de Guiné. Paris: J. P.
Aillaud, 1841.
GODINHO, V. M. A Economia Das Canárias Nos Séculos XIV e XV. Revista de
História USP, São Paulo. v. 4, n. 10, p. 311-348, 1952.
HALL, Gwendolyn. Escravidão e Etnias Africanas nas Américas: Restaurando os
elos. Petrópolis: Vozes, 2017.
MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Lisboa: Antígona, 2014.
M’BOKOLO, Elikia. África Negra: história e civilizações. Tomo I. Salvador:
EDUFBA, 2008.
SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, 2017, Brasília. AXEL, S. T. J. Às Origens
dos Escravizados Bantu de África Central Deportados às Américas dos Séculos XVI-
XIX.

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CAFEICULTURA & MEMÓRIAS: HISTÓRIAS DOS


TRABALHADORES DO MUNICÍPIO DE SÃO PEDRO DO
IVAÍ-1980-1990
Eliane Aparecida Miranda Gomes dos Santos

Resumo: Buscamos tratar no presente trabalho, os fatos históricos do município


através da memória dos trabalhadores desse período de 1980 e 1990, período que
São Pedro do Ivaí enfrenta o êxodo rural, devido o fim do cultivo da cafeicultura,
após a Geada Negra de 1975. O trabalho desenvolveu-se pela perspectiva da
história oral, haja vista, as entrevistas dos trabalhadores ser para nós a fonte que
possibilita o contato com o passado do município. A sustentação teórica se dá pela
obra de Paul Ricouer, A memória, a história, e o esquecimento (2017) e a obra de
Stuart Hall, a identidade cultural na pós-modernidade (1992) colaboram na
compreensão da identidade dos trabalhadores e agricultores envolvidos com a
lavoura do café nesse período da história de São Pedro do Ivaí.

Palavras-chave: Café. Geada. Memória e Identidade.

INTRODUÇÃO

Em 1948 o município de São Pedro do Ivaí é colonizado e sua emancipação politica


acontece em trinta (30) de outubro de 1955, de lá para cá o município passou por
várias situações adversas, dentre elas percebemos uma de grande relevância que
custou a evasão de mais da metade da população são-pedrense. O fim do cultivo da
cafeicultura, após a Geada Negra de 1975 que representou um baque para o
desenvolvimento social e econômico da localidade.

Devido à influência dos ingleses através do Lord Lovat que esteve à frente da
Companhia de Terras do Norte do Paraná, que se encontra desde 1925 no Paraná
envolvida diretamente com a colonização do norte, “a iniciativa da Companhia de
Terras e de outras companhias colonizadoras, particulares, fez povoar densamente a
região” (WESTPHALEN, 1968, p. 19).

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Muitas famílias chegavam à cidade em busca de terras que fossem favoráveis ao


cultivo da lavoura de café para construírem suas vidas economicamente, conforme
relatos dos depoentes, muitas dessas famílias arriscavam a sorte, acompanhados dos
filhos pequenos em um lugar sem nenhuma assistência e segundo os entrevistados
as estradas eram de difícil acesso a outras cidades, um tanto contraditório ao que
lemos “toda a área colonizada pela Companhia de Terras Norte do Paraná foi
dotada de boas estradas” (WESTPHALEN, 1968, p.18). Dessa maneira, observamos
como a história oral colabora para o conhecimento dos fatos que envolvem esse
movimento migratório, dando-nos a oportunidade de conhecermos os sentimentos
que invadiam os indivíduos envolvidos nesse cenário de desbravamento e
colonização dessa região considerada por eles e para as elites da época como
promissora. Os moradores que chegaram às terras de São Pedro do Ivaí de acordo
aos trabalhadores entrevistados, não demonstravam medo, pois havia nesse espaço
(São Pedro do Ivaí) grandes extensões de terras, livres de qualquer conflito e
disputas.

As famílias que chegavam ao município vinham intencionadas a cultivar a lavoura


do café, haja vista, que muitos desses indivíduos vinham de “São Paulo, Minas
Gerais, Pernambuco e outros Estados” (RAINATO, 1997, p. 9). Após a chegada
dessas pessoas a localidade de São Pedro do Ivaí e depois de árduos trabalhos para
no desbravamento das localidades demarcadas, preparou-se as terras e iniciou o
cultivo da lavoura cafeeira e para a manutenção das famílias, no meio dos cafezais,
que os trabalhadores denominam de “ruas” cultivavam outras lavouras como:
feijão, milho, melancia, dessa maneira desenvolvia outras lavouras enquanto os
cafezais_cresciam.

1. MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DOS TRABALHADORES DE SÃO PEDRO DO


IVAÍ.

Percebemos a necessidade de se manter a memória sobre os fatos importantes na


construção da formação do município de São Pedro do Ivaí e para que ocorra essa
rememoração e que se registra a história dos trabalhadores e produtores da lavoura
cafeeira por meio das entrevistas dos indivíduos que se aventuraram no
desbravamento das terras locais. No desenrolar das entrevistas os depoentes fazem
como uma reconstrução do que viveram, porém, é necessária a atenção para que se
mantenha o objetivo das entrevistas, haja vista, a tendência dos entrevistados de
enfatizar fatos de vitórias e alegrias, camuflando assuntos que não lhes pareçam

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agradáveis, e a Geada Negra de 1975 com todas as consequências na vida dos


trabalhadores é um desses assuntos, parecendo haver uma relutância das pessoas
em falar sobre o assunto. Dessa maneira, entende que “o processo de memorização
é especificado pelo caráter construído das maneiras de aprender visando a uma
efetuação fácil, forma privilegiada da memória feliz” (RICOEUR, 2007, p. 73).

Conforme os depoimentos dos entrevistados, Aparecido (2014) e Augusto (2014) e


Benedita (2014) por onde olhasse em São Pedro do Ivaí se via a lavoura cafeeira e
em uma extensão considerável na localidade em seus primórdios. Aparecido nos
relata que o município “[...] era tudo cafezal, era inteiro tudo café”. Em outra
entrevista Benedita diz os nomes das localidades (fazendas) que tinham o café como
carro chefe nas propriedades. “[...] A Barbacena ali, só era café! A Tucambira só era
café! A água limpa só era café!” Por alguns anos a cultura do cultivo da lavoura de
café foi predominante no município, porém os depoentes relatam que enfrentaram
muitas dificuldades para manter a produção “[...] não era fácil não, tocar a lavoura
de café, porque o preço dos cereais era muito baratinho”

A trabalhadora entrevistada Maria (2017) nos diz que chegou a São Pedro do Ivaí
ainda bebê, trabalhou desde criança na lavoura de café comenta sobre os momentos
que marcaram a sua infância.

“[...] então o meu pai fez um tipo de rastelinho assim, de 3 dentes, que era pra enfia
bem no meio da cova do café, pra vê primeiro né? Se não tinha nenhuma aranha
perigosa, um bicho ali, uma cobra, se tinha chamava ele, se não tinha a gente ai
limpava bem o tronco do café e naquele tempo tinha aquelas toras grandonas que
atravessava as ruas de café e tinha que limpar em volta porque o café caia em cima
em volta, ai eles faziam uma vassorinha de bambu pra gente ir varrendo tudo,
varrer a lera que fala, que assim aquele cordão de terra que o café caia em cima e
tinha aquele matinho do tempo do frio que dá muito aquele matinho e o café fica ali
enfiado no meio, tinha que pega aquela vassorinha de bambu e trazia ele tudo pra
baixo assim, pra depois passar rastelando, né?”

Assim, Maria aprendeu a trabalhar nas lavouras de café que foi relevante para a
formação do município. Ao ouvir Maria, percebemos a satisfação ao rememorar esse
período e conforme o pensamento dela, de alguma maneira ela contribuía com as
tarefas da família nos trabalhos de manutenção dos cafezais. Nesse período nos
trabalhos das lavouras cafeeiras todos os membros das famílias eram envolvidos no

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cultivo do café, pois, a lavoura tem vários processos como nos apresenta o sr.
Aparecido que está em São Pedro do Ivaí desde 1952 quando tinha dez anos de
idade.

“[...] antigamente não era como hoje que o cara planta café de enxadão, naquele
tempo as cova de café era 30 por 40, 30 de fundura e 40 de espessura, né. Então,
ponhava a semente, cobria de madeira com 45 dias ele nascia. Nasceu orelhinha de
onça, raleava, e deixava seis mudas, quatro a seis, quatro a seis por cova, era
plantado de três metros por quatro de espessura de rua por cova de café né?”

Ele nos explica como era o plantio do café, conforme o depoente a maneira atual do
cultivo mudou. Mas, reforça que o cultivo da lavoura é bem trabalhoso e que muitas
vezes a família não dava conta dos trabalhos precisando contratar mão-de-obra de
fora, no caso os trabalhadores moradores das cidades que trabalham nas áreas
rurais, “os volantes” popularmente conhecidos como os “boias-frias” (NETO, 1993,
p.145).

Quanto mais ouvimos os depoentes, vamos percebendo a importância desses relatos


para manter a memória do município e como os estudos de Paul Ricoeur, na obra
“A memória, a história, e o esquecimento” toma sentidos, pois, “é na fase da escrita
que se declara plenamente a intenção historiadora, a de representar o passado tal
como se produziu”, assim percebemos nas análises realizadas das entrevistas, o
passado do município se mostrando a cada história dos indivíduos (RICOEUR,
2007. p. 147).

No decorrer das entrevistas, em alguns momentos percebe-se uma relutância dos


indivíduos de acessar o passado como se quisessem esquecer determinados
assuntos, por exemplo, como foi à reação dos trabalhadores e produtores da lavoura
de café ao presenciarem os cafezais queimados devido à geada negra do dia dezoito
de julho de 1975. O entrevistado Aparecido (2014) rememora que

“[...] olhava na lavoura de café, que foi varrido nós tinha café rastelado pra catar no
outro dia, portanto você olhava os montes nos pés de café, aquilo estava tudo
crivado parecia um porco espinho, o gelo tudo pinicado assim, o chão branquinho,
virou tudo biju, poça d’água no carreador virou biju, tão forte que foi”.

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81

Foi um episódio marcante a todos os entrevistados afetando a vida de cada um


deles e automaticamente de toda a comunidade são-pedrense da época, mudando
suas rotinas, seus modos de vida e obrigando-os a mudar, buscando novos meios de
sustentos aos seus familiares, interferindo em suas identidades. Dessa maneira, essa
história pouco registrada não pode cair no esquecimento.

Mesmo muitos dos trabalhadores e produtores da lavoura preferirem esquecer esse


período da história de São Pedro do Ivaí, o mesmo não pode ser sufocado com
sentimentos de tristezas de muitos dos afetados pela gélida noite do dezoito de
julho de 1975. Aparecido (2014) relata que diante aquela situação só restavam a eles
esquecerem e continuarem.

“O problema para recuperar aquilo não tinha nem como recuperar. A solução foi
cortar, veio aquela geada brutal todo mundo ficou abalado porque você sabe uma
lavoura produtiva vir ao chão, para começar tirar de novo, não é fácil não, né? Não
foi um nem dois, todo mundo ficou apavorado, assim abalado, o remédio foi o que?
Ergue a cabeça e trabalhar, cortar o café no chão e espera vir a brota e conservar
aquela plantinha e a brota veio, porque as terras aqui são muito boa”.

Em meio à desolação dos prejuízos causados pela geada, Aparecido ainda reforça a
qualidade das terras, haja vista, ser esta um atrativo para a colonização do norte do
Paraná e também do município em questão.

Reforçamos que esses trabalhadores quando chegaram a São Pedro do Ivaí,


trouxeram com eles, além da vontade de desenvolvimento econômico familiar, seus
modos de vida suas culturas, sendo assim, com essas variedades de culturas
paulistas, mineiras, pernambucanas e que se construiu a identidade local.
Identificamos nas entrevistas com os depoentes que os são-pedrenses são
tradicionais e cultivam costumes ligados à religião, são pessoas que mantém o
hábito de estarem em famílias, participando dos festejos em comunidade.
Aparecido (2014) nos diz

“[...] todo sábado, difícil o sábado que não tinha uma brincadeira com cavaquinho e
violão, não era sanfona porque naquele tempo quase não tinha sanfoneiro, era
cavaquinho e violão. O cara armava quatro a cinco furquia, uma no meio e quatro
em volta com quatro a cinco lampiãozinho desse daqui, (nos mostra o lampião que

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ele guarda) um em cada quanto e um perto do tocado de violão né! E aí o povo


rodava até quatro e meia da manhã. Era toda semana, eu vou falar para você não
tinha uma semana que não tinha um terço e depois do terço era café, servia anisete,
amendoim torrado. Era aquela festa! E dava gente!”

Ao relembrar esse fato, Aparecido apresenta a rotina de final de semana da


população local que iam as missas a pé, e quando ele diz “era assim de gente” faz
referencia a quantidade de pessoas que faziam esse percurso e nesse período de
1972/73 que ele menciona foi o período de um grande número de população no
município, devido às fazendas que cultivavam o café e os trabalhos com a lavoura
exigiam um contingente considerável de mão de obra. A população local hoje é de
10.167 habitantes conforme o ultimo censo de 2010 (IBGE). Mas, no ano de 1975, a
população do município era de 24.367 habitantes e após a Geada de 1975 alguns
trabalhadores e produtores da lavoura cafeeira, devido aos prejuízos, e conforme o
depoente Augusto (2014) “venderam suas terras e foram embora para as cidades
maiores como Curitiba, São Paulo”. Toda essa situação causada por esse fator
climático de 1975 foi de grande relevância ao município supracitado, pois, nos leva a
imaginar como seria hoje, a realidade dos munícipes, se por ventura, não tivesse
acontecido tal fenômeno.

É interessante observamos as falas dos depoentes, nesse processo de rememorar,


pois, há divergências nas opiniões sobre o declínio da cafeicultura no município,
Aparecido rememora todo o episódio da geada negra com pesar e reforça, se ele
fosse mais jovem continuaria a produzir a lavoura, esse depoente demonstra um
sentimento de gratidão ao que ele conseguiu devido o cultivo da cafeicultura.

No caso de Augusto ele rememora como a sua família vivia no período de cultivo
da lavoura diz ele, ainda bem que aconteceu a geada, pois, foi por causa dela que
decidimos dar fim ao cultivo do café. Conforme esse depoente com o cultivo da soja
e do trigo eles só progrediram. Com a lavoura do café eles tinham sofrimento e
preocupação.

Referimos-nos a declínio e não a extinção da lavoura cafeeira, pois, há na localidade


algumas famílias que permanecem cultivando a lavoura, Augusto (2014) os
menciona em sua fala. Esse senhor com o pseudônimo de Daniel (2018) nos diz que
está no município desde 1960, plantou café até 1975, mudou de lavoura, porém
retornou a cultivar o café, pois, segundo ele, é mais rentável.

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Sobre os hábitos dos trabalhadores e produtores da lavoura de café de São Pedro do


Ivaí a depoente Maria (2017) rememora que após a rotina de trabalho na roça, a sua
família ao chegar em casa, liam o salmo em família, nos assegura o que já discutimos
acima, sobre a religiosidade do povo que nessas terras se aventuraram, sendo dessa
maneira uma característica do povoado.

Maria (2017) também cita como foi à reação de seus familiares diante os prejuízos
causados pela geada de 1975. Em anos passados já tinha geado, em 1953, 1955 e
1968, porém, somente a geada de 1975 contribuiu com o fim da lavoura no estado do
Paraná, deixando os agricultores completamente sem esperança.

Os relatos de memória que os depoentes nos apresentam, ou seja, a história “o


discurso está à procura de um interlocutor qualquer” que seja um historiador para
se registrar através das narrativas esse período importante de São Pedro do Ivaí
(RICOEUR, p. 153).

Essa instabilidade que sobreveio sobre os envolvidos com a lavoura cafeeira, os


obrigam a mudar suas maneiras de trabalho, o que produzir agora? Dará certo, ou
não, buscar informações ou formação sobre a nova realidade. A saída foi migrar
para o cultivo das chamadas lavouras brancas, como o trigo e a soja, mas e aqueles
indivíduos que precisaram migrar para outros espaços, outras cidades e até mesmo
outros estados? Prevejamos a insegurança que os visitaram, eles estavam
habituados a cultivarem a lavoura de café, pois, conforme os relatos de alguns
depoentes, a maneira de lidar com a lavoura, o conhecimento foram passados a eles
pelos pais, sendo assim, o cultivo do café era feito como uma continuação, ou
seguindo uma tradição.

Restou a esses trabalhadores a alternativa de buscarem outras regiões que lhes


oferecessem trabalhos, estava à frente deles a oportunidade de descobrirem “novas
identidades”. Mas, essas mudanças, não teria causado uma “crise de identidade”
nesses indivíduos? Pois, somos envolvidos por um sentimento de pertença quando
estamos por muito tempo em um lugar, sendo assim, esse sujeito assumiu
“identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são
unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente” (HALL, p.07).

Conforme Hall (1992, p.09)

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“Essa perda de um sentido de si é chamada, algumas vezes de deslocamento ou


descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento- descentração dos indivíduos
tanto do seu lugar do mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma
“crise de identidade” para o indivíduo”.

Acreditamos que esse deslocamento do lugar que se habita ocorrendo de maneira


brusca e não planejada, possa causar uma “crise de identidade”. Uma vez que, esse
sentimento de pertença nos permite ter a sensação de segurança. Felizmente,
nenhum dos entrevistados passou por essa situação, mas, no campo das ideias é o
que se pressupõe ter acontecido com os trabalhadores que não tiveram a mesma
sorte.

De acordo, o depoente Edmundo (2015), no ano de 1980 para evitar uma evasão
maior da população, um grupo de pessoas se reúnem e decidem visitar uma Usina
de açúcar e Álcool.

“Foi juntado na época vários associados, pessoal da fazenda Bulha, que era o Seu
Junqueira, seu Antônio Campanholi, também entrou seu Silvério Seco e também a
fazenda Barbacena através do seu Jaime Longo, que São Pedro do Ivaí deve muito,
muito, muito, três vezes eu falei, é o Seu Jaime Longo, São Pedro do Ivaí deve muito
pra esse homem”.

Dessa maneira, conseguiu-se frear a evasão da população que era uma preocupação
aos governantes locais. A Usina instalada no município empregou e emprega
pessoas da cidade e região, teve época que muitos sonhavam em trabalhar na Usina
de Açúcar Álcool Vale do Ivaí.

CONSIDERAÇÕES

Insistimos na ideia que os munícipes de São Pedro do Ivaí necessitam ter acesso aos
fatos que consideramos importante para a construção dessa comunidade. Dessa
maneira, a história oral através dos depoimentos dos entrevistados é de suma
relevância. O que os trabalhadores e produtores da lavoura de café viveram faz
parte do constructo dessa localidade. Cada situação vivida por esses trabalhadores e

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produtores de café com o dramático fenômeno da Geada Negra de 1975, suas


iniciativas de migrarem para a produção de outras lavouras, os relatos sobre
presenciarem moradores tendo que ir embora, mudando-se para grandes centros
nos permite imaginar que os anos de 1975 a 1980 não tenham sido os melhores anos
para a população local.

Fontes Orais:

APARECIDO. Aposentado. 78 anos. Entrevista Concedida a Eliane Aparecida


Miranda. São Pedro do Ivaí, 01 de maio de 2014.
AUGUSTO. Trabalhador Rural. 59 anos. Entrevista Concedida a Eliane Aparecida
Miranda. São Pedro do Ivaí, 30 de março de 2014.
BENEDITA. Aposentada. 83 anos. Entrevista Concedida a Eliane Aparecida
Miranda. São Pedro do Ivaí, 30 de março de 2014.
Edmundo. Aposentado. 78 anos. Entrevista cedida a Eliane Aparecida Miranda, 08
de setembro de 2015.
MARIA. Aposentada. 64 anos. Entrevista concedida a Eliane Aparecida
Miranda Gomes dos Santos. São Pedro do Ivaí, 21 de Julho de 2017.

Informações sobre a autora do trabalho:

Eliane Aparecida Miranda Gomes dos Santos é Mestranda do Programa de Pós-


Graduação em História da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná
(UNICENTRO). Licenciada em História pela Universidade Estadual de Ponta
Grossa (UEPG), Especialista em História Cultura e Arte também pela UEPG,
Especialista em Religião, Sociologia e Filosofia pela Faculdade Eficaz, Especialista
em Metodologia de Ensino de História pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci
(UNIASSELVI), Especialista em Educação do Campo pela Faculdade de Tecnologia
do Vale do Ivaí (FATEC).

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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86

Hall, Stuart. A identidade Cultural na Pós-modernidade. Tradução: 1992.


NETO, José Miguel Arias. O Eldorado. Representações da Política no Norte do
Paraná -1930/1975. Londrina, PR. 1993.
RAINATO, Luiz Gonzaga. A história do nosso município. São Pedro do Ivaí, PR,
1997.
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, São Paulo, 2000.
WESTPHALEN, Cecília Maria; MACHADO, Brasil Pinheiro; BALHANA, Altiva
Pilatti. Nota Prévia ao Estudo da Ocupação da Terra no Paraná Moderno. 1968.

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87

A CRIAÇÃO DE GADO E OS IMPACTOS DA LEI DE


TERRAS DE 1850 NA FRONTEIRA ENTRE O PARÁ E O
MARANHÃO (1840-1853)
Adriane Aline Soares da Silva
Talita Almeida do Rosário

Essa comunicação aborda desde de 1840 com o debate do projeto de lei para a
legalização da terra e se entende até 1853 quando se funda uma colônia militar no
rio Gurupi. O objetivo é demonstrar como foi o processo de ocupação na fronteira
entre o Pará e Maranhão a partir da criação de gado em campos de uso comum em
um contexto brasileiro de debate e publicação da lei de terras de 1850, buscando
entender os seus impactos na utilização das terras destinadas às pastagens de gado.

A lei de terras de 1850 marcou um novo momento na distribuição de terras no Brasil


após o vácuo legal fundiário que se perdurou desde do fim do sistema de sesmarias
em 1822. Fazendo uma leitura da referida lei, constatamos que as terras passaram
por processos de delimitação e demarcação para que fossem destinadas ao domínio
público e privado. A nova legislação não admitia outro meio de adquirir a terra
diferente da compra, por outro lado as aquisições até então feitas pelos modos
tradicionais como as concessões de sesmarias e as ocupações por posse tinham a
oportunidade de serem revalidadas desde que houvesse cultivo e moradia regulares
sobre elas (BRASIL. Decreto nº 601, de 18 de Setembro de 1850). Suas definições
abriram caminhos de discussões direcionadas às terras devolutas, pois essas eram o
foco principal da lei, uma vez que delimitava quais terras deveriam ser do Estado
ou particular; fazendo com que passassem para uma dessas condições de
propriedade. Por isso, nas décadas 1840 e 1850 há um intenso debate envolvendo
uma preocupação com os usos que estavam sendo feitos delas, já que seria
considerada passível de ser registrada como particular a terra que possuísse cultivo
regular; e ao mesmo tempo era apresentado recomendações para suas explorações.
As propostas apresentadas pelos governantes afetaram particularmente regiões de
fronteiras como a do Pará e Maranhão demarcada politicamente até o ano de 1852
no rio Turiaçu. Tal região foi alvo de intensas disputas territoriais que incluiu
variados agentes históricos que ocuparam suas terras como indígenas, negros
fugidos, fazendeiros e autoridades imperiais.

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Os donos de gado e a criação de gado na fronteira

A criação de gado era uma atividade que se concentrava nos interiores do Maranhão
e junto à agricultura constituíam as principais fontes econômicas da Província no
século XIX. Por isso, as terras utilizadas para pastagem formavam um terço do
território maranhense, do qual não se faltava em uma comarca sequer “campos de
crear” de menor ou maior extensão. Entretanto, evidenciava-se um problema de
abastecimento desse gado; a criação no Maranhão e mais as cabeças importadas do
Piauí não eram o suficiente para suprir o consumo local. Um dos motivos era
justamente a dinâmica de criação de gado, a qual era feita “à lei da natureza”,
dependente dos aspectos naturais do espaço (RELATÓRIO DE PRESIDENTE...1854,
p. 37). E os rigores climáticos ao longo do ano faziam com que o manejo dos animais
fosse penoso.

Boa parte dos pastos dos interiores do Maranhão tinham uma dinâmica marcada
por períodos de excessos e de carência de chuvas. Isso colocava em risco a
sobrevivência do gado que provavelmente ora sofria com a falta de água ora com o
alagamento quando rios pequenos se transformavam em grandes. Assim, deixando
o solo impróprio para alimenta-lo, o que diminuía sua presença no mercado.

Na fronteira, sobre as margens do rio Turiaçu pastavam gados em campos


compartilhados por diferentes criadores. Na comarca de Guimarães, no lado
maranhense do rio pastava-se no inverno, enquanto que no verão migravam para o
lado paraense, chamada de Turiaçu. Segundo Souza (2016, p.127-129), os campos
comuns eram resultado de dois momentos, primeiro quando o Turiaçu recebe
ocupações por sesmarias e no segundo quando há um vácuo legalista fundiário e as
posses passam a ser feitas pela “lei do mais forte” em um meio social de potentados
do Império. Afirma que era uma atividade executada por homens majoritariamente
abonados de certo poder político e social.

Nas palavras da autora “o mais forte era quem conseguia impor a sua autoridade e
domínio sobre os que ameaçam seus interesses e posses de terra “(Ibid, p.127), ao

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nos revelar como as relações de poder contribuíram para a afirmação dos


potentados como donos da terra.

Tabela 1: Adriane Soares

Na tabela acima podemos identificar alguns possíveis donos de gado que poderiam
fazer uso dos campos comuns, tendo posses ou negócios naquelas paragens. Desses
nomes destaca-se a Baronesa de Bagé, herdeira de um morgado estabelecido por seu
pai José Gonçalves da Silva, conhecido como o barateiro e no qual estava vinculado
todos os bens acumulados pelo negociante. Dentre os bens constatamos nos dados
apresentados por Ariadne Costa (2011) duas fazendas de lavoura e duas de gado
situadas em Cururupu e Guimarães. Outro destaque tem Franco de Sá pela sua
importância política, afirma ele ter estabelecimentos no Maranhão durante uma
sessão sobre a questão territorial de Turiaçu:

“A utilidade da medida é manifesta, como digo, não só para os habitantes do


Turyassu, como para grande parte dos habitantes da minha província, e para mim
principalmente, porque por infelicidade minha possuo estabelecimentos na margem
direita do Turyassú; e como me vejo obrigado todos os anos a passar para margem
esquerda, presencio ali os inconvenientes e desvantagens de falta de segurança
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pessoal e de propriedade...” (DIARIO DA CAMARA DOS DEPUTADOS, 10 de


setembro 1850, p.10)

A preocupação com a segurança também se dava pelo receio de roubos de gados em


áreas de criação e a falta de medidas mais rígidas contra esses. Por conta disso
foram encontradas sessões na Câmara dos deputados com discursões a respeito do
furto de gado vacum e cavalar. Podemos ver em algumas informações:

“Sr. Dias de Carvalho: [...] pelo interior do pais sabemos bem o que são as fazendas
de criação: terrenos extensos, abertos por todos os lados, onde o gado esta
espalhado de maneira que os donos muitas vezes não sabem a quantidade que
possuem; muitas vezes não o conhecem, e isso é causa de frequentes disputas entre
os mesmos fazendeiros, porque um marca a rez que encontrou em sua propriedade,
quando o outro diz pertence-lhe. Há, portanto, a dificuldade de se conhecer quem
são os autores dos crimes, é esse o primeiro obstáculo que se encontra na sua
punição” (Ibidem, 18 de julho de 1850, p.227)

Levando-se em consideração que donos de grandes quantidades de gado, são


também os proprietários de terras mais abastados, é possível depreender sua
influência na política, pela atenção devidamente dada aos seus problemas no meio
governamental. Seu poder e influência são constantemente lembrados ao se discutir
as propostas sobre terras devolutas e colonização para a lei de terras de 1850, como
se consta na fala de Carneiro da Cunha sobre o inciso 2º do artigo 3º, que propõe ser
terra devoluta aquelas que mesmo ocupadas não tenham título legitimo, diz ele:

“Os senhores de engenho, que possuem uma grande porção de terras, e que
precisão de uma grande porção de terras para a criação de gado e para cultura, esses
principalmente que não tiverem títulos legítimos, ficarão todos assustados temendo
que se toque em seus interesses. Eu creio, como acabei de dizer, que o governo não
tenha força necessária para traze-los aos seus deveres” (Ibidem, 30 de agosto de
1850, p.743)

Então podemos perceber a figura de poder que os grandes donos de gados


representavam para a nação, fazendo ser necessário discutir minuciosamente
medidas que possam causar o descontentamento dessa classe que dominava os
interiores como o de Turiaçu.

Os impactos da lei de terras de 1850 nos campos de uso comum


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De acordo com Souza (2016, p.128-131), o projeto de lei que regulamentaria a terra
foi amplamente debatido por Senadores na década de 1840. Em uma das sessões que
era debatida, o Senador Costa Ferreira, representando o Maranhão, levanta
questionamentos sobre a condição dos campos comuns na fronteira se a lei fosse
aprovada como se encontrava no texto do projeto. Para Souza, as preocupações do
Senador estavam diretamente ligadas aos seus interesses próprios, uma vez que era
um dos que possuíam gado ali.

No projeto, o posseiro tomava valor de declarar legitimidade, o que era um ponto a


desfavorecer ou a beneficiar os donos de gado nas terras comunais. Ferreira
indagava sobre a utilização das duas margens do rio ao longo do ano, prevendo que
a nova legislação os retirasse a posse, pois o que se tinha eram as pastagens nos
campos do Maranhão no inverno e os do Pará no verão; e as casas erguidas eram
frágeis prontas para serem derrubadas e levantadas facilmente. Assim não existia
nessa dinâmica de ocupação moradia regular como previa o projeto (Ibid, p.134). A
exigência de se possuir a moradia regular para legalizar as terras antes obtidas por
sesmarias ou por posse permanece na versão final da lei de terras de 1850. Além
disso, traz a possibilidade de legitimar os campos de uso comum. Vejamos abaixo.

‘’Os campos de uso commum dos moradores de uma ou mais freguezias,


municipios ou comarcas serão conservados em toda a extensão de suas divisas, e
continuarão a prestar mesmo uso, conforme a pratica actual, emquanto por Lei não
se dispuzer o contrario.’’ (LEI Nº 601, DE 18 DE SETEMBRO DE 1850).
A 4º regra situada no art. 5º mostra que mesmo a lei garantindo a conservação dos
campos de uso comum, é possível pensar a sua aplicação de forma mais ampla.
Havia a possibilidade dos campos comuns serem deslegitimados como a última
frase da regra observa: enquanto a lei não contradizer sobre seu uso. O sentido
sobre o uso estava baseado na figura do posseiro, o sujeito que ocupa a terra por
meio do cultivo e da criação de animais tendo nela a habitação regular.

A falta de habitação regular, assim como a de cultivo e criação efetivos eram


critérios de peso que declaravam a terra como devoluta. E os campos comuns não
correspondiam a essas expectativas da lei, como vimos acima nas falas de Ferreira
no contexto de construção da lei. O deslocamento sobre o rio Turiaçu com o gado
era essencial para fugir dos períodos de secas que causavam o ressecamento do
capim nos campos do Maranhão, atravessava-se para os campos do Pará (Turiaçu);

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e quando este último era atingido pelas chuvas do inverno, o gado retornava para os
do Maranhão para serem alimentados. Com isso, fazia com que as habitações
construídas nos campos comuns fossem temporárias, assim como o próprio
estabelecimento do gado (SOUZA,2016, p.130). Neste sentido, os campos comuns
poderiam se tornar terras devolutas para serem demarcados e vendidos porque não
cumpriam com o artigo 6º, o qual não legitimava a posse em campos que “não
sendo acompanhados da cultura effectiva e morada habitual exigidas no artigo
antecedente”. (LEI Nº 601, DE 18 DE SETEMBRO DE 1850).

Ferreira também indagava o projeto por prevê a delimitação da terra a partir da


quantidade gado. Para ele, isso afetaria os donos de gado dos campos comuns pois
os fazendeiros que tivessem mais cabeças de gado teriam maiores extensões de
terra. Desta forma, favoreceria os fazendeiros mais abonados e assim os campos
comuns “acabariam nas mãos de poderosos da região” (Ibid, p.134).

Portanto, após a publicação da lei de terras de 1850 não tivemos mais referências a
essas terras de uso comum na fronteira, presumimos então que foram denominadas
como devolutas. Possivelmente foram demarcadas e postas à venda recebendo
donos definidos, assim afetando diretamente a ocupação na região. Além disso, as
fontes de anos posteriores mostram que a criação de gado ainda se faz como uma
economia existente no Turiaçu, assim como suas terras ganham outras ocupações
como a fundação em 1853 da Colônia militar do Gurupi na fronteira. Após a
anexação da região de Turiaçu ao Maranhão em 1852 e o deslocamento do limite
entre as províncias para o rio Gurupi, a fronteira então é ocupada por essa política
agrária que faria a defesa da terra contra quilombolas e índios visto que esses foram
apresentados em muitos discursos como “perturbadores” da propriedade privada.
A lei de terras de 1850 não só motivou experiências pelo direito de utilização da
terra envolvendo homens abonados, de grande influência política no Império, mas
também nesse momento garantiu a construção de novos embates a partir de
diferentes interesses sobre a fronteira.

Notas

Adriane da Silva e Talita do Rosário são graduandas de Licenciatura em História da


Universidade Federal do Pará- Campus Ananindeua. Este texto é parte de
resultados de 12 meses de pesquisa realizados pelas autoras enquanto bolsistas,
respectivamente, nos seguintes projetos: “Os donos de gado: ocupação e criação de

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gado em campos comuns na fronteira entre o Pará e Maranhão (1840-1852)’’ e “A lei


de terras e a criação de gado no Turiaçu: impactos do projeto de lei
(1840-1852)” coordenados pela Dr. Professora Sueny Diana Oliveira de Souza.

Referências

COSTA, Ariadne Ketini. Fidalguia Contratada: O Itinerário social de José Gonçalves


da Silva no Maranhão, 1777-1821. Revista Cantareira. Edição 15, 2011.
SOUZA, Sueny Diana Oliveira de. Usos da fronteira: terras, contrabando e relações
sociais no Turiaçu (Pará - Maranhão, 1790-1852). Tese (Doutorado) - Universidade
Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-
Graduação em História, Belém, 2016.

Documentos

ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO:


-Requerimento de Francisco de Assis Oliveira ao rei D. Pedro IV, solicitando
confirmação da sua carta de sesmaria junto ao rio Turiaçu, em terreno da vila de São
José de Guimarães. Anexo: vários docs. AHU_ACL_CU_009, Cx. 178, D. 12949
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO:
Relatório apresentado á Assembleia Legislativa Provincial do Maranhão, no dia 3 de
Maio de 1854 na abertura da Assembleia legislativa provincial pelo presidente
Eduardo Olímpio Machado. Maranhão: Typ. Constitucional de I.J. Ferreira. p. 37.
ANAIS DO SENADO
1847 livro 2
CAMARA DOS DEPUTADOS 1850:
18 de julho, 30 de agosto10 de setembro,
PERIODICOS:
PUBLICADOR MARANHENSE, 28 de janeiro de 1846.

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ESBOÇO PARA UMA HISTÓRIA DA CAPOEIRA


PARANAENSE
Jeferson do Nascimento Machado

Surgida entre os escravos urbanos e empregada na resistência ao sistema escravista


(SOARES, 2004), a capoeira assombrou a elite brasileira do século XIX e início do
XX, tendo ficado oficialmente ilegal entre 1891 e 1937. No entanto, essa cultura, por
meio de sua capacidade de se reinventar e catalisar as objetividades oferecidas pelo
acúmulo das experiências históricas, não tornou-se obsoleta, pelo contrário: ela se
fortaleceu e continuou sua trajetória até nossos dias. Hoje ela é considera Patrimônio
Nacional (IPHAN, 2008) e da Humanidade (UNESCO, 2014), contanto com
praticantes nos mais diversos países.

Deste modo, compreendendo a relevância dessa prática cultural e a ausência de


trabalhos acadêmicos que façam um apanhado geral acerca da capoeira paranaense,
procuramos esboçar a trajetória dela no Estado do Paraná (Este texto é produto da
pesquisa que venho realizando para minha dissertação, intitulada “História da
capoeira na cidade de Ponta grossa: entre relatos e fotografia”, sob a orientação do
Doutor Oseias de Oliveira). Para isso, realizamos uma garimpagem bibliográfica, na
qual selecionamos textos que tocaram, de uma forma ou outra, no tema da capoeira
paranaense. Essa literatura selecionada, somadas as fontes orais e jornalísticas foi o
subsidio para a construção desta narrativa.

Inicialmente, a capoeira foi uma prática restrita ao Rio de Janeiro, Pernambuco e


Bahia, porém, na segunda metade do século XX ela passou a se expandir por todo o
país e no exterior. E foi neste contexto de expansão, que ela foi inserida no Estado
do Paraná.

A capoeira aportou em Curitiba em meados da década de 1970, quando Mestre


Sergipe mudou para lá e passou a ensinar a capoeiragem aos moradores da capital.
Desde então ela foi sendo difundida por todo o estado, ocupando praças, ruas e
festas, realizando aquilo que Michel de Certeau (2017) chamou de reinvenção do
cotidiano. A capoeira, de certo modo, transfigurou o universo simbólico de caráter
europeu - muitas vezes fomentado pelo Paranismo, movimento que buscou criar
uma identidade paranaense desvinculada dos negros e indígenas (BATISTELLA,
2012) - através da inserção de uma simbologia afro-brasileira.

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Feito estas considerações, apontamos que o texto foi organizado em três partes. Na
primeira parte, discorremos acerca da chegada da capoeira na capital. Já na segunda
parte, tratamos dela no processo de difusão pelas demais cidades paranaense. E,
finalmente, na última parte, realizamos um apanhado das discussões e apontamos
para a necessidade de um estudo mais aprofundado sobre assunto, em busca de
encontrarmos outras determinações.

A Capoeira Chega à Curitiba

Mestre Sergipe (Antônio Rodrigues Santos), natural de Boquin-SE, foi sem dúvida, o
pioneiro na escrita sobre a capoeira paranaense. Em em seu livro O Poder da
Capoeira(2006), ele realizou uma abordagem geral a respeito da capoeira e dedicou
um dos capítulos para tratar da capoeira paranaense. Sergipe utilizou de sua
memória como base para a construção do enredo, no qual ele descreve a chega da
capoeira em Curitiba e seu desdobramento para outras cidades.

Conforme Sergipe (2006), Mestre Lampião de Goiás foi o primeiro capoeirista a


passar pelo estado, na capital de Curitiba, no ano de 1970. Depois dele, também
passou Mestre Alabamba, que fez alguns shows no Teatro Guaíra, em 1972. Ali no
teatro ele encontrou alguns alunos de Mestre Lampião que haviam sido recém
iniciados. No ano de 1973 foi à vez do terceiro capoeirista, que foi o próprio Mestre
Sergipe. Ele conta que chegou à cidade de Curitiba no dia 18 de dezembro de 1973 e
instruiu alguns alunos, sendo que no natal do mesmo ano realizou uma roda na
Praça Zacarias, antiga feirinha.

O quarto mestre a chegar, já no ano de 1974, foi Mestre Monsueto. Depois veio, em
1975, mais três mestres: Mestre Belisco, Mestre Diabo Loiro e Mestre Burguês. Em
1975, Mestre Burguês fundou a Associação de Capoeira Netos da Muzenza e
Federação Paranaense de Capoeira (FEPARCA) que, conforme Karen Quimelli
(2017, p. 60), foi uma necessidade, “pois devido à falta deste, os capoeiristas
inicialmente se vinculavam à Federação de Pugilismo”. Nos primeiros anos Mestre
Burguês foi presidente daFEPARCA, depois o cargo passou para Mestre Sergipe.

Mestre Sergipe ficou quatro anos como presidente, sendo que devido a
desentendimentos políticos ele acabou por deixar o cargo e criar outra instituição: a
Liga Brasileira de Capoeira (QUIMELLI, 2017). Mestre Burguês respondeu essa

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atitude com a criação da Super Liga Brasileira de Capoeira, expressando uma


primeira disputa no campo da capoeira – aqui usamos o conceito de campo na
perspectiva de Pierre Bourdieu (1996 & 2003), o qual estabelece que campo é um
espaço abstrato formado pela relação objetivas entre agentes desigualmente distribuídos em
um fragmento social. Esses campos são autônomos, trabalhando dentro de critérios
específicos e organizações específicas, não se confundindo com outras partes da realidade
social (BOURDIEU, 1996 & 2003). Este fato exerceu forte influência sobre a capoeira
paranaense, sobretudo a curitibana e aquelas de outras cidades fortemente
influenciada pela cidade de Curitiba. Pois após ao fato ocorreram “enfrentamentos
de rua (que levaram a que as rodas de rua se retraíssem), invasão de academias,
confrontos abertos entre os membros de cada um deles, lutas violentas” (PORTO et
al., 2010, p. 173).

Vale apontar que principalmente dentro da capoeira curitibana, estes dois agentes
do campo da capoeira (Mestre Sergipe e Mestre Burguês) e seus respectivos grupos
(bem como os grupos pertencentes a estas linhagens) possuem grande importância
na configuração do campo e na dinâmica do mesmo, logo que eles formam a elite da
capoeira paranaense e, assim sendo, estar próximo deles significa potencializar o
seu capital social, que no entender de Pierre Bourdieu, trata-se do

[...] conjunto dos recursos reais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede
durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de
inter-reconhecimentos mútuos, ou, em outros termos, à vinculação a um grupo,
como o conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns
(passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros e por eles mesmos),
mas também que são unidos por ligações permanentes e úteis. (BOURDIEU, 1998, p.
67).

Em suma, não pertencer a esses grupos e não estar associado a nenhuma instituição
fundada pelos mesmos, significa que vai ter maior dificuldade para acessar os
capitais acumulados e, portanto, menor poder de luta dentro da capoeira.

Expansão da Capoeira pelo Interior do Paraná

Segundo Mestre Sergipe,

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Vários outros capoeirista de Curitiba e outros Estados estabeleceram-se em várias


cidades do interior como Londrina, Foz do Iguaçu, Maringá, Umuarama, Ponta
Grossa, Paranaguá, Cascavel, etc. [...] Hoje tem capoeiras paranaenses dando aulas
em vários Estados como Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e também
em outros países como Paraguai, Argentina, Chile, EUA e Japão (SERGIPE, 2006,
p.31)

Desta forma, podemos dizer que a capoeira curitibana teve forte impacto sobre
outras regiões, sendo que em alguns casos ela foi diretamente responsável pela sua
difusão. No entanto, como veremos mais adiante, nem sempre foram os capoeiristas
curitibanos que levaram a capoeira até as cidades interioranas, pelo contrário, a
maioria delas receberam mestres de capoeira vindo de outros Estados, o que não
exclui o poder de influência que Curitiba passou a ter posteriormente.

Em Apucarana

A cidade de Apucarana, conforme aponta Leonirce Moya Mareze, recebeu a


capoeira em 1973, e
Era praticada num salão de madeira no bairro Vila Nova, na Rua Aquiles,
denominado de Salão de Capoeira do Silveira cujo professor era o Gideoni Silveira.
Deu aula em diferentes locais entre eles: na antiga UEA, próximo ao SESC e no
Clube XV de Novembro. Formou-se Mestre em Curitiba. (MAREZE, 2010, p. 5)

Logo mais, no ano de 1980, Mestre Silveira (Gideone Silveira) já com o Grupo
ACAPRAS (Academia de Capoeira Praia de São Salvador) prosseguiu as aulas na
cidade. Também passara pela cidade outros grupos. São eles: Grupo Ilha da Maré
(1978-1984), fundado pelo Mestre Fernando que veio de Salvador da Praia Ilha da
Maré e passou a dar aulas na cidade; Grupo Besouro Dourado, liderado pelo Mestre
Shut (Francisco Barbosa) que veio de Maringá em 1985; Grupo Filhos do Valtinho da
Senzala (1986), que foi trazido pelo Contramestre Ventania; Grupo Lendas do
Abaeté (1987), trazido pelo Mestre Pessoa (Manoel Souza Pessoa); Grupo Muzenza
(1995), que foi fundado em Apucarana pelo professor Quati (Airton Manfrini) e no
ano de 2010 (ano que foi realizado a pesquisa) estava sob coordenação do
Contramestre Carneiro; Grupo Maculelê (2002), trazido pelo professor Celsinho
(Celso de Souza); Geração Brasil (2006), liderado pelo Professor Fião (Mario
Brandino) e Projeto Pedagoginga (2009), conduzido por Cristiano Mário Machado,
Professor Skada (MAREZE, 2010).

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Em Londrina

Na cidade de Londrina, Caldas (2012) aponta que muitos de seus entrevistados


disseram que os primeiros capoeirista a passarem pela cidade foram os seguranças
dos magnatas do café, que se divertiam pelos bordéis de Londrina. No entanto,
Caldas (2012) salienta que no geral todos concordam que foi Mestre Lampião que
desenvolveu o primeiro projeto de capoeira na cidade.

Mestre Lampeão chegou em Londrina no ano de 1979


Para trabalhar como segurança em uma feira de artesanato na cidade e, ‘durante a
feira, costumava fazer umas ‘brincadeirinhas’ demonstrando um pouco como se
jogava capoeira. O público, gostando de ver, começou a incentivá-lo a montar uma
escola de capoeira aqui na cidade (CALDAS, 2012, p. 134)

Assim foi e por meados de 1980 ele fundou a Associação de Capoeira Flor do Mar,
que funcionou por 12 anos no centro de Maringá. Os praticantes, em geral, eram de
classe trabalhadora e periférica, fato esse que explica a existência de vários formados
de Lampião dando aulas nas periferias da cidade desde o final dos aos 1980
(CALDAS, 2012). Essa relação da capoeira e os trabalhadores é um fenômeno antigo,
uma vez que a capoeira emergiu justamente com os trabalhadores negros, que
naquele momento estavam cativos do regime colonial português. Conforme João da
Matta (2015, p.1):

A capoeira emergiu como uma resposta encontrada pelo africano contra o


colonizador europeu. Utilizando seus corpos como instrumento de luta, a capoeira
traz o registro de uma história forjada ao longo de séculos por indivíduos que
reagiram às práticas intoleráveis da escravidão e da repressão policial. Os capoeiras
também faziam emergir, em disputas de territórios nas comunidades negras do
século XIX, a busca por laços de companheirismos, diversão e lazer.

Este elo capoeira/trabalho se expressa, inclusive, em nomes dados a golpes de


capoeira. Por exemplo, o golpe martelo e o parafuso, que representam
ferramentas/objetos de trabalho. E mesmo que os mestres fundadores da capoeira
Angola (Mestre Pastinha) e Regional (Mestre Bimba), eram de classe pobre e
trabalhadora. Mestre Pastinha, além do seu trabalho com a capoeira, foi pedreiro,
pintor, entregador de jornal e marinheiro e Mestre Bimba foi estivador. No entanto,

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deve-se notar que a capoeira não é uma prática exclusiva de uma classe. Todavia, de
modo geral, a capoeira possui grande articulação com a classe pobre, expressando
suas contradições e anseios.

Mestre Lampião construiu toda uma linhagem e, conforme pondera Caldas (2010,
p.142):

Até mais ou menos a primeira metade de 1990, a linhagem de Mestre Lampião se


expandiu rapidamente por Londrina. Segundo Mestre Vandi, quatro gerações de
mestres foram formados por Lampião em 12 anos de academia.

No entanto, “por volta de 1995, pode-se localizar indícios da perda de autoridade de


Mestre Lampião” (CALDAS, 2010, p. 142). Caldas explica que isso se deveu a uma
mudança de paradigmas acerca da capoeira, pois a capoeira de Mestre Lampião era
uma prática violenta e muitos formados por ele “começam a discordar dos métodos
existentes na academia de Mestre Lampião” (CALDAS, 2012, p. 140). E já em 2001 a
capoeira de Lampião totalmente desqualificada, servindo de pretexto para
dirigentes públicos normatizarem a prática a partir do “ensino gerenciado pela
Secretaria de cultura de Londrina” (CALDAS, 2012, p. 142).

Para Caldas (2012), outro mestre importante para a capoeira londrinense foi Mestre
Fran, que chegou em Londrina no ano de 1982 e fundou o grupo Conceição da
Praia, que estava subordinado ao Mestre Bradesco de São Paulo. Este grupo logo
tem seu nome alterado para Maculelê. Mestre Fran começou a treinar capoeira
desde seus 10 anos, com Mestre Bradesco em São Paulo e em Londrina, assim como
Mestre Lampião, construiu uma grande linhagem. Seu prestigio era significativo, o
que contribuiu para que na gestão do prefeito Luiz Eduardo Cheida (1993-1996) e no
mandato de Antônio Bellinati (1997-200), a capoeira de Fran conseguisse um projeto
para oferecer aulas gratuitas à população, servindo como fonte de renda para
muitos capoeiristas (CALDAS, 2012).

Mestre Fran - diferente de Mestre Lampião que não via problemas em seus
formados criarem novos grupos – não aceitava ter seus formados como
concorrentes, pois isso afetaria sua renda, logo que diferente de Lampião que não
tinha na capoeira sua única atividade profissional, Mestre Fran vivia somente da
capoeira. Isso acarretou em alguns episódio onde o Mestre Fran foi fechar as
academia de seus formados. Num desfile cívico de 7 de setembro da década de

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1990, chegou a ocorrer um confronto entre formados que tiveram suas academias
fechadas e Mestre Fran (CALDAS, 2012). Caldas ainda aponta que:

Depois que Fran fechou as academias de seus formados, estes se aliaram para
confrontar seu mestre realizando uma roda bem ao lado de onde ocorria o desfile
militar em comemoração ao dia da independência brasileira. Em resposta a roda,
Fran reuniu seus alunos mais experientes e se dirigiu até ao local. Lá chegando,
formaram uma roda circunscrevendo à que era comandada pelos rebeldes [...].
Tendo perdido a o confronto marcial, os discípulos rebeldes dirigiram-se para a
delegacia. (CALDAS, 2012, p. 146)

Além destes conflitos internos, entre capoeiristas da mesma linhagem, também


existiu conflitos entre a linhagem de Lampião e Mestre Fran. Embora Lampião
tivesse falado que não haveria problemas em existir uma outra academia e,
inclusive, colocou penalidade (três meses fora da capoeira) aqueles que fossem
rivalizar na academia de Mestre Fran, posteriormente passou a ocorrer alguns
conflitos (CALDAS, 2012).

Depois que Mestre Fran se estabeleceu na cidade, alguns alunos de Lampião foram
treinar com Fran, dando início a rivalidade depois de surgirem boatos, vindo destes
ex-alunos, que Fran teria dito que iria dominar a capoeira londrinense (CALDAS,
2012). O primeiro conflito ocorreu no calçadão londrinense, quando Mestre Fran
realizava uma roda com seus alunos e entraram nela dois alunos de Lampião e um
deles teria jogado com Cidinho, como o mesmo narra:

Eu dei uma chapa na barriga do cara, ele nem mexeu. Aí fiz um aú e ele deu uma
cabeçada, eu caí. Aí o Fran comprou o jogo, o cara saiu na volta do mundo atrás dele
[movimento de circunscrever a roda andando], o Fran do jeito que tava rodando
abaixou e virou de cabeça pro lado [golpe de cabeça] pegou na cara do cara que caiu
pra trás, daí ele levantou e foi de soco pra cima do mestre que afastou e tropeçou.
[Neste momento, outro aluno Fran interveio e] quebrou o berimbau na cabeça do
discípulo de Lampião (CIDINHO apud CALDAS, 2012, p. 149).

Depois deste conflito aconteceram outros quatro. O segundo foi semelhante a esse
primeiro, ocorrendo novamente no calçadão. O terceiro aconteceu na academia de
Fran, quando alunos de Mestre Lampião, desgostosos por não terem sido
convidados para um evento cultural sobre capoeira que Fran participou, foram até

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lá e desafiaram Fran. Ele não aceitou o desafio, pois estavam em minoria, e então
houve somente bate-boca (CALDAS, 2012).

Um quarto conflito aconteceu quando Mestre Fran foi nomeado delegado da


FEPARCA, no início da década de 1990. Mestre Lampião e seus alunos, que foram
convidados para o evento, passaram um bate-boca, dizendo que não reconheciam
aquela nomeação. Assim foi que, como aponta Caldas (2012, p.150), “depois disso,
nenhum dos dois grupos permaneceu filiado a esta instituição”. Coisas deste tipo
fizeram com que Mestre Fran fosse, também, aos poucos perdendo espaço, até que
em 2002 resolver deixar a cidade e seguiu para os Estados Unidos, onde fundou
uma academia na Filadélfia (CALDAS, 2012).

Em Ponta Grossa

No município de Ponta Grossa a capoeira foi trazida pelo grupo Muzenza, no ano
de 1982, através do professor Periquito. Em 1983 quem assumiu o grupo foi
professor Jabá, que ficou dando aulas até 1991, quando voltou para sua cidade
(Natal). Professor Jabá deixou o grupo sob direção de Mestre Polaco, o qual atua até
hoje na cidade. Mestre Polaco conta, em relação a este início, que

Soube que existia uma academia de capoeira aqui em Ponta Grossa, que era a
CAPOARTE, na época, só que eu não tive a oportunidade de ir. Quando eu fiquei
sabendo que a Muzenza abriu uma academia aqui eu fui assistir um treino, foi onde
eu me encantei com a capoeira e comecei a treinar. Isso foi em 24 de agosto de 82
(MESTRE POLACO, 2018).

Mestre Polaco relata que esse início foi bem conturbado, pois “a capoeira ainda é
descriminada, mas na época era bem mais forte essa [...] E o pessoal confundia
muito com religião: com o candomblé, com atos religiosos africanos” (MESTRE
POLACO, 2018). Ou seja, havia um grande problema da capoeira em relação a
sociedade pontagrossense. Devemos lembrar que a cidade de Ponta Grossa teve
forte influência da ideologia Paranista o que pode ter contribuído para esta
dificuldade inicial. Devemos pontuar que, apesar de haver uma grande mudança da
cidade dos anos 80 à atualidade, Mestre Polaco nos coloca que “hoje em dia mudou
bastante, mas ainda assim tem muitos pastores... [...] muitas pessoas ainda acham
que tem alguma coisa a ver, a capoeira ligada a religião africana e tudo mais”
(MESTRE POLACO, 2018).

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A capoeira pontagrossense, assim como em outras cidades paranaenses, também for


e ainda é permeada por conflitos. Nessa perspectiva Mestre Polaco (2018) pondera
que a “rivalidade sempre existiu, mas isso é mais por conta dos alunos, ou de outros
professores também que as vezes queriam confrontar com a Muzenza”, pois “[...]o
aluno sempre quer provar que ele é o melhor, que o seu grupo é o melhor [...]”, mas
no entanto, Mestre Polaco lembra que essa rivalidade aparece em rodas aberta, pois
quando são rodas para apresentação “vai fazer apresentação numa escola... a
apresentação é o espetáculo em si” e acaba existindo um consenso sobre deixar fluir
mais, no sentido de espetáculo, para o público, pois o conflito “não é legal pra quem
está assistindo” (MESTRE POLACO, 2018).

Em Matinhos

Outra cidade importante para a capoeira do Paraná, principalmente para o litoral


paranaense, foi Matinhos. O principal responsável pelo desenvolvimento da
capoeira nessa cidade foi Mestre Bacico. Esse mestre veio para a cidade em 1998,
como aponta Launa Sentone (2013). Quando ele chegou a cidade já havia o Mestre
Crespim do Grupo Ilha Bela, que ministrava aulas para alguns alunos e o Gêge do
grupo Muzenza, que já havia ministravam aulas no SESC, mas que já havia ido
embora da cidade.

Antes de Mestre Bacico chegar a cidade ele já tinha vasta trajetória e experiência na
capoeira. No ano de 1998 ele ingressou no Centro Paranaense de Capoeira, do
Mestre Sergipe. Mais tarde (1984-1986) passou dar aulas na Escola de formação de
soldados da Policia Militar do Estado do Paraná, no município de Pontal do Paraná.
Nessa mesma época (1985) Bacico levou a capoeira para os Balneários de Pontal do
Sul, Ipanema e Praia do Leste em Pontal do Paraná e também concluiu o estágio de
instrutor, sendo reconhecido como contramestre pela FEPARCA. Dois anos depois
instituiu e constituiu a diretoria da Associação de Capoeira Ayê Raça em Liberdade,
em Paranaguá. Ainda em 1987 Bacico coordenou a capoeira em Itajaí, na Casa da
Cultura e orientou a inserção dela nos munícipios de Morretes e Antonina (SILVA,
2014).

Em Matinhos, o primeiro local onde Mestre Bacico deu aulas foi no MainShwartz.
Mas ficaram pouco tempo neste local, pois como a esposa do proprietário não
gostava de capoeira eles procuraram mudar de local e assim foram para o clube

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Caravelas (SENTONE, 2013). No ano de 1996 Mestre Bacico contava com o apoio de
outros professores, como Praia Grande, Cesar. Além dos instrutores Marcelo, China
e Edson que davam aulas nos bairros Tabuleiros e Rio da Onça (SENTONE, 2013).
Em 1988, Bacico fundou o Grupo de Capoeira Zoeira Nagô em 1999 organizou a
diretoria da Associação de Capoeira Zoeira Nagô (ACZN), no ano de 1998 (SILVA,
2014).

Em Imbituva

Na cidade de Imbituva a capoeira tomou a cidade nos anos 90, se estabelecendo


como prática cultural através de professor Borgo, considerado o precursor da
capoeira na cidade. Prof. Borgo conheceu e aprendeu a Capoeira com Mestre Luiz
Baiano, que veio da Bahia a Imbituva em procura de trabalho. Na cidade de
Imbituva ele conseguiu emprego na pavimentação, trabalhando na construção do
calçamento da cidade, que era o mesmo trabalho de professor Borgo.

Conforme relata Borgo, foi durante um intervalo para o café que ele conheceu a
capoeira:

Um dia na hora do café ele fez um macaquinho. [...] Perguntei para ele o que era e
ele disse: isso é capoeira, isso é uma luta baiana. Então falei para ele me ensinar, e
ele não queria ensinar. Fiquei mais ou menos uma semana falando pra ele me
ensinar, até que ele cedeu. Foi então que começamos a treinar (BORGO, 2016).

Assim que professor Borgo começou a aprender a capoeira ele passou a fazer
demonstrações nas praças e nos colégios, o que contribuiu para aguçar a curiosidade
dos imbituvense. Não demorou para que o público passasse a incentivar professor
Borgo a ensinar capoeira, e assim, aos poucos ele começou a dar aulas. Inicialmente
as aulas eram na pra Theodoro Newton Diedrich, no centro da cidade. No entanto,
quando o número de praticantes aumentou, atingindo um número de quarenta e
cinco alunos ele optou por buscar um espaço fechado e filiou-se ao grupo
pontagrossense de capoeira Vôo Livre.

Desde o início da prática da capoeira, no ano de 1990, até os dias atuais, existiram
cinco grupos de capoeira oficiais: Vôo Livre (grupo de Mestre Valdeci, já extinto),
que manteve atividades de 1995 a 1999; Salve Brasil (grupo criado por Valdeci,
tendo Prof. Daniel como Mestre, que também já é extinto), o qual ficou ativo do

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ano 2000 a 2001; Berimbau de Prata (grupo de Mestre Samuca, já falecido, e que
permanece ativo na cidade de Curitiba, tendo como liderança o Contramestre Jesus),
que atuou de 2001 a 2002; ACAPRAS (grupo de Mestre Silveira), que iniciou seus
trabalhos em 2000 e encerrou somente em 2013 e Guerreiros dos Palmares (grupo de
Mestre Pop Lyne, que é o atual grupo de capoeira na cidade e tem como professor
Nogosek Ferreira dos Santos).

A capoeira imbituvense também foi palco de algumas tensões. A principal delas foi
o empasse ocorrido entre dois grupos da cidade: ACAPRAS (filiado a FEPARCA) e
Salve Brasil (não filiado a FEPARCA). O conflito aconteceu durante os primeiros
seis meses do ano de 2001, chegando inclusive a conflitos físicos. Em alguns
momentos, alunos da ACAPRAS chegaram a invadir rodas do Salve Brasil, tentando
impedir que acontecesse o jogo “ilegal” de capoeira. Depois professor Borgo, que
era o criador do Salve Brasil desfez o grupo e passou para o Berimbau de Prata,
grupo de Mestre Samuca. No entanto, as rivalidades continuaram. Como aponta
Josni Ferreira Santos,

Teve um batizado deles aqui. E a gente foi assistir o batizado deles. [...] desceu todo
mundo que era da ACAPRAS, só que só era aluno [...] E daí o mestre permitiu,
agente jogou lá, no começo foi de boa, depois o pau comeu. (risos) Na verdade lá foi
só eles que bateram (SANTOS, 2015).

Professor Valdecir Borgo conta que esse fato ocorreu devido a um desentendimento
anterior, no qual “foi só o Magrão. Daí o Magrão foi lá e aconteceu dele levar umas
rasteiras lá na roda e o Magrão saiu bravo. E daí depois que veio toda a turma do
mestre Silveira”. Professor Borgo narra que

Veio o pessoal de Ponta Grossa pra dizer – você não pode dar aula de capoeira, aqui
é só o Magrão [...] Só que depois o Magrão abandonou eles. E ai depois eles vieram
conversar comigo pra eu dar aula [...] e ai o Fábio Galvão pediu desculpas (BORGO,
2016).

O fato de terem vindo falar com ele talvez esteja relacionado com a hegemonia do
grupo, pois com a saída de Magrão abria-se a possibilidade de Borgo dar
continuidade e dominar o mercado cultural (BOURDIEU, 2017) da capoeira
imbituvense, ou seja, o grupo ACAPRAS se aproximou de Borgo estrategicamente,
buscando se perpetuar enquanto grupo dominante.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste texto narramos sinteticamente, por meio do material que


tínhamos em mãos, a trajetória da capoeira em algumas cidades paranaense,
mostrando a pluralidade de grupos e a relação existente entre eles. Por conseguinte,
torna-se visível que o Paraná, para além das ideologia (paranismo) que a definem
como uma região de identidade única (europeia), tem uma pluralidade de práticas
(comum a nação brasileira) e entre essas pluralidades encontra-se a capoeira.

Em geral, objetivamos ao longo deste texto dar uma contribuição para aqueles
interessados no estudo sobre a capoeira paranaense. Assim, buscamos organizar as
ideias que estavam dispersas, realocando em uma narrativa introdutória sobre o
tema. Desta forma, esperamos que o texto instigue eventuais interessados e possa
servir de suporte para uma primeira aproximação do tema.

REFERÊNCIAS

Jeferson do Nascimento Machado é licenciado em História pela Universidade


Estadual do Centro-Oeste e mestrando junto ao Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em História / PPGH-Unicentro, sob orientação do Doutor Oseias de Oliveira.
O presente artigo é fruto da pesquisa de mestrado que vem sendo realizada.

BATISTELLA, Alessandro. O Paranismo e a invenção da identidade paranaense. Revista


Eletrônica História em Reflexão, 2012.
BOURDIEU, P. Razões Práticas obre a Teoria da Ação. Campinas: Papirus, 1996.
224 p.
CALDAS, A. Valentia e linhagem: valores sociais em negociação e mudança entre
os capoeiristas. Dissertação (mestrado em ciências sociais), Londrina: UEL, 2012.
CERTEAU, M. A Escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
Entrevista concedida a Jeferson do Nascimento Machado pelo Denis de Zouza
(Graduado Topete), 35 anos, no dia 27/07/2018, na cidade de Ponta Grossa/Pr.
Duração 29min17seg. UNICENTRO/Pr.
Entrevista concedida a Jeferson do Nascimento Machado pelo Mestre de capoeira
Alceu Zagurski (Mestre Polaco), 53 anos, no dia 13/07/2018, na cidade de Ponta
Grossa/Pr. Duração 18min09seg. UNICENTRO/Pr.
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Entrevista concedida a Jeferson do Nascimento Machado pelo Prof. de capoeira


Josni Nogosek Ferreira dos Santos, 30 anos, no dia 13/04/2015, na cidade de
Imbituva/Pr. Duração 45min14seg. UNICENTRO/Pr.
Entrevista concedida a Jeferson do Nascimento Machado pelo Prof. Valdecir Borgo,
40 anos, no dia 18/04/2015, na cidade de Imbituva/Pr. Duração 39min30seg.
UNICENTRO/Pr.
MACHADO, JN. História da capoeira na região de Imbituva-PR: cultura negra
entre brancos. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em História).
Universidade Estadual do Centro-Oeste, Irati, 2016.
MAREZE, Leonirce Moya. Lembranças de capoeiras em Apucarana – PR.
Londrina:Cadernos PDE, 2010.
PORTO, Liliana; NOVICKI, Miguel; MASCARELLO, Magda Luiza; GUIDES,
Ariana.Curitiba entra na roda: presença(s) e memória(s) da capoeira na capital
paranaense.Curitiba: Edição do autor, 2010.
QUIMELLI, Karen Vanessa Matozo. Identidade cultural brasileira presente nas
representações dos capoeiristas do Grupo Muzenza.2017, 181f. Dissertação
(Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas), Universidade Estadual de Ponta Grossa,
Ponta Grossa, 2017.
SENTONE, Launa. O Desenvolvimento da Capoeira em Matinhos: contribuições do
Mestre Bacico. Matinhos, UFPR, 2013
SERGIPE, Mestre. O Poder da Capoeira. Curitiba: Imprensa oficial, 2006.
SILVA, Geraldo Ferreira da. Capoeira na Escola. Matinhos: UFPR, 2014.
SOARES, C. E. L. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro
(1808-1850). 2004. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2004.

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TRAJETÓRIAS DE FAMÍLIAS ALFORRIADAS DA


SESMARIA VITÓRIA: SÃO JORGE DOS ILHÉUS – BAHIA,
(1874-1887)
Victor Santos Gonçalves

Este projeto visa estudar trajetórias das famílias alforriadas pelo Barão Steiger, na
freguesia de São Jorge dos Ilhéus a partir (da execução) do Fundo de Emancipação
de escravos naquela região (1874-1887). Partimos da premissa de que Fernando von
Steiger-Mussinger veio para o Brasil no ano de 1846, onde comprou à sesmaria
Vitória que ficava na freguesia de Ilhéus às margens do Cachoeira seguindo em
direção ao oeste (RIBEIRO, 2017, p.48).

Naquela época a sesmaria possuía a mão de obra de 120 escravos, equilibradamente


distribuída entre os sexos, sendo metade do feminino e a outra parte do sexo oposto.
Parte da historiografia sobre família escrava pontua que nos grandes plantéis a
possibilidade da estabilidade familiar e a (potencialidade) formação de uma
comunidade escrava era maior que nos pequenos e médios (FREIRE, 2014, p.144;
SLENES, 2011, p.167). Não obstante, por vezes, a estabilidade dessas famílias
escravas estava vinculada ao ciclo de vida do senhor. Após sua morte, as incertezas
da partilha entre herdeiros eram fatores de tensão para escravaria (MAHONY, 2008,
p.633-634; METCALF, 1987, p.229-232).

Portanto, a composição da estrutura da posse escrava de Steiger possibilita


inquirirmos para além das potencialidades da formação de laços familiares entre
aqueles sujeitos e outros (da mesma condição social, próxima ou hierarquicamente
distinta). Esse estudo tem a pretensão de perscrutar trajetórias de famílias (escravas)
alforriadas por Fernando Steiger por meio do Fundo de Emancipação de escravos de
Ilhéus de 1874.

O marco inicial da pesquisa foi o ano de 1874, período de cumprimento do Fundo


de Emancipação de escravos na vila de Ilhéus. Enquanto o recorte final (ano de
1887) da pesquisa se refere ao período da decadência administrativa de Steiger na
sesmaria Vitória, fase de sua morte. Esse foi (possivelmente) o período de uma crise
administrativa na Vitória, principalmente devido à iminência da Abolição. Então é
importante perceber se durante essas transformações políticas (desmantelar da

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escravidão) e administrativas (morte de Steiger) na Vitória, as famílias forras


permaneceram nas proximidades da sesmaria ou partiram para outros lugares. E se
o foram, quais teriam sido essas escolhas.

A historiografia aponta que Steiger foi potencialmente o maior senhor de escravos


da vila-cidade de Ilhéus, na segunda metade do século XIX (MAHONY, 2001,
p.110). Tal informação é corroborada pelas fontes perscrutadas, mas ele também
apresenta um grande paradoxo no quesito da liberdade escrava. Quase não existem
(até o presente momento da pesquisa) evidências que apontem Fernando como um
senhor que negociava cartas de liberdade com seus escravos.

Vasculhando os registros dos livros de notas do tabelionato da vila de Ilhéus,


encontramos 01 carta de alforria, registrada em cartório em 1885, período da franca
decadência da escravidão no Brasil. Essa carta de liberdade foi concedida a Joaquina
e seus filhos Guilherme, Maurício, Prudêncio e Alberto de forma “não paga” e
“incondicional” a todos os escravos dessa “pequena” família. Qual o significado
desse ato? Existiram mais? Sim! Ele aparece no grupo de grandes senhores de
escravos em Ilhéus “libertando” (alforriando) alguns de seus escravos – através da
Junta de Classificação de 1874-1884 (REIS, 2007, P.262-263).

Partimos para analisar a documentação da Junta Classificatória de escravos de


Ilhéus. O documento data de 1874, com informações relativas à alforria
indenizatória de escravos da vila e freguesias adjacentes. Ao seguirmos o método
onomástico como meio necessário para encontramos mais informações sobre os
escravos de Fernando Steiger, tivemos êxito, pois seu nome estava registrado nas
listas dos grandes senhores que alforriaram (GINZBURG; PONI; CASTELNUOVO,
1989, p.174-175).

Essa documentação nos forneceu pistas elementares para concatenarmos as


primeiras ideias sobre as famílias alforriadas pelo senhor Steiger (GINZBURG, 1989,
p.150-151). Consoante os dados analisados, o senhor Steiger alforriou muitas mães
com filhos. Casos até de seis proles de uma só vez, alcançaram a alforria. Sabemos
que Steiger utilizava uma política de premiação para as escravas que gerassem mais
filhos, por vezes, sendo este um dos termos da negociação. Mas, provavelmente em
meados da década de 1880 sua política de “incentivos” já estava desgastada e as
vantagens na negociação foram pendendo (gradativamente) para as famílias

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escravas que conquistavam à liberdade (THOMPSON, 1981, p.47-62; HABSBURGO,


2010, p.151).

Portanto, essa proposta se firma com a pretensão de estudar trajetórias de famílias


forras com uma problemática coerente e um repertório documental acessível e
viável.

Este é um estudo inovador e original, pois pretende estudar as famílias alforriadas


de um barão (Steiger) que ainda sequer foi analisado cuidadosamente pela
historiografia. Sabe-se relativamente pouco sobre a administração de Fernando
Steiger na sesmaria Vitória e menos ainda no que se refere à escravaria daquela
propriedade. Não se dispõem (até o presente momento) de pesquisas que abordem
os caminhos das gentes escravizadas e libertas da fazenda Vitória na segunda
metade do século XIX. E muito menos que tente apontar (às expectativas históricas)
as trajetórias dos libertos do distrito (hoje bairro) do Banco da Vitória, local da
propriedade de Steiger. Essa proposta importa porque tenta “captar” as ações das
famílias libertas (negras) daquela região no período de consolidação da lavoura
cacaueira (FRAGA, 2006, p.314-315; POPINIGIS, 2012, p.357-381; THOMPSON,
1998, p.25-85).

Essa proposta visa investigar as estratégias senhoriais de emancipação gradual a


partir do caso da família Steiger e as ações e formas de negociação da liberdade das
famílias escravas da sesmaria Vitória (1874-1887).

Nessa pesquisa é pertinente o uso da micro-história, pensada aqui como abordagem


teórica que contribui para uma análise detalhada de grupos pequenos,
acompanhando-os entre gerações. Para isso, realizaremos a investigação do
processo de alforria das famílias pertencentes ao Barão Steiger através da busca
nominativa (GINZBURG, 1989, p.175; SCOTT; HÉBRARD, 2014, p.18-19; LIMA,
2012, p.383-384).

Por isso, empregaremos a noção de paradigma indiciário na tentativa de explicar


fenômenos complexos, por meio dos vestígios deixados pelos subalternos do Sul da
Bahia. Decodificaremos seus indícios com o objetivo de decifrá-los. Pretendemos
encontrar pistas nos pormenores das fontes que permitam reconstruir algumas
informações sobre o passado das famílias libertas da sesmaria Vitória (GINZBURG,
1989, p.174-175).

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A nossa intenção é perseguir os indivíduos no tempo e entre séries documentais


diferentes. Tentaremos traçar uma rede de ligações entre as fontes no intuito de
encontrar maiores informações sobre a vida familiar dos escravos/libertos presentes
nas fontes.

Pensaremos nesse estudo, a partir da perspectiva histórica (noções de evidência,


processo e experiência) de E. P. Thompson. Para o autor, a história tem um modo de
operação peculiar, uma lógica própria. A história é uma disciplina do contexto, dele
nasce o significado das ações humanas (THOMPSON, 1981, p.47-62).

Portanto, a lógica histórica está adequada a fenômenos que estão em movimento (a


humanidade no tempo), que apresentam diversos grupos socioculturais com
manifestações contrárias, ou seja, só podem ser compreendidos e explicados dentro
de contextos particulares. E que as perguntas às evidências, mudam de acordo com
o evento histórico (THOMPSON, 1981, p.49-50).

A pesquisa histórica deve ser resultado da constante interação entre conceito da


prova e evidência. Um diálogo permeado por uma gama de hipóteses e pela
empiria. O (motor) questionador é a lógica histórica, o assunto a ser questionado é a
hipótese. O objeto interrogado é a evidência com seus resultados determinados pela
experiência histórica. A lógica é algo adquirido através da empiria e da experiência
de trabalho ao longo da vida (profissional) do historiador.

A história é um diálogo (profundo) entre interpelador e evidência (fonte, questão,


assunto), ou seja, pergunta e resposta. Tudo isso resulta na noção de processo, ou
seja, ações e relações que propiciaram práticas ordenadas e estruturadas de
maneiras racionais. O historiador não cria/inventa o processo histórico. Ele apenas o
identifica no balançar das estruturas pelas ações dos sujeitos históricos
(THOMPSON, 1981, p.49-53).

A história é uma disciplina da mudança, da construção do conhecimento. E, por


conseguinte, da intempestiva subjetividade. Por que o historiador examina a vida de
grupos sociais, escolhas individuais e não apenas acontecimentos passados
(processos). O significado do passado é dado pelo tempo presente que foi sempre
uma questão de valores. Mas, na construção do processo histórico o pesquisador
deve “mostrar como a causação na realidade se efetuou”, controlando seus valores

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pessoais para evitar o risco do anacronismo. Visto como falta de sintonia com o
contexto histórico em análise. Em suma, a opinião do historiador será sempre um
direcionamento (ou criação) de (novos) valores (THOMPSON, 54-62).

Para Thompson, a história deve ser pensada a partir de uma relação dialógica, entre
ação, instante e reflexão. Essa relação trás à tona a experiência de que todo o
historiador precisa para compreensões das realidades históricas.

Portanto, pensaremos as famílias alforriadas da sesmaria Vitória à luz de suas


experiências. Seguiremos os aportes teóricos da historiografia da escravidão que
percebe os escravos como agentes históricos. Por isso incluímos aqui o termo
experiência, muito valioso para pensar esses grupos no tempo (CHALHOUB;
SILVA, 2009, p.24).

Isso inclui ponderar sobre suas perspectivas de vida. Ao apresentar seus


sentimentos e ações na construção ou rompimento de normas, obrigações familiares
ou até mesmo através de reciprocidades afetivas e morais (THOMPSON, 1981,
p.189-190; NEGRO; GOMES, 2006, p.218-220).

Pretendemos iluminar o contexto histórico das vivências libertas através desses


aportes teóricos. A nossa intenção é tentar demonstrar como as famílias libertas da
sesmaria Vitória interpretavam aquele mundo e conferiam-lhe significado.
Estudaremos como as famílias alforriadas por Steiger se organizaram naquele
processo histórico. Tentaremos mostrar como essas famílias (libertas) do Sul da
Bahia organizavam suas vidas através de estratégias próprias (POPINIGIS, 2012,
p.357-359).

Utilizaremos nessa pesquisa o entrecruzamento de fontes e o método onomástico


para solucionarmos eventuais impasses da pesquisa(SLENES, 1985, p.171-172). No
método onomástico o nome serve como um fio que orienta (bússola) o historiador
no “labirinto” das fontes. O nome é o fio condutor que nos leva a outras linhas,
apresentando-nos o tecido social no qual os indivíduos estão inseridos. A nossa
intenção é perseguir os indivíduos no tempo e entre séries documentais diferentes,
ao tentar formar uma rede de ligações entre as fontes no intuito de encontrar
maiores informações sobre a vida das famílias libertas. Para isso recorreremos a um
repertório coerente de fontes (GINZBURG, 1991, p.175).

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112

Os inventários post-mortem de Ilhéus das últimas décadas da escravidão (1870-1887)


nos ajudarão a pensar o perfil da escravaria de Steiger, ou ter uma hipótese mais
afinada com aquela realidade histórica de Ilhéus. Por que nos apontam tendências
gerais sobre a composição (perfil) da população escrava da vila de Ilhéus e suas
freguesias. Com isso, podemos ter uma perspectiva da escravaria de Steiger nas
suas principais variáveis (cor, ocupação, etnia).

Portanto, utilizaremos como fontes os inventários post-mortem da vila de Ilhéus


(1870-1887), cartas de liberdade (1870-1887), no intuito inter-relacionar essas fontes
com o Livro de matrícula de escravos da Junta Classificatória de Ilhéus (1874), o
Livro de Ingênuos (1875-1887) e 18 cartas (1870-1887) pessoais de Steiger, dentre
outros documentos relativos ao Barão.

Todas essas fontes já foram digitalizadas, para o adiantamento da pesquisa. Existe 1


banco de dados (Office Excel, 2010) organizado com planilhas específicas sobre as
famílias escravas (que incluem variáveis como nome, idade, ofícios, naturalidade,
cor, etnia, filiação, valor, problemas de saúde) encontradas nos inventários post-
mortem e dados materiais dos senhores de Ilhéus.

Existem 89 inventários (1813-1887) post-mortem contidos no banco de dados. Mas,


utilizaremos nesta pesquisa, apenas dados dos inventários (montante de 55
documentos) das últimas décadas da escravidão – período compreendido entre
1870-1887 –, devido o recorte temporal desta pesquisa.

Há ainda mais um banco de dados contendo informações sobre os escravos


alforriados por Steiger por meio da Junta Classificatória (Office Excel, 2010). Além
disso, informamos que o Livro de Ingênuos de Ilhéus (1875-1887) foi apenas
digitalizado para adiantamento da pesquisa, mas ainda não foi criado um banco de
dados.

Organizado e sistematizado esse repertório de fontes servirá para melhor


“construir” o contexto, onde essas famílias alforriadas vivenciaram suas
experiências da escravidão e liberdade. Pretendemos utilizar relatos de viajantes e
autoridades coloniais (Relatórios dos presidentes da Província da Bahia, 1860-1887)
na tentativa de compreender a paisagem e a economia local. Com esses recursos
pretendemos “captar” as atividades produtivas em que as famílias libertas estavam

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113

inseridas e quais estratégias eram utilizadas para conseguirem maior autonomia


(GINZBURG, 1988, p.12; THOMPSON, 1981, p.189).

