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Vinicius de Carvalho Araújo

(1945-2002)

Cuiabá, MT
2012
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

Reitora
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Vice-Reitor
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Vinicius de Carvalho Araújo

(1945-2002)

Cuiabá, MT
2012
Copyright © Vinicius de Carvalho Araújo, 2012
A reprodução não-autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98.
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Supervisão Técnica: Janaina Januário da Silva

Revisão e Normalização: Elizabeth Madureira Siqueira

Impressão: PRINT Editora e Gráfica Ltda

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Editora da Universidade Federal de Mato Grosso Governo do Estado de Mato Grosso
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Dedicatória
Dedico este livro a algumas pessoas muito importantes para a minha formação pessoal e
profissional. Primeiro, meu avô, Argeu Pinheiro de Carvalho, que sempre confiou em minha
capacidade para escrever. Ensinou-me que o grande legado que um pai pode deixar para os filhos é a
sua biblioteca e o seu exemplo. Biblioteca, como sinônimo de conhecimento, e exemplo,
simbolizando o caráter. Ambos são tesouros que, se bem empregados, não nos podem ser roubados;
segundo, o amigo Edílson Von Randow de Oliveira, falecido na precoce idade de 36 anos.
Quando um amigo morre, uma parte nossa também morre junto. É a parte que corresponde
àquilo que vivemos juntos e nunca mais poderá ser lembrado a dois. Edílson valorizou, como poucos
colegas, a minha produção científica e contribuiu muito para as discussões realizadas durante a
elaboração deste trabalho. A grande lição que levo dele e era aquilo que nos unia, a despeito das
diferenças, era viver as suas paixões com intensidade. A ciência é uma das minhas maiores paixões e
espero manter tal postura para toda a vida.
Dedico também este trabalho ao meu filho, Carlos Alexandre. A publicação deste trabalho
é uma prova contrária que eu e ele estamos dando àqueles que imputam seus problemas aos filhos. Ao
invés de empecilho, ele foi para mim motivação no sentido da melhoria permanente, para que eu
possa passar a ele uma biblioteca e um exemplo a ser seguido durante a sua vida.
Por fim, à minha filha Natália Cristina e minha esposa Mônica Cristina, por ajudar-me em
momentos de ausência para a realização deste livro e, em especial, por cuidar de meus filhos.
Prefácio O tempo é o senhor da História e, por isso, o conceito-chave do ofício do historiador.
Conhecer e compreender os traços de cada época, talvez seja um dos seus maiores desafios, e o seu
tempo, por excelência, é o passado, embora não deva se desobrigar de entender o presente. Se o
estudo do passado sempre foi a preocupação principal do historiador, tendências atuais tendem a
privilegiar o tempo presente, como é o caso da pesquisa de Vinicius de Carvalho Araújo, embora
grande parte dela tenha como foco as décadas iniciais da segunda metade do século XX, o que é
importante considerando-se que o historiador não deve fazer tábula rasa do passado. O presente sem
referência ao passado nada explica na abordagem historiográfica e esse cuidado é nítido na postura de
Vinicius, que entrelaça a atuação de três gerações de políticos mato-grossenses em um largo período
histórico, isto é, desde o fim do Estado Novo (1945) até 2002.
Essa consideração inicial é pertinente porque vivemos hoje a idolatria do “aqui agora”, fato
que se deve ao ritmo acelerado de vida e ao signo das mudanças, que dão o tom à nossa época, já
designada por Eric Hobsbawn como um eterno presente, no qual, para a maioria das pessoas, a
verdade é apenas o que elas vêem na telinha da TV ou do computador. O ontem deixou de ser
referência e o futuro não tem mais sentido. No reino do “cada um tem a sua verdade”, as nossas
referências se esfumaçaram e as perspectivas de um amanhã feliz, que denotavam uma preocupação
de ordem planetária, perderam importância ante o imperativo das individualidades exacerbadas. As
nossas utopias foram substituídas pelo modo de vida pragmático e a busca por resultados imediatos se
impôs. Ao mesmo tempo em que a nossa época produz manifestações de cunho cívico e democrático,
a crença na política se desfaz a cada dia. Por isso, prefaciar um livro que tem na política a sua
preocupação central é uma grande satisfação.
Pesquisando há anos a história política de Mato Grosso, a divisão do seu território e a
prática de suas elites dirigentes, tive o prazer de compor a banca de Mestrado de Vinicius de Carvalho
Araújo, a quem eu não conhecia e com quem, desde agosto de 2007, ocasião em que se tornou Mestre
pela UFMT com a dissertação Paz sob fogo cerrado: três gerações na política de Mato Grosso
(1945-2002), venho mantendo interlocução acadêmica sobre a política dos dois estados: Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul. Essa interlocução se deve, portanto, à historiografia mato-grossense e
sul-mato-grossense, ou seja, ao nosso interesse em comum pelos mesmos temas.
Tratar de um assunto como o proposto por Vinicius, com a amplitude de mais de cinco
décadas, em um momento no qual a historiografia acadêmica tem privilegiado curtos períodos, é um
exercício raro de pesquisa e isso, por si só, distingue o seu livro. Pensar no papel desempenhado por
três gerações de políticos mato-grossenses que tiveram atuação marcante entre 1945 e 2002 exige
uma visão de História que não se esgota no factual, no imediato e episódico, nem mesmo na dimensão
biográfica, tendências em voga nos dias de hoje e tão praticada nos Programas de Pós-Graduação.
Estes, se por um lado, estabeleceram procedimentos de pesquisa rigorosos, exigindo estudos mais
recortados, cronologicamente delimitados, ancorados em fontes primárias; por outro lado, ao
rejeitarem a produção que caracterizou os “explicadores do Brasil” (Caio Prado Jr., Sérgio Buarque
de Holanda, Gilberto Freyre) por suas visões “generalizantes”, tenderam, progressivamente, a
produzir teses e dissertações sem preocupação interpretativa e desinteressadas das relações sociais.
Nessa perspectiva, a teoria capitulou diante de estudos desvinculados da dimensão sócio-histórica,
que negam a validade interpretativa e a atividade negadora e imaginativa própria do pensamento
filosófico. Chegamos ao ápice da tendência analisada por Carlos Guilherme Mota, no final da década
de 1970, quando concluiu que a produção na universidade tendia para a elaboração de monografias
relativamente desimportantes, com baixo teor de criatividade, desarticuladas de problemas maiores e
inspiradas por um empirismo rústico. Na década de 1990, Felipe de Alencastro e Ciro Flamarion
Cardoso, em novo balanço, constataram que a hegemonia da Nova História francesa provocara o
abandono de temas importantes da nossa historiografia que, assim, ficaram esquecidos, não
merecendo pesquisas que lhes dessem resultados satisfatórios. Em seu lugar, instaurou-se a
fragmentação temática enquanto a teoria foi destituída de seu papel, tornando desleixada a pesquisa
acadêmica quanto ao método.
Nesse cenário, estudar a atuação das elites políticas mato-grossenses durante a segunda
metade do século XX representa uma tendência na contramão da corrente. O período começa com a
bipolaridade, no cenário político de Mato Grosso, entre a União Democrática Nacional (UDN), que
representava os grandes latifundiários sulistas, e o Partido Social Democrático (PSD) que,
governista, reunia as lideranças de Cuiabá. Na disputa, que vinha se travando pelo menos desde o
início da década de 1930, entre elites do sul contra elites do norte, os sulistas levavam vantagem.
Basta observar que, dos governadores que exerceram o cargo no período de 1947 a 1965, apenas João
Ponce de Arruda era do norte. Arnaldo Estevão de Figueiredo, eleito em 1947, Fernando Corrêa da
Costa, eleito em 1950 e em 1960, e Pedro Pedrossian, eleito em 1965, eram do sul. Desse rol,
pertenciam ao PSD Arnaldo Estevão de Figueiredo, João Ponce de Arruda e Pedro Pedrossian. Ou
seja, havia ligeira vantagem do partido governista que, nas eleições, geralmente contava com o apoio
do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), getulista e com fortes vínculos no sul do então Mato Grosso
uno. O tabuleiro político desde o fim da ditadura Vargas (1945) até o início da ditadura militar (1964)
mostra também que as alianças não se prendiam à lógica da rivalidade norte-sul, mas sim aos
interesses inerentes ao exercício do poder, tal como demonstra a filiação de Pedro Pedrossian, uma
forte liderança sulista, ao PSD, e não à UDN “dos grandes fazendeiros” do sul em relação aos quais
ele fazia questão de se distinguir.
Em meio à lógica da política partidária mato-grossense, o regionalismo, que foi um
elemento intrínseco à formação histórica do sul, começou a recrudescer, adquirindo conotação
separatista. No entanto, a causa divisionista sempre foi de uma minoria, isto é, da oligarquia agrária
sulista em disputa pelo poder estadual contra os grupos dominantes do norte. Vale lembrar, inclusive,
que o termo norte era empregado pelos campo-grandenses para designar Cuiabá que, aliás, não se
situava no norte, mas sim no centro geográfico do antigo estado, portanto, o termo só fazia sentido no
contexto da rivalidade. Ao longo de quase um século, o divisionismo não teve grande visibilidade e
nem chegou a ser consenso entre a própria classe latifundiária sulista. Um dos seus expressivos
momentos foi 1932, quando Campo Grande apoiou a revolução paulista, enquanto Cuiabá
permaneceu legalista. No decorrer desse curto levante, um governo paralelo chegou a ser constituído
pelos “revolucionários sulistas”, cuja intenção era tornar Campo Grande a capital de todos os mato-
grossenses, caso São Paulo vencesse. Mas o destino foi outro.
Logo depois, em 1934, foi criada a Liga Sul-Mato-Grossense, que organizou um abaixo-
assinado no sul para ser enviado aos constituintes. Este documento, que se encontra no Arquivo
Público Estadual, em Cuiabá, arrola motivos justificando a região sul como a mais produtiva do
estado e, ao mesmo tempo, “isolada” e “esquecida” pelo “poder clientelista de Cuiabá”, apelando
para a criação de um “Território Autônomo” no sul de Mato Grosso, mesmo que fosse federal. A
Constituinte, porém, não acatou a demanda separatista, que sofreria novo revés alguns anos mais
tarde: a criação do Território Federal de Ponta Porã, no sul de Mato Grosso, sem que nele fosse
incluída Campo Grande. Alguns viram nisso uma vingança de Getúlio Vargas pelo fato de a cidade ter
apoiado os paulistas contra o seu governo, em 1932. O fato é que, depois, a Constituinte de 1946
reintegrou o Território a Mato Grosso. Mas, de acordo com a lógica da integração e interiorização,
não fez o mesmo em relação ao Território Federal de Guaporé, hoje Rondônia, formado por outra área
também retirada de Mato Grosso na mesma época.
Nas décadas seguintes, o divisionismo se calou e o que explica o seu silêncio é o fato de
que, pela primeira vez na política mato-grossense do século XX, as elites do sul e do norte estiveram
de acordo quanto à sua relação com o Governo Federal: ambas apoiavam o regime militar. Mas eis
que, justamente quando se dava a causa por perdida, ela acabou articulada aos interesses geopolíticos
da ditadura militar que, então, de cima para baixo, sem consulta às duas populações interessadas – do
norte e do sul – dividiu Mato Grosso. Para o regime militar, tratava-se de impulsionar o
desenvolvimento e a ocupação territorial, guarnecendo as fronteiras que o estado mantinha com o
Paraguai e a Bolívia. Mas havia também uma razão política: ao criar uma nova unidade federativa no
sul, a ditadura premiava um forte grupo político que a apoiava, passando a contar com mais uma
unidade federativa em sua base de sustentação. Assim, a divisão de Mato Grosso, em 1977, só foi
possível graças a uma conjuntura que articulou o regionalismo à geopolítica do regime autoritário.
Decidida nos gabinetes da ditadura, a divisão surpreendeu a todos e nunca se poderá dizer que foi um
desejo da maioria.
Esse é o acontecimento essencial da história de Mato Grosso no século XX e, portanto, do
período pesquisado por Vinicius de Carvalho Araújo. Ao eleger a atuação das elites mato-grossenses
entre 1945 e 2002, de certa maneira, ele voltou ao tema e ao período abordados no clássico Elites
políticas: competição e dinâmica partidário-eleitoral (Caso de Mato Grosso), de Maria Manuela
Renha de Novis Neves, publicado em 1988. Embora contando com uma obra desse porte quanto à
qualidade da análise política, a historiografia mato-grossense posterior não deu sequência a estudos
dessa natureza. Por isso, Vinicius enfrentou, em primeiro lugar, o dilema da própria escolha, uma vez
que a pesquisa acadêmica atual, de viés culturalista, tem desprezado a dimensão política, como se ela
equivalesse à visão oficial. Nada mais equivocado, pois é a ação política que sintetiza toda a
complexidade do viver em sociedade, como nos ensinou Aristóteles a respeito da polis na Grécia
Antiga. E não podemos ignorar também que a História, como campo de conhecimento, foi fundada
pelos gregos, que fizeram da dimensão política a primeira a caracterizar o ofício do historiador. Para o
debate historiográfico de hoje, é conveniente acrescentar ainda que é pela ação política que se pode
construir uma nova hegemonia. Portanto, conhecer a forma de atuação das elites dominantes é
fundamental para fundarmos uma nova política, aquela que não pode ser exclusividade dos políticos
ou do poder de Estado, e sim a que deve ser praticada por todos os cidadãos visando o bem comum.
Estudar a prática das elites mato-grossenses, tal como se propôs o autor deste livro, é
diferente de escrever uma história das elites; significa fornecer, por meio de pesquisa séria e rigorosa,
elementos para uma crítica a essa própria prática. Esse é o papel do pesquisador e foi o que fez
Vinicius de Carvalho Araújo ao longo do seu Mestrado. Pesquisando esse tema e estudando um longo
período da política mato-grossense, ele optou por um grau de abrangência pouco comum nas
pesquisas atuais e é por essa razão que o seu trabalho acadêmico merece ser publicado como livro. Ao
enfocar um assunto de amplo interesse para a sociedade, Vinicius ultrapassou o mero objetivo de
conquistar o título de Mestre, dando à sua dissertação destino melhor que as prateleiras esquecidas
das nossas bibliotecas.
Ao desenvolver a pesquisa documental, acrescentando-lhe depoimentos que foi colher nas
duas partes do antigo Mato Grosso uno, ele se deparou com a trama das disputas e do protagonismo
político de três gerações. A primeira teve a sua origem na virada do século XIX para o XX e contou,
entre seus nomes, com Vespasiano Barbosa Martins e Filinto Müller, o primeiro do sul; o segundo, do
norte. No futuro, esses dois nomes representariam o poder de dois grupos distintos formados em torno
deles, gerando como seus herdeiros, respectivamente, Wilson Barbosa Martins e Pedro Pedrossian,
duas lideranças que dominaram o cenário político sulista após a divisão de Mato Grosso. Ao lado de
José Fragelli e José Garcia Neto representariam a segunda geração de políticos estudada por Vinicius
de Carvalho Araújo. Um aspecto interessante quanto a esses nomes é o fato de que, com a implantação
da ditadura militar, em 1964, e o fim dos partidos existentes, que foram substituídos pelo
bipartidarismo, a criação do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), no sul, foi obra de ex-
udenistas liderados pelos irmãos Wilson e Plínio Barbosa Martins, enquanto egressos do PSD, como
Pedro Pedrossian, formaram a Aliança Renovadora Nacional (ARENA). Já a política cuiabana
dispunha de um quadro nacional de peso, o então senador Filinto Müller (PSD), que passaria a ser um
dos maiores nomes da ARENA, em apoio ao regime militar. Quanto à terceira geração estudada por
Vinicius, reúne as lideranças formadas no contexto da nova realidade política instituída pela divisão
de Mato Grosso. De certo modo, os políticos atuantes nessas últimas décadas decorrentes da cisão de
1977 representavam a realidade típica do Brasil que se modernizou e que acabou colocando em xeque
o “poder dos cuiabanos”, ou seja, das oligarquias tradicionais.
A pesquisa de Vinicius de Carvalho Araújo revela também o quanto foi mais rápida a
renovação de lideranças políticas no norte, comparativamente à parte desmembrada, na qual
predominou, até 1998, o poder de dois grupos rivais: Wilson Barbosa Martins e Pedro Pedrossian,
ambas lideranças provenientes da lógica político-partidária mato-grossense do período pós-1945.
Enquanto no sul se prolongava a reincidência, a política do norte produziu uma figura de expressão
nacional, Dante Martins de Oliveira, autor da célebre emenda das “Diretas-Já”, que propôs, em 1983,
eleições diretas para todos os níveis no Brasil.
Vistas por esses traços e considerando que a divisão de Mato Grosso foi o fato de maior
impacto e importância no período tratado no livro, fica uma reflexão decorrente da sua leitura: que
papel desempenharam as três gerações no divisionismo? Considerando que o ato do general Geisel,
ao dividir Mato Grosso e criar Mato Grosso do Sul à revelia de consulta popular, e que a bancada
parlamentar mato-grossense no Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei sobre a divisão, esses
dois fatos, por si sós, constituem elementos para uma análise crítica sobre a atuação das elites
políticas mato-grossenses, pois nem o governador da época, José Garcia Neto, nem os parlamentares,
ousaram contestar a medida do general Geisel.
Essa reflexão é tão importante quanto a que deve ser feita sobre o próprio caráter do ato
ocorrido no dia 11 de outubro de 1977. Isso porque a divisão não deve ser atribuída exclusivamente a
uma vontade pessoal do general Ernesto Geisel ou da geopolítica de Golbery do Couto e Silva. É
necessário ter em conta um elemento do contexto internacional que permeou a divisão de Mato
Grosso, pois foi a polarização estabelecida entre os blocos capitalista e socialista, decorrente da
Guerra Fria, que conferiu maior importância aos estudos de geopolítica no interior da Escola
Superior de Guerra (ESG). Segundo esses estudos, a questão da segurança nacional exigia a
ocupação de “espaços vazios”, principalmente em áreas de fronteira, como era o caso de Mato
Grosso, e, por isso, tal ocupação deveria ser rapidamente efetivada a fim de garantir a interiorização
do modelo econômico instaurado em 1964, baseado no “progresso” e na modernização das relações
capitalistas de produção. No contexto da bipolaridade político-ideológica da Guerra Fria, os valores
que definiam o Ocidente em relação ao Oriente, segundo Golbery do Couto e Silva eram:
democracia, ciência e cristianismo.
Mas o fato é que a divisão de Mato Grosso e outros atos da ditadura militar foram
praticados exatamente contra a democracia, embora isso não tenha abalado em nada os interesses dos
grupos políticos beneficiados por ela. Ao contrário, a ausência de consulta popular para dividir Mato
Grosso caiu como uma luva, de acordo com depoimento que obtive do presidente da Liga Sul-Mato-
Grossense, Paulo Coelho Machado, em Campo Grande. Desse modo, a divisão de Mato Grosso,
embora tenha sido precedida por longo período de manifestações divisionistas no sul, acabou
resultando do imperativo nacional. Houve uma conjugação do aspecto regional ao nacional, mas
preponderou o segundo. O livro de Vinicius de Carvalho Araújo nos suscita essa reflexão e, conforme
vamos lendo as suas páginas, entrando em contato com os seus entrevistados, com a autoimagem que
a própria elite política mato-grossense faz de si mesma, é impossível não colocarmos em questão a
inexistência de um projeto político pós-divisão para os dois estados e, em consequência, a atuação
das elites políticas em função de si mesmas.
Conforme anuncia nas páginas introdutórias, Vinicius ultrapassou o acontecimento central
da história política de Mato Grosso, buscando focalizar também o período da redemocratização e do
pós-divisão, etapa na qual se inscreve a atuação da terceira geração de políticos que analisou. Nesse
sentido, é perfeitamente acertada a sua definição do ano de 2002 como marco cronológico final da
pesquisa, ocasião em que se encerrou o segundo mandato do governador Dante Martins de Oliveira, a
figura mais emblemática dessa geração, seja pelo seu ingresso no cenário político estadual por uma via
avessa à lógica tradicional, já que provinha da militância de esquerda, seja pela sua inserção nacional
no contexto das lutas democráticas contra a ditadura militar. Esses dois fatores explicam a sua marcante
e rápida trajetória na política mato-grossense, interrompida pela morte inesperada em 2006.
Antes do epílogo de seu livro, Vinicius de Carvalho Araújo cita um depoimento que coloca
em questão o “poder dos cuiabanos” e as manifestações de um novo divisionismo que poderia ter a
força econômica vinda do sul, agora representada por Rondonópolis, ou a queixa de “abandono do
norte”, vinda do Araguaia. A recorrência dessas manifestações na história de Mato Grosso deveria
merecer séria reflexão das suas elites dirigentes, pois a separação do sul já se constitui em razão
suficiente para uma análise que tenha como ponto central a ausência do Estado como executor e
garantidor de políticas públicas para toda a sociedade. Neste momento em que propostas de novas
divisões territoriais compõem a pauta do Congresso Nacional, a leitura deste livro pode ensejar uma
reflexão de tal natureza, pois dividir estados significa mais do que passar uma tesoura no mapa. A
divisão de Mato Grosso mostrou que, de um lado, ela envolveu ambição pelo poder por parte de
grupos políticos dominantes; de outro, expectativas frustradas por parte da população. Que projetos
tinham para os dois estados as suas elites políticas? No caso de Mato Grosso do Sul, nenhum. Tanto é
verdade que, poucos anos antes de morrer, o ex-governador José Fragelli, com a sua habitual
franqueza, declarou que “a nossa geração falhou”.
Finalmente, a lição que herdamos da atuação das elites políticas mato-grossenses antes e
depois da divisão nos faz concluir pela urgência de atuação política da sociedade civil, fator
necessário para darmos à democracia que estamos construindo desde as lutas contra a ditadura militar
um conteúdo de justiça social. Portanto, conhecer a prática das elites dirigentes tem importância
porque ela nos permite vislumbrar o avesso dos arranjos de bastidores visando interesses privados e
reforçam a convicção de que precisamos construir um novo padrão de política para o nosso País, um
padrão que tenha a sua essência na compreensão de que a política deve ser a arte de governar para o
bem comum, criando possibilidades de vida melhor para todos e não para alguns. Vinicius
proporciona essa reflexão por meio de pesquisa baseada em ricas fontes e também estabelecendo
críticas à política das articulações partidárias que lideranças da terceira geração acabaram
incorporando, tal como Dante Martins de Oliveira que, segundo ele, “envelheceu” ao “se comportar
da mesma forma que aqueles a quem acusava de oligarcas”.
Todos esses aspectos complexos e contraditórios convergem para afiançarmos a
importância da dimensão política na História e, portanto, para assegurarmos que o livro de Vinicius
de Carvalho Araújo presta uma grande contribuição à historiografia dos dois estados: Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul.

Marisa Bittar
Doutora em História Social (USP) e Professora Titular de História da
Educação da Universidade Federal de São Carlos
Sumário
Para Começo de Conversa ............................................................................................................15

Prólogo...........................................................................................................................................19

PARTE I
PSD-UDN e Norte-Sul numa complicada Equação Política (1945-1965) ....................................27

PARTE II
Deslocamento da Disputa Política para uma Nova “ARENA” (1966-1978) ................................69

PARTE III
A Reorganização das Forças Políticas no Pós-divisão (1979-2002)............................................145

Epílogo.........................................................................................................................................223

Fontes .........................................................................................................................................235

Referências Bibliográficas...........................................................................................................243

Monografias, Dissertações e Teses ..............................................................................................249

Documentais ................................................................................................................................251

Periódicos ....................................................................................................................................255

Pronunciamentos..........................................................................................................................257

Anexo I – Glossário de termos técnicos ......................................................................................261

Anexo II - Fluxograma dos partidos em Mato Grosso (1945-2007) .........................................267


Para começo de conversa
Este livro é resultado da minha dissertação de mestrado, defendida no Programa de Pós-
graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso em 2007, sob orientação do
professor Dr. Pio Penna Filho. As bancas foram compostas ainda pelas professoras Marisa Bittar,
Marieta de Moraes Ferreira e Alfredo da Mota Menezes. As mudanças realizadas vieram para
transformar o trabalho do formato exigido para dissertações para uma configuração mais apropriada
a um conjunto de leitores mais amplo. Portanto, foram retiradas fotografias, tabelas, notas de rodapé e
trechos considerados de caráter metodológico e teórico. A professora Elizabeth Madureira Siqueira
deu contribuição decisiva para a revisão do original, visando sua publicação. Para aqueles que se
interessarem pela pesquisa na íntegra, poderão encontrar na biblioteca do mestrado ou em meio
digital na home page do programa.
O estado de Mato Grosso está situado no centro geodésico do subcontinente sul-
americano, com 3.033.991 de habitantes (2010), segundo dados do IBGE, espalhados por uma área
de 903.357.908 m2, que reúne os três principais ecossistemas continentais, quais sejam, Floresta
Amazônica, Cerrado e Planície do Pantanal. No aspecto humano, o Estado é marcado pela presença
de diversas nações indígenas (cujas reservas ocupam cerca de 14% do território estadual) e de uma
população miscigenada com origem em todas as regiões do país, com destaque para os estados do
Sul, São Paulo e Minas Gerais, além dos países próximos, como Bolívia e Paraguai. No que tange ao
aspecto político, Mato Grosso não se diferenciou das demais capitanias, províncias e Estados
brasileiros. Desde os primeiros anos da colonização, sempre houve a marca das disputas políticas
nesta região, muitas vezes com recurso à violência armada.
É possível citar alguns episódios, como o embate do governador da capitania, Rodrigo César
de Menezes, e os irmãos Leme/Pascoal Moreira Cabral em busca da recuperação do controle das minas
auríferas para a Coroa portuguesa, em 1727, com sua respectiva arrecadação tributária; a transferência
da capital de Vila Bela da Santíssima Trindade para Cuiabá, quando a elite cuiabana destituiu o último
governador colonial, Francisco Tavares Magessi de Carvalho, e instituiu a junta governativa em
20/08/1821, antecipando a emancipação de Portugal que viria em seguida; a Rusga, que se apresentou
como um conflito nativista opondo portugueses comerciantes/titulares de cargos públicos e os
segmentos rurais emergentes que lutavam pelo controle político em 1834; os confrontos armados entre
as principais oligarquias rurais e comerciais pelo acesso ao Poder Executivo estadual na Primeira
República, com golpes e contragolpes, instabilidade político-administrativa e a necessidade de
intervenção federal por diversas vezes; as perseguições aos usineiros após a Revolução (o golpe) de
1930; a hegemonia bipartidária da Quarta República (1945-1965), na qual PSD e UDN revezavam-se
no poder e o PTB agia como “fiel da balança” para conservação de interesses de um mesmo grupo
político; o bipartidarismo Arena-MDB durante o regime autoritário civil-militar e, afinal, o
pluripartidarismo do pós-divisão e redemocratização. Isto sem considerar as lutas pela divisão do
Estado, que privilegiaram a arena político-diplomática ao invés da militar, na maior parte das vezes.

15
O fio condutor de todos os acontecimentos narrados é a dialética arranjo-conflito, que
pautou a dinâmica de relacionamento das forças políticas estaduais desde o início da colonização,
como que numa tensão permanente. É possível identificar domínios importantes da história que,
segundo a compreensão de Barros (2004), se referem aos seus sujeitos (agentes históricos) e objetos
(ambientes sociais) abordados.
A maioria dos fatos relatados são apenas fragmentos registrados pela memória política e
também pela historiografia mato-grossenses. Pertencem a um passado, para muitos hoje caricato, de
um Estado rural marcado pela escravidão negra e dos nativos e pelo mandonismo irrestrito das
oligarquias com feição urbano-rural, conforme Neves (1988), com recurso ao fisiologismo,
clientelismo e coronelismo, dentre outras gramáticas. Entretanto, a dinâmica político-partidária
continua sendo um objeto de estudo importante.
De todos os Estados brasileiros, Mato Grosso talvez seja um dos que mais mudou no último
quarto de século. Passou pela divisão territorial em 1979, que lhe tirou sua porção mais rica e
populosa de então; debate referente a uma nova divisão, desta vez ao norte, que pretende criar um
novo Estado com os mesmos argumentos do Mato Grosso do Sul; a evolução da matriz produtiva aqui
instalada, com o salto na produção de grãos, algodão e pecuária bovina e, por que não, na indústria de
transformação; a urbanização da maior parte da população e o consequente surgimento de cidades de
porte médio e até de uma região metropolitana com as suas estratificações sociais, ocupações,
relações de produção e trabalho; as correntes migratórias que alteraram o perfil étnico e demográfico
estadual; o grande e diversificado complexo empresarial do Estado, com papel relevante para o
padrão de acumulação em curso e que se disfuncionalizou a partir de um determinado momento
histórico; as forças políticas que se desenvolveram nas décadas de 1980 e 1990, como a imprensa, o
Ministério Público, sindicatos patronais e do trabalho, os produtores rurais situados nos novos
municípios criados no pós-divisão, em particular no centro e norte do Estado, as ONG´s nacionais e
internacionais, movimentos sociais de base popular, igrejas, clubes de serviços e os partidos políticos
trazidos pela redemocratização (PT, PDS/PFL, PMDB, PSDB, PPS), com as suas respectivas
lideranças etc.
Vale presumir, para os fins deste livro, que tais mudanças socioeconômicas relatadas aqui
tiveram impacto na natureza do processo político. Elas redefiniram a sua substância e métodos,
agregando novos atores (burguesia industrial, meios de comunicação, pequena-burguesia urbana e
rural, proletariado, massas populares, empresários do agronegócio, regiões do interior do Estado) e
também a atuação do Governo Estadual. Ou, por outro lado, cabe também fazer outras conjecturas.
Será que a política mato-grossense continua sendo monopólio de um condomínio fechado de
oligarquias, com forte complementaridade e interdependência entre si, baixa capacidade de absorção
de demandas e que transforma a maior parte da população em expectadores passivos dos seus acordos
e mudanças, não obstante esteja em vigor o regime democrático? É algo que o livro se propõe a
observar.
A divisão do Estado, efetivada em 1979, foi o que Ferreira (1994) chamou de evento
matricial, porque condicionou todo o período posterior. Daí o imperativo de compreender melhor o
divisionismo em Mato Grosso, suas razões e implicações políticas para os dois Estados. A atitude

16
impôs a busca por entrevistados que participaram do momento histórico e acabou encorpando o
trabalho “para trás”, no sentido de incluir também os últimos governos do pré-divisão (Pedro
Pedrossian, José Fragelli e Garcia Neto).
O olhar estrutural adotado para ampliar a capacidade analítica do trabalho, em
conformidade com a renovação teórico-metodológica da historiografia política, exigiu que se
considerassem os mandatos anteriores à divisão, a formação dos grandes partidos em Mato Grosso
(PSD, UDN e PTB) e como eles organizaram a disputa política. Como seu surgimento, deu-se ao final
do Estado Novo (1945) e foi sentida a necessidade de recuar a narrativa para alcançar este momento
de estruturação partidária e definição de identidades.
A principal razão é que o subsistema partidário que vigorou nessa época pode ser
considerado como aquele de maior duração nacional do século XX, já que permaneceu ativo durante
20 anos. No caso de Mato Grosso, a instabilidade partidária do período acompanhava as disputas
entre os grupos mais fortes no cenário estadual, como apontou Póvoas (1995). Mesmo se forem
consideradas identidades partidárias mais duradouras, não seria um conjunto de partidos, mas apenas
uma sigla ou movimento isolado.
As elites políticas de Mato Grosso congelaram estas identidades partidárias, pela forma
como se deu a transição para o bipartidarismo posterior ao AI-2. Em função da liderança do senador
Filinto Müller junto ao PSD e seu alinhamento com o regime civil-militar em fase de articulação no
Congresso Nacional, a maior parte do PSD mato-grossense optou por migrar para a Arena,
quebrando o padrão dos outros Estados, que indicava uma divisão em duas metades. Como a UDN
manteve seu comportamento nacional e se filiou em massa na Arena, e os sobreviventes do PTB se
dirigiram ao MDB, o partido governista em Mato Grosso acabou internalizando a disputa PSD-UDN.
O movimento permitiu que os grupos políticos atravessassem o período relativamente
intactos, a despeito dos esforços de “arenização” realizados nos governo Pedrossian e Fragelli. Os
problemas de relacionamento de Garcia Neto como governador terminaram no trauma da divisão do
Estado e nas eleições de 1978, em que ex-PSD e ex-PTB se juntaram para derrotar a UDN, como nos
velhos tempos. O multipartidarismo nasceu no Estado, portanto, contaminado por este legado e
influenciou na identificação do PDS e depois PFL com o grupo do antigo PSD e depois Arena II; o PP,
depois incorporado ao PMDB, PTB e fragmentado a partir da década de 1990, reuniu os antigos
udenistas ou aqueles formados nesta tradição e, por fim, o PMDB e depois PDT, PSDB e PPS
herdaram a maior parte da estrutura do MDB que, como foi apontado, nasceu das sobras do PTB na
sequência do golpe militar de 1964.
A obra foi estruturada em três partes, cada qual com seus capítulos, conforme o recorte
cronológico. De início, há um prólogo contendo breve relato das disputas políticas na República
Velha (1889-1930) e no Estado Novo (1937-1945). A primeira parte aborda os principais
acontecimentos políticos no período que vai do final do Estado Novo (1945) até a eleição de Pedro
Pedrossian (1965). A segunda parte aborda o bipartidarismo, desde o mandato de Pedro Pedrossian,
último governador eleito pelo voto direto, antes do AI-2, passando por José Fragelli e Garcia Neto,
até a eleição de 1978, já realizada com a separação dos dois Estados. Na terceira parte são abordados
os fatos da redemocratização política em nível nacional e do pós-divisão em Mato Grosso, com

17
mudanças sensíveis na sua dinâmica política. Ao final, um epílogo fará um fechamento do livro,
revisando as questões que o nortearam e apontando novas possibilidades tangenciadas e que não
puderam ser aprofundadas.
Para o leitor que estiver em busca de mais rigor teórico, há um glossário com os principais
conceitos na área de Ciência Política, utilizados ao longo do livro.

18
Prólogo Pelos relatos de Póvoas (1995), a República Velha (1889-1930) caracterizou-se em Mato
Grosso como um período tenso e marcado por disputas armadas entre as diversas frações da classe
dominante, com destaque para Antônio Paes de Barros e Generoso Ponce, os irmãos Murtinho
(Manuel e Joaquim), coproprietários da Companhia Mate Laranjeira, na então região do sul do
Estado, e os demais “coronéis”, como os Corrêa da Costa. Era uma fase de crise hegemônica em todo
o país e as disputas marcavam a busca pelo controle do aparelho do Estado e dos partidos em
formação. Havia também a disputa entre civis e militares. Os últimos pretendiam aproveitar a
oportunidade trazida pela turbulência do começo da República para promover mudanças nos hábitos
e costumes políticos que vinham dos partidos imperiais (Liberal e Conservador). Em Mato Grosso,
isso ficou bem evidente na relação entre o primeiro governador nomeado após a proclamação da
República, o general Antônio Maria Coelho, e o líder político local, Generoso Ponce1.
Alves (2000) registrou que o general Antônio Maria Coelho era filiado ao Clube Militar
“Benjamim Constant” (militar influente na deposição do Imperador e no Governo Provisório do
Marechal Deodoro) e criou o Partido Nacional para combater a força política de Generoso Ponce, que
contra-atacou, aliando-se ao senador Antônio Azeredo e a Joaquim Murtinho, para exigir ao
presidente Deodoro da Fonseca a destituição de Antônio Maria. Em seguida (1892), houve a
revanche. O Partido Nacional (grupo de Antônio Maria) tomou a guarnição de Corumbá e formou
uma “força revolucionária” para chegar até Cuiabá e destituir Manoel Murtinho. Generoso Ponce,
que era o vice-presidente, reuniu um bando com mais de 3.000 homens armados e invadiu Cuiabá,
reempossando Manuel Murtinho na Presidência do Estado. Este episódio ficou conhecido pela
historiografia mato-grossense como “reposição da legalidade”, porque Murtinho fora o primeiro
presidente eleito pela Assembleia Constituinte de 1891.
O movimento de 1930, que resultou na entronização de Getúlio Vargas na Presidência da
República, permitiu o prosseguimento dos conflitos na esfera política. As turbulências do momento
referem-se ao choque de interesses entre os interventores nomeados por Vargas e as forças políticas
do Estado, que viram as suas bases de poder atingidas, como no caso do desarmamento dos bandos
dos usineiros no norte e dos pecuaristas no sul do Estado.
Valmir Corrêa lembrou que:

A violência do cotidiano vai sendo transformada numa violência política [...] A partir
da década de 20, a fronteira vai ser tumultuada também pelas lutas militares, reflexos
dos movimentos tenentistas na região. Então isto se vai dar até a época da ditadura de

1
Antônio Maria Coelho protagonizou outro episódio importante da História de Mato Grosso. Durante a Guerra com o
Paraguai (1864-1870), a cidade de Corumbá foi ocupada pelos paraguaios e o Presidente da Província, general José
Vieira Couto de Magalhães, ordenou ao então Coronel Antônio Maria Coelho que formasse um contingente militar para
libertar Corumbá. Em 13/06/1867, essa cidade foi libertada e os prisioneiros da batalha trazidos para Cuiabá. Como eles
estavam infectados com varíola, houve contaminação dos moradores. As estimativas apontam que metade da
população cuiabana (cerca de 12.000 pessoas) faleceu neste período e um cemitério foi fundado para enterrar os
cadáveres (Cai-Cai). Para mais informações, leia ALENCASTRO, Aníbal. Cuyabá: Histórias, Crônicas e Lendas.
Cuiabá: sem editora, 2003.

