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SINOPSE DE

MEDICINA
LEGAL
CARLOS AUGUSTO SANTOS RODRIGUES

RODRIGUES, CARLOS AUGUSTO SANTOS


SINOPSE DE MEDICINA LEGAL/ CARLOS AUGUSTO SANTOS RODRIGUES
GOIÂNIA: ED. DA UCG, 2000
ISBN 85-7103-122-3

1
SUMÁRIO

PREFÁCIO ....................................................................................................................................3

PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO ....................................................................................... .4

ADBERTÊNCIA AOS ALUNOS ............................................................................................... 4

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................5

1 ANTROPOLOGIA FORENSE ............................................................................................ .12.

1.1 Determinação Pericial da idade; 1.2 Identidade e Identificação

2 TRAUMATOLOGIA FORENSE ..........................................................................................16

2.1 Agentes Lesivos Mecânicos; 2.2 Agentes Lesivos Físicos; 2.3 Agentes Lesivos Químicos;
2.4 Agentes Lesivos Bioquímicos; 2.5 Agentes Lesivos Biodinâmicos; 2.6 Agentes Lesivos Mistos; .
2.7 Classificação das Lesões Corporais (Art. 120, CP);

3 DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE .......................................................................28

4 ASFIXIOLOGIA ......................................................................................................................29.

4.1 Sinais Gerais de Asfixia; 4.2 Classificação das Asfixias

5 TANATOLOGIA FORENSE ...................................................................................................32.

5.1 Diagnóstico da Certeza da Morte; 5.2 A Declaração de Óbito ; 5.2 Morte real e morte encefálica;
5.4 Destino dos Cadáveres; 5.5 Fenômenos Cadavéricos Transformativos; 5.6 Cronotanatognose

6 SEXOLOGIA FORENSE ..........................................................................................................42.

6.1 Determinação Pericial do Sexo ....................... (p.42)


6.2 Impedimentos Matrimoniais ........................... (p.44)
6.3 Vínculo Genético; 6.4 Impotência Sexual;
6.5 Perversões Sexuais ........................................ .(p.49)
6.6 Crimes Sexuais .............................................. (p.51)
6.7 Gravidez e Parto ............................................. (p;54)
6.8 Abortamento e Infanticídio ..............................(p.55)

7 PSICOPATOLOGIAFORENSE .............................................................................................58
7.1 Funções Mentais;
7.2 Crimes Emocionais e Passionais;
7.3 Psicologia da Testemunha e da Confissão ........... (p.64)
7.4 Criminogênese .................................................... (p.66)
7.5 Responsabilidade Penal e Capacidade Civil .........(p;71)
7.6 Doenças Mentais e Perturbações da Saúde Menta; (p.73)
7.7 Alcoolismo e Toxicomanias.................................. (p.79).

REFERÊNCIAS ...............................................................................................................................82
ANEXOS ..........................................................................................................................................84

2
PREFÁCIO

A Medicina Legal, enquanto disciplina na graduação, é oferecida tanto no curso de Medicina como no
de Direito. Ela constitui um verdadeiro ‘elo’ entre essas duas ciências. Este livro, fruto da experiência de
muitos anos como professor da disciplina na faculdade de Direito da Universidade Católica de Goiás, destina-
se principalmente aos alunos de graduação em Direito. Para o estudante de Medicina, embora possa ser útil,
recomendamos outros livros mais aprofundados, uma vez que (propositalmente) não entramos nas minúcias
técnicas da realização das perícias.
A Medicina Legal, de forma sucinta, é a Medicina a serviço do Direito, essa é a definição que costu-
mamos dar aos nossos alunos. Se a Medicina não pode prescindir do Direito, uma vez que a atividade médica
não deve, em nenhuma hipótese, desrespeitar a legislação em vigor; a recíproca também é verdadeira: o Direito
não pode prescindir da Medicina. Por quê? Porque em determinadas situações, para o esclarecimento de alguns
fatos, é de fundamental importância a atuação de um profissional da área médica. Estamos nos referindo às
perícias médico-legais, partes integrantes de qualquer processo penal, que envolvam alguma lesão corporal,
ou até mesmo a morte. Isso não significa necessariamente que o aluno de Direito deva estudar Medicina.
Porém, significa que esse aluno tenha, pelo menos, algumas noções básicas de Medicina Legal. Por isso é
importante que todo aluno do curso de Direito estude Medicina Legal. Porquanto, é de fundamental importân-
cia que ele tenha pelo menos noções básicas desta disciplina. E este é o escopo deste livro: dar ao aluno de
Direito uma formação básica nesta ciência. De forma que ao final do curso ele se sinta capacitado, apto a
solicitar um exame pericial e, principalmente, a interpretar o laudo resultante dessa diligência. Porquanto,
como já o referimos no prefácio da primeira edição, o que se espera, como conhecimento médico-legal, de um
juiz, promotor, delegado ou advogado não é que ele conheça o Instituto Médico Legal, nem que saiba fazer
uma perícia, descrevendo as suas minúcias; mas que ele saiba como solicitá-la e, principalmente, que ele saiba
como interpretar corretamente um laudo pericial. Por esta razão é que não teremos aulas no IML.
Desde a primeira edição desta obra, ocorreram (e continuam ocorrendo, uma vez que o Direito é dinâ-
mico) muitas alterações na legislação. De forma que se torna necessário frequentes revisões e atualizações.
Assim, fizemos uma revisão geral de todos os capítulos e acrescentamos um capítulo sobre a ‘periclitação da
vida e da saúde’.
Com o magistério, que teoricamente é a arte de ensinar, nós aprendemos muito (e como aprendemos!).
Aprendemos e evoluímos. As aulas, mais do que local de preleções, são focos de conflitos de idéias. A dialética
social está presente dentro da sala de aula. E o professor não é o detentor da verdade. É preciso ter a humildade
de admitir que apesar de estar ali para ensinar, ele ainda tem muito que aprender. E aprende com os alunos. De
forma que muitos dos conceitos (e pré-conceitos) que tínhamos no início de nossa carreira docente, graças a
esses encontros conflituais, estão completamente obsoletos e ultrapassados. E esse também é um dos motivos
pelos quais tornou-se necessária uma revisão desta obra didática. Assim, quem teve a oportunidade de lê a
primeira ou a segunda edição, com certeza, perceberá mudanças radicais em determinados pontos de vistas. E
terminamos esse prefácio deixando como mensagem para os nossos alunos: quem não estiver disposto a apren-
der e a continuar aprendendo, não se meta a ensinar. Porquanto, aprendizado é uma atividade que tem começo,
mas não tem fim.

3
PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO

Sinopse de Medicina Legal é resultado da preparação de aulas ao longo dos últimos cinco anos e contém o
programa integral da disciplina Medicina Legal, ministrada no Departamento de Direito da Universidade Católica
de Goiás. Adotamos esta obra como livro texto, atendendo a um desejo há muito manifestado por nossos alunos.
Acreditamos ainda que esta será útil como livro de consulta para os profissionais da área jurídica, tanto para os que
cursaram esta disciplina como para aqueles que optaram por não fazê-Ia. Essa Sinopse foi elaborada especificamente
para o curso de Direito, mas como a disciplina é ministrada no curso de Medicina, uma vez que o profissional da
área médica também fará perícias, mesmo não sendo ele necessariamente um médico legista. Do profissional da
área jurídica serão (ou deverão ser) cobrados apenas conhecimentos teóricos. O que se espera do juiz, do promotor,
do delegado é um conhecimento básico dessa disciplina, especificamente dos termos técnicos utilizados, bem como
aptidão para solicitar e interpretar um laudo pericial. São exatamente esses os nossos objetivos: familiarizar o aluno
com os termos técnicos e capacitá-lo a solicitar e a interpretar um laudo pericial.
Queremos chamar a atenção dos nossos alunos para o fato de que o nosso curso é eminentemente teórico,
isto é, não teremos aulas práticas. Não precisam, pois dar plantão no IML e realizar exames cadavéricos. Nada disso
ocorrerá. Por outro lado, para facilitar o aprendizado, ilustramos nossas aulas com a exibição de slides e fitas em
VHS.

Goiânia, 2000

ADVERTÊNCA AOS ALUNOS DE MEDICINA LEGAL: COMO A LEGISLAÇÃO CONSTANTE-


MENTE É ATUALIZADA (O DIREITO É DINÂMICO E NÃO ESTÁTICO), ADVERTIMOS AOS
ALUNOS PARA TEREM SEMPRE EM MÃOS OS CÓDIGOS DE DIREITO PENAL E CIVIL,
BEM COMO OS CÓDIGOS DE PROCESSO RELACIONADOS A ESSES RAMOS DO DIREITO,
QUANDO DEPARAREM COM ALGUMA REFERÊNCIA A LEIS NESTE LIVRO. ESTA OBRA
FOI ELABORADA NO ANO 2000 E FOI REVISADA POSTERIORMENTE EM 2009.

4
INTRODUÇÃO

Conceito e Classificação da Medicina Legal


A Medicina Legal é, na definição de Maranhão (1989, p. 27), "o uso dos conhecimentos médicos e
biológicos a serviço do Direito constituído e do Direito constituendo", isto é, aplica-se tanto na elaboração
quanto na aplicação das leis. Para facilitar o entendimento dos alunos, nós a definimos, em nossas aulas, como
sendo a Medicina a serviço do Direito, tanto na elaboração quanto na aplicação das leis.
A Medicina Legal, como disciplina, consta no currículo de dois cursos de graduação: Medicina e Direito.
Trata-se, pois, de um verdadeiro elo entre estas duas ciências. Não é por acaso que o professor Flamínio Fávero
(1973), um dos expoentes da Medicina Legal no Brasil, enfatizava: "não basta ser médico para ser legista, é
preciso ter uma formação médico-legal", ou seja, o médico, para poder atuar numa perícia, necessita ter co-
nhecimentos jurídicos, além, da sua formação médica. O programa curricular, porém, é o mesmo em ambas as
faculdades. Todavia, enquanto o aluno de Medicina tem aulas teóricas e práticas, o de Direito tem apenas aulas
teóricas, pois o médico poderá ser convocado para realizar uma perícia (mesmo ele não sendo médico legista)
e o profissional da área jurídica terá atribuições de solicitar uma perícia e interpretar o laudo pericial (docu-
mento elaborado pelo médico que realizou o exame). Por isso é que não temos aulas práticas de Medicina
Legal na faculdade de Direito, mas apenas aulas teóricas. O que se espera, nessa disciplina, é que o aluno
adquira a competência de saber solicitar uma perícia, bem como saber interpretar corretamente um laudo pe-
ricial. Porquanto, em conformidade com a Lei, ao juiz é facultado o direito de determinar que se faça outra
perícia, bem como o de rejeitar o laudo em parte ou no todo (artigo 182 do Código de Processo Penal: "O juiz
não ficará adstrito ao laudo, podendo rejeitá-lo em parte ou no todo").
A Medicina Legal surgiu juntamente com o Direito como instituição. Tão logo surgiram as penas houve
a necessidade de elucidar certas dúvidas para não se cometerem, em nome da Justiça, verdadeiras injustiças.
Tomemos como exemplo que se tenha encontrado um cadáver. Todos suspeitam de homicídio, mas a perícia
revela tratar-se de um suicídio. Sem esse fundamental esclarecimento, algum inocente seria injustamente pe-
nalizado. Por outro lado, poderia se pensar que fosse morte natural, mas a perícia elucida que se trata de um
homicídio. O processo seria então reaberto e iniciar-se-iam as investigações para se chegar ao homicida.
Nos primórdios da Medicina Legal, qualquer cidadão poderia opinar como perito, pois, na verdade, nem
se fazia perícia de fato. Esta fase, que vai até mais ou menos o século XVI, chama-se de período pré-científico
da Medicina Legal, em oposição ao chamado período científico, iniciado naquela época pelo então imperador
Carlos V, com o chamado Código Carolino. Esse Código determinava que as perícias somente devessem ser
realizadas por pessoas com algum conhecimento da matéria a ser examinada, além do que instituía certa regu-
lamentação das perícias. A partir dessa época ficou estabelecida a necessidade de se ter conhecimentos técnicos
para se poder atuar como perito. Por volta de 1575, foi publicado o primeiro livro de Medicina Legal: “Tratado
dos Relatórios”, de Ambrósio Paré; e, por volta de 1601, Paulo Zacchia publicou sua obra prima: “Questões
Médico-Legais”. Esta última foi escrita com tal precisão científica que, segundo Camargo Jr.(1987, p.22),
ainda é consultada.
Como foi dito anteriormente, o período científico da Medicina Legal se caracteriza pela regulamentação
das perícias. Na nossa legislação, essa regulamentação se encontra tanto no Código de Processo Penal quanto
no de Processo Civil.
Maranhão (1989) divide a Medicina Legal em Medicina Legal Profissional, Medicina Legal Judiciária
e Medicina Legal Social. A primeira cuida dos direitos (diceologia) e dos deveres (deontologia) do médico, a
terceira cuida das perícias relacionadas à área administrativa (aposentadorias, licenças médicas etc.) e à área
securitária (perícias relacionadas aos seguros em geral). A segunda (Medicina Legal Judiciária) constitui o
programa de nosso curso, dividido nos seguintes capítulos:
1. Antropologia Forense – Antropologia, numa definição bem genérica, é a ciência que estuda o ser
humano tanto no aspecto biológico como no sociocultural. Aqui nos limitaremos ao estudo da identidade, da
identificação e da determinação pericial da idade.
2. Psicopatologia Forense - seguindo a orientação de Hélio Gomes (1989, p. 83) subdivide-se em Psi-
cologia Forense (em que se estudam as funções mentais, a Psicologia da Testemunha e da Confissão, além de

5
se apresentar o modelo Psicanalítico); e Psicopatologia Forense, propriamente dita, na qual se estudam os
fatores mentais que determinam alteração na responsabilidade penal e na capacidade civil.
3. Sexologia Forense - estudo da sexualidade humana e as implicações médico-legais das suas aberra-
ções, como os crimes sexuais, abortamento e infanticídio.
4. Traumatologia Forense - estudo dos agentes lesivos de modo geral, as lesões por eles causadas e as
consequências médico-legais destas lesões (bem especificadas no art. 129 do Código Penal).
5. Asfixiologia - estudo das asfixias em geral (afogamento, estrangulamento, confinamento, soterra-
mento, enforcamento etc.).
6. Tanatologia Forense - estudo da morte e dos assuntos a ela relacionados que sejam do interesse da
Medicina Legal, tais como: o conceito de morte; a morte real e a morte encefálica; o diagnóstico de certeza da
morte; causa médica da morte e natureza jurídica da morte; destino dos cadáveres; os fenômenos transforma-
tivos.
A Medicina Legal não é uma ciência autônoma, como chegaram a aventar alguns autores, mas, a nosso
ver, trata-se apenas de mais uma especialidade médica. Como todo ramo de qualquer conhecimento, ela tam-
bém tem as suas limitações e, não raramente, recorre a outras especialidades (como a traumatologia, a gineco-
logia, a psiquiatria etc.); bem como a outras ciências (como a Antropologia, a Entomologia, a Química etc.).

Importância da Medicina Legal para o Direito


Frequentemente alguns alunos do curso de Direito nos perguntam se é importante o estudo da Medicina
Legal. Para alguns ela é apenas uma disciplina secundária. A melhor resposta para qualquer pergunta, já dizia
um mestre de Estatística, é ‘depende’. Sendo assim, a nossa resposta a esta inquirição é, também, ‘depende’
do que o aluno está buscando na sua formação universitária. Para os que buscam apenas enriquecer o seu
currículo, ou obter uma promoção em seu emprego, temos de concordar, ela não tem a menor importância. Por
outro lado, para os que pretendem atuar profissionalmente, seja como juiz, promotor, delegado etc., ela é in-
dispensável, é de vital importância, uma vez que não conseguimos imaginar um processo, seja no foro cível,
seja no penal, que não tenha no seu bojo um laudo pericial, com todos os termos técnicos, num linguajar
estranho para a grande maioria dos profissionais de outra área que não a médica.
O nosso curso, direcionado especificamente para o aluno de Direito, tem como objetivos principais
(como já aludimos atrás): familiarizá-lo com os referidos termos técnicos da área médica, bem como torná-lo
apto a solicitar uma perícia e a interpretar os laudos periciais. Se esses objetivos forem alcançados pelo menos
por uma parte dos alunos, já nos daremos por satisfeitos.

Perícias, Peritos e Documentos Médico-Legais

A perícia, assim define o nosso Código de Processo Civil (art. 420), "é qualquer exame, vistoria ou
avaliação". Podemos deduzir, por este enunciado, que em qualquer área da atividade humana, e não somente
na área médica, pode-se requerer uma perícia. Quando a matéria a ser examinada for do interesse da Medicina,
teremos então a chamada perícia médico-legal. Desse modo, podemos definir a perícia médica como qualquer
procedimento médico (uma consulta, um exame etc.) realizado a serviço da Justiça. Note-se que o "à serviço
da Justiça" é que caracteriza uma perícia judiciária. Em se tratando do mesmíssimo exame, feito pelo mesmo
médico, mas que não seja por determinação da Justiça, embora seja um serviço feito por um especialista no
assunto, não constitui uma perícia judiciária; embora este exame possa vir a servir de subsídio, como veremos
adiante, para uma ulterior perícia retrospectiva. Tomemos como exemplo (como antigamente, com certa fre-
quência, ocorria), o caso de uma mãe aflita porque a filha chegou em casa de madrugada, que recorre a um
médico conhecido para que este verifique se a "honra" da família não foi ultrajada. Neste caso, o médico poderá
até fornecer um atestado médico para a mãe (se a filha for menor) relatando se houve ou não conjunção carnal;
mas não terá a validade de uma perícia. Porém, considerando ainda a filha de menor idade, se a mãe recorrer
à Delegacia e fizer uma ocorrência acusando o namorado do crime de pedofilia; o mesmo médico, fazendo o
mesmo exame, agora a serviço da Justiça, por determinação do delegado, estará, então, realizando uma perícia.
Determina o artigo 158 do Código de Processo Penal (CPP) que quando houverem vestígios deixados
pelo ato delituoso, será necessário o exame de corpo de delito, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Ou seja, a realização da perícia é um imperativo legal.
6
Mas o que é "corpo de delito"? Todo e qualquer vestígio deixado pelo ato delituoso é corpo de delito.
Assim é corpo de delito uma fratura, uma equimose, uma cadeira quebrada, um toco de cigarro, uma mancha
de sangue ou de esperma, uma impressão digital etc. Ao médico legista competirá examinar os vestígios dei-
xados no corpo da vítima, bem como no do agressor; enquanto competirá ao perito criminalista o exame dos
outros vestígios deixados no local. Este perito criminalista não é médico, mas é perito. Assim temos o perito
criminalista (que examina os vestígios deixados no local) e o médico legista (que examina os vestígios dei-
xados no corpo da vítima ou do agressor). Cada um, atuando a serviço da Justiça, elabora o seu ‘laudo pericial’
e o encaminha à autoridade solicita. Esses dois peritos atuam de forma paralela mas complementar.
Antigamente o médico-legista realizava as duas funções. Por esta razão é que nos livros mais antigos de
Medicina Legal encontram-se muitas informações da Criminalística propriamente dita. Assim, qualquer perí-
cia judiciária é, na verdade, um exame de corpo de delito.
Segundo Camargo Jr. (1987, p. 54), os vestígios deixados pelo ato delituoso podem ser: transeuntes e
permanentes. Os primeiros desaparecem com o passar do tempo sem deixar nenhum sinal (a rubefação, a
equimose, o hematoma etc.). Já os outros (os permanentes) deixam marcas indeléveis (a cicatriz deixada por
uma cirurgia ou por uma queimadura de terceiro grau). Temos ainda, segundo o mesmo autor, as chamadas
‘vias de fato’1 em que há bate-boca e até luta corporal (como acontece em briga de comadres, com cuspe na
cara e xingamento das mães e até das avós), mas que não deixam nenhum vestígio. Podemos classificar as
perícias em diretas e indiretas.
Perícia Direta - o perito examina os vestígios, deixados pelo ato delituoso antes deles se extinguirem.
Importa ressaltar que tanto podem ficar vestígios na vítima como no agressor (as chamadas lesões de defesa).
Entende-se, portanto, a importância de o exame de corpo de delito ser realizado o mais cedo possível (por
exemplo, numa briga de bar um sujeito leva um soco no rosto, resultando uma equimose). Feita a ocorrência
na Delegacia, a vítima imediatamente é encaminhada ao Instituto de Medicina Legal (IML) para que se faça a
perícia. Os peritos descrevem as lesões e respondem aos quesitos. Mas, supomos que não se faça o exame de
imediato. Decorrido aproximadamente vinte dias a equimose (que é um vestígio transeunte) já desapareceu.
Perícia Indireta - os peritos dão o seu parecer analisando relatórios dos médicos que examinaram e
atenderam à vítima por ocasião do delito. Por exemplo, uma pessoa esfaqueada é atendida no Pronto Socorro,
submete-se a uma delicada cirurgia e permanece duas semanas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Um
mês depois recebe alta, porém continua debilitada. Seis meses depois é submetida a exame de corpo de delito.
Os peritos, para responderem aos quesitos, valer-se-ão dos prontuários médicos que serão requisitados pela
Justiça e anexados ao processo.
No Direito Penal, a perícia é, em regra, uma prova material (art. 160 do CPP: "os peritos descreverão
minuciosamente o que examinaram e responderão aos quesitos"). Ou seja, os peritos devem responder aos
quesitos a partir do que estão examinando. Isso, em tese significa que devem responder aos quesitos baseados
no que estão vendo e não no que viram ou dizem as testemunhas. Entretanto, há uma exceção, prevista em lei,
onde os peritos poderão ouvir testemunhas. Vejamos o que diz o artigo Art. 167 do CPP: “Não sendo possível
o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a
falta".
Na área cível, por outro lado, a regra é os peritos ouvirem as testemunhas para poderem formar o seu
juízo. Reza o art. 429 do Código de Processo Civil:
Para o desempenho de sua função, podem o perito e os assistentes técnicos utilizarem-se de todos os meios neces-
sários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, e outras quaisquer peças.
Regulamentação das Perícias
Como enfatizamos no histórico da Medicina Legal, o que caracteriza o período científico desta especi-
alidade médica é a regulamentação das perícias. Na nossa legislação, as perícias estão regulamentadas tanto
no Código de Processo Civil (art. 134-138; 420-439), quanto no Código de Processo Penal (art. 158-184). O

1
A Lei das Contravenções Penais, Decreto-Lei 3.688 de 03/10/1941, diz no seu artigo 21: “Praticar vias de fato contra
alguém: Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa, se o fato não constitui crime. Parágrafo
único. Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos." (NR)(Redação da
LEI No 10.741/ 1º.10. 2003)”.

7
aluno poderá consultar esses artigos no final deste livro nos anexos. Apresentamos a seguir alguns artigos
destes códigos.
Código de Processo Penal (CPP)
Art. 158 - Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou
indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Art. 1592. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de
diploma de curso superior.
§ 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de
diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica re-
lacionada com a natureza do exame.
§ 2o Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.
§3o Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao
acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico.
§ 4o O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e
elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão.
§ 5o Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia:
I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que
o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência
mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar;
II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou
ser inquiridos em audiência.
§ 6o Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponi-
bilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para
exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.
§ 7o Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado,
poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.
Art. 160 - Os peritos descreverão minuciosamente o que examinarem e responderão aos quesitos for-
mulados.
Art. 161 - O exame de corpo de delito poderá ser feito em qualquer dia e a qualquer hora.
Art. 162 - A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência
dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto.
Parágrafo único - Nos casos de morte violenta, bastará o simples exame externo do cadáver, quando não
houver infração penal a apurar, ou quando as lesões externas permitirem precisar a causa da morte e não houver
necessidade de exame interno para a verificação de alguma circunstância relevante.
Art. 176 - A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato da diligência.
Art. 180 - Se houver divergência entre os peritos, serão consignados no auto do exame as declarações e
respostas de um e do outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade nomeará um ter-
ceiro; se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar proceder a novo exame por outros peritos.
Art. 182 - O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.
Código de Processo Civil
Art. 421 - O juiz nomeará o perito.
§ 1º - Incumbe às partes, dentro de cinco dias, contados da intimação do despacho de nomeação do
perito, indicar o assistente técnico.
§ 2º - Apresentar quesitos.

2
Alterado pela Lei 11.690 de 09/06/2008. Texto anterior: “Os exames de corpo de delito e as outras perícias serão, em
regra, feitos por peritos oficiais”. Ou seja, havia a exigência de ‘dois’ peritos oficiais.

8
Art. 422 - O perito e os assistentes técnicos serão intimados a prestar, em dia, hora e lugar designados
pelo juiz, o compromisso de cumprir conscienciosamente o encargo que lhes for cometido.
Art. 429 - Para o desempenho de sua função, podem o perito e os assistentes técnicos utilizarem-se de
todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, [...] e outras quaisquer peças.
Art. 431 - Se houver divergência entre o perito e os assistentes técnicos, cada qual escreverá o laudo em
separado, dando as razões em que se fundar.
Art. 436 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar sua convicção com outros elementos
ou fatos provados nos autos.
Peritos
Pelo exposto, ficou claro que o perito é um cidadão, em tese qualificado, que é indicado pela Justiça
para realizar a perícia. Quem pode ser perito? Qualquer pessoa que tiver conhecimento técnico da matéria a
ser examinada poderá ser chamada a atuar como perito. São necessários, portanto, os seguintes requisitos: 1)
conhecimento técnico do assunto em questão; 2) convocação ou nomeação pela Justiça. A estes dois acres-
centa-se um, que no nosso entender é fundamental, ou seja: conhecimento básico das leis que regem as perícias.
Por esta razão é que se diz: "não basta ser médico para ser médico legista, é preciso ter uma formação médico-
legal". Como já afirmamos o que caracteriza uma perícia é o "a serviço da Justiça". A Medicina Legal existe,
por conseguinte, para servir à Justiça, é a Medicina a Serviço do Direito.
Tipos de Peritos

Antes de citar os tipos de peritos devemos separar a atuação no foro penal (regulamentada
pelo Código de Processo Penal) da atuação no foro cível (regulamentada pelo Código de Processo
Civil). Temos na área penal o perito oficial3 e os nomeados. Diz o art. 159 do CPP: "O exame de corpo
de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior". Este é o
médico-legista, funcionário público das Secretarias de Segurança. Indubitavelmente é o mais capaci-
tado para realizar uma perícia, além de ser médico, é especialista em Medicina Legal. Afirma ainda
o referido artigo 159, no seu parágrafo primeiro, que, na ausência de médico-legistas, serão nomeados
outros profissionais da área. Estes, uma vez que não são funcionários públicos, deverão ser nomeados
pela autoridade competente para que possam proceder à perícia. E, uma vez aceita esta nomeação,
deverão se submeter à Investidura, que nada mais é do que um termo de compromisso, assinado no
cartório local, onde se comprometem a desenvolver o mister com fidelidade, lisura etc. (art. 159, do
CPP, § 2º). Concluindo, devemos acrescentar que o número de peritos no foro penal é um perito
oficial ou, na falta deste, dois ‘peritos’ nomeados (duas ‘pessoas idôneas’ portadoras de diploma de
curso superior preferencialmente na área especificada).

No foro cível há certa diferença. Sabemos que, enquanto o processo penal diz respeito à sociedade como
todo, de um lado, e a um indivíduo (ou um grupo de indivíduos, em se tratando de uma quadrilha) que violou
uma norma, do outro; no foro cível temos geralmente duas partes em litígio (marido e mulher, patrão e empre-
gado etc.). Aqui o perito oficial não é obrigado a atuar em função do seu ofício, mas poderá ser nomeado pelo
juiz (art. 421: "o juiz nomeará o perito"). Há, pois, no foro cível, em regra um perito, o nomeado pela autoridade
judicial, ao qual poderão se juntar na diligência, se for do interesse das partes em litígio, os assistentes técnicos
(§ 1º do ref. art. 421). Estes atuarão como representantes das partes. Temos, portanto, no foro cível um perito
nomeado ao qual poderão se juntar os dois assistentes técnicos indicados pelas partes. Tanto o nomeado quanto
os assistentes técnicos deverão se submeter à referida investidura (§ 2º do art. 421).
Na perícia judicial, se houver divergência entre os peritos, cada um redigirá o relatório em particular
(cf.art. 180 do CPP e 431 do CPC). Denomina-se, nestes casos, perícia contraditória. E, como determina a lei,
ao juiz caberá nomear um outro perito, ou ainda, se ele achar oportuno, poderá rejeitar a prova pericial em
parte ou no todo, em conformidade com os artigos 182 do CPP e 436 do CPC, "o juiz não ficará adstrito ao
laudo". Por outro lado, se os peritos concordarem em relação às respostas, todos assinarão o mesmo laudo.

3
Na redação anterior, modificada pela Lei 11.690, havia a referência a ‘peritos oficiais’ (no plural). E assim pressupunha-
se que os peritos oficiais atuariam em dupla. Com a nova redação, apenas um perito oficial é obrigatório. Mas, na falta
desse, a Lei ainda exige dois peritos nomeados.

9
Documentos Médico-Legais
Qualquer documento assinado por um médico, a serviço da justiça, é um documento médico-legal. As-
sim temos documentos médicos, por exemplo, um atestado médico para justificar a falta de um aluno a uma
prova, que é um ‘documento médico’, mas não é necessariamente um documento médico-legal. Temos os
seguintes documentos médico-legais (Camargo Jr. 1987, p. 28): atestados médicos, notificações compulsórias,
pareceres e relatórios. Vamos analisar cada um deles em separado:
Atestados.
Segundo Souza Lima (apud Camargo Jr, 1987, p. 28), atestado médico é a afirmação pura e simples de
um fato médico e as suas consequências. Por exemplo, um trabalhador que esteja com pneumonia, evidente-
mente sem condições de trabalhar, procura um médico e este comprova o diagnóstico. Emitirá então (a pedido
do paciente, pois os atestados, com exceção das doenças de notificação compulsória, somente devem ser emi-
tidos a pedido do interessado) um documento, no caso um atestado médico, onde constará o fato médico (a
doença) e as suas consequências (a impossibilidade de comparecimento ao trabalho). O professor Hélio Gomes
(1989, p. 44) divide os atestados em: oficiosos, emitidos nos casos como o citado acima; administrativos (emi-
tidos para a concessão de uma licença médica, uma aposentadoria etc.); e os chamados judiciários propriamente
ditos, emitidos a pedido da justiça, por exemplo, para justificar a falta de uma testemunha no tribunal, por
motivo de doença. Há ainda os chamados atestados graciosos que, do ponto de vista moral e ético, não têm
nada de engraçado, são os atestados falsos conseguidos na base da amizade, verdadeira praga na vida dos
médicos. Trata-se de um crime previsto no Código Penal (art. 302) e fere o artigo 110 do Código de Ética
Médica.
Como existe o ‘segredo médico’, em princípio, a emissão de um atestado viola este segredo. Contudo,
como o artigo 110 do Código de ética Médica diz textualmente que o ‘atestado médico’ é um direito do paciente
(e, assim, um dever do médico), é de fundamental importância que o paciente dê a sua anuência por escrito. O
mesmo raciocínio se aplica à colocação do CID (Código Internacional de Doenças); é consenso que, em con-
formidade com o Código de Ética Médica, o médico pode colocar o CID no atestado, desde que seja do inte-
resse do paciente e este autorize essa colocação.
Notificações compulsórias
Em princípio, o médico não pode revelar o que tomou conhecimento durante o atendimento a um
paciente. Quando emite um atestado está, evidentemente, violando esse princípio ético. No caso do atestado
essa violação só pode ser feita se for do interesse do paciente e este tenha autorizado essa violação.
Porém existem certas doenças (cuja relação é determinada pelo Ministério da Saúde) que devem ser
notificadas à autoridade sanitária de forma compulsória. Essa comunicação não necessita da autorização do
paciente. E o médico poderá ser processado e advertido se deixar de comunicar tais agravos.
Pareceres
Um parecer nada mais é do que a resposta por escrito a uma consulta (também por escrito) sobre deter-
minado assunto. São emitidos por autoridades reconhecidas no assunto em questão. Assim se um laudo tem
algum ponto obscuro sobre, por exemplo, a capacidade de entendimento do acusado, por ocasião do delito; o
juiz, o promotor, ou mesmo a defesa poderá consultar um psiquiatria forense, de boa reputação e com experi-
ência, para esclarecer o assunto. Este, uma vez aceito o mister (ele tem o direito, desde que se justifique, de
recusar o seu parecer), emitirá o seu ponto de vista na forma de um documento, o qual será anexado ao pro-
cesso. Os pareceres, segundo Del-Campo,
São documentos oficiosos, particulares, geralmente encomendados pelas partes para reforça a sua tese sobre
determinado assunto de interesse e, por isso mesmo, não obstante o renome do autor, devem ser analisados
com cautela, raramente se sobrepondo aos exames oficiais (DEL-CAMPO, 2007, p. 40).
Relatórios
Relatório é o relato por escrito de uma perícia. Consideram-se dois tipos: auto (quando é ditado para um
escrivão durante a execução do exame) e laudo (quando o médico legista, terminada a perícia, o redige com
aquela letra de médico, em geral ilegível). Para o aluno é de fundamental importância que ele se familiarize
com estes documentos, pois com eles irá trabalhar quando for atuar na área jurídica profissionalmente, seja
como juiz, promotor, delegado ou advogado. Somente um togado que tiver conhecimentos básicos desta dis-
ciplina poderá reconhecer um laudo incompleto ou imperfeito, fazendo assim valerem os artigos 182 do CPP
e 436 do CPC (“o juiz não ficará adstrito ao laudo...”).

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O relatório contém as seguintes partes: preâmbulo, quesitos, histórico, descrição, discussão, conclusão
e as respostas aos quesitos. Vamos analisar cada uma das partes.
Preâmbulo
Nada mais é do que a introdução. Em regra deve conter no mínimo o nome da autoridade que solicitou
o exame, com suas credenciais (juiz, delegado etc.); o nome dos médico-legistas que realizarão o exame (tam-
bém com as suas credenciais), o local onde o exame será realizado e a identificação da pessoa que será sub-
metida ao exame (nome, endereço, profissão etc.). Para evitar problemas futuros, é de bom alvitre firmar a
impressão digital do polegar direito do examinado no laudo, pois sabemos de um caso de pessoa inescrupulosa
que mandou outrem ser examinada em seu lugar. O legista, tomando esta providência, estará se resguardando.
Quesitos
Em geral o preâmbulo termina com os seguintes dizeres: "para realizar o exame na pessoa de Fulano de
Tal e responder aos seguintes quesitos:". No foro penal estes quesitos já vêm impressos no laudo e são padro-
nizados (podendo, a critério da autoridade que solicitou o exame, bem como a pedido das partes, ser acrescen-
tado algum ou alguns). Já na área cível compete ao juiz formulá-los. Competindo ainda aos representantes das
partes o acréscimo de um ou outro quesito (cf. art. 425 do CPC). Neste livro, na medida em que formos desen-
volvendo cada assunto estaremos mostrando quais os quesitos oficiais no foro penal em cada tipo de perícia.
Por exemplo, na perícia para determinação da idade os quesitos são: se o examinado (a) tem menos de dezoito
anos e, caso positivo, se tem mais de quatorze anos.
Histórico
O legista relata de forma lacônica a versão do examinado em relação aos fatos. Indubitavelmente, no
caso de um exame cadavérico, o(a) examinado(a) estará, por força das circunstâncias, impossibilitado de apre-
sentar a sua versão.
Descrição
A descrição é um quesito da maior importância no laudo pericial, é nela que o legista mostra a sua
experiência e a sua aptidão para o ofício. Os laudos periciais trazem, em anexo, esquemas corporais com a
identificação de todas as regiões do corpo humano (ver as figuras 2 e 3, nos ‘anexos’). Por exemplo, uma
lesão deverá ser descrita com os mínimos detalhes, expondo a sua localização precisa. ; tipo de lesão (ver
Traumatologia Forense); extensão, profundidade etc., de modo que o leitor, mesmo sendo leigo, tenha uma
ideia da realidade da lesão. Alguns autores recomendam a descrição minuciosa da pessoa como esta se apre-
sentou (vestimentas, estado de humor etc.). O importante é que o perito não omita nenhuma lesão, para não
dar margem a um questionamento sobre a validade deste relatório, podendo levar o juiz a rejeitá-lo como
incompleto. Conforme nos mostra Nilson Sant'Ana na obra Controvérsias em Medicina Legal (1988).
Discussão
Sabemos que há alguns assuntos polêmicos em Medicina Legal e mesmo divergência entre os autores.
Neste item o legista cita as opiniões contraditórias (com as referidas referências), estabelecendo-se assim um
direcionamento para as suas conclusões e dando ao juiz a oportunidade de aprofundar o assunto para melhor
se posicionar.
Conclusão
Na conclusão, o legista coloca as justificativas para as suas respostas aos quesitos. (que devem ser mo-
nossilábicas, como veremos a seguir). Em regra a discussão e a conclusão vêm juntas.
Respostas aos Quesitos
As respostas devem ser, conforme foi exposto, monossilábicas, ou seja: sim (quando ele tiver certeza da
resposta afirmativa); não (quando tiver certeza da resposta negativa); e prejudicado (quando ele não tiver ele-
mentos que o levem à certeza nem do sim nem do não). Por exemplo: encontrada uma caveira sem sinais de
violência, para o quesito "houve morte?" a resposta é sim; para o quesito “qual a causa da morte” a resposta é
prejudicada (afinal poderá ter sido morte natural, homicídio por arma branca ou mesmo um suicídio). Não há
como, com base no exame de uma simples caveira intacta, responder a este quesito afirmativa ou negativa-
mente. Por outro lado, ao examinar uma simples equimose, resultado de uma contusão, a resposta ao quesito:
"se resultou em perigo de vida" é não. Concluindo, reforçamos que neste item (resposta aos quesitos) cabem
apenas três opções de respostas: sim, não ou prejudicado. Aqui é inaceitável o "depende".
Ao finalizar, os peritos datam e assinam o relatório e o encaminham à autoridade solicitante.

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1. ANTROPOLOGIA FORENSE

1.1 Determinação Pericial da Idade


São diversas as situações em que a Justiça quer a determinação pericial da idade provável de uma pessoa,
esteja ela viva ou morta. O Código Civil, por exemplo, estabelece a idade mínima de 16 anos para a mulher e
de 18 para o homem que querem se casar legalmente (hoje em dia é comum adolescentes já viverem juntos e
terem filhos bem mais cedo). Já o Código Penal estabelece as idades de 14, 18, 21 e 70 anos. Ver os artigos:
224 (violência presumida nos crimes sexuais); 218 (corrupção de menores, idade 14 a 18 anos); 65 (“são cir-
cunstâncias atenuantes: ser o agente menor de 21 anos e maior de 70 anos por ocasião do delito"). Se a pessoa
foi identificada civilmente, isto é, tem um documento de Identificação, não há problema. Todavia há ocasiões
em que a pessoa não tem esse documento, ou o perdeu, ou ainda quer ocultar a sua verdadeira idade. Nesses
casos, a autoridade judiciária poderá solicitar uma perícia para que se determine a idade, seja na vítima, seja
no agressor; esteja a pessoa viva ou morta. E como é feita esta determinação? No foro penal os quesitos oficiais
são: 1. Se o examinado é menor de 18 anos; 2. Caso positivo, se é maior de 14 anos.
Na pessoa morta, dependendo do estado de decomposição em que se encontre o indivíduo, poderemos
utilizar todos os elementos usados nas pessoas vivas ou apenas alguns, como a dentição e a idade óssea. Na
pessoa viva, o perito lança mão de vários elementos, a maioria tem apenas valor acessório. Passemos a eles.
1.2.1 Estatura
Sabe-se que a estatura (distância em centímetros entre a planta dos pés e o topo da cabeça) guarda certa
relação com a idade. Podemos, apenas, com base na estatura, dizer se a pessoa examinada é um adulto ou uma
criança. Todavia, no nosso país, onde há miscigenação acentuada, é comum encontrarmos, numa mesma fa-
mília, um membro com 1,50m de estatura e outro, bem mais novo, com 1,80m. Por conseguinte, a estatura tem
apenas valor acessório na perícia.
1.2.2 Pele
Com o passar dos anos, a pele (invólucro natural do nosso corpo) perde a turgescência e a elasticidade,
toma-se áspera e surgem as rugas, as indesejáveis rugas que tanto procuramos esconder. As primeiras que
aparecem são os famosos pés-de-galinha, que surgem por volta dos trinta anos; em seguida, as rugas nasolabi-
ais (por volta dos quarenta anos); continuando, surgem as pré-auriculares (parte anterior das orelhas) por volta
dos cinquenta anos; e, finalmente, após os sessenta anos a face pode ficar mais enrugada do que um “jenipapo”
(é a dura realidade!). Este elemento não é muito fidedigno, uma vez que o envelhecimento da pele guarda
muita relação com as condições de vida. Pessoas mal alimentadas e que se expõem mais às radiações solares,
em geral, envelhecem precocemente se tiverem a pele clara (a melanina, abundante na pela negra, protege-a
contra estas radiações). Por outro lado, atualmente, com o advento da Medicina Estética, só fica ‘enrugado’
quem não pode pagar os tratamentos rejuvenescedores. Pelo menos a pele estica.

1.2.3 Fenômenos pubertários


Os fenômenos pubertários são as alterações físicas e psíquicas que surgem, tanto no homem quanto na
mulher, na puberdade. E o que é a puberdade? Podemos dividir a nossa curva vital em infância, subdividida
em primeira infância (do nascimento até os sete anos, também chamada idade pré-escolar) e segunda infância
(dos sete aos doze anos, também chamada de idade escolar); adolescência, que vai dos doze anos (mais ou
menos) aos dezoito anos; juventude, dos dezoito aos vinte e cinco anos; maturidade, dos vinte e cinco aos
cinquenta anos; senescência, a partir daí. Na verdade, nós começamos a envelhecer aos vinte e cinco anos. Um
jogador de futebol, por exemplo, é considerado velho aos trinta anos de idade. Assim, a nossa curva vital passa
pela infância, adolescência, juventude, maturidade e senescência, que culmina com a morte natural. Na ado-
lescência é que se instalam os caracteres sexuais secundários, que são: barba, bigode, pelos pubianos, ereção,
ejaculação etc., no homem; e pelos pubianos, ovulação, menstruação etc., na mulher. Estes fenômenos surgem,
em geral, dos doze aos quatorze anos, podendo ser retardado até os dezesseis nos (uma faixa de variação de
até quatro anos). Assim, em regra, poderemos estimar a idade num púbere superior a quatorze anos, se já
surgiram estas alterações; e inferior a quatorze anos, se ainda não surgiram essas transformações no seu orga-
nismo. Todavia não podemos ter muita segurança porque há uma variação, como dissemos, de dois ou até
quatro anos. Há casos de mulheres que menstruam aos dez anos, enquanto outras, aos dezesseis.

12
1.2.4 Dentição
A dentição, como determinante da idade, é bem mais precisa do que os fenômenos pubertários. Temos
duas dentições: a caduca (dentes-de-leite) e a permanente. A primeira se inicia por volta dos seis meses de
idade e se completa por volta dos cinco anos, quando a criança tem os vinte dentes-de-leite. A dentição per-
manente, iniciada por volta dos seis anos, possui tinta e dois dentes e se completa por volta dos vinte e um
anos de idade. Na prática se avalia a idade pela dentição a partir da contagem dos dentes presentes nas arcadas
dentárias (superior e inferior). O surgimento dos dentes, como se seguisse uma regra, é mais ou menos previ-
sível e assim foi possível estabelecer certo padrão e a partir daí formar-se uma tabela. Entretanto, nunca é
demais enfatizar que toda regra tem exceção. Assim, embora a regra seja numa criança o surgimento dos
primeiros dentes por volta de seis meses de vida; ocasionalmente ocorre do bebê já nascer com um ou mais
dentes. Isso é exceção à regra.
Assim, por exemplo, uma criança que pela estatura não aparenta ter cinco ou seis anos e possui vinte
dentes, poderemos afirmar que ela tem mais de cinco anos.
Conforme já referimos, a determinação pericial da idade pela dentição se faz contando os dentes do
examinado. França (1977, p. 28) estabelece a seguinte fórmula: se a pessoa tiver 12/12 (doze dentes na arcada
superior e doze na inferior) terá idade inferior a 14 anos; se tiver a fórmula 14/14 (quatorze dentes na arcada
superior e quatorze na inferior), terá idade entre quatorze e dezoito anos; e se tiver a fórmula 16/16, presume-
se que a idade seja superior a dezoito anos. O problema crucial que torna, em nosso meio, a dentição pouco
confiável para determinação da idade é que o Brasil ainda é um país de banguelas.
1.2.5 Ossificação
A ossificação é o elemento mais fidedigno na determinação pericial da idade. Fundamenta-se no fato de
que o tecido ósseo completa o seu desenvolvimento por volta dos vinte e um anos de idade. Sabemos que todo
osso inicia-se como um tecido membranoso e com o passar do tempo vai se calcificando (isto é, havendo
deposição de cálcio e fósforo). Este processo de ossificação é ordenado. Inicia-se pelos núcleos de ossificação
e consolida-se pela ossificação total do tecido que antes era membranoso. Assim, temos a data aproximada do
surgimento e a da consolidação desta ossificação. Pelo estudo destas datas, foi possível se estabelecerem tabe-
las que dão a idade óssea com aproximação de seis meses. Na prática, o que se faz é solicitar o exame radio-
lógico do punho direito com a determinação da idade óssea.
Concluindo, devemos acrescentar que, num laudo sobre a determinação pericial da idade o legista for-
nece dados complementares como a estatura e a presença dos fenômenos pubertários (em se tratando de ado-
lescentes), mas, na prática, o fator determinante é a idade óssea.

1.2 Identidade e Identificação


Dentro da Antropologia, ciência que estuda o homem nos seus aspectos biológico e sociocultural, está
inserida a identificação. E como a Medicina Legal não é uma ciência autônoma, pois depende de várias outras
ciências, como já dissemos, para proceder a uma identificação pericial, ela busca subsídios na Antropologia.
Por identificação entendemos o uso de certos procedimentos para se pôr em evidência a identidade de
alguém (podemos proceder também à identificação de animais e de seres inanimados, como uma mesa, um rio
etc.). Mas o que é identidade? Identidade é a propriedade que determinada pessoa tem de ser ela própria e não
outrem. Há duas identidades: a subjetiva e a objetiva. A primeira é o que em Psiquiatria chamamos de consci-
ência do eu, ou seja, a convicção de que cada um de nós tem de ser nós próprios e não outrem, de sermos hoje
a mesma pessoa que fomos ontem e há vinte anos, apesar das rugas e da decadência física. Uma vez que esta
identidade subjetiva não é passível de comprovação pericial, vamos deixá-la de lado. Lembramos, porém, que
em alguns esquizofrênicos ela está perturbada. Assim, em dado momento de sua insanidade, ele já não sabe se
é ele mesmo ou outra pessoa. A segunda, a objetiva, é objeto de nossa explanação e vamos analisá-la com mais
detalhes.
Por identidade objetiva entendemos o conjunto de caracteres físicos (estatura, formato do crânio, cor da
pele etc.) e comportamentais (modo de ser e de agir) que tornam as pessoas distintas de todas as demais com
quem poderiam ser confundidas. Assim, podemos reafirmar que a identidade é a propriedade que as pessoas
têm de ser elas próprias e não outrem. Já a identificação nada mais é do que o processo de se pôr em evidência
esta identidade objetiva. Maranhão (1989, p. 55) faz uma distinção entre identificação e reconhecimento. Para
ele o reconhecimento é uma identificação empírica, por se basear na memória, que, como sabemos, é falha.