Outro manancial singular para esse estudo será a análise dos documentos pessoais
do Barão Steiger. São correspondências (cartas alemãs e francesas) trocadas com a
sua família na Europa, além de um pequeno registro administrativo
da plantation Vitória.

No total existem 49 cartas, numa série entre 1855-1887. Mas, analisaremos neste
estudo apenas cartas referentes às décadas 1870-1887 (marco temporal dessa
pesquisa). Ao todo serão investigadas 18 correspondências (cartas) pessoais do
Barão Steiger.

Aliado a isso, existe também uma biografia do ano de 1893, elaborada por Abert
irmão de Steiger, que trás informações valiosas sobre a experiência do Barão na
sesmaria Vitória. Essas fontes (de cunho pessoal do Barão) trazem informações
sobre a relação de Steiger com seus escravos e da administração da sesmaria.
Abordam, principalmente, a inquietude de Steiger com a possibilidade do fim da
escravidão. Enfim, será por meio do entrecruzamento dessas fontes que
pretendemos encontrar respostas para essa pesquisa.

REFERÊNCIAS

Doutorando do Programa de pós-graduação em História da Universidade Federal


Rural do Rio de Janeiro – Seropédica (RJ). Orientado pela Profa. Dra. Fabiane
Popinigis. Bolsista CAPES.

CHALHOUB, Sidney. CHALHOUB, Sidney, SILVA, Fernando Teixeira. “Sujeitos


no imaginário acadêmico escravos e trabalhadores na historiografia brasileira desde
os anos 1980”. In: CHALHOUB, Sidney, SILVA, Fernando Teixeira (org.).
Trabalhadores, Leis e Direitos. Cadernos AEL, 2009.p.15-45.

FRAGA, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia


(1870-1910). Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006.

FREIRE, Jonis. Escravidão e família escrava na Zona da Mata Mineira oitocentista. São
Paulo: Alamenda, 2014.

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ensaios. Rio de Janeiro: Editora Bertrand BRASIL, 1989.

______. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, emblemas e


sinais:morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 143-179.

______. Os andarilhos do bem: feitiçaria e cultos agrários nos séculos XVI e XVII. São
Paulo: Companhia das Letras, 1988.

GINZBURG, Carlo. O inquisidor como antropólogo. Revista Brasileira de História. São


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HABSBURGO, Maximiliano. Mato virgem. Ilhéus, BA: Editus, 2010.

LIMA, Henrique Espada. A família de Maria do Espírito Santo e Luis de Miranda


Ribeiro: “agências e artes” de libertos e seus descendentes no Desterro do século
XIX. In: XAVIER, Regina Célia Lima. Escravidão e liberdade: temas, problemas e
perspectivas de análise. São Paulo: Alameda, 2012, p. 383-414.

MAHONY, Mary Ann. Instrumentos necessários: escravidão e posse de escravos no


sul da Bahia no século XIX, 1822-1889. In: Afro-Ásia: 25-26, Bahia, p.95-139, 2001.

______. Creativity under constraint: enslaved afro-brazilian families. In: Brazil’s


cacao área, 1870-1890. Journal of Social History. Fairfax, v.3, nº 41, p.633-666, 2008.

METCALF, Alida. Vida familiar dos escravos em São Paulo no século XVIII: o caso
de Santana de Parnaíba. Estudos Econômicos, n.2, v.17, p.229-243, 1987.

NEGRO, Antonio Luigi; GOMES, Flávio. Além de senzalas e fábricas: uma história
social do trabalho. Tempo Social (revista de sociologia da USP), v.18, n.1, p.218-220.
JUNHO/2006.

POPINIGIS, Fabiane. “Em benefício do povo”: o comércio de gêneros em Desterro


no século XIX. In: XAVIER, Regina Célia Lima. Escravidão e liberdade: temas,
problemas e perspectivas de análise. São Paulo: Alameda, 2012, p. 357-381.

REIS, Isabel Cristina Ferreira. A família negra no tempo da escravidão: Bahia, 1850-
1888. Tese doutorado. Campinas-SP, 2007.

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RIBEIRO, André Luiz Rosa. In Memorian: urbanismo, literatura e morte. Ilhéus-BA:


Editus, 2017.

THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

______. A miséria da Teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de


Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

SCOTT, Rebecca J. ; HÉBRARD, Jean M. Provas de liberdade: uma odisseia atlântica na


era da emancipação. Campina, SP: Editora da Unicamp, 2014, p.18-19.

SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da


família escrava. 2. Ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.

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116

MAURA LOPES CANÇADO E A SUA BUSCA DO “NÃO SEI


O QUE É, MAS É MARAVILHOSO” (1929-1993)
Edivaldo Rafael de Souza

Esta comunicação sobre Maura Lopes Cançado (1929-1993) tem como principal
objetivo reconstituir a trajetória de vida da escritora desde o nascimento até a sua
morte. Para tanto, será apresentado um perfil biográfico. Assim, este trabalho
justifica-se na tentativa de que haja um maior reconhecimento da autora no meio
acadêmico, objetivando, principalmente, identificar os aspectos da vida e da obra da
autora em questão. Utilizou-se, desse modo, de alguns textos para estudo, bem
como também os dois livros da escritora supracitada, a saber: Hospício é Deus – diário
I (1965) e O sofredor do ver (1968).

A escritora Maura Lopes Cançado nasceu em 27 de janeiro de 1929, em São Gonçalo


do Abaeté-MG. Criada em uma família tradicional do interior de Minas Gerais, a
escritora era filha de José Lopes Cançado, um famoso coronel da cidade, e também
de Affonsina Álvares da Silva, citada por Maura como sendo uma mulher
extremamente religiosa e dedicada a cuidar da família. Entrementes, percebe-se que
os papéis do homem e da mulher ainda estavam bem delineados durante o início do
século XX. Dessa forma, o homem era o responsável pelos assuntos externos e a
mulher aos assuntos internos de uma residência. Essa sociedade patriarcal marcada
pelo preconceito em relação às mulheres vinha sendo constituída desde o período
colonial.

Desde a infância a autora sofria com problemas psicológicos, e tal constatação era
apurada segundo os próprios relatos de Maura: “[a]os sete anos fui vítima de um
ataque convulsivo que muito preocupou meus pais. Deu-se enquanto eu dormia, e
não sofri. Apenas dor de cabeça ao acordar.”(Cançado, 1978, p. 22). Posteriormente,
a escritora passou a sofrer frequentemente com tais crises e desmaios. Todavia, isso
não foi empecilho para que ela, no ano de 1944, aos quinze anos de idade, se
matriculasse em um aeroclube na cidade de Bom Despacho - MG, onde aprendeu a
pilotar.

Como se pode perceber, desde jovem a escritora já ousava em suas atitudes,


contando sempre com o apoio de seus pais, que deram a ela um avião modelo

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117

“paulistinha”, no qual sobrevoava toda a região. Entretanto, Maura relatava que


sentia muito receio enquanto pilotava, temendo ter uma crise em meio ao vôo. O
que conota a lucidez em relação ao medo de que o avião pudesse cair.
Curiosamente, ela revela que essa sensação servia como estímulo para as suas
proezas.

Outro fato relevante sobre Maura é que a autora descreve em seus livros que sempre
que conseguia algo, rapidamente se desinteressava por aquilo; daí o que ela
descreve como sendo a sua busca pelo “não sei o que é, mas é maravilhoso”. É
justamente nesse período que a futura escritora casa-se com um colega do aeroclube,
Jair Praxedes. Ainda no mesmo ano o casal teve um filho, que foi batizado com o
nome de Cesarion Cançado Praxedes.

No ano seguinte, em 1945, separou-se do marido, voltando a morar com os pais em


São Gonçalo do Abaeté; nesse ínterim, seu pai José Lopes Cançado falece. Após esse
episódio, Maura continua morando em sua terra natal, todavia, de acordo com ela,
passa a ser excluída pela sociedade são-gonçalense, simplesmente por ser
considerada uma má companhia, por ser “mãe solteira”. Foi este um tempo em que

“as circunstâncias levaram-na ao distanciamento das outras adolescentes; a partir


daí ela passou a buscar, na companhia de crianças da localidade, uma forma de
resistir e continuar a usufruir daquele lugarejo interiorano” (SOUZA, 2018, p. 5).

Em 1949, internou-se por conta própria na Casa de Saúde Santa Maria, na cidade de
Belo Horizonte, alegando estar sentindo-se muito angustiada e extremamente
deprimida. Adiante, ela decidiu ir morar na cidade do Rio de Janeiro.

Em 1958, Maura Lopes Cançado escreve alguns contos e envia para o escritor
Ferreira Gullar que, de imediato, interessa-se pela escrita da autora. Decidindo ir ao
encontro da jovem, ao conhecê-la, percebe que ela está com problemas. O autor
então decide dar-lhe uma vaga de assistente no Suplemento Dominical do Jornal do
Brasil. Por conseguinte, Ferreira Gullar publica em 1958 o primeiro conto da
escritora, intitulado “No quadrado de Joana”.

A escrita de Maura foi muito elogiada por críticos literários, leitores do jornal e por
nomes consagrados como Clarice Lispector. No conto publicado, percebe-se

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118

claramente que os problemas mentais da escritora interferiam na temática de seu


escrever, uma vez que a personagem principal sofria de esquizofrenia catatônica.
Durante a sua passagem pelo jornal, segundo alguns ex-colegas, a autora
demonstrou o seu jeito inconstante de ser, às vezes carinhosa e meiga, mas de
repente violenta e agressiva.

No ano de 1959, a escritora decide internar-se novamente, desta vez no Hospital


Psiquiátrico Gustavo Riedel. Continuava, porém, escrevendo os seus contos. Nesse
período escreveu também o livro “Hospício é Deus - diário I”, que claramente dividia-
se em duas partes, sendo a primeira a rememoração de sua infância e adolescência, e
a segunda escrita em forma de diário, onde foram relatadas as experiências da
escritora enquanto interna. Destaca-se na obra também os relatos sobre os maus
tratos que ela e as outras internas sofriam dentro das instituições psiquiátricas.

Deve-se levar em consideração o caráter literário da escritora, pois a realidade


relatada em seus livros recebe uma carga ficcional densa, o que de nenhum modo
ofusca a importância da sua obra no tangente à “denúncia” sobre o modo opressivo
em que as internas das instituições mentais viviam.

Em 1968, é lançado o seu outro livro, “O sofredor do ver”, contando com uma
coletânea de doze contos que haviam sido publicados em jornais, além de outros
inéditos. É importante destacar que existem alguns textos que não foram publicados
no seu livro, “[s]ão eles: ‘Cabeleireiro de senhoras’, ‘Passagem-passaporte’ e ‘Carta a
Mao Tsé-Tung’.” (SOUZA; SILVA, 2018, p. 350).

Em 11 de abril de 1972, Maura estava internada na Clínica Dr. Eiras. Nesse local
matou estrangulada com um lençol uma interna de dezenove anos, a qual estava
grávida de quatro meses. Quando os médicos chegaram, a escritora estava
perturbada, tendo recordado o assassínio apenas na penitenciária, relatando ter tido
uma amnésia e não lembrar-se direito do ocorrido. Depois disso, a autora passou
por alguns presídios cariocas, até ser considerada inimputável pela justiça. Após tal
ocorrido, passou a viver com seu filho Cesarion. Nunca mais quis escrever, vindo a
falecer em 19 de dezembro de 1993, vítima de um ataque cardíaco.

Com este trabalho conclui-se que a escritora, além de carregar uma trajetória
peculiar, configura um importante nome para a literatura brasileira, visto que não
apenas escreveu diversos contos, mas ainda expressou em suas obras o fruto do
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olhar de quem estava dentro dos muros dos hospícios, apresentando uma
perspectiva singular de quem se encontra do lado oposto ao lado dos “sãos”. É
essencial, portanto, o desenvolvimento de estudos sobre a autora mineira no meio
acadêmico. Ademais, a sua vida e obra estão em constantes aproximações e
distanciamentos, de sorte que esta comunicação aborda e fomenta uma questão
fundamental, a saber, a necessidade de um maior entendimento sobre a trajetória de
vida e a obra de Maura Lopes Cançado.

REFERÊNCIAS:

Graduado em História pelo Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM. E-


mail:edivaldorafael007@gmail.com

CANÇADO, M. L. Hospício é Deus: diário I. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1979.


_____. O sofredor do ver. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
SOUZA, E. R. Ousadia, resistência e exclusão: a infância e a adolescência de Maura
Lopes Cançado no interior de Minas Gerais (1929-1946). In: XXI Encontro Regional
de História - Anpuh MG, 2018, Montes Claros - MG. Anais eletrônicos do XXI
Encontro Regional de História - Anpuh MG, 2018. Disponível
em:http://www.encontro2018.mg.anpuh.org/resources/anais/8/1534000993_ARQUI
VO_EdivaldoRafaeldeSouza-ST21.pdf. Acesso em: 21 nov. 2018.
SOUZA, E. R; SILVA, P. S. M. Vida e obra de Maura Lopes Cançado na imprensa carioca
(Rio de Janeiro, 1958-1994). PERQUIRERE (UNIPAM), v. 15, p. 342-357, 2018.

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120

CIÊNCIA E HISTÓRIA: APONTAMENTOS SOBRE A


PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA DO INSTITUTO
HISTÓRICO E GEOGRAPHICO PARANAENSE NO INÍCIO
DO SÉCULO XX
Megi Monique Maria Dias

A institucionalização política e cultural da I República (1889-1930) através da ciência


foi uma das intensas atividades realizadas no Brasil durante esse período. Sua
disseminação era defendida como um instrumento capaz de civilizar o país e como
“fundamento para qualquer tipo de progresso da humanidade” (GOMES, 2010 p.
12), com a recorrente ideia de que “não se faria ciência e não se civilizaria um país
sem história” (GOMES, 2010, p. 29). Para a historiador Ângela de Castro Gomes,
revistas - assim como jornais - constituíam-se em espaços de circulação de ideias
reconhecidos como salões, os quais colocavam em exibição homens de letras a um
público inusitado (GOMES, 2010, p. 14).

Assim, observamos que participar da redação de um jornal ou de uma revista da


envergadura daquela prometida pelos pais fundadores do Instituto Histórico e
Geographico Paranaense (IHGP) consistia ingressar no mercado intelectual,
expandir contatos e, em alguns casos, conseguir passaporte para mundos políticos e
sociais maiores. A ausência de ambiente universitário no Brasil faria com que as
agremiações de cunho oficial, como eram o caso dos Institutos Históricos, tivesse no
âmbito dos estudos históricos uma iniciativa pioneira, que do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB) se estenderia às demais associações do país.

A análise interpretativa realizada por Asthor Diehl (1998) sobre a cultura


historiográfica brasileira e o processo de institucionalização do saber histórico no
Brasil - a partir do IHGB - nos remete aos processos de construção da identidade
nacional e de como esta teve base na perspectiva de uma história científica. Para
tanto, alertava que tal instituto, no Brasil, era considerado um espaço aos moldes
das academias europeias cujos eleitosse davam a partir de relações sociais, nos
moldes das academias do século XVII e XVIII. Além disso, no Brasil, permaneceria
como o lugar privilegiado na produção historiográfica “até um período bastante
avançado do século XX, vinculado à profunda marca elitista, herdeira muito
próxima de uma tradição iluminista” (DIEHL, 1998, p. 24).

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Dando sequencia aos seus estudos sobre a identidade nacional o autor ainda afirma
que esta é “vinculada a modernização legitimadora e ao ecletismo, ao positivismo e
ao evolucionismo” (idem, p.25), tendências que são conciliadas nas bases da cultura
historiográfica da virada do século e suas consequências até meados da década de
1920.

Pensar a ciência e história foi uma característica marcante na metade do século XIX e
princípios do século XX, visto que escrever e problematizar a nação se caracterizava
como um momento histórico e preciso da sua construção, prerrogativa que movia o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) como um lugar de onde
emanavam, as problemáticas legitimadores de uma cultura historiográfica, uma
maneira própria, “eminentemente restrita” e “excludente”, de sistematizar e definir
uma história para a nação brasileira. (GUIMARÃES, 1988).

A busca pela cientificização foi recorrente na primeira metade do século XIX


fazendo-se sentir pela criação do IHGB como parte de um vasto projeto das ‘elites
políticas’ que naquele momento se comprometiam em forjar simbolicamente a
Nação estendendo-se a criação de várias outras instituições. O IHGB é uma
instituição cultural que foi fundada em 1838, de cunho científico cultural, foi
inspirado no modelo francês – Instituto Histórico de Paris, fundado em 1834 - com
quem manteria imenso contato. O recrutamento aos quadros sociais do Instituto,
segundo os estatutos, dava-se principalmente por via das relações sociais
(GUIMARÃES, 2010, p. 28).

A construção de um passado definidor de uma identidade nacional levava o


instituto a propor um projeto de soberania nacional que não evidenciasse rupturas
com o passado. O projeto do IHGB deveria ser o embrião da escrita da história da
nação brasileira, algo que pudesse ser revelado segundo os parâmetros da ciência
praticada entre os europeus, tais como: a tradição de civilização e progresso.
Reconstruir um passado segundo um método científico era um caminho
indispensável para a construção da história da nacionalidade. Assim, história e
geografia eram indispensáveis, pois eramespaços onde poderia aparecer a
integridade dos aspectos físicos e sociais, de forma que, “o conhecimento histórico
adquiriu sentido de garantia e legitimidade para decisões de natureza política, para
questões de fronteiras e de identidade” (DIEHL, 1998, p. 33).

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122

A delimitação da noção de um grupo com alguma coesão, que ligados a papéis


sociais e projetos políticos harmonizam e autorizam a produção historiográfica de
um determinado lugar de produção e construção da história brasileira pelo HGB.
Desta maneira, podemos verificar como a tendência da produção de uma ciência
unificadora, embrião da civilização, esteve atrelada à interpretação oficial, sendo
que a partir de tais premissas, não apenas o IHGB, mas também, as demais
agremiações congêneres do país produzirão um tipo de história que servirá para
reiterar e legitimar práticas políticas oficiais da época e em especial dos grupos
ligados a esses estabelecimentos.

O Instituto Histórico e Geográfico Paranaense em princípios do século XX

Partindo do pressuposto que o Instituto Histórico e Geográfico Paranaense (IHGP) é


uma Instituição social que reúne sujeitos criadores de saberes acera da região Paraná
percebemos que estes delinearam as características da história que veio a publico
nas páginas dos Boletins do IHGP, características essas que estiveram presentes na
produção da escrita da história em princípios do século XX, na capital daquele
Estado. A escrita da história edificada no Instituto Histórico Paranaense (IHGP) é
um tema que se insere no campo da história da historiografia.

Nosso estudo se deu a partir da leitura dos Boletins do IHGP – as três primeiras
publicações da agremiação entre os anos de 1918 e 1925 – importante fonte de
estudo da história da historiografia, que ganha sentido quando submetida aos
processos da prática histórica, ou do que CERTEAU(2002) chama de operação
historiográfica. Vale destacar que, de acordo com o autor, são as operações que
regulam a escrita da história e seu caráter científico, tais como: a fabricação de um
objeto, a organização de espaço de tempo e a encenação de um relato. Nessa mesma
direção o conceito de história remete-nos ao significado de: verdade, documento e
estilo.

Os saberes produzidos por aquele Instituto Paranaense já nasceram legitimados.


Filhos, portanto, de um espaço de sociabilidade e produção histórica, a escrita e a
utilização social de seu discurso contem “percepções das representações e das
racionalidades dos atores” (CHARTIER, 2002, p. 10). Tal abordagem lembra que as
produções intelectuais e as práticas sociais são sempre “governadas por mecanismos
e dependências desconhecidos pelos próprios sujeitos” (CHARTIER, 2002, p. 94).

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123

Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção


socioeconômico, político e cultural, implica um meio de elaboração que está
circunscrito por determinações próprias à produção do historiador. É em função
deste lugar que se instauram os métodos que se delineia interesses, que os
documentos e as questões, que lhes serão propostas, se organizam (CERTEAU,
2002).

A construção da historiografia permite manter juntas tradições e contradições sem


que seja estritamente necessário resolvê-las. Para Michel de Certeau (2002), “este
propósito “globalizante” remete a uma vontade política de gerar conflitos e
regulamentá-los a partir de um só lugar” (CERTEAU, 2002, p. 100). O autor
contribui com suas reflexões para pensarmos sobre as restrições impostas ao saber
historiográfico, demonstrando que as práticas constroem e são produtos de lugares,
ou seja, toda linguagem produz particularidades. Como a história é produzida?
Como ela contribui para legitimar a ordem social? Como os sujeitos conseguem
visibilidades históricas com tais práticas? Como estamos vendo o mundo social?

Uma história que concedesse significância e significado ao Paraná era, sem dúvida,
o que movia a produção da escrita da história paranaense no IHGP em princípios do
século XX. A imprensa foi de fundamental importância para a difusão dos ideais da
época, assim como os escritos do Boletim que analisaremos em futuros estudos. A
modernidade, pensamento esse advindo das concepções europeias do século XIX,
também esteve representada nas páginas dos periódicos emanado dos corredores do
Instituto Histórico e Geográfico Paranaense e que devem ter suas análises
aprofundadas no decorrer dos estudos que por ora estamos desenvolvendo.

A necessidade de reformular a elite local atualizando e reforçando seu potencial via


formas de representação historiográfica foi um dos pontos cruciais dessa análise
crítica da historiografia, principalmente no que tange a estrutura do pensamento
histórico sem rupturas, assim como a tendência dos modelos explicativos
conciliadores da cultura historiográfica. As considerações de Westphalen (1983)
sobre a historiografia paranaense revelam o teor da coexistência em seu interior de
‘formas tradicionais e modernas’ (WESTPHALEN, 1983, p. 109). A autora, buscando
construir uma trajetória para a historiografia paranaense, constata que a geração que
funda o Instituto Histórico e Geográfico do Paraná em 1900 (a dos paranistas) é a que
surge a partir da “Revolução Federalista, com os Centenários e os Contestados”
(idem, p. 110).

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124

Algumas discussões sobre ações e representações empreendidas pelos


intelectuaisparanistas de fins do século XIX e início do XX, sua trajetória desse
histórico movimento político-cultural de cunho nacionalista, na formação da I
República, já foi objeto de análise de pesquisadores e pode ser observado, por
exemplo, nas abordagens realizadas em: SOUZA (2002);

Sendo assim, ao trazer à cena a produção dos homens da primeira metade do século
XX, demonstra como ocorreram modificações na configuração da história do
Paraná:

“(...) os elementos formadores da população paranaense tradicional, o português, o


índio e o negro, assim como os novos elementos, principalmente europeus que, a
partir de meados do século XIX, vieram somar-se àqueles, modificando a
composição do quadro demográfico paranaense”. (WESTPHALEN, idem, p.121).

Através da produção histórica dos intelectuais que circulava no Instituto Histórico e


Geográfico Paranaense é possível pensar nas estratégias de imposição de culturas,
revelando faces da centralização em torno de temas, fatos e personagens
considerados ‘seminais’ para a produção da identidade paranaense.

Assim, nas propostas desta agremiação era possível averiguar que tal perspectiva
era uma prática que atravessava tanto a escrita da geografia quanto a escrita da
história. Estudos do discurso historiográfico paranaense de princípios do século XX
podem ser reveladores de algumas práticas desencadeadas no Paraná, pois se
apresentam como um espaço profícuo para debates sobre este tipo de produção
histórica.

Outro discurso presente nos boletins do IHGP trata-se da “consolidação do caráter


nacional pela educação”. Desta maneira tentavam afastar “o estigma da
inferioridade racial”, além do tom dos debates sobre a identidade nacional,
“formatados’, de restrição às diferenças das “múltiplas formas de identificação”,
intimamente ligados a “mistura racial rumo ao branqueamento”,

(...), civilizar o Brasil era como branquear, a cultura era subjugada a uma natureza.
(...) A naturalização do destino é então uma temática que percorre o boletim
histórico o período de 1917-1940, momento em que o Boletim estava sob a direção

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125

ou sob a influência de Romário Martins. (...) Mas, mesmo em um boletim histórico,


tais respostas eram fornecidas por leis naturais (OLINTO, 2013, p. 114).

Os debates levantados em torno dos Boletins do Instituto Histórico e Geográfico


Paranaense suscitam análises sobre o que foi possível ser questionado pela
produção histórica sobre a historiografia paranaense. Neste sentido, foi possível
compreender parte do teor dos debates travados por um ‘grupo’ específico e que
atravessaram os primeiro quarenta anos da produção da agremiação. As intenções e
as propostas apresentadas, já no primeiro Boletim (1918), apontam para o fato de
que tinham a função de analisar e propor soluções para as questões percebidas
como problemas brasileiros, assim como todo o estabilishment intelectual brasileiro
do início do século XX.

Buscando sua caracterização interna e representatividade perante a Nação, os


periódicos, conforme previa o Art. VII de seu estatuto deveria ser capaz de
“publicar o maior número de estudos e dados historiográficos e geográficos
relativos ao Paraná” (Boletim do IHGP, 1918, p. 18). As preocupações em se instituir
no Paraná uma história que o fizesse ser reconhecido aos seus, a si e à Nação
pautava-se na crença no progresso e no desenvolvimento social.

A metodologia empregada consistia em delinear os traços das riquezas minerais,


perfis culturais, a caracterização geológica do solo, folclores, raízes antropológicas, a
geografia e a história. Com relação à organização dos boletins, ficava definido pelo
Estatuto que sua responsabilidade era de incumbência de seu Diretor ou diretores,
que deveriam:

1° - Organisar o plano pelo qual se guie esta publicação;


2° - Divil-a nas secções mais convenientes ao melhor methodo;
3° - Sómente dar publicidade a assumptos da cogitação do Instituto;21
4° - Sómente publicar escrptos por cuja censura se responsabilise;
5° - Fazer trancripções de documentos do seu archivo e de outros, de reconhecido
valor e authenticidade;
6° - Exigir a assignatura dos sócios, ou pseudonymo registrado, deuma maneira ou
de outra com a aexplicação da cathegoria a que o autor pertencer, se for sócio do
Instituto. (Boletim do IHGPR, 1918, Vol. I, p. 20-21 / Estatutos do IHGPR, Da
Revista, Cap. IV, Art. II)

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126

Os Boletins do Instituto Histórico e Geográfico Paranaense podem ser


compreendidos como mosaicos que experimentam a ligação entre diversos pontos
para explicar a quais histórias e quais projetos estavam atrelados os seus
compromissos. Aqui devemos pensá-los - como perspectivas e limites da produção
de um determinado lugar. Para nós, é importante pensar de que maneira o
conhecimento histórico se difunde em determinados espaços culturais à exemplo do
Instituto Histórico e Geográfico Paranaense, para pensarmos de que forma se
construiu um passado produzido e difundido pelo conhecimento histórico. Sendo
assim, cabe ressaltar algumas características destes espaços nos quais os saberes
circulavam e daqueles que promoveram sua difusão, de forma que, o que nos
interessa averiguar são os procedimentos e escolhas históricas da produção
científica através dos quais se realiza a construção do conhecimento histórico
brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um novo Paraná começou a ser escrito a partir do ano de 1900 de forma que este
passou a ser apresentado segundo os parâmetros da modernidade que se alargava
no processo de reestruturação dos padrões da sociedade brasileira de princípios do
século XX. Os debates sobre a institucionalização de uma cultura histórica no Brasil
nos despertou interesse sobre a importância dos procedimentos do conhecimento e
da pesquisa histórica desencadeada no Paraná.

Sendo assim, através da pesquisa da escrita da história de um grupo que se organiza


e pensa uma cultura de forma a institucionalizá-la, legitimando e integrando os
paranaenses em torno de uma história específica e uma maneira histórica de
organizar o passado e o mundo social. Testemunhos oculares dessa historiografia,
os homens que angariavam seus esforços em torno dos debates e atribuições que
lhes reservava os trabalhos do Instituto Histórico e Geographico Paranaense (IHGP),
deveriam fazer uma série de reportagens históricas para informar ao Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB): os nuances da geografia, cultura,
economia, história, ou seja, todo um rol de acontecimentos e procedimentos que
buscavam legitimar a história do Paraná e sua integração ao nacional.

Neste sentido, nos coube refletir sobre quais compromissos foram assumidos e
também sobre qual tradição cultural esses homens que frequentavam o IHGP
buscavam pertencer e preservar através de suas práticas culturais, à exemplo da

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127

publicação de seus boletins. Sem história, além da cultura, elite, progresso,


modernidade, também perdem o significado, o passado, a tradição, seus tutores e
guardiões.

REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS:

Megi Monique Maria Dias: Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História


da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO/GUARAPUAVA/PR);
Graduada em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO/GUARAPUAVA/PR); Especialista em Educação pela Universidade
Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO/ GUARAPUAVA/PR);

Boletim do Instituto Historico e Geographico Paranaense, Curitiba: Livraria Mundial,


Vol. I, 1918.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2002.
CHARTIER, Roger. A beira da falésia: a história entre a certeza e inquietudes. Porto
Alegre, Editora: UFRGS, 2002.
CHARTIER, Roger. A beira da falésia: a história entre a certeza e inquietudes. Porto
Alegre, Editora: UFRGS, 2002.
DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica brasileira – Do IHGB aos anos
1930, Passo Fundo: EDIUPF, 1998.
GOMES, Angela de Castro. História, Ciencia e historiadores na Primeira
República. In: HEIZER, Alda; VIDEIRA, Antonio Augusto Passos. Ciência, Civilização
e República nos Trópicos, Mauad/Faperj, Rio de Janeiro, 2010.
GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional.Estudos
Históricos, n. 01, Rio de Janeiro, 1988, pp. 5-27.
______________. Para reescrever o passado como história: o IHGB e as Sociedades
dos Antiquários do Norte. In: HEIZER, Alda; VIDEIRA, Antonio Augusto Passos.
Ciência, Civilização e Império nos Trópicos. Access editora, Rio de Janeiro, 2010.
OLINTO, Beatriz Ancelmo. Pontes e Muralhas – Diferença, Lepra e Tragédia no
Paraná do inicio do século XX. 2ª, Editora Unicentro: Guarapuava, 2013.

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128

SOUZA, Fabrício Leal. Nação e herói: a trajetória dos intelectuais


Paranistas.(Dissertação – Mestrado em História) - Faculdade de Ciências e Letras de
Assis – Universidade Estadual Paulista, Assis, 2002.
WESTPHALEN, Cecília Maria. Historiografia Paranaense. Posse e conferencia no
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 26 de outubro de 1983. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, P. 105-127.

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129

A PERFEITA MULHER CASADA NAS INSTRUÇÕES DO


FREI LUIS DE LEÓN NO SÉCULO XVI, REFLEXÕES PARA
UM DEBATE
Lidiana Emidio Justo da Costa

A obra A Perfeita Mulher Casada foi publicada em 1583, sendo uma espécie de
manual de instrução para Maria Varela Osório por ocasião de seu matrimônio.
Tratava-se de uma senhora pertencente a uma elite local da cidade de Salamanca
(Espanha). O Frei Luis de León, baseando-se em textos bíblicos sobre o
comportamento da mulher no lar e no meio social, acabou construindo e
reafirmando naquele momento, a postura da Igreja Católica tridentina sobre sua
concepção sobre o modelo feminino ideal.

Luis de León, nascido em Belmonte, e frei agostiniano formou-se bacharel em


teologia pela universidade de Salamanca. Possuía uma sólida formação intelectual,
dedicando-se durante sua vida a escrever poesias voltadas para a moral cotidiana,
odes de cunho religioso e também traduções.

Em suas aulas costumava defender o conceito de “verdade hebraica”, ou seja, o


sentido ante escolástico frente a Vulgata de São Jerônimo. Entre os anos de 1572 a
1576, foi preso pela Inquisição devido às acusações dos dominicanos e dos
Jerônimos, baseados nos seguintes argumentos- que o mesmo explicava o Cânticos
dos Cânticos em língua romance; priorizava o texto hebraico em detrimento da
Bíblia, escrita em latim (o que, de acordo com seus acusadores, invalidava
a Vulgata) e de ater-se ao sentido literal da Bíblia ao invés dos sentidos alegóricos.
Quando saiu da prisão, voltou a lecionar na Universidade de Salamanca e avançou
nos seus estudos e interpretações.

Com vistas à compreender o seu tempo é necessário recordar que a Igreja Católica
introduziu na sociedade a mentalidade da castidade e continência, e no que tange ao
universo feminino, construiu uma série de regras de comportamentos pelas quais
toda mulher dita “decente” deveria se orientar e as que não atentassem para os
aconselhamentos seriam consideradas pecadoras e perigosas (PRIORE, 1993).

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130

A visão pedagógica visando disciplinar a sexualidade feminina, chama atenção pelo


fato de que esses sermões eram escritos por homens dedicados aos ofícios
sacerdotais, como foi o caso do Frei Luis de León e de outros religiosos, seus
contemporâneos. São Ambrósio, nesse sentido, justificava a submissão da mulher
dizendo- “Adão foi induzido ao pecado por Eva e não Eva por Adão, sendo justo
que aquele que foi induzido ao pecado pela mulher seja recebido por ela como um
soberano” (PRIORE, 1993, p. 128).

Nessa mesmo viés de discursos disciplinadores, a pesquisadora Priore (1993)


descreveu a opinião de um eclesiástico que analisava a mulher como: “desviante
com olhos de serpente, mãos de harpia, voz de sereia e coração de fúria” (1993,
p.129).

Portanto, como se pode perceber pelo teor dos discursos desses religiosos, as
mulheres precisavam ser “adestradas”, pois, grande perigo advinha de alguém tão
encantadora e ao mesmo tempo considerada pelas vozes masculinas- desviantes.
Assim, como contraponto à mulher “perigosa”, vista como a própria encarnação de
Eva, a igreja irá exaltar a mulher casada, doadora e submissa como foi a construção
da imagem de Maria, ícone de mãe devotada e abnegada.

Percebe-se essa visão dualista nas recomendações do frei à Maria Varela Osório, ele
deixou transparecer nas linhas endereçadas a esta senhora, o que sentia em relação
àquelas mulheres que não se enquadravam nas prédicas normatizadoras da igreja:

“A má mulher é chaga mortal e destroça o coração. A mulher que não dá prazer ao


marido é como o corte das pernas e decaimento das mãos. A mulher deu início ao
pecado, e por sua causa morremos todos” (LEÓN, 1996, p. 20).

Da mesma forma que execrava essas mulheres pelos seus comportamentos


considerados desviantes, tal como num receituário médico, prescrevia como
deveriam se comportar àquelas que quisessem agradar a Deus e ao marido:

“Porque servir ao marido, governar a família, a criação dos filhos, a conta que junto
com tudo isso se deve ao temor a Deus, a guarda da limpeza da consciência, tudo o
que pertence ao estado e ao oficio da mulher casada, são obras que requerem cada
uma por si muito cuidado” (LEÓN, 1996, p. 13).

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131

Essa mulher atenta ao seu lar, devotada à família, criação de seus filhos, bem como
dedicada em servir ao marido e temente a Deus, fazia parte do projeto reformista da
Igreja Católica, que enxergou na figura feminina uma aliada, no que tange à
transmissão dos valores cristãos a uma futura geração.

Foram discursos como estes que ao longo do tempo se cristalizaram no imaginário


social, aprisionando a mulher na esfera do lar, negando-lhe o sentimento de sujeito
de sua própria história.

E dessa maneira, surgiu a imagem sagrada da “santa-mãezinha”. Onde Eva foi


contrastada à Maria, modelo de maternidade e da pureza, sublimado pelo
catolicismo. Com isso, observa-se que o cristianismo ressuscitou Maria com
evidentes propósitos de exaltar um tipo ideal de feminilidade.

Discutindo esta questão, Pauline Schmitt-Pantel afirmou que:


“[...] Maria, a partir de então o ideal de mulher no cristianismo é a encarnação da
nulidade, apagamento; a negação de tudo quanto constitui a individualidade
superior: à vontade, a liberdade, o caráter” (2003, p.147).

Este ideal feminino ressuscitado pelo cristianismo fez com que surgissem códigos de
condutas severos para a mulher, os quais podem ser percebidos no teor do discurso
do Frei León.

Refletindo sobre essa questão, é possível identificar no cristianismo um conflito


eterno entre masculinidade e feminilidade, sendo a mulher, analisada como um
canal pelo qual adentrou o pecado no mundo e responsabilizada “por toda desgraça
humana [...] obrigada a ser submissa ao homem, e eternamente pagar por sua dívida
irremediável e milenar” (LEMOS, 2007, p. 4).

Por outro lado, ao homem coube o privilégio de ser a representação do próprio


Deus. A construção social e cultural dessa concepção acaba também exigindo do
homem comportamentos singulares, tais como atitudes másculas, ser o provedor da
casa e proteger a mulher, apresentar-se forte e por vezes grosseiro (LEMOS, 2007).

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132

As consequências dessa construção cultural ainda se faz sentir na


contemporaneidade, mesmo reconhecendo as conquistas e avanços das
reinvindicações pela inserção da mulher na sociedade. Ainda é perceptível em
pequenos gestos e discursos cotidianos, o quanto fomos influenciados por um certo
modo judaico-cristão de conceber a mulher.

Analisar a obra do frei Luís de León (homem medieval e pós-renascentista), é


mergulhar num universo no qual era imprescindível silenciar e adestrar os corpos
femininos, algo totalmente impensável para uma mulher do século XXI, mas como
bem afirmou Mariano “não há autor nem livros superados, se pensados em
determinadas épocas e contextos de escrita” (2011, p. 11).

À vista disso, leiamos o que disse o Frei Adalberon de León,

“Para que se enfeita a mulher casada? Porque, para dizer a verdade, a resposta é
amor próprio desordenado, apetite insaciável de vã excelência, cobiça feia,
desonestidade arraigada no coração, adultério, baixeza, delito que jamais cessa [...]
Oh, nojo, oh fedor, oh torpeza!” (León, 2006, p. 60).

Como se pode perceber pelo teor inflamado do discurso do religioso, é perceptível


sua indignação com mulheres casadas vaidosas, ato que, segundo ele, era um
demonstrativo dos “maus desejos” guardados no íntimo desse tipo de mulher,
conduta que dentre outros adjetivos, beirava à torpeza.

Pontos de vistas como este, mostram que o corpo feminino é, desde muito tempo,
objeto de encantamento, atração e prazer. Um corpo que, por vezes, tendia a ser
chave para a perdição, e outras, devoção.
Nesse sentido, é importante ressaltar que o estudo sobre mulheres, abundou em
meados da década de 1970. Momento fértil no campo das pesquisas, tendo em vista
que foi um contexto no qual avançaram os protestos e questionamentos das
feministas ao redor do mundo, promovendo debates plurais no meio acadêmico, a
respeito de temas, como- cultura/raça/etnia.

Essas reflexões proporcionaram mudanças/rupturas na historiografia e na


concepção do sujeito histórico. Atentando para os novos objetos, novas abordagens

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e novos sujeitos. Considerando, como bem advertiu Burke, a “heteroglossia da


história” (1992, p. 15).
Essa heteroglossia citada por Burke (1992) refere-se às várias vozes dos sujeitos
históricos, que, de acordo com o autor, são democráticas, por procurar respaldar
homens e mulheres vistos como excluídos. E, esta possibilidade de atentar para um
campo que precisa ser encarado com um outro olhar, abre leques de possibilidades
para o pesquisador, dando mostras de que a história tradicional ou Rankeana, que
se centrava nos grandes nomes, guerras e relações diplomáticas, é uma perspectiva
analítica que merece ser criticada e revisitada.

Notadamente sem desconsiderar suas produções teóricas, mas pô-las à prova não as
tendo como verdades inquestionáveis. Partindo do pressuposto de que: “A história
que se ‘aprende’ não é aquela ensinada nos bancos escolares. Não há verdades
absolutas, nem conhecimento histórico eterno ou imutável” (SINOTI, 2005, p.37).
Alguns pesquisadores que se debruçaram sobre a temática avançaram em alguns
questionamentos, desconstruindo pressupostos arraigados, bem como trazendo
outras problemáticas para o debate.

No estudo As mulheres e os silêncios da história, da historiadora Michelle Perrot (2005),


obra publicada originalmente entre 1974 e 1998, em revistas especializadas, a autora,
partindo de uma reflexão crítica a respeito das produções bibliográficas,
eminentemente masculinas sobre as mulheres, procurou escrever uma nova história
na qual as mulheres falassem, ou seja, fossem sujeitos.

Analisando os espaços ocupados pelas mesmas, tais como o ambiente privado do


lar, o trabalho e as mulheres nas cidades, Perrot (2005) questionou os silêncios das
narrativas masculinas, as quais negligenciavam a importância das mulheres no
processo histórico das sociedades. A partir da obra História das mulheres no
Ocidente (publicada originalmente entre 1990 e 1992), organizada em cinco volumes
com o pesquisador Georges Duby, entre o final dos anos de 1980 e início dos anos
de 1990, a autora avançou nos estudos críticos e na produção de uma nova história
sobre as mulheres.

Nessa mesma linha analítica cabe destacar outros estudos relevantes sobre o tema.
EmRebeldia e submissão: estudos sobre a condição feminina, de Albertina Costa e Cristina
Bruschini (1989), as autoras fizeram uma reflexão sobre a condição feminina e as
tramas sociais que as mesmas estavam inseridas. Para isso, apropriam-se de

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134

conceitos importantes para a análise, como: o imaginário, as representações, as


mentalidades e saberes em torno da sexualidade feminina, procurando perceber na
construção da identidade individual as relações, muitas vezes problemáticas, entre
os gêneros.

Na mesma direção, na obra: Gênero: uma categoria útil para a análise histórica, de Joan
W. Scott (1989), a pesquisadora trouxe, na década de 1980, muitas reflexões para o
debate, ao questionar a clássica concepção ocidental a respeito da oposição tida
como universal e atemporal entre homem e mulher (PISCITELLI, 2002).

Embora não negando as diferenças entre os dois sexos, Scott inovou ao procurar
trazer para o centro dos debates as relações culturais construídas nas sociedades ao
longo do tempo sobre o homem e a mulher. Ela observou ainda que as relações
entre gênero e poder estão imbricadas, levando à reflexão de que as relações de
gênero passam pelo crivo da vigilância. É importante salientar que a autora foi
muito influenciada pelos estudos de Michel Foucault (1988) sobre sexualidade.

Influenciados pelos estudos sobre mulheres e as novas perspectivas de abordagens


tem-se a obra: Ao sul do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil
colônia, de Mary Del Priore (1993), fruto de sua tese de doutoramento. Nesse
trabalho, a autora faz uma reflexão acerca do processo civilizatório europeu no
século XVI e da orientação da Igreja Católica tridentina sobre a normatização das
condutas, corpos e hábitos do público feminino.

Priore (1993) resgata ainda a história do Brasil colonial, atentando para o


comportamento feminino em relação à vigilância dos costumes, bem como as
brechas encontradas por muitas mulheres para burlar essas normatizações. É
importante observar nesse estudo a abundância de fontes sobre mulheres no
período seiscentista e a preocupação da autora em demonstrar os discursos da
medicina e da igreja coadunados em demonstrar a inferioridade das mulheres na
sociedade.

Já nas obras O corpo feminino em debate, de Maria Izilda S. Matos e Rachel Soihet
(2003);Gênero e História: homens, mulheres e a prática histórica, de Bonnie G. Smith
(2003);Traduzindo o debate: o uso da categoria de gênero na pesquisa histórica, de Joana
Maria Pedro (2005), pode-se perceber a preocupação dessas autoras em melhor
problematizar as perspectivas de gênero.
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135

Nota-se, nos trabalhos mencionados, que houve uma preocupação em trazer para o
debate os discursos dos sujeitos masculinos e as continuidades ao longo dos séculos-
da visão preconceituosa sobre as mulheres, caracterizando-a muitas vezes como
o sexo frágil, razão que justificaria sua submissão na família ao patriarca ou até seu
baixo salário em relação aos homens. Afinal o corpo feminino, dito frágil/sensível,
nesses discursos, destoavam e burlavam as respectivas concepções, seja
demonstrando uma falsa sujeição ou mesmo rompendo os paradigmas (PRIORE,
1993).

Nesse aspecto, é importante chamar atenção neste trabalho, para a continuidade de


pensamentos e comportamentos que foram construídos pela cristandade ocidental,
dos quais, sofremos inegável influência.

Entendendo, segundo afirmou Jean Delumeau (1989), que a influência da religião


judaico-cristã operou no sentido de diabolizar o corpo feminino. Isso explicaria,
segundo o autor, o enraizamento das ideologias machistas que continuam vivas no
imaginário da sociedade ocidental, como explicitado anteriormente.

Levando-nos a compreender que um certo Benedict, teólogo medievalista do século


XV, referenciado por Delumeau (1989, p. 328), tenha em sua época alertado para os
estigmas dos sentidos sexuais que o nome mulher carrega, dizendo: “MVLIER, M: a
mulher má é o mal dos males; V: a vaidade das vaidades; L: a luxuria; I: a ira das
iras; E: a fúria das fúrias; R: ruína dos reinos”.

Tal compreensão nos possibilita atentar para os meios utilizados para confinar o
corpo feminino, que, segundo o medievalista, levariam a “ruína dos reinos”, ou a
perdição do homem. A solução dos doutrinadores católicos, era impor à mulher a
sentença de nulidade, adestrando seu corpo, que era fonte de atração, pelo dito sexo
forte (o homem). Corpo que exalava odores e apresentava secreção menstrual, por
fim, um corpo que tinha a capacidade de gerar um outro ser Delumeau (1989).

Portanto, entre atração e repulsa, é ao mesmo tempo compreensível que a anatomia


feminina durante séculos tenha perdurado nas pautas das discussões de teólogos,
filósofos e médicos preocupados em desvendar o mistério de tal fisiologia.

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136

Roy Porter (1998) diz que na antiguidade Aristóteles e seus seguidores, afirmaram
que as mulheres “eram machos defeituosos e monstruosos, seres nos quais a
genitália (designada para ser do lado exterior do corpo), “por falta de calor e de
força, falhou na extrusão” (1998, p.130).

Com sua natureza mais fria e mais fraca, e sua genitália contida internamente, “as
mulheres eram essencialmente equipadas para a criação dos filhos, não para uma
vida racional e ativa dentro do fórum cívico” (1998, p.130). Como temos discutido
até o momento, ao longo dos séculos construiu-se um imaginário no qual o corpo
feminino era concebido de diversas formas pejorativas, inclusive visto como
“homens imperfeitos”, uma cópia mal formada do homem. Justificativa biológica
que só veio a ser questionada em séculos vindouros.

Sendo assim, não é de se estranhar o discurso de ojeriza do Frei Luís de León (não
custa recordar, marcado por uma visão de mundo ao qual estava inserido) sobre a
mulher que se negava a ser a boa-esposa-mãe-dona-de-casa- “Oh, nojo, oh fedor, oh
torpeza!” (2006, p. 60). Tendo em vista que a representação que se construiu sobre a
mulher sempre foi marcada pela inferiorização ou demonização. Dessa maneira,
àquelas que não se adequassem ao padrão normativo cristão-católico, eram
rechaçadas e vítimas de mexericos e olhares enviesados.

Fazendo com que não poucas mulheres ou se adaptassem às regras impostas por
um discurso disciplinador ou fingissem uma acomodação. As que burlavam tais
prédicas, muitas vezes aproveitavam-se das brechas cotidianas para viver segundo
suas próprias regras, ainda que sob alguns disfarces ou não.

Teria Maria Varela Osório, destinatária dos conselhos do Frei Adalberon de León,
escolhido seguir qual itinerário de vida, o da Perfeita Mulher Casada ou mascarar sua
conduta “imperfeita” nas intricadas teias das relações sociais do seiscentos?

Referências

Lidiana Emidio Justo da Costa é professora de Ensino Médio da Escola Cenecista


João Régis Amorim, em João Pessoa-PB; Graduada em História pela Universidade
Estadual da Paraíba; Especialista em História do Brasil (Cintep-PB); Mestra em
História pela Universidade Federal da Paraíba e atualmente doutoranda vinculada

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137

ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco, sob a


orientação do professor Dr. José Bento Rosa da Silva. E-mail: leejusto@hotmail.com.

BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992.
COSTA, Albertina; BRUSCHINI, Cristina (Orgs.). Rebeldia e submissão: estudos sobre
a condição feminina. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1989.
DELUMEAU, Jean. O medo no Ocidente: 1300 – 1800. São Paulo: companhia das
letras, 1989.
DUBY, Georges; PERROT, Michelle (Org.). História das mulheres no ocidente: O século
XIX. Vol. São Paulo: EBRADIL, 1991.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. Rio de Janeiro:
Graal, 1988.
LEMOS, Fernanda. "Se Deus é homem, o demônio é [a] mulher!": a influência da
religião na construção e manutenção social das representações de gênero. Revista
Ártemis, v. 6, p. 114-124, 2007.
_______________. A mulher como sujeito de sua própria história. Revista IHU,
Online, n. 210, ano VII, p. 1-4, 5 març. .2007. Entrevista.
LEÓN, LuiS de. A perfeita mulher casada. São Paulo: ESCALA, 2006.
MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero a nossos dias. I Período da
reforma.Trad. Orlando Soares Moreira. Edições Loyola. São Paulo, 1995.
MATOS, Maria Izilda S. de; SOIHET, Rachel (Org). O corpo feminino em debate. São
Paulo: UNESP, 2003.
PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria de gênero na pesquisa
histórica, v. 24, n. 1, São Paulo, 2005.
PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da História. São Paulo: EDUSC,
2005.
PISCITELLI, Adriana. "Recriando a (categoria) mulher?" In: ALGRANTI, Leila
(Org.). A prática feminista e o conceito de gênero. Campinas: IFCH-Unicamp, 2002.
(Textos Didáticos, n. 48).
PORTER, Roy; TEICH, Mikulás. Conhecimento sexual, ciência sexual. A história das
atitudes em relação a sexualidade. São Paulo: Unesp, 1998.

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138

PRIORE, Mary Del. Ao sul do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades


no Brasil colônia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993.
SCHMITT-PANTEL. Pauline. “A criação da mulher” um ardil para a história das
mulheres. In. MATOS, Maria Izilda S. de; SOIHET, Rachel (Org). O corpo feminino em
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SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica, 1ed. 1989.
SINOTI, Marta Litwinczik, Quem me quer, não me quer: Brasília, Metrópole-
Patrimônio. São Paulo: Annablume, 2005.
SMITH, Bonnie G. Gênero e História: homens, mulheres e a prática histórica. São
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139

UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE O TRATAMENTO


MENTAL NO BRASIL DO SÉCULO XX A PARTIR DA OBRA
“HOSPÍCIO É DEUS – DIÁRIO I” DE MAURA LOPES
CANÇADO
Edivaldo Rafael de Souza

Esta comunicação ampara-se no livro Hospício é Deus – diário I, da escritora mineira


Maura Lopes Cançado, para fazer uma breve análise de como era o tratamento
mental no Brasil durante o século XX. Considerando esse ponto, o principal objetivo
é, portanto, discorrer sobre e compreender como os pacientes eram atendidos em
hospitais psiquiátricos da cidade do Rio de Janeiro durante o período supracitado.
A principal justificativa para este estudo é a obtenção de um maior conhecimento
sobre a escritora em questão, bem como a discussão dos mecanismos de tratamento
direcionados aos doentes mentais, este que é um importante tema permeado na
sociedade brasileira.

Para a análise nessa comunicação, além do livro da escritora em foco, lançou-se mão
também de obras que discorrem sobre as instituições para doentes mentais no
Brasil.

Maura Lopes Cançado é natural de São Gonçalo do Abaeté-MG. Ainda na infância,


a família descobriu que ela possuía problemas mentais. Entretanto, foi na
adolescência que ela se internou pela primeira vez em uma clínica para doentes
mentais, em Belo Horizonte. Posteriormente, ela se muda para o Rio de Janeiro,
onde passa a frequentar diversos hospícios. Dentro deles, escreveu um diário
intitulado “Hospício é Deus – diário I”, no qual rememora a sua infância e
adolescência e faz relatos sobre o tratamento recebido por ela e pelas outras
pacientes nas instituições pelas quais passou.

A primeira vez em que se discutiu sobre a construção de um local que abrigasse os


doentes mentais no Brasil foi durante o Brasil Império Segundo Machado (1978, p.
428), através do “[...] decreto de 18 de julho de 1841, criando o Hospício de Pedro II
[...]” (MACHADO, 1978, p. 428). Em 1852, foi inaugurado o primeiro local destinado
a pacientes mentais, chamados naquela época de “loucos” ou “alienados”. De

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acordo com Sêrro (2006, p. 16) esse foi “[...] o marco institucional da assistência
psiquiátrica no Brasil, exatamente por ter sido o momento histórico em que se
inaugurava o primeiro espaço especificamente destinado aos loucos”.
Posteriormente surgiriam diversas outras instituições, principalmente durante o
período inicial da Primeira República.

Em relação às etapas as quais eram levadas uma pessoa a se ingressar em um


hospício, pode-se levar em consideração que não era somente quem sofria com
doenças mentais que ia parar lá dentro. Nessa época, a sociedade tentava retirar do
convívio dos demais aqueles que eram tidos como pessoas indesejáveis: alcoólatras,
usuários de drogas, órfãos, “mães solteiras”, enfim... Havia uma série de fatores que
poderiam contribuir para que uma pessoa fosse parar em um hospício. A exemplo
disso, segundo Arbex (2017, p. 25) no hospital Colônia em Barbacena – MG, “(...) a
estimativa é que 70% dos atendidos não sofressem de doença mental. Apenas eram
diferentes ou ameaçavam a ordem pública”.

No livro Hospício é Deus – diário I, Maura começa descrevendo o hospício como uma
cidade triste, onde pessoas eram retiradas de sua identidade, seja visual, seja
comportamental. Todas as internas utilizavam a mesma vestimenta com uma
numeração para que ficasse mais fácil a identificação e a contagem das internas.
Considerando isso

“(...) o hospital é visto como o grande responsável pelo estado de degradação em


que os internos se encontram: em função do isolamento e privações que impõe a
seus abrigados, ele dilui suas identidades e os ‘cronifica’ como doentes” (LOUGON,
2006, p. 108).

Cançado (1979, p. 33) descreve que a instituição em que estava internada “se
compõe de seis edifícios, abrigando, normalmente, creio, dois mil e quinhentos
habitantes (não estou bem certa do número)”. É importante notar que tais locais de
internações, comumente, possuíam um grande número de pessoas. Visto que, como
já foi dito aqui nesse texto o espaço era utilizado para o “tratamento” de vários tipos
de pacientes.

Ela denuncia que os médicos quase não compareciam ao local, deixando quase tudo
a cargo das enfermeiras e também dos outros funcionários. Em uma passagem

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Maura conta que “Os médicos são de uma incoerência escandalosa; por mais que
queiram negar, estão de acordo com os ‘castigos’, aprovam-nos ou mandam até
mesmo aplicá-los (CANÇADO, 1979, p. 85). Entrementes,

“[o] paradigma psiquiátrico clássico transforma loucura em doença e produz uma


demanda social por tratamento e assistência, distanciando o louco do espaço social e
transformando a loucura em objeto do qual o sujeito precisa distanciar-se para
produzir saber e discurso” (AMARANTE, 1995, p. 46).

Dessa forma, durante o século XX no Brasil, havia várias instituições que


mantinham os doentes mentais longe da realidade além dos muros e do convívio
social.

Em sua narrativa, Maura também dá voz a pessoas que estavam ali esquecidas por
tudo e por todos, sempre discorrendo sobre outras pacientes e o que acontecia com
elas dentro do hospício, em um trecho de seu livro, Maura fala de Durvaldina.

“Durvaldina tem um olho roxo. Está toda contundida. Não sei como alguém não
toma providência para que as doentes não sejam de tal maneira brutalizadas. Ainda
mais que Durvaldina se acha completamente inconsciente. Hoje fui ao quarto-forte
vê-la. (...) Durvaldina abraçou-me chorando, pediu-me que a tirasse de lá. O quarto
é abafadíssimo e sujo. Fiquei mortificada, perguntei-lhe se sabia quem lhe batera, e
ela: ‘- Não. Alguém me bateu?’.” (CANÇADO, 1979, p. 127).

Em relação aos tratamentos oferecidos, Maura discorre sobre vários procedimentos


que eram utilizados, dentre eles a eletroconvulsoterapia, com o uso do temido
eletrochoque. Em determinado episódio a autora relata:

Fiquei na sala de eletrochoques ajudando dr. A. Enquanto a enfermeira carregava as


doentes para o dormitório, nós dois mudávamos as posições das camas, trazíamos a
cama vazia para perto do aparelho, empurrávamos a outra, onde a doente se achava
inconsciente (CANÇADO, 1979, p. 184).

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A alimentação dentro dessas instituições era de péssima qualidade, além disso,


geralmente, faltava higiene nos locais de preparo e distribuição. Maura ao escrever
sobre isso revela detalhes.

“(...) à hora do almoço o refeitório vibra, frenético e nauseante. Uma, rasgada, dança
com o prato na cabeça. Outra come ávida, mastigando de boca aberta, a gordura
escorrendo-lhe pelo queixo. Falam, cantam, brigam, riem” (CANÇADO, 1979, p. 78).

Maura Lopes Cançado encerra o livro com uma frase em que desabafa sobre tudo
aquilo que estava enfrentando. “Como é desolador perder a fé nas pessoas a quem
amamos. Como é terrível ficar sozinha. E como é desgraçado estar na situação em
que estou” (CANÇADO, 1979, p. 201).

Diante da exposição constada neste estudo, é possível concluir que o tratamento


mental brasileiro durante o século XX muitas das vezes era cerceado em torno de
práticas abusivas e autoritárias em relação aos pacientes, uma vez que esses eram
constantemente agredidos, seja de forma física, seja de forma psicológica,
simplesmente porque estavam internados em hospícios. Alguns, inclusive, não
possuíam nenhum problema mental. Os “tratamentos” oferecidos também eram
arcaicos e deixavam marcas que seriam levadas por toda vivência dos(as) pacientes.
Com o passar dos anos até a atualidade, os tratamentos foram sendo modificados.
Em 2001 foi instituída no Brasil a Lei Nº 10.216, 6 de abril de 2001, lei esta de suma
importância, também conhecida como lei antimanicomial. Todavia, é de comum
acordo que são necessárias cada vez mais novas e eficazes políticas públicas que
possam assistir não só os doentes mentais, mas também os seus familiares,
garantindo a ambos os seus direitos enquanto cidadãos e a sua dignidade enquanto
indivíduos.

REFERÊNCIAS:

Graduado em História pelo Centro Universitário de Patos de Minas – UNIPAM. E-


mail: edivaldorafael007@gmail.com

AMARANTE, Paulo. (coord.) Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no


Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1995.

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143

ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. 4. ed. São Paulo: Geração Editorial, 2013.
CANÇADO, Maura Lopes. Hospício é Deus: diário I. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica,
1979.
_____. O sofredor do ver. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
LOUGON, Maurício. Psiquiatria institucional: do hospício à reforma psiquiátrica. 20.
ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006. (Coleção Loucura e Civilização).
MACHADO, Roberto. et al. Danação da norma: medicina social e constituição da
psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
SÊRRO, Raquel Brandão do. Maura Lopes Cançado: lúcida, lírica e louca. 2006. 44p.
Monografia de Graduação em Letras, Centro Universitário de Patos de Minas
(UNIPAM), Patos de Minas – MG, 2006.
Lei Nº 10.216, 6 de abril de 2001: Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde
mental. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm>. Acesso em: 28
nov. 2018.

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A PRAGA VOLÁTIL E OUTROS INFORTÚNIOS


ENTOMOLÓGICOS NA HISTÓRIA DO BRASIL
Márcio Mota Pereira*

RESUMO

Para uns, as Índias das sedas e das especiarias. Para outros, um paraíso na Terra. As
primeiras descrições da América portuguesa refletiam, na Europa, as maravilhas de
um novo mundo descoberto no além-mar, o qual era possuidor das mais
extraordinárias matas e de promissoras riquezas naturais. Ao longo dos anos,
contudo, o homem viu que era necessário se adaptar ao clima e às condições da
terra para que ali pudesse fixar residência. Dos vários empecilhos que por aqui
encontrou a microfauna, representada por milhares de espécies de insetos,
mostrava-se como um dos mais difíceis de vencer. É nossa intenção expor através
deste artigo e utilizando-nos de memórias e outros relatos históricos a relação do ser
vivente na América portuguesa para com o universo entomológico que o cercava de
modo a verificar como o mundo natural foi apropriado nos momentos convenientes
ou admoestado, como o foi na maioria das vezes.

PALAVRAS CHAVE: Insetos. Brasil colônia. História e meio ambiente.

Novos insetos num Novo Mundo

A diversidade natural da América portuguesa – sobretudo sua riqueza botânica –


foi, durante séculos, alvo da curiosidade e cobiça por parte das Nações europeias. O
transito de pessoas que afluíram ao novo continente desde que seus primeiros
relatos foram disseminados no Velho Mundo foi algo inédito e jamais visto; um
quadro que pode ser pensado pela sua grandiosidade perante números
significativos de migração e que são inexistentes em qualquer outro êxodo jamais
visto. Refletiam, para muitos, se não a busca pela fuga da pobreza e a miséria
europeias, ao menos a cobiça e o ensejo do enriquecimento ou da reconstrução da
vida em um novo ambiente, quase que sem se reportar ao passado.

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Por mais boçal ou letrado que o homem europeu residente na América fosse, o
mundo que descortinava à sua frente era visto, na maioria das vezes, como ímpar e
belo, e deveras deveria fazer surgir na mente daqueles que estavam prestes a
adentra-lo sentimentos de admiração e de curiosidade. A possibilidade do
enriquecimento era, como dito, a força motriz que moveu milhares de colonizadores
nos primeiros três séculos, e não por poucas vezes as terras do Novo mundo foram
descritas de forma onírica, “uma verdadeira geografia das maravilhas” (FURTADO,
2008, p. 21), sendo o relato de Pero Vaz de Caminha, o primeiro dos muitos que
funcionavam como combustível para as grandes levas de aventureiros que aqui
aportavam.

A chegada à América era precedida de uma longa viajem, a qual poderia facilmente
demorar três meses, de acordo com a vontade dos ventos e das marés. O mar-
oceano, ainda muito desconhecido até finais do século XVI parecia mostrar, a
muitos dos marujos, um misto de grandiosidade, fúria e perigos transfigurados em
monstros e serpentes marinhas, sereias, fossas oceânicas e tempestades que
facilmente poderiam fazer naufragar toda uma armada.

Já na América, o contato com o mundo natural deveria ser tão magnífico quanto os
relatos paradisíacos de Cabral, Mestre João ou do Piloto Anônimo. A natureza que
se descortinava, apesar de bela e grandiosa, também faziam despertar no europeu
recém-chegado sentimentos de medo e repulsa, a exemplo dos muitos relatos de
agruras por que passaram vários destes durante suas estadas em nossas terras. Das
frondosas matas poderia surgir o perigo do encontro com onças e com índios
bravios. Serpentes peçonhentas despertavam o medo e o asco. Os insetos, muitos
dos quais não menos perigosos, igualmente eram vistos como grandes empecilhos à
permanência e ao sucesso do homem europeu na América.

Este artigo tem como objetivo avaliar como se deu o contato da população europeia
com o mundo dos insetos na América portuguesa. Utilizaremos, para tanto, crônicas
e relatos escritos após o descobrimento da América portuguesa, pela importância dos
mesmos enquanto “certidões de nascimento” da terra, através dos quais eram
reveladas não apenas suas maravilhas, mas também os fatores que atemorizavam os
europeus.

Curiosamente, as três primeiras fontes relatando o encontro dos europeus com as


terras que seriam o futuro Brasil, publicadas por Caminha (1963), pelo Piloto

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Anônimo e por Mestre João não nos remetem ao assunto demonstrando


(CANTARINO, 2004). Como estes autores estavam vislumbrados com as belezas e a
potencialidade das novas terras, praticamente ignoraram em seus relatos os
incômodos que mosquitos, formigas e outros pequenos animais proporcionavam.

Encontramos, contudo, em outras crônicas quinhentistas aportes sobre a


convivência dos europeus com os agentes entomológicos americanos. Nesse ínterim,
afirmou que toda a terra era

“coberta de formigas pequenas e grandes, estas fazem algum dano às parreiras dos
moradores, e às laranjeiras que têm nos quintais; e se não foram estas formigas
houvera porventura muitas vinhas no Brasil ainda que lá são pouco necessárias
porque deste Reino vai tanto vinho que sempre a terra dele está provida. Também
há muita infinidade de mosquitos, principalmente ao longo de algum rio entre umas
árvores que se chamam mangues” (GÂNDAVO, 2008, p. 72).

Em Hans Staden (1525-1576) – náufrago no litoral de Santa Catarina em 1550 e


prisioneiro dos indígenas tupinambás –, vamos encontrar os primeiros
apontamentos sobre o incomodo que as tungas – “pequenos insetos parecidos com
pulgas” que surgiam “nas cabanas devido à sujeira das pessoas” – causavam.
Segundo Staden, as tungas penetravam na carne e a comiam. Quando eram
extraídos da pele formavam “um nicho arredondado como uma ervilha” e
deixavam “em horrível estado os pés de alguns de nossos camaradas que não lhes
deram atenção” (STADEN, 2006, p. 172). Através de sua descrição, não podemos
propor outro que não o conhecido bicho de pé (Tunga penetrans). Este, mais do que
inúmeros outros insetos seria tanto para Staden quanto para outros estrangeiros
uma das principais causas de incômodos que os afligiam na América portuguesa.
Staden também não deixou, entretanto, de mencionar sobre das abelhas do novo
mundo, comparando-as com aquelas que conhecia – as europeias, possuidoras de
ferrão –, informando ainda de sua importância enquanto produtoras de mel. O
náufrago, em companhia dos silvícolas, frequentemente recolhia meu nas matas,
pelo que legou alguns comentários:
“Muitas vezes vi como as abelhas grudam nos selvagens quando estes colhem o mel
e estão ocupados demais para arrancá-las de seu corpo. Eu mesmo colhi mel nu, e a
primeira vez tive de correr para a água mais próxima, sob fortes dores, e ali lavar-
me para me livrar das abelhas” (STADEN, 2006, p. 173).

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Jean de Lery (1536-1613), em sua Viagem à terra do Brasil, também deixou escritos
sobre o que chamou de tú, “pequenos insetos que vivem na terra e não são maiores
do que as pulgas. Entretanto, depois que penetram na carne, em geral sob as unhas
pé e da mão, provocam forte comichão e faz-se mister extirpá-los imediatamente”,
relato que, assim como aquele pronunciado por Staden, remete-nos ao mesmo bicho
de pé (LERY, 1951, p. 143). Curiosamente, assim como Staden, este autor também
teceu comentários sobre as propriedades das abelhas americanas e o modo como os
selvagens aproveitavam seus produtos, o mel e a cera (LERY, 1951, p. 142).

Posteriormente, o religioso José de Anchieta (1534-1597) também registrou em suas


cartas alguns hábitos alimentares dos povos autóctones do litoral de São Paulo:

“Criam-se em canas [bambus] uns bichos roliços e alongados, todos brancos, da


grossura dum dedo, que os índios chamam rahú e costumam comer assados e
torrados. E há-os em tanta quantidade que dele se faz banha semelhante a do porco,
e serve para amolecer o couro e para comer. Destes insetos uns se tornam
borboletas, outros saem ratos que fazem os ninhos debaixo das mesmas canas, e
outros que se transformam em lagartas que devoram as eras” (ANCHIETA, 1984, p.
139).

Há alguns anos, o médico Paulo de Almeida Machado escreveu em um artigo o


quão curioso era observar um “macaco procurando atenta e aplicadamente os
insetos passeando entre os pelos de outro”. Em sua opinião, “um cientista menos
romântico interpretaria a cena comovedora como uma simples procura de
alimento”, uma vez que “insetos são proteína animal, necessária à dieta dos
macacos que levam aos dentes cada um dos bichinhos que encontram entre os pelos
do amigo” (MACHADO, 1987, p. 475),uma cena curiosa que, no entanto, já havia
sido observada outras tantas vezes pelos cronistas que legaram crônicas sobre a
História Natural brasílica, inclusive mencionando tal procedimento entre os gentios,
a exemplo dos relatos do frade franciscano André Thevet (1516-1590) quando, em
viagem pela América portuguesa, em seu primeiro século de ocupação, divertia-se
este religioso vendo os indígenas do Rio de Janeiro tratar seus filhos retirando deste
seus piolhos e logo consumindo-os imediatamente:
“Existe, também a bicharia que nasce sobre os homens, como grandes piolhos
vermelhos que têm por vezes na cabeça. Apanham-nos com tamanho desdém,
quando mordidos ou picados, que se vingam deles com risadas. Conversando com
esses bárbaros, via, certas ocasiões, as mulheres que catavam os insetos na cabeça de

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suas filhas e demais crianças, tantos quanto podiam encontrar, e os comiam em


seguida, além de zombarem de mim quando me punha a rir de tal
vilania” (MACHADO, 1987, p. 475).

Fortuna e infortúnios entomológicos no Século das Luzes

Ao longo dos séculos XVII e XVIII, com a efetiva colonização do território pelos
europeus, é possível constatar por meio de seus relatos que o interior do território,
ainda pouco explorado, era possuidor de uma diversidade de insetos muito mais
plural do que aquela encontrada no litoral. Os integrantes das monções paulistas,
expedições responsáveis pela interiorização da colonização do território e pelo
descobrimento das minas de ouro do Mato Grosso, na fronteira do Vice-Reinado do
Peru, também não deixaram de sofrer as agruras que as matas e os rios causavam
em função da grande diversidade entomológica ali existente, principalmente
quando em percurso na região alagável do Pantanal.

Ao rememorar as notícias de João Cabral Camelo sobre as monções realizadas pelo


ouvidor Lanhas Peixoto através do território dos índios paiaguás, retornando das
minas de ouro do Mato Grosso para São Paulo, Afonso de Taunay (1876-1958)
destaca que “os mosquitos eram tantos naquelas partes que quem não dorme em
rede, e com toldo bem fechado, não sossega nem de dia nem de noite, um só
instante” (Taunay, S/D., p. 33).Posteriormente, na mesma região, novas notícias de
que na região da “[cachoeira] da Escaramuça encheram-se [os homens] de
carrapatos, mosquitos, bernes e de grandes moscas” que, por serem inúmeras e
incômodas, tanto atrasaram a expedição. Um terceiro relato compilado por Taunay,
quando da transposição da [cachoeira] do Itapiru fez ainda referência a “uma
grande nuvem de marimbondos [que se levantou] de dentro do mato, que
mordendo a toda a gente causou lastima, e fugindo cada um para sua porta
cobrindo as cabeças e as mãos com o que puderam” (Taunay, S/D., p. 77).

Ainda que a localização geográfica fosse outra, as adversidades pareciam ser


sempre constantes, o que pode ser verificado quando da leitura de outra famosa
crônica setecentista, o Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas, escrito pelo João
Daniel (1722-1776), padre jesuíta que chegou à São Luiz no ano de 1741, e que em
1757, pouco antes da expulsão por completa da Companhia de Jesus de Portugal e
de Portugal e de seus domínios ultramarinos, foi deportado para a Corte na Europa
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149

e mantido preso durante, quase quinze anos, período que utilizou para transpor ao
papel suas memórias na forma do supracitado livro.

Em sua vivência como catequizador nas florestas tropicais da Amazônia, ambiente


tido à época como pouco explorado, bravio, perigoso e inculto, João Daniel escreveu
sobre as verdades conhecidas e sobre as várias lendas daquele ermo lugar, estas
mais disseminadas, a exemplo das sempre presentes estórias das amazonas, índias
guerreiras que formavam um grande exército sempre pronto para combater
portugueses ou quaisquer outros que ousassem ingressar em seus territórios.
Descreveu ainda, com enorme precisão, os mais terríveis pesadelos amazônicos
transfigurados em insetos, a começar pelos micuins, “os mais pequenos bichinhos”
que “merecem a primeira atenção para a cautela”. “Se apegam ao calçado, e vestidos
talares dos viandantes, e por eles entram no corpo, e sobem às mãos, braços e rostos,
onde com suas pequenas mordeduras causam uma grande
comichão” (DANIEL, 2004, p. 211).

Descreveu ainda o religioso outra praga amazônica, considerada por ele a mais
“enfadonha e caseira”, e que era conhecida na região como tombura, os já
comentados bichos-de-pé. A “admiração” do autor para com esta espécie era devida
a sua capacidade de “furar a roupa e a pele sem se sentir”, podendo migrar pelo
corpo sem que o hospedeiro sentisse sua presença. Para ele, os que andavam
descalços estavam mais sujeitos a esta praga e, ainda assim, eram os que menos
experimentavam os seus efeitos “por se banharem e lavarem repetidas vezes ao
dia” (DANIEL, 2004, p. 212-213).Ressalte-se que outros males semelhantes também
foram observados pelo religioso, como as bernes, que vão comendo a carne e
fazendo-a apodrecer; as bicheiras, descritas como “a maior praga do Amazonas”, e
que poderiam originar-se a partir de qualquer ferida acometendo humanos e,
principalmente, os rebanhos. As baratas também não foram esquecidas e, “sendo tal
sua multidão”, “parece ser aquela região [amazônica] a sua própria terra, e amada
pátria”, e causavam sérios danos como “roerem os papeis e pastas de alguns livros”
e roupas, além de lhes agradarem a “tinta de nanquim”(DANIEL, 2004, p. 212-214).

Outra praga, de maior envergadura, veio a receber um capítulo apenas para si na


obra de João Daniel. O termo “a praga volátil do rio Amazonas” foi utilizado foi
utilizado pelo autor para descrever os mosquitos, os quais pareciam “nuvens e
nuvens”, muitas vezes comparados à “chuva miúda” que todos os dias precipitava
sobre a Amazônia. Variavam de tamanho existindo desde os maios ordinários, “do

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tamanho da ponta de um alfinete”, até os maiores que causavam grande incomodo,


a destarte serem mais fáceis de eliminar (DANIEL, 2004, p. 212-213).

“De dia, nem sinal davam de si, mas ao anoitecer, saem em tanta multidão que
parecem chuveiros sobre os navegantes e passageiros, e tem tal astucia que não só
acometem a cara, mãos, cabeça, e toda a parte que acham descoberta, mas metendo-
se pelas aberturas dos vestidos, investem ao peito, braços, pernas, e todo o
corpo” (DANIEL,2004, p. 212-213).

Outras espécies de mosquitos como as moçorocas, carapanãs e mutucas também foram


descritas por Daniel, que considerou a “grande umidade e calores” ali sempre
presentes como uma possível explicação para justificar a existência de tantas
pragas (DANIEL,2004, p. 215). Outras espécies como lacraias, aranhas, escorpiões e
formigas foram igualmente descritas pelo jesuíta e apontadas como responsáveis
por instaurar o medo e o pavor a quem ousasse viver naquele
ambiente (DANIEL, 2004, p. 234-239).

O próprio aspecto cultural que cercava as populações silvícolas amazônicas e suas


relações com alguns insetos também foi alvo dos comentários de Daniel. Segundo o
autor, algumas nações indígenas tinham por hábito fazer com que seus jovens
provassem sua valentia para que pudessem se casar. Um destes exercícios era
realizado pelos índios da etnia arapiuns, e consistia em

“encher grandes e compridos cabaços de formigas, que chamam saúvas grandes, e


[que são] muito bravas: ferram na carne com tanta ou mais valentia, do que os cães
de fila, com proporção à grandeza destes, e a pequenez delas; porque os cães ao fim
vem a largar, mas as saúvas não largam, ainda que as matem, e antes perderão a
cabeça, ficando com as torqueses cravadas na carne, do que soltarem elas a presa,
por isso usam delas alguns cirurgiões, quando querem coser alguma cicatriz com
segurança, sem usarem pontos” (DANIEL, 2004, p. 236).

Em um exercício comparativo proposto por Daniel, o autor mencionou ainda a


inexistência de percevejos no ambiente amazônico, a exemplo dos que ocorriam com
frequência nas residências do velho mundo (DANIEL, 2004, p. 215). A atmosfera e o
clima distintos, no entanto, faziam com que possuíssem características tão
peculiares, mas que se aproximavam quando ponderados os incômodos causados
por serem tão diminutos e tão inconvenientes. Ressalte-se que a atmosfera e sua
I SIMPÓSIO ONLINE DE HISTÓRIA DOS ANANINS: ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO
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possível influência na fauna local já havia sido estudada por outro religioso da
Companhia de Jesus, o padre José de Anchieta (1534-1597), que chegou a afirmar
que o clima parecia “influir na peçonha nos animais e serpentes, e assim cria muitos
[animais] imundos, como ratões, morcegos e aranhas muito peçonhosas”
(ANCHIERA, 1984, p. 440).

Conclusão

Como conclusão parcial de um estudo que merece maior atenção, procurei colocar
em debate através deste artigo o quanto as relações humanas para com o mundo
natural, especialmente na América portuguesa, estão aquém de serem
compreendidas, pelo que o diálogo acadêmico passível de ser construído a partir
das fontes que tratam dessa especificidade de nossa história pode ser visto como um
grande campo a ser explorado. Se expandirmos nossa cartografia e tomarmos a
América espanhola, ou seja, o Novo Mundo enquanto cenário desta qualidade de
estudo, veremos que tal mote reserva ao pesquisador um grande leque de
possibilidades a serem construídas, tamanho o silêncio da historiografia para com
essa área de estudo.

Posteriormente, ao longo do século XIX, a ciência enfim assistiria ao reconhecimento


da entomologia enquanto campo de estudo, e a interdisciplinaridade presente em
tal associação, por fim, agracia ao historiador um vasto acervo a ser pesquisado, a
exemplo dos estudos de Henry Walter Bates (1825-1892) que, em sua viagem à
Amazônia, na companhia do não menos conhecido Alfred Russel Wallace (1823-
1919), coletou farto material botânico e zoológico para o The Natural History Museum,
de Londres. Destacam-se, entre suas remessas, o envio de mais de 14 mil espécies
zoológicas, a maioria de insetos até então desconhecidos.

Consideramos, assim, que a continuidade desta pesquisa poderá contribuir para que
novos dados sejam iluminados no que se refere à vivência do homem europeu e de
seus descendentes americanos para com a pequena fauna local. Saber conhecer os
insetos que habitavam o solo era, mais do que uma estratégia de sobrevivência e
autodefesa, um modo de tomar para si o que o mundo natural oferecia, valendo-se
do que era positivo, mas padecendo sob as agruras da praga volátil e das tungas e tús.

Referências:

I SIMPÓSIO ONLINE DE HISTÓRIA DOS ANANINS: ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO


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*Márcio Mota é professor substituto na Escola de Ciência da Informação,


Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil drmmota@yahoo.com.br

ANCHIETA, (Padre) José de. As coisas naturais de São Vicente, ao General P. Diogo
Laínes. São Vicente, 31 de maio de 1560. In: Viotti, (Padre) Hélio Abranches
(Org.).Cartas: correspondência ativa e passiva. São Paulo: Edições Loyola, 1984.
CANTARINO, Geraldo. Uma ilha chamada Brasil: o paraíso irlandês no passado
brasileiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2004.
DANIEL, João (Padre). Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas, vol. 1. Rio de
Janeiro: Contraponto, 2004.
FURTADO, Júnia Ferreira. “Os sons e os silêncios nas minas do ouro”. In: Furtado,
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LERY, Jean de. Viagem à terra do Brasil. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1951.
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TAUNAY, Afonso de. História das Bandeiras Paulistas, Vol. III. São Paulo:
Melhoramentos, S/D.