19
Getúlio Vargas, quando vai haver um amplo desarmamento, principalmente na região
do Pantanal [...] Ao invés dos coroneis convocarem os soldados, agora são os generais
militares que convocam os coroneis2.

Uma outra dimensão importante da luta política, que vinha desde o final do século XIX com
a movimentação de alguns líderes no sul do Estado e da tentativa de proclamação de uma “República
Transatlântica de Mato Grosso”, é o divisionismo. Após o final da Guerra com o Paraguai (1864-
1870), o sul do Estado foi articulado à economia brasileira e teve o contingente de populações de
origem europeia acelerado pela vinda de migrantes dos Estados vizinhos3. Destacaram-se neste
momento Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, bem como imigrantes de várias
regiões do planeta, com destaque para japoneses e Oriente Médio. Oliveira Neto (2003, p. 52)
lembrou de uma piada comum em Campo Grande que se refere à cidade como uma “ilha de turcos
cercada de japoneses de todos os lados”. A expressão deriva das atividades comerciais e, portanto,
urbanas exercidas pelos “turcos” (que denominam todos os egressos do Oriente Médio e próximo) e
as agrícolas dos japoneses (habitando a zona rural).
De acordo com Silva (1996), os primeiros movimentos divisionistas aconteceram ainda no
começo do século XX, em decorrência da migração gaúcha para a região de Ponta Porã, fronteira com
o Paraguai. Eles vieram em virtude da guerra civil no Rio Grande do Sul, no início da República
(Revolução Federalista). O movimento foi liderado por Jango Mascarenhas (2º vice-presidente do
Estado) e contou com a participação de João Caetano Muzzi, João Barros Cassal e Bento Xavier. Eles
fundaram o Partido Autonomista em 1901, sob a bandeira do separatismo da região sul de Mato
Grosso e do cancelamento do contrato com a Companhia Mate Laranjeira. Eles viam a Mate
Laranjeira como representante do Governo estadual na região e, portanto, do poderio nortista. A
revolta foi reprimida pelo então presidente do Estado Generoso Ponce. Cassal foi assassinado em
Nioaque e os outros se exilaram no Paraguai. É interessante observar a relação entre o discurso
autonomista e separatista gaúcho (que eles sempre tiveram e cultivam ainda hoje) e a argumentação
divisionista em Mato Grosso, desde então.
A ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) chegou a Campo Grande em 1914, e transformou a
paisagem econômica da região. Em 1921, foi transferida a Região Militar de Corumbá para Campo
Grande, pela facilidade de deslocamento proporcionada pela ferrovia e sua posição mais central,
também em relação às fronteiras com a Bolívia e o Paraguai. Os sulistas passaram a se sentir, portanto,
subrepresentados nos espaços de poder estaduais (Executivo, Legislativo, Judiciário, partidos e cargos
federais). Eles responderam com discurso e militância política pela mudança da capital para Campo
Grande, em face da decadência econômica e demográfica de Cuiabá, ou pela emancipação da região
meridional de Mato Grosso em um novo Estado da federação, como descreveu Queiroz (2005).

2
A Divisão de Mato Grosso: um Documentário Sobre os Fatos Históricos e Políticos da Divisão de 1977.
LeãoFilm/MTO2. Cuiabá, 2000. VHS. 75 minutos.
3
Os primeiros movimentos divisionistas aconteceram ainda no começo do século XX, em decorrência da migração
gaúcha para a região de Ponta Porã, fronteira de Mato Grosso uno com o Paraguai. Para mais detalhes, leia Silva, Jovam
Vilela da. A Divisão do Estado de Mato Grosso. Uma Visão Histórica. Cuiabá: EdUFMT, 1996.

20
Um momento importante deste movimento foi a adesão ao estado de São Paulo, na ocasião
da “Revolução Constitucionalista” de 1932. O general Bertoldo Klinger, chefe militar da Revolução,
era comandante da Região Militar em Campo Grande. Antes de partir para São Paulo, ele nomeou
para governador do “estado de Maracaju”, em 28/07/1932, o então prefeito de Campo Grande,
Vespasiano Barbosa Martins. Durante 82 dias a dualidade foi mantida, com confronto entre as tropas
dos “dois Estados” na margem do Rio Coxim. O interventor em Cuiabá (Leônidas de Matos) se
manteve na posição de apoio a Getúlio Vargas4. Bittar (1999) ressalvou que esta não foi uma tentativa
divisionista, já que Vespasiano Martins se considerava governador de todo o Estado, e não apenas da
região sul. Após encerramento do conflito, ele se exilou no Paraguai e foi trazido de volta em 1934,
para equilibrar mais a representação política da região sul. A este respeito, o ex-deputado estadual e
federal de Campo Grande, Ruben Figueiró, observou que:

No período Vargas, houve um certo equilíbrio, porque o Vargas teve a inteligência de


escolher o Doutor Vespasiano Martins para ficar aqui no sul. Então, o governador
(político, não o Administrador), o político, era o Vespasiano Martins. Então, nada se
fazia aqui no sul sem consultar o Vespasiano. [...] sobretudo, depois de 34. Ele foi
eleito senador, tem aquele episódio do atentado dele e do Villasbôas e tal. [...]. Neste
período, houve um certo equilíbrio, político apenas, não em termos de administração5.

Ainda no final de 1932, estudantes da região sul, que estavam no Rio de Janeiro, fundaram
a Liga Sul-matogrossense, que editou documentos endereçados aos habitantes locais e também aos
constituintes de 1934. Eles expuseram as razões em favor da divisão do Estado e formularam um
forte discurso contra o “centro” e o “norte”, denominado de modo genérico como “cuiabanos”. Este
discurso será, inclusive, um dos meios definidores da identidade sul-matogrossense.
Os esforços para definição de uma identidade mato-grossense intensificam-se no contexto
da disputa divisionista. Quando o IHGMT reformulou o papel de Cuiabá, por ocasião das
comemorações do bicentenário de fundação da Capital (1919), no governo de Dom Aquino Corrêa
(1918-1922), os sulistas responderam, na década de 1930, transpondo o conflito norte-sul existente
em nível nacional, que reivindicava superioridade econômica e social, bem como a opressão política
do sul pelo norte. Para Zuliani (2000):

Desde a divisão do Estado, em 1977 até hoje, perguntas pairam no ar: como traduzir e
integrar nossas raízes? Quais caminhos trilhar? Aonde chegar? Disseram-nos que
seríamos modelo. São questões que mobilizaram e mobilizam ainda hoje as elites
políticas e econômicas. Muitos segmentos da sociedade e indivíduos anunciam a
urgência de encontrar a identidade cultural do Estado no contexto nacional. Somos

4
Vale salientar que Vespasiano concorreu na eleição para prefeito de Campo Grande, em 1929, e foi derrotado pelo
cuiabano Antônio Antero Paes de Barros (avô do senador Antero Paes de Barros). Bittar (1999) destacou obra de
Demósthenes Martins em que eram apontadas fraudes eleitorais. Em 1930, após o movimento que levou Vargas à
Presidência, Vespasiano foi nomeado prefeito de Campo Grande, pelo interventor Arthur Antunes Maciel.
5
Entrevista com Ruben Figueiró. Campo Grande, 29/09/2006.

21
Guaicuru? Pantaneiros? O celeiro agrícola do país? O estado da pecuária? O trem do
Pantanal será capaz de nos conduzir a alguma estação? Ou será o turismo? [...] O I
Movimento Cultural resgatou as raízes Guaicuru, transformando-as em tema e motivo
de muitos eventos e debates. Ao mesmo tempo, o Estado com a segunda maior
população indígena deparou-se com sérios problemas de terras indígenas, de
destribalização como é o caso dos Kadiweus, de suicídios como os Guaranis de
Dourados. Para conversar sobre índios idealizamos ao estilo romântico, os Guaicuru.

Martins (1981) lembrou que o ex-governador Pedro Celestino Corrêa da Costa (1922-
1924) foi um dos poucos senadores a apoiar a Aliança Liberal nas eleições presidenciais em 1930,
cuja chapa era composta por Getúlio Vargas e João Pessoa. Ele o fez movido mais pelo conflito
estadual, já que o senador Antônio Azeredo era adepto da candidatura de Júlio Prestes. Este fato teve
repercussões importantes na política de Mato Grosso, em particular na primeira eleição de Fernando
Corrêa da Costa (filho de Pedro Celestino) para governador em 1950. Getúlio passou a organizar a sua
base de apoio em Mato Grosso. O então tenente Filinto Müller já participara do movimento de 1930 e
fora Secretário-Geral do Estado de São Paulo, no período em que o tenente João Alberto era
interventor (1932). Jucá (1998) apontou que depois da “Revolução Constitucionalista”, Vargas
convocou o já capitão Filinto Müller para ser o coordenador do processo político em seu Estado. O
general Euclides Figueiredo (pai do general e presidente João Baptista Figueiredo) fora um dos
comandantes da “Revolução” de 1932 e Filinto Müller um dos maiores combatentes do movimento,
na mesma época.
Após uma sucessão de interventores nomeados, Mário Corrêa da Costa, que já fora
governador eleito (1926-1930), retornou a Cuiabá de modo triunfante, em 06/06/1934. Como ele
tivera uma passagem pelo governo bem avaliada, havia a expectativa de que pudesse ser candidato a
governador nas eleições indiretas que seriam realizadas pela Assembleia Constituinte estadual. A
candidatura de Filinto Müller (então com apenas 35 anos), articulada por Vargas, contava com apoio
de vários partidos que se formaram naquele momento (Progressista, Mocidade, Constitucionalista e
Liberal).
Mais tarde, essas forças se reuniriam na Aliança Matogrossense. Neste momento, Mário
Corrêa ainda era apoiado por João Villasbôas, bem como pela maioria dos deputados. Eles assinaram
um manifesto em seu favor e protegeram-se no quartel do 16º Batalhão de Caçadores (BC), com receio
de represálias da parte do interventor, Leônidas Antero de Matos. Diante da movimentação, Filinto
Müller retirou a sua candidatura e Vargas nomeou um novo interventor (César de Mesquita Serva)6 .
Em 08/09/1935, por ocasião da Assembleia Constituinte, foi realizada a eleição indireta
para governador. Foram candidatos Mário Corrêa da Costa e Fenelon Müller, com vitória do
primeiro, por 15 votos a 9, de acordo com Lucena (2005). No dia seguinte (09/09/1935) foram eleitos
como senadores o senhor João Villasbôas (norte) e Vespasiano Barbosa Martins (sul). Mário Corrêa

6
Jucá (1998) lembrou que Mato Grosso teve sete interventores no período 1930-1937 (Sebastião Rabelo Leite, Antonino
Mena Gonçalves, Artur Antunes Maciel, Leônidas Antero de Matos, César de Mesquita Cerva, Newton Cavalcanti e
Manoel Ari da Silva Pires). Foi récorde dentre os Estados.

22
fez um governo muito tumultuado e, a exemplo do anterior, marcado por perseguições aos partidários
de Pedro Celestino, falecido em 1932.
Os partidos de então (Evolucionista e Liberal) ressucitaram o velho Partido Republicano,
em apoio a Mário Corrêa. Seus adversários, vinculados a Filinto Müller e João Villasbôas (já na
oposição ao governador), formaram a Aliança Matogrossense. A tensão atingida pela disputa levou a
um atentado, cometido em Cuiabá, contra os dois senadores que lideravam a oposição, em
22/12/1936. Os deputados contrários ao governador estavam aquartelados no mesmo lugar de um
ano antes. Os adversários atribuíram a autoria do crime ao governador Mário Corrêa, e o senador João
Villasbôas denunciou-o para a Corte Regional de Apelação, ativando processo por crime de
responsabilidade. Mário Corrêa aceitou renunciar, desde que os deputados tivessem o mesmo gesto,
e exigiu que fosse nomeado um interventor estranho à realidade mato-grossense. Em 06/03/1937, o
presidente Getúlio Vargas resolveu a disputa nomeando um interventor militar (Capitão Manoel Ary
da Silva Pires).
Logo depois, em 07/07/1937, Mário Corrêa, que ainda respondia a processo de
impeachment, teve um ataque cardíaco e faleceu no Rio de Janeiro. Como não havia vice-governador,
foi feita nova eleição e Júlio Müller foi eleito por unanimidade, em 04/10/1937, após o golpe que
instalou o Estado Novo, em 10/11/1937, mantido como interventor até o final do período. É possível
observar neste episódio a disputa entre os Müller (Filinto e Fenelon) e os Corrêa da Costa (Mário)
que, embora tenham laços próximos de parentesco7, manteriam este padrão após a redemocratização,
com Filinto Müller e Fernando Corrêa protagonizando duas eleições para governador (1950 e 1960).
Arnaldo de Figueiredo afirmou que o PSD herdou o espólio político de Pedro Celestino após a sua
morte. Seu filho (Fernando), por ter fixado residência em Campo Grande, quando retornou da
faculdade de Medicina, cursada no Rio de Janeiro, foi para a UDN, pela proximidade com
Vespasiano Barbosa Martins, também médico, e com os pecuaristas8.
Após a morte de Pedro Celestino, o alinhamento dos Müller a Vargas ficou mais
importante. Júlio Müller foi um dos onze eleitores de Getúlio na região norte do Estado, em 1930.
Logo após o movimento, Júlio Müller foi nomeado prefeito de Cuiabá, no lugar de seu irmão
(Fenelon). No depoimento de sua esposa, Maria Müller, ela reafirmou que foram para a UDN os
antigos partidários de Mário Corrêa9. Durante o mandato e posterior interventoria de Júlio Müller
(1937-1945) estas discussões foram abafadas pela própria natureza autoritária e repressiva do regime

7
O tão falado parentesco entre os Müller e os Corrêa da Costa remete a um ancestral comum. Jucá (1998) traçou a
genealogia destas famílias e apontou o tenente português Francisco Corrêa da Costa, que teria chegado a Cuiabá por
volta de 1780, como o primeiro proprietário da Fazenda Bom Jardim e patriarca das duas famílias. Este primeiro
Francisco teve um filho chamado Antônio Corrêa da Costa, que gerou, dentre outros, um filho com o mesmo nome,
outro chamado Cesário Corrêa da Costa e outro com o nome de seu pai, Francisco. Do segundo Antônio vieram o
terceiro Antônio, seu filho Mário Corrêa, Pedro Celestino Corrêa da Costa, seu filho Fernando Corrêa da Costa (todos
Governadores). Já a filha do segundo Francisco (Rita Teófila) se casou com um rapaz chamado Júlio Frederico Müller
(segundo Müller em Mato Grosso) e tiveram quatro filhos, com destaque para Júlio, Filinto e Fenelon Müller.
8
Depoimento de Arnaldo Estevão de Figueiredo em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de
Janeiro: Mariela, 2001b.
9
Depoimento de Maria de Arruda Müller em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Leões e Raposas na Política de
Mato Grosso. Rio de Janeiro: Mariela, 2001a.

23
em vigor. Júlio Müller, segundo seu sobrinho Gabriel Müller, foi nomeado por causa de seu irmão
Fenelon (pai de Gabriel), que já fora prefeito eleito de Três Lagoas, no sul do Estado, e de Cuiabá,
entre 1927 e 1930.
Não se pode esquecer também do peso de Filinto Müller na engrenagem federal, já que ele
ocupava o cargo de Chefe de Polícia do Distrito Federal e, como lembrou Salomão do Amaral,
despachava direto com o presidente Getúlio Vargas, nas primeiras horas do dia10. Foi um período de
muitas obras executadas no Estado, em especial em Cuiabá. Na região sul, Júlio Müller era chamado
de “prefeito de Cuiabá”, de forma pejorativa, significando que ele se preocupava apenas com a capital
do Estado11. Tais realizações tiveram a importante função de equipar melhor a cidade para sediar o
aparelho do Estado e, desta forma, responder às críticas feitas pelos divisionistas quanto à sua
incapacidade de se manter como capital.
Segundo Gabriel Müller, seu pai (Fenelon Müller) recebeu a visita, em sua casa, do
deputado estadual Estevão Alves Corrêa, que lhe manifestou apoio para que ele fosse interventor do
Estado após o episódio da tentativa de impeachment e morte do ex-governador Mário Corrêa da
Costa. Fenelon fora candidato na eleição realizada pela Assembleia Legislativa (na função de
Constituinte), em 08/09/1935. Ele recusou e Estevão perguntou se ele indicava alguém. Fenelon
indicou seu irmão, Júlio Müller. Gabriel disse que seu pai se esqueceu de um pequeno detalhe que teve
toda a importância: O deputado estadual João Ponce de Arruda era cunhado de Júlio Müller e exerceu
grande influência durante a sua interventoria, ocupando a importante Secretaria Geral do Estado.
Gabriel Müller se recordou ainda que a Companhia Mate Laranjeira teve papel relevante na escolha
de Júlio Müller para interventor e, depois, nas obras realizadas em seu mandato.
Ele disse que Júlio conseguira recursos com Getúlio Vargas para quitação de dívidas do
Estado com seus credores. Ele começou pela maior, que era com a Mate Laranjeira. Na negociação, a
Companhia fez um grande desconto se Júlio pagasse à vista e investisse a parte descontada nas obras
que Cuiabá precisava para se manter como capital. Uma possibilidade para explicar tal conduta da
empresa pode ser a necessidade de manter o Estado e seus agentes (delegados, policiais, fiscais, juízes
e promotores) longe das suas atividades. Caso Cuiabá continuasse enfraquecida e a capital fosse
transferida para Campo Grande, o “Estado” estaria a cerca de 260 km deles12.
Neves (2001a) identificou algumas mudanças trazidas pelo Estado Novo, como a
transformação do Estado em ator central no processo político, em substituição aos grupos privados
(com ênfase nas oligarquias armadas); o crescimento populacional de Cuiabá provocado pela
expansão do aparelho do Estado, do funcionalismo público estadual e da própria migração no sentido
campo-cidade, acelerada naquele momento. Em Mato Grosso, os principais reflexos teriam sido: 1 –
a coexistência do conteúdo coronelista sob um figurino clientelista; 2 – a ascensão das novas elites

10
Entrevista com Salomão do Amaral. Campo Grande, 24/10/2006.
11
O Desembargador António de Arruda, em depoimento a Neves (2001b), afirmou que a UDN não gostava de Júlio Müller
porque ele era considerado bairrista, por ter “plantado” a capital no norte. José Fragelli lembrou que Júlio Müller
preparou Cuiabá para continuar como capital. Disse que, de fato, ele foi um mau interventor para o sul, ficando marcado
como “prefeito de Cuiabá”, pela atenção dispensada à sua cidade.
12
Entrevista de Gabriel Mülller. Cuiabá, 08/06/2006.

24
urbanas, com formação liberal e burocrática; e 3 – a mudança no perfil dos quadros partidários, que
passaram a contar com presença de egressos do sul do Estado, expressando a maioria do eleitorado
alcançada por aquela região. Sobre a passagem do coronelismo para o clientelismo, Neves apontou
que:

É nessa perspectiva que está referida a alteração mais profunda das relações político-
oligárquicas mato-grossenses e que se consolida no pós-45: do coronelismo para o
clientelismo (ainda que sob o poder dos coroneis), do controle pela violência ao
controle dos cargos políticos, dos votos e do aparelho burocrático, ou seja: de um
modelo voluntarista para um modelo que será marcado pela relação das elites com a
estrutura partidária. No caso de Mato Grosso, o traço marcante desse poder fundado na
intermediação é que ele propicia a coexistência de velhas e novas estruturas de
dominação. (Neves, (1988, p. 124).

25
Parte I
PSD-UDN E NORTE-SUL NUMA COMPLICADA
EQUAÇÃO POLÍTICA (1945-1965)

As zonas mais negligenciadas da história são as zonas fronteiriças.


Por exemplo, as fronteiras entre as especialidades: assim, o estudo
do governo exige o conhecimento da teoria do Governo (isto é, da
história do pensamento político), o conhecimento da prática do
governo (isto é, da história das instituições) e, por último, o
conhecimento dos personagens do governo (logo, da história
social); ora, poucos historiadores são capazes de se mover nestas
diferentes especialidades com a mesma segurança. (BONNEY apud
BOURDIEU, 2001, p. 99).

27
A fundação dos partidos em Mato Grosso no pós-Estado Novo

Cabe abordar a formação dos três principais partidos existentes neste período, PSD, UDN e
PTB. Na montagem do PSD, Vargas tentou manter intacta a rede de sustentação que articulara ao
longo dos seus quinze anos de mandato (1930-1945), em particular no período do Estado Novo
(1937-1945).
Skidmore (1992) denominou os atores integrantes desta rede como os “de dentro”, com
ênfase em: 1 – As elites políticas e burocráticas com acesso ao aparelho do Estado no período
varguista, bem como as respectivas clientelas vinculadas a elas; 2 – O capital agropecuário e
industrial, que obteve bons resultados com Vargas, admirava a ênfase urbana das mudanças (com a
intocabilidade da propriedade concentrada da terra) e temia a instabilidade política que uma transição
mais radical entre regimes poderia acarretar, prejudicando os seus negócios; 3 – Os trabalhadores
urbanos, mobilizados pela legislação trabalhista, previdenciária e sindical aprovada por Vargas e
tutelados de forma paternalista.
Para Gomes (1988), a proposta inicial era construir um único partido “situacionista”,
reunindo os interventores estaduais, suas respectivas máquinas políticas e os sindicatos. O projeto foi
abortado pela dificuldade em compatibilizar um partido de massas (que se pretendia para o
trabalhismo) e a cúpula governamental estadonovista que optava por uma organização gerida por um
colegiado e com bases políticas regionais.
Gomes (2002) apontou que:

Dessa perspectiva, a criação desses dois partidos não resulta de um cálculo


antecipado que procurava distinguir bases diferenciadas de apoio político à
máquina estado-novista que, era esperado, iria sair de cena com o fim da
Segunda Guerra mundial e o alinhamento Brasil-USA. Ao contrário, o PSD e
o PTB emergem como a solução pragmática possível num contexto em que as
presenças de um significativo partido de oposição (a UDN) e de uma forte
esquerda organizada (o Partido Comunista, PCB) forçavam a tomada
imediata de decisões políticas. Disponível em http://bibliotecadigital.
fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/6769/1280.pdf.txt?sequence=2.
Acessado em 12/07/2011.

Do lado oposto, a União Democrática Nacional (UDN) se formou como uma imensa frente
de oposição a Getúlio Vargas e aglutinada pela candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, tenente
participante da revolta do Forte de Copacabana, em 1922. Reuniu, portanto: 1 – As antigas
oligarquias estaduais desalojadas do aparelho do Estado, em 1930, cujos líderes eram Otávio
Mangabeira, Júlio Prestes e o ex-presidente Artur Bernardes; 2 - Outros setores oligárquicos que só
romperam com Vargas durante a década de 1930, como os tenentes Juarez Távora, Juraci Magalhães
e o candidato a presidente na abortada eleição de 1938, José Américo de Almeida; 4 - Os signatários
do “Manifesto dos Mineiros”, de 1943, que representavam o velho constitucionalismo liberal, órfão
de 1930 e da candidatura de Armando Sales de Oliveira a presidente, em 1937, como Afonso Arinos,

29
Odilon Braga, Milton Campos e Pedro Aleixo; 5 - A denominada “Esquerda Democrática”,
composta por setores do Partido Comunista descontentes com o movimento queremista e a
aproximação com Vargas. Eles consideravam possível uma “união nacional” substanciada numa
organização de massa que pudesse representar o antigetulismo. Com a ampliação da UDN, acabaram
saindo desta proposta e fundaram o Partido Socialista Brasileiro (PSB).
Em Mato Grosso, a construção do PSD seguiu o padrão nacional. A família Müller, em
particular os irmãos Júlio e Filinto, foi o eixo ao redor do qual se formaram os partidos no Estado,
conforme o critério situação-oposição. O ex-deputado estadual e federal Milton Figueiredo afirmou
que os partidos em Mato Grosso foram fundados contra ou a favor de Filinto Müller13. Quer dizer, o
grupo do PSD procurou manter o situacionismo anterior. Numa referência prévia ao Estado Novo,
preservou quase intactas as forças que se posicionaram ao lado do ex-governador Pedro Celestino
Corrêa da Costa e contra seu sobrinho Mário Corrêa da Costa, que antecipou a aposentadoria do tio
(com mais de 65 anos) e quis assumir a liderança quando foi governador (1926-1930)14.
O novo contexto nacional trazido pela redemocratização teve impactos no Estado.
Skidmore (1992) descreveu que foram marcadas eleições para 02/12/1945 e se apresentaram dois
candidatos principais: o general Eurico Gaspar Dutra, cuiabano e ministro da Guerra de Getúlio
Vargas, pelo PSD, e o Brigadeiro Eduardo Gomes, pela UDN, além de Ricardo Fiúza, pelo PCB. Com
a reabertura do Congresso Nacional, foram realizadas eleições para a Câmara e Senado Federal
(1945) e Assembleias Legislativas nos Estados (1947), que teriam o importante papel de elaborar as
novas Constituições. Diante da recusa de João Villasbôas e Vespasiano Martins em apoiar o general
Dutra e sua posterior filiação na UDN, Filinto Müller constituiu o primeiro diretório estadual do PSD
(no qual ocupou a posição de presidente), passando a articular sua candidatura a senador e a de um
outro candidato no sul, que pudesse enfrentar Vespasiano.
A decisão de Villasbôas e Vespasiano pode ter sido influenciada pela disputa de espaço
político. Se Villasbôas optasse por permanecer no PSD, ele teria de disputar os cargos majoritários
(governador, senador) com os irmãos Müller (Júlio e Filinto). Pela maior força deles e do próprio
aparato governamental no norte do Estado (sua área de origem), seria uma via muito congestionada
para reiniciar sua carreira parlamentar.
No caso de Vespasiano, cabe lembrar que ele era considerado por Júlio Müller como seu
representante no sul durante a interventoria, pelo destaque adquirido com os episódios do “Estado de
Maracaju”, em 1932, seu retorno à Prefeitura de Campo Grande, em 1934, e sua posterior eleição para
senador, em 1935. No entanto, é possível perceber, pelo depoimento de Ruben Figueiró, que se tratou
de um acordo mediado por Vargas. Nele, ambas as partes reconheciam a força mútua em cada uma das
regiões do Estado e Vespasiano, como liderança política do sul, passaria a ser consultado sobre as
decisões importantes na sua área de influência. O acordo deveria valer para o período estadonovista.

13
Depoimento de Milton Figueiredo em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro:
Mariela, 2001b.
14
Entrevista com Renato Alves Ribeiro. Campo Grande, 24/10/2006.

30
Com a redemocratização, a realidade se alterou e os interesses imediatos da eleição de
1945 começaram a dividir as lideranças. Como eram duas vagas no Senado por Estado e três
candidatos declarados (Filinto Müller, Vespasiano Martins e João Villasbôas), os fatos sugerem que
os dois últimos podem ter se articulado na lógica regional (norte e sul) para derrotar Filinto Müller.
Neves (1988) registrou depoimento do ex-deputado estadual Augusto Mário Vieira em que foi
relatado um encontro de Villasbôas com Vespasiano, no Rio de Janeiro, no qual teriam acertado a sua
incorporação à UDN em formação15.
Uma outra possível razão para a filiação de Vespasiano à UDN era a postura oposicionista
que as forças políticas da região sul faziam a Vargas e aos Müller e sua vinculação aos grandes
pecuaristas16. Martins (1981) recorda-se em suas memórias que, embora eles tenham apoiado a
Aliança Liberal, em 1930 (ao contrário do norte), já no movimento de 1932 engrossaram a fila dos
descontentes com o regime de Vargas pelo não cumprimento das promessas de campanha. Paulo
Coelho Machado relatou que as lideranças do sul de Mato Grosso, apoiadoras da Aliança Liberal
(Eduardo Olímpio Machado, Dolor de Andrade, Vespasiano Martins), levaram ao candidato um
pedido no sentido da separação do Estado, que seria estudado. O desprestígio na escolha dos
interventores, por Vargas, somou-se para que este grupo fosse opositor. Os pecuaristas do sul também
optaram pela UDN, para se contrapor ao PSD governista, controlado pelos Müller, ao norte, e
instrumentalizar sua expressão regional. Quer dizer, pela vinculação de Vespasiano Martins a este
grupo era esperado que a “trégua” com Júlio Müller, vigente durante o Estado Novo, não resistisse ao
seu término. Ela surgiu da baixa concorrência política num regime de exceção, no qual houve
dissolução do Poder Legislativo em todos os níveis e da própria Federação (com nomeação de
interventores nos Estados). Vale lembrar também o imperativo de ampliar a força política do sul junto
ao poder estadual (Cuiabá) e central (Rio de Janeiro).
Uma vez restaurada a democracia nos marcos da Constituição de 1934, seria inevitável que
as forças se dividissem com base em inclinações anteriores que ficaram suspensas e nos diferentes
projetos futuros. Parece que Júlio Müller não teve esse entendimento na época, pois seu sobrinho
Gastão Müller lembrava que ele se recusou a responder a um cumprimento de Vespasiano Martins, no
aeroporto, em certa ocasião, alegando traição17.
A UDN surgiu em Mato Grosso, portanto, do agrupamento daqueles que se consideravam
excluídos dos benefícios que o bom relacionamento com o aparelho do Estado conferia, bem como
do acúmulo de forças por parte dos que se opunham à política de Vargas e seus representantes no
Estado, liderados pelos irmãos Müller. Segundo Paulo Machado, a UDN foi formada pelos jovens do
sul (ele próprio, José Fragelli, Wilson Barbosa Martins), porque os mais velhos ficaram esperando as
definições das lideranças maiores para se posicionarem18.

15
Depoimento de Augusto Mário Vieira em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro:
Mariela, 2001b.
16
Bittar (1999) lembrou que Vespasiano era descendente da família Barbosa, composta de importantes pecuaristas na
chamada região dos “campos grandes”. Ele nasceu numa fazenda em Rio Brilhante e seu avô (Ignácio Gonçalves
Barbosa) era fazendeiro da região da Vacaria.
17
Depoimento de Gastão Müller em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro: Mariela
Editora, 2001b.
18
Depoimento de Paulo Coelho Machado em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Elites Políticas: Competição e
Dinâmica Partidário-Eleitoral (Caso de Mato Grosso). Rio de Janeiro: Vértice, 1988.

31
Um gesto que simboliza a oposição da região sul do Estado a Vargas foi a renúncia do
prefeito de Campo Grande, Eduardo Olímpio Machado, quando da visita presidencial em 1941. A
Prefeitura de Campo Grande vinha postulando empréstimo junto à Caixa Econômica Federal para
financiar obras de água e esgoto no município. Houve muita dificuldade na obtenção do recurso,
mesmo com aprovação da Câmara Municipal e a presença de mato-grossenses em posições de
destaque na administração federal, como o general Dutra e Filinto Müller. O empréstimo só foi
autorizado em 13/11/1944, mais de sete anos depois de sua proposição pela Câmara Municipal.
Diante disso, Eduardo Machado, eleito em 1937 e mantido pelo interventor Júlio Müller na posição
de prefeito, optou pela renúncia, em sinal de protesto. Em seu lugar assumiu o Secretário-Geral da
Prefeitura, Demósthenes Martins, nomeado em definitivo em 12/10/1942, em face da declinação de
Vespasiano Barbosa Martins e por indicação deste. A opção de Vespasiano de apoiar a candidatura do
Brigadeiro Eduardo Gomes para a Presidência, em 1945, e sua filiação à UDN fizeram com que
Demósthenes renunciasse à Prefeitura, em 12/04/1945.
Havia também o envolvimento, a exemplo do que aconteceu em nível nacional, de
profissionais liberais, sendo forte a presença de médicos, engenheiros, advogados e outros no partido.
Mato Grosso inverteu um pouco a realidade nacional nesse caso, em virtude da população residir, em
sua maioria, na zona rural (cerca de 75%, contra 25% na urbana, conforme censo de 1940)19. O PSD
contava com mais quadros de origem urbano-liberal-burocrático do que a UDN, ressalvando as
ascendências rurais. No caso específico de Cuiabá, esta composição contribuiu para uma maior
articulação com as camadas de renda mais baixa, fazendo a UDN “substituir” o PTB até a década de
1950, como destacou Augusto Mário Vieira. Lenine Póvoas lembrou que a UDN foi fundada no
consultório do médico Agrícola Paes de Barros, em Cuiabá. Cabe citar alguns líderes da UDN
cuiabana que tinham esta origem: o próprio Agrícola (deputado federal e candidato a prefeito), o
Engenheiro José Garcia Neto (prefeito e vice-governador); o Contador Aecim Tocantins (vereador,
vice-prefeito, prefeito interino e candidato à Prefeitura); os Médicos Sílvio Curvo (eleito senador em
1950) e o próprio Fernando Corrêa da Costa, cuiabano radicado em Campo Grande.
Para Virgílio Alves Corrêa Neto (que fora diretor do Departamento de Saúde no governo de
Júlio Müller), a escolha de Arnaldo Estevão de Figueiredo veio da escassez de quadros do PSD,
poupados do desgaste natural provocado pelos anos do Estado Novo, época em que estiveram no
governo. Era o caso tanto de Júlio Müller (interventor) quanto de seu cunhado João Ponce de Arruda,
que fora Secretário-Geral do Estado durante o mesmo período20. Júlio Müller tinha o agravante de
estar ocupando cargos no Executivo há quase 15 anos, salvo pelo período em que foi candidato e
deputado estadual. Ele fora prefeito de Cuiabá (1930-1933), Chefe de Polícia (1933-1934) e
Secretário-Geral do Estado (1934), como destacou Jucá (1998) na biografia do interventor.
Eles procuraram Estevão Alves Corrêa, que fora deputado estadual (presidente da
Assembleia Constituinte de 1935), vice-governador de Pedro Celestino (1922-1924) e, por fim,

19
www.ibge.gov.br. Acesso em 12/08/2006.
20
Depoimento de Virgílio Alves Corrêa Neto em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de
Janeiro: Mariela, 2001b.

32
governador (1924-1926). Foi cogitado o nome de Virgílio Aves Corrêa Filho, irmão de Estevão, mas
este desencorajou qualquer abordagem a ele. “Virgilinho”, como é chamado por muitos, em função
de seu pai, morava no Rio de Janeiro e era associado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB) e ao Conselho Nacional de Geografia, além de institutos de diversos outros Estados e
colaborador do Jornal do Comércio21.
Diante das restrições dos outros nomes, lembraram de Arnaldo Estevão de Figueiredo. Sua
última eleição fora para a Assembleia Constituinte de 1935, na qual não conseguira vitória. Desde
então, acompanhando a desmobilização política provocada pelo Estado Novo, deixara de ter
militância política mais intensa. Foi escolhido pela condição de ex-prefeito de Campo Grande, na
década de 1920, e Engenheiro Agrônomo reconhecido no sul, por seu trabalho na demarcação de
terras (o que propiciou a sua articulação com os pecuaristas da região)22.
A estratificação do Estado em duas regiões bem distintas, mostrada durante o período
varguista, reapareceu neste momento com toda a força. Neves (2001a) identificou 32% do eleitorado
para a região norte e 68% para a porção meridional do território mato-grossense nas eleições de 1945,
o que tornou indispensável observar a dimensão regional na formulação das estratégias políticas a
partir de então. Para não radicalizar a postulação separatista do sul, a escolha de candidatos procurava
se orientar pela busca do perfil birregional, de quadros identificados com ambas regiões do Estado.
Era o caso de Arnaldo Estevão de Figueiredo que, embora radicado no sul, era nascido no município
de Rosário Oeste, na então região norte do Estado23.
Deveriam ser, portanto, duas eleições quase que separadas em 1945. Filinto Müller x
Villasbôas, no norte, e Vespasiano x Arnaldo, no sul. Os fatos acabaram comprovando esta
expectativa e reafirmando a importância das estruturas partidárias e do equilíbrio regional na
montagem das chapas. Quando são analisados os resultados estratificados por zona eleitoral, é
possível observar que os candidatos do PSD (Filinto Müller e Arnaldo Estevão de Figueiredo) e da
UDN (Vespasiano e Villasbôas) tinham votação muito próxima, quando não idêntica, o que indica
que o eleitorado votava na chapa.
Os resultados da eleição de 1945 foram muito equilibrados, demonstrando equipotência e
estabelecendo um padrão que se seguiria na maioria das eleições para o Senado nesse período.
Quando regionalizada a votação em norte e sul, destacou-se o PSD na região norte (com vitória de
56,23% a 44,27% da UDN) e a UDN na região sul (53,48% a 46,52% do PSD), como detalha Alves
(2004) na biografia de Arnaldo Estevão de Figueiredo. Esta foi a tônica de todo o período, com forte

21
Para Trindade (2002), Virgílio Corrêa Filho foi um dos mais destacados “intelectuais orgânicos” do Estado Novo,
responsável pela formulação do discurso oficial em diversas áreas. São exemplos a participação brasileira na Segunda
Guerra Mundial, ao lado dos Estados Unidos, e a geopolítica que preconizava a interiorização do Brasil, bem como a
defesa de sua integridade nacional (“Marcha para o Oeste”). Trindade, Vilma Eliza. Elites Regionais no Estado Novo: o
caso de Virgílio Corrêa Filho. Paper apresentado na Sixth Conference of the Brazilian Studies Association (BRASA).
Atlanta, Georgia, abril 4-6, 2002.
22
Alves (2004) registrou em biografia que Arnaldo Estevão de Figueiredo, que nasceu em 1892, na região de Rosário
Oeste, e trabalhou como agrimensor na demarcação dos seringais do Vale do Rio Arinos, em 1916. Depois, se mudou
para a região sul do Estado, onde demarcou terras devolutas (1917), fazendas com até 250.000 hectares e criou as
colônias agrícolas de Bandeirantes, Bodoquena, Rondonópolis, Dourados, Camapuã, Bonito e Ribas do Rio Pardo
(hoje municípios). Demarcou mais de 2 milhões de hectares na fronteira com o Paraguai (Ponta Porã).
23
Depoimento de Hélio Ponce de Arruda em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro:
Mariela, 2001b.

