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O apologista católico Rogério Fernandes publicou um artigo respondendo meu

último artigo sobre Agostinho e Papado. Infelizmente, é mais do mesmo. Ele


continua não lidando com meus argumentos que estão expostos em mais de 100
artigos neste blog e praticamente abandonou os termos iniciais do debate.
Irineu de Lyon (Séc. II)
Ele começa o artigo citando Irineu de Lyon. Ocorre que eu já tratei em
riquíssimos detalhes o testemunho deste pai de Igreja. Eu já demonstrei com
amplo aporte acadêmico que Irineu:
(1) Desconhecia totalmente qualquer ideia papal (a controvérsia pascal é
prova inequívoca disto) e sua ideia sobre sucessão apostólica é
radicalmente distinta daquela ensinada por Roma (AQUI NA SEÇÃO
SOBRE IRINEU http://respostascristas.blogspot.com/2016/02/os-
pais-da-igreja-sobre-sucessao_17.html);
(2) O apologista também usa o testemunho de Irineu para afirmar que já
havia no período deste autor uma divisão tripartite em Roma: bispo
monárquico, presbíteros e diáconos. Irineu escreveu na segunda
metade do séc. II, período em que os historiadores da Igreja
(protestantes, católicos romanos e ortodoxos) concordam que o
episcopado monárquico já havia emergido em Roma. No entanto, há
um consenso acadêmico sobre o fato de que Roma não teve bispos
monárquicos até o fim da primeira metade do séc. II, com base em
autores mais antigos do que Irineu (Inácio de Antioquia, Clemente de
Roma e Pastor de Herma). Eu já publiquei artigo sobre a ausência do
episcopado monárquico em Roma (VEJA ESTA SÉRIE DE ARTIGOS
AQUI (http://respostascristas.blogspot.com/2016/02/os-pais-da-igreja-
sobre-sucessao.html) e também sobre o fato de que esta estrutura
organizacional não foi instituída pelos Apóstolos (AQUI
http://respostascristas.blogspot.com/2016/06/o-episcopado-
monarquico-foi-instituido.html e AQUI
http://respostascristas.blogspot.com/2016/06/o-episcopado-
monarquico-foi-instituido_13.html). Além disso, apelar ao conceito de
tradição de Irineu não ajuda em nada a causa católica. O que Irineu
chama de tradição é radicalmente distinto de qualquer dos vários
conceitos de tradição hoje vigentes na Igreja Romana. Muitas das
distintas doutrinas romanas estão ausentes ou são incompatíveis com
as doutrinas de Irineu
(http://respostascristas.blogspot.com/2016/02/irineu-de-lyon-e-o-
catolicismo-romano.html). A tradição de Irineu nada mais era do que
um sumário de doutrinas claramente expostas na Escritura.

É interessante que o apologista tenha tentando relacionar o


protestantismo ao gnosticismo, quando, claramente o conceito de
tradição historicamente defendido por Roma é muito semelhante ao
argumento gnóstico combatido por Irineu. O bispo de Lyon apelava a
uma tradição pública, universalmente pregada pelas Igrejas e
claramente exposta nas Escrituras. Já os gnósticos apelavam a uma
tradição secreta, não verificável nas Escrituras e que apenas uma
corrente especial de sucessores teria acesso. Qual dos dois conceitos
está mais próximo da tradição católica romana? Pegue o caso da
Assunção de Maria. Não há o mínimo rastro de apostolicidade desta
tradição, e as primeiras fontes a citá-la são de um período muito
posterior aos apóstolos e ainda heréticas (AQUI
http://respostascristas.blogspot.com/2017/03/a-assuncao-de-maria-e-
evidencia.html). No entanto, ainda que esta tradição não tenha sido
pública, nem universalmente defendida pela Igreja, a Igreja Romana
afirma que é um dogma de fé. Tomemos o fato de Roma ter redefinido
o conceito de tradição (AQUI
http://respostascristas.blogspot.com/2016/02/roma-e-seu-novo-
conceito-de-tradicao.html). O conceito de tradição de Irineu é
totalmente incompatível com a teoria do desenvolvimento da doutrina,
conforme defendida por Roma (AQUI
http://respostascristas.blogspot.com/2017/08/sola-scriptura-tradicao-irineu-
e.html e AQUI http://respostascristas.blogspot.com/2017/08/oconteudo-da-
tradicao-de-irineu-diante.html). Segundo este conceito, um magistério
supostamente infalível e guiado pelo Espírito Santo como o de Roma
pode deixar a Igreja durante séculos ou até milênios no escuro, até
que finalmente se descubra o correto significado da doutrina. Já para
Irineu, a tradição da Igreja era historicamente verificável e rastreável
até as fontes apostólicas. Roma defendeu no passado a ideia de que
a tradição era um suplemente doutrinário às Escrituras, ou seja, havia
doutrinas que foram ensinadas apenas oralmente pelos Apóstolos.
Embora este argumento seja cada vez menos abraçado pelos
teólogos católicos, ainda é comum na apologética popular. Contudo, o
bispo de Lyon acreditava numa tradição não materialmente distinta da
Escritura.
(3) O próprio Irineu, ao apresentar as listas de bispos de Roma, não
estava listando bispos monárquicos, pois sua ideia de sucessão não
era uma sucessão de ofícios, mas de doutrina. O Rogério, na
incapacidade de citar autores da academia que apoiem suas teses
papistas, traz citações irrelevantes. Ele trouxe um autor que
implicitamente está afirmando o consenso acadêmico – o episcopado
monárquico não foi instituído pelos Apóstolos:

