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Reprodução

Wilhelm
Dilthey:
filósofo
da vida e
clássico da
filosofia
hermenêutica
Maria Nazaré de Camargo Pacheco Amaral

REVISTA USP • São Paulo • n. 96 • p. 103-109 • DEZEMBRO/FEVEREIRO 2012-2013 103


Q
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ua ndo, no outono de Dilthey como filósofo. A que se deveria,
passado, Wil helm pois, o fato de não ter tido o autor, no curso
Dilthey morreu – de- de sua longa vida, o reconhecimento público
masiado cedo, pois, que obteve após sua morte? Como motivo
apesar dos seus 79 principal da fria acolhida da parte do público
anos, ele não era um costumam seus estudiosos fazer referência
homem idoso, tendo ao mais completo descaso com que encarava
sido arrancado do seu o trabalho atinente à publicação de seus es-
trabalho mais fecundo –, a ressonância desse critos. Seus discípulos mais chegados sabiam
fato nos jornais foi assustadoramente insigni- perfeitamente que ele temia perder seu tem-
ficante. Na verdade, só se manifestaram seus po, que o avançar da idade tornava cada dia
discípulos mais íntimos, um pequeno grupo mais precioso, com edições e reedições de
de oito ou nove homens que nos últimos vinte obras já escritas quando poderia empregá-lo
anos tinham trabalhado pessoalmente com melhor dando continuidade a trabalhos ainda
ele, formando um verdadeiro centro de estu- incompletos. Aliás, a angústia a que o levava
do” (Nohl, 1984, p. 275). a ideia de morrer deixando inacabados seus
trabalhos parecia oprimi-lo constantemente,
Essas palavras, em tom de melancólica sobretudo nos últimos anos de sua vida. Pa-
resignação, foram proferidas por Herman recia pressentir o fim próximo. Foi em uma
Nohl, discípulo e um dos mais próximos co- viagem que fez à pequena cidade de Seiss
laboradores de Dilthey, em conferência pro- am Schlern, no sul do Tirol. Apesar de ter
ferida em 1912, na Sociedade Filosófica de ido passar ali férias, estava tão concentrado
Jena, em homenagem à memória do filósofo. em seus estudos e leituras (livros e materiais
No ano de 2011, em outubro, as inúmeras de trabalho eram sempre despachados com
homenagens prestadas a ele em comemora- antecedência para que quando chegasse esti-
ção ao centenário de sua morte, principal- vessem já a sua disposição) que não percebeu
mente na Europa, revelaram reconhecimen- estar o salão de refeições do hotel a cada dia
to e respeito pelo valor de sua obra, embora mais vazio em função de um surto de difte-
ainda por parte de um público especializado. ria que grassava no local, fazendo com que
Colóquios, simpósios e congressos interna- as pessoas fugissem. Não tendo sido avisa-
cionais foram realizados na Academia de do pela administração do hotel, inteiramente
Ciência de Berlim (de onde era membro), na obcecado por desenvolver suas ideias, aca-
Itália (Bolsano e Merano), na Polônia (Uni- bou contraindo a doença e saiu de lá morto.
versidade de Breslávia, onde foi por longo Nada a estranhar, portanto, que ao morrer,
tempo professor) e França (Lille), entre ou- em 1911, duas grandes obras suas se encon-
tros. O colóquio “Antropologia e História”, trassem desde longo tempo esgotadas: a Vida
realizado em Merano, representou a coroação de Schleiermacher (1870) e a Introdução às
das comemorações internacionais de Dilthey. Ciências do Espírito (1883). Não obstante,
A conclusão das atividades configurou um Dilthey ganha alguma publicidade em vida
modo especial e único de honrar sua vida va- com a publicação da História da Juventude
liosa, reconhecida hoje internacionalmente. de Hegel (1905) e de uma série de ensaios
Exatamente cem anos depois de sua morte, reunidos sob o título de Vivência e Poesia
em um sábado, 1o de outubro de 2011, o pre- (1906). Tais ensaios alcançaram grande re-
feito do vilarejo de Kastelruth descerrou uma percussão atingindo várias edições antes da
placa fixada em um muro de rua na qual se morte do autor, cujo nome, a partir desse
podia ver seu nome, dados e foto. momento, ficou fortemente ligado a tais es-
Otto Friedrich Bollnow (1982, p. 184), critos. Graças à destacada atuação no campo
da segunda geração de discípulos de Dil- literário e no da ciência da arte, o reconheci-
they, ressalta o fato de ser póstuma a fama mento de seus contemporâneos não tinha por