33
equilíbrio entre os dois grandes partidos, com maior peso do PSD no conjunto nortista e da UDN no
conjunto sulista, com o PTB oscilando entre eles para garantir a própria sobrevivência e, por
conseguinte, sua alternância. Acabaram eleitos um de cada partido: Filinto Müller, pelo PSD, e
Vespasiano Martins, pela UDN. No entanto, houve uma reviravolta cerca de seis meses após a
eleição. João Villasbôas entrou com recurso na instância federal por uma urna que fora impugnada
pelo PSD, no município de Nossa Senhora do Livramento, sob alegação de práticas fraudulentas no
aliciamento de votos. Livramento era considerado área de influência de uma liderança expressiva da
UDN na região, Osvaldo Botelho de Campos, conhecido por “Nhô-Nhô do Tamarineiro”. A UDN
obteve, portanto, autorização para apuração dessa urna e o senador João Villasbôas teve ali 501 votos,
o que lhe levou à condição de vencedor da eleição e cassação da diplomação de Filinto Müller.
Na próxima eleição, realizada em 1947, o PSD aproveitou a experiência adquirida com os
resultados de 1945 abrindo mais uma vaga no Senado Federa, concorrendo com a mesma dupla de
antes. Desta vez seria Filinto Müller para o Senado e Arnaldo Estevão de Figueiredo para governador
do Estado. Como os principais quadros da UDN já tinham sido lançados na eleição anterior
(Vespasiano e Villasbôas), Filinto Müller e Arnaldo foram eleitos para os seus respectivos cargos.
Para “surpresa” das forças políticas do norte, ambos os candidatos a governador vieram da região sul.
Arnaldo se beneficiou do seu perfil birregional e da votação de Filinto Müller, já conhecido
em todo o Estado. O concorrente na vaga de senador (João Celestino), embora fosse um dos fundadores
da UDN e presidente de seu primeiro diretório estadual, não disputara a eleição anterior e não era,
portanto, conhecido dos eleitores, como Filinto Müller. Este iniciou, desta forma, sua permanência no
Senado, que se estenderia por quatro mandatos, presidindo a Casa por cerca de quatro meses, até sua
morte em 1973.
Em função da pouca expressão quantitativa do eleitorado do PTB, no período 1945-1965, em
particular na então região norte de Mato Grosso, bem como da escassez de fontes, a narrativa se
concentrará no papel de equilibrador sistêmico apontado por Neves (2001a) para este partido, com
destaque para os fatos mais relevantes envolvendo seus candidatos e aliados. Uma das características
mais importantes para o PTB nesta fase inicial foi o caráter mais conservador, na comparação com seus
congêneres estaduais e pela consequente política de alianças. Ora o PTB se aliava com o PSD, seu
parceiro em nível nacional, ora com a UDN, de maneira informal. Favorecia o partido que estivesse na
oposição e, o candidato que recebia seu apoio, era vencedor. Vale entender, portanto, como o partido
atingiu essa condição. Por orientação de Vargas, o ex-interventor Júlio Müller se mudou para o PTB em
1948. Em Mato Grosso, pela pouca oferta de quadros com vinculação aos sindicatos, em virtude da sua
quase inexistência no norte do Estado, Júlio Müller foi escolhido para comandar o PTB.
A maior presença eleitoral desse partido na então região sul do Estado também foi um dos
fatores de equilíbrio nesse período. Como o PSD tinha maior participação eleitoral no norte, o PTB
“compensava” a lacuna nos municípios sulistas. O caso do município de Corumbá é bem
representativo, porque tinha forte eleitorado petebista e ficava “no meio do caminho” entre o sul e o
norte, amortecendo, portanto, os ímpetos divisionistas. A eleição de 1960, ocasião em que o PTB
lançou o deputado federal Wilson Fadul como candidato a governador, provocou a derrota de Filinto
Müller para Fernando Corrêa da Costa.

34
Gastão Müller apontou uma razão pela qual o PTB não apoiava as candidaturas de Filinto
Müller a governador, mas apenas a senador: era de natureza pragmática, além daquelas já destacadas
de ordem ideológica, porque o PTB continha muitos militantes do Partido Comunista (então na
clandestinidade). Eles teriam a memória do papel de Filinto Müller na repressão aos comunistas após
a Intentona de 1935, no Rio de Janeiro. Há também episódios relativos à participação de Filinto
Müller na Coluna Prestes e na deportação de Olga Benário, esposa de Luiz Carlos Prestes, para a
Alemanha do período nazista.
Para Gastão Müller, o movimento pendular do PTB decorria da percepção de suas
lideranças sobre a inconveniência de se manter aliado ao mesmo partido em todas as eleições. Eles
receavam que fossem absorvidos, em particular pelo PSD, caso Filinto Müller fosse o governador,
por sua liderança no Estado e no âmbito federal. Ao trocar de aliados, de modo formal ou informal, o
PTB mantinha a sua independência e passava a ser disputado pelos dois grandes partidos (PSD e
UDN), desempenhando papel definidor das eleições. Nesta perspectiva, o PTB não lançou
candidatos nas eleições majoritárias de 1945 e 1947, optando por apoiar Filinto Müller e Arnaldo
Estevão de Figueiredo, que eram os nomes do PSD.
Os deputados estaduais eleitos em 1946 deveriam compor uma nova Assembleia
Constituinte, para elaboração da Constituição Estadual. Como lembrado pelo então Constituinte
Lenine Póvoas, a Assembleia de 1947 era constituída de pecuaristas, poucos industriais (usineiros na
maioria) e alguns profissionais liberais, à diferença das anteriores, em que predominavam
seringalistas e usineiros (1891), já dividindo espaço com pecuaristas do sul (1935)24. Essa nova
composição do parlamento estadual refletia as mudanças na correlação de forças no interior da classe
dominante e, antes disto, a transição da matriz econômica de Mato Grosso, com maior peso da região
sul do Estado, onde predominavam os ervateiros (quase monopolizados pela Companhia Mate
Laranjeira) e os pecuaristas. Outro aspecto a observar é a maior expressão do eleitorado sulista, que
passaria a equilibrar as relações com o norte.
Nesta perspectiva, cabe destacar um fato deste período que reflete bem a articulação da
causa divisionista e os meios a serem usados pelos sulistas no sentido da sua promoção. Todas as
Constituições têm por hábito estabelecer a localização da capital da unidade federativa ou da
República, no caso da federal. Trata-se mais de protocolo a ser seguido, porque raras vezes isso é
objeto de discussão. Foi escolhido para relator da Constituição de 1947 o deputado José Manuel
Fontanillas Fragelli (UDN), junto com seu colega Gervásio Leite (PSD). Fragelli contava, então,
com cerca de 30 anos e, embora nascido em Corumbá, vinha exercendo a sua profissão de promotor e
advogado em Campo Grande e Aquidauana. Durante a elaboração do texto, foi imaginada a
possibilidade de deixar a capital do Estado em aberto. Ela seria definida, não pela Constituição, mas
sim por lei ordinária que requeria maioria simples para sua aprovação.
O próprio Fragelli deu a sua versão sobre este episódio e os objetivos divisionistas:

24
Depoimento de Lenine Póvoas em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro: Mariela,
2001b.

35
Eu fui relator junto com o Gervásio. Mas eu é que fazia. [...] Antes de votar a
nova Constituição, eu pus lá que a capital do Estado podia ser mudada por
simples maioria. E os cuiabanos, muito mais inteligentes do que a gente,
ficaram quietos, prepararam uma sessão e nos derrotaram. Nós fomos
derrotados. Felizmente, aliás. Eles ganharam por um voto. [...] Luiz
Alexandre veio aqui para Aquidauana, ele veio .... ele veio defender um
sujeito, um sargento parece, que matou a mãe. Aproveitaram a saída do Luiz
Alexandre, mais não sei o quê, e os cuiabanos fizeram a maioria no dia. E nos
derrotaram. O que, no final de contas, foi muito bom. Mas só isso. Eu, por
exemplo, nenhum de nós votaria a mudança da capital. Ninguém queria.
Cuiabá naquele tempo se mantinha pelo fato de ser capital do Estado. Cuiabá
cairia muito. E não tinha ninguém que quisesse isto. Agora, nós queríamos
criar o sul. [...] Mas não foi, absolutamente, querer mudar a capital. Nós não
queríamos mudar a capital. (28/09/2006, entrevista).

Gilson de Barros, divergiu da opinião de Fragelli, considerou que a divisão era o objetivo
secundário das forças políticas do sul, porque a meta principal deles seria a mudança da capital para
Campo Grande. Como eles perceberam que era difícil retirar a capital de Cuiabá, passaram a postular
a divisão do Estado como forma de transformar Campo Grande em capital 25. O ex-senador Vicente
Vuolo foi na mesma direção e afirmou que, quando os sulistas observaram que era difícil mudar a
capital, começaram a trabalhar pela divisão do Estado26.
Waldir dos Santos Pereira, então deputado estadual pelo PSD da região sul, relatou que, em
certa manhã, foi procurado pelo também deputado Oclécio Barbosa Martins (UDN), sobrinho de
Vespasiano. Oclécio viera lhe alertar para que se armasse e se escondesse no Grande Hotel. Isso seria
necessário porque os parlamentares cuiabanos estavam vindo, do Porto, acompanhados de uma
multidão, com 16 caixões (número de deputados sulistas naquela legislatura) para dar um banho neles
no chafariz do Jardim Alencastro (em frente ao Palácio homônimo) e lançar a todos no Rio Cuiabá.
O então chefe de polícia, Capitão Afrânio Fialho de Figueiredo (filho do governador
Arnaldo Estevão de Figueiredo), montou uma barreira de policiais posicionados antes da Praça
Ipiranga e levou os deputados cuiabanos que estavam à frente deste movimento para conversar com o
governador. Apenas depois da repreensão, eles retornaram à Assembleia e a emenda foi retirada27.
Cabe destacar que as bancadas partidárias quase desapareceram nesta votação. O que pesou
foi o sentimento regionalista. Os parlamentares de Corumbá votaram contra a emenda (José Henrique
Hastenreiter – PSD e Octacílio Faustino da Silva – UDN). Este comportamento demonstra a posição
pendular de Corumbá, ora alinhada ao sul, ora ao norte, fator importante do sistema político mato-
grossense deste período28. Este episódio acirrou os ânimos de ambas as regiões e trouxe efeitos

25
Entrevista com Gilson de Barros. Cuiabá, 23/05/2006.
26
Depoimento de Vicente Vuolo em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro: Mariela,
2001b, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro: Mariela, 2001b.
27
Depoimento de Waldir dos Santos Pereira em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro:
Mariela, 2001b., Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro: Mariela, 2001b.
28
Depoimento de Heronides de Araújo em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro:
Mariela, 2001b., Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro: Mariela, 2001b.

36
posteriores para o movimento divisionista, e também para o deputado José Fragelli29. O então
deputado estadual Licínio Monteiro destacou que até aceitava a divisão, mas era contra a mudança da
capital. Ele confirmou que houve até uma ameaça de levar os deputados sulistas para tomar banho no
chafariz de uma Praça em Cuiabá, caso a emenda fosse aprovada, porque eles não admitiriam uma
atitude destas em seu território30.
Para lançar um pouco de luz sobre esta discussão e ajudar na busca pelos objetivos dos
divisionistas sobre o que vinha em primeiro lugar (mudança da capital ou divisão), cabe observar
uma obra que serviu de “livro de cabeceira” para toda uma geração de sulistas, como observa Bittar
(1997). O então deputado constituinte Oclécio Barbosa Martins publicou um livro, em 1944,
denominado Pela Defesa Nacional. Neste trabalho, identifica no pensamento geopolítico brasileiro,
desde a Constituinte de 1823, apontamentos no sentido da criação de uma unidade administrativa ao
sul de Mato Grosso.
O nome variou ao longo do tempo (Amambaí, Baixo Paraguai, Alto Paraná, Camapuã,
Maracaju, Território do Rio Pardo), mas há uma constante no sentido da diferenciação dessa região
por suas características geofísicas (clima, vegetação, hidrografia, relevo). No trabalho, Oclécio
apontou também que a mudança da capital para Campo Grande não resolveria o problema, pois
restaria amplo território ao norte, distante do novo centro. Surgiria, então, um separatismo na região.
Oclécio afirmou que:

Já houve quem aventasse a ideia de mudar a capital do Estado, transferindo-a de


Cuiabá para Campo Grande: julgamo-la também um erro, tão grande ou pior do que a
situação em que nos abandonaram. Si tal fizesse, as populações nortistas passariam a
sofrer dos mesmos tropêços e das mesmas angústias que, há mais de um século, os
sulistas vêm sofrendo. Aconteceria, inversamente, o que ora acontece: - a região norte
quereria por força separar-se da do sul, - o que seria inteiramente justo (OCLÉCIO,
apud MARTINS, p. 65, 1944).

29
No período em que foi governador do Estado (1971-1975), Fragelli disse ao senador Filinto Müller que Cuiabá não tinha
mais condição de ser capital. Filinto se assustou e logo falou da emenda à Constituição de 1947, em que Fragelli propôs a
possibilidade de mudança da capital por lei ordinária. Fragelli disse que não pretendia mudar a capital, mas construir uma
nova, ao lado de Cuiabá. Ele se referia ao Centro Político-Administrativo (CPA), onde seriam instaladas as principais
agências estaduais e federais, num espaço mais amplo e confortável. Durante seu governo , Fragelli foi acusado de
trabalhar pela divisão ou pelo menos ser apático diante daqueles que estariam agindo nesse sentido, na sua equipe.
30
Depoimento de Licínio Monteiro em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro:
Mariela, 2001b.

37
O crescimento do PTB e as duas vitórias de Fernando Corrêa da Costa
sobre Filinto Müller

Na eleição de 1950, o PSD veio em posição mais vantajosa, por deter o Poder Executivo
estadual, pela grande bancada na Assembleia Legislativa, por Filinto Müller no Senado e, consideravam
eles, pelo apoio de Getúlio Vargas, então candidato a Presidente da República. Surgiu o velho dilema
enfrentado por aqueles que estavam em posições de comando: excesso de confiança sobre as eleições e
muitos postulantes para as poucas vagas em disputa, em particular as majoritárias. Júlio Müller, por sua
vez, era pré-candidato a governador, pelo PTB, quando Filinto Müller se posicionou. Foi feita a
proposta ao PTB, então, de retirada da candidatura de Júlio Müller em favor de Filinto Müller, seguindo
a aliança nacional entre os partidos. Isso resultou no famoso “racha” da eleição, porque setores
importantes do PTB não votavam em Filinto Müller, como já dito antes. Dessa forma, o partido liberou
seus filiados e simpatizantes no voto para governador, como registrou Neves (2001a).
A soma de forças, ao invés de ajudar, foi mais um complicador na eleição. Era apenas uma
vaga em disputa no Senado, com o encerramento do mandato de Filinto Müller31. Júlio Müller
posicionou-se como candidato a senador e Arnaldo de Figueiredo também. Aí estava o grande risco,
porque, por força da legislação eleitoral, Arnaldo teria que renunciar ao cargo de governador do
Estado para participar da eleição. De acordo com Póvoas (1995), como não foi eleito com um vice-
governador, o substituto constitucional era o presidente da Assembleia Legislativa, o deputado Jari
Gomes (PSD). Segundo Salomão do Amaral, embora o deputado Jari Gomes fosse do mesmo partido,
a sua fidelidade para com as candidaturas do PSD não era tida como certa dentre seus pares Ele fora
eleito num acordo entre as bancadas da UDN e do PSD na Assembleia. Além disso, havia a disputa
entre os dois irmãos Müller, já que Filinto Müller se apresentara como candidato a governador do
Estado, dentre outros fatores, pela relação de proximidade com Vargas, que vinha desde 1930.
Jari Gomes traiu o PSD e colocou-se favorável à candidatura de Fernando Corrêa da Costa
(UDN) durante esta eleição, contribuindo para a derrota. Ele afirmou ainda que, quando presidente da
AME32, no Rio de Janeiro, teve uma conversa com Júlio Müller, em que dizia que ele deveria ter se
candidatado a deputado federal em 1950, pois teria condições de ser eleito como o mais votado no
Estado. Júlio Müller respondeu que se o Arnaldo de Figueiredo se candidatou a senador, ele não
poderia postular uma posição “menor”.

31
Este mandato de senador foi mais curto do que os outros (4 anos) porque se originou das eleições de 1947, para
preencher a terceira vaga criada pela Constituição de 1946. Se isso não fosse feito, os mandatos dos três senadores
terminariam nas eleições de 1954, gerando a possibilidade de renovação total do Senado. Feita este exceção, os
senadores eleito em 1950 cumpriram mandato de oito anos e a renovação passou ser de 1/3 ou 2/3 a cada eleição,
mantida até hoje.
32
A Associação Matogrossense dos Estudantes (AME) foi fundada no Rio de Janeiro, em 14/07/1947, para ajudar e
congregar os estudantes de Mato Grosso que estavam na cidade. Como a entidade sempre manteve uma relação muito
estreita com o Governo estadual (a presença de autoridades em visita ao Rio de Janeiro era muito frequente) houve a sua
transformação em entidade de utilidade pública, em 18/06/1955, passando a receber recursos públicos a partir de então.
Para fins desta pesquisa, cabe destacar que a AME foi um celeiro de lideranças políticas mato-grossenses, como
Emanuel Pinheiro, Vicente Vuolo, Nelson Trad, Benedito Silva Freire, Ruben Figueiró e Ramez Tebet.

38
Uma possibilidade interpretativa sobre o comportamento de Júlio Müller e sua disputa com
Arnaldo Figueiredo nesta eleição pode estar nas obras realizadas no período em que fora interventor.
Talvez ele tenha considerado que possuía maior força política, por sua passagem de oito anos pelo
governo do Estado, do que Arnaldo de Figueiredo. Este não chegou a completar três anos de mandato
e sua candidatura a governador, em 1947, fora articulada por Júlio Müller e seu grupo. João Ponce
concorreu e foi o mais votado da bancada federal de 1950 e também de 1954, o que lhe habilitou a
postular o mandato de governador em 1955. Se Júlio Müller concorresse, eles com certeza rachariam
o mesmo eleitorado, por sua origem, o que poderia comprometer os planos futuros de João Ponce.
Italívio Coelho pontuou que havia uma disputa entre Filinto Müller e Arnaldo Figueiredo
pelo controle do PSD, na perspectiva da regionalização das forças políticas (norte x sul)33. Filinto
Müller queria concorrer a governador, pelo PSD, com seu irmão Júlio Müller para senador, pelo PTB,
de modo a facilitar a aliança entre os dois partidos. Arnaldo entendeu que isso quebrava o equilíbrio
regional da chapa e comprometia o resultado eleitoral. Disse a Filinto Müller que sua candidatura a
senador não lhe pertencia mais, pois era reclamada pelos correligionários do sul do Estado.
A presença de Getúlio Vargas em Mato Grosso nesta campanha foi mais um fator que veio a
enfraquecer a chapa do PSD e gerar a derrota de todos os postulantes. Getúlio optou por concorrer à
Presidência pelo PTB e não pelo PSD e, ao passar por Cuiabá, acabou “liberando” seus eleitores na
eleição de governador, o que resultou, em termos práticos, no fortalecimento da candidatura de
Fernando Corrêa da Costa (UDN).
Hippolito (1985) analisou que, na eleição presidencial de 1950, o PSD (como todo o
partido que está no comando do Poder Executivo) teve muitas dificuldades para definir o seu
candidato à sucessão do general Dutra. Surgiram várias possibilidades, como a “fórmula Jobim”,
proposta pelo governador do Rio Grande do Sul; a “fórmula mineira”, proposta pelo ex-interventor
Benedito Valadares, de que o candidato de “união nacional” deveria ser mineiro e pessedista.
Conforme esta proposição, o nome escolhido foi o do mineiro Cristiano Machado, que ficou de
oferecer a vaga de vice para o PTB, de modo a facilitar a aliança entre os dois partidos. Como o PTB já
tinha Getúlio Vargas como pré-candidato, numa linha de oposição ao presidente Dutra, Cristiano
optou por não procurá-lo, para evitar constrangimentos com o presidente. Vargas não apoiou o nome
de Cristiano e articulou coligações com candidatos do PSD a governador de diversos Estados,
inclusive no de Mato Grosso, em troca do apoio do PTB. A candidatura de Cristiano Machado foi
mantida pelo PSD até o final, mas abandonada pelos seus correligionários. Esta conduta gerou até um
neologismo denominado “cristianização”, que apontava situações em que um partido lançou um
candidato, mas o abandonou, apoiando outro.
Salomão do Amaral destacou que Getúlio lia todos os discursos da campanha presidencial
de 1950, para evitar improvisos que pudessem comprometer sua candidatura. Quando esteve em
Cuiabá, hospedou-se na casa de Júlio Müller e leu, antes, o discurso que faria na porta do Grande

33
Depoimento de Italívio Coelho em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro: Mariela,
2001b.

39
Hotel, na avenida que levou seu nome. Destacou que o PTB não tinha candidato próprio a governador
em Mato Grosso e que ele recomendava o voto para Fernando Corrêa da Costa, lembrando o episódio
do apoio do senador Pedro Celestino à sua candidatura em 1930. Maria Müller pediu a Getúlio que
reconsiderasse aquela afirmação, pois já havia um estremecimento nas relações entre os irmãos
Müller, e aquela declaração era um golpe duro na candidatura de Filinto Müller a governador. Getúlio
atendeu ao pedido de Maria Müller e mudou os termos do discurso redigido em Cuiabá. Disse que os
seus eleitores estavam liberados na eleição para governador.
Em seguida, ele foi a Corumbá e recomendou, numa reunião do PTB, o nome de Fernando
Corrêa da Costa. Getúlio chegou a oferecer apoio da UDN a Júlio Müller na disputa para o Senado
(retirando a candidatura de Sílvio Curvo), em troca do apoio do PTB para Fernando Corrêa da Costa,
selando a aliança PTB-UDN e isolando o PSD de Filinto Müller. Júlio Müller não aceitou, alegando
incompatibilidade com a UDN, pela traição a Vargas34.
Nessa eleição, ficou claro, portanto, o problema da escassez de quadros do PSD no sul do
Estado (exceto na região do “Bolsão Pessedista”35) e das tensões regionais no momento da formação
das chapas nas eleições, em especial daqueles que estavam ocupando o Poder Executivo. Mesmo se
Filinto Müller concorresse à reeleição no Senado e Júlio Müller para governador, ficariam dois
representantes do norte na chapa majoritária. Daí as pressões que Arnaldo deve ter recebido de seus
colegas de partido, no sul do Estado, para se candidatar a senador. A melhor alternativa, nessa
perspectiva da composição regional, teria sido Júlio ou Filinto Müller para governador e Arnaldo para
senador.
Agostinho (2003) trouxe outra versão sobre a derrota de Filinto Müller nessa eleição,
contada pelo então deputado federal da região sul do Estado, Philadelpho Garcia. Este, introduziu um
outro personagem na história, o engenheiro ferroviário e general de Exército Américo Marinho Lutz,
comandante da NOB durante o período estadonovista e que deixou o cargo em 1945, junto com a
deposição de Getúlio. Philadelpho lembrava que Lutz era muito próximo aos pecuaristas da UDN e
teria oferecido um cheque no valor de 50 mil cruzeiros para a campanha de Vargas à Presidência em
1950. Lutz teria afirmado que a doação foi apenas por simpatia e não haveria compromisso nenhum
da parte de Vargas para com a UDN em Mato Grosso. Essa versão também é confirmada por Lima
(2006), que informou sobre o general, que veio no mesmo voo com Getúlio de São Paulo. Wilson
Fadul salientou que a disputa entre Filinto Müller e Getúlio Vargas vinha do Estado Novo, quando

34
Depoimento de Gabriel Novis Neves em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro:
Mariela, 2001b.
35
A região denominada de “Bolsão Pessedista” incluía os municípios do sul, próximos da fronteira, com os estados de São
Paulo e Minas Gerais. Em Minas, o PSD era muito forte e elegeu três governadores nesse período – Juscelino
Kubitschek (1951-1955), José Francisco Bias Fortes (1956-1961) e Israel Pinheiro (1966-1971). Júlio Campos frisou
que “[...] a região mais forte pessedista era a do Bolsão. Era Três Lagoas, Paranaíba, Cassilândia, aquela fronteira. Ali
sim! Chamava Bolsão Pessedista. Porque em todas as cidades o PSD ganhava de goleada com qualquer candidato que
pusesse. Onde tinha o Leal de Queiroz, Edyl Ferraz, aquelas grandes lideranças que comandavam a Assembleia aqui.
Era típico o Presidente da Assembleia, geralmente, era um político daquela região ali do Bolsão Pessedista [...]. Eles se
elegiam maciçamente e dominavam o PSD em termos de ‘‘comando político’’. Entrevista com Júlio Campos. Cuiabá,
13/09/2006.

40
Filinto teve divergências quanto à participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ao
lado dos Aliados e se abrigou no gabinete do general Dutra, então Ministro da Guerra, alinhando-se
com este por conta da proteção oferecida no momento. O fato culminou no momento da deposição de
Vargas em 1945 e, sobretudo, durante o mandato de Dutra (1946-1951), em que Getúlio fez diversos
pronunciamentos de oposição na tribuna do Senado Federal.
Fadul, então candidato a vereador pelo PTB, em Campo Grande, relatou que esteve
presente num comício nesta cidade em que Vargas, ao lado de Filinto Müller, afirmou que não tinha
candidato a governador, liberando seus eleitores. O material de campanha de Fernando Corrêa da
Costa trazia o nome de Vargas para a Presidência, e não o do Brigadeiro Eduardo Gomes, que era o
candidato de seu partido (UDN). Fica reforçada a tese da aliança Vargas-UDN nessa eleição, que era
boa para ambos os lados, já que Vargas precisava do eleitorado da região sul do Estado, onde obtinha
maior resistência (pelos episódios de seu primeiro governo) e onde a UDN era mais forte. É provável
que entendesse que os eleitores do PTB e do PSD na região norte lhe apoiariam pelas obras realizadas
durante a interventoria de Júlio Müller (1937-1945). Para a UDN, o acordo era também interessante,
porque seu candidato a Presidência da República não vinha obtendo bom resultado e, como Getúlio
era visto como virtual vencedor e se o seu eleitorado votasse em Filinto Müller, este seria eleito36.
Nas eleições do período em foco, os udenistas passaram a compreender a dinâmica do
equilíbrio regional entre norte e sul, que marcaria todo este período em Mato Grosso, e tiveram a
preocupação de formar um quadro com perfil birregional (Fernando Corrêa da Costa). Eles
compuseram também a chapa majoritária com integrantes das duas regiões do Estado, com atenção
especial ao município de Corumbá. Em 1947, houve uma articulação bipartidária no sentido de
eleger um prefeito em Campo Grande alinhado com o governador Arnaldo Estevão de Figueiredo.
Embora fosse do PSD, Arnaldo tinha base política na região sul do Estado (fora prefeito de Campo
Grande na década de 1920) e, diante da maioria udenista no município, aceitava a Presidência da
Câmara Municipal para o PSD.
Martins (1981) recordou-se que o candidato de “consenso” nesta composição seria o então
jovem advogado Paulo Coelho Machado, filho de Eduardo Olímpio Machado e considerado um dos
quadros promissores da UDN sulista, ao lado de José Fragelli e Wilson Barbosa Martins. Entretanto,
o senador Filinto Müller soube dessa movimentação e desautorizou Arnaldo na negociação. Disse
que a fórmula proposta pelos udenistas só poderia ser validada caso o candidato fosse do PSD. Ciente
de sua maioria no eleitorado municipal, a UDN de Campo Grande interrompeu as conversações e
optou por concorrer com Fernando Corrêa da Costa para a Prefeitura. Filinto Müller já conhecia o
peso de Campo Grande na região sul, tanto que ali fixou seu domicílio eleitoral37. Ele pode ter visto,
naquele que fosse eleito prefeito em Campo Grande, um adversário na eleição para governador em
1950, porque era o segundo maior município do Estado, e Cuiabá não elegia prefeitos, por sua
condição de capital38. A manobra regionalista de Arnaldo na articulação da candidatura que punha os

36
Anotações do depoimento de Wilson Fadul concedido a Vinicius de Carvalho Araújo por telefone de sua residência no Rio de
Janeiro, em 31/05/2007.
37
Vários depoimentos sobre este período destacam a escolha de Campo Grande como domicílio eleitoral de Filinto Müller e João
Ponce de Arruda como estratégia para amortecer o sentimento divisionista e manter um elo com a cidade e toda a região sul.

41
interesses de Campo Grande acima dos pessedistas, e o fato de Paulo Coelho Machado ser filho de um
divisionista convicto, que renunciou para não receber Getúlio (Eduardo Olímpio) e também abraçar
tal bandeira, podem ter pesado na decisão de Filinto Müller de vetar a sua candidatura.
Vale destacar que o pertencimento de Fernando Corrêa às duas grandes regiões do Estado
tinha por objetivo, também, amortecer o forte movimento divisionista existente no sul. Bittar (1999)
registrou um discurso de Fernando Corrêa da Costa, proferido no município de Aquidauana (região
sul), no qual respondia as acusações de divisionismo. Fernando disse que, para ser divisionista
precisaria renegar todo o seu passado, sua formação moral e suas raízes cuiabanas. Recordou-se ainda
que os regionalistas disseram, na sua campanha para Prefeitura de Campo Grande, que ele era
cuiabano e serviria à política do norte do Estado.
A candidatura de Fernando Corrêa para prefeito de Campo Grande, em 1947, tinha o
objetivo declarado de prepará-lo para disputar a sucessão no governo estadual em 1950. A sua
identificação com a região norte, pelo fato de ser filho de ex-governador e pertencer a uma família de
destaque na política mato-grossense tradicional (Corrêa da Costa)39, faria com que se tornasse um
forte candidato a governador. A condição de prefeito de Campo Grande projetava-lhe em todo o sul do
Estado, pelo papel polarizador que esta cidade já exercia sobre a região. Garcia Neto salientou que,
“quando a UDN lançou o Fernando para prefeito de Campo Grande, já dizia assim: 'ele vai ganhar e,
em seguida, vai ser o governador, porque ele é cuiabano, mas reside em Campo Grande.”40
Fernando Corrêa tinha grande credibilidade em Campo Grande, por sua profissão de
médico. Era tido como o médico nº 1, por sua simpatia e pela clínica. Fragelli destacou que Fernando
Corrêa não queria entrar para a carreira política. Certa vez, em Cuiabá, já como governador, Fernando
Corrêa disse a José Fragelli que ele era um dos culpados pela situação em que se encontrava no
momento, porque foi um dos que pediram para que ele aceitasse o convite para ser candidato a
prefeito. Ele teria sido um pouco empurrado, porque não fazia questão da candidatura. Como é
possível observar, os depoimentos coincidem no sentido da “fabricação” de um candidato a
governador41.

38
A população de Cuiabá e Campo Grande era, em números, quase equivalentes no censo de 1950, em torno de 56.000
habitantes em cada um dos municípios, apesar da emancipação do município de Várzea Grande, em 1948. Apenas no
censo de 1960, Campo Grande superou a capital do Estado em população, com 73.758 a 57.860.
39
A família Corrêa da Costa ocupou várias posições políticas importantes em Mato Grosso, desde o século XIX. Vale
ressaltar aqui o primeiro Antônio Corrêa da Costa, tenente-coronel e presidente da província de Mato Grosso por 21
meses, no começo do período regencial (1831-1833). Ele teve mais três passagens rápidas pela Presidência da
província, como 1º Vice-presidente militar em substituição ao titular (1836, 1840 e 1842/43). O terceiro Antônio Corrêa
da Costa, tio de Fernando, foi Presidente do Estado de 1895 a 1897, renunciando pelo episódio do “siga o bonde”,
lembrado por Póvoas (1985), e depois por 2 meses, entre 1897 e 1898. Pedro Celestino e Mário Corrêa tiveram dois
mandatos cada um. Ytrio Corrêa da Costa (irmão de Pedro Celestino que foi prefeito de Campo Grande e deputado
federal). Outro ramo da família originou os Alves Corrêa e os Corrêa Cardozo (o tio-avô de Fernando, Cesário), de onde
vieram os três Virgílios, Estevão (também governador), Clóvis Corrêa Cardozo e João Celestino Corrêa Cardozo.
40
Depoimento de José Garcia Neto em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Elites Políticas: Competição e Dinâmica
Partidário-Eleitoral (Caso de Mato Grosso). Rio de Janeiro: Vértice, 1988.
41
Peter Burke abordou a construção da imagem pública de Luiz XIV como um exemplo de marketing político. Ele
abordou a fabricação do símbolo, o aperfeiçoamento e manipulação da mídia da época, os canais de comunicação e seus
códigos, bem como o público-alvo da máquina de propaganda oficial. Para maiores informações leia Burke, Peter. A
Fabricação do Rei: a construção da imagem pública de Luiz XIV. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

42
As lideranças da UDN no sul foram buscá-lo para ser candidato, pelo seu perfil birregional.
Resolvida a questão do candidato a governador, faltava completar a chapa majoritária com alguém do
norte do Estado. Fragelli soube que o médico Sílvio Curvo estava para Cuiabá, como Fernando
Corrêa da Costa para Campo Grande, em termos de prestígio profissional. As lideranças da UDN
foram, então, convidá-lo para ser candidato a senador. Ele disse que só aceitaria se fosse para ajudar
Fernando Corrêa da Costa, que fora seu colega na faculdade de medicina no Rio de Janeiro.
Na convenção da UDN, Sílvio Curvo pediu a Fragelli que ocupasse a sua vaga de senador,
porque ele preferia ser vice-governador de Fernando Corrêa da Costa e ajudá-lo com os “cuiabanos”.
João Leite de Barros, de Corumbá, indicado para vice-governador, não queria, porque tinha um filho
doente e que precisava de sua presença constante. Afinal, Fragelli convenceu os dois a ficarem nas
suas respectivas posições. Sílvio Curvo beneficiou-se dos erros da chapa do PSD-PTB, que lançou
dois candidatos a senador (Júlio Müller e Arnaldo Estevão de Figueiredo), e rachou o eleitorado dos
dois partidos. Como a UDN manteve unido o seu eleitorado, foram eleitos, portanto, Fernando
Corrêa da Costa (42.286 votos) para governador, João Leite de Barros para vice-governador e Sílvio
Curvo para senador (31.643 votos).
Nas eleições de 1954, em que seriam renovadas a Assembleia Legislativa, a Câmara
Federal e também duas vagas de senador (Vespasiano Martins e João Villasbôas), a UDN também
teve participação importante. O partido concorreu com João Villasbôas e Dolor de Andrade para o
Senado, respeitando o equilíbrio norte-sul. O PSD-PTB, por sua vez, vinha com os irmãos Müller
(Júlio e Filinto), em busca de recuperação da derrota de 1950. Villasbôas obteve a reeleição e Filinto
Müller ficou com a outra vaga na cadeira de Vespasiano Martins. João Ponce de Arruda foi eleito
deputado federal pela segunda vez consecutiva, o mais bem votado do Estado.
Somado com a votação obtida por Júlio e Filinto Müller na candidatura ao Senado, João
Ponce despontou como um dos prováveis candidatos à sucessão de Fernando Corrêa da Costa no ano
seguinte. José Fragelli, que fora líder do Executivo na Assembleia e Secretário de Estado de Interior,
Justiça e Finanças, também ganhou para deputado federal, como segundo mais bem votado,
conforme dados eleitorais compilados por Agostinho (2003).
Um acontecimento importante para o PTB neste período foi o assassinato do então prefeito
de Campo Grande, Ari Coelho de Oliveira, filiado ao partido. Ari Coelho estava em Cuiabá para uma
reunião da cúpula do PTB e foi a uma barbearia na Praça Alencastro, onde soube da publicação, no
jornal O Combate, de um artigo assinado pelo jornalista Alci Lima, que lhe fazia críticas severas e
soava quase como um desafio. Alci era irmão de Arquimedes Pereira Lima, quadro importante do
PSD e diretor da Imprensa Oficial na interventoria de Júlio Müller. Na época, Arquimedes era o
presidente da Fundação Brasil Central, sediada em Goiânia. Alci ocupava a tesouraria da Comissão
de Estradas de Rodagem do Estado (CER) e foi procurado no prédio do órgão, por Ari. Após uma
breve discussão em que Ari exigiu retratação de Alci, este sacou uma arma e disparou no rosto de Ari.
Após o crime, Alci acabou se refugiando do Estado, até a prescrição da ação penal que poderia
condená-lo.
Martins (1981) destacou que o impacto do assassinato foi muito grande, porque o PSD
passou a acusar a UDN (então na chefia do Poder Executivo com Fernando Corrêa da Costa) de ter

43
praticado um crime político. A viagem de Fernando Corrêa da Costa ao Rio de Janeiro, para visitar o
senador Vespasiano Barbosa Martins, e o fato de Alci ter ido ao gabinete de José Fragelli, então
Secretário de Estado de Interior, Justiça e Finanças, alimentaram as versões de atentado político. No
entanto, o maior impacto para o PTB, do assassinato de Ari Coelho, foi a eleição que se seguiu para
preencher sua vacância. O então vereador do PTB e presidente da Câmara Municipal em Campo
Grande, Wilson Fadul, oficial da Aeronáutica que serviu na cidade, se candidatou e foi eleito. Daí em
diante, foi eleito deputado federal, em 1954 e de novo em 1958, desta vez como o mais votado do
Estado. Os resultados posicionaram-lhe como forte candidato a governador em 1960, quando Fadul
teve 85,86% da sua votação no sul do Estado, que respondeu por 65,46% dos votos totais na eleição.
Isso indica a regionalização também do eleitorado do PTB, que terá profundas implicações para o
período posterior ao golpe militar de 1964 e para a própria divisão do Estado42.
Wilson Fadul relatou que, até a década de 1950, o PTB era formado por um conjunto de
núcleos dispersos nas principais cidades do Estado, sem grande articulação entre si. A principal
disputa, que reproduzia o padrão norte-sul, era entre Júlio Müller e o deputado estadual e depois
federal da região de Ponta Porã, Lício Borralho. Diante do impasse entre as duas lideranças e a
emergência de Fadul após sua passagem pela Prefeitura de Campo Grande, eles concordaram em
elegê-lo presidente do Diretório Regional do PTB, onde permaneceu até a cassação de seu mandato
como deputado federal em 1964.
Wilson Fadul destacou dois encontros com Vargas, Presidente da República (1951-1954).
O primeiro foi em 1953, no Palácio Rio Negro, em Petrópolis, residência de campo do presidente.
Fadul foi acompanhado pelo então deputado federal e presidente Nacional do PTB João Goulart.
Getúlio Vargas ofereceu-lhe um acordo UDN-PTB em Mato Grosso, em nome de Fernando Corrêa da
Costa. O acordo previa participação no governo do Estado. Fadul recusou, mas este encontro lhe
aproximou de Jango. Getúlio perguntou sobre o peso que a morte de Ari Coelho teve na eleição de
Fadul, para testar a sua postura como liderança, e Fadul lhe disse que foi total, porque qualquer um
ganharia naquele momento. No final da reunião, Getúlio questionou se o prefeito de Campo Grande
precisava de alguma coisa, porque, até então, tinham discutido apenas questões partidárias. Fadul
disse que não, mas estava negociando um empréstimo na Caixa Econômica Federal para obras de
saneamento básico em Campo Grande. Não conseguiu e buscou no Banco do Brasil, que era
administrado pelo PSD, na época.
Uma segunda tentativa de aproximação ocorreu já em 1954, na visita de Getúlio a Campo
Grande, para inauguração da Base Aérea, quando Fadul era prefeito. Após a solenidade, houve uma
festa na fazenda do general Américo Lutz, em Campo Grande. Numa reunião fechada com Fadul e
outros militantes do PTB, Vargas reiterou a proposta para o acordo PTB-UDN e Fadul não aceitou de
novo. O então deputado federal Lício Borralho presenciou a conversa e achou que Fadul estava errado
e este lhe respondeu que Borralho nunca entenderia de política. Apontou que aqueles que estavam
festejando Getúlio naquele momento o derrubariam depois, o que de fato aconteceu na crise de agosto
daquele ano, que resultou no suicídio de Vargas.