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153

NACIONALISMO: UM FENÔMENO HISTÓRICO E SOCIAL


Megi Monique Maria Dias

Precursor da história cultural, o romantismo alemão influenciou o nascimento da


nação, levantando a problemática histórica de ter se configurado como um
movimento de reação ao pensamento iluminista que tendia a adaptar as teorias, e,
não necessariamente, mudar a realidade. No século XIX, a principal discussão se dá
em torno do projeto nacionalista, ou seja, da disseminação de ideologias que
buscavam atuar como protagonistas do desenvolvimento do capitalismo em sua
nova fase de desenvolvimento.

O nacionalismo está conformado em perspectivas imperialistas e racistas, e tem a


finalidade de provocar mudanças sociais no sentido de controlar a natureza, já que
esta pode ser re-criada. Estudar a natureza do desenvolvimento da história da
cultura e da história política da Alemanha significa pensá-las em âmbitos distintos
entre os séculos XVIII e XX. A história da cultura e a história da política determinam
as singularidades e variedades dos nacionalismos nas sociedades-Estados,
sobretudo, no que tange as preocupações com o indivíduo e com a Nação-Estado.

A tradição nacional possibilitou a emergência do nacionalismo, isto porque a


valorização do eurocentrismo, enquanto enunciativo de civilização, progresso e
modernidade, foi visível até o fim da Segunda Guerra Mundial (1937-1945) quando,
mediante o estado caótico da civilização europeia, foi possível valorizar o diferente.
Neste sentido, após-45, a fragmentação dos preceitos de civilização - oriundos da
Europa - corroborou para o movimento que permitiu às identidades nacionais se
abrir para as identidades culturais, havendo assim uma liberação da teoria de seu
âmago eurocêntrico, cujo reconhecimento das culturas passou a exigir a
compreensão do fato de que nenhuma cultura é superior a outra.

A solidificação do nacionalismo estimulou a criação de símbolos, de mitos e heróis


da nacionalidade, de acordo com o sociólogo Norbert Elias (1997), “são assim
criadas disposições às quais elites dominantes reais ou potenciais podem recorrer,
mediante o uso de símbolos deflagradores apropriados, quando julgam estar em
perigo a integridade de sua coletividade” (ELIAS, 1997, p. 148). Assim, para efetivar
uma nação é necessário que ela seja imaginada no nível da política e da cultura

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(literatura, imprensa, institutos, etc.), de onde se reivindica uma ideologia social


para a nação.

No Brasil, o debate sobre o processo de formação da nacionalidade está aberto. Os


problemas que se seguem em torno do debate da questão nacional atravessaram
diversos questionamentos, como por exemplo, o fato de que em algumas
circunstâncias os sujeitos não se sentem representados pelos discursos elaborados.
Fazer a crítica aos tipos de nacionalismos é uma maneira de compreender como ele
vem sendo praticado.

Nacionalismo: uma herança do movimento romântico alemão

A herança do movimento romântico alemão configura o nacionalismo como uma


tradição apropriada para se apresentar enquanto ideologia social capaz de fundar
uma nação, isto, posteriormente, provocou o desencadeamento desse modelo
político em outros, Estados-Nação. São várias as características presentes no
discurso nacionalista, dentre elas estão questões de raça e classe. Modernizar o
passado de um povo implica reconhecer seus usos e construir para ele um futuro
comum que, “simbolizado pelo conceito de "progresso", assumisse em suas crenças
o caráter de um ideal pelo qual se podia lutar com inteira confiança em sua
realização final” (ELIAS, 1997, p. 128).

“Os homens da intelligentsia (...) alemã conservaram, com a ajuda de um conceito


amplamente humanista de cultura, seu amor-próprio, sua integridade pessoal e o
sentido de seu próprio valor em face de um crescente sistema de crenças
nacionalistas que, com renovado vigor, colocava o Estado e a nação acima de todos
os outros valores, na escrita de história e em muitas outras áreas”. (ELIAS, 1997, p.
124).

O processo de formação da sociedade moderna, culminou com a tentativa de mudar


o passado alemão, fazendo com que parte da classe média educada com preceitos
liberais, o mais novo esteio da intelligentsia, amparasse suas convicções particulares
através da utilização de um conceito “amplamente humanista de cultura” que
subsidiava o ascendente “sistema de crenças nacionalistas”, nos termos de Norbert
Elias. O sentimento comum, e a crença no valor da sociedade que os indivíduos
formam uns com os outros em relação a “nação”, fez com que o nacionalismo viesse
a se configurar como uma potente “crença social” (ELIAS, 1997, p. 141). Os estudos

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sociológicos sobre a formação e desenvolvimento do Estado nas sociedades de


ideais nacionalistas pensam o nacionalismo como um fenômeno social, com ideais
comuns em sociedades em estágios particulares de desenvolvimento, sobretudo, as
grandes sociedades-Estados industriais nos século XIX e XX.

A busca pela soberania e manutenção do poder no século XX e as transformações na


estrutura política de um Estado aristocrático-dinástico para um Estado nacional do
tipo democrático provocou o desencadeamento do desenvolvimento de um código
normativo dual e antagônico das nações-Estados. Algumas razões para a produção
de um duplo código cujas exigências são contraditórias são decorrentes do fato de
que, se por um lado, o código moral afirma ser o homem um valor supremo, por
outro, o código nacionalista (ranço da herança da tradição aristocrática) está calcado
no valor supremo de uma “coletividade – o Estado, o país, a nação a que um
indivíduo pertence”. (ELIAS, 1997, p.146).

“Dentro dos preceitos da filosofia moral, percebe-se que a mudança


do ethos absolutista para o ethos nacionalista, provocou o fato de que a coletividade
soberana passou a ser assimilada por cada individuo como parte de seu habitus que
em alguns casos deve sobrepor-se aos outros” (ELIAS, 1997, p. 148).

É importante lembrar que o passado se constitui enquanto importante elemento de


disputa do poder, entretanto, no século XIX, a época das Nações e dos
Nacionalismos será do futuro, do horizonte de expectativa, que dá lucidez ao
presente/passado. Reinhart Koselleck (2006), em Futuro Passado: contribuição
semântica dos tempos históricospropõe um debate acerca da temporalidade histórica e
sobre as alternativas de história surgidas no período moderno. Para ele, com a
determinação do tempo, rompe-se a compreensão tradicional da história, fazendo
com que o passado perca sua capacidade de servir como base para analogias. Na
busca pela reformulação dos modos de tratar o passado, a exemplaridade é
rechaçada.

Uma das exigências do pensamento nacionalista foi o de cada vez mais exigir a
glorificação do passado nacional. As apreensões que envolvem a escrita da história
indicam que na elaboração e realização de seus procedimentos científicos a relação
temporal estabelecida entre presente/passado/futuro se caracteriza como ponto
crucial para a compreensão da construção de uma consciência para determinada
coletividade humana. A modernidade, ao perder sua referência, passa por um novo

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156

momento de constructo temporal capaz de interagir passado e futuro apreendidos


como espaço de experiência e horizonte de expectativa.

A obra de Reinhart Koselleck (2006) defende a ideia de que a história somente se


tornou disponível ao homem quando do ponto de vista histórico-linguístico as
várias histórias – historie, se transformaram em uma única história – geschichte –
indicando a existência de um novo espaço de experiência e um novo horizonte de
expectativa. Ou seja, a história em si, esse singular coletivo – geschichte reunia a
soma de uma realidade e a reflexão sobre esta realidade. Neste sentido, os
intelectuais engajados nessa atividade de impulsionar o nacional se configuravam
como porta-vozes da esperança e da confiança de um futuro melhor.

Foi num contexto de crise nacional, de tentativa de alteração dos sentimentos de


inferioridade e humilhação causados por imposições do Tratado de Versalhes, e,
contando com o imenso apoio social (de parte das elites alemãs, da classe média e
das massas trabalhadoras) o nacional-socialismo se consolidou rapidamente como
alternativa política para a organização do mundo social. Em “Os Alemães – a luta pelo
poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX”, Norbert Elias tenta trazer em seus
debates um estudo sobre a imagem que os alemães possuem de si mesmos em
relação aos excessos da política nazista. Neste sentido, sua pesquisa é útil para as
interpretações dos aspectos de controle desta política que fora legitimada
tangencialmente pela reclusão e execução de grupos sociais considerados
‘problemas’ para o desenvolvimento social, político e cultural do povo alemão e da
nação alemã.

No centro da doutrina de Adolf Hitler estavam lado a lado silenciamento e


violência, características presentes na psicologia da nação e que aos poucos
contribuiu para que o nacionalismo, consolidado num processo de longa duração,
modificasse a personalidade e o comportamento do povo alemão.

A influência das observações de Norbert Elias, sobre a mudança na personalidade


do povo alemão mostra como a nacionalidade se tornou uma referência de definição
(e portadora das mesmas características), onde os indivíduos compartilham o
mesmohabitus, priorizam a forma como os indivíduos se organizam e se definem em
relação aos valores de pertencimento de seus grupos e de uma nação, “um
indivíduo é sempre membro de grupos” (ELIAS, 1997, p. 28).

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Tais transformações puderam ser percebidas na formação de um habitus nacional


que vai se concretizar com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Cada cultura
tem uma forma de civilização diferente, desta maneira, compreender o processo
civilizador como um habitus de nos civilizar é uma forma de entender a formação da
sociedade moderna, bem como o fato de que são os nacionalismos que formam a
nação, “um ser coletivo forjado num contexto mais amplo das individualidades”
(ELIAS, 1997).

O nazismo, legitimado pelo desenvolvimento da formação dos Estados nacionais,


desenvolveu mecanismos de naturalização de distinção social capaz de suscitar
intolerância, estereótipos, preconceitos e a desumanização do inimigo. O ápice do
movimento nacionalista na Alemanha foi o nazismo, que em vias de legitimação se
apoiou em concepções sobre a raça para se legitimar como modelo político,
principalmente através das perspectivas do racismo científico. É certo que as
definições que subsidiavam o nacionalismo afetavam àqueles que não possuíam
hereditariedade alemã.

O cenário da ascensão de Adolf Hitler contou com a mobilização das massas que
buscavam um líder, e que em consonância com suas reivindicações pudesse -
através de estratégias bélicas e diplomáticas - sanar suas necessidades comuns. A
massa de trabalhadores participou amplamente desse movimento que também
incluía, inicialmente, a participação de numerosos sujeitos, dentre eles: judeus,
negros e ciganos, estes, por sua vez foram expurgados do regime quando a
degenerescência se tornou uma preocupação para a manutenção da pureza racial,
quando se passou exigir a comprovação da ancestralidade e da hereditariedade, ou
seja, as “linhas contínuas de descendência” ariana tornando crítica a situação destes
sujeitos (ELIAS, 1997, p. 25).

As discussões que contestam o racismo científico podem ser percebidas na própria


exacerbação do nacionalismo, como por exemplo, as prerrogativas de comprovação
da hereditariedade como um dos critérios para as execuções do genocídio nazista. O
desenvolvimento de elementos específicos da cultura política alemã pautada na
teoria racial em seu processo de racionalização (racismo científico) e sistematização
do regime e de suas frentes de guerra demonstra que o nazismo era fruto do partido
nazista, ou seja, uma responsabilidade da história política e social dos alemães.

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As questões de ciência, ideologia, o papel dos intelectuais, bem como da cultura


política do Estado nacionalista são algumas ferramentas que viabilizam o
pensamento crítico sobre os desdobramentos da modernidade e suas leis. Refletir
sobre a tradição do romantismo alemão é fundamental na nossa tentativa de pensar
as teorias culturais que viabilizaram o processo de construção da identidade
nacional.

Considerações Finais

Nossa preocupação neste trabalho consistiu em perceber em que medida as


heranças do romantismo alemão contribuíram para a formação do nacionalismo.
Para tanto, consideramos importante retomar algumas discussões do processo de
construção da identidade nacional. Refletir sobre a maneira como a história se
constrói diante da luta pela representação do mundo social e edifica discursos é
estar atento para as experiências e para os limites da produção das coletividades
humanas em sua dimensão sócio-cultural. A colaboração dos Estados nacionais em
seu apelo modernista acabou estimulando a construção da identidade nacional, cujo
novo homem rompeu com o natural.

Os debates sobre o desenvolvimento da cultura nacional surgiu com os românticos


no século XIX e envolveu a problemática da nacionalidade que se apresenta como
um importante debate da história. Superar o tradicional dando abertura para a
disseminação do moderno foi uma das principais questões embutidas nestes
debates. Muito embora a tradição fosse compreendida no âmbito da cultura como o
elemento de permanência e de referência para a formação da identidade nacional, é
preciso considerar, por exemplo, o fato de que, no Brasil, a nossa tradição intelectual
sofria influências dos padrões europeus, muito mais do que nacionais.

Entender a nação como um evento histórico consiste em perceber os problemas que


seguem em torno do debate da questão nacional, que, por sua vez, está atravessada
por diversos questionamentos, como por exemplo: o fato de que em algumas
circunstâncias os sujeitos não se sentem representados pelos discursos elaborados,
por sua vez enrijecidos pelo discurso nacional, cujos movimentos dos corpos se
limitam a reproduzir uma determinada ordem social e/ou nacional.

O passado conforma possibilidades de história, no entanto, aquele que ‘triunfa’


conquista o direito de dizê-lo. Aquilo que se oculta nos discursos também gera

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história, principalmente, quando pensamos os processos de construção ideológica


que sistematizaram determinadas realidades ‘legitimadas’ que articuladas aos
discursos políticos adquiriram ‘legitimidade’. Neste sentido, perceber o processo de
construção e legitimação do discurso nacional, é compreender que o trabalho
histórico também produz sentidos.

REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS

Megi Monique Maria Dias: Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História da


Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO/GUARAPUAVA/PR);
Graduada em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO/GUARAPUAVA/PR); Especialista em Educação pela Universidade
Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO/ GUARAPUAVA/PR);

ELIAS, Norbert. Os alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e
XX.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição semântica dos tempos
históricos. Rio de Janeiro: Contraponto –PUC/Rio, 2006.

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O PENSAMENTO POLÍTICO DO BARÃO DO RIO BRANCO


E O IMPÉRIO DO BRASIL
Danilo Sorato Oliveira Moreira

Este ensaio pretende fazer apontamentos iniciais sobre como se constitui o


pensamento político do Barão do Rio Branco durante a sua atuação no Império do
Brasil, enquanto representante do estado do Mato Grosso na Câmara dos Deputados
e jornalista no periódico A Nação entre as décadas de 1860 a 1870. Esse espaço
temporal é primordial para entender a dinâmica da sua atuação política, pois a
partir da assunção como Embaixador em Liverpool em 1876, ele passa a cuidar
diretamente de assuntos externos do país. Essa temática vai povoar o imaginário de
Rio Branco até o final de sua vida, já que em 1902 ascende a condição de Ministro
das Relações Exteriores.

O Barão do Rio Branco é analisado pela literatura especializada como um dos


fundadores da diplomacia brasileira, o que marca a sua atuação destacada em
Política Externa. Ele é visto como um marco pela capacidade de ter resolvido
diversos conflitos fronteiriços do país em suas díades com vizinhos, especialmente
nas questões da Argentina, Amapá e Acre. Como diz Ricupero (2015), em qualquer
estudo sobre a diplomacia brasileira e a Política Externa, esse personagem ocupa
uma “posição excepcional”. No Amapá, esse personagem histórico é visto de muitas
formas após solucionar o problema fronteiriço entre os Rios Araguari e Oiapoque
com a França em 1900. Existem narrativas históricas, como aponta Sorato (2018), que
visualizam suas façanhas como algo heroico e arquetipado, outros analisam como
algo excludente, estereotipada e que produz silêncio e esquecimento.

Em muitos momentos, o seu pensamento político interno é abordado de forma


tímida. Segundo Santiago (2014), o Barão do Rio Branco é o resultado dos atores
políticos imperiais, divididos entre liberais e conservadores, onde os segundos
marcam a sua transformação como ator político interno e externo. Essa pauta é
construída em seu seio familiar com o pai, Visconde do Rio Branco, um dos nomes
mais atuantes do Partido Conservador na segunda metade do século XIX. Entender
a conexão do filho ao pai é fundamental nesse trabalho, já que boa parte do período
analisado é caracterizado pela atuação do filho junto com as bandeiras do pai junto
ao Conselho do Império.

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O Partido Conservador aparece na cena nacional a partir dos anos de 1830 a 1840. É
fruto da fusão de várias visões compartilhadas de personagens políticos, como
Bernardo Pereira de Vasconcelos. O princípio basilar dessa estrutura partidária é
manter a unidade nacional do Império, a partir da figura do Imperador. Em outras
palavras, existe um respeito a Constituição de 1824 com o instrumento do Poder
Moderador, como o núcleo que mantém a coesão e a ordem no país. Assim, diz
Torres (2017), ao analisar os axiomas e finalidades que caracterizam a atuação
política do chamados Saquaremas. Ele diz que:

“Numa tentativa de definição, poderemos dizer que o Partido Conservador lutava


pela unidade nacional e considerava como instrumento adequado o conjunto de
instituições consubstanciadas na Constituição de 25 de março de 1824. Os
conservadores admitiam que o sistema político, vigente no Brasil, sobre ser legítimo,
era útil e vantajoso para o fim supremo: a unidade nacional fundada sobre a
democracia liberal.” (TORRES, 2017, p. 31)

Dessa forma de atuação política, em que a unidade nacional necessita de uma


autoridade central e forte, é que o Barão do Rio Branco tem como exemplo de
representação em seu pai. Assim, pode-se dizer que a sua chegada ao Parlamento
brasileiro e como editor do Jornal A Nação entre fins de 1960 e a primeira metade da
década de 1970, aponta para uma defesa dos valores e princípios basilares dos
Saquaremas. Essa é uma das ideias defendidas por Henrich (2009), quando aborda a
ideia de Brasil de Rio Branco mostra que a partir de 1872, quando assumi a edição
do periódico, local em que eram defendidas as posições nacionais do Partido
Conservador, como por exemplo a Lei do Ventre Livre e as ações de Política Externa
na região do Prata. Algo fundamental lembrar é que o seu pai, Visconde do Rio
Branco, nesse momento é conselheiro de Estado do Império. Portanto, de alguma
forma a defesa das ações políticas do pai representavam também, a defesa dos
valores políticos do filho.

A sua chegada ao Parlamento se dá entre os anos de 1869 a 1875, como


representante político da província do Mato Grosso. Nesse ensaio, ainda não são
abordadas as fontes primárias em que são mostradas as suas proposições de
projetos no Parlamento, que podem revelar um pouco mais quais eram seus
interesses políticos naquele espaço. Entretanto, cabe mencionar que as fontes
primárias desse tema estão disponíveis para consulta no site Câmara dos

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Deputados, na coleção dos Anais. Aqui, vale lembrar três dos seus discursos
políticos catalogados numa coleção da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG)
nos nãos de 1869 e 1870. Neles, são abordados dois temas de sua agenda política: a
questão de limites entre as províncias de Mato Grosso e Goiás e a reforma do
regimento interno da Câmara. (FUNAG, 2012)

No jornal, A Nação, em seu primeiro número em 03 de julho de 1872, aparece no


editorial chamado, A Nação, qual é a proposta e objetivo do periódico para o seu
público. Em debate nacional que envolve a escravidão, em dado momento, ele se
apresenta como defensor das ideias conservadoras diante dos ideias liberais. Ele diz
que a missão do jornal é:

“[...] Eis a missão deste jornal. Arauto do progresso reflectido, que é a grande
aspiração da nossa epocha, guarda das bem entendidas liberdades, da ordem social
e das instituições juradas, a Nação aparece na imprensa diária como órgão do
generoso partido, que extinguio o trafico de africanos, acabou com a tyrania de
Rozas e Oribe, promoveu a livre navegação do Prata e seus affluentes, fez sulcar
pelo vapor as aguas do majestoso Amazonas até o Perú, traçou as primeiras linhas
da rede de estradas de ferro que ha de ligar um dia os quatro angulos do Imperio,
fundou o credito publico, reorganizou o exercito e a armada, pôz termo com honra e
gloria á guerra do Paraguay, decretou a reforma judiciaria, e escreveu a sua
bandeira a santa legenda de 28 de setembro de 1871; do partido, enfim, que
sustentou sempre a monarchia constitucional representativa, associando as
recordações de sua passagem pelo poder a idéa dos grandes melhoramentos
politicos e administrativos, que hão feito à felicidade do Brazil.” (Grifo nosso, A
Nação, 1872, p. 1)

A frase citada acima demonstra os fins do A Nação, como o defensor das causas
políticas implementadas pelo Partido Conservador em seus momentos no poder do
Conselho de Estado. Como diz o periódico, escrito por Rio Branco, essa defesa
ocorre em grande medida por considerar esse partido político aquele que melhor
representa aos anseios de unidade nacional e a defesa da Constituição. Essa ideia se
coaduna com o expresso pelo autor Torres (2017) acerca dos fins e objetivos do
Partido Conservador no Brasil. São defendidas as principais ações políticas dessa
agremiação partidária desde 1830, com a extinção do tráfico de escravos, até os dois
eventos mais recentes como a Guerra do Paraguai e a “legenda de 28 de setembro de
1871”.

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O ano referenciado no jornal a Nação tem que ver com o momento de aprovação da
Lei do Ventre Livre. Aprovada durante a gestão de Rio Branco, considera-se pelos
defensores do Partido Conservador um importante passo para a libertação dos
escravos de forma equilibrada, lenta e gradual. A lei positivada garante a seguinte
condição aos escravos nascidos a partir daquela data que aos 8 anos, o escravo
menor tinha duas possibilidades. Primeiro, ser livre, com uma indenização paga
pelo Estado de 600$000. Segundo, continuar trabalhando para o senhor até os 21
anos. É importante perceber que nesses dois casos não é a mão de obra escrava que
decide o seu destino, mas sim o senhor de escravos. Portanto, a lei de 1871 é uma
mudança no universo da escravidão bem pequeno, onde não há muito espaço para
autonomia do cativo menor.

Na edição seguinte do A Nação, em 4 de julho de 1872, no seu editorial, mais uma


vez, o periódico serve como espaço de divulgação das ações políticas do Gabinete 7
de março de 1871. O Barão do Rio Branco, como editor, age para defender as
bandeiras do seu pai e do seu partido político. Assim, há uma necessidade de
afirmar que o governo atual está recuperando o país. Através de suas atitudes
políticas está transformando o Brasil em um país civilizado e ordeiro. Ele começa
assim a advogar pela causa:

“Desgarrada como vai entre nós-a imprensa opposicionista, que tem preferido os
trilhos escorrogadios da calumnia ás sendas brilhantes da verdade, destinamo-nos a
ennobrocer a polemica, norteando-a pela rota por que om todos os tempos se
encaminharam todos aquelles quo têm sabido elevar a imprensa a um honroso e
fecundo mister. Amamos de coração as pugnas da intelligencia, e diante dos
inefáveis júbilos que podem ser fruidos pelo estudo, é para lamentar que homens do
notório talento se tenham dado ao fadigoso labor de subirem ás fragas de paixões
detestaveis, que não podem produzir nada de serio ou succulento. A situação, que
corre, tem titulos legitimos á adhesão publica, e no muito que já tem feito o
patriótico gabinete de 7 de Março, ha seguros pennhores e sério abono de que
outros muitos melhoramentos virão completar as legitimas aspirações de que se
acham possuidos os respeitaveis cidadãos, que acham-se no poder. [...]” (A Nação,
1872, p. 1)

O editorial faz uma crítica a postura da imprensa oposicionista, ligada aos outros
partidos, como o Liberal. Além do mais, faz uma valorização do “patriótico gabinete

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de 7 de março”, no qual com suas atitudes políticas está colocando o país no


caminho das grandes nações civilizadas. Nesse mesmo espaço, Rio Branco, o filho,
defende que o Brasil está próximo da Inglaterra. Ele diz assim:

“[...] Encarado sob este ponto do vista, nosso abençoado paiz pareçe fadado
aos'melhores destinos; modeladas as instituições pelas que vigoram na Inglaterra,
berço feliz da liberdade moderna, possuindo uma legislação do conformidade com
os habitos pacificos da população, rico de favores do céo, e opulentado tambem pelo
trabalho de seus filhos, o Império prospera a olhos vistos e parece aspirar no
ambiento puro, que o envolve, a saude do corpo, o saude d'alma, tambem. [...]”
(Ibid)

A comparação com o governo inglês, potência mundial na época, faz-se


fundamental para que sejam defendidas as ações políticas tomadas pelo Gabinete de
1871. Elas, sobretudo a Lei do Ventre Livre, são consideradas marcos civilizatórios
do país em conformidade com o “berço da liberdade moderna”. Mais uma vez, o
editorial cumpre a sua missão estabelecida na edição anterior, isto é, ser o braço
defensor do Partido Conservador no país. Nessa finalidade, encontra-se Rio Branco,
o filho, demonstrando claramente as sus preferências políticas durante a segunda
metade do Império. Isso altera um pouco a memória defendida sobre ele, onde ao
estar ligado com assuntos do ambiente externo, não se vincula com assuntos
políticos internos. Nesse momento, ainda construindo o seu personagem político na
estrutura burocrática brasileira, José Maria da Silva Paranhos Júnior, não é alguém
neutro nas principais discussões imperiais. Ele é fruto do seu contexto histórico e
familiar, no qual aparecem as principais figuras do Partido Conservador ligado ao
seu pai, José Maria da Silva Paranhos.

A fim de concluir este ensaio, o pensamento político do Barão do Rio Branco no


Império do Brasil durante os anos de 1860 a 1870, é uma pesquisa em vias de
construção. Isso quer dizer que a análise das fontes primárias, como o jornal A
Nação, são apontamentos iniciais da possível atuação política desse personagem
histórico. Nela, como editor de um periódico que defende as bandeiras do Partido
Conservador, Paranhos Junior marca o caminho a seguir, com a defesa dos valores e
unidade nacional, autoridade e a Constituição, em sequência com a tomada de
posição favorável as ações política do Gabinete de 1871, do seu pai, Visconde do Rio

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Branco, tal como a Lei do Ventre Livre. Essas interpretações históricas iniciais
revelam que o sujeito histórico é fruto de um contexto histórico e familiar carregado
pelos Saquaremas. Na sequência desse ensaio, o debate bibliográfico mais
aprofundado e das fontes primárias, como os Anais da Câmara dos Deputados entre
1869-1875, podem revelar novos aspectos do pensamento político do Barão do Rio
Branco.

Referências

Danilo Sorato Oliveira Moreira é Mestre em Ensino de História (Universidade


Federal do Amapá – UNIFAP). Graduado em História (Universidade Federal do
Pará – UFPA).

A Nação, Anno I, Rio de Janeiro, Quarta-Feira, 3 de julho de 1872. n. 1.


________, Anno I, Rio de Janeiro, Quinta-Feira, 4 de julho de 1872. n. 2.
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Alexandre de Gusmão, 2012. Disponível em:
<http://funag.gov.br/loja/download/978-
Obras_do_Barao_do_Rio_Branco_IX_discursos..pdf>. Acesso em: 29/11/2018.
HENRICH, N. O Barão do rio Branco e a sua idéia de Brasil. In: SEMINÁRIO
NACIONAL SOCIOLOGIA E POLÍTICA, 1., 2009, Curitiba. Anais... Curitiba: UFPR,
2009. p. 1-14. Disponível em:
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ONLINE/GT6%20online/EixoIII/barao-rio-branco-NathaliaHenrich.pdf>. Acesso em:
10/11/2018.
RICUPERO, R. José Maria da Silva Paranhos Júnior (Barão do Rio Branco): A
fundação da política exterior da República. In: PIMENTEL, J. (org.). Pensamento
diplomático brasileiro: formuladores e agentes da política externa (1750-1964) –
Vol. II. p. 405-438. Disponível em:
<http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=507>.
Acesso em: 30/11/2018.
SANTIAGO, E. A esfinge desvelada: O pensamento político do Barão do Rio Branco.
In: ENCONTRO ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA CIÊNCIA POLÍTICA, 9., 2014,
Brasília.Anais...Brasília: ABCP, 2014. p. 1-22. Disponível em:

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166

<https://cienciapolitica.org.br/system/files/documentos/eventos/2017/03/esfinge-
desvelada-pensamento-politico-barao-rio-branco-649.pdf>. Acesso: 11/11/2018.
SORATO, D. Silêncios que falam, palavras que nada explicam: as narrativas
históricas comparadas sobre a Questão do Amapá. Dissertação (Mestrado em
Ensino de História), Universidade Federal do Amapá, Macapá, 2018.
TORRES, J. Os construtores do Império – Ideias e lutas do Partido Conservador
Brasileiro. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Especiais, 2017. Disponível em:
http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/36280>. Acesso em: 11/11/2018.

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NAS CERCANIAS: GENTE, PAISAGEM E OCUPAÇÃO EM


TERRAS ANANI (PARÁ, SÉCULO XIX)
Paulo Henrique Santos – Bolsista PIBIC/CNPq
Francivaldo Alves Nunes - Orientador

Ao falar de uma região tão rica quanto a amazônica, pensar a forma como as
ocupações de terra foram submetidas é de enorme importância, pois, desse modo, é
possível compreender as mudanças socioambientais de várias maneiras e relacioná-
las à atualidade. Feito isso, essa pesquisa gira em torno de espaços rurais, porém, de
modo onde encontramos o foco na constituição de propriedade rural, ou seja, na
forma como se deu essa posse de terra e sua origem. Para se trabalhar com esse
tema, é necessário, pelo historiador, um levantamento documental analisando os
meios de apropriação de terra e, neste projeto, nossa proposta foi fazer o
levantamento de documentos que abrangem esse meio e que estão associados à
possibilidade de estudos sobre os aspectos fundiários da província do Pará como:
Inventários, relatos de viajantes, correspondências governamentais e documentação
cartorária. Como já foi dito, o foco, especialmente voltado para terras nas cercanias
de Belém, como exemplo, Ananindeua.

“Localizado no Nordeste do Estado do Pará, o município de Ananindeua,


atualmente se apresenta como um espaço marcado por “acúmulo de tempos” [...] e
convergências de modos de vida que se relacionam conflituosamente e/ou
solidariamente. Em outras palavras, podemos pensar que as diversas
temporalidades, modos de vida, espacialidades, densidades, velocidades e lógicas
convivem e, portanto, expressam uma configuração territorial complexa, singular e
ao mesmo tempo plural, bem como também embotada de intersujetividades rurais-
urbanas”. (RODRIGUES; SOBREIRO; OLIVEIRA, 2017, p. 2).

Marcada pela enorme cobertura vegetal em que predominavam a árvore Anani,


uma árvore que produz a resina de cerol utilizada para lacrar as fendas das
embarcações. Esta planta era encontrada, principalmente, nas margens dos igarapés
do Una, Aurá e rios Água Preta, Maguarí-Açú e Uriboquinha, que cortavam a
região.

Leituras sobre Ananindeua

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Para retratar um pouco da experiência com a pesquisa, vale ressaltar o


levantamento bibliográfico que foi de enorme importância para buscar referências
sobre os trabalhos já feitos, retratando alguma questão do município da árvore
Anani, principalmente visando o material feito por historiadores, antropólogos,
cientistas sócias, entre outros. Um dos trabalhos que auxiliaram bastante é o do
turismólogo Adrielson Furtado, um blog feito para comentar vários temas sobre
Ananindeua, principalmente os pontos turísticos e também a sua história. A partir
desse site foi possível ter em mente um pouco do que se poderia encontrar nas
fontes dos acervos, já que até mesmo sobre a via-férrea de Bragança o autor postou
material.

Outra questão que chama atenção no blog é um texto sobre a fundação de


Ananindeua, que, para Adrielson Furtado (2011), teve seu início em uma das
comunidades mais antigas, se não a mais antiga do município, que é a comunidade
quilombola do Abacatal. No caso, destaca:

“No período colonial vários sítios e povoados são formados às margens de rios e
igarapés (Guamá, Capim e Moju) por homens livres, brancos, cafuzos, índios e
mamelucos. No século XIX, a população rural era representada por 45% de negros,
fixados em fazendas, engenhos, pequenas vilas e na cidade. Na origem histórica de
Abacatal há dois protagonistas: o Conde Coma de Mello e a escrava Olímpia,
segundo informações orais das atuais gerações, da união desses dois personagens
em 1790 nasceu uma menina. O senhor de escravo não tinha filhos e reconheceu as
três filhas que teve com a escrava Olímpia deixando como herança as terras do
Abacatal” (FURTADO, 2011, p. 3).

Desse modo, o autor retrata uma possível teoria sobre o início de Ananindeua,
porém, ainda não foi encontrado registros sobre o Conde Coma de Mello para
analisar com mais propriedade essa ideia. Este sujeito também é mencionado em
sua dissertação “Ananindeua e a sua identidade cultural”, de 2006. Assim como boa
parte dos autores analisados durante a pesquisa, Adrielson Furtado utiliza fontes
orais para estabelecer seu trabalho sobre o Abacatal, já que é uma comunidade que
não possui muitos registros documentais do seu período de fundação, apenas a
história repassada de geração em geração. É possível notar grande interesse dos
acadêmicos em gerar conteúdo sobre essa comunidade pouco conhecida pelos
moradores do centro de Ananindeua e Belém.

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O interessante é ver que essa quantidade de trabalhos sobre a comunidade do


Abacatal, não é apenas concentrada só na área da História ou Turismo, e sim de
várias áreas como agronomia, engenharia florestal, saúde etc. Sendo que, todas
buscam trazer cada vez mais olhares, seja para melhorias como saneamento,
cuidados diários com os trabalhos ou até mesmo na preservação do ambiente.

Quanto ao que cabe à historiografia, não foi possível encontrar muitos trabalhos
feitos retratando essa temática sobre o município de Ananindeua, ainda que haja
livros escritos sobre a estrada de ferro e a comunidade do abacatal, como o do
historiador José Leôncio Siqueira “Trilhos: o caminho dos sonhos” (2008) e o da
Socióloga Edna Maria Ramos de Castro e Rosa Cevedo Marin “No caminho de
pedras de Abacatal: Experiência social de grupos negros no Pará” (2004). Observa-se
uma necessidade de trabalhos que retratem a fundação e desenvolvimento
populacional/urbano no âmbito da historiografia.

Documentação cartorária

No que se refere a pesquisa documental, foram vários inventários analisados


buscando vestígios no processo de posse de terras na região foram identificados,
como exemplo:

- Cartório Odon (2° vara cível). Inventários post-mortem, 1843/44 de Olavo Marthius
e Maonel Caxias de Souza.
- Cartório Odon (2° vara cível). Inventários post-mortem, 1846/47/48 Elídio Felgueira
Nascimento.
- Cartório Odon (2° vara cível). Inventários post-mortem, 1851.
- Cartório Odon (2° vara cível). Inventários post-mortem, 1853/54/55.
- Cartório Odon (2° vara cível). Inventários post-mortem, 1859 de João Manoel
Batista.
- Cartório Odon (2° vara cível). Inventários post-mortem, 1859 de Capitão Manoel
Monteiro de Azevedo.
- Cartório Odon Rhossard (2ª Vara Cível). Inventários post-mortem, 1860/61/62, João
Ferreira Guimarães
- Cartório Odon Rhossard (2ª Vara Cível). Inventários post-mortem, 1872 de Elíbia
Eufrosina Corrêa de Miranda.

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Figura 1: Inventário do século XIX, 1884.


Fonte: Acervo dos autores, 2018.

Essas documentações foram encontradas a partir do Centro de Memória da


Amazônia, no ano de 2017. Um dos pontos interessantes entre os sujeitos
mencionados vem por meio de terras repassadas para herdeiros em seus
documentos. Como exemplo, o capitão Manoel Monteiro de Azevedo que registrou
em seu testamento o repasse de suas propriedades para a sua filha Francisca
Monteiro de Azevedo em 1859. Este mesmo caso se repete com o senhor João
Ferreira Guimarães, dono de muitas terras pela província do Pará.

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Essas terras, a partir de trabalhos como “A Estrada de Ferro de Bragança” do


professor Ernesto Cruz (1955), eram não muito utilizadas ou visitadas por seus
donos, a região da árvore Anani ainda era um pouco vaga de habitantes, claro, não
afirmando com toda certeza, pois como Furtado (2006) veio a comentar, houve uma
grande contingência de ribeirinhos que se alocaram na região enquanto se
refugiavam dos conflitos da Cabanagem. Porém, o que movimentou o futuro
município, de fato, foi a construção da estrada de ferro, que teria transido vários
olhares já que seria uma região de tráfego importante para o centro da província.

“No século XIX ocorreu um processo de ocupação de áreas ao Norte do atual


Município de Ananindeua por caboclos ribeirinhos, no perímetro onde se localiza
hoje os Bairros do Curuçambá e Distrito Industrial” (SEROTHEAU, 2012).

Naquele momento, as formas de uso e apropriação do respectivo espaço estavam


atreladas a uma dinâmica ribeirinha, a lógica do valor de uso em detrimento do
valor de troca, bem como à preponderância de ruralidades, sobretudo vinculadas as
atividades extrativistas, caça e pesca. O período que compreende entre o final do
século XIX até a primeira década do século XX configurou um momento de
transformações no território amazônico, com reverberações onde hoje corresponde
ao município de Ananindeua.

O “boom” da atividade da borracha na Amazônia, sobretudo a partir do final do


século XIX, fortemente estimulado pelo processo de crescimento acelerado da
indústria automobilística nos países desenvolvidos, contribuiu significativamente
para induzir uma divisão territorial do trabalho na Amazônia e incorporação de
novos sistemas técnicos no território amazônico (WIENSTEIN, 1993).

É dentro deste contexto que na escala do território paraense ocorreu o impulso


extraordinário na urbanização da capital paraense, fato que resultou em elevado
crescimento econômico e demográfico na cidade de Belém, com aumento das
demandas por produtos agrícolas (PENTEADO, 1967). (RODRIGUES; SOBREIRO;
OLIVEIRA, 2017, p.265).

Desse modo, fica visível a influência dessa construção tanto para a região amazônica
quanto para o desenvolvimento populacional de Ananindeua. Além disso, um dos
fatores interessantes para o desenvolvimento populacional, de acordo com Emmi
(2010), foi auge da exploração da borracha onde se foi visto um enorme fluxo

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migratório aos redores da província, tanto por nordestinos quanto pelos


portugueses no encaminhamento final do século XIX.

O contato com este tipo de leitura nos possibilitou uma outra perspectiva na análise
documental, passando a buscar vestígios sobre essas informações. Ainda é possível
agregar a questão os relatos de viajantes. Outra questão a agregar são algumas
imagens de expedições de estrangeiros na Amazônia, que ainda buscamos maiores
informações sobre os perímetros que estes sujeitos circularam, pois são várias
imagens do século XIX onde se pode perceber a presença de seringueiros, indígenas
e a mata.

Outras considerações

A partir dessa pesquisa percebemos mais ainda o quão importante pode ser a
produção de materiais que envolvem esse município de Ananindeua. Estes breves
estudos têm se refletido no ensino de História, onde os alunos pouco recebem
informações sobre o município, algo que seria muito importante para a valorização
da história da região.

Trabalhos como o do turismólogo Adrielson Furtado são de grande relevância,


assim como o da comunidade acadêmica de Ananindeua que ultimamente vem
buscando trazer esse debate em pauta. Neste aspecto, não basta centralizar esse
conteúdo apenas para a academia, é necessário levar para a população,
principalmente ananindeuenses, seja por meio das escolas ou rede mundial de
computadores.

Um dos interesses com esse trabalho também é a futura produção de um material


didático como proposta para o ensino básico das escolas do município, assim como
e-book produzido pela professora e alunos da escola municipal São Paulo que traz
alguns contos amazônicos mesclando com figuras representativas da história de
Ananindeua como o rio Maguary-açu, Quinta da Carmita etc.

Sendo assim, pensamos ser importante continuar trabalhando em torno dessa


temática e produzindo material para contribuir com essa questão. Percebe-se ainda
a necessidade de se fazer uma análise mais cirúrgica dos documentos coletados
durante a pesquisa e novas leituras também, sendo essas leituras que irão cada vez
mais auxiliar na ampliação de perspectivas nesse processo de ocupação e início do
fluxo populacional gerado no século XIX.

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Agradecimentos

O texto é resultante do plano de trabalho vinculado ao projeto de pesquisa


“Ocupação da terra, paisagem e produção rural nos aldeamentos e colônias
agrícolas do Pará, décadas de 1840-1880”, financiado pelo CNPq, em que
registramos nossos agradecimentos.

Referências

ALMEIDA, Adrielson Furtado. Ananindeua e a sua identidade cultural. 2006.

ANANINDEUA (2006). Relatório Diagnóstico do Plano Diretor do município de


Ananindeua, 2006.

CRUZ, E. A Estrada de ferro de Bragança: visão social, econômica e política.


Belém: SPVEA, 1955.

EMMI, Marília Ferreira. A Amazônia como destino das migrações internacionais


do final do século XIX ao início do século XX: o caso dos portugueses. Caxambú:
ABEP. 2010.

MARIN. R. A; CASTRO, E. No caminho de pedras de Abacatal: experiência social


de grupos negros no Pará. Belém: NAEA/UFPA, 2º ed. 2004.

PENTEADO, Antônio Carlos Rocha. Problemas da colonização e uso da terra na


Região Bragantina do Estado do Pará. Belém: UFPA, 1967. (Série José Veríssimo).

RODRIGUES, J.C.;SOBREIRO, J.F.;OLIVEIRA, A.N. O rural e o urbano na


Amazônia metropolitana: reflexões a partir de Ananindeua, Pará. Belém: NERA,
2018.

SIQUEIRA, J. L. F. Trilhos: o caminho dos sonhos (Memorial da Estrada de Ferro


de Bragança). Bragança, 2008.

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EM PAUTA, A VIOLÊNCIA: A IMPRENSA E OS CONFLITOS


DE TERRA NO PARÁ (ANOS 2000) – ASPECTOS
PRELIMINARES DE UMA PESQUISA
Rafael Souza Ferreira – Bolsista PIBIC/CNPq
Francivaldo Alves Nunes - Orientador

O texto aqui apresentado consiste de pesquisa em andamento, com fomento do


Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica, PIBIC/CNPQ, e procura
evidenciar como a imprensa se posiciona e repercute os atentados e a violência em
áreas rurais na Amazônia, especialmente no Estado do Pará, nos últimos anos. O
referido trabalho está adentrando atualmente em fase de coleta de dados junto aos
dois principais jornais do Pará, Diário do Pará e O Liberal; todavia, o
acompanhamento das leituras bibliográficas sobre a temática estudada se fazem
obrigatórias e presentes ao longo do processo de pesquisa. Para esta comunicação,
apresentamos resultados quanto a leitura sobre a temática, tentando fazer um
exercício de apropriação de como alguns autores trataram o tema, o que reflete
também nossa posição de como analisar o tema, quando do contato posterior com a
documentação.

Os conflitos pela posse da terra fazem parte da própria formação histórica do


território hoje chamado Brasil. São abundantes os registros historiográficos sobre
confrontos entre nativos americanos e europeus, conflitos esses gerados
principalmente quando se percebeu que ambos os lados viam nas extensões
territoriais – e na luta por estas, seja por manutenção dos povos já estabelecidos ou
conquista por parte dos recém chegados - significados distintos fundamentados a
partir das peculiaridades e entendimentos próprios de suas respectivas culturas
(DORNELES, 2011).

Com o passar dos séculos, esses conflitos não cessaram, ao contrário, multiplicaram-
se. A própria divisão, por exemplo, de grandes extensões territoriais no episódio
histórico brasileiro que ficou registrado como Capitanias Hereditárias, garantiu que
grandes concentrações de terra continuassem a estar sob domínio de uma minoria
elitizada e dominante, enquanto a maioria da sociedade da época, composta por
pessoas comuns, tinha que se contentar com poucas ou nenhuma área para
sobrevivência.

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Os parágrafos anteriores nos remetem à sociedade brasileira de séculos atrás.


Todavia, as permanências de vestígios culturais, políticos e sociais – em significativa
medida conservadores - daquele período encontram determinadas semelhanças com
a sociedade atual, marcada fortemente, e de forma sangrenta, pela violência nas
áreas tidas como mais interioranas do país, e por uma espécie de incapacidade de
intervenção (ou desejo de não intervenção) das instituições estatais.

A partir da segunda metade do século XX, com o grande avanço do capital, as


regiões brasileiras consideradas anteriormente como periferias em relação ao eixo
Sul-Sudeste, visto como grande centro econômico e social do país, passam a ser
tomadas como novas portas de entradas para a modernização do Brasil. É assim que
a Amazônia adquire outras feições, numa constante e crescente dualidade, muitas
vezes dolorosa e quase sempre massacrante, entre tradição e modernidade. A região
das florestas precisaria se integrar à civilização mundial, modernizar-se
(GADELHA, 2002).

No entanto, aquela atualização da Amazônia para esse olhar ao novo, tido como
moderno, de progresso e futuro - heranças de um pensamento construído ao longo
dos últimos cinco séculos, contrastou com a resistência do tradicional, do que a
região já continha em si há muito mais tempo. Nesta perspectiva, a dualidade
tradição e modernização expõe um viés contraditório que deixa a mostra desde
distintas ideologias de pensamentos até verdadeiros conflitos armados em defesa de
interesses próprios, como as lutas pela terra.

Como destaca Paes Loureiro:

“a Amazônia saiu do isolamento não por um movimento centrífugo, mas centrípeto.


Uma recorrente e paradoxal situação de fronteira, em que o alargamento se faz de
dentro para fora, violentando a cultura. Ela vem sendo desisolada por uma
estratégia de ocupação, sem que possa definir um horizonte que seja de iniciativa de
sua sociedade. O resultado é que esta se vem tornando paisagem de cobiça,
violência e saque, que são bússolas que orientam a expansão a ela dirigida pelo
grande capital. [Em séculos de história] não se pode encontrar sofrimentos similares
aos que estão passando os pobres, os trabalhadores, os índios, os que não foram
convidados para o banquete dos incentivos fiscais – que são vantagens fiscais,
oferecidas ao capital externo, com vistas a atraí-lo” (LOUREIRO, 2015, p. 416).

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A partir do entendimento de Loureiro, percebe-se que as transformações que vem


ocorrendo na região amazônica nas últimas décadas tem afetado de forma muito
profunda o cotidiano de seus habitantes. É inegável que o poder da modernização
que adentrou à Amazônia, respaldado por incentivos fiscais e pelo capital
internacional – bem como por seu modo de produção capitalista – gerou e vem
gerando mudanças extremamente avassaladoras naquilo que é (ou era) tido como
regional e cultural próprios deste espaço, e mesmo utilizando da tradição, ou com
ela hibridizando-se, para multiplicar lucros, algumas vezes sem retorno. Dessa
forma, a concentração de renda, o poder econômico, continua sob domínio de uma
minoria conservadora. Mais do que nunca, a afirmação de que o “Brasil é um país
caracterizado por desigualdades sociais e regionais resultantes da concentração da
riqueza” (GIRARDI; FERNANDES, 2008, p. 74) caracteriza a sociedade brasileira na
atualidade.

Esse permanente confronto entre tradição e modernidade, essa diferença entre


grandes concentrações de terra por uns e pequenas ou nenhuma propriedade por
outros, é o que também gera os violentos conflitos pela posse de terra, como os que
vem ocorrendo na região amazônica nas últimas décadas, por exemplo. O conhecido
massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996, envolvendo distintos interesses e
pontos de vista revela isso. Há uma variedade de sujeitos sociais envolvidos nesses
contextos, muitos em busca de seu lugar ao sol, outros intermediando essas lutas, e
ainda aqueles que visam aumentar seu poderio a proporções maiores. Segundo
Feliciano (2016, p. 12):

“Podemos encontrar uma variedade de denominações e identificações


compreendidas por diversidades culturais, profissionais e/ou diferenciações
geográficas: posseiros, seringueiro, meeiros, varzeiros, lavradores, palmiteiros,
agricultor ribeirinho, pescadores, colonos, agregados, assentados, fecho e fundo de
pastos, castanheiros, geraiszeiros, desempregados urbanos, indígenas, sem-terra,
quilombolas, assalariados, diarista, tratorista, peão, administrador, vaqueiro,
garimpeiro, canavieiro, religiosos, políticos, fotógrafos, comerciantes, professores,
lideranças, sindicalistas, advogados, funcionários públicos e ambientalistas”.

Todos esses sujeitos, e outros, participam do jogo de interesses ao qual se


transformou a luta pela terra no Brasil. As comunidades ditas tradicionais
(indígenas, quilombolas, ribeirinhos, agricultores, etc) são vistas como o oposto –

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antigas, com aspectos de primitivismo, atrasadas – pelos grupos tidos, ou que se


autodenominam, como os do progresso, da modernização (capitalistas, empresários,
administradores, políticos, etc).

Essa dualidade secular, marcada pela violência cultural e física, que deveria ter o
Estado brasileiro como responsável pela minimização ou definitiva tomada de
decisão quanto aos conflitos, acaba por encontrar nas instituições estatais uma
configuração político-administrativa caracterizada pela forte representação que
defende exatamente os interesses daqueles que, como a própria história registrou,
sempre foram os detentores do poder e o transmitiram aos seus herdeiros próximos,
ou ainda aqueles que encontram afinidades no modelo capitalista e a ele juntam-se.
Isso é perceptível, por exemplo, nas eleições brasileiras nos últimos anos, em que
houve um aumento considerável do que chama-se hoje de bancada ruralista,
bancada do agronegócio, e também a bancada evangélica, com características
conservadoras e que àqueles junta-se, fortalecendo-os.

A ocupação de terra é, atualmente, a principal maneira que os camponeses


encontram, organizados em seus movimentos socioterritoriais, para reivindicar seus
interesses no Brasil. Esse tipo de estratégia adotada possui significativa atuação e
forte representatividade, principalmente porque encontra afinidade entre os desejos
e objetivos dos trabalhadores envolvidos, e suas lideranças, nas diferentes regiões
do país. Nashieli Loera (2009) trabalha com a ideia de que esses movimentos
apresentam tal força exatamente pelo fato de estarem numa dinâmica de
relacionamento ativa, em complexas redes sociais, que possibilitam muito do êxito
em suas mobilizações.

“O preâmbulo das ocupações, ou seja, o trabalho de base e as reuniões da terra se


sustentam em redes sociais, de amizade, de parentesco ou de vizinhança, que, com a
circulação de informações entre 'velhos' e 'novos’ acampados sobre a experiência da
ocupação, são fundamentais para que as pessoas participem e a ocupação aconteça.
O conceito de redes sociais é de grande utilidade analítica, pois permite entender,
abarcar e apreender o movimento dos indivíduos envolvidos. Desse modo,
retomando a afirmação de Carvalho (2002), é provável que um dos ‘segredos
íntimos' do sucesso e da capacidade organizativa e de mobilização da organização
dos trabalhadores rurais sem terra seja a sua capacidade de ‘constituir-se como um
tipo de sociedade em rede' (2002, p.44), em que as relações interpessoais, os laços de

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vizinhança e amizade preexistentes tornam possível a espiral das ocupações de


terras” (LOERA, 2009, p. 91).

No entanto, embora o movimento seja fortalecido com tais redes sociais que
conectam grupos em diferentes regiões, o Estado brasileiro, por sua vez, tem
adotado uma política de assentamentos que acaba por se tornar mais uma estratégia
camuflada de reforma do que realmente uma política que se proponha a realizar
uma reforma agrária mais ampla.

Os assentamentos rurais, nesse sentido, constituem uma espécie de reforma agrária


conservadora que vem sendo executada no país. Isso significa afirmar que essa
política não consegue [ou não quer] realizar a desconcentração de terras, minimizar
desigualdades sociais, impedir o êxodo rural e, além disso, tem na Amazônia uma
espécie de válvula de escape para não realizar a reforma nas regiões de ocupação
consolidadas no nordeste e centro-sul (GIRARDI; FERNANDES, 2008).

Percebe-se, portanto, que o próprio Estado cria políticas de reforma que não
atendem às verdadeiras necessidades da questão agrária no Brasil e, principalmente,
não atende àqueles que mais necessitam dela, o que acaba por manter e reverberar
antigos conflitos.

A própria morosidade da justiça brasileira, em termos de análise e julgamentos de


processos referentes a denúncias sobre violência e massacre de envolvidos em
ocupação de terras, por parte de grandes latifundiários, acaba contribuindo com a
injustiça que vem vitimando os grupos menos favorecidos. Isso, por exemplo,
podemos identificar no caso do massacre de dez trabalhadores rurais no município
de Pau D’Arco, no Pará.

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Figura 1: Massacre em Pau Dárco, noticiada no Diário do Pará, 2017.


Fonte: Jornal Diário do Pará, 25 de maio de 2017, p. A2.

Os noticiários, a repercussão na imprensa, sobre tal fato – desde a época em que


ocorreu, em 24 de maio de 2017 até agora – tem sido basicamente sobre o
andamento do processo e as reviravoltas na condenação ou não dos réus, cerca de
17 policiais, que teriam assassinado a tiros “queima-roupa” os trabalhadores. Nesse
sentido, os sujeitos que mais tem aparecido nas repercussões sobre o massacre tem
sido os réus, enquanto as vítimas ou outras possíveis testemunhas ficam como uma
espécie de pano de fundo que contextualiza ou lembra o caso.

Um detalhe que merece ser colocado em evidência aqui, nesse momento apenas em
termos de instigar a reflexão, é a representação do próprio Estado, na figura dos
policiais, envolvido de algum modo na morte desses trabalhadores: Aquele que
deveria proporcionar segurança e bem-estar aos cidadãos foi o mesmo que ceifou-
lhes a vida?

A luta pela terra é, como já dito, um fenômeno histórico no Brasil. Lutar para se ter
um “pedaço de chão”, como comumente se ouve entre a população, é um trabalho
árduo; A burocracia e o jogo de interesses tem dificultado essas conquistas de
direitos por parte dos menos favorecidos e, na maioria das vezes, beneficiado os
grandes proprietários. Se levada em consideração a leitura e análise de outros
direitos garantidos em tratados, acordos, constituições nacionais e/ou internacionais,
o direito à terra pode muito bem ser visto como um direito humano, na medida em
que pra se viver, o direito à vida, à cultura, à alimentação, à moradia, remete

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também ao direito ao território, ao lugar onde se estabelece a casa, as plantações, a


produção, a dignidade (CANUTO; GORSDORF, 2007).

Dessa maneira, o que se pretende evidenciar é a forma como está sendo e como
deveria ser tratada a questão da luta e do direito à terra no Brasil. No entanto,
felizmente, essa é também uma luta que se fortalece a nível mundial, envolvendo
diversos agrupamentos espalhados pelo mundo em prol dos direitos humanos. A
busca pela conquista de direitos sobre território, nesse sentido, não se limita à posse
da terra, mas se destaca também num movimento dialógico com a luta em combate
à antigas mazelas que assolam a humanidade. Assim, conforme aponta os estudos
de Reis (2012, p. 120-121):

“Articula-se uma rede transnacional de camponeses e trabalhadores rurais, da qual


os grupos brasileiros participam ativamente, para pressionar por mudanças no
regime de direitos humanos e na política dos Estados. Provavelmente o mais
conhecido desses movimentos seja a Via Campesina, fundada em 1993 na Bélgica,
do qual fazem partes trabalhadores e pequenos produtores rurais de diversos
continentes, de países ricos e pobres. Aos poucos, a questão da posse da terra vai
entrando na agenda de organismos internacionais, vinculada a temas mais
tradicionais como o combate a fome”.

Diante do que foi exposto, entendemos, portanto, que a questão agrária no Brasil -
com suas características de transformação e permanência histórica dos conflitos,
envolvendo diferentes sujeitos e interesses - encontra na dualidade tradição e
modernidade, na “indecisa” atuação do Estado frente as reformas, na demora e
reviravoltas dos casos judiciais, e na contínua ênfase dada pela mídia aos
tradicionais sujeitos tidos como mais potencialmente representativos deixando
outros à margem, uma forte combinação de fatores que contribuem para a
continuidade de violentos confrontos pela terra.

O que se tem esquecido, dentro disso tudo, é que essas lutas para se conquistar um
território mínimo que seja não se resume ao “chão pelo chão”, mas sim a uma
“relação [que] não é tão somente da terra em si mesma, mas do que ela representa
para esse povo” (CANUTO; GORSDORF, 2007, p.170).

Agradecimentos

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O texto é resultante do plano de trabalho vinculado ao projeto de pesquisa


“Ocupação da terra, paisagem e produção rural nos aldeamentos e colônias
agrícolas do Pará, décadas de 1840-1880”, financiado pelo CNPq, em que
registramos nossos agradecimentos.

Referências
Rafael Souza Ferreira atualmente está vinculado à Universidade Federal do Pará,
como discente da graduação em Licenciatura em História (UFPA-Campus
Ananindeua), onde também vem atuando como bolsista financiado pelo Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação Científica, PIBIC/CNPq. Já possui também
formação na área de Artes, com graduação em Licenciatura em Dança, pela Escola
de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETDUFPA), tendo participado,
como bolsista, de projetos artístico-culturais, de extensão e pesquisa, da referida
área. Já atuou como professor na rede particular de ensino de Belém-PA, e também
ministrou oficinas na Fundação Cultural do Estado do Pará. Tem interesse por
pesquisas que tracem diálogos entre a História, as Ciências Sociais, as Artes e a
Filosofia, tendo afinidades com temáticas relacionados à História Cultural, História
e Cultura dos povos tradicionais da Amazônia, História Contemporânea, História
do Tempo presente, Conflitos e Movimentos Sociais na contemporaneidade,
História da Arte, História da Dança, Dança e Cultura Popular, Arte/Dança
contemporânea, Modernidade e Modernismo, Pós-modernidade e Pós-modernismo.
Já participou (como convidado, ouvinte, performer, avaliador, organizador...) de
diversos eventos, encontros, seminários, fóruns e festivais da área da História e das
Artes. Outras informações podem ser obtidas
em http://lattes.cnpq.br/2517421889553842

CANUTO, Antônio; GORSDORF, Leandro. Direito humano à terra: a construção de


um marco de resistência às violações. In: RECH, D. (coord.) Direitos humanos no
Brasil 2: diagnósticos e perspectivas. Rio de Janeiro: Ceris; Mahuad, 2007.

CARVALHO, Horácio Martins de. A emancipação do movimento no movimento


de emancipação social continuada (resposta a Zander Navarro). In: SOUSA
SANTOS, B. (Org.). Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

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DORNELLES, Soraia Sales. Encontros e (des)encontros ao “fazer a América”:


indígenas e imigrantes no Rio Grande do Sul do século XIX. Anais do XXVI
Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011.

FELICIANO, Carlos Alberto. A pratica da violência no campo brasileiro do século


XXI.In: RAMOS FILHO, SANTOS, L. R. MITIDIERO, M. A questão agrária e
conflitos territoriais. 1 ed. São Paulo: Outras Expressões, 2016.

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política de assentamentos rurais no Brasil: a reforma agrária
conservadora. Agrária (São Paulo. Online), [S.l.], n. 8, p. 73-98, junho 2008.

GADELHA, Regina Maria A. Fonseca. Conquista e ocupação da Amazônia: a


fronteira Norte do Brasil. Estudos Avançados,16 (45), 2002, p. 63-80.

LOERA. Nashieli C. Rangel. Para além da barraca de lona preta: redes sociais e
trocas em acampamentos e assentamentos do MST. In: FERNANDES, Bernardo
Mançano, MEDEIROS, Leonilde Servolo, PAULILO, Maria Ignez (Orgs.). Lutas
camponesas contemporâneas: condições, dilemas e conquistas - a diversidade das
formas das lutas no campo. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 73-93.

LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura Amazônica: uma poética do imaginário. 5°


ed. Manaus: Ed. Valer, 2015.

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reforma agrária e o movimento de direitos humanos no Brasil. Lua Nova, São
Paulo , n. 86, p. 89-122, 2012.

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EM “CIRCUNSTÂNCIAS DUVIDOSAS”: VIOLÊNCIA E


ASSASSINATO DE TRABALHADORES RURAIS EM
PERNAMBUCO (1950-1960)
JOSÉ RODRIGO DE ARAÚJO SILVA

O território que conhecemos hoje como Nordeste brasileiro, desde o período de sua
colonização, a partir do século XVI, foi uma região submetida a interesses políticos e
econômicos dos povos europeus. Muito antes da ocupação de fato, as terras que
correspondem hoje a Pernambuco já serviam como ponto de apoio às negociações
dos portugueses com a população nativa através de entrepostos comerciais
(feitorias) que também se encarregavam de armazenar os produtos levados à
metrópole. Desta forma, a colônia portuguesa foi integrada a uma estrutura que
Wallerstein (1985) denominou economia-mundo. Através da mão de obra
escravizada e integrada ao mercado internacional, a região subsidiou boa parte dos
lucros da metrópole, tanto no período colonial quanto nos subsequentes, sobretudo
com a produção de cana-de-açúcar.

A maior concentração dos engenhos de cana-de-açúcar deu-se na faixa de terra


litorânea da região. As condições climáticas e o solo, associados à saída pelo
Atlântico, favoreceram o processo de exploração da terra. Em Pernambuco, a área
que melhor ofereceu as condições necessárias ao desenvolvimento da plantation foi a
Zona da Mata. Entretanto, a região sul da Zona da Mata possuía uma incidência
maior no volume de chuvas e isto fez com que boa parte dos plantadores de cana
optasse pelo uso de seu solo, como nos esclarece Thomas Rogers:

“Em 1914, por exemplo, a região norte tinha 391 engenhos e a região sul, 973. O sul
também adotou, mais cedo e com mais vigor, a produção baseada nas grandes
usinas. Das 36 usinas construídas antes do início do século XX, 34 se localizavam na
parte sul da região do açúcar. Essa tendência persistiu nas décadas seguintes: mais
usinas construídas no sul, mais engenhos pequenos resistindo no norte. Em 1935, o
sul tinha 54 usinas e 180 engenhos, enquanto no norte havia 13 usinas e 316
engenhos” (ROGERS, 2017, p. 189).

Os engenhos que eram cultivados sob o regime da plantation passaram por


transformações estruturais no final do século XIX e início do século XX. Para

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competir com o mercado internacional, os antigos engenhos banguês foram


adaptados para atender a demanda em larga escala e passaram por um processo de
mecanização. “Daí surgiu a usina, que consistia na instalação da moderna fábrica de
açúcar em terras do antigo banguê e às custas de seu proprietário; quase sempre de
proprietário mais rico” (ANDRADE, 2011, p. 113).

Na medida em que as usinas foram ampliando sua atuação no mercado, houve uma
necessidade maior de produção da cana que recaia diretamente nos domínios das
áreas das usinas. Paulatinamente, os usineiros adquiriam novas terras para atender
a demanda nas moendas e, desta forma, aumentaram a concentração fundiária. O
crescimento da produção gerou reflexos nas atividades daqueles que se dedicavam
ao trabalho nos canaviais.

Os trabalhadores que muitas vezes moravam em pequenos casebres nos “sítios” das
propriedades, praticavam agricultura de subsistência como forma complementar de
alimentação e renda. Com o aumento da produção, esses canavieiros passaram a
não ter mais tempo para estas atividades extras, pois eram solicitados pelo usineiro
mais dias por semana. A este processo, Manuel Correia de Andrade chamou de
“proletarização do trabalhador rural”.

“À proporção que o processo usineiro evolui, a área cultivada com cana vai
aumentando e os proprietários não só restringem os sítios dos moradores, tirando-
lhes as áreas mais favoráveis, como exigem dos mesmos cinco ou seis dias por
semana nos seus canaviais, o que impede os trabalhadores de cuidarem dos seus
roçados. Vai então se processando gradativamente a proletarização da massa
camponesa” (ANDRADE, 2011, p. 129).

É importante ressaltar que as mudanças no cotidiano do trabalho intensificaram os


desgastes entre o patronato e os trabalhadores. A ausência do Estado nas
intermediações dos conflitos trabalhistas foi aproveitada largamente pelos patrões
que reproduziam relações abusivas de poder enraizadas no passado escravista.
“Tomar posição contra essa situação era muito arriscado. Se isso acontecia,
significava a perda do trabalho e a expulsão do engenho” (ABREU E LIMA, 2005, p.
26).

A precarização do trabalho e dos trabalhadores rurais da região impulsionou a


criação de movimentos sociais que, em suas atividades, denunciavam as tensões

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185

sociais existentes entre os trabalhadores e a classe patronal, esclarecendo muitas


vezes aspectos de uma violência física e simbólica que permeavam essas relações de
poder. Após a criação da Lei de Sindicalização Rural em 1944 por Getúlio Vargas, o
Partido Comunista Brasileiro (PCB) intensificou suas ações no campo. Até o início
da década de 1960 o PCB foi um dos principais responsáveis pela orientação e
organização dos primeiros sindicatos rurais, com incursão também nas Ligas
Camponesas.

As cidades da Zona da Mata Sul de Pernambuco nasceram desse processo de


ocupação atrelado à produção agroindustrial na forma da plantation. Em larga
medida, os engenhos e as usinas estruturavam suas relações trabalhistas num
contexto em que a crescente produção do setor sucroalcooleiro vinha associada ao
aumento das práticas de violência. Nesta região, onde a proletarização rural se
estabeleceu com maior força, encontramos inúmeros relatos de agressões físicas e
morais aos canavieiros, bem como os casos de assassinatos desses trabalhadores.

Ao longo de sua história a sociedade brasileira vem se deparando de forma


recorrente com inúmeras situações de violência que permeiam as relações sociais
nos mais diversos segmentos. O uso da força mostra-se comum desde as situações
mais cotidianas até às esferas do macropoder, representado pelo aparato de
segurança estatal. Ao percebermos esta banalização da violência, questionamo-nos
sobre os seus enraizamentos e em muitos aspectos encontramos seus alicerces nas
formas de dominação constituídas ao longo da trajetória do país.

Sobre este tema, destaca-se em particular a violência aos trabalhadores e moradores


das áreas rurais. O uso constante da força com a finalidade de tomar posse da terra
está presente no país desde o período colonial. Os massacres indígenas, a escravidão
dos povos africanos e a submissão forçada dos trabalhadores livres e pobres são
alguns exemplos do chamado “padrão tradicional de dominação na história
brasileira” (MEDEIROS, 1996, p. 5) e estão particularmente ligados ao trabalho e a
vida no campo.

Alguns exemplos clássicos nos mostram de que forma esta violência foi exercida
sobre os grupos que tentaram, através de organizações coletivas, promover a defesa
de seus interesses em torno da terra. Os casos de Canudos e do Contestado
exemplificam bem este aspecto, pois percebemos uma forte intervenção do aparato
policial e do Exército brasileiro com a finalidade de aniquilar qualquer forma de

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resistência. Observamos entre os anos 1950 e 1960 um modelo de relações entre


patronato e trabalhadores rurais que reproduz aspectos estruturais desta violência.

Em suas memórias, Carlos Montarroyos (1982) descreve uma série de prisões e


violência dos trabalhadores rurais em Pernambuco. No livro intitulado O tempo de
Arraes e o contratempo de março, o autor relata com detalhes a vivência e o trabalho de
politização junto aos canavieiros. Montarroyos era membro de uma organização
Trotskista que tinha como finalidade orientar politicamente os trabalhadores do
campo em algumas cidades pernambucanas. Entre as descrições, destaca-se a longa
passagem sobre Paulo Roberto Pinto (Jeremias), que embora não fosse trabalhador
rural de origem, saiu de São Paulo com a intenção de desenvolver atividades junto a
estes no Nordeste. Jeremias foi assassinado no Engenho Oriente, município de
Itambé, em 1963 por capangas do latifundiário da região, Oscar Velozo.

Além do caso de Jeremias, destacamos o massacre ocorrido na Usina Estreliana na


cidade de Ribeirão, também no ano de 1963. De acordo com Gregório Bezerra, cinco
camponeses foram assassinados a mando do usineiro José Lopes da Siqueira Santos
por reivindicarem uma diferença salarial (BEZERRA, 2011, p. 523). O caso teve uma
intensa repercussão na imprensa local da época, entretanto, nada foi feito pela
justiça ou por iniciativa do governo do Estado.

O descaso em relação aos crimes contra estes trabalhadores pode ser constatado não
apenas pelo resultado das sentenças judiciais ou pela forma como a imprensa se
refere a eles, mas, sobretudo pela escassez de dados policiais. Seja por negligência
ou por ação intencional das autoridades da época, não há informações precisas para
determinar o número de camponeses e trabalhadores rurais que foram presos,
mortos ou sofreram retaliações físicas e morais de seus patrões ou da polícia local.
Um silenciamento que impõe dificuldades aos pesquisadores que hoje se debruçam
sobre o tema.

Apesar das dificuldades em mapear os casos de agressões e assassinatos desses


trabalhadores, encontramos na imprensa local diversos relatos que fazem menção
aos abusos físicos. As agressões eram muitas vezes em decorrência das
reinvindicações dos trabalhadores por direitos, mas também poderiam ocorrer por
motivos banais, como nos casos dos trabalhadores que eram pegos muitas vezes
chupando pedaços de cana nas horas vagas. Acusações de furtos, ou até mesmo
divergências religiosas serviam como motivação para as violências. Além dos

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proprietários, os agressores são, na maioria dos casos, os administradores e vigias


dos engenhos e usinas.

Imagem 1

Fonte: Diário de Pernambuco, 05 de Setembro de 1957

Imagem 2

Fonte: Diário de Pernambuco, 09 de Outubro de 1956

Imagem 3

Fonte: Diário de Pernambuco, 17 de Abril de 1958

Embora exista na imprensa uma quantidade significativa de manchetes sobre


agressões físicas e assassinatos, estas apenas sinalizam uma prática constante de
violações aos direitos básicos desses trabalhadores, mas não correspondem à
dimensão nem à frequência dos casos de abusos e violências sofridas
cotidianamente. Por medo de sofrerem retaliações, muitos trabalhadores escondiam
as agressões e garantiam assim a permanência em seus trabalhos. Os que

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188

denunciavam os abusos nas delegacias locais eram muitas vezes silenciados pelos
agentes e delegados que, ao notificarem os casos, omitiam informações que
pudessem responsabilizar os agressores.

“O que esses casos exemplares ilustram, sobremaneira, é a função da violência


patronal dentro da sociedade da Zona da Mata. Não era apenas o compadrio e a
proteção que fazia com que os matadores e/ou mandantes nunca fossem punidos.
Tratava-se de solidariedade de classe entre autoridade e empregadores, no sentido
mais funcional do termo, num sistema em que a violência ou sua ameaça exercia
uma poderosa pressão sobre os trabalhadores para que aceitassem quaisquer
condições de trabalho e de remuneração que os proprietários escolhessem”
(DABAT, 2007, p. 683).

O fator econômico, portanto, deve ser considerado ao pensarmos as sevicias e


assassinatos cometidos na região açucareira pernambucana. Contudo, não podemos
perder de vista a perpetuação de uma “cultura da violência” que foi historicamente
construída na região. Os castigos físicos a que muitas vezes os escravizados eram
submetidos aparecem no período republicano como traços enraizados das relações
de poder exercidas no campo pelos patrões aos seus trabalhadores. Práticas que
aparecem tanto nos jornais e processos judiciais, quanto nos relatos dos próprios
canavieiros. Para melhor compreendermos esta dinâmica, tomaremos como estudo
de caso um processo judicial envolvendo a morte de um trabalhador rural da região
da Zona da Mata Sul.

Em 26 de julho de 1957, registrou-se na Comarca de Ipojuca a notificação de um


assassinato que, nas palavras do escrivão, havia acontecido em “circunstâncias
duvidosas”. Amaro Paulino da Silva fora encontrado sem vida nas terras do
Engenho Dois Mundos. O crime acontecera no dia 14 de junho do corrente ano e na
ocasião fora registrado na delegacia local. De acordo com o registro, o autor do
assassinato seria João Amaro Renato.

Na página inicial do inquérito não consta uma ementa com a descrição do caso. Não
existe um detalhamento de informações relevantes sobre as partes envolvidas, tais
como a idade, a profissão, etc. (o que é de praxe neste tipo documentação). O
escrivão também não pontua quais seriam as circunstâncias duvidosas que levaram
ao assassinato de Amaro Paulino, mas esclarece que após 30 dias de sua morte, o

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corpo foi exumado para uma perícia tanatoscópica por peritos do Instituto de
Medicina Legal (IML). O laudo é enfático:
“SINAIS DE VIOLÊNCIA: Aberto o crânio: a abobada apresenta fratura, no perietal
esquerdo, que se propaga no ardar médio da base (...) choque decorrente de fratura
das abobadas e crânio, por instrumento contundente.”

O inquérito segue afirmando que “esse exame demonstra de maneira clara e


decisiva a existência de um crime”. O laudo expedido pelos peritos era claro quando
afirmava haver sinais de violência na causa da morte, mas os indícios eram
insuficientes para entendermos as motivações que levavam ao assassinato, além da
ausência de dados sobre os envolvidos. Na página seguinte, novos elementos
aparecem, ainda que superficialmente, e nos elucidam algumas lacunas.

“Os indícios da autoria também aparecem com evidente clareza. João Amaro Renato
foi visto por trabalhadores do Engenho “Dois Mundos” e que depuseram (...)
quando esbordoava a Amaro Paulino da Silva que foi encontrado morto momentos
depois, tendo mesmo João Amaro Renato em suas declarações dito que dera
“lapadas” (grifo no original) em Amaro Paulino quando este, por qualquer motivo,
se recusara ir para o trabalho”.

Pela primeira vez nos autos há uma menção à palavra “trabalho” evidenciando as
motivações que levaram ao crime. As testemunhas ainda relatam que a vítima pedia
para que “não mais o acusado lhe espancasse” sendo ignorado diante da fúria do
agressor. O escrivão ainda atesta que em face dos fundamentos expostos seria
decretada a prisão preventiva de João Amaro Renato.

Algumas lacunas, entretanto, permaneciam em aberto. João Amaro Renato teria sido
preso preventivamente conforme a recomendação judicial? Quais os argumentos
utilizados pela vítima para justificar a indisposição ao trabalho? Em quais
“circunstâncias duvidosas” teria acontecido o crime? E por último, mas não menos
importante, qual seria a relação estabelecida entre o acusado e a vítima? As
respostas viriam meses após a notificação de inquérito quando o juiz sentenciou o
caso.

Em 31 de Outubro de 1957, uma sentença confirma os indícios apontados pelo


inquérito policial. João Amaro Renato, 31 anos, solteiro e funcionário do Engenho
Dois Mundos localizado no município de Ipojuca era formalmente indiciado pelo
I SIMPÓSIO ONLINE DE HISTÓRIA DOS ANANINS: ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO
190

crime que havia cometido na manhã de 14 de junho daquele ano. Já no início do


processo (agora com informações pormenorizadas em detalhes), os autos revelam
que o acusado não compareceu quando intimado ao interrogatório, correndo o caso
à inteira revelia. E que também não havia respeitado a ordem de prisão preventiva
fugindo antes mesmo da notificação judicial.

A notificação policial em registro na Delegacia local atribuiu inicialmente a morte de


Amaro Paulino da Silva como “ataque epiléptico”, sendo a vítima encontrada nas
proximidades do referido engenho. Inúmeras mortes de trabalhadores rurais foram
registradas em instâncias judiciais como sendo por causas naturais quando, na
realidade, tratavam-se de vítimas dos abusos do patronato, como nos revela em suas
memórias Paulo Cavalcanti.

“Certa tarde, Aluísio Jordão de Vasconcelos, tabelião da comarca, confidenciou-me


que o cadáver de um operário da Usina Santa Teresa fora sepultado no cemitério
público da cidade com marcas evidentes de sevícias pelo corpo inteiro. A causa
mortis descrita no atestado – enfermidade no fígado –não correspondia à realidade.
(...) Os cadáveres vinham dos engenhos ou das usinas com bilhetes pregados no
corpo: “Morreu do baço” ou “Morreu do fígado”. Preenchidas simples formalidades
médicas, enterravam-se muitas vezes pobres vítimas das arbitrariedades patronais.
Os “capangas” ou vigias dos latifúndios apareciam sempre como os autores desses
crimes desalmados. E ninguém podia pegá-los pela gola, beneficiários que eram da
proteção policial” (CAVALCANTI, 1978, p. 208).

As “circunstâncias duvidosas” que inicialmente registraram o caso caíram por terra


após o depoimento de um irmão da vítima que, três dias depois da morte,
compareceu na delegacia de Ipojuca para prestar o seu depoimento desmentindo o
registro inicial.
“Quando soube por ouvir dizer que seu irmão Amaro Paulino da Silva havia caído e
morrido de um ataque, numa volta do Engenho “Dois Mundos”, na ocasião em que
o administrador do referido engenho de nome João Amaro ia espancando ele seu
irmão”.
“Que ao ter conhecimento do ocorrido dirigiu-se até o local em apreço e ao ali
chegar, deparou-se com seu irmão estendido no solo sem vida”.

O texto ainda segue afirmando que diversos canavieiros presenciaram a maneira de


agir do acusado “espancando a Amaro Paulino porque este relutara em trabalhar

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aquele dia por motivos de saúde”. Considerando as limitações nas condições básicas
de alimentação e assistência médica desses trabalhadores, atrelada ao desempenho
exaustivo das atividades laborais, seria possivelmente verdadeira a justificativa da
recusa ao trabalho.

De acordo com os dados do relatório desenvolvido pelo Instituto Joaquim Nabuco


de Pesquisas Sociais, no início da década de 1960 cerca de 42,4% dos canavieiros
estavam impossibilitados de trabalhar por motivos de saúde (GONÇALVES, 1966).
Desta forma, “a combinação de longas jornadas de trabalho e fome, decorrente da
inadequada remuneração, produziu, ao longo de gerações, uma força de trabalho
marcada por acidentes e doenças do trabalho” (FERREIRA FILHO, 2012, p. 111).

Diante das provas apresentadas, o juiz da Comarca responsabiliza o administrador


do engenho pela autoria do assassinato. Ao relatar seu veredito, afirma que o crime
foi de uma “futilidade gritante” e enfatiza: “matou-se um homem como se mata um
cão a pauladas. De maneira bárbara e feroz. Não houve mesmo um motivo para o
crime”. Nestas condições, o réu foi condenado e preso na ocasião do julgamento.

Através deste estudo de caso e dos demais relatos apresentados, observamos alguns
dos aspectos que motivaram as mais diversas formas de violência os trabalhadores
rurais da Zona da Mata de Pernambuco. Os processos judiciais são de suma
importância para este estudo, tendo em vista que boa parte do material detalha
condutas abusivas em torno do patronato e dos canavieiros. Ancorados nos relatos
da imprensa e nos depoimentos de muitos desses trabalhadores, acreditamos ser
possível compreender marcas do enraizamento de uma cultura da violência que se
reproduz através de práticas e relações de poder recorrentes ao longo do tempo.

Referências

José Rodrigo de Araújo Silva é doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em


História da Universidade Federal de Pernambuco sob orientação da Professora Dr.ª
Christine Rufino Dabat. Mestre em História pela Universidade Federal da Paraíba e
graduado em História pela Universidade de Pernambuco. E-
mail:rodrigope81@hotmail.com

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ABREU E LIMA, Maria do Socorro de. Construindo o Sindicalismo Rural: lutas,


partidos, projetos. Recife: Ed. Universitária da UFPE/ Ed. Oito de Março, 2005.

ANDRADE, Manuel Correia de. A terra e o Homem no Nordeste: contribuição ao


estudo da questão agrária no Nordeste. 8° Ed. São Paulo: Cortez, 2011.

BEZERRA, Gregório. Memórias, 1990-1983. São Paulo: Boitempo, 2011.

CAVALCANTI, Paulo. O caso eu conto como o caso foi – Da coluna Preste à queda
de Arraes: memórias. São Paulo: Editora Alfa-Omega. 1978.

DABAT, Christine Rufino. Moradores de Engenho: relações de trabalho e condições


de vida dos trabalhadores rurais na zona canavieira de Pernambuco segundo a
literatura, a academia e os próprios atores sociais. Recife : Ed. Universitária da
UFPE,2007.

