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2. A organização totalitária
• O caráter totalitário do princípio de liderança advém unicamente da posição
em que o movimento totalitário, graças à sua peculiar organização, coloca o
líder, ou seja, da importância funcional do líder para o movimento. (p. 414)
• As organizações de simpatizantes dão aos movimentos totalitários uma
aparência de normalidade e respeitabilidade que engana os seus membros
quanto à verdadeira natureza do mundo exterior, da mesma forma que engana
o mundo exterior quanto ao verdadeiro caráter do movimento. As
organizações de vanguarda funcionam nas duas direções: como fachada do
movimento totalitário para o mundo não totalitário, e como fachada deste
mundo para a hierarquia interna do movimento. [TRABALHO
“COOPERATIVO” ENTRE MEMBROS E SIMPATIZANTES DO
MOVIMENTO; ORGANIZAÇÕES DE VANGUARDA, É ASSIM QUE
ARENDT CHAMA ESSE TIPO DE ESTRUTURA, ONDE MEMBROS E
SIMPATIZANTES CONSEGUEM, A PARTIR DE SUA RELAÇÃO,
ENGANAR O MUNDO EXTERNO, E, AO MESMO TEMPO, SE
ENGANAREM QUANTO AO MUNDO] (p. 416)
• Assim como os simpatizantes constituem um muro de proteção em torno dos
membros do movimento e representam para eles o mundo exterior, também
os membros comuns envolvem os grupos militantes e representam para estes
o mundo exterior normal. (p. 417)
• O importante para os movimentos totalitários é, antes mesmo de tomarem o
poder, darem a impressão de que todos os elementos da sociedade estão
representados em seus escalões: o fim último da propaganda nazista era
organizar todos os alemães como simpatizantes. [ASPECTO
TOTALIZANTE] (p. 421)
• (...) a função das formações de elite é exatamente oposta aquela das
organizações de vanguarda: enquanto as últimas emprestam ao movimento um
ar de respeitabilidade e inspiram confiança, as primeiras, disseminando a
cumplicidade, fazem com que cada membro do partido sinta que abandonou
para sempre o mundo normal onde o assassinato é colocado fora da lei,e que
será responsabilizado por todos os crimes da elite. (p. 422)
• A suprema tarefa do Líder é personificar a dupla função que caracteriza cada
camada do movimento - agir como a defesa mágica do movimento contra o
mundo exterior e ao mesmo tempo, ser a ponte direta através da qual o
movimento se liga a este mundo. O Líder representa o movimento de um modo
totalmente diferente de todos os líderes de partidos comuns, já que proclama
a sua responsabilidade pessoal por todos os atos, proezas e crimes cometidos
por qualquer membro ou funcionário em sua qualidade oficial. Essa
responsabilidade total é o aspecto organizacional mais importante do chamado
princípio de liderança, segundo o qual cada funcionário não é apenas
designado pelo Líder, mas é a sua própria encarnação viva, e toda ordem
emana supostamente dessa única fonte onipresente. Essa completa
identificação do Líder com todo sublíder nomeado por ele e esse monopólio
de responsabilidade centralizado por tudo o que foi, está sendo ou virá a ser
feito são também os sinais mais visíveis da grande diferença entre o líder
totalitário e o ditador ou désposta comum. Um tirano jamais se identificaria
com os seus subordinados, e muito menos com cada um dos seus atos; poderia
usá-los como bodes expiatórios, deixando, com prazer, que fossem criticados
para colocar-se a salvo da ira do povo, mas sempre manteria uma distância
absoluta de todos os seus subordinados e súditos. O Líder, ao contrário, não
pode tolerar críticas aos seus subordinados, uma vez que todos agem em seu
nome; se deseja corrigir os próprios erros, tem que liquidar aqueles que os
cometeram por ele; se deseja inculpar a outros por esses erros, tem de matá-
los. Pois, nessa estrutura organizacional, o erro só pode ser uma fraude: o
Líder estava sendo representado por um impostor. [COMPLETA
IDENTIFICAÇÃO DO LÍDER COM OS SÚDITOS] (p. 424)
• Essa responsabilidade total por tudo o que o movimento faz e essa
identificação total com cada um dos funcionários têm a consequência muito
prática de que ninguém se vê numa situação em que tem de se responsabilizar
por suas ações ou explicar os motivos que levaram a elas. Uma vez que o Líder
monopoliza o direito e a possibilidade de explicação, ele é, para o mundo
exterior, a única pessoa que sabe o que está fazendo, isto é, o único
representante do movimento com quem ainda é possível conversar em termos
não-totalitários e que, em caso de censura ou de oposição, não dirá: não me
pergunte, pergunte ao Líder. Estando no centro do movimento, o Líder pode
agir como se estivesse acima dele. (...). O verdadeiro mistério do Líder
totalitário reside na organização que lhe permite assumir a responsabilidade
total por todos os crimes cometidos pelas formações de elite e, ao mesmo
tempo, adotar a honesta e inocente respeitabilidade do mais ingênuo
simpatizante. [PODER ABSOLUTO DO LÍDER; RESPONSABILIDADE
TOTAL DO LÍDER] [ELE ESTÁ NO CENTRO E ACIMA DO
MOVIMENTO] (p. 425)
• As sociedades secretas formam também hierarquias de acordo com o grau de
"iniciação", regulam a vida dos seus membros segundo um pressuposto
secreto e fictício que faz com que cada coisa pareça ser outra coisa diferente;
adotam uma estratégia de mentiras coerentes para iludir as massas de fora,
não-iniciadas; exigem obediência irrestrita dos seus membros, que são
mantidos coesos pela fidelidade de um líder frequentemente desconhecido e
sempre misterioso, rodeado, ou supostamente rodeado, por um pequeno
círculo de iniciados; e estes, por sua vez, são rodeados por semi-iniciados que
constituem uma espécie de "amortecedor" contra o mundo profano e hostil.