42
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL – MT. Relatório Eleição 1965. Cuiabá: TRE-MT, 1965.

44
Entretanto, a maior movimentação neste período foi na Prefeitura de Cuiabá. Em 1954
aconteceu a primeira eleição para prefeito e candidataram-se duas lideranças importantes da cidade:
Antônio Antero Paes de Barros, ex-prefeito de Campo Grande e chefe do Departamento do Tesouro
Estadual durante a interventoria de Júlio Müller, concorreu pelo PSD/PTB. Agrícola Paes de Barros,
deputado federal, preferiu o PSP.
O candidato da UDN seria o deputado estadual Lenine Póvoas, que, no entanto, não
aceitou. Ele fora nomeado pelo governador Fernando Corrêa da Costa, Ministro (hoje Conselheiro)
fundador do Tribunal de Contas do Estado, em 31/12/1953, com cerimônia de posse realizada em
02/01/1954, conforme registrado por Peraro, Barreto e Rocha (2004). Um grupo de amigos e
empresários procurou José Garcia Neto, engenheiro civil sergipano, que estudara no Rio de Janeiro e
fora contratado pela empreiteira Coimbra Bueno, empresa que vinha executando as principais obras
em Cuiabá, no final do Estado Novo (1945), e Garcia Neto foi enviado para trabalhar ali. Ele optou
por ficar na cidade, casou-se e fundou uma empreiteira43.
O próprio Garcia Neto relatou que, antes da campanha, começaram a espalhar alguns
panfletos pela cidade pedindo a sua candidatura. Esteve no Rio de Janeiro com seus irmãos (que eram
políticos) e lhe aconselharam a aceitar o convite (depois descobriu que eram amigos seus que fizeram
as manifestações). O senador João Villasbôas e Athayde Lima Bastos formalizaram proposta para
que ele fosse candidato. Garcia Neto venceu as eleições e tornou-se uma das lideranças mais
expressivas da UDN no norte do Estado, área em que o partido era considerado mais fraco.
Seu amigo e correligionário da UDN, Aecim Tocantins, destacou que:

De um movimento a princípio anônimo, através de panfletos e pichações de


muros, era lançado o nome do Engenheiro José Garcia Neto para candidato a
prefeito municipal de Cuiabá. Esse movimento tomou corpo transformando-
se numa grande manifestação popular. (ECHEVERRIA, 2006, p. 310).

Wilson Fadul considerou-se responsável pelo “renascimento” de Filinto Müller na


política, já que ele estava sem mandato desde 1951. Como prefeito de Campo Grande, presidente do
Diretório Regional do PTB e candidato a deputado federal, Fadul manifestou apoio à candidatura de
Filinto Müller ao Senado, em 1954, retribuindo o apoio que lhe fora dado por Filinto Müller na
eleição de 1953 para a Prefeitura de Campo Grande, após a morte de Ari Coelho, considerado como o
grande articulador de sua candidatura. A UDN lançou o ex-deputado federal e candidato a
governador, em 1947, Dolor de Andrade, e o próprio PTB hesitava em apoiar Fadul, como registrou
Buianain (2006) em importante trabalho com depoimentos dos ex-prefeitos de Campo Grande.
Vargas, então Presidente da República e liderança importante do PTB, talvez temesse a
independência de Fadul ao ser eleito no clima passional daquele momento e lhe criasse problemas de
relacionamento com a UDN, o que acabou acontecendo. Para Fadul, a aliança PSD-PTB, em Campo

43
Entrevista de José Garcia Neto. Cuiabá, 06/07/2006.

45
Grande, era inevitável pelo conservadorismo exagerado da UDN naquela região, dado pela
articulação com os grandes pecuaristas.
Na eleição seguinte, João Ponce de Arruda, que vinha de duas vitórias consecutivas como o
deputado federal mais votado em Mato Grosso (1950 e 1954) e desenvolvera intensa atividade
parlamentar no Congresso Nacional, se candidatou a governador pelo PSD. Seu candidato a vice-
governador foi Henrique José Vieira Neto44, nascido em Cuiabá, mas radicado em Corumbá, para
equilibrar a chapa em sua dimensão regional. Fadul disse a Filinto Müller que lhe apoiaria se ele fosse
o candidato a governador, mas Filinto respondeu que já havia acordo em torno de João Ponce de
Arruda.
Nesta conversa, Filinto Müller disse que o candidato a governador, da coligação em 1960,
seria do PTB, mas Fadul não considerou isso como um acordo, porque queria manter a independência
naquele ano. Aqui está um dos grandes mitos da memória política mato-grossense, desfeito pelo
depoimento do próprio Wilson Fadul45. Na campanha de 1955, Fadul levou Jango e João Ponce para
comícios em Dourados e Ponta Porã e ganhou metade dos cargos federais em Mato Grosso, no
governo JK, e participação no governo João Ponce de Arruda (1956-1961). Foi a contenda mais
apertada dessa fase para governador, com apenas 2,82% de vantagem para João Ponce sobre seu
adversário (menos de 3.000 votos), o também deputado federal pela UDN Rachid Saldanha Derzi
(49,74% x 46,92%), segundo Agostinho (2003). Rachid era filho de imigrantes libaneses da região de
Ponta Porã, onde fora prefeito e vereador. Era muito próximo dos pecuaristas do sul do Estado, em
virtude de seu casamento com Edwirges Coelho Derzi, filha de Laucídio Coelho, proprietário do
Banco Financial e um dos maiores criadores da região46. A distribuição regional dos votos ficou clara,
porque Ponce ganhou em Cuiabá, perdeu por uma diferença muito pequena em Campo Grande (13
votos) e também em Corumbá, apenas para destacar as cidades-polo do Estado. João Ponce mantinha
residência permanente em Campo Grande47.
Ponce recebeu auxílio dos estudantes mato-grossenses radicados no Rio de Janeiro, por
meio da Associação Matogrossense de Estudantes - AME. O ex-senador Vicente Vuolo, que já tinha
tendência pessedista, reuniu os colegas e resolveram apoiar João Ponce, fundando o Centro

44
Machado (2003) destacou que Seu avô foi o Comendador Henrique José Vieira, presidente da Câmara Municipal de
Cuiabá em 1872. Fundou também um jornal denominado A Imprensa de Cuiabá e fora Diretor Geral dos Índios, em
1854, num nos mandatos do Barão de Melgaço como Presidente da Província.
45
A versão circulante na memória política estadual é que o acordo feito entre Filinto Müller e Wilson Fadul valeria, no
sentido de que a cabeça de chapa da aliança PSD-PTB fosse o próprio Fadul, valeria para 1960. Diante do
descumprimento da parte de Filinto, Fadul teria mantido a sua candidatura e, pelo racha da aliança, facilitado a segunda
vitória de Fernando Corrêa da Costa.
46
Dois filhos de Laucídio Coelho tiveram projeção na carreira política. Lúdio Coelho foi candidato a governador em 1965
(UDN), prefeito nomeado de Campo Grande em 1982 e eleito em 1988 (PMDB) e, por fim, senador pelo Mato Grosso
do Sul ao PSDB (1995-2003). Até pouco tempo Lúdio foi dirigente do PSDB em Campo Grande. Seu irmão Italívio
Coelho, falecido em 2005, foi deputado estadual na Constituinte de 1947. De 1973 a 1979, exerceu a vaga de senador
por Mato Grosso, pela morte do titular Filinto Müller. Foi candidato derrotado na eleição indireta para “senador
biônico” em 1978, perdendo para seu cunhado Rachid Saldanha Derzi. Concorreu a mais uma eleição de senador em
1982, sendo derrotado desta vez por Marcelo Miranda.
47
Depoimento de Júlio Campos em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro: Mariela,
2001b.

46
Estudantil pró-Ponce de Arruda (CEPA). Eles redigiram um manifesto nesse sentido e enviaram ao
próprio deputado Ponce, já que a Câmara Federal ainda era sediada no Rio de Janeiro. Ponce gostou
do texto e mandou distribui-lo no Estado. Depois, o senador Filinto Müller procurou Vuolo e um
grupo de estudantes veio a Cuiabá participar da campanha48. Ponce fazia questão de destacar em seus
discursos o apoio e a importância da juventude, como registrou Machado (2006).
Para Ruben Figueiró, José Fragelli era o melhor candidato a governador pela UDN, já em
1955. Ele comentou um pouco sobre a dimensão regional das candidaturas e enfatizou que:

A força eleitoral tava aqui. O problema era de ordem aritmética, matemática. O


candidato tinha que ser do sul. A única exceção que houve, foi com relação ao Rachid
Saldanha Derzi, que era um deputado bisonho na época. [...] Porque não era
conhecido. E quis ser governador. Não era para ser. O governador teria, naquela época,
teria que ser, se fosse aqui do sul, o nome mais indicado era o Fragelli. Mas o Fragelli
não quis sê-lo. [...] Aí veio o Rachid. O outro, o outro que poderia ter sido governador
era o Garcia Neto, que era recém-eleito prefeito de Cuiabá. [...] deu condições para que
o Rachid tivesse uma extraordinária votação em Cuiabá. [...] Porque a liderança de
Garcia Neto era muito forte. (29/09/2006, entrevista)

Júlio Campos destacou, em pronunciamento na Câmara Federal, por ocasião do


falecimento de João Ponce, que este foi um parlamentar atuante naquela Casa, onde teve a
oportunidade de ser relator da Comissão de Orçamento, por 12 anos, e várias vezes presidiu da
Comissão de Finanças. O orador apontou ainda as várias paixões de Ponce, como a poesia
(transcreveu alguns trechos de poemas) e a imprensa, já que Ponce foi um dos fundadores do Jornal O
Estado de Mato Grosso. Ressaltou ainda que Ponce “era considerado o mais autêntico e hábil político
cuiabano” (Campos, 5.453-5.456, 1979), respeitado por integrantes dos três maiores partidos de seu
tempo (PTB, UDN e PSD)
Júlio Campos afirmou que o quadro socioeconômico de Mato Grosso já apontava, há muito
tempo, para a existência de dois Estados distintos. Relevou também que João Ponce foi eleito
governador,

[...] vencendo em memorável pleito o candidato do Sul, representante de facções que


não admitiam a liderança do Norte. A sua resposta, na administração, foi abrir estradas
e construir a Usina de Mimoso na arca dos seus opositores, o que determinou o grande
prestígio que desfrutava em todo o território mato-grossense (CAMPOS, 1979, p.
5.456).

48
Depoimento de Vicente Vuolo em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro: Mariela,
2001b, p. 310-318.

47
O orador referiu-se à Usina de Mimoso, construída no município de Ribas do Rio Pardo (a
135 quilômetros de Campo Grande), no governo João Ponce de Arruda e à própria constituição da
empresa Centrais Elétricas Matogrossenses (Cemat) em 1956 que, segundo o próprio João Ponce,
precisou de empréstimo do então Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), no valor
de um orçamento anual do Estado49. O então deputado federal Carlos Bezerra destacou, em
pronunciamento, a capacidade administrativa de João Ponce e os cerca de 1.000 quilômetros de
estradas construídos em seu mandato, em particular na então região sul do Estado (Ponta Porã,
Dourados), compondo a maior parte da malha rodoviária existente até aquele momento50.
Outro aspecto importante ressaltado na personalidade de João Ponce de Arruda era a sua
postura antidivisionista. Ponce propôs a emenda, na Constituinte de 1946, pela extinção de todos os
territórios federais, menos o Acre. Reintegrava ao estado de Mato Grosso os Territórios Federais de
Ponta Porã, no sul, e do Guaporé, no norte, posicionando-se de forma contrária a uma nova tentativa
de separatismo feita nesta Assembleia51. Heronides de Araújo se recordou que João Ponce foi bem
recebido em todas as regiões do Estado, inclusive no sul, onde teve boa votação. Ele ganhou a eleição
em Dourados e teve bom resultado em Ponta Porã (cidade natal de seu adversário). O deputado Gilson
de Barros, em aparte ao pronunciamento de Carlos Bezerra, afirmou que, se João Ponce fosse
governador em 1977, a divisão do Estado não teria acontecido da forma como ocorreu. Bezerra
avançou e acrescentou que, nesse caso, a divisão não teria acontecido de forma alguma52. O fato é
importante para observar que todos os governadores de Mato Grosso, eleitos nesse período, se
manifestavam publicamente contrários à divisão do Estado, exceto Arnaldo Estevão de Figueiredo53.
Para as eleições de 1960, os dois maiores partidos repetiram os candidatos de 10 anos antes.
O ex-governador Fernando Corrêa da Costa (eleito senador em 1958, na vaga de Sílvio Curvo) foi
escolhido para concorrer pela UDN. O PSD escolheu o também senador Filinto Müller, com Cícero
de Castro Faria (PSP) para a vaga de vice. Para a vaga de vice-governador, a UDN indicou o ex-
prefeito de Cuiabá José Garcia Neto, na perspectiva do equilíbrio regional da chapa. Garcia Neto

49
Pronunciamento do deputado federal Gastão Müller na Câmara dos Deputados em Brasília, 26/05/1976, em que
relembrou entrevista concedida por João Ponce de Arruda ao jornal “O Estado de Mato Grosso” na edição de
12/05/1976.
50
Pronunciamento do deputado federal Carlos Bezerra na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso
Nacional, pp. 5456-5459, 08/06/1979.
51
Pronunciamento do deputado federal Júlio Campos na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso
Nacional, pp. 5453-5456, 08/06/1979.
52
Pronunciamento do deputado federal Carlos Bezerra na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso
Nacional, pp. 5457-5459, 08/06/1979.
53
Pedrossian disse que não trabalhou pela divisão em seu mandato (1966-1971), embora a tenha considerado correta
quando aconteceu. Afirmou em seu livro de memórias que “naquela época, sempre de olhos no futuro, recusei o
imediatismo do inconsequente discurso divisionista, que, na minha clara visão, nos alijaria das últimas grandes
conquistas do século XX, que teria na maravilhosa e querida capital Cuiabá o grande suporte, cumprindo mais uma vez
o papel histórico de polo de desenvolvimento regional” (PEDROSSIAN, p. 114, 2006). Já Fernando Corrêa disse à
Revista Mato-Grosso 1965 que “[...] sou em princípio contrário a qualquer subtração de território a Mato-Grosso.
Quero meu Estado uno e unido como vi desde que nasci. A integração econômica de Mato-Grosso é a antítese da sua
divisão.” (VALLE, p. 109, 2003). A ressalva aqui deve ser feita a Arnaldo Estevão de Figueiredo, que confessou ser
antidivisionista antes de ser governador. Durante o seu mandato (1947-1950) percebeu que o Estado só poderia ser
administrado se fosse dividido. Fazia questão de destacar que foi o único governador que defendeu a divisão e que sua
filha chegou a publicar um livro neste sentido. Arnaldo esteve presente na cerimônia de sanção da Lei Complementar n°
31, em 11/10/1977, e era integrante da Liga Sul-Matogrossense.

48
acabou sendo mais votado que o próprio Fernando Corrêa da Costa, porque o eleitor escolhia o
candidato a governador e a vice-governador em separado54. O próprio Garcia Neto atribuiu tal
votação ao fato do PTB não ter lançado candidato a vice-governador nesta eleição e os votos dados a
Wilson Fadul terem migrado para ele (em particular no sul do Estado).
Para compreender um pouco melhor a projeção política de Garcia Neto em Cuiabá, vale
recapitular aqui um episódio ocorrido em seu mandato na Prefeitura, conhecido por “Ponte da
Confusão”. Como se recorda Zaviasky (2004), havia uma região de Cuiabá denominada de “Pito
Aceso”, em frente ao córrego da Prainha, no atual bairro do Baú. Havia uma dificuldade grande de se
atravessar o córrego, fora os transbordamentos na época das chuvas. Os moradores da região, que
eram de maioria udenista, pediram ao então prefeito José Garcia Neto a construção de uma ponte no
local, para facilitar a travessia. Ao saber disso, o governador João Ponce de Arruda reteve os recursos
do município de Cuiabá, repassados pela Companhia de Estradas de Rodagem (C.E.R.), e começou a
transportar tubos para o local, sob a alegação de que construiria a ponte. O próprio Garcia Neto
salientou algumas passagens do episódio:

Surgiu essa ideia de fazer essa ponte no Baú [...] O Júlio Müller, que era
candidato a prefeito, ele fez um discurso lá no Baú e disse que ele construiria a
ponte. Pegamos os tubos e botamos eles para trabalhar [...]. Se eu fosse preso
seria uma glória [...]. O povo dizia que se prender o prefeito vai todo mundo
pra a cadeia. Nós, que tínhamos um candidato que era não era conhecido,
Hélio Palma de Arruda [...] Ninguém queria ser candidato a prefeito contra o
Júlio Müller. [...] Hélio, acorda rapaz, vem pra cá, porque se esse pessoal
continuar com esta burrice que está fazendo aqui, você já está eleito prefeito
de Cuiabá. [...] Fiz um discurso com três metralhadoras apontando para mim
[...]. Tudo isto eu fiz friamente [...]. Quando começaram a abrir as urnas da
região da Ponte da Confusão estávamos com oitenta a noventa de frente. [...]
Aí não ficamos mais atrás. Ganhamos por 600 votos, mais ou menos.
(06/07/2006, entrevista).

Hélio Palma de Arruda ocupou a presidência do Banco da Amazônia (Basa) durante o curto
mandato do presidente Jânio Quadros. O professor Aecim Tocantins, seu vice-prefeito, foi o
candidato da UDN nas eleições de 1962. Aecim já fora vereador e presidente da Câmara Municipal.
Ele lembrou que perdeu a eleição para Vicente Vuolo por conta de duas obras que executou no
período em que esteve como prefeito de Cuiabá55: a rede de esgoto no centro da cidade (Rua Cândido
Mariano), que provocou os transtornos típicos, e a polêmica em torno do Cemitério da Piedade e da

54
A boa votação que Garcia Neto teve em todo o Estado lhe tornou, para seu grupo, o candidato natural a governador pela
UDN, em 1965. Ele apresentou bom desempenho inclusive na região sul, obtendo lá cerca de 2/3 de seus votos e 1/3 no
norte (acompanhando a distribuição do eleitorado). Ganhou de Fernando Corrêa em quase todas as Zonas Eleitorais,
exceto Alto Araguaia e Maracaju. Para mais detalhes, ver TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL-MT. Resultado
Geral das Eleições de 03/10/1960 para Presidente, Vice-presidente, Governador e Vice-governador. Cuiabá: TRE-
MT, 1960.
55
Aecim Tocantins ocupou a Prefeitura de Cuiabá por pouco mais de sete meses, de 29/03/1961 até 10/11/1961. Teve que
pedir exoneração da Secretaria de Interior, Justiça e Finanças do Estado para poder assumir a Prefeitura. Para maiores
detalhes leia Echeverria, Ivan. Aecim Tocantins: da Contabilidade à Vida Pública. Cuiabá: Carlini & Caniato, 2006.

49
possibilidade da construção de um novo, em outra região, “enterraram” sua candidatura. Destacou
também o apoio do senador Filinto Müller para Vicente Vuolo, com um grande comício de
encerramento no Jardim Alencastro (hoje Praça Alencastro)56.
O PSD passou, portanto, a ter maior dificuldade para manter a aliança com o PTB nos
termos anteriores. O partido vinha experimentando um crescimento grande em todo o país e, em
Mato Grosso, estava presenciando o surgimento de uma geração autônoma sob a liderança de Wilson
Fadul, denominada de “Novo PTB”. Esses fatores impulsionaram o crescimento do PTB e
projetaram uma liderança para todo o Estado. Na ausência de João Ponce de Arruda, que estava
exercendo a função de governador do Estado, Fadul foi eleito como o deputado federal mais votado
em todo o Estado, pela coligação PSD/PTB, e habilitou-se para disputar a eleição de 1960,
encabeçando uma chapa destes partidos.
Entretanto, o senador Filinto Müller, considerado por Agostinho (2003) como o chefe do
PSD do norte e sul do Estado, não via com bons olhos a possibilidade de uma candidatura do PTB a
governador em 1960. Em carta endereçada ao sobrinho Gastão Müller, transcrita por Neves (1988),
Filinto Müller revelou suas impressões:

Tenho pelo Fadul uma grande estima, mas considero um desastre político para o PSD a
sua eleição para o governo do Estado. Em pouco tempo nosso partido estaria
liquidado. Com um udenista no governo ainda teríamos possibilidades de reagir na
oposição fortalecendo o partido para a reconquista do poder. Com o Fadul, nem essa
esperança nos restaria. [...] seria um “aliado” a que estaríamos obrigados a apoiar
enquanto ele iria solapando as nossas bases. Além disto, dificilmente seria ele
vitorioso [...] para termos um candidato que seguramente seria derrotado, então me
parece mais acertado termos um das nossas próprias fileiras, porque dessa forma será
mantida a coesão do Partido e ficará lançada a semente da revanche. (NEVES, 1988, p.
193).

Pelo teor de sua carta, é possível perceber que ele considerava melhor perder com a sua
candidatura, que manteria a unidade partidária por ser a maior liderança, do que apoiar alguém que
não pertencesse ao seu grupo político, o que Neves (2001a) denominou de estratégia da revanche57.
Se o apoiado ganhasse, o partido (PSD no caso) ficaria dividido em duas alas, uma pró e outra contra o
novo governador. Se perdesse, seria uma derrota dupla, porque, além de não levar aquela eleição,
ficaria sem candidato natural do partido para a próxima e tenderia à fragmentação na oposição.
Gabriel Novis Neves recordou-se das lições que Filinto Müller lhe dava. A principal era que nem
sempre política é ganhar. Às vezes seria necessário perder para manter o partido unido e ganhar

56
Entrevista com Aecim Tocantins. Cuiabá, 14/07/2006.
57
Neves (2001) qualificou a estratégia da revanche como um procedimento próprio da astúcia das raposas, dentro da
dicotomia apresentada por Maquiavel, de que as raposas usam a habilidade e os leões preferem a força. Diante da situação
de interdependência dos dois grandes partidos (PSD e UDN), a alternância se impunha como imperativa, para manter a
estabilidade do sistema político. Um PTB competitivo, ou seja, capaz de eleger candidatos nas eleições majoritárias ou
bem votados nas proporcionais, poderia “desequilibrar” o revezamento dos dois grandes partidos no comando do Poder
Executivo estadual.

50
depois. Filinto Müller confidenciou-lhe que, nas duas vezes em que foi candidato a governador, sabia
que perderia. Se ele fizesse um acordo antes, na próxima eleição não haveria ninguém de seu partido
para disputar58.
O ex-deputado estadual Pedro Lima recordou-se de uma conversa com o senador Filinto
Müller na casa de seu pai (Coronel Ondino), durante a campanha de 1960, em que o senador teria dito:

Pedro, para você e o Coronel Ondino, que são companheiros em qualquer


circunstância, eu posso dizer. Estou partindo para esta eleição com a certeza da
derrota. Porém, um partido da grandeza do PSD não pode passar uma eleição
sem candidato. E, também, em respeito ao eleitor tem que lançar o seu melhor
nome do momento. Parto para o sacrifício, mas vou salvar o partido para
embates futuros. (Müller Apud Lima, 2006).

É curioso observar também que Filinto Müller, de certo modo, previu o que aconteceria na
próxima eleição (1965). Nela, o PSD chegaria sem candidato natural e, diante do lançamento
antecipado da candidatura de Lúdio Coelho, pela UDN, teve que buscar um nome também novo e da
região sul, para neutralizar o potencial do adversário. Daí surgiu Pedro Pedrossian que, uma vez
eleito, dividiu o PSD (transposto para Arena) em duas alas (Pedrista e Ortodoxa), que se enfrentariam
até depois da efetiva divisão do Estado em 197959.
Filinto Müller resolveu concorrer, portanto, mesmo sabendo que seria uma eleição difícil.
Teria como adversários o ex-governador Fernando Corrêa da Costa (UDN) e o deputado federal
Wilson Fadul, pelo Novo PTB, que emergia e buscava espaço próprio. Júlio Campos também relatou
a existência deste possível acordo de Filinto Müller, para que Fadul fosse o candidato a governador e
o PSD indicasse o vice na sua chapa, apontando o seu descumprimento como responsável pela
candidatura de Fadul, o racha na aliança PSD/PTB e a consequente vitória da UDN.
Fadul recordou de uma reunião na residência de Filinto Müller, no Rio de Janeiro, em
27/01/1959, quando os dois trataram sobre a sucessão governamental em Mato Grosso na eleição de
1960. Filinto Müller disse que o PSD exigia a sua candidatura e Fadul afirmou que o PTB também
exigia a sua, para testar a força do partido. Diante do impasse, Fadul sugeriu um tertius e Filinto
Müller não aceitou, dizendo que a sua posição era irredutível. Fadul respondeu-lhe que, sendo assim,
a eleição estava decidida e eles dariam o segundo mandato a Fernando Corrêa da Costa, estimando
que teria cerca de duas vezes a diferença de votos entre Filinto Müller e Fernando Corrêa da Costa.
Quer dizer, caso a coligação PSD-PTB fosse mantida, o candidato teria amplas condições de ser
eleito.
Em situação semelhante à de 1950, a UDN beneficiou-se do racha na aliança PSD/PTB e
também da candidatura presidencial do mato-grossense Jânio Quadros (apoiado pela UDN) e obteve

58
Entrevista com Gabriel Novis Neves. Cuiabá, 28/08/2006.
59
A ala ortodoxa era também chamada de Filintista. Para mais detalhes, leia BONILHA FILHO, Agripino. Estado de
Mato Grosso: Realidade e Perspectivas. Cuiabá, 1978.

51
uma segunda vitória sobre Filinto Müller. Fernando Corrêa da Costa teve 66.202 votos (contra
55.105 de Filinto Müller e 21.904 de Fadul) e venceu nas duas principais regiões do Estado, sendo
que no norte Filinto Müller quase empatou (diferença de 1% dos votos válidos). Na Zona Eleitoral de
Corumbá, Fadul ganhou de Filinto Müller e quase superou Fernando Corrêa da Costa (57 votos a
menos). Na Zona de Campo Grande, sua base política, Fernando Corrêa da Costa venceu por uma boa
margem de Filinto Müller (45,56% a 34,57%, com 19,87% para Fadul).
Nas eleições de 1962, Filinto Müller procurou Fadul para lhe oferecer a segunda vaga de
senador na sua chapa, para a repetição da Aliança Democrática, Social e Trabalhista (ADST). Fadul
disse-lhe que não pretendia ser senador e queria ficar na Câmara dos Deputados e, caso eleito, ficaria
como candidato nato a governador em 1965, o que lhe reduzia as opções. No entanto, sugeriu a
Filinto Müller o nome de Vicente Bezerra Neto, vice-presidente do Diretório Regional do PTB,
indicou o suplente de Filinto Müller (Humberto Neder, presidente da Companhia Telefônica de
Campo Grande na gestão de Fadul) e este, por seu turno, apontou seu sobrinho Gastão Müller para a
suplência de Bezerra Neto, para selar o acordo.
Uma parte importante do acordo de 1962, como apontou Fadul, foi o compromisso de
Filinto Müller para que a cabeça de chapa, em 1965, fosse do PTB, com prioridade para o próprio
Fadul, que era a sua principal liderança. Como Fadul perdeu seu mandato de deputado federal e os
direitos políticos, pela cassação em 1964, o candidato natural seria Vicente Bezerra Neto, seu
sucessor no PTB e senador em meio de mandato60. Como Bezerra Neto não se posicionou, surgiu o
fato Pedro Pedrossian que, segundo Fadul, “deitou na cama que ele arrumou”, porque a sua
candidatura a governador vinha em fase de preparação desde 1960, pois já recebera apoio até de
diretórios municipais da UDN.
Em 1962, houve uma articulação para que Roberto Campos, nascido em Mato Grosso,
fosse candidato a senador por seu Estado. A chapa da UDN seria composta pelo senador João
Villasbôas, em busca de seu quarto mandato, e Roberto Campos. A proposta partiu de algumas
personalidades importantes de São Paulo, como Júlio de Mesquita Filho, diretor do jornal O Estado
de São Paulo. Eles se comprometeram a divulgar, em seus meios de comunicação, a candidatura e a
financiar a campanha vindoura61.

60
Vicente Bezerra Neto era natural do estado do Ceará, onde se graduou em Direito. Migrou para Corumbá para cobrir
eleições, em 1939, como jornalista e se tornou promotor até 1943, passando a advogar para os sindicatos da cidade
(portuários e ferroviários da NOB) e seguindo carreira política. Foi também jornalista e fundador do Jornal A Tribuna
em Corumbá (a partir de 1953 passou a se chamar Correio de Corumbá). Bezerra Neto teve dois mandatos de deputado
estadual, exercendo a Presidência da Assembleia, em 1958.
61
Roberto Campos é considerado por Dreifuss (1987) como um dos principais tecnoempresários que compunham a elite
orgânica civil que articulou o golpe militar de 1964. Ele era membro da Sociedade Civil de Planejamento e Consultas
Técnicas (Consultec), escritório de consultoria técnica apontado como um caso de entrincheiramento burocrático. Era
uma forma de reunir formuladores de políticas públicas (políticos, burocratas e empresários) e defender os interesses do
bloco de poder multinacional-associado. Outros quadros importantes do regime civil-militar (1964-1985) passaram
pela Consultec, como Mário Henrique Simonsen, João Paulo dos Reis Velloso e Octávio Bulhões Gouvêa. Para
maiores informações leia Dreifuss, René Armand. 1964: a Conquista do Estado: Ação Política, Poder e Golpe de
Classe. Petrópolis: Vozes, 1987.

52
Martins (1981) apontou que o senador Filinto Müller pediu ao presidente João Goulart para
que desarticulasse a candidatura de Roberto Campos, invocando suas responsabilidades
diplomáticas. Uma das razões da preocupação de Filinto Müller era o apoio dado pelo Partido Social
Progressista (PSP), liderado pelo então prefeito de Corumbá (Edmir Moreira), que fora Secretário de
Educação e Saúde de Fernando Corrêa da Costa no governo estadual. Filinto Müller sempre foi bem
votado para senador em Corumbá e seu colega de chapa (Vicente Bezerra Neto) e seu suplente
Humberto Neder tinham base política neste município. Diante da desarticulação da sua candidatura a
senador, a UDN lançou Ruben Abbot de Castro Pinto e os votos do PSP, que seriam de Roberto
Campos, foram para Bezerra Neto, que ficou com a vaga de Villasbôas, e Filinto Müller, que obteve a
reeleição.

53
O golpe militar de 1964 e seus impactos em Mato Grosso

Logo após o golpe militar de 31/03/1964, um dos principais problemas enfrentados pelo
Marechal Castelo Branco foi a montagem de um dispositivo partidário para suportar o novo regime,
em particular no Poder Legislativo. Castelo foi escolhido pelo Congresso Nacional para completar o
mandato de João Goulart (que findaria em 31/01/1966), com o deputado federal José Maria Alkmin,
na vaga de vice-presidente, após disputa em que participaram o também deputado federal Ângelo
Mendes de Morais e o senador Auro de Moura Andrade. Alkmin ocupara posições importantes nos
governos do ex-presidente Juscelino Kubitschek (JK) e sua indicação pode ter sido uma tentativa de
composição com o PSD mineiro e, em particular, com o grupo de JK (pré-candidato declarado a
Presidência pelo PSD, em 1965)62.
As disputas entre PSD e UDN, marcantes no período anterior, continuaram na nova
conjuntura. Skidmore (1988) recordou que Castelo Branco se aproximou da UDN com a indicação
dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, bem como a ocupação de diversos
ministérios, com destaque para o Milton Campos (MG), na Justiça, e Juarez Távora, (CE), na pasta
dos Transportes e Obras Públicas. No entanto, a UDN não se revelou capaz de prover apoio partidário
estável ao Poder Executivo no parlamento. A pré-candidatura de Carlos Lacerda nas eleições diretas
para a Presidência, o baixo potencial eleitoral demonstrado pela UDN na fase democrática e algumas
divergências quanto às “reformas de base” a serem realizadas (agrária, trabalhista, educacional),
mesmo sob orientação conservadora, foram fatores que complicaram a sua instrumentalização como
sustentáculo de Castelo Branco no Congresso.
Esta dificuldade, acrescida da fragilidade do quadro partidário, vinda da fase democrática
(1945-1964)63, impôs um realinhamento dos partidos. Isso foi feito por intermédio do AI-2, que
reagrupou as forças conforme seu apoio ao regime civil-militar, garantindo um partido estável de
suporte ao Poder Executivo e uma oposição exercida dentro dos marcos definidos pela
institucionalização em curso. Em 1966, começam as articulações visando a sucessão de Castelo
Branco. Como enfatizou Skidmore (1988), o AI-2 tinha prorrogado seu mandato até 15/03/1967. O
Marechal Artur da Costa e Silva, Ministro da Guerra de Castelo Branco e principal da facção militar
conhecida por “Linha Dura”64, apresentou-se como candidato das Forças Armadas para a sucessão.

62
Silva (1998) mencionou um manifesto crítico redigido pelo Almirante Ernesto de Melo Batista em 1969, quando da
escolha do general Emílio Médici para a Presidência. No texto, Ernesto diz que Castelo Branco pediu apoio de Juscelino
na casa de Joaquim Ramos, quando estava articulando para ocupar a Presidência. O objetivo era trazer o apoio do PSD
ao regime que se instalava.
63
Como destacou Brum (2000), os partidos gerados ao final do Estado Novo (PSD, UDN e PTB), além de outros menores,
já vinham demonstrando sinais de fraqueza e debilidade. O autor lembrou que durante o mandato de João Goulart
(1961-1964), em função das “reformas de base” propostas pelo Plano Trienal, elaborado quando Celso Furtado era o
Ministro do Planejamento, tinham se formado no Congresso Nacional duas grandes frentes matriciais em relação aos
partidos. Uma era a Frente Parlamentar Nacionalista, formada na maioria por integrantes do PTB e a Ação Democrática
Parlamentar, composta por quadros da UDN e PSD. No interior dos partidos também havia diversas cisões, como a “Ala
Moça” do PSD que preconizava renovação dos quadros partidários e a “Bossa Nova” na UDN, que apoiava o Plano
Trienal contra a “banda de música”. Num certo sentido, estas clivagens já apontavam para a formação dos dois partidos
após o AI-2, com a Arena herdando a Ação Democrática Parlamentar e o MDB constituindo dos egressos da Frente
Parlamentar Nacionalista, após os expurgos praticados pelo regime.