Pelo final desse século, o monoepiscopado, também chamado


“episcopado monárquico”, já era difundido universalmente, mas não
ainda padronizado. (FONTE -
https://books.google.com.br/books?id=Dgq6DAAAQBAJ&pg=PT45&l
pg=PT45&dq=Com+rela%C3%A7%C3%A3o+ao+minist%C3%A9rio+
ordenado,+esse+%C3%A9+testemunhado+pela+obra+de+Irineu,+n
%C3%A3o+de+forma+sistem%C3%A1tica,+mas+os+seus+tr%C3%
AAs+graus+%E2%80%93+episcopado,+presbiterato+e+diaconato+
%E2%80%93+s%C3%A3o+contemplados.+%5B%E2%80%A6%5D+
Irineu+testemunha+o+Sacramento+da+Ordem,+como+se+configurav
a+no+s%C3%A9culo+II.&source=bl&ots=CKEBrfQVQ2&sig=ACfU3U
1LTek0SxTSQHvQi9t1hBo6Ooq5MQ&hl=en&sa=X&ved=2ahUKEwjs
gcPe4_riAhV3IbkGHe2iAogQ6AEwAXoECAkQAQ#v=onepage&q=ep
iscopado&f=false)
Este é um problema central para a doutrina papista. Se não há uma sucessão
de bispos monárquicos que remontam até o apóstolo Pedro, o argumento papista
desmorona. Eu recomendo fortemente a obra seminal de Peter Lampe que traz
inúmeras evidências históricas sobre a Igreja Romana dos primeiros dois
séculos e atesta que a estrutura eclesial de Roma era formada por uma rede de
igrejas domésticas que não possuía um cabeça central (AQUI
https://books.google.com.br/books/about/From_Paul_to_Valentinus.html?id=s9
8K8snXyeUC&redir_esc=y).
Se o apologista católico deseja realmente desafiar minhas teses, ele precisa ser
menos preguiçoso e interagir com o que já escrevi a respeito. Quem ler os artigos
linkados, observará que ele não aborda nenhum dos vários argumentos
apresentados. Acredito que ele sequer os tenha lido.
A fuga dos termos do debate
Desde o início do debate, ele tem insistentemente fugido dos termos que ele
inicialmente atacou. E como dizem, quando você precisa mudar os termos de
um debate, isto quer dizer que você já perdeu. Como já demonstrei nos meu
artigos anteriores (AQUI
http://respostascristas.blogspot.com/2019/06/questaopreliminares-o-
apologista.html e AQUI http://respostascristas.blogspot.com/2019/06/resposta-
apologetica-catolica-sobre-o.html e AQUI
http://respostascristas.blogspot.com/2019/05/a-apologetica-catolica-romana-e-
o.html), ele iniciou estes debates respondendo a um artigo sobre Agostinho e o
Papado, no qual defendi que o bispo de Hipona não acreditava que o bispo
Romana exercia uma primazia jurídica sobre a Igreja Universal. Na medida em
que o debate se desenvolveu, ele passou a defender que não é bem assim. Não
é que o bispo de Hipona e outros pais da Igreja como Irineu acreditavam que o
bispo de Roma tinha primazia jurídica sobre toda a Igreja. Eles acreditavam
apenas num “primado”. Ele conscientemente não define claramente a natureza
desse primado. A razão é muito simples. O tal primado é radicalmente distinto e
incompatível com a doutrina papal. O primado que Irineu atribuiu a Roma, a qual
abordei em detalhes no artigo já linkado, não envolvia qualquer jurisdição de
Roma sobre as demais Igreja. E as razões dadas por Irineu para esse primado
são distintas daquelas afirmadas pelo bispo de Roma para defender o poder
sobre toda a Igreja.
Contudo, como o primado de honra dado a Roma por outras Igrejas se constitui
numa prova da ausência e não da presença do papado, ao apelar a isto, os
apologistas católicos estão refutando a si mesmos. Se você precisa utilizar uma
ideia incompatível e distinta ao papado para defender o próprio papado, a
implicação é que seu argumento é bem frágil. O artigo do Rogério apela a crença
na sucessão apostólica por parte de Agostinho para apoiar sua tese, porém, o
papado é um tipo específico de sucessão, a qual o bispo de Hipona não
defendeu. Como disse em artigos anteriores, há duas premissas fundamentais
para a doutrina papal, a qual o Rogério nem se esforça para evidenciar:
(1) Pedro tinha primazia jurídica sobre os demais apóstolos e toda a Igreja;
(2) O bispo de Roma herdou esta primazia jurídica de forma exclusiva. Por isso,
ele tinha o direito de governar de forma soberana e suprema toda a Igreja.

No entanto, o máximo que o Rogério consegue é apelar a um primado que não


envolvia nenhuma das duas premissas acima. Os pais da Igreja defenderam
diferentes ideias de sucessão apostólica. Contudo, nem Irineu nem Agostinho
defendeu o tipo especial de sucessão que era o papado, sendo esta doutrina
não somente ausente de seus escritos, mas incompatível com sua eclesiologia
em geral. Ainda, estes autores escreveram bastante sobre eclesiologia e
abordaram de forma detalhada a questão da autoridade da Igreja (Agostinho
muito mais do que Irineu). Será que, mesmo num período de quase 400 anos
após os Apóstolos, ele se esqueceu de mencionar coisas fundamentais como
estas? Eu já traduzi artigo sobre a relevância da ausência do papado em fontes
primitivas (AQUI http://respostascristas.blogspot.com/2017/03/a-ausencia-do-
papado-em-fontes.html). Pense em quão relevante seria o apelo ao infalível
bispo romano para defender a Igreja das heresias. Se Cristo instituiu um bispo
em particular como a rocha de toda a Igreja, nós sequer estaríamos aqui
discutindo se estes autores defendiam tal ideia. Eles as teriam usado
exaustivamente como os católicos modernos fazem. A razão pela qual eles não
mencionam esta ideia, que seria o fundamento da Igreja Cristã, é simplesmente
porque ela sequer existia em suas mentes.

A autoridade da Igreja foi bastante discutida pelos pais da Igreja e pelos escritos
do Novo Testamento. Qual a probabilidade de que eles deixassem de abordar
uma doutrina tão fundamental e simples? A ideia de que um bispo governaria
monarquicamente toda a Igreja não requer grandes refinamentos filosóficos e
poderia ter sido claramente exposta nas inúmeras controvérsias teológicas da
Igreja Antiga. Os autores cristãos, além de não mencionar esta doutrina,
desenvolveram eclesiologias incompatíveis com a ideia de papado. Há vários
artigos neste blog que atestam isso, e Agostinho não foi uma exceção.