Os movimentos totalitários têm ainda em comum com as sociedades secretas
a divisão dicotômica do mundo entre "irmãos jurados de sangue" e uma massa
indistinta e inarticulada de inimigos jurados. Essa distinção, baseada na
absoluta hostilidade contra o mundo que os rodeia, é muito diferente da
tendência dos partidos comuns de dividir o povo entre os que pertencem e os
que não pertencem à organização. [COMPARAÇÃO DO MOVIMENTO
TOTALITÁRIO E SOCIEDADES SECRETAS] (p. 426)
• O que é notável nas organizações totalitárias é que saibam adotar expedientes
organizacionais das sociedades secretas sem jamais manter em segredo o seu
próprio objetivo. (...). Em outras palavras, os movimentos totalitários imitam
todos os acessórios das sociedades secretas, mas esvaziam-nas do único
elemento que poderia justificar os seus métodos: a necessidade de manter
segredo. [EM QUE O MOVIMENTO TOTALITÁRIO SE DIFERENCIA
DAS SOCIEDADES SECRETAS] (p. 428)
• É devido à afinidade fundamental entre o funcionamento de uma sociedade
secreta de conspiradores e a polícia secreta organizada para combatê-la que os
regimes totalitários, baseados na ficção de uma conspiração global e visando
ao domínio global, passam a concentrar todo o poder nas mãos da polícia.
[PAPEL FUNDAMENTAL DA POLÍCIA] (p. 430)
• Do ponto de vista da organização que funciona segundo o princípio de que
quem não está incluído está excluído, e quem não está comigo está contra
mim, o mundo perde todas as nuances, diferenciações e aspectos pluralísticos
- coisas que, afinal, se haviam tornado confusas e insuportáveis para as massas
que perderam o seu lugar e a sua orientação dentro dele. [PERCA DA
PLURALIDADE DO MUNDO] (p. 430)
• A afirmação fundamental da organização totalitária é que tudo o que está fora
do movimento está "morrendo", afirmação que é drasticamente posta em
prática no clima assassino do regime totalitário, mas que, mesmo no estágio
anterior ao poder, parece plausível a massas que fugiram da desintegração e
da desorientação para o fictício abrigo do movimento. [CLIMA ASSASSINO
DO REGIME TOTALITÁRIO] (p. 431)
• Enquanto o movimento existe, a sua forma peculiar de organização faz com
que pelo menos as formações de elite não possam conceber a vida fora do
grupo fechado de homens que, mesmo condenados, ainda se sentem superiores
ao resto do mundo não-iniciado. E, como o fim único dessa organização
sempre foi burlar, combater e finalmente conquistar o mundo exterior, os seus
membros pagam de bom grado com a própria vida, contanto que isso ajude a
burlar o mundo mais uma vez. (p. 431)
• Mas o principal valor da estrutura organizacional e dos padrões morais das
organizações secretas ou conspiratórias para fins de organização da massa não
está na garantia intrínseca de participação incondicional e lealdade
incondicional, nem na manifestação organizacional de hostilidade cega contra
o mundo exterior, mas na incomparável capacidade de estabelecer e proteger
o mundo fictício por meio de constantes mentiras. [PRINCIPAL VALOR:
CONSTANTES MENTIRAS PARA PROTEGER O MUNDO FICTÍCIO] (p.
431, 432)
• Toda a estrutura hierárquica dos movimentos totalitários, desde os ingênuos
simpatizantes até os membros do partido, as formações de elite, o círculo
íntimo que rodeia o Líder e o próprio Líder, pode ser descrita em termos da
mistura curiosamente variada de credulidade e cinismo com que se espera que
cada membro, dependendo do seu grau e da posição que ocupa no movimento,
reaja às diversas declarações mentirosas do Líder e à ficção ideológica central
e imutável do movimento. [CREDULIDADE E CINISMO DIANTE DA
MENTIRA E FICÇÃO IDEOLÓGICA] (p. 432)
• A propaganda de massa descobriu que o seu público estava sempre disposto a
acreditar no pior, por mais absurdo que fosse, sem objetar contra o fato de ser
enganado, uma vez que achava que toda afirmação, afinal de contas, não
passava de mentira. Os líderes totalitários basearam a sua propaganda no
pressuposto psicológico correto de que, em tais condições, era possível fazer
com que as pessoas acreditassem nas mais fantásticas afirmações em
determinado dia, na certeza de que, se recebessem no dia seguinte a prova
irrefutável da sua inverdade, apelariam para o cinismo; em lugar de
abandonarem os líderes que lhes haviam mentido, diriam que sempre
souberam que a afirmação era falsa, e admirariam os líderes pela grande
esperteza tática. [PROPAGANDA DE MASSA: A MENTIRA SE
SUSTENTA, POR CONTA DO CINISMO] (p. 432)