54
Castelo Branco chegou a articular outros nomes, como Juracy Magalhães (BA), Daniel
Krieger (RS) e Nei Braga (PR), mas não havia mais tempo hábil em virtude da intensa articulação que
Costa e Silva vinha realizando desde 1964 e seu papel na crise de outubro de 1965. Foi promulgada
uma nova Constituição Federal que passaria a vigorar na mesma data da posse de Costa e Silva
(15/03/1967). O novo vice-presidente foi o mineiro Pedro Aleixo, rival de Alkmin, veterano da UDN
e líder dos governos Jânio Quadros e Castelo Branco na Câmara Federal. A indicação foi vista como
mais um esforço de legitimação junto ao parlamento, como relembrou Skidmore (1988).
No período que precedeu o golpe militar de 1964, os pecuaristas do sul de Mato Grosso, em
sua maioria filiados à UDN (com destaque para a família Coelho), chegaram a fundar uma entidade
denominada Ação Democrática Matogrossense (Ademat), como destacou Arakaki (2003), que
cumpria em Mato Grosso o mesmo papel da Ação Democrática Parlamentar, instituída no Congresso
Nacional, em articulação com o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad)65.
Martins (1981) pontuou que a Ademat se formou “[...] à proporção que a ação solerte dos
comunistas avançava no trabalho de desintegração da democracia, as forças civis e militares se
apresentavam também, para defendê-la.” Em outro trecho salientou que a Ademat era uma
“organização surgida para combater a ação comunizante do presidente João Goulart, inclusive no
campo da luta armada.” Suas atividades consistiam na mobilização contra o comunismo, por meio de
eventos, como comícios e reuniões com lideranças políticas, e a perseguição àqueles que fossem
delatados por professar tal ideologia (na maior parte das vezes, apenas simpatizantes).
Arakaki (2003) lembrou ainda que a Ademat passou a perseguir, inclusive, quadros da
própria UDN em Campo Grande, como era o caso do então deputado federal Wilson Barbosa
Martins, Plínio Barbosa Martins (irmão de Wilson) e do ex-deputado Pedro Paulo de Souza. Há
relatos de sessões de tortura em imóveis pertencentes à associação e também a destruição do jornal O
Democrata, editado por quadros do Partido Comunista. Os equipamentos e livros do jornal teriam
sido jogados no Córrego Maracaju, na rua homônima, em Campo Grande66.
Demósthenes Martins, presidente da UDN na ocasião, comentou ainda que a candidatura
do empresário Lúdio Coelho surgiu da Ademat. Ruben Figueiró relatou que quando Pedrossian foi
destituído do cargo de Superintendente da NOB, ele procurou o Italívio Coelho, irmão de Lúdio, que
era tido como chefe da “revolução” na região sul. Isso apenas confirma a importância política da

64
Para Gaspari (2002), a expressão “Linha Dura” designava os autoentitulados ultrarrevolucionários (o que enseja uma
grande discussão sobre a natureza revolucionária ou reacionária do golpe de 1964) e um grupo de oficiais radicais e
pouco respeitadores das normas disciplinares. Usavam os IPM´s (Inquéritos Policiais Militares) como forma de
constituir um poder paralelo ao Presidente da República. Eles articulavam também nos quarteis aqueles que se
encontravam à direita do regime e discordavam das autolimitações impostas por Castelo Branco no uso de seus poderes
excepcionais. O Marechal Costa e Silva exerceu papel de liderança junto a este grupo desde o começo, quando se
nomeara, como aponta Skidmore (1988), como Ministro da Guerra do novo governo em 01/04/1964 e organizara o
Comando Supremo Revolucionário para abortar qualquer tentativa de contragolpe no interior das Forças Armadas.
65
Para mais detalhes sobre a atuação do IBAD no período que antecedeu o golpe militar de 1964, leia Dreifuss, René
Armand. 1964: a Conquista do Estado: Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes, 1987.
66
Miranda, Marina. Santos, Aline dos. Ditadura: vítimas guardam memória das trevas. Jornal Eletrônico Campo Grande
News. 03/12/2005. Disponível em <http://campograndenews.com.br>. Acesso em 29/10/2006.

55
família Coelho na articulação civil do golpe militar de 1964. Italívio telefonou para seu cunhado, o
então deputado federal Rachid Saldanha Derzi, e pediu que Pedrossian fosse reconduzido ao cargo.
Figueiró destacou que, para falar direto com o Rio de Janeiro, só os chefões. Depois, Herbert Levy,
um dos comandantes nacionais da “revolução” e presidente Nacional da UDN, conseguiu derrubar
Pedrossian e impor o general Gorreta para a Superintendência da NOB.
O próprio governador Fernando Corrêa da Costa foi um dos primeiros a manifestar apoio ao
golpe militar, junto com outros, como Adhemar de Barros (SP), Ildo Meneghetti (RS) e Nei Braga
(PR). Eles teriam participado de uma reunião no dia 04/04/1964, articulada por Carlos Lacerda, de
apoio à candidatura do Marechal Castelo Branco à Presidência da República, em eleições a serem
realizadas pelo Congresso Nacional. Numa entrevista ao jornal Opção, de Goiânia, o ex-governador
Mauro Borges salientou alguns fatos da articulação da candidatura de Castelo Branco a presidente.
Nesta entrevista, há um trecho da autobiografia de Juracy Magalhães, então governador do estado da
Bahia. Diz o seguinte:

No dia 4 de abril de 1964, um grupo de governadores se reunia no gabinete do ministro


da Guerra, Costa e Silva, para discutir o nome do Presidente da República. “Costa e
Silva manobrava para ser escolhido e dava evidentes demonstrações de que era
candidato. Mas no dia 4 de abril de 1964 teve de nos receber para uma conversa
decisiva em seu gabinete de ministro da guerra. Compareceram os governadores
Carlos Lacerda, da Guanabara, Magalhães Pinto, de Minas, Nei Braga, do Paraná,
Adhemar de Barros, de São Paulo, Ildo Meneghetti, do Rio Grande do Sul, Aluísio
Alves, do Rio Grande do Norte, Mauro Borges, de Goiás, Fernando Correia da Costa,
de Mato Grosso, e eu representando a Bahia, além dos generais Sizeno Sarmento, seu
chefe de gabinete, e Juarez Távora, deputado federal, mais o deputado Costa
Cavalcanti”, relata Juracy Magalhães. “Fomos comunicar a Costa e Silva que
gostaríamos de ver o general Humberto de Alencar Castello Branco na Presidência da
República. Mas Costa, assim confrontado pela nossa determinação e ainda pensando
em botar a mão na Presidência, preferiu ganhar tempo alegando que ainda era cedo
para tomarmos aquele caminho”, relata Juracy Magalhães. (grifos meus) (Borges,
2010).

O ex-deputado federal Milton Figueiredo, que pertenceu à UDN, também ressaltou a


participação de Fernando Corrêa da Costa na escolha de Castelo Branco para a Presidência da
República. Manifestou preocupação com as atitudes da Ademat e salientou que a formação da Arena
em Mato Grosso se deu

Em torno dos ideais da revolução, porque todos nós fizemos a revolução. O


comandante do 16º Batalhão de Caçadores, o Cel Meira Matos, era muito amigo do Dr.
Fernando Corrêa, era nosso amigo. O Dr. Fernando (UDN, governador) fez a
revolução, tomou parte da escolha do Castelo Branco. Nós conspirávamos e estávamos
todos preocupados com o que iria acontecer. E nos reuníamos na casa do Meira Matos
... E também o pai do Tomzinho , uma pessoa que sempre lutou, achava que a revolução
teria que ser efetuada. [...] Tínhamos muito medo de um organismo que estava sendo

56
formado. [...] Era em Campo Grande – uma coisa que se chamava Ademat. [...] Nós
nos reuníamos com o Coronel Meira Matos, o Dr. Fernando e políticos como o
Augusto Mário, Manuel de Arruda... enfim, o pessoal que se alinhava no processo
revolucionário. [...] E depois nós fundamos a Arena, nós fundamos dentro dos
princípios da revolução. (Neves, 2001a, p. 254).

Bittar (1997) também destacou o papel do governador Fernando Corrêa da Costa da Costa
nas articulações que precederam o golpe militar, assim como também o envolvimento do Coronel
Meira Matos.
Martins (1981), presidente do Diretório Estadual da UDN e Secretário de Estado de
Interior, Justiça e Finanças, detalhou as articulações que precederam o golpe militar em Mato Grosso,
com ênfase para a participação da UDN. Ele destacou a adesão de todas as unidades militares
instaladas no Estado na oposição a João Goulart, afastando o medo de que se repetisse o quadro de
1932, quando sul e norte se dividiram no apoio ao presidente, com quebra de hierarquia militar.
Houve, inclusive, uma ameaça de comício em Rondonópolis, seguido de invasões de terra na região,
desmobilizado sob a justificativa de manutenção da ordem.
Diante do quadro trazido pelo golpe militar de 1964 e suas sequelas em Mato Grosso, o
PSD passou a se posicionar para a disputa de 1965. Neste intervalo, o partido teve algumas vitórias
importantes diante da UDN. Na Prefeitura de Cuiabá, foi eleito o deputado estadual Vicente Vuolo
(PSD), em 1962, com Edgard de Figueiredo (PTB) na vaga de vice-prefeito. Essa vitória de Vuolo
encerrou um ciclo de três mandatos na Prefeitura de Cuiabá, comandados pela UDN, que já durava
quase 12 anos (Manuel de Arruda, Garcia Neto e Hélio Palma de Arruda/Aecim Tocantins). Vicente
Vuolo salientou que, pela participação na campanha de João Ponce de Arruda para governador, em
1955, ficou ligado à ala “poncista” do PSD. Filinto Müller tinha preferência, por seu sobrinho
Gabriel. Como Filinto era mais forte na cúpula do partido e teria facilidade para aprovar seu
candidato na convenção, Ponce articulou os subdiretórios do PSD em favor de Vuolo, não restando
outra alternativa aos convencionais senão apoiar por unanimidade esta candidatura a prefeito.
Em Campo Grande, Antônio Mendes Canale venceu a eleição para a Prefeitura em 1962,
depois de dois mandatos como deputado estadual (sendo o primeiro como suplente e o mais votado
em 1954) e um como deputado federal pelo PSD67. Foi uma vitória importante do partido, porque a
maioria dos prefeitos de Campo Grande era filiada, ou à UDN (Demósthenes Martins, Vespasiano
Martins, Eduardo Olímpio Machado, Wilson Barbosa Martins, Marcílio de Oliveira Lima), ou ao
PTB (Ari Coelho, Wilson Fadul). Canale tornou-se, portanto, uma das alternativas do PSD para a
eleição de 1965. Filinto Müller que também tinha este entendimento começou a articular no sentido
da escolha de Canale, visto ter sido o último candidato do PSD a governador (1960) e seu presidente
em Mato Grosso. Outros nomes seriam o do próprio Filinto Müller, seu sobrinho Gastão Müller

67
Instituto Memória da Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Informações disponíveis em
www.al.mt.gov.br/memoria. Acesso em 25/10/2006.

57
(suplente do senador Vicente Bezerra Neto), o ex-governador João Ponce de Arruda e talvez o seu
pupilo e prefeito de Cuiabá, Vicente Vuolo.
Uma possibilidade interpretativa sobre as razões que levaram Filinto Müller a não ser o
candidato podem ser encontradas de novo no desgaste de duas derrotas sucessivas para governador
(embora a sua reeleição para o Senado em 1962 tenha se dado com grande votação proporcional)68; a
resistência de alguns setores das Forças Armadas ao seu nome, por ter sido líder dos presidentes
Juscelino Kubitschek e João Goulart, no Senado; a sua dificuldade em atrair o apoio do PTB para a
sua candidatura, que se verificou em 1950, e, sobretudo, 1960; o seu papel de articulador do regime
civil-militar no Congresso Nacional no momento de sua institucionalização e, por fim, a alternância
regional dos candidatos (respeitando as alas do partido)69.
De acordo com Waldir dos Santos Pereira, o PTB de Campo Grande exigiu a vaga de vice-
governador para alguém do partido e da região sul (onde eram mais fortes), como condição para que
se formasse a aliança com o PSD. Como Canale já era do sul, ficou inviabilizada a sua candidatura.
Diante da resistência, os militantes do partido no norte do Estado lançaram o nome de João Ponce de
Arruda para fortalecimento na negociação. João Ponce foi, inclusive, procurado para que assumisse
sua candidatura, mas não quis aceitar. Uma comissão (integrada de muitas pessoas do sul) foi até
Ponce pedir que ele se candidatasse. Após elencar os inconvenientes de sua eventual candidatura, ao
final, não aceitou, como destacou Heronides de Araújo. Dentre estes óbices, pode estar o fato
lembrado pelo seu irmão (Hélio), de que ele não teria votado no Marechal Castelo Branco, quando da
sua eleição indireta para a Presidência da República. Depois disso, ele teria caído no ostracismo
político.
Para Júlio Campos, João Ponce não votou em Castelo Branco porque era muito amigo de
Juscelino Kubitschek, que vinha preparando a sua segunda eleição presidencial para 1965. Ele
esperava a reprise da dobradinha que fizera com Juscelino em 1955, em que ficaria JK-65 e JP–65
(João Ponce). Ponce preferia também que o Marechal Dutra, ex-presidente cuiabano, cogitado nos
primeiros dias após o golpe militar, fosse o candidato. Como seu voto foi em branco e havia muita
resistência a Juscelino no interior das Forças Armadas, em particular nos adeptos da “linha dura”, o
Ministério da Guerra vetou o nome de João Ponce para a eleição de 1965, como lembrou o ex-
deputado estadual Waldir dos Santos Pereira. Os correligionários do PSD do norte manifestaram
estranheza quando o edital de convocação da convenção apontou Campo Grande e não Cuiabá
(capital e sede do partido) como local para a sua realização. Sobre a definição do candidato, em 1965,
Oscar Ribeiro teve a seguinte compreensão:

68
Filinto Müller foi eleito em 1962, com 30,02% dos votos válidos, na maior votação proporcional desta eleição e também a maior
em eleições com duas vagas na disputa. Para mais detalhes, leia Gabinete De Planejamento e Coordenação. Retrospectiva das
eleições em Mato Grosso: de 1945 a 1985. Cuiabá: Fundação Cândido Rondon, 1988.
69
Entrevista com Oscar Ribeiro. Cuiabá, 30/10/2006.

58
E o candidato do norte não era o Canale. O candidato do norte era João Ponce de
Arruda [...]. Filinto justificou a escolha e submeteu o nome de Pedrossian exatamente
porque a UDN escolhera um campo-grandense para governador, que era o Lúdio
Coelho. E o Pedro disputaria em igualdade de condições na região sul, com o Lúdio
Coelho. E estes argumentos do senador Filinto Müller prevaleceram. [...] alguns
oradores diziam que o sul queria impingir a Mato Grosso um Pedrossian qualquer. Por
quê? Porque na época Pedrossian não era conhecido. (30/10/2006, entrevista).

Lúdio Coelho teve como adversários dois dos principais líderes udenistas: o então vice-
governador Garcia Neto e o ex-deputado federal José Fragelli, muito próximo ao governador
Fernando Corrêa da Costa70. Seria necessário buscar um antídoto para Lúdio Coelho que tinha a seu
favor a novidade de um empresário disputando eleição majoritária e sua residência no sul do Estado,
assentada na tradição da família dos pecuaristas, como os Coelho. Já Salomão do Amaral entendeu
que o PTB apoiava Canale e identificou outra razão para a desistência da sua candidatura:

Então lançou-se uma chapa aqui em Campo Grande (porque a UDN aqui era
muito forte) com o Canale candidato a prefeito e Nelson Trad a vice. [...]
Elegemos o Trad. [...] Veio a Revolução em 64 e o Trad foi preso, foi cassado
[...]. Aí vem a eleição de 65. Canale prefeito de Campo Grande, muito bem
posicionado, e seria o candidato natural. [...] João Ponce, ele, com outros
políticos, ficaram assim meio desiludidos com a Revolução [...] Aí, então, o
Canale era o candidato, tranquilo, apoiado pelo PTB e o PSD. [...] O
Presidente da Câmara Municipal era [...] boa pessoa, mas era um homem de
extrema-direita. [...] E o Canale então se recusou, não aceitou porque achou
que se ele aceitasse ser candidato e entregasse o município ao Munir Bacha,
era uma traição ao Trad [...] Aí o Canale que sugeriu o nome do Pedrossian.
(24/10/2006, entrevista).

Diante da recusa de Canale, das restrições com João Ponce e, sobretudo, da escolha de
Lúdio Coelho para candidato da UDN, foi sugerido o nome de Pedro Pedrossian. Vale abrir aqui um
parêntese para abordar a biografia desse importante personagem e verificar como ele chegou até a
esta situação, conforme relatos feitos por ele mesmo em Pedrossian (2006). Pedrossian era filho de
imigrantes do Oriente Próximo (pai armênio e mãe turca) que, como muitos de seus conterrâneos, se
fixaram no município de Miranda, no então sul de Mato Grosso. Seu pai, João Pedro Pedrossian,
montou um armazém para fornecer mercadorias (secos e molhados) aos fazendeiros da região.

70
José Fragelli foi casado com Maria de Lourdes Ribeiro Fragelli, sobrinha de Fernando Corrêa da Costa. Além disto, ou
talvez também por isso, sempre manteve relação próxima com Fernando, desde Campo Grande, exercendo a
Secretaria de Estado de Interior, Justiça e Finanças em seu primeiro mandato (1951-1956).

59
Pedrossian mudou-se para o estado de São Paulo, na década de 1940, ainda adolescente,
onde concluiu a sua formação. Cursou Engenharia na Faculdade Mackenzie, onde se graduou em
1952. Em 1955, foi admitido como estagiário na Ferrovia Noroeste do Brasil (NOB) e, no ano
seguinte, transferido para o município de Três Lagoas. Ficou responsável pela manutenção do trecho
de Jupiá (SP) até Ribas do Rio Pardo, próximo a Campo Grande.
Como visto, Três Lagoas integrava a região do denominado “Bolsão Pessedista” e tinha no
deputado federal Philadelpho Garcia, seu representante político maior (segundo deputado federal
mais bem votado em 1958, depois de Wilson Fadul). Agostinho (2003) destacou que Philadelfo
Garcia era conhecido como “deputado ferroviário”, pela defesa dos interesses dos empregados da
NOB e sua votação em retribuição. Era também muito próximo ao senador Filinto Müller, a quem
utilizava para obter votos. Philadelpho era um a mais dos quadros protegidos por Filinto Müller,
enquanto estudante no Rio de Janeiro. Por isso, ele os outros o consideravam como seu “padrinho”71.
Pedrossian devotou a mesma postura em relação a Philadelfo, quando diz que “[...] por todos os
acontecimentos em Três Lagoas, revelações e descobertas pessoais, seria natural o meu
reconhecimento em considerar Filadelfo como meu padrinho político e amigo inspirador.”
(PEDROSSIAN, 2006, p. 48).
Pedrossian que, segundo ele próprio, vinha de família udenista, acabou sendo atraído pelo
PSD. Em 1958, foi transferido para Campo Grande, onde apoiou as candidaturas do Marechal Lott e
de Filinto Müller em 1960, do PSD (p. 48). Em decorrência da derrota de ambos candidatos,
Pedrossian teve dificuldade em continuar na NOB e esteve por um período em Minas Gerais (empresa
privada) e, no Rio de Janeiro, na Rede Ferroviária Federal. A esse respeito, Ruben Figueiró destacou
que Pedro, recém-formado, pediu emprego ao então governador Fernando Corrêa da Costa, por
intermédio de seu pai, não tendo sido atendido. Figueiró lembrou que:

Determinado dia, uma pessoa apresenta o Pedro ao deputado Philadelpho Garcia [...] e
pede um emprego pro Pedro. [...] E o Philadelpho Garcia consegue a nomeação [...] e
coloca o Pedro como engenheiro-chefe do distrito de Três Lagoas. E o Pedro passou a
conviver com o pessoal do PSD [...] Aí o Pedro se projetou. [...] E ele foi promovido
aqui pra Campo Grande [...] Um dia surgiu o problema da pressão que a Noroeste do
Brasil, que o Pedro Pedrossian, estava fazendo sobre os maquinistas, que eram
janistas, para votar no Lott. [...] Eu falei [...] Eu sou amigo do Pedro, eu vou conversar
com o Pedro [...]. Quando nós atravessávamos a rua, eu perguntei: mas Pedro, você era
da UDN, rapaz, por que você foi pro PSD? Ele virou-se pra mim e disse, eu não
esqueço: abelha se prende pelo mel. (29/09/2006, entrevista).

Com a renúncia de Jânio Quadros (1961), Pedro Pedrossian conseguiu, por intermédio do
deputado Philadelpho Garcia, sua nomeação para Superintendente da NOB, em Bauru, subordinado

71
Há vários relatos sobre a proteção que Filinto Müller dava aos estudantes mato-grossenses no Rio de Janeiro, quando ainda era
Capital Federal, independente de filiação partidiária. Muitos entendem que se tratava de uma prática de aliciamento político, já
que estes estudantes, quando retornavam a Mato Grosso, mantinham uma relação de lealdade para com Filinto.

60
apenas ao Ministro da Viação e Obras Públicas. Pedrossian permaneceu na Superintendência até o
golpe militar de 1964, quando foi substituído por um interventor, o general Ramiro Gorreta. Depois
de perder o cargo, foi transferido para sua cidade natal (Miranda) como Engenheiro Residente na
NOB. De lá, partiu para a sua candidatura a governador em 1965. Figueiró destacou o erro da
articulação de Lúdio Coelho em relação a Pedrossian:

Mas o Pedro tinha deixado um grande nome no eixo Três Lagoas-Corumbá-


Ponta Porã, que representava na época quinze mil votos!!! Para Mato
Grosso, era muito eleitor. [...] Então, eu conversando com o Lúdio, que era o
candidato a governador pela UDN, contei a história do Pedro e falei para ele:
você poderia fazer um acerto com o Pedro. Chamar o Pedro e convidar o
Pedro para ser o Vice-governador seu. Se não puder, você daria um outro
cargo para ele. Porque ele está nestas e nestas situações. E o Pedro tava em
Miranda. [...]. Tava recluso lá. Então, o Lúdio me autoriza e eu chamo o
Pedro. [...] Promovi um encontro dos dois. Nesse encontro, o Lúdio
formaliza o convite, de ele ser candidato a Vice-governador. Se não fosse
possível, por contingências políticas, ele seria o Diretor Geral do Dermat, pra
fazer a carreira dele e substituir o Lúdio. Tudo bem. Fechado o acordo. Os
dois na minha presença. O Lúdio vai pra Cuiabá. Chega lá, as lideranças
dizem não: o Vice-governador é nosso aqui. E fez o Lúdio aceitar o nome de
Hermes Rodrigues de Alcântara. Secretário da Saúde do Doutor Fernando.
Lúdio volta a Campo Grande, me conta que tinha feito este acerto. Eu falei:
bom Lúdio, então você faz o seguinte, você chama o Pedro ou vai lá e dá uma
satisfação pra ele que o cargo do Dermat é dele. Não foi. [...] Mas,
determinado dia, ele bate em casa, eu não estava [...] Ele comunicou a Cléia
para me avisar que ele tinha aceitado a candidatura a governador. [...] Aí eu
rompi com o Pedro [...] ele foi governador porque nós não demos a mão a ele.
O Lúdio pecou em não comunicar a ele que não tinha sido possível a Vice-
governança, mas que seria possível a outra. O Lúdio teria sido eleito
governador de Mato Grosso. [...] Uma inabilidade política. [...] Achando que
a eleição tá no papo, levou à derrota. (29/09/2006, entrevista).

Diante do erro de articulação de Lúdio na tentativa de trazer Pedrossian para compor a vaga
de vice na sua chapa, com a declinação de Canale e seu posterior endosso de Pedrossian (Canale
também era nascido em Miranda), assim como do apoio de Philadelfo Garcia, Pedrossian foi
convidado e aceitou ser o candidato do PSD naquela eleição. Além de neutralizar as duas grandes
vantagens de Lúdio (nome novo na política e forte na região sul), Pedrossian ainda teria a seu favor o
discurso contra o golpe militar de 1964, transformando a eleição numa disputa entre o “cidadão
comum” (representado por ele mesmo) e as “elites” (encarnadas na figura do próspero pecuarista e
banqueiro Lúdio Coelho). Ele assumiria a posição de “vítima” do golpe militar por ter sido destituído
do cargo de Superintendente da NOB, onde vinha fazendo um bom trabalho e era muito popular. Foi
substituído por um militar apoiado por um grande empresário, Herbert Levy, presidente Nacional da
UDN e proprietário do jornal Gazeta Mercantil. O slogan da campanha, lembrado por Oscar Ribeiro,

61
reflete bem este maniqueísmo: o “tostão” contra o “milhão”72.
Desta forma, o PSD pôde superar a UDN que, em Mato Grosso, tinha maior identidade com
as camadas de renda mais baixa (em particular no norte do Estado). Augusto Mário Vieira recordou
que a UDN em Cuiabá era “povo” e talvez não houvesse outra tão popular no Brasil. Salientou ainda
que, quando Carlos Lacerda (expoente nacional do partido) esteve em Cuiabá, disse ter ficado
impressionado com as manifestações populares mobilizadas pela UDN. Neves (2001b) transcreveu
trechos da correspondência do senador Filinto Müller nos quais ele se pronuncia sobre a escolha do
candidato a governador pelo PSD, em 1965. Um deles afirma que, se o candidato da UDN fosse do sul
e o do PSD do norte, haveria lugar para bairrismo ou regionalismo da parte de ambos.
Era também uma estratégia de sobrevivência para o PSD, porque a região sul tinha a
maioria do eleitorado (58% contra 42% na eleição de 1965). Gastão Müller enfatizou que se Garcia
Neto tivesse ganhado a convenção da UDN, ele teria sido o candidato a governador pelo PSD, porque
seriam dois do norte. Filinto Müller considerava que o bairrismo existia, embora muitas vezes fosse
camuflado. Não deveria ser dada chance para que ele se manifestasse na campanha. Portanto, dizia
ele, se o candidato da UDN fosse do sul, o PSD faria o mesmo, e, se fosse do norte, idem. Para Filinto
Müller “[...] com um candidato do sul, vinculado aos interesses do sul, é natural que o eleitorado do
sul lhe dê preferência, em detrimento do candidato do norte, desambientado, desconhecido,
desligados dos interesses da região.”
Definido o candidato a governador, restava a vaga de vice. Embora Pedrossian tivesse mais
afinidade com os quadros do PTB, por sua relação com o operariado do que Ruben Figueiró chamou
de eixo “Três Lagoas-Corumbá-Ponta Porã”73, seria necessário trazer alguém do norte para compor a
vaga de vice, para compor a vaga de vice. A maior parte da juventude do PTB foi cassada pelo golpe
militar, como foi o caso de Benedito da Silva Freire, José Aníbal da Silva Bouret e Nelson Trad. O
PTB de Cuiabá indicou, portanto, Lenine de Campos Póvoas, ex-deputado estadual pela UDN,
ministro do Tribunal de Contas do Estado e agora filiado ao PTB. Lenine foi um contrapeso
importante na chapa de Pedro, pois era representante de uma das famílias mais influentes de Cuiabá74.
Seriam as raízes tradicionalistas que o outsider Pedrossian precisaria para ser aceito em determinados
círculos sociais e políticos. Fragelli entendeu que Lenine não poderia ter abandonado Fernando

72
O slogan surgiu, na verdade, na campanha de Jânio Quadros à Prefeitura de São Paulo, em 1953. Jânio foi considerado um dos
maiores destaques do populismo no Brasil, ao lado de seu adversário Adhemar de Barros. O curioso é que Pedrossian encarnou
o mesmo personagem que combatera cinco anos antes, quando fez campanha para o Marechal Henrique Teixeira Lott contra o
próprio Jânio Quadros.
73
O traçado da NOB, no então sul de Mato Grosso, incluía Três Lagoas, Água Clara, Ribas do Rio Pardo, Campo Grande,
Aquidauana, Miranda e Porto Esperança (margem esquerda do Rio Paraguai). Em 1947, no Governo Dutra, foi feita a ponte
“Barão do Rio Branco”, que permitiu atravessar o Rio Paraguai e concluir o trecho na Bolívia até Santa Cruz de la Sierra. Por
outro lado, um ramal da ferrovia saía do município de Terenos, a cerca de 30 quilômetros depois de Campo Grande no sentido
Corumbá, e seguia em direção à fronteira com o Paraguai, passando por Sidrolândia, Maracaju e Ponta Porã. Para mais
detalhes, leia Póvoas, Lenine. História Geral de Mato Grosso Cuiabá, sem editora. 1995. v. II.
74
Lenine Póvoas descendia de várias famílias importantes do antigo norte de Mato Grosso, com ênfase para Leite, Campos e
Póvoas. Estes últimos destacaram-se, em Cuiabá, na área do magistério, Direito e nas Letras, com destaque para o pai de
Lenine (Professor Nilo Póvoas), seu tio Isaac Póvoas, que foi prefeito de Cuiabá durante a interventoria de Júlio Müller (1937-
1941), e seu avô, Major Pedro Fernandes Póvoas. A filha de Lenine (Maria Helena Póvoas) foi nomeada, em 2005,
Desembargadora do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, depois de ser Presidenta da Ordem dos Advogados do Brasil –
Seccional de MT. Seu antepassado comum foi o Capitão-General do Maranhão, Joaquim de Mello Póvoas (1761-1779).

62
Corrêa da Costa (que teria dado a ele uma cadeira no Tribunal de Contas do Estado) e que fora um
momento de fraqueza. Ele foi atraído para ser vice do Pedrossian e depois teria se arrependido, como
lembrou José Fragelli.
Marisa Bittar destacou o papel desempenhado pela “esquerda” (numa possível referência
ao PTB) nesta eleição e as razões da vitória de Pedrossian:

A candidatura do “moço”, que não era “pessedista autêntico”, derrotou a de Lúdio


Martins Coelho, membro de uma das mais tradicionais famílias mato-grossenses.
Também estreante na política, Lúdio atribui sua derrota ao fato de Pedro Pedrossian,
naquele momento, estar desvinculado “da revolução” de 1964, ao contrário dele. [...] A
surpreendente vitória colocou Mato Grosso entre os quatro estados que o governo
militar perdeu as eleições de 1965 e o fato de Pedro não ter aderido de pronto ao regime
é atribuído como razão principal de sua eleição, tal como declarou o próprio
governador e líder da UDN mato-grossense à época, para quem a derrota não era sua
nem de Lúdio, pois o povo votara contra aquilo que representávamos, o governo
revolucionário. A esquerda decidiu o pleito em Mato Grosso. (BITTAR apud
FERNANDES, 2001. p. 72).

A candidatura de Lúdio Coelho foi um acerto político da UDN no sul do Estado e que surgiu
de “fora para dentro” do partido. Muitos quadros ligados ao PSD, por certo, raciocinando na
sistemática da alternância que lhes apontava nesta eleição, estavam preocupados com a possibilidade
de derrota. A razão para este receio eram as restrições com os nomes à disposição do partido (Filinto
Müller, Gastão Müller, Antônio Mendes Canale e João Ponce de Arruda) e a consequente dificuldade
de articular um candidato com um mínimo de consenso.
Italívio Coelho destacou que muitos estimularam a candidatura de seu irmão Lúdio, antes
mesmo da UDN oficializar. Martins (1981) salientou que vinha recebendo manifestações das
lideranças municipais da UDN do sul para que o sucessor de Fernando Corrêa da Costa fosse um
quadro típico da porção meridional de Mato Grosso, em função do crescimento econômico da região
e da estagnação do norte. Garcia Neto procurou-lhe e Demósthenes reafirmou o compromisso
assumido com os seus correligionários. Garcia Neto respondeu-lhe que disputaria na convenção.
Demósthenes afirmou também que o presidente Castelo Branco tentava uma missão que parecia
impossível nesta eleição: conciliar Fernando Corrêa da Costa (UDN) e Filinto Müller (PSD), sul e
norte do Estado. Augusto Mário Vieira e Manuel de Arruda (de Cuiabá) foram até Brasília para ter
uma audiência com Castelo Branco sobre o assunto.
Eles achavam que Castelo pensava em favorecer Filinto Müller em detrimento de
Fernando Corrêa da Costa. Entretanto, de acordo com Demósthenes, ele só queria harmonizar os dois
partidos que davam sustentação ao seu mandato. Eles pediram a Castelo um candidato e este
respondeu que não tinha nenhum nome no bolso do colete, mas apenas queria mediar a disputa
regional75. Pediu, portanto, que fosse realizada a convenção. Augusto Mário Vieira lembrou que
Castelo Branco queria que, de fato, a convenção fosse adiada. Foi proposto a ele que quem fosse
vencedor na convenção de Campo Grande (pela 1ª vez, como no caso do PSD), colocaria a

63
candidatura à disposição de Castelo Branco. Deste modo, ele ganharia mais tempo para continuar
negociando com Filinto Müller.
Quando isso foi discutido em Campo Grande, houve resistência inicial, mas os
convencionais acabaram aceitando. Depois, Lúdio esteve com Castelo Branco, que lhe desejou sorte
e sucesso na campanha. Ficou claro que Filinto Müller estava apenas querendo ganhar tempo para
resolver os problemas internos do PSD. A reação daqueles que estavam no governo foi a
oficialização da candidatura do vice-governador Garcia Neto, em ascensão na UDN do norte, desde a
década de 1950. Para Italívio Coelho, pela mesma insatisfação de alguns setores do partido pelo
lançamento do nome de Lúdio Coelho, que era empresário e não um político profissional, foi
apresentado também o nome de José Fragelli.
Para Júlio Campos, a UDN estava fortalecida em 1965 por sua participação no Executivo
Federal, depois do golpe militar. Ele entendeu que houve um “racha” inicial no partido, porque a
candidatura de Garcia Neto era vista como natural, por sua condição de vice-governador (mais votado
que o próprio Fernando Corrêa da Costa), pela expressão política no norte do Estado (ex-prefeito de
Cuiabá) e por ser considerado um bom articulador. No entanto, a UDN sulista “rancorosa” não
aceitava que um cidadão sergipano, radicado no norte há pouco tempo, fosse o governador. Para
dividir o eleitorado de Garcia Neto, o sul lançou dois candidatos (Fragelli e Lúdio). Júlio Campos
considerou que não existia divisionismo na candidatura de Lúdio, porque ele era muito articulado
com os empresários do norte. Era muito querido, por sua condição de maior comprador de gado da
região e pelas fazendas que possuía em Barão de Melgaço e Vila Bela da Santíssima Trindade.
Ele era proprietário também do Jornal O Estado de Mato Grosso, em sociedade com o seu
cunhado, o deputado Rachid Saldanha Derzi. Aecim Tocantins também avaliou que, até onde vai o
seu conhecimento, não havia divisionismo na candidatura de Lúdio Coelho. Já Gilson de Barros foi
no sentido oposto e considerou que, em caso de vitória de Lúdio Coelho, aconteceria a divisão ou a
mudança da capital para Campo Grande. Isso se daria em função do caráter sulista, típico de Lúdio
Coelho, e por sua vinculação aos pecuaristas da região sul, principais articuladores do divisionismo.
Onofre Ribeiro entendeu que Lúdio representava naquele momento as oligarquias políticas
do sul, que acusava o norte de possuir oligarquias, mas a fortuna de Cuiabá não chegava aos pés
daquela verificada no sul. Onofre apontou que os principais líderes do norte (Filinto e Júlio Müller,
João Villasbôas, João Ponce de Arruda, Silvio Curvo) não possuíam grande patrimônio e que a
família Coelho era dona do Banco Financial. Onofre Ribeiro considerou também que a candidatura
de Lúdio era divisionista e que, se ele tivesse ganho, a divisão do Estado teria vindo mais cedo.
Fragelli, Wilson Barbosa Martins e Lúdio Coelho sempre estiveram juntos, embora tenham tido
divergências ao longo do tempo. Salomão do Amaral enfatizou que Fernando Corrêa da Costa não
queria a candidatura do Garcia Neto e que Lúdio era muito popular como empresário no sul, por conta
de sua família. Ele concorreu numa resposta do sul contra o norte.

