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25/06/2019 Nietzsche, filósofo da cultura - Revista Cult

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Nietzsche, filósofo da cultura

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Ivo da Silva Júnior

“A todo o sistema de educação superior na Alemanha falta hoje o principal: o fim e os


meios para o fim”, assevera Nietzsche no Crepúsculo dos Ídolos. E acrescenta:
“Esqueceu-se que a educação, a cultura, é o fim – e não o Império –, e que para tal
fim é necessário o educador – e não o professor ginasial e os eruditos da
universidade”. Esse fim – a cultura – é a questão central da filosofia de Nietzsche.

Mas o que é cultura para o filósofo? Por cultura ele entende a busca por uma fusão
harmoniosa do físico, do psíquico e do intelectual no conjunto da vida, pela plenitude
num mesmo homem da elevação espiritual, do refinamento emocional e da perfeição
mental e moral. Considera que essa totalidade harmoniosa é para poucos, não
podendo ser universalizada. Posição, sem sombra de dúvida, aristocrática.

Somente o educador, e não o “professor ginasial” ou o “erudito da universidade”,


pode formar este homem pleno. Mas na Alemanha falta esse educador (“os meios”) e
falta a percepção da necessidade da cultura (“o fim”). Falta essa que é preenchida por
uma “falsa” cultura, a filisteia, cujo fim é o Estado.

E o que é a cultura filisteia? Nietzsche a entende como sendo o ensino geral e


profissionalizante para todos, a cultura jornalística e a opinião pública, todo modo de
vida que se coloca a serviço do Estado, em detrimento de uma plena formação pessoal.
Posições estas, grosso modo, dos capitalistas e dos socialistas, desses modernos que
defendem o progresso econômico ou o social.

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Todo empreendimento filosófico de Nietzsche tem por alvo reverter este quadro
cultural imperante na Alemanha. A partir de uma posição claramente aristocrática,
visa a atacar a cultura filisteia que então domina.

O espírito grego dionisíaco

Em defesa da autêntica cultura alemã, surge o primeiro livro do filósofo, O Nascimento


da Tragédia (1872). Longe de ser uma obra de cunho estético, este escrito tem por
objetivo trazer à luz, por meio do drama wagneriano, que atualizaria a tragédia grega,
meios de deter a destruição da cultura que vinha sendo patrocinada por aqueles que
têm o Estado como fim. Aposta assim no reencontro da “alma alemã” para salvar a
cultura.

E qual é a importância da tragédia grega para essa renovação cultural? Contra a


degradação de uma cultura aristocrática numa moderna, da autêntica cultura alemã
numa cultura filisteia, Nietzsche ressalta o supremo valor da estética grega antiga.
Aliás, os alemães havia tempos acreditavam que, ao apreciar a grandiosa arte grega,
poderiam ter seus valores morais e políticos melhorados. E isso graças à interpretação
neoclássica dada aos gregos, que neles viam uma serenidade imperturbada e
imperturbável.

Nietzsche considera equivocada essa posição, pois, em vez de contribuir para uma
cultura aristocrática, colabora para fortalecer a cultura moderna. Considera que essa
interpretação dos gregos concerne apenas a um aspecto da realidade, o apolíneo – que
tem por modelo a escultura. Desse aspecto viriam as bases da cultura filisteia.
Nietzsche vai então ressaltar outro aspecto grego da realidade, mais profundo e nada
extático, o dionisíaco – que tem por modelo a música e a tragédia. Esse outro aspecto
contrapor-se-ia ao status quo cultural.

É nessa mesma direção que Nietzsche escreve suas quatro Considerações


Extemporâneas (1873-1876). Nelas, critica David Strauss, um filisteu da cultura de
primeira grandeza; ataca a filosofia da história, que, involuntariamente, justifica a
cultura filisteia; no entanto, faz elogios a Wagner, um novo Ésquilo, que por meio de
seus dramas reintroduzirá o dionisíaco; elogia Schopenhauer, um novo educador, que
trouxe de volta a Antiguidade mais vigorosa.

Contudo, esse embate de Nietzsche com seu tempo sofre uma inflexão. A partir de
Humano, Demasiado Humano (1878), os pressupostos mesmos de sua crítica à cultura
filisteia vão começar a ser colocados sob suspeita. Qual a razão para Nietzsche
considerar que não é mais eficiente opor o pessimismo dionisíaco ao otimismo
socrático? Os motivos são simples: as condições históricas mudaram.

Se antes o pano de fundo era, de um lado, a Comuna de Paris, que trazia os perigos
das “ideias modernas” (liberdade, igualdade, justiça etc.) e os riscos da revolução
socialista, e, de outro, a guerra franco-prussiana, que colocava em xeque a “alma
alemã”, e, por extensão, a cultura, agora, com a vitória alemã na guerra franco-
prussiana, o cenário se altera.