Sobre Irineu e o primado de Roma, vou deixar que William La Due – um teólogo
católico romano formado pela Universidade Gregoriana de Roma e doutor em lei
canônica pela Pontifícia Universidade Laterana explique:

Uma das mais celebradas e discutidas passagens da obra [Contra as Heresias]


lida com a posição da Igreja Romana na Igreja Universal (...) Irineu estava
destacando a importância da cadeia de sucessão nas Igrejas apostólicas para
mostrar que a doutrina ensinada nestas comunidades era precisamente o que
havia sido transmitido pelos próprios apóstolos. Ele afirma:
Mas visto que seria coisa bastante longa elencar, numa obra como esta, as
sucessões de todas as igrejas, limitar-nos-emos à maior e mais antiga e
conhecida por todos, à igreja fundada e constituída em Roma, pelos dois
gloriosíssimos apóstolos, Pedro e Paulo, e, indicando a sua tradição recebida
dos apóstolos e a fé anunciada aos homens, que chegou até nós pelas
sucessões dos bispos, refutaremos todos os que de alguma forma, quer por
enfatuação ou por vanglória, quer por cegueira ou por doutrina errada, se reúnem
prescindindo de qualquer legitimidade. Com efeito, deve necessariamente
estar de acordo com ela, por causa da sua origem mais excelente, toda a
igreja, isto é, os fiéis de todos os lugares, porque nela sempre foi
conservada, de maneira especial, a tradição que deriva dos apóstolos (...)
Podemos ainda lembrar Policarpo, que não somente foi discípulo dos apóstolos
e viveu familiarmente com muitos dos que tinham visto o Senhor, mas que, pelos
próprios apóstolos, foi estabelecido bispo na Ásia, na Igreja de Esmirna (...) E é
disso que dão testemunho todas as Igrejas da Ásia e os que até hoje
sucederam a Policarpo, que foi testemunha da verdade bem mais segura e
digna de confiança do que Valentim e Marcião e os outros perversos doutores
(...) Também a igreja de Éfeso, que foi fundada por Paulo e onde João morou
até os tempos de Trajano, é testemunha verídica da tradição dos apóstolos.
(Contra as Heresias 3:3:2-4)

Na verdade, é compreensível que esta passagem tenha confundido os


estudiosos por séculos! Aqueles que queriam encontrar nela uma evidência do
primado romano foram capazes de interpretá-la dessa maneira. No entanto, há
muita ambiguidade aqui e deve-se ser cuidadoso para não exagerar a evidência
(...) De acordo com o eminente historiador Karl Baus, a ideia de Irineu pode ser
explicada da seguinte forma:

A tradição apostólica é encontrada mais certamente nas comunidades que


receberam uma fundação apostólica direta. Há várias delas e cada uma delas
tinha mais poder do que outras comunidades cristãs, com fundamento em sua
origem apostólica, para se saber a verdade. Porém, Roma se destaca entre as
sedes apostólicas, porque como era reconhecido, Pedro e Paulo foram seus
fundadores. Então Irineu sumariza que com tais igrejas de fundação apostólica
cada Igreja individual deveria concordar, porque este tipo de Igreja havia
sempre preservado a tradição apostólica. Uma dessas Igrejas era a romana,
a qual estava numa posição favorável para estabelecer a tradição apostólica,
mas não de forma exclusiva.

A interpretação de Karl Baus é a mais fiel ao texto e não presume ler no texto
um significado que não está lá. De fato, ele nem superestima nem subestima a
posição de Irineu. Para ele, são as Igrejas de fundação apostólica que dão
uma maior autoridade ao ensino e doutrina autêntica. Entre elas, Roma, com
sua dupla fundação apostólica, certamente ocupava um importante lugar. No
entanto, todas as Igrejas apostólicas desfrutavam do que ele chamou de
“preeminente autoridade” em questões doutrinais. (William La Due, The
Chair Of Saint Peter [Maryknoll, New York: Orbis Books, 1999], p. 28-29)
O argumento de Irineu levava em conta a tradição da Igreja de Roma, que por
ter contado com a pregação dos Apóstolos Pedro e Paulo, ocupava um lugar
especial entre as sedes apostólicas. Contudo, esta mesma tradição poderia ser
verificada nas outras igrejas apostólicas. Na mesma parte, ele cita Policarpo e a
Igreja de Éfeso. O argumento não implica em nenhuma autoridade jurídica sobre
outras Igrejas, mas numa autoridade da tradição daquela Igreja que era pública
e verificável em outras Igrejas que também compartilhavam desta autoridade.

É aqui que ocorre o erro fatal do argumento católico. Todo o argumento gira em
torno de uma tradição específica e historicamente situada no século II. É com
esta tradição que toda a Igreja deveria concordar. O problema se coloca: o que
Roma define hoje como tradição é radicalmente distinto e incompatível com o
que Irineu defendia como tradição. Irineu não estava defendendo os dogmas
marianos, infalibilidade papal ou outras doutrinas que Roma acrescentou durante
os séculos. Irineu nunca afirmou qualquer infalibilidade da Igreja Roma. Ele não
disse que o resto da Igreja deveria concordar com Roma para todo sempre
porque esta era o oráculo infalível da fé. Na verdade, ele pode ser contado como
testemunha de como as coisas mudaram, na medida em que cita Roma e Éfeso
como Igrejas que ensinavam a mesma doutrina. Todavia, estas Igrejas sequer
estão em comunhão nos dias de hoje, e se verifica que elas romperam a
comunhão justamente pela tentativa romana de impor o primado jurídico sobre
as Igrejas Orientais.

A ideia de Irineu aplica-se somente a Igreja de Roma de seus dias. A única forma
de torna-lo válido para os séculos seguintes seria provando que Roma manteve
sua tradição inalterável ao longo dos séculos, o que é uma afirmação absurda
que nenhum historiador sério da Igreja defenderia. Acredito que nem o Rogério
defenda isto, uma vez que ele abraça a tese modernista de Newman. A
implicação é que Irineu não tinha em mente as várias doutrinas que surgiriam
posteriormente como o próprio papado, a infalibilidade papal e etc. Estes
argumentos são expandidos por mim AQUI (SEÇÃO SOBRE IRINEU
http://respostascristas.blogspot.com/2016/02/os-pais-da-igreja-sobre-sucessao_17.html).