FERREIRA FILHO, José Marcelo Marques. Corpos exauridos: relações de poder,


trabalho e doenças nas plantações açucareiras (Zona da Mata de Pernambuco, 1963-
1973). Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2012.

GONÇALVES, Fernando Antônio. Condições de Vida do Trabalhador Rural na


Zona da Mata de Pernambuco. Boletim do IJNPS. Recife: IJNPS, 1966, p. 117-173.
In: Cadernos de História: Oficina da História – Ano X, Nº 10. 2013-2014.

MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Dimensões políticas da violência no


campo. Tempo, Rio de Janeiro, v. 1, p. 126-141. 1996.

MONTARROYOS, Carlos. O tempo de Arraes e o contratempo de março. Rio de


Janeiro: Folha Carioca Editora LTDA, 1982.

ROGERS, Thomas D. As feridas mais profundas: uma história do trabalho e do


ambiente do açúcar no Nordeste do Brasil. São Paulo: Ed. UNESP, 2017.

WALLERSTEIN, Immanuel. O Capitalismo Histórico. São Paulo: Brasiliense, 1985.

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193

PARTE 4:
HISTÓRIA
E OUTROS
DIÁLOGOS

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194

COLONIZAÇÃO INTERNA E NECROPOLÍTICA:


VIOLÊNCIA, DOMINAÇÃO E O PAPEL DO INTELECTUAL
Rafael Noschang Buzzo

1 INTRODUÇÃO

O processo de dominação e reprodução da cultura das classes dominantes, quer


através das ideologias ou da necropolítica, só é possível através da ocultação dos
sujeitos históricos e domínio da produção intelectual. A educação, visto o contexto
atual, é a única capaz de fazer uma reflexão teórica e forjar um novo caminho social,
fugindo da dominação dos discursos eurocêntricos e de intolerância. A escola
deveria ser o centro formador de cidadão e emancipadora, mas somente
corresponde a fixar valores da classe dirigente e das desigualdades sociais.

2 COLONIZAÇÃO DO SABER: HOMO HOMINI LUPUS

Nos dias atuais, quando analisamos o cotidiano, imediatamente concordamos com


Frantz Fanon quando ele diz: “Libertação nacional […] é sempre um fenômeno
violento. Em qualquer nível que estudemos.” (FANON, 1968, p. 25) Nossa
sociedade fragmentada, dividida entre classes desiguais, precisa novamente
libertar-se. O antigo colonialismo foi substituído por uma forma terrível de
exploração, disfarçada de ações democráticas e de discursos demagógicos, aniquila
milhares de vidas com uma violência invisível, perpetrada pela economia e política
(ZIZEK, 2014).

O sistema de exploração atual, modernizado, tem suas raízes na implementação e


“invenção” da modernidade, tanto como categoria de pensamento, crença e valores.
Mas, como chegamos ao extremo da exploração? Como somos subjugados ao poder
da morte? Como nossa educação e o conhecimento passaram a serem excludentes?

O sistema proposto pelo Professor Achile Mbembe (2016) explica em partes nosso
sistema de exploração atual, nosso Sistema Mundo. A necropolítica e o necropoder
são formas eficazes das novas ocupações neocoloniais. O que podemos
compreender por necropoder é uma forma de poder que tem características
especiais como dinâmica de fragmentação territorial, acesso proibido e expansão de
assentamentos, visa o controle social e a segregação.

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195

O controle de movimentação social que Mbembe chama de “rede complexa de


fronteiras internas e várias células isoladas” (MBEMBE, 2016, p 136) pode ser
aplicado, como o autor escreve, no caso da Palestina, e na nossa sociedade, nas
favelas e periferias. Essa divisão em pequenos espaços são obra da soberania para
fragmentar e imobilizar a população residente.

A tensão entre a aplicação desta fração teórica de Mbembe para as camadas pobres e
miseráveis é que para o autor, que citando Eyal Weizman, acredita que os espaços
ou territórios escolhidos para os assentamentos, como os da Palestina e na
Cisjordânia, são “dispositivos ópticos de controle social”, enquanto que as favelas e
as periferias são locais de esquecimento. Na margem, há a possibilidade de controle
social pela exclusão não pela vigia. Consoante, novamente entre teorias, nessa
exclusão está o controle, separação e, mais importante, reclusão. Não basta estar
excluído, deve-se ficar na periferia, não circular os locais sociais das classes.

O dispositivo ou governo que exerce a soberania provém de um Estado


independente. Não sofre da colonização clássica, já operou o processo de
independência. Como um governo autônomo perpetra a necropolítica?

Diferente dos exemplos de Achille Mbembe, sobre os regimes coloniais tardo-


moderno, da Palestina ou Cisjordânia, a necropolítica é método para os Estados
capitalistas modernos ou usando o termo de Sayak Valencia, Capitalismo Gore.
Sendo uma referência ao sistema capitalista hegemônico e global que utiliza a
violência extrema, explicita e injustificada “como precio a pagar por el Tercer
Mundo que se aferra a seguir las lógicas del capitalismo, cada vez más exigentes”
(VALENCIA, 2010, p. 15). A violência intrínseca no capitalismo, com seu poder de
morte e de ocultamento do outro, desmedidamente tem origem na junção da
episteme da violência ao capitalismo. Por episteme da violência Sayak explica:

“como el conjunto de relaciones que unen nuestra época con las prácticas,
discursivas o no, que se originan de ésta, creando ciertas figuras epistemológicas
contemporáneas que no guardan relación directa con lo que se había venido
conociendo como los modelos adecuados de interpretación de la realidad; creando
así una fisura en los pactos éticos occidentales y en la aplicabilidad del discurso
filosófico occidental ante las condiciones económicas, sociales, políticas y culturales
del mundo actual.” (VALENCIA, 2010, p.27)

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196

Há sincronia com o pensamento de Mbembe, que vê a violência extrema em uma


escala global, vasta com a depreciação das forças produtivas (MBEMBE, 2014, p.
299). Porém, como são transferidos os valores do mundo externo aos países que já
fizeram suas independências?

A colonização Interna se dá como evolução do estado burguês capitalista e opera


nos níveis econômicos, sociais e culturais (CASANOVA, 2007). É fruto de nativos
que não foram totalmente exterminados e escolhidos pelo colonizador para fazer
parte do governo colonizador. Após os processos de independência retorna ao
capitalismo neoliberal. As minorias, os grupos sociais que não faziam parte da elite
colonizada sofrem “condições semelhantes que caracterizam o colonialismo e o
neocolonialismo” (CASANOVA, 2007 p. 410). Os eleitos para fazerem parte da elite
colonizada assumem cargos no governo central, cargos militares as
responsabilidades jurídicas, oferecem aos participantes de sua classe vantagens e
benefícios. (CASANOVA, 2007, p. 410).

A elite colonizada, agora no poder do novo Estado-Nação, explora as classes abaixo,


tidas como inferiores, “homo homini lupus”, a frase filosófica de Platos aplica-se
aqui. Exerce com todo o peso sobre a minoria o peso da morte, da violência e da
necropolítica. Neste estágio surge o projeto da modernidade, que é a submissão da
vida do homem sobre o signo da técnica e da ciência, por meio do controle da
natureza. (CASTRO-GÓMEZ, 2005, p. 80).

Os traços da colonização são visíveis em todos os níveis sociais, principalmente na


estratificação social, onde a epidermização, assim como o fator econômico é
inferiorizante (FANON, 2008, p.28). Na atualidade o “mundo das raças” continua
existindo, sendo a linguagem usada na descrição do Outro, sua relação com a
memória e o poder. (MBEMBE, 2014, p.102). O sistema de “raças” funde-se com de
classe oprimida, sendo quase sinônimos. Para que isso ocorra, “a lógica deve ser
agregada à lógica do lucro, à política da força e ao instinto de corrupção (MBEMBE,
2014, p. 112),

O projeto de modernidade proposto por Santiago, pressupõe uma instância central,


que o estado, de onde todo o poder parte, organizando a vida de forma racional,
canalizando desejos, interesses e emoções dos cidadãos às metas definidas por ele. O
Estado Moderno detém, além de outras ferramentas, o controle e monopólio da

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violência. Usada na tentativa de ajustar, encaixar ou submeter a vida dos homens ao


sistema de produção e ao tempo do trabalho (CASTRO-GÓMEZ, 2005, p. 81).
Porque a elite, o Estado-Nação ou o colonizador vê a minoria como inferior?

Uma boa pista pode ser encontrada em Franz Fanon. Como indivíduo colonizado
sofre um aprisionamento pela violência a “[...]não ultrapassar o seu limite [...]”
(FANON, 1968, p. 39) todo o psicológico do colonizado, do autóctone, do indígena é
“muscular”, visceral, violento. O colonizado, apesar de toda a hostilidade, inveja o
colonizador (FANON, 1968, p. 39) é natural que quando assume o papel do
colonizador na gerência do novo Estado-Nação, garanta sua permanência no poder,
seus benefícios, seus lucros e a experiência própria de ser colonizador. Age em prol
de seus interesses e por querer ser colonizador.

Os Estudos Subalternos também fornecem balizas para enquadrar e compreender a


situação das classes oprimidas. Nascido dos estudos marxistas indianos que
possibilitaram a clarividência da história dos oprimidos, antes apenas visto da
perspectiva colonizadora e hegemônica. Contra a história colonialista os
movimentos subalternos dão voz à história dos oprimidos e dos excluídos
(FIGUEIREDO, 2010, p. 84). Vemos a subalternidade em todas as sociedades
colonizadas, onde o subalterno não é somente o oprimido, mas faz parte do mundo
capitalista, global e excludente, de onde o sujeito não tem voz e outras classes falam
por ele (SPIVAK, 2010, 275).

Neste contexto as classes oprimidas em todo o Sul global podem ser vistas como
subalternos, na instância de que quando não sofre da colonização clássica, sofre de
neocolonialismo ou de colonização interna. A subalternização das classes baixas
ocorre no ato da colonização, como o mito da modernidade. Porém antes devemos
ver o mecanismo de dominação da classe dirigente ou da elite: a hegemonia.

A hegemonia não é imposta como se prevê, mas algo aceito espontaneamente,


diretamente das classes dominantes para as massas. O consenso é histórico e vem do
prestígio e da confiança que adquiriu na implantação do mundo da produção. O
aparelho do Estado assegura legalmente a dominação por meio de repressão aos
que não consentem (GRAMSCI, 2001 p. 21).

A modernidade traz uma nova forma de ver o Outro. Para Dussel (1993) a
modernidade nasce quando o europeu se vê como portador do direito sobre o

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198

Outro, além disso, justifica a violência é justificada pelo mito da modernidade onde
o conquistador define sua cultura como superior, mais desenvolvida, o vencido é o
bárbaro, inferior, rude, subdesenvolvida, imatura, culpável. A violência empregada
na conquista foi necessária, para emancipar, tem utilidade de civilizar de trazer a
modernidade. O mito da modernidade é vitimar o inocente, culpando-o por isso e o
sofrimento é o preço por se modernizar. “Segue-se a mesma lógica na Conquista da
América como na Guerra do Golfo” (DUSSEL, 1993, p. 76).

O que assistimos hoje, o processo de globalização, o capitalismo levado às últimas


consequências, a colonização interna, são, como vimos, frutos da colonização das
americanas. Para fundamentar esse processo foi necessário construir o sistema de
raças, expressão máxima do pensamento colonial e altamente hegemônico. Somente
compreendendo esse fenômeno conseguimos entender a colonialidade do poder
(QUIJANO, 2000, p. 201) e consequentemente do saber. Mbembe completa: “o
nascimento da questão de raça – e, portanto, do Negro – está ligado à história do
capitalismo” (MBEMBE, 2014, p. 299).

A ideia de raça, associada com a natureza do trabalho exercido, forjam o novo


conceito de identidade. Sendo imposta uma rigorosa divisão racial do trabalho
(QUIJANO, 2000, p. 204). Podendo caracterizar cada raça com um determinado
trabalho. Assim, a dominação de uma forma específica de trabalho, representava
uma forma de dominação de uma raça. “Lo cual, hasta ahora, ha sido
excepcionalmente exitoso” (QUIJANO, 2000, p. 205). Para a fornalha capitalista
funcionar é necessário a queima de corpos, estes corpos são provenientes da
racialização dos seres. Dito de outra forma, para o capitalismo explorar os recursos
do planeta é preciso, sempre, do subsídio racial (MBEMBE, 2014, p. 299).

3 OS INTELECTUAIS COLONIZADOS

Os intelectuais têm função impressionável na sociedade, tanto para reforçar ou


descortinar a dominação. Gramsci dedicou muitos de seus cadernos e escritos a falar
sobre o intelectual. Para ele os intelectuais são os preferidos do grupo dominante
para exercer a função da hegemonia social (GRAMSCI, 2001, p. 21). No seio de cada
grupo social é criado um grupo de intelectuais com a função de tornar homogenia e
consciente de suas funções, “não apenas no campo econômico, mas também no
social e político” (GRAMSCI, 2001, p. 15).

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Toda a ação descolonizadora necessita de um estopim. Franz Fanon, Memmi,


Déves-Valdés, Said, todos intelectuais que participam ativamente da
descolonização. Toda a ocultação histórica é perversa porque esconde o passado e
diminui os feitos do povo, esta é uma guerra de desinformação. O intelectual que
não pretende manter o pacto colonial e pretende desvelar a hegemonia das classes
dominantes, deve aderir a luta da informação, onde o professor tem o papel
fundamental de levar a produção intelectual dos autores autóctones que contribuam
para o crescimento intelectual e descolonizante.

A colonização do saber é atrelada à intelectualidade colonizada, reproduzindo


discursos eurocentristas e quando produz conhecimento nacional, está carregado
dos velhos preconceitos e da visão internamente colonizada. Franz Fanon concede
sua perspectiva sobre o fenômeno, explica como e porque o intelectual colonizado
tenta fazer esse resgate a suas culturas:

“inconscientemente talvez os intelectuais colonizados não podendo enamorar-se da


história atual de seu povo oprimido, não podendo admirar sua presente barbárie,
deliberaram ir mais longe, mais fundo, e foi com alegria excepcional que
descobriram que o passado não era ~e vergonha mas de dignidade, de glória e de
solenidade reivindicação de uma cultura nacional passada não reabilita apenas; 'em
verdade' justifica uma cultura nacional futura.” (FANON, 1968, p. 175)

Conclui o autor:

“Ao colonialismo não basta encerrar o povo em suas malhas, esvaziar o cérebro
colonizado de toda forma e todo conteúdo. Por uma espécie de perversão da lógica,
êle (SIC) se orienta para o passado do povo oprimido, deforma-o, desfigura-o.
aniquila-o. Essa tarefa de desvalorização da história do período anterior à
colonização adquire hoje sua significação dialética.” (FANON, 1968, p. 175)

O intelectual mergulhará no mundo do seu povo, mas não somente na


nacionalidade, o golpe deve ser dado a nível continental. Devido ao colonizador
nivelar todos os indivíduos pela cor de sua pele, desconsidera as peculiaridades de
cada povo, de cada nação. Na África todo negro era negro, não era angolano ou
senegalês, era negro! (FANON, 1968, p. 176). Assim como para o colonizador da
América Latina, todo indígena era indígena, seja Mexica, Guarani Mbya ou Olmeca.
O mesmo ocorre na colonização interna. Para a elite ou classe dirigente existe a

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tendência a considerar todos como inferiores, iguais, com cultura sem valor, feia,
pobres.

A história desvelada, não é aquela onde citamos os agentes históricos. Antes disso, é
realmente seu papel na história. Usamos o exemplo de Dussel: “Os povos e etnias
indígenas americanas não entram na história mundial como contexto do
descobrimento da América [...]” (DUSSEL, 1993, p.90) aparecem como parte da
paisagem, não como atores, com suas convicções, ações, resistência e
interesses. Sartre diria: “Las masas de Pekín y ele Shanghai no hacen la Historia; la
sufren.” (SARTRE, 1965, p. 16).

A ocultação da história é a forma corrente com a classe dominante controla e


mantém sua hegemonia. Completa Chesneaux: “El aparato del estado trata de
controlar el pasado, al nivel de la politica práctica y al nivel de la ideologia, a la
vez.”(CHESNEAUX, 1981, p. 29). O Estado, consequentemente a classe dominante,
utiliza o poder do passado em forma de tradição para legitimar sua posição.
Manipula elementos culturais envoltas no seu princípio de dominação
(CHESNEAUX, 1981, p. 30). Entretanto, para os professores, o que mais interessa no
livro de Jean Chesneaux é a forma com em que trata sobre a manipulação implícita:

“As veces también la utilización del pasado es menos directa, menos explícita. Si se
llama a la historia em defensa del orden estabelecido y de los intereses de las clases
dirigentes, es por el rodeo de la ideología difusa: manales escolares, filmes y
television, imaginería […]” (CHESNEAUX, 1981, p. 31)

Ou seja, não podemos ser inocentes ao tratar da história, devemos ser críticos,
lembrando de Zizek quado ele define ideologia: “"Ideologia" pode designar
qualquer coisa […] desde o meio essencial em que os indivíduos vivenciam suas
relações com uma estrutura social até as ideias falsas que legitimam um poder
político dominante.” (ZIZEK, 1996, p. 7). Assim, todo o projeto social atual está
envolto na camada ideológica da classe dominante, para, acima de tudo, manter a
classe baixa, baixa e a classe dirigente no poder.

4 CIRCULAÇÃO DE IDEIAS E VALORIZAÇÃO DOS INTELECTUAIS DO SUL

A circulação de ideias, exemplificada por Déves-Valdés, como a sinergia gerada


entre diversos agentes intelectuais, é pressuposto para a descolonização do saber

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(DÉVES-VALDÉS, 2010, p. 142). Insiste, em suas obras a importância da circulação


de ideias para as redes intelectuais. Na visão do autor as Redes Intelectuais são
canais privilegiados através das quais as ideias circulam e da qual os intelectuais
atuam, potencializando o empoderamento destas intelectualidades. (DÉVES-
VALDÉS, 2010, p. 123).

Assim, os intelectuais do sul, aqueles que agregam peso ao movimento de


descolonização do saber, podem facilmente serem lidos e estudados nos centros
intelectuais. Através das Exportações Eidéticas, que é o canal que transporta as
ideias, como livros e revistas, estas ideias poderiam ser incorporadas no pensamento
de pessoas de outras regiões (DÉVES-VALDÉS, 2010).

Esse movimento é capaz de trazer impulso para ações voltadas a descolonização do


saber ou dos corpos. O próprio Professor Mbembe fala do pensamento que há-devir,
“[…] um pesamento da vida, de reserva da vida, do que terá de escapar ao
sacrifício. Deve ser um pensamento em circulação, um pensamento em movimento,
um pensamento-mundo” (MBEMBE, 2014, p. 300). Universidades, centros de
estudos, grupo de trabalhos, assim como qualquer comunidade que passe por um
processo ou queira descolonizar-se contaria com a vasta rede da circulação das
ideias. Entrando em contato com universidades, por exemplo, do Chile, pioneiro
nos estudos da decoloneidade, ter estudos da vanguarda no assunto. Podem,
através das Redes Intelectuais, adquirir experiências na educação descolonizadora.
Ao mesmo tempo que tem acesso à vanguarda do pensamento pós-colonial nas
Universidades de Gana ou Camarões.

O uso das Redes Intelectuais através da circulação das ideias, tem a função básica de
transmitir o conhecimento produzido por intelectuais do Sul – conhecedores da
causa e da decoloneidade. Para os propósitos de descolonização do saber é
imprescindível a valorização dos intelectuais do Sul. A manifestação, através de
iniciativas e movimentos de globalização contra-hegemônica é o que Boaventura
(2009) chama de Cosmopolitismo Subalterno. Para o autor faz parte de uma rede
extensas e de movimentos contra a exclusão social, política e cultural (SANTOS,
2009, p. 180). Citado como exemplo por Boaventura, o Fórum Social Mundial seria
um movimento de cosmopolitismo subalterno ou na teoria de Déves-Valdés,
exportação eidética, formando uma rede intelectual.

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O cosmopolitismo subalterno, como movimento, defende o entendimento do


mundo fora da lógica ocidental, de que o conhecimento não é global como a própria
globalização. Assim, muitos conhecimentos além do ocidental foram identificados e
uma infinidade de outros conhecimentos estão para serem descobertos.
A epistemologia do mundo, para ser mais preciso, epistemologia não ocidental, só
será construída partindo de intelectuais do Sul. Pois, a diversidade requerida pra
seu desenvolvimento não partirá do ocidente, mas sim, partindo do Sul. Assim
como Chakrabarty (1992) revela que há a constante necessidade de utilizar escritores
europeus para analisar, explicar ou basear as sociedades periféricas, devemos fugir
dessa lógica e buscar a epistemologia do Sul. Analisada e discutida dentro de nosso
sistema social, por nossos intelectuais. Não esquecer ou desvalorizar o
conhecimento produzido por milênios de conhecimento europeu. Mas, acima de
tudo, apenas complementar o nosso conhecimento.

REFERÊNCIAS

Rafael Noschang Buzzo – Pós-graduando em História e Cultura Afro-brasileira –


rnbuzzo@gmail.com - http://lattes.cnpq.br/1380326098437307

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CHESNEAUX, Jean. Hacemos Tabla Rasa Del Pasado? España: Siglo Veintiuno,
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204

A CONDIÇÃO PÓS-MODERNA DO REAL NO CINEMA


CONTEMPORÂNEO
Leonardo Inácio Grazziani

Devemos compreender que o problema de definição de “cinema pós-moderno”


incide no conceito como fenômeno cultural. É preciso estabelecer a diferença entre
pós-mordernidade (referindo-se a um período histórico) e ao pós-modernismo (que
se refere ao campo cultural de estudo da contemporaneidade – porém não sendo
necessariamente contemporâneo). O período da modernidade é definido a partir da
revolução industrial com o boom tecnológico criado pela linha de produção e da
estruturação de uma nova sociedade (com novas classes sociais e novas tecnologias
disponíveis). Já o modernismo se encontra entre séc. XIX e XX, que trazia uma nova
perspectiva de técnicas e criações artísticas (o que Hobsbawn traz como uma nova
expressão do artista, que se encanta com o mundo e se transforma para um
romântico, apreciador da natureza e daquilo que é belo).

Podemos perceber o sentido de pós-modernidade em Bauman definido


comoModernidade líquida, que é uma crítica referida a uma ideologia constituída e
reproduzida dentro do pós-modernismo no qual a fluidez e dinâmica cultural com
interação e constituída na globalização fomentam uma fragilização e relativização
de aspectos particulares, não estabelecendo uma linha de continuidade ou
transformação, o que enfraquece a identidade cultural e as ações sociais, diferente
de uma modernidade sólida do período da sociedade industrial, da sociedade da
guerra-fria. Optamos por uma relação do momento, um simulacro do presente,
onde não se tem dinâmica suficiente para o fenômeno identidade cultural, onde cada
vez mais perdemos a essência de liberdade, mesmo sendo fomentado o discurso do
“Sim, você pode” [Yes, you can]. O volátil e a insegurança são o que define o
presente, criando as doenças como ansiedade e depressão apresentada por Han
(Byung-Chul) em seu livro sociedade do cansaço (2015) e como Pucci Jr aponta em seu
texto, o pós-modernismo suscita um tempo em que por um lado é apolítica e
inautêntica, porém por outro é livre de pressões e inadmissões de outros tempos.

O termo ganhou forças na literatura de John fowles e Doctorow, porém logo se


destacou por servir como um termo a se elogiar ou criticar alguma expressão
artística, dependendo do texto e da forma abordada pelo seu autor. Pode-se

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205

perceber que o principal motivo do nascimento dessa alcunha de uma arte pós-
moderna está ligado no modo que a mesma foge das classificações tradicionais
encontradas no período que a obra fora criado, e que suscita um diálogo de
característica de diversas escolas artísticas (como por exemplo: a clássica,
modernista, vanguardista, expressionista, surrealista, etc.) não podendo ser definido
em um único termo, pois não apresenta uma única especificidade. Porém o principal
elemento implantado foi à cultura de massa em suas expressões, como vemos na
arquitetura e os seus edifícios (que incluíam as representações culturais artísticas
das escolas tradicionais mais os elementos culturais locais) e nas artes plásticas com
seu pop art (com o figurativismo e o abstracionismo) rivalizando ambos com a arte
moderna. Compreendemos essa evolução e diferenciação da arte nos períodos
históricos: Média (saber não é nada); Moderna (saber é poder), e; contemporânea
(não se sabe).

O surgimento da sociedade de consumo do séc. XIX afetou signitivamente as artes


de todos os setores pela necessidade de produção de mercadorias em massa para
satisfação do consumismo e pela entrega do gosto (ou saber o que é arte) ao
mercado – o mesmo que Hobsbawn se refere como o ditador da liberdade do artista:
“ou faz o que se quer, ou morre de fome” – e, portando, definindo que “no
vestuário, nas comunicações e na arte, incluindo-se o cinema, tudo passou a ser
volátil como nunca, resultando na debilitação do sentido histórico dos atores
sociais” (PUCCI JR, 2006. p367) e que sua deformidade nos signos “produziria o
retrato de uma supermetrópole mergulhada no caos” (PUCCI JR, 2006. p367). Assim
necessitamos do termo pós-modernidade para referenciar a pluralidade da
característica cultural e artística do fenômeno artístico do contexto (como o pastiche –
o jogo da imitação) e o elemento da nostalgia (já que há uma fluência de diversos
períodos, características e não há definição, uma certeza, a Historicidade do objeto
fica impossível – o que Fukuyama poderia dizer como o fim da história mais uma
vez). Podemos dizer que a pós-modernidade cria um simulacro do real não-
presente, o que nos define e forma nossa identidade não necessitando ser no
contemporâneo, mas sim, de qualquer período – recriando uma situação social do
passado e presente, reconfigurando uma tradição, uma cultura. Na pós-
modernidade não há a originalidade, porém há uma relação direta com a cultura de
massa, a cultura do seu consumidor.

Harvey em seu estudo intitulado a condição pós-moderna (1993) demonstra no


capítulo O tempo e o espaço no cinema pós-moderno que os artefatos culturais utilizados

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206

por esse novo Fenômeno (a pós-modernidade) consiste numa pluralidade variada


de vertentes, associado ao “ecletismo de sua concepção e [a] anarquia do seu
assunto” (HARVEY, 1993. P277). Os conceitos de tempo e espaço presentes nos
filmes são apresentados como movimentos, não seguindo uma linearidade,
utilizando-se de recortes e uso serial direcional em efeitos. Como primeiro impulso
do modernismo cultural, o cinema toma nesse novo período a união entre as
culturas populares e o cientificismo academicista, que proporciona uma construção
mútua de identidade e a formação de uma nova estética da contemporaneidade. O
autor analisa o filme Blade Runner (1982) e como os traços da problemática pós-
moderna se apresentam e são desenvolvidos. O filme cria uma visão de realidade de
um futuro decadente, onde a alta tecnologia e a crise pós-industrial da sociedade
convivem no mesmo ambiente. Num estilo steam punk, o filme trata de um mundo
que criara Replicantes, robôs que fariam as funções mais pesadas dos humanos,
porém com uma característica bem peculiar: duram somente quatro anos. Isso é
devido ao medo que essa tecnologia causa a essa nova população, já que são
melhores em todas as características e tributos comparados aos humanos. Harvey
diz que “Deve-se observar que os Replicantes não são meras imitações, mas
reproduções totalmente autênticas, indistinguíveis em quase todos os aspectos dos
seres humanos. São antes simulacros do que robôs.” (Harvey, 1993. P278).

O objetivo de criação dessa nova tecnologia está no fator tempo que a pós-
modernidade criou como problema. Pela quantidade elevada de funções e a
fragilidade cultural do presente, não havendo mais uma uniformidade e divisão de
tarefas, a dinâmica do tempo necessitou ser controlada com maior “qualidade”.
Vivemos num eterno presente, não havendo tempo para o passado. Por isso o autor
trata que “Os Replicantes existem, em resumo, na corrida esquizofrênica do tempo
que Jameson, Deleuze e Guattari e outros vêem como algo tão central na vida pós-
moderna [...]”. E continua: “[...] Eles também se movem num espaço com uma
fluidez que lhes dá um imenso arcabouço de experiência. Sua persona equivale em
muitos aspectos ao tempo e ao espaço das comunicações globais e instantâneas”
(Harvey, 1993. P278). E com a constante valorização do presente não
havendo tempo para um passado, a foto digital – ou o novo Fenômeno, selfie –
cristaliza um momento que Historiciza o evento na sua história – oulinha do tempo –
e traz importância social para seu autor. Sem essa ferramenta, não há como
constatar e provar tais fatos. Sem o registro, o autor não obtém seu valor e
reconhecimento em seu meio. Na pós-modernidade, a memória se perde e vivemos
no eterno presente. Como Harvey fala que “[...] as fotografias são feitas agora como

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provas de uma história real, pouco importando qual possa ter sido a verdade dessa
historia. A imagem é, em resumo, prova da realidade, e as imagens podem ser
criadas e manipuladas” (HARVEY, 1993. P280) assim como alertava Benjamin sobre
a aura do momento que se perdeu na modernidade. O real se perde como fator
humano.

Assim compreendemos que o movimento da pós-modernidade é relacionado entre


o cientificismo e o cultural. A comunicação e a constante globalização das
informações possibilitam um movimento de características particulares circularem
em todas as sociedades. Com o fenômeno da internet, notamos que não há mais a
unicidade do local. Com o imperialismo, a dominação geopolítica de locais fez um
colorido racial unir culturas, formando um novo fenômeno contemporâneo. Um
Europeu pode se reconhecer no continente asiático, africano, americano... Vivemos
numa fragilidade que não conseguimos mais nos identificar, não sabemos mais
quem somos. A alta tecnologia, a velocidade da dinâmica social e a simultaneidade
de signos podem alimentar nosso consciente, porém o caos, a decadência e o pós-
industrial da pós-modernidade é o que está em nosso inconsciente. Por isso: Somos
fruto de escolhas pessoais ou imposições? Como Harvey conclui “Se há uma crise de
representação do espaço e do tempo, têm de ser criadas novas maneiras de pensar e
de sentir. Parte de toda trajetória para sair da condição da pós-modernidade tem de
abarcar exatamente esse processo” (HARVEY, 1993. P288). O real não é o fato, mas
sim a construção, seja ela social, política, cultural, etc. Por isso se entende que as
cidades fragmentadas e o caos dos signos significam a crise do presente – a crise de
representação das formas culturais – e o que nos aguarda é o período da pós-verdade, da
fragmentação e da incerteza. O real deixa de existir, passando a realidade ser ditada
pelo hyper-real.

Referências

Sobre o autor:

-Graduado em Licenciatura em História pela Faculdade Porto Alegrense (2018)

-Membro fundador do Grupo Autônomo de Pesquisa Sair da Grande


Noite. Site:https://sairdagrandenoite.com/

-Lattes: http://lattes.cnpq.br/3502540684102644

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208

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de janeiro: Jorge


Zahar, 1998.

HARVEY, David. A condição pós-moderna uma pesquisa sobre as origens da


mudança cultural. 6ª ed. São Paulo: Loyola, 1993.

PUCCI JR, Renato Luiz. Cinema Pós-Moderno. In: MARCARELLO, Fernando


(org.). História do Cinema Mundial. SP: Papirus, 2006.

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209

AGRICULTURA, AGROECOLOGIA E O DIÁLOGO ENTRE


SABERES TRADICIONAIS E CIENTÍFICOS A PARTIR DA
ATIVIDADE EXTENSIONISTA NO TERRITÓRIO VELHO
CHICO (BA)
Heron Ferreira de Souza*
Moisés Leal Morais*

Introdução

O processo histórico de colonização dos territórios latino-americanos foi e, em certa


medida, é marcado pela subvalorização e/ou supressão das culturas, memórias,
saberes, fazeres, identidade dos diferentes povos e comunidades tradicionais.

O extermínio dessas populações tradicionais e o subjulgamento / subvalorização dos


seus saberes e fazeres representou (representa) a estratégia colonialista de
dominação e exploração dos povos e seus territórios (recursos naturais) e colocou
em curso o projeto de ocidentalização, calcado no paradigma do progresso científico
e tecnológico, na urbanização (IANNI, 2009), na ideia de crescimento econômico e
mais recentemente de desenvolvimento.

Disso advém três questões importantes que precisamos nos debruçar:


1) Os argumentos em torno da necessidade de adoção do modelo ocidental de
sociedade e da própria concepção de desenvolvimento como algo tangível e
necessário a todos os povos do planeta é um mito, conforme nos lembra Furtado
(1974), uma vez que:

“A ideia de desenvolvimento apenas tem sido de utilidade para mobilizar os povos


da periferia e levá-los a aceitar enormes sacrifícios, para legitimar a destruição de
formas culturais [tradicionais], para explicar e fazer compreender a necessidade de
destruir o meio físico, para justificar formas de dependência que reforçam o caráter
predatório do sistema produtivo”.

2) A ideia de progresso, fortemente associada aos avanços científicos e tecnológicos,


assentou-se na concepção hegemônica de conhecimento científico e de ciência

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210

(ocidental) como modelo explicativo universalizado. Disso, comumente dicotomiza-


se ou hierarquiza-se a produção de conhecimento a partir da “ciência moderna” e
tudo que a ela se opõe não é considerado ciência ou conhecimento (CUNHA, 2007).
Como nos lembra Cunha (2007), Lévi-Strauss e Evans-Pritchard através de seus
estudos já afirmaram que a produção de conhecimento pelos povos tradicionais é
regida sob base lógica, protocolo rígido, na busca pelo conhecer, porém o que
diferencia o conhecimento tradicional do considerado científico é exatamente sua
base operativa, isto é, enquanto a ciência moderna, que possui hegemonia na
produção do saber, “usa conceitos, a ciência tradicional usa percepções. É a lógica
do conceito em contraste com a lógica das qualidades sensíveis” (CUNHA, 2007,
p.79);

E 3) O momento atual representa a crise da civilização ocidental, não apenas do


capitalismo. Os sinais dessa crise civilizacional não significa o fim da ciência
moderna ou sua demonização, mas a urgente necessidade de sua reinvenção a partir
do diálogo sensível de saberes (tradicionais e científicos) (SANTOS, 2003; 2007).
Porém, é importante salientar que o objetivo desse diálogo não deve ser validação
de um saber (tradicional) por outro (científico), mas o reconhecimento e valorização
de mecanismos diferentes de compreender o “mundo”, que se constitui como o
lugar da vida, o espaço social e a natureza em sua indissociabilidade. E de como
esses protocolos / mecanismos diferentes de entender os processos sociais e naturais
podem contribuir para a ressignificação da ciência moderna no escopo de outro
projeto social, que inclui formação humana e técnico-científica também
ressiginificada. Como reforça Cunha,

“não se trata aqui, como muitos cientistas condescendentemente pensam, de simples


validação de resultados tradicionais pela ciência contemporânea, mas do
reconhecimento de que os paradigmas e práticas de ciências tradicionais são fontes
potenciais de inovação da nossa ciência” (2007, p.80).

A partir desse contexto, destaca-se a importância dessa proposta de trabalhar com o


diálogo de saberes – tradicionais e científico, pois também se alinha aos
pressupostos objetivos da Política Nacional de Cultural no que concerne a
valorização dos conhecimentos tradicionais e sua inserção na educação formal,
conforme Art 2º da LEI Nº 12.343, DE 2 DE DEZEMBRO DE 2010 (BRASIL, 2010)
que destaca:

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211

“I - reconhecer e valorizar a diversidade cultural, étnica e regional brasileira;


II - proteger e promover o patrimônio histórico e artístico, material e imaterial;
III - valorizar e difundir as criações artísticas e os bens culturais;
IV - promover o direito à memória por meio dos museus, arquivos e coleções;
VI - estimular a presença da arte e da cultura no ambiente educacional;
VII - estimular o pensamento crítico e reflexivo em torno dos valores simbólicos;
VIII - estimular a sustentabilidade socioambiental; [...]
X - reconhecer os saberes, conhecimentos e expressões tradicionais e os direitos de
seus detentores. “

Nessa perspectiva, a partir do desenvolvimento do projeto de extensão “O sertão vai


virar” arte, re-encontro e diálogos: construindo versos, estórias e telas sobre
conhecimentos tradicionais dos povos do Velho Chico” vislumbramos a construção
de espaço para troca e o registro de saberes tradicionais e científicos entre os povos
do campo e os estudantes da Escola Família Agrícola do São Francisco – Paratinga,
vinculados ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA, no
Território de Identidade denominado Velho Chico, localizado no Oeste da Bahia.
Com isso, buscou-se consolidar os princípios da Agroecologia enquanto ciência
emergente fundamentada na compreensão da agro-socio-biodiversidade e no
diálogo de saberes e fazeres dos povos do campo, mas também na necessidade de
fomentar práxis pedagógicas na educação profissional do campo calcadas na
dialogicidade, na experimentação, na criatividade, no respeito à diversidade.

Construindo extensão e a troca de saberes com sujeitos do campo

A partir da prática de extensão objetivou-se a articulação entre a comunidade


estudantil da Escola Família Agrícola do São Francisco (EFASF), em Paratinga (BA),
junto a agricultores (as) familiares, povos do campo do município de Paratinga e do
Território Velho Chico, a fim de construir diálogos e trocas de saberes tradicionais e
científicos sobre a convivência com o semiárido, a produção cultural e sua relação
com questões indentitárias, além das atividades laborais e produtivas realizadas no
campo.

A proposta de trabalho teve como pressuposto metodológico a pesquisa-ação sobre


o patrimônio cultural imaterial (conhecimento tradicional) dos povos e
comunidades tradicionais (quilombolas, fundo de pastos e indígenas) e
assentamentos de reforma agrária do Território Velho Chico atendidos pela EFASF

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212

de Paratinga (BA), especificamente no âmbito dos estudantes do Programa Nacional


de Educação na Reforma Agrária – PRONERA / IF Baiano Campus Serrinha.

Com esse propósito, delineou-se as como fases ou etapas do trabalho, sob a


perspectiva da pesquisa-ação como intervenção coletiva, colaborativa e dialogada,
as seguintes:

1. A etapa inicial da pesquisa-ação:

Nessa etapa promoveu-se espaços formativos dos estudantes do PRONERA / IF


BaianoCampus Serrinha, vinculados a EFASF em Paratinga (BA), para “compreensão
e respeito à sabedoria popular, à maneira como os grupos populares se
compreendem em suas relações com seu mundo” (FREIRE, 2001). Portanto, deu-se o
foco aos princípios da Educação Popular, Agroecologia e Metodologias
Participativas.

Nesse processo de formação se buscou, a partir da Agroecologia, compreender,


respeitar e valorizar os conhecimentos dos povos e comunidades tradicionais e do
campo, entendendo de que modo esses conhecimentos tradicionais fortalecem a
Agroecologia enquanto ciência emergente, modo de vida e visão de mundo.
Portanto, busca-se tensionar a descolonização do saber, em que os sujeitos históricos
sejam compreendidos como produtores da cultura, visto que “cultura é toda criação
humana” (FREIRE, 1981, p.109) e que o conhecimento tradicional tem sua
racionalidade circunscrita no sistema de valores locais dos diferentes povos e
comunidades tradicionais.

2. A etapa de socialização e avaliação

Nessa etapa foi realizado o I Encontro de Agroecologia, cultura e saberes na Escola


Família Agrícola do São Francisco (EFASF) de Paratinga (BA), a fim de
proporcionar o encontro, a troca e o diálogo entre as diferentes comunidades, povos
do campo e os estudantes envolvidos no projeto.

Esse Encontro contou com o desenvolvimento de oficinas, rodas de conversa e


apresentações artísticas que permitiram o intercâmbio de saberes tradicionais e
científicos, além da manifestação de expressões culturais, através de grupos
artísticos do Território Velho Chico, envolvendo estudantes, professores,

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213

coordenadores e a comunidade de entorno. Além disso, foi possível construir uma


coleta de dados sobre práticas culturais, saberes tradicionais e modos de vida em
comunidades camponesas, no passado e no presente, a partir de uma memória do
trabalho ou de expressões poéticas, através das quais emergem percepções acerca
das paisagens, do mundo do trabalho e das identidades no Território Velho Chico.

Essas informações foram sistematizadas e reunidas na Cartilha Agroecologia, cultura e


saberes tradicionais no Território Velho Chico que dispõe de três capítulos em que se
faz uma incursão sobre a formação histórica do Território Velho Chico e os sujeitos
sociais que tiveram lugar nesse processo (indígenas, quilombolas, comunidades
ribeirinhas, fundo de pasto e o colonizador português); os saberes relacionadas ao
labor camponês na lavoura, a partir da confluência de conhecimentos tradicionais e
científicos, agricultura e agroecologia; além das representações em forma de arte,
evidenciadas através de escritos poéticos, sobre a paisagem, a diversidade e as
juventudes no Território Velho Chico. A seguir apresentaremos uma síntese dessa
cartilha, dado enfoque a formação territorial e saberes tradicionais que emergem no
Território Velho Chico.

Formação territorial e saberes tradicionais no Território Velho Chico

O Território Velho Chico, corresponde ao espaço que, a partir de 2007, integra


dezesseis municípios baianos que estão localizados às margens do Rio São
Francisco. Porém, mesmo que a delimitação e nomeação dessa espacialidade
remontem a década passada, a sua ocupação está articulada ao modelo de
povoamento desenvolvido no Brasil antes e depois do processo de colonização
portuguesa (MDA, 2010).

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214

Mapa 1 – Comunidades Tradicionais no Território Velho Chico

Fonte: MORAIS, Samuel, 2018.

Desse modo, a partir do século XVI, áreas que anteriormente estavam povoadas por
etnias indígenas foram cobiçadas e ocupadas pela empresa colonial portuguesa,
assentando-se atividades de exploração econômica no território através da criação
de gado. No final do século XVII, com o advento da exploração de minas de ouro no
Alto São Francisco, dinamizou-se a ocupação populacional entre o Rio Paraguaçu e
o Rio São Francisco, no trajeto por onde se estabelecia uma rota do comércio de
gado e o acesso para as minas auríferas (SEI, 2017).

Identifica-se no território Velho Chico a existência de povos tradicionais. São


comunidades Indígenas, Quilombolas, Fundo de Pasto e Ribeirinhas cuja presença
está vinculada ao processo historio da formação territorial. Ademais, são
comunidades que detém um acervo de saberes tradicionais que foram transmitidos
de geração em geração.

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215

Atualmente, verifica-se, nos municípios de Ibotirama, Muquém do São Francisco e


Serra do Ramalho, distribuídos ao longo do Território Velho Chico, a presença de
cinco etnias indigenas: Atikúm, Kiriri, Pankaru, Pataxó e Tuxá, as quais refletem a
resistência que foi construída diante do processo civilizatório mobilizado pelo
colonizador português (SEI, 2018).

Com relação às Comunidades Remanescentes de Quilombos, quarenta e duas destas


estão certificadas, desde 2004, no Território Velho Chico. Esse contigente encontra-
se nos municípios de Barra, Brotas de Macaúbas, Bom Jesus da Lapa, Cariranha,
Malhada, Moquém do São Francisco, Paratinga, Riacho Santana, Serra do Ramalho e
Sítio do Mato (FUNDAÇÂO PALMARES, 2018).

Há também quinze comunidades de Fundos de Pasto situadas nos municípios de


Barra, Brotas de Macaúbas e Oliveira dos Brejinhos. Algo peculiar entre seus
moradores corresponde à existência de certo grau de parentesco e a prática do uso
comum das áreas de caatinga para as atividades de pastoreio extensivo ou
semiextensivo de caprinos e ovinos, e, em menor proporção, para a agricultura de
subsistência (MDA, 2010; SEI, 2018).

É importante ressaltar que o surgimento das Comunidades de Fundo de Pasto


deriva do modelo de ocupação do território colonizado pelos portugueses, uma vez
que, ao preservar o litoral para o cultivo da cana de açúcar, reservava áreas extensas
no interior para a pecuária. E, com a crise da produção açucareira, no final do século
XVIII, a atividade pecuarista desenvolvida no interior do território também
declinou. Diante desse cenário, desenvolveram-se diversos núcleos populacionais
que passaram a praticar o uso coletivo das terras em que antes havia a criação
extensiva de gado (ALCÂNTARA & GERMANI, 2009).

O modelo de colonização desenvolvido no Brasil pautado no latifúndio,


monocultura e o uso de mão de obra escravizada trouxe como consequência a
concentração da propriedade fundiária. No Território Velho Chico essa lógica de
ocupação territorial se reproduziu. A implantação de atividades econômicas ditadas
pelos interesses do elemento colonizador implicou na expulsão de povos indígenas
das áreas por eles ocupadas. Mais recentemente, a edificação de Barragens e de
grandes empreendimentos agrícolas, têm corroborado para a concentração da
propriedade da terra no Território Velho Chico.

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216

Diante disso, reforçam-se as desigualdades sociais no campo, conforme dados de


2006, os quais indicam que dos dezesseis municípios que integram o Território
Velho Chico, nove destes apresentam um grau de concentração de “forte a muito
forte”, destacando-se os municípios de Barra, Muquém do São Francisco e Malhada.
Nesse contexto, tem emergido demandas por acesso a terra e a formação de
assentamentos de reforma agrária (SOUZA & RAMOS, 2010; RIBEIRO &
OLIVEIRA, 2015).

Constata-se, atualmente, no Território Velho Chico, a presença de muitos


empreendimentos agropecuários que fazem o uso intensivo de máquinas, insumos e
implementos e o desenvolvimento de uma agricultura Comercial (SEI, 2018).
Remonta a década de 1970 as obras de infraestrutura que possibilitaram o
desenvolvimento de uma produção agrícola com essa característica, ao viabilizar a
integração territorial, através da construção de rodovias, como a BR 242, e pontes
sobre o Rio São Francisco. Todavia, antes da consolidação desse cenário
predominava a prática da agricultura de subsistência, como afirma Antonio
Bertunes ao comentar que:

“(...) de primeiro sobrevivia da roça, colhia da mesma roça e alimentava da mesma


roça. (...) E sobrevivia do peixe também, pegando o peixe e comendo” (ANTONIO
BERTUNES, 2018).

Cultivava-se feijão de arranque, feijão de moita, arroz, batata, milho, abóbora e


mandioca para produzir farinha e outros derivados para atender o consumo
familiar durante o ano. Esse cultivo estava associado à criação de animais de
pequeno porte, a chamada “criação miúda”, constituída de porcos, ovelhas e
galinhas que eram utilizados para suplementar a dieta alimentar (ANTONIO
BERTUNES, 2018; VAGNALDO SILVA, 2018).

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217

Quadro 1. Glossário da agricultura tradicional

As atividades de subsistência eram desenvolvidas a partir da mobilização de


saberes tradicionais. Fazia-se o uso de instrumentos de trabalho artesanais, como o
furão; o preparo da terra para o plantio era efetivado com o arado movido por
tração animal; não havia o uso de adubos químicos; em áreas de uso coletivo e sem
cercas realizava-se o plantio e a criação; e a escassez de mão de obra na família era
compensada com práticas de solidariedade e mutualismo através dos mutirões na
lavoura.

É válido reconhecer que muitos dos saberes tradicionais relacionados aos povos do
campo guardam uma estreita relação com povos indígenas e africanos que
estiveram presentes ao longo da formação histórica brasileira.

Por exemplo, muitas das comunidades remanescentes de quilombo no Território


Velho Chico estão assentadas em territórios ancestrais outrora povoados pela

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218

população negra escravizada oriunda das fazendas de criação de gado e da


atividade mineradora (SEI, 2018).

Há informações sobre africanos escravizados que foram destinados para a Povoação


de São Francisco das Chagas da Barra do Rio Grande do Sul, atual município de
Barra, e que a produtividade da lavoura e da criação dependia dos seus saberes
(IBGEa, 1958).
Vale ressaltar que povos africanos trazidos como mão de obra escravizada para o
Brasil conheciam técnicas e tecnologias relacionadas ao cultivo da cana de açúcar,
arroz, banana, amendoim, além da pecuária e mineração, saberes que o colonizador
português não dominava (CUNHA JÚNIOR, 2009).

Ademais, há inúmeras comunidades ribeirinhas no Território Velho Chico, situadas


em municípios localizados as margens do Rio São Francisco (SEI. 2018). Tais
comunidades possuem diversos saberes tradicionais relacionados, por exemplo, à
pesca artesanal, à fabricação de equipamentos para navegação e pesca, assim como
conhecimentos acerca das espécies biológicas existentes no Rio (CUNHA JÚNIOR,
2009; SANTOS & SANTOS, 2017).

Considerações finais

Podemos compreender o território como resultado e condição das relações sociais e


que articula relações de poder nas dimensões econômicas, políticas e sociais entre os
diferentes sujeitos (Saquet, 2011; Raffestin, 2010). Nesse sentido, tem lugar nesse
processo o conflito, a luta, a resistência e a negociação. A territorialidade evidencia
essa dinâmica desenvolvida no território e que se desdobram em seu movimento de
des-re-construção.

No que concerne ao Território Velho Chico, a diversidade de povos tradicionais


(Indígenas, Quilombolas, Ribeirinhos e Comunidades de fundo de pasto) que
trazem consigo memórias, tradições, modos de viver e produzir a vida, ao tempo
que apresentam singularidades, estabelecem, também, articulações com dimensões
mais gerais da formação histórica. Portanto, muitos dos saberes tradicionais
identificados contemporaneamente no Território Velho Chico, guardam uma
estreita relação com esse processo, correspondendo ao legado de uma
ancestralidade indígena e africana presente na sua formação social e econômica.

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219

Referências

*Heron Ferreira de Souza é Doutor em Educação pela Universidade Estadual de


Campinhas (UNICAMP) professor de Geografia do Instituto Federal Baiano –
Campus Serrinha. e-mail: heronifbaiano@gmail.com
*Moisés Leal Morais é Mestre em História regional e Local pela Universidade do
Estado da Bahia (UNEB) e professor de História do Instituto Federal Baiano –
Campus Catu.

ALCÂNTARA, Denílson Moreira de & GERMANI, Guiomar Inez. Fundo de Pasto:


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Desenvolvimento Sustentável do Velho Chico. 2ª edição. Bahia, Novembro de 2010.
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SAQUET, M. A. Por uma geografia das territorialidades e das temporalidades:
uma concepção multidimensional voltada para a cooperação e para o
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SEI - SUPERINTENDENCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA
BAHIA. Anuário Estatístico da Bahia2016. Salvador: Publicações SEI, 2017.
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SOUZA, Regina Celeste de A. & RAMOS, Alba Regina Neves Ramos. Rio São
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Econômico. Ano XII. Ed. Esp. Dezembro de 2010, Salvador, BA.

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221

Fontes orais

BERTUNES, Antonio Luis. Entrevistado por Maria Aparecida Vieira Santiago em 25


de abril de 2018.
SILVA, Vagnaldo. Entrevistado por Maria Aparecida Vieira Santiago em 25 de abril
de 2018.
SOUZA, Zelma. Entrevistada por Maria Aparecida Vieira Santiago em 25 de abril de
2018.

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222

PSICANALISE, ARTE E RERODUÇÃO: DO SENTIMENTO


OCEÂNICO AO FIM DA AURA NO CAPITALISMO
Pablo Rodrigo Barreto Coelho

RESUMO

A vida do autor é a sua fonte de inspiração, pelos momentos que viveu o artista é
capaz de idealizar a sua produção, sua inspiração é o que vê, ouve, toca, o que sente
e o que contempla. Uma vez terminada, a obra de arte passa a possuir uma Aura
que comunica algo ao seu interlocutor. Entretanto, a arte é uma produção humana,
sujeita à forma humana de existir e encontra no capitalismo uma nova forma de ser
(ou deixar de sê-lo).

INTRODUÇÃO

Por maior que sejam as diferenças entre épocas ou culturas, o ser humano
compartilha a mesma estrutura cerebral e psíquica, não atoa, em todos os cantos do
mundo temos pensamentos semelhantes com duvidas sobre a origem e destino do
ser humano, crenças religiosas que pregam a existência de criaturas e divindades
fantásticas. Esse sentimento de insegurança e desconhecimento sobre as incógnitas
do universo é trazido a nós por Freud, este seria o alicerce das religiões e concepção
humana sobre o mundo. Essa concepção humana da realidade se materializa no
momento em que é representada por meio de estátuas de deuses, músicas sobre
sentimentos, histórias sobre ocorridos míticos, explicações místicas, entre outros.
Mas todas essas produções estão sujeitas à inspiração e talento do seu autor, estão
ligadas a ele bem como ele está ligado ao momento de sua concepção.

A importância do evento está no seu acontecer, no que Walter Benjamin chama de


Hic et Nunc (Aqui e Agora). A obra de arte que possui êxito é aquela que nasce da
vivência do momento, e que para além do seu Hic et Nunc, na sua execução é
preenchida (ou coberta, você escolhe) de Aura, conceito também de autoria de
Benjamin. A Aura seria aquilo que é capaz de causar admiração, surpresa e espanto,
que se mostra sublime, interpelando as emoções de quem com ela dialoga.

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223

Entretanto, quando surgem as primeiras produções em massa de obras de arte


entramos numa perspectiva diferente. As cópias feitas pelas frias engrenagens do
maquinário seriam ainda obras artísticas? Com o capitalismo muitas coisas
passaram a ser mercadoria, uma delas são as produções artísticas, de obras únicas
foram surgindo cópias e moldes que suprem apenas o desejo da compra e
proximidade, mas não carregam a expressão do autor.

O INÍCIO DA MOTIVAÇÃO ARTÍSTICA EM FREUD

Freud, ao desenvolver um conceito chamado de “sentimento oceânico”, da uma


pista para o surgimento religioso e artístico, este seria a sensação que a religião (ou a
religiosidade) produz no homem, e que por se tratar de algo que vai além da
singularidade de cada um torna-se gigantesco, interminável, “do tamanho do
oceano”, é como uma ligação entre todos os Homens, ele não se prende em uma
religião específica, seria o sentimento de perscrutar algo superior. Freud cita Goethe
para poder se expresser: “Wer Wissenchaft und Kunst besitzt, hat auch Religion;
Wer jene nicht besitzt, der habe Religion!” (1974, pg. 93) (Aquele que tem ciência e
arte, tem também religião; O que tem nenhuma delas, que tenha religião), ai se
encontra uma pequena comparação entre a dedicação à arte e a ciência com a
religião no sentido de preencher as necessidades humanas, tanto no poder de
criação, interpretação e reprodução do mundo em que vivemos. Uma forma de lidar
com o “sentimento oceânico”.

A arte é uma síntese entre o que o autor inspira do mundo e expira, essa devolução
que ele faz do ar respirado carrega toda sua interpretação do mundo e junto dela
sua produção, essa relação se liga com o que Freud diz sobre o id de uma criança
que torna-se adulta: “o embrião não pode ser descoberto no adulto” (1974, pg. 84),
Freud refere-se tanto ao corpo que com o tempo muda quanto a psique humana que
se desenvolve conforme passamos pelos mais diferentes momentos em nossa vida.
Esse desenvolvimento mental e emocional é o que vai dar vazão à produção
artística.

As buscas por explicações para o sentido da vida também são de total importância,
“a vida humana baseia-se em duas metas, a meta positiva que é a busca pelo
aumento do prazer e a busca negativa, que é a diminuição do sofrimento” (Freud,
1974), são momentos distintos, mas dialogam entre si para tornar a vida
“suportável” ou “explicável”, ambos elementos tendem a articular-se com a

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224

produção artística onde o homem assume, ao menos inconscientemente, o papel de


criador e trás à vida as suas fantasias sendo elas escritas, plásticas ou sonoras. O
importante é o desenvolver criativo, proporcionar existência a algo que não a tinha e
compartilhar essa existência com outas pessoas, dar vida à pedra, harmonizar a
escrita, compor algo que transmite o que não se é capaz de traduzir, trazer à vida,
assim como nós fomos trazidos.

Para tanto, Freud alega que o artista se destaca das pessoas “comuns” (1974, pg. 93),
ou aqueles que possuem apenas a religião como forma de interpretação da sua
realidade. O artista tem o dom de criar, de desenvolver algo que não existia, torná-lo
acessível a todos. Quando a arte, através da sua Aura toca interlocutor, ela produz
uma narcose que consegue, ao menos momentaneamente, afastar os pensamentos
que afligem a vida de quem a admira; para além do ópio do povo (na religião), a
produção artística é o ópio do artista e do seu interlocutor.

O AQUI, O AGORA E A AURA

A unicidade de uma obra de arte encontra par na unicidade da sua concepção. Ao


vislumbrar o balançar dos galhos de uma árvore ao vento, ao sentir conforto no
canto de um pássaro experimentamos um acontecimento único, se nos inspiramos
estamos dispostos a dar vazão à emoção, podendo ser através da pintura de um
quadro, escrevendo uma crônica ou compondo uma canção, esse momento que é a
conversão do vivido e interpretado por nós é o Hic et Nunc, Benjamin “[...] é nessa
existência única, e somente nela, que está realizada a história à qual a obra de arte
esteve submetida no decorrer de sua duração” (2017, pg. 36), ou seja, a obra feita é
única, bem como o momento vivido, preenchendo a obra com toda a carga da
experiência vivida, para Gonçalves (2006)

“por mais perfeita que uma reprodução se apresente, ela sempre estará desprovida
da característica de autenticidade, de seu hic et nunc (aqui e agora), descrita como a
unidade de sua presença no próprio local onde se encontra, presença que lhe
confere toda sua história.”

De toda essa situação que permeia o humano temos a sua forma de externar o que
ele sente e vive, Benjamin alega que o surgimento da arte deu-se na antiguidade,
onde o Homem a produzia com o intuito religioso (2017, pg.). Assim, a inspiração
do seu autor, o esforço gasto na sua produção, o seu valor simbólico, o seu uso como

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instrumento de fé, e sua originalidade de um tempo remoto tornaria este objeto


único, algo “carregado” de Aura, de impacto, de emoção, ainda mais se
concebermos que a função da obra criada não é estética, mas prática.

Logicamente, por ser condicionada ao tempo, a produção do ídolo na antiguidade


não possuía (ou se possuísse, não seria a sua principal intenção) a conotação artística
com a ideia de “arte pela arte”, buscando a fuga sobre pontos de crítica social ou
semelhantes, apenas buscando o enquadramento no definido como belo. Por estar
em outro cenário sua função era outra. Benjamin afirma: “as transformações sociais,
das quais essas mudanças do modo de percepção não eram mais do que a
expressão” (2012, pg.15), então são o reflexo da sociedade e dos seus valores. Ontem
foi ídolo, hoje ela aproxima fisicamente um passado distante, impossível de ser
alcançado.

Independente do que é, quando munido de Aura, nos toca, é o caso de obras como
Monalisa, David, de Michelangelo, das Quatro Estações de Vivaldi, elas se impõe e
nós contemplamos, então, para a pergunta “O que é a Aura?”, Benjamin responde:
“É uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição
única de uma coisa distante por mais perto que ela esteja.” (ARAÚJO, 2010, pg. 125).

REPRODUÇÃO E MORTE DA AURA

Benjamin viveu no momento em que o cinema era a grande inovação artística,


pouco tempo após o advento da fotografia, nesse momento existia uma grande
discussão sobre a reprodutibilidade de obras através da fotografia e de teorizações
sobre o cinema.
O cinema era duramente criticado, uma vez que sua própria forma de produção é
especial, não baseando-se num exemplar único que fosse esculpido ou pintado,
Benjamin comenta:

“No caso das obras cinematográficas, a reprodutibilidade técnica do produto não é,


como por exemplo, nas obras da literatura ou da pintura, uma condição imposta
externamente para sua difusão massiva. A reprodutibilidade técnica das obras
cinematográficas funda-se imediatamente sobre a técnica de sua produção.” (2017,
pg.62)

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O cinema em sua produção e consumo é uno. Uma atividade de grupo voltada para
o consumo em massa. Além do que, é feito por atores que não são,
obrigatoriamente, os mesmos do teatro, por edição, sem necessariamente seguir
uma linha causal em sua confecção.

Temos as ações do ator de cinema que, por mais que sejam sinceras e verdadeiras,
são balizadas por inúmeros profissionais que o guiam. A idealização do filme, não
pertence, necessariamente, ao ator ou corpo técnico que o produz, por tanto, toda a
construção, produção e distribuição fílmica seriam desprovidas de Aura.

Ou seja, a ação do ator de cinema não encontra um Hic et Nunc pois o momento é
montado de forma artificial. Sobre a diferença entre o ator de teatro e o de cinema:

“Este distingue-se do ator teatral pelo fato de sua performance artística, em sua
forma original, a partir da qual se realiza a reprodução, não ocorrer diante de um
público aleatório, mas diante de um comitê de especialistas, os quais, na qualidade
de diretos de produção, diretor, operador de câmera, engenheiro acústico,
iluminador etc., podem tomar a todo tempo a atitude de interferir em sua
performance artística.” (Benjamin, 2017, pg. 72)

Assim, com uma nova forma de se desenvolver um trabalho artístico e com uma
facilidade muito maior em sua exposição, o véu da Aura é retirado do objeto, uma
vez que no seu intuito primário as obras não seriam feitas para serem consumidas
pelo grande público, (lembremos do caráter ritualístico/religioso das peças) apenas
pessoas escolhidas interagiam com as peças. Uma fotografia original é idêntica a
uma cópia, ela perda a sua unicidade, com o filme dá-se o mesmo processo, não
somos capazes de identificar a peça original. Torna-se irrelevante a distinção uma
vez que todas as peças se assemelham na linha de produção. Assim é com qualquer
produção artística.

A MORTE DA AURA NO CAPITALISMO

A popularização torna acessível a todos a posse da obra e retira dela o seu carácter
originário (religioso) e o adapta para as novas formas artísticas e consumistas da
época. Ora, à grande oferta de réplicas existe um grande público consumidor. Surge
a arte ao alcance de todos, a arte que recebe na indústria uma nova forma de
quantificação e significação, advém a indústria da produção artística para as massas.

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227

Agora todos podem ter uma peça exatamente igual à cobiçada, contudo, por mais
semelhante que seja a réplica, ela não é a obra original.

Por isso, o fechamento em si das formas artísticas dá-se às elites, uma vez que a arte
buscaria refúgio em nichos para poderem se manter originais:

“As Vanguardas Modernistas apostaram no choque da ruptura, fundado num


sentido estético e político específico como no Dadaismo, no Futurismo, no
abstracionismo, no Surrealismo, no Cubismo, com seus manifestos públicos e uma
perspectiva de interferência na realidade, mesmo que no sentido de abrir novas
possibilidades de comunicação e valores pictóricos e poéticos. Se por um lado essas
vanguardas se denominavam críticas e transformadoras da sociedade, por outro
lado tornaram-se subjetivistas e fechadas em si mesma, elitizando-se, perdendo
contato com o grande público e renunciando a realidade objetiva.” (Paes, pg 3)

Ou seja, a nova forma de se conceber a arte e o seu papel, encontra em si mesmo o


fim do ciclo. Uma vez que as grandes obras e produções são expostas e
comercializadas entre as elites (que mantém o Valor de Culto da obra), resta ao
grande público apenas o simulacro, uma cópia do “exterior” da obra (o Valor de
Exposição).

Abre-se mão do valor conceitual e histórico das peças uma vez que as produções
remetem apenas a comercialização fetichista da obra, baseando todo o cerne de sua
produção na obtenção de lucro e não na relação dialética entre ser e universo.

CONCLUSÃO

A reprodução das obras abrem mão do Hic et Nunc, pois as replicas não são obras
inspiradas nas vivências humanas, nas tentativas de interpretação de mundo ou em
qualquer outra situação em que o ser humano se depara com as conclusões (ou
perguntas) que chegou ao observar a sua situação enquanto ser limitado e
temporário. As réplicas das indústrias são simulacros que se apropriam da imagem
externa das obras, voltados à satisfazer o desejo estético do comprador. A produção
em massa dos simulacros não prevê a satisfação do autor (religiosa, contemplativa,
etc.), mas o retorno financeiro.

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Enquanto tínhamos estritamente a arte relacionada de forma direta à religiosidade, e


à síntese que o autor faz do mundo à sua volta, era possível encontrar diferentes
ações e momentos que convergiam em um único fim, o Sentimento Oceânico que
coloca o ser humano em perspectiva sobre questões fora de sua alçada, o momento
em si de contemplação e inspiração, conceituado no Hic et Nunc e a união destes na
produção e conclusão da obra revestida de Aura. De toda essa ação surge a obra
única com um fim especifico, a adoração, contemplação oferenda. Encontramos na
fotografia o passo seguinte onde a reprodução da obra através do filme fotográfico
torna possível a sua massificação e em união à essa forma de consumo chegamos ao
cinema, este que é em todas as suas instancias de produção e consumo voltada as
massas.

REFERÊNCIAS

Pablo Rodrigo Barreto Coelho


Cidade: Porto Alegre
Graduando em História pela FAPA – Faculdade Porto-Alegrense.
Membro fundador do GAP (Grupo Autônomo de Pesquisa) - Sair da Grande Noite.
https://sairdagrandenoite.com/
Cursando especialização em Ciência da Religião (FAVENI)
Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K8004060T4

ARAÚJO, B. O conceito de aura, de Walter Benjamin, e a indústria cultural. Pós.


Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP,
n. 28, p. 120-143, 1 dez. 2010.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Porto
Alegre: L&pm Pocket, 2017. 167 p.
FREUD, Sigmond. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1974. 309 p. 21 v.
GONÇALVES, Alexander. O fim da arte pensado a partir do conceito de “aura” de
W. Benjamin. 2006. Disponível em:
<http://www.urutagua.uem.br/009/09goncalves.htm>. Acesso em: 1 abr. 2006.
PAES, P.C.D.; Arte Contemporânea e Indústria Cultural: O capitalismo como
determinante estético. On-line, Acessado em 27/11/2018. Disponível em:

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229

<https://www.ifch.unicamp.br/formulario_cemarx/selecao/2012/trabalhos/6622_Paes
_Paulo%20Cesar.pdf>

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A MASCULINIDADE DE HEITOR NA OBRA DE HOMERO


Ana Maria Lúcia do Nascimento

A Ilíada faz parte de um dos grandes marcos da literatura europeia influenciando


fortemente a literatura ocidental reproduzindo “a compilação e a fusão da tradição
oral, constituindo as obras iniciadoras da literatura grega escrita” (LOPES, 2013, p.
119). Um clássico que possui beleza tal que erradia o leitor até os dias atuais. Versos
que foram eternizados pelo rapsodo Homero. Como lamenta Helena, "Triste destino
Zeus grande nos deu, para que nos celebrem nas gerações porvindouras, os contos a
excelsos dos vales.” Os versos não apenas eternizaram os personagens e suas
características como serviu para os gregos, tempos depois, verem refletidas uma
imagem ideal do seu glorioso passado.

Ser lembrado por seus feitos é a glória de um herói homérico. Aquiles, um dos
exemplos mais marcantes da Ilíada, optou pela morte, pois sabia que a partir do
momento que matasse Heitor morreria e receberia as exéquias de honra. Optou pela
morte visando a gloria do por vir ao ser cantado como herói pelos Aedos. Ser
lembrado por seus feitos é também um peso por toda a vida. Helena, personagem
que arrebata amor e ódio, além de ser importantíssima na ilíada, sem ela o ápice
para a guerra não teria existido, ao proferir as palavras acima se referia a toda a
desgraça que adveio de suas ações guiadas por Afrodite e que no futuro seria
perpassada quando esses versos fossem cantados pelos poetas.

Cantos que a mais de 2.500 anos atrás serviam como instrumentos para a educação
social e política do povo grego, exercendo uma influência importante no dia a dia.
Conforme vemos na seguinte passagem de Souza (2007, p. 196):

"A poesia sempre exerceu um papel educativo e normativo entre os gregos. De


Homero a Platão, a cultura grega mostrasse completamente impregnada pelos
efeitos da poesia na formação ética, política e pedagógica das crianças e dos jovens.
Fenômeno estruturador do pensamento grego, a poesia é norteada por
determinados valores e princípios que definirão a ação dos personagens de
Homero, o principal representante dessa tradição. Através dos feitos nobres e
gloriosos de seus heróis, Homero suscita o apreço pela glória ( kléos ),
oferecendo aos seus ouvintes os modelos a serem adotados nas relações
públicas e nas individuais.”

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Souza traz um ponto fundamental para que se entenda como a masculinidade


mostra um ideal que poderia ter sido buscado pelos gregos. Afinal, “Homero é
considerado o educador da Grécia uma vez que seus cantos contêm a exigência de
uma noção fundamental da mentalidade grega, a de Paidéia, que fomenta o desejo
do poeta em formar e educar.” De acordo com Souza, foi através da Ilíada e da
Odisseia, que os gregos, literalmente, foram alfabetizados, assim como aprenderam
a preservar e a difundir seus costumes e tradições no seu cotidiano. (2007, p. 196)

É a partir disso que o presente trabalho tem como objetivo trazer uma reflexão a
respeito de como esses versos podem refletir valores que contribuíram para um
ideal de masculinidade que, através da Paidéia, provavelmente, foi fundamental
para a formação de uma identidade masculina.

Como Souza acima cita, os valores presentes na ilíada, que eram os modelos bases
adotados nas relações sociais do cotidiano, mostra uma obra demasiadamente
humana. No decorrer de suas descrições Homero pontua, nos feitos dos heróis, uma
sensibilidade nobre como por exemplo, o encontro entre Andrômaca e Heitor, a
morte de Pátroclo e o misto de dor e raiva de Aquiles, criando uma relação íntima
com as vivências particulares de cada espectador. Dessa forma, podemos fazer uma
análise de diversos tipos de valores e relações através dessa obra. Relações sociais,
relações de poder, relações de gênero e, o que vem a ser o cerne desse trabalho, a
masculinidade na representação de Heitor.

Muito embora existam diversas críticas a fidelidade de Homero ao retratar certos


acontecimentos nas suas obras, não podemos descartar o seu importante papel
como educador na Hélade, o responsável por repassar as tradições, leis e
costumes (HALL, p.315, 2009). Partindo dessas observações, tornasse importante e
válida a discussão e análise das percepções da face masculina na obra homérica. E
de como ela é tratada pelo autor durante suas descrições. Surgindo desse ponto
nossa pergunta: O que torna a descrição de Heitor tão importante? Qual a diferença
entre o ser masculino de Aquiles para Heitor?

A BOA MASCULINIDADE

Na obra de Homero fica latente às diferenciações sociais, corporais e valorativas. O


modelo social grego exigia do homem o preparo para a guerra. A maioria dos
personagens da ilíada concernia de uma nobreza guerreira, tinha em sua árvore

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genealógica diversos heróis de guerra e eram levados a seguirem os mesmos passos.


Por isso era essencial o preparo físico, como afirma Santos (1997, p.73):“(...) de um
corpo forte, uma musculatura de combatente e uma estática guerreira, pois as
constantes lutas e guerras exigiam lhes estes requisitos."

Por este motivo, o corpo do guerreiro era valorizado e deveria ser preparado e
treinado para jamais fugir ao combate. Outro ponto ligado ao corpo é sua
equiparação com os deuses. Durante diversas descrições feitas por Homero ele
compara as características de seus personagens à dos deuses. Por causa dessas
comparações, muitas vezes, os heróis eram vistos como semideuses. Eventualmente,
por conta da fama e da glória, se ocorresse a morte o corpo deveria ser tratado com
admiração e respeito a memória e feitos do herói. “N’A Ilíada, o perfil do herói
retratado por Homero se equipara a um semi-deus, suas conquistas e façanhas são
fruto de sua índole guerreira e da bravura ostentada por um corpo condizente com
tal perfil.”(SANTOS, p. 74, 1997)

“Os Troianos aproximaram-se como


aves, soltando gritos semelhante
aos dos grous [...] os aqueus,
porém, avançaram em silêncio,
com ardor no coração, dispostos a
ajudar uns aos outros. [...] avistou-
o avançando a largos passos
adiante das hostes, como um leão
se sente feliz quando avista uma
grande carcaça, encontrando,
faminto, um cervo de largos chifres
ou uma cabra selvagem, e
vorazmente a devora, ainda que os
velozes cães e os robustos
caçadores o ataquem... “(Homero, s.
d., p. 51). ...
“o veloz Aquiles
perseguia Heitor [...] assim como
um cão expulsa um gamo de seu
esconderijo.” (Homero, s. d. p. 381).

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233

Nota-se, nos fragmentos acima as equiparações entre os homens e as características


de ferocidade, robustez e voracidade com os animais. A necessidade do homem na
sociedade grega apresentar essas características é imensa. As características
femininas, representada nas comédias gregas,por exemplo, eram motivos de
escárnios quando comparadas aos homens. Além disso, Santos cita a importância
dos feitos desses heróis para sua linhagem. Pois, “cada homem estava condicionado
por forte ligação aos traços de família. Suas lutas, conquistas ou derrotas eram
compartilhadas por seu grupo familiar ou “linhagem” à qual o guerreiro pertencia.”
(SANTOS, p.75, 1997)

Além dos atributos físicos ligados ao corpo, as armas do guerreiro era um ponto
importante para a formação do homem. No canto XVIII é narrado à busca de uma
nova armadura para Aquiles. Sua armadura fora emprestada a Pátroclo, mas a
mesma é roubada por Heitor após matá-lo em combate. Tétis - deusa nereida, mãe
de Aquiles - sobe ao Olimpo na tentativa de convencer Hefesto a construir uma
nova couraça para seu filho. O ponto crucial a ser observado são as descrições do
escudo e consequentemente a importância da armadura para a formação do homem.
"Pós ter falado, na frente de Aquiles a deusa coloca a refulgente armadura; ressoam
as armas divinas. Os valorosos Mirmídones ficam tomados de medo, sem que
nenhum se atrevesse a fixá-la, a tremer afastando-se" (HOMERO, Ilíada, XIX, v.v 12-
14).

A armadura era primordial para a imposição do guerreiro no campo de batalha. A


armadura de Aquiles é um dos exemplos de como um objeto, nesse caso feito por
um deus, formou o homem perante uma plateia e mudou o seu semblante interno.
Foi através de uma simples olhada na sua armadura que os Mimídones se
apavoraram e Aquiles tornou a reviver a cólera: "O divo Aquiles, ao vê-la, sentiu
aumentar-se-lhe ainda a grande cólera; os olhos, nas pálpebras, chispas emitem."
(HOMERO, Ilíada, XIX, v.v 15-17)

A coragem de Aquiles foi reanimada diante do esplendor emitido pelas obras das
mãos de Hefesto. Sendo assim, percebe-se uma sociedade em que os valores
guerreiros de força, virilidade e coragem sobrepujam quaisquer outros. Indivíduos
que não possuíam esses traços estavam "estagnados", para eles restavam apenas
duras palavras, como pode ser visto na passagem na qual os guerreiros riem do
personagem Páris, por ele não atender a alguns desses padrões: "Páris funesto, de
belas feições, sedutor de mulheres! Bem melhor fora se nunca tivesses nascido, (...)

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234

Riem-se à grande os Aquivos de soltos cabelos nos ombros. Um dos primeiros


julgavam que fosses, por seres de físico tão primoroso; no entanto, careces de força e
coragem. (HOMERO, Ilíada, III, v.v 40-45)."

O corpo do guerreiro era retratado como belo, forte, imponente, com fortes e largos
membros, de caráter impecável, experto tanto no manejo das armas quanto nas
estratégias de guerra. A "boa masculinidade", entretanto, era garantida por corpos
regidos pela ANDRÉIA , palavra que remetia a virilidade, a capacidade de dominar,
persuadir e se impor perante os outros sendo possuidor de extrema coragem. Sem
esses requisitos, implícitos no cotidiano, o homem era em partes desvalorizados.

A coragem era uma premissa básica para o guerreiro. Demonstrar falta de ânimo era
demonstrar fraqueza. A valentia na Ilíada é mostrada como um dos valores
formadores do guerreiro. Numa sociedade em que o homem é treinado para a
guerra, a coragem deve ser uma qualidade inata. Item que facilmente é percebido
durante as descrições de Homero que, ao relatar os feitos heroicos, destacava as
características que o formavam como homem: "Deram-te os deuses, Ajaz, estatura
magnífica, força e coragem sem-par. Dos Aqueus és o mais destemido." (HOMERO,
Ilíada, VII, v.v 288-289).

O herói era então a junção de características úteis no campo de batalha: beleza


corporal, boa estatura, virilidade, coragem. Entretanto, o herói só gozava daquilo
que lhe era oferecido pelos deuses. “Os heróis homéricos são profundamente
humanos e só a assistência divina os torna capazes de ações extraordinárias”
(VIEGAS, p. 92). Por isso deleitar-se com essas dádivas era para poucos homens:
“Bem se depreende que os deuses não cedem a todos os homens dons primorosos,
ou seja, na forma, no engenho, ou na eloquência. Este, na forma exterior, pode ser de
aparência somenos, mas recompensam-no os deuses com o dom da palavra.”
(HOMERO, Odisseia, VIII, v.v 167-170)”

A coragem, retratada como um dom primoroso, é descrita como dádiva dos deuses.
Algumas passagens na ilíada mostram as ações dos deuses na concessão da
coragem. "Grande e indomável coragem, depois de falar, ela infunde-lhe (...)."
(HOMERO, Ilíada, XIX, v.v 38). Sendo um presente dos deuses sua ausência
simboliza, em certas circunstâncias, a falta de proteção aos humanos em suas
empreitadas. Porém, Viegas afirma que a conquista da glória do herói tem seu ponto
alto na morte em batalha. Então, seu nome estaria gravado na memória social, seus

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feitos seriam eternizados em cantos e poesias, passados por todos os cantos da


Grécia. (VIEGAS, p. 93)

O reaparecimento de Heitor no canto XXII da Ilíada - ou melhor, a complexa face


que nasce nesse canto - causa um profundo contraste com os requisitos para a "boa
masculinidade" discutidos anteriormente.

AS NUANCES DE HEITOR

A Ilíada, vista como o poema da fúria de Aquiles, ganha uma nova leitura, como
diz Milton Marques Júnior, ao chegar no canto XXII. A glória de Heitor através de
sua morte. Heitor vindo de uma nobreza guerreira, filho do grande Príamo, rei de
Tróia, foi o maior lutador em oposição a invasão grega.

Liderando, ao lado de seus irmãos, o exército em defesa das muralhas de Troia, sem
dúvida, possuía uma bela armadura e instrumentos de guerra de qualidade. Possuía
um belo corpo, assim como uma belíssima e afetuosa esposa e filho. Durante boa
parte das descrições do combate notamos um personagem forte e corajoso em meio
ao campo de batalha. O quadro muda, entretanto, no canto XXII, intitulado como a
retirada de Heitor.

Essa nova face que Homero traz para Heitor é sensível, como em seu encontro com
Andrômaca, é covarde, como se deu ao fugir do combate com Aquiles. É, porém,
demasiadamente humana e inspiradora. Isso por que, em meio a uma leitura de
guerra, onde Homero traz a violência no combate como pano de fundo de sua
narrativa, a imagem de Heitor aproxima seu personagem cada vez mais de uma
realidade humana.

Jean-Pierre Vernant, ao falar da normalidade nos aspectos trabalhados por Homero


na construção do personagem de Aquiles diz que “A guerra, o ódio, a violência
destruidora, não pode nada contra aqueles que, inspirados pelo sentido heroico da
honra, se dedicaram à vida breve” O autor não tomou o ato da luta e ira como
selvagem ou reprovável para a sociedade, ao contrário, procurou mostrar como
esses aspectos se mostravam adequados aos valores dessa sociedade. (VERNANT,
1989, p. 43)

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A questão que move esse breve texto, entretanto, é a inquietante contrariedade que
Heitor causa visto em comparação ao ideal que Aquiles mostra. Afinal, muito
embora Heitor não fosse o modelo a ser seguido quando realçamos a sua fuga no
embate, ele estava lá no meio de uma obra que foi perpassada e usada na paidéia.
No meio dos heróis troianos ele mostra sua face humana e não deixa de ser
glorificado por seus feitos.