13
Por exemplo, a testemunha faz o reconhecimento do acusado entre os diversos suspeitos (ela se baseia unica-
mente na sua memória visual). Já a identificação é um reconhecimento científico, por exemplo, a identificação
de um cadáver, numa perícia, é feita pela tomada das impressões digitais.
1.1.1 O processo identificador
Conforme enfatizamos em nossas aulas, identificar é comparar. O processo identificador consiste em
um primeiro registro, um segundo registro e um juízo de comparação. Por exemplo, vimos um ladrão saindo
do armazém na noite do roubo (primeiro registro); em seguida somos chamados à Delegacia para proceder ao
reconhecimento pela fotografia dos meliantes, que têm passagem pela polícia (segundo registro); e fazemos o
juízo de comparação tentando lembrar-nos dos traços fisionômicos do acusado (juízo de comparação). Assim,
reforçando a argumentação, nós só podemos identificar se pudermos ‘comparar’. Por isso é que dizemos:
‘identificar é comparar’.
Comumente ouvimos dizer que os legistas foram determinar a identificação de um cadáver encontrado
sem documentação. Há um equívoco nessa informação. Os peritos não determinaram a identificação, eles le-
vantaram dados que possibilitarão um posterior identificação. Somente se eles dispuserem de dados (primeiro
registro) para a comparação, é que estarão de fato identificando. Isto é, sem comparação não há como proceder
à identificação.
1.1.2 Sistemas identificadores
Qualquer conjunto de dados que nos permita fazer um arquivo, para posterior comparação, pode ser
usado como sistema identificador. Assim poderemos utilizar a fotografia, o retrato falado, a tatuagem, a antro-
pometria, a impressão digital, a impressão plantar etc. Contudo um sistema identificador para ser aceito como
verdadeiro precisa preencher certos requisitos científicos, que são:
Unicidade. Isto é, um sistema para ser aceito, como cientificamente válido, tem de pôr em evidência a
unicidade, a propriedade que cada um de nós tem de ser nós próprios e não outrem. A impressão digital, bem
como outros sistemas identificadores, tais como: impressão plantar, arcada dentária, fundo de olho etc. põem
em evidência esta unicidade.
Perenidade. O sistema tem que durar ‘para sempre’. Esse ‘para sempre’ significa enquanto a pessoa
existir. No caso do sistema universalmente aceito, a impressão digital, além de pôr em evidência a unicidade,
dura enquanto a pessoa existir e até mesmo após morte. Somente desaparecendo com a destruição dos tecidos
causada pela putrefação.
Imutabilidade. O sistema para ser aceito, além de ter que ser ‘perene’, não pode sofrer alteração ao longo
do tempo. A impressão digital preenche este requisito. A fotografia, por exemplo, não acompanha as mudanças
deixadas pelo processo do envelhecimento.
Variabilidade e classificabilidade. Finalmente, o sistema deve permitir uma variabilidade e classificabi-
lidade para que se possa formar um arquivo, bem como ser prático. A dactiloscopia (ou papiloscopia, como é
hodiernamente denominada) preenche todos estes requisitos, porém, como já dissemos, este não é o único
sistema que preenche todos os requisitos científicos.

1.1.3 Dactiloscopia ou Papiloscopia.4

Dactiloscopia é o estudo dos desenhos formados pelas papilas dérmicas nas extremidades dos dedos das
mãos. Chamam-se tais desenhos de impressão digital. As papilas dérmicas, que vão determinar as impressões
digitais, são únicas em cada indivíduo. Surgem por volta do sexto mês de vida intrauterina, persistem por toda
a vida e mesmo após a morte, até que o cadáver entre em decomposição. Segundo Almeida Jr. e Costa Jr.

4
Antigamente se usava o termo dactiloscopia, que é, conforme o dicionário do Aurélio, o estudo dos desenhos formados
pelas papilas dérmicas nas extremidades dos dedos (daí a expressão dactiloscopia). Atualmente se usa a expressão “papi-
loscopia” (da qual resultou a função “papiloscopista”). Argumenta-se que ‘papiloscopia’ seja um termo mais abrangente,
pois se estuda não somente as impressões dos dedos, mas também outras impressões. Segundo Del-Campo, “Não são
apenas as pontas dos dedos que apresentam desenhos característicos formados por linhas e sulcos. Também as faces
palmares (das mãos) e plantares (dos pés) possuem esses desenhos, que têm origem na derme e, por tal, são perenes e
imutáveis” (DEL-CAMPO, 2007, p. 74)

14
(1978, p. 29), "certos povos primitivos 'assinavam' com a referida impressão seus produtos de cerâmica, en-
quanto a argila ainda estava mole." Não se sabe se eles já eram conhecedores da dactiloscopia. Camargo Jr.
(1987, p. 300) nos faz uma citação bíblica5, segundo a qual Deus teria colocado um selo (a impressão digital?)
na mão de cada homem, tornando-o assim inconfundível com todos os demais. Se isto for verdade, ninguém
estará livre do ajuste de conta no final dos tempos.
O estudo da dactiloscopia tomou-se conhecido com os trabalhos de Francis Galton, na índia, por volta
de 1897, mais tarde Eduard R. Henry deu continuidade a estes estudos na Inglaterra, por volta de 1901.
Mas foi Juan Vucetich, originário da Dalmácia e emigrado para a Argentina em 1884, quem idealizou
um sistema de classificação que leva o seu nome (Dactiloscopia de Vucetich). Este sistema foi por vários
países adotado, inclusive pelo Brasil (Almeida Júnior; Costa Júnior, 1978; Camargo Júnior, 1987; Gomes,
1989).
O Sistema de Vucetich - Vucetich observou que as papilas dérmicas, nas extremidades dos dedos, for-
mam linhas de tal forma distribuídas que apresentam três sistemas. Estes por ele denominados: basilar, mar-
ginal e nuclear. Do encontro destes três sistemas forma-se uma figura triangular que ele chamou de delta. Com
base no referido delta ele idealizou os tipos fundamentais (figura 1 nos anexos):
• Verticilo - quando tem dois deltas, um à direita e outro à esquerda do observador. Codificado pela letra
"V" ou pelo algarismo "4".
• Presilha externa (ou presilha esquerda)- quando tem apenas um delta à esquerda do observador. Codi-
ficado pela letra "E" ou pelo algarismo "3".
• Presilha interna (ou presilha direita)- quando tem apenas um delta à direita do observador. Codificado
pela letra "I" ou pelo algarismo “2”.
• Arco - quando não tem delta à direita, nem à esquerda do observador. Codificado pela letra "A" ou
pelo algarismo "1".
Este sistema de código alfanumérico, de fácil memorização (é só guardar a fórmula V E I A - para as
letras, e 4321 - para os algarismos), nos permite chegar à fórmula de Vucetich (figura 1 nos anexos) utilizada
para o arquivamento. Assim utiliza-se, na fórmula, o código de letras para identificar os dedos polegares e o
código de algarismos para os demais dedos das mãos. Essa fórmula (ver abaixo) é uma equação em cujo nu-
merador estão representados os dedos da mão direita e, no denominador, os da esquerda. O numerador chama-
se série e o denominador chama-se secção. Ou seja, a fórmula dactiloscópica de Vucetich, no seu arquivo
decadactilar, tem série e secção. Para cada série pode haver várias secções. Exemplo:
V 4332 (série)
A 1123 (secção)
Nessa fórmula está indicada que a pessoa em questão tem, na mão direita, um verticilo (V) no polegar,
um verticilo (4) no dedo indicador, uma presilha externa (3) nos dedos médio e anelar e um arco (A) no mí-
nimo; e, na mão esquerda, um arco no polegar, um arco (1) nos dedos indicador e médio, uma presilha interna
(2) no dedo anelar e uma presilha externa (3) no dedo mínimo.
A fórmula dactiloscópica, importante enfatizar, serve apenas para o arquivamento e não para a identifi-
cação. No armário idealizado por Vucetich (e que leva o seu nome), as fichas são arquivadas e distribuídas em
séries e secções. Esse modo de arquivamento, denominado sistema decadactilar, já referido acima, é utilizado
na identificação civil (à qual nos submetemos para adquirir a nossa carteira de identidade). Há, por outro lado,
o sistema monodactilar, em que cada ficha arquivada contém apenas uma impressão digital. Este sistema é
utilizado na identificação criminal. Isso se explica pelo fato de que, no local do ato delituoso, o meliante não
deixa a sua fórmula dactiloscópica completa. Quando muito deixa uma ou outra impressão (em geral do pole-
gar e do indicador). Devemos acrescentar que, na fórmula de Vucetich, podemos encontrar um zero (0) quando
o dedo foi amputado; e um xis (x) quando houver, por exemplo, uma cicatriz que não permitia determinar o
tipo fundamental.
1.1.4 Elementos identificadores

5
“Ele sela as mãos de todo homem, para que todos saibam que ele os fez” (Jó 37,7).

15
Como dissemos, os tipos fundamentais servem apenas para o arquivamento e não para a identificação.
Esta é feita pelos elementos identificadores: ilhota, cortada, bifurcação, forquilha e encerro.
Para procedermos à identificação de uma impressão digital, precisamos ter uma outra para comparar -
"identificar é comparar". Assim sempre iremos comparar verticilo com verticilo, arco com arco etc. Se houver
uma concordância de doze a quatorze elementos identificadores nas duas impressões digitais, poderemos afir-
mar que as duas pertencem à mesma pessoa. Isto não quer dizer necessariamente que esta pessoa seja o crimi-
noso. Ela pode ter estado no local do crime antes ou depois da ocorrência. Assim, podemos encontrar no local
três tipos de impressões: coloridas (quando os dedos estavam sujos de tinta, carvão etc.); moldadas (quando
são deixadas sobre uma substância maleável, como a massa de vidraceiro); e as latentes, as mais encontradas.
Estas, por não serem moldadas nem coloridas, precisam ser reveladas (tomadas visíveis). Aqui entram os re-
veladores que podem ser sólidos, líquidos ou gasosos. Exemplos de reveladores: alvaiade, chumbo, negro
fumo, Sudam III etc. Finalizamos assim este assunto. Por se tratar da função do perito criminalista e não do
médico legista, evitamos maior aprofundamento.
1.1.5 Identificação pericial

Podemos dividir a identificação em polícia (civil e criminal) e pericial. A primeira fica a cargo do Serviço
de Identificação da Polícia Civil. Todos nós nos submetemos à identificação civil para adquirir a nossa carteira
de identidade6, E as pessoas que “têm passagem pela polícia” se submetem à identificação criminal. Com a
Constituição de 1988, foi instituído, no seu artigo V, item LVIII, uma limitação para a identificação criminal
(“o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”).
Após algumas injustiças7, a identificação criminal foi finalmente regulamentada pela Lei 10.054 de
07/09/2000, que determina no seu artigo 3º:

“O civilmente identificado por documento original não será submetido à identificação criminal, exceto
quando:
I – estiver indiciado ou acusado pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados
mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual ou
crime de falsificação de documento público;
II – houver fundada suspeita de falsificação ou adulteração do documento de identidade;
III – o estado de conservação ou a distância temporal da expedição de documento apresentado impossibilite
a completa identificação dos caracteres essenciais;
IV – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;
V – houver registro de extravio do documento de identidade;
VI – o indiciado ou acusado não comprovar, em quarenta e oito horas, sua identificação civil”.
Passemos à Identificação Pericial que é papel do médico-legista. Tomemos como exemplo o encontro
de uma ossada qualquer, como amiúde ocorre. Inicia-se a identificação determinando-se a espécie. Tratando-
se de osso humano, procura-se determinar a raça, depois o sexo, a seguir a idade aproximada, e, finalmente,
procura-se chegar ao indivíduo. Pelo estudo da arcada dentária, quando se dispõe da ficha odontológica, pode-
se determinar a identificação da pessoa, como ocorreu, por exemplo, com as ossadas encontradas no cemitério
de Perus, em São Paulo. A dactiloscopia somente não é utilizada nos casos em que já não existam impressões
digitais (como nos estados de avançada decomposição cadavérica bem como daqueles em que a vítima tem as
suas mãos amputadas, exatamente para dificultar a identificação). Não devemos nos esquecer que atualmente
se usa também a identificação pelo DNA, do qual falaremos mais adiante.

2. TRAUMATOLOGIA FORENSE

Traumatologia Forense é a parte da Medicina Legal Judiciária que estuda os agentes lesivos; as lesões
que eles causam no ser humano; as conseqüências dessas lesões (cf. artigo 129 do C P); e a natureza jurídica

6
Na verdade a carteira é um documento de identificação e não de identidade, apesar de já estarmos acostumados a falar
“carteira de identidade”.
7
Como ocorriam essas injustiças? Pessoas de bem tiveram o seu documento de identificação subtraído por marginais.
Estes marginais, ao serem presos, apresentavam o documento de identificação da sua vítima como sendo deles próprios.
E como não era, de início, verificado (como deveria sempre ser) se aquele documento pertencia àquele indivíduo, quem
era indiciada era a vítima. E em alguns casos ao recorrer à Polícia Civil para obter uma segunda via, a vítima era presa,
como um marginal foragido.

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das referidas injúrias. Quanto à natureza jurídica, elas podem ser: lesões auto-induzidas (lesões suicidas); le-
sões causadas por outrem, de forma dolosa ou culposa; e lesões acidentais. Passemos agora aos agentes lesivos
e às respectivas injúrias (ou lesões) por eles causadas. Conforme dissemos no primeiro capítulo, um dos obje-
tivos do nosso curso é familiarizar o aluno com os inúmeros termos médicos, com os quais ele deparar-se-á.
Neste capítulo vamos encontrar muitos deles.
Por agente lesivo entendemos qualquer agente, não importando a sua natureza, origem ou formato, que
possa causar uma injúria no organismo humano. Injúria ou lesão é qualquer alteração estrutural ou orgânica.
Um corte, uma queimadura, uma contusão, uma fratura etc., tudo é lesão.
De acordo com a bibliografia consultada, os agentes lesivos se dividem em: mecânicos, físicos, quími-
cos, bioquímicos, biodinâmicos e mistos (bioquímicos e biodinâmicos). França (1977, p. 78) acrescenta a estes
os agentes físico-químicos, as asfixias, que estudaremos num capítulo à parte.
2.1 Agentes Lesivos Mecânicos
Os agentes lesivos mecânicos atuam pelo contato físico, transmitindo à pessoa atingida a sua energia
cinética. Quando à lesão provocada, os agentes lesivos mecânicos podem ser: cortantes, perfurantes, contun-
dentes, perfurocortantes, cortocontundentes e perfurocontundentes.
2.1.1 Agentes lesivos mecânicos cortantes
Os agentes lesivos cortantes agem por uma linha. A força com que são impulsionados se dá por pressão
e deslizamento. O exemplo típico é a lesão causada por um bisturi. As injúrias causadas por estes agentes são
chamadas de lesões incisas. Alguns autores reservam o termo "incisão" para a lesão provocada pelo médico
com o bisturi, ao realizar uma cirurgia (não precisa dizer que todos estes autores são médicos). A ferida ou
lesão incisa característica tem os bordos nítidos: são rasas, isto é, pouco profundas; o diâmetro longitudinal
predomina sobre o transversal; e, em geral, deixam a chamada cauda de escoriação. Com relação à gravidade,
dependendo da localização, podem causar a morte em pouco tempo. Por exemplo, o corte dos pulsos (como
ocorre em casos de suicídios); a lesão incisa na garganta, também chamada de esgorjamento etc.
Como exemplo de agentes cortantes, temos navalhas, giletes, faca de cozinha, cacos de vidro etc. Um
mesmo agente, dependendo do seu modo de ação, poderá ser cortante ou perfurocortante. Isto é o caso de uma
faca de ponta que, se usada pelo gume, será considerada como agente cortante; se usada de ponta, será consi-
derada como agente perfurocortante. Ou seja, o que vai determinar a natureza de qualquer agente mecânico
não é o seu formato, mas sim a lesão que ele provocar.
2.1.2 Agentes lesivos mecânicos perfurantes
Os agentes lesivos perfurantes são os pontiagudos e que agem, evidentemente, por pressão em um ponto.
As injúrias por eles causadas são chamadas de lesões punctórias. O exemplo típico é a lesão deixada por uma
agulha de injeção. São agentes perfurantes: pregos, agulhas, arames etc. Quando o agente atravessa um seg-
mento corporal (o braço, a perna, o tórax etc.) fala-se em lesão transfixante.
2.1.3 Agentes lesivos mecânicos contundentes
Os agentes lesivos contundentes são os que atuam por um plano, a força é exercida por pressão. É o caso
de um soco, uma pedrada, um coice de mula etc. Quanto ao modo de ação podem ser: ativos, quando o agente
está em movimento e a vítima está parada (exemplo, uma pedrada na cabeça); passivos, quando o agente está
parado e a vítima em movimento (exemplo, uma pessoa se precipita do alto de um prédio contra o pavimento);
e mistos, quando ambos (agente e vítima) estão em movimento e vão um de encontro ao outro (exemplo: uma
colisão de frente entre dois veículos, em alta velocidade). As injúrias (isto é, as lesões) produzidas podem ser
superficiais ou profundas; abertas ou fechadas. São denominadas genericamente de lesões contundentes, lesões
contusas ou contusões. Vamos estudá-las separadamente.
Lesões contundentes superficiais fechadas:
- Rubefação - nada mais é do que a vermelhidão deixada por uma "bolacha" ou uma palmada. Trata-se
de uma vasodilatação fugaz, isto é, desaparece em pouco tempo (20 a 30 minutos) constituindo um tipo de
vestígio transeunte. A sua superficialidade se explica pela pequena intensidade da força com que o agente é
impulsionado;
- Equimose - caso em que a força impulsionadora do agente lesivo tem bem mais energia e determina o
rompimento de pequenos vasos sanguíneos. Há o extravasamento de sangue que se infiltra nos tecidos, com
isto forma-se uma mancha na pele. Esta mancha inicialmente é vermelha escura, depois se torna arroxeada,
esverdeada, amarelada e finalmente desaparece, entre quinze a vinte dias, sem deixar vestígios. Chama-se este
17
fenômeno de espectro equimótico. Trata-se também de um vestígio transeunte de grande importância médico-
legal, portanto, dependendo da cor da mancha, o perito poderá determinar aproximadamente, uma vez que a
Medicina não é uma ciência exata, há quantos dias foi provocada a injúria, evitando, assim, as falsas imputa-
ções.
- Hematoma - neste, a pressão é ainda mais enérgica do que nas equimoses e os vasos que se rompem
são de médio calibre, determinando a formação de uma verdadeira "poça" de sangue que afasta os tecidos. Esta
coleção de sangue pode ser drenada, o que não é possível na equimose. Um tipo particular de hematoma é a
bossa sangüínea (denominação para os hematomas que se formam sobre uma superfície óssea, conhecido po-
pularmente como "galo").
Lesões contundentes superficiais abertas
Escoriação - como o próprio nome diz, esta injúria se caracteriza pela exposição do córion, camada da
pele localizada logo abaixo da epiderme, que é arrancada bruscamente pelo agente lesivo, o qual, nestes casos,
atua de forma tangencial. O exemplo típico é a “esfoladura” que acontece em acidentes de bicicleta e de mo-
tocicleta.
Lacerações ou feridas lácero-contusas - estas são mais profundas que as escoriações, acometendo os
tecidos abaixo do córion. Ao contrário das lesões incisas, elas têm os bordos irregulares e, não raro, bridas de
tecidos íntegros unindo os bordos, formando verdadeiros "mapas". Um exemplo característico deste tipo de
lesão é a lesão por mordedura humana.
Lesões contundentes profundas
As lesões contundentes profundas podem também ser fechadas (se a pele no local da lesão estiver ínte-
gra) e abertas (se há ruptura da pele). São consideradas lesões contundentes profundas devido à violência com
que o agente agride o organismo, alcançando os tecidos mais profundos. Nesta categoria, se incluem as fratu-
ras, as entorses, as luxações, as roturas viscerais e os esmagamentos. Podemos encontrar também equimoses e
hematomas em tecidos profundos.
Fraturas - soluções de continuidade nos tecidos ósseos. Podem ser fraturas abertas (quando a pele é
lesada no local da fratura, às vezes, expondo-se o osso); e fraturas fechadas (quando a pele em volta da fratura
permanece íntegra).
Luxações - estas ocorrem quando o agente lesivo contundente causa a perda do contato entre as super-
fícies ósseas que compõem uma articulação. Como consequências, esta fica muito dolorosa e impossibilitada
de realizar os movimentos que lhe são próprios.
Entorses - neste caso há perda momentânea do contato entre as superfícies ósseas de uma articulação.
Trata-se de uma luxação passageira e que regride espontaneamente. Como consequência, fica apenas a dor de
intensidade variável e, evidentemente, o edema.
Roturas viscerais - estas ocorrem comumente com as vísceras sólidas, como o fígado e o baço, nas
contusões sobre o abdômen. Outras vísceras (rins, estômago, bexiga etc.) também podem sofrer roturas, como
acontece em acidentes de trânsito.
Esmagamentos - típicos de acidentes de trânsito - são em geral lesões mortais. Haja vista o esmagamento
de crânio e o de tórax. Pode ocorrer também esmagamento dos braços, das pernas, dos pés etc. Nestes casos,
as a vítima sobrevive, impõe-se a necessidade de amputação da parte esmagada.
2.1.4 Agentes lesivos mecânicos perfurocortantes
Os agentes lesivos perfurocortantes atuam por um ponto (como os perfurantes), mas, por terem também
gume (além de serem pontiagudos), cortam ao mesmo tempo em que perfuram. Exemplos: punhal, adaga, faca
de peixeiro etc. As injúrias causadas por estes agentes são denominadas lesões ou feridas perfuroincisas, tam-
bém denominadas lesões em botoeira (por lembrar a casa de um botão).
2.1.5 Agentes lesivos mecânicos cortocontundentes
Os agentes cortocontundentes atuam pelo gume e pela força com que são vibrados; contribui também,
na ação lesiva, o próprio peso do instrumento. As injúrias são chamadas de feridas ou lesões cortocontusas.
Em geral causam mutilação (arrancamento de segmentos do corpo como braços, pernas e até a cabeça). Não é
por acaso que se usa a expressão: "mais feio do que briga de foice no escuro". Exemplos de agentes corto-
contusos: facão, machado, foice etc. Usa-se a expressão decapitação ou degolamento, quando a cabeça é sepa-
rada do corpo; e espostejamento quando o corpo todo é esquartejado, como fizeram com Tiradentes.

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2.1.6 Agentes lesivos mecânicos perfurocontundentes
São agentes perfurocontundentes os projéteis de arma de fogo. A ciência que estuda os movimentos dos
projéteis (ou projetis) é a Balística, assunto da Criminologia. Aqui nos interessam mais as lesões causadas por
estes instrumentos no corpo humano. Há, basicamente, dois tipos de armas de fogo: portáteis (revólveres,
pistolas, rifles, escopetas etc.) e não portáteis (canhões, lançadores de mísseis etc.). As portáteis, de maior
interesse em traumatologia (por serem mais utilizadas na sociedade), podem ser de cano curto ou longo; de
retro-carga (pistola) ou antecarga (bacamarte); e de projétil (ou projetil) único (balas) ou múltiplos (grãos de
chumbo). As de projétil único apresentam superfície interna do cano, as raias, que determinam movimento de
rotação do projétil, propiciando assim maior alcance. A bala é constituída por: cartucho, espoleta, pólvora e o
projétil (feito de chumbo e revestido por uma liga metálica).
A injúria produzida pelo referido projétil é denominada lesão perfurocontusa. Dependendo da distância,
bem como da potência da arma, o tiro poderá ser transfixante. Nesses casos, teremos um orifício de entrada;
um orifício de saída; e um trajeto. Caso não seja transfixante, encontraremos apenas o orifício de entrada e o
trajeto. Numa perícia, evidentemente, o perito deve identificar os citados orifícios. Para isso ele lança mão dos
elementos identificadores, presentes apenas nos de entrada, que são as orlas de contusão e de enxugo (produ-
zidas pelo projétil); e as zonas de tatuagem, esfumaçamento e chamuscamento (causadas pela carga de pólvora
que acompanha o projétil).
Podemos classificar os tiros quanto à distância entre a arma que o disparou e a vítima em tiros encosta-
dos, tiros de perto (a queima-roupa) e tiros de longe (figura 5, em anexo). Os tiros encostados, comuns nos
suicídios, provocam uma verdadeira cratera no local, devido à explosão dos gases. Esta cratera é chamada de
Câmara de Mina de Hoffman. Nos tiros de perto, encontramos as orlas (de contusão e de enxugo) e as zonas
(tatuagem, esfumaçamento e chamuscamento). Nos tiros de longe temos apenas as orlas.
A identificação da arma da qual o tiro saiu é possível, desde que se tenha o projétil encontrado no corpo
da vítima e a arma suspeita. Para tanto se dá um tiro de prova com a arma suspeita e compara-se (nos dois
projetis): o calibre; as raias (que permitem identificar a marca da arma); e as estrias laterais finas (espécie de
impressões digitais de cada arma). São as estrias laterais finas que possibilitam identificar qual a arma que
disparou aquele tiro.
2.2 Agentes Lesivos Físicos
Sob a denominação de agentes lesivos físicos estudamos a ação lesiva da temperatura; da eletricidade;
das radiações ionizantes e não ionizantes, do som etc., que são formas de energias físicas. Dentre estas as que
mais frequentemente causam injúrias ao ser humano são a temperatura, a eletricidade e as radiações ionizantes.
O som, como agente lesivo, tem maior detalhamento em Infortunística, haja vista a surdez ocupacional.
2.2.1 Temperatura
Temperatura é a resultante do grau de vibração molecular. As moléculas de qualquer matéria estão em
contínua vibração. Quanto maior esta vibração, maior a temperatura e quanto menor esta vibração, menor a
temperatura.
Sabemos que o nosso corpo, independentemente da temperatura externa, mantém a temperatura interna
em torno de 36,5 graus Celsius; sabemos também que a temperatura externa varia constantemente, todavia,
dentro desta variação, há uma faixa de temperatura que consideramos ideal por nos causar urna sensação de
bem-estar. A elevação da temperatura acima daquela que nos é agradável chama-se calor; já a queda da tem-
peratura abaixo deste parâmetro chama-se frio. Tanto o calor, quanto o frio exagerado podem causar injúrias
no organismo humano.
Ação da temperatura elevada (calor). O calor pode causar injúrias no organismo humano de duas ma-
neiras: diretamente, pelo contato com a fonte do calor, que pode ser a própria chama, um líquido aquecido, um
sólido aquecido, um gás aquecido ou um vapor; e indiretamente, pela irradiação do calor através das moléculas
aquecidas do ar.
A lesão causada pela ação direta (contato) é chamada de queimadura. Esta é a alteração (ou alterações)
tecidual causada pelo calor, podendo chegar à destruição total dos tecidos orgânicos, como ocorre nos fornos
crematórios (temperatura em torno de 1.500 graus). Não somente o calor, como também outros agentes podem
causar as queimaduras. Assim, temos as queimaduras causadas também pelo frio, pela eletricidade, pelos cáus-
tico e pelas radiações.
Avaliamos a gravidade de uma queimadura por dois parâmetros: a intensidade e a extensão da área
queimada. Conforme as intensidades têm: queimaduras de I, de II, de III e de IV graus.
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Queimaduras de I grau - caracterizam-se pelo eritema (vermelhidão, comum nas pessoas que vão à praia
para se "bronzearem").
Queimaduras de II grau - além do eritema aparecem as flictemas (ou bolhas);
Queimaduras de III grau - nestas, a lesão tecidual é mais profunda e ultrapassa a derma (camada da pele
logo abaixo da epiderme), levando à formação de escaras (cicatrizes deformantes);
Queimaduras de IV grau - nestas, a destruição tecidual é completa chegando à carbonização (formação
de carvão).
Com relação à extensão, avaliamos a superfície corporal que foi comprometida. A extensão da área
corporal queimada adquire importância médica com as queimaduras do II, III e IV graus, devido à desidratação
(pelo seqüestro de plasma) que elas causam no organismo, podendo levar a pessoa à morte em pouco tempo.
Por conseguinte, uma queimadura de II grau, mas que comprometa mais de 30% da área corporal; resulta em
perigo de vida (cf. artigo 129, § 29); já uma queimadura de IV grau, limitada apenas aos dedos do pé, levará à
amputação da parte acometida, mas não resultará, a menos que haja uma complicação, em perigo de vida.
E como avaliar a área corporal queimada? Existem vários métodos, o mais simples e mais prático, em
geral utilizado como forma de triagem nos serviços de emergência (isto é, nos prontos socorros) é a chamada
regra dos noves. que divide as regiões do corpo, atribuindo-lhes valores percentuais que sejam múltiplos de
nove. Como segue:
Cabeça e pescoço 9%
Face anterior do tronco (9+9) 18%
Face posterior do tronco (9+9) 18%
Face anterior dos dois braços 9%
Face posterior dos dois braços 9%
Face anterior da perna direita 9%
Face posterior da perna direita 9%
Face anterior da perna esquerda 9%
Face posterior da pena esquerda 9%
Região perineal 1%
Total 100%

Por essa tabela, se a metade da face anterior do tórax estiver queimada (com queimadura de II grau ou
mais), dizemos que 9% da superfície foi comprometida. Se queimou todo o tronco (anterior e posterior) e mais
o períneo dizemos que foi comprometida 37% da área corporal. O comprometimento acima de 30% da super-
fície corporal, como aludimos, põe em perigo a vida da pessoa.
A ação indireta (isto é, por irradiação) da temperatura elevada é denominada de insolação, se a fonte de
calor for o sol; e de intermação, se for uma fonte artificial como, por exemplo, uma caldeira, um forno de
padaria, um grande incêndio etc.. Tanto uma como a outra podem ser acompanhadas por queimaduras de I
grau e até mesmo de II grau, como já pudemos comprovar na prática. Na forma clássica de insolação (ou de
intermação) temos: rubor facial, que pode ser em todo corpo (como ocorre com os banhistas); o aumento da
temperatura corporal (hipertermia) que pode chegar a 40 graus; sinais de desidratação; agitação mental (po-
dendo chegar à confusão); e, às vezes, o desfalecimento (desmaio). Não necessitamos enfatizar que a desidra-
tação pode levar à morte. De forma que se o processo não for interrompido, afastando-se a pessoa da exposição
e providenciando que ela seja adequadamente hidratada, ele pode entrar em estado de coma e evoluir para o
óbito.

2.2.2 Eletricidade
Eletricidade é o movimento dos elétrons livres (cf. nos livros de Física). Num circuito elétrico temos
três grandezas: a intensidade da corrente (a intensidade dos elétrons livres circulando) representada por I e
medida em ampères; a força eletromotriz, a energia que impulsiona os elétrons a se movimentarem, represen-
tada por V e medida em volts; e a resistência elétrica deste circuito (oposição que todo material oferece à

20
passagem da eletricidade), representada por R e medida em Ohms. Da correlação entre estas três grandezas,
surgiu a Lei de Ohm: E=I.R; I=E/R e R=E/I.
A eletricidade pode ser estática (acumulada e parada) e dinâmica (quando está em movimento). Por
exemplo, as nuvens (numa tempestade) acumulam energia estática que pode ser liberada na forma de raios.
Temos basicamente duas formas de energia elétrica: a natural (a dos raios) e a industrial (originária dos gera-
dores em geral). Esta, segundo Maranhão (1989), pode ser classificada em: baixa voltagem (até 120 V); média
voltagem (120 a 1200 V); e alta voltagem (acima de 1200 V).
O ser humano sofre ação da eletricidade sempre que ele passa a fazer parte de um circuito elétrico,
geralmente funcionando como um fio terra (em contato com o chão ele toca um condutor e a corrente percorre
o seu corpo até chegar a terra); mas podendo também servir de condutor entre um pólo e o outro (como ocorre
no eletrochoque). A intensidade da ação (o "choque elétrico"), medida em ampéres, depende, de conformidade
com a Lei de Ohm (I=E/R), tanto da voltagem quanto da resistência dos tecidos, em especial da pele. Ela é
diretamente proporcional à voltagem e inversamente proporcional à resistência elétrica da pele humana, que
varia desde alguns milhares até milhões de Ohms. A pele fina e úmida tem baixa resistência, o "choque" é
maior; a pele grossa e seca tem alta resistência, o ‘choque’ é menor. Esta ação é denominada de eletroplessão
(quando a pessoa não morre) e eletrocussão (quando determina a morte)8. Comumente se diz: "morreu eletro-
cutado". A morte causada pela eletricidade pode se dar por três mecanismos: parada cardíaca (mesmo com
baixas voltagens, mas principalmente quando a corrente passa pela região do coração); tetanização respiratória
(há contratura da musculatura, impedindo a pessoa de respirar); e paralisia bulbar (determinando parada car-
diorrespiratória). Pode ocorrer a combinação de mais de um destes mecanismos. Nos casos mais graves de
eletroplessão, pode ocorrer a carbonização de tecidos. Ou seja, uma queimadura de IV grau causada pela ele-
tricidade. Isso se deve à transformação da energia elétrica em energia térmica. Fenômeno este denominado
efeito Joule. Também pode ocorrer de ficar, no local do contato do condutor de eletricidade com o corpo
humano, o desenho, espécie de decalque, desse condutor. A isso se denomina marca de Jellinek.
A eletricidade natural ou meteórica também pode causar lesões no ser humano e, como ocasionalmente
acontece, levar à morte. No primeiro caso fala-se em fulguração, no segundo, fulminação (como dizem: "mor-
reu fulminado"). Em determinados casos, pode ocorrer de a descarga elétrica deixar um desenho, como se
fosse uma tatuagem, no corpo da vítima. A isso se denomina marca de Lichtenberg.
2.3 Agentes Lesivos Químicos
Os agentes lesivos químicos (substâncias químicas) atuam provocando alterações químicas no orga-
nismo, melhor dizendo reações químicas. Há dois tipos de agentes químicos, conforme o modo de injuriar o
organismo humano: os que atuam por contato direto (os cáusticos); e os que causam alterações no funciona-
mento do organismo, sem necessariamente causarem lesões (os venenos).
2.3.1 Os cáusticos
Por cáusticos, entendemos os agentes lesivos que causam ferimentos ao entrarem em contato físico com
os tecidos humanos. A injúria causada é uma queimadura que pode ser de I, II ou de III grau. Aqui não temos
as queimaduras de IV grau (carbonização), mas, segundos alguns autores, um corpo deixado em um recipiente
contendo um ácido ou uma base forte, após determinado tempo, sofre total desintegração tecidual. Temos dois
tipos de cáusticos: os ácidos e as bases fortes.
Ácidos são substâncias que, em contato com uma base, formam um sal. Como exemplo de ácidos fortes,
temos o ácido sulfúrico (presente na solução de bateria); o ácido nítrico, o fênico etc. Ao entrarem em contato
com os tecidos provocam desidratação formando, nas queimaduras, crostas secas. De acordo com o ácido
causador, estas crostas adquirem uma cor característica. Por exemplo: o ácido sulfúrico causa crostas enegre-
cidas.
Bases são substâncias que, ao reagirem com um ácido, formam um sal. São bases fortes: o hidróxido de
sódio (a soda cáustica); o hidróxido de potássio ( a potassa) etc. As bases, em contato com os tecidos orgânicos,
têm ação liquefaciente (oposta a desidratação) e causam lesões úmidas.
Comumente tomamos conhecimento, pelo noticiário, de alguém que jogou um cáustico no rosto de ou-
trem, com a intenção de deformar. Usa-se a expressão vitriolagem para designar estes crimes.
2.3.2 Os venenos

8
Alguns autores utilizam o termo eletroplessão (e não eletrocussão) mesmo quando ocorre a morte. Assim, o aluno poderá
encontrar nos laudos tanto ‘morte por eletrocussão’ como ‘morte por eletroplessão’.

21
Por venenos, entendemos qualquer substância estranha ao organismo que, uma vez nele introduzida,
causa alterações no seu funcionamento normal (homeostase), podendo levar à morte. Qualquer substância que
tenha a propriedade de alterar alguma função orgânica poderá ser considerada, dependendo da quantidade
utilizada, alimento, remédio ou veneno (Camargo Jr., p. 150, 1987). Vejam que a diferença entre um remédio
e um veneno está na dose e não na substância em si. Até o veneno de cobra pode, se utilizado em pequenas
doses, ser considerado um remédio (atualmente se usa). Os próprios remédios, isto é do conhecimento de todos,
podem causar o envenenamento do corpo quando a dose é grande. Frequentemente tomamos conhecimento de
alguém que morreu envenenado com uma "overdose" de determinado remédio.
As mais diversas substâncias encontradas na natureza, bem como as sintéticas, desde que alterem al-
guma função no organismo podem ser consideradas veneno. Repetindo, o que torna uma substância venenosa
é a dose (em Farmacologia chama-se dose letal) e não a substância em si. Por exemplo, o arsênico é um veneno,
mas já foi muito empregado, em pequenas doses, na clínica psiquiátrica. Já uma dose exagerada de qualquer
remédio pode levar à morte. A seguir, alguns tipos de venenos:
• Metais pesados: mercúrio, chumbo, arsênico, cobre etc.
• Remédios: digitálicos, psicotrópicos como diazepínicos, barbitúricos, anfetaminas, codeína etc.
• Drogas propriamente dita (no sentido restrito): cocaína, álcool, morfina etc.
• Defensivos agrícolas em geral: inseticidas (organofósforados) e os herbicidas.
• Peçonha de certos animais: venenos de cobra, de escorpião, de aranhas etc.
• Outros como o cianureto, monóxido de carbono e outros gases venenosos.
Poderíamos classificar, ainda, os venenos pela sua forma física em venenos sólidos (metais pesados
etc.); líquidos (álcool, peçonhas etc.), e gasosos (gases venenosos em geral).
Farmacocinética - o veneno, para poder atuar e causar o envenenamento, precisa ser absorvido pelo
organismo, ou seja, passar para a corrente sangüínea. Uma vez no sangue, ele passa a circular por todo o corpo;
isto se chama distribuição. Cada veneno tem predileção por determinado órgão. Assim, os psicotrópicos vão
impregnar o cérebro, onde vão atuar; os digitálicos se fixam no músculo cardíaco; os metais pesados, no fígado
e nos rins etc. Após a fase de fixação, em que se notam os efeitos do veneno no corpo, vem a metabolização,
que ocorre principalmente no fígado; e, finalmente, a eliminação, patrocinada principalmente pelos rins e pelos
pulmões, mas também pode se dar pelo suor, pela saliva, pelo leite materno e pelas fazes, dependendo do
veneno. Algumas substâncias venenosas não são metabolizadas, isto é, são eliminadas inalteradas (é o caso
dos metais pesados); outras se fixam de forma irreversível nos tecidos (como o monóxido de carbono que se
fixa na hemoglobina e a impede de carregar o oxigênio, causando, assim, o bloqueio da respiração em nível
tecidual). Resumindo, a Farmacocinética dos venenos inclui:
• Absorção - cada veneno tem a sua via de absorção que pode ser a pele, a via respiratória (pulmões) e
a via digestiva (se for deglutido). Alguns são absorvidos por mais de uma via.
• Distribuição - cada veneno vai se fixar de forma reversível ou não em determinado tecido ou órgão de
sua preferência.
• Metabolização - ocorrida principalmente no fígado.
• Eliminação - na forma de metabólicos ou mesmo inalterado quimicamente. Os órgãos eliminadores
são: os rins, os pulmões, a pele etc.
Camargo Jr. (1987, p. 150) faz uma distinção entre envenenamento e intoxicação. Esta é o envenena-
mento causado por alimentos contaminados ou deteriorados, é a conhecida intoxicação alimentar, cujo exem-
plo mais grave é o botulismo.
Nem sempre o envenenamento leva à morte. Podemos ter casos de envenenamentos crônicos, como
ocorre, por exemplo, com os garimpeiros que estão constantemente expostos ao contato com o mercúrio. Che-
gam a ter concentrações elevadas deste mineral no seu organismo, que, se alcançadas de forma rápida, levam
a pessoa à morte por envenenamento agudo, em pouco tempo.
Critérios diagnósticos no envenenamento - perante um caso de suspeita de envenenamento, utilizamos
os seguintes critérios (considerando aqui que o caso evoluiu para o êxito letal, isto é, a morte);
• Critério circunstancial - baseado nas informações que nos chegam, dando-nos ciência de que, por
exemplo, a pessoa andava muito deprimida, falando que a vida não tinha mais sentido etc. Ingeriu algum

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veneno (exemplo: formicida), foi encontrada desacordada, ao seu lado, havendo um recipiente com a referida
substância diluída em água.
• Critério clínico - quadro clínico que a pessoa apresentava ao ser socorrida. No exemplo acima, estava
em coma, apresentava convulsões, bradicardia, sialorréia, miose etc.
• Critério anatomopatológico - uma vez morta, a pessoa é submetida à necrópsia. Em se tratando de
envenenamento típico, não raro acontece a chamada "necrópsia branca", ou seja, no exame cadavérico não se
encontra nenhuma lesão. E por quê? Porque o veneno, como dissemos atrás, não causa lesão orgânica; o que
os venenos produzem são alterações no funcionamento do organismo. Ocasionalmente, ouvimos falar em en-
venenamento por soda cáustica. Nestes casos (conforme já dissemos) não se trata de envenenamento, melhor
será dizer "queimadura por soda cáustica".
• Critério toxicológico - complemento do item anterior, faz-se a pesquisa do provável veneno, exami-
nando-se as vísceras do cadáver. Estas são retiradas durante a necrópsia e enviadas para o laboratório de toxi-
cologia. O toxicologista lança mão de provas biológicas ou químicas para detectar o veneno ou vestígios deste
nas vísceras. Emite, então, o seu Laudo Toxicológico, que será juntado ao laudo do legista e enviado à Justiça.
Uma parte das vísceras sempre deve ser guardada para uma futura e eventual contraprova (como determina o
artigo 170 do Código de Processo Penal).
Caso se encontre o veneno na prova toxicológica está confirmada a morte por envenenamento; mas pode
acontecer que as provas de laboratório sejam inconclusivas. Nesse caso, diante do critério circunstancial e do
clínico, apontado para o envenenamento, fala-se em "envenenamento sem veneno". Como pode acontecer
também de a pessoa morrer por outra causa (exemplo: enfarto agudo do miocárdio), mas está com concentra-
ções de veneno acima das consideradas letais (como acontece nos envenenamentos crônicos dos garimpeiros).
Neste caso fala-se de "veneno sem envenenamento".

2.4 Agentes Lesivos Bioquímicos


Agentes lesivos bioquímicos são substâncias endógenas, isto é, próprias do organismo, tais como a gli-
cose, a uréia, a creatinina etc. Estas substâncias, uma vez aumentada a sua concentração, no sangue, passam a
atuar como verdadeiros venenos, ou seja, alterando determinadas funções orgânicas, podendo levar à morte.
Por exemplo, o aumento da glicemia, como ocorre no diabetes; o aumento da uréia, creatinina, ácido úrico e
outras escórias, na insuficiência renal; a insuficiência hepática (como ocorre na cirrose); etc. são situações que
podem levar a um estado de autoenvenenamento que pode evoluir ao estado de coma e mesmo à morte.

2.5 Agentes Lesivos Biodinâmicos


Nos biodinâmicos estudamos duas entidades clínicas: o estado de coma e o estado de choque. São duas
situações clínicas que, em geral, surgem como complicação da ação lesiva de outros agentes. Exemplos: da
ação lesiva de um instrumento mecânico cortante pode resultar uma hemorragia profusa e, como conseqüência,
um choque hipovolêmico; de uma eletroplessão (choque elétrico) pode resultar uma fibrilação ventricular e
um choque cardiogênico; e de um traumatismo craniano, por um agente contundente, pode resultar um coma
etc.
2.5.1 Coma
Coma é um estado de inibição do córtex cerebral. Esta inibição leva à inconsciência profunda. Por
exemplo, no sono fisiológico também há inconsciência profunda, porém esta inconsciência pode ser interrom-
pida a qualquer momento, como normalmente acontece, por qualquer estímulo (uma beliscada, um ruído etc.);
já no estado de coma, o cérebro não responde a nenhum estímulo. Todas as funções de vida de relação (a
consciência, a memória, o pensamento etc.) estão comprometidas. Neste estado (repetindo) a pessoa não reage
a nenhum estímulo, por mais doloroso que seja. É como se estivesse sob o efeito de uma anestesia geral.
Tipos de coma - quando à profundidade: superficial e profundo; quanto à etiologia (causa): coma pós-
traumatismo cranioencefálico (TCE); coma tóxico (que se segue às intoxicações ou envenenamentos, exemplo:
coma alcoólico, coma barbitúrico etc.); coma infeccioso, o que acontece nas infecções generalizadas (septice-

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mias) e nas meningoencefalites (meningites e encefalites); coma metabólico, que acontece nos estados de ure-
mia (aumento da ureia, creatinina etc., na insuficiência renal), no diabetes etc.; coma que surge nos tumores
cerebrais e acidentes vasculares cerebrais etc. Não devemos confundir coma com morte encefálica9.

2.5.2 Choque
Choque é um estado fisiopatológico em que o coração falha na sua função de bomba (ou seja, a de
bombear o sangue para todas as partes do corpo). Nesta situação falta oxigênio para as células e surgem os
sintomas do choque que são, basicamente, taquicardia (aumento da frequência cardíaca); hipotensão arterial,
sudorese profusa, confusão mental com agitação que pode evoluir para o coma e a morte. Na sua evolução, até
certo ponto, o choque é reversível, isto é, tem cura. A partir deste torna-se irreversível e evolui para a morte.
O que caracteriza esse ‘ponto’ de irreversibilidade é o fato de, em função da hipóxia, ter havido destruição
(‘lise’) das paredes celulares com liberação para o meio extracelular de substância como o íon hidrogênio e o
íon potássio, levando assim a uma hiperpotassemia com acidose. Nessa situação extrema, mesmo que a causa
do choque seja revertida, não há como evitar a morte do paciente. Tipos de choque:
• Choque hipovolêmico - a causa deste é a diminuição do volume sanguíneo, como ocorre nas hemorra-
gias profusas, nas desidratações causadas por vômitos e diarreias, bem como nas queimaduras.
• Choque cardiogênico - neste a volemia (o volume de sangue circulante) está normal. O que acontece
é uma falha do coração, donde o nome cardiogênico. Ocorre no infarto (ou enfarte) agudo do miocárdio; nas
arritmias (exemplo: na fibrilação ventricular); nas paradas cardíacas; nos derrames pericárdicos etc.
• Choque neurogênico - neste a volemia está normal, o coração funciona direito, mas ocorre uma vaso-
dilatação (dilatação das artérias, arteríolas e veias) de modo que o volume sanguíneo se toma relativamente
pequeno para o diâmetro dos vasos. Exemplo: choque toxêmico, choque traumático (nos politraumatizados
dos acidentes de trânsito) etc.
• Choque anafilático - ocorre nas reações alérgicas generalizadas. Nestas a reação antígeno-anticorpo
provoca a liberação de substâncias vasodilatadoras (como a histamina e outras) que causam uma vasodilatação
sistêmica, determinando queda acentuada da pressão e levando ao estado de choque.

2.6 Agentes Lesivos Mistos (Bioquímicos e Biodinâmicos)


2.6.1 Esforço e Fadiga
Por esforço entendemos a mobilização de forças para vencer uma resistência, ou dificuldade, e alcançar
um fim. Assim, temos o esforço físico e o esforço mental.
Esforço físico é o uso da energia produzida pela contração muscular, para vencer uma resistência ou
para opor-se a outra potência. Por exemplo: fazemos esforço para empurrar um carro que não quer pegar;
fazemos esforço para levantar um saco de arroz ou um botijão de gás (vazio ou cheio); também fazemos esforço
numa queda-de-braço. No primeiro e no segundo exemplos, estamos vencendo uma resistência (princípio de
inércia), no último, estamos nos opondo à outra potência. Apesar do esforço ser um ato corriqueiro, ele é, do
ponto , de vista da fisiologia, um ato complexo que envolve algumas alterações no nosso organismo, tais como:
inspiração profunda (enchemos o peito) cheio; contração de toda a musculatura corporal (principalmente a do
tórax e a do abdômen); aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial etc. Até aqui falamos do esforço
físico, porém, não devemos nos esquecer do esforço mental, este, apesar de, em regra, não envolver contrações
musculares podem também causar desgastes no organismo. O esforço, tanto o físico quanto o mental, podem
ser normal ou anormal.
Por esforço normal entende-se aquele que fazemos todos os dias, faz parte da nossa rotina, e a eles
estamos habituados. Já o que não faz parte da nossa rotina, o que esporadicamente fazemos, é o esforço anor-
mal. Por exemplo, para um "chapa" carregar sacos de sessenta quilogramas é um esforço normal (faz parte da
rotina diária dele); para nós (professor e alunos) que mal fazemos esforço para escovar os dentes, pentear os
cabelos etc., carregar um peso desses é um esforço ‘anormal’.