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alvo o filósofo, mas o “arguto historiador do quele momento: conhecia-se pouco sobre
espírito”. O próprio sentido fundamental da ele e não se imaginava que houvesse mui-
filosofia diltheyana, isto é, a elaboração de to mais a ser conhecido no futuro. Quando
uma “crítica da razão histórica”, compendia- só em 1929 teve contato com a amplitude e
da em sua principal obra sistemática, Intro- profundidade da obra de Dilthey, lamentou
dução às Ciências do Espírito (1883), teve os, pelo menos, dez anos que havia perdi-
repercussão comparativamente diminuída. do em sua vida e, ao introduzir seu artigo
Após a divulgação do primeiro volume, do em homenagem ao centésimo aniversário
segundo apareceram apenas fragmentos. A de Dilthey, portanto já em 1933, fez questão
despeito do plano original, o segundo volu- de apresentá-lo ao leitor como um filósofo,
me, tanto da Vida de Schleiermacher, quanto na certeza de que não estaria incorrendo em
da Introdução às Ciências do Espírito, não desrespeito ou redundância, dada a pequena
foi publicado. Dilthey continuou trabalhan- ressonância que seu nome ainda tinha fora
do em uma série de estudos sistemáticos que da Alemanha, apesar de, na sua opinião, ter
foram divulgados em Berlim nos anos 90 nas sido o filósofo mais importante da segunda
Atas da Real Academia Prussiana de Ciên- metade do século XIX.
cias, gênero de publicação que, por nature- Com a morte de Dilthey, em 1911, tem
za, não poderia tornar conhecidos do grande início uma correção dessa visão distorcida
público os esforços do autor no sentido de do autor, objetivo defendido com grande
estabelecer a fundamentação das ciências do interesse pelos seus discípulos já empenha-
espírito, principalmente porque tais tratados dos na tarefa de organização de suas Obras
apareceram espaçadamente, desligados uns Completas. A edição das Obras Completas
dos outros, sem qualquer indicação explícita (Gesammelte Schiriften – GS) tinha papel
do autor no sentido de justificar o nexo siste- importante para o pensamento diltheyano,
mático existente entre eles. isto é, corrigir posteriormente aquela visão
Entre as últimas publicações que ante- deformada que a crítica lhe imputara. To-
cedem a morte do autor, estão dois grandes davia, semelhante edição não partiu de um
tratados: A Construção do Mundo Histórico plano unitário. Supõe-se que seus editores
nas Ciências do Espírito (1910) e Os Tipos originais, Georg Misch, Groethuysen e Her-
de Concepção do Mundo e sua Formação man Nohl, tinham em mente apenas reeditar
nos Sistemas Metafísicos (1911). A teoria as poucas obras que haviam sido publicadas
diltheyana da concepção do mundo exerce por Dilthey em vida, completando-as unica-
grande influência na literatura e na arte, o mente, então, com breves publicações das
que reforça ainda mais a imagem de Dilthey póstumas. Hoje se sabe que seus discípulos,
como o “arguto historiador do espírito”, mesmo os mais próximos, não tinham noção
permanecendo o real propósito sistemático- da amplitude de sua obra no seu conjunto.
-filosófico do autor praticamente sem chamar E isso pode ser testemunhado por um deles,
a atenção dos contemporâneos. Bastante ca- Herman Nohl, que tornou pública uma con-
racterístico da pouca ressonância do nome fissão que o autor lhe fizera, provavelmente
de Dilthey é o relato, misto de indignação e ao pensar nos incontáveis manuscritos que
resignação, de José Ortega y Gasset na época jaziam em seus armários: “Os senhores vão
em que era aluno na Universidade de Ber- ralhar comigo quando eu morrer”.
lim em 1906. Não teve a sorte de conhecer A publicação dos primeiros volumes das
MARIA NAZARÉ
Dilthey, que apenas poucos anos antes havia Obras Completas foi interrompida pela Pri- DE CAMARGO
passado a dar suas aulas não mais no prédio meira Guerra Mundial, tendo seu recomeço PACHECO AMARAL
é professora titular
da Universidade, mas em sua casa, para onde sido marcado pela publicação dos volumes da FE-USP e autora
convidava alguns poucos eleitos para ouvi-lo. V e VI em 1924. Georg Misch, genro do au- de, entre outros,
Ninguém Ensina
Ortega manifesta a mesma queixa daqueles tor, então editor dessas duas obras, fez um Ninguém: Aprende-se
que se ocupavam com seu pensamento na- longo relatório preliminar, procurando dar (Edusp/Fapesp).