A morte de Heitor, de acordo com Viegas, pode ser trabalhada como a bela morte
que torna o herói imortal. Vernant, que cunhou esse termo – bela morte do guerreiro
- mostra pelo que essa sociedade prima, como a força e a coragem, mesmo em meio
a violência.

Por isso, o que torna a descrição de Heitor importante é uma complexidade


antagônica entre o ideal lançado por Homero e a face humana que seus heróis
trazem na narrativa. Entender que Heitor passou por um conflito interno ao
encontrar com sua consorte e rever o filho, ou ao perceber que morreria pelas mãos
de Aquiles, afinal ninguém escapa do destino funesto, é ver a natureza se
manifestando em grandes personagens que serviram de inspiração para uma
sociedade. A relevância de Heitor está ligada a uma experiência interna do leitor.

Ao acompanhar a trajetória do herói nota-se a necessidade de manter a beleza do


corpo do morto, quando Aquiles tenta destruí-lo, justamente para que as
lembranças permaneçam belas diante do cadáver. Mas, a ressalva a ser pontuada é
que mais que um corpo belo Heitor foi cantado, e ainda é pelos leitores de Homero,
como uma pessoa que deixou a fragilidade aparecer num contexto marcado pela
morte e rituais fúnebres.

“As exéquias de honra que são dadas a Heitor, o domador de cavalos” (XXIV, 804).
Heitor, portanto, recebe esse enterro de honra por sua vida exemplar como
guerreiro e pela morte em combate recebe glória imperecível. (VIEGAS, p. 102)

REFERÊNCIAS

Ana Maria Lúcia do Nascimento é graduanda em História pela Universidade de


Pernambuco, participante do grupo de pesquisa Leitorado Antigo, orientado pelo
professor José Maria Gomes da Silva Neto. O presente trabalho é uma pesquisa
inicial independente. E-mail: anamarialuciadonascimento@gmail.com.

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237

CARTLEDGE, Paul. Resumo histórico. In: Grécia Antiga, 2 ed., São Paulo, Ediouro,
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GRILLO, José G. C., A Ira De Aquiles E As Sensibilidades À Violência Na Grécia


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LOPES, João J., A Ilíada e a Odisseia: dois pilares da civilização grega e legado
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238

JORNAIS: AS DIFERENTES UTILIZAÇÕES DESTA FONTE E


A LUTA PELA CONQUISTA DE DIREITOS DAS MULHERES
A PARTIR DO JORNAL O SEXO FEMININO NO SÉCULO
XIX
Carolyn Santiago pinheiro¹

Introdução:

Para que um historiador possa estudar e analisar um período, é necessárias


fontes/documentos do período que se deseja estudar; essas fontes não exprimem
necessariamente a verdade sobre o período, elas podem ser manipuladas por quem
as escreveu, mas será possível ser feita uma análise sobre o período e quem as
escreveu e porque escreveu aquilo desta forma. Os jornais se mostraram uma fonte
muito rica sobre os anos nos quais foram escritos, a partir deles pode-se analisar o
contexto de surgimento deles, para que e quem eram voltados as seções e o próprio
jornal, por quem eram feitos, e partir muitos outros questionamentos desse único
tipo de documentação.

Como um meio de comunicação muito eficaz, os jornais eram utilizados para além
de apenas informar e levar noticia aos leitores, era usado também para propagar
ideias, fazer reivindicações e serviu de instrumento para dar voz a grupos que eram
silenciados e a ideias que muitas vezes, iam contra a ideia da maioria.

Nesse trabalho será discutido a primeira edição do jornal O Sexo Feminino, fazendo
uma análise partindo da perspectiva de gênero e ao fim, será apresentado uma
proposta didático pedagógica da utilização da fonte em sala de aula.

Jornal O Sexo Feminino:

Jornal “O sexo feminino” da cidade da campanha, 7 de setembro de 1873, número 1;


possui quatro páginas. Em sua primeira página o jornal traz suas informações
básicas, como título e subtítulo.

“A primeira página continha informações como: título do jornal, local de origem,


número correspondente à semana, o ano, o preço, a data, o nome da redatora. Após

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o nome do jornal, em todas as edições figurava o subtítulo que indicava o seu


público principal: “Semanário dedicado aos interesses da mulher”. E também uma
epígrafe que se repete em todos os números: É pelo intermédio da mulher que a
natureza escreve no coração do homem.” (RIBEIRO et al., 2007)

No decorrer da página, traz uma matéria sobre a educação da mulher, onde critica a
educação voltada para o lar e o tratamento dado a mulher. Na segunda página, há
uma nota tratando sobre a independência, em tom de comemoração aos 51 anos da
independência; com o tom ufanista, a autora rememora este dia e associa a
independência do brasil, com a independência das mulheres, que agora, se fazem
ouvir na imprensa, através do jornal. Ainda na mesma página, há um espaço onde
contém a notícia que as jovens da cidade poderão estudar em uma escola normal, e
as matérias serão gramatica, aritmética, história, geografia, entre outras, e segue a
lista de normalista que frequentarão a escola até a página seguinte, onde ao final da
lista, é dado algumas informações sobre a escola e a autora trata sobre a importância
das mulheres estudarem para ser professoras e saírem da educação restrita ao lar.
Logo em seguida, há a seção que contém uma música, seguida de uma seção com
um texto sobre religião, e abaixo, há o noticiário, onde está escrito sobre a aprovação
de uma mulher para reger interinamente uma escola pública; e abaixo, há a seção de
avisos.

Esse periódico se iniciou em um momento que já havia jornais dedicados às


mulheres, porém, eram editados e comandados por homens. Até mesmo em um
cenário internacional, pode-se ver que o imaginário era o da mulher frágil voltada
para o lar e para a família, o que fez com que as mulheres enfrentassem resistência,
assim como no Brasil.

“Nesta época, um jornal de mainstream, o The New York Sun, publicou uma crítica
severa ao The Revolution, sugerindo que a senhora Staton “prestasse um pouco
mais de atenção aos seus deveres domésticos e um pouco menos para os assuntos de
interesse público”. (CASADEI, 2011)

A sociedade, ainda nos dias atuais, é estruturalmente patriarcal; no século XIX o


papel da mulher era quase que único e exclusivamente circunscrito ao lar. Em um
período em que a mulher era criada apenas para ser dona de casa, esposa e mãe,
onde a educação que lhe era dada se restringia ao lar, não possibilitando a mulher

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240

ter um emprego e até mesmo ser vista como cidadã e pessoa, quando era vista
sempre como posse do pai ou marido.

Maria Beatriz Nizza da Silva retrata a condição da mulher casada, no brasil do


século XIX, a qual era restrita ao lar e a família:

“(...) a mulher devia obediência ao marido; os filhos deviam obediência ao pai de


preferência à mãe; o marido e pai não podiam eximir-se de pagar o sustento da
família, fossem quais fossem as suas razões para querer se separar dela. A conduta
da mulher obedecia a um controle muito rígido: bastavam umas saídas a passeio
para que fosse dada como “perdida”, ao passo que a conduta do marido era sempre
encarada com benevolência, fosse ele briguento, bêbado ou amancebado. O
recolhimento era a pena com que os poderes públicos puniam a má conduta das
mulheres. ” (apud NASCIMENTO; OLIVEIRA)

A proprietária e redatora Francisca Senhorinha da Motta Diniz do periódico O sexo


feminino, aproveita esse espaço público, segundo Ribeiro, que era o jornal, para
“para disseminar ideias sobre a educação e a emancipação femininas” (RIBEIRO,
2007), ela e suas colaboradoras, as quais na maioria eram mulheres letradas da elite,
“tinham como motivação comum a melhoria da condição da mulher na sociedade”
(NASCIMENTO, OLIVEIRA, 2007). Como é possível notar na primeira sessão no
jornal, a qual aborda um tema sobre a educação feminina, onde ela diz que no lugar
de mandar as filhas aprenderem a varrer, cozinhar, lavar, devem ensinar história,
gramática, filosofia. Critica a forma que a mulher é vista, como um “traste de casa”,
expressão que a redatora usa. “A condição a que estava submetida a mulher
brasileira, durante o século XIX, era de repressão e submissão, crítica presente em O
Sexo Feminino” (NASCIMENTO, OLIVEIRA, 2007)

Tratando sobre educação, falando sobre a liberdade e direitos da mulher; logo em


sua primeira edição, o periódico já mostrou seu objetivo e em que acredita e
defende. Francisca Diniz já culpada os homens pela educação precária dada às
mulheres e pela forma como eram tratadas.

“O seculo XIX, seculo das luzes, não se findará sem que os homens se convenção de
que mais de metade dos male que os oprimem é devida ao descuido, que elles tem
tido da educação das mulheres. e ao falso supposto de pensarem que a mulher não
passa de umtraste de casa” (Jornal O Sexo Feminino, 7/9/1873:1)

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241

A luta pela emancipação das mulheres também era associada a independência,


como se pode ver na segunda página do periódico. Nessa seção, é comemorada os
51 anos da independência, a escrita é ufanista e mostra muito orgulho ao falar do
ocorrido. Ao utilizar essa data para a publicação do primeiro periódico, Francisca
Diniz correlaciona a independência do país com a independência da mulher, como
se pode ver a seguir:

“Pois bem, esse dia marcará tambem em nossa historia pátria uma época não menos
memoravel – a independencia da mulher, cujo echo se faz ouvir na imprensa por
um órgão – O Sexo Feminino. E pois,

Viva a independencia do nosso sexo!


Viva a instrucção da mulher!
Vivão as jovens campanhenses!”
(Jornal O Sexo Feminino, 7/9/1873:2)

O jornal O Sexo Feminino foi de fundamental importância para que, aos poucos,
novos espaços no mercado de trabalho fossem reivindicados pelas mulheres;
defendia a emancipação das mulheres, o desenvolvimento de todas as suas
potencialidades e a educação adequada e de qualidade para mulheres. Diante do
discurso da diferença entre os gêneros, e de uma posição de superioridade do
homem “Francisca Diniz se coloca em igualdade com os homens, questionando a
construção da mulher como sexo frágil” (RIBEIRO et al., 2007). Ao analisar esse
período, não se pode ignorar a existência desse – e de outros – periódico, uma vez
que ele se mostrou de fundamental importância na compreensão a partir de uma
perspectiva de gênero

Proposta didática pedagógica:

O jornal é uma ótima fonte para se entender uma sociedade e os processos que ela
sofreu; O Sexo Feminino é um jornal que, mesmo sendo do século XIX, algumas
questões ainda perpassam no nosso cotidiano. Tendo em vista que o assunto gênero
é de suma importância e pouco abordado, minha proposta, para a turma do ensino
médio, é levar a imagem do jornal para sala de aula, e entender o Brasil Império a
partir da mulher, colocar a mulher como ponto central na discussão. Tendo como
um dos objetivos fazer os alunos refletirem sobre o porquê uma mulher não poderia

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comandar um jornal e trazer a reflexão para os dias atuais, pois ainda hoje, se pensa
em homens quando se é mencionado cargos de liderança. Como Adichie escreve, e
levando para o século XIX, se as mulheres não começassem a tomar os cargos de
liderança nos jornais, continuaria sendo considerado normal os cargos serem
ocupados apenas por homens:

“A professora disse que o monitor seria um menino. Ela havia se esquecido de


esclarecer esse ponto, achou que fosse óbvio. Um garoto tirou a segunda nota mais
alta. Ele seria o monitor. [...] Se repetimos uma coisa várias vezes, ela se torna
normal. Se vemos uma coisa com frequência, ela se torna normal. Se só os meninos
são escolhidos como monitores da classe, então em algum momento nós todos
vamos achar, mesmo que inconscientemente, que só um menino pode ser o monitor
da classe. Se só os homens ocupam cargos de chefia nas empresas, começamos a
achar “normal” que esses cargos de chefia só sejam ocupados por homens. ”
(ADICHIE,2015)

Para além de apenas uma discussão, uma proposta de atividade seria os alunos
pegarem jornais atuais e analisarem a nossa sociedade a partir deles, desta forma,
eles poderão visualizar e ter uma maior compreensão, pois o assunto e forma que
está sendo trabalhada vai estar se adequando a realidade dos alunos, e trabalhará
fonte em sala de aula, ensinando os alunos a analisar e ter um pensamento crítico
acerca das mesmas.

Referências bibliográficas:

¹Carolyn Santiago Pinheiro graduanda em Licenciatura em História na


Universidade Federal do Pará

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Para educar crianças feministas: um manifesto,


São Paulo: Cia das Letras, 2017.
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas, São Paulo: Cia das
Letras, 2015.
CASADEI, Eliza Bachega. A inserção das mulheres no jornalismo e a imprensa
alternativa: primeiras experiências do final do século XIX. In: Revista
Alterjor, v.1, ed.3, 2011
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243

COSTA, Emília Viotti. Políticas de terras no Brasil e nos Estados Unidos. In:___. Da
monarquia a república: momentos decisivos. 7ed. São Paulo: Fundação Editora da
UNESP, 1999, p.169-193.
NASCIMENTO, Cecília Vieira; OLIVEIRA, Bernardo. O Sexo Feminino em
campanha pela emancipação da mulher. In: Cadernos Pagu, n. 29, 2007, p. 429-457,
RIBEIRO, J. P. et al. Líderes, pioneiras e sonhadoras: o sexo feminino (1873-1889) em
busca da emancipação. In: Encontro Internacional de Produção Científica
Cesumar. Anais eletrônicos do V EPCC. Maringá, 2007.

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DEUSES E HOMENS: A LINHA TÊNUE ENTRE O TEMPO


MÍTICO E O TEMPO HISTÓRICO
Lidiana Emidio Justo da Costa

Chegada do Capitão Cook ao Hawai. Inicialmente foi recebido com honrarias e euforia por parte
dos nativos. Disponível em: http://cookmultimidia.blogspot.com/2014/11/resumo-da-aula-23-
sahlins-leitura-2-0411.html. Acesso em: 3/dez./2018.

Instigante, reflexivo e enigmático, é esta a sensação do leitor ao concluir o


texto Capitão James Cook ou o Deus agonizante, quarto capítulo da obra Ilhas da
História, do antropólogo Marshall Sahlins, publicada em 1985. Mas antes de
discorrer sobre o assunto, faz-se necessário situar o autor e sua trajetória. Marshall
Sahlins nasceu em Chicago (EUA), no ano de 1930. Formou-se bacharel pela
Universidade de Michigan, tendo obtido o título de PhD na Universidade de
Colômbia em 1954.

Durante sua trajetória acadêmica na Universidade de Colômbia, aproximou-se da


escola neoevolucionista, corrente criada por Julian Steward e Leslie White, a qual se
opunha ao culturalismo de Frans Boas e seus discípulos. À época, tomando como
objeto de estudo as sociedades tribais das ilhas do Pacífico, Sahlins observou que em
todo o mundo “embora não na mesma época, as sociedades passaram por estágios
semelhantes de desenvolvimento político em consequência do progresso
tecnológico e do acúmulo de recursos nas mãos de poucos” (KUPER, 2002, p.211),
esta perspectiva analítica rompeu com o viés da escola marxista no que tange às
reflexões desta escola sobre as sociedades primitivas.

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245

Posteriormente, durante sua estadia em Paris no final da década de 1960, o autor


afastou-se do neoevolucionismo materialista e, influenciado pela corrente
estruturalista que tinha Levi Strauss como um dos maiores expoentes, promoveu
uma série de críticas ao evolucionismo fundamentando-se no culturalismo. Ainda
nos anos 1960, Sahlins participou dos protestos contra a Guerra do Vietnã e do
movimento de maio de 1968. Como se pode perceber, uma vida intensa que
presenciou no campo político, econômico, social e cultural inúmeras mudanças e
rupturas, mas ao mesmo tempo continuidades/permanências, talvez a sua obra seja
um reflexo disso tudo.

Foi durante sua guinada estruturalista que Marshall Sahlins escreveu Ilhas da
História. A mesma foi dividida pelo autor em 5 capítulos, dentre os quais será
destacado neste texto aquele intitulado- Capitão James Cook ou o Deus agonizante,
uma narrativa na qual é possível perceber o diálogo entre estrutura e história, bem
como refletir sobre a relação entre os homens e seus deuses numa constante
interação entre o tempo mítico e o tempo histórico, que, por vezes, entrecruzam-se
na explanação apresentada pelo autor.

Cabe destacar que a obra de Sahlins é referenciada por François Hartog (2015) no
livroRegimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Para este historiador,
as ordens do tempo, que se apresentam de formas diversas em diferentes lugares e
épocas, imprimem um movimento de comando, pois são

“[...] tão imperiosas, em todo o caso, que nos submetemos a elas sem nem mesmo
perceber: sem querer ou até não querendo, sem saber ou sabendo. [...] As relações
que uma sociedade estabelece com o tempo parecem ser, de fato, pouco discutíveis
ou nada negociáveis” (HARTOG, 2015, p. 17).

O capitão inglês, James Cook, fora recebido como o deus Lono pelos habitantes das
ilhas polinésias, um deus local vinculado à reprodução humana e ao incremento
natural. E, assim como Lono, seu destino seria morrer para poder ressurgir. Dessa
forma, Cook, após um acidente meteorológico desastroso que fez sua embarcação se
afastar da ilha, teve que lidar com o constrangimento de ter sido mal recebido pelas
lideranças tribais. Esse fato foi analisado por Marshall Sahlins como “a metáfora
histórica dentro de uma realidade mítica” (1990, p.141), porquanto, sua vida estava
por um fio.

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246

Nas teias dos acontecimentos, o assassinato do Capitão Cook deu-se em meio à


compreensão cosmológica da morte e ressurgimento do deus Lono. Sendo assim,
Cook, dentro desse universo mitológico, foi de objeto de veneração a objeto de
hostilidade. O ato sacrificial do capitão fez parte de um rito onde estavam presentes
o chefe e uma multidão exultante. A mudança comportamental começou a partir do
momento em que o rei passou a enxergá-lo como um inimigo. Tem-se, portanto uma
iminente “crise estrutural quando todas as relações sociais começam a mudar seus
signos” (SAHLINS, 1990, p.143).

Partindo do entendimento de que todos os acontecimentos são signos, “a história


pode ser organizada por estruturas de significados”, sendo a partir desse
entendimento que Marshall Sahlins desenvolveu o conceito de “Mitopráxis”. Tal
concepção explicaria o fato de que, para os havaianos, o capitão Cook era o deus
Lono.

A mitopráxis seria uma espécie de chave mestra para se compreender a recriação


dos mitos em circunstâncias modernas, aplicando a teoria à prática. O autor
destacou a transformação das estruturas sociais e hierárquicas nas sociedades
polinésias, observadas, por exemplo, no intercâmbio entre as mulheres havaianas e
os tripulantes ingleses. Essas mulheres, ao procurarem manter relações sexuais com
os ingleses, vislumbravam uma ascensão dentro daquela estrutura social, passando
da condição de “subalternas” à mãe de filhos de deuses.

Tal tipo de comportamento reforçou a argumentação de Sahlins de que os signos


têm o poder de transformar a realidade local, ou seja, de atuar na transformação das
relações entre os chefes locais e o povo, algo praticamente impossível nos modos
tradicionais de se relacionar. A nova configuração societária não prezava pelos elos
de parentescos, o que levou Sahlins a inferir que toda transformação estrutural
implicava numa reprodução cultural.

Dentre as inúmeras possibilidades que a história do capitão Cook e a população


havaiana oferecem, não se podem negligenciar as concepções de tempo. Sahlins
explica a sucessão dos eventos procurando fazer dialogar num movimento de
sincronia e diacronia, o tempo mítico e o tempo histórico. Assim, nessa busca às
origens, a celebração do ano novo havaino – “Makaki”, teria um significado de
“eterno retorno”.

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247

Outra peculiaridade, no mito de criação desses povos, diz respeito ao fato de que a
mulher, “La'ila'i”, irmã mais velha de deus e do homem e disputada por ambos, era
a herdeira legítima da criação, capaz de transformar a vida divina em vida humana.
Tal explicação mítica lança luz sobre o fato histórico anteriormente mencionado,
sobre as mulheres havaianas que se diziam geradoras de filhos dos deuses (o deus
Lono, diga-se de passagem, nascia anualmente da conjunção/união entre o deus e as
mulheres do povo). Assim como faz lembrar a atitude da esposa do rei Kalaniopu'u,
quando interviu para que ele não acompanhasse Cook. Sua atitude, conforme
atentou Sahlins, faz retornar a tríade – deus, homens e mulher, saindo em vantagem
o posicionamento da mulher.

Ainda, conforme o antropólogo, só conhecendo o pensamento polinésio, marcado


por essa relação entre deus e o homem/mulher, bem como a prática do canibalismo
e endocanibalismo, pode-se verificar o porquê desses povos preferirem “arrancar
sua existência dos deuses sob o signo e a proteção de um adversário divino” (1999,
p.148).

Quando James Cook, conforme relato de Samwel, chegou à ilha durante a estação
do Makahiki, as jovens havaianas passavam a maior parte de seu tempo cantando e
dançando – no plano simbólico “a dança despertaria o deus: um tipo de cópula
cósmica entre mulheres mortais e o progenitor divino” (1999, p.152). Dessa maneira,
sua morte, para os havaianos, assim como a morte do deus Lono, teria o papel de
frutificar a terra, torná-la próspera e fértil.

Portanto, como se vê, é perceptível ao longo da narrativa o entrelaçamento do


tempo mítico (simbólico) e do tempo histórico (racional), sendo tais tempos
paralelos na busca do sentido da existência/identidade humana. Os povos polinésios
utilizaram seus repertórios míticos para interpretar a nova realidade dando-lhe, por
sua vez, significação. Neste aspecto, a obra Ilhas da História apresenta possibilidades
para a História Cultural trabalhar com processos de construção e significação do
tempo no que tange às realidades sociais das civilizações que serão seu objeto de
estudo, afastando-se de análises embasadas nas concepções hegelianas e marxistas.

Ademais, caberiam outras observações, tendo em vista as críticas e equívocos


apontados por autores como Ganananath Obeyeysekere (1992), que pôs em dúvida
a narrativa antropológica de Marshall Sahlins. Ao discordar, por exemplo, que
James Cook ainda em vida tenha sido visto como um deus local, afirmação esta que

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alteraria consideravelmente os sentidos dos acontecimentos relatados por Sahlins.


No entanto, essa discussão fugiria do propósito inicial deste texto, que teve o
propósito de refletir, ainda que parcialmente, sobre as noções de estrutura e história
na busca por entender as relações entres os homens e a criação de seus deuses, o que
ocasiona um diálogo sincrônico e diacrônico sobre o tempo mítico e o tempo
histórico.

REFERÊNCIAS

Lidiana Emidio Justo da Costa é professora de Ensino Médio da Escola Cenecista


João Régis Amorim; Graduada em História pela Universidade Estadual da Paraíba;
Especialista em História do Brasil (Cintep-PB); Mestra em História pela
Universidade Federal da Paraíba e atualmente doutoranda vinculada ao Programa
de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco, sob a orientação do
professor Dr. José Bento Rosa da Silva. E-mail: leejusto@hotmail.com.

HARTOG, François. Ordens do tempo, regimes de historicidade. In: HARTOG, François.


Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte:
Autêntica, 2015.
KUPER, Adam. Cultura - a visão dos antropólogos. Tradução de Mirtes Frang de
Oliveira Pinheiros, Edusc, 2002, p. 211.
OBEYESEKERE, Gananath. “Capitain Cook and the European imagination”. In:
______. The Apotheosis of Captain Cook: European mythmaking in the Pacific. New
Jersey: Princeton University Press, 1992.
SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro, 1990. Cap. 4 “Capitão James
Cook ou o Deus agonizante”. p. 140-171.

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VIDA PRIVADA SOB A ÉDIGE DEMOCRÁTICA:


CONSTRUINDO UM TRAJETO NA PERSPECTIVA
HISTÓRICA
Maicon Douglas Santos Kossmann
Carolina Fernandes dos Santos

De acordo com Gutierrez, Castro e Pontes (2011) nos períodos da Antiguidade e


Idade Média, o dever familiar, tanto no papel do pai quanto no papel da mãe,
dizia respeito tão somente ao encargo da transmissão de bens, de vida, obter nome
da família e dela aprender sobre os costumes predominantes na sociedade e no
próprio ambiente familiar, não prevalecendo os sentimentos voltados para a
afetividade no ambiente da família. Como não se tinha uma definição de vida
privada ainda, o polo coletivo era em última estância a resolução do Eu, apenas
aqueles que participavam do coletivo formavam sua identidade e por fim, a
caracterização da sua vida privada, claro que, as mulheres como proibidas, na
realidade ocidental, de participarem da vida política não quer dizer, efetivamente,
que não possuíam identidade, a identificação coletiva dos gregos, por exemplo, era
a partir da associação como cidadão, de cidade, sou uma ateniense, uma romana, é o
ser público. Os laços de amor e afeto no âmbito familiar surgiu durante os séculos
XVII e XVIII, havendo uma maior aproximação do vínculo mãe e filho e atribuindo
a mulher o papel de provedora do cuidado e do afeto, tendo ela o reconhecimento
da “mulher-natureza”. Portanto, introduzimos com esse discurso, da criação da vida
privada com base na divisão sexista da sociedade em que os problemas políticos
estruturais do patriarcalismo são arrastados para uma esfera que normaliza os
problemas privados, o problema é isolado e como privado, é exigido que cada um
resolva por si só a sua intimidade.

Atribuímos a criação da vida privada à sociedade burguesa doo finais do século


XVIII e início do século XIX. O período de cisão entre privado e público inaugurou
na modernidade, sendo privacidade um conceito único ao período para as
sociedades ocidentais. Lembrando do contexto de moral vitoriana, de repressão
social e intolerância, a punição tanto por parte do estado quanto social era severa
para quem violasse os preceitos morais da época. Evidenciamos a sociedade
moderna conforme Freud (1996, p. 105) “[...] A civilização é construída sobre uma
renúncia ao instinto, o quanto ela pressupõe exatamente a não-satisfação de

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instintos poderosos. Essa ‘frustração cultural’ domina o grande campo dos


relacionamentos sociais entre os seres humanos.” Uma troca da repressão da
intimidade, privacidade e liberdade entre segurança, controle, punição, a liberdade
não constitui a sociedade moderna.

Numa época de repressão, os diários servem, muitas vezes, como válvulas de escape
para sublimar os impulsos libidinosos; em diários se registram desejos sexuais ou os
atos realmente praticados que poderiam destruir uma vida ao vir a público; homens
descrevem as lindas pernas de suas amadas em alusões a pernas de caríssimos
pianos, cobertas por volumosos e delicados vestidos que salientam suas curvaturas,
mulheres, ainda, registravam seus mais íntimos desejos, suas experiências nos
saraus ou as escapadas no denso jardim dos fundos da casa, em uma técnica que
era passada de mãe para filha. Lembremos ainda que a privacidade estava recém
surgindo, logo, alguns locais públicos ainda eram dominados pelas atividades
privadas, como já citei, o quintal da casa e como acrescenta Priori (2014, p. 27) sobre
as igrejas: “Nos dias de missas e festas religiosas, ou quando estavam vazias, eram
ideais para a troca de beliscões, pisadelas e beijos furtivos por trás de colunas e
altares.”

Em referência a época discutida, Priori (2014, p. 64) considera o século como “Século
hipócrita que reprimiu o sexo, mas foi por ele obcecado. Vigiava a nudez, mas
espiava pelos buracos da fechadura. Impunha regras ao casal, mas liberava os
bordéis.” Evocamos a uma época de protagonismo masculino, o controle que se
buscava na modernidade quanto a privacidade era a segurança para mulher
frequentar a igreja, segurança para os saraus, segurança para as visitas, segurança
na família, uma segurança repressora, de mulher só se esperava delicadeza e
amabilidade, retomando Priori (2014, p. 65) “As mulheres não deviam se olhar no
espelho, nem mesmo na água das banheiras. Em compensação, espelhos forravam
as paredes dos bordéis. As mulheres conheciam mal o próprio corpo, e toda
evocação de feminilidade era malvista.” Todo reflexo da imagem do corpo feminino
a si própria era proibido, cabia ao homem definir, estimar e categorizar a sua
mulher, sua propriedade, o medo do espelho é a percepção do próprio corpo, é a
tomada de consciência. Isso porque o homem universal descreve (e escreve) a
história a partir do seu viés, tendo o mundo feminino como um ambiente incerto,
totalmente invisibilizado, vulgar e ao mesmo tempo imaculado. Essa própria
universalização da figura masculina que contribuiu para a diferenciação
socialmente imposta entre os gêneros (COLLING, 2004), assim como o modo como

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251

cada um é visto diante dos olhos de quem o analisa, contribuindo com a construção
da relação de poder entre os gêneros.

A partir de 1880 os banheiros foram acrescentados a casa burguesa, nesse novo


cômodo, o local mais secreto da casa, as mulheres desenvolve um novo aspecto
cultural, a contemplação do próprio corpo, ao se observarem nuas num espelho que
refletia o corpo dos pés a cabeça, comparavam suas pernas, quadris e seios com as
pessoas mais visíveis da high society. De 1914 em diante, sutiãs e calcinhas começam
a ganhar espaço, as roupas cada vez mais curtas valorizam muito mais as pernas,
mulheres e homens frequentam as varandas de casa com roupas de banho e cada
vez mais, os parâmetros de beleza dependem do corpo. Em 1970 mostrar coxas e
seios não é mais indecente, não trabalhamos mais com o imaginário da roupa curta
de 1930, em que a imaginação se esforçava para ver o corpo nu de uma atriz
desejada. Esse período entre 1960 e 1970 não é por acaso, nos referenciamos a
revolução sexual, chegou de problemas sexuais, queremos viver a liberdade e a
democratização dos prazeres, de acordo com Priori (2011, p. 175) “Ao defender a
ideia do ‘direito ao prazer’, os pais da época fabricaram um tipo de sofrimento: o
que nascia da ausência do prazer.” E esse sofrimento não será mais tolerado. A
transformação que a sociedade estava passando é o que Bignotto (2014, Outubro 17)
diz que “A intimidade passa a governar o que é próprio a intimidade, mas também
irá possuir aquilo que é do mundo público.”

Foi a partir do século XIX que a mulher (sobretudo branca) não tem apenas como
reconhecimento o seu encargo de prover a vida, conquistando, assim, espaços, como
no mercado de trabalho, e passa a reconhecer e a compreender o seu direito à
liberdade e autonomia. Entretanto, a figura masculina esteve (e está) mais presente
na esfera pública do que as mulheres, afinal são grandes representações da gestão
econômica e administrativa seja do ambiente de trabalho e do lar. Ou seja, na esfera
privada o homem também apresenta o mesmo caráter de autoridade. Apesar da
mulher ter naturalizada a sua responsabilidade na educação dos filhos, na
atribuição de afeto, não é ela quem aplica as ordens mais severas, isso porque ela se
encontra numa posição abaixo daquele que tem total domínio familiar de aplicar
poder e controle.

Nesse sentido, os deveres femininos não são ligados a um caráter de controle, a


partir do momento que se percebe que dentro do ambiente familiar, a
domesticidade se torna presente quando o papel principal que deve ser por ela

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desempenhado diz respeito à relação de cuidado e afeto para com os seus


familiares, acarretando a visão do ser imaculado e divino que tem o poder (seu
único poder) de gerar vida, resultando na castidade do ser que tem como principal
função a reprodução, apesar de que a virilidade masculina esteja em jogo quando
essa reprodução não é bem sucedida. Nesse sentido, a atribuição do papel
reprodutivo afeta diretamente a vida privada feminina em virtude da violação (ou
da falta de reconhecimento de que isso é direito) do direito à liberdade e à
autonomia.

Nesse processo se compreende cada vez mais o crescimento do individualismo e da


formação da identidade através da privacidade. Com a valorização do corpo, ele se
torna significativo para a formação da identidade, vai além disso, para Prost (2009,
p. 90) “Mais do que identidades, máscaras ou personagens adotadas, mais até
mesmo que as ideias e convicções, frágeis e manipuladas, o corpo é a própria
realidade da pessoa.”. É encontrado no privado o fundamento de existência do
indivíduo. Essa individualidade também é reproduzida no campo filosófico;
Bignotto (2014, Outubro 17) parafraseando Descartes, utiliza o exemplo do: “‘Penso,
logo existo’, é um encontro identitário a partir do eu. O que sobra para o coletivo, o
público, é apenas um polo objetivo, mas que não diz respeito a individualidade”.
Podemos ainda incluir Nietzsche, por exemplo com a “Morte de Deus” é uma
expressão de uma coletividade que não é formada por vários eus; um indivíduo
mata Deus pois não lhe é mais necessário, porém, não nega sua existência, pois. para
alguns o veneno ainda é necessário; revela-se um senso de individualidade maior
que o coletivo, mas o coletivo ainda é considerado, por isso Nietzsche não irá negar
Deus, mesmo sendo desnecessário.

Esse crescimento constante do individual, privado, nos incentiva a abrir


rapidamente um ponto que está em evidência nesse período, a pós-modernidade,
uma classificação para descrever o agora, uma tentativa de nomear essas rápidas
mudanças que estão acontecendo na sociedade. Para seguir uma mesma lógica
freudiana citamos aqui Bauman (1998, p. 10) “Os mal-estares da pós-modernidade
provêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma
segurança individual pequena de mais.”. Passamos a exigir de mais por liberdade e
nos tornarmos cada vez mais individualista, não encaramos aqui o individualismo
como um problema, mas o que foi apropriado a partir disso, diversos problemas
sociais taxados como problemas privados e que esperam que cada um resolva o seu,

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253

quando na verdade nossa intimidade é explorada como uma mercadoria e existe um


incentivo para que acreditemos que exposição é lucro.

Hoje, consumimos imagens imbuídas de sentimentos, choramos e rimos ao ver uma


propagando, uma publicação. Essa imagem é o que Debord (1997) chama de
espetáculo, elas nos prendem atenção e provoca diversos estímulos que podem
conter mais sabedoria que qualquer filosofia ocidental. O celular, um aparelho em
que carregamos a todo momento e registramos nossa intimidade num campo
público, até mesmo nossa humilhação é registrada nas redes sociais, somos
produtos dessa imagética, desse espetáculo, o que publicamos provocam reações,
sentimentos. Poderíamos ainda num discurso mercadológico e transformar o
sentido de sexo como Gidden (1993, p. 194) atribui: “A transformação do sexo em
mercadoria poderia então ser interpretada em termos de um movimento de uma
ordem capitalista [...] preocupada em incrementar o consumismo e, por isso, o
hedonismo.”.

No século passado, as classes trabalhadoras conheciam formas variadas de


interpenetração de sua vida privada e de sua vida pública, porém os polos público e
privado não se dividem, privacidade é um privilégio das classes abastadas. Segundo
Prost (2009, p. 17) “A história da vida privada seria, então, a história de sua
democratização.”. Por mais glamoroso que seja as redes sociais, em que qualquer
um pode publicar o que quiser, não chegamos na democratização dessa
privacidade. A diferença de classe está muito visível nos espetáculos demonstrados
nas publicações, gestos e montagens de fotos são copiadas das classes privilegiadas,
os espelhos de corpo inteiro ainda fazem parte das fotos, as comidas são registradas,
apenas quando são os pratos mais caros do mês, em viagens, as redes sociais viram
quase um diário para demonstrar a única viagem do ano.

Ainda é difícil caracterizar os pontos de influência entre um polo e outro da


sociedade, tratando que a pós-modernidade consiste em inúmeros contatos culturais
entre produtores e consumidores, mas concordamos com Harvey (2014, p. 62)
quanto ao gosto cultural dos anos 60 substituídos pela: [...] Pop arte, pela cultura
pop, pela moda efêmera e polo gosto da massa [que] são vistas como um sinal do
hedonismo inconsciente do consumismo capitalista.”. Contextualizando,
novamente, a espetacularização da intimidade não podemos fazer da lógica
mercadológica como responsável pela geração da pós-modernidade, mas tratar as
ferramentas locais dessa espetacularização como um produto do capitalismo

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avançado, portanto existe uma necessidade de discutir a respeito dos parâmetros


democráticos desse espaço, num período em que se preza por mais liberdade e
menos segurança, tratando-se de um espaço de liberdade, há uma noção de
esquecimento e desconhecimento da forma em que é regularizado esses espaços e
para quem é direcionado e determinado o espetáculo da intimidade.

Tratando-se de democratização da privacidade inicia-se pela esfera burguesa e


protagonismo masculino, e as mulheres, paulatinamente, foram conquistando
espaço numa luta árdua e solitária. Giddens (1993, p. 208) atribuiu a conquista de
direitos privados para se fazer a intimidade, essa conquista pode ser percebida: “[...]
A partir da luta das mulheres para atingir uma posição de igualdade no casamento.
O direito das mulheres de tomar iniciativa do divórcio [...].”. São conquistas como
estas que se referem a própria conquista íntima. Os direitos garantem destruir
poderes privilegiados, arbitrários e limitadores até mesmo dentro do campo íntimo,
ou melhor, necessariamente dentro do campo íntimo e privado. A garantia de
direitos terá como consequência a criação de responsabilidades, transformar o poder
coercivo em igualitarismo. Não esqueceremos sobre o ser cidadão, a garantia de
direitos e deveres é formado através do investimento em cidadania, de acordo com
Covre (2002, p. 9) “É direito de todos expressar-se livremente, militar em partidos
políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais, lutar por seus valores.”. Não
concluiremos este documento com um pensamento fechado de que para garantir
uma privacidade igualitária é necessário apenas a democratização da mesma e sim,
que o campo privado é uma demarcação ainda muito recente e que devemos
explorar muito mais seus vieses discursivos e compreender a estrutura que a
fomenta.

REFERÊNCIAS

Maicon Douglas Santos Kossmann, Alvorada, Faculdade Porto Alegrense – FAPA,


Graduando em História.
Carolina Fernandes dos Santos, Porto Alegre, Faculdade Estácio do Rio Grande do
Sul, Bacharela em Direito.
Grupo Autônomo de Pesquisa – SAIR DA GRANDE NOITE
sairdagrandenoite.com

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255

BAUMAN, Zygmunt. Introduçao: O mal-estar - moderno e pós-moderno. In:


BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Zahar,
1998. p. 7-13.
COLLING, Ana. A construção histórica do feminino e do masculino. In: NEVES
STREY, Marlene; T. LISBOA CABEDA, Sonia T. Lisboa Cabeda; RODRIGUES
PREHN, Denise (Org.). Gênero e cultura: questões contemporâneas. 1. ed. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2004. cap. 1, p. 13-38.
COVRE, Maria. O QUE É CIDADANIA. São Paulo: Brasiliense, 2002
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto. 1997.
FREUD, Sigmund. O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO: (1930[1929]). In: FREUD,
Sigmund. O Futuro de uma Ilusão, O Mal~Estar na Civilização e outros trabalhos
(1927 ~ 1931): Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud Volume XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 67-154.

GIDDENS, Anthony. A TRANSFORMAÇÃO DA INTIMIDADE: Sexualidade,


amor e erotismo nas sociedades modernas. São Paulo: Unesp, 1993.
GUTIERREZ, Denise Machado Duran; PONTES, Karine Diniz da Silva. Vínculos
mãe-filho: reflexões históricas e conceituais à luz da psicanálise e da transmissão
psíquica entre gerações. NUFEN, São Paulo , v. 3, n. 2, p. 3-24, dez. 2011 . Disponível
em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-
25912011000200002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 10 nov. 2018.
HARVEY, David. CONDIÇÃO PÓS-MODERNA. 25. ed. São Paulo: Loyola, 2014.
PRIORE, Mary del. Histórias íntimas: sexualidade e erotismo na história do Brasil.
São Paulo: Planeta, 2011.

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256

PRIORE, Mary del. HISTÓRIAS E CONVERSAS DE MULHER: Amor, sexo,


casamento e trabalho em mais de 200 anos de história. 2. ed. São Paulo: Planeta,
2014.
PROST, Antoine; VINCENT, Gérar (Org.). HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA 5: Da
Primeira Guerra a nossos dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

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IDENTIDADE E CULTURA: A PARTICIPAÇÃO FEMININA


NO RITUAL INDÍGENA MENINO DO RANCHO
Yuri Franklin dos Santos Rodrigues

Considerações Iniciais

O papel feminino na comunidade indígena Jiripankó é diversificado, pois sua


participação nos processos de reafirmação identitária do grupo é marcante, entende-
se que tais práticas ocorrem através da realização dos rituais sagrados. Suas funções
variam desde uma singela presença em alguns procedimentos ritualísticos a
atuações maiores em outros.

O evento alvo da investigação desse trabalho é o ritual denominado Menino do


Rancho, busca-se por meio dele fazer uma averiguação da participação feminina e
suas atribuições, tentando dessa forma fazer o leitor exercitar a capacidade de
observar os detalhes e personagens menos aparentes que fazem esse evento sagrado
e religioso.

Para nossas observações tomarem corpo, foi realizada uma pesquisa de campo, nos
moldes da proposta por OLIVEIRA (2000), com observação participante, elaboração
de diário e caderno de campo e produção de fotografias e vídeos.

Sobre a discussão das questões de gênero e protagonismo tratando-se de um


trabalho sobre mulheres decidiu-se seguir a concepção de Michel de Certeau (1982),
ele afirma que “antes de saber o que a história diz de uma sociedade, é necessário
saber comofunciona dentro dela [...] ” (CERTEAU, 1982, p. 68) , com isso, esse
trabalho não propõe fazer qualquer reivindicação do protagonismo feminino na
aldeia, visto que, na sociedade onde a pesquisa vem sendo desenvolvida, o
comportamento de todos os participantes não indica a postura de divisão de atores
principais e secundários, pelo contrário, nota-se uma união de todo o grupo em
torno do ritual, para que dessa forma ocorra um momento de reafirmação
identitária e diálogo com o mundo encantado. As mulheres, juntos com os homens
são componentes do sistema ritualístico dos Jiripankó, cabendo a ambos restrições e
obrigações antes, durante e após os rituais.

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Construção do território Jiripankó: história e indivíduos

O povo indígena Jiripankó habita no município de Pariconha, no Sertão de Alagoas.


A aldeia está a aproximadamente 6 km do centro da cidade. É uma sociedade
originária do tronco Pankararu do aldeamento de Brejo dos Padres que se localiza
entre os municípios de Petrolândia, Itaparica e Tacaratu, no sertão de Pernambuco.

Sua formação teve início com “o êxodo do índio José Antônio do Nascimento (Zé
Carapina) para a região de Alagoas em 1893, em decorrência da ocupação
territorial” (SANTOS, 2015, p. 10). Esse movimento se dá em virtude da lei de terras
de 1850, que devolvia às municipalidades todas as terras sem registro de compra
lavrado em cartório, com isso os territórios indígenas em todo o Brasil e
principalmente na região Nordeste sofreram diversas invasões do não-índio.

Dessa forma, a chegada de Zé Carapina e sua esposa Izabel em 1893 – segundo


relatos e historiografia consultada - às margem de uma fonte de água conhecida na
região comoOuricuri, marca o primeiro povoamento indígena do território que
outrora seria atribuído o etnômio Jiripankó. Logo após a chegada ao pé da serra
onde hoje é localizado o centro do aldeamento, ambos se estabilizaram com a
criação de alguns animais e com uma agricultura de subsistência, em regime de
meeiro - regime caracterizado pela divisão da produção - com o dono da terra,
fazendeiro poderoso na região (PEIXOTO, 2016).

Com o passar do tempo, alguns parentes foram fazendo o mesmo trajeto realizado
por Zé Carapina e Izabel. Tal movimento é explicado por ARRUTI (1996) como:

“[...] viagens de fuga, verdadeiras transferências demográficas, mas muitas vezes


reversíveis,_através_das_quais_grupos de famílias transferiam seu local de morada p
ortempo indeterminado, como recurso_à perseguição, ao faccionalismo, às secas ou à
escassez de terras de trabalho. ”(ARRUTI, 1996, p. 53)

Dessa forma, começa a surgir a formação do povo Jiripankó. Os povos indígenas do


Nordeste passaram ao longo do século XX por inúmeros desafios, desde invasões às
suas terras a perseguições de seus rituais. Desse modo, tiveram que elaborar
estratégias de resistência para que lhes possibilitassem a sobrevivência de sua
identidade e cultura. (NEVES, 2017).

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259

Assim sendo, o povo Jiripankó utilizou-se da estratégia da invisibilidade, passando


a viver à margem da sociedade de Pariconha. A busca pelo reconhecimento étnico
surgiu a partir da década 1980 em articulação com outros povos de Alagoas –
Xucuru-Kariri, Wassu-Cocal e Kariri- Xocó – e o CIMI – Conselho Indigenista
Missionário. Momento no qual se consideraram fortes etnicamente para iniciar
a “Viagem da Volta” (OLIVEIRAFILHO, 2004). Tal conceito prevê uma viagem dos
indígenas as tradições religiosas.

No caso dos Jiripankó, essa viagem seria realizada ao povo Pankararu, tronco
formador e detentor da tradição religiosa. De acordo o Sr. Genésio Miranda,
Cacique da Aldeia, na década de 1930, duas irmãs – Chica e Vitalina – vindas de
Pankararu foram responsáveis pelas transmissões de alguns conhecimentos. Sobre
esse aprendizado, SANTOS (2015) afirma que

“As regras que foram trazidas para o Ouricuri-Comunidade do povo Jiripancó por
Chica Gonçala e sua irmã Vitalina (responsáveis pela continuidade da tradição),
mesmo sem a intensão de recriar outra aldeia fora de Pankararú, era natural cantar e
dançar o toré ir para o retiro na mata para as experiências onde acreditavam receber
a força dos “encantados”. Era comum ir a Pankararú, às escondidas, dançar com os
praiás e usar os dons da cura e ervas medicinais para curar os índios, era/é parte dos
ensinamentos da tradição. (SANTOS, 2015, p.44)”

Com isso, nota-se uma intensa participação das mulheres no processo de


reafirmação étnica e resistência no aldeamento Jiripankó. Até nos dias atuais, sua
importância e força – relacionado a espiritualidade - é visível na aldeia, pois
durante a realização dos rituais sua participação se torna necessária, como veremos
adiante.

A formação da identitária dos Jiripankó a partir da etnografia do ritual Menino do


Rancho

O aldeamento Jiripankó é originário do tronco Pankararu – Sertão de Pernambuco –


dessa forma, todas as expressões religiosas desse povo foram e são formas de
reafirmação da identidade dos Jiripankó. Os rituais nesse contexto servem segundo
GUEIROS e PEIXOTO (2016) como:

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260

“[..] um momento de fortalecimento identitário, pois tanto os jovens quanto os


adultos revivem, no ritual, uma atividade criada pelos seus antepassados em
tempos remotos. Pode-se dizer que é um momento de transposição do passado, no
presente. É um renovar de ações em reascender da pertença étnica.” (GUEIROS;
PEIXOTO, 2016, p. 14)

Com isso, denota-se a importância do universo ritualístico como fortalecimento da


identidade e etnicidade dos povos indígenas. Entre os rituais que se fazem presentes
no universo religioso dos Jiripankó estão o clico de rituais da Festa do Umbu –
Flechada do Umbu, Puxada do Cipó e Festa do Cansanção – que acontecem entre o
mês de dezembro, quando o primeiro fruto do umbu se encontra maduro e no final
do mês de março, após o último dia da festa do Cansanção que ocorre em quatro
fins de semana e o ritual Menino do Rancho.

O ritual de pagamento de promessa ou Menino do Rancho, não tem data certa para
acontecer, pois é uma festa em que a família do menino curado tem que oferecer um
“prato” a quem curou e a comunidade, isso requer uma condição financeira
favorável para sua realização.

Inicialmente, um menino que apresenta sintomas de alguma doença é levado a


presença do pajé para realizar uma consulta. O pajé, como líder do mundo espiritual
indígena realiza um procedimento na criança para averiguar as causas da anomalia.
Realizado tal processo, o Pajé indica algum medicamento, banho de ervas ou
alguma dieta alimentar.

Se após, esse procedimento a criança não melhorar os pais fazem uma promessa aos
Encantados - entidades do mundo espiritual ligadas aos antepassados, atualmente
servem como orientadores e protetores da aldeia. Dessa forma, o menino é levado à
mesa no Poró, “[...] espaço simples e pequeno, mas que assume grandes proporções
enquanto elemento simbólico da religião indígena”. (GUEIROS; PEIXOTO, 2016, p.
3). O Pajé por intermédio de alguma entidade Encantada realiza o tratamento da
doença; depois de constatado a efetivação da cura, acontece à segunda parte do
ritual que é o pagamento da promessa pela família do menino que foi curado, como
isso requer gastos financeiros e o período entre a cura e festa pode demorar anos, ou
até décadas.

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O ritual geralmente acontece na noite do sábado para o domingo, no sábado à noite


por volta de dez horas, os Praiás – vestimenta sagrada onde se materializam os
Encantados – saem do Poró e fazem a abertura, que consiste no movimento
denominado de encruzar, o batalhão de Praiás é quem realiza o movimento de
encruzamento do Terreiro. Quando saem do Poró os Praiás ao lado dos Cantadores
– indivíduos que à frente do ritual, executam os cantos e, através do maracá definem
o ritmo das performances – vão em sentido Leste formando o primeiro passo para a
formação da cruz; depois, em sentindo anti-horário, se deslocam em direção ao
Oeste, concretizando o momento inicial.

Nesse espaço é muito comum encontrar pessoas das mais variadas idades, de
crianças até anciãos, o que se configura em excelente oportunidade para
compartilhamento da tradição. Segundo GUEIROS (2017):

“[...] é nesses espaços que as gerações do grupo passam a interagir juntas,


fazendo comque os mais velhos, detentores do conhecimento e saberes tradicionais,
realizemtransmissões e ensinamentos para os mais novos membros da aldeia, o que,
por sua vez, contribui significativamente para que as crianças sejam inseridas no
universo religioso da comunidade e sejam influenciadas pela memória do grupo.
[...] (GUEIROS, 2017, p. 53)”

Ou seja, são nesses ambientes em que as tradições do povo é transmitida as gerações


futuras, é um momento de compartilhamento da memória coletiva do grupo que
constantemente é partilhada nos rituais pelos seus membros. Dessa forma, também
a identidade do grupo vai sendo formada a partir das memórias, pois a identidade e
memória estão intrinsecamente ligadas entre si (CANDAU, 2012).

Na manhã seguinte, no dia de domingo, momento onde acontece o ápice do ritual,


os Praiás junto com os Cantadores visitam a casa do menino, que os espera em
frente a sua residência junto com sua família e um Padrinho – homem escolhido
pelos pais da criança para “protegê-lo” durante a realização do ritual - esse protetor
geralmente encontra-se sem camisa e com o torso pintado de uma tinta branca
conhecida na região como Tauá.

Após se organizarem em algumas performances no Terreiro, os Praiás juntos com os


Cantadores se deslocam até uma residência próxima – Tapera - , na qual será

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entregue a primeira refeição do dia, o café da manhã – arroz, pirão e carne de bode
cozida.

Foto 1: Praías recebendo a comida. Fonte: Acervo particular do autor.

A foto 1 demonstra o momento em que os Praiás junto com os Cantadores e os


observadores do ritual recebem o café da manhã. Em suas mãos, pequenos pratos de
barro - com arroz, pirão e carne de bode. O recebimento segue uma hierarquia,
primeiro os Cantadores, depois os Praiás e Padrinhos, quando esses grupos recebem
e encruzam o Terreiro com a comida agradecendo e oferecendo aos Encantados,
depois disso, os outros participantes podem se servir.

Terminada a refeição, os integrantes do cortejo se deslocam para casa das


Madrinhas e da Noiva – mulheres escolhidas também pela família, que
simbolicamente protegem a criança, geralmente essas pessoas são bem vistas na
comunidade ou são próximas da família; receber um convite para ser Madrinha ou
Noiva é um sinal de honra. Com todos os personagens do ritual juntos, o cortejo se
desloca até o Terreiro principal da aldeia. A foto a seguir apresenta esse momento
de cortejo.

Foto 2: Madrinhas e Noiva. Fonte: Acervo do autor.

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A imagem acima, apresenta as duas madrinhas – uma de cada lado – e a noiva – no


meio das madrinhas – as três com roupas discretas: de saias abaixo do joelho; com
corpo e rostos pintados com Tauá, na cabeça adereços que as destacam das outras
mulheres presentes no ritual. Percebe-se que um grande número de padrinhos na
parte de trás de foto, vale ressaltar que apenas um é escolhido pela família, os outros
participam por vontade própria. A foto mostra o momento em que o grupo já está
completo e, em grupo, se dirige ao Terreiro escolhido pelo Encantado que realizou a
cura.

Por volta de duas horas da tarde é servido o almoço, nesse momento o público do
evento gira em torno de mil pessoas, é oferecida a refeição com o mesmo sistema
hierárquico da primeira. Ocorre uma pausa de aproximadamente uma hora nas
atividades do ritual, pelo menos ao público, pois em algum ambiente próximo os
Padrinhos traçam as melhores estratégias para proteção do menino.

Depois da refeição, começa o ápice do ritual, o momento mais esperado, que é a


“pega do menino” pelos Praiás. Nesse momento, os ânimos dos presentes se
afloram, de um lado os Praiás com a missão de tocar em qualquer peça de roupa da
criança e dos outros Padrinhos que tem a função de não deixar isso acontecer.

Essa brincadeira, ocorre em três momentos, a correria dos Padrinhos e Praiás em


cada ciclo é alucinante e se mistura com os gritos de euforia dos observadores
presentes. A preocupação dos espectadores com a “pega do menino”, os motiva a
procurar espaços vazios ao lado do Terreiro buscando proteção e uma ótima visão
do que está acontecendo.

Depois de constatado que algum Praiá tocou em qualquer peça de roupa da criança,
a brincadeira se encerra e simbolicamente a criança é entregue ao Praiá/Encantado
que a pegou. Essa entrega acontece no meio do Terreiro, sendo visível ao público
presente, é um momento de muita emoção por parte da família e do zelador do
Praiá - responsável por zelar da vestimenta e do moço que a utiliza, tem
determinadas obrigações dentro dos rituais. Esse momento é permeado de
conselhos dos anciãos ao Moço - individuo do sexo masculino responsável por
vestir a indumentária sagrada - pois ele será responsável pelo menino e lhe
orientará na inserção do mesmo na vida religiosa.

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Depois de encruzarem o Terreiro para seu fechamento, Praiás, Cantadores, Pajé e a


criança seguem para o Poró onde desenvolvem os momentos finais do ritual. As
atividades que ocorrem no ambiente do Poró são fechadas ao público, pois é nesse
espaço conhecido também como “casinha dos homens”, local no qual se tem uma
relação mais restrita com os Encantados (AMORIM, 2010).

Da Tapera ao Terreiro: os papéis femininos no ritual Menino do Rancho

A participação feminina nos rituais do povo Jiripankó é frequente, evidenciada


também em outros rituais, como a Festa do Cansanção, quando sua participação é
de extrema necessidade, pois nesse determinado rito é lhe conferida a função de
fazer uma oferenda ao Encantado, “[...] geralmente a oferenda é composta por um
cesto de cipó, contendo açúcar ou rapadura, umbu e alguns outros frutos como
laranja, banana, melão, melancia e até refrigerantes” (RODRIGUES, 2017, p. 774).
Através dessa relação cria-se um diálogo com as entidades Encantadas.

No ritual Menino do Rancho a participação feminina é bem específica, com funções


determinadas, como é o caso da Noiva e das Madrinhas. Os seus papéis fazem
parte do universo simbólico dos Jiripankó, pois quando finalizado o ritual, o menino
não tem nenhum compromisso ou laço afetivo com as participantes, apenas respeito
e admiração. As fotografias a seguir, apresentam essas três personagens em
momentos diferentes no ritual.

O papel da mulher não se delimita apenas no apresentado, outra função que é


específica da mulher em todos os rituais é o preparo dos alimentos, esse é um dos
cargos mais importantes. Muitas senhoras deixam suas famílias alguns dias antes do
ritual para se dedicarem exclusivamente à cozinha. A fotografia a seguir, apresenta
a estrutura do espaço de preparação dos alimentos para as refeições; é o ambiente
que tem como nome Tapera.

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Foto 3: A tapera vista de dentro. Fonte: Acervo particular do autor.

A Tapera é um ambiente bem simples como se pode ver na fotografia, chão de terra
batida, os tijolos expostos, aberturas do lado para circulação de ar, tornando o lugar
mais arejado, a comida é feita a partir de um fogareiro, montado a partir de três
pedras que servem de base para colocar as panelas e entre as quais se coloca a lenha.
Tal estrutura é denominada de trempe e é bem comum na zona rural da região
Nordeste e bastante usada pelas populações indígenas dessa localidade.

Foto 4: A mulher como cantadora. Fonte: Acervo Particular do autor.

Na foto 4, encontra-se talvez a participação mais significativa nos rituais da Mulher


Jiripankó. Essa cena mostra a “força” feminina em frente ao Terreiro; com serviço de
Cantadora, conduzindo através de seu canto e do balançado do Maracá o ritmo dos
Praiás, exercendo um diálogo com o mundo cosmológico. Tal função é
desempenhada geralmente pela figura masculina e a partir dessa foto, percebe-se
que a mulher também faz parte desse espaço nos rituais Jiripankó, saindo, dessa
forma, dos bastidores nos olhares dos observadores.

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266

Algumas mulheres ainda assumem o importante papel de ser Mãe de Praiá,


determinada função é de extrema relevância na comunidade, é uma posição de
prestígio, pois é o próprio Encantado que define quem assumirá o cargo de zelar as
vestes sagradas. Com isso, percebe-se que a Força Encantada tem ação extensiva
para ambos os sexos.

Considerações Finais

Perceber a participação feminina nos rituais Jiripankó é excitar o olhar para além
daquilo que está visível no primeiro plano, pois sua presença e participação nesses
eventos que configuram o mundo religioso da aldeia, ultrapassa os limites do
Terreiro, se entendendo a Tapera; a confecção da roupa do menino do rancho; aos
cuidados com as vestimentas sagradas – defumação, encruzamento e outros
procedimentos; na limpeza do Terreiro – realizada antes de iniciar o ritual. A lista
dos lugares ocupados pela participação da mulher no aldeamento é longa. Outro
importante destaque para o sexo feminino é que, em períodos de corte de cana-de-
açúcar, onde os homens viajam para as regiões da Zona da Mata do estado, ou até
para o estado Sergipe, as mulheres assumem a criação dos filhos e o “controle” da
aldeia.

Esse trabalho – que ainda se encontra em andamento - não pretende suscitar uma
tomada de poder por parte das mulheres, discutir questões de gênero ou lutar pela
posição de destaque dentro do universo dos rituais e sim tornar a atuação da
mulher visível aos olhos dos observadores. Pois, entende-se que a ação das
entidades Encantadas é abrangente, tanto para os homens quanto para as mulheres.
Mas, se pretende lançar um olhar mais apurado sobre a participação delas nos
meios que compõem qualquer evento religioso Jiripankó.

Referencial Bibliográfico

Bolsista PIBIC/FAPEAL, Graduando em História pela Universidade Estadual de


Alagoas – UNEAL/Campus III. Palmeira dos Índios. Membro do Grupo de
Pesquisas em História Indígena de Alagoas – GPHIAL. Trabalho orientado por José
Adelson Lopes Peixoto. E-mail: yurirodrigueshis@gmail.com

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269

PARTE 5:
HISTÓRIA E
ENSINO DE
HISTÓRIA

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RETROCESSOS E AVANÇOS NAS REPRESENTAÇÕES DA


CULTURA INDÍGENA NOS LIVROS DIDÁTICOS DO
ENSINO FUNDAMENTAL
José Humberto Rodrigues
Reinaldo Pereira da Silva
Rosângela Pereira Silva

O interesse pela história indígena surgiu após a realização de um trabalho


interdisciplinar realizado junto com as turmas do ensino fundamental para a
disciplina de História do Brasil, na qual devíamos trabalhar com questões referentes
ao cotidiano indígena no período imperial. Foi através desta preocupação que
motivou a análise da história e, consequentemente, das representações sociais do
índio no livro didático de história, pois é nesse tipo de livro que os alunos têm início
o desejo de compreender melhor esse povo pouco estudado na nossa história.

Para situarmos nosso debate é necessário contextualizarmos a gênese do livro


didático no ensino no país e sua massificação depois da década de 1970 e as
mudanças no processo de ensino e pesquisa no campo histórico.

No período imperial temos o primeiro livro didático de história no Brasil (Lições de


História do Brasil de Joaquim Manuel de Macedo) (, voltado principalmente para
enaltecer as conquistas do imperador Pedro II e também para uma educação
centrada em nomes, datas e heróis. Sem possuir imagens, o livro didático é
altamente explicativo e descritivo. Logo em seguida temos um livro didático de
história (História do Brasil de Rocha Pombo) do início do século XX onde o uso de
imagens em conjunto com os textos se torna frequente. A função do livro didático
nesse período continua sendo a mesma do período anterior, mas seu significado
sobressai, sendo este considerado um dos livros didáticos mais importante e mais
utilizado no Brasil, reeditado entre 1919 e a década de 1960. Já no período da
ditadura militar a função do livro didático de história é alterada, passando o mesmo
a ensinar uma história centrada na política, sem dar margens para contestações e
críticas. É nesse período que o livro didático começa a perder a sua durabilidade,
tornando-se descartável e efêmero. Na década de 1980 e nos anos iniciais da década
seguinte, a história presente nos livros didáticos modifica-se, propondo uma

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interpretação das lutas de classe, principalmente dentro de uma corrente marxista.


Em meados da década de 90 os livros didáticos são produzidos em grande
quantidade, sendo inutilizados com muita freqüência e, é nesse período que se tem
uma nova concepção sobre o fazer história, tendo a historiografia centrada em uma
história social, cultural.

Já no século XXI, após as diretrizes da LDB/1996 e dos PCN’s, mais precisamente no


ano de 2006, houve uma tentativa do governo em aumentar a duração dos livros
didáticos nas escolas. Essa durabilidade do livro didático recorda o tempo em que o
livro didático era peça importantíssima no processo de educação, sendo utilizado ao
longo das décadas.

Partindo de uma historiografia que contemplava o índio enquanto um sujeito


somente através dos aspectos da exploração e da necessidade de sua mão de obra,
percebemos que nos livros didáticos somente é reforçado esse discurso, como
exemplo no livroImagens da Colonização, o autor Ronald Raminelli (1996) aborda a
temática indígena sob os olhares de vários escritores, desde os jesuítas até os
filósofos. Raminelli esboça um panorama bastante extenso acerca dos primeiros
contatos dos índios com os portugueses. O autor trabalha com a questão religiosa
dos índios e também como os portugueses a tratavam. Devido à inexistência de
documentos escritos deixados pelos primeiros habitantes do Brasil, a história
contada por outras pessoas pode ser altamente modificada e imaginada. A partir
disso, podemos entender que a história dos índios conhecida por nós não pode ser
entendida como “verdadeira”, um relato fiel do que acontecia na época. De acordo
com Raminelli “a falta de registros escritos permitiu distorções e promoveu o
surgimento de histórias adulteradas pela fraqueza da memória e pelos longos
séculos”. (RAMINELLI, 1996, p. 24)

Manuela Carneiro da Cunha (1992) em seu livro História dos Índios no Brasil aborda a
mesma temática proposta por Raminelli, discutindo a falta de documentos que
comprovem com exatidão a história indígena. Segundo Manuela Carneiro, sabe-se
muito pouco, ainda hoje, sobre os aborígenes que habitavam as terras brasileiras.
Faltam registros feitos pelos próprios índios e pelos colonos que viveram nessas
terras. A pouca documentação da época foi feita por alguns jesuítas que adentravam
as terras e se sentiam na obrigação de relatar aquilo que viam e viviam, como ainda
pelas cartas dos colonos enviadas à Coroa, a fim de transformar os índios em

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272

escravos. “De fato, apesar de pouco abordada na historiografia, à escravidão


indígena desempenhou um papel de grande impacto não apenas sobre as
populações nativas como também na constituição da sociedade e economia
coloniais.” (MONTEIRO, 1994, p. 105)

Para Manuela Carneiro, a briga pelo controle dos nativos da terra no período
colonial estava além dos jesuítas e dos colonos e colocava-se centrada na Coroa. O
sistema de padroado em funcionamento na época colonial fez com que o poder do
clero aumentasse e fosse imprescindível a catequização dos índios para o
funcionamento da metrópole. De acordo com a autora, o sistema de padroado
baseava-se no poder do rei de Portugal, onde o mesmo possuía poderes tanto de
estado quanto religiosos, pois o papa havia delegado várias imputações do poder
religioso, ocasionando em um poder extraordinário à Coroa, no que diz respeito à
religião. Para que o rei pudesse usufruir de todo esse poder, era necessário que o
mesmo tornasse a evangelização em suas colônias obrigatória, pois essa era a
condição imposta pela Igreja. Com isso, o clero ganhou espaço para a realização de
suas “missões” e, consequentemente, a revolta dos colonos.

Na primeira metade do século XIX, as políticas indigenistas se encontravam mais


em evidência, especialmente no período que ocorreu a transferência da família real
para o Brasil.

No final do período colonial e início do período imperial, ocorrem, no Brasil,


modificações na forma de se ver e tratar o indígena. O que antes era visto como
“selvagem” ou “bárbaro”, passa a ser entendido como “bravo” e “doméstico ou
manso”, “terminologia que não deixa dúvidas quanto à idéia subjacente de
animalidade e de errância”. (CUNHA, 1992, p. 136) Para Manuela Carneiro, o índio
do período imperial pode ser visto como um estorvo e algo a ser superado.

Outra forte alteração nesse período é a mudança de foco da população, pois o índio
apenas como mão-de-obra não é mais necessário e a preocupação agora se dá pelas
terras. Se antes, na colônia o índio era altamente requisitado por ser uma mão-de-
obra de fácil alcance, onde se podia usar e, em seguida, dispensar sem o mínimo de
cuidado, agora se debatia a questão da ocupação das terras.

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“[...] para caracterizar o século como um todo, pode-se dizer que a questão indígena
deixou de ser essencialmente uma questão de mão-de-obra para se tornar uma
questão de terras. [...] A mão-de-obra indígena só é ainda fundamental como uma
alternativa local e transitória diante de novas oportunidades.” (CUNHA, 1992, p.
133)

A preocupação de grande parte da população estava centrada nas terras brasileiras.


No século XIX a busca por terras e status se tornou muito forte, ocasionando então
medidas contra os índios, pois os mesmos possuíam terras e usufruíam dos direitos
que conquistaram ao longo dos séculos.

Os índios aldeados foram introduzidos na sociedade no final do período colonial,


quando passaram a viver dentro da comunidade. Adquiriram essa identidade, pois
se estabeleceram como o restante da população e se sentiram com direitos e deveres
iguais. O índio aldeado possuía quase os mesmos direitos que um colono, podia
fazer uso dos seus direitos e reivindicar - aquilo que considerasse correto. É esse
direito que, de acordo com Manuela Carneiro, dá aos índios o poder de possuírem
terras no final do período colonial. Mas, a partir do século XIX as brigas pelas terras
se tornam inevitáveis e os índios começam a se tornar alvos da população civil.

De acordo com Manuela Carneiro, o século XIX teve, para a população, dois tipos de
grupos indígenas: os Tupi-Guarani e os Botocudos.

No século XX, de acordo com Antônio Carlos de Souza Lima (1992, p. 159), ocorrem
fortes manifestações de grupos indígenas em prol de uma política de terras que os
favoreça, e a criação do SPI - Serviço de Proteção aos Índios, datado de 1910. O SPI
foi criado com o intuito de preservar terras para os diversos grupos indígenas e
transformá-los em pequenos produtores rurais capazes de se auto sustentarem.

“Foi a partir da expansão de um Estado Nacional – aqui concebido como forma


processual -, formalmente separado das ordens eclesiásticas, que se teria a criação
do chamado Serviço de Proteção aos Índios (SPI), primeiro aparelho do poder
governamentalizado instituído para gerir a relação entre os povos indígenas,
distintos grupos sociais e demais aparelhos de poder.” (LIMA, 1992, p. 155)

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Devido às várias visões do índio por parte dos governantes – alguns acreditavam
que os mesmos continuavam em seu estado inferior, adquirido no período colonial,
outros tinham no índio a “origem” da nacionalidade brasileira – e as políticas de
proteção ao índio não foram bem sucedidas neste momento. A preocupação dos
governantes do século XX era colonizar cada vez mais terras, mesmo que para isso
fosse necessário “tomar” a terra que pertencia ao índio. Os militares usavam de uma
estratégia denominada pacificação, onde a ideia geral era “atrair e pacificar”, ou
seja, conquistar as terras, mas sem destruir os grupos indígenas que a ocupavam.
Podemos notar uma grande diferença no pensamento da população civil e de seus
governantes no posicionamento perante os índios. Não há um desejo de extermínio
das populações indígenas, mas sim de uma realocação dos mesmos.

Sendo assim percebe-se que o estudo da história indígena, por parte de


historiadores, se perdeu ao longo dos anos, sendo retomado apenas no final do
século XX, ou seja, como a imagem do índio passada ao longo dos séculos foi
sempre de inferioridade, tendo um baixo grau de “importância” para a história, os
historiadores, anteriores ao século XX, não se preocuparam em estudar os povos
indígenas com mais entusiasmo e dedicação. Isso ocorreu devido à visão errônea
que muitos estudiosos transmitiram para a geração seguinte. Por muitos anos a
historiografia acerca do tema se voltou para uma história inexpressiva dos índios,
onde os mesmos serviam como escravos, aliados em guerras e, muitas vezes,
massacrados pelos portugueses.

Essa história, passada ao longo dos anos, fez com que o estudo da história e da
cultura indígena não obtivesse o valor devido, pois ao passar uma história de
“atores coadjuvantes” perde-se a curiosidade e o desejo de aprofundar no tema.

A ideia de uso dos índios de forma inadequada por parte dos “colonizadores” e sua
opressão esmagadora, fez triunfar uma história dos “derrotados”, uma história dos
fracos, dos despossuídos de direitos, que após a derrota não ofereciam mais
empecilhos para a ocupação das terras.

Recentemente novos estudos deram conta de uma historiografia diferente, capaz de


pensar o índio em sociedade, analisando suas escolhas e atitudes para com os
portugueses. Tais estudos mostraram que o convívio entre portugueses e índios
nem sempre foi norteado por guerras, servidão e exclusão, mas sim por uma

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variedade extensa de escolhas, atitudes e culturas. Essa historiografia só foi possível


devido à aproximação entre história e antropologia que, no passado, era renegada.
“(...) o maior obstáculo impedindo o ingresso mais pleno de atores indígenas no
palco da historiografia brasileira parece residir na resistência dos historiadores ao
tema, considerado, desde há muito, como alçada exclusiva dos antropólogos.”
(MONTEIRO, 2001, p. 4)

A integração entre história e antropologia auxiliou no processo de reformulação da


historiografia referente ao índio, trazendo à tona uma discussão sobre a identidade
indígena.

O conceito de identidade aqui entendido é explicado e exemplificado por Stuart


Hall, na obra A identidade cultural na pós-modernidade (2006). Em sua obra Hall trata
as identidades como “descentradas, isto é, deslocadas ou fragmentadas”. Para ele,
o próprio conceito de “identidade é demasiadamente complexo, muito pouco
desenvolvido e muito pouco compreendido” (HALL, 2006, p. 8), talvez por isso o
autor deixe claro, ao longo do capítulo, a preocupação em não tornar o estudo como
algo “definitivo”.

“Em essência, o argumento é o seguinte: as velhas identidades, que por tanto tempo
estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e
fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A
assim chamada “crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo
de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades
modernas a abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma
ancoragem estável no mundo social.” (HALL, 2006, p. 7)

Essa fragmentação está alterando o modo como nós entendemos “nossas


identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós próprios”, isso altera o
pensamento de “classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no
passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais”.
(HALL, 2006, p. 9)

As autoras Cecília Azevedo e Maria Regina Celestino de Almeida (2003) fazem uma
discussão sobre a revalorização das identidades, principalmente indígena, dentro da

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276

nova historiografia, abordando a “noção de cultura como produto histórico,


dinâmico e flexível”.

“Isso favorece a ideia de que, apesar dos condicionamentos culturais, os homens


orientam-se por estratégias móveis, por interesses e objetivos que se transformam
com suas experiências históricas, permitindo-lhes reformular cultura, valores,
memórias e até identidades.” (AZEVEDO e ALMEIDA, 2003, p. 26)

A revalorização da identidade indígena altera o pensamento anterior de que os


índios foram povos sem escolha, escravizados e dizimados pelos portugueses, sem
chances de modificar tais regras.

É através desse esboço historiográfico que se norteia o ensino de história na


construção de uma identidade e cultura indígena, pois a nova historiografia acerca
do índio ressalta a importância das diversas tribos indígenas para a construção da
sociedade brasileira. Mesmo tendo perpetuado por tantos anos a exclusão da
temática indígena nas escolas, nos livros didáticos e na produção historiográfica, a
nova concepção da história do índio no Brasil traz à tona um universo amplo e
riquíssimo da cultura e da identidade destes povos.

De acordo com o texto inicial da LDB/96, “o ensino da História do Brasil deve levar
em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo
brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia”. (BRASIL,
LDB, 1996, p. 11)

A partir disso, podemos perceber as mudanças que foram estabelecidas no ensino


brasileiro, principalmente focando no ensino da história a cultura dos povos que
ajudaram a construir a identidade brasileira.

Os PCN’s, mesmo abordando a história indígena de forma concisa, já conseguem


estabelecer algumas alterações na forma de se ver e pensar estes povos. Ao
descrever o ensino adotado nas escolas até o período de sua vigência (1998), que
fazem referência aos “primeiros povos da América”, debatem a questão de modo
que se entenda as mudanças a serem estabelecidas na educação.

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“Legitimando o discurso da “democracia racial”, o ensino de história representava o


africano como pacífico diante do trabalho escravo e como elemento peculiar para a
formação de uma cultura brasileira; estudava os povos indígenas de modo
simplificado, na visão romântica do “bom selvagem”, sem diferenças entre a cultura
desses povos, mencionando a escravização apenas antes da chegada dos africanos e
não informando acerca de suas resistências à dominação européia. E projetava os
portugueses como àqueles que descobriram e ocuparam um território vazio,
silenciando sobre as ações de extermínio dos povos que aqui viviam.” (BRASIL,
PCN’s História, 3º e 4º ciclos, 1998, p. 22-23)

A inserção do tema nas escolas acontecia, em grande parte, pela valorização da


historiografia referente ao índio e das leis que visam inserir o índio e o negro dentro
do ensino fundamental, tornando o aluno capaz de:

“Conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos, em diversos tempos e


espaços, em suas manifestações culturais, econômicas, políticas e sociais,
reconhecendo semelhanças e diferenças entre eles, continuidades e
descontinuidades, conflitos e contradições sociais.” (BRASIL, PCN’s História, 3º e 4º
ciclos, 1998, p. 43)

A questão da identidade indígena também se faz presente na criação da lei


11.645/08, que torna o ensino de história e da cultura indígena obrigatório nas
escolas. Como já citado, a identidade indígena, entendida pela nova historiografia,
tem o índio como agente da sua própria história e não apenas um “expectador”. O
que nos leva a pensar nos motivos pelos quais o governo propôs a nova lei. A
criação da lei partiu dos governantes e não da população, pois entende-se que o
movimento indígena nunca teve uma representação forte dentro da sociedade,
diferenciando-se do movimento negro que, desde muito antes da lei sobre a
obrigatoriedade da inserção do ensino da história e cultura afro-brasileira ser
sancionada, já era forte e possuía um poder efetivo, lutando assim pelas suas
identidades no ensino de história.

Assim concluímos que devido ao menor envolvimento dos índios nas questões
sociais, ocorreu uma demora na regularização da lei acerca da obrigatoriedade do
professor de história de inserir a história e a cultura indígena em seu cotidiano
escolar. O foco do ensino escolar, a partir da busca pela história indígena realizada

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pelo governo, se voltou para a história do Brasil, colocando em evidência os índios


brasileiros, sendo estes considerados responsáveis por parte da “origem” brasileira e
pela construção da nossa História. Sobre a lei 11.645/08:

Sendo assim percebemos que houve significativas mudanças nas representações da


cultura indígena nos livros didáticos, porém ainda as permanências fazem-se
presente através de narrativas e imagens discursivas que não contextualizam a
cultura indígena com um dos pilares da cultura nacional.

REFERÊNCIAS

José Humberto Rodrigues - Belo Horizonte - Minas Gerais

Bacharel em Biblioteconomia e Licenciado em História e Geografia. Especialização


em História do Brasil Contemporâneo, História e Cultura Mineira e Metodologia do
Ensino de Geografia e História. Mestre em Educação FaE – UEMG.

Reinaldo Pereira da Silva- Belo Horizonte - Minas Gerais

Mestre em Educação pela FaE- UFMG, Psicólogo formado pela PUC-Minas,


Especialista em Violência Doméstica contra a Criança e ao Adolescente pela USP.
Especialista em Segurança Pública e Complexidades pela Escola Superior Dom
Helder Câmara.

Rosângela Pereira Silva - Belo Horizonte - Minas Gerais

Graduada em Pedagogia pela FaE – UEMG. Participou do Programa Institucional


de iniciação à docência, bem como o aperfeiçoamento e a valorização da formação
de professores, subprojeto Interdisciplinar Cultura Afro-Brasileira e Educação em
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Docência, IFCH-Unicamp, 2001, p. 1-12.

RAMINELLI, Ronald. Imagens da colonização: a representação do índio de


Caminha a Vieira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996.

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A FORMAÇÃO DE CONSCIÊNCIA HISTÓRIA E O ENSINO


DE HISTÓRIA PELO CINEMA

Leonardo Inacio Grazziani

O cinema tem como papel um fomentador da mentalidade coletiva. Os temas


históricos, em sua maioria, possuem um filme que represente a compreensão da
época através da percepção do diretor. O tecido ideológico que o filme representa é
uma visão do período em que fora criado, e sem um approche necessário para leitura
e interpretação do filme, seja pela defasagem ou falta de ensino, o aluno forma uma
“opinião” apriori de assuntos – o que Paulo Freire se referencia como “bagagem
intelectual” do aluno – e que são discutidos em aula. Portanto, a hipótese é de que o
filme cumpre um papel que seria do professor de história: a formação da episteme e
conceitos sobre o passado, fomentando aquilo que se tem como Real através da
imagem apresentada.

O real é construído por várias vertentes, porém aqui defino como sendo três
estágios. O primeiro é a fase da criação do universo. Enquanto criança, somos
estimulados pelo meio que vivemos, os objetos e o desenvolvimento de nossa
inteligência a significar o espaço em que estamos chegando à concepção objetiva de
um universo fora de nós. A segunda fase seria a midiática, em que (como proponho
em meu artigo) o filme seria um catalisador de ideias que podem significar uma
consciência histórica e de tempo aos adolescentes, já que o recurso de leitura é
limitado pela falta de imagem. A terceira fase é o Real histórico, que consiste no
fatual, aquilo que aconteceu e que devemos interpretá-lo em sua concepção. Esse
contexto nos indica que vivemos em vários reais presentes e devemos, a todo o
momento, interferir, como críticos na área da educação, ou como ressignificadores.