La Due também expressa o consenso acadêmico a respeito da estrutural eclesial


romana mais primitiva:

A pesquisa mais autoritativa indica que, diferentes de outras sedes como


Antioquia na Síria, a sede romana não possuía bispo monárquico até a
metade do século II. Até este tempo, a igreja na capital do império foi
governada por um colégio de presbíteros ou presbíteros-bispos. (p. 1)

Ele explora no capítulo (p. 1-19) os diferentes modelos de estrutura eclesiástica


apresentados pelos documentos do N.T. Nenhum desses modelos envolvia a
existência do bispo monárquico. O estudioso também explora as evidências
históricas da ausência desta estrutura em Roma (p. 25-32)
O Rogério, como de costume, traz a opinião do erudito Jaroslav Pelikan de forma
descontextualizada. Esta não é a primeira vez. Em sua resposta anterior, ele
usou vários autores protestantes, inclusive Pelikan, totalmente fora do contexto.
Eu trouxe o contexto das respectivas obras e evidenciei que os autores em
questão contradiziam frontalmente as teses do apologista (AQUI
http://respostascristas.blogspot.com/2019/06/questaopreliminares-o-apologista.html).
Vejamos a parte destacada da citação:

A principal entre essas em autoridade, e com prestígio, era a igreja de Roma,


na qual a tradição apostólica compartilhada por todas as igrejas de todos
os lugares era preservada. (Jaroslav Pelikan. A tradição cristã: uma História do
desenvolvimento da doutrina. O surgimento da tradição católica. p. 133)

Vejamos o contexto expandido:

Tanto a unidade doutrinal quanto a continuidade apostólica foram contrastadas


com os ensinamentos dos gnósticos. Ireneu falou da “variedade deles” e das
“doutrinas e sucessões deles” (Iren. Her. 3. pr. [Harvey 2:1]), mas alegava que a
igreja, dispersa pelo mundo e falando muitas línguas, tinha um só coração e uma
só mente, mantendo a unidade da fé (Iren. Her. 1.10.2 [Harvey 1:92-94]). Seu
argumento de que a tradição apostólica fornecia a interpretação correta do
Antigo e do Novo Testamentos e que a Escritura provou a correção da tradição
apostólica, de algumas maneiras, era um argumento circular. Mas, em pelo
menos duas maneiras, esse argumento escapou dessa circularidade. Uma era
a identificação da tradição com “o evangelho”, o qual servia como uma
norma do ensinamento apostólico. A outra era o apelo para as igrejas de
fundação apostólica como os afiançadores da continuidade com os
apóstolos. Pois quando nem a Escritura nem a tradição conseguiam
convencer os opositores, Ireneu insistia que estava no “poder de todos em
toda igreja que quisesse ver a verdade contemplar claramente a tradição
dos apóstolos totalmente manifestada em todo o mundo; e tínhamos
condição de avaliar os que tinham sido instituídos bispos das igrejas pelos
apóstolos e de [demonstrar] a sucessão desses homens para o nosso
tempo” (Iren. Her. 3.3.1 [Harvey 2:8-9]). A principal entre essas em autoridade,
e com prestígio, era a Igreja de Roma, na qual a tradição apostólica
compartilhada por todas as igrejas de todos os lugares foi preservada. A
fundação apostólica e a sucessão apostólica eram outro critério da continuidade
apostólica.

Pelikan está afirmando o mesmo que La Due. Roma compartilhava de uma


tradição preservada em outras Igrejas que também possuíam a mesma
preeminência de autoridade de Roma. O que tornava Roma especial era a
presença de Pedro e Paulo. Não há qualquer primazia jurídica (a premissa papal)
no argumento de Irineu, nem isto está sendo defendido por Pelikan. O apologista
comentou:
Vale notar que, para Santo Irineu, a autoridade é definida porque para combater
os hereges as Escrituras não bastavam. Santo Irineu de Lyon é um obstáculo
intransponível aos protestantes:

Ele então traz a citação de um apologista católico sem qualquer valor para a
discussão e prossegue:

A destruição das relíquias de Santo Irineu tem um valor simbólico de contestação


pela nova ordem calvinista que negava o valor da tradição e autoridade da Igreja.

Observem que ele ocultou o seguinte trecho da citação de Pelikan:

Pois quando nem a Escritura nem a tradição conseguiam convencer os


opositores, Ireneu insistia que estava no “poder de todos em toda igreja que
quisesse ver a verdade contemplar claramente a tradição dos apóstolos
totalmente manifestada em todo o mundo (...)

Eu já discuti a tradição de Irineu e a doutrina da Sola Scriptura (AQUI


http://respostascristas.blogspot.com/2017/08/sola-scriptura-tradicao-irineu-e.html). O
primeiro recurso de Irineu para refutar os gnósticos foi a Escritura. Eles então
respondiam afirmando a Escritura não era clara e que eles tiveram acesso às doutrinas
secretas não verificáveis nas Escrituras a partir dos próprios apóstolos (o que nos
lembra bastante o argumento católico romano). Irineu passava então a apelar a tradição
que era o ensino público e consensual da Igreja desde o princípio como um elemento
de prova. Os gnósticos também não aceitaram e foram inclusive os primeiros a
produzirem suas próprias listas de sucessão de mestres. Foi aí que os pais da Igreja
passaram a produzir as listas de mestres da Igreja cristã para refutar este último
argumento dos gnósticos. A eclesiologia de Irineu comportava uma hierarquia de
autoridades da qual o papado não fazia parte.

Não há incompatibilidade entre uma hierarquia de autoridades e a doutrina da Sola


Scriptura. Esta afirma que a Escritura é a única regra infalível de Fé. De fato, nos escritos
do bispo de Lyon, encontramos a afirmação da inspiração das Escrituras e o mesmo
não é dito a respeito de outras regras de fé. Irineu também afirma a suficiência formal e
material das Escrituras (documentação no artigo linkado acima). Tenhamos em mente
que a tradição a que Irineu se referia era composta pelas doutrinas do credo apostólico,
e como Pelikan atesta, não era materialmente distinta da Escritura. Diferente do
espantalho católico, a Sola Scriptura não exclui a autoridade da Igreja ou da Tradição,
mas afirma que Escritura é a autoridade final e, portanto, acima das outras. O que Irineu
fez, ao apelar a outras autoridades, é basicamente o trabalho de qualquer apologista de
respeito. Ele não considerava a Escritura insuficiente, mas no trabalho de convencer
seu opositor, precisava apelar ao mesmo tipo de autoridade que eles. O mesmo ocorre
nos debates entre católicos e protestantes. Ao refutar o catolicismo romano, nos
apelamos aos pais da Igreja, aos concílios, aos próprios textos do magistério romano.
Isto implicaria que colocamos essas fontes em pé de igualdade com as Escrituras?
Obviamente não. De forma semelhante, o católico romano apela a historiadores pagãos
para atestar a existência de Jesus. Isto implicaria que as fontes pagãs tem o mesmo
patamar de autoridade que as neotestamentárias? A doutrina protestante comporta a
validade de outras autoridades como a tradição, os concílios da Igreja, a razão, a
história. O que a distingue é que a infalibilidade é atribuída apenas à Escritura porque
somente esta autoridade foi inspirada pelo Espírito Santo.