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ênfase à unidade sistemática do pensamento hermenêutica no âmbito das ciências do


diltheyano. Semelhante trabalho favorece espírito, conforme as intenções do próprio
em grande parte o “despertar” da imagem Dilthey. Além disso, a morte de importan-
do Dilthey filósofo, isto é, desvela-se o abran- tes discípulos, como Herman Nohl (1960) e
gente pensador sistemático. O aparecimen- Georg Misch (1965), além de Clara Misch
to em seguida do volume VII (1927) e do (1967), filha de Dilthey, permitiu que cartas,
volume VIII (1931) das Obras Completas, documentos pessoais, cópias de obras que
organizados por B. Groethuysen, contribui se encontravam em poder desses discípulos
também decididamente para confirmar a e da família viessem a formar um arquivo
nova imagem do autor, na medida em que do autor. A partir daí, os anos 60 foram
inclui a publicação de trabalhos ligados em marcados pela continuidade da edição das
seu conjunto à fundamentação filosófica das Obras Completas, interrompida no volume
ciências do espírito. XII. M. Redeker encarregou-se dos volumes
Essa repercussão da filosofia diltheyana XIII (1970) e XIV (1960) e, desde o volume
teve, todavia, efeito passageiro, motivado por XV até o XXVI, coube a responsabilidade
diferentes fatores. Entre eles, a publicação de organização dessa sequente edição a K.
de O Ser e o Tempo, de Heidegger, em 1927, Gründer e F. Rodi a partir dos anos 70, no
que teria desviado o centro das discussões então recém-inaugurado Centro de Estudos
filosóficas no âmbito da fundamentação das de Dilthey em Bochum. Semelhante tarefa
ciências do espírito. Além disso, a filosofia tão volumosa nutriu-se das Obras Comple-
de Karl Jaspers (1932) aparece como decisiva tas de Dilthey depositadas na Academia de
radicalização da filosofia da vida. Apesar do Ciências de Berlim, na época fazendo parte
esforço de Georg Misch ao publicar seu livro da República Democrática Alemã.
Filosofia da Vida e Fenomenologia (1930), Com esse incansável trabalho, procurou-
em que procura aprofundar a filosofia dil- -se reconstruir o sistema diltheyano de fun-
theyana, discutindo determinados pontos do damentação das ciências do espírito e, como
pensamento de Heidegger e Husserl, o do- resultado imediato, obteve-se, desde o início
mínio do nacional-socialismo punha fim à dos anos 80, um interesse cada vez maior e
livre discussão filosófica na Alemanha. Dil- mais vivo pelo pensamento e obra de Dilthey,
they foi visto pelos nacional-socialistas como que, por sua vez, desencadeou uma demanda
representante do odiado pensamento liberal mundial de traduções para diferentes línguas
burguês; Heidegger foi tido como perigoso vernáculas. Vieram ao encontro dessa busca
niilista; G. Misch precisou viajar para a In- projetos de tradução de universidades ame-
glaterra; e o livro de O. F. Bollnow, Wilhelm ricanas, francesas, russas, brasileiras, todos
Dilthey, uma Introdução em sua Filosofia eles financiados pela Fundação Fritz Thys-
(1936), permaneceu sem nenhuma ressonân- sen. Entre os projetos em andamento encon-
cia. A publicação das Obras Completas sofre tram-se as traduções japonesas e chinesas,
nova interrupção depois do aparecimento do além de iniciativas individuais na Itália. Por
volume IX (1934) reunido por Erich Weniger. influência, principalmente de Ortega y Gas-
Mesmo depois da Segunda Guerra Mun- set, já havia aparecido, relativamente cedo,
dial nota-se um retorno muito hesitante em a partir de 1944, uma série de traduções de
direção à obra diltheyana, sendo que só a obras de Dilthey para o espanhol. Referimo-
partir da década de 60 foi possível obser- -nos à edição mexicana do Fondo de Cultu-
var novamente interesse mais marcante pelo ra Económica apresentada em oito volumes
seu pensamento. A publicação de Verdade por Eugénio Imaz, entre outros. Tal trabalho
e Método: Fundamentos de uma Herme- exerceu enorme influência sobre a recepção
nêutica Filosófica (1960), por Hans Georg de Dilthey no mundo ibero-americano. Lo-
Gadamer, desperta atenção pelos problemas renzo Luzuriaga responde também por dois
da hermenêutica ao reconhecer a dimensão volumes das obras pedagógicas de Dilthey,