A definição de Real que é proposto pela hipótese do artigo é o primeiro ponto a ser
desenvolvido. Objetivamente quero elucidar a concepção em três estágios: 1-
Criança; 2- Midiático; 3- Histórico. Isto é, na construção do fenômeno percebemos a
interferência de vertentes que conduzem à totalidade. O que será demonstrado é a
forma que se é formado na consciência histórica do aluno, precisando ser
intermediado e ressignificado pelo professor de história em sala de aula.
Percebemos que a noção de Real para a criança se define na interação e experiência

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282

com o seu ambiente, portanto a noção do Real é estabelecida no objeto permanente,


que se apresenta como a percepção totalizante do objeto observado, analisado em
seu contexto.

Piaget (1996) nos possibilita a primeira noção de Real para o sujeito, dizendo que
sua resolução está na: construção, objeto, causalidade, tempo e espaço. A
solidariedade destas estruturas compreende a totalidade do fenômeno da primeira
fase do Real, como sendo o sujeito, em seu meio, com os objetos a sua volta,
significa-os e os apropria, para que interprete o mundo a sua volta. Portanto
conclui-se como sendo a primeira fase do Real, a elaboração do Universo.

Em seus estudos da “história das ideias”, o Filósofo Berlin propõe um debate a cerca
do que se tem como o sentido de realidade, afirmando que, além do fato histórico, a
análise do contexto e da tessitura da contemporaneidade dos fatos é que irá
determinar a possibilidade de tradução e projeção do real já passado. Não há
possibilidades de recriar o contexto passado, a conjuntura estrutural e
superestrutural que um dia já formara nossa sociedade, porém através das escolas
analíticas das ciências naturais, poderíamos formular uma ampliação daquilo que
“teria sido” o real. Portanto o resultado seria a análise dos “fios de uma tessitura
mais ampla, formando as partes de um todo mais abrangente” (BERLIN, 1999. P6),
sendo possível através das “ideias do passado (achava ele) [que] só poderiam ser
trazidas à vida se ‘entrássemos’ nas mentes e pontos de vista das pessoas que as
sustentaram, e nos contextos sociais ou culturais aos quais pertenceram” (BERLIN,
1999. P6-7).

A determinação de uma etapa do desenvolvimento histórico – as leis da evolução


social – pode ser compreendida como a interação de fatores humanos e não-
humanos, pois “suas instituições eram aquelas em que as necessidades humanas,
em parte conscientemente, em parte sem nenhuma consciência, causaram tanto a
ocorrência quanto a sobrevivência” (BERLIN, 1999. P20). Aliado a essas leis da
evolução social, percebe-se que existe também, na história, uma direção que leva aos
fatores de desenvolvimento da noção histórica, portanto se define como um padrão
– não-exato – que se define na construção histórica, porém sem ser definido como
um sentido progressivo da evolução, isto é, “não precisamos acreditar que estamos
nos aproximando gradativamente de alguns objetivo ‘desejável’, como quer que
definamos desejável; mas estamos seguindo uma direção definida e irreversível”

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(BERLIN, 1999. P20-21). A nostalgia e o anacronismo estariam no campo utópico da


ciência, pois “se fosse possível reproduzir condições passadas” comenta o autor
“seria rompida a causalidade histórica – o que, como não conseguimos pensar
nesses termos, é psicologicamente impossível, além de irracional e absurdo”
(BERLIN, 1999. P21).

A importância da definição do campo ideológico em que estamos trabalhando tem


todo o sentido, pois delimita o motivo e os pilares do atual estudo. Ao apresentar a
lacuna de entendimento sobre “o que é Ideologia?” sugerimos qual é a base de
entendimento de mundo que temos para começar a trabalhar-pesquisar. Assim,
trago a noção de Zizek sobre Ideologia e o Real, no qual ele diz que
“quando denunciamos como ideol6gica a pr6pria tentativa de traçar uma linha
demarcatória clara entre a ideologia e a realidade efetiva, isso parece impor,
inevitavelmente, a conclusão de que a única postura não ideo1ógica consiste em
renunciar a noção mesma de realidade extra-ideológica, e em aceitar que tudo com
que lidamos são ficções simb6licas, com uma pluralidade de universos discursivos,
e nunca com a realidade". (ADORNO, 1996. p22)

Nesse ponto de partida a reflexão inicial que deve ser feita é que “acaso a critica da
ideologia não implica um lugar privilegiado, como que isento das perturbações da
vida social, que faculta a um sujeito-agente perceber o mecanismo oculto que regula
a visibilidade e a invisibilidade sociais?” (ADORNO, 1996. p9), isto é, como perceber
uma conexão de ideias, totalizante e particular? Zizek responde que “Ela parece
surgir exatamente quando tentamos evitá-la e deixa de aparecer onde claramente se
esperaria que existisse” (ADORNO, 1996. p9).

Em relação ao Real, Zizek comenta que a motivação e significação pela desculpa


dada aos problemas internalize o sentido ideológico e explore somente a causa
superficial. Isto é, todo discurso de ódio ou deturpação de sentidos é camuflagem
para o verdadeiro sentido ideológico, e cita que “como demonstrou Jacqueline Rose,
a externalização da causa, privilegiando as “condições social”, e igualmente falsas,
na medida em que permite ao sujeito evitar o confronto com o real de seu desejo.
Através dessa externalização da causa, o sujeito não mais se compromete com o que
lhe acontece;” (ADORNO, 1996. p12). Portanto toda forma racional e irracional de
ideias, sejam ela com sentido e teor político, social, cultural, etc. terá sempre bases
ideológicas que não há como o indivíduo fugir ou negar.

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284

Portanto Ideologia tem como função o ocultamento da Realidade, através de


instituições de poder e discursos de dominação, sendo sua principal característica
“em tomar as ideias como independentes da realidade histórica ou social, quando
na verdade é essa realidade que torna compreensíveis as ideias elaboradas e a
capacidade ou não que elas possuem para explicar o motivo que ela provocou.”
(CHAUÍ, 2008. p13-14). Portanto a Ideologia é algo Histórico e social, de seu tempo,
que explica seu contexto e dinâmica social. E na Realidade ele é uma parte
constituinte do plano Real, que também é formado pela natureza e pelo social,
sendo a Ideologia o plano das experiências e discurso.

A maneira de desenvolver as aulas de história com base na ciência das academias


deve ter uma atenção na transposição didática. Pode ser entendido como adaptação,
resumo ou até mesmo mudança de conteúdo, porém a transposição deve ser um
meio de fazer chegar o conteúdo aos alunos, portanto um processo, tornando-o
inteligível com o nível de erudição que se encontram os alunos. A cultura escolar e
histórica está vinculada ao processo de construção de consciência histórica e de
tempo, que serve de base para o desenvolvimento da mentalidade adulta e que
ultrapassa as barreiras da escola, portanto uma didática que empreende o
crescimento do nível de abstração do sujeito, utilizando os conceitos de pensamento
histórico, tempo histórico e conhecimento histórico.

Zaslavsky apresenta a tomada de consciência, sobre as relações espaço-temporais,


como se tratando de “um processo que parte de ações não conceituadas, cujos dados
são deformados pela percepção, passando por uma fase em que ação e conceituação
igualam-se, modificando-se mutuamente, até chegar a uma etapa em que a
conceituação ultrapassa a ação.”, e seja com uma informação ou um fato novo, “o
sujeito toma consciência das relações estabelecidas entre os dados da observação e a
coordenação de suas ações.”, portanto o conhecimento desenvolve-se “de esquemas
práticos e representações figurativas para representações operativas e conceituais” e
conclui “o sujeito estrutura as categorias de objeto permanente, de tempo, de espaço
e de causalidade ao longo da sua construção do real” (ZASLAVSKY, 2010. p98).
Através da solidariedade dos fatos e causas constituintes do espaço, explica Piaget, a
maneira de construção e desenvolvimento dos fatos, sua interpretação e
significação, é que constituirão a consciência temporal, básico para a reflexão

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abstrativa que o ensino de história necessita como base para a constituição e


construção do conhecimento.

A constituição do Real têm em sua complexidade as variáveis humanas de


interpretação. Por início, o universo real por Piaget explica que o nível de interação
entre sujeito e ambiente é que irão proporcionar sua construção e consciência de um
mundo fora do egocentrismo. A solidariedade entre os meios interpretativos
constituem o real. Na ideologia, percebemos que o Real é aquilo que analisamos e
pensamos sobre nosso contexto, portanto o conjunto das ideias e interação da
dinâmica social, a partir de suas estruturas de dominação, é que possibilitam a
análise e formação de um pensamento do real. Por fim, na aula de história, a tomada
de consciência histórica sobre o tempo e a constituição do real está na capacidade
reflexiva a partir de problemáticas e significação do conjunto de objetos que sejam
apropriados pelo sujeito ativo, constituindo uma temporalidade que possibilite a
organização e distinção entre processos formadores do conhecimento, formalizando
o pensamento de que o Real é a sua capacidade de significar seu contexto a partir de
sua vida, é uma capacidade analítica do contexto social, político e cultural que vive.

A História no cinema não tem como função a objetividade dos fatos, muito menos
sua constatação da exatidão histórica. A relação entre filme e a história tem muito
mais razão com o contexto histórico: a formação do Real está no fato em si, porém a
realidade relatada não tem conexão entre o fato acontecido e o narrado. Isto é, o
filme histórico toma o papel de representação dos fatos que aconteceram no
passado, porém a narrativa contada, o roteiro criado, possui como enfoque a trama
principal satisfazendo as vontades do grande público.

O processo de construção e a dinâmica discursiva do cinema se encontram no


campo da contracultura, ou como Marc Ferro apresenta como Contra-Análise da
sociedade, que “o que é um filme senão um acontecimento, uma anedota, uma
ficção, informa- ções censuradas, um filme de atualidade que coloca no mesmo nível
a moda deste inverno e os mortos deste verão.” (FERRO, 1975. p5), que indica a obra
fílmica como sendo a representação Ideológica de seu período histórico, seguindo a
premissa de Zizek (sobre a Ideologia) como sendo o ocultamento do conjunto de
ideias nas estruturas de poder do Estado. A obra tem em sua formação estágios de
interação. Nesse ponto são três fases: Em primeiro lugar aparece o trabalho do
historiador na formulação da interpretação do fato histórico. Logo após, em

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286

segundo, os romancistas são estimulados pelos trabalhos que retratam a época ou


assunto de sua preferência. Por último, em terceiro, a obra interpretada por um
diretor, formulada por um roteiro que possui uma trama principal.

A conclusão é que, em primeira instância, o filme tem como rigor projetar uma
realidade interpretada, no qual não se tem reflexões nem ambiguidades, mas sim o
imediatismo, onde o discurso formado final é o que fomenta a formação da
consciência Histórica, ou no caso, uma falsa-consciência Histórica. E a posição do
público é, segundo Sayles, que “As plateias gostam do fato de aquilo aconteceu de
verdade. aconteceu ou não aconteceu, mas elas [o público] pensam que aconteceu,
ou sabem que aconteceu. Isto dá à história uma certa legitimidade na mente da
plateia” e continua, “na mente do cineasta, ao passo que, quando a gente [os
diretores] inventa tudo, não é a mesma coisa.” (CARNES, 1997. P17), pois a tela do
cinema é a formação de um novo mundo, um universo que se completa em si.

O papel do profissional da História deve ser da criticidade ao fato. Mesmo fora do


espaço de construção e fomentação de discursos contrários ao fato, deve-se ter
posicionamento que apure a historicidade do fato, seu contexto e dinâmica como
fenômeno de seu tempo, algo que é inatingível pelo filme. Assim, como Morais
afirma, “a exclusão dos especialistas em história, da palavra do historiador,
demonstra a incapacidade de perceber que o mercado da indústria cultural oferece
apenas a imagem como fetiche.”, portanto “a negação do historiador é ao mesmo
tempo a afirmação da história como imagem-mercadoria deslocada de sua
historicidade” e no filme “o tempo social foi substituído pela ubiquidade temporal,
é como se a história representasse apenas mais um filme hollywoodiano.”
(MORAIS, 2001. P89). Portanto a história no cinema “como prática cotidiana tende a
perder historicidade na coisificação do tempo social, é a inércia de uma
representação que reduz o ser a valor de troca, da mesma forma que reduz toda a
experiência da realidade a uma experiência de imagens.” (MORAIS, 2001. P91).

O resultado imagético de um filme é a síntese Ideológica do passado sob a ótica do


presente. Sua formação é completa, global, sem ambiguidades e não permite outras
visões e interpretações do mesmo fato. Portanto, como diz Nova – sobre cinema e
História – que “O cinema é um testemunho da sociedade que o produziu e,
portanto, uma fonte documental para a ciência histórica por excelência.” E conclui
que “Nenhuma produção cinematográfica está livre dos condicionamentos sociais

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287

de sua época. Isso nos permite afirmar que todo filme é passível de ser utilizado
enquanto documento.” (NOVA, 2015. P2).

A autora Fonseca aborda em seu estudo a maneira que impactou as escolas e sala de
aula a utilização e o fenômeno cinema. Partindo de uma análise do início do cinema
no Brasil, a autora aponta ao tratar sobre cinema e ensino de história, com uma
afirmação de Ferro, que “o filme, imagem ou não da realidade, documento ou
ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é história” (FONSECA, 2009. P152) e a
importância pedagógica da discussão estaria na “defesa da renovação das práticas
pedagógicas com o uso do cinema, a motivação, o despertar do aluno, o
desenvolvimento do gosto pela história, o rompimento com as aulas expositivas e
enfadonhas” (FONSECA, 2009. P154). Seu método de aplicação do filme em sala de
aula como instrumento didático e motivador pelo professor consiste em cinco
passos. São eles:

“a) planejamento: momento de seleção prévia do filme, relacionada ao tema em


estudo, englobando atividades como assistir ao filme, organização dos materiais e
do espaço, preparação dos equipamentos;
b) organização do roteiro de trabalho: enumeração de questões relativas à produção
(quem fez, direção, roteiro, quando, onde, gênero, técnicas, financiamento, se é ou
não baseado em alguma obra etc.). A ficha técnica pode ajudar o professor a
explorar as características e a historicidade do filme: os personagens, o cenário, o
ambiente, a época retratada, o enredo, as percepções, as leituras dos alunos, o
roteiro, o desfecho, os limites e as possibilidades;
c) projeção: assistir ao filme com os alunos no ambiente escolar ou em salas
específicas;
d) discussão: estabelecer relações entre as leituras, interpretações, percepções dos
alunos sobre o filme e os temas estudados em sala de aula em outros materiais como
textos, canções, imagens etc. É o momento de confronto, desconstrução, retomada
da significação, análise e síntese;
e) sistematização e registro.” (FONSECA, 2009. p157)

Preliminarmente, atentamos que a transformação da composição do Real é


produzida a partir da modificação de temporalidade e da historicidade do fato. A
percepção e recorte do objeto, sua mudança para ressignificação e adaptação ao
enredo gera uma desestabilização do sentido da Realidade. Portanto o filme alcança

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a consciência temporal do aluno através da representação imagética do conteúdo


trabalhado em aula, que possibilitou, didaticamente, a formação da consciência
histórica auxiliado da crítica e mediação do professor junto à turma. O cinema cria a
noção de consciência do tempo por retratar de um “outro”, a alteridade na tela. A
partir da observação desse Outro, tendemos a definir um traço de linha histórica-
temporal para estabelecer um passado e um presente.

Referências

Sobre o autor:
-Graduado em Licenciatura em História pela Faculdade Porto Alegrense (2018)
-Membro fundador do Grupo Autônomo de Pesquisa Sair da Grande
Noite. Site:https://sairdagrandenoite.com/
-Lattes: http://lattes.cnpq.br/3502540684102644

ADORNO, Theodor; ZIZEK, Slavoj. Um mapa da Ideologia. Rio de Janeiro:


Contraponto, 1996.
BERLIN, Isaiah. O sentido de realidade: estudos das ideias e de sua história.
Tradução Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
CARNES, Mark C (org.). Passado imperfeito a historia no cinema. Tradução José
Guilherme Correa. Rio de Janeiro: Record, 1997
CHAUÍ, Marilena. O que é Ideologia. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 2008.
FERRO, Marc. O filme uma contra-análise da sociedade. In: LE GOFF, Jacques;
NORA, Pierre (org.). História: novos objetos. R.J.: Francisco Alves, 1975.
FONSECA, Selva Guimarães. Cinema e Ensino de História. Revista do Arquivo
Publico Mineiro. MG, 2009
MORAIS, Ronaldo Queiróz de. BRASIL 500 ANOS: a narrativa midiática
(disciplinando o ensino de história). ISSN: 2179-1309. v. 16, n. 61 (2001).
NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento da história. In: Olho na História nº3.
2015.

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PIAGET, Jean. A construção do real na criança. Série fundamentos. Tradução:


Ramon Américo Vasques. Ática: São Paulo, 1996.
ZASLAVSKY, Susana Schwartz. Formação inicial de professores de história e a
tomada de consciência das relações espaço-temporais. Tese de Doutorado. Porto
Alegre: UFRGS, 2010. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/27680

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POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM PERSPECTIVA: A


REFORMA DO ENSINO MÉDIO E O ENSINO DE HISTÓRIA
Amanda Camargo Rocha¹
Ana Beatriz Camargo Rocha²

Ao pensarmos o desenvolvimento e implementação de políticas educacionais é


importante considerarmos que essa legislação contém em seu cerne não somente a
força de normatização do ensino, mas também traz implícito em seus textos um
projeto de sociedade e de nação que interfere diretamente na vida, formação e
perspectivas de futuro de seus cidadãos. Para que essas intenções que, por vezes, se
encontram camufladas no texto legislativo se tornem mais claras e sejam
compreendidas em sua totalidade, não se pode prescindir de uma análise que
considere a conjuntura social, econômica e política que possibilitou sua promoção,
ou seja, uma análise historicizada do processo.

A História da Educação e das políticas educacionais para formação escolar da


juventude brasileira, especialmente da etapa que hoje caracterizamos como Ensino
Médio, tem revelado que este se constitui em território de disputas entre diferentes
concepções e finalidades atribuídas à educação, que, ao longo do processo histórico,
tem se constituído a partir do dualismo estrutural entre o ensino propedêutico e o
profissionalizante, que segue a lógica capitalista.

“Dualidade e fragmentação no ensino médio e na educação profissional devem ser


compreendidas não apenas na sua expressão atual, mas também nas suas raízes
sociais – a estrutura secular da sociedade de classes e de implantação do
capitalismo. Uma visão da totalidade social evidencia o sentido da disputa do
consenso na sociedade e dos recursos públicos para a educação profissional
reduzida ao mercado ou a travessia acidentada para a educação unitária,
omnilateral, politécnica, de formação integrada entre o ensino médio e a educação
profissional como política pública.” (CIAVATTA e RAMOS, 2011, p. 27)

As raízes do ensino secundário brasileiro se encontram na criação do Collegio de


Pedro II em 1837. Essa instituição é constituída a partir de inspiração francesa,
gozando de caráter modelar até o ano de 1931. É também a partir da fundação do
Colégio Pedro II que a História é instituída como disciplina escolar do ensino

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secundário, sendo considerada “irmã gêmea da História acadêmica” (ABUD, 2006,


p.29) já que, também em 1837 foi fundado o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB). De acordo com Kátia Abud, “aquela escola fora criada para
formar os filhos da nobreza da Corte do Rio de Janeiro e prepará-los para o exercício
do poder”, e a grande questão enfrentada pela História como disciplina escolar e
acadêmica se deu em relação a consolidação da nação brasileira. (ABUD, 2006, p.30).

Foi somente a partir da Revolução de 1930, com a criação do Ministério da Educação


e Saúde Pública e instituição das Reformas de Francisco Campos no ano de 1931,
que são observados esforços no sentido de organização e regulamentação da
educação brasileira em âmbito nacional. (SAVIANI, 2004, P.4) Neste período a
disciplina de História ainda se ocupava primordialmente da questão da unidade e
identidade nacional brasileira. Foi também no ano de 1931 que o MEC, “elaborou o
primeiro programa para as escolas secundárias, já com seriação unificada, a História
Geral e do Brasil constituíam uma única disciplina: a História da Civilização, que
era incluída nas cinco séries do curso secundário fundamental” (ABUD, 2006, p. 33)
Ainda segundo Saviani, é importante lembrar que neste período temos o
lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que “Partindo do
pressuposto de que a educação é uma função essencialmente pública, [...] esboça as
diretrizes de um sistema nacional de educação, abrangendo, de forma articulada, os
diferentes níveis de ensino.” (2006, p.33).

As chamadas “Reformas Capanema”, em 1942 instituem as leis orgânicas do ensino,


dentre elas a Lei Orgânica do Ensino Secundário, ao que Celso Ferreti, denomina
como “os primórdios do que hoje conhecemos por Ensino Médio”. (2016, p.72) Essa
reforma abrangeu “os ensinos industrial e secundário (1942), comercial (1943),
normal, primário e agrícola (1946), complementados pela criação do SENAI (1942) e
do SENAC (1946)” (SAVIANI, 2004, p.5) Além disso, o segundo ciclo do ensino
secundário, agora denominado colegial, passa a ser dividido entre os cursos
“clássico” e “científico”, que ocorriam de maneira paralela e com mesma duração.
Frigotto e Ciavatta (2011, p.625), ao se referirem às leis orgânicas, afirmam que estas
“radicalizam a dualidade estrutural da educação”, fragmentando seu acesso de
acordo com “os setores produtivos e as profissões, separando os que deveriam ter o
ensino secundário e a formação propedêutica para o ingresso na universidade e os
que deveriam ter formação profissional para os setores produtivos. ”

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292

Foi apenas a partir da promulgação da constituição de 1946, com a determinação de


competência da União em “fixar as diretrizes e bases da educação nacional” que é
proposta a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que, sancionada
deu origem a Lei 4.024/1961. Segundo Saviani, a LDB possibilitou aos alunos a
transferência de “um ramo a outro do ensino médio e, após concluir qualquer ramo
desse nível de ensino, viessem a ter acesso por meio do exame vestibular, a qualquer
curso de nível superior.” (2004, p.6). Além disso, “passou-se aos governos estaduais
a atribuição de elaborar os programas da escola secundária” (ABUD, 2006, p.39).
Sobre o ensino de História entre as décadas de 1950 e 1960, Circe Bittencourt afirma
que, à época, os educadores criticavam a “[...] erudição histórica desvinculada de
formação que fornecesse aos alunos elementos de autonomia intelectual [...]. À parte
essa formação intelectual, via-se igualmente como necessária a formação do cidadão
político [...] (2004, p.82-83)

No contexto do golpe que instaurou a ditadura militar no Brasil no ano de 1964,


apesar da necessidade de adequação à nova situação o governo militar não
considerou necessário modificar toda a LDB. Isso se explica quando se considera
que “[...]as diretrizes gerais da educação, em vigor, não precisavam ser alteradas.
Bastava ajustar a organização do ensino à nova situação. ” (SAVIANI, 2004, p.6). O
curso colegial passou a ter duração de três anos sendo unificado e
compulsoriamente profissionalizante. Nesse período “se introduziu e se assimilou,
de forma submissa, a Teoria do Capital Humano” (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2011,
p.625). Sobre o Ensino de História, os programas sofrem redução de carga horária;
essencialmente factuais, atendem apenas aos pressupostos da História Política, “Os
valores inculcados neles eram os que predominavam no pós-guerra, [...] questões
colocadas pela Guerra Fria, como a importância da democracia liberal e o repudio
ao comunismo. ” (ABUD, 2006, p.40)

Com a redemocratização e a promulgação da Constituição Federal de 1988


consolidam-se conquistas de movimentos sociais e da comunidade educacional e se
idealiza uma nova LDB, sendo aprovada proposta moderada do então senador
Darcy Ribeiro, originando a Lei 9.394/1996, mantendo a essência da lei anterior e
modificando apenas as denominações de 1º e 2º graus para Ensino Fundamental e
Médio. (SAVIANI, 2004, p.8)

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293

A partir dos anos 1990 e do governo FHC temos forte expansão do pensamento
neoliberal, que marca profundamente as políticas educacionais até a atualidade.
Trata-se, de uma constante adequação da legislação educacional com o objetivo de
atender às demandas econômicas, acatando recomendações de organismos
internacionais. Nesse cenário temos a ascensão da tendência pedagógica baseada em
competências e habilidades. Os governos do PT, por sua vez, embora tivessem
amplo apoio popular, não implementaram as reformas estruturais esperadas. O
diferencial em relação aos anos 1990 se deu nas políticas de alívio à pobreza e
expansão do ensino médio técnico e superior, “Mas, nestes dois casos, isso ocorreu
deslocando-se recursos públicos para os setores privados.” (FRIGOTTO;
CIAVATTA, 2011, p.633)

A Lei 13.415/2017 e a Reforma do Ensino Médio

Para compreendermos as origens e intencionalidades da Lei 13.415/2017, que


sancionou a reforma do ensino médio, reafirmamos a necessidade de se
contextualizar seu processo de produção e tramitação, sendo necessário, portanto,
que se pense a conjuntura de crise da democracia atravessada pelo Brasil neste
período. Em síntese, a instabilidade política enfrentada pela sociedade brasileira tem
início em 2014, após questionamento da legitimidade do pleito eleitoral que
reelegeu Dilma Rousseff (do Partido dos Trabalhadores) como presidenta do Brasil,
por parte de seu principal oponente partidário, o Partido da Social Democracia
Brasileira (PSDB); perpassando pelo processo de impeachment e ascensão do vice-
presidente, Michel Temer, à presidência da República em 2016 (OLIVEIRA, 2016,
p.214). O processo de impedimento de Rousseff por crime de responsabilidade fiscal
tem sido questionado por parte significativa da população brasileira, sendo por
muitos considerado como golpe de Estado, especialmente em produções acadêmicas
que têm se debruçado sobre o tema. De acordo com Marcelo Braz,

“O governo Dilma, antes mesmo do golpe forjado por uma farsa parlamentar-
judicial que usurpou seu mandato, já agonizava desde 2015, inclusive por
incompetências e erros. Foi sangrado até o último suspiro por seus algozes
entrincheirados no Congresso Nacional e em amplos setores do Judiciário (com a
aquiescência do douto STF) que contaram com as armas de uma Polícia Federal
completamente partidarizada e, sobretudo, com as poderosas armas ideológicas da
grande mídia burguesa. Criou-se uma situação, deliberada e irresponsavelmente,

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que afundou não apenas Dilma e seu governo, mas o próprio país foi levado a uma
crise monumental que, para além de seus determinantes econômicos principais, foi
piorada conscientemente pelas classes dominantes para que atingissem a qualquer
custo seus objetivos políticos.” (2017, p.88)

Após Michel Temer assumir a presidência, temos assistido a retomada da ofensiva


neoliberal de maneira latente. A partir de 2016 são apresentadas diversas reformas
que retiram direitos conquistados a partir de lutas de trabalhadores e
movimentações populares ocorridas ao longo da História brasileira, tais como a
Reforma Trabalhista e a proposta de Reforma da Previdência. Soma-se a isso as
determinações da PEC 55, convertida na Emenda Constitucional 95, também
conhecida como “PEC do Fim do Mundo”, que limita os “gastos” públicos pelos
próximos 20 anos, afetando sobretudo os investimentos em saúde, educação e
assistência social (OLIVEIRA, 2017). É neste cenário de ascensão neoliberal que
temos a publicação da MP 746/2016 no dia 22 de setembro de 2016, por Temer, e
que, convertida na Lei 13.415 no dia 26 de fevereiro de 2017, alterou a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ao sancionar a Reforma do Ensino Médio.

A proposta inicial de reformulação deste nível de ensino, tem sua origem no PL


6840/2013, fruto do Relatório da CEENSI – Comissão Especial destinada a promover
Estudos e Proposições para a Reformulação do Ensino Médio. Neste momento seus
autores justificaram a medida afirmando que “o atual modelo de ensino médio está
desgastado, com altos índices de evasão e distorção idade/série e de que, apesar dos
investimentos e do aumento ao número de matrículas, não conseguimos avançar
qualitativamente neste nível [...]” (BRASIL, 2013). O Projeto de Lei se tornou
polêmico por propor amplo esvaziamento curricular, motivando a criação do
chamado Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio, formado por
importantes entidades do campo educacional brasileiro como a ANPED (Associação
Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação), CEDES (Centro de Estudos
Educação e Sociedade), FORUMDIR (Fórum Nacional de Diretores das Faculdades
de Educação), ANFOPE (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da
Educação), entre outros; como forma de oposição às mudanças. Naquele período, o
movimento se afirmou contrário às proposições, por entender que suas formulações
caracterizavam um “Ensino Médio em migalhas” (ANPED, 2014).

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295

O fato de Michel Temer ter se utilizado do dispositivo de Medida Provisória,


reservado para matérias consideradas de relevância e urgência, acelerando assim o
processo de aprovação da Reforma do Ensino Médio, demonstra a característica
antidemocrática de seu governo. Assim, discussões e debates tão necessários para
construção democrática de legislação de interesse público, especialmente em se
tratando de proposta que reformula as políticas educacionais do último nível do
ensino básico, foram coibidos, caracterizando um processo arbitrário (FLACH &
SCHLESENER, 2017, p.171).

Entre as determinações da Reforma do Ensino Médio destacamos as seguintes:


Torna obrigatório apenas as disciplinas de língua portuguesa, matemática e língua
inglesa como língua estrangeira, no currículo obrigatório dos três anos que compõe
essa etapa de ensino; possibilita a atuação de profissionais de “notório saber” na
docência e a parceria com instituições de ensino à distância. O Art. 4º, que altera o
Art. 36º da Lei 9394/96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, merece especial
atenção ao definir que:

“O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular
e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de
diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a
possibilidade dos sistemas de ensino, a saber:
I - linguagens e suas tecnologias;
II - matemática e suas tecnologias;
III - ciências da natureza e suas tecnologias;
IV - ciências humanas e sociais aplicadas;
V - formação técnica e profissional.
§ 1º A organização das áreas de que trata o caput e das respectivas competências e
habilidades será feita de acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de
ensino.” (BRASIL, 2017)

Ao tornar obrigatório apenas o ensino de português e matemática, propondo a


criação dos itinerários formativos eletivos, a Reforma do Ensino Médio traz em sua
essência um esgotamento curricular que prejudica o acesso aos saberes
historicamente construídos pelo alunado, especialmente considerando os que tem
sua origem na classe trabalhadora.

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296

É importante ressaltar que, além das mudanças curriculares no Ensino Básico, a


Reforma do Ensino Médio incide também no Ensino Superior, mais especificamente
nos cursos de Licenciatura, como podemos observar na alteração do Art. 62º da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional pela Lei 13.415/2017 ao determinar em
seu § 8º que, “os currículos dos cursos de formação de docentes terão por referência
a Base Nacional Comum Curricular” (BRASIL, 2017). A BNCC, por sua vez, é
caracterizada pelo Ministério da Educação (no site
http://basenacionalcomum.mec.gov.br) como um documento que possui caráter
normativo pois define os conteúdos considerados essenciais a serem desenvolvidos
pelos alunos ao longo de todas as etapas da educação básica, conduzindo a
elaboração dos currículos. “A Base estabelece conhecimentos,competências e
habilidades que se espera que todos os estudantes desenvolvam ao longo da
escolaridade básica.” (BRASIL, 2017, grifos nossos). Ao adotar a perspectiva da
Pedagogia das Competências, observamos grandes semelhanças com a Teoria do
Capital Humano e a Pedagogia Tecnicista (SAVIANI, 2007, p.13-14), que prima pela
“racionalização” do processo pedagógico, em que o que importa é o “aprender a
fazer”, bem como “determina quando e como fazer”, seguindo a lógica
mercadológica capitalista que descaracteriza a função social da escola enquanto
local de socialização dos saberes historicamente construídos, limitando-a como
ambiente de formação para o trabalho

A atuação empresarial como interlocutora favorável à reforma também é um dado


imprescindível para pensarmos as intencionalidades dessa política educacional.
Neste momento não foram ouvidas as “universidades, pesquisadores, professores e
estudantes, mas, sim, empresários, através de organizações como o Instituto Alfa
Beta, Sistema S, Instituto Unibanco, Instituto Ayrton Senna, Fundação Itaú, entre
outros. ” (GONÇALVES, 2017, p.141).

Exposta tal conjuntura, é importante observarmos a reação imediata de movimentos


sociais que se colocaram contrários à MP 6840/2016. Em nota veiculada em 22 de
setembro de 2016, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas afirmou que “as
mudanças no Ensino Médio propostas pelo ministro ilegítimo da Educação,
Mendonça Filho, acarretarão modificações estruturantes, de caráter tecnicista e que
não avançam na política pedagógica da escola. ” (UBES, 2016). Como reflexo de
resistência da classe estudantil à Medida Provisória, assistimos à ocupação de
escolas sob o lema “Ocupar e Resistir”. No estado do Paraná essa movimentação
teve início no dia 03 de outubro de 2016 “chegando ao final do mês de outubro,

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297

segundo o Movimento Ocupa Paraná, a um total de 850 escolas ocupadas. Além


desses espaços ainda foram ocupados por estudantes 14 universidades e 3 Núcleos
Regionais e Ensino”. (FLACH e SCHLESENER, 2017, p.176).

Desobrigada enquanto disciplina curricular na última etapa do Ensino Médio, a


História passa a figurar (junto à Filosofia, Sociologia e Geografia) como componente
do eletivo itinerário formativo em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas,
dificultando ou anulando o acesso a estes saberes em sua plenitude por parte dos
estudantes. Na tentativa de se mensurar o prejuízo que este fato traz para a
formação dos estudantes, consideramos a importância da obtenção do que Peter Lee
conceitua como Literacia Histórica, isto é, a capacidade de compreensão e
interpretação do passado partir de sua interconexão com o presente e futuro. Esse
conhecimento,

“Transforma a visão de mundo de crianças “e de adultos” e permite ações até então


– literalmente – inconcebíveis por eles. [...] Tais transformações podem ser
dramáticas em longas extensões ou mais localizadas e específicas. Elas podem
mudar a forma como vemos oportunidades e constrangimentos políticos ou sociais,
a nossa própria identidade ou dos outros, a nossa percepção das feridas e fardos que
herdamos e a adequação das explicações das principais características do nosso
mundo. Elas podem sugerir revisões constrangedoras do nosso entendimento e
expectativas de como o mundo humano funciona.” (LEE, 2016, P.108).

Por permitir o desenvolvimento de instrumentos que desenvolvem no individuo a


capacidade de pensar o mundo à sua volta é que consideramos a fundamental
relevância da presença da Educação Histórica nos currículos escolares. Dificultar ou
negar seu acesso, corrobora com a visão de que “a Educação Histórica, como a
própria história, é uma conquista precária; é vulnerável a agendas políticas e
educacionais que procuram mesclá-la com outras partes do currículo ou reduzi-la a
um veículo para a cidadania ou valores comuns patrióticos.” (LEE, 2016, p. 107).
Sendo assim, devemos pensar os interesses que regem tais políticas que tolhem o
acesso a saberes fundamentais para uma formação crítica e libertadora dos
educandos.

REFERÊNCIAS

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¹ Graduada em História e especialista em Patrimônio e História pela Universidade


Estadual de Londrina.

² Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Londrina.

ANPED. Nota da ANPEd sobre a entrega da terceira versão da Base Nacional


Comum Curricular (BNCC) ao Conselho Nacional de Educação (CNE). Disponível
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em:https://bit.ly/2JOya6n Acesso em: 07 de novembro de 2018.

BRASIL. Lei n. 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nos 9.394, de 20 de


dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e
11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei
no 5.452, de 1o de maio de 1943, e o Decreto-Lei no 236, de 28 de fevereiro de 1967;
revoga a Lei no11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à
Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Brasília, 2017.
Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2017/Lei/L13415.htm Acesso em: 23 de setembro de 2018.

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2007.

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301

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A REPRESENTAÇÃO DO


EGITO ANTIGO NAS MÍDIAS AUDIOVISUAIS E SEUS
USOS NO ENSINO DE HISTÓRIA
Edimar Ribeiro dos Santos Junior*

Resumo

O presente trabalho busca fazer algumas reflexões em torno da representação do


Egito Antigo nas mídias audiovisuais e as possibilidades de utilização destas
produções como ferramenta didática no ensino-aprendizagem de história. Levando
em consideração o grande contato que os alunos tem com o conhecimento histórico
por meio das novas tecnologias de informação e comunicação se faz necessário dos
historiadores e dos professores de história a apropriação e análise crítica destes
materiais que os alunos tem contato diariamente.

Palavras-chave: Egito Antigo; representação; produções audiovisuais; educação.

Abstract

The present work seeks to make some reflections about the representation of
Ancient Egypt in the audiovisual media and the possibilities of using these
productions as a didactic tool in the teaching and learning of History. Taking into
account the great contact that the students have with the historical knowledge with
the help of new information Technologies and communication demands of the
historians and History teachers the appropriation and critical analysis of materials
that students have daily contact with.

Keywords: Ancient Egypt; Representation; audiovisual produtions; education.

Egito Antigo e sua representação nas Mídias Audiovisuais.

O Egito Antigo, com toda grandiosidade e longevidade que teve no passado, talvez
seja umas das civilizações mais representadas nas mídias audiovisuais que chegam
ao domínio da sociedade, sendo através de filmes, telenovelas, minisséries entre

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outros meios. Tais produções tem um impacto imediato na formação dos


conhecimentos que o grande público tem a respeito desta civilização. Saberes que
muitas das vezes possui uma visão estereotipada, que não fazem jus aquilo que se
conhece sobre esse povo, obtidos a partir das pesquisas arqueológicas,
historiográficas, antropológicas entre outros campos do conhecimento científico.

Ciro Flamarion Cardozo cita este grande interesse, não só dos especialistas, em
torno da civilização egípcia, muitos deles destinados ao grande público:

“[...] Esta distantes civilização continua despertando hoje um profundo interesse,


que não se limita aos especialistas em Egiptologia. Nenhuma outra civilização da
Antiguidade inspirou a elaboração de tantos livros de divulgação destinados ao
grande público.” (CARDOZO, 2004, p. 8)

Esta massiva representação acaba por colocar aos historiadores e especialmente aos
professores de história do ensino básico, a tarefa de problematização em torno da
forma como este povo é representado, e para além disso, observar os impactos que
tais representações causam na forma como os alunos absorvem estas representações,
sem as devidas críticas, construindo conhecimentos não condizentes com a
realidade histórica do passado, estas questões, são desafios que os professores
devem encarar e buscar meios para superar no processo de ensino-aprendizagem da
História.

Uma das representações mais atuais em torno da civilização egípcia, de grande


divulgação e audiência na mídia de acesso gratuito, são as telenovelas da
emissoraRecord, que representam a civilização egípcia, a partir dos relatos bíblicos
que descreve o cárcere do povo hebreu, que estava sob o domínio dos egípcios.

A autora Raisa Sagredo (2015), mestranda da Universidade Federal de Santa


Catarina, buscou encarar as novelas, José do Egito (2013) e Os Dez
Mandamentos (2015), como fontes a serem problematizadas, dentro de todas as
questões já aqui citadas anteriormente. A autora busca fazer uma crítica a partir do
viés historiográfico, pois segundo ela, as novelas passaram despercebidas pelos
historiadores que não a problematizaram dentro dos saberes históricos, sendo isto
um problema, pelo fato destas produções terem tido uma grande repercussão e
audiência – com até mesmo troca do horário das novelas, para não coincidir com a

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programação da emissora concorrente – e influenciarem aquilo que as pessoas tem


de conhecimento sobre este povo.

Para Sagredo, as seguintes novelas são duas fontes que apresentam um forte
Orientalismo nos moldes apontados pelo autor Edward Said, como no modo de
perceber este povo, criado e legitimado por determinadas instituições Ocidentais
que acaba por construir uma visão em torno das civilizações Orientais, passando a
ser representadas de uma forma repleta de estereótipos, exotismo e superstições,
além de sofrerem uma inferiorização se comparada ao Ocidente. Bem como,
também é marcada por um forte Eurocentrismo que se torna evidente quando se
atenta para os fenótipos dos atores e atrizes que interpretam os egípcios e egípcias,
em grande medida, todos embranquecidos. Este último ponto é problemático visto
ainda as grandes dificuldades que os professores de história encontram para inserir
e debater as questões previstas na Lei 10.639, que busca a obrigatoriedade das
discussões étnico-raciais dentro do ensino de história. Como coloca Sagredo, ainda é
difícil romper com a visão eurocêntrica dentro da História Antiga, e tais
representações, que não tem compromisso e preocupação alguma de buscar
enquadrar suas narrativas a partir dos saberes mais atuais aceitos dentro do meio
historiográfico, possuindo visivelmente um discurso extremante evangelizador em
suas produções, acabam por contribuir ainda mais de modo negativo para essas
dificuldades.

Para além das características físicas, a autora também coloca problemas nas
representações do trato com a religião, que não são representativas do modo como
os egípcios a encaravam. Bem como, os figurinos que os personagens vestem,
principalmente os femininos, que carregam um grande exotismo, sempre presente
na representação desses povos. Muitos desses figurinos apresentam cores fortes e
vibrantes, quando a realidade do povo egípcio, que se pode perceber a partir das
fontes arqueológicas é muito diferente. Há também figurinos femininos que
possuem decotes, não condizentes com a realidade, isto acaba por sensualizar as
personagens femininas, questão esta, que não pretende-se aprofundar neste
trabalho.

Para além das novelas brasileiras que perpassaram pela história do povo egípcio,
podemos também analisar outras produções cinematográficas, principalmente
Hollywoodianas, que representaram a antiga civilização egípcia. Filmes estes que
em grande medidas são populares entre o público. Dentre as diversas produções,

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podemos citar os exemplos: A trilogia A Múmia. “Múmia” (1999), “O retorno da


Múmia” (2001) e “A múmia – A tumba do imperador dragão” (2008). Também
podemos citar o filme “O escorpião Rei” (2002) e lançamentos mais recentes como
“Deuses do Egito” (2016) e “A Múmia” (2017), uma nova narrativa estrelado pelo
ator norte americano Tom Cruise.

Em muitas ou em todas estas produções norte americanas podemos encontrar


aspectos em comum os quais vemos problematizando. Quando se analisa a trilogia
“A Múmia”, filme que teve grande sucesso de bilheteria, bem como o filme “O
escorpião Rei”, podemos notar de maneira muito forte as representações repletas de
exotismo, estereótipos e supertições tão comuns em filmes que retratam esse povo,
que está ligado ao Orientalismo já discutido anteriormente. Tais filmes tem
narrativas muito próximos aos filmes do Indiana Jones, também muito popular
entre o grande público, onde personagens brancos vão as regiões mais orientais e lá
passam por diversas aventuras muito místicas. O branqueamento citado é o caráter
comum entre todos os filmes, pois os protagonistas quase que totalmente são
pessoas brancas, mesmo quando estes representam personagens egípcios, como por
exemplo os Deuses egípcios, que são retratados no filme “Deuses do Egito”.

Todas estas mídias audiovisuais, podem ser apropriadas tanto por historiadores
quanto por professores de história, como fontes para pesquisa ou para serem
problematizadas dentro de sala de aula pois, “As imagens audiovisuais dinamizam
o conteúdo histórico em sala de aula, gerando questionamentos em relação ao lido,
ao debatido [...]” (FONTES; ALVES, 2013, p. 14). Ao serem utilizadas como uma
ferramenta didática, estas mídias poderão auxiliar os professores e facilitar o
aprendizado dos alunos em torno de determinados conteúdos, neste caso, a respeito
da civilização egípcia, de modo a trazer ganhos ao processo de ensino-
aprendizagem de história, e desconstruindo visões do passado que os alunos
acabam por adquirir por outros meios que tem contato diariamente, como é o caso
das mídias audiovisuais.

Reflexos no ensino de História e problematizações necessárias.

As novas tecnologias, as NTICs, se fazem presente no cotidiano dos alunos, onde


crianças e adolescentes estão constantemente sendo bombardeados de informações e
tem acesso fácil a diversos conteúdos, via redes sociais, Youtube entre outros meios.
Dentro deste cenário, os conteúdos relativos ao campo da história não estariam de

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fora. Com o advento da História Pública, bem como da História Digital, o que está
havendo nas últimas décadas são constantes produções referentes a história
mundial de muita popularidade entre o grande público. Emissoras de TV de canais
abertos ou fechados, como por exemplo o canal History Channel, tem produções que
se tornam populares entre o grande público. A história desta forma, rompe os
muros do saber apenas produzidos dentro da academia, para se tornar de domínio
geral. (LUCCHESI; CARVALHO, 2016).

Quando se fala especificamente das produções fílmicas, pode-se dizer que este é um
dos meios que maior tem despertado interesse dos professores para compor suas
aulas. Entre os fatores podemos citar a grande atração e interesse que os alunos tem
por estes meios, bem como a acessibilidade e facilidade para se ter contato com tais
materiais. Contudo, mesmo esse grande interesse não tem levado a
problematizações em torno do cinema nas escolas e de uma metodologia para os
seus usos no ensino de História (ABUD, 2003).

É importante observar, que o cinema passou a ser encarado como uma ferramenta
útil ao ensino de história dentro de um contexto de renovação das concepções
historiográficas. As décadas de 70 e 80 representaram grandes mudanças nas
pesquisas históricas a partir da difusão da Nova História, e seus interesses em novos
temas, a partir de outras perspectivas e de novas metodologias, se interessando e
utilizando novas fontes para estas pesquisas, estas novas concepções refletiram
também no ensino de história, que passou a ter outras visões sobre o processo de
ensino-aprendizagem de história, passando a incorporar novos métodos, novos
objetos, novas fontes (ABUD, 2003).

A difusão da História Pública e Digital representou uma aproximação do grande


público com questões relativas a História. O acesso fácil a essas informações não
significa, em contrapartida, o contato com conhecimentos que sejam
correspondentes aos saberes historiográficos. Tais novelas, filmes e outras
produções dos meios digitais, que os alunos tem contato, são os maiores
responsáveis pelos conhecimentos que estes apresentam no momento que chegam
na sala de aula. Um Egito da forma como é representado nas novelas e filmes aqui
citadas, acabam por construir uma concepção que não corresponde a total realidade
do que se sabe a respeito dessa civilização por meio das pesquisa científicas.

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Nesta medida o professor deve ser o mediador entre os alunos e o conhecimento


histórico ao buscar meios de problematização destas mídias que os alunos tem
contato, trazendo estas fontes para o contexto de suas aulas, como apontam Fontes e
Alves:

“O professor ao deslocar a atenção do aluno usando a linguagem audiovisual nas


aulas aproxima-se da realidade midiática, que é muito presente no cotidiano dos
alunos, podendo com isso encontrar um caminho para despertar o interesse do
aluno pelo conhecimento histórico.” (FONTES; ALVES, 2013, p, 14)

A inserção destas fontes as aulas de história em meio a realidade do mundo


moderno atual torna-se essencial e possibilita ao professor a dinamização de suas
aulas bem como oferece novos caminhos para se abordar questões necessários em
torno do conhecimento histórico. A crítica em torno, por exemplo, sobre o fenótipo
dos personagens destas telenovelas, e filmes que em grande parte são brancos, é
essencial, visto a realidade da civilização egípcia do passado, pertencente ao
continente africano, e que possuía, características majoritariamente negras. A
necessidade de tal problematização é importante para as discussões que envolvem
aspectos dos debates étnicos-raciais dentro do ambiente escolar, e a apropriação por
parte dos professores, destes meios que estão diariamente na vida dos alunos, acaba
por aproximá-los da aula e do conteúdo estudado, e por fim, fazendo com que
muitos se enxerguem nestes conteúdo, e se sintam representados, como deveria
acontecer nas novelas que assistem. Bem como problematizar todos os estereótipos e
exotismos tão presentes nestas produções, buscando se fazer um trabalho de
esclarecimento em cima da visão que o aluno passa a construir do passado quando
entra em contato com estas produções audiovisuais, para que dessa forma, o
conhecimento destes sobre o passado vá de encontro a uma concepção mais crítica e
real.

A importância do debate Étnico-racial.

O ensino de História da África há muito é marcado por pontos específicos:


escravização dos povos africanos e imperialismo. Quando fora desse contexto, só é
possível perceber uma preocupação com relação ao continente africano quando
estudado Egito antigo.

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307

Ainda assim, esse estudo parece distante das ideias de África, enraizados em nossa
formação. O Egito não parece fazer parte da África, uma vez que este foi - no seu
processo de construção - um grande império. Alheio a isso, o resto do continente se
torna um grande vazio cultural e econômico.

É nesse sentido que a Lei 10.639 torna-se fundamental no ensino de História. No


momento em que se torna obrigatório, os educadores precisam trabalhar a
importância de ressignificação e valorização cultural de nossas raízes em parte
africanas na formação do povo brasileiro, a medida que o aluno se perceba
enquanto parte daquela cultura, combatendo o racismo e preconceito por meio da
educação.

A representatividade é um fator importante na formação cidadã de um indivíduo.


Isso perpassa por livros, uso de autores negros, desenhos, séries, brinquedos, filmes.
Uma infinidade de recursos onde o ser se enxergue, se perceba como agente da
construção histórica, capaz a ocupar espaços e permanecer inserido neles.

Ensinar História Antiga é uma tarefa árdua ao se pensar a História como processos
de continuidades e rupturas. Fazer o aluno perceber aspectos históricos antigos no
seu cotidiano requer sensibilidade e cuidados. A problemática expande quando se
pretende relacionar aos estudos de África antiga. Um assunto distante e pouco
debatido, comercializado em livros fictícios e recursos midiáticos abre brechas para
estereótipos e disparidades históricas. Utilizar recursos multimídias para ensinar
África e, mais especificamente, Egito antigo, torna-se perigoso quando não há uma
reflexão prévia sobre alguns aspectos:

Qual a finalidade do diretor em produzir esse filme? Por que os personagens são ou
agem de determinada maneira? Houve uma preocupação com relação a veracidade
dos fatos? Qual o público que pretende-se alcançar com tal produção? Essas
problemáticas podem nortear o uso de filmes para o ensino, independente do
recorte que queira utilizar.

Tratando especificamente de Egito Antigo, desconstruir os estereótipos pode ser o


primeiro passo para utilização positiva desses recursos. Nem sempre é necessário o
uso de filmes e outros meios audiovisuais para afirmar o que pretende-se repassar
aos alunos. Trabalhar com a ideia de desconstrução pode ser produtiva quando bem
utilizada, e a problematização de filmes, novelas entre outros recursos audiovisuais
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308

são uma importante ferramenta para isto. Desta feita, nota-se a importância desses
recursos para o processo de ensino-aprendizagem de História, e não somente
apropriação destes recursos como um reforço do conteúdo estudado se faz
necessário, mas também uma crítica em torno destas produções, suas narrativas etc.
que acabam por influenciar as concepções dos alunos sobre o passado, nem sempre
de forma positiva.

Bibligrafia:

*Edimar Ribeiro dos Santos Junior é Graduando no curso de História da


Universidade Federal do Pará, Campus de Ananindeua. Foi bolsista Pibic
financiado pelo CNPq entre Agosto de 2016 e Agosto de 2018 no projeto: A
utilização da cartografia no ensino de história da Amazônia: balanço da produção
bibliográfica escolar entre as décadas de 1980-2010. Email: junior.ej13@hotmail.com

***

ABUD, Katia Maria. A construção de uma Didática da História: algumas ideias


sobre a utilização de filmes no ensino. História, São Paulo, 22 (1): 183-193, 2003.
BRITO, José Eustáquio de. Educação e Relações Étnico-racias: desafios e
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SAGREDO, Raisa. De José do Egito ao Os Dez Mandamentos: olhando o Egito
Antigo através da TV brasileira. VI Semana Acadêmica de História.

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309

NOTAS SOBRE AS EXPERIÊNCIAS DO PIBID:


DISCUTINDO A TEMÁTICA INDÍGENA NA ESCOLA
Yuri Franklin dos Santos Rodrigues
Deisiane da Silva Bezerra

Considerações iniciais

O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação á Docência – PIBID - tem como


objetivo principal inserir alunos dos cursos de licenciatura das Instituições de
Ensino Superior no ambiente escolar. Pretendendo dessa forma, incentivar a
preferência pela docência, melhoria na qualidade do ensino público, articular o
intercâmbio entre universidade e a educação básica.

Esses objetivos e outros vêm sendo trilhados pelo Subprojeto do Curso de História
da Universidade Estadual de Alagoas, Campus III - Palmeira dos Índios. Tal projeto
estimula, através de suas ações no ensino de história, o diálogo entre memória,
imagem, oralidade e patrimônio cultural. E com isso, apresenta discussões sobre
grupos marginalizados ou silenciados pela história oficial.

A atuação desse subprojeto atende duas escolas do município, Escola Estadual


Monsenhor Macêdo e Escola Estadual Graciliano Ramos, sendo a segunda o lócus da
pesquisa. Durante o desenvolvimento das interversões verificou-se que após uma
visita ao museu da cidade – Museu Xucurus de História, Artes e Costumes, os
alunos da daquela unidade educacional apresentavam modelos e perspectivas
ultrapassadas sobre as populações indígenas.

Conforme avançamos na execução das ações, constatamos que os alunos conheciam


superficialmente a história dos índios que habitam no município e que poucos
tinham visitado uma aldeia. Essa constatação abriu um leque de questões a serem
tratadas e mudou significadamente o planejamento pré-estabelecido para a
aplicação do projeto. Em reuniões semanais com os integrantes do subprojeto, ficou
decido que a temática indígena deveria ser abordada durante a realização das
atividades, como prevê a Lei 11.645/2008, que determina implantar em sala de aula
discussões sobre as comunidades indígenas e negras.

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310

Essa pesquisa tem como âncora as experiências enquanto bolsista do PIBID em sala
de aula, porém, a escolha pela temática indígena, partiu de situações anteriores,
como a definição para objeto de estudo no Trabalho de Conclusão de Curso – TCC,
o que contribuiu para articulação junto a outros colegas na aplicação do ensino da
história e cultura indígena nas ações do PIBID. Vale ressaltar que através de
reuniões, conversas informais e planejamentos, ficou decidido que iríamos ter como
foco central as histórias de lutas, protagonismos e reivindicações por direitos do
povo indígena Xucuru-Kariri que tradicionalmente habitam no município de
Palmeira dos Índios.

Algumas notas sobre o PIBID e o Subprojeto de História

Por longos anos, as Instituições de Ensino Superior - IES e Escolas da Educação


Básica mantiveram um afastamento entre si, a única relação existente era com os
alunos dos cursos de licenciatura que desenvolviam seus estágios nos últimos
semestres de formação. Esse distanciamento entre as instituições intensificou uma
relação destoante entre teoria e prática, quando o conhecimento assimilado nos
livros e nas aulas, muitas vezes não condizia com o observado em situações de
estágio de observação e regência. Esses, entre outros motivos, despertaram no
Governo Federal o anseio de mediar esse diálogo, criando no ano de 2007 , o
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID. Os principais
propósitos do Projeto determinam que:

“§ 1º São objetivos do PIBID:


I - incentivar a formação de professores para a educação básica, especialmente para
o ensino médio;
II - valorizar o magistério, incentivando os estudantes que optam pela carreira
docente;
III - promover a melhoria da qualidade da educação básica;
IV - promover a articulação integrada da educação superior do sistema federal com
a educação básica do sistema público, em proveito de uma sólida formação docente
inicial;
V - elevar a qualidade das ações acadêmicas voltadas à formação inicial de
professores nos cursos de licenciaturas das instituições federais de educação
superior.” (BRASIL, 2007, p. 39)

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311

Dessa maneira, surgiu a pretensão de estimular a inserção dos alunos dos cursos
presenciais de graduação no ambiente escolar desde os primeiros anos de ingresso
na Universidade, proporcionando com isso aprimoramentos das práticas
pedagógicas. Esse programa tenciona também impulsionar a nota do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB. Tais propostas promoviam uma
articulação entre Governo Federal, Estados e Municípios para avanço na qualidade
da Educação.

O PIBID tem sua própria estrutura de organização, está divido nas seguintes
áreas:Coordenação institucional, responsável pela coordenação do projeto
institucional;Coordenador de área, docente de licenciatura da instituição que está à
frente dos subprojetos; Professor supervisor, educadores das escolas básicas que
orientam os graduandos nas visitas as respectivas unidades de ensino; graduando
de iniciação à docência, discentes que participam dos subprojetos, respectivamente
em seus cursos de licenciatura. Essa divisão auxilia na manutenção e controle do
programa.

Na Universidade Estadual de Alagoas, o projeto institucional tem como nome


“Articulação entre a universidade e escolas de educação básica: múltiplos olhares
teórico-metodológicos na formação docente”, desenvolvido no ano de 2013. O
objetivo principal era criar um campo de harmonização entre Universidade e as
Unidades Escolares, ocorrendo dessa forma discussões através do campo teórico e
metodológico para um constante desenvolvimento dos discentes enquanto futuros
profissionais na área da educação.

Dentro do projeto institucional está inserido o Subprojeto do curso de História do


Campus III, Palmeira dos Índios. Com um grupo de dez bolsistas, um coordenador
de área e duas professoras supervisoras. Esse Subprojeto foi intitulado de: “A
memória, a imagem, a oralidade e o patrimônio cultural como ferramentas
metodológicas do ensino de História”, cujo principal objetivo era discutir como
esses recursos metodológicos podem, no decorrer das aulas de história, auxiliar no
processo ensino-aprendizagem e ocupar um papel central na preservação, formação
e divulgação do patrimônio cultural.

O andamento das atividades aconteceu na cidade de Palmeira dos Índios, em duas


escolas da Rede Estadual de Educação – Escola Estadual Graciliano Ramos e Escola
Estadual Monsenhor Macêdo – com alunos do primeiro, segundo e terceiro ano do

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312

ensino médio. Na Escola Graciliano Ramos as ações foram executadas na disciplina


eletiva intitulada: Viajando pelos museus em Alagoas, ofertadas em Ensino Médio
em Tempo Integral. Porém, na Escola Monsenhor Macêdo, por haver oferta de
disciplinas eletivas, se desenvolveu na disciplina de História. Em cada Unidade de
Ensino, uma professora da área atuou como supervisora dos alunos de iniciação a
docência.

A Escola Estadual Graciliano Ramos contou com a atuação de seis discentes,


número bastante expressivo em relação à quantidade de alunos matriculados na
disciplina. Buscou-se seguir um planejamento pré-estabelecido, que durante o
desenrolar das atividades teve que ser alterado. Um dos motivos foi o
questionamento dos alunos sobre a temática indígena, inquietações que surgiram
após uma visita ao Museu Xucurus de História, Artes e Costumes. A partir da
análise das questões levantadas verificou-se que os discentes estavam imersos em
estereótipos e concepções ultrapassadas sobre as populações indígenas, fato curioso,
devido a forte presença indígena no município. Dessa maneira, tornou-se claro que
a Lei 11.645/2008, que insere no ambiente escolar o debate sobre as comunidades
indígenas e negras, até então, não estava sendo efetivada na escola, demonstrando
assim a necessidade de deliberar tal demanda.

A aplicabilidade da Lei 11.645/2008 no ensino de História

Nas escolas públicas e privadas, predominam os moldes pré-estabelecidos pelo


Ministério da Educação – MEC, conforme o disposto na Lei 9.394 de 1996. Neste
sentido, a instituição da Lei 11.645/2008, que torna obrigatória a inclusão da
discussão sobre a história e cultura indígena nessas redes educacionais, objetiva
desconstruir estereótipos e nortear debates com uma perspectiva intercultural
crítica, considerando as diversidades e também as relações étnico-sociais existentes
no Brasil (SILVA, 2016).

A discussão da temática indígena no Brasil é permeada por preconceito e análises


pejorativas, o que se intensifica ao se tratar sobre os índios no Nordeste, mais
atingidos pelo processo de colonização. Predomina no imaginário do senso comum,
a imagem deturpada por informações incompletas e conceitos ultrapassados e/ou
por vezes mal-intencionados que tentam reduzi-los a condição de remanescentes de
índios. Imagens que acabam fazendo referência a um passado distante,

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313

generalizando sua diversidade sociocultural e desconsiderando processos históricos


que incluem as trocas culturais, as disputas e os conflitos entre índios e não-índios.

As imagens engessadas de um índio colonial têm sido preservadas nos símbolos


fabricados pela sociedade contemporânea. Pois mantendo vivas essas figuras
estereotipadas, se construiu ao longo do tempo uma representação, ainda que
desatualizada, sobre a identidade Nacional. Assim, nasceu a sociedade brasileira, no
final do século XIX, sob o estigma das três raças, base da teoria de sua constituição,
que serviria à necessidade de afirmar essa identidade (SILVA, 2016).

Essas imagens foram sendo rememoradas e ritualizadas, o que muitas vezes


favorece a falta de receptividade do não-índio a informações atualizadas sobre os
povos indígenas. A escola nesse contexto, tem servido na manutenção de discursos
cristalizados para compor a identidade nacional. Porém, esses elementos aceitos
sem análise crítica, condicionam os alunos a aderirem às rotulações (CANCLINI,
2013).

Se por um lado as culturas étnicas são exibidas em escolas em datas comemorativas,


por outro, isso tem sido feito sem considerar aspectos da nova condição de vida dos
indígenas, como, situações de contato, disputas territoriais, ações e posicionamentos
políticos e os processos históricos (OLIVEIRA, 1998). É indiscutível a tendência em
mostrar nos livros didáticos, na literatura, nos museus e até mesmo na televisão,
uma cultura indígena “pura”, distante da problematização dessas situações.

No Nordeste, os povos indígenas precisaram passar por processos de transformação


e por vezes ocultar suas identidades, adaptando-se em meio ao constante contato
com um mundo, antes distante do seu. Nessa perspectiva, eles podem ser
compreendidos como resultado na interação, assim como de um histórico de lutas e
resistência. Desse modo, quando foi necessário, esconderam sua identidade para
garantir a sobrevivência e buscaram externa-las quando precisaram se reafirmar.

Estudar a história e as culturas dos povos indígenas, significa identificar e analisar


suas relações internas, considerando sua organização social. Quando se reduz a
identidade indígena a traços físicos e culturais correspondentes a índios que não
foram expostos ao contato com outras culturas, não se atende ao princípio básico do
respeito as diversidades indígenas. O estudo da temática indígena, representa um
esforço para aceitar a construção dessas sociedades em meio aos processos que

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viveram e vivem, afastando as percepções construídas por impressões limitadas


sobre eles.

História Indígena e sua aplicação no PIBID

Em comemoração aos duzentos anos da emancipação política de Alagoas, algumas


Escolas de Tempo Integral ofereceram disciplinas eletivas com o objetivo de abordar
esses dois séculos de história. A disciplina em que os pibidianos atuaram foi uma
delas, lecionada para alunos do primeiro e segundo ano do Ensino Médio.

No planejamento geral da disciplina, ficou decido que iríamos fazer visitas aos
museus da cidade – Museu Xucuru de História, Artes e Costumes e Casa Museu
Graciliano Ramos – ambos de fácil acesso. Nosso intuito inicial era o de discutir a
questão patrimonial e como ela se encontrava inserida na memória, na oralidade e
nas imagens de grupos tradicionais.

A visita ao Museu Xucuru de História, Artes e Costume que de acordo Paranhos


(2016), “foi oficialmente fundado em 1971 no prédio da antiga Igreja do Rosário dos
Pretos, construída pelos escravos que viviam nesta localidade durante o século
XVIII.” (PARANHOS, 2016, p. 226), rendeu muitos comentários dos alunos e
provocou diversas indagações nos pibidianos, que posteriormente foram abordadas
durante as aulas. A coleção museológica encontrasse dividida em três partes: a
primeira de uso quase exclusivo para exposição da arte sacra, com vestimentas
sacerdotais protegidas em vitrines para conservação; no segundo espaço, a presença
negra é marcante, pois é representada por três manequins, apresentando um
método de tortura aplicado durante a escravidão; o terceiro e último ambiente
destinado ao índio, um espaço escuro que chega a “ficar trancado a chaves e
separado por grades em alguns momentos” (PARANHOS, 2016, p. 230).

No início, os bolsistas provocaram questionamentos na turma, que serviram de base


para as posteriores discussões em sala de aula sobre os objetos expostos no museu. E
como esse espaço representa apenas uma parte da sociedade, deixando a outra
fração nos fundos daquele espaço, escondida, silenciada. Ao serem questionados,
sobre como os povos indígenas estavam expostos naquele ambiente e como
descreve os índios, muitos alunos permaneceram em silêncio, enquanto outros
relataram que ao longo de sua formação escolar a questão indígena foi abordada de
forma pontual no período próximo a emancipação política do município.

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315

Quando perguntado de qual forma eles viam os índios, corroborando com a


imagem representada no museu, muitos demonstravam percepções estereotipadas e
ultrapassadas sobre essas populações, fato que serviu para refletir sobre a
necessidade de incluir no subprojeto alguns aspectos da temática Indígena,
principalmente as histórias de lutas, protagonismos e busca por direitos dos
Xucuru-Kariri.

Em um momento posterior, foi realizado um levantamento para buscar uma


explicação para entender o porquê da disseminação desses erros históricos.
Partimos para pesquisa, analisando os livros didáticos disponíveis para professores
do Ensino Fundamental e Médio sobre a História de Alagoas. Quando
identificamos, no material analisado, concepções superadas sobre a história
indígena. De acordo com Ferreira (2016):

“Em Alagoas existe uma produção acadêmica significativa sobre a história indígena,
sobretudo a partir das décadas de 1980. Esses estudos porém, não tem interagido
com a elaboração dos livros didáticos de História de Alagoas, nem na formação de
professoras/es, na medida em que o ensino persiste em deslocar os indígenas para o
passado colonial. O que implica num distanciamento entre produção acadêmica o
Ensino de História na Educação Básica em Alagoas onde os principais sujeitos
interessados nessas histórias são os povos indígenas.” (FERREIRA, 2016, p. 113)

Com isso, ficou evidenciado que a história indígena era marginalizada e silenciada
por grupos que não tem interesse que tais populações alcancem o lugar de
protagonistas no palco principal sobre a história de Alagoas e do Brasil. Por isso, foi
apresentado aos alunos um panorama geral das comunidades indígenas,
evidenciando a história do povo Xucuru-Kariri.

Para desempenhar a ação, começamos a apresentar algumas perspectivas sobre


cultura, para debater sobre a pluralidade étnica. Utilizamos a perspectiva proposta
pela pesquisadora Maria Regina Celestino de Almeida (2010), que usa o argumento
de cultura como processo de reelaboração ligado à experiência e dinamismo.

“[...] A compreensão da cultura como produto histórico, dinâmico e flexível,


formando pela articulação contínua entre tradição e novas experiências dos homens
que a vivenciam, permite perceber a mudança cultural não apenas enquanto perda

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316

ou esvaziamento de uma cultura dita autêntica, mas em termos do seu dinamismo,


mesmo em situações de contato extremamente violentas como foi o caso dos índios
e dos colonizadores.” (ALMEIDA, 2010, p. 22)

Foram abordados os processos históricos vivenciados pelos povos indígenas ao


longo de suas trajetórias, promovendo assim, uma reelaboração cultural. Como
ocorrido nos Xucuru-Kariri que passaram por diversos processos de organização e
reorganização do seu território - sobre esses processos ver Martins (1994).

O passo seguinte, consistiu em discutir, a partir de uma breve abordagem, aspectos


culturais e históricos dos doze povos indígenas habitantes no estado de Alagoas. No
decorrer das aulas, diversas questões foram levantadas pelos alunos, como a
diferença entre os termos aldeia e tribo, o significado das pinturas corporais,
informação sobre a religião e costumes. Esses pontos suscitaram debates intensos e
muitas vezes calorosos entre os alunos.

A proposta inicial que consistia na discussão e exposição das histórias de conflitos,


protagonismos e busca por direitos dos Xucuru-Kariri foi efetivada. Para isso,
começamos trabalhando com a dissertação de mestrado do Antropólogo José
Adelson Peixoto Lopes (2013), que analisou, de forma aprofundada, o acervo
fotográfico de dois personagens: Luiz Barros Torres, um dos responsáveis pela
criação do Museu Xucuru de História, Artes e Costumes, autor lenda de fundação -
Tilixi e Tixiliá, fazendo referências ao índio de maneira estereotipada, muitas vezes
utilizado nas escolas como recurso didático - e do brasão do município de Palmeira
dos Índios, e o outro Lenoir Tibiriçá, ex-Pajé da aldeia Mata da Cafurna. Através
desse estudo, (PEIXOTO, 2013) discutiu sobre os conflitos de memórias presentes
nas fotografias nos acervos desses dois indivíduos.

Esse trabalho serviu como base para as aulas, pois nele pudemos encontrar
caminhos para resolver as indagações iniciais, tanto dos pibidianos quanto dos
alunos. Porém, vale ressaltar que não nos detemos apenas a essa pesquisa. Também
foram discutidos trabalhos que faziam referência a conflitos territoriais, identidade,
estereótipos, preconceitos, invisibilidade e religião - ver Santos (2017); Neves (2017);
Mendonça (2018); Santos (2018) e Silva (2018).

Considerações finais

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A obrigatoriedade da inclusão do ensino de história e cultura indígena em escolas


públicas e particulares, contribui para a democratização das informações sobre o
universo indígena, intervindo nos valores do aluno e em sua maneira de perceber o
mundo. Trabalhar esses conteúdos numa perspectiva ampla, significa extrapolar os
limites físicos da escola, provocando uma análise reflexiva sobre o lugar ocupado
pelos índios, tanto no passado quanto no presente. Sobre essas práticas, o professor
provoca intervenções no ambiente social do educando, através das transformações
no modo como ele concebe seus pensamentos e atitudes, aliando o saber à análise
crítica.

Nesse contexto, percebe-se que o professor de história não deve se limitar ao


conhecimento que pode transmitir aos alunos apenas em sala de aula, mas com o
seu envolvimento social, fazendo-o intervir no espaço em que está inserido,
partilhando de problemáticas como a mudança na percepção sobre os povos
indígenas no Brasil, que tem sido tão atual e presente em espaços educacionais,
distanciando-os das generalizações, enganos históricos e visão pejorativa sobre os
índios.

Referências

Bolsista PIBIC/FAPEAL, Graduando em História pela Universidade Estadual de


Alagoas – UNEAL/Campus III. Palmeira dos Índios. Membro do Grupo de
Pesquisas em História Indígena de Alagoas – GPHIAL. Trabalho orientado pelo
Prof. Dr. José Adelson Lopes Peixoto. E-mail: yurirodrigueshis@gmail.com

Professora no Ensino Fundamental em Igaci/AL. Mestra em História pela UFCG.


Membro do Grupo de Pesquisas de História Indígena de Alagoas – GPHIAL,
coordenado pelo Prof. Dr. José Adelson Lopes Peixoto.

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2010.
BRASIL. Decreto Nº 6.094 de 24 de abril de 2007. Disponivel em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6094.htm.
Acesso em: 10 de fevereiro de 2018.
________. Portaria normativa Nº 38. Diário Oficial de União de 13 de dezembro de
2007, seção 1, p. 39. Brasília: Impressa Nacional, 2007.

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CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da


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FERREIRA, Gilberto Geraldo. A Construção dos índios nos livros didáticos de
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temática indígena na sala de aula: reflexões para o ensino a partir da lei
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A TRANSFORMAÇÃO COMO FIM E O MÉTODO COMO


MEIO: O JURI SIMULADO PARA UM ENSINO DE
HISTÓRIA RELEVANTE
Rayme Tiago Rodrigues Costa

DE QUAL EDUCAÇÃO ESTAMOS FALANDO?

O objetivo da educação está em inventar e reinventar a civilização sem barbárie


(Florestan Fernandes).

O texto que segue é fruto das discussões das aulas no mestrado profissional em
ensino de historia pela UFPA junto com aulas ministradas no Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) no campus Paragominas no qual sou
professor. Neste foi realizada uma atividade nas aulas ministradas para o 2ª ano do
ensino médio com o objetivo de debater a Conquista da América e o Genocídio dos
povos indígenas.

Em tempos onde a democracia se vê ameaçada, onde a desigualdade social alcança


índices alarmantes e seres humanos morrem pela sua cor e gênero é impossível
pensar a educação apenas como transmissão de conhecimentos. Segundo Istvan
Mészáros (2008) a educação deve ir para além do capital, o seu objetivo deve ser a
emancipação humana, a transformação radical do atual modelo econômico e
político. Sem combater tais estruturas a escola e os métodos educacionais tornam-se,
tão somente ferramentas para equipar e legitimar os interesses dominantes,
reproduzindo os valores e perpetuando uma concepção de mundo baseada na
lógica capitalista.

Em “A globalização e os desafios da educação no limiar do novo século” Silvio


Gamboa aponta os paradoxos da educação na virada dos séculos, tendo como
perspectiva a América Latina. O autor indica que a proposta de educação da
modernidade, uma educação laica, universal, satisfatória e relevante que tinha como
objetivo a formação integral do homem não foi concluída, tendo nos anos de 1970
como momento decisivo onde “foram impostas legislações sobre a
profissionalização do ensino e a organização técnico-burocrática da escola, em
consequência do desenvolvimento industrial da região” (p.85). Essa proposta

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320

educacional faz parte de uma nova fase de retomada da expansão do capitalismo e


do desenvolvimento industrial onde é necessário formar mão de obra tecnificada,
abundante e barata colocando a educação dentro da lógica fabril. Para tanto os
métodos pedagógicos têm a pretensão de objetivos neutros e científicos buscando a
eficiência instrumental, ou seja, a didática se reduz a operacionalização de
conhecimentos mecanizando o processo de ensino- aprendizagem.

GAMBOA (2001) ajuda-nos a compreender que a ideia de um conhecimento neutro


e objetivo têm como fundo uma proposta educacional assentada nos parâmetros
capitalistas levando o homem a condição de homer faber tão somente,
desconsiderando desta feita as demais dimensões do ser humano. Tais
compreensões são fundamentais para o professor posicionar-se perante o papel de
educar, não se pode reduzir a educação a uma mera transmissão de conhecimentos
acreditando fazê-la de maneira isenta, tal perspectiva na realidade fortalece valores
e mentalidades capitalistas.

Desta feita, apesar deste trabalho ter como principal objetivo apontar um caminho
metodológico para o ensino de historia é necessário deixar explícito a concepção da
educação defendida, uma educação para a vida e para a emancipação, sem a qual a
metodologia torna-se sem sentido, esta concepção acima do conteúdo, técnicas e
métodos (que são importantes) é nevrálgica para uma educação emancipadora.

Parte-se do pressuposto de que o ensino de historia deve educar para a vida,


extrapolando os conhecimentos do passado, objetivando construir a identidade, o
pensamento crítico e a emancipação humana, nesse sentido Rusen (2007) é
fundamental por estabelecer os alicerces teóricos de tal concepção de ensino de
historia (didática da história), segundo ele os níveis de aprendizado devem envolver
o sentido, a interpretação e a ação. Segundo esse autor “o efeito sobre a vida prática
é sempre um fator do processo de conhecimento histórico”, os domínios da história
não se resumem ao passado, pelo contrário, a “teoria da historia preocupa-se em
colocar a relação do conhecimento histórico à prática de modo consciente” (p.86). A
práxis é função do saber histórico, a história deve orientar o aluno que vive em
sociedade, contribuindo para formar a sua identidade para viver e agir
intencionalmente, este deve ser orientado para pensar historicamente. Ou seja,
presente, passado e futuro devem estar interligados no processo de ensinar e no
objetivo do saber histórico.

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321

Nesse sentido é fundamental compreender o aluno, a sua realidade e a comunidade


onde a escola está inserida, sem essas informações e leituras não é possível pensar
um conhecimento relevante e pautado no tempo presente, ou seja, deve ser
considerado a vivência, os conhecimentos e as perspectivas do aluno e do contexto
em qual a escola está inserida. Quais os temas em discussão naquela comunidade?
Quais as maiores necessidades? Interesses? Quais as problemáticas os cercam? É
necessário que o professor que quer educar e não apenas transmitir conhecimentos,
consiga fazer essas leituras, e neste ponto é necessário utilizar das habilidades de
um antropólogo, ser capaz de observar, registrar e posteriormente sistematizar essas
informações para serem utilizadas. Tal estratégia é conceituada por Marli Andre
(1995) sendo chamada de “Etnografia da prática escolar”. No métier do historiador
esse método foi chamado por BLOCH (2001) de “método regressivo” indo do
presente para o passado. É desta forma que os conhecimentos transmitidos sairão
do passado e fará sentido para a vida do aluno.

O JURI SIMULADO COMO MEIO DE VALORIZAÇÃO DAS DIFERENTES


COSMOVISÕES.

O Instituto Federal é reconhecido por oferecer uma educação que integra o Ensino
Regular e o Ensino Técnico em diversas áreas, tendo como foco uma formação
integral, valorizando o Ensino a Pesquisa e a Extensão, criando no educando uma
capacidade de executar operações, mas também de pensar e refletir sobre sua
atividade enxergando a comunidade e os diversos fatores que os cercam. O campus
Paragominas foi fundado em 2015 e situa-se na avenida Fortaleza no bairro Bela
Vista, que apesar de ser próximo do centro é considerado um bairro periférico pela
sua estrutura. O campus ainda não tem uma estrutura própria e funciona em prédio
alugado, que apesar de não ser o ideal, supre momentaneamente as necessidades,
contendo além das salas de aulas, uma biblioteca, refeitório, banheiros, laboratórios
de informática e alguns recursos de mídia.

A realidade social é uma característica importante e que deve direcionar o sentido


das aulas.

Paragominas é um município situado ao norte do estado do Pará contém


aproximadamente 110 mil habitantes, e foi fundada em 1965 com influência da BR
010. Nesta cidade 77, 3% da renda, segundo o IBGE (2010), é oriundo de
investimento externo principalmente das indústrias mineradoras que extraem

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322

bauxita dos rios da região, 41,3% da população ganha até meio salário mínimo
(números de 2016). E mais de 80% da população é cristã, sendo aproximadamente
45% católicas e 35% evangélicas das diferentes matrizes. Existe uma grande
proximidade nas atividades cotidianas dos alunos com a realidade rural, o agro
negócio e a produção rural são outras atividades da região.

No campus Paragominas mais de 70% dos alunos recebem auxílio estudantil, que
segundo o site do IFPA:

“tem por finalidade proporcionar condições de permanência e êxito ao processo


formativo dos estudantes regularmente matriculados em cursos presenciais no IFPA
que se encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica.”

A partir deste breve panorama é possível constatar a proximidade dos alunos de


alguns temas, o ambiente rural com todas as suas características e peculiaridades, a
desigualdade social, pobreza, racismo e religiosidade são alguns temas que fazem
parte do contexto dos alunos e devem fazer parte das discussões e atividades
propostas.

O conteúdo da “Conquista da América” foi ministrado para a turma de Informática


do 2ª ano, uma turma heterogênea, mas que tem uma forte característica
conservadora, desta forma o assunto a ser apresentado poderia ser utilizado para
possibilitar uma visão de mundo mais democrática, humana a fim de valorizar as
diferentes visões de mundo. O conteúdo das aulas teve como base as discussões de
Tzvetan Todorov (2007) e o pressuposto teórico decolonial pautado em Stuart Hall
(2003). A atividade teve como objetivo a compreensão dos principais aspectos da
conquista/invasão da América, além de possibilitar um pensamento autônomo e
valorização das diferentes cosmovisões.

A atividade teve 6 aulas para ser executada, nas duas primeiras foi feita uma
discussão geral falando sobre o contexto da expansão europeia evidenciando-se as
motivações e justificativas para tal. No segundo momento foi feito um debate a
partir de um roteiro entregue para a pesquisa, onde também ocorreram os
encaminhamentos e explicações necessárias da atividade e no último momento
ocorreu o júri simulado. O tema central do júri foi o genocídio sofrido pela
população indígena, foram entregues materiais bibliográficos, indicados sites para a
pesquisa e autores. A fundamentação do júri foi um debate semelhante que ocorreu
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323

entre Bartolomeu de Las Casas e Juan Ginés de Sepúlveda no século XVI, logo a
questão central era a justificação ou não do genocídio indígena.