75
Depoimento de Demósthenes Martins em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro: Mariela,
2001b.

64
Garcia Neto frisou que até seis meses antes da convenção, não havia dúvida quanto à sua
eleição pelos convencionais da UDN. Sua interpretação foi a de que os pecuaristas do sul se uniram
contra seu nome porque ele não era vinculado a este segmento, era um “pau-de-arara”76 que estava
em Mato Grosso há poucos anos, sendo também tachado de “comunista”, porque defendeu algumas
posições da reforma agrária numa convenção da UDN nacional. Muitos amigos seus, proprietários
rurais, teriam se afastado de sua candidatura por conta desta campanha difamatória de seus
adversários.
Garcia Neto enfatizou ainda que seu candidato era Fragelli. Ele relatou que chegou a dizer a
Fragelli que retiraria sua candidatura em favor dele, porque o considerava mais graduado na UDN,
por seus mandatos como deputado estadual e federal e participação no governo Fernando Corrêa da
Costa. Fragelli teria dito a Garcia Neto que não seria candidato e que lhe apoiaria na convenção. No
final, decidiu concorrer. José Fragelli se mantinha afastado da disputa por cargos eleitorais desde
1954, quando concorrera a deputado federal pela UDN.
Em 1958, Fragelli comentou que não concorreu à reeleição porque sua esposa (Dona
Lourdes) recebera a herança de seu pai (Coronel José Alves Ribeiro), em Aquidauana, e ele precisava
se dedicar à família. Outra razão apontada pelo próprio Fragelli foi a dificuldade em se destacar, na
Câmara dos Deputados e numa legislatura cheia de bons oradores, como Carlos Lacerda. Sobre sua
desistência da candidatura a deputado federal em 1958, Fragelli disse que:

Não tinha vontade de ser deputado federal. [...] Não quis. Não podia. Minha mulher
tinha recebido uma fazenda aqui. Eu tinha um jornal em Campo Grande, este, O
Correio do Estado, eu que fundei. [...] Eu podia ter ficado com o jornal e tudo. Mas eu
precisava cuidar das coisas. Minha mulher ia receber uma fazenda [...] Eu tinha que
morar em [...] Aquidauana. Eu tinha que deixar Campo Grande. Não pude morar em
Campo Grande, onde eu tinha casa, tinha tudo. Então vim para cá. E aqui eu fiquei dez
anos. Foi quando eu saí governador. (27/09/2006, entrevista).

Sobre a sua candidatura na convenção da UDN em 1965, Fragelli destacou a articulação


dos militares:

Os militares queriam que eu fosse. Os generais me chamaram [...] Você seja. Falei: eu
não quero ser candidato a governador e não queria mesmo. Conhecia já Cuiabá. [...] E
eles: é isso mesmo, vocês são assim, os políticos são desse jeito. A gente faz um
esforço, toma conta disto, e vocês abandonam a gente. Os generais, dois ou três
generais que tinha aí em Campo Grande. [...] Eu então entrei como candidato, mas fui
logo derrotado pelo Lúdio. [...] Fui pra agradar os generais77. (27/07/2006, entrevista).

76
A expressão “pau-de-arara” tornou-se sinônimo dos migrantes da zona rural em direção aos grandes centros urbanos em busca
de melhores oportunidades de emprego e renda. O termo se aplica em particular aos migrantes nordestinos e se refere ao
caminhão que transportava os trabalhadores por longas distâncias, quando eles se sentavam nas beiradas da carroceria pela
superlotação do veículo. Como esta posição lembrou as araras quando pousam num puleiro, passou a valer.

65
Demósthenes Martins endossou esta versão, ao dizer que:

Pessoalmente, meu candidato era o Dr. José Fragelli que, às qualidades pessoais que
possuía, adicionava a de dedicação ao Partido, um desempenho sempre brilhante dos
mandatos que tivera e a preliminar levantada pelo Sul. Ele, porém, se mantinha
obstinado em recusar a governança do Estado, resistindo às interferências mobilizadas
por mim para demove-lo do negativismo em que se colocara. [...] Vindo a Campo
Grande, no princípio de maio, em encontro com o general Manoel Rodrigues Carvalho
Lisboa, comandante da 9a Região Militar, declarou-me que a sua convicção era de que
o sucessor do Fernando devia ser o Fragelli. Expus-lhe que este sempre fora meu
candidato, desde a primeira sucessão, no anterior quinquênio do governador Fernando
[...] O General replicou-me que desta vez a situação era diferente e que ele tinha mesmo
de ser o governador. Esclareci, também, que a recusa do Fragelli ensejara o surgimento
dos candidatos Garcia Neto e Lúdio Coelho, com os quais as lideranças municipais
estavam comprometidas. [...] Debatido o assunto, o General me disse que os
municípios do Sudoeste levariam o nome de Fragelli à Convenção. Fosse qual fosse o
número de votos obtidos pelo Fragelli, ele seria o candidato. (MARTINS, 1981, p. 249-
250).

Martins (1981) registrou o placar da disputa com Garcia Neto ganhando no primeiro turno
da convenção, por 11 votos de diferença em relação a Lúdio Coelho (109 a 98), com 18 votos para
Fragelli. No dia seguinte foi realizado o segundo turno, Lúdio ganhou por cinco votos, porque obteve
os votos dos eleitores do Fragelli, conforme a orientação política anterior, de que o candidato deveria
ser do sul. Garcia Neto disse que não esperava perder e que a derrota foi um choque para ele.
Destacou que, tão logo o resultado fora proclamado na convenção discursou manifestando apoio à
candidatura de Lúdio Coelho e participou da campanha, porque considerava que havia partidarismo
naquele período.
O ex-deputado estadual Augusto Mário Vieira entendia que Garcia Neto não representava o
norte do Estado e que a disputa dentro da UDN não fora regional. Acabou adquirindo este conteúdo
durante a convenção. Para Augusto Mário, a força de Lúdio veio dos interesses econômicos e
patriarcais daqueles que faziam negócios com ele nas duas principais regiões do Estado. Ele detinha
grande credibilidade, como empresário, diante dessas pessoas e elas manobraram para que ele fosse
vitorioso na convenção.
Para confirmar o sentimento regionalista, Garcia Neto comentou que no dia seguinte à
convenção, saiu à rua, em Campo Grande, e encontrou um amigo seu, presidente do Diretório
Municipal do PSD. Ele lhe disse que o PSD do sul estava torcendo pela sua derrota, porque o Lúdio

77
Uma possibilidade é que Garcia Neto tenha considerado Fragelli imbatível numa eventual disputa interna na UDN, por sua
proximidade do então governador Fernando Corrêa (política e familiar), por ser um representante do sul e possuir boa
aceitação também no norte do Estado (sobretudo na região leste). Fragelli comentou que “[...] tinha um grande prestígio no fim
dos primeiros quatro anos [...] Eu liderei a UDN na Assembleia [...] Eu tomei a dianteira com os deputados do sul [...]. Então eu
fiquei, por exemplo, representante do leste [...] E também fui ali pelo norte. Todas as cidades velhas ali do norte.”

66
sairia candidato. Caso contrário (vitória de Garcia Neto), o PSD também teria que lançar um
candidato do norte para amortecer a disputa regional na campanha. A UDN do norte nunca emplacou
um candidato a governador78.
Após uma campanha em que viajou quase todo o Estado, tendo sua esposa Maria
Aparecida ao lado, Pedro Pedrossian foi eleito governador de Mato Grosso, ganhando nas duas
principais regiões do Estado, com uma diferença de apenas 3.501 votos (52,43% a 47,57%) no norte,
sendo que em Cuiabá ganhou pela estreita margem de 570 votos (1,81% dos válidos). No sul, abriu
uma vantagem maior, ganhando por 18.816 votos (57,5% a 42,5%). Embora Lúdio Coelho tenha
vencido na zona eleitoral de sua cidade natal, Rio Brilhante, e também Amambaí e Paranaíba, no sul,
Pedrossian obteve ótimos resultados em Campo Grande (56,89%), Dourados (59,34%) e Corumbá
(74,61%)79. Esta votação nos tradicionais redutos petebistas confirma que houve uma forte migração
do eleitorado deste partido (que votara em Wilson Fadul em 1960) para a
candidatura de Pedrossian em 1965, acompanhando a aliança PSD/PTB.

78
De fato, os candidatos da UDN a governador foram Dolor de Andrade, em 1947 (sul), Fernando Corrêa da Costa, em 1950 e 1960
(cuiabano com base política no sul), Rachid Saldanha Derzi em 1955 (sul), e Lúdio Coelho, em 1965 (sul).
79
Tribunal Regional Eleitoral – MT. Relatório Eleição 1965. Cuiabá: TRE-MT, 1965.

67
Parte II
DESLOCAMENTO DA DISPUTA POLÍTICA PARA
UMA NOVA ‘‘ARENA’’ - (1966-1978)

Pode-se argumentar que o problema das relações políticas entre o


poder local e o poder nacional não será resolvido por meio de
discussões conceituais. O que seria necessário é mais pesquisa de
campo. Historiadores, sem dúvida, tenderiam a apoiar esse ponto de
vista. Há momentos, no entanto, em que o acúmulo de pesquisas
passa a ter rendimento decrescente porque as ideias começam a
girar em roda, sem conseguir avançar devido a confusões ou
imprecisões conceituais. Nesses momentos convém parar para
revisão e tentar esclarecer conceitos e teorias. (CARVALHO, 1997,
p. 1).

69
Pedrossian e seu trinômio para um “Novo Mato Grosso”

Para Neves (1988), as eleições de 1965 são o fechamento de um ciclo no Estado, com dois
candidatos sulistas típicos (Pedrossian nunca estivera em Cuiabá antes) e sem nenhuma tradição
eleitoral. A autora apresentou duas hipóteses que podem explicar o comportamento dos atores
políticos nessa eleição. Na primeira, enfatizou ser os dois candidatos sulistas típicos, o que
demonstraria a hegemonia da representação política do sul, refletida nas decisões partidárias. A
escolha de candidatos passaria a ser, portanto, uma “exclusividade” sulista e o divisionismo triunfaria
pela via eleitoral, o que exigiria mais astúcia das lideranças do norte. A segunda hipótese é um aspecto
da primeira, o crescimento do PTB, que, mesmo freado pelas cassações e perseguições do golpe
militar, vinha se impondo. E como este partido era mais forte na região sul, isso “disfuncionalizava” o
sistema anterior e ajudava a compreender as eleições de 1965.
O “vazio” de lideranças, tanto no sul quanto no norte, pelo “envelhecimento” de uma
geração (Filinto Müller, Vespasiano Martins, João Villasbôas, Júlio Müller, João Ponce, Dolor de
Andrade, Demósthenes Martins, Fernando Corrêa da Costa) sem a “maturação” de outra a tempo,
acabou oportunizando o surgimento de nomes novos, como Lúdio e Pedrossian. O golpe militar de
1964 fortaleceu a campanha de Lúdio e de Fragelli, pela UDN.
Do lado do PSD, o golpe foi do mesmo modo determinante, porque vitimou João Ponce de
Arruda, que era o candidato nato do norte a um segundo mandato, e cassou Nelson Trad, vice-prefeito
de Antônio Mendes Canale, em Campo Grande, que lhe impediu de renunciar para concorrer a
governador. Pedrossian pôde construir o discurso vitimista que lhe garantiu os votos ideológicos
antigolpe, em particular do ascendente PTB. Vale conjeturar se é possível uma transição pacífica de
uma “geração” para outra em ciclos de 20 a 25 anos, no caso de Mato Grosso ou mesmo em nível
nacional, num ambiente político com lideranças fortes e centralização da capacidade decisória nas
cúpulas partidárias. Por transição pacífica entende-se uma passagem do comando político-partidário
de uma geração para outra sem grandes disputas ou sequelas, com os próprios titulares dos cargos
incentivando a formação da juventude. Ou se, como os fatos sugerem, é necessário um momento de
“blecaute” das estruturas tradicionais para que surja um outsider que dê tempo para adaptação e troca
de comando, efetivando a transição geracional. Fenômeno semelhante ocorreu nas eleições de 1978 e
2002 em Mato Grosso, melhor descrito adiante.
Skidmore (1988) apontou que o mandato do presidente Costa e Silva (1967-1969) foi
muito movimentado no plano político, com Carlos Lacerda lançando sua candidatura a Presidência
da República em eleições diretas a serem realizadas em 1971, já que o AI-2 só valia para uma eleição.
Houve também a tentativa de articulação da Frente Ampla, envolvendo Lacerda, Juscelino e João
Goulart, cujo objetivo era a redemocratização do país. Em 05/04/1968, o Ministro da Justiça Gama e
Silva proibiu novas atividades políticas da Frente, por meio da Instrução 177.
Ao mesmo tempo, alguns atores políticos começaram a demonstrar insatisfação com a
política econômica e algumas decisões governamentais. Houve movimentação no meio estudantil,
com a intervenção em algumas universidades federais (UnB) e o problema da falta de vagas,
abalando o suporte político do regime junto às camadas médias da sociedade. Explodiram também

71
alguns problemas no meio sindical, com a ocupação de uma fábrica em Contagem (MG), no mês de
abril de 1968, e com a Igreja Católica que recusava o enquadramento na Doutrina de Segurança
Nacional80.
Contudo, o episódio que detonou a crise foi um discurso proferido pelo deputado Márcio
Moreira Alves, do MDB da Guanabara, incitando as famílias a não assistirem ao desfile do 7 de
setembro. A “Linha Dura” sentiu-se provocada e começou um cabo-de-guerra com o Legislativo em
torno da licença para processar Alves por infração à Lei de Segurança Nacional, o que não seria
possível, pois tinha imunidade parlamentar. O pedido de licença foi rejeitado numa tensa votação, em
12/12/1968, por 216 a 141 votos. Na noite de 13/12/1968, após longa discussão no Conselho de
Segurança Nacional, o presidente Costa e Silva promulgou o Ato Institucional Nº 5 (AI-5). Ele foi
acompanhado de vários outros Atos suplementares, como o de nº 38, que fechou o Congresso por
tempo indeterminado.
Após a edição do AI-5, a direção passou cada vez mais para o aparelho repressor do regime
autoritário. Costa e Silva ainda pretendia promulgar uma nova Constituição, cujo anteprojeto vinha
sendo formulado por Pedro Aleixo. O objetivo era promulgá-la em 02/09/1969, para vigorar a partir
de 07/09/1969, com a reabertura do Congresso Nacional. Skidmore (1988) destacou que a reação
militar quanto à limitação das atribuições excepcionais conferidas pelo AI-5 e a reabertura do
Legislativo para discussão da nova Constituição, foram grandes. Logo depois, Costa e Silva sofreu
um derrame que paralisou sua face e o incapacitou de exercer a Presidência (28/08/1969).
Seguiram-se muitas manobras para não empossar Pedro Aleixo (vice-presidente
constitucional) e uma junta, composta pelos três ministros militares, assumiu, com respaldo do AI-12.
Numa seleção que envolveu as três Forças Armadas, foi escolhido o general Emílio Garrastazu
Médici, comandante do III Exército e apontado por muitos como o sucessor preferido de Costa e
Silva. Algo que contou a seu favor foi a pouca expressão política e a recusa sistemática em aceitar sua
eleição pelos pares. A nova Constituição foi promulgada em 17/10/1969, antes do Congresso se reunir
para a sua eleição. Médici foi empossado no dia 30/10/1969, com mandato fixado para terminar em
15/03/1974.
De volta a Mato Grosso, vale dizer que a passagem de Pedro Pedrossian pelo governo do
Estado é muito controvertida. Seus aliados a definem como um período de renovação nos hábitos e
costumes políticos, materializadas em seu slogan “Novo Mato Grosso”, conforme registro feito por
Machado (2006). Destacaram-se como mudanças na estrutura organizacional do Estado, a instalação
das universidades federais em Cuiabá e Campo Grande e a nomeação de uma equipe de secretários

80
Conforme Silva (1998), a Frente Ampla tinha como Programa Mínimo Inicial a restauração do poder civil e a realização
de reformas. Os objetivos imediatos eram a anistia geral dos cassados, elaboração de uma Constituição democrática e o
restabelecimento das eleições diretas em todos os níveis. Chegaram a circular informações sobre a possibilidade de um
contragolpe militar articulado com base em São Paulo (pela participação de Ademar de Barros), que se juntaria com
Minas Gerais e Rio Grande do Sul para formar uma Junta Governativa e depor Costa e Silva. A inteligência militar
subestimou, no entanto, as divergências internas da Frente, sobretudo após a entrada de João Goulart, em 03/08/1967.

72
jovens e com perfil técnico. Osvaldo Fortes referiu-se a este período dizendo “[...] éramos todos
jovens: o mais idoso tinha menos de 35 anos.” (FORTES, 2000, p. 16). Seus adversários, no entanto,
consideram Pedrossian um aventureiro personalista, com pretensões de formar um novo grupo
político à margem dos partidos, traidor daqueles que o elegeram (em particular o senador Filinto
Müller), com um governo desastroso no aspecto financeiro e de grande enriquecimento pessoal.

A este respeito, Bittar (1997) entendeu que Pedrossian é um

[...] personagem polêmico, é tido como “dinâmico” e “arrojado” por uns, “a-ético”
por outros. Envolvido em denúncias de corrupção por ter-se tornado um novo rico, foi
visto como arrivista, uma espécie de estranho no ninho das “oligarquias”. De acordo
com o deputado Valdomiro Gonçalves, seu correligionário desde 1967, “o doutor
Pedro nunca pertenceu à oligarquia' mas “está integrado na oligarquia” inclusive,
um dos laços dessa “integração”, prossegue ele, teria sido “o casamento de sua filha
com o sobrinho de Lúdio Coelho” (BITTAR, 1997, p. 324 e 325).

Agripino Bonilha, economista de Corumbá, então com cerca de trinta anos de idade,
chegou a Cuiabá no governo Pedrossian (1966-1971). Ocupou cargos importantes, como os de
Secretário de Indústria e Comércio, Agricultura e, depois, presidente da Junta Comercial. Bonilha
avaliou que Pedrossian fez uma revolução nos métodos administrativos então vigentes em Mato
Grosso, ao interromper a tradicional demissão em massa de começo de mandato para trocar os cargos
da UDN por aqueles do PSD. Bonilha ainda se referiu a Pedrossian como um dos maiores estadistas
que passaram pelo Estado, por sua visão de futuro e por ter se cercado de bons técnicos que o
auxiliaram na formulação de um planejamento estratégico81.
Osvaldo Fortes, cuiabano, graduado em Administração Pública pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV), em 1957, já era presidente da Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Mato
Grosso (Casemat) no governo Fernando Corrêa da Costa (1961-1966). Em agosto de 1966, foi
convidado por Pedrossian para discutir uma proposta de reforma administrativa para o Estado, com o
consultor Rafael de Almeida Magalhães, que fora vice-governador do Estado da Guanabara durante o
mandato de Carlos Lacerda (1961-1965)82.
Fortes entendeu que Pedrossian fazia um governo participativo, que rompia com os
padrões de então, porque o secretariado deixou de ser composto apenas por representantes de
famílias notáveis do Estado. Isso teria escandalizado parte da sociedade. Fortes destacou ainda que
Pedrossian tinha clareza de que era necessária uma mudança de mentalidade e não apenas de

81
Entrevista com Agripino Bonilha. Cuiabá, 24/08/2006.
82
Estas discussões resultaram na reforma no aparelho do Estado, codificada pela lei estadual 2.626 de 07/07/1966. A estrutura
organizacional do Estado passou de quatro para nove secretarias e adotou os conceitos de administração direta e indireta, mais
tarde estendidos para a União com a edição do Decreto-Lei 200/67. A reforma trouxe também a proposta de descentralização
por meio das regiões geoeconômicas. Agências estaduais importantes foram criadas neste momento, nas áreas de
desenvolvimento (Codemat), saneamento (Sanemat), habitação (Cohab), estradas (Dermat) e trânsito (Detran). Para mais
detalhes, veja a página da Secretaria de Estado de Administração na internet (www.sad.mt.gov.br).

73
estruturas organizacionais. Por isso, ele teria enfatizado a instalação de universidades em Cuiabá e
Campo Grande, para formação de uma nova geração de mato-grossenses comprometidos com uma
forma de pensamento inovadora83. O próprio Pedrossian, em seu livro de memórias, apontou as três
prioridades de seu mandato, que ele denominou de trinômio: 1 – Distribuição espacial equilibrada da
infraestrutura; 2 – Transposição da receita do campo administrativo para o da política de cidadania e
do saneamento operacional dos processos de arrecadação; e 3 – Construção das bases do
desenvolvimento humano, pela formação de quadros qualificados.
Júlio Campos, que participou do governo Pedrossian na Companhia de Desenvolvimento
do Estado de Mato Grosso (Codemat), considerou que a história recente de Mato Grosso se divide em
antes e depois de Pedrossian, pelo legado político e administrativo deixado por ele. Avaliou que
Pedrossian fez um governo revolucionário para a época, marginalizando um pouco os políticos,
porque não teria muita habilidade para negociar com a Assembleia Legislativa. Esta dificuldade de
relacionamento, além da oposição cerrada da Arena I, estaria na raiz de um processo de cassação de
seu mandato, articulado pelo Parlamento84.
Por esta breve apresentação, é possível identificar as principais polêmicas que marcaram o
mandato de Pedrossian num Mato Grosso pré-divisão: uma refere-se à sede da universidade federal a
ser instalada no Estado (Cuiabá x Campo Grande); a outra consiste nos bastidores do processo de
cassação iniciado na Assembleia Legislativa, que teria também grande repercussão sobre a carreira
política de Pedrossian. Primeiro a universidade.
No século XX, foram fundadas a Faculdade Matogrossense de Farmácia e Odontologia em
Campo Grande (1930) e de Direito em Cuiabá (1934). Este quadro não se alterou muito até a década
de 1960. O curso de Direito foi aberto e fechado em várias ocasiões, até que se tornou regular a partir
de 1954, com grande mobilização estudantil, objeto da dissertação de mestrado de Machado (2006).
Havia também duas faculdades instituídas por lei em Cuiabá, mas sem efetivação (Filosofia, Ciências
e Letras e Ciências Econômicas), como lembrado por Fortes (2000). Já no governo Pedrossian, os
cursos de Campo Grande foram reorganizados no Instituto de Ciências Biológicas (1966). Foram
fundados, em Corumbá, o Instituto Superior de Pedagogia (1967) e o Instituto de Ciências Humanas e
Letras, no município de Três Lagoas (1967), como identificou Dorileo (2005).
Diante destas unidades separadas, surgiu a polêmica acerca da sede da Universidade
Federal de Mato Grosso. Fortes (2000) mencionou sua tranquilidade neste período, pois sabia que a
legislação federal dispunha que apenas as capitais de Estado poderiam sediar universidades federais.
Contudo, Zaviasky (2001), ao resenhar o livro de Osvaldo Fortes em que são narrados estes
acontecimentos, afirmou que, se os militares quisessem instalar a universidade federal em Campo
Grande, uma lei não seria obstáculo. Para Machado (2006), a rivalidade entre as duas maiores cidades
do Estado (Cuiabá e Campo Grande) atrasou a implantação da universidade federal, colocando-o

83
Entrevista com Osvaldo Fortes. Cuiabá, 07/07/2006.
84
Para fins didáticos, a ex-UDN será chamada doravante de Arena I e o ex-PSD de Arena II, conforme distribuição das
sublegendas no interior da Arena.

74
entre os quatro únicos Estados que ainda não possuíam universidade, em 1964 (ao lado de Acre, Piauí
e Sergipe). O movimento estudantil mobilizou-se de novo, para que a universidade federal ficasse
sediada em Cuiabá, que era capital do Estado.
Pressionado pelas manifestações estudantis e pelo divisionismo, também expresso nessa
disputa, Pedrossian fez a opção de criar duas universidades, uma em cada cidade. Como a Faculdade
de Direito já fora federalizada pela Lei n° 3.877, de 30/01/1961, Pedrossian, que vinha de audiências
com o então Ministro da Educação Jarbas Passarinho, em Brasília, pediu ao seu Secretário de
Educação, Gabriel Novis Neves, que articulasse a federalização, como ele mesmo destacou em
Pedrossian (2006). Cabe registrar que já tramitava no MEC um projeto de criação da universidade
federal, de autoria do sociólogo Jecelino José Reiners (diretor do Instituto de Ciências e Letras),
como lembrado por Machado (2006).
Segundo Fortes (2000), em 1968 Pedrossian aprovou o projeto de construção do campus
universitário na região do Coxipó, em Cuiabá. Este seria instalado numa área de cerca de 30 hectares
e deveria contar com instalações mínimas (sistema viário, iluminação, prédios com fiação elétrica e
projeto hidráulico, restaurante e parque aquático), com o objetivo maior de doar para a União e criar a
universidade federal. Em abril de 1970 foi enviado o Projeto de Lei para o Congresso Nacional, por
fim, a Lei federal n° 5.647 foi sancionada em 10/12/1970. De acordo com Dorileo (2005), a
Universidade Estadual de Mato Grosso (UEMT), sediada em Campo Grande, foi federalizada após a
emancipação de Mato Grosso do Sul em 1979.
Na luta pela instalação da universidade federal em Mato Grosso e sobre a sua sede (Cuiabá
ou Campo Grande), a Arena I esteve presente por meio do deputado federal José Garcia Neto, mais
votado na eleição de 1966 (em particular na região norte85). Quando soube que Campo Grande estava
postulando a sede da universidade, entrou com projeto para garantir sua permanência em Cuiabá.
Sobre esse assunto, ele se recordou que:

Eu fui partícipe desta luta pela universidade. Tenho documentos sobre isto. [...] Estou
em casa, eu recebia jornais daqui e de Campo Grande, e leio que estava se organizando
uma caravana de estudantes, profissionais e comerciantes de Campo Grande para
virem a Brasília pleitear a criação da universidade federal de Mato Grosso, em Campo
Grande. [...] Então eu fui à Câmara. Tinha uns projetos lá de criação de universidade. E
fiz um projeto no mesmo dia, criando a universidade federal de Mato Grosso com sede
em Cuiabá. [...] No dia seguinte, pode ser, no discurso que eu fiz, como
inconstitucional, mas pelo menos eu registrei a intenção. E aí começou a campanha.
(06/07/2006, entrevista).

85
Na eleição para deputado federal em 1966, Garcia Neto obteve 81,63% de seus votos na região norte e apenas 18,36%
no sul. Foi o mais votado em quase todas as Zonas Eleitorais do norte (Cuiabá, Santo Antônio do Leverger, Poxoréu,
Diamantino, Barra do Garças, Alto Garças e Barra do Bugres) e ficou em segundo lugar em algumas (Rosário Oeste,
Poconé, Guiratinga, Alto Araguaia, Rondonópolis e Dom Aquino). Isso lhe caracterizava como um deputado
“nortista”, do ponto de vista da representação. Ajuda a explicar também seu comportamento em relação à sede da
UFMT e, depois, na polêmica sobre a divisão do Estado. Para mais detalhes, leia Tribunal Regional Eleitoral – MT.
Relatório Eleição 1966. Cuiabá: TRE-MT, 1966.

75
De fato, há um pronunciamento do então deputado federal José Garcia Neto na Câmara dos
Deputados em que ele entra com projeto de lei para criação da Universidade Federal de Mato Grosso,
com sede em Cuiabá (capital). Garcia Neto salientou na ocasião que:

Não sei, Sr. Presidente, se esse projeto de lei merecera o timbre de


inconstitucionalidade. Mas, tenho a impressão, apesar de não ser jurista, de que esta é
apenas uma lei autorizativa. Estamos autorizando o Poder Executivo a cumprir o que o
presidente Costa e Silva prometeu quando candidato, ao passar em Cuiabá: a criação de
uma Universidade. Estamos facilitando esse trabalho, a fim de que S. Exa transforme
logo suas palavras em ação86.

Garcia Neto acompanhou de perto a tramitação deste Projeto de Lei e fez vários outros
pronunciamentos no plenário da Câmara dos Deputados. Neles, sempre ressaltava a importância dessa
instituição para o Estado e seus vizinhos e a própria rearticulação da Amazônia à economia brasileira, ora
sob proposição. Num deles, leu em plenário uma indicação feita pela Assembleia Legislativa de Mato
Grosso, sobre a necessidade de implantação da universidade federal no Estado, com sede em Cuiabá87. Fez
também algumas reclamações ao Ministério da Educação e à Presidência da República, no sentido da
aprovação mais acelerada do projeto88. Apesar dessa participação do deputado federal Garcia Neto, a
Universidade Federal foi considerada um reduto dos antigos “pessedistas” ou, de modo mais específico,
do pedrismo.
O acontecimento teria se dado, como recordou o professor Alfredo da Mota Menezes, pelo fato
da instituição ter sido instalada durante o mandato de Pedrossian e ter tido como primeiro reitor o
Secretário de Educação do Estado (Gabriel Novis Neves). Além disso, outros quadros do ex-PSD tiveram
participação relevante, como Benedito Pedro Dorileo, Vice-Reitor durante todo o período de Novis Neves
(1970-1982); Oscar Ribeiro, técnico da universidade e diretor do seu Departamento Administrativo;
Osvaldo Fortes, professor titular e integrante do Conselho Diretor; Bento Lobo, integrante do Conselho
Diretor; e João Celestino Corrêa Cardoso Neto, o “João Balão”. Para Alfredo da Mota Menezes, após o
final do governo Pedrossian e com a posse de José Fragelli, muitos militantes que vinham do ex-PSD e
tinham cargos no Estado foram exonerados e transferiram-se para a UFMT. A instituição teria se tornado,
neste período, um “reduto pessedista” e, por ironia, foco de oposição a Garcia Neto (seu grande defensor
no Congresso Nacional), o que ficaria claro na sua campanha para o Senado, em 1978.
Durante o governo Pedrossian (1966-1971), a Arena I foi para a oposição. No entanto, com a
edição do Ato Institucional Nº 2, foram extintos os partidos políticos vigentes e instituídos apenas dois
(Arena e MDB). A ex-UDN de Mato Grosso seguiu a tendência nacional, transferindo-se, de forma

86
Pronunciamento do deputado federal José Garcia Neto na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso
Nacional, 27/05/1967, p. 2.262.
87
Pronunciamento do deputado federal José Garcia Neto na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso
Nacional, 21/06/1967, p. 3550.
88
Pronunciamentos do deputado federal José Garcia Neto na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso
Nacional, 12/08/1967.

76
majoritária, para a Arena. Mas as identidades partidárias foram mantidas durante todo o período do
bipartidarismo, internalizando a antiga disputa PSD x UDN. Os quadros do PTB migraram, na sua
maioria, para o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que se formou na oposição ao regime civil-
militar. Em nível nacional, a maior parte dos formadores do MDB veio do PTB (cerca de 90%) e em Mato
Grosso a tendência se manteve.
Contudo, o MDB contou também com algumas adesões da ex-UDN, como os deputados
federais Wilson Barbosa Martins e Edson de Brito Garcia. O senador Vicente Bezerra Neto e o
deputado federal Miguel Marcondes, que assumira a vaga de Wilson Fadul quando este ocupou o
Ministério da Saúde no mandato de João Goulart (1963-1964) e depois de sua cassação, eram filiados
ao PTB, transferindo-se para o MDB. Na bancada estadual, sete deputados passaram a compor o
MDB.
O MDB teve, portanto, muita dificuldade de se estruturar em Mato Grosso, por sua pouca
expressão político-eleitoral e pelas cassações que atingiram os seus principais líderes. Mesmo na
porção sul do Estado, era muito difícil formar um partido de oposição pela atuação da Associação
Democrática Matogrossense (Ademat) na perseguição aos dissidentes do golpe de 1964. A comissão
provisória foi composta pelo deputado Wilson Barbosa Martins, seu irmão Plínio, Lenilton Nasser,
Plínio Rocha e mais cinco militantes89.
Neves (2001a) qualificou os engajamentos na Arena na transição de regimes como
orientados pela matriz da racionalidade e não da ideologia. Para a autora, “[...] os interesses
aglutinadores tinham o objetivo da manutenção do poder na órbita dos antigos grupos dirigentes,
agora compatibilizados com o projeto 'revolucionário'. ” (NEVES, 2001a, p. 297). A Arena I teria
comandado a Arena de Mato Grosso na representação estadual, secundada de perto pela Arena II. Dos
30 deputados da legislatura 1967-1971, 23 foram para a Arena e apenas 7 para o MDB. Dos 23 da
Arena, 13 eram da Arena I (ex-UDN) e apenas 8 da Arena II (Ex-PSD). Na bancada federal, houve
uma divisão mais pronunciada. Dos quatro deputados federais da UDN, eleitos em 1962 (Rachid
Saldanha Derzi, Ítrio Corrêa da Costa, Wilson Barbosa Martins e Edson de Brito Garcia Neto), dois
foram para a Arena (Rachid e Ítrio) e dois para o MDB (Wilson e Edson). Do ex-PSD, todos foram
para a Arena (João Ponce de Arruda, Philadelpho Garcia Neto e Rachid Mamed).
As explicações para semelhante comportamento podem estar nas singularidades dos
partidos em Mato Grosso. O ex-PSD teria migrado em massa para Arena, por força de seu líder maior
(senador Filinto Müller), que se decidiu por esse partido. O fato de estar exercendo o Poder Executivo
estadual com Pedro Pedrossian pode ter influenciado também, dadas às restrições que este possuía
diante de alguns setores das Forças Armadas.
O caso da UDN é mais curioso. Como já foi dito, este partido acabou “substituindo” o PTB
em boa parte das regiões do Estado (inclusive em Cuiabá), em especial até o final da década de 1950.
O fato de se posicionar como oposição ao PSD e o caráter conservador e aliancista dado ao PTB pela

89
Tebet, Ramez. A História do PMDB no Mato Grosso do Sul. Revista da Fundação Ulisses Guimarães. Disponível em.
http://www.fugpmdg.org.br/rev20_rtebet.htm. Acessado em 17/05/2007.

77
liderança do ex-interventor Júlio Müller afastaram este partido de suas bases sindicais. Vale registrar
também o fato de que os trabalhadores com maior tradição sindical e capacidade de organização
política mais expressiva se concentravam na região sul, em municípios como Corumbá, Dourados,
Três Lagoas e Campo Grande.
Outro fator importante, apontado por Neves (2001a), é que a herança de ex-UDN e ex-PSD
se tornou mais presente pela pouca renovação dos quadros políticos durante a vigência do
bipartidarismo. Segundo a autora, apenas três nomes sem filiação anterior são eleitos para a
Assembleia Legislativa. Este comportamento conformaria a oligarquização e o engessamento das
relações políticas ao redor de Arena I e Arena II no interior da Arena, bem como sua teia de
compromissos com as bases municipais. Na formação da Arena, surgiu a disputa pelo controle do
novo partido por parte dos correligionários de Arena I e Arena II. Como a Arena I estava mais
fortalecida por sua bancada estadual e a proximidade com os militares, partiu para uma ofensiva
contra o governo Pedrossian. Nos dois principais episódios que marcaram este mandato
(universidade e cassação), a Arena I teve participação destacada.
Oscar Ribeiro destacou a importância da liderança de Filinto Müller na migração do ex-
PSD para a Arena e as dificuldades de convivência com a ex-UDN:

Aqui em Mato Grosso, graças à orientação do senador Filinto Müller, nós nos
engajamos na [...] Arena, junto com grande parte dos próceres da União Democrática
Nacional. Para o MDB, migraram os políticos pertencentes ao Partido Trabalhista
Brasileiro. Convivemos dentro da Arena, o ex-PSD e a ex-UDN, com grande sacrifício.
Basta dizer que esta convivência só foi possível graças à criação das sublegendas.
Então, havia a sublegenda 1 e 2, que abrigava em cada uma delas os próceres tanto do
PSD como da UDN. [...] Quando o senador Filinto Müller veio a Mato Grosso trazer a
notícia de que ele ficaria na Arena, nós tínhamos quase que convicção na época de que
ele iria para o MDB. Como os nossos companheiros de Goiás foram. [...] Qual não foi a
nossa surpresa, quando ele aqui chegou e disse que ele havia feito um acerto com o
governo da revolução e que ele, por questão de equilíbrio no Congresso Nacional,
ficaria na Arena. [...] Então, nós acompanhamos o senador Filinto Müller. (30/10/2006,
entrevista).

A “surpresa” na ida do senador Filinto Müller para a Arena (que levou quase todo o ex-PSD
de Mato Grosso junto) pode ter várias razões. A primeira é que, em nível nacional, os pessedistas se
dividiram quase pela metade entre Arena e MDB, ao passo que a ex-UDN migrou, na sua quase
totalidade, para o partido criado para sustentar o regime civil-militar que se instalara. Uma segunda
razão é que Filinto Müller exercera papel de destaque no Estado Novo e fora líder dos presidentes
Juscelino Kubitschek (1956-1961) e João Goulart (1961-1964) no Senado. Para alguns setores mais
antigetulistas das Forças Armadas, estes presidentes e todos aqueles que lhes eram próximos foram
considerados verdadeiros anátemas políticos, como identificou Martins (1981).
Pedrossian, embora tentasse se libertar da liderança de Filinto Müller e quisesse fundar um
grupo próprio, acabou seguindo a orientação do senador, quando de sua filiação à Arena. Bittar (1997)
apontou que o mudancismo de Pedrossian consistia apenas na redução do atraso de Mato Grosso em

78
comparação com os demais Estados e numa adaptação às novas exigências funcionais do capital.
Quando ele percebeu que quem mandava era o “partido fardado”, associou-se aos militares para obter
êxito em sua gestão. Aquilo que Filinto Müller previra acontecer na eleição de 1960, caso o PSD
apoiasse o deputado federal Wilson Fadul do PTB, acabou acontecendo com Pedrossian. Por seu
comportamento político, ele dividiu o PSD em duas grandes alas e levou parte dos seus quadros a
fazer-lhe oposição. Como Filinto Müller dissera em carta a seu sobrinho Gastão Müller, era
preferível perder inteiro do que ganhar dividido.
Em relação à tentativa de cassação de Pedrossian, cabe fazer uma descrição sucinta dos
fatos antes de prosseguir. Com o advento do golpe militar em 1964, começou uma verdadeira
perseguição aos servidores públicos que tiveram militância política no governo João Goulart (1961-
1964). Como Pedrossian fora superintendente da NOB nesse período e as ferrovias federais eram,
como ele mesmo aponta em Pedrossian (2006), palco de greves e manifestações dos ferroviários, foi
instalado um inquérito administrativo secreto para apurar as ações de Pedrossian. Este inquérito
resultou na condenação do governador, imputando-lhe a pena de demissão “a bem do serviço
público” (expressão muito repetida por seus adversários), por meio de um Decreto Presidencial de
28/02/1967, como registrou Mendonça (1974). Este ato detonou uma crise institucional em Mato
Grosso, com envolvimento dos três poderes do Estado e vários ingredientes explosivos.
Vale lembrar a posição da Arena I, que ainda não assimilara a derrota em sua convenção
numa eleição em que tinha três pré-candidatos expressivos e esperava contar com o apoio do regime
militar; adicionada às aproximações de Pedrossian diante dos parlamentares deste partido e os
problemas de articulação gerados com a Arena II, pelo afastamento do senador Filinto Müller das
negociações do Executivo. Além disso, havia também todo o contexto de formação da Arena, com a
transposição da disputa PSD-UDN para o seu interior, por meio das sublegendas.
Pedrossian teve dificuldades para articular a sua base de apoio na Assembleia Legislativa.
Embora tenha sido eleito pelo ex-PSD, passou a procurar deputados da ex-UDN, como Milton
Figueiredo, Oscar Soares, Nelson Ramos de Almeida e Augusto Mário Vieira, que frequentavam a
residência oficial do governador. Estes contatos desagradaram os deputados da Arena II. Oscar
Ribeiro destacou que Pedrossian teria afastado Filinto Müller das conversações diárias e, de repente,
percebeu que não podia contar com apoio de nenhum dos dois lados (ex-PSD e ex-UDN).
O próprio Augusto Mário Vieira afirmou que, ao saber da demissão de Pedro Pedrossian
como engenheiro da NOB, em 28/02/1967, esteve com o governador e ofereceu-lhe um prazo de 120
dias para que pudesse se defender no Judiciário. Após o término do tempo e diante da recusa de
Pedrossian em apresentar defesa, Augusto Mário, líder da Arena na Assembleia Legislativa, rompeu
com o governador e desencadeou o processo de cassação subsequente. Um aspecto importante,
destacado por ele, era o apoio do Exército ao impeachment, já que os comandantes das principais
unidades militares, presentes no Estado, pediam a cassação quando Pedrossian foi demitido, sem
prazo para defesa90.