Os apologista também comentou:

Neste texto de Pelikan fica evidente como surge o conceito de tradição e como
ele é associado a apostolicidade e o primado Romano-Petrino, que são
indissociáveis. Portanto, o conceito de apostolicidade é referente à questão de
autoridade emanado dele.

Primeiro, Pelikan se refere ao conceito de tradição de Irineu, que não é o mesmo


conceito defendido pelo Rogério, uma vez que ele abraça a teoria modernista de
Newman. Segundo, não há em Irineu qualquer primado Petrino. Quando ele se
refere a posição especial de Roma, sempre destaca o papel de Pedro e Paulo.
A citação trazida por ele atesta isto:

Até o final do século II, a literatura Cristã mencionava tanto Pedro como
Paulo como fundadores e organizadores da igreja em Roma. Depois, o foco
e a ênfase se voltaram para Pedro. Assim, Tertuliano de Cartago (AD.150-230)
mencionou que algumas ‘igrejas apostólicas’ possuíam registros de sucessão
episcopal e a igreja romana possuía registros provando que Clemente tinha sido
ordenado por Pedro para ser seu sucessor como bispo de Roma. Escritores
posteriores honram de forma especial por ter sido o fundador das congregações
e da sucessão episcopal de Roma. […] (Denis Kaiser, Leo the Great on the
Supremacy of the Bishop of Rome. Andrews University Seminary Student
Journal, Volume 1, Number 2 Fall 2015).

Sobre esta fonte, que pode ser vista AQUI


(https://digitalcommons.andrews.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1007&context=aussj), o
apologista comenta:

Para defender minha tese uso bibliografia e fontes variadas. Começo com Denis
Kaiser, PhD; que escreve para o artigo de uma faculdade adventista americana,
portanto, nenhum pouco filocatólica.

Não há nada na fonte citada que referende as teses do Rogério. O autor em


questão não afirma que havia em Irineu a visão de que Roma governava outras
Igrejas. Pelo contrário, ele cita nas notas de rodapé obras que referendam a
visão padrão de que Irineu não atribui a Roma qualquer autoridade de natureza
jurídica sobre a Igreja Universal. O artigo citado é sobre as opiniões do papa
Leão I (séc. V), que é de fato o primeiro a expressar em termos claros os
argumentos que iriam sustentar o papado. O autor afirma nas conclusões:

Então ideias eclesiásticas e imperiais convergiram para formar o fundamento


monárquico do papel e do trabalho do bispo de Roma. Enquanto Leão tentou
impor essa autoridade em todos as questões eclesiais e seculares, suas
tentativas ocasionalmente encontraram resistência, como a sua visão do poder
episcopal do sucessor de Pedro, que nem sempre foi compartilhada por
todos os bispos ou governantes seculares, especificamente não no Oriente
(...) Este estudo destaca as significativas adições que os pontos de vista de Leão,
o Grande, fizeram à lógica dos bispos e líderes da igreja anteriores em relação
ao poder e autoridade do bispo romano. Enquanto ele forneceu a justificativa
para o absoluto e completo domínio universal do episcopado romano, não foi
senão séculos mais tarde que essa autoridade pôde realmente ser
executada pelo papado.

As pretensões papistas não foram completamente exercidas nem no séc. V,


imagine no séc. II. Após muita resistência, só seriam impostas no Ocidente. Já
o Oriente nunca aceitou este tipo de autoridade e de fato não aceita até hoje.
Ainda, os escritos de Irineu são do período até o fim do séc. II (período em que
Paulo e Pedro são citados com igual importância). Isto evidencia a ausência da
doutrina papal no pensamento de Irineu. Caso contrário, ele destacaria Pedro e
não o colocaria em igualdade com Paulo. Terceiro, a primazia Romana de Irineu
é incompatível com a doutrina do papado. Irineu diz

Os bem-aventurados apóstolos que fundaram e edificaram a Igreja


transmitiram o governo episcopal a Lino, o Lino que Paulo lembra na carta a
Timóteo. (Contra as Heresias 3:3:3)

Além de colocar Paulo e Pedro em pé de igualdade, afirma que Lino foi o primeiro
bispo de Roma e não Pedro. Ele sempre coloca os bispos de Roma como
sucessores dos apóstolos no plural e nunca como sucessores de Pedro
exclusivamente. O renomado eclesiologista católico romano – Francis Sullivan -
comenta:

De acordo com Irineu, Pedro e Paulo, não somente Pedro nomeou Lino como o
primeiro na sucessão dos bispos de Roma. Isso sugere que Irineu não
pensava em Pedro e Paulo como bispos ou de Lino e aqueles que o
seguiram como sucessores de Pedro mais do que de Paulo. Irineu viu uma
distinção clara entre apóstolos e bispos, embora ele entendesse bispos como os
"sucessores" a quem os apóstolos entregaram o seu ofício de ensino. (Sullivan
F.A. From Apostles to Bishops: the development of the episcopacy in the early
church. Newman Press, Mahwah (NJ), 2001, p. 149)
Irineu provavelmente derivou sua lista de um autor mais antigo chamado
Hegésipo. Sullivan diz:
O que eu disse sobre a lista de Hegésipo também se aplica à de Irineu, a saber,
dado o fato desses homens como os principais líderes e professores entre
os presbíteros romanos. Em que momento os principais presbíteros em
Roma começaram a ser chamado de "bispos" permanece desconhecido.
(Sullivan, p. 150)

