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Explicações e argumentos
matemáticos 1
E ste capítulo trata da arte das explicações e dos argumentos matemáticos. Primei-
ramente, analisarei essa arte em termos de sua história e seu desenvolvimento e,
depois, vamos dar uma olhada mais de perto em algumas das formas mais comuns
de explicações e argumentos matemáticos que caracterizam a noção moderna de pro-
va. Meu objetivo não é ensinar a prova em si – embora peça, aqui e em capítulos pos-
teriores, que você tente fazer uma prova – e proporcionar uma introdução modesta às
habilidades de desenvolvimento e leitura de provas.
Para preparar o terreno, por assim dizer, comecemos com a história curta de uma
sala de aula da educação infantil. A professora Austin-Page vem usando blocos de
montar para ajudar seus alunos a ampliar e desenvolver seu sentido de espaço. Nes-
ta história, ouvimos como a professora pergunta aos alunos o que aprenderam hoje
(ANDREWS, 1999).
José levanta a mão freneticamente, exclamando: “Consigo provar que um triân-
gulo é igual a um quadrado”. A professora pede a ele para contar mais à turma
sobre sua descoberta. José vai para o canto onde estão os blocos e retorna com dois
meios blocos quadrados, dois meios blocos triangulares e um bloco retangular.
“Olha só”, ele diz com orgulho. “Se estes dois [levanta os meios blocos qua-
drados] são os mesmos que este [levanta o bloco retangular],
e estes dois [agora levanta os meios blocos triangulares] são os mesmos que este
[levanta o bloco retangular de novo],
este quadrado tem de ser o mesmo que este triângulo [levanta o meio bloco qua-
drado e o meio bloco triangular]!”
18 Edward S. Wall
Embora a maneira de José falar – sua afirmação de que as formas eram “iguais”
– não seja matematicamente correta (por exemplo, as formas não são congruentes),
fico intrigado com a sua explicação e seu uso do termo prova. E se, por exemplo, ele
tivesse dito: “A área deste quadrado é igual à área deste triângulo porque cada um
deles é metade da área do mesmo retângulo maior”, e continuasse com sua demons-
tração? Em que sentido isso pode ser considerado uma prova ou, pelo menos, uma
demonstração convincente?
Europa Mundo
Sicília
Ocidental helênico
Jund-i-Shapur
(Pérsia)
China
Toledo Córdoba
(Espanha) (Espanha)
Bagdá Índia
Cairo (Iraque)
(Egito)
VARIEDADES DE PROVA
Discutirei, de forma breve, quatro variedades de prova: a prova por exaustão, a prova
por postulados, a prova por indução e a prova por contradição. Essas variedades
diferem em sua estrutura, mas têm pelo menos três coisas em comum. Exigem que
você – a pessoa que faz a prova – tenha observado algum tipo de padrão sistemático
(por exemplo, José observou que dois triângulos e dois quadrados formam um de-
terminado retângulo). Elas demandam que você faça algum tipo de enunciado sobre
o padrão que vê. (Nos anos do ensino fundamental, isso costuma ser chamado de
conjectura, mas afirmações mais fortes incluem proposições, preceitos ou teoremas.) E
exigem que você defenda essa afirmação de forma lógica.
PROBLEMA 1.1
Escreva este problema em uma folha de papel. Feche este livro e experimente, em princípio,
sua própria solução sistemática.
Se você for tentado a pular este passo (ou ignorar qualquer um dos problemas deste livro),
lembre-se de que a matemática é algo que você faz, não é algo sobre o qual você simplesmen-
te reflete. Nisso, é um pouco como a natação. Não é uma boa ideia pular na água profunda
sem primeiro praticar as braçadas sobre as quais já leu tanto.
Uma solução possível (com alguma ajuda do professor para montar as tabelas) pode
assumir a forma mostrada na Figura 1.2. Como você pode ver, há dez soluções para
este problema. Mas isso é tudo? Na verdade, você pode provar que só existem dez?
Quando fiz esta pergunta, os alunos muitas vezes responderam que tentaram
várias combinações, mas que, depois de um tempo, começaram a se repetir. Outros
dizem que eles e seus colegas têm o mesmo número de soluções, de modo que essas
devem ser todas as possíveis. Esse tipo de resposta pode ser um pouco convincente,
mas não é uma prova. Preciso de algum tipo de apresentação padronizada que forne-
ça a base para um argumento convincente. Que tal a Figura 1.3?