90
Vieira, Maria Augusta. Um homem e suas Memórias: Augusto Mário Vieira: vida e participação política no estado de Mato
Grosso. Monografia apresentada ao curso de Jornalismo da Unirondon. Cuiabá, 2001.

79
Outra dimensão que não deve ser desconsiderada no comportamento do senador Filinto
Müller em defesa de Pedrossian (com quem também estava rompido até então) é a disputa PSD-UDN
em nível nacional. Filinto Müller cumpria seu terceiro mandato como senador e era malvisto por boa
parte das Forças Armadas e da Arena I, em particular pela área mais alinhada com a “Linha Dura”,
apesar de militar. No entanto, a ala moderada, que estava na Presidência com Castelo Branco,
considerava Filinto Müller uma peça essencial para a articulação política no Senado e aproximação
com antigo PSD para a formação da Arena. O convite para que ele se filiasse à Arena, que levou junto
seus partidários, fazia parte desse entendimento. Se ele fosse para o MDB, como chegou a ser
cogitado, fatalmente exerceria a liderança por sua experiência e peso políticos.
Os fatos sugerem, portanto, que Filinto Müller pode ter considerado a condenação de
Pedrossian na NOB (subordinada ao Ministro Juarez Távora, candidato a presidente pela UDN, em
1955) e a tentativa de cassação que se seguiu como formas de atingi-lo na sequência. Quer dizer, para
além dos ingredientes próprios da política mato-grossense, se a Arena I conseguisse cassar um
governador endossado por Filinto Müller na eleição de 1965, era muito provável que eles se
fortalecessem para pedir a perda de mandato do próprio senador. Ao perceber isso, Filinto Müller veio
a Cuiabá e deve ter utilizado todas as conexões políticas e militares de que detinha para abortar tal
movimento. Em relação aos militares, é bem provável que ele tenha exposto os setores superiores do
Exército, que estavam ao seu lado, e pedido que eles se afastassem do processo, aguardando a decisão
política, qualquer que fosse, e desmilitarizando a questão.
A situação descrita ajuda a compreender também a mudança no relacionamento entre
Filinto Müller e Pedrossian após a tentativa de impeachment, bem como a posterior anulação do
decreto presidencial da demissão de Pedrossian na NOB, já no governo Costa e Silva (1967-1969). É
provável que, após esse episódio, Filinto Müller tenha encontrado uma forma de “tutelar” Pedrossian
e articulado seus contatos para obter a anulação do decreto. O próprio comportamento de Pedrossian
na sua sucessão, coordenada por Filinto Müller, pode ser visto como mais um indício neste sentido.
Não se pode desconsiderar também a possibilidade de que Filinto soube do inquérito na NOB com
antecedência e deixou que continuasse, de modo a ter um trunfo na manga para “segurar” Pedrossian.
O senador pelo estado do Rio Grande do Sul, Krieger (1977), relatou, em suas memórias,
um diálogo com Filinto Müller no período. Daniel Krieger era líder do Executivo no Senado e Filinto
Müller procurou-lhe, em 29/02/1967 (no dia seguinte, portanto, da publicação do decreto de
demissão de Pedrossian da NOB), para explicar o caso do governador e pedir para que ele não fosse
cassado. Filinto ter-lhe-ia dito que renunciaria às suas funções na Arena, pelo desprestígio causado
pela cassação de um seu “afilhado” político. Krieger conseguiu suspender a cassação, com o então
presidente Castelo Branco, mas alertou Filinto Müller e Fernando Corrêa da Costa (também senador)
que eles teriam que se unir para barrar Pedrossian.
Para Mendonça (1974), o único deputado estadual de posição oposicionista, antes deste
acontecimento, era Júlio Abott de Castro Pinto (MDB), egresso da Arena I, da região de Três Lagoas.
Todos os outros seriam “palacianos” até as vésperas. Em 04/04/1967, a Arena I divulgou uma nota de
rompimento com o governador e acelerou a crise. Diante do arquivamento do processo criminal
contra Pedrossian, pelo Tribunal de Justiça do Estado, sob influência do Procurador Geral do Estado

80
(Benjamin Duarte Monteiro), os advogados Júlio de Castro Pinto, Demósthenes Martins e João
Villasbôas subscreveram representação para o Procurador Geral da República, Haroldo Valadão.
Desse momento em diante vários deputados começaram a romper com o governador,
gerando uma reação em cadeia. Em 17/08/1967, dezessete parlamentares assinaram um projeto de
resolução pedindo o impeachment, sob alegação de que Pedrossian não poderia continuar como
governador, pois sua demissão na NOB ter-lhe-ia tornado inelegível. O projeto apontava problemas
também na execução financeira do Executivo estadual, no primeiro exercício da gestão de Pedrossian
(1966). Havia um valor elevado na conta “despesas a regularizar”, porque foram executadas sem
previsão ou sem saldo orçamentário.
Uma comissão de deputados chegou a visitar Pedrossian na residência oficial para sugerir
que ele se licenciasse do cargo enquanto corressem as investigações sobre o caso. Eles silenciariam
sobre sua passagem pelo governo e esperariam a decisão judicial. Pedrossian teria pedido 48 horas
para consultar a bancada federal do Estado e, depois, apenas 24 horas para consultar o Presidente da
República sobre seu caso. Ele acabou não aceitando a proposta e enviou um Manifesto ao Povo Mato-
grossense, lido pelo deputado José Ferreira de Freitas no plenário da Assembleia Legislativa91.
Seguiram-se dois dias de intensos debates e manobras jurídicas protagonizadas pelo
deputado José Ferreira de Freitas (líder do Executivo) e Júlio Abott de Castro Pinto. Os defensores de
Pedrossian argumentavam contra a forma apressada de tramitação da matéria, o caráter sigiloso e
arbitrário do inquérito que condenou o governador (no qual ele não teve direito de defesa), e citavam
até o arrependimento de Juarez Távora, Ministro da Viação e Obras Públicas, a quem a NOB estava
subordinada.
Diante da situação desfavorável em que visualizava um resultado de 17 a 7 em favor do
parecer do relator (deputado Nelson Ramos de Almeida), que recomendava a aprovação do projeto de
resolução que cassava o mandato de Pedrossian, José Ferreira de Freitas pediu vistas ao processo e o
presidente Emanuel Pinheiro concedeu. O próprio Freitas afirmou que não sabe como conseguiu
manter a calma naquele momento, diante da tensão presente e destacou que a oposição se distraiu,
porque o plenário é superior ao presidente e eles poderiam anular a concessão de vista, amparados na
maioria que detinham.
Ainda durante a sessão, Freitas enviou uma mensagem por escrito para o então chefe da
Casa Civil (João Arinos) alegando a inconstitucionalidade daquela votação, já que a Constituição
Federal de 1946 exigia quorum de 2/3 para que a Câmara dos Deputados aceitasse a denúncia contra o
Presidente da República por crime de responsabilidade e autorizasse o Senado a julgá-lo. Como a
Assembleia Legislativa é unicameral, este quorum deveria ser observado, por analogia, na votação
do impeachment. Freitas entendeu, então, que seria necessário um mandado de segurança preventivo

91
Pedrossian (2006) salientou que sua esposa, Maria Aparecida, teve papel importante neste período. Além do apoio emocional
conferido a ele, ela entrou no gabinete do governador durante a reunião com a comissão de deputados estaduais que lhe
sugeria o licenciamento. Interrompeu a conversa para dizer que Pedrossian não confiasse nos deputados, porque não eram
seus amigos.

81
para que, no caso de ocorrer a cassação, Pedrossian pudesse reivindicar seu direito, líquido e certo, a
uma votação com o quorum apropriado92.
No dia seguinte (19/08) a sessão foi retomada e o advogado Renato Pimenta (professor de
Direito da UFMT e filiado ao PTB), em colaboração com o Procurador Geral do Estado, Benjamim
Duarte Monteiro, impetrou mandado de segurança preventivo no Tribunal de Justiça, sob alegação de
que o quorum constitucional necessário para aquela matéria não estaria sendo observado. Com o
tempo gerado por essas controvérsias, a situação ganhou mais cinco deputados que estavam ausentes
na véspera e outros dois que se retiraram do plenário em protesto (Manoel de Oliveira Lima e Walter
de Castro). É importante lembrar que eles tinham assinado o projeto de resolução que pedia o
impedimento do governador. O resultado final da votação apontou 14 votos para cada lado, cabendo
ao presidente dar seu voto de minerva em favor de Pedrossian e encerrar a tramitação do projeto de
resolução conforme destaque feito por Mendonça (1974).
A bancada federal também se pronunciou a respeito, na época das discussões da cassação
de Pedrossian, seguindo a mesma clivagem da estadual. Os deputados Rachid Mamed, Edyl Ferraz e
Weimar Torres, da Arena II fizeram a defesa de Pedrossian em plenário contra o deputado Marcílio de
Oliveira Lima, da Arena I. Marcílio se solidarizou àqueles que buscavam o impeachment e atacou
Pedrossian pelas críticas feitas ao governo anterior (Fernando Corrêa da Costa), sobre a existência de
oligarquias no Estado93. Já os deputados da bancada do MDB, Wilson Barbosa Martins e José
Feliciano de Figueiredo, fizeram discursos contrários à tentativa de cassação do mandato de
Pedrossian, que eles enxergavam como um aprofundamento do regime autoritário em curso.
Eles faziam questão de destacar que não eram aliados do governador Pedrossian, que estava
filiado à Arena, e negavam a existência de qualquer acordo que previsse participação no aparelho do
Estado ou apoio na Assembleia Legislativa. José Feliciano manifestou, inclusive, apoio à anulação do
ato de demissão de Pedrossian na NOB e saudou o presidente Costa e Silva quando isso foi
realizado94. A este respeito, Wilson Barbosa Martins destacou que, ficar contra Pedrossian naquele
episódio era caminhar em direção a uma tentação golpista cada vez maior, por se tratar de um
governador eleito:

92
Entrevista com José Ferreira de Freitas. Cuiabá, 30/01/2007.
93
Pronunciamento do deputado federal Weimar Torres na Câmara dos Deputados, em Brasília. Diário do Congresso Nacional
(Seção I), p.4704, 23/08/1967; Pronunciamento do deputado federal Rachid Mamed na Câmara dos Deputados em Brasília.
Diário do Congresso Nacional (Seção I), p.4705, 23/08/1967; Pronunciamento do deputado federal Edyl Ferraz na Câmara
dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso Nacional (Seção I), p. 4.619, 19/08/1967.
94
A respeito da tentativa de impeachment, José Feliciano afirmou que “Sr. Presidente, estou a cavalheiro para declarar desta tribuna
estas verdades, porque também não sou correliglonario do Sr. Governador do Mato Grosso, não pertenço à corte partidária de
S. Exa., sou membro do MDB, e o Movimento Democrático Brasileiro, apenas, em Mato Grosso, neste instante, deseja
congratular-se com o governador do Estado, porque mais uma vez é respeitado um mandato popular, um mandato que lhe foi
deferido pelo povo mato-grossense, pois êle não foi nomeado pela Assembleia, como muitos outros governadores o foram. E
nesta consideração e em respeito à vontade popular que, como Deputado do Movimento Democrático Brasileiro, aqui estou,
neste instante, para dizer que ao Sr. Presidente da República, agindo assim, como agiu em Mato Grosso, estará de certa forma,
contribuindo para que a democracia se firme em nossa Pátria e o povo creia no Governo democrático que, diz S.- Exª pretende
realizar.” Pronunciamento do deputado federal José Feliciano de Figueiredo na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do
Congresso Nacional (Seção I), p. 5.058, 26/09/1967.

82
[...] nosso Partido em Mato Grosso não fêz um acordo com o governador eleito e agora
alistado nas fileiras da ARENA. Fomos procurados por S. Exª em hora de grave crise,
que S. Ex ª podia oferecer à oposição postos da administração estadual, em troca do
apoio, na Assembleia, de alguns dos nossos poucos deputados. Examinamos, em
Campo Grande, com os companheiros ali reunidos, o pedido que nos fôra feito,
avaliando todas as suas implicações. Posteriormente, nos reunimos em Corumbá para,
juntamente com o presidente da seção estadual do Partido, senador Vicente Bezerra
Neto, tomarmos uma decisão e transmiti-la, a um Governo que não tinha sustentação
na Assembleia, porque tinha havido um rompimento no legislativo estadual entre os
elementos da ex-UDN e os elementos do ex-PSD. O Governo estava, então, apenas
sustentado pelos velhos companheiros do antigo PSD e já sem apoio da ex-UDN. O
nosso Partido já estava diante de uma opção: ou orientava a sua bancada a votar de
acordo com a ex-UDN e caminhava na linha do golpe, ou a orientava para dar
sustentação político ao governador e iria enquadra-se dentro das normas estatutárias95.

Para Júlio Campos, a tentativa de impeachment teve apenas conteúdo político-partidário,


sem nenhuma relação com eventuais pressões para a divisão do Estado. Considerou que Pedrossian
fez uma gestão muito cuiabanizada e obteve boa aprovação na região norte. A Arena I teve medo do
seu crescimento político e articulou a demissão na NOB, com base em denúncias de corrupção. Para
Júlio Campos, o fato do então vice-governador ser de origem udenista (Lenine Póvoas) pode ter
contribuído para este movimento, já que ele assumiria, caso Pedrossian fosse cassado.
Este é o mesmo ponto de vista de Gabriel Novis Neves, considerando que a eleição de
Pedrossian despertou um sentimento de esperança muito grande na população do Estado. Caso ele
continuasse, poderia ser difícil a reorganização política da Arena I e haveria um desequilíbrio grande.
Ele disse que teria visto o então ministro dos Transportes (a quem a NOB é vinculada) afirmar que foi
um ato político puro, porque, se deixassem Pedrossian solto, ele poderia dominar a política de Mato
Grosso por muito tempo.
Lenine Póvoas fora eleito duas vezes deputado estadual pela UDN e nomeado para
Ministro (hoje Conselheiro) do Tribunal de Contas do Estado, pelo governador Fernando Corrêa da
Costa, também da UDN. Essa condição de ex-udenista fez surgirem muitos comentários sobre uma
possível participação na tentativa de cassação de Pedrossian, já que, se concretizado o pedido, Lenine
era o substituto constitucional do governador, como destacou Gilson de Barros. João Villasbôas
chamou Lenine para conversar, no Rio de Janeiro, sobre a situação do Estado, dizer que Pedrossian
seria cassado e Lenine deveria se preparar para assumir a sua posição. Este teria respondido que não
aceitaria tomar posse nestas condições, porque fora eleito com Pedrossian e deveria segui-lo.
Ressaltou que estavam brigados desde o primeiro semestre do mandato, mas isso não deveria
interferir em sua decisão. O próprio Lenine Póvoas, em Neves (2001b), afirmou sobre Pedrossian:

95
Pronunciamento do deputado federal Wilson Barbosa Martins na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso
Nacional (Seção I), p. 4.801, 25/08/1967.

83
Eu levei o PTB a apoiá-lo. Foi o maior erro político que cometi em toda vida e
arrependo-me até hoje. Preferia ser o candidato do PTB, mesmo naquela época e
mesmo para perder porque, ás vezes, perdendo a gente ganha mais do que vencendo.

José Ferreira de Freitas destacou que Lenine Póvoas estava em Uberaba, interior de Minas
Gerais, na data da votação do pedido de impeachment, o que obrigaria Emanuel Pinheiro a assumir o
mandato de governador até o retorno do Vice (primeiro na linha sucessória). As razões que podem ter
levado Lenine a se comportar deste modo são as mais variadas, mas é bom considerar o receio da falta de
apoio político que seu eventual governo teria. Lenine assumiria o mandato após uma situação traumática
de cassação do titular (com quem já estava rompido desde o começo da gestão) e sem filiação partidária
que lhe favorecesse. Os ex-pessedistas não lhe viam muito bem por ser um ex-udenista, por sua vez, o
consideravam um traidor por ter saído do partido para aceitar a vaga de vice na chapa de Pedrossian.
Sobrava apenas o PTB, já então transformado em MDB, minoritário na Assembleia e
combatido em âmbito nacional pelos entusiastas do golpe militar, com diversas cassações. É bem
provável, portanto, que Lenine também sofresse processo de impeachment, sob alegação de
envolvimento, ou que a Arena I pressionasse o Presidente da República para nomear um outro
governador em seu lugar, em virtude de sua filiação prévia ao PTB.
Carlos Bezerra destacou a equidistância de Lenine Póvoas naquele momento. Ele teria
neutralizado a sua posição diante da possibilidade de cassação, destacando ainda o seu próprio papel
de líder estudantil na mobilização dos estudantes e da população de Cuiabá para impedir a cassação
de Pedrossian. Ele salientou que:

Naquela tentativa do impeachment eu era líder estudantil em Cuiabá. Eles iam derrubar
o Pedro de manhã e ninguém sabia. Os deputados estavam amotinados lá no quartel do
16 BC aqui. [...]. Quando fui informado disto, eu era líder estudantil, eu liderei um
movimento aqui em Cuiabá e pegamos mimeógrafos, muitos mimeógrafos. Fomos pra
casa de uma companheira nossa aqui, que militava comigo na política estudantil
também, fizemos um manifesto ao povo cuiabano. Quando foi de manhã cada
habitante de Cuiabá, cada casa tinha recebido um manifesto. [...] Eu sei que quando foi
de manhã, tava toda a cidade em frente à Assembleia, ali na Getúlio Vargas. [...] Houve
deputados que apanharam do povo. [...] Era um complô. (...) E tinha alguns do PSD
também, mal satisfeitos, que ajudavam. Porque o Pedro Pedrossian fez uma prática
política diferenciada, bem diferenciada da política de fisiologismo que o pessoal estava
habituado aqui. [...] Nós tínhamos uma simpatia e apoiávamos, porque era uma
mudança que o Estado precisava. [...] Se não fosse esse movimento que nós fizemos
aqui, estava deposto. (17/10/2006, entrevista).

O próprio Pedrossian classificou a tentativa de cassação como um “exemplo de


impertinência”. O decreto com sua demissão foi editado no dia 28/02/1967, nas últimas semanas de
mandato do presidente Castelo Branco e do ministro Juarez Távora. Com base neste ato, o ex-senador
João Villasbôas elaborou petição ao STF solicitando a nulidade do mandato de Pedrossian. O
deputado estadual do MDB Júlio de Castro Pinto formalizou pedido de cassação do mandato do

84
governador na Assembleia Legislativa. Quem “salvou” o mandato de Pedrossian, segundo ele
mesmo em Pedrossian (2006), foi a população de Cuiabá, que cercou o prédio da Assembleia
Legislativa e ameaçou até invasão e a integridade física de deputados. Pedrossian salientou ainda o
papel de Gilson de Barros, então líder estudantil, no comando das manifestações.
Salomão do Amaral destacou que, no dia da votação do pedido de cassação, na Assembleia
Legislativa, o senador Filinto Müller veio a Cuiabá. Salomão era assessor jurídico do Ministro dos
Transportes, Mário Andreazza, no Rio de Janeiro. Andreazza estava sabendo da situação e teria lhe
perguntado qual era sua opinião sobre Pedrossian. Salomão lhe disse que não gostava do governador
e que, caso o senador Filinto Müller não chegasse em tempo a Cuiabá, a Assembleia votaria a sua
cassação. Salomão afirmou isso porque soube que houve uma reunião, na véspera da votação, na casa
do deputado Augusto Mário Vieira, da Arena I de Cuiabá. Ele era o líder da oposição a Pedrossian,
Na simulação que eles fizeram, Pedrossian seria cassado por uma diferença de quatro
votos. Ele teria, então, cooptado alguns parlamentares da oposição, o que garantiu o empate na hora
da votação em plenário. O voto de desempate coube ao então presidente da Assembleia, deputado
Emanuel Pinheiro. Conforme a orientação de Filinto Müller, Pinheiro votou contra a cassação.
Pinheiro já estaria com o discurso de posse pronto, porque se houvesse empate na votação, e ele daria
o voto de minerva pela cassação, assumindo o governo estadual. Sobre a sua conversa com Filinto
Müller, neste período, Salomão se recordou que:

Então o Filinto veio e convenceu o Pinheiro a dar o voto de minerva. Mas nesta
oportunidade [...] eu disse a ele: senador, o pessoal está estranhando a posição do
senhor. As informações que a gente tem lá do Estado é que ele está massacrando os
nossos companheiros. Aqueles que o elegeram [...] Estão todos contra nós e estes que
não permanecerem fiéis [...] ele caça. Expressão do Filinto: falou “não Salomão, ele
não está massacrando, ele está triturando os nossos amigos”. Aí pôs a mão no meu
ombro e disse: “mas nós temos que mantê-lo lá até o último dia do mandato dele,
Salomão. Porque nós o pusemos lá”. (24/10/2006, entrevista)

Oscar Ribeiro também se recordou que Filinto Müller veio a Cuiabá para articular, em
pessoa, a defesa de Pedrossian, junto com o então presidente da Assembleia, deputado Emanuel
Pinheiro, e o líder do Executivo, deputado José Ferreira de Freitas. Depois desse episódio, as relações
de Pedrossian com a Arena II e a Assembleia teriam se normalizado.
Agripino Bonilha tinha um tio Coronel do Exército (então já na reserva), muito bem
relacionado com a Arena I. Este tio relatou a Bonilha que presenciou uma reunião com deputados da
Arena II conspirando pela derrubada de Pedrossian, que teria dito que o tio de Bonilha queria intrigá-
lo com os seus deputados e não deu importância para essa informação.
Bonilha foi para o Rio de Janeiro, na época, para fazer uma cirurgia. O jornalista Carlos
Chagas era seu amigo e ele levou um material sobre a questão do mate, em que estava envolvido, para
que Chagas publicasse em sua coluna no jornal O Globo. Bonilha lhe confidenciou a situação política
do Estado e Chagas publicou sem lhe consultar. Houve um agravamento das tensões em função disso,
mas quando Bonilha retornou a Cuiabá, Pedrossian lhe disse que ele abortara a crise com a sua
denúncia. Por conta da divulgação pela imprensa, os deputados da Arena II, que estariam

85
conspirando para cassar o governador, voltaram atrás e manifestaram-lhe apoio. Sobre o que estava
em jogo na cassação, Bonilha complementou que:

A grande reação da classe política [...] foi a metodologia de escolha de Secretários. E


depois, a metodologia de escolha de auxiliares. Cada um tinha uma quota para preencher
e Pedrossian não obedeceu estes critérios. [...] Eu mesmo ocupava uma Secretaria que
um deputado estadual já tinha acertado com o partido [...] Segundo lugar, o governador
encontrou algum dinheiro em caixa e, além disso, muito dinheiro já consignado para
obras públicas, advinda do Governo Federal. E também, estabeleceu um critério técnico,
fez concorrência técnica, sem, sem interferência dos políticos e dos deputados eleitos.
Isto foi um somatório de insatisfação. Terceiro, havia a vontade de dividir, mas ainda não
era explícito do Palácio do Planalto. [...] Podia ser de conhecimento de um, de outro, tal,
mas ainda era muito fechado. E o governador Pedrossian, ele acabou se vinculando [...]
uma pessoa muito ligada ao Costa e Silva, que praticamente o sustentou aqui dentro e,
além de sustenta-lo, cassou aqueles que queriam cassá-lo. (24/08/2006, entrevista).

O deputado que protocolou o pedido (Júlio de Castro Pinto) já estava no MDB, mas era da
UDN. E o deputado Augusto Mário Vieira, que assumiu a liderança do movimento na Assembleia
Legislativa, também era da UDN. Augusto Mário não considerou a tentativa de cassação como um
eco do partidarismo anterior, mas como um movimento “revolucionário”, no sentido que os
defensores mais exaltados do golpe militar atribuíam de combate à corrupção que estaria corroendo
as instituições. Augusto Mário disse ainda que o presidente Castelo Branco deveria ter cassado o
mandato de Pedrossian como governador, pelas denúncias de corrupção do período em que ele foi
Superintendente da NOB. No entanto, ele preferiu demitir Pedrossian da NOB, e não cassá-lo.
O presidente saberia, segundo Augusto Mário, que a demissão teria impactos na
Assembleia Legislativa, porque implicaria na incapacidade de Pedrossian continuar como
governador. Ele lembrou que quando Castelo Branco esteve em Cuiabá (12/06/1966) ele pediu que o
governador fosse apoiado, mas também fiscalizado. Ele informou que, assim que foi editado o
decreto de demissão, a ala militar pediu também o impeachment.
Depois, Pedrossian alinhou-se com os deputados e a convivência política se tornou
perfeita. Augusto Mário recordou-se ainda que foi o primeiro a saber da anulação do decreto de
demissão, da parte do próprio presidente Costa e Silva, com quem mantinha boas relações. Nem
Fernando Corrêa da Costa ou Filinto Müller souberam antes dele. Filinto até levou um susto quando
foi informado. Para Fragelli, Pedrossian cooptou os deputados que pretendiam votar contra ele.
Considerou a cassação posterior de Augusto Mário Vieira uma injustiça, porque era uma pessoa
agradável e preparada. Fragelli pontuou ainda que Pedrossian traiu Filinto Müller e que este nutria
raiva por conta disso. Apesar, Pedrossian combatia-lhe e o ofendia em reuniões, na sua ausência.
Fragelli salientou que não foi favorável à cassação de Pedrossian, porque não considerava a
melhor medida. Pediu ao Diretório Municipal da Arena, em Aquidauana, que desse um voto contra a
cassação, e conseguiu. Avaliou que Filinto Müller agiu bem ao “salvar” o mandato de Pedrossian.

86
Disse ao então presidente João Figueiredo, quando ele queria nomear Pedrossian governador de
Mato Grosso do Sul (1980), que o presidente Médici dissera na frente deles em Cuiabá: “[...] prometi
a mim mesmo não cassar nenhum governador, senão eu tinha cassado esse Pedrossian”96. Sobre a
tentativa de impeachment, Aecim Tocantins destacou:

Porque o Pedrossian, à época, foi um ingrato com Filinto Müller. [...] Pedrossian era do
PSD, Filinto do PSD. Então, o Filinto conseguiu salvar, porque havia uma
irregularidade na prestação de contas na passagem de Pedrossian na... Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil. Havia uma irregularidade. E esta que serviu de base para o Serviço
Nacional de Informações (SNI). Mas o que provocou isso tudo foi o desprestígio, a
desconsideração, que ele, a maneira .... muito pessoal, muito ditatorial, vamos assim
dizer, com que ele dirigiu o Estado. Ele acabou com as finanças do Estado.
(14/07/2006, entrevista).

Onofre Ribeiro enxergou conteúdo divisionista na tentativa de cassação do mandato de


Pedrossian. Para ele, o processo de impeachment foi mais um exemplo da sabedoria política cuiabana,
porque eles queriam enfraquecer Pedrossian para evitar o divisionismo e impedi-lo de indicar um
sucessor com o mesmo perfil (sulista típico). Fragelli, que veio depois, se identificou muito mais com o
norte do que com o sul. Como as lideranças do sul eram muito divididas, Fragelli nunca se integrou97.

96
O deputado Augusto Mário Vieira teve seu mandato cassado e direitos políticos suspensos por decisão do Conselho de
Segurança Nacional, na sequência da edição do AI-5. O ato foi publicado no Diário Oficial da União de 14/03/1969, página
2.212. Sofreram as mesmas sanções por intermédio do referido ato os também deputados estaduais de Mato Grosso Sebastião
Nunes da Cunha, João Chama e Nei Angelo Pereira. Para a lista completa dos cassados pelos atos institucionais do regime
autoritário leia Oliveira, Paulo Affonso Martins. Atos Institucionais: Sanções Políticas. Brasília: Câmara dos Deputados,
2000. Disponível em http://www.camara.gov.br/internet/infdoc/Publicacoes/html/pdf/atosinstitucionais.pdf. Acessado em
27/02/2007.
97
Entrevista com Onofre Ribeiro. Cuiabá, 09/08/2006.

87
Fragelli deixa o “quase ostracismo” para assumir o Governo

O governo Médici (1969-1974) ficou marcado por forte crescimento econômico;


endurecimento da repressão junto às guerrilhas rural e urbana; polêmicas com os Estados Unidos e a
Anistia Internacional em função das sessões de tortura aos dissidentes do regime; censura aos meios
de comunicação e produção artística; grande preocupação com alguns problemas das regiões Norte
(Amazônia Legal) e Nordeste98; e a vitória eleitoral da Arena em relação ao MDB nas eleições de
1970, embora tivessem aumentados os votos nulos, brancos e abstenções, conforme destacou Silva
(1998). Já Skidmore (1988) registrou que, em 1972, começaram a surgir boatos sobre sucessores de
Médici, bem como outros tratando de uma possível prorrogação de seu mandato. Médici teria
proibido qualquer comentário antes de meados de 1973, quando seria deflagrado o processo
sucessório. O grupo dos castelistas ou da Sorbonne, liderados pelo general Golbery do Couto e Silva,
vinha articulando para retornar. Seu candidato foi Ernesto Geisel, então presidente da Petrobrás e ex-
chefe da Casa Militar de Castelo Branco99.
Em maio de 1973, Geisel obteve o consenso entre os militares e em junho do mesmo ano foi
designado candidato da Arena. O MDB, que se absteve na eleição de Médici, decidiu lançar uma
“anticandidatura” para questionar a legitimidade da eleição e mobilizar sua base de apoio. A chapa era
formada pelo deputado federal Ulysses Guimarães (SP) e pelo presidente da Associação Brasileira de
Imprensa (ABI), jornalista Barbosa Lima Sobrinho. A eleição no Colégio Eleitoral foi um verdadeiro
anticlímax à campanha mobilizatória realizada pelo MDB em todo o país, com 400 votos para Geisel
e apenas 76 para Ulysses, com 23 abstenções. No entanto, já nas eleições em novembro de 1974, os
reflexos foram sentidos100.
Na região sul de Mato Grosso, o MDB conseguiu eleger Plínio Barbosa Martins (irmão de
Wilson) para prefeito de Campo Grande, período de 1967-1970. Diante do sucesso nesta eleição e nas
municipais (o MDB elegeu 4 vereadores em Campo Grande), houve maior procura por filiação. Na
bancada estadual, os deputados Cléomenes Nunes da Cunha, Américo Porfírio, Carlos de Sousa

98
A ocupação acelerada da Amazônia era prioridade do regime desde o início e teve fortes implicações para Mato Grosso. Ianni
(1986) aponta que em 1966, a Superintendência do Plano para Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) foi
transformada em Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e o Banco de Crédito da Amazônia (Basa) foi
instalado. Já no Governo Médici (1969-1974), foram criados o Plano de Integração Nacional (PIN); o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra); o Proterra para a reforma agrária; e as grandes rodovias, como a Transamazônica e a
Cuiabá-Santarém. Ianni (1979) situa tais iniciativas no marco do projeto de integração da economia amazônica aos centros
dinâmicos nacionais e internacionais, com a “importação” de mão de obra em grande escala da região Nordeste. Nesta, havia
também grandes conflitos de terra em virtude da forte concentração fundiária. Além disto, como observa Guimarães Neto
(2002), a colonização dirigida fazia parte de uma estratégia de disciplinamento militar da Amazônia.
99
Costa Couto (2003) apontou que este grupo era com posto de oficiais vinculados à Escola Superior de Guerra (ESG) com melhor
formação intelectual e mais moderados no aspecto político. Defendiam (dentro dos limites permitidos) valores democráticos e
mais apoio à livre iniciativa, junto com um Estado forte, com grande influência técnica. Opunham-se aos oficiais da “Linha
Dura”.
100
Nas eleições de 1974, o MDB saiu, de 87, para 165 vagas na Câmara dos Deputados, enquanto a Arena declinou, de 223, para
199. No Senado, o MDB passou, de 7, para 20 vagas, ao passo que a Arena caiu, de 59, para 46. Na eleição para senador, o
MDB teve 14,6 milhões de votos, contra 10 milhões da Arena. Isso demonstrou aos analistas do regime o potencial do MDB
em outras eleições, como governadores e prefeitos de capitais. Para mais detalhes, leia Silva, Hélio. Os Governos Militares
(1969-1974). História da República Brasileira. São Paulo: Isto é, 1998.

88
Medeiros e Walter de Castro se filiaram e, na federal, o MDB passou a ocupar três das oito vagas
(Wilson Martins, José Feliciano de Figueiredo e Djalma Marcondes Armando). Na eleição para
senador, em 1966, o MDB apresentou como candidato Henrique da Silva, que obteve um resultado
considerado positivo (46.103 votos), contra os ex-governadores João Ponce de Arruda (58.425
votos) e Fernando Corrêa da Costa (69.816 votos), filiados à Arena.
Quando os dados são estratificados por zona eleitoral e pelas regiões que compunham o
Estado, é possível confirmar mais uma vez a força eleitoral do MDB no sul. Nas zonas eleitorais
sulistas, Henrique Gomes da Silva (cuja base era o município de Poconé), obteve 27,89% dos votos,
contra 72,11% daqueles dados à Arena, sendo que a média estadual apontou 26,48% x 73,52%,
respectivamente. O MDB atingiu boa votação nos tradicionais redutos petebistas, com 44,7% em
Corumbá (1° lugar), 31,69% em Campo Grande, 37,73% em Três Lagoas, 30,01% em Cuiabá,
21,75% em Cáceres e 19,35% em Dourados.
No entanto, em 8 zonas eleitorais (sendo 7 no sul), Henrique Gomes da Silva foi o segundo
mais bem votado, depois de Fernando Corrêa da Costa, e ganhou também em sua base eleitoral,
Poconé, com 53,97% dos votos. Quer dizer, para um candidato que nunca disputara qualquer eleição
majoritária estadual, com pouca inserção na região sul, num partido em fase de estruturação e
disputando sozinho contra dois ex-governadores, é possível considerar um bom resultado obtido pelo
partido, o que demonstra a permanência do eleitorado petebista101.
Um fato importante para a Arena I, ainda durante o mandato de Pedrossian, foi a eleição de
José Fragelli para a presidência da Arena em 1969. Sua relevância vem do fato de que foi uma prévia
da eleição de 1970, a primeira com escolha indireta de governadores após o golpe militar de 1964.
Havia também todo o esforço no sentido da harmonização das alas udenistas e pessedistas no interior
da Arena. Ainda em 1968, Fragelli teve seu nome lançado pelo jornal O Correio do Estado, de Campo
Grande, fundado por ele e vinculado à UDN e aos pecuaristas do sul do Estado, como destacou seu
cunhado102. Em carta, o ex-senador João Villasbôas expressou sua satisfação ao ler, na edição de
10/04/1968 deste jornal, que Fragelli e Garcia Neto eram cogitados entre os candidatos a governador
em 1970.
Villasbôas manifestou preocupação de que a escolha do candidato repetisse o erro da
eleição de 1965, na qual o presidente Castelo Branco pediu um adiamento aos convencionais da UDN
e não foi atendido. Para Villasbôas, isso ocasionou a vitória de Pedrossian, que ele chamou de
“armênio”103. O ex-senador afirmou que:

101
Tribunal Regional Eleitoral – MT. Relatório Eleição 1966. Cuiabá: TRE-MT, 1966.
102
Entrevista com Renato Alves Ribeiro. Campo Grande, 24/10/2006.
103
Como existe o hábito de se falar em código em algumas situações, em particular quando se está criticando alguém, os
adversários de Pedro Pedrossian puseram-lhe o apelido depreciativo de “armênio”, em função da naturalidade de seu pai e,
portanto, de seu sobrenome. Há uma colônia armênia importante no atual Mato Grosso do Sul e, em particular, em Campo
Grande, onde se dedicam na maioria ao comércio. Todos os principais sobrenomes armênios terminam com o sufixo an, que
indica filho de. Para maiores informações, leia Campo Grande: 100 anos de construção. Campo Grande: Enersul, 1999.