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traduzidos para o espanhol e publicados já a depois de uma não muito afortunada e por
partir de 1940 pela editora Losada, em Bue- isso mesmo longa trajetória, os esforços dos
nos Aires. Surgem mais recentemente, no estudiosos para reconstruir o sistema dil-
mundo de língua portuguesa, dois volumes theyano de fundamentação das ciências do
de textos filosóficos de Dilthey, publicados espírito foram coroados de pleno êxito, eri-
em Portugal. Finalmente, no ano de 2010 gindo Dilthey ao nível de filósofo clássico
a Edusp, com financiamento da Fundação do pensamento do século XIX. Todavia, di-
Fritz Thyssen em Colônia, publica um volu- ferentemente de Kant, Hegel, Schopenhauer
me grande de textos selecionados de Dilthey, e Nietzsche, por ter tido atuação destacada
incluindo parte significativa da obra do filó- principalmente dentro dos limites da tradi-
sofo e pedagogo alemão1. ção acadêmica, Dilthey permanece ainda
O efervecer do interesse pela obra de hoje pouco conhecido do grande público.
Dilthey, nos anos 80, foi ainda marcado, em Dilthey é considerado um filósofo da vida
1983, pela comemoração vibrante em dife- responsável pela fundamentação filosófica
rentes países, sobretudo Alemanha, Itália e das ciências do homem, da sociedade e da
Estados Unidos, do 150o aniversário do filó- história por ele denominadas de ciências do
sofo alemão e do centenário da publicação de espírito, delimitando-as com total indepen-
sua obra Introdução às Ciências do Espírito. dência das ciências da natureza. Semelhan-
A edição do Anuário de Dilthey para Filoso- te fundamentação das ciências do espírito,
fia e História das Ciências do Espírito tam- conferindo-lhes conceito rigoroso e assegu-
bém está entre as conquistas efetivadas em rando-lhes cientificidade sem nenhuma ne-
1983. Nos seus quase vinte anos de duração, cessidade de se subjugarem aos conceitos ou
com doze volumes publicados, representou métodos das ciências da natureza, rendeu-lhe
uma tentativa bem-sucedida de harmonizar o reconhecimento de ser o primeiro clássico
discussões filosóficas e arquivos de publi- da filosofia hermenêutica. Sua filosofia da
cações inéditas nacionais e internacionais. vida representa o símbolo mais elevado de
Como a mais recente homenagem a Dilthey e sua busca da certeza teórica, todavia dire-
justapondo-se à comemoração do centenário cionada a um objetivo instrumental eminen-
de sua morte, o Centro de Estudos de Dilthey temente prático, isto é, alcançar uma base
em Bochum festejou seus quarenta anos de segura para o agir. Toda especulação teórica
existência, concomitantemente com os cin- só é verdadeira se possibilitar orientação prá-
quenta anos da Universidade de Bochum. tica, ou condições para o estabelecimento de
No final de novembro de 2011, realizou-se regras do comportamento individual ou para
evento com participação da cúpula da uni- conduta social além de métodos e objetivos
versidade para inauguração e exposição de para a educação. Caberá à filosofia ensinar-
livros publicados na Alemanha e em outros -nos como atuar no mundo e isso somente
países, como Estados Unidos, Brasil, Itália, a partir do conhecimento claro do grande
França, Polônia, Rússia, livros esses que ti- nexo de leis que comandam as realizações
veram relação com trabalhos e pesquisas do sociais, intelectuais e morais do homem, co-
Centro de Estudos. Foi também organizada nhecimento esse que constitui a fonte de todo
uma vasta bibliografia sobre toda a produção seu poder (GS, V, p. 27).
do centro nesse período. É ainda da respon- Com vistas a abrir o interior do homem
sabilidade dele o desenvolvimento de novo para descobrir esse grande nexo de leis, Dil-
projeto de publicação da correspondência de they guia seus passos inicialmente orien-
Dilthey, previsto para quatro volumes, sendo tado pelos métodos analítico-descritivo e 1 Trata-se do livro Filo-
sofia e Educação: Tex-
que o primeiro, com 900 páginas, já veio a histórico-antropológico. Tais métodos de- tos Selecionados de
público no ano de 2011. vem permitir à psicologia e à antropologia Wilhelm Dilthey, com
Apesar de a edição das Obras Comple- ter acesso efetivo à compreensão de nossa
527 páginas, e orga-
nização e introdução
tas ter chegado ao fim com seus 26 volumes, vida psíquica, como um todo, base a partir da minhas.