Hegésipo foi um autor cristão que viajou a Roma e lá compilou uma lista de
bispos. Infelizmente não temos a íntegra das obras de Hegésipo, mas alguns
extratos constam da História da Igreja de Eusébio. Sullivan atesta, em
consonância com a historiografia padrão, a lista de Hegésipo não era de bispos
monárquicos, mas de presbíteros destacados. Peter Lampe, autor da obra mais
reconhecida na academia sobre o cristianismo em Roma nos primeiros séculos,
afirma sobre Hegésipo:

Não está em causa de nenhuma maneira provar uma sucessão de bispos


monárquicos dos apóstolos até o presente. O que ele retrata em sua mente
eram cadeias de portadores de crenças corretas, ele tinha a opinião de que
poderia reconhecer tal afirmação também em Roma. Mais do que isso não está
no texto. (Christians at Rome in the First Two Centuries: From Paul to
Valentinus. A&C Black, 2006, pp. 404)

Quasten, um estudioso patrístico católico romano, vai na mesma direção:

As palavras de Eusébio 'Γενομενος δε εν Ρωμη, διαδοχην εποιησαμην μεχρις


Ανικητου' não indicam que Hegésipo compilou uma lista dos bispos de
Roma, na ordem da sua sucessão, mas que em sua cruzada contra as
heresias de seu tempo, visitou Corinto, Roma e outras cidades, a fim de
averiguar a διαδοχην, ou seja, a tradição ou a preservação da verdadeira
doutrina. (Johannes Quasten, Patrology Volume I (Ave Maria Press: Notre Dame,
1976), 286)

Controversamente os protestantes fazem uma distinção de primado romano e


de primado petrino. Há uma confusão de DISCURSO aqui, pois não se pode
pensar que esses são opostos, visto que são complementares. Mesmo porque
os primeiros cristãos não diferenciavam isso,

Que tipo de primado? Novamente, ele usa as palavras sem defini-las. O Rogério
é adepto da filosofia de Orkut “quem se define se limita”. Os autores protestantes
e outros acadêmicos em geral afirmam que a primazia de Pedro era apenas de
honra e não dava ao apóstolo qualquer autoridade singular sobre os outros
apóstolos. E não há nenhuma complementaridade com a primazia de Roma aqui.
Como já visto, Irineu não atribuiu a Pedro primazia (mesmo de honra) sobre
Paulo. Nem todos autores cristãos antigos atribuíram sequer a primazia de honra
a Roma. A primazia de Pedro foi inclusive utilizada para estabelecer a autoridade
da Igreja de Antioquia. Dessa forma, não existe complementariedade dessas
duas ideias, e ainda que houvesse, o máximo que se conseguiria é uma primazia
de honra e não a autoridade jurídica que a doutrina papal requer.

Contudo, se o artigo é sobre Santo Agostinho não deveria começar ou forrar


exclusivamente de citações deste Santo? Não, pois a base de um argumento
sobre Agostinho está alicerçada nos argumentos de Irineu. Sem pensar
dialeticamente acabamos assumindo os erros de outros autores motivados
ideologicamente: os textos de Irineu vão influenciar toda cristandade. E o
argumento de apostolicidade vem com o de sucessão apostólica e do primado
que são indissociáveis.
A ideia de sucessão apostólica em Irineu não é igual a de Agostinho. Irineu
estava mais preocupado com a sucessão doutrinária, enquanto Agostinho com
uma sucessão de ordenações. Além disso, o principal teólogo a inspirar
Agostinho não foi Irineu, mas Cipriano. Mais a frente ficará óbvio porque o
Rogério evita tratar da obra de Cipriano, uma vez que ele foi utilizado em meus
artigos sobre o papado. Mas, se a base de Agostinho é Irineu, tenho más
notícias: a eclesiologia de Irineu não comportava o papado, logo a eclesiologia
de Agostinho ...... Esta seria a implicação do frágil argumento católico. No
entanto, se o Rogério lesse livros sobre história da Igreja e não apenas
apologistas católicos, ele saberia que a chave para entender a visão agostiniana
sobre Pedro e a sucessão apostólica está mais em Cipriano do que em qualquer
outro.

Sobre o Imprimatur e a ineficiência do magistério romano

Sobre o imprimatur gostaria de mostrar uma tabela ao leitor sobre a falácia usada
pelo apologeta: de que a validação de um bispo é algo que encerra o caso sobre
terminada opinião.

Eu gostaria que o Rogério apontasse em meus textos onde afirmei que o


imprimatur encerrava algum caso. Eu me pergunto se ele usa tantos espantalhos
por não conseguir refutar o argumento em seus próprios termos, ou se por
inabilidade de compreensão do texto. A segunda possibilidade não deve ser
dispensada haja vista a dificuldade que ele apresenta para expor suas ideias na
língua materna e os erros básicos de português que comete. Ele apresenta uma
tabela onde é discriminado o que seria ou não infalível, como se alguém tivesse
dito que o imprimatur era uma manifestação infalível da Igreja de Roma. Esta
questão se deu porque a maioria dos historiadores católicos que apresento em
meus textos tiveram o imprimatur e/ou nihil obstat em suas obras. O apologista,
sem sequer conhecer as obras, desqualificou os autores apelando a todo o tipo
de teoria conspiratória, apenas porque eles contradizem sua ingênua narrativa
da história da Igreja. Além disso, o nihil obstat afirma que a obra não possui erros
morais ou doutrinais. Agora, quem tem mais autoridade para expressar a visão
da Igreja Romana? O bispo ou o leigo que apresenta conhecimentos parcos
sobre o assunto? Com base na tabela que ele trouxe, o bispo em comunhão com
o papa tem autoridade, mas não infalibilidade. Logo o imprimatur e/ou nihil obstat
é uma declaração eivada de autoridade. O Rogério já demonstrou por meio de
algumas pérolas ter um conhecimento bem limitado. No texto a qual respondo
ele diz:

Irineu é discípulo direto dos apóstolos e defende a Primazia Romana.