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Morte encefálica é o parâmetro atual para se considerar uma pessoa legalmente morta. Enquanto que no coma as funções
vegetativas se mantêm (daí a expressão: ‘Fulano está vegetando’, isto é, está em coma); no estado de morte encefálica
(antigamente denominada morte cerebral), também estão ausentes estas funções vegetativas. No capítulo Tanatologia
retornaremos a esse assunto.

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Os esforços, tanto físico como mental, podem causar danos ao organismo humano. O desgaste pode ser
agudo (sentido imediatamente) ou crônico (efeito cumulativo). Devemos considerar o esforço normal separa-
damente do anormal, pois o desgaste que um e o outro causam ao corpo são diferentes. Assim, o cansaço é a
sensação ruim que sentimos após um esforço normal (por exemplo: sentimo-nos cansados após um dia de
trabalho normal); já a fadiga é a sensação ruim que sentimos após um esforço anormal. Enquanto o cansaço é
uma alteração fisiológica que nos leva instintivamente a procurar o descanso, a fadiga é uma alteração fisio-
patológica que pode levar o organismo, dependendo da intensidade, até a morte. Para Del-Campo, fadiga é “o
conjunto de sintomas experimentado pelo organismo submetido a um regime de trabalho ou esforço que vai
além de sua capacidade normal de resistência” (DEL-CAMPO, 2007, p. 160). Para melhor entendê-la vamos
separá-la em aguda e crônica.
A fadiga Aguda ocorre, por exemplo, quando uma pessoa que leva vida sedentária (isto é, não faz ne-
nhum exercício físico) se mete a fazer um esforço anormal (por exemplo: carregar um saco de sessenta quilo-
gramas). Executado este esforço, a pessoa em questão sentirá, além da sensação de lassidão, comum no cansaço
fisiológico, uma descompensação cardiorrespiratória, que se manifesta por taquicardia, dispneia (falta de ar)
etc., podendo até levá-la à morte. Na história antiga tem um exemplo de esforço anormal que levou à morte, o
do atleta (na Grécia antiga) que correu 40 km para dar a notícia de que a guerra havia sido ganha. Deu a notícia
e morreu logo em seguida. Ocasionalmente, tomamos conhecimento de pessoas (de vida sedentária) que, sem
condicionamento físico adequado, vão jogar futebol num fim de semana. Jogam e morrem de parada cardíaca.
Já a fadiga crônica ocorre depois de repetidos esforços, mesmo normais, tanto físicos quanto mental,
sem que se tenha o descanso necessário. O exemplo típico é o do aluno que trabalha o dia inteiro e estuda à
noite. Dorme pouco, tem muitas preocupações etc. Quando chega o final de semana, em vez de descansar,
prefere sair para farrear no sábado e no domingo vai ao clube, onde pega muito sol, nada, joga futebol etc. Na
segunda-feira está mais cansado ainda do que na sexta. Após algum tempo, surgem os primeiros sintomas da
fadiga crônica: insônia (alguns conseguem dormir, mas acordam mais cansados do que quando deitaram);
anorexia (perda do apetite); dificuldade de concentração (não consegue apreender, nem reter o que está lendo);
irritabilidade (fica nervoso por qualquer coisa, tem crises histéricas); diminuição da libido (impotência de
causa psíquica) etc.
O tratamento da fadiga crônica é a interrupção do ciclo que levou a ela. Em alguns casos se indica a
sonoterapia. A prevenção (que é o mais importante) faz-se tomando certas atitudes: procurar descansar mesmo
nos finais de semana e tirar férias pelo menos uma vez por ano.
2.7 Classificação das Lesões Corporais
Conforme exposto no início deste capítulo, a Traumatologia Forense estuda os agentes lesivos, as lesões
por eles causadas e as consequências médico-legais destas lesões. Estas consequências estão bem delimitadas
no artigo 129 do Código Penal Brasileiro:
Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1
(um) ano.
§ 1º - Se resulta:
I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias;
II - perigo de vida;
III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;
IV - aceleração de parto:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
§ 2º - Se resulta:
I - incapacidade permanente para o trabalho;
II - enfermidade incurável;
III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função;
IV - deformidade permanente;
V - aborto:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
§ 3º - Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu
o risco de produzi-lo:
Pena - reclusão, de 4(quatro) a 12(doze) anos.
O artigo 129 do Código Penal classifica as lesões corporais em leve, grave, gravíssima e lesão seguida
de morte. Diz o artigo: "ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem".

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A ofensa para ser tipificada como crime de ‘lesão corporal’ deve, como enfatiza o artigo, ‘ofender a
integridade corporal’ ou a ‘saúde de outrem’. Esclareçamos inicialmente no que consiste uma ofensa à integri-
dade corporal ou à saúde de outrem. Ofender a integridade corporal é causar uma lesão, uma injúria, no corpo
da vítima. Assim, uma rubefação, uma equimose, uma ferida incisa, uma contusão, uma fratura, uma entorse,
uma queimadura etc. caracterizam uma ‘ofensa à integridade corporal’. Nestes casos a estrutura corporal foi
lesionada. E a ofensa à saúde da vítima, como poderia ser caracterizada? Entendemos que o envenenamento
de alguém por outrem seria um bom exemplo. Nesse caso especificamente, há uma ofensa à saúde da vítima,
que inclusive pode resultar na morte da mesma, mas não há ofensa à integridade corporal. Porquanto, os ve-
nenos, que entram na categoria dos agentes lesivos químicos. Não causam ‘lesão’, causam alteração no funci-
onamento do organismo. E podem, inclusive, levar à morte.
A lesão é considerada leve quando há ofensa à integridade corporal ou à saúde da vítima, mas que não
resulte, como consequência, em nenhum dos itens dos parágrafos 1, 2 e 3 do referido artigo.
A lesão que resulte em pelo menos um dos itens do § 1º é considerada de natureza grave; já a lesão que
resulte (como consequência) em pelo menos um dos itens do § 2º é considerada gravíssima; mais grave ainda
que a lesão gravíssima é a lesão que resulte em morte (§ 3º). Evidentemente que, à medida que a lesão vai se
agravando, vai aumentando, proporcionalmente, a pena aplicada. Vamos analisar cada um dos itens.
2.7.1 Lesão grave. A lesão grave é a que resulta em:
2.7.1.1: I. Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias. Aqui a Lei não se refere a
‘incapacidade para o trabalho’, mas sim ‘incapacidade para as ocupações habituais’. Por ocupações habituais
se entende o que a pessoa faz rotineiramente, ou seja, a sua rotina diária, independentemente dela ser trabalha-
dora ou não. Assim, as ocupações habituais de uma criança são brincar e ir à escola; os de um aposentado são
fazer o seu passeio matinal etc. Não raro temos lesões que resultam em perigo de vida e não impossibilitam a
pessoa para as suas ocupações habituais por este período. Por outro lado, uma fratura de fêmur, que obriga a
pessoa a ficar impossibilitada de andar por mais de um mês, já positiva este item. Como se diz rotineiramente
em Medicina, ‘cada caso é um caso’. Como saber se a pessoa não estará recuperada antes de decorridos os
trinta dias? Como o perito não dispõe de ‘bola-de-cristal’, o artigo 168 do CPP determina (no seu parágrafo
segundo) que, nesses casos, se realize o exame complementar 30 dias, a contar da data do crime (e não, do
primeiro exame);
2.7.1.2: Perigo de vida. Quando falamos ‘perigo de vida’, na verdade estamos querendo dizer ‘perigo de perder a
vida’, o que é equivalente a perigo de ‘morrer’. Para entendermos o que, em Medicina Legal, caracteriza ‘perigo de vida’,
devemos inicialmente definir o que entendemos por ‘risco’ e o que entendemos por ‘perigo’. Uma vez que se faz muita
confusão ao se usar esses dois termos.
O Dicionário do Aurélio define ‘risco’ como “perigo ou possibilidade de perigo”, e também como uma situação
em que há “probabilidade de ganho ou de perda”. Ou seja, risco é a possibilidade ou a probabilidade de que algo possa
vir a acontecer (ou não). Enquanto que ‘perigo’ é definido como uma “circunstância (real) que prenuncia um mal para
alguém ou para alguma coisa”. No risco a coisa pode (ou não acontecer). No perigo a coisa já está acontecendo. Isto é,
‘perigo’ já não é mais a possibilidade ou a probabilidade, mas sim a coisa já acontecendo.
Não devemos confundir risco de vida com perigo de vida. Por exemplo, uma pessoa que se submete a
uma cirurgia, está correndo risco de ter uma parada cardíaca e assim perder a vida (ou morrer). A parada
cardiorrespiratória é um risco que todo paciente corre num procedimento cirúrgico. Nessa situação há bem
caracterizado o risco (pela possibilidade), mas não o perigo. De forma que se o procedimento ocorreu sem
nenhuma intercorrência, podemos afirmar que o paciente correu ‘risco’, mas não esteve em ‘perigo’.
Agora, supomos que no decorrer do ato cirúrgico aconteça uma parada cardíaca. E o paciente tenha
sido reanimado a tempo, de modo que não tenha ocorrido a morte. Nesse caso especificamente, o que era
‘risco’, a probabilidade de algo acontecer, aconteceu. Ou seja, o ‘risco’ deixou de ser risco e se tornou ‘perigo’.
Por que? Porque nesse caso a vítima, cuja vida estava em perigo (e não mais em risco) somente não morreu
porque ‘algo foi feito’. É isso que caracteriza o o perigo de vida uma situação em que a vida está em perigo
(real e não potencial). E a morte somente não aconteceu por alguma providência foi tomada de imediato.
No artigo 129 a Lei se refere a ‘perigo’ e não a ‘risco’. O que caracterizaria, portanto, este perigo?
Segundo França (1977, p. 105), há perigo de vida sempre que houver perfuração de qualquer uma das três
cavidades do corpo (crânio, tórax e abdômen); sempre que da lesão resultar em choque ou coma; nas queima-
duras de II grau ou mais, que acometam pelo menos 33% da superfície corporal; no estados de choque, coma
etc.
Debilidade permanente de membro, sentido ou função. Membros são os braços e as pernas (o membro
viril não está incluído aqui); sentido são os cinco sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato); e função

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inclui as mais diversas funções orgânicas, tais como: função respiratória, cardiovascular, digestiva, renal, se-
xual etc. Na debilidade o membro (sentido ou função) continua funcionando, só que com a sua capacidade
diminuída. Por exemplo, de uma lesão no plexo braquial (responsável pela inervação do membro superior)
pode levar à diminuição da força no braço afetado. Está caracterizada assim uma debilidade. Mas para positivar
este item é necessário que esta debilidade seja permanente, ou seja, irreversível. Com relação aos sentidos, se
a pessoa ficou surda de um ouvido, ou cega de um olho, também está caracterizada a debilidade permanente,
no sentido da visão ou audição; se da lesão ela teve que ser operada e teve um rim (ou um pulmão) extirpado,
está caracterizada a debilidade da função renal (ou pulmonar) etc.;
Aceleração de parto - se de uma lesão ocorre antecipação do parto, nasce um prematuro e ele sobrevive,
está positivado este item.
2.7.2 Lesão gravíssima. A lesão gravíssima é a que resulta em pelo menos um dos quesitos abaixo:
Incapacidade permanente para o trabalho - por trabalho entende-se qualquer atividade humana, realizada
em troca de remuneração. Assim, jogar futebol para um amador não é trabalho, mas sim para o profissional
que joga pelo salário. Com relação a incapacitação a Lei não faz distinção se é para trabalho específico ou se
é para o trabalho genérico. Uma pessoa pode ficar incapacitada (em função de uma lesão) para o seu trabalho
específico, mas não para outro tipo de trabalho. Por exemplo, um jogador que tenha uma lesão muito grave no
joelho, pode ficar incapacitado para jogar futebol (seu trabalho específico), mas não estará incapacitado para
o trabalho genérico, pois poderá ser um técnico de futebol, por exemplo. Segundo a bibliografia consultada, a
tendência é levar em consideração o trabalho genérico e não o específico. Assim, uma pessoa que fica imobi-
lizada numa cama por dois meses, estará incapacitada para qualquer atividade laboriosa, mas esta incapacidade
não é permanente. Outra, que tenha se tornado cega ou paralítica, ficou com incapacidade permanente para o
trabalho.
Enfermidade incurável - nesta é preciso que a enfermidade tenha sido adquirida em função da lesão. Por
exemplo, um TCE (traumatismo cranioencefálico) que resultou numa psicose orgânica ou numa epilepsia se-
cundária, a nosso ver, caracteriza a enfermidade incurável. Outro exemplo: se em função da lesão a pessoa foi
submetida à transfusão sangüínea e adquiriu o vírus da AIDS.
Perda ou inutilização de membro, sentido ou função - aplica-se o mesmo raciocínio para o item três do
parágrafo 1º. Só que, enquanto naquele o membro, sentido ou função, teve a sua capacidade diminuída, nesta,
ou ele foi extirpado ou ficou inutilizado. Por exemplo, a paralisia de um braço ou a sua amputação; a cegueira
ou a surdez total; a insuficiência renal; a castração; a laqueadura tubária ou a vasectomia (extirpando a função
procriadora) etc.
Deformidade permanente - por deformidade permanente se entende um dano estético que seja visível
nas condições de convivência sociais habituais e que seja permanente (a equimose causa um dado estético
visível, mas é transitória); e que cause asco, repugnância na própria pessoa ou nos outros. Segundo Almeida
Jr. "[...], é ponto pacífico que a deformidade pode referir-se a quaisquer parte do corpo, contanto que seja
visível [...]" (Almeida Jr., Costa Jr., 1987, p. 229). Um aleijão, mesmo que só apareça quando a pessoa se
locomove, também, segundo Flamíneo Fávero (apud Camargo Jr., 1987, p. 67), constitui a deformidade per-
manente (se não for reversível).
Aborto - se de uma lesão resultar abortamento. O conceito médico-legal de abortamento é a morte do
concepto dentro do útero, levando à interrupção da gravidez (ver Abortamento e Infanticídio).
2.7.3 Lesão seguida de morte.
A lesão é considerada mortal, na definição de Hoffman citado por Almeida Jr. (1978), quando ela causa
a morte. Devemos, porém, distinguir a lesão mortal (§ 3º, do artigo 129) do homicídio (artigo 121). Para que
se considere uma lesão corporal seguida de morte (e não um homicídio), é necessário que haja o concurso das
chamadas ‘concausas’. Ou seja, a lesão por si só não teria causado a morte, se não fosse a concausa. Já no
homicídio a lesão é mortal por si só. Exemplos: um tiro na cabeça é uma lesão mortal (homicídio); já um tiro
no pé, não é, por si só, uma lesão mortal. Agora se esta lesão se complicar com uma infecção como o tétano
(concausa) e se desta complicação resultar a morte, então está, a nosso ver, caracterizada a lesão corporal
seguida de morte. Como diz o referido § 3º: "Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não
quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo". Quem quer matar atira na cabeça e não no pé (concor-
dam?). Poderíamos citar muitos outros exemplos, tais como a pessoa que leva um soco no abdômen, lesão por
si só incapaz de provocar a morte, mas esta pessoa estava com o baço inflamado, devido a uma malária que
tinha contraído há meses, e, em consequência deste soco, tenha rotura no baço e morte por hemorragia: carac-
teriza lesão corporal seguida de morte. Já uma pessoa que leva uma facada no abdômen e tenha a sua aorta

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lesada, resultando em morte por hemorragia, caracteriza-se o homicídio e não mais lesão corporal seguida de
morte.
No exame de lesão corporal, é previsto o exame complementar, para se poder ao item I do §1º do art.
129 (‘se resultou em incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias’). Nestes casos, será
agendada uma ‘perícia complementar’ decorridos exatamente trinta dias (a contar do dia em que ocorreu a
lesão). Esta perícia complementar está regulamentada pelo artigo 168 do Código de Processo Penal10. Na pe-
rícia (Exame de corpo de delito: lesões corporais) os quesitos oficiais a serem respondidos são:
1.º Há ofensa à integridade corporal ou à saúde do paciente?
2.º Qual o instrumento ou meio que a produziu?
3.º Foi produzido por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia ou tortura, ou por outro meio insidioso ou
cruel?
4.º Resultará incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias?
5.º Resultou perigo de vida?
6.º Resultou debilidade permanente ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função?
7.º Resultou incapacidade permanente para o trabalho, ou enfermidade incurável, ou enfermidade perma-
nente (resposta especificada)?
8.º Resultou aceleração do parto, ou aborto?

3. DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE


Em determinadas situações, por ação ou por omissão, alguém pode colocar a vida ou a saúde de outrem
em perigo. Nestes casos, o crime estará concretizado pela simples comprovação da ‘possibilidade’ da vítima
ficar exposta ao ‘risco iminente’ de contaminação venérea ou de adquirir uma doença grave; mesmo que isso
não se concretize. E assim, cabe ao perito confirmar se realmente havia a possibilidade de concretização. O
que queremos dizer é que, mesmo que a vítima não adquira a doença venérea ou a moléstia grave, ainda assim,
estará caracterizado o crime, se ficar comprovado na perícia que o agente estava contaminado pela doença
sexualmente transmissível ou pela moléstia grave. No caso de uma doença venérea, segundo Croce e Croce Jr.
“Se o contágio se der entre cônjuges, haverá razão para separação judicial, alicerçada em injúria grave e adul-
tério, nos termos da Lei n. 6.515/77” (CROCE e CROCE JR., 2004, p. 400). Analisemos estas duas situações
em particular.
Comecemos pelo artigo 130 do Código Penal: “Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato
libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado. Pena - detenção, de 3 (três)
meses a 1 (um) ano, ou multa”. Em primeiro lugar é preciso definir o que é ‘moléstia venérea’. Por moléstia venérea, ou
doenças sexualmente transmissíveis (daí a expressão DST), se entende as doenças que são transmissíveis pelo contato
sexual (seja a conjunção carnal, seja o ato libidinoso diverso da conjunção carnal). Aqui a palavra chave não é ‘contami-
nar’, mas sim ‘expor’ à contaminação. Neste caso, ainda que a vítima não adquira a doença venérea (ou seja, doença
sexualmente transmissível –DST-AIDS), se ficar comprovado na perícia que o agente tenha a doença, o crime estará
concretizado. E assim, a perícia deve ser feita primordialmente no agente. É importante ressaltar que, conforme o pará-
grafo segundo deste artigo, “Somente se procede mediante representação”. Segundo Croce e Croce Jr, os quesitos a serem
respondidos são:
1) por ocasião do coito ou do ato libidinoso, o acusado era portador de moléstia venérea; 2) a moléstia
venérea se encontrava em fase contagiante; 3) a vítima, na ocasião do coito [ou do ato libidinoso] eventu-
almente contagiante, era isenta de molesta a cujo perigo foi exposta (CROCE e CORCE JR, 2004, p. 403).
Já com relação à transmissão de moléstia grave, diz o artigo 131 do Código Penal: “Praticar, com o fim
de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena - reclusão, de 1
(um) a 4 (quatro) anos, e multa”. Caracteriza este crime a ‘intenção’, ou seja, o dolo. Neste caso, os quesitos a serem
respondidos seriam: 1) o acusado é portador de moléstia grave e contagiante [por exemplo, AIDS]? 2) o ato praticado
pode produzir o contágio desta moléstia grave?

10
Art. 168: Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto, proceder-se-á a exame
complementar por determinação da autoridade policial ou judiciária, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público,
do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor.
§ 1º. No exame complementar, os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a fim de suprir-lhe a deficiência ou
retificá-lo.
§ 2º. Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no Art. 129, § 1º, I, do Código Penal, deverá ser feito logo
que decorra o prazo de 30 (trinta) dias, contado da data do crime. (Código de Processo Penal)

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Além dessas duas situações (artigos 130 e 131) há ainda no Capítulo III do Código Penal (Da Pericli-
tação da Vida e da Saúde) outros crimes nos quais deverão ser feitas as respectivas perícias. São os crimes de
exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo (art. 132); abandono de incapaz (art. 133); exposição ou
abandono de recém-nascido (art. 134); omissão de socorro (art. 135); e o crime de maus-tratos (art. 136)11.

4. ASFIXIOLOGIA
Asfixiologia é a parte da Medicina Legal Judiciária que estuda as asfixias (os agentes lesivos físico-
químicos, segundo França (1977, p. 78). O Termo asfixia quer dizer, etimologicamente, sem pulso, contudo
consagrou-se pelo uso como falta de ar, ou seja, impedimento mecânico de entrada de ar no aparelho respira-
tório. Assim, quando dizemos que uma pessoa morreu asfixiada, queremos dizer que ela teve sua respiração
bloqueada. Devemos ter em mente, todavia, que nem toda vítima de asfixia chega ao óbito. A morte, é bom
que se enfatize, é um processo e não um momento. E neste processo, pouco importando a causa, mais cedo ou
mais tarde se instala a asfixia. Considera-se, por conseguinte, que a morte se deu por asfixia quando esta foi o
evento que desencadeou o processo da morte, ou seja, é aquela que se inicia pela asfixia. Assim, o que carac-
teriza a morte por asfixia são três fatores:
1 - A interrupção da respiração é primitiva. Ou seja, o processo da morte se inicia pela interrupção da
respiração.
2 - Esta interrupção é mecânica. Ou seja, há uma barreira mecânica entre o aparelho respiratório e o ar
atmosférico.
3 - esta interrupção é violenta quando acontece de forma brusca.
Trata-se, indubitavelmente, quando usada pelo homicida, de um meio insidioso e cruel, ou seja, um sério
agravante (cf. artigo 121, § 2, item III; e artigo 61, item II, letra "d" do Código Penal), donde a importância do
legista, ao realizar o exame, detectar ou não a sua presença.
Alguns autores citam as ‘asfixias por gases irrespiráveis’. Outros acham que esta modalidade não se
trata de asfixia, mas sim de envenenamento, uma vez que não existe um obstáculo mecânico impedindo a
entrada do ar no aparelho respiratório. O fato é que tanto a asfixia como o envenenamento constituem ‘meios
insidiosos e cruéis’. Em nosso programa optamos por estudar as asfixias por gases irrespiráveis (como o mo-
nóxido de carbono) no capítulo sobre envenenamento, uma vez que se trata de uma substância estranha ao
organismo, e que uma vez nele introduzida (pela via pulmonar) causa alteração neste organismo e pode levar
à morte.

4.1 Sinais Gerais de Asfixia

11
Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de três meses a um ano, se
o fato não constitui crime mais grave. Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da
vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos
de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais.
Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo,
incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena - detenção, de seis meses a três anos. § 1º - Se do
abandono resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de um a cinco anos. § 2º - Se resulta a morte: Pena -
reclusão, de quatro a doze anos.
Art. 134 - Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria: Pena - detenção, de seis meses a dois
anos. § 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - detenção, de um a três anos. § 2º - Se resulta a
morte: Pena - detenção, de dois a seis anos.
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extravi-
ada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro
da autoridade pública: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de metade,
se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação,
ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho
excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena - detenção, de dois meses a um ano,
ou multa. § 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de um a quatro anos. § 2º - Se resulta
a morte: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. § 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra
pessoa menor de 14 (catorze) anos.

29
Como dissemos no início, nem sempre a vítima de asfixia chega a morrer. Contudo, havendo morte,
ficam alguns sinais que permitem ao legista afirmar se a morte foi ou não por asfixia. Antes de relacionar
alguns deles, é bom ressaltar que nem sempre estão todos presentes. Há até casos de morte por asfixia em que
eles estão ausentes. Por exemplo, na esganadura, a compressão do seio carotídeo (localizado no pescoço, logo
abaixo da raiz da mandíbula) pode desencadear um estímulo vagal, com parada cardíaca e morte súbita, antes
mesmo de se instalarem os sinais de morte por asfixia. Estes sinais são, em geral, causados pelo aumento da
concentração de gás carbônico (CO2) no sangue, que leva a um estado clínico chamado de hipercapnia; e pela
diminuição da concentração de oxigênio, que é a hipóxia. Eles são divididos em externos e internos.
4.1.1 Sinais externos de asfixia:
Cianose – a coloração arroxeada da pele e mucosas, deve-se ao aumento do CO2 no sangue, podendo
ser generalizada (como ocorre no afogamento) ou limitada à face e ao pescoço (como pode ocorrer nas asfixias
por constrição do pescoço e na sufocação indireta).
Protrusão da língua - presente nas asfixias por constrição do pescoço.
Equimoses conjuntivais - pequenas equimoses (ver agentes lesivos mecânicos contundentes) que se for-
mam na conjuntiva (o branco dos olhos).
Cogumelo de escuma, freqüente nos afogados, forma-se pela mistura do ar, contido nos alvéolos pul-
monares, com o líquido que é aspirado.
4.1.2 Sinais internos de asfixia:
Sinal de Tardieu - pequenas equimoses nas membranas serosas (pleura, pericárdio etc.).
Fluidez do sangue - o sangue, nas mortes por asfixia, demora a coagular.
Congestão visceral - as vísceras, pelo aumento da pressão venosa, mostram-se congestas, inchadas etc.
4.2 Classificação das Asfixias
Existem várias classificações12 vamos adotar a que as divide em asfixias puras, asfixias complexas, e
asfixias mistas.
4.2.1 Asfixias puras
Uma asfixia é considerada pura quando somente a respiração está comprometida, ou seja, o único me-
canismo envolvido é o respiratório. Havendo, pois, a interrupção da respiração, ocorrerão algumas alterações
fisiopatológicas. Dentre essas destacamos: a diminuição do Oxigênio (hipóxia); o aumento do gás Carbônico
(hipercapnia) e a acidose respiratória. A hipercapnia que é a responsável pela cianose (coloração arroxeada da
pele e mucosas). São asfixias puras: o afogamento, o confinamento, o soterramento e a sufocação (direta e
indireta).
4.2.1.1 Confinamento - ocorre como forma de asfixia quando uma pessoa é presa (acidentalmente ou
não) num recinto pequeno, onde não haja renovação do ar. Desse modo, todo o oxigênio presente vai ser
consumido e a vítima vai entrar em hipóxia e hipercapnia, chegando à morte. Amiúde ocorre o confinamento
principalmente com crianças.
4.2.1.2 Sufocação - pode ser direta ou indireta. Na direta há uma oclusão das vias aéreas superiores
(nariz, boca e laringe). Esta oclusão pode ser feita pelas mãos do agressor, ou com qualquer outro objeto como
almofada, travesseiro etc. Esta modalidade de sufocação pode também acontecer por edema de glote (como
ocorre nas reações alérgicas), bem como quando a pessoa se engasga com algum alimento ou objeto. Almeida
Jr. (1978) nos relata um caso de uma garota que morreu asfixiada por sufocação direta causada por um preser-
vativo (camisinha). Ela o tinha enchido de ar, como se fosse um balão, e estava brincando com uma amiga; de
repente a camisinha estourou e um pedaço dela foi aspirado. No momento do estouro, coincidentemente, ela
inspirou, obstruindo a entrada da glote. A sufocação indireta ocorre quando os músculos respiratórios, por
compressão do tórax, estão impedidos de se expandirem. Pode ser acidental como ocorre no desmoronamento;
ou homicida, como acontece, às vezes, nos crimes sexuais, em que o agressor sufoca a vítima com o seu peso.
Freqüentemente, nesta modalidade, se forma a chamada máscara equimótica.

12
O aluno poderá encontrar em outros livros, por exemplo, termos como ‘asfixia por gases irrespiráveis’ (que neste livro
entra no capítulo de envenenamento); ‘asfixias por constrição do pescoço’, que inclui o enforcamento, o estrangulamento
e a esganadura etc.

30
4.2.1.3 Soterramento - ocorre quando o ar (um meio gasoso) é substituído por um meio sólido (terra,
arroz, cimento etc.). Geralmente se encontram traumatismos externos, como ocorre nos desmoronamentos,
bem como presença da substância sólida, que substituiu o ar, nas vias aéreas superiores (boca, nariz, laringe)
e até na traquéia e brônquios. No soterramento típico, há sufocação direta e indireta, ou seja, há a obstrução
das vias aéreas superiores e a compressão do tórax.
4.2.1.4 Afogamento - asfixia pura em que o ar (meio gasoso) é substituído por um meio líquido qualquer
(água, álcool, coca-cola, cerveja, gasolina etc.). É importante enfatizar isto: o que caracteriza a morte por
afogamento é a entrada do líquido no aparelho respiratório. Todo cadáver encontrado em meio líquido deve
ser considerado como morte suspeita. E por quê? Porque pode ocorrer que o assassino jogue o corpo da vítima
na água para simular afogamento. Há, por conseguinte, dois tipos de afogados: o verdadeiro (ou afogado azul);
e o falso (ou afogado branco). O primeiro apresenta os sinais gerais de morte por asfixia, além de sinais parti-
culares da submersão (inundação das vias aéreas pelo líquido); o segundo trata-se de um cadáver que foi lan-
çado no meio líquido (imersão) e, evidentemente, não apresenta os referidos sinais de inundação das vias aéreas
pela água. Entretanto, não devemos nos esquecer que uma pessoa que morreu confinada (um tipo de asfixia
pura) e foi jogada num meio líquido, estará ‘azul’ e ainda assim será um falso afogado, pois não houve pene-
tração da água no aparelho respiratório.
Sinais de morte por afogamento:
- Sinais externos: cianose generalizada; pele anserina (ou seja, enrugada); maceração da pele (pela em-
bebição, a epiderme vai se soltando); presença de plânctons (próprios de água) nos leitos ungueais (debaixo
da unhas); escoriações nos joelhos e cotovelos (causadas, em geral, pelo debater-se desesperado do afogado
na tentativa de salvar-se, bem como pelo choque do corpo levado pela correnteza contra pedras) etc.
- Sinais internos: cogumelos de escuma nas vias aéreas, desde a boca e nariz até os alvéolos (formado
pela mistura do ar com o líquido); plânctons nas vias aéreas; manchas de Paltauf (equimoses pleurais com o
sangue hemolisado); água no aparelho digestivo; e diluição do sangue. Esta pode ser comprovada pela crios-
copia, estudo comparativo da temperatura de congelamento do sangue colhido no coração esquerda (diluído)
com o colhido no coração direito (que não foi diluído). Na morte por afogamento, o sangue do coração es-
querdo estará mais concentrado que o do coração direito (se o afogamento se deu em água salgada) e congelará
em uma temperatura mais baixa; e estará mais diluído (se o afogamento se deu em água doce) e congelará em
uma temperatura mais elevada. Por esta prova podemos comprovar tanto a morte por afogamento, quanto se
este afogamento se deu em água doce ou salgada. Pode ocorrer que uma pessoa seja afogada numa piscina e,
para tentar ocultar o crime, seja jogada no mar.
Fases do Afogamento:
A morte por afogamento, uma das modalidades de asfixia mais frequentes, é um processo até certo ponto
reversível. Haja vista que algumas pessoas são retiradas da água já inconscientes, às vezes até em morte apa-
rente, e são reanimadas. Esse ‘processo’ de asfixia passa por cinco fases (cf. figura 4 em "anexos"), a saber:
1- Inspiração inicial (uma inspiração profunda ao primeiro contato do corpo com o meio líquido).
2- Apnéia inicial - ao mergulhar a respiração é inibida para impedir, evidentemente, que a água entre no
aparelho respiratório. Com esta inibição vai se acumulando gás carbônico e diminuindo o oxigênio cir-
culante.
3- Dispnéia de submersão - após determinado tempo dentro da água o indivíduo não consegue mais
prender a respiração e pela hipóxia e pela hipercapnia os centros respiratórios, localizados no bulbo, são
estimulados e ele acabará por "respirar" o líquido, aspirando-o inicia-se, assim, o afogamento.
4- Convulsões asfíxicas - como a respiração não se restabelece, apesar dos movimentos respiratórios, a
hipercapnia e a hipóxia levam à perda da consciência e ao desencadeamento de convulsões (é nesta fase
que o afogado se debate, aflorando e submergindo repetidas vezes).
5- Apnéia final e paralisia - fase em que o afogado entra em estado de morte aparente e, se não for
socorrido, ocorre a morte real (ver Tanatologia).

4.2.2 Asfixias complexas


Uma asfixia é considerada complexa quando, além do bloqueio de respiração, há também o comprome-
timento da circulação (mecanismo vascular) e a compressão do seio carotídeo (mecanismo nervoso). Qualquer
um destes mecanismos isoladamente pode levar à morte. A interrupção da circulação para o cérebro, bem como
31
um forte estímulo do seio carotídeo desencadeando um reflexo vagal. e a conseqüente parada cardíaca, podem,
mesmo que a respiração esteja livre, levar à morte. Ainda assim se fala em morte por asfixia. São asfixias
complexas: o enforcamento e o estrangulamento.
Enforcamento - é uma forma de asfixia complexa (envolve os mecanismos respiratórios, vascular e/ou
nervoso) em que há um laço constrangendo o pescoço. A força que aciona o laço é o peso da própria vítima.
Em geral é suicida, contudo pode ser homicida ou mesmo usado como forma de aplicação da pena de morte
(conforme acontece em alguns países). O laço deixa um sulco no pescoço da vítima. E no sulco se evidencia o
decalque13. Esse sulco é característico e permite diferenciar esta forma de asfixia do estrangulamento, ou seja,
é oblíquo (em relação ao eixo do pescoço) de baixo para cima e de diante para trás; é interrompido no nível do
nó; e o bordo superior é mais saliente que o inferior. Segundo Croce e Croce Jr,
A situação do sulco no enforcamento completo é na parte mais alta do pescoço, entre o hióide e a laringe.
Faz exceção o enforcamento incompleto ou o impedimento do laço de deslocar-se, por um bócio relativa-
mente desenvolvido, como exemplo (CROCE e CROCE JR, 2004, p. 367).
O laço deixa lesões internas, algumas são consideradas patognomônicas do enforcamento por alguns
autores. Entre estas citamos (Maranhão, 1989): fraturas do corpo da tireóide - fratura do osso hióide (localizado
na região anterior do pescoço); sinal de Amusset ruptura da camada interna da carótida; e, raramente, fratura
de vértebras cervicais. Com relação ao enforcado temos o enforcamento com suspensão completa (os pés do
falecido não tocam no chão); e suspensão incompleta (o enforcado pode estar sentado ou mesmo deitado).
Mesmo com a suspensão incompleta a morte pode ocorrer pela compressão dos vasos do pescoço (artérias
carótidas e veias jugulares) privando o cérebro de oxigênio; ou pelo reflexo vagal (determinando parada car-
díaca).
Estrangulamento - estrangulamento é uma asfixia complexa por constrição do pescoço com um laço. A
força que aciona este laço é qualquer uma que não seja o peso do corpo da vítima. Em geral, são as mãos do
agressor. Na grande maioria das vezes é homicídio, mas pode também ser acidente. O sulco produzido pelo
laço é perpendicular ao eixo do pescoço e é contínuo (não sofre interrupção); e os bordos são iguais. Interna-
mente há hemorragia intramuscular; infiltrações abaixo do sulco e raramente lesões da laringe (Maranhão,
1989).
4.2.3 Asfixias mistas
Uma asfixia é considerada mista quando pode ser pura (o único mecanismo envolvido é o respiratório),
ou complexa (envolvendo, além do mecanismo respiratório, o vascular e o nervoso). Aqui estudamos a esga-
nadura.
Esganadura - neste ato, a constrição do pescoço é feita pelas mãos do agressor. Pode também ocorrer
esganadura com a prega do cotovelo; a prega do joelho; e até com o pé do agressor comprimindo o pescoço da
vítima. É sempre homicida. Não há sulco, mas equimoses e escoriações provocadas pelos dedos e unhas. Oca-
sionalmente pode ser encontrar a impressão digital do meliante. Como sinais internos podemos encontrar:
hemorragias musculares, fraturas da laringe, fratura do osso hióide e fratura da apófise estilóide. Há na litera-
tura médico-legal o relato de um caso de morte suspeita: o noivo havia esganado a noiva e, como não havia
testemunha, alegou que ela tinha desmaiado. Quando foi socorrida já estava morta. Como pairavam suspeitas,
dias após o sepultamento foi determinada a exumação do cadáver e a realização de nova perícia; uma das
hipóteses aventada era exatamente a de esganadura (poderia ter sido também envenenamento). No exame pe-
ricial ficou constatada a fratura da referida apófise estilóide. Ante a evidência dos fatos, o noivo, já bastante
arrependido, confessou o seu crime. Ele, no auge de uma discussão por causa da sogra, havia esganado a sua
amada.

5. TANATOLOGIA FORENSE

Tanatologia Forense é a parte da Medicina Legal Judiciária que estuda a morte e todos os problemas
(médico-legais) a ela relacionados. Desse modo, é do interesse desta disciplina o conceito da morte; o diag-
nóstico de certeza da sua realidade (para que não se inume uma pessoa viva); o tempo aproximado que ela

13
Decalque é o desenho deixado na pele por compressão do material do laço. Por exemplo, quando usamos um cinto
muito apertado por determinado tempo, fica na pele o desenho desse cinto (isso é um decalque).

32
ocorreu (a cronotanatognose); bem como a sua causa médica e a sua natureza jurídica (se foi morte natural ou
violenta, ou seja, suicídio, homicídio ou acidente).
Antes de iniciarmos o estudo de Tanatologia faz-se necessário conceituar a morte. O que é a morte? Por
que morremos? Há vida após a morte? Estas e outras indagações têm tirado o sono dos pensadores em geral e
dos filósofos em particular, bem como de cientistas e até mesmo dos cidadãos comuns. Quem, dentre nós,
nunca se fez tais interrogações? Mas deixemos de lado as divagações e voltemos à Medicina Legal que, como
afirmamos, trabalha em geral, com provas materiais e não com hipóteses filosóficas ou meras suposições. Para
podermos definir a morte, precisamos inicialmente definir a vida. Surge assim uma segunda tese: o que é a
vida?
Poderíamos defini-la de várias maneiras como o período compreendido entre o nascimento e a morte.
Mas antes do nascimento já há vida. Ampliemos então para o período compreendido entre a fecundação do
óvulo pelo espermatozoide e a morte. Entretanto, antes da fecundação, o óvulo, bem como o referido esper-
matozoide, uma vez que são células, não são portadores de vida?
Esse assunto é complexo e profundo, muito profundo. Para não nos perdermos por este labirinto de
indagações vamos definir não o que é a vida, mas sim no que ela consiste. Assim, ela pode ser resumida como
a presença de trocas vitais entre o ser que tem a vida e o meio em que ele vive. Cessando estas trocas, está
instalado o estado que conhecemos por morte. Sempre que houver trocas metabólicas entre o ser vivente e o
meio em que ele vive, haverá vida. Podemos, pois, resumir todo o fenômeno da vida como um intenso processo
de trocas. Nós retiramos do meio ambiente os alimentos e o oxigênio e, ao mesmo tempo, a ele devolvemos
os dejetos (fezes, urina, suor) e o gás carbônico. Há, por conseguinte, um equilíbrio entre o ser vivente e o seu
meio. Porquanto o meio vive sem o ser, todavia, o ser não vive sem o meio. Este equilíbrio (entre o ser e o seu
meio) é muito instável. Sabemos que o ser cresce até certo limite, decresce e acaba por deixar de existir como
entidade autônoma (é quando se instala a morte). Aliás, como costumamos chamar a atenção de nossos alunos,
infelizmente o homem confunde a sua autonomia em relação à natureza com uma tirânica soberania. Por con-
seguinte, definimos a morte como a cessação das trocas metabólicas entre o ser e o meio ambiente. Havendo
trocas há vida; cessando as trocas, está instalada a morte. A vida é dinâmica, a morte é estática. Uma conse-
quência imediata desta cessação de trocas é que o ser deixa de existir como entidade autônoma e passa a fazer
parte da natureza. Como diz a Bíblia: "viestes do pó e ao pó retornarás". Ou como dizem os orientais: "extin-
gue-se o microcosmo que passa a fazer parte do macrocosmo".
5.1 Diagnóstico da Certeza da Morte
É desnecessário enfatizar a importância de se confirmar a certeza da morte14. Existem pessoas que vivem
com medo de serem inumadas vivas. Há casos e casos contados de pessoas que, em pleno velório, se levanta-
ram, causando espantos e desmaios, e ainda viveram por muito tempo. Porém não se apavorem. Há meios de
se afirmar, com segurança, como veremos adiante, que uma pessoa está realmente morta. Por outro lado, temos
que levar em consideração o conceito de morte encefálica (antigamente denominada de morte cerebral). Assim,
temos a morte real, também denominada de morte biológica, que é a cessação total e definitiva de todas as
funções vitais; e a morte encefálica. Nesta, algumas funções vitais são preservadas, ainda que de forma artifi-
cial (como a respiração assistida), mas a pessoa é considerada ‘clinicamente’ e ‘legalmente’ morta. Vamos
analisar primeiro a constatação da certeza da morte real, depois teceremos alguns comentários sobre a morte
encefálica.
Esses fenômenos foram divididos em imediatos e consecutivos. Antes de prosseguirmos, vamos distin-
guir a morte real da morte aparente e da morte relativa.
5.1.1 Fenômenos avitais imediatos
Os fenômenos avitais imediatos surgem logo após a morte, são precoces, porém, por si só, não nos dão,
de imediato, a certeza da morte. Analisaremos isso mais adiante. Estes fenômenos são:
Perda da consciência: a pessoa fica inconsciente;

14
“A existência da pessoa natural termina com a morte” (Código Civil, art.6º); Art. 1.571. “A sociedade conjugal termina:
pela morte de um dos cônjuges” (Código Civil, art. 1.571, item I); “Extingue-se a punibilidade: I- pela morte do agente;”
(Código Penal, art. 107, item I).

33
• Relaxamento muscular: todos os músculos relaxam inclusive os esfíncteres, razão porque há a emissão
de fezes, urina e esperma;
• Insensibilidade: havendo o bloqueio cerebral, como ocorre na anestesia geral, os reflexos ficam aboli-
dos e o indivíduo não responde a estímulos dolorosos, como beliscão;
• Parada da respiração: sem respiração não há vida, isto é do conhecimento de todo leigo;
• Parada da circulação: com esta interrupção falta o pulso e o eletrocardiograma (ECG) não registra
nenhuma atividade.
• A morte aparente ocorre quando a pessoa está inconsciente, com a musculatura relaxada, não responde
aos estímulos e nem respira (está com parada respiratória), mas o coração ainda pulsa, embora com pulsações
fracas, perceptíveis às vezes apenas no ECG. Esta modalidade pode aparecer nos afogados, no coma alcoólico
etc.
• Na morte relativa estão presentes todos os sinais avitais imediatos, inclusive a parada cardíaca. Porém,
com as manobras de ressuscitação cardiorrespiratória (massagem no coração e respiração boca a boca), o in-
divíduo volta à vida. É a famosa parada cardíaca ou parada cardiorrespiratória que comumente acontece nos
Prontos Socorros.
• A morte real tem presente todos os sinais avitais imediatos e as manobras de ressuscitação não logram
êxito. Assim, podemos definir a morte real como a parada cardiorrespiratória de forma irreversível. Em deter-
minadas ocasiões há dúvida se a morte é real ou aparente. Nestes casos recorre-se a certos procedimentos que
vão determinar se há ou não circulação ativa (ou seja, se o coração está pulsando ou não). Antigamente se
recorria ao teste do éter ou ao teste da fluoresceína. Atualmente, o exame definitivo é o ECG (eletrocardio-
grama).
• Teste da fluoresceína - a fluoresceína é uma substância inócua para o organismo, uma vez injetada
intramuscular ou endovenosamente tinge a pele, se houver circulação ativa (sinal de que a pessoa está viva),
de uma coloração esverdeada (lembra a icterícia que ocorre na hepatite). Assim, se a pessoa estiver com morte
aparente (ou mesmo viva) a sua pele ficará, uma vez injetada a substância, colorida, bem colorida. Se estiver
morta (morte real) nada acontecerá.
• O teste do éter pode ser feito de duas maneiras: injetando-se subcutaneamente ou pingando-se algumas
gotas no olho da pessoa. Se tiver vida (morte aparente) e evidentemente circulação, o éter será absorvido (em
caso de injeção subcutânea) e causará uma irritação na conjuntiva (conjuntivite química), tomando o olho
avermelhado. Se a pessoa estiver morta, o éter refluirá (se for injetado) ou o olho não ficará irritado (se for
gotejado).
Morte real. Cessada a vida, cessam as trocas, o ser perde a sua autonomia (como microcosmos) e passa
a fazer parte do universo (macrocosmos). Como a vida ocorre por meio de trocas, é metabolismo ativo; inter-
rompidas estas trocas e este metabolismo, iniciar-se-ão uma série de fenômenos denominados abióticos ou
avitais, que nos possibilitarão ter a certeza da morte.

5.1.2 Fenômenos avitais (ou abióticos) consecutivos.


Os fenômenos avitais consecutivos, quando surgem, nos dão a certeza absoluta da morte real.
• Dessecação - cessadas as trocas, com a interrupção da vida, o cadáver começa imediatamente a perder
líquido e desidrata, com isto ele perde um pouco de peso (dependendo, é claro, das condições ambientais).
Esta perda de líquido pode ser notada nos chamados fenômenos oculares da morte. Por acaso vocês já obser-
varam os olhos de um defunto? Se examinarem os olhos do falecido, notarão que a córnea se tomou opacificada
(devido à desnaturação das proteínas presentes no humor aquoso) e que o globo ocular está amolecido, dando
a sensação, mediante a apalpação, de que estamos palpando um ovo de tartaruga.
• Resfriamento - o homem é um animal homeotérmico, isto é, mantém a sua temperatura corporal cons-
tante (em tomo de 36,5 graus), independentemente da temperatura ambiental. Assim, tanto faz estarmos no
deserto do Saara, quanto no Pólo Sul, a nossa temperatura corporal se manterá constante. Ela é sustentada pela
produção de calor devida ao metabolismo. Com a morte, este se interrompe e o corpo inerte submete-se às leis
da física. Perde calor até que a sua temperatura se equipare à do meio ambiente. O cadáver perde em tomo de

34
meio (0,5) grau por hora, nas primeiras três horas. A partir daí perde em tomo de um grau por hora. A veloci-
dade deste resfriamento depende de vários fatores, entre eles: a massa corporal (as pessoas obesas resfriam
mais lentamente que as magras); e as condições ambientais (em locais arejados e ventilados a perda é mais
rápida; nos locais abafados e quentes o resfriamento é mais lento).
• Rigidez - um fenômeno curioso e bem conhecido pelo leigo. Segundo a Lei de Nysten-Sommer, Ela
inicia-se pela nuca e mandíbula (uma a duas horas); depois acomete o tronco, membros superiores; e final-
mente afeta os membros inferiores. Segundo Almeida Jr e Costa Jr, “A rigidez é um excelente sinal de morte,
seu início se dá logo após a morte, e o fenômeno se completa dentro de umas oito horas, [...]” (ALMEIDA JR
e COSTA JR, 1987, p. 244).
Como se explica este fenômeno? Devido à interrupção da vida, há destruição das paredes das células
(autólise tissular) com liberação de íons de hidrogênio. E, consequentemente, ocorre uma acidificação do meio
interno. Essa acidificação causa a desnaturação de proteínas. As proteínas responsáveis pela contração muscu-
lar (actina e miosina), com esta desnaturação, se "soldam", resultando assim a rigidez. Mas esta rigidez se
desfaz com um pequeno esforço. Todavia, a rigidez não é definitiva e regride ao final de 24 horas. Segundo
Croce e Croce Jr, “A rigidez cadavérica desaparece progressivamente seguindo a mesma ordem de seu apare-
cimento, cedendo lugar à flacidez muscular, após 36 a 48 horas de permanência do óbito” (CROCE e CROCE
JR, 2004, p. 445). O que causa a ‘regressão’ é o processo de putrefação, que se inicia por volta de 16 a 18
horas, determinando o surgimento da mancha verde abdominal (ver abaixo). O retrocesso da rigidez obedece
à mesma seqüência da sua instalação, ou seja, primeiro amolecem a nuca e a mandíbula, depois os membros
superiores etc.
• Livores cadavéricos (ou hipóstases) - manchas que se formam pela deposição do sangue, por ação da
gravidade, nas regiões de declives. Começam a se formar por volta de 2 horas decorridas do óbito. Iniciam-se
com pequenos pontilhados que vão se coalescendo até formarem as manchas, fixando-se definitivamente entre
10 e 12 horas. Com esta fixação não mais se modificam, mesmo que o cadáver seja mudado de posição. Este
fato tem grande importância numa perícia, principalmente quando há suspeita de que o defunto teve a sua
posição alterada.
• Mancha verde abdominal - o primeiro sinal da putrefação. Como o próprio nome diz é uma mancha
de coloração esverdeada que se forma na fossa ilíaca direita (região do apêndice) e que, após algum tempo, vai
se difundindo por todo o abdômen. Surge, em regra, entre 16 e 18 horas decorrido o óbito. Com o passar do
tempo todo o corpo vai ficar colorido (como veremos adiante).