Nietzsche se vê decepcionado com os desdobramentos dessa vitória. Em vez de a


“alma alemã” ter sido reencontrada na nova nação, em vez de a verdadeira cultura
reencontrar o seu lugar, a Alemanha demonstra ter pedido sua “alma” em favor dos
tempos modernos. O nacionalismo, que proporcionaria o advento de uma cultura
alemã vigorosa, reforça tudo aquilo que o filósofo mais rechaça: o progresso, uma
nova educação para formar técnicos capazes para trabalhar nas indústrias, uma
educação para todos, o movimento feminista, o partido do trabalhador etc., em suma,
um mundo em que o povo é protagonista e a cultura, dele decorrente, expressão da

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mediocridade. Mais ainda: o nacionalismo alemão traz a ameaça de outros conflitos no


seio da Europa, podendo com isso erradicar de vez a aristocracia que ainda resta. Da
busca por uma “alma alemã” não decorreu, como esperava, a verdadeira cultura.
Muito pelo contrário: foi a cultura filisteia que venceu.

Essa nova realidade passa a exigir novas posições filosóficas; as antinomias


regeneração “trágica” e modernidade, verdadeira cultura e cultura filisteia, que
davam o tom do conflito franco-alemão, necessitam de outros posicionamentos.

Moral e cultura

Se a visão trágica do mundo, na perspectiva dionisíaca, traria de volta a autêntica


cultura alemã, agora esse papel será entregue às Luzes, em particular àquela vertente
de Voltaire. Contra toda superstição e fanatismo moral, contra o nacionalismo e a
favor de uma Europa una, Nietzsche escreve Humano, Demasiado Humano, Aurora (1881)
e as quatro primeiras partes da Gaia Ciência (1882). Começa assim a investigar os
sentimentos morais, mostrando que eles são efêmeros e não eternos, que não há
bondade original no homem como querem os socialistas ou Rousseau, isto é, quer
investigar esta moral que está na base da modernidade e que atenta contra a
verdadeira cultura.

No entanto, esta via não rende os frutos desejados. As armas iluministas são
insuficientes, o que fica evidente com a publicação da quinta parte da Gaia Ciência
(1886). A ciência, a razão e a história trazem de volta a mesma tríade socrático-
cristão-socialista de que o filósofo procura se desvencilhar.

Há, então, um novo influxo nas posições filosóficas de Nietzsche. Com o rompimento
radical que vem com o anúncio da morte de Deus, o filósofo consegue se apartar
definitivamente do modo de operar daquela tríade.

Encontrada a melhor via para realizar uma crítica radical do mundo moderno,
Nietzsche elabora todas as suas teses filosóficas em Assim Falava Zaratustra (1883-
1885): anuncia o além do homem, aquele que trará um novo sentido para a Terra ao
ultrapassar o velho conceito de “homem” e “humanidade”; descreve o mundo como
vontade de potência, como luta permanente em que se visa sempre mais, em que se
procura dominar, resultando daí todas as configurações existentes, das naturais às
sociais; formula o eterno retorno do mesmo, em que traz os meios para ir para além
do niilismo introduzido pela modernidade; propõe a transvaloração dos valores, como
meio de alterar pela base os valores que fomentaram a tríade socrático-cristão-
socialista. Com essas teses, ele pode aprofundar sua crítica, pois encontra um solo
onde assentá-la. E é exatamente o que ocorre em seus escritos posteriores.

A partir de Para Além de Bem e Mal (1886) e da Genealogia da Moral (1887), Nietzsche
instaura o procedimento genealógico. A investigação da moral se radicaliza com a
pergunta pelo valor dos valores morais. Justiça, igualdade, liberdade etc.: qual o valor
desses valores reivindicados por Sócrates, pelo cristianismo e pelos revolucionários?
Estes não se colocariam numa posição de ressentidos perante o segmento que os
domina? O caráter mutante e horripilante do mundo – já entrevisto no dionisíaco –
ganha nova formulação com a vontade de potência. Não existe, portanto, um mundo
de permanência e harmonia expresso pelos valores que os modernos (isto é, aquela
tríade) defendem.

Em sua investigação, Nietzsche estabelece apenas duas morais: uma moral do senhor
(que está em consonância com os valores da Terra, nada dóceis, mas terríveis) e uma
moral do escravo (que quer também dominar). Não sendo capaz de agir

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afirmativamente, o escravo reage. Ressentido, ele quer vingar-se do senhor, dando


início a uma revolta na moral. E quanto a este ponto o movimento socialista é
exemplar.

No passado houve uma revolução socrático-platônica e outra judaico-cristã; mais


recentemente, ocorreu a Revolução Francesa. A genealogia nos mostra que, faces da
mesma moeda, elas se assentam sobre os mesmos valores. A partir do Crepúsculo dos
Ídolos (1888) e do Anticristo (1888), Nietzsche estabelecerá um estreito vínculo entre a
epistemologia, a teologia e a política. Vínculo esse que teve início com a Antiguidade
clássica e hoje tem sua face mais proeminente no movimento socialista e no avanço
capitalista alemão. Tudo isso indica que a tríade socrático-cristão-socialista até agora
está em vantagem.

Se a cultura floresceu num momento em que a aristocracia predominou, seja em


tempos imemoriais, seja com Goethe e Schiller na história recente alemã, é preciso
que surjam condições para que ela volte a florescer. Não é possível escamotear o
mundo tal como efetivamente ele é. Tanto que o projeto nietzschiano de
transvaloração dos valores (e não de uma revolução) está para o filósofo na ordem do
dia. Afinal, esta é a sua última cartada – brilhante, digamos – para reverter o jogo em
favor da verdadeira cultura, mesmo que o preço a pagar seja o de apostar num projeto
reacionário.

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