Como isto seria possível, se Irineu nasceu por volta do ano 130, quando todos
os apóstolos já haviam morrido? Irineu afirma ter conhecido Policarpo, a qual
teria conhecido o Apóstolo João. Embora esta afirmação histórica provavelmente
não seja verdadeira, o máximo que se poderia dizer é que Irineu conheceu
alguém que conheceu um apóstolo. Como isto o tornaria um discípulo direto,
somente o apologista com seus conhecimentos históricos secretos poderia dizer.
Outra pérola que apenas alguém com pouco conhecimento afirmaria:

(...) o conceito de trindade, homousius, consubstancial e etc não seriam válidos.


Pq? Surgiram 4 séculos depois da primeira geração cristã.

É neste ponto que precisamos salvar a Igreja Romana dos seus próprios
apologistas. Pais da Igreja como Atanásio (o campeão da fé nicena) e a própria
Igreja de Roma afirmara

m que estes conceitos são bíblicos, embora o termo em si não pudesse ser
achado na Escritura. Mesmo em relação ao termo, a afirmação é absurda, pois
Tertuliano, no início do séc. III, já utilizara o termo trindade. A cristologia trinitária
foi afirmada em Niceia (325). A primeira geração cristã viveu até o fim do séc. I.
Quatro séculos depois daria algo em torno do ano 500. Se tomarmos como
referência o início do ministério de Jesus, daria algo em torno do ano 433. Isto é
o básico do básico. Neste período, os conceitos em questão já haviam sido
amplamente defendidos pelo pais da Igreja com base na Escritura e definidos
pelos Concílio de Niceia (325) e Constantinopla I (381) como critério da
ortodoxia. No entanto, deveríamos desprezar toda a historiografia sobre o
papado e levar em conta opiniões de pessoas que demonstram este nível de
conhecimento sobre a história. É como dizer para o doente procurar um
curandeiro para ser benzido com folhas de arruada ao invés de ouvir a opinião
de um médico e tomar os remédios.

Além disso, os apelos à infalibilidade da Igreja são vazios. As inúmeras


contradições do magistério são resolvidas através de decisões arbitrárias dos
católicos leigos. Não há uma lista infalível de todos os ensinamentos infalíveis
do magistério. O leigo precisa arbitrariamente decidir o que está ou não sujeito
ao erro. Esta não é uma tarefa simples, pois o magistério extraordinário (infalível)
nem sempre traz uma indicação de que determinado ensino é reformável. Não
há consenso sobre quantos são os concílios ecumênicos. Não há consenso
sobre quantos são os concílios infalíveis. E mais, os teólogos católicos admitem
que mesmo num concílio infalível, nem todas as declarações são infalíveis.
Todavia, há consenso de que o exercício do magistério extraordinário é
extremamente raro. Não seria exagero dizer que nem 1% das declarações do
magistério podem ser classificadas como “infalíveis”. Cardeal Dulles afirma:

Não existe, no entanto, uma lista canônica de todos os concílio


ecumênicos. (Magisterium: Teacher and Guardian of the Faith (Sapientia Press
2007) p. 68)

Dulles também diz:

Concílios como a Trento e o Vaticano I muitas vezes dividiram seus decretos em


capítulos e cânones, de modo que os capítulos declararam positivamente o
contraditório do que o anátema nega. O ensino do capítulo é definitivo pelo
menos na medida em que contradiz o anátema no cânon. Mas, além de incluir
doutrina definida, os capítulos geralmente contêm questões explicativas
adicionais que não são infalivelmente ensinadas. (Ibid. p. 68)

E também:

Exceto pela definição da Imaculada Conceição, há pouca clareza sobre quais


declarações papais antes do Vaticano I são irreformáveis. A maioria dos
autores concordaria com cerca de meia dúzia de declarações. (Ibid. p. 72)

Dulles demonstra que nem o magistério tem conclusões exatas sobre o exercício
do próprio magistério:

No início do século XX, houve um debate inconclusivo sobre se a Igreja pode


definir dogmaticamente o que é apenas "virtualmente" ao invés de "formalmente”
revelado. (p. 75).

Além disso, o católico que acredita poder dispensar o magistério ordinário


(falível) e seguir sua consciência está agindo em desacordo com a doutrina
historicamente defendida pela Igreja Romana. Liberdade de consciência sempre
foi vista como uma “heresia” protestante ou praga da modernidade. O catecismo
afirma:

A assistência divina é também dispensada aos sucessores dos Apóstolos,


quando ensinam em comunhão com o sucessor de Pedro, e de modo particular
ao bispo de Roma, pastor de toda a Igreja, quando, mesmo sem chegarem a
uma definição infalível e sem se pronunciar de «modo definitivo», no
exercício do seu Magistério ordinário, propõem uma doutrina que leva a uma
melhor inteligência da Revelação em matéria de fé e de costumes. A este
ensinamento ordinário devem os fiéis «prestar o assentimento religioso do
seu espírito» (429), o qual, embora distinto do assentimento da fé, é, no
entanto, seu prolongamento. (CCC 892)

Há também um problema de origem histórica. Essa distinção entre magistério


ordinário e extraordinário é um desenvolvimento recente (lembremos que a
infalibilidade papal só foi declarada no séc. XIX). Além disso, os cristãos das
diferentes épocas dificilmente saberiam onde o magistério oficial estava. Cardeal
Dulles escreve:

No ensino católico moderno, o termo "Magistério" geralmente designa os


professores hierárquicos - o papa e os bispos que em virtude de seu ofício têm
autoridade para ensinar publicamente em nome de Cristo e julgar oficialmente o
que pertence à fé cristã e o que não pertence. Este conceito do Magistério,
embora pareça quase evidente hoje, é relativamente recente. Antes do século
XIX, a dicotomia entre privado e público, não oficial e oficial não estava tão
claramente desenhada. (Ibid., p. 35)
Essa é uma das razões pelas quais se Cristo tivesse deixado um magistério
infalível para manter o povo de Deus na doutrina correta, este não poderia ser o
romano.

Como vemos na tabela, o Imprimatur não diz que a obra é infalível e nem que os
textos na obra não são objetos de debates e estudos, mas é apenas uma licença
da Igreja para publicação.