5.2 Morte real e morte encefálica.


Todos esses fenômenos estudados até aqui (fenômenos abióticos imediatos e fenômenos abióticos con-
secutivos) nos dão a certeza da morte real. Ou seja, a cessação completa e definitiva de todos os fenômenos
vitais. Entretanto, após o advento da Lei de doação de órgãos15, ficou determinado que, uma vez constatada a
morte encefálica, a pessoa, ainda que tenha o seu coração pulsando e esteja respirando (com a ajuda de apare-
lhos) está ‘legalmente’ morta, podendo ter retirados seus órgãos para efeito de doação. Diz o artigo 3º da
referida Lei:
A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento
deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não par-
ticipantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos
definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina (Lei 9.434 de 04/02/1997, art.3).

É de suma importância esclarecer que não se deve confundir coma com morte encefálica. O coma é
um estado de inibição cortical em que o cérebro não responde a nenhum estímulo, mas as funções de vida
vegetativa como respiração, pressão arterial etc. se mantêm. Na morte encefálica também as funções vegetati-
vas (como a respiração) estão ausentes e a pessoa não consegue respirar sem a ajuda de aparelhos. No coma,
mesmo estando inconsciente, o paciente respira sem a ajuda de aparelhos. A Lei de doação de órgãos e tecidos
estabeleceu o critério da constatação da ‘morte encefálica’ para que uma pessoa seja considerada legalmente
morta e reportou ao Conselho Federal de Medicina (CFM) a determinação dos ‘critérios clínicos e tecnológi-
cos’ a serem adotados. E o CFM emitiu a Resolução nº 1480/97. Esta resolução determina:

15
Lei 9.434 de 04/02/1997

35
Art. 1º. A morte encefálica será caracterizada através da realização de exames clínicos e complementares durante
intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas faixas etárias.

Art. 4º. Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma aperceptivo
com ausência de atividade motora supra-espinal e apnéia.

Art. 5º. Os intervalos mínimos entre as duas avaliações clínicas necessárias para a caracterização da morte ence-
fálica serão definidos por faixa etária, conforme abaixo especificado:
a) de 7 dias a 2 meses incompletos - 48 horas
b) de 2 meses a 1 ano incompleto - 24 horas
c) de 1 ano a 2 anos incompletos - 12 horas
d) acima de 2 anos - 6 horas

Art. 6º. Os exames complementares a serem observados para constatação de morte encefálica deverão demons-
trar de forma inequívoca:
a) ausência de atividade elétrica cerebral ou,
b) ausência de atividade metabólica cerebral ou,
c) ausência de perfusão sangüínea cerebral.

Art. 7º. Os exames complementares serão utilizados por faixa etária, conforme abaixo especificado:
a) acima de 2 anos - um dos exames citados no Art. 6º, alíneas "a", "b" e "c";
b) de 1 a 2 anos incompletos: um dos exames citados no Art. 6º , alíneas "a", "b" e "c". Quando optar-se por ele-
troencefalograma, serão necessários 2 exames com intervalo de 12 horas entre um e outro;
c) de 2 meses a 1 ano incompleto - 2 eletroencefalogramas com intervalo de 24 horas entre um e outro;
d) de 7 dias a 2 meses incompletos - 2 eletroencefalogramas com intervalo de 48 horas entre um e outro.

Art. 8º. O Termo de Declaração de Morte Encefálica, devidamente preenchido e assinado, e os exames comple-
mentares utilizados para diagnóstico da morte encefálica deverão ser arquivados no próprio prontuário do paci-
ente.

Art. 9º. Constatada e documentada a morte encefálica, deverá o Diretor-Clínico da instituição hospitalar, ou
quem for delegado, comunicar tal fato aos responsáveis legais do paciente, se houver, e à Central de Notificação,
Captação e Distribuição de Órgãos a que estiver vinculada a unidade hospitalar onde o mesmo se encontrava
internado.

5.3 A Declaração de Óbito16


Confirmada a certeza da morte toma-se necessário tomar certas providências. Diz a sabedoria popular:
"morreu, enterra". Contudo, para processar a inumação (o sepultamento), exigem-se certas formalidades como
preencher a Declaração de Óbito (figura 6 em ‘anexos’); de posse deste documento, requerer a Certidão de
Óbito no Cartório de Registro Civil; contratar uma funerária; adquirir um lote na necrópole; encomendar uma
missa (se o defunto for católico); comprar velas etc. Além disso, há a questão da doação de órgãos. Enfatizamos
aqui a necessidade de um diagnóstico correto da certeza da morte encefálica, para se evitar a extirpação de
órgãos da pessoa ainda com vida (um verdadeiro barbarismo). O Conselho Federal de Medicina (CFM)17 re-
comenda que a morte cerebral seja certificada por dois médicos, antes de se realizar qualquer retirada de órgãos
para transplante.
A Declaração de Óbito é um documento médico-legal. Deve ser preenchido por um médico, a não ser
nas localidades onde não haja tal profissional. Nestes casos o documento é preenchido por uma pessoa idônea
que (auxiliado por duas testemunhas) confirmará a certeza da morte. O formulário é padronizado e contém as
seguintes partes:
Parte I - Contém o título "Declaração de óbito”. Esta parte é preenchida pelo funcionário do cartório
local.
Parte II - Identificação do falecido - nesta deve constar o nome, identificação, endereço, ocupação do
falecido etc. Também deve ser preenchida pelo médico.

16
A Declaração de Óbito é também conhecida como ‘Atestado de Óbito’.
17
Ver: CFM. Sobre os critérios para o diagnóstico da morte encefálica. In: Medicina –Conselho Federal, ano XVI, n.
125, p. 3, jan 2001.

36
Parte III - Esta será preenchida somente nos casos de morte fetal ou morte de menores de 1 ano, contém
a identificação dos pais do falecido.
Parte IV - Atestado Médico, propriamente dito. Este deve conter a causa médica da morte. Esta é
composta por três diagnósticos:
A - Doença ou estado mórbido que causou diretamente a morte. B e C - Estados mórbidos que, se
existirem, produziram a causa registrada na letra A, em último lugar deve vir a causa básica da morte.
Exemplo 1. A - choque hipovolêmico; (devido a) B - hemorragia digestiva; (devido a) C - úlcera
duodenal perfurada. Para efeito de levantamento estatístico, a causa da morte é úlcera duodenal e não o choque.
Exemplo 2. A - coma; (devido a) 13 - edema cerebral; (devido a) C - traumatismo crânio-encefálico
(TCE), causa da morte (para estatística) TCE.
Ainda neste item (parte IV) tem uma segunda parte na qual deve conter outros estados patológicos
significativos, que contribuíram para a morte, porém não relacionados com a doença. Exemplo: suponhamos
que no ex. 1 o paciente fosse hipertenso; e no ex. 2 o paciente fosse diabético. Estes estados mórbidos viriam
relacionados nesta parte.
Parte V - A ser preenchido nos casos de morte violenta, ou seja, homicídio, suicídio ou acidente.
Parte VI - Identificação do médico, com o seu respectivo endereço.
Parte VII - A ser preenchido nos casos em que não há médico. Trata-se de uma declaração da certeza
da morte afirmada por dois leigos idôneos.
Parte VIII - A identificação da necrópole onde será realizada
a inumação.
É importante que ressaltemos algumas informações sobre o preenchimento da Declaração de Óbito,
uma vez que com certa frequência nos deparamos com equívocos no seu preenchimento.
Em princípio, é dever do médico preencher tal documento: “ocorrida uma morte, o médico tem obri-
gação legal de constatar e atestar o óbito” (BRASIL, 2007, p.9). Mas toda regra tem exceção. Assim, o médico
não deve assinar uma declaração de óbito em se tratando de morte violenta (como veremos adiante), a não ser
que ele esteja atuando como perito. É falta ética (e assim um ‘erro médico’) assinar uma declaração de óbito
sem ter examinado o cadáver e ter se certificado pessoalmente da certeza da morte. O médico também não
deve “Utilizar termos vagos para o registro das causas de morte como ‘parada cardíaca’, ‘parada cardiorrespi-
ratória’ ou ‘falência de múltiplos órgãos’” (BRASIL, 2007, p. 10).

5.3.1 Morte natural e morte violenta


Como vimos, na declaração de óbito deve conter a causa médica da morte, bem como a natureza jurí-
dica (alguns autores referem-se a esta como a "causa jurídica" da morte). Com relação a esta (natureza jurídica)
a morte pode ser natural ou violenta.
• Morte natural é aquela em que o processo da morte não foi desencadeado por nenhuma causa ‘ex-
terna’. Ou, dito de outra forma, não houve o concurso da violência. Considera-se como natural o óbito ‘fisio-
lógico’ que ocorre na decrepitude. Nestes casos, a pessoa vai envelhecendo, vai enfraquecendo, até morrer. É
o curso irreversível da natureza: nascer, crescer, reproduzir e morrer. Mas também se considera como morte
natural o óbito decorrente de doenças: infecciosas (ex.: pneumonia, pielonefrite, septicemia, tétano etc.); me-
tabólicas (diabetes, porfiria etc.); cardiovasculares (hipertensão arterial, enfarto agudo do miocárdio, edema
agudo do pulmão etc.); doenças degenerativas; doenças neoplasias etc. Para facilitar o entendimento, costu-
mamos dizer aos nossos alunos que por morte natural se entende qualquer morte que não tenha sido provocada
por homicídio, suicídio ou acidente.
• Morte violenta é aquela em que houve o concurso de violência para a sua consumação. Assim temos:
- Homicídio - morte de alguém provocada por outrem (artigo 121 do CP: "matar alguém...")18. Pode ser
doloso, quando o homicida quis o resultado e assumiu o risco de produzi-lo (exemplo: "deu três tiros na cabeça

18
Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

37
para assustar"); e culposo, embora o homicida não quisesse o resultado, ele foi provocado por imprudência
(por exemplo: dirigir com excesso de velocidade numa rua), imperícia (exemplo: um estudante de medicina
realiza uma cirurgia, sem estar preparado e isto causa a morte do paciente); ou negligência (o médico deixa de
medicar o paciente com a pressão muito alta, este tem um acidente vascular cerebral e morre).
O homicídio recebe algumas qualificações particulares de acordo com o caso em questão. Citamos al-
guns: infanticídio, quando a própria mãe mata o filho, durante ou logo após o parto (artigo 123, do CP); ma-
tricídio (quando o próprio filho mata a mãe); parricídio (quando a vítima é o próprio pai); maritricídio (quando
a mulher mata o marido); fratricídio (quando o assassino tira a vida do próprio irmão); "amiguicídio" (quando
a vítima é o melhor amigo) etc.
- Suicídio - ato de tirar a própria vida, ou seja, matar-se. A Lei não pune o suicida, mas pune quem o
auxilia ou o induz ao mesmo (artigo 122 do CP). As causas que levam alguém a atentar contra a própria vida
são as mais diversas, influem inclusive fatores culturais (algumas seitas religiosas enaltecem essa prática).
Dentre estas causas podemos citar a depressão endógena, o alcoolismo, a epilepsia, as desilusões amorosas, os
prejuízos financeiros, os escândalos públicos etc. Convém salientar que, com exceção da depressão endógena
(doença orgânica), as mais diversas causas citadas não são por si só capazes de levar alguém ao suicídio. Haja
vista que inúmeras pessoas passam por tais vexames no dia-a-dia e nem por isso atentam contra a própria vida.
Há, por conseguinte, um fator, uma causa, que podemos chamar de tendência ao suicídio. Trata-se de um traço
da personalidade desses indivíduos. Amiúde encontramos nos antecedentes familiares um outro caso de suicí-
dio. Silva Jr. (1969, p. 30) divide os suicídios em dois grupos: os impulsivos (tomam a decisão e já partem
para a execução); e os premeditadores (ruminam por muito tempo a idéia, até executá-la). Dentre os primeiros
(impulsivos) é comum encontrá-los entre os alcoólatras e os epiléticos; os segundos (premeditadores) são mais
comuns entre os que padecem de depressão endógena.
Acidente - acontecimento casual, fortuito, imprevisto que resulta em dano material ou pessoal, podendo
levar à invalidez ou à morte. O que caracteriza o acidente é a ausência de dolo. Isto é, não havia a intenção de
causar o dano. Dentre os acidentes, os mais freqüentes são os de trânsito.
Em se tratando de morte natural o médico, se não acompanhou o paciente (ou já o recebeu sem vida)
não pode assinar a atestado de óbito, pois não sabe a causa médica da morte. Nestes casos o cadáver deve ser
encaminhado ao SVO (Serviço de verificação de Óbitos). E nos locais onde não haja SVO? Nestes locais, é
dever do médico certificar-se da certeza da morte (verificando os fenômenos avitais imediatos e consecutivos)
e assinar o atestado de óbito declarando: ‘morte de causa desconhecida’ ou ‘morte sem assistência médica’. E
se não houver nenhum médico naquela localidade? Isso também é previsto: duas pessoas idôneas examinam o
cadáver para ter a certeza de que realmente ele está morto e assinam o atestado de óbito.
Em se tratando de morte violenta (homicídio, suicídio e acidente), ou ainda se houver suspeita de morte
violenta, o cadáver deve ser encaminhado ao IML (Instituto de Medicina Legal) para que seja realizada a
perícia (no caso, necrópsia). Os quesitos oficiais são:
1. Se houve morte?
2. Qual a causa da morte?

§ 1º (diminuição de pena)Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o
domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a
um terço.
§ (homicídio qualificado)2° Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro
motivo torpe; II - por motivo fútil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso
ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso
que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou
vantagem de outro crime: Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
§ 3º Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de um a três anos
§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de
profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências
do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o
crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.
§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem
o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

38
3. Qual o instrumento ou meio que produziu a morte?
4. Se foi produzida por cm o emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso
ou cruel?

5.3.2 Morte súbita e morte agônica


Na literatura consultada encontramos os conceitos de morte súbita e de morte agônica. Na versão ante-
rior desta obra conceituávamos, de forma um pouco confusa, a morte agônica como sendo aquela que não
fosse súbita. Como estamos sempre aprendendo, descobrimos este equívoco, que esperamos esclarecer aqui.
Assim, vamos por partes. Primeiro conceituaremos o que é morte súbita e o que é morte agônica. Veremos
assim que há um tipo de morte que não se enquadra nem na definição de morte súbita, nem na de morte agônica;
seria uma “morte nem súbita nem agônica”?
A morte agônica é a que ocorre em até 24 horas após o início dos sintomas do fator (ou doença) que
desencadeou o processo da morte. Por exemplo, no caso de um enfarte (ou infarto), um paciente sente uma
forte dor no precórdio, acompanhada de sudorese, taquicardia e queda de pressão (ou seja, ele está tendo um
enfarte) A morte é considerada agônica quando o desenlace final deu-se após o consumo de toda reserva ener-
gética da vítima. Por exemplo: um sujeito baleado na perna, impossibilitado de andar e sozinho numa floresta,
vai consumindo suas reservas e em poucos dias ele morre de inanição, além da provável infecção. Imaginemos
outro que caiu num poço e ficou impossibilitado de sair (teve o mesmo fim). Isto é a morte agônica. Em
Medicina Legal usam-se as docimasias hepáticas e da supra-renal para se evidenciar se a morte foi ou não
agônica. O fundamento dessas provas é demonstrar se o glicogênio (na prova hepática) e as catecolaminas (na
prova da supra-renal) foram consumidos ou não. Na morte súbita ambas as reservas estão presentes. Na morte
agônica há o esgotamento dessas reservas. Desse modo o conceito de morte súbita é toda e qualquer morte em
que não houve o esgotamento dessas referidas reservas.
5.3.3 Premoriência e comoriência
Há situações em que mais de uma pessoa morrem na mesma ocasião, por exemplo, num acidente de
trânsito, em afogamentos coletivos, numa explosão, num duplo homicídio etc. Para o Direito Civil, às vezes,
por questão de direito à herança, interessa saber quem morreu primeiro. Nem sempre o legista dispõe de sub-
sídios para responder a tal inquirição. Nestes casos, conforme o Código Civil (artigo 8º), presume-se ambos
simultaneamente mortos (comorientes). Entretanto há casos em que é possível determinar quem morreu pri-
meiro (premoriente) pelo tipo de lesão, pelos fenômenos cadavéricos etc. Por exemplo, encontrado um casal
morto (um duplo homicídio), o homem, que teve as duas carótidas selecionadas (morte por esgorjamento),
estava com rigidez completa; a mulher, que foi atingida por um instrumento contundente na cabeça, que lhe
causou fratura craniana, estava com rigidez na nuca, mandíbula e membros superiores. Neste caso, presume-
se que o homem faleceu um pouco antes da mulher.
5.4 Destino dos Cadáveres
Uma vez confirmada a certeza da morte e providenciado o atestado de óbito, um parente vai ao Cartório
de Registro Civil para que seja expedida a Certidão de óbito. Com esta, o defunto está habilitado para ir morar
na necrópole. Os parentes providenciam as exéquias com tudo que se tem direito. Há certas formalidades que,
reunidas, podem constituir o que França chama de "Estatuto do Cadáver": "O cadáver tem um estatuto que lhe
é próprio, determinado pela tradição e pela piedade, baseado no culto dos mortos, muito antigo, mais ainda
atual" (França, 1977, p. 237).
Assim temos, segundo o mesmo autor, os direitos do cadáver, os direitos da família sobre o cadáver
(principalmente sobre os bens materiais); e os direitos da sociedade. Não é preciso enfatizar que os últimos
(direitos da sociedade) estão acima dos demais. Exemplificando, sabemos que, em casos de morte violenta,
torna-se imperiosa a realização da necrópsia, mesmo contra a vontade expressa do falecido e da sua família.
Sendo uma morte natural, havendo, todavia, dúvidas com relação à causa médica (por exemplo: suspeita de
febre amarela, conforme um caso citado pelo prof. Flamínio Fávero), o médico poderá realizar a necrópsia
contra a vontade da família. Afinal, é do interesse da sociedade saber de que as pessoas estão morrendo, para
tomar providências, de modo que se possam evitar outras mortes de causas evitáveis. No caso da febre amarela,
uma vacinação em massa evitará outras mortes, com certeza. O que ocorre na prática é que o médico acaba
cedendo aos apelos dos parentes para que não faça o referido exame.
Chegada finalmente a hora de despachar o cadáver, temos as seguintes modalidades de despachos: inu-
mação simples; imersão; cremação; e destruição.

39
5.4.1 Inumação simples
A inumação é a forma mais comum em nosso meio. O cadáver (embalado em um caixão de madeira ou
urna) é depositado em covas (sepulturas) com as seguintes dimensões (está no estatuto do cadáver); 1,75m de
profundidade por 0,80 de largura; distantes umas das outras, pelo menos, 0,5m, em todos os sentidos. Existem
também os jazigos, espécies de ‘gavetas’. Por tradição, o sepultamento deve ocorrer até 24 horas após a morte.
Neste período o morto é "velado" para se ter a certeza da realidade do óbito (daí a origem da palavra velório).
5.4.2 Imersão
O cadáver é jogado em meio líquido. Esta modalidade era muito usada na época das viagens marítimas
que duravam meses.
5.4.3 Cremação
Na cremação o cadáver é reduzido a cinzas. Em alguns países (índia) esta é a forma mais comum. Em
nosso país há fomos crematórios em algumas capitais. Nestes, a temperatura varia de 800 a 1500 graus e em
pouco tempo sobram apenas as cinzas do falecido. Constitui, sem dúvida, a modalidade mais apropriada do
ponto de vista da higiene (evita a disseminação de doenças infecto-contagiosas).
5.4.4 Destruição
Processo em que o cadáver é esquartejado num cerimonial e é exposto à ação dos abutres, e estes em
pouco tempo reduzem-no a uma simples ossada. Segundo Camargo Jr.,
Em Bombaim, os Parsis, fiéis ao Zaratrusta, têm nesta a maneira eletiva de ‘encaminhar’ o corpo. As ‘Tor-
res do Silêncio’ são os cemitérios. Ali, em quarenta e cinco minutos, os abutres deixam o cadáver de um
adulto reduzido aos ossos (CAMARGO JR, 1987, p. 129)
5.5 Fenômenos Cadavéricos Transformativos
Cessada a vida, interrompida a autonomia do ser vivente em relação ao meio ambiente (autonomia esta
que o Homo sapiens no ápice de sua estupidez confunde com tirânica soberania, haja vista a destruição da
natureza), inicia-se uma série de transformações que tanto podem reduzir o cadáver ao pó, como podem con-
servá-lo, retardando por um prazo indefinido esta inexorável redução. Chamam-se estes últimos de fenômenos
conservadores e aqueles de fenômenos destrutivos. Vamos analisar cada um deles em particular.
5.5.1 Fenômenos destrutivos
São fenômenos destrutivos a putrefação e a maceração. Esta última nada mais é do que a putrefação em
meio líquido.
5.5.1.1 Putrefação
“A putrefação é a destruição do cadáver pelos micróbios. Inicia-se, de regra, pelo intestino, sendo seu
começo acessível à inspeção através da ‘mancha verde abdominal’” (ALMEIDA JR e COSTA JR, 1987, p.
244). A putrefação é o apodrecimento, motivo pelo qual não se prorrogam as exéquias. Seu início deve-se à
ação de bactérias que vivem no próprio organismo. Estas iniciam o processo e são mais tarde auxiliadas por
outros seres inferiores (os "garis" da natureza), reunidos sob a conspícua denominação de fauna cadavérica
(falaremos dela mais tarde). Logo após a morte tem início a autólise (destruição das células), com liberações
de íons hidrogênio responsáveis pela acidificação do meio interno. Contudo esta fase de acidificação é limitada
e é sucedida pela putrefação que se inicia por volta de 16 a 18 horas após o óbito, com a já referida mancha
verde abdominal. A putrefação tem as suas fases bem definidas, são elas: cromática, gasosa, coliquativa e a
esqueletização.
Amiúde os alunos querem saber, com precisão, em quanto tempo se processa cada fase. Como amiúde
dizemos: a Medicina não é uma ciência exata, cada caso é um caso. Há pessoas que ainda vivas já estão em
processo de putrefação (por exemplo: o doente de gangrena e de certos tipos de cânceres etc.). Nestas, o fenô-
meno de putrefação é precoce; por outro lado um indivíduo sadio, bem nutrido e que fez uso de antibióticos
por via oral pouco antes da morte (os antibióticos inibem o crescimento das bactérias) tem a sua putrefação
retardada. Passemos às fases de putrefação.
Fases da putrefação:
• Fase cromática - esta fase nada mais é do que o prolongamento da mancha verde abdominal. A mancha
verde abdominal, que no início está limitada à parte inferior do abdômen, vai se difundindo e o indivíduo toma-
se todo esverdeado. Inicia-se por volta das 20 a 24 horas após o óbito e dura de dois a três dias.

40
• Fase gasosa - com o crescimento das bactérias, há produção de gases. Estas tomam o cadáver inchado,
como se fosse um balão cheio de gás. Nesta fase, que ocorre do terceiro ao quinto dia, os afogados vem à tona
(bóiam). Devido a este fenômeno é que ocorre o chamado parto após morte (o feto é expulso da barriga da mãe
pela expansão dos gases). Este fenômeno somente ocorre nas multíparas (mulheres que já tiveram muitos
partos). Esta fase culmina com o "estouro" da pele distendida (pelos referidos gases), iniciando, assim, a fase
em que o defunto cheira mal19.
• Fase coliquativa - fase em que há destruição das partes moles. Aqui atuam os “1ixeiros da natureza",
a fauna cadavérica. Segundo Eça,
Quando o cadáver permanece insepulto e abandonado sobre o solo durante algum tempo, vêm se instalar
nele pequenos animais (principalmente insetos), os quais constituem a ‘fauna cadavérica’, ou os ‘esqua-
drões dos operários da morte’(EÇA, 2003, p. 114).
Segundo estudos de Oscar Freire, citado por Gomes (1989, p. 615-616), divide-se esta fase em oito
turmas, cada uma obedecendo ao seu tempo de atuação. A importância desse fenômeno é que se pode precisar
há quanto tempo aproximadamente ocorreu o óbito, identificando-se a "turma" encontrada. Importa ressaltar
que, conforme destaca Eça (na citação acima), a fauna cadavérica, esse ‘batalhão’ de insetos de diversas espé-
cies, atua nos cadáveres que permanecem insepultos. Outro detalhe importante é que a putrefação é iniciada
não pelos insetos da fauna cadavérica, mas pelas bactérias que vivem no próprio organismo, especificamente
as bactérias anaeróbias do intestino grosso.
A fase coliquativa inicia-se após a gasosa, conforme dissemos, com a "explosão" da pele dilatada pelos
gases e persiste até a completa destruição das partes moles, ou seja, vários meses depois.
• Fase de esqueletização - nesta fase o cadáver é reduzido ao tecido ósseo. Deparando-se com um defunto
nesta fase usa-se a expressão: encontrou-se uma ossada. Quando se acha apenas o crânio, fala-se: encontrou-
se uma caveira. A esqueletização ocorre de 2 a 3 anos após o óbito.
5.5.1.2 Maceração
Maceração, conforme já referido acima, é a putrefação em meio líquido. Nas pessoas que morreram por
afogamento (isto é, naquelas em que o líquido penetrou nos pulmões) o apodrecimento se inicia pelos pulmões
(na putrefação se inicia pelo intestino grosso). Na sua fase inicial a pele sofre um processo de desnudamento,
ou seja, a epiderme se solta como se fosse um envoltório de plástico. Há duas modalidades de maceração: a
asséptica, acomete os fetos que morrem dentro do útero e nele persiste por algum tempo; e a séptica (ou con-
taminada) que acontece em qualquer outro meio líquido que não seja o útero.
5.5.2 Fenômenos conservadores
Os fenômenos conservadores se opõem à putrefação. Há os naturais e os artificiais. Os naturais, que
ocorrem sem a intervenção do homem, são: a mumificação, a saponificação e o congelamento. Os artificiais,
produzidos pelo homem, são: a formolização, o embalsamamento e o congelamento.
5.5.2.1 Fenômenos conservadores naturais:
Mumificação - nada mais é do que a ação de mumificar, isto é, transformar o cadáver em múmia. Este
fenômeno pode ser induzido artificialmente (conforme faziam os egípcios antigos) ou naturalmente. Todavia
aqui nos interessa a forma natural. Sabemos que a putrefação se deve à ação das bactérias, estas, por sua vez,
precisam de certas condições para o seu crescimento. Se as condições ambientais forem hostis para elas não
haverá crescimento e, evidentemente, não haverá putrefação. Sabemos que as bactérias exigem certa umidade
relativa e uma temperatura ideal entre 10 e 30 graus, ou seja, abaixo de 10 graus e acima de 30 graus há inibição
do seu crescimento. Em locais onde o clima é quente e ventilado o cadáver desidrata rapidamente. Assim, a
temperatura elevada com baixa umidade cria a condição ideal para a mumificação. Não pensem que a múmia
seja como uma estátua, que retrata a pessoa com perfeição, não é. O cadáver sofre redução no peso, a pele
adquire um aspecto pergaminhoso e a face perde os traços fisionômicos.
Saponificação - é a formação de sabões em determinados tecidos do organismo, formando uma substân-
cia untuosa. Esta ocorre em locais úmidos, pouco ventilados e com solo argiloso (exemplo: as grutas). Ao
contrário da mumificação que acomete o corpo como um todo, na saponificação apenas partes do corpo, em
geral as mais gordurosas, é que sofrem o fenômeno.

19
Segundo Eça, a fase gasosa inicia-se de dois a três dias após o óbito e “dura cerca de um mês”; e a fase coliquativa
“inicia-se três semanas após o óbito e dura algo como 2 a 3 anos” e a fase esqueletização se inicia após terem sobrado
apenas os ossos (EÇA, 2003, p. 112).

41
Além destes dois (mumificação e saponificação) temos ainda o congelamento, fenômeno conservador
natural (como ocorre nos pólos terrestres).
5.5.2.2 Fenômenos conservadores artificiais:
Formolização, meio artificial de conservação do cadáver, consiste na introdução de uma substância no
cadáver, que tenha ação inibitória no crescimento bacteriano. Em geral usa-se o formol, que é injetado através
de uma artéria de médio calibre (a carótida ou a femoral).
Embalsamamento. Espécie de formolização em que se retiram as vísceras abdominais, local onde a pu-
trefação se inicia, e coloca-se serragem e formol.
Congelamento. Método utilizado nos necrotérios. O cadáver é colocado em geladeiras. A baixa tempe-
ratura inibe o desenvolvimento das bactérias responsáveis pela putrefação.
Além destes temos ainda, embora não seja comum a sua aplicação em seres humanos, o empalhamento.
5.6 Cronotanatognose
Cronotanatognose é o diagnóstico do tempo aproximado em que a morte ocorreu. Quanto mais próximo
do momento da morte (a parada irreversível do coração), mais precisa a determinação deste tempo. Imagine-
mos um cadáver que foi encontrado (dizer sem vida seria uma redundância, concordam?), o mesmo apresen-
tava: temperatura corporal em torno de 30 graus; rigidez da nuca, da mandíbula e dos membros superiores e
inferiores; livores cadavéricos em formação; e ausência da mancha verde abdominal. Com base nestes dados,
poderemos afirmar que o óbito ocorreu há mais ou menos 8 horas (rigidez completa e livores em formação).
Para os cadáveres, na fase coliquativa, é possível determinar o tempo em que ocorreu a morte, com aproxima-
ção de meses, pelo estudo da fauna cadavérica (Almeida Jr, 1978, Gomes, 1989, Silva Jr., 1969).

6. SEXOLOGIA FORENSE
6.1 Determinação Pericial do Sexo
Por sexo entende-se o conjunto de caracteres físicos e psíquicos que determinam as pessoas como sendo
do sexo masculino ou do sexo feminino, macho ou fêmea, homem ou mulher. Partindo do princípio segundo
o qual tudo que existe na natureza tem uma finalidade (uma ‘causa final’), com o sexo não seria diferente.
Assim, o sexo, melhor dizer a sexualidade, tem uma finalidade: a perpetuação da espécie. Pela procriação a
espécie se eterniza, até que seja extinta.
O fenômeno da procriação começa com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide. O óvulo carrega a
metade do patrimônio genético da mãe; e o espermatozóide, a metade do patrimônio genético do pai. Com a
união, forma-se um novo ser, carregando características de ambos os progenitores. Após a união do óvulo com
o espermatozóide forma-se o ‘ovo’. A partir desta célula, após inúmeras divisões mitóticas, é que se vai formar
o novo ser.
Parece bastante cristalino que ninguém tem dificuldades em afirmar se o indivíduo é do sexo masculino
ou do sexo feminino. Contudo, em determinadas situações (o chamado "sexo dúbio"), as coisas não estão tão
claras e só nos resta solicitar uma perícia médica para que se determine o sexo. Em perícias podemos considerar
os seguintes níveis de determinação do sexo: genético (sexo cromossômico); morfológico (sexo somático), e
hormonal (sexo gonadal). Alguns autores incluem o sexo psicológico (comportamental) e o jurídico (o que
consta na Certidão de Nascimento). A perícia é, em regra, uma prova material e, a nosso ver, o sexo psicológico
não é passível de determinação pericial; e o jurídico é apenas o registro feito, por ocasião do nascimento, num
Cartório de Registro Civil. Indubitavelmente, este determina o sexo psicológico. Isto é, a criança vai ser criada
(a partir deste registro) como homem ou como mulher.
6.1.1 Sexo genético
O patrimônio genético do ser humano (que determina características individuais tais como estatura, cor.
da pelo, cor dos olhos, formato do nariz, biótipo etc.) é herdado, conforme já aludido acima, dos seus proge-
nitores, sendo metade originária da mãe e a outra metade, do pai. Esse patrimônio é transmitido por meio dos
genes, transportados nos cromossomos (ou cromossomas), ou seja, cada cromossomo possui certa quantidade
de genes. A espécie humana, ironicamente chamada de ‘Homo sapiens’, tem 46 cromossomos. Destes, 44 são
autossômicos e 2 são os cromossomos sexuais (X e Y). Ou seja, os que determinam se o indivíduo vai ser
masculino ou feminino. A fórmula genética da nossa espécie é representada por 44 XY (para os do sexo mas-
culino) e 44 XX (para os do sexo feminino). Por conseguinte, a determinação pericial do sexo, geneticamente

42
(ou cromossômico), é feita evidenciando-se a presença destes cromossomos sexuais (o ‘x’ e o ‘y’). Há duas
maneiras:
• Pesquisando-se a presença da cromatina sexual (ou corpúsculo de Bar) verifica-se que ela é geralmente
positiva nas pessoas do sexo feminino (indica a presença de dois X) e negativa nas do sexo masculino. Disse-
mos 'geralmente' porque poderemos encontrar casos da pesquisa ser positiva em homens normais (XY), em
torno de 5% bem como casos da pesquisa negativa em mulheres normais (XX).
• Pelo estudo do cariótipo20, elaborado pelo geneticista, em que fica evidenciado, pelo microscópico, a
presença de todos os cromossomos, inclusive os sexuais (X e Y). Ou seja, se o cariótipo indicar que o indivíduo
tem 46 cromossomos (os 44 autossômicos e os 2 sexuais) e indicar ainda que os 2 sexuais são "X", estaremos
diante de um indivíduo cujo sexo genético é feminino; se os dois sexuais forem um x e um y, estaremos diante
de uma pessoa cujo sexo genético é masculino.
Importante enfatizar que o sexo genético de uma pessoa é determinado no momento de fecundação, ou
seja, o encontro do óvulo com o espermatozóide. Como os gametas sexuais (o óvulo e o espermatozóide) são
formados por um processo de meiose, isto é, cada um deles tem a metade do patrimônio genético, teremos
apenas óvulos 22X (afinal a mulher é 44XX) e espermatozóide 22X ou 22Y. Se o gameta sexual masculino (o
espermatozóide) for 22X, vai se unir com um óvulo (que também é 22X) e construir um ovo 4XX (sexo femi-
nino, em nível genético); se este gameta for 22Y, vai se unir com um óvulo 22X e formar um ovo 44XY (sexo
masculino, em nível genético). Por isso é que se diz que o espermatozóide é quem determina o sexo do futuro
ser.
6.1.2 Sexo morfológico ou somático
O sexo morfológico ou somático é determinado, em perícias, pela inspeção da genitália externa, procu-
rando se evidenciarem os caracteres sexuais primários, presentes desde o nascimento. Assim, temos no ho-
mem: pênis, bolsa escrotal e testículos, externamente, e, internamente, encontram-se a próstata, as vesículas
seminais e os condutos (epidídimo e o canal deferente). Na mulher temos, externamente, a vulva, o clitóris, os
pequenos e os grandes lábios, além da abertura da vagina com o hímen, e, internamente, se encontram o útero,
as trompas e os ovários.
6.1.3 Sexo hormonal ou gonadal
Determina-se este diretamente pela dosagem dos hormônios sexuais no sangue e na urina; e indireta-
mente pelos caracteres sexuais secundários, presentes a partir da puberdade. No homem, há predominância de
testosterona e outros hormônios masculinos. Na mulher, há predominância de estrógenos e progesterona. To-
davia tanto no homem há uma baixa concentração de hormônios femininos, quanto na mulher uma baixa con-
centração de hormônios masculinos. Assim, tanto o homem tem hormônios femininos, quanto a mulher tem
hormônios masculinos. Por esta razão diz-se que o homem tem seu lado feminino e a mulher tem o seu lado
masculino. Passemos aos caracteres secundários, que surgem na puberdade e são produzidos pela ação dos
referidos hormônios sexuais. No homem, encontramos: pêlos pubianos (com distribuição em forma de lo-
sango), desenvolvimento maior da cintura escapular (região dos ombros) em relação à cintura pélvica, bigode
e barba, engrossamento das cordas vocais (tomando a voz mais grave), o desejo sexual e a ejaculação. Na
mulher encontramos: pêlos pubianos (com distribuição em forma de triângulo, com base voltada para cima),
desenvolvimento das mamas e da cintura pélvica (as ancas se tornam alargadas), a menstruação, o desejo
sexual e a ovulação.
6.1.4 Estados intersexuais
Como afirmamos no início deste capítulo, ninguém tem dificuldades de determinar o sexo de uma pessoa
normal, todavia, há casos em que a genitália não está bem definida e ficam dúvidas, será homem ou será

20
“Os cromossomos só são visíveis ao microscópio comum, durante uma determinada fase da divisão celular, portanto,
as células que serão analisadas precisam estar vivas e se multiplicando.
No estudo dos cromossomos, geralmente, usa-se células sanguíneas, ou no caso de diagnóstico pré-natal, células
de tecidos fetais colhidas através de um exame específico. Depois de colhidas, estas células são cultivadas em laboratório
e preparadas para a análise de seus cromossomos. Caso a cultura das células não cresça, novo material é colhido e todo o
processo é iniciado outra vez.
Na fase exata da divisão celular, as células são tratadas com uma substância que interrompe esta divisão. Os
cromossomos são então fotografados ao microscópio, recortados e, aos pares, colados lado a lado, por ordem de tamanho,
do maior para o menor. Estes pares são numerados de 1 a 22, sendo que o par de cromossomos sexuais recebe as letras
XX no caso das mulheres e XY no caso dos homens. Este arranjo dos cromossomos é chamado cariótipo” (FONTE:
http://www.projetodown.org.br/cartilha05.doc. Acessado em 21/04/2009).

43
mulher? Trata-se do chamado sexo dúbio. Nestes casos toma-se imperioso a realização de uma perícia para
que seja determinado o sexo. Dentre os estados intersexuais, os livros consultados fazem alusão aos seguintes:
• Síndrome de Turner - aberração cromossômica na qual falta um cromossoma sexual, ou seja, a fórmula
genética é de apenas 45 cromossomos, sendo 44 autossômicos e apenas um sexual (44X0). Em se tratando de
determinação pericial o sexo genético é indefinido (44X0) não é nem homem (44XY), nem mulher (44XX-).
Morfologicamente, contudo, é um indivíduo do sexo feminino, ou seja, tem vagina, útero (apesar de ser infan-
til), mamas atrofiadas e escassos pelos pubianos. Apresenta também outros estigmas: pescoço alado, baixa
estatura, cotovelo valgo e, ainda, tem debilidade mental. Por ter útero infantil é incapaz de conceber.
• Síndrome de Klinefelter - aberração cromossômica na qual há cromossomos demais (44XXY). Do
ponto de vista genético é um homem (tem XY) ou é mulher (tem dois X)? Morfologicamente trata-se de um
indivíduo do sexo masculino, isto é, tem testículos (atrofiados, não produzem espermatozóides), pênis (tam-
bém atrofiado, isto é, pênis infantil). Além de ser impotente (incapaz de copular e de procriar), possui outros
estigmas: estatura elevada, hábito eunucóide (voz aguda, ancas alargadas e ausência de barba e bigode), gine-
comastia e também tem debilidade mental.
• Hermafroditismo - hermafrodita é o ser que possui em seu corpo os dois sexos e, pelo menos teorica-
mente, é capaz de fecundar ou ser fecundado. Na escala zoológica temos certas espécies que são hermafroditas,
por exemplo: a minhoca. Na prática considera-se hermafrodita a pessoa que possui gônada dupla ("ovotestis",
isto é, ovários e testículos). Pessoas verdadeiramente hermafroditas são raras. Contudo, mais freqüentemente,
encontram-se os pseudo-hermafroditas. Estes têm o sexo genético bem definido (XX e XY), possuem testículos
ou ovários, mas o sexo morfológico (a genitália externa) é dúbio, ou seja, indefinido. Assim temos o pseudo-
hermafrodita masculino (tem testículos, embora permaneçam na cavidade abdominal, fenômeno este chamado
de criptorquidia, e alterações na formação da genitália externa, tais como: bolsa escrotal fendida - lembra uma
vagina - e pênis atrofiado - confundindo com o clitóris); e o pseudo-hermafrodita feminino (possui os ovários,
mas a genitália externa apresenta alterações, tais como: clitóris hipertrofiado - facilmente confundido com um
pênis - e vulva fechada - confundida com a bolsa escrotal. Desse modo, o pseudo-hermafrodita masculino é
criado como mulher e adquire o sexo psicológico feminino; enquanto que o feminino é criado como homem e
adquire o sexo psicológico masculino.

6.2 Impedimentos Matrimoniais


O casamento, na conceituação de Clóvis Bevilacqua, é um contrato bilateral e solene entre duas pessoas
idôneas (a Lei não admite o casamento entre pessoas incapazes), de sexos opostos (a Lei ainda não permite o
casamento entre pessoas do mesmo sexo). Neste contrato os nubentes legalizam as suas relações sexuais e se
comprometem a criar e a educar a futura prole. Como todo ato jurídico, o casamento também tem os seus
impedimentos. Como diz o artigo 1521 do Código Civil, não podem se casar:
I. Os ascendentes com descendentes seja o parentesco natural ou civil;
II. Os afins em linha reta;
III. O adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV. Os irmãos, unilaterais legítimos ou não e os colaterais idem até o terceiro grau;
V. O adotado com o filho do adotante;
VI. As pessoas casadas;
VII. O cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o
consorte;
Destes, alguns tornam o casamento nulo e sem valor, especificados no art. 1548 do ref. código; e outros
o tomam anulável, especificados nos artigos 1550, 1556 e 1557. Segundo Croce e Croce Jr, os impedimentos
matrimoniais podem ser: “dirimentes absolutos ou públicos (artigo 1.521, I a VII) e impedimentos ou causas
suspensivas (artigo 1.52321, I a IV)” (CROCE e CROCE JR, 2004, p. 467)
Os artigos 1556 e 1557 falam de casamento anulável. Art. 1556: “o casamento pode ser anulado por
vício da vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro”.
Já o art. 1557 caracteriza o tal erro essencial como sendo:

21

44
I. O que diz respeito a sua identidade, honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento
ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;
II. Ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, tome insuportável a vida conjugal;
III. Ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável ou moléstia grave e transmissível
por herança ou contágio, capaz de por em risco a vida do cônjuge ou descendentes;
IV. Ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável
a vida em comum ao cônjuge enganado.
O que diz respeito à identidade é a falsidade ideológica, com o fim de enganar. Comumente ouvimos
falar de casos em que uma pessoa se faz passar pelo que não é para obter vantagem financeira. Com relação à
moléstia grave, transmissível por contágio ou herança, podemos citar as doenças venéreas, em geral, e a AIDS,
em particular, a epilepsia idiopática, e outras doenças. Caberá ao perito diagnosticar se a moléstia é grave; bem
como se ela é transmissível por contágio (DST) ou por heranças (doenças genéticas). O impedimento cessará
com o tratamento se for uma doença curável. No item defeito físico irremediável entraria, segundo Gomes
(1989, p. 286), a impotência sexual, o sexo dúbio e certas deformações como a hipertricose excessiva na mu-
lher, ausência de mama (casos de extirpação), o pênis infantil ou exageradamente grande etc. O que importa é
que seja um defeito físico (que cause constrangimento, asco, repugnância, na pessoa do outro cônjuge) que
seja anterior ao casamento (por exemplo, não se pode alegar tal impedimento se o defeito surgiu após a sua
realização); e que, o que é mais importante, seja ignorado pelo outro nubente. O sexo dúbio já foi abordado
quando falamos dos estados intersexuais, as impotências sexuais serão abordadas no capítulo seguinte.
6.3 Vínculo Genético
O vínculo genético nada mais é do que o parentesco biológico, isto é, dos filhos em relação aos pais,
avós, tios e vice-versa. Difere do parentesco por afinidade (esposos, cunhados(as), sogro(a), nora, genro etc.)
no qual não há ligação biológica; é também o caso dos filhos adotados em relação aos pais (adotantes) e aos
filhos naturais destes. O vínculo genético constitui um impedimento matrimonial (cf. itens I e IV do art. 183).
O item IV refere-se aos colaterais até o terceiro grau (isto é, os tios em relação aos sobrinhos e vice-versa).
Porém o Decreto Lei nº 3.200, de 19 de abril de 194122, no seu cap. I, regulamenta este casamento, sendo
permitido desde que os nubentes se submetam a exame médico que lhe atestará a sanidade física e mental.
Às vezes surgem dúvidas em relação ao vínculo genético e, evidentemente, o perito é chamado para
responder, após fazer a perícia, se há ou não esta consanguinidade entre os examinados. As situações são as
mais diversas. Assim, temos, além do exame para anulação de casamento entre dois irmãos (parentes de pri-
meiro grau), a determinação da paternidade para o reconhecimento; e a determinação da maternidade (casos
em que se suspeita de troca de bebês no hospital, ou de mães que abandonam os filhos e depois os querem de
volta). Até bem pouco tempo falava-se em exclusão (de paternidade ou maternidade). Com o advento da En-
genharia Genética, trazendo a prova do DNA, pode-se falar em afirmação.
Almeida Jr. e Costa Júnior (1978, p. 385) dividem as provas para verificação do referido parentesco em:
genéticas e não genéticas ou circunstanciais. Passemos a elas.
6.3.1 Provas não genéticas
Dentre as provas não-genéticas incluímos a incapacidade de procriar (impotência sexual, no sentido
lato). Um homem impotente não pode ser o pai da criança. Do mesmo modo não pode ser o pai da criança
aquele que está fora do país há 12 meses, estando a mulher no nono mês de gestação. Ainda como prova
circunstancial podemos afirmar, num exame de exclusão de maternidade, que uma mulher não pode ser a mãe
da criança se no exame pericial, ficou comprovado que ela nunca concebeu (atualmente, com a inseminação
artificial, tal proeza já é possível).
6.3.2 Provas genéticas
Fundamentam-se estas provas no fato de que o nosso patrimônio genético origina-se dos nossos pais
biológicos (50% do pai e 50% da mãe). Ou seja, qualquer traço, de transmissão hereditária, encontrado no

22
Art. 1º O casamento de colaterais, legítimos ou ilegítimos do terceiro grau, é permitido nos termos do presente decreto-
lei.
Art. 2º Os colaterais do terceiro grau, que pretendam casar-se, ou seus representantes, legais, se forem menores, reque-
rerão ao juiz competente para a habilitação que nomeie dois médicos de reconhecida capacidade, isentos de suspeição
para examiná-los e atestar-lhes a sanidade, afirmando não haver inconveniente, sob o ponto de vista, da saúde de qual-
quer deles e da prole, na realização do matrimônio

45
filho deverá ser encontrado em um dos pais. Antigamente, partindo do princípio que existem caracteres gené-
ticos ‘dominantes’ e ‘recessivos’, investigava-se vários como a cor dos olhos, a cor da pele, o redemoinho da
cabeça, o lóbulo da orelha etc.23 Atualmente, com o advento do DNA, estas provas (na verdade provas de
exclusão e não de confirmação do vínculo genético) tornaram-se obsoletas
DNA - o patrimônio genético de qualquer pessoa pode ser resumido numa seqüência de aminoácidos,
melhor falar duas seqüências, uma herdada do pai e a outra, da mãe. O assunto é um pouco complicado e
vamos tentar simplificar o máximo, daremos apenas algumas noções básicas.
Comecemos pela definição de DNA. Segundo Amar e Amar, “Trata-se de uma substância orgânica
encontrada nos cromossomas, no interior dos núcleos das células”. É importante enfatizar que todas as células
animais e vegetais, inclusive as bactérias e os vírus, possuem DNA. Assim, o DNA “Traduz o código genético
que determina as características individuais e é expresso pelo arranjo de quatro blocos celulares denominados
bases” (AMAR e AMAR, 1991, p. 23-24).
Essas bases a que eles se referem são os aminoácidos: Adenina, Guanina, Citosina e Timina. Represen-
tados pelas letras: A, G, C e T. Como costumamos dizer em nossas aulas, há um ordenamento na natureza. E
aqui, seguindo esse ‘ordenamento’, A adenina (A) sempre se acopla à Timina (T), e a Citosina(C), à Guanina
(G). E partir desse ordenamento é que se idealizou a expressão ‘código genético’. E é esse código que deter-
mina a nossa individualidade, “com exceção dos gêmeos univitelinos [que possuem o mesmo DNA], a Huma-
nidade não tem conhecimento de dois indivíduos de idênticos DNAs” (AMAR e AMAR, 1991, p. 7).
A molécula do DNA pode ser pensada como uma escada, torcida ao longo do seu eixo longitudinal, conhe-
cida como ‘dupla hélice’. Os lados da escada são compostos, alternadamente, de moléculas de desoxirribose
e fosfato. As bases constituem os degraus e cada um deles é composto de um base-pair (AMAR e AMAR,
1991, p. 24).

