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A MISSIO-DEI NA CIDADE

Ênio Caldeira Pinto

INTRODUÇÃO

O objetivo desse trabalho é caracterizar a missio Dei no contexto urbano


enquanto agir pastoral que cumpre a função missiológica da Igreja. Falar da missão de
Deus na cidade é confirmar a sua obra como resposta aos desafios modernos. O mundo
social urbano representa o campo missionário a ser alcançado pela Igreja. Nesse sentido, a
cidade também faz parte do mundo criado por Deus de tal forma que ela necessita da
redenção em Cristo. Deus e a sua Palavra continuam sendo chaves hermenêuticas de toda
a ação pastoral no mundo moderno. A cidade oferece oportunidade de uma ação pastoral
que restaura e faz surgir um novo povo, o povo de Deus.

A concepção de missio Dei pautada por Vicedom1 tornou-se um clássico no


que diz respeito à Teologia da Missão. Para ele, Deus está mais interessado em revelar à
humanidade o seu propósito, ou seja, que a missão é Dele. Este conceito traz à lume uma
crítica ao modelo assumido pela eclesiologia tanto católica como protestante na história da
teologia. Não é mais a estrutura eclesiástica quem determina a realização da missão divina.
Obviamente que a Igreja, no decorrer da história, exerceu uma influência grande na
realização da missão de Deus, mas também contribuiu para que, em algumas culturas,
houvesse um retrocesso na libertação das pessoas. Não há como negar: a obra de
Vicedom revolucionou a missiologia, a eclesiologia e a teontologia. Em apenas um
momento, na introdução, Vicedom diz a igreja é parceira na missão de Deus. Eis, então, a
preocupação hodierna de estar atento à voz de Deus no exercício da missão.

Para compreender atenciosamente como Deus é o mentor de sua própria


missão, basta observar na história da salvação, narrada no antigo e novo testamentos,
como Ele foi se revelando ao seu povo. As teofanias, manifestações divinas de inserção na
história do povo, são exemplos práticos de como Deus agia para cumprir o seu propósito. A
Igreja deve apenas conhecer o plano de Deus, pois ele mesmo nos fez conhecer o mistério
da sua vontade, a livre decisão que havia tomado outrora, de levar a história à sua
plenitude, reunindo o universo inteiro, tanto as coisas celestes como as terrestres, sob uma
só cabeça, Cristo (Efésios 1:9-10).

1
VICEDOM, Georg. A missão como obra de Deus: introdução à Teologia da Missão. São Leopoldo:
Outro ponto relevante diz respeito ao conteúdo da missio Dei, isto é, a
proclamação do Reino de Deus. Cristo tornou isso possível, pois cumpriu o propósito do
Pai, manifestando e instaurando esse governo. As bem-aventuranças, descritas nos
Evangelhos, contextualizam a justiça salvífica de Deus revelada em Cristo. É por isso que a
fé em Cristo se torna o elemento catalisador dessa justiça, pois ela revela a vontade do Pai.
Cristo continua revelando a história salvífica de Deus.

Então, podemos dizer que a missio Dei sempre possuiu um enfoque


soteriológico. É por isso que a Igreja é co-parceira de Deus na realização de seu plano, ou
seja, ela deve também expressar uma função que busque a libertação do universo
(inclusive a raça humana). A fé em Cristo revela uma comunidade que crê (fidei) e se
compromete em divulgar a fé salvadora. Da mesma forma que Cristo andou pelas cidades,
o seu povo também é convidado a percorrer a via-crúcis, dedicando um dia inteiro a andar
com Jesus por sua cidade, com Ele mostrando aquilo que realmente aprecia nela. 2 Afinal,
que missão vem sendo desenvolvida pastoralmente nas cidades? Que identidade cristã
vem sendo construída pelas igrejas? Que comunicação é essa presente nas igrejas que
corrompe o sentido primeiro de uma interpretação bíblica e prática pastoral? Qual a missão
de Deus para as cidades? Que ministério pastoral corresponde às necessidades urbanas?

Obviamente que a igreja cristã, desde sua origem, entendeu a cidade como
um desafio a ser superado pela própria pregação do Evangelho. Apóstolos, pastores,
missionários, bispos, anciãos, diáconos e líderes leigos compreenderam a evangelização
urbana como missão de Deus. Todavia, dois processos dificultaram o dinamismo nesse
ministério: o primeiro foi a institucionalização da própria igreja cristã, que permitiu
enquadrar-se nos modelos de bases sociais; e o segundo foi a estruturação da igreja,
tornando-a autarquia do próprio império e depois oligarquia, do próprio sistema
eclesiástico. Não obstante a esses dois processos, a partir do século XX, os grandes
centros urbanos vêm sendo considerados a catástrofe social, mas que podem ser
transformados. A cidade não é estática, mas dinâmica; ela é um mundo em constante
transformação.3 Há, portanto, um novo dinamismo na evangelização da cidade e a igreja
precisa acompanhar essas fases de transformação.

Sinodal, 1996, p. 16ss.