Em referência a esta segunda solução, observo que as alternativas são: nenhuma
moeda de 10 centavos, uma moeda de 10 centavos, duas ou três moedas de 10 centa-
vos. Assim, tenho quatro casos,
1. Nenhuma moeda de 10 centavos. Bom, tenho, no máximo, três moedas de 1 centavo.
Então, começando com essas três moedas, troco, passo a passo, cada moeda de 1
centavo por uma de 5, e obtenho exatamente quatro combinações.
2. Uma moeda de 10 centavos. Tenho no máximo duas moedas de 1 centavo. Então,
começando com essas duas moedas de 1 centavo, troco, passo a passo, cada uma
por uma moeda de 5 centavos. Obtenho exatamente três combinações.
3. Duas moedas de 10 centavos. Tenho no máximo uma moeda de 1 centavo. Então,
começando com essa moeda, troco, passo a passo, cada centavo por 5 centavos.
Obtenho exatamente duas combinações.
4. Três moedas de 10 centavos. É apenas uma combinação.
1 1 1 16c
– 3 – 15c
1 – 2 21c
2 1 – 7c
2 – 1 12c
– – 3 30c
1 2 – 11c
– 2 1 20c
– 1 2 25c
3 – – 3c
3 – – 3c
2 1 – 7c
1 2 – 11c
– 3 – 15c
2 – 1 12c
1 1 1 16c
– 2 1 20c
1 – 2 21c
– 1 2 25c
– – 3 30c
Assim sendo – e isto é uma típica prova por exaustão – há exatamente dez soluções
para o problema.
Observe que, graças ao padrão, há um sentido em que a minha segunda solução
é esteticamente mais agradável do que a primeira. Além disso, observe que não pre-
ciso especificar combinações, porque a solução para o problema pode ser obtida da
seguinte forma: Comece com o menor valor – apenas moedas de 1 centavo – e, em
seguida, àqueles 3 centavos,
1. Adicione 4 centavos um total de três vezes (7 centavos, 11 centavos, 15 centavos).
2. Adicione 9 centavos para um total de 12 centavos, e a estes 12 centavos, adicione
4 centavos, um total de duas vezes (16 centavos e 20 centavos).
3. Adicione 18 centavos (9 1 9) para um total de 21 centavos, e a estes 21 centavos,
adicione 4 centavos de um total de uma vez (25 centavos).
4. Adicione 27 centavos (9 1 9 1 9) para um total de 30 centavos.
Assim, o número total de soluções é 4 1 3 1 2 1 1 5 10.
PROBLEMA 1.2
a. Na minha solução, explique de onde vêm os 4 centavos e os 9 centavos.
b. Prove que, para quatro moedas, as soluções são: 4, 8, 12, 16, 20, 13, 17, 21, 25, 22,
26, 30, 31, 35 e 40 centavos e, é claro, o número de soluções é exatamente 5 1 4 1 3
1 2 1 1 5 15.
2 1 1 10 (1 1) (1 1) (1 1) (1 1) (1 1)
PROBLEMA 1.3
Prove que um número par mais um número ímpar é igual a um número ímpar. Dica: Você tem
uma definição de número par; você precisa de uma definição para número ímpar.
PROBLEMA 1.4
Escreva este problema em um pedaço de papel. Feche este livro e tente a sua própria solução
sistemática.
VVVVVVVVAAAAAAAA
VVVVAAAAVVVVAAAA
VVAAVVAAVVAAVVAA
VAVAVAVAVAVAVAVA
PROBLEMA 1.5
Apresente uma prova por indução de que, se você puder usar apenas blocos vermelhos, azuis
e verdes, o número de torres possíveis com altura de N blocos será 3N.
A questão de Susie
Quais números entre 1 e 11 não são a diferença de dois números primos? Prove
suas respostas.
Então, ele sorri e diz: “Você quer incluir esse negócio do 1?”. Susie ri, “Sim!”.
E, então, o professor Bass acrescenta
A conjectura de Susie
A única situação em que 1 é a diferença entre dois números primos é quando
esses números primos são 2 e 3 (2 menos 1 não conta). Prove sua resposta.