A aplicação do DNA não se limite à determinação da paternidade ou maternidade. No campo da inves-


tigação criminal, a partir, por exemplo, de um fio de cabelo, ou mancha de esperma, encontrados no local é
possível confirmar se aquele material pertence ao suspeito. Aqui nos interessa particularmente o vínculo ge-
nético. Assim, vamos supor que, numa investigação de paternidade, a mãe tenha as seqüências que chamare-
mos de A e B; e que o pai, por sua vez tenha as seqüências que chamaremos de C e D. Antes de continuarmos
é bom enfatizar que a probabilidade de duas pessoas terem a mesma seqüência A, B ou C, D é praticamente

23
Um caráter é dominante quando ele, estando presente, sempre se manifesta; um caráter é recessivo quando ele, mesmo
estando presente, pode não se manifestar, a não ser que ele tenha sido herdado de ambos os genitores. Por exemplo: a
braquidactilia (caráter de quem tem os dedos curtos, devido a falta de uma falange) por ser dominante, se estiver presente
na criança deverá estar presente ou no pai ou na mãe (biológicos). Em relação à cor dos olhos, os claros (azuis, verdes
etc.) são recessivos em relação aos olhos de cor castanha, que são dominantes. Quer dizer que se o pai e a mãe biológicos
têm os olhos claros, o filho terá de ter obrigatoriamente olhos claros. Por outro lado, se os pais têm os olhos castanhos
(ambos), o filho poderá nascer com olhos claros ou castanhos. A seguir alguns caracteres: olhos claros (cc) são recessivos
em relação a olhos castanhos (Cc ou CC); o lóbulo da orelha preso (11) é recessivo em relação ao lóbulo livre (Ll ou 11);
redemoinho do couro cabeludo (a "coroinha") levógira, que gira em sentido anti-horário (11) é recessiva em relação a
destrógira, isto é, que gira no sentido horário (DD ou Dd).
Provas genéticas sangüíneas - são os grupos sangüíneos ABO, RH, MN e outros. Tomemos como exemplo o grupo
MN. Tanto o gene para o M quanto o para o N são dominantes. Assim, temos os seguintes fenótipos: tipo M (MM), isto
é, recebe do pai um gene M e da mãe também um gene M; tipo N (NN) recebe um N de ambos os pais; e tipo MN (MN)
recebe de um dos genitores um M e do outro um N.
Com base nestas provas podemos excluir, e não afirmar. Por exemplo: uma criança que tenha nascido com olhos
castanhos (Cc ou CC), grupo sangüíneo M (MM), e lóbulo da orelha preso (11). A mãe tem os olhos claros (cc), grupo
sangüíneo MN (MN) e olhos claros (cc). Passemos à análise, para Napoleão (apud Gomes, 1989, p. 339): a maternidade
é um fato, a paternidade, um problema.
Com relação ao grupo sangüíneo temos: pai MN (MN) poderá mandar para o filho um M ou um N; mãe MN (MN)
poderá mandar também para o filho. Com base neste caráter não poderemos fazer a exclusão. Com relação à cor dos
olhos, tendo o pai olhos claros (cc), somente poderia ter mandado a cor dos olhos claros (cc) e, com certeza, mandou, "a
maternidade é um fato". Por conseguinte, a criança para ser filha do suposto pai teria de ter nascido com os olhos claros
(cc) e não nasceu, nasceu com os olhos castanhos, por ser dominante em relação aos olhos claros? Aqui temos um exemplo
de exclusão de paternidade. Muito cuidado as mulheres de olhos claros (cujos maridos também tenham olhos claros)
devem ter ao arranjar um amante, prestem muita atenção na cor dos olhos dele.

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nula. Voltemos ao exemplo, se a criança apresentou, no exame, a seqüência A (ou B) ela recebeu esta da mãe.
Se a outra seqüência for C ou D está confirmada a paternidade.
6.4 Impotência Sexual
Com a evolução da Ciência e dos costumes, certas perícias se tornam obsoletas, ultrapassadas e dispen-
sáveis. A perícia para se determinar a impotência sexual, seja no homem, seja na mulher, como requisito para
anulação do casamento, alegando-se erro essencial (ou seja, anterior ao casamento e ignorado pelo outro côn-
juge) tende a desaparecer porque, com o movimento de liberação da sexualidade, hodiernamente, a regra é se
conhecer sexualmente e somente depois, caso haja ‘afinidade’, oficializar-se o casamento. Ou seja, primeiro
se ‘acasala’ e depois é que se casa. Assim, se um dos pretendentes for impotente, não haverá acasalamento,
nem casamento, nem a necessidade de uma perícia para anular-se este casamento. Por outro lado, com a evo-
lução da Medicina, atualmente impotência sexual tem cura. De forma que antes de se anular o casamento,
pode-se buscar os recursos deste ciência e assim, adiar a separação, até que a morte (a menopausa ou a andro-
pausa) os separe.
Em Medicina Legal define-se a impotência sexual como a incapacidade para a função sexual, ou seja,
para a procriação. Assim, tanto é impotente a pessoa que não consegue realizar o ato sexual, como o é aquela
que o consegue, mas não consegue fecundar (em se tratando de homem) ou ser fecundada (em se tratando de
mulher). Em clínica médica, denomina-se esta última forma como esterilidade e não mais impotência. Deixe-
mos de lado a clínica médica e voltemos à Medicina Legal, que classifica a impotência sexual em absoluta -
incapacidade para o ato e, sem dúvida, também para a procriação - e relativa - incapacidade para procriar, mas
capacidade para o ato. A primeira chama-se impotência coeundi (tanto no homem, como na mulher); a segunda
chama-se impotência generandi (no homem) e concipiendi (na mulher).
6.4.1 Impotência sexual no homem
A impotência coeundi, como dissemos, é a incapacidade para a realização do ato sexual. Pode ser ins-
trumental e funcional.
• impotência instrumental ocorre quando há algum defeito anatômico no instrumento sexual do homem.
Podemos citar como exemplos a ausência do pênis. Esta pode ser congênita (agenesia) ou adquirida (fala-se
em mutilação, quando é criminosa; e amputação quando teve indicação médica, como nos casos de câncer no
pênis); temos ainda o pênis infantil (atrofiado, exíguo) ou o pênis exageradamente grande; os defeitos genéti-
cos, os tumores, a elefantíase, as hérnias escrotais etc.
• Impotência funcional - o órgão, do ponto de vista da anatomia, é perfeito, mas não funciona. Subdivide-
se em fisiológica (na criança e nos idosos) e patológica (a que se instala numa faixa etária em que o homem é
normalmente viril). Vamos analisar um pouco mais profundamente a impotência coeundi funcional patológica.
Sabemos que para poder realizar o ato sexual o homem precisa ter a ereção peniana. Esta envolve um
complexo mecanismo fisiológico do qual participam o sistema hormonal (com a produção da testosterona,
hormônio sexual masculino), o sistema nervoso (com os reflexos da ereção e também da ejaculação) e o sis-
tema vascular (com o afluxo de sangue para os corpos cavernosos e esponjosos, determinando a ereção). Há
ainda a participação do psiquismo, é do conhecimento de todos que em situações de estresse, de preocupação
exagerada, o homem toma-se impotente. Impotência esta reversível quando as coisas voltam ao normal. Te-
mos, pois, a impotência coeundi funcional patológica no homem de causa hormonal, vascular, nervosa e psí-
quica.
A perícia no homem - Para evidenciar a esterilidade no homem (impotência generandi), afastada uma
má formação (epispádia/ hipospádia), basta que se solicite um espermograma, uma prova cabal da capacidade
ou não de procriar. Já a avaliação da impotência coeundi é um pouco mais complicada, principalmente nas de
causas psíquicas, chamadas relativas, em que o homem toma-se impotente para determinada mulher (geral-
mente a sua esposa), mas não para as outras. Freud explica! Como provar numa perícia este tipo de impotência?
Fica difícil, não acham? Deixemos esta de lado por enquanto e passemos a analisar as outras funcionais pato-
lógicas. Como dissemos, a capacidade sexual do homem depende da ereção, esta envolve um complexo me-
canismo hormonal, vascular, das vias nervosas e também o psiquismo. Avaliemos agora cada um destes me-
canismos separadamente:
• Mecanismos nervosos - tanto a ereção quanto a ejaculação são fenômenos fisiológicos vegetativos,
isto é, que não dependem da nossa vontade, embora possamos (com condicionamento) controlá-los, tal como
controlamos a micção e a evacuação (às vezes sentimos vontade de evacuar e conseguimos retardá-la por um
bom tempo). Estes fenômenos são determinados por uma série de reflexos. Por exemplo: a visão de uma cena

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erótica (estímulo visual) determina uma resposta no organismo que é a ereção e o desejo sexual (tesão). Tais
reflexos dependem de vias nervosas em perfeitas condições de funcionamento. Uma forma simples de avaliar
este complexo mecanismo é a pesquisa do reflexo bulbo-cavernoso (reflexo de Onanoffe). Pesquisa-se este
reflexo comprimindo-se a glande e observando-se a resposta (pela palpação) que é a contração dos músculos
bulbo-cavernosos (localizados na região perineal entre a bolsa escrotal e o ânus). Outra forma de avaliar estas
vias neurais é pela chamada turgescência peniana noturna (TPN), ereção que ocorre em função da dilatação da
bexiga causada pela retenção de urina. Segundo Maranhão (1989), este sinal de virilidade masculina não é
aceito pela Medicina Legal, embora tenha valor na clínica médica. Temos ainda a eletroneuromiografia peni-
ana.
• Mecanismos vasculares - determinam a ereção, o afluxo de sangue para os corpos cavernosos e es-
ponjosos; é esta a participação do mecanismo vascular na ereção. Na avaliação pericial, solicita-se ao especi-
alista (angiologista) um estudo das artérias (faloarteriografia, radiografia contrastada das artérias que irrigam
o pênis) e das veias. Atualmente há meios menos invasivos de estudo da circulação, como o Doppler de artéria
peniana (cordão espermático) e o Doppler do pênis e da bolsa escrotal. Há casos em que o pênis fica ereto,
mas não se mantém, isto é, os esfíncteres venosos não seguram o sangue nos corpos cavernosos e esponjosos.
Isso é o que se chama disfunção erétil.
• Mecanismo hormonal - pode ser avaliado de uma forma simplista, verificando-se, na perícia, a pre-
sença dos caracteres sexuais secundários (pelos pubianos, barba, bigode, timbre da voz etc.); e solicitando-se
a dosagem dos hormônios sexuais masculinos (a testosterona e outros).
Resumindo, poderíamos dizer que, para se afirmar se um indivíduo tem ou não capacidade para o ato
sexual, independentemente de ser ou não estéril, fazemos uma avaliação hormonal (dosagem de hormônios);
uma avaliação vascular (faloarteriografia); e uma avaliação das vias nervosas (Reflexo de Onanoffe ou ainda
a eletroneuromiografia peniana). Se todas estas avaliações foram positivas e, ainda assim a pessoa for impo-
tente, pensamos então em impotência de causa psíquica. Vejam que o diagnóstico de impotência psíquica é
um diagnóstico de exclusão. A seguir algumas causas de impotência coeundi no homem:
• Vascular - arteriosclerose causada principalmente pelo fumo associado com o sedentarismo e a dieta
rica em gorduras animais.
• Nervosa - lesão na medula espinhal acima do centro da ereção, alcoolismo crônico por degeneração
das fibras nervosas e doenças em que há degeneração dos nervos etc. Um fato curioso ocorre no alcoólatra
crônico: ao mesmo tempo em que vai se tomando impotente, há uma exacerbação da libido (aumento do de-
sejo), que ele julga ser o aumento da sua virilidade. Puro e descabido engano que ele só percebe na hora do ato
sexual.
6.4.2 Impotência sexual na mulher
Na mulher, temos também a impotência para o ato sexual (coeundi) e a impotência para a procriação
(concipiendi). Vamos analisar cada uma.
A impotência coeundi na mulher, assim como no homem, pode ser dividida em instrumental e funcional.
A primeira, como o próprio nome diz, deve-se a um defeito anatômico, congênito ou adquirido. Assim temos:
agenesia da genitália externa (mulheres que nascem sem vagina); má formação (ver estados intersexuais);
infecções (exemplo: cisto da glândula e Bartholim); tumores benignos e malignos; infantilismo (por deficiência
hormonal a vagina não se desenvolve, fica pequena, impossibilitada de receber um pênis) etc.
Na impotência coeundi funcional, a genitália externa da mulher é perfeita. Ou seja, não há defeito na
formação da vulva ou da vagina, mas a mulher não consegue realizar o ato. Por que ela não consegue? A
mulher (e também o homem) não faz sexo apenas com os seus órgãos sexuais, porém com todo o seu corpo e
a sua mente. Aliás, a participação da mente é fundamental. Costumamos dizer que uma relação sexual consti-
tui-se de 20% de contato físico e 80% de fantasia. E embora os mecanismos hormonais, vasculares e nervosos
não sejam tão definitivos na mulher, como o são no homem, eles existem e, dependendo do estado de excitação
da mulher, há um maior afluxo de sangue para a sua genitália e estimulação das glândulas nela localizadas, de
modo que a vagina fica lubrificada, facilitando a penetração do pênis. Há ainda uma hipersensibilidade do
clitóris e, o que é fundamental, surge o desejo de realizar o ato (participação do psiquismo). Contudo, proble-
mas de ordem vascular, hormonal e nervoso, que tornam impossível uma relação no homem, não o tornam na
mulher, e, assim, mesmo como algum problema nestes sistemas, é possível a mulher (embora não sentindo
prazer) realizar o coito. Isto caracteriza a mulher frígida que casa, tem muitos filhos, netos, bisnetos e passa a
vida toda sem nunca ter sabido o que é um orgasmo. E ainda se orgulha de sua "façanha". Se por um lado a
impotência funcional de causa vascular, hormonal ou nervosa não impede a mulher de copular, a de causa

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psíquica impede e muito. Assim temos como impotência coeundi (de causa psíquica) na mulher: a coitofobia,
o vaginismo e a dispaurenia.
• Coitofobia - trata-se de uma neurose fóbica, fruto da repressão sexual (imposta pela cultura) a que a
mulher foi submetida durante séculos. O ato sexual, natural e fisiológico, presente até nos animais inferiores,
no inconsciente da mulher significa algo terrível, horripilante, abominável etc., motivo de verdadeiro pânico.
Algumas dessas infelizes, só de pensar na palavra sexo, ficam pálidas, as mãos suam, o coração dispara, a
respiração se torna ofegante e, o que é pior, sentem uma angústia muito forte. É a mesma reação que uma
pessoa normal teria, por exemplo, em vista de um assaltante. Assim a mulher passa a fugir do sexo como o
diabo (segundo dizem) foge da cruz. Muitas dessas neuróticas assumem um papel de virtuosas e são citadas
como exemplo de pureza; outras vão ser freiras, crentes; outras ainda se casam, mas ‘liberam’ o marido para
terem quantas amantes eles quiserem, desde que as deixe em paz.
• Vaginismo - o medo, que na coitofobia é manifesto, persiste no inconsciente e o conflito (entre o Id e
o Superego) aparece na forma de espasmo da musculatura vaginal. Há duas formas: o espasmo aparece com a
simples aproximação do pênis e fecha a entrada da vagina, tomando a penetração impossível; ou o espasmo
ocorre após a penetração do pênis (tal qual ocorre na cadela) tornando o ato doloroso, muito doloroso, às vezes
insuportável para o homem. Há casos relatados pela literatura que o casal teve de ser levado para o Pronto-
Socorro e a mulher submetida a uma anestesia geral, para poder relaxar. Enquanto isso o homem sentia muita
dor.
• Dispaurenia - modalidade em que o coito é muito doloroso para a mulher. A causa pode ser uma
inflamação na vagina (leucorréia) ou ainda a falta de excitação, que leva à falta de lubrificação. Comumente
ocorre na mulher frígida que, além de não sentir prazer, sente muita dor.
A impotência concipiendi é a que se refere à mulher estéril. As causas podem ser: agenesia de útero ou
de trompas; anovulação (a mulher não ovula, embora menstrue normalmente); inflamação nas trompas; útero
hipoplásico etc.
A perícia na mulher -Na mulher, a perícia se inicia com o exame da genitália externa, para se afastar
uma possível impotência coeundi instrumental. Numa entrevista em que se abordam temas relacionados à
sexualidade, pela simples reação notam-se certos bloqueios psicológicos. A mulher que sofre de coitofobia
fica embaraçada e apavorada quando o assunto é sexo. Por outro lado, a incapacidade para a procriação é de
avaliação um pouco mais complicada, ou seja, a de pesquisar se a mulher ovula (exame do muco cervical,
dosagens hormonais seriadas etc.); bem como se o útero e as trompas são normais, solicita-se a ultrassonografia
e a histerossalpingografia (radiografia contrastada do útero e das trompas).
6.5 Perversões Sexuais
"Por trás de cada crime sexual há uma perversão sexual".
Qual a importância de se estudarem as perversões sexuais? A importância está no fato de que por trás
de cada crime sexual há um pervertido, um indivíduo cuja sexualidade não foi liberada de forma saudável (ver
criminogênese). Nestes indivíduos, quando o Id se libera das contra-pulsões do Superego, o faz de forma anô-
mala, carregada de culpa, e, como ocorre nos crimes sexuais, pode se liberar de uma maneira inaceitável soci-
almente.
O que é uma perversão sexual? Para definirmos uma perversão sexual, precisamos inicialmente falar
sobre a sexualidade, mais especificamente sobre a sexualidade humana. Quantos de nós já se perguntou o que
é o sexo e a que se destina? Para a grande maioria, pelo menos esta é a nossa impressão, o sexo foi tão reprimido
em suas mentes que, ou ele se torna abominável (e aí entra em cena a formação reativa, em que o desejado
passa a ser evitado), ou ele é liberado de forma incontrolável tornando-se a coisa mais importante da vida. E
assim o sexo, cuja função é unicamente a perpetuação da espécie (uma coisa natural presente até nos animais
inferiores) tornou-se para o homem, como diz Krishnamurti, um problema, um grande e complicado problema,
haja vista os crimes de natureza sexual, objeto do nosso estudo. Como costumamos dizer em nossas aulas: a
tragédia do Homo sapiens não é ele ser um idiota, mas ser um idiota e se julgar um sábio. Por que afirmamos
tal premissa? Por que de todos os animais, o único que tem a capacidade de tornar uma coisa espontânea e
natural (como é a sexualidade) um problema é ele, o "sapiens".
O sexo é para o homem, que ainda não alcançou a plena consciência de si, o inferno ou o paraíso. Para
aqueles em que a repressão logrou êxito tornou-se (com a formação reativa) a pior coisa do mundo, a ser
evitada a qualquer custo (coisa do Demônio); para aqueles cuja repressão não foi eficaz e o instinto se liberou
de forma desordenada, tomou-se a melhor coisa do mundo, a principal meta a ser alcançada (neste extremo

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encontram-se os sensualistas, cujo lema é: "transo" logo existo). E o que tudo isto tem a ver com as perversões?
Tem tudo a ver. Para uma pessoa que fortaleceu o seu Ego e encontrou um equilíbrio entre as pulsões do ld
(tanto tanáticas quanto eróticas) e as contra-pulsões da sociedade, representadas pelo Superego, de modo que
possa dar vazão aos seus instintos sem entrar em confronto com a censura (predominância do ld) e sem se
neurotizar (predominância do Superego), o sexo não é um problema, é algo natural que flui espontaneamente
sem a necessidade compulsiva de transar a qualquer preço (como ocorre nos sensualistas em geral e nos cri-
minosos sexuais em particular); e sem a culpa tão esmagadora que torna os moralistas literalmente assexuados.
Como vimos, há a sexualidade fisiológica e natural que tem por meta a procriação. Qualquer atividade
sexual que não tenha por meta este fim é, em tese, uma perversão sexual. Por esse raciocínio, todos somos
pervertidos. Como diz Camargo Jr. (1987, p. 219) "tarado é o homem normal apanhado em flagrante". Todavia
uma das características mais interessantes da sociedade, a nosso ver, é a criação das famosas convenções.
Assim, convenciona-se "xis" e tudo que estiver de acordo com este 'xis' é normal, o que estiver em desacordo,
é anormal. Criou-se, como era de se esperar, a convenção da sexualidade. Segundo esta, o casal pode cometer
as mais extravagantes perversões, desde que não haja interferência na liberdade de alguém e não interfira nos
"bons costumes", é normal (não é perversão). Por outro lado, se ferir ou a liberdade ou os "bons costumes", aí
sim já é perversão. Vejam que o conceito de perversão sexual é muito mais social (depende dos costumes da
época e da sociedade em questão) do que médico. Por exemplo: um casal, casados de direito e de fato, que
tenha optado pelo sexo anal (que é uma perversão do ponto de vista da Medicina), não é considerado um casal
pervertido se tal prática for prazerosa para ambos. Considera-se normal (não é verdade?). Agora, se tal variante
sexual for a preferida para o homem, mas não para a mulher, aí a coisa muda de figura e passa a ser uma
perversão sexual, podendo ocorrer até separação litigiosa (sabemos de um caso que terminou em separação).
6.5.1 Classificação das perversões sexuais
Variações quantitativas da libido - podem ser para menos ou para mais. A primeira consiste na diminui-
ção da libido (desejo sexual), culminando com a anestesia sexual (impotência coeundi psíquica). Nestes casos
denomina-se anafrodisia (no homem) e frigidez (na mulher). Não se consideram tais pessoas pervertidas, mas
virtuosas. A outra (variação para mais), denominada erotismo, determina o "Don juanismo" no homem e a
ninfomania ou furor uterino na mulher. O homem, com tal perversão, é (em regra) admirado pelos homens
como um "garanhão"; a mulher, com esta mesma perversão, é mal vista e chamada de "galinha", "Maria-
maçaneta"etc.
As variações qualitativas da libido podem ou não estar associadas com o aumento da libido (o desejo
sexual). Vamos analisar algumas destas perversões. É bom enfatizar que a libido é considerada normal, pelo
menos do ponto de vista da fisiologia, quando o desejo sexual se manifesta direcionado para pessoas do sexo
oposto.
Masturbação - satisfação do desejo sexual, estimulando-se os próprios órgãos genitais, faz parte do de-
senvolvimento sexual normal de qualquer pessoa. Todo mundo se masturba, ou já se masturbou. Quem falar
o contrário ou é mentiroso ou teve sua sexualidade tão reprimida que não sabe nem o que é excitação. Tal
prática serve como válvula de escape quando, por algum motivo, tal como o isolamento, não se pode copular.
Considera-se uma perversão quando o indivíduo, mesmo tendo oportunidade de descarregar a sua libido em
uma pessoa do sexo oposto, prefere a masturbação. Em relação aos crimes sexuais, os masturbadores invete-
rados costumam ser exibicionistas e cometem o ultraje público ao pudor.
Exibicionismo - situação em que a libido está voltada para o narcisismo (admiração de si mesmo) e a
pessoa sente excitação em exibir-se usando roupas provocantes (exibicionismo latente); ou mesmo mostrando
de forma compulsiva os seus órgãos genitais (exibicionismo manifesto). Se tal prática é feita em praça pública,
está caracterizada a perversão (ultraje público ao pudor). Todavia se for realizada numa casa de show noturno
é normal e o pervertido é considerado um profissional.
Mixoscopia (voyeurismo) - perversão oposta ao exibicionismo, ou seja, aqui o excitante é o ver e não o
mostrar. Temos também a forma latente (aqueles que vão aos clubes para ficarem de olho nos exibicionistas,
com os seus fios-dentais ou sungas); e a forma manifesta em que a pessoa somente sente prazer vendo um
casal transando. Graças a estes é que os exibicionistas se profissionalizam. Há maridos mixoscopistas que
estimulam as mulheres e arranjarem amantes e ficam espreitando para, às escondidas, se masturbarem.
Fetichismo – há um desvio da libido com atração anormal por partes do corpo (por exemplo, os pés) ou
por certos objetos, como peças íntimas. Conta-se o caso de um pervertido que furtava e colecionava calcinhas.
Homossexualismo - consiste no direcionamento da libido para pessoas do mesmo sexo. Há muitas teo-
rias que tentam explicar este comportamento presente, em condições normais de convivência social, apenas na

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espécie humana. Nas outras espécies encontrou-se tal comportamento somente quando ficavam separados os
machos das fêmeas. Segundo a psicanálise, o homossexualismo deve-se à identificação da criança do sexo
masculino com a mãe e da criança do sexo feminino com o pai. Entretanto, que fique bem claro que a teoria
psicanalítica é apenas ‘uma’ das teorias que tentam explicar esse fenômeno. Existem, evidentemente, outras
teorias. Qual a que está certa? Não sabemos. Como dizia um velho professor que tivemos na faculdade de
Medicina, “quando estamos diante de um fenômeno onde existem muitas teorias para explica-lo, é porque
pouco se sabe ou nada se sabe sobre este fenômeno”. E como existem teorias que tentam explicar o fenômeno
da homossexualidade. Por que será? É porque pouco se sabe sobre o assunto. Aliás, pouco se sabe sobre o ser
humano. Em suma, nós não nos conhecemos. Há, tanto no homossexualismo masculino como no feminino, o
ativo (que assume o papel masculino) e o passivo (que assume o papel da feminino ). Todavia, tanto o ativo
quanto o passivo são homossexuais. Uma variante do homossexualismo é a pederastia (sentir atração sexual
por rapazes jovens).
Sadismo - ao que parece, há uma fusão de Eros com Tânatos, pois o pervertido somente sente prazer se
impuser sofrimento ao parceiro. Temos o pequeno sadismo (em que o sofrimento é simbólico, na forma de
palavrões do tipo: "você é uma puta, uma perdida"; ou mesmo na forma de tapas leves); e o grande sadismo.
Neste o sofrimento tem que ser manifesto. Numa variante desta perversão levada ao extremo encontra-se o
estuprador que estupra e mata. Não raro, mata (com requintes de crueldade), fica muito excitado e estupra.
Masoquismo - oposto do sadismo. O prazer está em se submeter a sofrimento imposto pelo(a) par-
ceiro(a). Há também o pequeno e o grande masoquismo. Quando um pequeno sádico encontra uma pequena
masoquista, está formado o casal perfeito, serão (graça às suas perversões) ‘felizes’ para sempre.
Riparofilia – atração sexual por pessoas com péssimos hábitos de higiene, pessoas sujas, fedorentas.
Coprofilia – atração sexual por sujeira, a excitação surge no contato com fezes.
Pigmalionismo – atração sexual por estátuas.
Crono-inversão – atração sexual de jovens por pessoas idosas e vice-versa.
Bestialidade - forma de perversão em que a libido está ' dirigida a seres de outra espécie. Freqüente nos
meios rurais, onde o homem prefere transar com a égua, vaca ou cabra.
Necrofilia - atração sexual por defuntos. Amiúde estes tarados violam sepulturas para, de forma com-
pulsiva, se satisfazerem sexualmente.
Cópulas ectópicas - para o pervertido, vale tudo, menos a cópula fisiológica. Há o sexo oral (ou oralismo
sexual) com as suas variantes: felação (sucção do pênis), cunilínguas (sucção da vulva) e o popular "69" (in-
tercâmbio das duas variantes anteriores); o sexo anal, também conhecido como sodomia (entre um homem e
uma mulher) e uranismo (entre dois homens); o sexo interfemural, os "roçadores" que se excitam e atingem o
orgasmo esfregando-se em mulheres nos ambientes lotados (como ônibus cheio) etc. Para se aprofundar neste
assunto recomendamos as obras de sexólogos.
6.6 Crimes Sexuais
Por crimes sexuais entendem-se as violações de normas estabelecidas no Direito Penal, violações estas
motivadas pela libido, ou seja, pela busca da satisfação sexual. Por exemplo: se um homem discute com uma
mulher, chegam às vias de fato, atracam-se, rolam pelo chão e deste "encontro" resulte uma lesão corporal,
houve um crime, mas não foi caracterizado um crime sexual. Afinal o objetivo do homem não era satisfazer a
sua libido. Mas, se o mesmo homem, esteja tarado pela mulher e tente agarrá-la à força, resultando, assim,
numa luta corporal; aí já se caracteriza um crime sexual, que pode culminar com o estupro, o atentado violento
ao pudor, ou ainda ficar apenas na tentativa (se o objetivo do homem não se concretizar). Concluindo, no crime
sexual, a busca da satisfação da libido é que leva à violação da norma. Ou seja, o pervertido busca a sua
satisfação cerceando a liberdade sexual da outra pessoa (estupro e atentado violento ao pudor), ou contrariando
os bons costumes (sedução, ultraje público ao pudor). Por esta razão é que dissemos no capítulo anterior: "por
trás de cada crime sexual há uma perversão sexual".
Ultimamente, ao que parece, tem havido um aumento da incidência de tais crimes. E questiona-se tal
fato: será que realmente aumentaram os crimes sexuais, ou aumentaram apenas as denúncias destes crimes?
Vemos também uma mobilização de segmentos da sociedade que querem penas mais incisivas para estes me-
liantes especializados (ou "tarados"). Quando analisamos tais crimes pela ótica destes segmentos, havemos de
concordar que, realmente, trata-se de crimes hediondos e há necessidade indubitável de penas mais severas,
bem como da certeza de punibilidade. Assim, reforçam-se os freios penais (externos) que inibirão a pulsão
criminal, onde falharem os freios morais (internos). Ou seja, se o medo da punição não conseguir superar o
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desejo compulsivo de dar vazão à libido reprimida, de uma forma inaceitável socialmente (afinal vivemos
numa sociedade e a ela devemos satisfação), a certeza da punição externa (a pena) pode e, às vezes, consegue
impedir que o pervertido cometa o delito. Com isto queremos dizer que o número de "tarados" soltos por aí é
bem maior do que se imagina (afinal todos foram culturalmente submetidos ao processo negação da sexuali-
dade e de repressão da libido). Eles estão, por incrível que pareça, em todas as camadas sociais e em todas as
classes especializadas. Por este motivo é que devemos ir muito além das penas severas e da certeza da punibi-
lidade. Então, o que fazer?
Em se tratando de crimes sexuais, já afirmamos que eles são resultantes das perversões sexuais; estas,
por sua vez, segundo a Psicanálise, são frutos da repressão da sexualidade presente em nossa mente. Repressão
esta que se origina na paradoxal negação da sexualidade. Ou seja, o ponto de partida de todo e qualquer crime
sexual é, estamos crentes nisso, a negação da sexualidade. E se quisermos prevenir tais delitos na sociedade
em geral e, mais particularmente, dar vazão à nossa sexualidade de uma forma saudável (sem fazer do sexo
um "inferno", a ser evitado a qualquer preço, nem o "paraíso" a ser buscado a qualquer custo), devemos inici-
almente aceitar a nós mesmos como seres sexuados. Temos de admitir que todos nós (homens e mulheres) a
partir da adolescência, sentimos, por ação dos hormônios sexuais, excitação, desejamos avidamente fazer sexo,
adulteramos constantemente em nossos corações etc. Acreditamos que, à medida que o homem toma consci-
ência dos seus instintos bestiais (eróticos e tanáticos) e se dá o direito de ter tais pulsões (em sua mente), sem
se justificar e buscar a satisfação (tornando-se um pervertido ou criminoso); e sem se condenar (tornando-se
um neurótico), ele torna-se, por incrível que pareça, menos pervertido, a sexualidade nele flui naturalmente,
em concordância com as leis da Natureza, mas sem violar as normas sociais vigentes no meio em que vive.
O "conhece-te a ti mesmo" de Sócrates fortalece o Ego e ele, uma vez fortalecido, encontra um ponto
de equilíbrio entre o Id (movido pela busca do prazer e fuga da dor) e o Superego (com as normas de convi-
vência social). O dia em que a maioria dos seres humanos tiver alcançado este estado, o mundo será um "pa-
raíso"; as perversões sexuais (origem dos crimes sexuais) serão exceção à regra e não a regra, como hodierna-
mente acontece. Contudo, não podemos generalizar. Há os pervertidos sexuais que os são por outros motivos
que não a ‘repressão’ da sexualidade. Há casos em que o mecanismo de formação é outro. Por exemplo, não
se pode falar de ‘repressão’ da sexualidade num oligofrênicos profundo, que nem tem capacidade de formar
um conceito, quanto mais um ‘valor’.

6.6.1 Classificação dos crimes sexuais


Como afirmamos, no início, o crime sexual é um crime motivado pela liberação da forma desordenada
e inaceitável socialmente da libido. No Título VI do Código Penal (Dos Crimes contra os Costumes), encon-
tramos a caracterização dos referidos crimes com as respectivas penas:
Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena - reclusão, de seis a
dez anos
Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique
ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Pena - reclusão, de seis a dez anos
Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude: Pena - reclusão, de um a três anos. Parágrafo único
- Se o crime é praticado contra mulher virgem, menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão,
de dois a seis anos.
Art. 216. Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-se à prática de ato libidinoso diverso da conjun-
ção carnal:
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o
agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
Art. 217 –[ Sedução] (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005).
Art. 218 - Corromper ou facilitar a corrupção de pessoa maior de 14(catorze) e menor de 18 (dezoito) anos, com
ela praticando ato de libidinagem, ou induzindo-a a praticá-lo ou presenciá-lo: Pena - reclusão, de um a quatro
anos
Art. 224 - Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de catorze anos; b) é alienada ou débil mental, e o
agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.

Assim temos os seguintes crimes: estupro (artigo 213); atentado violento ao pudor (artigo 214); posse
sexual mediante fraude (artigo 215); atentado ao pudor mediante fraude (artigo 216); assédio sexual (artigo
216-A); sedução (artigo 217, revogado); corrupção de menores (artigo 218); presunção de violência (artigo
224); e o ultraje ao pudor (ato obsceno, artigo 233 e escrito ou objeto obsceno, artigo 234).

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Considerando que o aluno já estudou os elementos de cada um destes crimes, bem como dos outros
contra os costumes, na disciplina Direito Penal, que é pré-requisito para a Medicina Legal, vamos analisá-los,
de forma sucinta, do ponto de vista da Medicina Legal. Desse modo, classificamos os crimes sexuais em: os
que cursam com violência; os que cursam sem violência; os que cursam com conjunção carnal; e os que cursam
com libidinoso diverso da conjunção carnal.
• Crimes sexuais em que há o curso de violência ou grave ameaça: estupro (213); atentado violento ao
pudor (214); e ainda a violência presumida (224).
• Crimes sexuais que cursam sem violência ou grave ameaça: corrupção de menores (218); posse sexual
mediante fraude (215); atentado ao pudor mediante fraude (216); e assédio sexual (216-A).
• Crimes sexuais que cursam com conjunção carnal: estupro (213); sedução (217) e posse mediante
fraude (215).
• Crimes sexuais que cursam com ato libidinoso diverso da conjunção carnal; corrupção de menores
(218); atentado violento ao pudor (214); atentado ao pudor mediante fraude (216) e ultraje público ao pudor
(233 e 234).
5.6.2 A perícia nos crimes sexuais
Tão logo chega ao conhecimento da Justiça a ocorrência de um crime sexual, é determinada a realização
da perícia. Nesta o perito deverá responder basicamente aos seguintes quesitos: Se houve violência; se a vítima
era menor de 14 anos, alienada ou débil mental ou se não podia opor resistência; se a mulher era virgem; se
houve a conjunção carnal; se houve ato libidinoso diverso da conjunção carnal; e se do crime resultou a gravi-
dez.
A violência é o uso da força física para subjugar a vítima e geralmente deixa vestígios. Por outro lado,
a grave ameaça (violência psíquica) nem sempre é passível de comprovação numa perícia. A lei fala ainda da
violência presumida (artigo 224), ou seja, "presume-se a violência, se a vítima: não é maior de 14 anos; é
alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; e não pode por qualquer outra causa oferecer
resistência". Em relação à idade, se houver dúvida, solicita-se a determinação pericial (ver Determinação Pe-
ricial da Idade). Com relação à alienação da vítima, solicitasse a perícia para avaliação das funções mentais
(ver Psicopatologia Forense). Já a impossibilidade de opor resistência é, em geral, de fácil comprovação numa
perícia, por exemplo: uma mulher que está com as pernas imobilizadas, por um aparelho de gesso, não pode
opor resistência.
Analisemos agora os itens conjunção carnal e ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Todo e qual-
quer ato humano que tenha por finalidade a satisfação da libido (o desejo sexual) é, em tese, um ato libidinoso.
Assim, um beijo no rosto dado por um amigo numa amiga não é ato libidinoso; mas, um beijo demorado na
boca, uma esfregada, um abraço apertado entre dois amantes etc., desde que sejam motivados pelo desejo
sexual, ou o desperte, são caracterizados como atos libidinosos. Temos, pois, dentro dos atos libidinosos a
conjunção carnal. Esta nada mais é do que a cópula fisiológica completa, com penetração do pênis na vagina.
Alguns autores consideram (e nós concordamos) que houve conjunção carnal mesmo que não tenha
havido penetração, mas que do ato libidinoso tenha resultado a gravidez. Afinal, qual é a finalidade natural e
fisiológica da cópula? Sem dúvida, é a procriação da espécie, que se concretiza pela gravidez. Por esta pers-
pectiva, a conjunção carnal (a penetração do pênis na vagina) é apenas um meio e não o fim da atividade
sexual, cuja finalidade não é a penetração, mas sim a procriação. E o que é um ato libidinoso diverso da con-
junção carnal? É qualquer ato humano com a finalidade lasciva, que seja libidinoso e que não seja a cópula
fisiológica. Assim, as cópulas ectópicas, a masturbação, os beijos ‘lascivos’, o exibicionismo etc., a nosso ver,
são todos atos libidinosos, pois foram motivados pela libido, ou despertaram o desejo sexual (a excitação
sexual). Temos, por conseguinte, que considerar a perícia para verificar se houve conjunção carnal (em se
tratando de vítima mulher) e a perícia para verificar se houve ato libidinoso diverso da conjunção carnal (a
vítima, nestes casos, pode ser homem ou mulher). Ainda em relação à conjunção carnal, há de se considerar
se a mulher era virgem ou não. A prova material desta condição é a integridade do hímen, membrana localizada
no óstio da vagina.
• Perícia na mulher que era virgem - nesta perícia observam-se os seguintes elementos: 1. Rotura hime-
nal recente, ou seja, com sinais de inflamação (considera-se a rotura como antiga, havendo cicatrização); 2.
Presença de esperma na vagina; 3. Contaminação venérea profunda (ou seja, presença de doença sexualmente
transmissível (DST); 4. Gravidez. Se, por exemplo, no exame, o perito verificar uma rotura antiga (já cicatri-
zada), a resposta ao quesito: "se a mulher era virgem" será não. A gravidez, como dissemos, é uma prova cabal

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de que houve conjunção carnal. A presença de qualquer um desses quatro elementos (pelo menos um que seja)
caracteriza a conjunção carnal. Não esqueçamos, contudo, que pode acontecer de a mulher ter o chamado
hímen complacente, ou seja, o que permite a conjunção carnal sem que se rompa. Nestes casos, na ausência de
outros elementos, o perito responderá, "prejudicado" ao quesito "houve conjunção carnal", e acrescentará, na
sua conclusão: "o hímen, pela sua configuração anatômica, permite a conjunção carnal sem que se rompa".
• Perícia na mulher não virgem - observam-se os mesmos elementos acima, com exceção, é claro, do
primeiro (rotura himenal recente). Em se tratando de ato libidinoso diverso da conjunção carnal esta se com-
provará pela presença de esperma, contaminação venérea ou, ainda, tratando-se de cópula anal, lacerações na
região perianal. Como nos referimos, tanto o homem como a mulher podem ser vítimas de crime sexual com
ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
6.7 Gravidez e Parto
Toda mulher tem, a partir da menarca (primeira menstruação) até a menopausa (última menstruação), o
ciclo menstrual, que vai de uma menstruação à outra. Mais ou menos no meio desse ciclo, ocorre a ovulação.
Se a mulher tiver relação sexual neste período (em que ela está ovulada), pode ocorrer a fecundação, iniciando
assim o ciclo grávido-puerperal, que inclui a gravidez e o puerpério. Gravidez é o período em que a mulher
mantém e nutre o produto da concepção. Segundo Almeida Jr. e Costa Jr. (1978, p. 357) é a fase em que a mãe
dá literalmente cama e mesa ao filho. O ciclo grávido-puerperal (que inclui a gravidez, parto e puerpério)
inicia-se com a fecundação do óvulo e encerra-se com o retorno da menstruação. A gravidez é interrompida
pelo abortamento ou pelo parto. O parto começa com a dilatação do colo uterino (proporcionada pelas contra-
ções uterinas, as "dores do parto") e termina com a expulsão da placenta (o secundamento). O puerpério inicia-
se com esta expulsão e encerra-se com o retomo da menstruação.
A duração da gravidez é variável e os prazos estabelecidos pela Lei, segundo Maranhão (1989, p. 162),
são: duração mínima de 180 dias (6 meses) e duração máxima de 300 dias (10 meses). Ver item 11 do artigo
1523, do Código Civil (CC).
As implicações legais da gravidez como um fato são as mais diversas. Referem-se a ela tanto o Código
Civil como o Penal. Diz o artigo 1551 do CC: "Por defeito de idade não se anulará o casamento de que resultou
gravidez". Muitos adolescentes, apaixonados, lançam mão deste artifício para poderem se casar. Depois, na
maioria das vezes, arrependem-se amargamente. No Direito Penal, por exemplo, a lei permite a realização do
abortamento se a gravidez resultou do crime de estupro (cf. artigo 128, CP). E um dos quesitos da perícia (nos
crimes sexuais) pergunta "se resultou em gravidez".
6.7.1 Diagnóstico da gravidez
Uma das provas de que houve conjunção carnal (ainda que o hímen esteja íntegro ou que seja compla-
cente) é a gravidez. Como fazemos para diagnosticá-la, ao afirmar que a mulher está gestante? A gravidez não
é uma doença, mas apresenta sintomas e sinais. Sintomas são alterações sentidas pelo paciente (exemplo dor
de cabeça, fraqueza etc.); os sinais são alterações percebidas pelo médico, no exame clínico (exemplo: a tem-
peratura elevada, a bradicardia, o edema etc.). Dentre os sintomas e sinais de gravidez temos: os de presunção,
de probabilidade e de certeza.
• Sintomas e sinais de presunção - perversões do apetite: os "desejos", as náuseas e os vômitos etc. Por
que presunção? Por que podem ser decorrentes de alterações que nada têm a ver com a gestação. Por exemplo,
uma moça com náuseas e vômitos pode estar com gastrite e não gestante como querem as "más línguas".
• Sintomas e sinais de probabilidade - decorrentes das alterações hormonais e do aumento do útero,
assim temos: o próprio aumento do útero (aumenta o volume do abdômen); a polaciúria (a mulher passa a
urinar com mais freqüência e em pequenas quantidades); cianose e edema da vulva e vagina (pela compressão
de vasos decorrentes deste aumento uterino); as alterações pigmentares: cloasma gravídico (mancha no rosto),
hiperpigmentação da linha alba etc.; turgescência da mama; a amenorréia (suspensão das regras) e outros. Por
que de probabilidade? Por que estão presentes na gravidez, mas podem estar presentes também em outras
alterações hormonais como a mola hidatiforme. Nesta, o teste de gravidez (pela dosagem do hormônio Beta-
HCG, presente no sangue e na urina) dá positivo e o útero aumenta de volume, mas trata-se de um tumor
benigno e não de gravidez.
• Sintomas e sinais de certeza - produzidos pelo feto, quando presentes, dão a certeza da gravidez. En-
tretanto somente aparecem por volta do quarto mês de gestação. São eles os movimentos fetais ativos (perce-
bidos pela mãe); os movimentos fetais passivos (percebidos pelo médico enquanto examina a barriga da paci-
ente); e os batimentos do coração do feto (BCF), percebidos pelo estetoscópio.

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Como vimos os sinais e sintomas de certeza surgem somente por volta do quarto mês. Em se tratando
de estupro e havendo o interesse da mulher em abortar, a Justiça não vai esperar tanto tempo (embora, às vezes,
demore muito mais para se pronunciar). Faz-se, portanto, necessário o diagnóstico precoce da prenhez. Este é
feito pela dosagem do Hormônio Gonadotrófico Coriônico (HCG), presente na urina e no sangue e pela ultra-
sonografia. O diagnóstico pelo HCG é o conhecido Plano-teste. Normalmente existe na urina uma certa quan-
tidade de hormônios gonadotróficos (LH e FSH), chamados hipofisários por serem fabricados na hipófise.
Durante a gravidez, a placenta produz uma considerável quantidade destas gonadotrofinas, chamadas coriôni-
cas por serem fabricadas na placenta. Com o aumento da quantidade circulante destes hormônios na gestação
é possível a sua detecção na urina pelo referido teste de gravidez. Este exame positiva-se a partir de três a
quatro semanas decorridas da fecundação, pois tão logo se inicia a formação da placenta, começa a produção
do HCG Esta prova é, segundo Maranhão (1989, p. 170), positiva em 99,8% dos casos. Pode ocorrer que a
mulher esteja grávida e o teste dê negativo, como pode ocorrer que o mesmo seja positivo, mas a mulher não
esteja grávida (o caso da referida mola hidatiforme e do coriepitelioma, este é um tumor maligno). Com a
ultra-sonografia é possível o diagnóstico a partir da quinta ou sexta semana, decorridas da fecundação. Na
prática, o perito faz o exame e manda a mulher retornar após algumas semanas (contadas da ocorrência do fato
e não do exame em si) e realiza o teste de gravidez solicita a ultrassonografia, podendo assim informar preco-
cemente à Justiça se a mulher está grávida ou não.
6.7.2 Parto
Como aludimos, a gravidez se interrompe pelo parto ou pelo abortamento. O parto, forma natural de
interrupção da gravidez, pode ser natural ou operatório (cesariano). O natural se inicia com as contrações do
colo do útero. Divide-se, na Obstetrícia, em três períodos: a dilatação; a expulsão do feto; e o secundamento,
expulsão da placenta. Um parto natural, dependendo do seu andamento pode ser considerado eutóxico (quando
ocorre sem complicações) e distóxico (quando há alguma complicação, por exemplo, o parto com fórceps).
Pode ocorrer que uma mulher oculte a sua gravidez, dê a luz e abandone o filho para depois reclamá-lo.
Como também pode acontecer que uma mulher cometa abortamento ou infanticídio e o feto (em se tratando
de abortamento) ou o infante (em se tratando de infanticídio) seja encontrado. Tanto na primeira hipótese,
como na segunda, a Justiça poderá determinar que se faça a perícia na mulher, para se comprovar que ela teve
um parto. Esta perícia (para determinação de parto pregresso) poderá comprovar um parto pregresso antigo ou
recente. Vamos analisar cada um em separado.
Sinais de parto recente - externos, pesquisados na mulher viva e na mulher morta (casos de abortamento
seguido de morte da gestante); e internos (pesquisados apenas na mulher morta, por ocasião da necrópsia).
Sinais externos: flacidez abdominal, útero palpável acima da sínfise pubiana (até doze dias após o parto);
lacerações perineais; presença do lóquios24; hímen lacerado (restos "mortais" do hímen); orifício do colo ute-
rino em fenda e com lacerações (na mulher que nunca pariu ele tem a forma circular) etc. Sinais internos:
alterações no colo do útero e presença do corpo lúteo gravídico no ovário.
Segundo Maranhão (1989, p. 179), as gonadotrofinas permanecem elevadas até 10 dias após o parto, ou
seja, o teste de gravidez é positivo neste período; e, pela colpocitologia, nota-se um padrão atrófico no esfre-
gaço vaginal (crise vaginal do pós-parto).
Sinais de parto antigo - vulva flácida e entreaberta; cicatrizes perineais (das lacerações ou episiotomia);
hímen reduzido a carúnculas; alterações do colo uterino em forma de fenda; alterações pigmentares (algumas
mulheres adquirem o cloasma gravídico, mancha no rosto); e as alterações uterinas (adquire a forma globosa;
o útero que nunca pariu tem a forma de pêra).
6.8 Abortamento e Infanticídio
6.8.1 Abortamento
Abortamento é interrupção da gravidez com a morte do concepto. O aborto é, teoricamente, o produto
da ação de abortar. Contudo, como o legislador usou a forma ‘aborto’ para referir-se ao abortamento, usam-se
ambos os termos como sinônimos. Os artigos do nosso Código Penal que se referem ao abortamento são:
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de um a
três anos.
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos.