2
LINTHICUM, Robert. A Transformação da Cidade: teoria e prática da evangelização urbana. Belo
Horizonte: Missão Editora, 1990, p. 11.
3
COMBLIN, José. Pastoral Urbana. São Paulo: Vozes, 1999, p. 8.
1. A CONSTRUÇÃO BÍBLICO-ETIMOLÓGICA DE CIDADE

A princípio, deve-se entender o contexto etimológico de cidade. No ambiente


vétero-testamentário, a concepção de mishpahâ (clã)4 situava a família como ambiente
social primitivo, mas na verdade refere-se ao ajuntamento de famílias que se organizavam
enquanto sociedade tribal. Há vários termos que denotam a qualidade de cidade. A
princípio, povo e família são termos que constituirão as cidades. Dessa maneira, „am (povo,
nação) designa os relacionamentos interpessoais: (1) os antepassados (Gn 28:5s,17;
35:29); (2) os parentes (2Rs 4:13; Ez 18:18); (3) e todo o povo como família (Lv 17:4; 18:29;
Nm 15:30); o grupo social: o povo da terra que aparece 75 vezes no Antigo Testamento e
com distintos significados e referentes sociais (2Rs 11:14ss; Jr 1:18; Ag 2:4; Ed 4:4); e
como povo de Deus (Dt 14:1-2; Jz 5:13 etc). Já o termo goy refere-se ao povo enquanto
comunidade política; o povo eleito de Israel e o povo de Deus nas promessas (Gn 12:2;
17:20; 18:18; Nm 14:12; Dt 9:14; Mq 4:7 e Is 60:22). Tanto „am quanto goy resumem o
contexto social da „ir, a cidade. Esta designava a formação política, econômica, religiosa e
social da nação de Israel.

Carl Schultz diz que „ir indica uma povoação permanente sem referência a
tamanho ou situação política.5 Unger, apud Champlin, fez uma pequena distinção quanto à
semântica de „ir. Para ele, se havia uma muralha, o povoado era considerado cidade, mas
se não havia, tratava-se apenas de uma aldeia.6 Ademais, há outros termos que merecem
destaque para a compreensão de cidade, tais como: Qereth, que identifica o território da
cidade (Jó 29:7; Pv 8:3; 11:11); Qirya que fazia referência às cidades conhecidas de todo o
povo (Nm 21:28; Dt 2:36; I Rs 1:41; Jó 39:7; Sl 48:2; Pv 10:15; 11:10; 18:11; Is 1:21,26;
22:2; Jr 49:25; Os 6:8; Hb 2:8,12; Ed 4:12-21); Saar, como sinônimo de portão e/ou portal
identificando também os territórios da cidade Dt 5:14; 12:14;e 14:27,28; e Chatser, que se
refere às vilas sem proteção (Ex 8:13; Js 13:23,28; 19:6-8, 15,16,22,30,31,38,48; I Cr
4:32,33; Ne 11:25,30; Sl 10:8). Pode-se entender que não há distinção entre grandes e

4
AUSTEL, Herman J. Et al. Mishpahâ. In HARRIS, R. L. et al. Dicionário Internacional de Teologia do
Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1601-02
5
SCHULTZ, Carl. „ir In: Idem, p. 1111.
6
CHAMPLIN, R.N. & BENTES, J.M. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Candeia,
19997, p. 725-732.
pequenas cidades,7 pois a garantia de segurança e fortificação exigia que todas fossem
uma unidade sociológica formada primitivamente por famílias.

Em o Novo Testamento, laos determina os habitantes da pólis e da urbes. A


compreensão é de que as organizações sociais de diferentes etnias favorecessem a
megalópolis. Mas a intenção das escrituras neotestamentárias sintetiza esses grupos na
Cosmópolis. O critério para se compreender a formação social era utilizado pela pólis, que
identificava o rural e o urbano como categorias de uma vida religiosa. Na cidade, a
economia, política e religião foram desenvolvendo-se como densos assentamentos de
formações sociais. Sendo assim, a pólis foi um novo contexto vital para o evangelho. Em
seu caminho, encontravam-se as cidades. G. D. Kilpatrick afirma que as comunidades
alcançadas pelo evangelho eram essencialmente urbanas. Em sua análise, ao constatar
que os evangelhos de Marcos e Mateus citaram o termo pólis, respectivamente, 8 e 26
vezes, percebeu que a expansão do cristianismo primitivo foi a partir dos centros urbanos.8
Para ele, Cafarnaum, Gerasa e Jerusalém são referências de igrejas urbanas que recebiam
os escritos dos discípulos. Schneider analisa três cidades férteis para a pregação do
9
Evangelho: Antioquia da Síria, Tessalônica e Corinto. Para ele, essas cidades
representavam o mundo urbano dos apóstolos e missionários itinerantes. Para Chr. Senft,10
a pólis em o Novo Testamento é prefigurada como o Reino de Deus, a nova Jerusalém (Hb
12:22; Ap 3:12; Gl 4:26); a redenção do povo da cidade (Fp 3:20 comp. Gl 4:26), e a
dimensão dialética das relações igreja e cidade (mundo). E, para o missiólogo
contemporâneo, Paul E. Pierson, o programa da igreja para testemunhar o evangelho ao
mundo foi compreendido a partir do modelo de círculos concêntricos, ou seja, Jerusalém,
Judéia e Samaria.11

No mundo bíblico o que se pode perceber é que a Palavra de Deus foi

privilegiando as cidades como horizontes missionários carentes de uma mensagem de

transformação. Naquela época, os estóicos eram os religiosos de proeminência social.