Já o Nihil Obstat afirma que a obra não tem erro doutrinal ou moral, logo, as
acusações do apologista a autores como Raymond Brown se mostram
infundadas diante da autoridade de sua própria Igreja. Além disso, como já visto,
os católicos não tem obrigação de seguir apenas o magistério infalível, pois se
assim fosse, a Igreja Romana não exerceria uma autoridade de fato, haja vista
que o magistério falível é o que está sendo exercido na maior parte do tempo.
Sem contar que a própria distinção entre falível e infalível já é um problema.

Alguns protestantes acham que tudo que teólogo católico diz é dogmático ou que
no catolicismo não pode haver discordâncias na unidade.

Se a discordância se refere a algo que a Igreja de Roma declarou como parte do


depósito da fé, constitui-se sim numa quebra da unidade.

Talvez seja porque, dentro do protestantismo, a discordância leve ao sectarismo,


à divisão, e à heresia. Ou talvez pela teologia protestante ser tão fragmentada
que toda hora é preciso inventar rótulos para identificar alguma corrente de
pensamento, mesmo que seja mínima.

Pelo contrário, o protestantismo é muito mais tolerante às discordâncias. A


teologia protestante não exige que todos estejam debaixo da autoridade de um
mesmo bispo para que sejam considerados verdadeiros cristãos. Presbiterianos
e batistas, por exemplo, se consideram irmãos de fé, apesar de possuírem
divergências doutrinárias. O quadro que ele pinta não é fidedigno ao catolicismo
moderno. O que se vê são grupos antagônicos, a exemplo de modernistas e
sedevecantistas, com interpretações divergentes sobre os documentos
magisteriais, e tantas vezes excomungando-se mutuamente. O papa Francisco
mesmo é algo desse tipo de ataque. Se a existência de grupos excomungando
o papa não é sinal de falta de unidade, o que poderia ser então? Discutir unidade
com católicos é geralmente tedioso, pois eles pressupõem que seu modelo de
unidade (todos debaixo da autoridade do papa) é o padrão pela qual a unidade
entre os cristãos deve ser julgada. Além de ser um padrão inválido do ponto de
vista bíblico e histórico, já foi responsável por várias divisões na cristandade a
exemplo do cisma oriental (1054) e cisma ocidental (1378-1417).

Sobre a citação de Newman


Inicialmente o Rogério havia me acusado de citar Newman de forma errada,
porém, agora, ele afirma que Newman estava errado. Parece que ele descobriu
que o autor inglês não é favorável as suas teses. Conforme demonstrei, Newman
afirma que enquanto os apóstolos estiveram na terra, não havia bispo ou papa –
uma estrutura que só surgiria depois.

No meu entender como historiador, Newman não percebeu que havia bispos e
presbíteros pois não lidou com a análise de Fontes Primárias (talvez, pelo fato
de a epistemologia histórica no século XIX não ser muito desenvolvida); mas, de
qualquer modo, a divisão e diferenciação do trabalho evangelístico já ocorre no
Novo Testamento.

O Rogério é a prova vivia de que a má fama dos cursos de humanas do Brasil


não é injusta, pois se trata de um historiador que não sabe escrever direito, que
menospreza a opinião de historiadores especialistas no tema em questão
(história do papado) e que ao invés de utilizar fontes acadêmicas, prefere
apologistas de internet. Eu espero que ao escrever um artigo acadêmico, ele não
faça o que tem feito neste debate, pois acaso seja responsável por ensinar
outros, estará contribuindo para os já péssimos índices educacionais do Brasil.

Terei que defender Newman desta vez, pois ele é mais uma vítima da
incapacidade do apologista de entender textos claros. Primeiramente, a única
fonte trazida pelo apologista é baseada na citação já trazida da coleção patrística
da Paulus, na qual se diz que no período em que Irineu escreveu, já havia a
divisão tripartite (bispo monárquico, presbíteros, diáconos). No entanto, Newman
se referiu ao período apostólico, quando escreveu:

Enquanto os Apóstolos estavam na terra, não havia bispo ou papa. (Ensaio


sobre o Desenvolvimento da Doutrina Cristã, Cap. 4, Seção 3)

Ele ainda afirma que Newman não “lidou com a análise das fontes primárias”, o
que simplesmente não é verdade. A obra pode ser vista AQUI
(http://www.newmanreader.org/works/development/). Aliás, todos os autores por mim
citados fazem o mesmo. Ocorre que o apologista não leu nenhum dos livros que
ele critica. Há diversas notas de rodapé nos quais as fontes dos autores
patrísticos são citadas. Historiadores nem sempre usam a citação direta. Eles
citam a fonte e fazem comentários sobre elas. Vejamos o contexto:

Enquanto os apóstolos estavam na terra, não havia nem bispo nem papa; seu
poder não tinha proeminência, como sendo exercido pelos apóstolos. Com
o passar do tempo, primeiro o poder do bispo se mostrou e depois o poder
do papa. Quando os apóstolos foram levados, o cristianismo não se quebrou em
partes. No entanto, localidades separadas poderiam começar a ser o cenário de
dissensões internas, e um árbitro local, em consequência, seria desejado.
(FONTE http://www.newmanreader.org/works/development/chapter4.html)
Newman está se referindo ao bispo monárquico e não a liderança colegiada de
bispos/presbíteros verificada no N.T. O apologista disse que “Newman não
percebeu que havia bispos e presbíteros”. Newman não diz nada sobre a
ausência de bispos ou presbíteros como liderança colegiada. No N.T os termos
gregos para bispos e presbíteros são intercambiáveis. Isto fica claro quando
Newman diz: “e um árbitro local, em consequência, seria desejado”. O
Cardeal apenas considerando a ideia amplamente defendida pelos historiadores
de que o bispo monárquico surgiu no âmbito da Igreja local por conta de divisões
internas. Isto fica mais evidente no trecho seguinte:

Quando a Igreja, então, foi lançada sobre seus próprios recursos, os primeiros
distúrbios locais deram exercício aos Bispos, e os distúrbios ecumênicos
seguintes deram força aos Papas.

Ele não está se referindo a liderança colegiada dos presbíteros, claramente


exposta em alguns livros do N.T, mas ao bispo monárquico. Parece que o
Rogério tem algum problema para ler autores católicos. Como já disse, ele
precisa parar com isso, pois se for demitir todos os autores católicos que não
concordam com as teses dele, não vai sobrar quase ninguém para ler.

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