MARIA YEDDA LINHARES (Organizadora) CIRO FLAMARION
SANTANA CARDOSO FRANCISCO CARLOS TEIXEIRA DA
SILVA HAMILTON DE MATTOS MONTEIRO JOAO LUIS
FRAGOSO SONIA REGINA DE MENDONCA
HISTORIA
GERAL DO
BRASIL
Editora Campus, CAPITULO 5
O IMPERIO ESCRAVISTA E A
REPUBLICA DOS
PLANTADORES
PARTE A:
ECONOMIA BRASILEIRA NO SECULO XIX:
mais do que uma plantation escravista-exportadora
Joao Luis Fragoso
Caso analisemos alguns dados agregados, consoante a tradicio-
nal abordagem da historiografia brasileira, chegaremos a conclusao de
que a economia do Brasil, ao longo do século XIX até 1888, mantém
(0s seus tragos basicos de economia escravista voltada para o mercado
internacional. Confrontando-se a estimativa populacional de 1819
com ocenso de 1872, verifica-se a transferéncia definitiva do eixo eco-
nomico do nordeste acucareiro para o sudeste cafeeiro. Em 1819, a
primeira regio detinha 51,2% dos cativos do pais; 61 anos depois,
o sudeste aparecia com 59% desta populagdo. Perpassando tal movi-
mento, nota-se que, a partir de 1831-40, as rendas de exportagao do
café ultrapassam as do agucar.
Assim sendo, segundo aquela visdo tradicional, temos, no de-
correr do século XIX, apenas uma mudanga de produto. Ou melhor,
auma modificagdo na pauta de exportagdo corresponderia um deslo-
camento do eixo econémico, e com ele a transferéncia da concentra-
cdo de escravos. Contudo, a economia continuaria escravista e depen-
dente das flutuaces externas.
Este tipo de interpretacio, apesar de conter boa parcela de ra-
280, pode esconder outras informagées presentes em outros dados
globais. Em 1819, de uma papulacio de 3.596.132 habitantes, 69,2%
era constituida por homens livres; em 1872 — ja no periodo final da
escravidao — este mimero subiria para 84,7%. Ou seja, além de se-
131nhores e escravos encontramos (no século XIX e nos anteriores) ou-
tras/categorias sociais, outras formas sociais de producao (como a
camponesa, com 0 uso adicional ou nao do trabalho cativo) e mesmo
outras formas sociais de extorsao de sobretrabalho (a exemplo da pe-
cuaria extensiva do Rio Grande do Sul e de Goids).
Indo além, vemos que em 1819 a maior provincia escravista do
pais — Minas Gerais — nao estava fundamentalmente ligada 4 expor-
tacdo, mas ao mercado interno, Em 1874, nas trés provincias do Su-
deste que concentravam a producio cafecira (Rio de Janeiro, Sao
Paulo ¢ Minas Gerais), 60% da populacao cativa total encontravam-
seem municipios nao-cafeeiros (em 1883, esta cifra cairia para 52,5% ).
Tais informacdes, acrescidas as anteriores, apontam para a impor-
Lncia das produgées voltadas para o mercado interno. Estas eram
capazes de gerar uma riqueza que é medida pelo mimero de escravos
que detinham, Os mimeros ha pouco apresentados sio suficientes
para demonstrar que, apesar da presenca hegeménica da produgdo
escravista-exportadora, 0 pais nfo pode ser limitado & plantation acu-
careira e cafeeira. O século XIX, assim como a histéria colonial do
Brasil, é mais complexo do que isso. .
Por sua vez, as formas de produc&o ndo-capitalistas (escravos,
camponeses, pedes etc.) podiam estar ligadas entre sie com a agricul-
tura escravista-exportadora. Estas ligagdes, além de apontarem para a
existéncia de um mercado interno de carater pré-capitalista, podiam
influir nas proprias condicdes de reproducdo da agroexportacdo escra-
vista, j4 que parte dos insumos e alimentos desta ultima eram produ-
zidos em condigSes nao-capitalistas, 0 que afetava seu custeio € seu
comportamento frente as flutuagées de um mercado internacional
dominado pelo modo de produgao capitalista. Tal aspecto pode ajudar
a explicar as assincronias entre a economia escravista interna e as
variagdes internacionais de precos.
Por outro lado, este mercado pré-capitalista interno (produgdo
mercantil de alimentos agricolas, de gado, de charque etc., e suas
relages entre sie com a empresa escravista-exportadora), somado as
demais relagdes decorrentes dos mecanismos de reprodugio da agro-
exportacao, cria um amplo espaco para a realizacao de acumulagoes
endogenas, Estas, contudo, segundo o tipo de negdcio, podiam variar
de ritmo e de nivel de concentragdo de riquezas. Ainda em meados do
século XIX percebe-se a hegemonia do capital mercantil, que, cons-
tituido a partir de diversos segmentos do mercado, tinha que se trans-
formar em producao (ou seja, investir-se em atividades produtivas)
como condicdo mesma da reiteracdo da estrutura global de producio.
A realidade aqui apontada coexistiria com 0 surgimento de
novos elementos a partir dos anos de 1850. A abolicao do trafico inter-
nacional de escravos, a Lei de Terrase 0 Codigo Comercial (ambos de
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