7
MONLOUBOU, l & DU BUIT, F.M. Dicionário Bíblico Universal. Petrópolis/Aparecida: Vozes/ Santuário,
1997, p. 129
8
KILPATRICK, G. D. The origins of The Gospel according to Saint Mathew. Oxford: Clarendon Press,
1950, p. 124.
9
SCHNEIDER, Nélio. “Exerçam a cidadania de modo digno do evangelho de Cristo”: o evangelho na cidade.
In: BOBSIN, Oneide (org.) Desafios urbanos à Igreja. São Leopoldo: Sinodal, 1995, p. 13.
10
SENFT, Chr. Cidade In: Vocabulário Bíblico. São Paulo: ASTE, 1972, p.68-69.
11
PIERSON, Paul E. Atos que contam: fatos que marcaram a Igreja de Cristo. Londrina: Descoberta,
2000, p. 13-16
Seus ensinos enfatizavam o espírito em detrimento ao corpo. Para eles, o corpo era mau, a

matéria ruim e somente o espírito possuía boas qualidades. Na verdade, o estoicismo

cosmopolitano tomou o controle religioso, formando uma cidade espiritual. É justamente

nesse contexto que o Evangelho ganhou um terreno fértil para a pregação cristã. As

cidades helênicas tornaram-se palcos de uma nova ordem religiosa. Sobretudo em o Novo

Testamento, Cristo foi pregado como transformador da cidade. O conteúdo da mensagem

do Reino de Deus, eivado pela justiça e paz à humanidade, chegou como proposta de uma

redenção social. A população cristã em diferentes núcleos sociais urbanos redimensionou a

mudança das estratégias políticas opressoras a partir do testemunho perante as questões

de injustiça, miséria, perseguição e assassinatos.

A influência cristã também se consagrou quando da cristianização do império

romano. Achou-se que Roma, capital da idolatria, passaria a ser o centro de adoração a

Deus. Mas não foi assim que aconteceu. A história registra a inversão dos valores e

comportamentos da cidade liderada pelo consumismo, pela globalização da pobreza, pela

desterritorialização, pelo extermínio das etnias minoritárias e pelo acúmulo de riquezas. O

Evangelho foi sendo pregado e a cidade se tornou cristã. Constantino, século IV, motivado

pela pregação e pela maneira como o Evangelho poderia ser concebido ideologicamente,

resolveu mudar a capital romana. Essa estratégia ocasionou não somente o crescimento da

pregação cristã, mas o desenvolvimento de pequenas vilas e cidades geradoras de um

novo perfil urbano, ou seja, a população concebeu novos conceitos ético-morais,

parâmetros da justiça civil, direitos e deveres do mundo oriental e uma comunicação

viabilizada pelo império cristão.


Todavia, a ação imperialista de Constantino provocou a insensibilidade das

pessoas à proclamação do Evangelho. O que se pode perceber é que a cidade não

representava mais um campo favorável à ação restauradora de Deus. “O povo sozinho

não pode se libertar”.12 Havia mister de uma comunicação libertadora na cidade. O mundo

urbano é uma realidade para os ministérios da igreja cristã. Surgiu, pois, a diversidade na

unidade13. A igreja passou a advogar soluções divinas para os problemas humanos. De

certa forma, a igreja exerceu a função de santificar o mundo.

A concepção de que a Igreja procurou santificar a cidade foi um processo que

perdurou por cerca de nove séculos. O povo de Deus é sempre um povo peregrino em

busca do Reino de Deus. Sua peregrinação terá alcançado o supremo alvo quando todo o

tecido social estiver perpassado pela vida. 14 Através do modelo sócio-econômico do

feudalismo, correspondente ao início do século XI até meados do século XIV, esse conceito

vai perder sua hegemonia, pois a grande concentração populacional ficava na zona rural,

as cidades vão ficando vazias e desertas. A concentração rural entendia que Deus habitava

o campo, e lá os mosteiros abriam suas portas e distribuíam seus grãos. 15 Isso se deve ao

fato dos mosteiros exercerem influência na vida litúrgica. O modelo ore et labore vinculava

a vida de contemplação ao contato com a natureza, evitando assim a vida nos grandes

centros urbanos. O declínio da cidade como meio de produção pode ser visto nas palavras

de Laura Souza:

12
DUSSEL, Filosofia de la liberación, p.105 apud GOIZUETA, Roberto S. Metodologia para refletir a partir
do povo. São Paulo: Paulinas, 1993, p. 129.
13
VOLKMANN, Martin. Teologia Prática e o ministério da Igreja. In: SCHNEIDER-HARPPRECHT, Christoph.
Teologia Prática no contexto da América Latina. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 93
14
HOFFMANN, Arzemiro. Desafios e impulsos para a missão urbana. In: : BOBSIN, Oneide (org.) op.cit., p.
32.
15
SOUZA, Laura de Mello e. Desclassificados do Ouro: a pobreza mineira no século XVIII. Rio de
Janeiro: Graal editora, 1986, p. 51-60.
Com suas grandes convulsões, com a urbanização e as transformações na
economia monetária e na estrutura da propriedade rural, o século XII acusa a
grande virada. Toda uma série de mudanças estruturais começava a solapar
irremediavelmente o sistema feudal, engendrando a pobreza e provocando
uma mudança radical na concepção que dela se tivera por todos aqueles
séculos: “A miséria é filha da estrada e da cidade”. Até então, não fora
reconhecida como problema social, pois a humanidade medieval não buscava
a igualdade; a pobreza era uma riqueza espiritual, e o pobre, um intermedi ário
entre o rico e Deus: daí a enorme preocupação com as esmolas, “economia
da salvação”.16

Ainda em fins do período antigo, a espiritualidade monástica ganha evidência

que, em busca da santidade, se isola dos centros populacionais, valorizando os lugares

ermos. A vida monástica organiza-se em cenóbio e há o estabelecimento de regras para a

clausura. A cidade passa a ser vista como lugar de poder, luxúria e deturpação da proposta

da vida cristã. O movimento monástico adquire a “ espiritualidade do deserto ” ,

comparando a estrutura da Igreja com a do Estado uma união pecaminosa e diabólica.