Diante de tal tema foram levantadas questões como o conceito de civilização e de


barbárie, diversas perspectivas sobre a religiosidade, alteridade, eurocentrismo,
etnocentrismo, genocídio entre outros. Os alunos utilizaram de diversas técnicas
próximas ao fazer histórico, tais como comparação, análise de fontes diversas e
análise de discurso, pois a própria natureza da atividade propunha o debate, e essas
estratégias muito utilizadas no dia a dia de modo inconsciente, foram colocadas em
prática fazendo um diálogo entre passado, presente e futuro. A pesquisa para a
defesa do ponto de vista é outro fator fundamental para se pensar, segundo Ciampi
é necessário conhecer o conhecimento, interrogar como o conhecimento é
produzido, pois “o conhecimento é um processo não um dado pronto, acabado,
definitivo, estando sempre socialmente comprometido” (CIAMP, P. 125). Ao
realizarem a pesquisa os alunos produziram um conhecimento sobre o passado e
não apenas absorveram um dado pronto e acabado, possibilitando questionamentos
e pensamento crítico.

O júri simulado é uma imitação de um julgamento onde os principais elementos são:


o tema/pessoa que é o objeto central da discussão, os advogados de acusação, os
promotores, o júri e o juiz. A partir desses elementos é possível impulsionar
diferentes visões de mundo, pensamento autônomo baseado em argumentos sólidos
e o debate respeitoso, tudo isso a partir da prática. Segundo Guimarães (2003) a
história precisa perder o teor adquirido desde a década de 1960, de um
conhecimento excludente, onde o aluno não se sente participante, o que no júri,
devido à participação ativa dos alunos isso foi minimizado, outro fator importante é
a interação gerada entre os alunos em prol da pesquisa e o debate, a autora afirma
que o conhecimento provém não apenas da transmissão dos conteúdos, mas desse
processo relacional e dinâmico. Entretanto é importante observar que nem todos os
alunos reagem da mesma forma, é necessário perspicácia e observação para lidar
com as diversas demandas específicas de cada ambiente, o que segundo Donald
Schon (2007) é a habilidade artística que normalmente não é ensinada nos centros de
formações institucionais.

Um elemento central para realizar a atividade foi à preparação, o planejamento é


um fator fundamental para o ensino e deve ser valorizado. Tal questão faz surgir

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324

outro questionamento, os professores da educação básica tem tempo de qualidade


para preparar as suas aulas?

Na aula posterior a atividade, foi feito um questionamento de modo aberto aos


alunos, o que vocês acharam do formato da última aula? Ela contribuiu para o
aprendizado de modo significativo? As respostas foram além das expectativas, a
grande maioria participou e contribuiu de diferentes maneiras para a atividade,
sendo considerada exitosa diante dos objetivos propostos no início da atividade.

A partir de uma concepção de educação libertadora, para além do capital, que tem
como objetivo desenvolver o ser humano como um todo, o júri simulado serviu
como meio para tal fim. Gerando questionamento, autonomia, debate, produção de
conhecimento, alteridade, e outros elementos que nos possibilitam pensar a vida.

REFERÊNCIAS

Mestrando em Ensino de História (PROFHISTORIA) pela UFPA, Bacharel e


Licenciado pela UFPA, Especialista em História e Cultura Afro-brasileira pela
Universidade Cândido Mendes (RJ) e Professor do Instituto Federal do Pará,
campus Paragominas.

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar. Campinas:
Papirus, 1995.
BLOCH, Marc Leopold Benjamim. Apologia da historia ou o ofício do
historiador. Rio de janeiro: Zahar, 2001.
CIAMPI, Helenice. Epistemologia e metodologia: diálogos interdisciplinares na
pesquisa do ensino de história. In: NETO, José Miguel Ariaz. Dez anos de pesquisa
no ensino de história. Londrina: FINEP, 2005.
SCHON, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o
ensino e a aprendizagem, Porto Alegre: Artmed, 2007.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de historia: experiências,
reflexões e aprendizados. Campinas, SP: Papirus, 2003.
HALL, Stuart. Quando foi o pós-colonial? Pensando no limite. In: Hall, Stuart. Da
diáspora: identidades e mediações culturais, p. 101-131. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2003.

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325

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. 2 ed. São Paulo: Boitempo,
2008.
RUSEN, Jorn. Didática – funções do saber histórico. In: Historia viva: teoria da
historia: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: Editora da
Universidade de Brasília, 2007, p. 85-133.
SÁNCHEZ GAMBOA, Silvio. A globalização e os desafios da educação no limiar
do novo século: um olhar sobre a América Latina. In: LOMBARDI, João Claudinei
(org).Globalização, pós-modernidade e educação: historia, filosofia e temas
transversais. Campinas.
TZVETAN, Todorov. A conquista da América. A questão do outro. São Paulo,
Martins Fontes, 1983.

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS:
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pa/paragominas/panorama
http://paragominas.ifpa.edu.br/component/content/article?id=194

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HISTÓRIA E TEATRO: REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA


DOCENTE
Rudy Nick Vencatto
Franciele Aparecida de Araujo

O labor do ensino e aprendizagem em sala de aula ou em qualquer espaço do


ambiente escolar requer diversos olhares sobre as práticas pedagógicas na tentativa
de motivar e impulsionar os diferentes saberes e habilidades presentes em cada
estudante. Pensando nisso e no próprio movimento de reavaliação dos métodos e
técnicas de ensino, no primeiro semestre de 2017, por meio de uma oficina de
ensino, lançamos o desafio para uma turma de segundo ano do Ensino Médio, que
consistia na elaboração de uma peça teatral como mecanismo de aprendizagem e
avaliação para o conteúdo que seria selecionado.

Havia uma ressalva, era necessário que toda turma trabalhasse em conjunto. Não
haveriam grupos com temáticas ou trabalhos distintos e todos estariam engajados
em atingir o mesmo resultado, desenvolvendo as etapas da peça em um único
grupo. Algumas falas que emergiram naquele primeiro encontro foram: “Isso nunca
vai dar certo!”; “Todo mundo junto? Como vamos fazer isso?”. Foi um momento
repleto de tensão, mas também um pouco cômico, pelas expressões que surgiram
em diversos estudantes. Cada estudante teria a grande tarefa de buscar ajudar ao
próximo e ao mesmo tempo respeitar as limitações que cada indivíduo iria
apresentar.

Mas porque uma peça teatral? Ao longo do período escolar uma da preocupações
está na tentativa de identificar as diferentes habilidades e conhecimentos, bem como
as dificuldades que cada estudante carrega consigo. Neste caso havia constatado
que alguns estudantes apresentavam grandes dificuldades na forma de se expressar
oralmente em público, outros com ampla desenvoltura para a oratória, não se
engajavam na leitura dos conteúdos propostos. Havia também aqueles que eram
muito bons em conteúdo, mas que de alguma maneira não se relacionavam com os
demais colegas e por fim, aqueles que pouco realizavam ou participavam das aulas,
ou seja, não faziam atividades e nem mesmo as tarefas. Como atingir todos essas
diferenças na tentativa de conciliá-las no processo de aprendizagem?

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327

Tendo em vista a grade curricular e os conteúdos programáticos ao qual estávamos


trabalhando, o tema selecionado para elaboração da peça teatral foi A Revolução
Francesa, na qual pela complexidade e amplitude dos diferentes movimentos que se
estenderam ao final do século XVIII, caberia aos estudantes esmiuçar cada
fragmento que de alguma maneira contribuiu para a grande mudança na conjuntura
política francesa. Os estudantes tinham como objetivo identificar os distintos atores
sociais envolvidos; como estes atores agiram nos diferentes momentos do processo
revolucionário, como os ideais Iluministas motivaram a revolução; quais influências
esta experiência levou para os demais países do mundo e como esta experiência
poderia ser pensada na contemporaneidade. Para isso, optamos por um recorte
temporal estabelecido entre 1780 até 1799, período no qual a França reconfigurou
sua estrutura política dando fim a revolução.

O objetivo geral deste processo de aprendizagem estava pautado no entendimento


do conteúdo e de sua importância para compreender os movimentos
revolucionários no mundo, mas também, na tentativa de fazer com que este
processo educativo pudesse ser desenvolvido de maneira colaborativa onde cada
estudante pudesse contribuir com os demais colegas construindo diferentes formas
de conhecimento em uma rica experiência escolar. De forma específica, seria
possível estimular aqueles com dificuldades de expressão oral, engajar os menos
motivados e permitir a fortificação das relações estudantis, fazendo com que todos
trabalhassem pelo e para o grupo.
O processo foi dividido em quatro eixos: leitura e debate do material selecionado;
confecção do cenário e figurino; elaboração do roteiro e apresentação da peça. Com
relação aos materiais selecionados, os alunos puderam ler e discutir alguns capítulos
da obra de Roger Chartier Origens Culturais da Revolução Francesa e de Eric J.
Hobsbawm em sua obra a Era das Revoluções – 1789 – 1848. Além disso, assistimos o
documentário produzido pela History Channel intitulado A Revolução Francesa,
disponível no Youtube.

Com relação aos capítulos dos livros, os estudantes fizeram uso do aparelho celular
para fotografar as páginas selecionadas e compartilhar com os demais colegas em
um aplicativo, permitindo a circulação do material e demonstrando organização e
capacidade de gerenciamento. As novas tecnologias proporcionaram maior
agilidade e economicidade na divulgação dos materiais bem como, facilitaram a
capacidade de organização da turma proporcionando rápida comunicação em um
curto espaço de tempo.

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Para dar maior suporte teórico ao tema utilizamos a obra do historiador britânico
Eric J. Hobsbawm, A Era das Revoluções 1789-1848. Foram selecionados alguns
capítulos para que servissem de material de leitura e posteriormente fossem
apresentados e discutidos em sala por meio de rodas de conversa. Entre estes estão:
Capítulo 1 - O mundo na década de 1780 e Capítulo 3 – A Revolução Francesa. Cabe
destacar que para cada capítulo as rodas de conversas funcionaram como momentos
quase informais onde os estudantes tiveram a oportunidade de esboçar suas
dúvidas e entendimentos. Infelizmente nem todos se posicionaram e os que
apresentavam dificuldades de fazer uma explanação oral em público continuaram
em silêncio. Um desafio que se colocou desde o início mas que seria superado.

Outra obra utilizada como base teórica foi Origens Culturais da revolução Francesa, do
historiador francês Roger Chartier. Nesta por sua vez, quatro capítulos foram
selecionados: Introdução; Iluminismo e revolução - Revolução e Iluminismo; Será
que livros fazem revoluções?; e por fim, Um nova política cultural. Assim como na
obra de Hosbbawm, para cada capítulo foi destinado um momento de debate em
rodas de conversa que permitiram a troca de conhecimentos.

Ainda na etapa destinada as leituras e debates em torno da temática, utilizamos


uma apresentação fílmica com o documentário A Revolução Francesa, produzido pela
History Channel e de fácil acesso no Youtube. O objetivo principal foi permitir aos
estudantes visualizar um pouco da conjuntura francesa no século XVIII, assim
como, os detalhes dos momentos que conduziram ao processo revolucionário.

Por meio do documentário a turma pode observar e pensar na elaboração dos


elementos que iriam constituir o cenário da peça teatral, elaborar figurinos e
construir elementos textuais para compor o roteiro teatral, elaborando frases e
diálogos para cada personagem do elenco. Com duração de uma hora e trinta
minutos, a amostra fílmica foi disponibilizada ao longo de uma semana e os
estudantes estavam orientados a realizar as anotações necessárias, tendo como
norteadores os elementos supracitados. Cabe destacar que foi disponibilizado o
endereço eletrônico do vídeo,https://www.youtube.com/watch?v=xV5g84ROXbE,
para que cada estudante pudesse de maneira individual ou em grupos menores,
conforme interesse, realizar novas leituras sobre o documentário.

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329

É importante salientar que as rodas de conversar foram organizadas de maneira que


pudessem contar com uma equipe mínima responsável por fomentar o debate. Esta
equipe estava formada por professor, dois alunos fomentadores e um estudante
responsável por anotar e organizar as inserções, para que desta maneira, mesmo
diante de momentos com pouca participação pudéssemos avançar com o conteúdo e
provocar outros integrantes para o debate.

As duas etapas seguintes, apesar de acontecerem com maior ênfase nas semanas
finais, foram sendo construídas de maneira intrínseca durante os momentos de
leituras e debates propostos na primeira etapa. A confecção do cenário e figurino,
bem como a elaboração do roteiro, lentamente foi sendo inserida nas rodas de
conversas.

Nesta dinâmica conforme avançamos nas leituras dos conteúdos selecionados a


turma como um todo passou a apresentar suas demandas, perguntas e
considerações referentes aos materiais que iriam utilizar na confecção do cenário,
quais os modelos de figurinos seriam adotados, quem desempenharia cada papel, e
principalmente, surgiram reflexões quanto às falas que iriam compor o roteiro. De
maneira quase orgânica, cada sujeito foi inserindo-se nos trabalhos passando a
vislumbrar um objetivo comum.

Lentamente o sentimento de pertença com relação ao desenvolvimento da peça


teatral foi sendo desenvolvido e com isso, os sujeitos passaram a edificar identidade
ao tema. A turma como um todo gradativamente construiu sentimentos de pertença.
Eles falavam de seus personagens durante as aulas, imaginavam situações,
pensavam em como poderiam desempenhar determinadas ações e muitas vezes
lançavam mãos de anotações para cristalizar frases que seriam utilizadas no
momento final. Um único tema unificou uma turma plural, a qual superou as
diferenças e aprendeu a respeitar as limitações de cada indivíduo.

A última etapa foi marcada pela apresentação da peça. Tendo em vista todo o
público escolar que iriamos receber, entre estes, técnicos administrativos,
professores, demais estudantes que não estivessem em horário de avaliação e
trabalhadores terceirizados, optamos por realizar esta etapa final em um espaço da
biblioteca, um local amplo, bem iluminado e com disponibilidade de inserção de
cadeiras. A escolha foi definida em conjunto durante as aulas e os próprios
estudantes fizeram a indicação do local.

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330

A peça em si contou com uma duração de aproximadamente 35 minutos e foi


contemplada com um público que lotou o espaço disponibilizado. No decorrer da
peça alguns momentos foram marcantes e demonstraram com clareza que o
processo de aprendizagem havia trilhado por caminhos seguros. O primeiro deles
foi quando um dos estudantes, o qual já havia constatado uma grande dificuldade
para se expressar em público realizou sua inserção. Diferente de outras práticas
avaliativas como os seminários, nos quais ele não conseguira uma boa explanação
de suas ideias, desta vez, revestido pelo seu personagem, um intelectual Iluminista,
colocou-se de maneira clara e com um bom tom de voz dando destaque a suas
narrativas. Perceber que aquele estudante em específico estava engajado e
conseguira superar as angústias de uma apresentação em público foi o primeiro
ponto positivo que a peça teatral colocou em evidência.

Outro momento foram as narrativas de Robespierre apresentadas durante toda a


peça. O estudante que desempenhou este trabalho apresenta certa resistência em
realizar leituras, porém, o papel ao qual foi designado fez com que se debruçasse
sobre o roteiro e sobre a maneira que Robespierre fora apresentado no
documentário. Para desempenhar um bom papel foi necessário realizar diversas
leituras sobre o personagem e o resultado deste trabalho foi uma brilhante
apresentação com falas inclusive fazendo menção a termos linguísticos da época.

Chamou atenção o envolvimento estabelecido para o desempenho da apresentação.


Houve sincronia em cada cena que seria desenvolvida. Enquanto alguns retiravam o
cenário já utilizado, outros realizavam a montagem do próximo e consequentemente
os personagens se posicionavam, demonstrando efetividade e amadurecimento na
organização, maximizando assim a utilização do tempo e espaço.

De maneira louvável a turma conseguiu estabelecer uma ponte reflexiva entre o


movimento revolucionário vivido na França do século XVIII e a conjuntura nacional
na contemporaneidade. Ao final da peça, após consumado todos as etapas, a
estudante que havia interpretado a rainha Maria Antonieta, surgiu como narradora
e declamou um texto produzido pelos próprios alunos, um texto crítico lançando
olhares para o presente a partir das lutas sociais do passado. Foi um momento que
delineou o grau de amadurecimento teórico que a turma desenvolvera ao longo de
todo o período.

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Por fim e para refletir sobre os sentimentos de pertença e identidades construídos e


vivenciados pela equipe, uma cena em específico ficou marcada em minha memória
e esta por sua vez não fazia parte do roteiro. Após a finalização da peça e no
momento que os convidados já se retiravam, todos os integrantes se reuniram na
parte de trás do palco, e numa espécie de círculo, cada qual com sua mão estendida
ao centro umas sobre as outras, bradaram fortemente e comemoraram a etapa
vencida.

Para muitos pode parecer algo simples, entretanto, aquele momento marcou todo o
esforço desenvolvido, todo suor que cada aluno cedeu, todo enfrentamento e tensão
que cada debate gerou e mesmo assim, diante de todas as diferenças e
particularidades tornaram-se uma força em conjunto a qual, trabalhou por um bem
comum. Aquele brado, as risadas que se sucederam posteriormente, as vozes
exaltadas, a necessidade de contar ao outro o nervosismo vivenciado, foram
mensagens que marcaram e definiram que a atividade havia cumprido o seu papel.
Restava para todos nós apenas contemplar as emoções em que estávamos
envolvidos.

As dificuldades de oralidade foram superadas, a capacidade organizativa ampliada,


houve ampla participação nas leituras e debates com objetivo de obterem um maior
número de informações em torno do tema, e por fim, a turma passou a respeitar e
entender as diferenças como elementos que agregam valor às praticas sociais, cada
qual, capaz de contribuir para o bem estar do grupo. Houve dedicação, organização
e engajamento permitindo que o conteúdo fosse discutido, fugindo dos velhos
modelos de aulas expositivas e estimulando nos estudantes a vontade de criar e
descobrir.

Na semana seguinte, com todos os trabalhos já concluídos realizamos uma pequena


confraternização em sala onde cada integrante pode contribuir com algum alimento.
Foi um momento de descontração, mas também repleto de reflexões das etapas
vivenciadas. Em um clima cordial, conversamos sobre as experiências e quais
aprendizados haviam sido construídos. Neste bate papo, chamou-me atenção os
vários relatos que mencionavam que a prática do teatro havia permitido aprender
com maior vigor os conteúdos propostos e que de alguma maneira aqueles
conhecimentos estavam consolidados em suas memórias. Certamente uma
experiência como tal, é algo que perdurará nas lembranças destes estudantes, e para

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332

além dos conteúdos foram consolidadas relações de reciprocidades que passaram a


fazer parte de suas memórias de vida.

Diante da incerteza do sucesso desta prática pedagógica estabelecemos como


principal critério a tentativa de realização de avaliação contínua em cada etapa, com
intuito de encontrar falhas e tentar superá-las o mais breve possível. Para isso, foi
primordial o diálogo com a turma e as rodas de conversas que forneciam elementos
capazes de medir a evolução e o amadurecendo dos estudantes em torno do tema.
Após a conclusão, o que ficou enquanto experiência docente foi uma grande
vontade de realizar novas tentativas em outras turmas e com outras séries de
ensino, tornando cada vez mais o espaço escolar um ambiente de diversidades e que
permita a valorização da amplitude dos conhecimentos trazidos por cada sujeito.
Transformar o ambiente escolar em um lugar que promova a autonomia dos
estudantes tornou-se um dos grandes objetivos agora traçados.

Após muita reflexão, vivenciar esta experiência promoveu alguns aprendizados. O


primeiro deles foi perceber que a juventude está apta e apresenta interesse em
aprende e discutir temas relacionados às conjunturas políticas, sociais e econômicas.
Esta juventude anseia por mudanças e tem desejo de ser parte atuante em seus
espaços de convivência. Cabe a nós enquanto professores mostrar os caminho e
apresentar as possibilidades de organização.

Além disso, foi possível compreender que a prática pedagógica deve ser também
pautada pelos desafios e que muitas vezes, o mais sensato a ser feito é fugir das
zonas de conforto para que possamos alcançar os objetivos traçados. Sair da rotina
de sala de aula, organizar os estudantes em grupo, traçar métodos e referenciais
teóricos, permitir espaços de debate e divergência, são situações que muitas vezes
vão além da formação de muitos professores, e por isso, são deixadas de lado, pois
demandam tempo e empenho. Fico feliz em dizer que cada segundo de trabalho
desempenhado nesta atividade foi extremamente enriquecedor e que demonstrou
melhores resultados do que qualquer aula expositiva outrora realizada na turma em
questão.

Cabe destacar que apesar do sucesso obtido, deve ser levado em consideração todos
os aspectos culturais, sociais e econômicos presentes no espaço escolar. A réplica de
metodologias nem sempre alcança os mesmo objetivos ou colhe os mesmos
resultados, pois deve ser adaptada para cada ambiente encontrado. Não se trata de

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333

uma receita que deve ser seguida, apenas de experiências que poderão ser pensadas
e utilizadas como modelos para outras formas de avaliação.

Por fim, acredito que esta prática pedagógica foi capaz de demonstrar como a
relação professor e aluno pode ser construída de maneira horizontal e democrática.
Estabelecemos diálogos, traçamos estratégias e definimos cenários, figurino e local
de apresentação tudo por meio dos debates e quando não havia um consenso,
estabelecíamos uma votação que era respeitada. Foi um processo transparente,
democrático e que proporcionou autonomia aos estudantes colocando-os como
sujeitos provedores de mudanças no espaço escolar. Ainda hoje me pego refletindo
sobre as relações recíprocas e mútuas desenvolvidas, algo que me deixa
completamente feliz por simplesmente ter tentado.

Ao final de todo o processo e análise das avaliações realizadas, os resultados


alcançados demonstraram a superação das dificuldades em equipe, a valorização e
respeito às distintas habilidades presentes no ambiente escolar, a assimilação e
aprendizado do conteúdo de forma eficaz e estimulante, a ampliação das relações de
reciprocidades, a consolidação das relações entre professor e aluno e a
demonstração da capacidade organizativa dos estudantes e de sua autonomia.
Posso afirmar que após esta experiência, foi possível vislumbrar com maior clareza
como as diferentes formas de aprendizagem são importantes para a construção e
valorização do conhecimento.

Referências
VENCATTO, Rudy Nick. Doutor em História Cultural pela Universidade Federal de
Santa Catarina – UFSC. Docente do Instituto Federal do Paraná – IFPR.
ARAUJO, Franciele Aparecida de. Doutora em História Social pela Universidade
Federal de Uberlândia – UFU. Docente da Secretaria de Estado da Educação do
Paraná – SEED/PR.
CHARTIER, Roger. Origens Culturais da revolução Francesa. UNESP, 2009.
HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções 1789-1848. Paz e Terra,2009.
HISTORY CHANNEL. A Revolução Francesa. Disponível
em:https://www.youtube.com/watch?v=xV5g84ROXbE

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334

A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL, O MADONNARO E OS


HOMENS-MEMÓRIA: DIALOGANDO COM A HISTÓRIA
DE PIRANEMA
Marcelo Amaral Coelho

Este texto relata uma experiência de sala de aula como parte do conteúdo
programático ministrado à turma de 7º ano, do Instituto Educacional Zion (IE
Zion), localizado no bairro Piranema, em Itaguaí (RJ). O conteúdo em questão
deveria versar sobre a Educação Patrimonial. Foi quando se pensou a própria
realidade dos alunos como tema. Diante disso, eis que irrompeu a questão: Teria
aqueles alunos um conhecimento cultural da realidade na qual estão inseridos? Daí
que, se valendo da história local, foi decidido de estudar o prédio da escola – que
antes fora uma igreja evangélica e atuara como referência na localidade. Por
extensão, se estudou um pouco da história do bairro de Piranema. Dado a dimensão
memorial do conteúdo abordado foi pensada a presença de um antigo morador
como forma de ‘presentificação viva’ do passado. O Madonnaro marcara presença
como conteúdo de arte e ferramenta de apropriação cultural.

Assim sendo, como fazer para funcionar a engrenagem que poderia facilitar a
apropriação do patrimônio cultural – no caso a história da própria escola em
consonância com a localidade como um bem cultural comum? O IE Zion tem por
metodologia a Abordagem Educacional por Princípios (AEP). Enquanto uma escola
de pedagogia confessional, o IE Zion recorre à AEP como um método de propulsão
do potencial individual que auxilia na formação de um caráter baseado nos
princípios cristãos e ainda estimula a cooperação e a interação (SOUZA, 2015). Uma
rápida panorâmica sobre essa abordagem de ensino mostra que nos anos 1930, nos
EUA, Verna Hall iniciou suas pesquisas sobre os princípios cristãos aplicados à
política. As conclusões dessas pesquisas na formação de caráter e estabelecimento
de governo foram fundamentais para que, em 1965, fosse fundada a Fundação para
Educação Cristã Americana (FACE), por Hall e Rosalie Slater. No Brasil, a então
Educação por Princípios chegou, em 1989, na cidade de Belo Horizonte, por
iniciativa de Cida Mattar (ALVES, 2012).

A AEP existe embasada por sete princípios: caráter (integridade), mordomia


(gestão), autogoverno (equilíbrio), semeadura (responsabilidade), soberania

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(humildade perante Deus), individualidade (identidade) e união (interação social).


Ainda esse método é constituído de ferramentas que contribuem à construção do
conhecimento e formação do indivíduo. São elas: Estudo de Palavras, Fichário,
Produção de Textos (composição, ensaio, etc), Belas Artes, Constituição de Classe,
Linha do Tempo, Leitura de Clássicos, Estudo de Biografias, Oportunidade de
Serviço, Memorial, Celebração da Aprendizagem e Avaliação. Destas, se fez uso de
Estudo de Palavras, Fichário, Belas Artes, Celebração da Aprendizagem e Avaliação.

O método da AEP é composto de quatro passos. Inicialmente, o aluno é desafiado a


pesquisar o significado das palavras. Nesse momento se tem contato com a classe
gramatical, significado e interpretação da palavra. Em seguida, o aluno deve
raciocinar a partir das descobertas feitas na pesquisa das palavras. Trata-se de uma
etapa de aprofundamento conceitual. Depois de aprofundar os conceitos é hora de
estabelecer relações. Relacionando o conhecimento adquirido com outras
disciplinas, princípios e com o cotidiano se estabelece a interdisciplinaridade e a
transversalidade. Por fim, como conclusão, o aluno deve registrar por meio de um
texto, desenho ou outro recurso aquilo que pode aprender.

Interessante que a metodologia da AEP instaura conexões com a Educação


Patrimonial. Esta foi também concebida em quatro etapas: observar, explorar,
registrar e apropriar (HORTA et al., 1999). A observação acontece quando se
pesquisa um tema a ser estudado. A exploração desse tema vai exigir o raciocínio
com vistas a conhecê-lo melhor e vislumbrar suas possibilidades. Tais
possibilidades devem ser registradas a fim criar relações que possam expandir o
conhecimento para além do tema. A última etapa é quando o aluno deve produzir
algo (música, texto, pintura, etc) como forma de deixar registrado a apropriação do
conhecimento.

Inicialmente foi compartilhado um infográfico com os alunos contendo os conceitos


que norteariam o desenvolvimento do conteúdo/tema (Fig. 01). Aqui foi lançado
mão da ferramenta da pesquisa de palavras – ainda que não fora feita em uma
incursão direta ao dicionário. No infográfico, dentre outros, a definição de Educação
Patrimonial foi apresentada como um processo permanente de educação centrado
no patrimônio cultural como fonte primária (HORTA et al., 1999). Definição esta
que, em 2014, o IPHAN ‘consagraria’ como processo de educação formal (escolas) e
não-formal (museus, igrejas, etc). O Madonnaro aparecia como “(...) a antiga arte de
espalhar com os dedos e o palmo da mão o giz sobre o chão” (NAALIN, 2000, p. 34

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– Trad. livre). Posteriormente, com o andamento das aulas, surgiu a oportunidade


de trabalhar o conceito de Homem-memória como especialistas e guardiões da
memória desde os tempos das sociedades orais (LE GOFF, 1990).

Figura 1: Infográfico

Em raciocinando sobre o que foi descoberto quando da pesquisa de palavras,


conforme previsto na AEP, se percebeu que aqueles conceitos poderiam contribuir
em uma possível reflexão sobre a ressonância cultural do prédio que sedia a escola.
Ao que a Educação Patrimonial, centrada no patrimônio cultural, poderia permitir
ver o prédio como tal ainda que não se tratasse de um reconhecimento ‘oficial’. O
prédio fazia parte de um meio ambiente histórico (HORTA et al., 1999) composto
pelo entorno – à época caracteristicamente rural e hoje habitado por empresas de
logística e exploração de areia. Aquelas terras um dia pertenceram aos Jesuítas como
parte da Fazenda de Santa Cruz, organizada em 1656, ocupando uma área de cerca
de 1.800 Km². Existem rumores que na região tenha existido um quilombo. Outras
suspeitas dão conta que nos tempos da mineração havia, em Piranema, um registro
para controlar o fluxo de carregamento daquelas riquezas (SOUZA, 2005).

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337

Ainda foi possível descobrir que a palavra “Piranema” era de origem tupi e
significava “terra de peixe podre”. A região era inundada com frequência pelas
marés. Alguns peixes, não conseguindo retornar ao mar, acabavam morrendo e
causando o forte odor que predominava na região (SOUZA, 2005). Hoje, o peixe
também é conhecido como “olho de cão” ou “vermelho”. Uma iguaria nos
restaurantes, o carnívoro piranema mede em torno de 35 cm e vive em
profundidades marinhas que vão de 10m a mais de 200m (CPEABRASIL, 2014).

A partir dessas informações de caráter histórico se pensou convidar um morador


antigo para que ‘presentificasse’ aos alunos algumas histórias de Piranema. Foi
quando houve o convite ao Sr. Wilson, com 88 anos de idade, em Piranema desde os
15 anos, pai de uma das diretoras da escola (Fig. 02). Ao que ele aceitou
prontamente. O Sr. Wilson trabalhou na construção do prédio onde hoje funciona a
escola quando este fora erguido para ser uma igreja, por volta dos anos 1960.
Contou que, quando adquirido para sediar a igreja evangélica, o imenso terreno era
repleto de ‘pés’ de laranjas. Com as constantes invasões aquela comunidade
eclesiástica decidiu por lotear boa parte das terras e disponibilizar para venda – o
que acabou contribuindo para a dinâmica imobiliária e demográfica do bairro. Os
alunos ficaram ainda encantados quando souberam dos lampiões que ‘alumiavam’
os cultos noturnos e a caminhada até à igreja. Vários deles não conheciam o que era
um lampião.

Fig. 02 – Desenho de um aluno representando a visita do Sr. Wilson. Uma breve descrição do
desenho conta do ambiente de sala de aula com o quadro ao fundo e as carteiras com alguns
alunos. Como no dia, o Sr. Wilson porta um boné, uma bengala e está assentado em uma cadeira.

A presença do Sr. Wilson abriu espaço para trabalhar com a turma o conceito de
Homem-memória. Os homens memórias eram ‘responsáveis’ por compartilhar com

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as novas gerações os tesouros culturais do passado. Preservando assim a vida em


sua dimensão social, cultural, espiritual e até mesmo fisiológica. Na maioria das
vezes os homens memórias eram idosos que, pela longa estrada de vida, eram
detentores dos conhecimentos referentes ao grupo do qual fazia parte. Leroi-
Gourhan (LE GOFF, 1990, p. 429), dentre outros, reconhece os idosos como
personagens “na humanidade tradicional, o importantíssimo papel de manter a
coesão do grupo”.

A partir do que foi abordado em sala de aula os alunos tiveram contato com um
repertório de imagens mentais que lhes serviriam mais tarde, quando da fase do
registro, para a produção do Madonnaro. O Madonnaro é uma técnica italiana de
pintura no chão que remete ao século XVI. Alguns marginalizados sociais viram na
reprodução de imagens da Virgem Maria – Madonna, em italiano; daí o nome
“Madonnaro” – a oportunidade de ganhar um dinheiro com as ofertas lançadas
sobre as pinturas e ainda propagar a fé cristã. Esses ‘artistas’, dado sua condição
social e econômica, lançavam mão do que tinham por perto (COELHO, 2015). Então,
os primeiros Madonnaros – tratados por Naalin (2000) como Madonnaro Storico –
foram feitos com cacos de tijolos, carvão, giz e terra colorida. Essa praticidade
material, a oportunidade de realizar uma atividade externa e ainda a
incogitabilidade de utilizar o chão para desenhar são fatores que contribuíram para
a exploração do Madonnaro.

Uma vez que ficou claro a possibilidade de relacionar a metodologia da EP com


aquela da AEP, a interdisciplinaridade e a transversalidade se fizeram presentes.
Dentre todas as disciplinas possíveis de estabelecer diálogo, uma que iniciou
conversa foi a Filosofia. Embora se tratasse de uma turma de 7º ano a recorrência a
Platão foi bem aceita. Por ocasião da aula sobre homens-memória se deu abertura a
um fecundo bate-papo sobre a vida, a velhice e a conversa – tudo pensando uma
preparação para o encontro com o Sr. Wilson. Em A República, Platão escreve uma
experiência entre Sócrates e Céfalo, pai de Polemarco. Ao visitar aquele idoso
Sócrates ouviu dele o pedido de aparecer mais vezes já que não podia mais se
locomover com facilidade e circular pela cidade, pois, “(...) à medida que vão
murchando para mim os prazeres físicos, nessa mesma aumentam o desejo e o
prazer da conversa” (PLATÃO, 2005, p. 08). Naturalmente essas conversas figuram
reminiscências de fatos passados. Fatos esses que, segundo Sócrates, trazem uma
dimensão pedagógica por parte de “(...) pessoas que foram à nossa frente num

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caminho que talvez tenhamos de percorrer, sobre as suas características, se é áspero


e difícil, ou fácil e transitável” (PLATÃO, 2005, p. 08).

Embora essa ‘conversa’ com a Filosofia tenha tido uma ressonância transversal de
respeito ao idoso, o que ficou frisado como transversalidade foi a questão da
conservação do patrimônio cultural. A conservação do Patrimônio é questão chave
na preservação cultural de um grupo. Assim, a conservação é um ato de
mordomia. Foi então que, recorrendo à AEP, se fez relação com o princípio da
mordomia. Segundo Souza (2015, p. 62), a mordomia é “cuidar com
responsabilidade do que lhe pertence ou do que lhe foi confiado”. Portanto, a
mordomia envolve a gestão. Durante as conversas foi posto aos alunos que o
patrimônio cultural é algo que pertence ao indivíduo enquanto bem coletivo.
Ninguém é dono das histórias que são de todos. Respeitar os idosos, preservar o
prédio da escola, criar Madonnaros que não sujam o chão... São apenas algumas das
oportunidades de exercer mordomia tanto cuidando do espaço físico quanto
preservando a memória. Gerir o patrimônio cultural é tão preservá-lo de maneira
que possa aos outros que virão depois. Essa gerência acaba se constituindo também
em uma das ferramentas da AEP: oportunidade de serviço. Uma oportunidade de
servir ao outro no sentido de que também fruir do patrimônio cultural.

Chegou a hora de registrar o conhecimento adquirido em sala de aula. O


Madonnaro funcionara como ferramenta de apropriação cultural (Fig. 03). Os
alunos, então, em uma das aulas, foram direcionados ao espaço externo da escola.
De posse dos estudos preparatórios elaborados em casa como atividade
complementar cada um se estabeleceu em um espaço previamente demarcado e
escolhido por eles. Cada um recebeu seu material: gizes brancos, cacos de tijolos e
carvão vegetal. Naquele momento o Madonnaro transpareceu uma de suas
principais características: a dinamicidade da interação. A técnica italiana de pintura
no chão é simultaneamente ateliê e galeria. Ao mesmo tempo em que se está
produzindo a obra se está expondo-a. É possível perceber a ferramenta de AEP que
atende por exposição.

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Fig. 03 – Os Madonnaros pelo chão da escola.

O espaço externo, ainda que extensão da sala de aula, sugere um novo ambiente. O
que antes era histórico, pedagógico também se faz cultural e artístico. A produção-
exposição das obras desencadeia relações e interpretações. Os alunos-artistas
conversam e trocam ideias sobre os trabalhos; o público (funcionários, colegas,
professores, etc) dialoga com o aluno-artista; o público comenta entre si sobre o que
está acontecendo. O clima de interação e compartilhamento é total. Tanto que, uma
das funcionárias da escola, vendo a agitação dos alunos-artistas, reativa a memória –
até certo momento afetiva, percebida na entonação de sua voz – e comenta de
quando tinha de andar ‘pela noite’ adentro tendo em mãos apenas o lampião de
querosene.

Sem dúvida, como antes manifestado no bate-papo com o Sr. Wilson e provocando
ostart mnemônico da funcionária mencionada acima, o lampião foi a imagem que
predominou nos trabalhos. Um deles, se valendo de uma composição poética, trazia
no lugar da chama um ‘coração’ (Fig. 04). Ao total, cinco alunos (as) pintaram
lampiões. Outros cinco alunos (as) fizeram peixes em alusão ao significado da
palavra ‘Piranema’ (Fig. 05). Uma aluna criou uma composição onde aparecia um
pescador lembrando as pescarias do Sr. Wilson pelos rios da região que não mais
servem à atividade por conta da poluição (Fig. 06). O prédio da igreja tendo ao lado

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um ‘pé’ de laranja figurou na pintura de um aluno que relembrou um pouco da


história do local (Fig. 07).

Fig. 04 – Lampião com chama de ‘coração’.

Fig. 05 – Peixe Piranema

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Fig. 06 – O pescador

Fig. 07 – A igreja e o laranjal

Como possíveis considerações finais a experiência trouxe algumas reflexões. Os


homens-memória estão relacionados ao patrimônio cultural por serem detentores de
significados culturais que outras formas de ‘transmissão’ como a escrita, a Imprensa,
a mídia eletrônica e a internet não foram nem são capazes de fazê-lo. A existência
dos homens-memória se justifica pela interação social: são adiantados em idade,
mas estão vivos; se estão vivos necessitam, podem e têm direito a se relacionar com
o outro. Nessa relação se reconhecem e são reconhecidos; constituem a história e
constroem a história. Sem os relacionamentos interpessoais não há gestão,
compartilhamento e apropriação do patrimônio cultural – seja ele material ou
imaterial. A nova geração precisa reconhecer as gerações anteriores para que se

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343

possa pensar como Sócrates e suavizar a existência e o convívio. Daí que a


aprendizagem de competências e o reconhecimento de princípios como o respeito, o
diálogo, o caráter e tantos outros em consonância com as técnicas de arte podem
fazer a diferença na ‘modalidade’ de Educação Patrimonial. Mas que isso: fazer
diferença na vida!

REFERÊNCIAS:

Sobre o autor: Graduação em Licenciatura em Belas Artes (UFRRJ); Especialista em


Educação Museal (ISERJ/IBRAM/FIOCRUZ/FAETEC); Mestrando no Programa
Patrimônio, Cultura e Sociedade (PPGPACS/UFRRJ), sob orientação do Prof. Dr.
Fabio Ricardo Reis de Macedo.

A BÍBLIA VIDA NOVA. Editor resp. Russell P. Shedd; trad. em português João
Ferreira de Almeida. Ed. rev. e atual. no Brasil. S. Paulo: Vida Nova; Brasília:
Sociedade Bíblica do Brasil, 1995.
ALVES, Monica Pinz. Educação por princípios bíblicos: um método cristão de
ensinar?Congresso Internacional da Faculdades EST, 1., 2012, São Leopoldo. Anais
do Congresso Internacional da Faculdades EST. São Leopoldo: EST, v. 1, 2012,
p.157-179.
BRASIL. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em:
11 de fevereiro de 2017.
COELHO, Marcelo A. Madonnaro: gênero, técnica e linguagem pictórica. 2015.
Monografia (Graduação em Licenciatura em Belas Artes) – Instituto de Ciências
Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica (RJ).
CPEABRASIL. Peixe vermelho ou Olho de Cão. 19 de abril de 2014. Disponível em:
<http://www.cpeabrasil.com.br/ospeixes/index.php?controller=post&action=view&i
d_post=22>. Acesso em: 18 de outubro de 2017.
FARIA, Ernesto et al. (Org.).Dicionário Escolar Latino-Português. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Ministério da Educação e Cultura – Departamento Nacional de Educação,
1962.

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344

HORTA, Maria de Lourdes P. et. al.. Guia básico de educação patrimonial.


Petrópolis: Museu Imperial-DEPROM; Brasília: IPHAN/MinC, 1999. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/uploads/temp/guia_educacao_patrimonial.pdf.pdf>.
Acesso em: 20 de junho de 2017.
IPHAN. Educação Patrimonial – Histórico, conceitos e processos. Ministério de
Estado.

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MINHA ROUPA NOVA: A ESCOLA


Siméia de Nazaré Lopes
Felipe Araújo de Melo
Lucas da Silva Leal

O seguinte trabalho possui como finalidade apresentar algumas ações de


intervenções colocadas em prática pelo projeto de extensão “Processos de Formação
Docente: ações de ensino-aprendizagem em história”, coordenado pela professora
Dra. Siméia de Nazaré Lopes e que conta com bolsa de extensão (PIBEX-UFPA). O
projeto possui como objetivo ministrar aulas de reforço com o auxílio de novos
recursos como artes cênicas, materiais audiovisuais e outras metodologias que
possibilitem o processo de ensino-aprendizagem para os alunos do Ensino
Fundamental da Escola José Maria Morais e Silva –Ananindeua-PA. As ações
visavam perceber as dificuldades dos alunos em determinados conteúdos da
disciplina História e com base nessa avaliação propor metodologias e recursos que
viabilizassem a compreensão das abordagens apresentadas em sala de aula.

- O Corpo, a Cadeira e o Lápis.

A partir das vivências na escola que esse trabalho proporcionou, a reflexão sobre o
corpo do aluno se fez necessária na medida em que este é atravessado pelas linhas
de controle estabelecedoras de um ideal de corpo para se aprender. Os conteúdos se
movimentam do professor para o aluno que por sua vez constrói conexões com a
caneta, o lápis, a cadeira, o livro e o caderno. Conexões medidoras da atenção nas
aulas e seu nível em ser um “aluno ideal”.

Segundo Foucault, a disciplina molda os corpos, são igualados, mesmo andar e


ritmo para todos os indivíduos. O ambiente escolar assim expele seus controles que
influenciam o processo de ensino-aprendizagem. Uma educação bancária, como
afirma Freire, ainda permeia a escola. Aliada aos controles sobre o corpo, o aluno
assim é visto como um receptor, um pote vazio. Sem cotidiano, cultura ou
conhecimento prévio sobre as coisas ao seu redor ou no mundo. O ensino de história
se torna uma atividade que reforça a memorização mecânica. Com base em Circe
Bittencourt, pensar em metodologias de ensino que permitam quebrar essas relações
se faz necessário. Desta forma foi desenvolvida a atividade de intervenção A História

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346

em Corpos Interpretativos, com o objetivo de tornar a história mais atraente para os


alunos. A atividade consistiu em transformar os assuntos de história ministrados em
peças ou coreografias, nas quais os alunos foram convocados a interpretar os
sujeitos históricos, confrontando desta maneira com os controles corporais
instituídos pela escola.

Foram montadas duas composições que abordaram os conteúdos de Revolução


industriale Grandes Navegações com as turmas do 8° e 7° ano respectivamente. A base
para a criação se deu, principalmente, pela leitura de Isabel Marques e Olga
Reverbel. Foram colhidos questionários dos alunos que participaram como
intérpretes e plateia com o intuito de perceber como os mesmos associavam o
conteúdo das apresentações ao que estava sendo ministrado pelo professor.

A montagem sobre Revolução Industrial, denominada ”Entre Engrenagens”, teve


como material de apoio uma cena do filme Tempos Modernos de Charles Chaplin.
Os movimentos consistiram em repetições com sapatos e cadeiras como objetos
cênicos e o figurino improvisado.

Fonte: Acervo pessoal dos autores.

Aluno A: Nas aulas com o prof. Felipe foi muito legal porque era a coisa diferente
na escola e não tem apresentação de danças e tals sem ser de festas. Na dança do
artesanato fizemos sobre sapato, comparamos as coisas como o sapato é feito, e
outras coisas. Na dança sobre o filme “Tempos Modernos” fizemos baseado no
filme, no mesmo tinha movimentos repetitivos e fizemos o mesmo. Me senti naquele
tempo, não conseguindo para de fazer os movimentos, etc.

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Aluna B: Nós estudamos sobre a revolução industrial, as aulas com o professor


Felipe foram bem legais e diferentes, nós nunca tivemos aulas assim antes, foi
divertido principalmente os ensaios. Ele fez com que nós nos sentirmos com as
pessoas daquela época. A nossa peça foi dividida em 2 partes, a primeira dos
artesãos e a segunda das máquinas. Nós assistimos ao filme “Tempos Modernos”,
baseamos a peça no filme e no assunto do livro.

Na composição sobre Grandes Navegações, se montou um roteiro com personagens e


suas falas, dentre eles os marinheiros, as sereias, o monstro marinho e o indígena.
Uma coreografia também foi montada para as sereias e o enredo da história se
interligava a chegada dos europeus na América.

Fonte: Acervo pessoal dos autores.

Vale ressaltar que nesta turma foi passado um questionário com três perguntas: Que
relação você conseguiu perceber entre o conteúdo de grandes navegações e a peça? O que você
achou interessante? A peça facilitou a sua compreensão sobre o assunto? De 29 alunos
(interpretes e plateia) 21 responderam às perguntas positivamente.

Aluno A: resposta da primeira questão.


Que o imaginário europeu era grande eles imaginavam que avia monstro marinho,
sereias etc mais vamos e mar aberto em buscas de riquezas, pedras preciosas e etc.

Aluno B: resposta da primeira questão.


Que os europeus eles viajavam através de encontrar novas especiarias para as suas
terras, eles enfrentavam os perigos que tinham nos oceanos que eles tinham medo.

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Enfim, o que pode ser concluído das experiências junto aos relatórios, ainda em fase
de estudo, é que as artes cênicas possuem um grande potencial para estimular os
alunos à reflexão prática sobre o processo histórico que discutimos em sala e a
aprender a partir de sua percepção crítica em relação ao que é apresentado em sala
de aula. Não apenas aqueles que se envolvem enquanto intérpretes, mas também
aos que assistem e estabelecem as relações peça-conteúdo. A busca por um ensino
da história que desperte a curiosidade ou interesse do aluno permeia as inovações
metodológicas nas práticas educativas.

- O Audiovisual e o Ensinar.

Ao introduzir as mídias audiovisuais dentro da sala de aula o professor tende a


buscar por uma fuga da formalidade que permeia a disciplina de História, leituras
maçantes de um passado que nada tem a refletir no meu presente é a grande
barreira que esses professores encontram na mentalidade de muitos alunos, cabe a
este educador buscar formas de desmistificar essa ideia e tornar o ensino mais
atrativo. No ensino fundamental a busca por didáticas diferentes que se adaptem a
faixa etária de cada classe pode ser realizada com bastante diversificação, música
fotos e vídeos são fontes de ensino que tendem a reter muito mais a atenção do
aluno em relação ao livro didático, também é virtude das fontes audiovisuais a
possibilidade de uma reflexão que muitas vezes não aparecem no livro didático.
Comumente temos filmes que são verdadeiras releituras da História, seja ele um
filme clássico ou uma animação o professor sempre pode retirar do enredo de um
filme algo que possa interligar com o seu conteúdo programático. Destaco que
documentários ou vídeo aulas voltadas para o público infantil também podem ser
exploradas dentro das salas de aula.

A análise desses recursos se apresenta através da investigação contextual tanto do


filme quanto do conteúdo que o professor estiver ministrando. Segundo Abud
(2003), a linguagem imagética apresenta formas e recursos que possibilitam a
compreensão de outros aspectos presentes nos conteúdos escolares. Outro ponto de
extrema relevância é utilizar filmes ou vídeos que sejam do agrado da classe, a
escolha de um filme que não seja capaz de prender a atenção dos alunos não irá
ajudar nas intenções do professor, isso porque os significantes contidos na produção
cinematográfica devem fazer sentido para os alunos, bem como a “imagem do
mundo” que é trazida para o universo da criança (Abud, 2003: 188). Dentro do
projeto “Processos de Formação Docente: ações de ensino-aprendizagem em

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história” possibilitou ter a vivência de duas turmas diferentes (6° e 7° ano) com
diferentes conteúdos programáticos e faixa etária onde a diversidade nos levou a
utilizar duas mídias diferentes.

Vale ressaltar que nesta turma foi passado um questionário com três perguntas: Que
relação você conseguiu perceber entre o conteúdo de grandes navegações e a peça? O que você
achou interessante? A peça facilitou a sua compreensão sobre o assunto? De 29 alunos
(interpretes e plateia) 21 responderam às perguntas positivamente.

Aluno A: resposta da primeira questão.


Que o imaginário europeu era grande eles imaginavam que avia monstro marinho,
sereias etc mais vamos e mar aberto em buscas de riquezas, pedras preciosas e etc.

Aluno B: resposta da primeira questão.


Que os europeus eles viajavam através de encontrar novas especiarias para as suas
terras, eles enfrentavam os perigos que tinham nos oceanos que eles tinham medo.

Enfim, o que pode ser concluído das experiências junto aos relatórios, ainda em fase
de estudo, é que as artes cênicas possuem um grande potencial para estimular os
alunos à reflexão prática sobre o processo histórico que discutimos em sala e a
aprender a partir de sua percepção crítica em relação ao que é apresentado em sala
de aula. Não apenas aqueles que se envolvem enquanto intérpretes, mas também
aos que assistem e estabelecem as relações peça-conteúdo. A busca por um ensino
da história que desperte a curiosidade ou interesse do aluno permeia as inovações
metodológicas nas práticas educativas.

- O Audiovisual e o Ensinar.

Ao introduzir as mídias audiovisuais dentro da sala de aula o professor tende a


buscar por uma fuga da formalidade que permeia a disciplina de História, leituras
maçantes de um passado que nada tem a refletir no meu presente é a grande
barreira que esses professores encontram na mentalidade de muitos alunos, cabe a
este educador buscar formas de desmistificar essa ideia e tornar o ensino mais
atrativo. No ensino fundamental a busca por didáticas diferentes que se adaptem a
faixa etária de cada classe pode ser realizada com bastante diversificação, música
fotos e vídeos são fontes de ensino que tendem a reter muito mais a atenção do
aluno em relação ao livro didático, também é virtude das fontes audiovisuais a

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possibilidade de uma reflexão que muitas vezes não aparecem no livro didático.
Comumente temos filmes que são verdadeiras releituras da História, seja ele um
filme clássico ou uma animação o professor sempre pode retirar do enredo de um
filme algo que possa interligar com o seu conteúdo programático. Destaco que
documentários ou vídeo aulas voltadas para o público infantil também podem ser
exploradas dentro das salas de aula.

A análise desses recursos se apresenta através da investigação contextual tanto do


filme quanto do conteúdo que o professor estiver ministrando. Segundo Abud
(2003), a linguagem imagética apresenta formas e recursos que possibilitam a
compreensão de outros aspectos presentes nos conteúdos escolares. Outro ponto de
extrema relevância é utilizar filmes ou vídeos que sejam do agrado da classe, a
escolha de um filme que não seja capaz de prender a atenção dos alunos não irá
ajudar nas intenções do professor, isso porque os significantes contidos na produção
cinematográfica devem fazer sentido para os alunos, bem como a “imagem do
mundo” que é trazida para o universo da criança (Abud, 2003: 188). Dentro do
projeto “Processos de Formação Docente: ações de ensino-aprendizagem em
história” possibilitou ter a vivência de duas turmas diferentes (6° e 7° ano) com
diferentes conteúdos programáticos e faixa etária onde a diversidade nos levou a
utilizar duas mídias diferentes.

Na turma de 6° ano onde há um maior déficit de atenção, para ministrarmos o


conteúdo “civilizações antigas” utilizamos uma vídeo aula que tinha como carácter
principal a linguagem de fácil compreensão e animação de bonecos fantoche
(https://youtu.be/0U2hNdUb1ks) aproveitando-se da linguagem interativa do vídeo
em questão foi possível contextualizar sobre os legados das civilizações antigas, o
que delas podemos encontrar hoje e apontar pontos de curiosidades que não
estavam no livro didático e que serviram para voltar a atenção do aluno para o
conteúdo avaliativo.

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Fonte: Acervo pessoal dos autores.

Já na turma do 7°ano que possui faixa etária mais elevada, utilizamos um


documentário que investigava as civilizações pré-colombianas
( https://youtu.be/n5maU8odoII) o vídeo possui caráter mais investigativo e alterna
momentos dublados e legendados. O vídeo mostra, com base em vestígios
arqueológicos, a vivência do povo Maia antes do contato com o europeu o que nos
oferta um grande arcabouço para discutirmos processos de aculturação e formas
civilizatórias, como também desmistificou o papel do indígena submisso muitas das
vezes empregado pelo próprio livro, mas principalmente reforçou o debate sobre
choque cultural e etnocentrismo presentes no conteúdo trabalhado em sala de aula.

Fonte: Acervo pessoal dos autores.


A atividade teve bastante receptividade por parte dos alunos de ambas as turmas,
uma vez que o objetivo de ministrar uma aula diferente das que estavam
acostumados e apresentar o conteúdo de forma alternativa teve bastante êxito, os
alunos puderam fazer questionamentos que não estavam presentes no livro e

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352

também contextualizar com outros vídeos e filmes que já tinham assistido,


enriquecendo assim a aula é o conhecimento de todos (inclusive o nosso).

Considerações sobre essa experiência:

Percebemos nesse exercício de refletir sobre a nossa prática que o programa de


extensão pretende encaminhar as discussões sobre o exercício da prática docente e
os processos de construção de materiais didático-pedagógicos como uma atividade
complexa dentro do contexto educacional. Argumentos que educadores como Isabel
Alarcão (2002) e Kenneth Zeichner (1993) ressaltam como fundamentais para a
formação docente.

A partir da articulação entre a teoria e a prática que se desenvolve por meio de uma
constante reflexão sobre o ambiente escolar e o seu cotidiano pedagógico, também
foi possível diagnosticar alguns problemas vivenciados pela escola e na sala de aula,
percepções que serão tratadas em momento oportuno. Mas reforçamos que essa
experiência está nos possibilitando olhar para o cotidiano escolar também como
objeto de pesquisa. Essa vivência nos oportunizará também construir subsídios para
refletir sobre a nossa formação inicial e refletir sobre a importância de construir
nossos materiais e recursos pedagógicos para fundamentar a nossa prática
profissional.

Referência sobre os autores:

Siméia de Nazaré Lopes, professora efetiva da Faculdade de História da


Universidade Federal do Pará – Campus de Ananindeua. Possui doutorado em
História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013). O projeto de
Monitoria foi contemplado com bolsa de monitoria no edital PROEG no. 04/2018.

Arthur Bezerra Monteiro, aluno da Faculdade de História da Universidade Federal


do Pará – Campus de Ananindeua. Bolsista vinculado ao projeto de monitoria.

João Tavares Noronha Neto, aluno da Faculdade de História da Universidade


Federal do Pará – Campus de Ananindeua. Bolsista vinculado ao projeto de
monitoria.

I SIMPÓSIO ONLINE DE HISTÓRIA DOS ANANINS: ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO


353

Bibliografia

ABUD, Katia Maria. “A construção de uma Didática da História: algumas ideias


sobre a utilização de filmes no ensino”. História, São Paulo, 22 (1), pp. 183-193, 2003.
ALARCÃO, Isabel. “Refletir na Prática”. Artigo disponível na seção Fala, Mestre! da
Revista Nova Escola, edição nº 154 , agosto de 2002. No
sítio:http://novaescola.abril.uol.com.br/.
BITENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortêz,
2004.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de L. M. Ponde
Vassalo. Petrópoles: Vozes, 1987.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 8ª ed.
Rio de Janeiro: paz e Terra, 1998.
MARQUES, Isabel A. Linguagem da Dança: arte e ensino. São Paulo: Digitexto, 2010.
ZEICHNNER, Kenneth M. A formação reflexiva de professores: ideias e práticas. Lisboa:
Educa, 1993.

I SIMPÓSIO ONLINE DE HISTÓRIA DOS ANANINS: ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO


354

PROJETO DE MONITORIA “TEORIA E METODOLOGIA DA


HISTÓRIA”: NOTAS INCIAIS DE UMA EXPERIÊNCIA NO
ENSINO
Siméia de Nazaré Lopes
Arthur Bezerra Monteiro
João Tavares Noronha Neto

Introdução:

O projeto de monitoria voltou-se para o fomento das discussões teórico-


metodológicas no campo da História, e de modo mais preciso através do
acompanhamento da prática pedagógica presente nos planos das disciplinas de
Teoria da História e de Metodologia da Pesquisa em História (na qual a
coordenadora do projeto é concursada). Além da vivência cotidiana durante as
disciplinas, também optamos por sociabilizar os nossos debates através da
realização de minicursos ao longo do segundo semestre de 2018, os quais serão
destinados aos discentes do curso de Licenciatura em História ofertado no Campus
Universitário de Ananindeua da UFPA. Esse artigo apresenta uma breve discussão
sobre os referenciais que utilizamos em nossas orientações, a perspectiva que o
projeto de monitoria visa apresentar aos discentes-monitores e os desdobramentos
que estão previstos para o primeiro semestre de 2019.

Atendendo às discussões atuais sobre a reflexão da prática docente e as tensões


vivenciadas no ambiente escolar, essa proposta visava promover, em diferentes
momentos, debates mais específicos sobre o campo da História em seus
fundamentos teórico e metodológicos, compreendendo a importância dos mesmos
para o amadurecimento das atividades didáticas que os bolsistas de monitoria
realizaram, bem como o estreito diálogo com a prática pedagógica, ponto
privilegiado no processo de formação dos licenciados em História. Cabe ressaltar a
relevância dessa experiência para a professora coordenadora do projeto, tendo em
vista que a dinâmica presente nas reuniões-orientações de monitoria são
diferenciadas quando comparadas aos projetos de pesquisa e de extensão também
desenvolvidos na faculdade.

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355

O PPC da Faculdade de História apresenta a autonomia profissional como um dos


procedimentos a serem alcançados a partir da articulação entre a pesquisa e o
processo de construção do conhecimento histórico. Nesse sentido, fomentar, de
maneira contínua e dialogada, o debate de questões pertinentes aos fundamentos
teórico-metodológicos da História, atentando para a relação intrínseca entre a
pesquisa e o ensino, e valorizando a discussão de bibliografia recente da área são
alguns dos fatores que se buscou alcançar nesse projeto de monitoria.

As atividades propostas e executadas durante a monitoria configuraram a


perspectiva de estimular a formação contínua dos discentes-monitores de História
no que diz respeito às discussões teórico-metodológicas da área, com vistas a
oportunizar aprendizagens concretas sobre a prática docente ainda no processo de
sua formação acadêmica. Assim a “complexidade do ato pedagógico” pode ser
experimentada no ambiente em que o monitor-discente irá atuar depois de formado,
mas também percebê-los como profissionais reflexivos, ou como afirma Zeichner
(1993), estimular o pensar constante sobre a sua prática pedagógica e refletir sobre a
sua própria ação.

Apesar de Bittencourt (1997) ter afirmado que a formação dos docentes, em sua
maioria, inicia e termina na graduação, hoje percebemos que os programas de pós-
graduação profissional vieram para assegurar uma qualificação docente continuada
em que pesa a reflexão sobre o seu espaço de atuação e a sua prática docente. Para
Lüdke (1998), a constante “mudança na própria cultura do trabalho de pesquisa” e a
apresentação de novas abordagens e perspectivas de ensino são alguns dos desafios
que os professores se deparam em seus espaços de atuação, pois a diversidade de
propostas de pesquisa e o espaço escolar onde possam desenvolver suas pesquisas
possibilitam ao professor-pesquisador atentar para as tensões e os problemas
vivenciados no espaço escolar como objeto de pesquisa. Pensado nessa importância
e necessidade de reflexão sobre a prática docente no seu lócus de atuação que o
projeto de monitoria visa focar.

Ao se discutir sobre a importância do professor-pesquisador no espaço de sua


atuação cria-se a possibilidade do diálogo como principal instrumento de
articulação entre o planejamento pensado para a monitoria e a sua interação com a
dimensão política da educação. Para Terezinha Rios (1994), a educação reflete uma
determinada estrutura social, a qual é constituinte da prática dos educadores que
possuem uma função técnica e política (teórica e prática). A função técnica para

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356

garantir a apreensão do saber pelos sujeitos e a política por articular o saber


pedagógico com a totalidade do social. Nesse sentido, a prática educativa, por meio
do projeto de monitoria, visa, tal como na visão de Paulo Freire (1998), formar o
docente e preparar o cidadão para a vida, para emancipação. Nesse sentido, o
planejamento do projeto de monitoria se constitui na leitura e discussão sobre os
referenciais teórico-metodológicos da disciplina de referência com a sua
contextualização aos conteúdos e problematizações da escola como uma instituição
social. Esse projeto não se resume à leitura de teóricos mas à reflexão sobre como se
elabora a transmissão do saber sistematizado, na observação crítica sobre a didática
da história e na apreensão e construção do conhecimento científico que será
aplicado no ambiente escolar.

Com isso, a promoção do diálogo entre as pesquisas em curso, desenvolvidas pelos


discentes, e os textos referenciais no campo da História, podem auxiliá-los também
na fundamentação das atividades de escrita dos Trabalhos de Conclusão do Curso
(TCC). O que incentiva o constante diálogo entre a pesquisa e o ensino de História
ao longo dos debates teóricos a serem desenvolvidos durante a monitoria, mas
também ao longo de sua formação.

O pensar e refletir sobre a monitoria

O início das atividades de monitoria consistiu em repensar o planejamento do


projeto selecionado no edital da PROEG-UFPA que foi elaborado de forma
individualizado, mas que não havia cotado com a colaboração dos monitores. Nesse
sentido, o debate para construir nosso plano de atuação pautou-se no que nós
esperávamos como resultado concreto para essa experiência. Os monitores
passaram a atuar auxiliando a coordenadora do projeto na elaboração do material
didático a ser utilizado em sala de aula, na escolha e sistematização da bibliografia
que será discutida nos encontros com os discentes, e na orientação das atividades de
síntese e análise, as quais deverão ser realizadas ao final do projeto.

Como resultado do projeto de monitoria, esperava-se o aprofundamento das


leituras sobre os procedimentos teórico-metodológicos do campo da História, em
diálogo com as atividades de pesquisa desenvolvidas pelos alunos do curso. Em
nossas reuniões de orientação, a problemática que embasava as inquietações dos
monitores era “como trabalhar essas abordagens na educação básica?”; “que
conteúdos farão parte da nossa seleção didática como professores?”. O enfoco

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357

pensado foi reforçar a ideia de que o domínio sobre os conceitos históricos deve ser
articulado com a fundamentação da disciplina para o ensino, mas buscar questionar
sobre como se apresenta a consciência histórica predominante no ensino
fundamental e médio.

Para a conclusão do projeto, pretende-se ampliar os momentos de debate para além


das disciplinas da cadeira de Teoria e Metodologia da História, mediante a
realização de minicursos, aprofundar a discussão sobre matrizes teóricas e
procedimentos metodológicos da pesquisa na área, e como esses debates marcam
presença nas dinâmicas de ensino-aprendizagem. A escolha dos temas a serem
trabalhados, por sua vez, irá dialogar com interesses de pesquisa já apontados pelos
discentes em atividades que já foram desenvolvidas com eles, como professora da
cadeira. Desse modo, o que se projeta é a qualificação do debate do campo da
pesquisa em História e o embasamento teórico-metodológico das atividades de
pesquisa desenvolvidas pelos estudantes.

Para além da atuação no auxílio a essas atividades, compreendo que a participação


dos discentes-monitores neste projeto contribuirá para sua própria formação
profissional, seja no que diz respeito aos planejamentos das atividades didáticas que
serão desenvolvidas, seja na discussão prévia da bibliografia voltada para Teoria e
Metodologia da História, de modo que sua inserção no projeto contempla questões
centrais da monitoria como experiência de formação profissional dos estudantes da
UFPA.

Considerações iniciais

Uma formação profissional docente para além do ambiente universitário visa


possibilitar aos discentes-monitores do curso uma experiência ampla sobre os
processos de ensino-aprendizagem, os quais não são possíveis de serem explorados
apenas na sala de aula e nas discussões teóricas durante a sua formação. É
justamente essa formação ampla e qualificada que se espera das atividades que
integraram o projeto de monitoria “Teoria e Metodologia da História”. As propostas
apresentadas nesse projeto se articulam com as demandas e resoluções de ensino
que estão presentes no PPC do Curso de História, o que permitirá aos discentes
realizar a integralização curricular dessas ações aos créditos previstos nas
Atividades Acadêmicas Complementares, bem como adquirir competências
especiais, além das prescritas na matriz curricular. Outrossim, é necessário destacar

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358

a cooperação que se estabelece entre monitores e orientadora, o que permite


repensar sobre o processo de orientação individualizado sobre as práticas docentes e
as inquietações apresentadas pelos monitores diante a sua vivência como discente
em formação.

Referência sobre os autores:

Siméia de Nazaré Lopes, professora efetiva da Faculdade de História da


Universidade Federal do Pará – Campus de Ananindeua. Possui doutorado em
História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013). O projeto de
Monitoria foi contemplado com bolsa de monitoria no edital PROEG no. 04/2018.

Arthur Bezerra Monteiro, aluno da Faculdade de História da Universidade Federal


do Pará – Campus de Ananindeua. Bolsista vinculado ao projeto de monitoria.

João Tavares Noronha Neto, aluno da Faculdade de História da Universidade


Federal do Pará – Campus de Ananindeua. Bolsista vinculado ao projeto de
monitoria.

Bibliografia

BITTENCOURT, Circe. O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1997.
LUDK, Menga. Pesquisa em educação: conceitos, políticas e práticas. In: GERALDI,
Corinta Maria Grisolia; FIORENTINI, Dario e PEREIRA, Elisabeth Monteiro de
Aguiar (orgs). Campinas, SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil –
ALB. 1998. (Coleção Leitura do Brasil). Pp.23-32
RIOS, Terezinha Azeredo. Ética e Competência. São Paulo: Cortez, 1994.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 8ª ed.
Rio de Janeiro: paz e Terra, 1998.
ZEICHNNER, Kenneth M. A formação reflexiva de professores: ideias e práticas. Lisboa:
Educa, 1993.

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359

PARTE 6:
HISTÓRIA E
PATRIMÔNIO

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360

A INDÚSTRIA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL E O


COTIDIANO OPERÁRIO EM PARACAMBI – RJ
Rafaela Alvarez Ferretti Albieri

O desenvolvimento da sociedade e a vida sociocultural, em algumas cidades, muitas


vezes ocorrem em função do desenvolvimento, não somente das relações sociais,
como também das relações de comerciais e de mercado. A relação estreita que existe
entre uma cidade e as organizações industriais que nela se instalam tem grande
ligação com o desenvolvimento social da comunidade que a cerca. Essas
organizações contribuem para o desenvolvimento local, não somente sob o papel do
capital, mas também sob o âmbito do social. Essa centralidade provocada em torno
das organizações industriais, principalmente entre o final do século XIX e início do
XX, no Brasil, tem influencia na formação e desenvolvimento das cidades, sendo
assim, um dos principais fatores de aglutinação social e mesmo de formação cultural
dos centros urbanos em que se estabeleciam (SILVA, 2013).

“A cultura permite ao homem não somente adaptar-se a seu meio, mas também
adaptar este meio ao próprio homem, a suas necessidades e seus projetos” (CUCHE,
2002). Para Cuche (2002), a noção de cultura inerente as relações sociais é necessária
para se pensar a unidade da humanidade na diversidade além dos termos
biológicos, pois é o que fornece uma resposta mais satisfatória a questão da
diferença na história dos povos. Desta forma a vida em sociedade no cotidiano de
grupos humanos é marcada por suas diferenças e traduzida como cultura.

Já as indústrias, elementos estruturantes dos territórios e da sociedade, formam um


complexo sistema de colaborações entre atores e atividades que imprime uma
imagem única das cidades. Essa imagem é proporcionada não somente pela ação
das indústrias, mas também pela dinâmica socioeconômica imposta por ela,
causando grande reflexo na vida cotidiana da comunidade em que está inserida.

Para se desenvolver algumas questões referentes à vida cotidiana do operário da


Fábrica da Companhia Têxtil Brasil Industrial em Paracambi (figura 1), a qual se
manteve em atividade por mais de um século, de 1871 até 1984, se faz necessário
buscar o contexto das atividades e relações de trabalho dentro da fábrica e as
relações sociais na vila operária.

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361

Segundo Heller (2008) essas relações se dão de forma orgânica através da vida
cotidiana, sendo esta a vida do homem como um todo: a organização do trabalho e
da vida privada, lazer, descanso, atividade social, intercambio e purificação. Vida
cotidiana é heterogênea em sua maioria, sobretudo no que se refere ao conteúdo e a
significação.

Figura 1: Complexo Fabril - Companhia Têxtil Brasil Indústria. Fonte: KELLER, 2006

O homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos da sua individualidade


(personalidade), nela colocam-se em “funcionamento” todos os seus sentidos, o que
determina também que nenhuma dela se realiza em toda sua intensidade. Os
choques entre particularidade e genericidade, na vida cotidiana, não costumam se
tornar conscientes, pois acontece mutuamente, sua hierarquia não é eterna e
imutável, mas se modifica de modo específico em função das diferentes estruturas
econômico-sociais (HELLER, 2008).

O complexo da Companhia Têxtil Brasil Industrial de Paracambi e a vida cotidiana


de seus operários foram objetos de estudos acadêmicos de alguns pesquisadores. Os
trabalhos do sociólogo Paulo Fernandes Keller (1997, 2006) é uma das fontes de
maior contribuição para se compreender e fornecer registros de fragmentos da
história da cidade e dos trabalhadores que viviam no complexo fabril da cidade,
analisando a vida cotidiana entre o final do século XIX e a primeira metade do
século XX. O esforço do autor é em mostrar os aspectos mais significativos do
cotidiano operário e suas relações sociais através do uso de elementos culturais,

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362

como as festas religiosas, sobre as memórias da fábrica e da cidade e uma


investigação sobre a suposição da relação paternalista entre os trabalhadores e os
dirigentes do negócio.

Nesse contexto, as cotidianidades nas fábricas com vila operária contem uma ordem
hierárquica especifica e determinada historicamente pelo modo de produção
capitalista, onde a organização do trabalho ocupa uma posição central. Desta forma
a hierarquia da fábrica se sobrepõe e organiza as relações pessoais na vila operária
KELLER (2006). No estudo de Keller (2006) sobre a vida cotidiana do operário têxtil
da fábrica de Paracambi, RJ, a vida cotidiana é abordada através do complexo
fábrica com vila operária tanto nas suas formas específicas, em termos de educação
nas escolas operárias, de consumo nos armazéns e nos armarinhos, quanto
investigando de que forma o operariado se apropriou desses aparatos institucionais
estabelecendo neles relações sociais próprias dotadas de sentido. Assim, o autor
afirma que a cotidianidade está inter-relacionada com a noção de complexo, não
sendo possível falar em complexo fabril sem investigar o cotidiano operário e seus
múltiplos significados.

A fábrica de tecidos de algodão da Companhia Têxtil Brasil Industrial foi


estabelecida em 1870, na Fazenda Ribeirão dos Macacos, hoje município de
Paracambi, junto à estação do mesmo nome da estrada de Ferro D. Pedro II. Seu
surgimento se deu em meio a uma cultura predominantemente agrária, constituindo
um fator importante para a formação de um complexo fabril que pudesse atender as
necessidades básicas dos operários, bem como de organização de um aparato
institucional de amparo para as famílias dos trabalhadores. Desta forma foram
construídas as chamadas vilas operárias e as redes de serviços coletivos, criando
uma forma relativamente autônoma de organização social (KELLER, 2006).

“A vila operária, com suas casas e sua rede de serviços, paradoxalmente


apresentava benefícios sociais para o operário têxtil ao mesmo tempo em que era
constituída de elementos legitimadores da dominação do patronato fabril. Contudo
os operários têxteis se apropriaram destes aparatos institucionais, atribuindo
significado e valor as relações e ao modo de vida que foi construído cotidianamente
no interior das capelas, nas salas de aula das escolas e nas diversas formas de lazer”
(KELLER, 2006).

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363

Keller (1997) relata em seus estudos que a respeito da aquisição de moradias e ao


cotidiano em si, havia um controle rigoroso dos horários e comportamentos, que
não se restringiam aos horários de trabalho, estes estavam presentes também nos
ambientes de convívio social, como o clube, a igreja, o consumo, a assistência social,
a saúde e a educação profissional. Ainda, o autor, que trabalha com a história oral,
relata em suas entrevistas que para as famílias que vinham de fora o acesso ao
emprego na fábrica significava também acesso à rede de serviços coletivos
disponíveis. Estas circunstanciais podem ser observadas no relato abaixo de um ex-
operário e morador da vila operária entrevistado por Keller (1997):

“Já vinha com emprego garantido, com casa pra morar, com colégio, porque a
fábrica tinha médico, tinha ambulatório, tinha leite, tudo dela. Até compramos
muito leite lá. Tinha o clube dançante, tinha o futebol, porque a fábrica também
dava o campo, dava a sede. Pegava um operário para limpar o campo, um zelador
para pintar, para limpar. Todos operários também. Admitia a gente por que... Não
tinha outra coisa aqui... Pagava uma taxa. O Cassino lá tinha dança, teatrinho, tinha
aqueles bailes, domingueiras, essas coisas também feitas por ela. Praticamente a
fábrica era a que fazia a vida de toda a cidade. A limpeza das ruas, eram as carroças,
eram tudo dela. A prefeitura não tinha nada. Nada, nada. Tudo da fábrica. Ela é que
tirava areia, consertava a ponte que a enchente carregava, ela botava outra. Tudo era
a fábrica” (KELLER, 1997).

Desta forma, fica clara a importância de compreender os aspectos dessas relações no


cotidiano destes indivíduos com a dinâmica do processo de produção
socioeconômica das fábricas e vilas operárias. Principalmente em áreas que
nasceram e se desenvolveram por decorrência dessa relação. Compreender a
importância e a representatividade que a instalação da fábrica e suas conseqüências
têm sobre a comunidade operária que ali se constituiu é ponto chave para entender
a relação desse patrimônio cultural e de memória (coletiva e individual).

Nas entrevistas realizadas por Keller (2006) as memórias relatadas pelos


entrevistados, em sua maioria ex-operários, revelam os mais variados tipos de
relação de dominação no cotidiano dos operários, tanto na fábrica como nas redes
de serviços da vila operária. De acordo com o autor, estas dominações estavam
presentes desde os primeiros tempos, quando ainda não havia leis trabalhistas de
regulamentação de contratação de mão de obra e a admissibilidade de mão de obra
de menores de 14 anos, sem contar as extensas jornadas de trabalho, definidas pelos

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364

patrões, na educação profissional e, ainda, nos processos de escolha das famílias que
morariam nas casas da vila operária, indicadas por alguém que já trabalhasse na
fábrica e as quais quanto mais numerosas melhor.

A compreensão histórica da cidade, da fábrica e dos trabalhadores têxteis de


Paracambi passa pelo entendimento das relações de dominação dos trabalhadores
na fábrica e nos locais de moradia e consumo. Essas relações nada mais são do que a
composição da vida cotidiana em si, segundo Heller (2008). Assim, o patrimônio
está presente na vida cotidiana, segundo Gonçalves (2009), suas características
marcaram e marcam a vida em sociedade e a sua importância foi marca distintiva
dessas sociedades. O autor enquadra o patrimônio como categoria de pensamento
extremamente importante para a vida social e mental de qualquer coletividade
humana.

Para Le Goff (1994), a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar


de identidade, seja individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades
fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje. Assim, a memória coletiva
não é somente uma conquista, é também um instrumento e objeto de poder.

A respeito da identidade no contexto do homem moderno, Hall (2004) sugere que as


sociedades são marcadas e caracterizadas por suas diferenças, e essas diferenças
definem sua identidade. Desta forma, não importa quão diferentes os membros de
uma determinada sociedade possam ser em termos de classe, gênero ou raça, uma
cultura nacional busca unificá-los em uma identidade cultural, para representar-los
como todos pertencentes à mesma grande família nacional.

Para compreender essa relação de memória e identidade da comunidade nos


estudos de Keller (2006), sobre a vida cotidiana na vila operária em Paracambi - RJ,
o autor buscou evidenciar as relações do operário e de suas famílias com o patronal
fabril.

“O paternalismo industrial presente nas fábricas com vila operária nessa região teve
por base tanto o oferecimento das casas e sua extensa rede de serviços quanto o
sentimento de pertença a uma “grande família” que as relações paternais vigentes
proporcionavam. Mas é preciso enfatizar, os operários têxteis apropriaram-se dos
aparatos institucionais neles colocando seus próprios sentimentos. Se as fábricas
com vila operária eram propriedade dos industriais têxteis, as vilas eram lar dos

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operários. Diferente da grande família paternal, o sentido de lar dos operários


implica um espaço onde o operariado e suas famílias constituíam, cotidianamente,
relações de amizade e ajuda mutua que não se confundiam com o paternalismo
fabril” (KELLER, 2006).

Keller (2006) ainda exemplifica esta relação quando aponta sobre a pratica religiosa,
a qual no complexo fabril em questão a mais importante era a capela
católica, Capela São José Operário da Cascata, dedicada a Nossa Senhora da
Conceição construída em homenagem à padroeira da fabrica e dos seus operários.
Neste contexto os operários se apropriaram do catolicismo participando ativamente
da construção da capela e instituíram de forma autônoma seu padroeiro, São Jorge.

Pode-se afirmar então que a relação das práticas religiosas do operário têxtil e do
patrono fabril assume um aspecto ambíguo e contraditório, na medida em que tanto
legitima a ordem estabelecida quanto são apropriadas pelos operários tornando-se
uma expressão de seus sentimentos e de sua cultural (KELLER, 2006). Já em um
aspecto da coletividade, Heller (1994) propõe que na medida em que a
individualidade “constrói” o grupo a que pertenço, “meus” grupos convertem-se
paulatinamente em comunidades, ou seja, a partir do momento que propostas
individuais, como são citadas a cima a questão religiosa, se unem e formam
costumes e identificações, ou seja, uma analogia de interesses e objetivos, entre os
indivíduos, esses podem ser considerados como sendo uma mesma comunidade.

Ainda sobre identidade coletiva e sua preservação, Cuche (2002) afirma que a defesa
da autonomia cultural é muito ligada à preservação da identidade coletiva. O autor
destaca a importância de se diferenciar cultura de identidade, onde a identidade é
uma construção social e a cultura depende de processos inconscientes, onde o
homem se adapta em meio ao próprio homem.

Essa preservação da identidade coletiva, muito defendida por Cuche (2002), no


aspecto da importância das relações sociais e da individualidade e
representatividade de grupos sociais, quando trazida para a realidade do complexo
fabril de Paracambi está na necessidade e importância de se preservar a memória já
que essa herança cultural contribui para a formação da identidade dessa sociedade,
como também na formação de grupos e no resgate da memória, desencadeando
uma ligação entre o indivíduo e suas raízes culturais. Em vista disso, sua
preservação se torna peça fundamental no que diz respeito ao desenvolvimento

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cultural de uma sociedade, uma vez que reflete a sua formação sociocultural. O
patrimônio cultural preservado tem o poder de estimular a sociedade a conhecer a
sua história e a dos outros.