PROBLEMA 1.6
Escreva a questão de Susie e sua conjectura em um pedaço de papel. Feche este livro e tente
suas próprias soluções sistemáticas.
A maioria das crianças (e muitos adultos) que tenta responder à questão de Susie
observa que
5–352 7–354 17 – 11 5 6 13 – 5 5 8 17 – 7 5 10
5–253 7–255 11 – 2 5 9
mas não consegue encontrar dois números primos cuja diferença seja 7. Isso parece
indicar que 7 é, de fato, o único número entre 1 e 11 que não é a diferença de dois
números primos. No entanto, há muitos números primos e, é claro, não podemos
Teoria dos Números para Professores do Ensino Fundamental 25
experimentar todos. Para solucionar a situação, deixe-me apresentar uma prova por
contradição:
Começo pressupondo o contrário; que há, de fato, dois primos x e y cuja diferen-
ça é 7. Isto é,
x–y57
Observe que isso sugere que
x5y17
3
Agora, 7 é ímpar e tenho dois casos:
Caso 1: Se y é ímpar, x deve ser par e primo. Isso só é possível se x for 2. No en-
tanto, é claro que x é maior do que 7. Então, y não pode ser ímpar.
Caso 2: Então, y deve ser par. Isto é, y tem de ser 2. Logo, x deve ser 9. No entan-
to, embora seja ímpar, 9 não é primo.
Assim, tenho uma contradição e, portanto, 7 não é a diferença de dois números
primos.
A conjectura de Susie pode ser resolvida de forma semelhante:
Suponha que a conjectura de Susie seja falsa. Há um par de números primos x e
y diferentes de 2 e 3, de modo que
x–y51
Observe que isso implica que
x 5 y 11
Tenho dois casos:
Caso 1: Se y é par, isto é, se y for 2, x é 3. Mas, parti do princípio de que não é esse
o caso.
Caso 2: Então, y tem que ser ímpar. No entanto, considerando-se que um núme-
ro ímpar mais um número ímpar é par, x tem de ser par. Isto é, x tem de
ser 2. Isso implica que y seja 1. Isso, contudo, foi negado no enunciado
da conjectura de Susie.
Portanto, tenho uma contradição, e assim, a conjectura de Susie deve ser verdadeira.
INVESTIGAÇÕES
1. Tenho moedas de 1, 5 e 10 centavos no bolso. Pego três moedas do bolso e dobro
o valor de uma moeda. (a) Quantas quantias diferentes eu poderia ter? (b) Apre-
sente uma prova por exaustão convincente de que você tem todas elas.
2. Você tem dois números inteiros x e y, de modo que 2 , x e 2 , y. Pressuponha
que, para quaisquer três números inteiros a, b (b diferente de zero), z,
Se a , z, logo a ? b , b ? z
Apresente uma prova de postulados convincente de que 4 , x ? y.
26 Edward S. Wall
3. Ao construir trens com triângulos equiláteros com lados unitários, como segue,
1 1
1 Carros Trem
NOTAS
1. Isso não significa minimizar sua importância matemática. O trabalho numérico-teórico de Diofanto de
Alexandria pode ser visto, em parte, como uma tentativa de sistematizar a solução para uma série de
antigos problemas de texto.
2. Uma questão matemática importante e legítima é: “Como eu sei que m 1 n é, de fato, um número in-
teiro?” Como indiquei na introdução que poderia fazer, parti desse pressuposto com a finalidade de
apresentação. No entanto, você pode querer examinar mais profundamente.
3. Observe que, neste momento, estou apresentando provas por postulados.
REFERÊNCIAS
ANDREWS, A. G. Solving geometric problems by using unit blocks. Teaching Children Mathematics, v. 6, p.
318-323, 1999.
BALL, D. L. The permutations project: mathematics as a context for learning and teaching. In: FEINMAN-
-NEMSER, S.; FEATHERSTONE, H. (Ed.). Exploring teaching: reinventing an introductory course. New
York: Teachers College, 1992.
JOSEPH, G. G. Different ways of knowing: contrasting styles of argument in Indian and Greek mathematical
traditions. In: ERNEST, P. (Ed.). Mathematics, education and philosophy: an international perspective. Lon-
don: The Falmer, 1994. p. 185-204.
JOSEPH, G. G. The crest of the peacock: non-European roots of mathematics. New York: St. Martin’s, 1991.