Somente no final do século XIV, é que as cidades ganharam nova dimensão

da vida urbana: conforme avançava o processo de dissolução das relações servis e de

acumulação primitiva, aumentavam os contingentes dessa nova camada social, cuja

característica mais importante era a pauperização crescente. 17


A relação

senhor-trabalhador consistia na exploração do trabalho braçal. Não havia alternativa para o

trabalhador a não ser voltar para a cidade e ver nela uma aspiração diferente para o

sustento familiar. Nessa época, os burgos, já cristalizados na cidade, determinavam uma

forma econômica de produção e consumo. Essa espiritualidade vai permanecer até o

16
Idem, p. 52
17
Ibdem, p. 53
século XVI quando o movimento da Reforma vai se tornando forte no continente europeu.

Sobretudo com a ascensão do movimento pietista, enquanto terceira herança

das igrejas protestantes,18 a pregação ridicularizou a cidade, tornando-a impura, injusta,

profana e mundana. Na cidade, emergiam os demônios, a prostituição, a violência e o mal.

A compreensão da vida religiosa urbana não aceitava a secularização como processo

normal das assimilações citadinas e modernas. Os imperativos ético-morais situavam-na

enquanto cidade condenada que jazia no maligno, lugar longe de Deus em que o diabo

reinava (comp. João 16:8-11). A igreja e o clero que se localizavam na cidade estavam

mundanizados.19 Destarte, a vida urbana era um dos desafios a ser superado primeiro pelo

próprio clero e, em seguida, pelos próprios habitantes da cidade. No século XVII, a partir de

uma mentalidade protestante, o movimento pietista projetou-se com a pregação focalizada

na santificação do indivíduo. Até o início do século XIX, as discussões teológicas eram

centralizadas na santidade dos atos e temas cristãos:

...Por isso os pietistas deviam formar, dentro das Igrejas, grupos de


santificação conhecidos como conventículos. Dentro desses pequenos
grupos a perfeição podia ser realizada e outras pessoas alcan çadas pela
mensagem. A salvação não devia ser esperada para depois da morte, mas
era realidade presente, como realização subjetiva individual... Essa resposta
tinha conseqüências muito precisas tais como o afastamento da “
mundanidade ” , a busca da perfeição cristã e a responsabilidade
evangelística;...sob influência do metodismo norte-americano do início do
século XIX voltou atenção para os costumes sociais... houve uma catalogação
de “ pecados ” ..., assume características mais evidentes no púlpito:...
descrever o “mundo do pecado”,... apontar a tentação “mundana” (sexo,
dinheiro fácil, lazer pouco sadio, coisas que podem se transformar em ídolos);

18
MENDONÇA, A. G.; VELASQUES FILHO, Prócoro. Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo:
Loyola, 1990, p. 95. Os autores consideram três heranças que amalgamaram o metodismo e, indiretamente,
as demais linhas de pensamento reformado, a saber: o arminianismo, o puritanismo e o pietismo; para
nossa análise, este último se tornou mais relevante.
19
Idem.
demonstrar que o mundo leva à perdição da alma, à destruição da família e à
decadência social... Os acampamentos eram celeiros vocacionais para a
santificação... 20

O que se pode concluir é que houve uma tentativa da evangelização da

pessoa que atingisse a cidade. Todavia, não deu certo. Mendonça e Velasques concluem

que as cidades e, obviamente, as igrejas eram pequenas demais para esse ideal.21 Embora

esse estudo tenha primado as instituições missionárias norte-americanas, as lideranças

eclesiásticas não compreendiam que o fenômeno urbano estava cumprindo normalmente

sua função social. As vilas, os lugarejos e povoados receberam impulso à urbanização e se

transformaram em cidades geradoras de novos estilos sociais. A pregação de santificação

não atingiu a cidade, pois não conseguiu competir com o novo fenômeno: o processo de

urbanização. O mesmo ocorreu no Brasil.

Clóvis Pinto de Castro, incentivador da pastoral urbana no contexto metodista

brasileiro, traz uma análise do processo de urbanização que o povo cristão moderno

presenciou nas décadas de 40, 50 e 60 (século XX). É, na verdade, um registro da

experiência religiosa, cuja expressão sofreu alterações no comportamento dos fiéis por

causa do impacto que o novo modelo urbano proporcionou às comunidades.22 O autor está

convencido que o processo urbano provocou na cristandade brasileira uma nova forma de

expressar a espiritualidade vinculada à memória da experiência de fé em Cristo:

Nesse momento visualizamos a capacidade do ser humano de recriar no


aparente “deserto” da cidade a aproximação, o encontro, e resgatar no
mistério de contar histórias a humanidade de cada um de nós.23

20
Ibdem, p. 95-97
21
Ibidem, p.98
22
CASTRO, Clóvis Pinto de. A cidade é minha poróquia. São Bernardo do Campo: Editeo, 1996, p. 19-43.
23
Idem, p. 41
Finalizando, a formulação do conceito bíblico de cidade é que nela se

encontra o povo de Deus. Na cidade, projeta-se a construção de uma nova pastoral, de

uma nova missão. É nela que encontramos os desafios urbanos para a igreja (violência,

desagregação familiar, injustiça civil e social, ecologia etc).