O patrimônio industrial, ou patrimônio industrializado, pode ser entendido como a


expansão do campo cronológico da herança histórica e, portanto, com a ampliação
daquilo que é considerado bem cultural (STUERMER, 2010).

“A revolução industrial, como ruptura em relação aos modelos tradicionais de


produção, abria um fosso intransponível entre dois períodos da criação humana. Ele
marca a fronteira que limita a jusante, o campo temporal do conceito de monumento
histórico – este pode, ao contrário, estender-se indefinidamente a montante, à
medida que avançam os conhecimentos históricos e arqueológicos” (CHOAY, 2017).

Para compreender melhor o lugar do patrimônio legado pela indústria na cidade


atual é necessário recuarmos até o momento em que esses espaços perderam a sua
importância na dinâmica urbana em função das transformações dos meios de
produção e de distribuição de mercadorias, que conduziram o deslocamento das
funções produtivas para outras áreas, muitas vezes fora da malha urbana,
promovendo o abandono de grandes áreas do tecido urbano. Ao mesmo tempo,
segundo Dezen-Kempter (2011), esse esvaziamento funcional gerou áreas
disponíveis, cheias de expectativas e de forte memória urbana. Este processo de
“desindustrialização” passou a protagonizar disputas e debates a respeito de novos
significados.

“Com o declínio das antigas áreas industriais ocorrem grandes mudanças físico-
territoriais nas cidades que se desenvolveram sob forte influência da
industrialização. Estas áreas costumam estar bem localizadas dentro da malha
urbana, são dotadas de infraestrutura e são consideradas, pela comunidade em que
estão inseridos, registros históricos, entretanto ficam as margens das mudanças de
uso e ocupação da cidade, e muitas vezes, se deparam com processos de degradação
e subutilização” (DEZEN-KEPTER, 2011).

Segundo Silva, 2013, as origens do conceito de patrimônio industrial começaram na


década de 1950, quando o termo arqueologia industrial foi popularizado, o que fez
dela uma nova disciplina para pesquisadores e educadores em relação aos restos

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remanescentes do passado das atividades industriais, memórias das pessoas, das


técnicas e da tecnologia.

Para Dezen-Kempter (2011) o lugar industrial nos dias de hoje remete, ou contém
elementos que remetem, a algo externo a ele: valores, idéias e imaginários. Neste
contexto, a imagem urbana, construída na fase de crescimento das cidades em razão
da industrialização, no final do século XVIII e início do XIX, ainda permanecem em
sua estrutura, na forma das ruas, nas instituições e no próprio conceito de cidade: a
cidade moderna.

Os trabalhos de Keller (1997) e Santos (2017) são referências para o entendimento


desta importância e grandiosidade da fábrica Têxtil Brasil Industrial de Paracambi
na época em que a fábrica funcionava e até os dias de hoje. Eles constatam a
importância e grandiosidade da indústria em relação ao desenvolvimento da cidade
e na vida dos cidadãos de Paracambi. Nas pesquisas realizadas, através de
entrevistas dos moradores, sendo ex-operários ou não, constata-se que a história e
vida do lugar estão em torno das instalações. A fábrica, a capela Nossa Senhora da
Conceição e o Cassino Clube, permanecem presentes no cotidiano e na memória dos
moradores de Paracambi (SANTOS, 2017).

O objeto de proteção está materializado na coisa, mas não é a coisa em si: é o seu
significado simbólico, traduzido pelo valor cultural que ela representa, ou seja, seu
valor cultural para determinado grupo. De esta forma compreender o patrimônio
cultural é abranger o bem (objeto) como parte de um conjunto maior de bens e
valores que envolvem processos múltiplos e diferenciados de apropriação, recriação
e representação constituídos e reconhecidos culturalmente, historicamente e
cotidianamente, portanto anterior a própria concepção e produção daquele bem.
Assim o conceito de bem histórico se traduz na noção de valor cultural (CASTRO,
2009).

O olhar sobre o patrimônio industrial vem sendo incorporado as praticas


patrimoniais juntamente com os temas tradicionais predominantes no acervo de
bens tombados, através de uma leitura acerca da identificação, documentação,
promoção e proteção do patrimônio cultural de forma mais ampla e plural. Desta
forma, as fábricas, como seus modos singulares de ocupação de território, seu saber
fazer e as formas impostas de viver, saem da vacuidade do sentido histórico e
conquistam seu lugar na memória (DEZEN-KEPTER, 2011). Portanto, a idéia de

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368

monumentalidade não mais está ligada, necessariamente, na grandeza física da


obra, mas sim em sua expressão como processo e resultado da formação do saber
cultural de um povo (CASTRO, 2009).

Concluindo, a preservação de bens culturais relacionados à indústria está inserida


nas práticas culturais, sentidos e valores, os quais estão em constante processo de
ressignificação e muitas vezes extrapolam a dimensão da valorização tradicional da
monumentalidade. A preservação, muitas vezes através da reconversão, do
patrimônio histórico com atitudes responsáveis, não apenas do ponto de vista
cultural, mas também socioeconômico, respeitando o meio ambiente sem danificar
os verdadeiros valores patrimoniais (é prioritária). Além de conservar e modernizar,
é preciso trabalhar o bem tombado com mais eficiência e eficácia, tanto em relação à
sua riqueza patrimonial, quanto à sua sustentabilidade.

REFERÊNCIAS

Autor: Rafaela Alvarez Ferretti Albieri, graduada em Arquitetura e Urbanismo pela


UNESP e mestranda no Programa de Pós Graduação em Patrimônio, Cultura e
Sociedade da UFRRJ do Instituto Multidisciplinar em Nova Iguaçu- Rio de Janeiro.
rafa.a.ferretti@gmail.com

CHOAY, Françoise. Alegoria do Patrimônio. 6. Edi. São Paulo: Estação Liberdade: Ed.
UNESP, 2017.
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. 2ª Ed. Bauru: EDUSC, 2002.
DEZEN-KEMPTER, Eloisa. O lugar da indústria no patrimônio cultural. Revista Labor
& Engenho. V.5, n.1, 2011.
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. O patrimônio como categoria de pensamento. In:
ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (Orgs). Memória e patrimônio: ensaios
contemporâneos. Rio de Janeiro: DP& A, 2003. P. 21-29.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós modernidade. 10 edição. DP&A Editora.
2004.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra, 2008.

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369

KELLER, Paulo Fernandes. Cotidiano operário & complexo fabril: fabrica com vila
operária em Paracambi – RJ. Revista eletrônica enfoques. Rio de Janeiro, 2006.
__________. Fábrica e vila operária: a vida cotidiana dos operários têxteis em
Paracambi/RJ.Engenheiro Paulo de Frontein: Solon Ribeiro, 1997.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. 3. Ed. Campinas: Editora UNICAMP, 1994.
SILVA, Ronaldo A. Rodrigues. Perspectivas para Reutilização, Reconversão e
Recuperação de Patrimônio Industrial no Brasil. 4 Encontro Internacional
Arquimemória. Salvador, 2013.
SANTOS, Joanilda Maria dos. Paracambi: estudo de caso do processo de reconversão de
uma fábrica de tecidos em “fábrica do conhecimento”. Rio de Janeiro, 2017.

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370

PATRIMÔNIO HISTÓRICO: CONSERVAÇÃO E


PRESERVAÇÃO - UMA QUESTÃO DE CIDADANIA
José Humberto Rodrigues
Reinaldo Pereira da Silva
Rosângela Pereira Silva

Este artigo pretende apontar as bases de conservação e preservação do patrimônio


histórico, cultural e artístico, dando ênfase ao que denominamos como cidades
históricas. Ainda estaremos mencionando o papel da escola na educação dos alunos,
pois é de grande relevância que ela esteja ciente que possibilita a construção da
cidadania.

Para interpretarmos o Patrimônio Cultural torna-se necessário compreendermos o


seu significado enquanto o sentido dos seus termos e a sua importância para a
sociedade. O patrimônio pode ser identificado como aquilo que foi herdado,
herança material, lugares, objetos que perpassaram por várias gerações até chegar à
contemporaneidade, por um determinado grupo de pessoas ou então por uma
comunidade específica. Esse patrimônio pode ser tanto material quanto imaterial. O
imaterial é distinguido pelo que não pode ser tocado, mas é algo que influência
individualmente no cidadão e também na coletivamente. Ou seja, são os costumes,
ideias, modo de agir, de falar, de vestir, de criar, de fazer, de viver; são saberes,
celebrações, forma de expressão. Enfim, é tudo aquilo que representa a cultura e
identidade de um determinado local, cultura essa que pode ser específica e ao
mesmo tempo sofrer influências de outras tantas.

Partindo desses conceitos, o enfoque principal dos tempos atuais é mostrar para a
sociedade a importância da preservação do Patrimônio Cultural, tendo como
suporte primordial os processos educativos, pois por meio de integração de todos
que pertencem a um meio, crianças, jovens, adultos e entidades públicas é possível
reflexões e deliberações para a conservação, preservação e restauro de bens culturais
de toda a sociedade.

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371

Por meio da Educação, a preservação do Patrimônio Cultural dará sempre valor a


memória individual e coletiva, promovendo à partir do meio e sobre o meio e para o
meio, a valorização da herança cultural de um povo.

Para que esse procedimento aconteça, há critérios a serem seguidos, entre eles fazer
o levantamento da história da comunidade, depois os critérios de tombamento
conforme os órgãos competentes, e posteriormente fazer a comunicação desses
projetos educativos de interpretação e preservação, para que haja intervenções
pessoais e coletivas nas mudanças de atitudes de todos que pertencem à um
determinado local, sendo ele urbano ou rural.

No levantamento histórico é valorizado de início a fonte primária, que pode ser


tanto documentos escritos, edificações; como depoimentos orais, pois são à partir
desses instrumentos que surge a necessidade de criação da preservação cultural,
tanto entre crianças e adultos, iniciando esse processo principalmente na Escola.
Essa atitude poderá criar um bem-estar material e espiritual, pois a razões históricas
de existência de um povo é um bem cultural, valorizando a personalidade da
comunidade e divulgando-a para que ela nunca caia no esquecimento social.

Assim, a conservação e a restauração de um bem cultural visam salvaguardar o que


consideramos bens culturais, que são produtos de nossa cultura - do pensamento, do
sentimento e da ação do homem. Esses bens formam o patrimônio histórico e
artístico, ou seja, nosso Patrimônio Cultural é o conjunto de bens culturais de valor
reconhecido para um determinado grupo ou para toda a humanidade. É dividido,
inicialmente, em duas categorias: os bens intangíveis e os bens tangíveis. A
Conservação e a Restauração atuam sobre o segundo grupo, que é ainda
subdividido em bens imóveis e móveis.

Os bens intangíveis podem ser classificados em: ideias, costumes, tradição oral,
danças folclóricas dentre outros e os bens tangíveis podem ser classificados em bens
imóveis (monumentos, edifícios, templos, sítios arqueológicos, etc.). Os bens móveis
são: (objetos de arte, livros, documentos, objetos litúrgicos, fósseis dentre outros.

A preservação do Patrimônio Cultural tem importância fundamental para o


desenvolvimento e enriquecimento cultural de um povo. Os bens culturais guardam
informações, significados, mensagens, registros da história humana - refletem
ideias, crenças, costumes, gosto estético, conhecimento tecnológico, condições
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372

sociais, econômicas e políticas de um grupo em determinada época. Ao contrário da


visão que alguns têm do Patrimônio, referindo-se à objetos de museus como coisas
velhas e estagnadas, o contato com o Patrimônio Cultural deve ser dinâmico e
transformador, pois esses registros culturais nos propiciam um momento de
reflexão e crítica que ajuda a nos localizar no grupo cultural a que pertencemos e a
conhecer outras expressões culturais, cujas semelhanças complementam e cujos
contrastes dão forma à nossa cultura. Assim, o Patrimônio Cultural não é algo
estático, mas justamente o que nos impulsiona à transformação, à criatividade e ao
enriquecimento cultural, por isso a importância de sua preservação.

É comum utilizarmos o termo restauração de forma genérica, englobando uma série


de procedimentos no cuidado dos bens culturais. Porém há definições que
especificam mais detalhadamente as diferentes formas de atuação.

Ampliando a área de atuação, consideraríamos que atuam na preservação, por


exemplo, os que trabalham pela criação de leis de proteção do patrimônio. Entre a
preservação e a conservação, podemos citar ainda a Conservação Preventiva - termo
que classifica uma intervenção indireta: a atuação é no meio ambiente, prevenindo
as deteriorações através da adaptação das condições externas - temperatura,
umidade, iluminação, qualidade do ar, dentre outros - de forma a favorecer aos
materiais constitutivos da obra.

A conservação incluirá, além dos cuidados com o ambiente, o tratamento dos


elementos físicos (da matéria) da obra, visando deter ou adiar os processos de
deterioração. A restauração, além de incluir os procedimentos de conservação - uma
vez que esses dois aspectos estão interligados, atua especificamente nos valores
históricos e estéticos da obra de arte, restituindo esses valores tanto quanto possível.
Considerando serem exatamente esses valores, históricos e estéticos, o que confere à
obra a qualidade de obra de arte, e sendo cada obra um exemplar único, a prática da
restauração exige uma formação bastante específica e criteriosa.

No passado, a restauração era realizada, em geral, por artistas ou por pessoas com
"habilidade manual", essa prática gerou danos, por vezes, irreparáveis! O respeito
pela autenticidade da obra e a noção de ser a restauração um momento
de interpretação crítica é um conceito moderno.

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373

Cesare Brandi (2013), grande teórico da restauração, chama a atenção para as duas
polaridades a serem consideradas na obra de arte: a estética e a histórica. Como
princípio, estabelece que:

“A restauração deve dirigir-se ao restabelecimento da unidade potencial da obra de


arte, sempre que isto seja possível, sem cometer uma falsificação artística ou uma
falsificação histórica, e sem apagar as marcas do transcurso da obra de arte através
do tempo.” (BRANDI, 2013, p. 69)

Se antes a Restauração foi praticada de forma empírica, hoje é cercada de um


aparato técnico-científico que confere uma base segura para as intervenções nas
obras. Hoje, as restaurações buscam intervir menos nas obras e com o cuidado de
utilizar materiais reversíveis.

Essas mudanças são fruto de uma compreensão importante: a noção de nossa


temporalidade. A busca pela mínima intervenção e pela utilização de materiais
reversíveis, bem como a documentação do processo, objetivam viabilizar futuras
intervenções necessárias, quiçá com uma tecnologia melhor e um conhecimento
mais aprofundado.

A conscientização pública para a necessidade da preservação e conservação do


patrimônio é importante para que a sociedade possa entender e compreender os
benefícios de resgate da memória na interpretação do patrimônio histórico e
artístico, contextualizado num tempo e espaço.

O estudo do patrimônio cultural deve-se desenvolver tendo por princípio a


progressão baseada na investigação, atuações e experiências educacionais, tendo por
sustentação a realidade do meio, nos seus diferentes núcleos sócio-culturais. É
importante sensibilizar os alunos para a diversidade de modelos de gestão no
âmbito da cultura, permitir o contato direto com atividades realizadas,
“experiências reais” e, deste modo, desenvolver nos discentes um posicionamento
crítico no que diz respeito a atitudes e práticas relacionadas com a gestão do
patrimônio.

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374

“[...] entender o estudo de patrimônio histórico e ensino como partes de um mesmo


processo na produção de conhecimentos, procurando evidenciar múltiplas
virtualidades e opções contidas no ensino de história, como experiência que abrange
o domínio ampliado sobre um campo erudito e o diálogo com os universos de
vivências sociais dos grupos humanos estudados e daqueles que os estudam.”
(SILVA, 2003, p. 40)

A escola deve privilegiar experiências novas para despertar nos alunos o interesse
pelo conhecimento e preservação dos bens culturais, discutindo e articulando a
noção de patrimônio histórico ao ensino de história.

“Isto significa articular patrimônio histórico e educação em nome de entender e


garantir diversas identidades sociais, com diferentes vozes definindo as
historicidades vivenciadas e estudando os patrimônios ampliados para a condição
de virtualidades e estudando os patrimônios ampliados para a condição de
virtualidades assumidas pelos seres humanos rumo a novas invenções da
realidade.” (SILVA, 2003, p. 54)

As cidades podem ser consideradas como produtos culturais, como documentos da


construção do conhecimento e da cultura humana, nas quais os homens se agrupam,
para transformarem a natureza, melhorando o seu modo de vida. Fazendo assim da
cidade um livro aberto que conta a história dos povos ou pessoas que viviam ou
vivem nas mesmas, produzindo conhecimento da história e da cultura do homem.

“[...] toda e qualquer cidade tem sua história e seus significados representativos do
processo de construção local e, diante disso, seus valores e testemunhos podem e
devem ser preservados. [...] As comunidades podem construir e buscar apoio para
construção de seu auto conhecimento, para conhecimento de sua história, com base
na leitura e no entendimento no espaço urbano”. (MOTTA, 2015, p. 3)

Assim a identificação como reconhecimento das cidades como patrimônio cultural é


fundamental para sua preservação e desenvolvimento sócio-cultural da
comunidade.

É importante destacar a questão do turismo que nos dias atuais vem crescendo
desordenadamente, a falta de estrutura e planejamento faz com que haja maior

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375

intensidade na degradação dos patrimônios, pois, os mesmos acabam sendo


modificados pelos visitantes em regiões diversificadas.

As cidades históricas brasileiras, designação de uma série de núcleos urbanos


brasileiros que em geral datam dos primórdios da colonização portuguesa. Nelas se
conservam não só uma magnífica arquitetura religiosa barroca colonial, como
expressivos expoentes arquitetônicos do poder civil e um casario em geral uniforme,
com belas obras de cantaria, além do arruamento em formato de xadrez (quando o
sítio geográfico o permitia) e o calçamento de ruas com pedras denominadas "pé de
moleque".

A construção das cidades coloniais obedecia a normas rígidas, estabelecidas pelo


governo português, quanto à presença dos grandes marcos estruturantes de poder: a
grande Praça Central onde conviviam a Igreja Matriz símbolo do poder religioso; a
Casa da Cadeia e Câmara símbolo do poder civil, o pelourinho para castigo dos
criminosos e açoite dos escravos, ao mesmo tempo que símbolo de uma cidade,
colocado no centro da Praça da Matriz e o mercado símbolo do comércio colonial. A
preservação dessas cidades dependeu de uma série de fatores, freqüentemente
entrelaçados.

Em primeiro lugar, o esgotamento de suas fontes de riqueza, como no caso das


exauridas minas de ouro das cidades mineiras. O empobrecimento de seus
habitantes manteve a maior parte dessas cidades "congeladas" no tempo, por não
possuírem recursos para uma eventual modernização. Paralelamente, essa situação
fez com que não houvesse ali a especulação imobiliária que caracterizava os centros
em desenvolvimento, acentuando o imobilismo arquitetônico.

Sobrevivendo em condições econômicas semelhantes às da primeira metade do


século XIX, não exigiam obras públicas nem de infra-estrutura que lhes mudassem o
aspecto. Por vezes, a simples abertura de novas estradas ou criação de novos portos
desviava os fluxos comerciais, como aconteceu com Parati e muitas cidades do
nordeste.

Com o crescimento econômico da segunda metade do século XX começou a eliminar


esses bolsões isolados, a presença e ação de órgãos como o IPHAN (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, criado na década de 1930) permitiu
preservar alguns dos elementos mais importantes e significativos, promovendo um
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376

inventário dos grandes conjuntos de imóveis ou prédios isolados com valor


histórico e arquitetônico. O nordeste do Brasil, berço da primitiva colonização, é o
mais rico em número de cidades consideradas históricas.

A maioria das cidades históricas guardam certos aspectos uniformes da cidade


colonial portuguesa: belos exemplares de Igrejas com seus retábulos de madeira,
interiores ricamente esculpidos, santos de madeira de tamanho natural e exteriores
sóbrios e retos, com a simplicidade exterior característica do nosso barroco. Datam
da época de grandeza do açúcar (século XVI-XVII), do algodão e gado (século XVII)
ou foram marcos de ocupação estratégica (contra os indígenas, franceses,
holandeses, ingleses) que, quando não foram revitalizadas no século XIX, sofreram
uma grande decadência, perdendo-se prédios de valor inestimável. Mesmo a cidade
do Rio de Janeiro (fundada em 1565, mas hoje com funções mais diferenciadas e
modernas) conserva um quadrilátero histórico no seu centro, ocupado por ruas
estreitas mas retas que vão da Praça 15 ao Campo de Santana.

À medida que o litoral foi sendo ocupado e o interior vasculhado por bandeirantes
que fincaram seus currais para criarem gado, surgiram novos arraiais e vilas que
hoje são consideradas históricas. Esse período, no entanto, permitiu que se
conservasse a bela arquitetura colonial.

Portanto é de fundamental as reflexões sobre a conservação e preservação do nosso


patrimônio cultural, pois é grandioso e extremamente rico em sua diversidade,
perpetuando assim a memória, a construção da história e do conhecimento.

Sendo assim a escola é um local de construir, debater, refletir e cultivar o


conhecimento, a identificação e a identificação do patrimônio, para que as gerações
vindouras possam desfrutar do conhecimento histórico-social da sua e de outras
comunidades.

É a partir desse contexto que o poema de Carlos Drummond de Andrade nos revela
e desvela o sentimento de pertencimento, história, patrimônio, bens culturais e
preservação e conservação das memoriais sociais.

O HISTORIADOR
Veio para ressuscitar o tempo

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E escalpelar os mortos,
As condecorações, as liturgias, as espadas,
O espectro das fazendas submergidas,
O muro de pedra entre membros da família,
O ardido queixume das solteironas,
Os negócios de trapaça, as ilusões jamais confirmadas
Nem desfeitas.
Veio para contar
O que não faz jus a ser glorificado
E se deposita, grânulo,
No poço vazio da memória.
É importuno,
Sabe-se importuno e insiste,
Rancoroso, fiel.

Para preservar, conservar e restaurar os bens culturais que são significativos para
toda a sociedade, saber ser importuno e insistir deve fazer parte da trajetória
educativa da sociedade.

Referências

José Humberto Rodrigues - Belo Horizonte - Minas Gerais

Bacharel em Biblioteconomia e Licenciado em História e Geografia. Especialização


em História do Brasil Contemporâneo, História e Cultura Mineira e Metodologia do
Ensino de Geografia e História. Mestre em Educação FaE – UEMG.

Reinaldo Pereira da Silva- Belo Horizonte - Minas Gerais

Mestre em Educação pela FaE- UFMG, Psicólogo formado pela PUC-Minas,


Especialista em Violência Doméstica contra a Criança e ao Adolescente pela USP.
Especialista em Segurança Pública e Complexidades pela Escola Superior Dom
Helder Câmara.

Rosângela Pereira Silva - Belo Horizonte - Minas Gerais

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Graduada em Pedagogia pela FaE – UEMG. Participou do Programa Institucional


de iniciação à docência, bem como o aperfeiçoamento e a valorização da formação
de professores, subprojeto Interdisciplinar Cultura Afro-Brasileira e Educação em
escolas públicas de Belo Horizonte.

ANDRADE, Carlos Drummond. Nova Reunião 19 livros de poesia. 3 ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1987.

BRANDI, Cesare. Teoria del restauro, Roma: Einaudi, 2013

MOTTA, Lia. As cidades: sua valorização e proteção como documento.

SILVA, Marcos A. História: o prazer ensino e pesquisa. São Paulo: Brasiliense, 2003.

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379

PRAÇA MATRIZ DE ANANINDEUA: UM PATRIMÔNIO


HISTÓRICO CULTURAL OU UMA PROPRIEDADE DA
IGREJA CATÓLICA?
Andreia Brito Lucas*
João Carlos Lopes Cardoso*
Zilda do Socorro de Souza Pereira*

Iniciaremos este artigo fazendo um breve histórico sobre a cidade de Ananindeua,


onde se constata que as terras onde está situado hoje o município de Ananindeua
são provenientes do antigo território da circunscrição belenense, ficando vizinha da
capital do estado.

A localização de Ananindeua é uma das mais convenientes e importantes, pois,


além da vantajosa proximidade de Belém, a atração de argumentos populacionais,
bem como as acessíveis possibilidades de trabalho e a ocorrência de vias fáceis de
transportes são fatores relevantes para a posição que ocupa.

De acordo com levantamento historiográfico temos por definição que Ananindeua é


topônimo de origem tupi, que significa “lugar de Ananim”, abundância de Ananim
ou anini, que é uma gutiferácea que tem sapupemas em forma de joelho e flores
escarlates muito abundantes. Produz uma resina chamada “Cerol”. Onde o nome de
Ananindeua originou-se da grande quantidade de árvores chamadas anani, que
existiam ali em tempos remotos, especialmente a margem do igarapé que recebeu o
nome de Ananindeua, denominação esta que com agrado geral dos filhos da terra
permanece até hoje.

Relativamente às suas origens históricas e à sua evolução, Ananindeua, remonta a


meados do século XIX, quando surgiu ali uma parada da extinta Estrada de Ferro de
Bragança com o citado nome e teve continuidade, depois de constituída em
freguesia e mais tarde em distrito de Belém.

Ananindeua chegou ao século XXI com mais de três séculos de histórias, com
personagens importantes, alguns até anônimos, mas que deram brilho aos fatos que
marcaram época e que ajudam a contar a história e origem de Ananindeua, que ao

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longo dos anos consegui se desenvolver com dignidade, provando que uma cidade
se constrói com a história de seu povo.

Após essa introdução iremos explanar sobre a Igreja Matriz de Ananindeua, pois de
acordo com fontes historiográficas foi no ano de 1920, que começou a ser construído
o primeiro núcleo religioso urbano do município, a época chamada de Capela de
Nossa Senhora das Graças. Observamos também, que já em 1935, inicia a construção
da atual igreja Matriz Nossa Senhora das Graças, com sua estrutura imponente que
se implantava onde hoje temos a Praça Matriz de Ananindeua, neste momento já se
consegue notadamente observar a presença marcante da religiosidade no município.
Em decorrências desses fatos e com um rápido crescimento populacional no
munícipio começaram a ter algumas modificações em torno da igreja católica
implantada naquele local.

Foto: Igreja Matriz de Ananindeua (Biblioteca do IBGE)


(http://adrielsonfurtado.blogspot.com/2010/03/ananindeua-lugar-de-ananin.html)

De acordo com nossa pesquisa de campo, constatamos que ao lado da igreja matriz
foram construídas, na década de 80, duas escolas: EEEF Armando Fajardo e EEEFM
Walter Bezerra Falcão, tendo suas entradas principais com acessos diretos à Praça
Matriz de Ananindeua, até então chamada de Praça Raimundo Vera Cruz, um local
bastante arborizados e com muitos bancos para sentarem e prosear os alunos na
saída das escolas, também houve na praça naqueles tempos áureos uma belíssima
quadra esportiva na qual eram realizadas as atividades de Educação Física das duas
escolas e também serviam de lazer à população.

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381

Foto: Praça Matriz 1980, por Claudio Freitas - Ananindeua – Pa

Os relatos colhidos nos mostraram que o tempo foi passando, os governantes


municipais renovando-se e cada vez modificando esse que é um patrimônio público
de Ananindeua, a Praça Matriz. Houve quem transformasse a praça numa
verdadeira apoteose com um grande monumento que era marcante a quem passava
na BR-316 e vislumbra-se com um monumento apoteótico e uma concha acústica
belíssima.

Foto: Antigo monumento da Praça Matriz.


(http://adrielsonfurtado.blogspot.com/2010/03/ananindeua-lugar-de-ananin.html)

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Percebe-se que toda a praça com seus monumentos e suas modificações ocorridas ao
longo do tempo e que ficava ao entorno da igreja serviam como uma grande área de
lazer à população. Segundo dados históricos o monumento acima era um dos
símbolos representativos de Ananindeua e que foi demolido no final da década de
1990 para reestruturação da praça, na visão de um novo governante municipal.

Segundo Guimarães ( 2001)

“É como parte dessas demandas que devemos encarar o interesse contemporâneo


em torno do patrimônio e das tarefas de patrimonialização do passado. Com isso,
queremos deixar claro que o estudo do patrimônio só pode ser compreendido a
partir da vinculação com as problemáticas atuais que definem interesses específicos
com relação ao passado”.

Ao desenvolvermos um trabalho de campo da disciplina História e Educação


Patrimonial do curso de História da UFPA, campus Ananindeua, foi possível
resgatar muitas informações sobre a praça matriz por meio de relatos pessoais de
quem frequenta, trabalha ou residem no entorno da praça matriz. Segundo fontes
históricas a praça matriz de Ananindeua foi fundada na década de 50, passou por
várias reformas e até ser novamente reinaugurada em 2014.

Também para corrobora com esses estudos a colocação de Guimarães (2001) nos
remete a constatação que

“Portanto, refletir sobre patrimônio pode e deve ser uma das preocupações do
campo historiográfico, submetendo-o a uma investigação que sublinhe a dimensão
histórica de sua invenção. Como toda escrita histórica, a reflexão em torno do
patrimônio deve considerar as situações históricas de sua emergência – dos
discursos e narrativas acerca do patrimônio – como forma de compreender a
patrimonialização do passado.”

Foi muito proveitoso gravarmos esses relatos que serviram de base para este artigo,
uma vez que colhidas os relatos, conseguimos elaborar um painel com imagens que
retratam o antes e o agora da praça matriz. Também foi possível resgatar ou saber
que houve um plesbicito para saber quem tomaria conta da praça matriz, o poder
público ou a igreja católica? E que neste plesbicito foi decidido que a igreja católica
assumiria a praça matriz, porém acreditamos que houve um grande

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empoderamento do que consideramos um patrimônio histórico cultural por parte


da igreja.

A Praça Matriz de Ananindeua sempre foi palco de devoção religiosa, onde diversas
comunidades do município de Ananindeua realizam suas procissões religiosas neste
local. Deveria ser um espaço público para ser utilizado por todos os cidadãos,
porém em virtude de questões políticas, a Praça Matriz que é um patrimônio
público foi cedida para que a Igreja Católica administre a praça, que hoje se torna
um patrimônio privado, uma vez que foi toda cercada e tem horário para abrir e
fechar tudo sob o comando da igreja católica que existe na praça matriz.

Notadamente, observa-se que em nossos dias atuais constatamos que a praça está
cercada por grades fazendo o isolamento da igreja, tendo hora para abrir e hora para
fechar, não sendo permitido ficar livre para a população uma praça pública a noite
toda, percebe-se nisso que há uma intransigência de determinado setor da
sociedade.

Para concluir nossa pesquisa de campo concatenamos o que Guimarães (2001)


ressalta

“Assim, esses objetos que acreditamos pertencer ao patrimônio de uma coletividade,


e hoje, até mesmo da humanidade, estabelecem nexos de pertenciamento,
metaforizam relações imaginadas, que parecem adquirir materialidade a partir da
presença desse conjunto de monumentos. O termo patrimônio supõe, portanto, uma
relação com o tempo e com o seu transcurso. Em outras palavras, refletir sobre o
patrimônio significa, igualmente, pensar nas formas sociais de culturalização do
tempo, próprias a toda e qualquer sociedade humana.”

Dessa maneira, que o historiador precisa narrar e apresentar os fatos históricos para
que se tornem significativos a toda uma coletividade humana que sempre
apreciaram e desfrutaram deste patrimônio cultural, pois ainda assim percebe-se
que há uma grande incógnita sobre nossos estudos a serem mais aprofundados, com
isso deixamos aqui o seguinte questionamento: A Praça Matriz de Ananindeua é um
Patrimônio Histórico Cultural ou uma Propriedade da Igreja Católica? Com a
palavra nossos historiadores ou quem possa interessar os estudos sobre patrimônio
histórico e cultural de nossa cidade.

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Referência Bibliográfica

*Discentes do Curso de História – UFPA/Ananindeua


GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. História, memória e patrimônio. Revista do
Patrimônio Histórico Nacional. Rio de janeiro, IPHAN, n. 34, p. 91-130, 2011.

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PARTE 7:
HISTÓRIA E
NOVAS
TECNOLOGIAS

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386

UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE AS NOVAS


TECNOLOGIAS DIGITAIS E O ENSINO DE HISTÓRIA: A
CONECTIVIDADE ENTRE A INTERNET E O ESPAÇO
ESCOLAR
Athos Matheus da Silva Guimarães

A sociedade humana está em intenso movimento e em constante comunicação.


Utilizando dos mais diversos meios para estar se relacionando com os mais variados
grupos sociais. Para isso, desenvolve inúmeros tipos de linguagens para atingir seus
objetivos, desde a linguagem oral até a linguagem digital. Comunicar é necessário
para a construção da sociedade em diversos âmbitos, sejam eles políticos, sociais ou
culturais. As particularidades dos grupos são influenciadas por esses diálogos, pois
possibilita a troca de ideias e opiniões, desenvolvendo embates e, assim, moldando
as características de cada comunidade.

Essa mesma perspectiva ainda é presente em vários grupos sociais, a humanidade


vai transformando a sua forma de interagir a partir de suas necessidades. O
horizonte de expectativa é ampliado com o desenvolvimento que a população
proporciona, sendo incluído as relações sociais nesse processo. A comunicação
é uma peça-chave para perceber todas essas transformações, sensível as mudanças,
ela demonstra as alterações que estão ocorrendo e se instalando na sociedade.

Uma das formas de perceber as alterações é o meio digital, ou melhor, a “linguagem


digital”. Essa nova tecnologia proporciona uma dimensão de relacionamento social
diferente de outros tipos de interação, a velocidade e a extensão desta linguagem
possibilitam a interação com os mais diversos grupos sociais no mundo. Para Vania
Kenski: “A tecnologia digital rompe com as formas narrativas circulares e repetidas
da oralidade e com o encaminhamento continuo, fragmentado e, ao mesmo tempo,
dinâmico, aberto e veloz” (KENSKI, 2012, p.32). Desta maneira, a linguagem
dimensiona e proporciona relacionamentos com outros grupos e com novas
estruturas na forma de se comunicar.

As novas tecnologias possibilitam o desenvolvimento de outras áreas já tradicionais,


como por exemplo, a educação. A interação entre esses campos, educação e novas

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387

tecnologias, desenvolve novas experiências de aprendizagem, no qual transforma


aquele espaço em um local atrativo para os discentes. São novos estilos pedagógicos
que “emergem” e estão sendo introduzidas no processo de aprendizagem.

É vivenciado um período de constante e acelerado desenvolvimento das tecnologias


digitais, muito ainda está sendo produzido em torno destas ferramentas e da
aplicabilidade em alguns setores. Contudo, essas novas tecnologias provocaram
demarcações de gerações, as que nasceram em um momento que ainda não existia
essemeio digital, ou em seu formato inicial, e a geração que nasceu já com toda essa
novidade tecnológica. Apesar de estarem ambos vivenciando
tudo isso ao mesmotempo, porém possuem experiências totalmente diferentes.

Para a geração que nasceu e cresceu sem tantos desenvolvimentos desta tecnologia,
essas sentem as dificuldades na adequação a esses processos que muda
continuamente, precisando se adaptar a tudo isso pelo movimento que está sendo
produzido e, muitas vezes, sendo forçados a se adequar o mais rápido possível a
esse meio. Segundo Kenski:

“É preciso buscar informações, realizar curso, pedir ajuda


aos mais experientes, enfim,utilizar os mais diferentes meios para aprender a se
relacionar com a inovação e ir além, começar a criar novas formas de uso e, daí gerar
outras utilizações. (KENSKI, 2012,p.44).”

Desta maneira, é preciso se readaptar a todo este processo no qual se move


de formaacelerada. Enquanto para geração que nasceu e cresceu neste meio digital
as novas tecnologias são familiares e “crescem juntas”, ocorrendo da aprendizagem
e o domínio mais rápido das novas tecnologias. Com o avanço digital é quase certo a
necessidade de relacionar tudo da sociedade com essas novidades, principalmente o
Ensino. Essa área, a educação, convive com a geração atual, intitulada de geração
“y”, porem ainda tendo em suas estruturas voltadas para as metodologias
tradicionais, entrando em conflito com o ritmo aplicado pelo meio. “A presença de
uma determinada tecnologia pode induzir profundas mudanças na maneira de
organizar o ensino” (KENSKI, 2012, p.44), a escola está envolvida totalmente com a
sociedade e é necessário a introdução dessas novas tecnologias para o
desenvolvimento do ensino mais próximo da realidade dos discentes.

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388

É necessário que a escola parta, de forma adequada, para essa nova realidade, pois
os próprios discentes não “dependem” exclusivamente da escola para os informa-
los. A expansão das redes acarreta a expansão de informações e o acesso mais
rápido aos mais diversos conteúdos presentes na internet. Os alunos não chegam, e
nunca chegaram, desinformados na sala de aula, o conteúdo que a escola aplica
pode ser visto de várias formas em questões de segundos. Para a professora Kenski:

“[...] as redes de comunicação trazem novas e diferenciadas possibilidades para que


as pessoas possam se relacionar com conhecimentos e aprenda. [...] uma verdadeira
transformação, que transcende até mesmo os espaços físicos em que ocorre a
educação. (KENSKI, 2012, p.47)”

É necessário direcionar seus métodos junto ao novo momento em que está se


inserindo a sociedade. Com a inserção das novas tecnologias em todos os âmbitos
da sociedade, se faz necessário repensar todas as bases, mas adequando seus pilares
a uma nova realidade. Sendo necessário refletir sobre a prática docente, como
anteriormente comentado, muitas pessoas não nasceram no meio digital, estão se
adaptando a estes meios que estão em constante mutação, pode colocar neste rol os
docentes que não nasceram com as linguagens digitais e nem formados com essa
perspectiva nos níveis superiores.

A introdução das novas tecnologias nas aulas pela escola e os professores


proporciona uma maior interação entre docente e discente, segundo a professora
Adaiane Giovanni:

“Passada a reflexão sobre a entrada das TICs no ambiente escolar e a importância do


repensar a pratica docente ao mesmo tempo em que se objetiva gerar uma maior
interação entre os alunos, professores e gestores, assume importante papel conhecer
a realidade das TICs em nível nacional no que se refere à educação” (GIOVANNI,
2017, p.8).”

As tecnologias se tornam peças-chaves para a construção


de uma educação mais atrativa e dinâmica entre os personagens que participam do
espaço escolar. Para que aconteça essa interação entre os personagens, é
fundamental se inteirar nestas novas tecnologias, porém sabendo utilizar para como
ferramentas pedagógicas, “O que passa cada vez mais necessária é fazer as
estratégias de ensino, não fazendo as tecnologias ocuparem espaço de

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389

disputa, mas de suporte e enriquecimento da e para a pratica docente” (GIOVANNI,


2017, p.12). É transformar essas novas tecnologias postas para sociedade em uma
ferramenta que desenvolva o ensino mais próximo da realidade dos discentes e seja
atrativo para todos e todas que compõe o espaço escolar. “O verdadeiro potencial da
História é a oportunidade que ela oferece de praticar a ‘inclusão histórica...’”
(PINSKY; PINSKY; 2013, P. 28).

O desenvolvimento da internet é um processo acelerado, totalmente dinâmico e


diversificado.

Para Dilton C. S. Maynard:

“[…] A emergência da internet está simultaneamente enraizada em dois mundos.


Num primeiro plano, ela se desenha naquele cenário bipolarizado gerado pela
guerra fria (1945-1991) e, ao mesmo tempo, num acidente descentralizado, cheio de
protestos pacifistas e de contracultura. (MAYNARD, 2011, p.2).”

A internet é produzida para diversos fins e utilizado por inúmeros grupos


das maisformas possíveis. O mundo comporta-se diretamente com o progresso da
internet, apesar de ainda apresentar diversas falhas, porém tudo se direciona
ao laço do mundovirtual. Segundo Maynard: “Deste modo, economias, atividades
culturais, políticas governamentais, empreendimentos comerciais, procedimentos e
políticas de saúde, são pensadas a partir da sua inserção na web.” (MAYNARD,
2011, p.6). A Educação pode ser pensando nesta afirmação de Maynard, o ensino
não pode ficar distante da realidade desenvolvida pela sociedade e é fundamental a
introdução da mesma no espaço escolar.

A narrativa histórica ganha contornos com o desenvolvimento de novas linguagens,


como por exemplo a digital. O campo da historiografia ganha novas imersões a
partir das novas tecnologias, tanto da “história digital” quanto da história pública.
O interesse pela história cresceu vertiginosamente em meio a sociedade, com
produções cinematográficas até as construções de narrativas em blogs de pessoas
sem serem, necessariamente, historiadoras. Para Bruno Leal Pastor Carvalho e
Anita Lucchesi: “Entendemos a história digital aqui como arena aberta de debates e
experimentações que envolvem a aplicação de tecnologias digitais às diversas
práticas da história.” (CARVALHO; LUCCHESI,2016, p.153).

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390

O oficio do historiador é reorganizado a partir de novas pespectivas. Segundo o


professor Juan Andrés Bresciano: “[…] modifica no solo el modo em que se estudia
el passado, sino organización disciplinaria de la Historia como ciencia y su
relacionamiento com la sociedad” (BRESCIANO,2015, p.13). Narrativas históricas
são produzidas constantemente nos meios digitais, como em filmes, novelas, redes
sociais e dentre outros espaços que são consumidos por uma gama de pessoas, por
várias vezes essas narrativas são tomadas como verdades e sendo utilizadas como
referências para a compreensão sobre os processos históricos. Muitos desses
consumidores também são alunos da educação básica e que levam essa informação
para todos os âmbitos de sua convivência, incluindo a escola. As novas tecnologias
vão alterando significativamente os relacionamos uns com os outros, significativas
mudanças em todas as esferas da sociedade, “[…] Inovações tecnológicas provocam
marcas profundas na sociedade, contribuindo para as
transformações no âmbito social, cultural, político, econômico filosófico e
institucional”. (PANTOJA, 2018, p.57). São marcas que se aprofundam emmeio a
sociedade, as transformações se desenvolvem junto com as novas tecnologias,
concepções sobre os variados assuntos são construídos em meio ao processo digital.

Porém, essas novidades ainda possuem resistências ao adentrar no espaço


escolar. Asnovas tecnologias ainda enfrentam barreiras por parte da comunidade
em torno da escola, ainda se emprega a ideia de um ensino tradicional e sem a
presença das novas tecnologias, no máximo utilização um data show e slides, mas no
fim continua sendo a mesma aula desinteressante e distante dos discentes.
Enquanto no âmbito externo a sociedade está interessada nas narrativas
desenvolvidas em series e jogos eletrônicos, a escola ainda, em muitos casos,
mantem-se resistente a essas novidades, na tentativa de se manter dentro
de uma pseudobolha, pseudo pelo fato de os discentes estarem em continuo contato
com as novidades do mundo digital e, de alguma forma, levarem para dentro
da sala de aula as informações que entram em contato fora do espaço escolar.

Podemos refletir essas novas tecnologias no auxílio da aula de história. Essa


disciplina está no imaginário da sociedade como uma “matéria decoreba”, sendo
considerada por muitos como chata e monótona. Em certas ocasiões pode-se
considerar que está certo a percepção de chata e monótona, pois muitos discentes ou
docentes demonstram desinteresse na maneira como a disciplina está sendo
aplicada em sala de aula. Muitos dos discentes tem acesso a internet e acompanham

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391

diversas produções com fundo histórico e sendo mais atrativas para o público. O
professor e/ou professora de história pode se aproveitar deste meio para construir
uma aula que envolva a todos, com suas devidas proporções na utilização destes
meios digitais e explicando essas experiências que os alunos vivenciam, na tentativa
de transforma um ensino mais atraente para o discente. Para Bruno Amorim
Pantoja: “[…] despertar a criticidade por meio das tecnologias que são próprias de
seu cotidiano, ou seja, novas abordagens no processo de ensinar, mas
especificamente de ensinar história”. (PANTOJA, 2018, p.61). Aproveitar
esse meio digital para desenvolver uma aula atrativa para todos, aproveitar dessas
experiências e propiciar aos discentes de sentirem partes importantes no processo de
construção das aulas.

Conclusão

O desenvolvimento das novas tecnologias possibilita o estreitamento dos


relacionamentos entre os mais diversos grupos sociais. Provocando profundas
alterações em todos os âmbitos da sociedade, marcas irreversíveis para muitas
delas, sendo que omeio digital está se tornando o pilar central para muitos setores
sociais, políticos, culturais e dentre outros setores. Refletindo mais
especificadamente sobre o ensino de história, o meio digital pode propiciar para as
aulas uma interatividade mais interessante e mais próxima dos discentes. Muitos
deles, ou todos, de alguma forma jáusufruíram da internet e das mais variadas
formas possíveis, vai do docente selecionar algumas dessas experiências para serem
utilizadas para o debate no Espaço Escolar. Contudo, o meio digital deve ser
utilizado como ferramenta e não como “quebra galho” do professor, a utilização
do meio digital deve ser adequada ao conteúdo e aparado as arestas do que foi
produzido para não provocar leituras errôneas.

Referências:

Athos Matheus da Silva Guimarães é graduando do curso de Licenciatura em


História do Campus da Universidade Federal do Pará (UFPA) em Ananindeua.
Athosguimaraes26@gmail.com.

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392

BRESCIANO, Juan Andrés. Los estudios históricos enlasociedad de lainformación.


In: BRESCIANO, Juan Andrés, GIL, Tiago (compiladores). La Historiografía ante el
Giro Digital: Reflexiones teóricas y prácticas metodológicas. Montevideo: Ediciones
Cruz delSur, 2015, pp. 13-40.
GIOVANNI, Adaiane. As tecnologias no contexto educacional e a necessidade de se
pensar.com. In: MARTINS, Cristiane Pereira, OLIVERIA, Márcia Ramos de,
MOREIRA, Igor Lemos, MUCELIN, Patrícia Carla. (org.). História e Tecnologia:
diálogos entre pesquisa e ensino. Florianópolis: Editora UDESC, 2017, pp. 05-14.
KENSKI, Vani Moreira. Educação e Tecnologias: o novo ritmo da informação.
Campinas, SP: Papirus, 2012.
LUCCHESI, Anita, CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. História Digital: Reflexões,
experiências e perspectivas. In: MAUAD, Ana Maria, ALMEIDA, Juniele Rabêlo de,
SANTHIAGO, Ricardo (org.). História Pública no Brasil: Sentidos e Itinerários. São
Paulo: Letra e Voz, 2016, pp. 149-163.
NUNES, Francivaldo Alves; KETTLE, Wesley Oliveira (Orgs.). Desafios do Ensino
de História e Prática docente. Minas Gerais: VirtualBooks, 2018.
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma História prazerosa consequente.
In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de aula: Conceitos, práticas e
Propostas. São Paulo: Contexto, 2013, pp. 17-37.
SANTHIAGO, Ricardo (org.). História Pública no Brasil: Sentidos e Itinerários. São
Paulo: Letra e Voz, 2016, pp. 149-163.
MAYNARD, Dilton C.S. Memórias do Segundo Dilúvio: uma Introdução à História
da Internet. Cadernos do Tempo Presente, n.04, 04 de julho de 2011.
PANTOJA, Bruno Amorim. As tecnologias de informação e comunicação e
o ensino de História. In: NETO, Ernesto Padovanni (org.). Historiografia e ensino de
história: a sala de aula em questão. Ananindeua: Amazônia Booksholf, 2018, pp. 53-
75.

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393

O USO DAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA NA


DISCIPLINA DE HISTÓRIA
Franciele Aparecida de Araujo
Rudy Nick Vencatto

As novas tecnologias e o acesso facilitado a elas têm proporcionado uma mudança


comportamental na sociedade, principalmente entre os jovens. Este processo de
transformação vem ocorrendo de uma forma lenta e gradual, porém, como aponta
VAN DAL (2013), é um processo irreversível. Neste sentido, refletir sobre estas
mudanças sociais e culturais é imprescindível para compreendermos as formas
comportamentais dos jovens na sociedade contemporânea.

Para VAN DAL (2013, p. 2), ao longo da história da humanidade, o homem sempre
procurou desenvolver métodos e técnicas de comunicação. Assim, desde a invenção
das primeiras formas de comunicação em gestos, em pinturas nas paredes e nas
primeiras formas de escrita o homem vem aperfeiçoando suas técnicas. Este
aperfeiçoamento torna-se possível, concomitante ao surgimento de novas
tecnologias.

Desta forma, as tecnologias atuais têm nos proporcionado um amplo leque de


possibilidades de comunicação. É possível dizer que os usos das tecnologias e da
gama de ferramentas que ela nos proporciona tem alterado a nossa forma de viver,
de consumir e de se relacionar uns com os outros.

Diante da velocidade das transformações tecnológicas em nossa sociedade, o


modelo escolar, mesmo que, em sua maioria está engessada em modelos
tradicionais de educação, também recebe influência das tecnologias no cotidiano
escolar. Sendo assim, a escola não pode ficar de fora desse processo tecnológico.
Pelo contrário, é necessário inserir-se neste movimento e elaborar estratégias para
que os professores consigam desenvolver práticas pedagógicas utilizando as mais
diversas ferramentas tecnológicas disponíveis.

É importante pensar que os usos das tecnologias em sala de aula tem como papel
fundamental, potencializar a aprendizagem dos discentes, promovendo uma maior
interação entre alunos, professores e a produção do conhecimento. Além disso, é

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imprescindível que os envolvidos no processo educacional tenham em mente que as


ferramentas tecnológicas são meios metodológicos para processo de ensino-
aprendizagem, proporcionando a melhor assimilação e apreensão dos conteúdos
pelos alunos.

Os alunos estão cada vez mais conectados às mídias: celulares, tablets, nootbooks,
internet e redes sociais fazem parte do seu cotidiano, inclusive do cotidiano dos
professores. Entretanto, é possível observar no dia-a-dia em sala de aula que estas
ferramentas tecnológicas, de um modo geral, não fazem parte do cotidiano na
escola, nem dos professores, muito menos dos alunos. Inclusive, em algumas escolas
é proibido o uso de celulares durante o horário de aula.

Uma das perguntas que se deve elaborar para reflexão acerca da prática pedagógica
é sobre o papel da escola diante desta realidade. A atuação da escola neste processo
é de auxiliar os discentes na melhor utilização das mídias e das tecnologias
ensinando-os a interpretá-las com criticidade, principalmente conteúdos da internet
e redes sociais, oferecendo subsídios para que sejam utilizadas a favor da educação
e, não contra ela.

Neste sentindo, ao olhar para a sociedade contemporânea e observar o crescimento,


a difusão da internet e as diversas possibilidades de uso dos recursos tecnológicos,
tanto na vida escolar como na vida social, pode-se dizer que as pessoas possuem “o
mundo em suas mãos” e deveriam utilizá-lo para acrescentar informação,
conhecimento e não apenas diversão. De acordo com Prensky (2001), mencionado
por Campos e Giraffa (2011), atualmente os discentes podem ser considerados como
“nativos digitais”. Nas palavras das autoras:

“Nativos digitais são aqueles que nasceram num mundo imerso em tecnologias
digitais e desde sua infância convivem com aparatos diversos e associam um botão
de mousecomo porta para um grande mundo virtual. Enquanto seus professores
observam omouse como recurso a ser transposto, com habilidades a serem
construídas, causando sérios problemas por não assumirem a necessidade de se
criar modelos pedagógicos inovadores que incorporem essas possibilidades
ofertadas pelo ciberespaço. (CAMPOS; GIRAFFA, 2011, p.9).”

Embora a expressão “nativos digitais” seja uma expressão datada por este autor no
início do século XXI, refletir sobre os discentes hoje, inseridos nesta perspectiva,

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395

torna-se uma discussão atual e fundamental para compreender a realidade escolar


que vivemos. De um modo geral, os professores não são “digitais natos” e, por isso,
é preciso estar em constante processo de formação e busca de conhecimentos para
que possa incorporar as diversas mídias em sua prática pedagógica. Um processo
complexo, que demanda estudo e tempo, pois será necessário que o professor
domine a ferramenta que utilizará em sala de aula, além de ter a capacidade para
orientar os alunos a utilizá-la da melhor forma possível.

Um dos grandes desafios dos docentes na atualidade é elaborar aulas com


conteúdos e práticas que sejam atrativas aos olhos dos alunos. Uma das alternativas
para conseguir conquistar a tão desejada atenção dos alunos, pode ser o uso de
ferramentas tecnológicas. Entretanto, o uso das ferramentas deve vir acompanhado
da prática, ou seja, os alunos devem ser produtores de conhecimento e podem
utilizar as ferramentas tecnológicas para isto. Como por exemplo: produção de
vídeos, elaboração de mapas mentais, apresentações interativas, ebooks, criação de
histórias em quadrinhos, entre outros.

No entanto, os docentes devem tomar o cuidado para utilizar as mídias de forma


correta em sala de aula, pois estamos falando com uma geração que já está
acostumada a utilizar as tecnologias digitais. O professor, precisa estar atento e
informado sobre o recurso que irá utilizar em sala de aula, para apresentar novas
formas de usos das ferramentas tecnológicas. Isto é, o professor vai mostrar aos
estudantes que é possível utilizar o celular para buscar informações e produzir
conhecimento, potencializando seu aprendizado escolar e na vida social como um
todo.

Um dos desafios do professor é encontrar uma forma para lidar com a diversidade
das diferentes visões de pensamento e das realidades sociais existentes dentro da
sala de aula. Em alguns momentos o professor encontrará turmas em que boa parte
dos discentes estarão excluídos do universo digital e precisará rearticular suas
estratégias em sala de aula, em outras, encontrará turmas que dominam o uso destas
ferramentas com facilidade. Uma das formas de superar este desafio é conhecer a
realidade socioeconômica e a partir disto, planejar e elaborar as metodologias a
serem utilizadas, encontrando uma saída para que todos os alunos, mesmo os que
não têm acesso às tecnologias consigam desenvolver as atividades e se sintam parte
do processo educativo.

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396

O processo educacional da atualidade deve-se levar em conta que o professor não é


mais a única fonte de informação. Os alunos tem acesso a diversos meios de
comunicação e chegam a eles a todo o momento, as mais variadas informações,
verdadeiras e/ou falsas, boas e/ou ruins. Mas, uma questão crucial é que na maioria
das vezes, os estudantes ainda não conseguem fazer uma filtragem e ainda precisam
de um amadurecimento para conseguir olhar para estas informações de maneira
crítica e consciente.

Neste sentido, o professor tem o papel de direcionar e mediar o conhecimento para


orientar os alunos a olhar para os conteúdos de forma crítica, orientá-los que é
importante buscar mais de uma fonte de informação, entender diversos pontos de
vistas, para só depois, elaborar a sua visão sobre o assunto e construir o seu
conhecimento.

É um grande desafio para nós, professores. Entretanto, é um desafio que deve ser
superado com a busca constante pelo aperfeiçoamento pedagógico para conseguir
fazer esta mediação do conhecimento e promover um ensino/aprendizagem crítico
em que aluno e professor sejam capazes de utilizar as mídias para a construção do
conhecimento.

Segundo Chartier (2010), a textualidade eletrônica transforma a maneira de


organizar e analisar as argumentações históricas, bem como os critérios que podem
orientar um leitor para aceitar ou rejeitar tais discursos. De acordo com este autor,
para avaliar ou rejeitar o argumento, o leitor pode agora se apoiar na consulta de
textos imagens, áudios que são o próprio objeto do estudo. Neste processo, o leitor
tem a possibilidade de torna-se pesquisador e refazer o percurso da pesquisa. Nas
palavras de Chartier (2010):

“Esses três dispositivos clássicos da prova da história (a nota, a referência, a citação)


estão muito modificados no mundo da textualidade digital a partir do momento em
que o leitor é colocado em posição de poder ler, por sua vez, os livros que o
historiador leu e consultar por si mesmo, diretamente, os documentos analisados.
(CHARTIER, 2010, p. 61).”

No mundo da textualidade digital os três dispositivos clássicos utilizados como


provas no campo da História são modificados na medida em que o leitor é colocado
em posição de poder, pois consultar as fontes e a bibliografia do autor, dando-lhe

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autonomia nas análises, modifica profundamente as relações de construção e


validação dos discursos. Ao mesmo tempo, promove uma alteração no próprio
processo de investigação e produção do conhecimento histórico.

Portanto, podemos afirmar que nossos alunos em seu processo de aprendizagem


também têm passado por transformações. O discente do século XXI não é mais um
agente passivo, pelo contrário, agora ele também tem acesso às informações com
mais facilidade e não aceita um argumento vazio. Agora ele questiona, investiga e
participa ativamente de sua aprendizagem, sendo ao mesmo tempo, receptor e
produtor do conhecimento.

Diante do exposto, pensando nos desafios da profissão docente, os professores da


disciplina de História enfrentam algumas dificuldades em relação ao conteúdo da
sua disciplina e a forma de transmissão do conhecimento histórico aos seus alunos,
principalmente por se tratar de uma disciplina teórica. Assim, é imprescindível que
os professores de História elaborem diversos conteúdos e estratégias variadas para
tornar suas aulas mais atrativas, ao mesmo tempo em que contribuem para
construção do conhecimento de forma crítica, tornando-os cidadãos conscientes de
seu papel na sociedade.

É importante pensar que a linguagem e a mídia escolhida pelo professor de forma


planejada e adequada proporcionará um melhor aprendizado aos alunos. Além
disso, a utilização variada das diversas mídias aproximará os alunos do conteúdo
com o seu cotidiano através de uma linguagem de fácil compreensão e interessante
aos olhos de um adolescente que nasceu em uma era digital. Como aponta Moura
(2009) é preciso estar ciente dos conteúdos que será ensinado e como o será. Em suas
palavras:

“O professor de História antes de adotar novas tecnologias no seu trabalho


educacional, precisa primeiramente, definir o que ensinar, por que ensinar e como
ensinar a História. E com uma sólida fundamentação teórica para que suas práticas
não se tornem meras repetições de conteúdos pouco atraentes” (MOURA, 2009, p.8).

Enquanto professores, nós temos o papel de mediadores do conhecimento, pois o


discente não é mais o aluno passivo, que recebe o conteúdo apresentado pelo
professor sem questionamentos. Assim, perceber o aluno enquanto um agente ativo
neste processo de aprendizagem torna-se um elemento fundamental para a atuação

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em sala de aula, compreendendo que questionamentos e dúvidas permeiam seu


universo em meio a um “furacão” de informações. Para Bezerra (2010):

“A aprendizagem de metodologias apropriadas para a construção do conhecimento


histórico, seja no âmbito da pesquisa científica seja no do saber histórico escolar,
torna-se um mecanismo essencial para que o aluno possa apropriar-se de um olhar
consciente para sua própria sociedade e para si mesmo” (BEZERRA, 2010, p. 42).

Pensar o ensino crítico propõe um ensino autônomo, permitindo a construção do


conhecimento de forma ativa, transformando o aluno em sujeito ativo, capaz de
transformar sua realidade a partir das experiências vivenciadas na educação. É
fundamental que o docente tenha em mente o conteúdo e as ferramentas que irá
utilizar em sala de aula, bem como a metodologia que será utilizada para a
transmissão do conhecimento.

Durante a prática docente, é comum encontrar professores de História reclamando


da falta de motivação dos alunos em relação à disciplina. A falta de interesse nas
aulas envolve diversas questões e, uma delas, pode estar relacionada a seleção de
atividades e metodologias propostas aos educandos.

A reflexão que devemos nos propor é sobre quais formas de abordagens estamos
utilizando para chamar atenção dos nossos alunos e tornar as aulas de História
prazerosas e motivadoras? Quais metodologias e ferramentas podemos fazer uso
para atingir estes objetivos? Segundo a perspectiva de Cano (et.al., 2009):

“A utilização das novas tecnologias de informação e comunicação, a abordagem


histórica a partir de novos objetos de estudo, o uso de metodologias diferenciadas
de ensino e a utilização de diferentes linguagens podem fazer o aprendizado de
História tornar-se cada vez mais acessível e prazeroso para grande parte dos nossos
alunos” (CANO, et.al., 2009, p. 130).

Cabe destacar, que com o uso de diferentes tecnologias e metodologias variadas,


poderemos atingir “grande parte dos nossos alunos”, como aponta o autor, pois
dificilmente o docente conseguirá atingir a atenção e interesse da totalidade dos
discentes em todas as aulas. Pelos mais diversos motivos, existem alunos que não se
sente parte do meio educacional ou não vê motivação nos estudos e não
demonstrará interesse pelas aulas.

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No entanto, quando conteúdos “velhos” são tratados com ferramentas novas, com
uma linguagem acessível e elementos que fazem parte da cultura juvenil, temos aí o
“frescor” do conhecimento, o cheiro do novo no ambiente escolar que pode fazer a
diferença no desenvolvimento das aulas e proporcionar aos alunos um aprendizado
que vai além dos livros didáticos, contribuindo para a constituição de um sujeito
crítico em relação ao meio social em que vive e autônomo para a produção do
conhecimento.

Compreendendo que os docentes devem estar em processo contínuo de


aprendizagem e a formação continuada deveria ser oportunizada com frequência
aos docentes, compartilharemos algumas possibilidades de usos das ferramentas
tecnológicas na disciplina de História.

É importante frisar que não existe uma “receita pronta” para uma boa aula de
História, pois este é um caminho de descoberta trilhado pelo docente ao longo de
sua prática. Entretanto, sugerimos a seguir alguns exemplos e propostas de
atividades que podem ser realizadas utilizando variadas ferramentas tecnológicas,
potencialmente úteis para tornar a disciplina de História, uma área do
conhecimento atraente e inserida na nova era digital.

1) Produção de Vídeo: Começaremos com uma ferramenta tecnológica simples e que


pode facilmente ser utilizada pelos alunos. Trata-se da produção de vídeos pelos
próprios alunos com o uso de seus celulares. O professor deve orientar os discentes
para que escolham a temática que irá investigar. O objetivo do trabalho é que os
alunos investiguem a sua localidade e produzam filmagens para editar um vídeo,
contribuindo para que se percebam como parte da História e enquanto produtores
do conhecimento histórico.

2)Rádio na Escola: Esta ferramenta tecnológica, embora não seja uma tecnologia
recente, pode contribuir em diversos aspectos para a disciplina de História. A
proposta é que se desenvolva pelo menos por algum período uma rádio na escola,
para alegrar e tornar os intervalos mais divertidos. Promover uma visita de campo à
uma rádio da cidade para que os alunos conheçam seu funcionamento. Após a
visita, organizar os grupos para que elaborem uma programação e executem a rádio
na escola durante o intervalo.

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3) História em Quadrinhos (HQ): Esta ferramenta é uma ótima opção para trabalhar
com os alunos diferentes conteúdos. Uma das características marcantes dessa
ferramenta é a comunicação clara, direta e linguagem de fácil entendimento. Com
um pouco de dedicação, o docente de História pode criar diversas HQ para ilustrar
e tornar suas aulas mais dinâmicas.

Fonte: HQ produzida pelos autores a partir do site Pixton

Ao trabalhar com as HQs, o docente tem a possibilidade de despertar o interesse


pelo conteúdo, ao mesmo tempo em que pode-se sugerir a confecção de HQ pelos
discentes, contribuindo também para desenvolver sua criatividade e criticidade.

4) Jogos Online: Os jogos apresentam-se como uma excelente ferramenta para


trabalhar o conteúdo de forma lúdica. Com os jogos os alunos apreendem brincando
e a aprendizagem torna-se mais divertida. O resultado da aprendizagem associando
conteúdo e jogos são potencialmente satisfatórios. Na disciplina de História há
vários jogos que podem ser utilizados pelo docente para tornar o conteúdo mais
atraente e reduzir o peso da teoria que recai sobre a disciplina. É comum que em um

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primeiro momento, os alunos percebam a atividade apenas como diversão. Mas a


partir do momento que o docente explicita seus objetivos, as associações com o
conteúdo começam a ser desenvolvidas.

Há diversos jogos online que podem ser utilizados na disciplina de História.


Elencamos alguns jogos que foram trabalhados com os alunos pelos autores: “Era
Feudal” – permite ao docente apresentar a composição dos feudos, bem como a
divisão e organização social durante o feudalismo; “Tríade” – possibilita ao docente
discutir questões referentes à Revolução Francesa. O jogo possui elementos gráficos
sofisticados o que acaba atraindo ainda mais a atenção dos adolescentes; “Comércio
Colonial” – É possível identificar elementos relacionados ao comércio triangular,
rotas marítimas e pirataria durante o século XVI; “Jogo da Memória sobre
Iluminismo” – Associação entre os pensadores iluministas e suas principais ideias.
Enfim, são diversas possibilidades de jogos de História que podem ser trabalhados
em sala de aula. Além destes supracitados, existem outros que podem ser facilmente
encontrado em sites de busca.

Após desenvolver diversas atividades com os alunos do ensino fundamental,


chegamos a conclusão de que as ferramentas tecnológicas possuem um significado
especial na disciplina de História. Foi possível observar o despertar do interesse
pela disciplina, a curiosidade do que irá ser trabalhado no dia e de que forma aquele
conteúdo seria discutido em sala.

Usar tais ferramentas em sala de aula é um grande desafio aos professores e as


escolas do século XXI. Não podemos cercear os alunos destas atividades, ao mesmo
tempo em que há a necessidade de uma conscientização a respeito do seu uso,
dentro e fora do ambiente escolar. Para Schmidt,

“Os educandos poderiam adquirir a capacidade de realizar análises, inferências e


interpretações acerca da sociedade atual, além de olhar para si e ao redor com olhos
históricos, resgatando, sobretudo, o conjunto de lutas, anseios, frustações, sonhos e a
vida cotidiana de cada um, no presente e no passado. (SCHMIDT, 2010, p.65).”

Para finalizar, faz-se necessário destacar que as ferramentas tecnológicas podem


oferecer importantes avanços no processo de ensino/aprendizagem. Entretanto, se o
docente não tomar o cuidado de elaborar suas aulas, de dominar as ferramentas que
irá utilizar em sala e deixar claro quais as finalidades da atividade proposta, não
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402

alcançará os objetivos desejados. Lembrando que as novas ferramentas tecnológicas


não substituem aulas expositivas, textos explicativos e nem o “bom” e “velho”
planejamento.

Referências

ARAUJO, Franciele Aparecida. Doutora em História Social – Universidade Federal


de Uberlândia-UFU. Docente da Secretaria de Estado da Educação do Paraná –
SEED.

VENCATTO, Rudy Nick. Doutor em História Cultural. Universidade Federal de


Santa Catarina – UFSC. Docente do Instituto Federal do Paraná.

BEZERRA, Esvertilana Bonfim; LOPES, Maria Aparecida Toledo de Melo. A


Importância do professor na sociedade atual: desafios e perspectivas. Imperatriz,
2002. Monografia (Graduação Licenciatura em História) Departamento de História e
Geografia, Universidade Estadual do Maranhão – Campus de Imperatriz.

CHARTIER, Roger. A História ou a Leitura do Tempo. 2ªed. Belo Horizonte:


Autentica Editora, 2010.

CAMPOS, Marcia de Borba; GIRAFFA, Lucia Maria Martins. Do pó de giz ao byte:


uma reflexão acerca do uso de tecnologias na sala de aula. In: Caderno Marista de
Tecnologia Educacional. Brasília: Umbrasil, 2011, v.1.

COMERCIO COLONIAL. Disponível


em:http://www.atividadeseducativas.com.br/index.php?id=8211. Ultimo acesso:
15/03/2018.

ERA FEUDAL. Jogo disponível em: https://historiadigital.org/jogos/game-era-


feudal/. Acessado em 15/03/2018.

IDADE DA PEDRA. Este jogo pode ser acessado no


link:https://historiadigital.org/jogos/game-vida-na-idade-da-pedra/. Último acesso
em 15/03/2018.

ILUMINISMO, Jogo da Memória. Disponível em: http://www.noas.com.br/ensino-


medio/historia/jogo-da-memoria-iluminismo/. Ultimo acesso em 15/03/2018.

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MOURA, Mary Jones Ferreira. O Ensino de História e as Novas Tecnologias: Da


Reflexão à Ação Pedagogica. ANPUH, 2009. Disponível
em: http://anais.anpuh.org/wp-
content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.0923.pdf Acesso em 12/10/2017.

PIXTON, Criador de HQ: Endereço Eletrônico: https://www.pixton.com/br/. Acesso


em 21 abr. 2017. Endereço de acesso para a HQ
supracitada: https://www.pixton.com/br/comic-strip/g4zcvz90.

SCHIMDT, Maria Auxiliadora. A formação do professor de História e o cotidiano


da sala de aula. In: BITTENCOURT, Circe (Org.) O Saber Histórico na sala de Aula.
11.ed., 4ªreimp. – São Paulo: Contexto, 2010. P. (54-65).

TRÍADE, Revolução Francesa. Este jogo é um arquivo que pode ser facilmente
baixado no computador. Basta acessar o site e clicar no link indicado. Disponível
em:https://historiadigital.org/jogos/revolucao-francesa-no-triade/. Acesso em
10/05/2017.

VAN DAL, Jorge Luíz Garcia. Convergência de mídias: o receptor como


protagonista do processo comunicacional. 9º Interprogramas de Mestrado em
Comunicação da Faculdade Cásper Líbero, 2009.
Disponível. http://www.casperlibero.edu.br. Acesso em 20/11/2017.

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TECNOLOGIA E ENSINO DE HISTÓRIA: NOVAS


ABORDAGENS DA PRATICA DOCENTE
Andre Lisboa Lopes

Resumo:

O presente artigo pretende dar conta da reflexão sobre o uso de tecnologia no ensino
de história, a partir da perspectiva do recente avanço tecnológico e da massificação
do uso de dispositivos de telefonia móvel, como os smartphones, assim como o uso
de internet de alta velocidade, interatividade em rede e mídias sociais. Vê-se a
necessidade de reformular a pratica de ensino de história, diante dessa crescente
evolução tecnológica, que permeia o cotidiano do aluno, e que está totalmente
impregnada na sociedade atual, nesse contexto será abordado no texto as novas
práticas de ensino voltada para a utilização de tecnologias no espaço escolar.

Palavras Chave: Tecnologia, Ensino de história, Pratica Docente e Redes Sociais.

Introdução

A humanidade desde seus primórdios possui práticas que utiliza certas técnicas,
como fazer pinturas nas paredes das cavernas, manipulação do fogo e utilizar ossos,
madeira e pedras para confeccionar ferramentas de forma a melhorar sua vida,
nasce nessa época o processo, que perdurou junto com a espécie humana desde os
primeiros hominídeos, até o homem moderno, a tecnologia foi o fator que vez o ser
humano se sobressair na escala evolutiva, desde o primeiro machado de pedra
lascada e que progrediu até a criação da escrita, arco e flecha, catapultas,
embarcações a vela, navios a vapor, aviões e computadores (seguindo uma
concepção evolucionista do progresso da História). Essa evolução tem dado avanços
consideráveis e vive em simbiose com a espécie humana (intima interação). Cada
vez mais a tecnologia avançada tem estado no cotidiano das pessoas, no trabalho,
nas casas e no espaço escolar e acadêmico, dessa forma é interessante analisar o
quanto evoluiu essa dinâmica no espaço escolar, com as novas abordagens
pedagógicas, nas novas práticas docentes e nas dificuldades que se tem em
determinados momentos devido as limitações no espaço escolar e o discurso sobre o
mal-uso da tecnologia no ensino e na internet.

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Pratica docente

É interessante observar a forma de como é feito ensino nos dias atuais, uma série de
fatores que vai desde a elaboração do currículo escolar, falta de estrutura e de
repasse de verbas acabam tornando a escola o mesmo padrão de ensino do século
XIX, aulas expositivas, morosas, em um espaço sem estrutura e opressivo, que tem
como configuração salas muito semelhantes a celas, onde o professor é a figura
central e os alunos são apenas armazenadores de conteúdo, apesar dessa ser uma
característica da sociedade oral. Kenski nos diz que “Na escola os professores e
alunos usam a fala como recurso para interagir, ensinar e verificar a aprendizagem.
Em muitos casos, o aluno é o que menos fala. (KENSKI,2012, p.29) ”. Apesar da
Linguagem oral ser a pratica fundamental da interação humana, ainda ocorre essa
limitação na participação do aluno no ato da aula. Todavia, apesar das resistências
de modelos tradicionais, já se observa um crescente avanço devido a mudança da
sociedade para esse contexto mais tecnológico, já se tem elaboração de oficinas
voltada para o ensino e tecnologia, recursos de programação para melhorar a pratica
do ensino, entre outros. É importante compreender que, essas novas abordagens
(pedagógicas e da pratica de ensino) constitui-se nas necessidades que se
apresentam na atual conjuntura do processo social, no qual a escola está inserida,
cada vez mais as pessoas do meio social, tanto da cidade quanto do campo estão
aderindo ao meio informacional, que se apresenta de uma forma mais dinâmica e
“simples”, diferente das formas tradicionais que possuem linguagem difícil e
burocrática.

A linguagem digital é simples, baseada em códigos binários, por meio dos quais é
possível informar, comunicar, interagir e aprender. É uma linguagem de síntese,
que engloba aspectos da oralidade e da escrita em novos contextos. A tecnologia
digital rompe com as formas narrativas circulares e repetidas da oralidade e com o
encaminhamento contínuo e sequencial da escrita e se apresenta como um
fenômeno descontínuo, fragmentado e, ao mesmo tempo, dinâmico, aberto e veloz.

“Deixa de lado a estrutura serial e hierárquica na articulação dos conhecimentos e se


abre para o estabelecimento de novas relações entre conteúdos, espaços, tempos e
pessoas diferentes.” (KENSKI, 2012, p.31-32).

Com isso, levar em conta que grande parte do meio discente possui aparelhos de
telefonia móvel, como também tem uma participação ativa nas redes sociais e

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consomem outros tipos de interatividade com tecnologia, rede ou os dois


simultaneamente, produzir uma aula se utilizando de uma abordagem pedagógica
voltada para tecnologia é interessante, levando em conta que utilizar recursos
didáticos que fomentam a percepção áudio visual torna a aula mais interessantes,
ainda mais se utilizando de ferramentas que permeiam a vida do estudante, que é o
caso dos smartphones. Outras formas de ensino nesse contexto da tecnologia é a
produção de ferramentas que possibilitam o melhor aprendizado, como aplicativos
voltados especificamente para o ensino, programas de computadores e criação de
vídeos que podem ser disponibilizados em rede.

Outra forma de se usar a tecnologia no ensino, está em se utilizar de outras mídias,


que não necessariamente está voltado para ensino, pode-se mencionar várias como
filmes, series, jogos, clips musicais, histórias em quadrinhos online, e uma
infinidade de elementos da cultura popular que estão disponíveis em formato
digital. Que pode ser articulado pelo professor em sala de aula.

Tecnologias, redes sociais e ensino de história

Partindo do pressuposto que a os recursos tecnológicos proporcionam uma melhor


percepção daquilo que está sendo exposto, como aulas ou seminários, nos permite
pensar sobre a dinâmica do ensino de história, que em si é carregado de uma
tradição oral, que consiste na maioria das vezes em aulas expositivas, de
transmissão de conteúdo para ser decorado pelo aluno, é bem interessante a imensa
gama de possibilidades que os meios digitais permitem, na ministração da aula a
partir do produto didático, voltado especificamente para o ensino, bem como a
utilização de outros meios que nos permitem elaborar aulas mais dinâmicas, entre
esses recursos está, os filme, series, games, sites de vários tipos, entre eles acervos
digitais e sites com conteúdo mais interativo (voltados para ensino de História) e
muitas vezes de caráter investigativo, e também temos a redes sociais, que podem
ser bem utilizados, levando em conta que grande parte da população estudantil se
utiliza desse meio. Sobre os filmes e series, tem que se levar em conta a grande
produção de filmes com temáticas históricas, e nesse contexto, as utilizações dos
recursos audiovisuais precisam ser bem articulados com a dinâmica de sala de aula,
um filme, por exemplo, ocuparia uma aula inteira para ser exibido, nesse caso a aula
deve ser pensada para mais de um dia, de maneira a ser articulada tanto no contexto
do componente curricular, ministrado, para melhor aprendizado, no debate que
será fomentado, na produção textual e na avaliação.

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407

Para além dos filmes e séries, temos recursos mais interativos para ser aplicados no
ensino, hoje muitas escolas já dispõem de laboratório de informática, e pode ser um
recurso (Quando bem utilizado) muito produtiva no plano de aula, nele permite
trabalhar a interatividade em rede para de forma mais dinâmica, o laboratório nos
permite trabalhar por exemplo os arquivos de acervos digitais, onde podem ser
baixados fontes de pesquisas, para ser usados em oficinas, trabalhos em sala de aula
e seminários, ou para ser vetor de debates críticos durante as aulas. Outros tipos de
sites permitem trabalhar outras dinâmicas de ensino, como as páginas que fazem
webquests, e outras formas de interatividade relacionada a investigação voltadas
para história. Nas outras mídias sociais como o facebook e sites de postagem de
vídeos como, o youtube também podem ser utilizar para incrementar uma aula de
História, os memes é uma abordagem bem curiosa, devido sua linguagem ser bem
fácil, e o conteúdo ter um tom mais descontraído e de certa forma irônico, a
inúmeras páginas no Facebook que pode ser utilizada, pois possuem uma temática
especificamente mais histórica, assim como o professor pode se utilizar desse espaço
que faz parte da vida do aluno, para fazer com que ele mesmo produza memes de
conteúdo histórico, uniria o conteúdo absorvido pelo mesmo, com algo da vivencia,
nesse caso, dinamizaria a pratica do ensino, assim como a utilização dos vídeos do
youtube (na produção ou utilizar vídeos já existentes) da mesma forma que o meme.

Problemáticas

A tecnologia da mesma forma que beneficia de maneira incomensurável, a vida das


pessoas, como foi dito no começo desse artigo, é uma ferramenta como o machado
de pedra que facilitou a vida dos primeiros hominídeos, todavia, assim como nos
outros aspectos do cotidiano das pessoas, existem diversas problemáticas com o uso
da tecnologia na pratica do ensino:

1) Estrutura: O recurso do laboratório de informática tem se espalhado pelas escolas


no Brasil, porém não são em todos os lugares que esse recurso chega, existe escolas
que nunca sequer teve contato com o computador.8 Outro problema é à má
utilização desse recurso, devido à falta de capacitação dos professores, depredação
desse espaço, que muitas vezes por falta de verba e cuidado acaba sendo sucateado.

2) Riscos: O mundo vive nos dias atuais uma avalanche informacional, a internet
desde sua invenção na década de 60, mais que tomou grande proporção nos anos de

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1995, vem tomando o espaço social em alta escala, cada vez mais pessoas no mundo
tem utilizado os recursos da rede informacional, porém esse recurso também tem se
mostrado um risco para os usuários.

Com o avanço também veio os males dessa avalanche, ações criminosas como
ataques de hackers, falta de moderadores que, possibilitam o acesso ao público para
material de impróprio. No âmbito do ensino, existem certas problemáticas
relacionadas ao uso da rede, hoje em dia é comum a pratica de Ciberbullying, que é
muito comum hoje em dia no meio escolar.

Considerações finais

Em síntese, a pratica do ensino é um campo que pode ser articulado de várias


maneiras, para além dos modos tradicionalista, a perspectiva que o avanço
tecnológico, abre um horizonte de possibilidades que mescla o ensino como um
todo à vivencia do aluno, a revolução informacional tem transformado de forma
ligeira as formas tradicionais obsoletas, e abrindo para uma gama de possibilidades,
graças a inevitabilidade do processo.

Bibliografia

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In: BRESCIANO, Juan Andrés, GIL, Tiago (compiladores). La Historiografía ante el
Giro Digital: Reflexiones teóricas y prácticas metodológicas. Montevideo: Ediciones
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pensar.com. In: MARTINS, Cristiane Pereira, OLIVERIA, Márcia Ramos de,
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KENSKI, Vani Moreira. Tecnologias também servem para informar e comunicar.
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da Internet. Cadernos do Tempo Presente, n.04, 04 de julho de 2011.
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