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qual se torna possível atingir o conhecimento as organizações de vida mais simples e rudi-
conjunto dos fenômenos históricos, tratados mentares até as mais ricas e mais complexas,
por suas respectivas ciências do espírito. Dil- como a do homem. O que diferencia brutal-
they parte do nexo estrutural de nossa vida mente a organização humana daquela dos
psíquica que espelha toda a complexidade e animais inferiores é a existência de mem-
riqueza próprias de nossa realidade histórico- bros de conexão cada vez mais numerosos,
-social. É justamente o reconhecimento das mais ricos e complexos entre o estímulo e
relações de cada uma das ciências do espíri- o movimento, entre a impressão e a reação.
to, em particular, com o nexo psíquico, origi- Semelhante estrutura vital é um nexo, sendo
nalmente existente na base de todas elas ao que em níveis mais elevados dessa linha de
mesmo tempo, que possibilita à psicologia evolução o nexo psíquico representa a unida-
fundamentar a autonomia bem articulada do de de consciência. Juntamente com ela nos é
conjunto das ciências do espírito. A análise dada a consciência do mundo exterior. Uma
e descrição do nexo de nossa vida psíquica e outra provêm da vitalidade de nosso eu, isto
mostra-nos que ele está sempre atrelado em é, do exercício do nexo psíquico estrutural do
seu desenvolvimento regular e típico a con- homem com sua interligação de funções do
cretizações históricas singularizadas e vivas. pensar, sentir e querer em contínuo relacio-
O método histórico-antropológico vem ao en- namento com o meio.
contro das necessidades da psicologia permi- O esquema fundamental parece ser bas-
tindo uma apreensão tipológica de conteúdos tante simples e rudimentar: o homem, esse
dos estados psíquicos. “Psicologia e antropo- “feixe de impulsos”, como Dilthey o chama, é
logia passam então a constituir o fundamen- pressionado pela necessidade de buscar satis-
to de todo conhecimento da vida histórica, fação para seus impulsos e, por esse motivo,
assim como de todas as regras de direção e movimenta-se. Semelhante atuação é subje-
aperfeiçoamento da sociedade” (GS, I, p. 32). tiva, imanente e teleologicamente orientada
Dilthey, buscando aprofundar ainda mais com vistas não apenas a alcançar a conser-
o conhecimento das qualidades gerais do ho- vação do indivíduo e da espécie ou aumentar
mem como elemento da sociedade, detecta a organização entre os seres vivos, mas tam-
estar o nexo estrutural da vida psíquica en- bém a responder por todos os efeitos finalis-
raizado na própria estrutura da vida. tas na vida humana, na sociedade e história.
Em outras palavras, a estrutura psíquica
“A expressão vida significa aqui em primeiro emergente das camadas mais subterrâneas
2 Uma avaliação mais ri- lugar aquilo que para cada um é o mais co- da vida orgânica é capaz de, em interação
gorosa da importância nhecido, o mais íntimo. O que é a vida está criativa com o meio, conceber a realidade
do conceito de estru-
tura em Dilthey e da dado na experiência. Nós a vivenciamos, e apoiada na realização de valores e propo-
origem da influência ainda assim ela é para nós um enigma. Mas sição de fins graças às sempre crescentes e
indireta do evolucio-
nós sabemos como ela se comporta e como mais complexas diferenciações que essa es-
nismo spenceriano so-
bre o filósofo alemão se caracteriza. Ela está onde existe uma es- trutura original acolhe em seu seio, sem, com
(via Theodor Ribot) trutura que vai do estímulo ao movimento. isso, permitir qualquer brecha ou ruptura de
encontra-se em Rodi
(1987). Cf. GS, XXIV, 56; Esse progresso do estímulo ao movimento continuidade em sua linha de evolução3.
GS, V, 215; além de GS está por toda parte ligado a um fenômeno Na base da unidade estrutural fundamen-
VI, 63.
orgânico. Nessa estrutura, que vai do estí- tal nascem as vivências, um dos pilares que
3 P
 ara Helmut Johach
mulo ao movimento, como que se encontra o sustentam o mundo histórico social ao lado
(1974, p. 100), existe
dentro de certos li- segredo da vida. A unidade da vida está sem- da “expressão” e da “compreensão. O conjun-
mites uma linha de pre na conexão dessa estrutura” (GS, XIX, p. to das vivências compõe, então, sobre a base
d e s e nv o l v i m e n t o
psíquico que vai da 344; cf. também GS, XIX, p. 345)2. sólida desse nexo estrutural original, o nexo
variedade à unidade, adquirido da vida psíquica, passível de ser
da estrutura geral fi-
siológica à psíquico- É-nos autorizado falar de uma estrutura compreendido graças às formas objetivas de
-espiritual. ou tipo de vida psíquica que progride desde expressão da vida nele contidas. No jogo entre