2. A IGREJA COMO COOPERADORA NA MISSIO DEI

A Igreja deve ser a presença de Deus na cidade.24 Essa vocação consiste na


compreensão de um ministério de transformação social, pois Deus age na cidade através
da Igreja. O uso mais freqüente para o termo evkklesi,a se refere às pessoas reunidas
em assembléia, “chamadas para fora”, isto é, da velha para a nova criação (II Co. 5:17).25
Nada é dito no Velho Testamento sobre a Igreja. Contudo, podemos entendê-la a partir do
contexto vivido pelos judeus nas sinagogas. O templo dos judeus se detinha à adoração a
Deus, aos ensinos rabínicos e à leitura da Torá. Os judeus não sabiam nada sobre o
mistério oculto que foi revelado no Novo Testamento (Ef. 3:1-12). Além disso, a Igreja pôde
assumir dois sentidos de expressão. Primeiro pode-se referir a uma Igreja local. Essa
também é chamada de Igreja Organizada, pois abrange os membros de uma determinada
localidade unidos para o serviço de Cristo. É nesse sentido que evkklesi,a se refere a
uma comunidade específica, como, por exemplo, a Igreja de Tessalônica (I Tess. 1:1).
Porém, pode também ser qualquer assembléia não-específica, como em I Co. 4:17. Em
segundo lugar, temos o sentido da Igreja Universal. Também chamada de Igreja
Organismo. É nela que se inclui todo os crente em Cristo. É nela que todos nós somos um
só corpo em Cristo (I Cor 12:13). Esse é o sentido mais usado nas Escrituras e se refere
especificamente à Igreja como sendo o Corpo de Cristo (At 8:3; 9:31; Ef. 1:22-23; Col.1:18).
Enfim, a evkklesi,a é um organismo de pessoas vivas unidas uma às outras pelo poder
do Espírito Santo e em nome de Jesus Cristo. É nesse sentido que a Igreja cumpre a
missão de Deus na cidade, ou seja, judeus e gentios formam a Evkklesi,a que habitam a
pólis. A Igreja, por habitar na cidade, também manifesta a obra redentora e salvífica de
Jesus Cristo. Para ser formada e concretizada, ela precisou do ministério do Espírito Santo
(At 2), que batizou todos em um só corpo e fê-los membros de uma única comunidade e
bebendo de um mesmo Espírito (I Cor 12:13).

Cada pessoa que nasce de novo entra no Reino de Deus (João 3:5) e está

predestinada para ser conforme a imagem de Cristo (Rom. 8:29). Já não está mais em

Adão participando da velha criação (II Cor 5:17); mas está em Cristo participando de tudo

24
LINTHICUM, R. op. cit., p. 49ss.
25
GINGRICH, F. W., DANKER, F.W. Léxico do Novo Testamento grego-português. São Paulo: Vida Nova,
que Ele é, da sua ressurreição, vida e glória (Ef. 1:3; Col. 2:10). Aos olhos de Deus, a

nacionalidade de cada um é mudada. Já não existe diferença entre judeu e gentio, mas

Cristo é tudo em todos (Cl. 3:11). Os cristãos têm em Cristo uma nova nação. São

considerados concidadãos dos céus e participando de todas as promessas e posições

celestiais (Fp. 3:20; II Co. 5:17-18). Os cristãos são os santos descritos em todo o Novo

Testamento, formadores das comunidades.

Um dos primeiros atributos que a Igreja recebeu foi o de ser santa. Isso se deu
por causa da realização dos sacramentos do batismo e da ceia. É bem provável que o
termo santa foi aplicado à Igreja com o mesmo sentido do Velho Testamento. Pois, assim
como o povo de Israel foi separado por Deus, a Igreja também tinha de cumprir essa
exigência. Em Isaías 6:3, percebemos que Deus é Santo. Dessa forma, os seus
mandamentos são santos (Sl 105:42; Jr. 23:9), a terra é santa (Gn 28:16s; Ex 3:5; 19:12; Lv
17:1), o templo é santo (Sl 5:8; 11:4; 28:2; 65:5; 79:1; 138:2; Dn 3:53; Jn 2:5-8; Ml 3:1),
Jerusalém26 é santa (Sl 2:6; 43:3; Is 56:7), os sacerdotes e os sumo-sacerdotes são santos
(Sl 132:9-16; Ex 28:36) porque são de Deus e para Deus, e em geral é também santo tudo
aquilo que está em contato com o culto (cf. Ex 30:29; Nm 18:9; Ex 16:23; Lv 23:4).

A Igreja não é somente santa da mesma forma que uma pessoa (Ef 5:26-27),
mas como a Igreja dos santos que habitam a cidade. Ela é santa porque foi separada para
executar uma missão, cujo palco de atuação é a cidade. Não se deve confundir a intenção
de santificar a urbes, patrocinada pelo movimento pietista, no século XVII, mas de
encontrar nela um espaço de atuação em que as estruturas urbanas também fossem
santificadas pela pregação do evangelho. Se o pecado habitava na cidade e nesta habitava
o pecador, então não só o pecador era santificado mas também a cidade. Nesse aspecto, a
igreja exerce a função de santificar a cidade. É, pois, nesse sentido que obras literárias vão
sendo escritas. Santo Agostinho destaca a Cidade de Deus enquanto paradigma da
comunidade santa presente no mundo.27

Embora no começo da sua implantação a Igreja tenha sido reconhecida como

1984, p 67.
26
Na teologia do Antigo Testamento, percebe-se que Jerusalém era a cidade que também recebia da bênção
de Yahweh.
27
SANTO AGOSTINHO. A cidade de Deus. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 421 (vol. 2).
a comunidade dos pecadores, logo após a pregação apostólica, ela recebeu o atributo de

santa. De maneira alguma isso é uma contradição, pois na medida em que ela é de Deus, é

santa. E os que nela congregam são santos por causa do Espírito que neles habita. O

impasse é resolvido porque a igreja é a comunidade dos santos pecadores. Sendo assim, a

igreja é uma instituição profética que age na cidade promovendo a missão de Deus. Ela

está constantemente apoiando os projetos de emancipação e dignidade humanas. A Igreja

não é edificada de outra forma senão pela congregação dos santos. Essa edificação é

mediante o permanecer em Cristo (João 15:7; Gal. 5:20). Além disso, temos o Espírito que

nos faz viver a vida de Cristo. O seu poder sobre nós é santificador e deve ser também

sobre a cidade.