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Líquido que escorre do útero após o parto. No início é sanguinolento, depois serossangüinolento e, finalmente, se-
roso.

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Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos. Pará-
grafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada
ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüên-
cia do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave;
e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando
incapaz, de seu representante legal.

Há uma diferença de conceituação entre a Obstetrícia e a Medicina Legal. Para a Obstetrícia, aborta-
mento é a interrupção da gravidez até o sexto mês de gestação. A partir daí fala-se em parto prematuro. Se há
a morte do concepto dentro do útero, usa-se o termo parto prematuro com feto natimorto (que "nasceu" morto).
Já para a Medicina Legal, independentemente da idade gestacional - seja no primeiro, quarto ou último mês, -
sempre que houver a morte do concepto, determinando, evidentemente, o final da gestação, considera-se abor-
tamento.
Há algumas controvérsias em relação à caracterização do abortamento. Para a maioria dos autores con-
sultados, sempre que ocorrer a morte do produto da concepção, dentro do útero, seja no início, no meio ou
ainda no final da prenhez, está configurado o abortamento. Isto é, o abortamento inicia-se, em tese, pela morte
do feto, podendo mesmo ocorrer que ele não seja expulso espontaneamente. Nesses casos usa-se a expressão:
‘aborto retido’. Porém pode acontecer, como ocorre principalmente no abortamento provocado, que o feto seja
expulso com vida e venha a morrer em função da sua imaturidade (ele ainda não está preparado para a vida
extra-uterina). Para alguns autores ainda está caracterizado o abortamento. Santos diz não se tratar mais de
abortamento, mas sim de homicídio qualificado.
Ocorrendo o nascimento com vida do feto, verificando-se sua morte posterior em conseqüência de fato-
res independentes das manobras abortivas, verb gratia a ação ou omissão voluntária do agente, o delito a se
cogitar é de homicídio e não mais de aborto (RT 483a77, Ap. 125.751 (SANTOS, 1979, p. 191-192).
Entretanto, na prática, geralmente quando se encontra um feto, ele já está morto e não há como o perito
afirmar se ele estava com vida quando foi expulso do ventre materno.
Seguindo a caracterização da Obstetrícia, temos o abortamento natural (ou espontâneo) e o abortamento
provocado. Este, segundo a nossa legislação vigente, pode ser: legal ou criminoso.
O abortamento é considerado natural quando ocorre em conseqüência de alguma alteração fisiopatoló-
gica, seja na mãe (por exemplo, a incontinência do colo uterino), seja no feto (por exemplo, as más-formações
que culminam com a interrupção da gravidez). Há quem diga que se trata de uma seleção natural, ou seja, os
incapazes são eliminados pela própria natureza. Sendo natural, ele segue a mesma evolução do parto, ou seja:
inicia-se com as contrações uterinas (dores, cólicas). Chama-se a esta fase, em que além das cólicas há sangra-
mento, de ameaça de abortamento. Neste estágio, o abortamento pode ser interrompido. Caso as contrações
persistam, o colo se dilatará (fala-se então em abortamento em curso, ou seja, não pode mais ser interrompido).
Finalmente há a expulsão do feto e da placenta (abortamento completo). Pode ocorrer de ficarem restos pla-
centários dentro do útero (abortamento incompleto); bem como pode haver complicações como hemorragia
continuada, ou mesmo infecção (abortamento complicado). Há casos de acidentes que resultam em aborta-
mento, fala-se de abortamento acidental.
O abortamento provocado subdivide-se (conforme acima relatado) em legal e criminoso. Por legal en-
tende-se aquele que está de acordo com a Lei. Está bem definido no artigo 128 do Código Penal que diz: "Não
se pune aborto praticado por médico: I. se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário);
e II. se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido do consentimento da gestante, ou quando incapaz,
de seu representante legal (aborto sentimental)". Em relação ao necessário (para salvar a vida da gestante),
antigamente muitas eram as alterações clínicas que justificavam a interrupção da gestação, por exemplo, car-
diopatias, tuberculose, diabetes, hipertensão etc. Hoje, com os avanços da Obstetrícia, tais alterações não mais
justificam o abortamento. Já o sangramento continuado, como às vezes ocorre na ameaça de abortamento, a
nosso ver, é uma das poucas justificativas médicas para se interromper uma gestação. Excluídas estas duas
situações, toda e qualquer interrupção da gravidez é, segundo a nossa lei, um aborto criminoso. Assim, temos

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como exemplos de abortamento criminoso, o abortamento para preservar a honra (fruto de uma gestação inde-
sejável); o abortamento "social" (usado como meio de controle de natalidade); o abortamento eugênico
(quando o feto apresenta algum defeito genético ou congênito) etc.
Os meios de provocar um aborto podem ser classificados em meios indiretos (causam contrações uteri-
nas; por exemplo: a pílula abortiva dos franceses e o cytotec, tão usado em nosso meio); e meios diretos (a
curetagem, as lesões uterinas etc.). O abortamento pode ser provocado pela própria gestante, bem como por
terceiros. Repetindo, em todos os casos, com exceção dos referidos no artigo 128, trata-se de abortamento
criminoso.
Perícia - em se tratando de abortamento, bem como de infanticídio, a perícia é feita tanto no feto como
na mãe. Nesta, para se determinar se estava grávida e se esta gravidez foi interrompida recentemente (por
abortamento ou por parto, no caso de infanticídio). Vamos encontrar nela os sinais de parto recente. Importante
enfatizar que quanto mais precoce a interrupção da gravidez, mais difícil de se provar que a mulher estava
grávida. Com relação ao feto, pelas suas características (tamanho, peso etc.) o perito poderá determinar de
quantos meses a mulher estava gestante. Por exemplo, um feto de três meses pesa de 20 a 50 gramas e mede
em torno de 10 em; aos seis meses, mede em torno de 30 em e pesa aproximadamente 600 gramas; e aos oito
meses, mede em torno de 40 cm e pesa aproximadamente 1.500 gramas (Maranhão, 1989, p. 193-194).
6.8.2 Infanticídio
O infanticídio, como define o artigo 124 do CP, é a morte do feto, causada pela mãe, durante ou logo
após o parto, estando ela sob o efeito do estado puerperal. Equipara-se ao infanticídio, o abandono do recém-
nascido para ocultar desonra própria (art. 134 do CP), se, em consequência do abandono, o infante morra.
Vamos analisar mais profundamente o artigo 124.
Os elementos a serem analisados no crime são: a vítima (o recém-nascido); o agente do crime (a própria
mãe); o tempo da ação (durante ou logo após o parto); e o estado puerperal. A existência desse ‘estado’ como
gerador de alteração no psiquismo da parturiente, a ponto de levá-la a matar o seu próprio filho, tem levantado
muitas discussões. Em primeiro lugar, toda mulher que dá a luz se encontra nesse ‘estado’. Em segundo lugar,
não se incluem nesse ‘estado’ nem a mulher alienada (ou seja, a psicótica), nem a psicopata. Ambas estão
amparadas pelo artigo 26 do Código Penal. Outro fato a ser relevado é que não se tem notícia de mulheres que
tiveram partos resultantes de gravidezes planejadas (e desejadas), mas somente em casos de gravidezes inde-
sejadas (por que será?). Afinal o que é estado puerperal?
O estado puerperal é um estado fisiológico, presente em toda mulher que dá a luz. Não constitui aliena-
ção, embora a mulher possa ter uma psicose puerperal. Mas, nestes casos (como já afirmamos acima) ela estará
enquadrada no artigo 26 do CP, que fala de doença mental. Como poderia um estado ‘fisiológico’, que geral-
mente desperta na mulher (assim como em outras espécies de animais mamíferos) instintos protetores em
relação à sua cria, levar a mulher a executar o próprio filho?
Segundo Gomes (1989, p. 371), o que acontece é que a mulher mata não por causa do "estado puerperal",
mas por uma série de fatores, que começa pela gravidez indesejada, somando-se a ela o abandono por parte do
amante, a rejeição da família etc. Costumamos dizer, em nossas aulas, que o infanticídio é o abortamento
fracassado ou não conseguido (por falta de recursos). Desse modo, a mulher - que teve a sua vida totalmente
modificada em função de uma gravidez, fruto de uma entrega "em nome do amor" e que culminou com o
abandono - fica revoltada contra o sedutor que a colocou naquela situação e, no momento do parto, com toda
a revolta em sua mente, somam-se as dores do parto (o "estado puerperal"), que a deixam ainda mais revoltada.
Neste momento, muito difícil para qualquer ser humano, a sua revolta é dirigida para a criança (fruto da sua
entrega) e mata-a com requintes de crueldade (numa espécie de vingança).
• Perícia no infanticídio - como no abortamento, a perícia é feita na mulher suspeita e no infante. Na
mulher, vamos procurar os sinais de parto recente; e no infante vamos determinar se ele estava morto quando
iniciou o parto (descaracterizando assim o infanticídio e caracterizando o abortamento); se ele estava vivo e
teve morte violenta durante o parto ou logo após. Devemos ter em mente que o feto pode morrer, como ocorre
nas próprias maternidades, durante ou logo após o parto de causa natural. Para que seja infanticídio é preciso
que a morte tenha sido violenta (homicídio) e que a autora seja a própria mãe.
• Sinais de morte violenta durante o parto - um sinal de que o feto tinha vida durante o parto é a formação
da bossa sangüínea (ou tumor do parto) que se forma na cabeça do recém-nascido, devido ao traumatismo
desta contra o canal do parto, provocado pelas contrações uterinas. Outro sinal importante é reação vital (sinais
de inflamação) nas lesões por ele sofridas durante a expulsão. Por exemplo, se o feto já estava morto, mesmo

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que a intenção da mãe fosse matá-lo durante o parto, não se encontrará o tumor do parto, nem a reação vital
nas lesões que ele tenha sofrido.
Sinais de morte logo após o parto - se o feto nasceu com vida e foi assassinado logo após o parto, ele irá
apresentar, além do tumor do parto e da reação vital das lesões, sinais de que respirou. Para se provar a respi-
ração pós-parto (sinal de vida fora do útero), lança-se mão das docimasias respiratórias, que tem por finalidade
determinar se aquele infante respirou ou não. Dentre estas citamos a radiológica (que nada mais é do que o RX
do tórax do feto); a visual (inspeção do aspecto dos pulmões, durante a necrópsia do feto); e a hidrostática de
Galeno, que consiste em se mergulhar num recipiente com água inicialmente os dois pulmões, com os brôn-
quios e traquéia (primeiro tempo); a seguir os pulmões separados (segundo tempo); depois fragmentos dos
pulmões (terceiro tempo). A prova é positiva se houver flutuação, sinal de que entrou ar no referido órgão.

7. PSICOPATOLOGIA FORENSE
Começamos este capítulo com um questionamento: Qual a importância do estudo da Psicologia na for-
mação do estudante de Direito? A considerar pela grade curricular, este conhecimento parece não ter muita
importância. Por que será?
Evidentemente que não temos a pretensão de, em apenas um semestre, preencher esta lacuna. Mas os
nossos alunos, após estas aulas, passarão a se conhecer um pouco mais. A compreender porque o ser humano
(dito ‘racional’) tem tanta tendência para as atividades criminosas, como veremos no capítulo sobre ‘Crimino-
gênese’. E uma das ‘descobertas’ que mais os chocam é a evidência de que não somos tão ‘racionais’ como
acreditávamos que fôssemos. A racionalidade no ser humano é uma potencialidade. Nós somos potencialmente
racionais. A nossa conduta, no dia a dia, é determinada muito mais pelos nossos sentimentos e emoções do
que pela nossa ‘razão’. E não raro confundimos ‘racionalização’ dos nossos atos ‘emocionais’ (para não dizer
‘irracionais’) com ‘atitudes racionais’. Por enquanto deixemos de lado essas divagações e passemos aos con-
ceitos.
Psicologia, do ponto de vista da etimologia, é o estudo da alma, da mente sã, do psiquismo normal. Nós
preferimos a conceituação segundo a qual Psicologia é o estudo do comportamento humano normal, enquanto
Psicopatologia é o estudo do comportamento anormal, incluído aí o estudo das doenças mentais, que é o obje-
tivo específico da Psiquiatria, como especialidade médica. O conceito de normalidade, em se tratando de com-
portamento, é muito mais estatístico do que médico. Normal em estatística é o que prevalece e não o que é
mais certo, mais correto. Assim, se numa comunidade a maioria for insensível e embrutecida, o normal é ser
assim. Agora que definimos a Psicopatologia, passemos à definição de Psicopatologia Forense.
A Psicopatologia Forense é a parte da Medicina Legal que estuda os fatores psíquicos (doenças mentais,
oligofrenias, neuroses e psicopatias), que possam vir a alterar o comportamento do indivíduo, perturbando a
sua capacidade civil ou comprometendo a sua responsabilidade penal. Divide-se a Psicopatologia Forense
(Gomes, 1989, p. 83): Psicologia Forense (estuda a Psicologia da Testemunha e da Confissão); e Psicopatolo-
gia Forense propriamente dita (estuda os referidos fatores, que podem alterar a capacidade civil e a responsa-
bilidade penal). Aqui entra a perícia psiquiátrica. Segundo Palomba, “Em juspsiquiatria a perícia é sempre um
juízo psicológico e lógico que o médico faz sobre determinado indivíduo, em face de determinada circunstân-
cia” (PALOMBA, 1992, P. 2).
A perícia psiquiátrica deve ser realizada preferencialmente por psiquiatras forenses, uma subespeciali-
dade da psiquiatria. Ela pode ser solicitada tanto no Direito Civil, por exemplo, na determinação da interdição
em função de alguma doença mental; quanto no Penal. Neste foro estará indicada, conforme o art. 149 do
Código de Processo Penal25, sempre que “houver dúvida sobre a integridade mental do acusado”. Os quesitos
serão formulados pela autoridade solicitante. Em regra, são dois:

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Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento
do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este
submetido a exame médico-legal.
§ 1o O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante representação da autoridade policial ao juiz
competente.
§ 2o O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando suspenso o processo, se já iniciada a
ação penal, salvo quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento.
Art. 150. Para o efeito do exame, o acusado, se estiver preso, será internado em manicômio judiciário, onde houver,
ou, se estiver solto, e o requererem os peritos, em estabelecimento adequado que o juiz designar.

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1. Se o examinado tem alguma doença mental, ou perturbação da saúde mental, ou desenvolvimento
mental retardado.
2. Se (caso fique comprovado a existência de qualquer uma das alterações acima) essa doença mental
(ou a perturbação da saúde mental, ou o desenvolvimento mental retardado) interfere na capacidade de enten-
dimento do caráter delituoso do ato; ou na capacidade de determinar-se de acordo com este entendimento.
Acreditamos que uma questão de fundamental importância é a determinação do grau de periculosidade
dessa pessoa para o convívio social, especialmente dos psicopatas, que são considerados semi-irresponsáveis.
Pois é com base na determinação da periculosidade para o convívio social é que o juiz aplicará a medida de
segurança. Esta se aplica tanto aos inimputáveis (irresponsáveis penalmente), quanto aos semi-imputáveis. Ver
Código Penal, Título VI (Das Medidas de Segurança):
Art. 96. As medidas de segurança são: I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta,
em outro estabelecimento adequado; II - sujeição a tratamento ambulatorial. Parágrafo único - Extinta a punibili-
dade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta.
Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto
como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.
§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for
averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3
(três) anos.
§ 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou
a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.
§ 3º - A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se
o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade.
§ 4º - Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa
providência for necessária para fins curativos.
Art. 98 - Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial trata-
mento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial,
pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.
A perícia psiquiátrica se alicerça em dois pilares: corte transversal (exame mental) e corte longitudinal
(história de vida). O ‘corte longitudinal’ consiste no levantamento de toda a vida pregressa do examinado,
desde a sua infância até a consumação do ato delituoso. Esse corte é também chamado de ‘curva vital’. Neste
levantamento, Segundo Palomba,
É necessário perquirir as condições de gestação, parto, desenvolvimento neuropsicomotor; se é dado a roer
unhas; se apresenta enurese noturna, medos acentuados, sonhos repetitivos, doenças da infância, trauma-
tismos encefálicos, ataques, desmaios; se sofreu internações frenocomiais; tratamentos psiquiátricos; se
possui escolarização, profissionalização, desenvolvimento sexual; [...]. (PALOMBA, 1992, p. 11)
Importa também ter um relato do seu comportamento após a prática do crime. A história de vida é
fundamental para se determinar o grau de adaptabilidade do examinado à convivência social. O ‘corte trans-
versal’ é o exame mental. O estado atual do examinado. À Lei importa saber o estado mental do criminoso no
momento do delito, conforme a redação do artigo 26 do Código Penal.
Como se faz um ‘exame mental’? Teoricamente, o exame mental seria a avaliação das funções mentais.
Na prática, isso é feito durante uma entrevista. Enquanto a entrevista prossegue, o psiquiatra observa se o
doente apresenta algum distúrbio de alguma função mental. As funções mentais (ou funções cerebrais) são:
Consciência (do eu e dos objetos); Percepção; Atenção (ativa e passiva); Orientação (auto e alopsíquica); Me-
mória (fixação e evocação); Pensamento (pensar e ter pensamentos); Inteligência (QI e QE); Afetividade (hu-
mor básico, emoções e paixões). Importante enfatizar que as doenças mentais, bem como as perturbações da
saúde mental e o desenvolvimento mental retardado manifestam-se através de distúrbios das funções mentais.
7.1 Funções Mentais

§ 1o O exame não durará mais de quarenta e cinco dias, salvo se os peritos demonstrarem a necessidade de maior
prazo.
§ 2o Se não houver prejuízo para a marcha do processo, o juiz poderá autorizar sejam os autos entregues aos peritos,
para facilitar o exame.
Art. 151. Se os peritos concluírem que o acusado era, ao tempo da infração, irresponsável nos termos do art. 22 do
Código Penal, o processo prosseguirá, com a presença do curador.

59
Sabemos que o nosso comportamento, seja normal ou anormal, é determinado pelo nosso estado mental,
ou seja, as nossas representações (os nossos pensamentos e a nossa imaginação). Vamos deixar de lado a
discussão filosófica entre os que advogam o dualismo mente-corpo e os que defendem a idéia de que a mente
inexiste como entidade, é apenas uma das funções do cérebro como órgão. Para estes, as perturbações da mente
nada mais são do que alterações na bioquímica cerebral. Passemos, pois, ao estudo das funções mentais. Este
estudo facilita, e muito, a compreensão das alterações do comportamento, seja por doença mental, seja por
desvio da personalidade, uma vez que estas alterações estão indexadas às perturbações de determinada função
mental, como veremos. Estudaremos cada uma delas em separado apenas por questões didáticas. O cérebro
(ou a ‘mente’) funciona como um todo. Dessa maneira, ao se perturbar uma função, podem se perturbar as
outras. Estas funções são as seguintes: consciência, percepção, atenção, orientação, memória, pensamento,
inteligência e afetividade.
7.1.1 Consciência
A consciência é a função mental segundo a qual temos consciência da nossa existência como algo dis-
tinto do mundo e, ao mesmo tempo, somos testemunhas desse mundo em nossa volta. Assim, temos dois
aspectos da nossa consciência: a consciência do eu (“eu existo”) e a consciência dos objetos (eu percebo o
mundo em minha volta e o identifico como algo distinto do meu eu). É pela consciência que distinguimos o
nosso mundo interno (self) e do mundo externo (não self). Esta consciência, do “estar consciente”, não deve
ser confundida com a "consciência moral" que determina o peso na "consciência". Temos, por conseguinte, a
consciência do eu e a dos objetos. Por consciência do eu entendemos a convicção, a crença de que cada um de
nós tem de ser nós próprios e não outrem. Na esquizofrenia, nos seus estágios iniciais, esta consciência subje-
tiva se altera e o doente se sente estranho a si mesmo. Ele já não sabe mais se ele é ele ou outra pessoa.
Por consciência dos objetos entendemos o fato de estarmos conscientes (percebendo) o mundo à nossa
volta. Esta percepção varia fisiologicamente e patologicamente. Fisiologicamente varia do estado de vigília ao
sono profundo, passando pelo estado de sonolência. Assim, teríamos a seguinte graduação: vigília, sonolência
e sono: superficial e profundo, sono REM, no qual ocorrem os sonhos, e não REM. E patologicamente pode
variar para mais e para menos, indo da hipervigilância ao estado de coma. Assim temos:
• Variações para mais - hipervigilância, estado de agudez da consciência em que percebemos os menores
estímulos. Está presente nos paranóicos, nos neuróticos e, igualmente, nas pessoas normais numa situação de
emergência.
• Variações para menos - ocorre a diminuição da percepção dos estímulos do ambiente em nossa volta
que vai desde a sonolência, mais ou menos profunda, com estreitamento, como ocorre nos estados crepuscu-
lares, ou sonolência com turvação da consciência (como ocorre nos estados confusionais) ao coma, superficial
ou profundo. A diferença entre a inibição da consciência fisiológica e a patológica é que, na primeira, a pessoa
pode ser despertada por um estímulo forte; enquanto, na segunda, como ocorre no coma profundo, não há
estímulo, por mais forte que seja, capaz de despertar a pessoa acometida por esta alteração.
7.1.2 Percepção
A percepção é a função psíquica pela qual tomamos consciência de uma sensação. Mas o que é uma
sensação? Sensação é qualquer estímulo que chega até o nosso cérebro. O nosso sistema nervoso, em geral, e
o cérebro, em particular, pode ser dividido em dois grandes compartimentos: o sensitivo, ou aferente, que capta
os estímulos tanto do meio ambiente externo quanto do meio interno; e o compartimento motor, ou eferente,
que determina a resposta ao estímulo que ocorre, por exemplo, no reflexo, quando estimulamos um tendão
com um martelo (de borracha) e a resposta é a contração dos músculos, fazendo contrair o membro.
O compartimento sensitivo subdivide-se, de acordo com o tipo de receptor, em exteroceptivo (capta os
estímulos do meio externo e inclui os nossos cinco sentidos - visão, audição, olfato, gustação e tato); intero-
ceptivo (capta os estímulos do nosso meio interno, estímulos estes que podem ser percebidos como dor, fome,
sede, sono etc.); e o proprioceptivo (fornece informações ao nosso cérebro sobre o estado de contração ou de
relaxamento dos nossos músculos, a nossa postura etc.). Estas sensações - exteroceptivas, interoceptivas e
proprioceptivas - estão constantemente chegando ao nosso cérebro, mas ocorre uma espécie de "filtragem” no
nível do tálamo, centro convergente de todas as sensações, de modo que apenas algumas chegam até nosso
córtex cerebral. E somente tomamos consciência de uma sensação quando ela chega até o córtex cerebral. Ou
seja, a nossa percepção do mundo é muito limitada pelo nosso sistema nervoso. Podemos afirmar que a per-
cepção nada mais é do que a tomada de consciência de uma sensação. Os distúrbios da percepção são:

60
• Ilusão - deformação de uma percepção, ou seja, nós vemos uma coisa real e interpretamos como outra
coisa. Por exemplo, vemos a sombra de uma árvore, numa noite de lua cheia, e acreditamos que estamos vendo
uma pessoa.
• Alucinação - nada mais é do que uma percepção sem objeto. Ou seja, a pessoa, alucinando, vê coisas,
ouve vozes, sente odores etc., que não existem na realidade e ninguém mais, além dela, consegue perceber.
Para compreendermos melhor a fisiopatologia de uma alucinação, temos que entender que vivemos literal-
mente em dois mundos: o mundo externo, da realidade objetiva e compartilhada com as outras pessoas; e o
mundo interno, das nossas representações mentais, as nossas lembranças, imaginações e pensamentos. Nós,
pessoas “normais”, temos o senso de realidade, ou seja, sabemos distinguir o que ocorreu no mundo externo
do que imaginamos no nosso mundo interno. Quando uma pessoa está psicótica ocorrem algumas alterações
na sua mente. Uma dessas alterações, que, a nosso ver, caracteriza uma psicose, é a perca do senso de realidade.
Isto é, a pessoa não sabe distinguir o que ela imaginou (“representou” na sua mente) do que ela percebeu no
mundo externo. E passa a interagir com essas “representações”. É isso que caracteriza uma alucinação. Temos
alucinações visuais, o doente vê coisas; auditivas, o doente ouve vozes; e cenestésicas, o doente sente coisas
estranhas. As alucinações estão presentes nas psicoses.
7.1.3 Atenção
A atenção é a função psíquica pela qual destacamos com vivo interesse uma percepção. Há duas moda-
lidades: a ativa (capacidade de concentração, depende da vontade); e a passiva ou reflexa (despertada pelos
estímulos do meio). Distúrbios da atenção:
Hipoprosexia quando a atenção está diminuída, como ocorre na depressão;
Hiperprosexia quando a atenção está aguçada, como ocorre nos paranóicos, e nos fóbicos;
Aprosexia quando a atenção está totalmente inativa, como ocorre na demência e na idiotia;
Disprosexia quando há diminuição da atenção ativa e exaltação da espontânea, como ocorre na mania.
7.1.4 Orientação
A orientação é a função mental pela qual temos consciência de quem somos (orientação autopsíquica);
onde e quando estamos (orientação alopsíquica ou tempo-espacial, ou seja, no tempo e no espaço). Nós, como
seres vivos, estamos condicionados a duas variáveis: tempo e espaço (espaço físico). Com relação ao tempo,
temos o tempo cronológico e o tempo vivencial. O tempo cronológico divide-se em passado, presente e futuro.
E o tempo vivencial? Com relação a este só temos o presente, o agora, ou seja, nós vivemos num eterno agora.
É impossível viver no passado, bem como no futuro. A propósito, uma das características da personalidade
neurótica é exatamente o indivíduo ficar constantemente remoendo coisas negativas do seu passado, não con-
seguindo, assim, viver o momento presente. Os distúrbios da orientação são as desorientações: em relação ao
tempo e ao espaço; bem como em relação a si próprio. Ou seja, desorientação alopsíquica e desorientação
autopsíquica. Nos estados confusionais, perturba-se inicialmente a orientação alopsíquica e, com o aprofunda-
mento, pode se comprometer também a autopsíquica.
7.1.5. Memória
A memória é a função psíquica pela qual gravamos e evocamos engramas (unidades da memória). Te-
mos, pois, a memória de fixação e a de evocação. Quando tomamos consciência de uma sensação (quando
percebemos algo) o nosso cérebro reserva um espaço para guardar esta informação que poderá ser relembrada
(evocada) mais tarde. Os distúrbios da memória podem ser qualitativos, as dismnésias; e quantitativos, a hi-
permnésia e a hipomnésia ou amnésia. Dentre os primeiros temos as ilusões e as alucinações da memória (os
fenômenos do “Já visto" e o do "jamais visto"). Dentre os quantitativos temos as amnésias de fixação, na qual
o doente não consegue gravar fatos novos, mas consegue relembrar fatos antigos; e a amnésia de evocação na
qual o doente não consegue recordar fatos antigos, embora consiga fixar e evocar fatos novos. As amnésias
podem ser parciais ou totais. A hipermnésia dispensa maiores comentários porque, a nosso ver, não se trata de
distúrbio, mas de um “dom”. Na demência a memória de fixação é a primeira a ser comprometida, razão pela
qual o ancião, não conseguindo lembrar da festa que ocorreu ontem, lembra-se, muito bem, da farra que ele
participou quando era jovem e diz: "bom mesmo era no meu tempo".
7.1.6 Pensamento
É difícil definir, de forma objetiva, o que é o pensamento. Mesmo porque, para elaborar tal definição,
nos utilizamos dele. O fato é que nós pensamos (melhor dizer ‘temos pensamentos’) o tempo todo. O pensa-
mento flui constantemente. E na maioria das vezes não somos nós que estamos pensando, nem mesmo tendo

61
pensamentos. São os pensamentos que nos tem. Ou seja, a maior parte da nossa atividade intelectiva é passiva.
E, num encadeamento interessantíssimo, os nossos pensamentos determinam os nossos sentimentos; e estes
determinam os nossos comportamentos.
Na falta de uma definição precisa, dada a subjetividade do assunto, vamos trabalhar como uma hipótese:
‘o pensamento é a apreensão da atividade psíquica’. Segundo a teoria psicanalítica, temos a atividade mental
consciente (captada pelo pensamento e acompanhada de emoção) e a atividade mental inconsciente (da qual
às vezes captamos apenas emoção, isto explica certas fobias, angústias e depressões que, subitamente, afloram
à nossa consciência). O nosso pensamento, como um córrego, flui constantemente. Este fluxo se manifesta
pelo encadeamento das idéias, que são as unidades básicas do pensamento. Podemos classificar o pensamento
em lógico, quando há coerência no encadeamento das idéias de forma que ele se torna compreensível para os
que compartilham do mesmo idioma; e ilógico, quando esse encadeamento é incompreensível. Contudo, lógica
diz respeito apenas a forma com a qual o pensamento se processa e não necessariamente com a sua veracidade.
Isto é, podemos encontrar um pensamento falso, mas que seja lógico, a isso denominamos ‘sofisma’. Pelo
pensamento se inicia a atividade psíquica superior, a inteligência, da qual falaremos mais tarde. Os distúrbios
do pensamento podem ser: formais, do conteúdo e do curso26.
• Formais: deficiência dos conceitos, como ocorre nos oligofrênicos; perda dos conceitos, como ocorre
na demência; desordem da intencionalidade, como ocorre na esquizofrenia; e perda da claridade ou pertinência,
como ocorre nos estados confusionais.
• Distúrbios do conteúdo: idéias prevalentes, idéias obsessivas, idéias delirantes etc. Estas últi-
mas levam ao pensar delirante, à base do delírio. Por delírio entendemos um distúrbio do pensamento
em que uma idéia fixa, em geral de caráter absurdo, se instala na mente do doente. O que caracteriza
o delírio é a convicção extraordinária e a certeza subjetiva que o delirante tem em relação a uma idéia
instalada em sua mente. Ou seja, essa idéia (a idéia delirante) adquire a força de uma crença que é
inabalável pela lógica dos fatos (e vejam que contra fatos não há argumentos). Assim, podemos defi-
nir o delírio como um distúrbio do pensamento que se caracteriza por idéias, em regra absurdas,
relacionadas com a própria pessoa; são idéias fixas alicerçadas por uma “certeza subjetiva e uma
convicção extraordinária (“crença”). O delirante tem plena convicção da “realidade” do seu delírio.
Quanto ao seu ‘tema’, o delírio pode ser: de perseguição, de grandeza, de ruína, delírio niilista etc.
• Distúrbios do curso do pensamento: pensamento inibido (ocorre nos depressivos); o pensamento ace-
lerado até com a chamada fuga de idéias (como ocorre nos maníacos), que pela sua rapidez se toma incompre-
ensível; o pensamento imposto, roubado, cindido ou frouxo que leva ao descarrilhamento do próprio pensa-
mento, estes últimos encontramos no pensar do esquizofrênico.
7.1.7 Inteligência27
A inteligência é a função psíquica que nos permite adquirir novos conhecimentos (inteligência teórica)
e adaptar-nos a situações novas (inteligência prática). Assim, temos dois aspectos da inteligência: a aquisição
de novos conhecimentos (nesta há uma grande participação da memória); e a capacidade de adaptação a situ-
ações novas. Atualmente tem-se falado muito no conceito de inteligência emocional (QE). A nosso ver, este
conceito se confunde com a já conhecida inteligência prática, isto é, a capacidade de adaptar-se às situações
novas, capacidade de responder aos desafios do dia-a-dia. Não raro pode haver dissociação e, assim, uma
pessoa que seja um gênio (QI elevado) pode estar inadaptada ao seu meio, não conseguindo enfrentar os seus
problemas de forma equilibrada, ou seja, tem baixo QE. A inteligência é a função psíquica que nos permite
desenvolver a atividade cognitiva, que nos distingue dos demais animais, ou seja, formar os conceitos, os juízos
e os raciocínios.
Diz-se que o homem é um animal “racional”, homo sapiens, por que pensa. Pensar por pensar não nos
torna “racionais”, nem mesmo sapiens (termo que se refere à sabedoria). Acreditamos que o pensamento é a
ferramenta da sapiência (ou seja, da inteligência), mas é preciso saber utilizar esta ferramenta. Isto é, não basta
pensar para ser racional, é preciso saber fazer uso desta habilidade. E nesse aspecto, a racionalidade no ser
humano é uma potência e não um ato. Ou seja, o homem é potencialmente racional. E a grande maioria nasce,
vive, e morre, sem desenvolver essa potencialidade. E isso explica tantas irracionalidades cometidas pela es-
pécie humana.

26
Madalena (1989), p. 67-68.
27
O conceito de inteligência como sendo unicamente a capacidade intelectiva tem sido alterado. Atualmente já se traba-
lha com a idéia das múltiplas inteligências

62
Conceito é a forma mais rudimentar da atividade intelectiva. Temos, por exemplo, conceito de casa, de
homem, de grande etc. A partir dos conceitos, formamos os juízos; estes nada mais são do que a relação entre
conceitos. Se juntarmos os três conceitos acima, podemos formar o seguinte juízo: a casa do homem é grande.
Da relação entre os juízos formamos o raciocínio, atividade intelectiva máxima. É por intermédio dos raciocí-
nios que podemos abstrair, filosofar, formar raciocínio sobre raciocínio.
A inteligência pode estar alterada para mais ou para menos. No primeiro caso, temos a genialidade; no
segundo, as oligofrenias. Os oligofrênicos podem ser classificados, de acordo com o QI (quociente de inteli-
gência) em: idiotas (QI de 0 a 30); imbecis (QI de 30 a 50); débil mental profundo (QI de 50 a 70); e débil
mental leve (QI de 70 a 90). De 90 a 110 considera-se a pessoa como normal. Acima de 110 está a genialidade.
Como é, então, feito o cálculo do QI? O cálculo é feito com a seguinte fórmula:
QI = I.M. (Idade mental) x 100
I.C. (Idade Cronológica)
A idade cronológica é a idade biológica (a que consta na Certidão de Nascimento). A idade mental é
avaliada por testes psicológicos. Estes são divididos em vários testes padronizados para cada idade cronoló-
gica. Por exemplo, para a idade mental de dois anos, espera-se que a criança resolva determinadas tarefas, caso
ela não consiga, a sua idade mental está abaixo de dois anos, caso resolva, submetem-na aos testes das idades
superiores três, quatro, cinco etc., até o seu limite, chegando assim à sua idade mental. Se esta coincidir com
a cronológica, dizemos que a criança é normal; se for superior, é um gênio; e se for inferior, trata-se de um
oligofrênico (podendo ser idiota, imbecil etc.). E a inteligência emocional?
A inteligência emocional pode ser definida como: habilidade de saber lidar com as emoções; habilidade
de adaptar-se a situações novas; habilidade para administrar as frustrações; etc. A inteligência racional é inata,
ou seja, já nascemos com ela. Por outro lado, acredita-se que a inteligência emocional é aprendida. Nós nas-
cemos com ela em potencialidade, e essa potencialidade poderá ou não se desenvolver. Evidentemente que
aqui não pretendemos esgotar este tão importante assunto, mas apenas dar uma breve noção. Recomendamos
o livro de Goleman (2001) aos que quiserem se aprofundar no assunto. Aqui sintetizamos alguns tópicos sobre
essa “habilidade”:
Ter consciência dos próprios sentimentos, as pessoas com baixo QE em regra reprimem seus sentimen-
tos;
Ter consideração para com os sentimentos dos outros, as pessoas com baixo QE em regra são egoístas;
Ter diálogo interno (a conversa que o tempo todo nós temos conosco) positivo, as pessoas de baixo QE
em regra vivem brigando consigo e se recriminando, culpando-se por algo do passado;
Perceber-se como um ser emocional que pensa e não um ser puramente racional. E assim administrar
(e não “reprimir”) as suas emoções de afeto-raiva, alegria-tristeza e medo, de uma forma que seja aceitável
socialmente.
7.1.8 Afetividade
A afetividade é a função mental que dá o colorido à nossa vida psíquica. Tem como substrato anatômico
o sistema límbico (que inclui o tálamo, amígdalas, hipotálamo, hipófise etc.). Graças a esta função é que nós
sentimos atração ou repulsa, simpatia ou antipatia, amor ou ódio, e experimentamos prazer ou desprazer (dor).
Divide-se a afetividade em três extratos: o humor básico, os sentimentos e as emoções e paixões.
• O humor básico é o pano de fundo da nossa vida afetiva. Não é por acaso que se diz que fulano está
de bom ou de mau-humor. Este humor básico é mais ou menos permanente. Assim, se estamos deprimidos e
alguém nos conta uma piada, podemos até dar uma risada, mas logo depois voltamos ao nosso estado anterior.
Por outro lado, se estamos com o humor exaltado e passamos num velório, sentimos naquele momento um
pesar típico, mas, ao nos afastarmos dali, voltamos ao nosso estado anterior, o de excitação. Ou seja, o humor
é a nossa disposição afetiva básica e é mais ou menos constante em cada um de nós. Há, evidentemente, aquelas
pessoas que tem humor flutuante, quer dizer, um dia estão de bom-humor e no dia seguinte estão de péssimo
humor, com a "cara amarrada". Conviver com uma pessoa destas deve ser difícil.
• Os sentimentos, como as emoções, são respostas a estímulos externos (por exemplo, a visão de uma
igreja desperta o sentimento religioso) ou internos (uma lembrança). Instalam-se sobre o humor básico e, ao
contrário destes, são passageiros e vão se alternando de acordo com os estímulos. Assim, temos o sentimento
de patriotismo, o de racismo etc. A vivência do sentimento determina uma alteração psíquica leve que pode
ser agradável ou desagradável (de acordo com o significado do estimulo em nossa memória).

63
• As emoções e paixões, como os sentimentos, são desencadeadas por estímulos (externos ou internos)
e também se instalam sobre o humor básico. A diferença é que, enquanto no sentimento há apenas uma leve
sensação psíquica de prazer ou desprazer, na emoção (assim como na paixão), a vivência é bem mais intensa,
é acompanhada de alterações físicas (mediadas pelo sistema nervoso autônomo e pelo sistema endocrinológico,
em especial o eixo hipotálamo/ hipófise/supra-renais); e, ainda, o que é mais importante, determina profundas
alterações no comportamento da pessoa que está sob seu domínio. Uma pessoa, sob forte emoção, tem alterado
o seu ritmo cardíaco, a sua pressão arterial, cora ou fica pálida, sua; seu estômago se contorce, seus músculos
tomam-se enrijecidos ou perdem completamente o tônus e, finalmente, a pessoa pode correr, agredir e até
desmaiar. E, como se não bastasse tudo isso, o pensamento, a memória, a percepção e até a capacidade de
raciocínio ficam comprometidos. Essa alteração das funções psíquicas, mediadas por forte emoção, chama-se,
em Psiquiatria, catatimia. Haja vista a emoção/ paixão (que muitos chamam de amor) que deixa a pessoa, sob
o seu domínio, mais boba que uma toupeira. Como costumamos dizer em nossas aulas, o homem, quando está
apaixonado, comete, em nome do amor, as piores sandices: mata, se mata ou se casa...
7.2 Crimes Emocionais e Passionais
Torna-se oportuno, aqui, falar dos chamados crimes emocionais (motivados por forte emoção) e os cha-
mados passionais (motivados por uma paixão). Qual é a diferença? Primeiro precisamos distinguir uma emo-
ção de uma paixão. Ambas são respostas do nosso organismo, como um todo, a um estímulo. Essas respostas
podem ser agradáveis ou desagradáveis. O que diferencia uma da outra é que na emoção a reação é passageira;
enquanto que, na paixão, a resposta (ou seja, a alteração causada pelo estímulo) é duradoura, persiste por dias,
meses, ou mesmo anos. Assim, por exemplo, duas pessoas se desentendem, discutem e ficam bastante irritadas
(emocionadas), podendo chegar às vias de fato, ou mesmo à agressão, com conseqüências graves, como o
homicídio. Mas, passados alguns minutos ou horas, depois que o "sangue esfria", cessa por completo a reação
e a pessoa geralmente se arrepende desse comportamento irracional. Trata-se, nesse caso, de uma emoção.
Todavia se, no mesmo caso, um dos envolvidos ou mesmo os dois, a reação persiste e a pessoa só de pensar
no fato se enraivece novamente; estaremos diante de uma paixão. Ou seja, é passional toda pessoa rancorosa,
que ainda não aprendeu a perdoar.
Podemos afirmar que o que caracteriza o crime emocional é ser praticado imediatamente ao estímulo
que o motivou, ou seja, a forte emoção; enquanto que, no crime passional, a concretização pode se dá no
momento do desencadeamento da reação, ou mesmo muito tempo após. Ou seja, o crime emocional somente
ocorre na hora da emoção; enquanto que o crime passional pode ocorrer imediatamente (logo após o estímulo)
ou mesmo decorrido algum tempo, dias meses ou anos. Um exemplo característico de crime passional é o
crime de vingança. Amiúde sucedem estes crimes (genericamente chamamos de passionais, embora num sen-
tido mais restrito haja distinção, como vimos, entre o 'emocional' e o 'passional'), envolvendo parceiros de uma
relação 'amorosa', seja marido/mulher, namorado/namorada, sejam amantes; e até mesmo o admirador desco-
nhecido mata, 'por amor', a musa objeto de sua idolatria. O ser humano, apesar de se denominara animal raci-
onal, comete, em nome do “amor”, as piores sandices. Em nossas aulas costumamos alertar nossos discípulos
para saírem, o quanto antes, de uma relação quando o outro parceiro(a) diz: "Você é o ar que eu respiro". Esta
declaração, a nosso ver, é uma parvoíce, pelo menos se considerarmos o homem como um ser racional. E a
pessoa que a faz é capaz de qualquer coisa (até matar e se matar) para não ficar sem o "ar que ela respira". A
idolatria é uma coisa incompatível com a pretensa racionalidade humana.
7.3 Psicologia da Testemunha e da Confissão
7.3.1 Testemunha
A testemunha, assim define o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, é a pessoa que viu ou ouviu
alguma coisa e é chamada a depor sobre o que viu e ouviu. Dizem que ela é a rainha e a prostituta das provas.
Para Gomes (1989, p. 248) trata-se de uma prova falível. Por que falível? Por se fundamentar na memória que,
como sabemos, é falível por natureza.
O testemunho se forma a partir do estímulo (sensação, visual ou auditiva) que chega até o cérebro. Este,
conforme vimos, pode ou não ter consciência dos estímulos que constantemente estão chegando. Vemos, por-
tanto, que, na formação da prova testemunhal, entram em cena as seguintes funções mentais: consciência (é
preciso estar consciente para podermos perceber algo); atenção (é preciso estar atentos para perceberemos o
fato); percepção (esta depende da atenção e da consciência); e, principalmente, memória. Pelo exposto, pode-
mos concluir que qualquer distúrbio, em uma destas funções pode interferir na formação da prova testemunhal.
Desse modo, se estivermos sonolentos, exaustos, com a atenção dispersa, ou ainda com problema de memori-
zação, fica comprometido o nosso testemunho. Como se não bastasse tudo isso, ainda temos o fator emocional,

64
manifestado em qualquer pessoa normal que presencia um delito, que pode desencadear o fenômeno da cata-
timia, ou seja, a perturbação de todas as funções psíquicas. Tudo isso contribui para deformar a prova teste-
munhal ainda na sua formação.
Outros fatores interferem na elaboração do testemunho, podendo mesmo vir a deformá-lo. Temos, entre
outros, os fatores culturais: o preconceito religioso; a influência da imprensa, que pode levar uma pessoa a
falsear o seu testemunho, para não entrar em contradição com a versão publicada nos jornais etc. Com tudo
isto a testemunha ainda é obrigada, por força da lei, a falar a verdade, sob pena de ser enquadrada no art. 342
do Código Penal (“Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade. Detenção de 3 meses até 2 anos"). E
esta obrigatoriedade acaba levando muitas pessoas a serem as chamadas falsas testemunhas de ‘boa fé’. Ou
seja, elas mentem porque não conseguem se lembrar da versão real e, sob a ameaça do interrogante de que
podem vir a ser enquadradas na Lei, acabam por inventarem uma história para se verem livres da ‘tortura
psicológica’. Existem, por outro lado, as falsas testemunhas de ‘má fé’, que são as chamadas testemunhas
compradas; dispensam maiores comentários e são, sem dúvida, abomináveis.
Existem diversos trabalhos de psicologia experimental mostrando a falibilidade da prova testemunhal
(Almeida Júnior; Costa Júnior, 1978, Camargo Júnior, 1987; Gomes, 1989). O nosso objetivo, nesta obra, é
chamar a atenção do aluno para um fato muito importante: é preciso muito cuidado na tomada do depoimento,
caso contrário o próprio interrogante, pelas pressões e ameaças, deixará o interrogado tenso, com medo, e sob
o efeito da forte emoção; podendo assim perturbar o seu raciocínio e a sua memória. Nessa situação desespe-
radora não lhe restará nenhuma opção a não ser criar uma versão para se ver livre da, repetimos, ‘tortura
psicológica’.
Segundo Carnegie, “Quando tratarmos com as pessoas, lembremo-nos sempre de que não estamos tra-
tando com criaturas de lógica. Estamos tratando com criaturas emotivas, [...]” (CARNEGIE, 1995, p. 54). Ou
seja, devemos ter sempre em mente, que estamos diante de ser emocional e não de um ser ‘racional’. E, por
ser emocional, está sujeito, pois, a ter toda a sua capacidade mental (incluída a memória) perturbada pelas
emoções. Esse fenômeno é denominado, em psiquiatria, de catatimia.
Segundo Gomes, “todo mundo que fosse atual como interrogante (juiz, delegado etc.) deveria ter, além
dos conhecimentos forenses, um profundo conhecimento da psicologia humana" (GOMES, 1989, p. 245).
7.3.2 A confissão
Enquanto a testemunha é obrigada, por força da lei, a falar a verdade e só a verdade, há um princípio no
Direito, segundo o qual ninguém é obrigado a depor contra si. Este princípio, originário do Direito Romano,
foi, conforme Almeida Jr. e Costa Jr. (1978, p. 532), adotado por praticamente todas as legislações. De modo
que se toma necessário utilizar-se de certos meios para se obter a confissão do acusado. Dentre estes, citamos:
coercitivos, astuciosos, químicos e os chamados ‘científicos’ (os ‘detectores’ de mentiras).
Os coercitivos consistem em submeter o acusado às torturas. Há poucas décadas tivemos no Brasil uma
ditadura. Nesta, como acontece em todas as ditaduras, se usou e abusou da tortura como meio de se obter
confissão. A tortura é abominada por violar os Direitos Humanos. Já no século XVIII, Beccaria, no seu clás-
sico: “Dos delitos e das penas”, a condenava tanto por ser uma barbárie, quanto (e principalmente) por fazer
um inocente assumir um crime que não cometeu28.
os coercitivos (a velha e conhecida tortura); os astuciosos (quando ‘se joga verde para colher maduro’);
os químicos (conhecidos como ‘soros da verdade’); e os chamados científicos (os ‘detectores de mentiras’ que,
na verdade, não detectam mentira, mas emoção). Uma pessoa muito nervosa pode estar falando a verdade e
estar emocionada; enquanto um psicopata insensível pode mentir com uma frieza que nenhum detector de
mentira acusará nada. Os coercitivos violam os Direitos Humanos, além de levarem um inocente a assumir a
culpa para livrar-se da tortura; os químicos violam o direito que a pessoa tem de se proteger. Do ponto de vista
da Medicina Legal, apenas os astuciosos são aceitos como válidos.
Assim como as falsas testemunhas, existem, também, as falsas confissões. Estas podem ser por motivos
altruísticos (o pai que assume a culpa do filho); ou egoísticos (o assassino que assume a culpa de um roubo,
ocorrido na ocasião do crime, como álibi).
7.3.3 Acareação

28
“O inocente exclamará, então, que é culpado, para fazer cessar torturas que já não pode suportar; e o mesmo meio
empregado para distinguir o inocente do criminoso fará desaparecer toda diferença entre ambos” (BECCARIA, 1959, p.
68).