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impulso e resistência o homem exercita a vita- casa nesse mundo da compreensão histórica,
lidade de suas forças psíquicas. Ele vivencia. nós compreendemos sentido e significado de
A psicologia, já dilatada em seus domí- tudo, nós mesmos estamos como que tecidos
nios para fazer jus aos bons frutos do método nessa esfera das coisas comuns” (GS, VII, p.
histórico-antropológico, ao pretender funda- 147). Se esse fundo comum também pertence
mentar o conhecimento das ciências do espí- à vivência é porque os indivíduos na singu-
rito a partir da compreensão do evoluir his- laridade de suas vivências coexperimentam
tórico das expressões objetivas das vivências, valores, objetivos, expressões, significados,
acaba por desembocar na hermenêutica. O crenças e, assim atuando, coparticipam da
procedimento hermenêutico fundamenta-se criação ou construção desse todo do mundo
justamente no reforço do balanço pendular histórico-social4. O significado que objetos e
entre o todo e a parte, o universal e o singu- pessoas adquirem para nós em meio a essa
lar. “Eu devo compreender o todo”, declara esfera das coisas concebidas, apreciadas e
Dilthey, “a partir do singular e o singular a valorizadas em comum parece constituir o
partir do todo. Dessa contradição resulta o apoio sólido capaz de sustentar a objetividade
procedimento do hermeneuta” (GS, XX, p. das formas de expressão da vivência como
107). Vivência constitui o verdadeiro ponto expressões históricas da vida do espírito, via-
médio entre o geral e o individual, o universal bilizando, consequentemente, sua compreen-
e o singular, o ideal e o real, uma vez que por são, símbolo máximo da tarefa das ciências
constituição carrega em si uma consciência do espírito. A viabilidade de semelhante tare-
eficaz e por isso consoladora e protetora de fa hermenêutica deve-se, em última instância, 4  Para Gadamer (1965),
sua origem extraindividual na “esfera das coi- à vida do espírito que, como um cordão invi- “a vivência tem uma
estrutura hermenêu-
sas comuns” a que pertence e em certo sentido sível, permeia as objetivações da vida históri- tica” e em função disso
também lhe pertence. “Nós nos sentimos em ca com uma energia infinitamente soberana. “ela se autointerpreta”.

B I B LI O G R AFIA

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. “O Conceito de Estrutura em Dilthey”, tradução de Maria Nazaré de Camargo
Pacheco Amaral, in Revista USP, no 2, São Paulo, 1989, pp. 117-24.

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