Linthicum28 nos dá quatro padrões escriturísticos do papel da igreja na cidade:


Primeiro, ser uma presença benfazeja na cidade (Gn 18:20-23; Lv 19:17; Mt 5:7; 13:16; Tg
1:19-27). A igreja na cidade deve caracterizar a presença cristã nos diversos setores
sociais. É lamentável que denominações tenham concorrido a atingir o espaço geográfico e
demográfico, mas não têm influência direta sobre a sociedade em que estão inseridas. A
comunidade cristã tem que reconhecer o horrendo exemplo deixado na história e se
converter a uma missiologia contextual. Essa apatia clerical, analisada por Comblin, recebe
um reforço sociológico quando:

Durante os últimos anos, os sociólogos fizeram ver que a paróquia urbana


ficava fora dos verdadeiros meios urbanos. A convicção começava, além
disso, a ganhar muitos sacerdotes, depois que o famoso livro de Godin,
França, país de missão, demonstrou a ausência da Igreja na cidade. O que
os sociólogos demonstraram e expressaram de forma técnica, já era sabido
há cem anos pelos párocos da cidade. Mas buscavam a solução em um mito:
tentavam voltar a fazer da paróquia uma comunidade total, restabelecer a
aldeia em sua paróquia, implantar a sua Igreja local em sua paróquia...29

Dessa forma, a conversão da Igreja ocorre quando ela se envolve na tomada


de decisões que vão gerar a vida urbana, pois pela bênção que os retos suscitam, a cidade
se exalta (Provérbios 11:11a). Só haverá presença cristã quando a Igreja assumir a cidade.
Nesse sentido, a Igreja é cooperadora da missio Dei na cidade porque encarna uma função

28
LINTHICUM, R. op. cit., p. 33.
evangelizadora.

O segundo padrão estabelecido é quando a Igreja deve interceder


especificamente pelos problemas da cidade (Sl 122; Jr 29:7; Lc 19:41). Klaus van der Grijp
diz que devemos interceder pela paz da cidade, pois só quando há paz nela é que nós
teremos paz. 30 Especificamente, diremos que a igreja exerce uma função sacerdotal,
intercedendo pelos habitantes que nela se encontra. Quantas denominações estão de fato
intercedendo pelas crises econômicas, políticas e sociais de uma cidade? A intercessão é o
clamor da cidade pela igreja.

A função profética acontece quando a Igreja exerce o terceiro padrão, isto é,

proclamar o juízo de Deus e a mensagem redentora para a cidade (Jr 33:10-11; Jn 3:1-10;

Hb 13:13-14; Ap 21:1-7). Nesse aspecto, a comunidade cristã possui autoridade, simpatia e

influência que determina a inclusão e exclusão das estruturas que fazem o indivíduo pecar

bem como aquelas que o libertam. A dialética dessa ação profética é que a mesma

pregação que condena é a que possibilita a redenção. O exemplo bíblico mais claro, nesse

sentido, é a cidade de Jerusalém que, primeiro, se qualifica enquanto pecadora e rebelde e,

depois, sendo a cidade de Deus – a Nova Jerusalém.

Por último, a Igreja deve praticar a fé da comunidade, enfrentando as


injustiças humanas e sistêmicas da cidade (Dt 6:25; caps. 12-28; Is 61:1-4; Lc 10:8-9; I Co
12:4-7; Ef 4:11-16). Nesse momento, ela adquire a função diaconal e missiológica,
possibilitando a justificação dos seus habitantes. Ela está disposta a servir com amor. Jorge
Henrique Barro, ao analisar a Igreja de Tessalônica, pontua cinco modelos
31
práxio-missiológicos, dos quais destaco apenas dois. Primeiro, a igreja é uma
comunidade distinguida pelo trabalho produzido pela fé, ou seja, a ação cristã é fruto da
manutenção, preservação e propagação da fé em Cristo na cidade. E segundo, a igreja é
uma comunidade distinguida através do trabalho motivado pelo amor, ou seja, a ação cristã
também acontecerá aos de fora, os da cidade. A igreja é cooperadora da missio Dei porque
anuncia e pratica o Seu amor.

29
Comblin, Teologia da cidade, p. 225
30
apud CASTRO, C. P., p. 12.
Com respeito à Igreja que se situa no âmbito da fé, trata-se de uma
comunidade que se reúne com a finalidade de expressar as características do grupo. É a
multidão que depositou toda a confiança em Cristo Jesus e o fez seu Senhor. A
comunidade dos fiéis se registra na história quando reconheceu em Cristo a esperança viva
da vinda do Messias. Mas a todos os que o receberam, deu-lhes poder de serem filhos de
Deus. a saber os que crêem em seu nome (João 1:12) e Quem nele crê, não é julgado;
quem não crê, já está julgado, porque não creu no nome do Filho unigênito de Deus (3:36;
comp. 5:24). No contexto urbano, a fé dos santos se torna poder quando assume a vida em
Cristo como a vida para a cidade. “Mas o cristão urbano não precisa afundar em desespero.
A igreja pode abordar a cidade com um testemunho de esperança, baseado num
conhecimento do poder de Deus e Seu amor por um mundo caído e todos os seus
habitantes (Is 25:8; Hb 13:14)”.32 Os fiéis formam a comunidade cristã na pretensão de
serem identificados como testemunhas de Cristo. Embora seja um trabalho muito difícil, a fé
é o elemento de motivação para a execução desse projeto. Toda a atitude cristã é
identificada como sendo de Cristo. A presença cristã na cidade é vital importância para que
a missão de Deus seja compreendida e apreendida. A comunidade dos fiéis dá testemunho
da vida de Cristo. Ela pretende atingir o mundo pregando as boas novas (Marcos 16:15). A
Palavra de Deus e a Igreja devem permanecer juntas na ação kerigmática de anunciar a
missão como obra de Deus.