65
A acareação é o confronto de duas pessoas cujos depoimentos foram contraditórios. Espera-se que a
partir do confronto a verdade apareça. Será isto verdadeiro? No nosso entender, ela tem o mesmo sustentáculo
do detector de mentiras, ou seja, um sujeito neurótico, inseguro, por mais que esteja falando a verdade, ficará
muito nervoso; enquanto um psicopata insensível, um mitomaníaco (sujeito que de tanto viver mentindo acaba
acreditando nas suas mentiras) afirmará a sua mentira com calma e tranqüilidade. Portanto, aconselhamos
tomar as acareações com certo cuidado.
7.4 Criminogênese
Antes de entrarmos na questão da responsabilidade penal, vamos divagar um pouco sobre uma questão
crucial para toda a humanidade: por que o homem, dito ser racional, tem tanta tendência para o crime? Por
que, de todos os animais, por incrível que possa parecer, ele é o mais vil, o mais criminoso de fato?
Para respondermos a estas interrogações, precisamos conhecer o que é a natureza humana, como se
forma a personalidade e, principalmente, precisamos ver não somente o homem dito marginal, criminoso,
meliante, mas também a nós todos como somos e não como achamos que somos, ou nos imaginamos ser. O
"Conhece-te a ti mesmo" de Sócrates nunca esteve (aliás, nunca deixou de estar) tão presente. Acreditamos
que o autoconhecimento é fundamental para nos entendermos e, evidentemente, entender o próximo, pouco
importando se ele é uma ‘Madre Teresa de Calcutá’ ou um ‘Hitler’, afinal todos têm algo em comum, todos
são seres humanos.
Um grande avanço na compreensão psíquica do homem, foi, na nossa avaliação, a obra do austríaco
Sigmund Freud, a tão conhecida e questionada Psicanálise. Passemos então a analisar o homem à luz do mo-
delo psicanalítico. Evidentemente que este não é o único modelo existente, mas vamos ficar com ele, porque,
além de ser de fácil compreensão, é muito mais fácil, ainda, como veremos adiante, de comprovar a sua vera-
cidade. Por outro lado, não é nosso objetivo aqui esgotar o assunto. Primeiro porque não somos formados em
psicanálise; segundo porque a Psicanálise é muito vasta e profunda, haja vista quão volumosa é a obra completa
de Freud. Assim, o que daremos aqui são apenas noções básicas, cujo objetivo é nos ajudar a compreender a
natureza humana e, principalmente, responder a indagação inicial (por que o ser humano tem tanta tendência
para o crime?) à luz da Psicanálise.
7.4.1 O modelo psicanalítico
Conforme este modelo, a nossa mente tem três compartimentos bem distintos que, às vezes, se misturam:
o Id, o Ego e o Superego. Mas, antes de entrarmos nestes três ‘eus’, vamos falar do inconsciente, um dos
conceitos fundamentais da psicanálise. Segundo Freud, “A divisão do psíquico em o que é consciente e o que
é inconsciente constitui a premissa fundamental da psicanálise, e somente ela torna possível a esta compreender
os processos patológicos da vida mental”. E para aqueles que acham absurda a idéia de uma mente inconsci-
ente. Isso, diz ele, “se deve apenas a nunca terem estudado os fenômenos pertinentes da hipnose e dos sonhos,
os quais - inteiramente à parte das manifestações patológicas - tornam necessária esta visão” (FREUD, 1923,
p. 8). A parte consciente é apenas a ponta do iceberg. A maior parte da nossa atividade mental permanece no
inconsciente, ou seja, fora do campo da consciência. Mas este inconsciente é dinâmico e interfere na nossa
conduta. E não conseguimos acessá-lo, pois o mesmo encontra-se reprimido. Há uma pequena parte dele que
podemos, com algum esforço, trazer ao campo da consciência, é o que ele chamou de ‘pré-consciente’. Assim
temos, segundo a Psicanálise, o consciente, o pré-consciente e o inconsciente.
A existência do inconsciente, parte reprimida da mente e fora do campo da consciência, pressupõe a
existência de uma parte ‘repressora’, representada pelo Superego, que busca obstruir qualquer tentativa de se
acessar ao conteúdo inconsciente. Segundo Freud, há processos mentais inconscientes muito poderosos “que
podem produzir na vida mental todos os efeitos que as idéias comuns produzem [...], embora eles próprios não
se tornem conscientes”. Isso ocorre porque “uma certa força [o Superego] se lhes opõe” (FREUD, 1923, p. 9).
A interpretação dos sonhos, assim como a livre associação de idéias (o fundamento do tratamento psicanalí-
tico), nos permite ter acesso ao conteúdo do inconsciente.
Outra evidência da realidade do inconsciente é a manifestação de sentimentos, que surgem em nossa
mente, sem as representações verbais correspondentes, uma vez que estas permanecem reprimidas no incons-
ciente. Por exemplo, quando nos sentimos angustiados, sem saber a origem deste sentimento. Retornemos
agora aos três compartimentos da mente.
Quando nascemos somos todo Id, não temos consciência do eu nem do não eu (esta consciência surgirá
com a formação do Ego). O Id persistirá na mente por toda a nossa existência. Ele é o responsável pela nossa
vida instintiva, é nele que se localizam os instintos e as pulsões que estão constantemente buscando gratifica-

66
ção, realização, na forma de desejo (desejo este que é sentido pelo Ego). Freud observou que as pulsões, pre-
sentes em todos nós, do prêmio Nobel da Paz ao pior terrorista e assassino que exista (ou já existiu), podem
ser separados em dois grupos: Eros e Tânatos.
No primeiro grupo, estão os instintos dirigidos para a preservação, para a construção, enfim, para a vida.
Fazem parte do Eros os instintos: gregário (busca de convivência em sociedade); o de autopreservação (inclu-
ído aí a luta pela sobrevivência, a procura incessante de garantia de comida, morada, conforto etc.); e o de
preservação da espécie (que se manifesta na exteriorização da libido, ou instinto sexual, que muita gente por
aí confunde com ‘amor’). Por outro lado, fazem parte do Tânatos (voltamos a insistir, presente em todos nós)
o desejo de castigar, de se vingar, de ‘dar o troco’, de fazer ‘justiça’, de matar, de se matar, enfim, de destruir.
É a agressividade, que faz parte da natureza humana.
O Id se manifesta em nossa vida pelo que Freud chamou de princípio do prazer/desprazer (ou pra-
zer/dor). Ou seja, tudo que nós fazemos ou deixamos de fazer, em toda a nossa vida, ou fazemos porque vai
nos proporcionar prazer, ou fazemos porque se não o fizermos iremos ter algum desprazer. Isso pode ser com-
provado por qualquer um que resolva se observar com a imparcialidade, tão recomendada por Krishnamurti
(1969), que implica em se observar sem se justificar e sem se condenar.
Segundo esse princípio, nós, seres humanos somos hedonistas por natureza. Mesmo quando estamos
lutando pelos mais elevados ideais, estamos sendo hedonistas (Será?). Por exemplo, se você deixa de estudar
para ir a um baile, é porque o prazer que você vai sentir no baile é mais forte do que a dor do sentimento de
culpa (do "eu devia estar estudando"); se você levanta cedo para assistir aulas é porque o desprazer de não
adquirir conhecimento para a sua formação é mais forte do que o prazer de ficar deitado até mais tarde. Ou
seja, nós estamos constantemente querendo nos dar bem, seja buscando o prazer, seja fugindo da dor. Isto nada
mais é do que o Id em ação.
Por volta dos dois primeiros anos de vida, à medida que a criança vai tomando consciência de sua exis-
tência como algo distinto do mundo externo (não self), vai se formando o Ego (self). Este é um ponto de
contato entre o mundo interno dela (onde se situa o seu Id) e o mundo externo. Segundo Freud, “as percepções
têm para o ego a mesma significação que os instintos têm para o id”. Porém, enfatiza ele, “o ego está sujeito
também à influência dos instintos, tal como o id, do qual, como sabemos, é somente uma parte especialmente
modificada” (FREUD, 1923, p. 23).
Assim, podemos deduzir que tanto o id, parte instintiva, quanto o ego, parte racional’ fazem parte da
natureza humana. Ou seja, nascemos Id. E, no processo de crescimento e desenvolvimento, parte desse Id se
torna o Ego. Para Freud, “O ego não se acha nitidamente separado do id; sua parte inferior funde-se com ele”.
Numa visão ‘dualista’, “O ego representa o que pode ser chamado de razão e senso comum, em contraste com
o id, que contém as paixões”. Freud usa a metáfora do cavaleiro e do cavalo, onde o cavalo seria o id e o
cavaleiro o ego. O ideal seria o cavaleiro dominar o cavalo. Mas, imaginemos um cavaleiro que não consiga
dominar o cavalo e acabe cavalgando por onde o cavalo queira ir, mas tente convencer a si mesmo (e aos
outros) de que é ele quem domina o cavalo, quando na verdade o cavalo é quem está no comando. É isso que
ocorre na maioria das pessoas. E assim, “o ego tem o hábito de transformar em ação a vontade do id, como se
fosse sua própria” (FREUD, 1923, p. 15).
Agora, com a formação do Ego, o Id já tem uma ponte para se comunicar com o mundo exterior e está
constantemente tentando se manifestar, isto se dá tanto na forma de desejos construtivos, como dormir, brincar,
fugir do frio e do calor etc.; como de desejos destrutivos, como agredir, quebrar, destruir etc. É por esta razão
que as crianças, nesta fase, não têm o menor receio de dizer que gostam, quando gostam, ou que não gostam,
quando não gostam. Elas não têm censura (esta surgirá mais tarde com a formação do Superego).
Quando a criança começa a por as "garrinhas" para fora, começa o processo de educação, afinal nenhum
pai ou mãe quer ter um filho mal-educado. Aqui começam os "não pode", "não faça" etc. Não pode isto, não
pode aquilo, mamãe não gosta, Deus castiga, e por aí afora. A criança vai absorvendo todas estas imposições,
normas, crenças e restrições. Tudo isso, uma vez absorvido, passa a fazer parte da mente da criança. Está
formando o Superego, a censura, ou seja, os "freios morais", que são fundamentais para a convivência social.
É o superego que molda o ‘ego ideal’, uma espécie de modelo a ser buscado. O problema surge quando, como
ocorre no neurótico, nos identificamos com esse ‘Ego ideal’. Para Freud,
O superego, contudo, não é simplesmente um resíduo das primitivas escolhas objetais do id; ele também
representa uma formação reativa enérgica contra essas escolhas. A sua relação com o ego não se exaure
com o preceito: ‘Você deveria ser assim (como o seu pai)’. Ela também compreende a proibição: ‘Você
não pode ser assim (como o seu pai), isto é, você não pode fazer tudo o que ele faz; certas coisas são
prerrogativas dele (FREUD, 1923, p. 20).

67
Podemos deduzir que todos os seres humanos que convivem com outros seres humanos, desde a infân-
cia, têm Superego. O que varia é o seu conteúdo, determinado pelas crenças, valores, enfim pela cultura de
cada grupo social. O superego pode também ser descrito como o ‘eu social’ que se opõe ao ‘eu’ de natureza
animal (o id). E no meio desse embate dialético está o ‘eu racional’ (o ego).
Agora somos três ‘eus’: O Id, o Ego e o Superego. O Id é hedonista por natureza, manifesta-se pelo
princípio da busca do prazer e da fuga da dor, ele é a sede dos instintos tantos eróticos (construtivos) como
tanáticos (destrutivos); o Ego é a única parte racional, é a consciência do eu, a parte que nos coloca em contato
com a realidade externa e com o nosso mundo interno, onde estão, em constante conflito, o eu animal (irraci-
onal) e o eu social; já o Superego é o eu social, que é introjetado do meio onde se vive. Nele estão os valores
sociais, as proibições, os tabus etc.
Surge, então, um grande dilema na mente da criança, de um lado está o Id forçando a exteriorização de
suas pulsões, na eterna busca do prazer e fuga da dor, e do outro lado está o Superego, com todas as suas
imposições. Em meio a este conflito está o pequenino Ego infantil, frágil como um animalzinho que acabou
de nascer. Surgem aí os primeiros conflitos: devo dar vazão ao Id para sentir prazer (ou fugir do desprazer) ou
devo obedecer à norma para agradar aos meus pais? A base das neuroses está na solução inadequada destes
dilemas surgidos na infância, mas que a pessoa, no caso o neurótico, carrega por toda a vida.
Para solucionar este conflito, o Ego lança mão dos chamados mecanismos de defesa. Os mecanismos de
defesa do Ego nada mais são do que os recursos usados para tentar solucionar o conflito. Vamos analisar alguns
deles.
Repressão
A repressão é o mais primitivo dos mecanismos de defesa. Nessa situação o Ego tenta afastar do campo
da consciência todo e qualquer desejo que possa entrar em conflito com o Superego, de modo que volte a reinar
a paz no Ego. Em determinadas ocasiões a repressão é tão eficaz que a pessoa vive como se não existisse
aquela pulsão. Segundo Anna Freud, quando a repressão é bem sucedida, o paciente não sente mais aquela
pulsão. E dela “nós só tomamos conhecimento [...] quando se torna evidente que está faltando alguma coisa”
(FREUD, 1986, p. 7). Isto explica a alta incidência de frigidez nas mulheres que procuram tratamento nos
consultórios dos ginecologistas e psiquiatras, elas tanto reprimiram o desejo sexual, para não "manchar" a
honra da família, que acabaram por adquirir uma "anestesia sexual". Não sentem absolutamente nada. Em
outras pessoas o instinto mais reprimido é o da agressividade que, conforme já afirmamos atrás, é inerente ao
ser humano. Estas pessoas tanto reprimem o seu lado agressivo, que se tomam incapazes de agredir alguém.
Porém, quando a repressão não é tão eficaz, não conseguem agredir, mas vivem numa constante tensão nervosa
(medo inconsciente de liberar a sua agressividade e ferir ou matar alguém, como algumas vezes ouvimos dizer:
"Fulano era tão pacífico e de repente perdeu a cabeça e cometeu uma besteira dessas"). A repressão é o primeiro
mecanismo de defesa utilizado e, quando ela é eficaz, reina a paz no Ego. Mas nem sempre ela é eficaz. Nesses
casos o Ego lança mão de outros mecanismos.
Formação reativa
Embora o desejo (proveniente do Eros ou do Tânatos) tenha sido afastado do campo da consciência pela
repressão, persiste certo incômodo e o Ego, temendo a exteriorização da referida pulsão, que causaria mais
conflito e, se viesse a se concretizar, traria o indesejável sentimento de culpa, lança mão da formação reativa;
isto é, passa a adotar um comportamento que é o oposto do desejo que deu início ao conflito. Por exemplo,
uma pessoa que tem dificuldades em anular a sua agressividade, passa a lutar publicamente pela paz (toma-se
um ‘agressivo’ seguidor do movimento pacifista) e, por incrível que pareça, a agressividade reprimida, que
deu início ao conflito, permanece no inconsciente; uma sexualidade não reprimida de maneira eficaz pode
tornar a pessoa extremamente moralista etc.

Projeção
O Ego projeta as suas pulsões nos outros e disto não tem consciência por causa da repressão. Por exem-
plo, uma pessoa que odeia a sua mãe passa a acreditar que é a mãe que não gosta dela; uma solteirona que não
consegue anular a sua sexualidade pela repressão, projeta-a nos homens e pode mesmo desenvolver um delírio
de perseguição (é como se ela dissesse: "não sou eu que sinto o desejo sexual, sãos os homens que se sentem
atraídos por mim, vivem me perseguindo").
Sublimação

68
Neste caso o Ego mantém a pulsão, mas muda o objeto de investimento. Por exemplo, parte da pulsão
sexual, no caso de um artista plástico, pode ser sublimada, investindo essa energia psíquica na produção de
sua obra. Outro exemplo clássico da sublimação é a utilização do ‘bode-expiatório’ para descarregar a agres-
sividade.
Identificação
Não podendo descarregar seus instintos agressivos, o indivíduo vai assistir a uma luta de boxe e se
identifica com o lutador que está levando a melhor, projetando no outro, é claro, o seu inimigo e, assim, fica
aliviado.
Racionalização
A pessoa não consegue reprimir a pulsão e, para evitar o conflito com o Superego, arranja uma explica-
ção racional para o seu comportamento. Por exemplo, um homem compra um carro novo e fica endividado;
para evitar o conflito, começa a por uma série de defeitos no seu carro velho ele não gastava muito combustível,
era desconfortável etc. A racionalização é um dos mecanismos mais usados e vamos encontrá-la, não raro,
fundamentando os sofismas.
Existem outros mecanismos de defesa do Ego. Eles têm como finalidade, como o próprio nome diz,
proteger o Ego dos conflitos entre o Id (instintivo por natureza) e o Superego (normas de convivência social e
tabus introjetados29). Assim, os mecanismos de defesa, quando bem aplicados, permitem que a pessoa dê vazão
aos seus instintos (eróticos e tanáticos) sem entrar em conflito; e a pessoa vive em harmonia com a sociedade
e em paz consigo mesmo. Porém nem sempre este equilíbrio é conseguido e, quando o ego não alcança um
meio termo, pode ocorrer a predominância do Superego ou a predominância do Id. Recapitulando, podemos
concluir que das negociações entre o Ego, o Id e o Superego podem resultar três situações: predomínio do Id;
predomínio do Superego; e predomínio do Ego. Nas duas últimas situações há adaptação social. Só que en-
quanto a adaptação pelo predomínio do Ego é uma adaptação pelo reconhecimento da sua natureza instintiva
como parte do eu30; a adaptação pelo predomínio do Superego é uma adaptação pela negação dessa natureza
instintiva. Negação esta que leva à tentativa de repressão e, quando ela não é eficaz, há liberação dos instintos
de forma que o indivíduo não tenha controle. E assim, a agressividade (uma vez negada e reprimida) quando
se libera se torna ‘violência’ contra os da própria espécie.
No caso de predomínio do Id, a pessoa não consegue refrear as suas pulsões, seus desejos, e estas se
manifestam gerando conflito com a sociedade. Haja vista as pessoas que habitualmente desrespeitam as nor-
mas, não respeitam sinais de trânsito, usam drogas ‘ilícitas, furam filas etc. Se predomina a agressividade, o
indivíduo pode tornar-se um criminoso (não consegue refrear o desejo de matar); se predomina o Eros, o indi-
víduo pode se tornar um viciado em sexo, um pervertido sexual.
No caso de predomínio do Superego, a pessoa não entra de imediato em conflito com a sociedade, mas
vive em constante tensão interna (manifestada na forma de ansiedade). E esse ‘equilíbrio’ entre as pulsões do
Id e as contra-pulsões do Superego é instável, tenso e sujeito a liberação da natureza instintiva de forma súbita
e descontrolada. Como ocorre nos crimes emocionais e passionais.
Concluindo, à luz do modelo psicanalítico, não podemos afirmar que a criminogênese do ser humano se
deva unicamente aos instintos tanáticos, presentes em todos nós, seres humanos; porquanto estes instintos estão
presentes também nos animais, tidos como irracionais, e nem assim encontramos, entre eles, a violência contra
os da própria espécie, como a encontramos na nossa sociedade. Assim, não se pode afirmar (como comumente
se afirma) que o homem é violento por causa da agressividade. Haja vista que a agressividade está presente
também nos outros animais e nem assim eles se tornam violentos como é o ser humano. Porquanto, nas outras
espécies animais a agressividade (assim como a sexualidade) flui naturalmente. Mas não se observa a violência
contra os da própria espécie, tal como ocorre na sociedade humana. (Por que será?).
Segundo Freud, ao não querer ser um ‘animal’, mas sim um ‘ser racional’, o homem se torna pior do
que os animais inferiores. É, evidentemente, um paradoxo. Um intrigante e misterioso paradoxo. O homem, o
mais evoluído dos animais, ao negar sua natureza animal (o seu id instintivo e hedonista) se torna o animal
mais pervertido e o mais violento que já passou pela face da Terra. O único animal que comete as barbáries e
os crimes mais hediondos contra os seus semelhantes, os da sua própria espécie. Como se explica isso? Freud
explica?

29
Introjeção é um mecanismo de defesa no qual a pessoa se apossa de algum valor do meio ambiente e passa a acreditar
que esse valor é seu. Uma espécie de ‘plágio’ psicológico.
30
Vejam a semelhança com o conceito de Inteligência Emocional (QE).

69
“Nós seríamos bem melhores se não quiséssemos ser tão bons” 31. Para entendermos essa complicada
dinâmica, à luz do modelo psicanalítico, retornemos ao modelo freudiano. Uma das maiores ilusões do ser
humano é acreditar que ele seja apenas o ‘Ego’, a parte ‘racional’, a única que pensa. É um equívoco. ‘Que o
orgulho do homem cesse, ele se julga racional, mas não é’. A racionalidade no ser humano é apenas uma
potencialidade, mas não um ato32. O homem é fundamentalmente ‘Id’. O Ego é apenas uma pequena parcela
deste id que evoluiu e se diferenciou, mas continua fazendo parte desse id, sendo bastante influenciado por ele.
Assim, temos inicialmente dois eus: o eu irracional, dominado pelas emoções (o Id), que é muito mais desen-
volvido; e o eu racional (o Ego), que ainda é uma estrutura rudimentar. E sendo rudimentar é facilmente do-
minado pelo Id. Com a convivência social adquirimos, por introjeção dos valores sociais, o Superego (o eu
social). Agora somos três eus: o irracional, movido pelos desejos e paixões, o racional (o único que pensa,
mas o menos desenvolvido) e o social (repressor e que tenta ‘socializar’ o eu animal); aqui começa a dialética
intrapsíquica, ou seja, o conflito emocional. Às pulsões hedonistas e egoístas do Id se opõe as pulsões ‘educa-
doras’ do Superego. E no meio deste conflito está o Ego, a única parte que pensa, mas também a mais rudi-
mentar. E assim, para não perder a aprovação do meio, o Ego se alia ao Superego e tenta reprimir o Id. Só que
o Id não está morto, é dinâmico e tenta, a qualquer custo dá vazão aos seus instintos. E às vezes, em determi-
nados momentos, quando a repressão afrouxa, o Id se libera de uma forma exagerada.
E assim, por não querer ser agressivo (afinal ele se julga ‘racional’, só porque pensa), o homem, num
primeiro momento, nega a sua agressividade; num segundo momento, quando sente pulsões agressivas, tenta
reprimi-las. Porém, a repressão, por mais intensa que seja, acaba falhando em um momento ou outro. Por outro
lado, a cada ação corresponde uma reação. E, num terceiro momento, a agressividade se libera. E essa liberação
ocorre de uma forma muito violenta. E dessa maneira, o ser humano, ao não querer ser ‘agressivo’ (negando e
reprimindo sua agressividade) torna-se mais violento do que os animais irracionais. Porquanto a sua agressi-
vidade se volta contra os da sua própria espécie. E como todos nós estamos sujeitos a esse processo de negação
e repressão da natureza irracional, todos nós somos potencialmente criminosos. Assim sendo (tudo isso é ape-
nas uma hipótese, fundamentada no modelo freudiano), como proceder para reduzir a criminalidade?
Em primeiro lugar temos que ter em mente, conforme já afirmamos acima, que o modelo freudiano é
apenas ‘um’ modelo (mas não o único). E como modelo psicológico ele nos aponta uma saída. Qual saída? A
de reconhecermos a nossa natureza inferior, como sendo parte de nós. E, ao mesmo tempo, reconhecermos
também que vivemos numa sociedade e que em toda sociedade tem regras de convivência. E assim buscar uma
forma de exteriorizar a nossa natureza inferior que seja aceitável socialmente. Por exemplo, liberando a agres-
sividade na prática de esportes; e liberando a sexualidade em formas aceitáveis socialmente (por exemplo, no
casamento). Tudo isso é possível com o fortalecimento do Ego, para que ele administre bem a oposição entre
o Id e o Superego, encontrando assim uma forma de dar vazão às pulsões instintivas sem entrar em conflito
com a sociedade. Aliás, é exatamente isto que se busca numa terapia, fortalecer o Ego.
Talvez muitos não concordem com as idéias de Freud. Mas, não se pode negar, ele foi um marco divisor
no campo do conhecimento da mente humana. Mais recentemente surgiu a teoria da Inteligência Emocional,
enunciada por Goleman (2001). Se analisarmos por certa ótica, percebemos que em Freud já se encontravam
os fundamentos dessa teoria revolucionária. Porquanto ser inteligente emocionalmente nada mais é do que
reconhecer que, embora tenhamos desenvolvido a capacidade de pensar e de abstrair, a nossa conduta é deter-
minada pelas nossas emoções. E assim, para termos equilíbrio emocional é de fundamental importância que
reconheçamos as nossas emoções. Por outro lado, temos que reconhecer que vivemos em sociedade. E, por
viver em sociedade, não podemos liberar todas as nossas pulsões deliberadamente. Mas, se a negarmos e a
reprimirmos estaremos nos prejudicando. Então, como proceder? Neste ponto, há um consenso entre Freud e
Goleman: temos que administrar os nossos instintos e procurar uma forma de extravasá-los que seja aceita
socialmente. E para alcançarmos este ponto é de fundamental importância que nos percebamos como seres
emocionais (que pensam), mas não como seres puramente ‘racionais’, como gostaríamos que fôssemos.
7.5 Responsabilidade Penal e Capacidade Civil
Von Litz (apud Paim, 1980, p. 509) nos dá a seguinte definição “capaz e responsável é todo homem
mentalmente são e mentalmente desenvolvido". A nossa legislação considera, como veremos, a incapacidade
total e a parcial. Nas nossas aulas, dado a limitação do tempo que dispomos para desenvolver todo o conteúdo,
damos prioridade ao foro penal. Sendo assim, vamos apenas tecer alguns comentários sobre a Capacidade
Civil.

31
Frase atribuída a Freud.
32
Utilizamos os termos potência e ato conforme a doutrina aristotélica.

70
7.5.1 Capacidade civil
Dizemos que alguém tem capacidade civil quando este alguém pode, de forma responsável, gerir a sua
pessoa e os seus bens. Segundo o Código Civil33, no seu artigo primeiro, "Toda pessoa é capaz de direitos e
deveres na ordem civil". Todavia considera-se, em determinados casos, a incapacidade civil absoluta e a inca-
pacidade civil relativa, como segue:
Artigo 3º. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I. Os menores de 16 (dezesseis) anos;
II. Os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática
desses atos;
III. Os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Artigo 4º. São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I. Os maiores de 16
(dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos; II. Os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por
deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III. os excepcionais, sem desenvolvimento mental com-
pleto; IV. Os pródigos;
Parágrafo único: A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.
Artigo 5º. A menoridade cessa aos 18 (dezoito) anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática
de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único: Cessará, para os menores, a incapacidade: I. Pela concessão dos pais, ou de um deles
na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença
do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver 16 (dezesseis) anos completos; II. Pelo casamento; III. Pelo exercício
de emprego público efetivo; IV. Pela colação de grau em curso de ensino superior; V. Pelo estabelecimento
civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16
(dezesseis) anos completos tenha economia própria.
Cabe ao perito, uma vez que seja solicitado pela justiça, determinar, conforme seja o caso: a idade do
examinado (ver "determinação pericial da idade); ou se o mesmo tem uma doença mental ou deficiência mental
que comprometa o seu discernimento; ou ainda se é dependente do álcool ou outra substância tóxica.
7.5.2 Responsabilidade penal
Vimos em criminogênese que todo ser humano pode, em determinada ocasião, agir mais por instinto,
mais pela emoção do que pela razão. Nestas ocasiões, pode cometer algum ato condenável pelo Superego, o
senso ético e moral (o que o leva ao arrependimento, ao sentimento de culpa); condenável pelas normas sociais
(as leis) o que o coloca no papel de transgressor, sujeito a uma punição. Todavia criou-se o conceito de res-
ponsabilidade, ou seja, a capacidade de ser imputável pelos seus atos criminosos. Assim temos os indivíduos
imputáveis, os semi-imputáveis e os inimputáveis.
Responsabilidade, assim define o Dicionário da Língua Portuguesa de Francisco da Silveira Bueno, é a
qualidade do que é responsável, ou seja, obrigação de responder pelos seus atos ou de outrem. O conceito
Médico Legal se enquadra nesta definição, isto é, todo indivíduo considerado responsável é chamado a res-
ponder pelos seus atos. E no artigo 26 do Código Penal, vamos encontrar a caracterização de responsabilidade:
“È isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado,
não era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato [não tinha
capacidade de entendimento], ou de determinar-se de acordo com este entendimento [capacidade ou determi-
nação]”.
No parágrafo único, a lei reduz a pena se estas capacidades (entendimento ou determinação) não estavam
abolidas, mas diminuídas em conseqüência da perturbação da saúde mental (e não mais em conseqüência de
doença mental); do ponto de vista da Medicina, não existe diferença entre esses dois termos.
De acordo com o referido artigo, os pressupostos psíquicos da responsabilidade penal são capacidade
de entendimento e capacidade de determinação em conformidade com esse entendimento. Para Posterli (1979,
p. 26), a responsabilidade tem o momento intelectivo ou cognoscitivo, que é o entendimento; e o momento
volitivo (afetivo-conativo), que é a determinação.

33
Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

71
7.5.3 O ato volitivo.
Por ato volitivo entendemos qualquer ato humano que tenha sido deliberadamente praticado, após uma
reflexão. Todo ato humano volitivo é, em regra, precedido de um desejo (proveniente do Id e fundamentado
no princípio prazer/desprazer, que vimos no capítulo anterior). Assim se considerarmos um ato volitivo com-
pleto, teremos: desejo, reflexão (análise dos prós e dos contras), decisão e, finalmente, a ação ou a omissão.
Deste modo, se analisarmos um ato delituoso qualquer, surge na mente do meliante, num primeiro momento,
o desejo de cometer o delito. Imediatamente começa um ‘diálogo interior’, uma conversa na sua cabeça (é o
Superego questionando o Id). Isso nada mais é do que a reflexão. Ou seja, a reflexão é o momento cognoscitivo.
Uma vez deliberado que tal ato é ilícito, é chegado o momento da decisão de praticá-lo ou não praticá-lo. Se a
decisão for, em conformidade com o entendimento, de não praticá-lo, dizemos que ele determinou-se de acordo
com o entendimento; se a decisão for de praticar tal ato, mesmo entendendo que não deva praticá-lo, dizemos
que ele tinha entendimento do ato delituoso, mas faltou-lhe a capacidade de determinação. Ou seja, a capaci-
dade de comportar-se de acordo com o entendimento. Pode ocorrer, às vezes, que o indivíduo entenda a ilici-
tude do seu ato, mas falta-lhe a determinação, os freios morais.
Esta falha pode ocorrer na mente de qualquer pessoa. Todavia, para a lei somente se considera a inim-
putabilidade se o entendimento ou a determinação (de acordo com esse entendimento) estiverem comprome-
tidos em função de doença mental, perturbação da saúde mental, desenvolvimento incompleto ou retardado.
Ou seja, a lei entende que, em determinadas ocasiões, por diversos fatores, se altera o entendimento bem como
a determinação, sem que a pessoa seja por ela considerada irresponsável penalmente. Por exemplo, sob forte
emoção o ato volitivo pula do desejo para a ação ou omissão, faltando, pois, a reflexão. Entretanto, reza o
artigo 28 do Código Penal "Não exclui a imputabilidade penal: I - A emoção ou a paixão; II – A embriaguez,
voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos (drogas em geral)". Vemos, então, que os
crimes passionais ou emocionais em si não reduzem nem abolem a imputabilidade, a não ser que a pessoa
possa ser considerada doente mental ou esteja com perturbação da saúde mental. Todavia a lei considera a
emoção atenuante (art. 65 do Código Penal) se o crime foi cometido sob forte emoção, após injusta provocação
da vítima. Vamos analisar agora cada um dos itens considerados atenuantes da responsabilidade pela Legisla-
ção em vigor.
6.6 Doenças Mentais e Perturbações da Saúde Mental
Iniciemos indagando: o que é uma doença? Existe diferença entre doença e saúde? No nosso entendi-
mento, do ponto de vista da Medicina, como nos referimos, a doença é, em si, uma perturbação da saúde. Mas
o que é saúde? A Organização Mundial de Saúde define a saúde como um estado de completo bem-estar físico,
psíquico e social. Analisando este conceito no seu sentido lato, todos nós somos doentes. Concordam? Pela
ótica da Propedêutica, diagnosticamos urna doença pelos sintomas (o que o doente sente) e pelos sinais (alte-
rações, como temperatura elevada, um edema etc., percebidas no exame clínico). Desse modo, se predominam
os sintomas e sinais físicos, estamos diante de uma doença física; se predominam os sintomas psíquicos, esta-
mos diante de urna doença mental, que é uma alteração na saúde da pessoa em que detectamos alterações bem
evidentes nas funções psíquicas (ou mentais) já estudadas. Ou seja, o pensamento, a afetividade, a percepção
etc. Como questionamos, não existe diferença entre a doença mental e a perturbação da saúde mental. Todavia,
segundo a literatura consultada (Posterli, 1979, p. 74-83) a lei entende como doença mental as psicoses (endó-
genas e exógenas) e as epilepsias; enquanto as neuroses e os desvios da personalidade (as personalidades anor-
mais) figuram como perturbações da saúde mental. Já as oligofrenias caracterizam o desenvolvimento mental
retardado; os menores de 18 anos têm, para a lei, o desenvolvimento mental incompleto e são isentos de pena
(artigo 27 do CP).
Afirmamos que uma pessoa para ser considerada inimputável precisa ter, na ocasião do delito, a sua
capacidade de entendimento e/ ou determinação comprometida(s) em função de desenvolvimento mental in-
completo (a menoridade) ou retardado (as oligofrenias); ou em função de uma doença mental (psicose ou
epilepsia). Se estas capacidades estiverem diminuídas em função de perturbação da saúde mental (neuroses ou
distúrbios da personalidade), a pessoa poderá ser considerada semi-imputável. Assim, voltamos a afirmar que
a lei entende que existem diversos outros fatores que comprometem este entendimento ou esta determinação,
sem que tome a pessoa inimputável. Por exemplo: a emoção e a paixão, a embriaguez etc. Para Gomes (1989,
p. 87), as perturbações que acometem certas mulheres no período pré-menstrual (a tensão pré-menstrual) e na
menopausa, caracterizam também a "perturbação da saúde mental", estando, pois, estas mulheres, se comete-
rem delitos por ocasiões destas perturbações, passíveis de terem o atenuante da pena de que fala o parágrafo
único do artigo 26 do CP.
7.6.1 Doenças mentais

72
No item anterior definimos o que é uma doença mental, ou seja, uma alteração no funcionamento do
nosso organismo, com ou sem uma alteração orgânica, em que prevalecem, ou chamam mais a atenção, os
distúrbios das funções mentais ou psíquicas (atenção, percepção, memória, afetividade, pensamento etc.). Dis-
semos também que, do ponto de vista da Psiquiatria, a nosso ver, não há diferença entre uma doença mental e
uma perturbação da saúde mental. Entretanto, segundo a literatura consultada, convencionou-se que as psicoses
e as epilepsias são as doenças mentais; enquanto que as neuroses e as psicopatias configuram as perturbações
da saúde mental. Vamos seguir esta convenção.
Segundo Schneider (1978, p. 39) existe, em Psiquiatria, três formas de adoecer, ou seja, o desenvolvi-
mento psíquico anormal; a reação psíquica anormal; e o processo psíquico. No desenvolvimento, Psíquico
anormal há um defeito na formação da personalidade (em outro item, definiremos, o que é personalidade), no
modo de ser da pessoa. Aqui se incluem as neuroses e as perturbações de personalidade (personalidades anor-
mais). A reação anormal caracteriza uma resposta a um estímulo qualquer que é anormal do ponto de vista
estatístico, seja na intensidade, seja na duração. Por exemplo, uma reação depressiva diante da perda de uni
ente querido é considerada normal (é a reação de luto); porém se ela se estende por anos a fio constitui uma
reação anormal (considera-se normal até seis meses). Já o processo psíquico é uma mudança brusca no com-
portamento da pessoa sem que tenha havido causa aparente. Isto acontece no processo esquizofrênico e no
surto maníaco ou depressivo da psicose maníaco- depressiva, nestes casos a pessoa está bem e de repente
"perde o juízo", sem que se consiga determinar nenhum fator desencadeante. Devemos acrescentar, porém,
que também pode surgir um surto psicótico como uma reação a uma situação estressante (chamam-se psicoses
reativas, em oposição aos processos psicóticos a que nos referimos atrás).
Psicoses
Psicose é uma doença mental que se caracteriza por alteração de certas funções mentais e, principal-
mente, pela perca do senso de realidade. Esta perca do senso de realidade, ou seja, o doente não tem consciência
de que está doente (para ele loucos são os outros), é o sintoma patognomônico de qualquer psicose. Não é por
acaso que os leigos costumam dizer: "ele perdeu o juízo". Todos nós somos, em tese, mentalmente sãos, sabe-
mos distinguir o nosso mundo interno (nossas representações, pensamentos e imaginações) do mundo externo.
Na mente doente esta fronteira desaparece e, não raro, o doente confunde o que ele imaginou ou alucinou com
a realidade lá fora. Assim, por exemplo, se imaginamos que somos superiores a todas as demais pessoas,
sabemos que isto é apenas imaginação, uma fantasia; já o doente mental, o esquizofrênico com delírio de
grandeza, tem esta mesma imaginação e a confunde com a realidade. Se o seu delírio for compartilhado, ele é
capaz de fundar uma seita, arranjar milhões de seguidores e ficar rico e famoso; caso contrário (se o seu delírio
não for compartilhado) ele será internado num manicômio. Passemos à classificação das psicoses.
Psicoses exógenas (ou somáticas) subdividem-se em: orgânicas e sintomáticas. Por que exógena? Por-
que há um fator exógeno, uma agressão externa ao cérebro, podendo se estabelecer um nexo casual entre este
fator e o desencadeamento do processo psicótico. Ou seja, ela tem uma base somática e, uma vez afastada este
fator nocivo, há regressão espontânea do quadro clínico. Nas ditas orgânicas existe uma lesão cerebral, que
pode ser um TCE (traumatismo craniano), um tumor etc.; nas ditas sintomáticas, não há lesão cerebral, a
agressão se deve à alguma substância circulando no sangue, que determina as alterações nas funções mentais,
levando assim ao quadro de psicose. Estas substâncias podem ser endógenas, como ocorre no delírio febril, no
pré-coma hepático etc.; e exógenas como ocorre nas intoxicações em geral, principalmente nas causadas pelas
conhecidas "drogas", incluso aí o "social álcool".
Quadro Clínico: na fase aguda temos a chamada reação exógena aguda de Bonhoeffer, que se caracteriza
pelo comprometimento primário da função mental consciência, levando a uma turvação dela. Secundaria-
mente, há o comprometimento das outras funções, ou seja, compromete-se a percepção (surgem as alucinações,
principalmente as visuais); a memória (ocorre uma amnésia de fixação, o doente, passado o surto, não se re-
corda de nada que fez ou viu); o pensamento (surgem os delírios) etc. Por exemplo, após o uso de drogas
(cocaína, maconha etc.) uma pessoa fica com a consciência embotada e passa a ter um comportamento estra-
nho, diz-se perseguido por seres do outro mundo. Internado com o diagnóstico de surto agudo, após dois dias
não se recorda de nada. Este surto é também chamado de 'estado confusional' ou 'amência' e se caracteriza,
reforçando, pela turvação da consciência (que se toma embotada), pela amnésia de fixação e o comprometi-
mento de outras funções, como o pensamento, que se toma confuso e dá origem aos delírios; e a percepção
(surgem as alucinações visuais). Pode ser desencadeada por qualquer intoxicação endógena (infecção, uremia
etc.) ou exógena (drogas em geral e o álcool em particular, haja vista o Delirium Tremens).
Na fase crônica, temos a chamada Síndrome Disminésica, em que o comprometimento da memória é
que chama atenção. A perda progressiva e gradual das funções cerebrais em conseqüência da degeneração do

73
cérebro, causada em regra pelo envelhecimento, é denominada de 'demência'. Trata-se de uma psicose orgâ-
nica. Melhor será falar em "demências", já que temos as chamadas demências pré-senis (demência arterioscle-
rótica, demência alcoólica, doença de Alzheimer e doença de Pick) e as demências senis propriamente ditas.
Todas as funções mentais são comprometidas. No início, o que mais chama a atenção é o comprometimento
da memória de fixação e a perca dos valores morais. Numa fase mais avançada, todas as funções são afetadas
e a pessoa fica limitada a uma vida vegetativa.
Nas psicoses endógenas não há um fator exógeno desencadeante, pelo menos detectável até então. Ela
se instala subitamente, caracterizando o chamado processo psíquico de Schneider (1978, p. 39) (nas formas de
adoecer em Psiquiatria, já citadas). Temos duas psicoses endógenas: a esquizofrenia e a psicose maníaco-
depressiva (PMD).
A esquizofrenia é a mais estudada de todas as psicoses, caracteriza-se basicamente, como o próprio
nome diz, pela desestruturação da personalidade do paciente. Há o comprometimento primário do pensamento
e da afetividade. A afetividade se toma empobrecida, o doente sente que está perdendo a reatividade afetiva, a
capacidade de experimentar sentimentos; surge, então, a ambivalência (sente amor e ódio, atração e repulsa,
pelo mesmo objeto ou pessoa) e o humor paradoxal, ou seja, ele se entristece com uma boa notícia e fica
eufórico com uma notícia triste. O pensamento sofre uma série de alterações, tais como descarrilamento (perde
a seqüência lógica, é nesta fase que o leigo diz: “ele está louco, não diz coisa com coisa”, ou seja, tem um
pensamento incompreensível); roubo de pensamento (o doente vivencia a sensação de que o seu pensamento
é subitamente subtraído por "forças ocultas" e lhe ocorre um "branco"); há ainda a irradiação do pensamento;
a sonorização do pensamento (escuta em voz alta tudo que ele pensa) etc.
Nessa primeira fase, o paciente começa a se sentir estranho (sensação de estranheza de si mesmo); pro-
cura o isolamento (autismo); toma-se indiferente ao seu meio; e surge a chamada percepção delirante. Por
exemplo, à visão de um passarinho morto ele dá um significado especial, sempre relacionado com a sua pessoa
(no exemplo, o pássaro morto passa a significar tragédia na família). Numa segunda fase, se comprometem o
raciocínio e a percepção, surgem então os delírios e as alucinações. Os delírios, conforme definimos, são dis-
túrbios do pensamento, em que surge uma idéia fixa, geralmente absurda, mas que se caracteriza pela convic-
ção extraordinária e a certeza subjetiva. Pode ser de perseguição (o doente tem convicção de que está sendo
vítima de uma conspiração, que querem eliminá-lo); de grandeza (tem a convicção de que é um ser superior a
todos os seres humanos) etc. As alucinações, percepções sem objeto, são eminentemente auditivas, ele ouve
vozes que falam entre si, sempre se relacionando a ele, geralmente uma voz fala bem e a outra, mal.
Não basta ser louco para ser considerado inimputável, é preciso que o crime tenha sido praticado em
função da loucura. Ou seja, é preciso estabelecer o nexo causal, é preciso que haja "nexo de causa e efeito entre
a patologia incapacitante e o ato praticado" (Palomba, 1992, p. 42). O crime do esquizofrênico típico é bem
característico, em geral o psicótico o comete em função do seu delírio (julgando-se perseguido, mata para se
"defender". De perseguido passa a perseguidor); ou em função de suas alucinações, as chamadas alucinações
imperativas, quer dizer, vozes que dão ordens a serem cumpridas. Um outro aspecto importante é que, em
geral, ele não procura evadir-se do flagrante, fato que denota a total falta de entendimento do caráter ilícito do
ato delituoso. Afinal ele está se conduzindo em função de seu ato incompreensível. Por exemplo, um esquizo-
frênico, numa noite de tempestade, tem uma alucinação auditiva, nesta a voz de "Deus" lhe ordena que mate a
sua esposa e os seus filhos para que eles possam entrar no reino de Deus. Ele comete o crime (hediondo para
a pessoa normal) e continua suas atividades normais como se nada tivesse acontecido. Nesse caso há um nexo
causal entre o ato delituoso e a doença. Por outro lado, se o mesmo psicótico se envolve numa briga de bar,
após uma calorosa discussão e toma a faca do seu desafeto que queria matá-lo e o elimina, inexiste, neste caso,
o nexo causal, ou seja, o crime não foi cometido em função da doença. Não há que se cogitar, portanto, a sua
inimputabilidade. Como costumamos dizer em nossas aulas, o crime do psicótico (assim como o do epiléptico
e o do psicopata) é de certo modo incompreensível, ilógico.
A psicose maníaco-depressiva (PMD) é uma psicose cíclica, isto é, tem surtos psicóticos intercalados
com períodos de lucidez (os intervalos lúcidos) que podem ser mais ou menos longos. Ela pode ser unipolar,
com surtos sucessivos de mania ou de depressão; ou bipolar (o doente tem um surto maníaco e, após um
intervalo lúcido, tem um surto depressivo). A função psíquica primariamente comprometida é a afetividade,
especificamente o humor básico. Assim, temos na fase maníaca a exaltação do humor básico com o alarga-
mento do campo vivencial. Há aceleração de todos os processos psíquicos e uma exaltação da libido, entre
outras alterações. O doente sente-se cheio- de energia, fala rápido, seu discurso se torna incompreensível;
irrita-se com facilidade, não raro torna-se pródigo, podendo levar a família à falência. Além da prodigalidade,
ele comete outros delitos, como se envolver em brigas, atentados ao pudor etc.