A igreja é cooperadora na missio Dei na medida em que ela ouve e obedece à


voz divina. A igreja é o instrumento da missão de Deus na cidade. Ela ouve o grito da cidade
e permite que este chegue aos ouvidos de Deus. Comblin faz ecoar nas páginas de sua
Teologia da Cidade a urbanização acelerada e agonizante, que faz soar o alarme da
opressão e da injustiça social, da violência e do crime estrutural, da coerção e da
manipulação dos interesses avarentos e desumanos. 33 E a igreja vai assumir a ação
pastoral para a cidade. Daí, pergunta-se como ser igreja na cidade sem sair da igreja? A
resposta nos remete também ao contexto da missio Dei, é Deus agindo na cidade através
da Igreja. Nesse aspecto, as denominações cristãs, sensibilizadas e obedientes à missão
de Deus na cidade, vão adquirir um papel fundamental na lida pastoral que dignificará os
habitantes do mundo urbano.

31
BARRO, Jorge Henrique. Ações pastorais da igreja com a cidade. Londrina: Descoberta, 2000, p. 64-71.
32
LINTHICUM, R. op. cit., p. 34.
33
COMBLIN, José.Teologia da Cidade. São Paulo: Paulinas, 1991, p. 121.
3. A MISSIO DEI NO CONTEXTO DA URBANIZAÇÃO

A urbanização é um processo que determina o estilo e a vida social dos


habitantes de uma cidade. A igreja deve, portanto, considerá-la como um novo modo de
produção34 que diagnostica a realidade. José Comblin dá-nos pistas dessa reflexão quando
diz:

A paróquia como tal não conhece a cidade e nem sequer imagina que tal
tarefa seria da sua incumbência. Por isso, a Igreja precisa de uma pastoral
da cidade, em que o ponto de partida é o conhecimento do sujeito que
pretende evangelizar: a cidade. 35

A cidade é a paróquia36 que oferece a contemporaneidade e a diversidade dos


ministérios. Cada vez mais a igreja é desafiada a encarar a cidade como campo favorável à
evangelização. A ação pastoral na cidade se tornará dinâmica e eficaz porque oportuniza o
conhecimento e o atendimento das necessidades dos seus habitantes. É nesse sentido que
a urbanização se torna aliada à mensagem cristã quando encara a cidade como associação
de valores, atitudes e comportamentos humanos. Nossa civilização contemporânea
encontra-se no processo de identidade urbana, cuja característica se dá pela experiência
das profissões, famílias, instituições, industrialização, aquisições de bens, símbolos,
modas, padrões de beleza, estética, lazer e religião. Não havendo a urbanização, a
mensagem cristã se torna infrutífera, pois há fortes concorrentes promovidas pelo
capitalismo moderno. A cidade, na tentativa de caracterizar a vida urbana, se enquadra
enquanto centro de riqueza, poder, conhecimento, influência, governo, religião, comércio,
transportes, arte, cultura e comunicação. Em contrapartida, promove também a
desumanização, ou seja, a cidade atrai para si a pobreza, a marginalidade, a injustiça, a
burocracia, a poluição, a violência, o desemprego e a exploração do trabalho.

Os desafios pastorais são superados quando a característica particular de

cada cidade é encarada a partir de uma perspectiva histórica, ou seja, as cidades são

organismos em constantes mudanças sociais, políticas e econômicas. A proposta cristã é

34
WIRTH, Louis. O urbanismo como modo de vida. In: VVAA. O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, p. 90.
35
COMBLIN, José. Pastoral Urbana, p. 16
que cada igreja assuma sua cidade, reivindicando a manifestação da justiça divina,

liderando projetos de emancipação e dignidade humanas e mostrando-se essencialmente

serva. Mudar o panorama urbano para um estilo de vida cristã é fazer história que revela o

Reino de Deus. É o trabalho do pastor para a Igreja e é o trabalho da Igreja para a cidade. A

igreja coopera para que a missão de Deus se realize na vida urbana. A urbanização é,

então, a chave para uma evangelização dinâmica e eficaz proposta pela igreja.

Em Desafios urbanos à Igreja, organizado por Oneide Bobsin, 37 há vários


exemplos práticos da missio Dei na cidade. O exercício da cidadania é preconizado pela
pregação do Evangelho, a preservação da vida é a anulação das drogas nos grandes
centros urbanos, a assistência social ganha sentido para a escatologia cristã e o processo
de formação e informação escolar é a partir do povo. São estudos de casos que, pela
análise da realidade, dão condições de uma pastoral eficaz e salvadora. O sucesso
garantido por essa equipe é que eles trabalharam o tema da pastoral urbana
interdisciplinariamente, partilhando necessidades, conflitos e soluções.

De fato, a característica que determina uma cidade é também a que

identifica o estilo cristão da igreja. Conhecer a vida de uma cidade é conhecer as igrejas

que ela possui. A metodologia correta para estabelecer uma pastoral urbana é ter contato

direto com o estilo de vida da cidade. Efetivamente, é através de uma nova visão da cidade

que podemos dar início a um trabalho eficaz. Dessa forma, o ministério pastoral se torna

também urbano. A igreja local se une à vida urbana para que a cidade seja resgatada e

ganhe sentido e característica da justiça social.

Nesse aspecto, a missio Dei pode ser desenvolvida no contexto da

urbanização oferecendo a diversidade dos ministérios. A exemplo de muitos, a igreja local

entende que seus membros estão dispostos a servir a Deus vivendo no mundo. Dessa

36
CASTRO, Clóvis Pinto de. A cidade é minha paróquia. São Bernardo do Campo: Exodus / Editeo, 1996.
37
BOBSIN, Oneide. op. cit.
forma, a violência sofrerá o impacto da pregação da paz, o crime será confrontado pela

mensagem da ética pela vida e a miséria será banida pela oportunidade do trabalho

humano. É claro que a igreja não se torna o centro administrativo desse empreendimento,

mas – o que se considera importante – o centro gerativo, promovedor de ministérios

sensibilizados e práticos numa ação efetiva dentro do contexto urbano. Os cristãos vão

sendo desafiados a assumir os desafios urbanos. Obviamente, as comunidades mais

contextualizadas com os problemas da cidade vão treinar seus membros para o exercício

específico de um ministério urbano bem como projetá-lo na sociedade. A Pastoral da

Criança é orgulho cristão mundial por preocupar-se com os recém-nascidos e com o alto

índice de mortalidade infantil, decorrentes de má alimentação, deficiência imunológica, falta

de afeto e, em muitos casos, sem condições mínimas de um ambiente familiar e escolar.

Devido à essa preocupação, A Pastoral da Criança, organizada pelo laicato católico

romano, foi indicada para o Prêmio Nobel da Paz de 2001.

A solidariedade é um outro elemento de uma práxis pastoral no

contexto da urbanização. Em vez de situar o contexto urbano em cânticos de guerra santa,

de monopólio do Espírito e de exaltação ao andar de cima,38 a igreja deve solidarizar-se

com o sofrimento humano e anunciá-lo enquanto culto cristão. A igreja possui o maior meio

de comunicação cooperador no exercício desses ministérios. A seu favor, a comunidade

tem a liturgia que anuncia temas da solidariedade humana e contextualiza a missio Dei na
cidade.

Em um contexto de urbanização pós-moderna, a hermenêutica

pastoral se constitui num raciocínio lógico e numa ação eficaz. É o pensar globalmente

38
LIMA, E. F. S. Reflexões sobre a corinhologia brasileira atual. In: REFORMANDA. São Paulo: Fundação
Eduardo Carlos Pereira, Número 2, p. 67-75, agosto/1990.
concomitante ao agir localmente.39 A pobreza, por exemplo, é entendida globalmente, pois

é possível também encontrá-la em países superdesenvolvidos. No entanto, esse raciocínio

passa pela formulação cultural: europeus e norte-americanos têm um padrão de vida

urbana de consumo e aquisição de bens materiais. O mesmo não ocorre com a pobreza

dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Esses últimos, culturalmente

formulados, entendem a pobreza como conseqüência do desemprego. Em ambos

contextos, a igreja deve estudar a cidade a partir de uma dinâmica histórica,

compreendendo a construção de sentido e significado que essa pobreza teve nessas

culturas; além disso, deve observar o papel que ela mesma exerceu na formulação desse

conceito, principalmente se permaneceu a visão dualista em considerar profana a vida

urbana. Como igreja que anuncia o juízo e a redenção, ela precisa questionar essa ação

pastoral e contextualizar sua nova ação para que a cidade tenha oportunidade de

chegar-se a Deus.

É por isso que a urbanização deve ocupar espaço nos púlpitos e

nos trabalhos de assistência social que a Igreja promove. Ignorar a dinâmica da

urbanização é o mesmo que se tornar insensível à missio Dei. 40 É necessária uma

mudança de pensamento, atitude e paradigma: a princípio, conhecer e delimitar

geograficamente a área a ser alcançada pela nova pastoral urbana, observando as

deficiências e negligências de um processo urbano adequado aos habitantes; depois, fazer

parcerias para maximizar os recursos humanos e, principalmente, materiais à prática da

evangelização e serviço social que conscientizem a população a respeito da qualidade da

39
SANTOS, Milton. Tendências da urbanização brasileira no fim do século XX. In: A cidade e o urbano. São
Paulo: Edusp, 1994, p. 17-26.
40
Jorge Henrique Barro, op. cit., p.80. O autor considera a sensibilidade positivamente uma ponte para o
envolvimento da igreja com a cidade.
vida urbana; por último, concentrar esforços para uma sustentação e apoio à visão

missionária ao novo grupo alcançado, possibilitando uma compreensão de que a graça de

Deus chegou àquele grupo. Acredita-se que através dessa metodologia as bases do

cuidado urbano e pastoral foram atendidas eficazmente.

Nas mensagens e pastorais aos membros efetivos das

comunidades cristãs surgem ricas oportunidades da chamada à obediência da missio Dei

para a cidade.É interessante notar que a preposição para é locativa e diretiva, objetivando o

propósito da missão de Deus. Todo o decurso da missão praticada é para o contexto

urbano; uma ação missionária para homens e mulheres integrantes de uma sociedade,

cujas estruturas e organizações são alcançadas pela graça de Deus promovendo a paz e a

justiça entre todos. O conteúdo da mensagem cristã para a cidade, igualmente em todas os

períodos históricos, não sofreu nenhuma alteração desde os tempos bíblicos. O significado

da justiça permanece em todo o tempo, mesmo no contexto da urbanização. Sendo assim,

é função profética da igreja observar se, no processo de urbanização, não estão ocorrendo

ações injustas contra o próprio povo da cidade. A missio Dei para a cidade consiste na ação

evangelizadora e libertadora, concentrando a mensagem de denúncia ao processo de

urbanização que torna a cidade corrompida e pecadora.

Na tentativa de uma pregação profética na cidade há, na verdade, a

opção política que a comunidade cristã fará frente à proposta de vida urbana. Embora a

função profética da igreja seja mais importante, a política não desmerece crédito, pois ela

prepara e executa projetos.41 É fazendo que a igreja demonstra sua práxis eclesiástica e

ilustra a manifestação da missio Dei na cidade.

41
José Comblin, Teologia da Cidade, p. 236.
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