74
A fase depressiva, por sua vez, se caracteriza pelo humor básico deprimido, havendo estreitamento do
campo vivencial com a inibição de todos os processos psíquicos. O doente sente-se enfraquecido, debilitado,
sem ânimo para viver. Uma tristeza vivencial torna conta dele e surgem idéias suicidas que têm grandes pos-
sibilidades de se concretizarem, caso não sejam tomadas providências de tratamento. Não devemos confundir
a depressão orgânica (PMD) com a chamada depressão reativa, presente em qualquer pessoa normal. Nesta, o
que há é uma tristeza associada com um desânimo, mas que não chega a ser tão incapacitante como aquela. Na
depressão reativa, o doente, apesar de deprimido, é capaz de achar graça de uma boa piada; naquela, ele não
acha graça em nada.
Epilepsias
Epilepsia é urna doença neurológica com manifestações psiquiátricas. Por que intitulamos "epilepsias"
no plural? Porque há várias formas clínicas desta patologia. Ela tem corno característica principal (isto é pato-
gnomônico dela) a manifestação dos seus sintomas em surtos, entre estes existe o chamado intervalo lúcido,
que tem duração variável de alguns dias até anos. Há casos extremos em que o doente tem uma série de crises
bem próximas, sem ter o intervalo lúcido, chama-se, nestes casos, de "estado de mal epiléptico". Devemos
reforçar que, no intervalo lúcido, a pessoa leva uma vida normal e, a não ser que tenha um outro problema
associado (como a oligofrenia), é, nestes intervalos, capaz e responsável. A manifestação clínica se dá, como
já adiantamos, em crises, os ataques epilépticos. Estes surgem em geral na adolescência, mas podem, outros-
sim, começar na primeira infância, e tendem a regredir espontaneamente após os trinta anos. Classificamos a
epilepsia quanto à origem e quanto às manifestações clínicas.
Quanto à origem pode ser: idiopática ou secundária. A primeira é inata, isto é, o doente já nasce epi-
léptico e pode transmiti-Ia hereditariamente; a segunda é adquirida por urna lesão cerebral, que pode ser um
traumatismo craniano, um tumor cerebral, uma cisticercose cerebral etc. Esta não se transmite hereditaria-
mente. Um outro aspecto importante a ressaltar é que a idiopática, amiúde, se acompanha de outras alterações
como uma certa deficiência mental e o chamado caráter epiléptico (do qual falaremos adiante); já a secundária
tem apenas os surtos epilépticos.
Quanto às formas clínicas temos aquelas que podem se manifestar tanto na idiopática quanto na secun-
dária, ou adquirida:
- Grande mal - esta forma se caracteriza pelo chamado "ataque epiléptico", ou seja, crise convulsiva
iniciada pela perda súbita da consciência e seguida de convulsões (contrações musculares). Numa primeira
fase, a contratura muscular é tônica, os músculos permanecem contraídos por alguns segundos, o suficiente
para o doente ficar cianótico "roxo" por ter a sua respiração interrompida. Em seguida, vem a fase das contra-
ções tônico-clônico, ou seja, contrações seguidas de relaxamento muscular; é nesta fase que o doente se debate,
morde a língua, baba etc. Este estágio tem curta duração e é seguido de um período mais ou menos curto de
inconsciência. Depois o doente desperta, mas o seu despertar é gradativo e antes de retornar ao estado de
clareza da consciência, que antecedeu o ataque, ele passa por um período mais ou menos longo em que está
desperto, mas a sua consciência está turva e o seu campo de percepção está estreitado. Isto é que caracteriza o
estado crepuscular, um fato curioso que se observa neste estado (o crepuscular) é o comprometimento da me-
mória de fixação (devido, é claro, ao turvamento da consciência). Ou seja, passada esta fase o doente não se
recorda de nada que ocorreu ou que ele fez enquanto esteve nele.
- Pequeno mal - nesta forma também há a perda da consciência, mas faltam as convulsões e o doente,
às vezes, fica apenas parado e com o olhar distante (sem nem mesmo cair) para, em seguida, continuar com os
seus afazeres normais. A importância médico-legal dessa forma clínica é que, assim como no grande mal, pode
o doente entrar no estado crepuscular, com todas as suas conseqüências.
- Equivalentes epilépticos - nesta forma não há perda da consciência, nem convulsões, apenas as altera-
ções eletroencefalográficas (detectadas no E.E.G), próprias da epilepsia, acompanhadas de algum sintoma
como cefaléia, enxaqueca, alterações do humor etc.
O diagnóstico da epilepsia é feito pela clínica (crises que se sucedem, com intervalo lúcido), compro-
vado pelo E.E.G., e este pode ser normal no referido intervalo lúcido. Ou seja, pode ocorrer que a pessoa seja
epiléptica (tenha toda clínica bem definida) faça um E.E.G. e este seja normal; por outro lado podem haver
pessoas que não têm as crises e o E.E.G. traga alterações, são os casos dos equivalentes epilépticos.
O caráter epiléptico está presente nas pessoas que têm a epilepsia idiopática (de transmissão hereditária)
e se manifesta por uma série de alterações no modo de ser da pessoa, principalmente pelo discurso prolixo-
perseverativo, ou seja, o doente é muito prolixo e tem dificuldades em concluir seu raciocínio (há estudos que

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mostram um QI baixo entre os epilépticos, comparados com a população normal). Um outro aspecto impor-
tante do caráter epiléptico é a explosividade, baixa resistência às pressões e à frustração, isto se manifesta na
prática com surtos de agressividade descontrolada, o doente sai quebrando tudo que se encontra na sua frente
e só pára quando se esgota fisicamente (fica literalmente descontrolado). Quando comete crimes nesta libera-
ção da explosividade (o chamado "estopim curto"), a vítima recebe uma multiplicidade de golpes (a literatura
cita um caso em que a vítima recebeu cinquenta facadas de um epiléptico). Em muitos dos indivíduos classi-
ficados por Schneider (1978, p. 57), como personalidade anormal tipo explosivo, encontraram-se alterações
eletroencefalográficas compatíveis com a epilepsia.
O estado crepuscular é um estado de turvação da consciência em que há (como já dissemos) compro-
metimento da memória de fixação, bem como de outras funções psíquicas. Neste estado, o doente entra numa
espécie de automatismo cerebral, que pode durar horas, dias ou meses, realiza atos corriqueiros do dia-a-dia e
pode, evidentemente, cometer delitos ou outras besteiras (a literatura cita um caso em que o doente, neste
estado, mudou de cidade e até se casou, para se arrepender depois, é claro, quando voltou ao seu estado nor-
mal).
Chamamos a atenção para a imputabilidade do epiléptico. Como diz Palomba (1992, p. 42) não basta
ser doente mental para ser considerado inimputável, é preciso que haja um nexo causal entre a doença e o
crime. Aqui, no caso do epiléptico, encontramos este nexo em duas situações: a) quando ele comete o crime
no estado crepuscular (para nós se equipara a uma psicose exógena aguda, semelhante à reação aguda de Bo-
nhoeffer) ele deverá ser considerado inimputável; b) quando ele comete o crime em função do seu caráter
epiléptico (presente apenas na epilepsia idiopática), ele se equipara à personalidade anormal tipo explosivo
(uma perturbação da saúde mental - distúrbios da personalidade) ele, no nosso entender, deve ser considerado
semi-imputável, beneficiando-se, é claro, com o parágrafo único do artigo 26. Queremos acrescentar aqui que
uma das características do crime do epiléptico é a multiplicidade de golpes, além dos motivos fúteis. O pro-
fessor Posterli relatou-nos pessoalmente o caso de um sujeito epiléptico que levou uma pisada no pé, dentro
de um ônibus e deu cinquenta facadas no seu desafeto. Um outro aspecto importantíssimo a ser acrescido é
que, apesar da alta periculosidade do epiléptico para o convívio social (pelo seu caráter explosivo e pelo estado
crepuscular), tal periculosidade cessa quase completamente quando ele está sob o uso de medicação controlada.
7.6.2 Perturbações da saúde mental
- Personalidades anormais
Segundo Caruso Madalena (1989, p. 45) a nossa individualidade é composta por uma base somática (o
biótipo), uma base fisiológica (o temperamento) e uma base psicológica (a personalidade). Desse modo, nós
nascemos com um biótipo e com um temperamento e, à medida que vamos crescendo, vai se formando a nossa
personalidade. Existem vários estudos sobre o biótipo e o temperamento. O biótipo, ou seja, a nossa confor-
mação corporal, pode ser: brevilíneo (predominam os diâmetros transversos do corpo, por exemplo, o gordo
da dupla "O Gordo e o Magro"); longilíneo (neste predominam os diâmetros longitudinais, por exemplo, Só-
crates, ex-jogador da seleção); normolíneo (tem uma configuração intermediária entre os dois anteriores e a
musculatura desenvolvida); e os displásicos (os que não se enquadram em nenhuma das classificações anteri-
ores).
Em relação ao temperamento, que também é inato, adotamos a classificação de Jung, que divide as
pessoas em dois tipos extremos: o introvertido (tipo introspectivo, taciturno, observador) e o extrovertido (tipo
comunicativo, expansivo). A grande maioria das pessoas são ambivertidas (tem introversão e extroversão, com
predominância de uma ou de outra). Em pesquisas freqüentes, feitas junto aos nossos alunos, aplicando o teste
do referido Jung, não encontramos nenhum extrovertido ou introvertido puro, mas somente ambivertidos.
Como dissemos, nascemos com o biótipo e o temperamento, e a nossa personalidade vai se formando
ao longo dos anos. Ela é uma resultante da interação de nossa hereditariedade (o biótipo e o temperamento,
que herdamos dos nossos pais) mais a ação& do meio em que somos criados. Assim, podemos afirmar que o
homem não é produto do meio, nem nasce errado; ele é produto da interação entre a sua carga hereditária e o
meio em que é criado. Mas o que é personalidade? Personalidade é um modo de ser, de pensar e de agir de
cada um de nós. Alguns autores usam o conceito de caráter como sinônimo de personalidade. Para outros, a
personalidade tem um aspecto cognoscitivo (que diz respeito à inteligência); e um aspecto afetivo-conativo
(diz respeito à efetividade e à vontade), que é o caráter. Assim, para esta escola, que nós preferimos adotar, o
caráter é apenas uma parte da personalidade e não a personalidade total. Definida a personalidade, vamos
conceituar a personalidade normal e a anormal. O "normal" aqui é muito mais estatístico do que médico, ou

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seja, a personalidade normal é aquela do tipo que predomina; já a anormal é aquela que foge da regra, é exce-
ção. Assim, se numa comunidade predominar a cordialidade, anormal é o que não é cordial. Por outro lado, se
o comportamento normal (o que predomina) é ser estúpido, anormal será o cortês.
O psiquiatra alemão Kurt Schneider estudou profundamente as personalidades e encontrou entre as anor-
mais, as que ele denominou de Personalidades Psicopáticas (PP):
Dentre as personalidades anormais, caracterizamos, de modo bastante impreciso, como personalidades psi-
copáticas aquelas personalidades anormais que sofrem com a sua anormalidade ou que assim fazem sofrer
a sociedade (Schneider, 1978, p. 24).
No seu estudo, ele identificou os seguintes tipos: hipertímicos, depressivos, instáveis de ânimos, apáti-
cos, abúlicos, necessitados de ostentação, inseguros de si mesmos, explosivos, insensíveis e os fanáticos. Opor-
tuno esclarecer que estas características fazem parte (são traços) da personalidade da maioria das pessoas.
Assim, é normal ficarmos eufóricos, demonstrando uma certa hipertimia, quando conseguimos algo que há
muito estamos buscando; bem como é normal ficarmos deprimido ante um fracasso, uma derrota, uma perda
etc.; a tenacidade de nossas idéias (que denota um certo fanatismo) nos faz perseguir um ideal até alcançarmos
a nossa realização (por exemplo, Gandhi foi um "fanático"); vez por outra nos portamos com certa frieza
(insensibilidade) ante o sofrimento do nosso próximo, principalmente se este próximo não for nosso parente;
em situações novas e de desafios, é normal sentirmos uma certa insegurança; também qualquer um de nós está
sujeito a perder a paciência e "soltar os cachorros" (caracterizando uma certa explosividade); quem não tem
uma certa vaidade (necessidade de ostentação)?
Para Schneider, o que torna uma pessoa hipertímica, depressiva, fanática etc. é a predominância de um
ou outro traço, que chega a ser o fator marcante da personalidade dessa pessoa. Assim, o que chama a atenção
num insensível, dentro da sua classificação, é a incapacidade de estabelecer vínculo afetivo, ou seja, não há
nele (por um defeito cerebral) ressonância afetiva e, quando descambam para a marginalidade, tornam-se os
piores criminosos. É muito freqüente encontrar o tipo insensível nos chamados matadores de aluguel. Já o tipo
explosivo se caracteriza por ser denominado, no linguajar comum, de "estopim curto".
Há uma confusão de termos, ora se usa psicopatia como sinônimo de loucura (o que não é), ora psicopata
para caracterizar o tipo insensível. Na verdade, para Schneider, todos os tipos são psicopatas, assim é psicopata,
o depressivo e o inseguro de si mesmo (que mais sofrem do que fazem sofrer a sociedade); como é psicopata
um necessitado de ostentação (que vive aplicando estelionato), ou mesmo um insensível (que não sofre, mas
faz sofrer a sociedade). Dentre os tipos citados, os que mais cometem delitos são os insensíveis e os explosivos.
O crime do psicopata explosivo é bem parecido com o crime do epiléptico, isto é, o motivo geralmente
é fútil e há uma desproporção entre a ação que ele sofreu e a sua reação. O que chama a atenção é a multipli-
cidade de golpes. Caracterizando bem o ato impulsivo, ou seja, um ato volitivo, que do desejo pula para a ação,
sem a devida reflexão. Freqüentemente ocorre o arrependimento.
O crime do psicopata insensível, ao contrário do crime do explosivo, se caracteriza pela frieza com que
é executado. O motivo também é fútil (é comum o assassinato mediante paga, caracterizando os matadores de
aluguel) e há uma premeditação matemática. Este, ao contrário do explosivo, jamais se arrepende e é irrecu-
perável.
Como os desvios da personalidade caracterizam a perturbação da saúde mental a que se refere o pará-
grafo único do artigo 26 do CP, a imputabilidade do psicopata é atenuada. Nos explosivos, a determinação está
comprometida e nos insensíveis faltam os freios morais, frutos do caráter que, por sua vez, depende da afeti-
vidade (função comprometida nestes psicopatas).
Neuroses
Segundo Paim (1980, p. 441), o termo neurose foi criado por Wiliam Cullen (1712-1792) para designar
certas afecções neurológicas que cursavam sem nenhuma lesão orgânica, ou seja, uma alteração funcional.
Para Freud, segundo o referido autor, a neurose seria uma espécie de acordo estabelecido pelo Ego entre os
impulsos do ld e a instância repressora do superego. Conforme explanamos no capítulo sobre a Criminogênese,
o Ego lança mão dos mecanismos de defesa para encontrar uma forma equilibrada de dar vazão às pulsões do
ld, sem entrar em conflito com o Superego. Quando ele logra êxito neste mister, reina a paz na mente e a
harmonia com a sociedade. Isto é conseguido quando o Ego é fortalecido (tal qual se busca numa terapia).
Todavia, como ocorre na grande maioria das pessoas, o Ego é frágil, imaturo; nestes casos, persiste o conflito
intrapsíquico (entre o ld e o Superego) e, como resultante deste conflito, surge a ansiedade (sintoma que, a
nosso ver, caracteriza a neurose). A ansiedade é uma emoção vivenciada como um medo intenso, com uma
diferença básica: no medo nós detectamos a origem da ameaça e, dependendo da situação, poderemos lutar ou

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fugir; já na ansiedade (ou angústia) nós sentimos um medo intenso, mas não conseguimos detectar a origem
da ameaça (que se encontra no inconsciente), assim sendo, não conseguimos lutar, nem fugir. A neurose é uma
entidade clínica caracterizada pelo conflito constante entre Id e Superego. Este conflito gera ansiedade, mal-
estar, angústia, que pode estar no campo da consciência, o que caracteriza a Psiconeurose; ou pode estar recal-
cado da consciência, de modo que o paciente não vivencia a experiência da ansiedade, mas somatiza este
conflito, caracterizando assim a chamada organoneurose ou doença psicossomática.
A psiconeurose ou neurose propriamente dita caracteriza-se pelo sintoma ansiedade. Do ponto de vista
da Psicanálise, é conseqüência da falha do Ego em resolver, com o uso dos mecanismos de defesa, as diver-
gências entre as pulsões do ld (tanto tanáticas quanto eróticas) e a ação repressora do Superego. Seria mais ou
menos uma situação em que o remédio (no caso os mecanismos de defesa) causa mais sofrimento que a doença.
Tipos de neuroses:
- Neurose de ansiedade - caracteriza-se pela ansiedade flutuante, às vezes, quase constante. O doente
sente-se constantemente ameaçado e, além da ansiedade, apresenta sintomas neurovegetativos, tais como pal-
pitações, sudorese, extremidades (mãos e pés) frias etc.
- Neurose fóbica - uma forma mais organizada, o Ego consegue isolar o conflito intrapsíquico e projetá-
lo num objeto ou situação (exemplo: pequenos animais, escuro, lugares fechados ou elevados etc.). A ansie-
dade se manifesta sempre que o neurótico se encontra diante do objeto ou da situação. Assim, temos as mais
diversas fobias; fobias sociais (medo de falar em público, de dançar etc.); a claustrofobia (medo de lugares
fechados); a coitofobia (medo de ter relações sexuais) etc.
- Neuroses depressiva ou neurastenia - nesta a ansiedade se faz acompanhar de uma sensação de esgo-
tamento, fraqueza, desânimo etc.
- Neurose obsessiva-compulsiva - nesta situação, a ansiedade surge com uma idéia obsessiva (uma idéia
fixa, que a pessoa não consegue tirar da mente, geralmente de fazer alguma coisa, tipo conferir a assinatura de
um documento, verificar se as portas e janelas estão trancadas etc.); a ansiedade vai aumentando em intensi-
dade e quando a pessoa realiza o ato compulsivo (determinado pela idéia obsessiva) a ansiedade desaparece.
- Histeria - nesta forma a ansiedade permanece no inconsciente e o doente tem as crises histéricas, ge-
ralmente confundidas pelos parentes com epilepsia ou ataque do coração. Estas crises tem um significado
inconsciente, ou seja, o de chamar a atenção dos familiares para a sua pessoa. Pode chegar às formas mais
graves, tais como paralisia histérica (o doente, mesmo sem lesão neurológica, não consegue andar), cegueira
histérica etc.
Organoneuroses ou doenças psicossomáticas - enquanto na psiconeurose o paciente vivencia uma an-
gústia muito forte, conforme vimos acima, na organoneurose (ou doença psicossomática, ou patologia córtico-
visceral) ele não sente ansiedade, ou sente muito pouca, contudo o conflito (entre ld e Superego) existe e se
exterioriza na forma de somatização, ou seja, causando distúrbios no funcionamento normal do organismo.
Assim o doente começa a sentir certos sintomas como epigastralgia (dor no estômago); precordialgia (dor na
região do coração); dor nas costas, cefaléia, falta de ar, indigestão, dores nas juntas etc. E os exames apresen-
tam-se todos normais, isto é, do ponto de vista orgânico ele não tem nada, está com uma patologia dita funci-
onal (sem lesão orgânica). Porém, continuando a alteração funcional, surge uma lesão, a úlcera nervosa. A lista
das doenças psicossomáticas é extensa. Na prática, o que mais constatamos em termos de somatização foi (até
agora): úlcera e gastrite nervosa; cefaléia de causa nervosa; dores nas costas; indigestão, hipertensão arterial,
precordialgia (chamada por alguns autores de neurose cardíaca); reumatismo etc.
Tal como os desvios da personalidade, as neuroses configuram a perturbação da saúde mental (a que ser
refere o parágrafo único do artigo 26 do Código Penal). Todavia o neurótico, por ter freios morais hipertrofia-
dos, dificilmente comete delitos. Na forma obsessiva/compulsiva, ou seja o TOC (Transtorno Obsessivo-Com-
pulsivo), a idéia obsessiva pode ser de cometer delitos, assim como ocorre na cleptomania, cuja idéia fixa
(acompanhada de ansiedade) é a de roubar pequenos objetos. A ansiedade aumenta e somente alivia quando o
doente concretiza o ato compulsivo. Nestes casos, por estar a determinação comprometida, há de se considerar
a imputabilidade atenuada. Para finalizar pergunto: e se a idéia obsessiva for matar alguém ou praticar um
estupro, como proceder na imputabilidade?
Evidentemente que nesses casos (aqui se encontram, entre outros, alguns casos de pedofilia), o indivíduo
tem capacidade de entendimento do ato delituoso. Ele sabe que não deve cometê-lo, ele (por incrível que
pareça) não quer cometê-lo; mas o desejo fala mais forte. A emoção domina a razão. E se o analisarmos à luz
do artigo 26 do Código Penal, ele deve ser considerado semi-imputável, uma vez que possui uma perturbação
da saúde mental (um transtorno obsessivo-compulsivo, ou seja, uma neurose) e esse transtorno interfere na sua

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capacidade de determinar-se de acordo com o entendimento, embora não interfira no entendimento. Aliás,
gostaríamos de acrescentar aqui que, em diversas situações do nosso dia a dia, nós (seres humanos que nos
julgamos ‘racionais’, só porque temos a capacidade de pensar) cometemos muitos atos que em nosso entendi-
mento não deveríamos cometê-los. Por quê? Porque a nossa determinação não está em conformidade com o
nosso entendimento. Por exemplo: pessoas que querem parar de fumar, mas não conseguem; pessoas que que-
rem emagrecer, mas não conseguem parar de comer alimentos altamente calóricos, mesmo entendendo que
não deva comê-los; pessoas que são viciadas em comprar, em se endividar, em jogar; etc. E tudo isso ocorre
porque a pessoa tem o entendimento sobre como se comportar, mas não conseguem se determinar de acordo
com esse entendimento (e ainda dizem que esse animal é ‘racional’).
7.7 Alcoolismo e Toxicomanias
Vamos iniciar este item com alguns conceitos, todavia, é bom que se façam alguns esclarecimentos.
Existe alguma diferença entre um alcoolista inveterado e um viciado em outra droga (cocaína, maconha, mor-
fina etc.)? Do ponto de vista social, sim: o álcool é uma droga lícita, enquanto que essas outras são drogas
ilícitas. E assim sendo, tanto o seu consumo quanto a sua guarda ou porte é considerado crime. Contudo, do
ponto de vista da Medicina, não. Porquanto, para o organismo que está sendo agredido, não faz diferença. Uma
droga é uma droga, pouco importante se ela é aceita socialmente e é considerada ‘lícita’ ou não; se ela, em
função de sua industrialização, gera empregos e paga impostos ou não. Para o organismo que está sendo agre-
dido, não faz diferença se o agente agressor tem ou não a permissão da Lei para agredi-lo.
Por conseguinte um indivíduo viciado dependente do álcool é tão toxicômano quanto um dependente de
qualquer outra droga, por incrível que pareça. Com isto queremos dizer que o combate às drogas deveria incluir
também o uso do álcool e do fumo; tudo é droga, mas será que a sociedade vai conseguir acabar com o consumo
de drogas? Será que não seria mais proveitosa a sua legalização, como defendem certos segmentos, e utilizar
os recursos geridos com a sua legalização, por meio de impostos, na recuperação de dependentes e em campa-
nhas de conscientização, visando principalmente às crianças e aos adolescentes (futuros consumidores)? Não
sabemos as respostas, nem estamos aqui fazendo apologia da legalização das drogas ilícitas. O que advogamos
é que as pessoas, especialmente os jovens e as crianças, deveriam ser advertidas sobre os malefícios que o
cigarro e o álcool, apesar de serem drogas ‘lícitas’, causam no seu organismo. Infelizmente a propaganda tenta
passar uma outra imagem, ou seja, uma propaganda enganosa. E tudo isso com o aval da sociedade. Felizmente
essa mentalidade está se modificando, haja vista as restrições que se faz à propaganda dos cigarros.
Por que será que certas pessoas buscam avidamente o consumo de drogas (sejam lícitas, sejam ilícitas)?
Se o princípio do prazer/desprazer da Psicanálise for verdadeiro (e nós acreditamos que seja, é só ver os fatos
para comprovar a sua veracidade), o homem estará sempre buscando prazer. Então a solução mais racional,
mais viável, para o problema das drogas não é privá-lo deste prazer, mas dar-lhe outra opção, a de encontrar
prazer em algo que lhe proporcione o bem-estar (alívio para o seu sofrimento interior) que ele busca nas drogas,
mas que não seja tão deletério para o seu organismo como estas. Por exemplo, o prazer da competitividade que
o esporte sadio proporciona. Passemos agora aos conceitos.
7.7.1 Droga
Droga é qualquer substância estranha ao organismo, que, se nele for introduzida, cause alguma alteração
no seu funcionamento. Não é por acaso que as farmácias utilizam o nome ‘drogaria’, afinal elas vendem
drogas. Todos os remédios, uma vez que são substâncias estranhas ao organismo e, uma vez nele introduzidos
causam alterações no seu funcionamento, podendo levar à morte (haja vista as intoxicações medicamentosas),
são ‘drogas’. Entre as drogas se encontram as que causam alterações no funcionamento do sistema nervoso
central (SNC), são as psicotrópicas. Assim, as "drogas" (no sentido restrito) não são as únicas existentes, em-
bora sejam as que causem transtornos na sociedade. Classificação das drogas psicotrópicas:
- Drogas estimulantes do SNC (ou psicoanalépticas) são as que estimulam a atividade das funções men-
tais. As preferidas pelos que têm tendência a depressão (cocaína, anfetaminas, cafeína etc.).
- Drogas depressoras do SNC são as que deprimem a atividade das funções mentais. São buscadas pelos
que padecem de angústia, os neuróticos, os inseguros (barbitúricos, diazepínicos, morfina, álcool etc.).
- Drogas que alteram a percepção são as que levam o usuário a ter ilusões e alucinações (psicodislépti-
cas). Neste grupo estão o LSD (dietilaminda do ácido lisérgico), a mescalina, o peyote etc.
• Hábito e vício - nem todo usuário (do álcool ou de qualquer outra droga) é necessariamente um depen-
dente. Dentre os dependentes, há dois grupos: os que têm dependência psicológica (hábito); e os que têm
dependência física (vício). Os que têm dependência psicológica podem ser afastados da droga sem que tenham

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a Síndrome de abstinência; já os que têm a dependência física (vício), se tiverem consumo bruscamente inter-
rompido, irão apresentar a referida Síndrome. Segundo Del-Campo,
A dependência psíquica é caracterizada pela compulsão em consumir a droga de maneira periódica ou
contínua, quer para obtenção de prazer, quer para alívio de um mal-estar.
A dependência física é marcada pelo surgimento de transtornos de natureza física ou pela síndrome de
abstinência, quando a droga não é consumida (DEL-CAMPO, 2007, p. 261).
Síndrome de Abstinência - por Síndrome de Abstinência se entende um quadro clínico em que há alte-
rações psíquicas (alucinações, angústia, depressão etc.) e físicas (como sudorese, palpitações, queda de pres-
são, vômitos, diarréia etc.) que apresentam os viciados quando interrompem subitamente o uso da droga. Um
fato curioso é que a droga (qualquer uma dela) proporciona prazer para o usuário apenas no início do seu
consumo; à medida que ele dá continuidade a este consumo, ocorrem dois fenômenos farmacológicos: a tole-
rância e a dependência.
Tolerância é a necessidade de doses cada vez maiores para se alcançar o "prazer". Ela tem um limite.
Uma vez alcançado, o usuário não sente mais nenhum prazer, não importando a quantidade de droga usada,
pode ser até mesmo a "overdose", que comumente leva à morte, mas ela jamais proporcionará o prazer inicial.
E por que então ele não abandona uma coisa desprazerosa e deletéria? Por causa do outro fenômeno, a depen-
dência.
Dependência é uma necessidade cada vez maior de buscar a droga. Inicialmente, ela é psicológica (ca-
racterizando o hábito) e se torna, se não for interrompida, dependência física (que caracteriza o vício). Imagi-
nem o drama do viciado, pela tolerância precisa aumentar cada vez a dose e pelo vício necessita tanto da droga
como nós necessitamos e buscamos avidamente a água quanto estamos muito sedentos.
7.7.2 Alcoolismo
Alcoolismo (ou etilismo) é o uso continuado ou não do álcool. As bebidas alcoólicas podem ser: fer-
mentadas (por exemplo, a cerveja e o vinho); destiladas (cachaça e vodka). Há usuários que preferem determi-
nado tipo. Enquanto que outros não têm predileção, bebem o que tiver álcool (alguns tomam até álcool com-
bustível). Conforme o tipo de usuário, dos quais falaremos adiante, poderemos ter a intoxicação aguda e a
crônica (estas acontecem com o uso de qualquer droga). Na intoxicação aguda, comum nos bebedores de fins
de semana, observamos três fases:
- Fase de excitação - nesta fase, há uma desinibição pela ação depressora do álcool sob os centros inibi-
dores (e a censura). O usuário se toma loquaz, desinibido etc. Os romanos antigos chamavam a esta de "fase
do macaco".
- Fase de confusão - nesta, a ação do álcool já compromete o entendimento e a determinação. Os usuários
têm alterações na fala ('fala de bêbado’) e na marcha (caminha com as pernas abertas e meio cambaleante).
Chamada de período médico legal, pois é nela que comumente ocorrem os delitos sob o efeito do álcool ‘fase
do leão’, para os romanos antigos;
- Fase de coma - nesta, já não há possibilidade de delitos, o usuário entra em coma e ronca ("fase do
porco", para os romanos antigos).
Na intoxicação crônica o uso é continuado, já ocorre o fenômeno da dependência física, degradação da
personalidade, alterações do comportamento, com o embrutecimento e perda dos freios morais (nesta fase o
consumidor se equipara ao doente mental).
- Tipos de usuários. Vamos fazer uma classificação com os usuários do álcool, a droga mais consumida
(por não ser marginalizada, afinal ela paga impostos). Entretanto esta classificação se aplica aos consumidores
de qualquer droga. Costumamos classificá-los em:
- Abstêmios são os que jamais colocam uma gota de álcool na boca.
- Ocasionais são os verdadeiros "bebedores sociais". Usam a bebida em ocasiões sociais, como um ca-
samento, um batizado etc.
- Os bebedores de fins de semana - nestes já há uma dependência psicológica (hábito). Mas eles, do
ponto de vista da Medicina Legal, ainda são considerados imputáveis, mesmo que, sob o efeito do álcool (o
qual compromete, na fase de confusão, o entendimento e a determinação) eles cometam algum delito (artigo
28 do CP).

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- Os bebedores do cotidiano ("diaristas") bebem todos os dias religiosamente. Neste, há uma dependên-
cia física (vício). Estão na fase de intoxicação (embriaguez) crônica. Há danos orgânicos no cérebro (bem
como em outros órgãos como o fígado) e comprometimento irreversível das funções cerebrais. É nesta fase
que se instalam as psicoses alcoólicas, tomando-os inimputáveis (pois enquadram-se no artigo 26, doenças
mentais).
Psicoses alcoólicas - são psicoses exógenas (ver doenças mentais) as que se instalam nos alcoolistas
crônicos. Estes têm, portanto, uma base orgânica, ou seja, lesões cerebrais causadas pela droga. Dentre estas
temos:
- O Delirium tremens é uma típica "síndrome de abstinência" em que há a turvação da consciência com
delírios e alucinações visuais. O doente sente angustia, insônia, tremor etc. Desaparece prontamente com a
ingestão do álcool.
- Alucinose alcoólica - nesta não há a turvação da consciência, mas somente alucinações auditivas, vozes
que falam entre si e falam mal do doente, difamando-o e denegrindo sua imagem, levando-o, não raro, a fugir
do convívio social por causa da vergonha que as vozes lhe impingem.
- Demência alcoólica - esta é uma forma de demência pré-senil, em que há atrofia cerebral. É o fim de
todo alcoólatra.
Costumamos dizer em nossas aulas que o problema não é a droga, mas sim o drogado, quer dizer, a
personalidade do indivíduo. Como assim? Converse com qualquer viciado, seja no álcool, seja em outra droga,
e ele lhe dirá que começou como um usuário ocasional. Depois passou a consumir com mais freqüência até
chegar à dependência total. O fato mais curioso ainda é que muitos usuários que começaram junto com ele, ou
bem antes, permanecem a vida toda usando a droga ocasionalmente ou nos finais de semana, ou ainda a aban-
donam por completo. Por que será? Porque o problema do dependente é multifatorial. Ou seja, ao fato droga
(vamos chamá-lo de fator 'x') juntam-se fatores intrapessoais (frustração, angústia existencial, baixa da auto-
estima etc.) e fatores ambientais (estrutura familiar, nível social, sua perspectiva de vida, dificuldade de con-
seguir a ascensão numa sociedade competitiva, como a hodierna etc.). Infelizmente, ao que nos parece, a so-
ciedade concentra as suas baterias no fator 'x' e, para muita gente, a droga é algo contagioso, algo que, uma
vez experimentado, degrada o indivíduo para sempre. Isto não é verdade, é uma meia-verdade.
No entanto se uma pessoa vive em família desestruturada, tem baixa-estima (uma vez que vivendo numa
família desestruturada, quando criança, para cada elogio recebeu dezenas de críticas e repreensões, concluindo,
ainda na infância, que não é uma pessoa legal, que não merece as coisas boas da vida etc.), de repente tem
contato com uma droga qualquer que lhe causa uma sensação de bem estar. Sensação esta que nunca experi-
mentou na vida. Qual será a tendência desta pessoa? Recorrer à droga cada vez mais e com mais profundidade.
É isto que acontecerá.
Por outro lado se foi criada numa família mais ou menos estruturada, se tem auto-estima elevada, com
certeza, esta pessoa tem outras fontes de prazeres, às vezes bem mais prazerosas que a droga. Esta pessoa
poderá até experimentar a droga e mesmo consumi-Ia ocasionalmente. Todavia as chances de ela chegar à
condição de viciada são mínimas.

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REFERÊNCIAS

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82
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TABORDA, José G. V. e CHALUB, M. e ABDALLA-FILHO, Elias (organ.) Psiquiatria Forense. Porto
Alegre: Artmed, 2004.

83
ANEXOS

REGULAMENTAÇÃO DAS PERÍCIAS:


CÓDIGO DE PROCESSO PENAL:
DA INSANIDADE MENTAL DO ACUSADO
Art. 149 - Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a reque-
rimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do
acusado, seja este submetido a exame médico-legal.
§ 1º - O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante representação da autoridade policial
ao juiz competente.
§ 2º - O juiz nomeará curador ao acusado, quando determinar o exame, ficando suspenso o processo, se já
iniciada a ação penal, salvo quanto às diligências que possam ser prejudicadas pelo adiamento.
Art. 150 - Para o efeito do exame, o acusado, se estiver preso, será internado em manicômio judiciário, onde
houver, ou, se estiver solto, e o requererem os peritos, em estabelecimento adequado que o juiz designar.
§ 1º - O exame não durará mais de 45 (quarenta e cinco) dias, salvo se os peritos demonstrarem a necessidade
de maior prazo.
§ 2º - Se não houver prejuízo para a marcha do processo, o juiz poderá autorizar sejam os autos entregues aos
peritos, para facilitar o exame.
Art. 151 - Se os peritos concluírem que o acusado era, ao tempo da infração, irresponsável nos termos do art.
26 do Código Penal, o processo prosseguirá, com a presença do curador.
Art. 152 - Se se verificar que a doença mental sobreveio à infração o processo continuará suspenso até que o
acusado se restabeleça, observado o § 2º do art. 149.
§ 1º - O juiz poderá, nesse caso, ordenar a internação do acusado em manicômio judiciário ou em outro esta-
belecimento adequado.
§ 2º - O processo retomará o seu curso, desde que se restabeleça o acusado, ficando-lhe assegurada a faculdade
de reinquirir as testemunhas que houverem prestado depoimento sem a sua presença.
Art. 153 - O incidente da insanidade mental processar-se-á em auto apartado, que só depois da apresentação
do laudo, será apenso ao processo principal.
Art. 154 - Se a insanidade mental sobrevier no curso da execução da pena, observar-se-á o disposto no art.
682.

DO EXAME DO CORPO DE DELITO, E DAS PERÍCIAS EM GERAL


Art. 158 - Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto,
não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Art. 15934. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma
de curso superior.
§ 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2(duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de
curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com
a natureza do exame.
§ 2o Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.
§3o Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado
a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico.

34
Alterado pela Lei 11.690 de 09/06/2008.

84
§ 4o O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração
do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão.
§ 5o Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia:
I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o man-
dado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mí-
nima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar;
II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inqui-
ridos em audiência.
§ 6o Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado
no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos
assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.
§ 7o Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-
á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.
Art. 160 - Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que examinarem, e
responderão aos quesitos formulados.
Parágrafo único - O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de 10 (dez) dias, podendo este prazo ser
prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento dos peritos.
Art. 161 - O exame de corpo de delito poderá ser feito em qualquer dia e a qualquer hora.
Art. 162 - A autópsia será feita pelo menos 6(seis) horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência
dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto.
Parágrafo único - Nos casos de morte violenta, bastará o simples exame externo do cadáver, quando não houver
infração penal que apurar, ou quando as lesões externas permitirem precisar a causa da morte e não houver
necessidade de exame interno para a verificação de alguma circunstância relevante.
Art. 163 - Em caso de exumação para exame cadavérico, a autoridade providenciará para que, em dia e hora
previamente marcados, se realize a diligência, da qual se lavrará auto circunstanciado.
Parágrafo único - O administrador de cemitério público ou particular indicará o lugar da sepultura, sob pena
de desobediência. No caso de recusa ou de falta de quem indique a sepultura, ou de encontrar-se o cadáver em
lugar não destinado a inumações, a autoridade procederá às pesquisas necessárias, o que tudo constará do auto.
Art. 164 - Os cadáveres serão sempre fotografados na posição em que forem encontrados, bem como, na me-
dida do possível, todas as lesões externas e vestígios deixados no local do crime.
Art. 165 - Para representar as lesões encontradas no cadáver, os peritos, quando possível, juntarão ao laudo do
exame provas fotográficas, esquemas ou desenhos, devidamente rubricados.
Art. 166 - Havendo dúvida sobre a identidade do cadáver exumado, proceder-se-á ao reconhecimento pelo
Instituto de Identificação e Estatística ou repartição congênere ou pela inquirição de testemunhas, lavrando-se
auto de reconhecimento e de identidade, no qual se descreverá o cadáver, com todos os sinais e indicações.
Parágrafo único - Em qualquer caso, serão arrecadados e autenticados todos os objetos encontrados, que pos-
sam ser úteis para a identificação do cadáver.
Art. 167 - Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova
testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
Art. 168 - Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto, proceder-se-á a
exame complementar por determinação da autoridade policial ou judiciária, de ofício, ou a requerimento do
Ministério Público, do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor.
§ 1º - No exame complementar, os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a fim de suprir-lhe a
deficiência ou retificá-lo.
§ 2º - Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1º, I, do Código Penal, deverá
ser feito logo que decorra o prazo de 30 (trinta) dias, contado da data do crime.
§ 3º - A falta de exame complementar poderá ser suprida pela prova testemunhal.

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Art. 169 - Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará
imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus
laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.
Parágrafo único - Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório,
as conseqüências dessas alterações na dinâmica dos fatos.
Art. 170 - Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova
perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas,
desenhos ou esquemas.
Art. 171 - Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo a subtração da coisa, ou por
meio de escalada, os peritos, além de descrever os vestígios, indicarão com que instrumentos, por que meios e
em que época presumem ter sido o fato praticado.
Art. 172 - Proceder-se-á, quando necessário, à avaliação de coisas destruídas, deterioradas ou que constituam
produto do crime.
Parágrafo único - Se impossível a avaliação direta, os peritos procederão à avaliação por meio dos elementos
existentes nos autos e dos que resultarem de diligências.
Art. 173 - No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que
dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais
circunstâncias que interessarem à elucidação do fato.
Art. 174 - No exame para o reconhecimento de escritos, por comparação de letra, observar-se-á o seguinte:
I - a pessoa a quem se atribua ou se possa atribuir o escrito será intimada para o ato, se for encontrada;
II - para a comparação, poderão servir quaisquer documentos que a dita pessoa reconhecer ou já tiverem sido
judicialmente reconhecidos
como de seu punho, ou sobre cuja autenticidade não houver dúvida;
III - a autoridade, quando necessário, requisitará, para o exame, os documentos que existirem em arquivos ou
estabelecimentos públicos, ou nestes realizará a diligência, se daí não puderem ser retirados;
IV - quando não houver escritos para a comparação ou forem insuficientes os exibidos, a autoridade mandará
que a pessoa escreva o que Ihe for ditado. Se estiver ausente a pessoa, mas em lugar certo, esta última diligência
poderá ser feita por precatória, em que se consignarão as palavras que a pessoa será intimada a escrever.
Art. 175 - Serão sujeitos a exame os instrumentos empregados para a prática da infração, a fim de se lhes
verificar a natureza e a eficiência.
Art. 176 - A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato da diligência.
Art. 177 - No exame por precatória, a nomeação dos peritos far-se-á no juízo deprecado. Havendo, porém, no
caso de ação privada, acordo das partes, essa nomeação poderá ser feita pelo juiz deprecante.
Parágrafo único - Os quesitos do juiz e das partes serão transcritos na precatória.
Art. 178 - No caso do art. 159, o exame será requisitado pela autoridade ao diretor da repartição, juntando-se
ao processo o laudo assinado pelos peritos.
Art. 179 - No caso do § 1º do art. 159, o escrivão lavrará o auto respectivo, que será assinado pelos peritos e,
se presente ao exame, também pela autoridade.
Parágrafo único - No caso do art. 160, parágrafo único, o laudo, que poderá ser datilografado, será subscrito e
rubricado em suas folhas por todos os peritos.
Art. 180 - Se houver divergência entre os peritos, serão consignadas no auto do exame as declarações e res-
postas de um e de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade nomeará um terceiro;
se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar proceder a novo exame por outros peritos.
Art. 181 - No caso de inobservância de formalidades, ou no caso de omissões, obscuridades ou contradições,
a autoridade judiciária mandará suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo.
Parágrafo único - A autoridade poderá também ordenar que se proceda a novo exame, por outros peritos, se
julgar conveniente.

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Art. 182 - O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.
Art. 183 - Nos crimes em que não couber ação pública, observar-se-á o disposto no art. 19.
Art. 184 - Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida
pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

SEÇÃO II: DOS IMPEDIMENTOS E DA SUSPEIÇÃO


Art. 134 - É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:
I - de que for parte;
II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério
Público, ou prestou depoimento como testemunha;
III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;
IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consan-
güíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;
V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o
terceiro grau;
VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.
Parágrafo único - No caso do nº IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o
patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.
Art. 135 - Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:
I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou
na colateral até o terceiro grau;
III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;
IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da
causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;
V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
Parágrafo único - Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.
Art. 136 - Quando dois ou mais juízes forem parentes, consangüíneos ou afins, em linha reta e no segundo
grau na linha colateral, o primeiro, que conhecer da causa no tribunal, impede que o outro participe do julga-
mento; caso em que o segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto legal.
Art. 137 - Aplicam-se os motivos de impedimento e suspeição aos juízes de todos os tribunais. O juiz que
violar o dever de abstenção, ou não se declarar suspeito, poderá ser recusado por qualquer das partes (art. 304).
Art. 138 - Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição:
I - ao órgão do Ministério Público, quando não for parte, e, sendo parte, nos casos previstos nos ns. I a IV do
art. 135;
II - ao serventuário de justiça;
III - ao perito;
IV - ao intérprete.
§ 1º - A parte interessada deverá argüir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente
instruída, na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente
em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o argüido no prazo de 5 (cinco) dias, facultando a prova
quando necessária e julgando o pedido.

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§ 2º - Nos tribunais caberá ao relator processar e julgar o incidente.

SEÇÃO VII: DA PROVA PERICIAL


Art. 420 - A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.
Parágrafo único - O juiz indeferirá a perícia quando:
I - a prova do fato não depender do conhecimento especial de técnico;
II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas;
III - a verificação for impraticável.
Art. 421 - O juiz nomeará o perito, fixando de imediato o prazo para a entrega do laudo.
§ 1º - Incumbe às partes, dentro em 5 (cinco) dias, contados da intimação do despacho de nomeação do perito:
I - indicar o assistente técnico;
II - apresentar quesitos.
§ 2º - Quando a natureza do fato o permitir, a perícia poderá consistir apenas na inquirição pelo juiz do perito
e dos assistentes, por ocasião da audiência de instrução e julgamento a respeito das coisas que houverem in-
formalmente examinado ou avaliado.
Art. 422 - O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que Ihe foi cometido, independentemente de termo
de compromisso. Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição.
Art. 423 - O perito pode escusar-se (art. 146), ou ser recusado por impedimento ou suspeição (art. 138, III); ao
aceitar a escusa ou julgar procedente a impugnação, o juiz nomeará novo perito.
Art. 424 - O perito pode ser substituído quando:
I - carecer de conhecimento técnico ou científico;
II - sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado.
Parágrafo único - No caso previsto no inciso II, o juiz comunicará a ocorrência à corporação profissional
respectiva, podendo, ainda, impor multa ao perito, fixada tendo em vista o valor da causa e o possível prejuízo
decorrente do atraso no processo.
Art. 425 - Poderão as partes apresentar, durante a diligência, quesitos suplementares. Da juntada dos quesitos
aos autos dará o escrivão ciência à parte contrária.
Art. 426 - Compete ao juiz:
I - indeferir quesitos impertinentes;
II - formular os que entender necessários ao esclarecimento da causa.
Art. 427 - O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem
sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes.
Art. 428 - Quando a prova tiver de realizar-se por carta, poderá proceder-se à nomeação de perito e indicação
de assistentes técnicos no juízo, ao qual se requisitar a perícia.
Art. 429 - Para o desempenho de sua função, podem o perito e os assistentes técnicos utilizar-se de todos os
meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder
de parte ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com plantas, desenhos, fotografias e outras
quaisquer peças.
Art. 430 - (Revogado pela Lei n.º 8.455, de 24-8-1992.)
Art. 431 - (Revogado pela Lei n.º 8.455, de 24-8-1992.)
Art. 432 - Se o perito, por motivo justificado, não puder apresentar o laudo dentro do prazo, o juiz conceder-
lhe-á, por uma vez, prorrogação, segundo o seu prudente arbítrio.
Parágrafo único - (Revogado pela Lei n.º 8.455, de 24-8-1992.)

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Art. 433 - O perito apresentará o laudo em cartório, no prazo fixado pelo juiz, pelo menos 20 (vinte) dias antes
da audiência de instrução e julgamento.
Parágrafo único - Os assistentes técnicos oferecerão seus pareceres no prazo comum de 10 (dez) dias após a
apresentação do laudo, independentemente de intimação.
Art. 434 - Quando o exame tiver por objeto a autenticidade ou a falsidade de documento, ou for de natureza
médico-legal, o perito será escolhido, de preferência, entre os técnicos dos estabelecimentos oficiais especia-
lizados. O juiz autorizará a remessa dos autos, bem como do material sujeito a exame, ao diretor do estabele-
cimento.
Parágrafo único - Quando o exame tiver por objeto a autenticidade da letra e firma, o perito poderá requisitar,
para efeito de comparação, documentos existentes em repartições públicas; na falta destes, poderá requerer ao
juiz que a pessoa, a quem se atribuir a autoria do documento, lance em folha de papel, por cópia, ou sob ditado,
dizeres diferentes, para fins de comparação.
Art. 435 - A parte, que desejar esclarecimento do perito e do assistente técnico, requererá ao juiz que mande
intimá-lo a comparecer à audiência, formulando desde logo as perguntas, sob forma de quesitos.
Parágrafo único - O perito e o assistente técnico só estarão obrigados a prestar os esclarecimentos a que se
refere este artigo, quando intimados 5 (cinco) dias antes da audiência.
Art. 436 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou
fatos provados nos autos.
Art. 437 - O juiz poderá determinar, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia, quando
a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida.
Art. 438 - A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre que recaiu a primeira e destina-se a corrigir
eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu.
Art. 439 - A segunda perícia rege-se pelas disposições estabelecidas para a primeira.
Parágrafo único - A segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar livremente o valor de
uma e outra.

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FIGURAS

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FIGURA 6

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