89
A prevalência opinativa nas resoluções da cúpula partidária sempre coube aos políticos
da velha Cuiabá. Estes, porém, estão ilhados naquele pedaço do mundo, sem contato
pronto e direto com o resto da pátria e, por isso, perdem a sensibilidade de observação
dos fenômenos sociais [...] Foi em consequência da arrogante autonomia no tomar da
deliberação partidária, que os dirigentes udenistas se negaram a atender ao pedido do
saudoso presidente Castelo Branco no sentido de adiar por dez dias a realização da
Convenção para escolha do candidato ao Govêrno do Estado, que o Pedrossian
vitoriou, espetacularmente, sôbre o Lúdio. E foi, ainda, pela repetição em escusa
semelhante, que a Arena – 1 e seus aliados na Assembleia perderam a partida do
impedimento do Armênio para continuar no exercício da função governativa.104

Villasbôas temia que a Arena I marginalizasse de novo o presidente na escolha do candidato


a governador em 1970. Ele identificou o “risco” de Filinto Müller articular-se com o MDB e eleger o
candidato de Pedrossian. Villasbôas chegou a apontar o nome do então deputado federal Wilson
Barbosa Martins, de Campo Grande, como um potencial candidato a governador na composição entre
Arena II (PSD) e MDB105. Ao final da carta, o ex-senador disse que só poderia contar com os
deputados estaduais Oscar Soares, Joaquim Nunes Rocha, Júlio Abbott de Castro Pinto e com
Demósthenes Martins (todos da Arena I), no combate ao que considerava “escândalo” de ter um
governador em Mato Grosso demitido a bem do serviço público.
Na resposta, Fragelli disse que o lançamento de sua candidatura pelo Correio do Estado foi
à revelia. Destacou que não postularia a vaga, mas, se fosse indicado, não recusaria. Teria cansado de
“se fazer de rogado”. Ele considerou também que, caso houvesse consulta às bases, Garcia Neto teria
melhores condições de ser escolhido (de certo por sua posição de deputado federal mais bem votado
em 1966 e candidato derrotado na convenção da UDN, em 1965). Ele concordou com Villasbôas
sobre a necessidade de envolver o presidente na escolha do governador e buscar o consenso entre as
“duas Arenas”. Ele considerava um desastre a possibilidade da candidatura de Wilson Barbosa
Martins, mesmo em aliança com a sua Arena I, embora fosse seu amigo pessoal. Seria preferível que
um candidato da Arena II fosse escolhido. Ressaltou ainda que “[...] seria capaz de voltar à franca
atividade partidária só para impedir tal entendimento.” Por fim, frisou que o lançamento de seu nome
não deveria ser obstáculo para a aproximação das duas alas da Arena e que colaboraria da forma que
pudesse, na medida do “quase ostracismo” vivido em Aquidauana.106
Este possível acordo entre a Arena II e o MDB em torno de Wilson Barbosa Martins para
governador do Estado em 1970, era comentado desde a tentativa de impeachment de Pedro
Pedrossian, em 1967, e reforçava a tendência de que os candidatos a cargos majoritários fossem cada
vez mais da região sul. Vale lembrar que os deputados federais do MDB (Wilson Martins e José
Feliciano de Figueiredo) e do ex-PSD (Weimar Torres, Rachid Mamed e Edyl Ferraz) pronunciaram-

104
Carta de João Villlasbôas endereçada a José Fragelli. Rio de Janeiro, 17/04/1968.
105
O deputado federal Wilson Barbosa Martins, prefeito de Campo Grande de 1959 a 1963, teve seu mandato cassado, com
suspensão de direitos políticos, na sequência da edição do AI-5. O ato foi publicado no Diário Oficial da União de 10/02/1969,
p. 1.331.
106
Carta de José Fragelli endereçada a João Villlasbôas. Aquidauana, 14/05/1968.

90
se no plenário da Câmara dos Deputados em defesa do mandato de Pedrossian, por razões diferentes.
Tais discussões aconteceram num momento em que ainda havia a expectativa de eleições diretas para
governador, em 1970, antes, portanto, da edição do Ato Institucional nº 5, de 13/12/1968, e do AI-8,
em fevereiro de 1969, que ampliaram as possibilidades eleitorais do regime, suspendendo as eleições
em todos os níveis.
Skidmore (1988) observou que a nova regulamentação eleitoral permitia também a criação
de sublegendas dentro dos dois partidos (Arena e MDB). O objetivo era trazer a disputa entre UDN e
PSD para dentro da Arena e somar o eleitorado destes dois partidos, pela identidade anterior. Esta
medida foi de suma importância, arrastando até a Constituição de 1988 e condicionando grande parte
dos resultados eleitorais posteriores. Uma aliança, portanto, que rearticulasse o velho PSD (agora
Arena II) e o PTB, convertido em sua maioria em MDB, sob a coordenação do senador Filinto Müller,
assustava os egressos da ex-UDN (Arena I) e deve ter contribuído para a promulgação deste Ato. A
eleição de Fragelli para a Presidência da Arena e depois para governador do Estado, alinhava-se,
portanto, com este contexto nacional de harmonização das “duas arenas”, sob hegemonia udenista.
Fragelli falava em isolamento, porque estava sem mandato desde 1959, quando encerrou a
sua passagem pela Câmara dos Deputados. Optou por cuidar dos negócios da família de sua esposa e
exercer a advocacia. No entanto, nunca deixou de ter militância política, como foi visto por ocasião
de sua participação na convenção da UDN, em 1965, para a escolha do candidato a governador e
também por sua influência no voto contrário à cassação de Pedrossian pelo diretório municipal da
Arena, em Aquidauana. Fragelli foi procurado por seu correligionário da Arena I, o deputado estadual
Oscar Soares, do município de Alto Garças (região leste).
Recebeu um telegrama pedindo que disputasse a Presidência da Arena. Entretanto, sua
esposa (Dona Lourdes) o escondeu por uma semana, porque não queria que ele retornasse à atividade
partidária. Fragelli foi convocado e depois desconvocado para uma reunião do Diretório Estadual da
Arena. Nessa movimentação, foi a Campo Grande para embarcar no avião para Cuiabá. Na ocasião,
esteve com Pedrossian, que o lançara para presidente da Arena. Fragelli entendeu que Pedrossian
queria que Filinto Müller fosse candidato a este cargo e disse que não poderia concorrer, nesse caso.
Pedrossian esclareceu que apoiava a candidatura de Filinto para a reeleição ao Senado em 1970, mas
ficava com Fragelli para a presidência do partido.
É importante observar o perfil de Fragelli para compreender esta articulação. Ele poderia
ser considerado também como um quadro “anfíbio” ou birregional (com um pé em cada região do
Estado). Nasceu em Corumbá, que fica no meio do caminho entre sul e norte, pela proximidade com
Campo Grande, em função da NOB e com Cáceres, Barão de Melgaço, Santo Antônio do Leverger e
Cuiabá, pelo Pantanal e seus rios (Paraguai, São Lourenço e Cuiabá). Seu pai, Nicolau Fragelli, fora
deputado estadual em Cuiabá, de 1918 a 1922, e tinha bons relacionamentos na capital do Estado,
como lembrou Póvoas (1978).
Pelo fato de ser casado com a sobrinha de Fernando Corrêa da Costa (nascida em Cuiabá,
filha e neta de cuiabanos), além da sua proximidade com o ex-governador pela UDN, Fragelli acabou
herdando também a característica birregional, de cuiabano morando em Campo Grande. Na sua
passagem pela Assembleia Legislativa, assumiu a liderança das regiões norte e leste do Estado, o que

91
lhe rendeu uma forte rede de contatos políticos e amizades pessoais que lhe davam bom trânsito nessa
área. Por último, mas não menos importante, é bom considerar que, para Pedrossian, não era
interessante, para lhe suceder, que alguém do sul do Estado vencesse a eleição da Arena e se
fortalecesse, porque ele estaria fabricando um adversário em sua área de origem. A eleição de Fragelli
seria uma forma, também, de reeditar a sistemática da alternância, já que era um quadro da Arena I
mais vinculado ao norte, enquanto ele, Pedrossian, era da Arena II, sulista.
Uma vez presidente da Arena em Mato Grosso, Fragelli escreveu uma carta a Filinto Müller
colocando-se à sua disposição para os encaminhamentos no Estado. Filinto exercia, naquela ocasião,
a vice-presidência do Diretório Nacional da Arena. Logo depois, Filinto telefonou para a sua casa, em
Aquidauana, e passou-lhe algumas instruções partidárias para executar. Fragelli relatou-lhe que
percorrera quase todos os municípios buscando a aproximação entre “as duas Arenas” (UDN e PSD).
Na sequência, Fragelli e Filinto foram para uma reunião em Brasília, com a presença de Rondon
Pacheco, presidente Nacional da Arena. Ele fora deputado federal pela UDN na mesma legislatura de
Fragelli (1955-1959).
Fragelli relatou que havia uma relação de amizade entre eles, vinda daquela época. Houve
uma recepção na casa de Filinto Müller, em Brasília, oferecida por sua esposa (Dona Consuelo).
Fragelli tinha ouvido de sua esposa, que era norma de boa convivência social oferecer flores à anfitriã
de uma casa, na primeira vez que se visita. Quando chegaram as flores, toda a bancada federal do
Estado, presente à festa, especulou sobre o autor do agrado. Não descobriram que fora Fragelli, até
lerem o cartão que acompanhava. Nesta mesma ocasião, Filinto Müller pediu a Fragelli que fosse ao
seu gabinete, no Senado, no dia seguinte, para que pudessem “lavar a roupa suja”. Pode ter sido uma
referência ao histórico de relações difíceis entre os dois, pela posição ocupada em partidos
adversários e pela proximidade de Fragelli com Fernando Corrêa da Costa, adversário de Filinto
Müller em duas eleições para governador (1950 e 1960).
Já na escolha do governador, em 1970, era hábito relacionar o nome do presidente Estadual
da Arena como um dos candidatos natos ao cargo. Como parte das articulações para escolher o
sucessor de Pedrossian, Filinto Müller esteve com Médici. Na audiência, este lhe pediu uma
indicação para futuro governador de Mato Grosso. Disse que precisava ser alguém com perfil
moralizador e austero para enfrentar a situação financeira e ética em que se encontrava o Estado ao
final do mandato de Pedrossian. Filinto Müller disse que conhecia alguém com esse perfil, mas que
era seu adversário na época da UDN x PSD: José Manuel Fontanillas Fragelli. Em seguida, Filinto
Müller salientou para Médici que possuía dois sobrinhos na disputa (Gastão e Gabriel Müller). Sobre
este aspecto, Fragelli destacou que:

Eu não queria ser contra o Filinto. Eu não tinha condições de ser contra o Filinto. [...] E
depois, ele sustentou a minha candidatura para governador, junto com Doutor
Fernando [...] Eu sei que naquela reunião de Cuiabá, de todo o Estado, todos os
presidentes de diretório, eu ganhei. [...] devo ter tido os votos do leste e de Cuiabá. O
pessoal ainda rememorando o tempo que eu tinha sido deputado estadual. [...] O Filinto
me contou que ele foi ao Médici [...] O Médici disse pra ele: “como é que nós vamos
fazer, se o escolhido na convenção de Cuiabá for o Fragelli, que é seu adversário”. Aí o

92
Filinto falou pra ele assim: “Era! Não é mais. É meu amigo. E eu concordo com o nome
dele” [...] Filinto depois me pediu: “olha, você não revela, porque eu tenho dois
sobrinhos e os dois eram candidatos” [...]. Lá sei porque, ele era favorável ao meu
nome. (27/09/2006, entrevista).

Ruben Figueiró avaliou que Fragelli foi indicado para a Presidência da Arena por
articulação de Pedrossian e Francisco Leal de Queiroz, seu secretário de justiça. O fato de Rondon
Pacheco, que fora o chefe da casa civil de Costa e Silva, ter sido seu colega na Câmara dos Deputados,
pesou a seu favor. Fizeram uma reunião em Cuiabá para ouvir as lideranças. Na volta, Fernando
Corrêa da Costa embarcou no mesmo avião que Rondon Pacheco, para Brasília. Houve uma pane na
região de Barra dos Garças e eles pousaram lá para consertar a aeronave e ali pernoitaram. À noite, no
hotel, Rondon teria confidenciado a Fernando Corrêa da Costa que o presidente Médici já escolhera
Fragelli, mas pediu sigilo para evitar vazamentos. Figueiró frisou que Filinto Müller tinha uma
grande qualidade: ele era governista. Seu preferido para a sucessão era Gastão Müller. Por isso, ele
foi o primeiro a tomar conhecimento da escolha de Fragelli. Pedrossian tinha preferência pelo
Fragelli, porque nunca teve bom relacionamento com os militares. A escolha de Fragelli acomodava a
influência do Rondon Pacheco, que via nele o perfil ideal para a missão e também atendia Pedrossian,
porque não era alguém do grupo do Filinto Müller. Figueiró arrematou dizendo que a escolha de
Fragelli foi
[...] da cúpula nacional, foi uma escolha de Brasília. Que agradou, evidentemente, o
Doutor Fernando, porque é sobrinho dele. Casado com uma sobrinha. Não desagradou
o Filinto. E o Filinto foi muito leal com o Fragelli [...] Mas no período em que o Fragelli
dirigiu o partido, período que ele foi candidato a governador e no período após a posse
dele, ele teve uma relacionamento muito amistoso e frutífero com o Filinto Müller.
(Data, 29/09/2006, entrevista).

Sobre a participação dos militares em sua candidatura, Fragelli se recordou que:

Um dia um general, que tinha muito nome no Exército [...] Ele era até meio parente
longe de Doutor Fernando. Ele veio aqui e houve uma recepção pra ele no Clube
Feminino. E ele disse assim: Doutor Fragelli, o senhor pediu para quem para ser
indicado governador? Não pedi pra ninguém. O senhor não pediu? Faz muito bem. E
não peça e espere com confiança. [...] Eu sabia que ele tinha influência no Exército,
que dizer que era uma voz a meu favor. E realmente foi. (27/09/2006, entrevista).

Oscar Ribeiro apontou que não houve, strictu sensu, o lançamento de candidaturas para a
sucessão de Pedrossian e que o fato de Fragelli ser um divisionista histórico, teria pesado na sua
seleção. A este respeito, ele revelou que:

A sucessão de Pedrossian foi desenhada em Brasília e não em Mato Grosso, um ano


antes das eleições [...] Porque, na época, o Governo da Revolução entendeu que o
processo divisionista do Estado era uma realidade, e uma realidade irreversível. E que

93
o governador, o futuro governador, que deveria suceder Pedrossian, deveria ser uma
pessoa ligada intimamente com os ideais divisionistas. E a pessoa que melhor se
enquadrava neste perfil, era Jose Fragelli. [...] Como fazer Fragelli, político de renome
então no Estado, o sucessor incontestável de Pedrossian? [...] Então, Pedrossian foi
chamado e orientado para que desse a Fragelli, um ano antes, a Presidência da Arena.
[...] Como Presidente da Arena ele passou a articular a sua própria candidatura, a sua
própria eleição a governador. Porque ele era o nome que melhor se colocava dentro
daquele espírito já preconizado pela Revolução, de que Estado teria que ser dividido.
Então, Fragelli foi eleito governador com esta missão de preparar o Estado para ser
dividido [...] Mas era um nome de consenso. Por que? Porque acalmava de um lado a
ex-UDN e tinha o Pedrossian no PSD, que nessa época já havia se sintonizado melhor
com o PSD, e havia já passado a exercer, junto com o Filinto, a liderança do Estado.
(30/10/2006, entrevista).

Pedrossian ressaltou, em sua autobiografia, que Fragelli lhe ajudou a elaborar o discurso
que fez na convenção do PSD, quando foi indicado para candidato a governador, em 1965. Este gesto,
vindo de um adversário que fora candidato na convenção da UDN para a disputa do mesmo cargo,
teria passado a Pedrossian uma boa impressão. Ele destacou ainda que pode ter procurado Fragelli
para ser presidente da Arena em Mato Grosso, em gratidão a este apoio num momento importante. Ao
final de seu mandato, os militares pediram que ele fizesse uma relação de seus possíveis sucessores.
Ele incluiu Fragelli, Francisco Leal de Queiroz (seu secretário de Justiça e originário da região de Três
Lagoas), o então deputado federal Gastão Müller e, por fim, seu irmão Gabriel Müller, a quem
Pedrossian chama de “grande amigo”.
Antes de prosseguir, é importante apresentar um personagem “criado” por Pedrossian: José
Benedito Canellas. Canellas nasceu no município de São Manoel (SP), em 1938, e conheceu Mato
Grosso como representante comercial da Colgate-Palmolive107. Canellas destacou que, embora fosse
amigo do Lúdio Coelho (candidato pela UDN), ficou com Pedrossian pela proposta mudancista que
ele apresentou durante a campanha. Acabaram se tornando amigos pessoais. Canellas considerou que
obteve um bom resultado para o PSD em Cáceres108. Pedrossian queria fundar uma ala nova dentro do
partido e, para tanto, precisava trabalhar a base pela formação de quadros jovens e desvinculados das
lideranças tradicionais109.
Pedrossian o designou, então, diretor da Codemat, responsável pela implantação das
colônias de Salto do Céu, Rio Branco e Reserva do Cabaçal, na região da Grande Cáceres. Abriu a

107
Entrevista com José Benedito Canellas. Cuiabá, 05/10/2006.
108
Pedrossian ganhou de Lúdio Coelho na Zona Eleitoral de Cáceres por uma distância de cerca de 20% dos votos válidos (59,13%
a 40,87%). Cabe lembrar que Fernando Corrêa (UDN) vencera a eleição nesta Zona por uma margem de cerca de 7% em
relação a Filinto Müller (PSD). Para mais detalhes, leia Tribunal Regional Eleitoral – MT. Relatório Eleição 1965. Cuiabá:
TRE-MT, 1965 e Tribunal Regional Eleitoral-MT. Resultado Geral das Eleições de 03/10/1960 para Presidente, Vice-
presidente, Governador e Vice-governador. Cuiabá: TRE-MT, 1960.
109
O ex-senador João Villasbôas, referiu-se ao PSD como Arena II e avaliou que “A ARENA-2 não está em condições de fazer
imposições. O Pedrossian tem desprestigiado os seus chefes, na preocupação de se tornar o líder máximo da política mato-
grossense”. Carta de João Villlasbôas endereçada a José Fragelli. Rio de Janeiro, 17/04/1968.

94
estrada que liga Cáceres à fronteira com a Bolívia (San Mathias). Diante desta experiência,
Pedrossian o designou, em seguida, para construir a estrada que ligaria os municípios de Aquidauana
e Miranda, considerada inviável pelo Dermat. Canellas concorreu, então, a deputado estadual, em
1970, junto com outros nomes agrupados por Pedrossian para manter a ala “pedrista” na Assembleia
Legislativa e preparar terreno para seu retorno nas próximas eleições. Os outros eram os deputados
Maçao Tadano (mais votado nesta eleição), Levy Dias e Venício da Silva. Ainda em 1970, Canellas
tomou parte na articulação da escolha de Fragelli a governador. Ele se recordou de uma viagem que
fez num avião monomotor até a fazenda de Fragelli, em Aquidauana, em que fez o “convite oficial”
para que Fragelli fosse o candidato da Arena ao governo, com o apoio de Pedrossian.
Ainda nesta missão que lhe foi atribuída por Pedrossian, Canellas esteve em Brasília, junto
com Maçao Tadano, para avaliar as condições da escolha dos governadores, já que era a primeira
eleição indireta após o golpe de 1964. A influência dos militares na escolha era muito grande e a
Arena I era o grupo mais forte junto a eles. Pedrossian queria um nome com aceitação junto ao
aparelho repressor e de inteligência federal110. Ele sabia que, se indicasse alguém fraco, junto aos
militares, estaria deixando um governador restrito e seria acusado depois de ter feito isso apenas para
poder criticar a gestão e voltar depois. A disputa já era dentro da Arena I (Rachid x Fragelli) e que
Gastão Müller e Francisco Leal de Queiroz, originados na Arena II, apenas constaram no processo,
porque a chance de escolha era muito pequena.
Júlio Campos avaliou que Filinto Müller queria, de novo, Antônio Mendes Canale para a
sucessão de Pedrossian (Canale retornara à Prefeitura de Campo Grande em 1970). O presidente
Médici queria indicar o Coronel Afrânio Fialho de Figueiredo (filho do ex-governador Arnaldo
Estevão de Figueiredo), porque serviram juntos em Campo Grande. Afrânio era representante do SNI
em Mato Grosso, do qual Médici fora chefe. Fernando Corrêa da Costa, por sua vez, queria indicar o
Fragelli, porque estava próximo de encerrar a sua carreira e via nele um “herdeiro político”. Houve
certo consenso na indicação de Fragelli, porque Filinto teria recuado de Canale e Médici de Afrânio,
em favor de um terceiro nome aceito por ambos.
Depois da escolha de Fragelli houve ainda uma tentativa de trazer o coronel Afrânio Fialho
de Figueiredo para compor a vaga de vice-governador. O próprio general Médici estaria comandando
esses movimentos. Afrânio recusou, sob a alegação de que não poderia ocupar a posição de vice-
governador de Fragelli, porque este fora líder da UDN (oposição) durante o mandato de seu pai como
governador (1947-1950). Diante da resistência de Afrânio, o presidente Médici liberou a escolha do
vice para a Arena estadual. Pela proximidade com o Coronel Afrânio, seu primo José Monteiro de
Figueiredo (chamado de Doutor Zelito) foi indicado para vice-governador. Zelito era da Arena II do
norte, colega de Fragelli como deputado estadual constituinte, médico conceituado em Cuiabá e

110
De fato, uma matéria do Diário de Cuiabá de 12/07/1970 (após o encerramento das eleições dos Governadores por todo o
Brasil), afirmou que predominavam egressos da UDN dentre os eleitos. Eram 10 udenistas e 7 pessedistas, além de
representantes de partidos menores. Dentre os udenistas estavam, além do próprio Fragelli, Antônio Carlos Magalhães na
Bahia, Raimundo Padilha no Rio de Janeiro, Ernani Sátiro na Paraíba, Leon Peres no Espírito Santo e Rondon Pacheco em
Minas Gerais. Ex-udenistas predominarão nos futuros governo s dos Estados. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 12/07/1970.

95
presidente da Associação Médica de Mato Grosso. Zelito também “equilibrava” a chapa do ponto de
vista regional, mantendo a dinâmica de composição herdada do período democrático.
O próprio Fragelli ressaltou que Filinto Müller não gostou da indicação de Zelito, pela
condição de sobrinho de Arnaldo Estevão de Figueiredo (talvez ainda um eco da eleição de 1950 e da
disputa norte-sul pelo controle do PSD). Fragelli disse que teve liberdade para escolher seu vice e
optou por Zelito, pela admiração que tinha por ele e a antiga relação de quando foram colegas na
constituinte estadual (1947-1950). A imprensa da época destacou que Zelito foi um nome para
atender o norte de Mato Grosso e relacionou os outros possíveis vices de Fragelli, todos nessa
condição e vinculados ao ex-PSD (Gabriel Müller, Benjamim Duarte Monteiro e José Ferreira de
Freitas)111.
Sua eleição pela Assembleia aconteceu no dia 03/10/1970, com os votos da bancada da
Arena e os brancos do MDB. O partido de oposição fez uma declaração de voto, lida pelo deputado
Cleómenes da Cunha. Apenas o deputado Júlio Abbott de Castro Pinto, que fora da UDN, descumpriu
a decisão da bancada e votou em Fragelli. Ele alegou razões pessoais, porque conhecia Fragelli há
muito tempo e o fato deste ter se mostrado aberto para atender os quadros do MDB. O
pronunciamento feito por Fragelli em seguida foi marcado pela emoção e lembranças do período em
que foi deputado estadual. Revelou o seu perfil udenista e fez críticas suaves a Pedrossian. Expressou
o tom da sua escolha, ao dizer que:

De sorte que, eu prometo isso antes de tudo de acordo com a atitude que sempre tive
nesta Assembleia - um governo de austeridade (Palmas) ... um governo de ordem nas
finanças, um governo de consolidação do nosso crédito, para então, tudo isto feito,
iniciarmos uma marcha que há de ser, se Deus quiser, a mesma marcha que Pedro
Pedrossian vem empreendendo à administração e o progresso de Mato Grosso
(Palmas). (MENDONÇA, p. 547, 1974).

A participação de Fragelli na campanha de 1970 foi também intensa, uma vez que já era o
governador eleito para o próximo quadriênio (1971-1975). Ele percorreu todo o Estado com os
candidatos da Arena. Na chapa majoritária, foram candidatos ao Senado o deputado federal Rachid
Saldanha Derzi (preterido na disputa para governador) e, postulando o seu quarto mandato, o senador
Filinto Müller. Ruben Figueiró destacou os discursos memoráveis de Fragelli em campanha pelo
interior e diz ter se impressionado com sua erudição. Frisou também o agradecimento de Filinto pelo
resultado em Corumbá e a pacificação PSD-UDN no interior da Arena.
Júlio Campos considerou que o primeiro lugar obtido por Filinto Müller na eleição foi uma
retratação do eleitorado pelo tratamento inadequado que Pedrossian teria lhe devotado. O fato de
Pedrossian ter ganhado outra eleição apenas após a divisão do Estado (para senador em 1978) foi uma

111
Zelito: um nome para atender o norte de MT. Estado de Mato Grosso, Cuiabá, 26/07/1970.

96
“punição” que a população teria lhe dado. Esta análise valeria, em particular, para a região norte que,
para Júlio Campos, era muito “filintista”112.
Como não poderia mais fazer a aliança com os seus antigos parceiros, Filinto Müller
buscou alguém da Arena. Chegou a oferecer a vaga de suplente a Osvaldo Botelho de Campos, chefe
da UDN em Livramento, também chamado de Nhô-Nhô do Tamarineiro. Os sulistas, por sua vez,
exigiram alguém da região para ocupar esta vaga, na perspectiva do equilíbrio regional das chapas.
Eles indicaram Italívio Coelho, que fora da UDN e era irmão de Lúdio Coelho. Filinto foi eleito em
primeiro lugar, com 170.365 votos (42,91% dos válidos) seguido de Rachid, com 146.257 (36,83%).
O candidato do MDB, Plínio Barbosa Martins, irmão de Wilson Barbosa Martins, ficou em terceiro
lugar com 80.451 (20,26%).
É interessante observar que a votação de brancos e nulos nesta eleição foi de 146.597, quer
dizer, superior à do segundo colocado (Rachid Saldanha Derzi) e suficiente para eleger Plínio
Barbosa Martins em primeiro lugar, com folga de cerca de 57.000 votos para Filinto Müller. Este
número refletia os protestos contra o regime civil-militar ora em curso, e a campanha feita por muitos
setores do próprio MDB para invalidar as eleições113.
As eleições de 1970 foram as mais difíceis para o MDB, pelas cassações realizadas na
sequência do Ato Institucional n˚ 5 (com destaque para o deputado federal Wilson Martins) e a força
da Arena. Neste ano, esta coligação partidária elegeu toda a bancada federal (reduzida a 5 deputados)
e 16 estaduais, pois a representação na Assembleia Legislativa fora reduzida, pela Constituição de
1967, para 18 deputados. Apenas 2 eram filiados ao PMDB, Cléomenes da Cunha (Campo Grande) e
Cecílio Jesus Gaeta (Corumbá)114. O então deputado estadual José Benedito Canellas, líder do
Executivo na Assembleia, enfatizou que estes dois, sozinhos, “paravam o plenário”.
Carlos Bezerra já estava morando em Rondonópolis em 1970, onde instalara um escritório
de advocacia, após formatura. Relatou que se mudou sem objetivo de prosseguir a militância política
que tivera no movimento estudantil e na juventude trabalhista do PTB. O senador Vicente Bezerra
Neto, em visita a Rondonópolis, na articulação de candidaturas do MDB a deputado estadual em
1970, perguntou sobre Bezerra e pediu aos emedebistas do município que o procurassem em busca de
sua candidatura. No dia seguinte, chegou uma caravana em seu escritório. Eles lhe convidaram para
ser candidato a deputado estadual pelo MDB. Passaram a “morar” em seu escritório e Bezerra
concordou em colocar seu nome à disposição e fazer um pronunciamento radiofônico. No primeiro
discurso que fez na rádio de Rondonópolis, Afro Stefanini denunciou Bezerra ao SNI e a Polícia
Federal foi a Rondonópolis capturá-lo. Na outra eleição (1974), Rondonópolis já o conhecia e pediu
sua candidatura de novo.

112
Cabe esclarecimento de que Pedrossian só voltou a concorrer de novo após a divisão, pois, em 1974, foi candidato a senador na
convenção da Arena e foi derrotado por Antonio Mendes Canale. Este, mais tarde, foi eleito em pleito disputado contra o ex-
senador Vicente Bezerra Neto (que contou com apoio de Pedrossian). Portanto, Pedrossian não disputou nenhuma outra
eleição antes que o Estado fosse dividido.
113
Tribunal Regional Eleitoral – MT. Relatório Eleição 1970. Cuiabá: TRE-MT, 1970.
114
Tebet, Ramez. A História do PMDB no Mato Grosso do Sul. Disponível em .

97
A passagem de José Fragelli pela posição de governador ficou marcada pela recuperação da
situação financeira do Estado, deixada em condições delicadas por Pedrossian. Aecim Tocantins, que
foi seu Chefe de Gabinete e depois Chefe da Casa Civil, destacou que Pedrossian se distinguiu como
um “empresário realizador e desorganizado”, pelo pouco cuidado que teve com as finanças públicas e
as empresas estatais. O Bemat estava fora do sistema de compensação do Banco Central e, portanto,
seus cheques não eram aceitos pelos bancos particulares. Isso teria acontecido porque Pedrossian fez
uma gestão personalista. Ele teria vindo como uma estrela e seus assessores não quiseram impor
limites ao governador.
Aecim Tocantins exemplificou a conduta de rigor fiscal adotada por Fragelli em relação à
Cemat. A empresa estava muito endividada, porque os municípios não pagaram conta de energia no
governo Pedrossian. Quando Fragelli assumiu, os municípios foram chamados para renegociar a
dívida acumulada, conforme as condições de cada um. Certa vez, Antônio Mendes Canale, prefeito de
Campo Grande pela segunda vez (1970-1973), telefonou de manhã cedo para Aecim querendo falar
com Fragelli, porque a energia tinha sido cortada na Prefeitura. Por volta de meio-dia, veio um avião
de Campo Grande com o secretário de finanças do município com um cheque para pagar a prestação
daquele mês. Depois, Kerman Machado, presidente da Cemat, pediu à empresa que religasse a
energia em Campo Grande. A mesma situação aconteceu em Cuiabá, quando José Villanova Torres
era prefeito (1971-1975). Aecim teria dito que Fragelli não cederia e que eles teriam que negociar
direto com o presidente da Cemat.
Outra grande polêmica que envolveu o mandato de Fragelli como governador foi a
acusação, feita pelos seus adversários, de que ele seria divisionista e estaria apático diante daqueles
que trabalhavam no sentido, em seu secretariado. O jornalista Paulo Zaviasky relatou a atuação de um
jornal de oposição, denominado Equipe, levantando a bandeira do antidivisionismo. Ele afirmou que
o movimento contava com a participação de entidades da sociedade civil (Rotary Club, Maçonaria,
Lions Club), de empresários e militares. A principal liderança empresarial era João Balão,
proprietário de hotéis em Cuiabá e muito amigo de Pedrossian115. O apoio militar local ao movimento
de resistência a Fragelli e, segundo seus articuladores, à divisão do Estado, dado pelo Coronel José
Meirelles, então comandante do 9º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC), cuja missão em
Mato Grosso era a construção da BR-163, rodovia que ligaria Cuiabá ao município de Santarém116.
Salomão do Amaral, então Secretário de Justiça, avaliou que a base da oposição de João
Balão a Fragelli era o corte de regalias usufruídas durante o governo Pedrossian, como diárias de

115
Pedrossian (2006) identificou alguns “companheiros admiráveis”. Dentre eles, ele cita João Balão como grande parceiro
privado e meu grande amigo, p. 105.
116
O regime civil-militar espalhou vários Batalhões de Engenharia e Construção pela Amazônia Legal, para dar cumprimento ao
Programa de Integração Nacional (PIN), na área de logística. O decreto 66.976 de 29/07/1970 regulamentou as unidades nesta
região. O 5º BEC foi instalado em Porto Velho (RO) e o 6º BEC em Boa Vista (RR), para a construção da BR 319 no trecho
Porto Velho-Manaus e BR-174, que vai de Cáceres (MT) até Paracaraima (RR), na fronteira com a Venezuela (via Manaus). O
7º BEC foi instalado em Cruzeiro do Sul (AC) para completar a BR-364 até a fronteira com o Peru. Foi transferido em 1992
para a capital do Estado do Acre, Rio Branco. O 8º BEC ficou em Santarém para construção da BR 163 até Cuiabá, que sediou
o 9º BEC. A BR-163 vai até a fronteira com o Suriname. Para maiores informações, veja http://www.exercito.gov.br e
http://www.transportes.gov.br.

98
valor elevado em sua rede hoteleira. Houve uma polêmica em torno das desapropriações para
edificação do CPA e um dos beneficiários não aceitou os termos propostos, tendo o jornal Equipe
publicado como denúncia. O próprio Fragelli teria respondido pelo jornal O Social-Democrata,
então dirigido pelo jornalista Roberto Jacques Brunini e vinculado ao ex-PSD. Como resultado,
Meirelles foi exonerado do cargo de comandante do 9º BEC e transferido para Brasília.
Diante destas campanhas sobre divisionismo em sua equipe, Fragelli assinou uma declaração
de que isso não vinha acontecendo, a pedido do deputado estadual Oscar Soares. Ele afirmou que não
houve nenhuma articulação nesse sentido quando era governador e que fora informado pelo Ministro do
Interior, já no governo Geisel (1974-1979), de que o Estado seria dividido e ele deveria manter segredo.
Salomão do Amaral destacou que, ao se certificar de que a divisão seria feita, Fragelli teria dito que duas
desgraças se abateram sobre Mato Grosso num intervalo pequeno de tempo: a morte do senador Filinto
Müller (1973) e a decisão de Geisel pela divisão (1974).
Uma possibilidade interpretativa sobre essa reação de Fragelli à morte de Filinto e a divisão
(aos dois temas) pode estar relacionada ao momento em que aconteceram. Ele, como divisionista
convicto, concordava que a cisão fosse feita, mas não em seu governo (porque daria razão aos seus
adversários, na campanha que moveram contra ele) e sem o senador Filinto Müller. Havia o agravante
do suplente do senador Filinto ser Italívio Coelho, pecuarista da região sul e militante histórico em
favor da divisão. Isso deixou o Estado, em particular a sua região norte, numa posição enfraquecida
diante da União e do sul, para negociar os termos em que a divisão seria feita. De fato, quando a Lei
Complementar n° 31 foi aprovada em 11/10/1977, os três senadores de Mato Grosso eram sulistas
(Italívio Coelho, Antonio Mendes Canale e Rachid Saldanha Derzi) e a maior parte da bancada
estadual e federal era favorável à divisão.
O governo Geisel (1974-1979) foi marcado pelo início da liberalização política e também
pelas adversidades da mudança do quadro econômico internacional, com a opção pela política de
manutenção do crescimento com forte endividamento externo, materializada no II Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND). Houve muita disputa ao redor do modelo de descompressão política ser
seguido com participação de cientistas políticos e forte resistência dos oficiais da “Linha Dura”, que
detinham controle do aparelho repressor (Doi/Codi, Dops, SNI, Cenimar, Ciex). Muitos obstáculos
apresentaram-se ao projeto de distensão sob o comando autocrático de Geisel. Dentre os principais
cabe destacar:

1 – Dificuldade em submeter os oficiais da “Linha Dura” que produziram o caso da morte do


jornalista Vladimir Herzog e do sindicalista Manoel Fiel Filho, em São Paulo, o que resultou na
demissão do general Ednardo D'Ávila Melo117. Outro momento importante foi a exoneração do
cargo de Ministro do Exército do general Sylvio Frota, em 12/10/1977. Frota era candidato

117
Este episódio é de particular importância aqui, porque o general escolhido para suceder Ednardo no comando do II Exército foi o
cuiabano Dilermando Gomes Monteiro. O general Dilermando já era muito próximo a Geisel, tendo sido convidado para Chefe da
Casa Militar do começo do governo e recusado por um acidente pessoal, como identificou Costa Couto (2003). O general
Dilermando era tio de Frederico Soares de Campos, engenheiro civil cuiabano que veio a ser nomeado governador em 1978.

99
declarado à sucessão de Geisel e adversário da liberalização política em curso. Houve até uma
tentativa de golpe de Estado, com uma reunião do Alto Comando do Exército em Brasília,
convocada por Frota, mas desarmada por Geisel em tempo, graças, em grande medida, ao
trabalho do SNI, chefiado por João Figueiredo118;
2- O fortalecimento de atores sociais importantes, como a Igreja Católica, a Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), o “Novo Sindicalismo”119 que surgia nas greves do ABC paulista, combatendo o
peleguismo e de onde seria formado o Partido dos Trabalhadores (PT), os meios de comunicação
e, por fim, os empresários que passaram a discordar da estatização excessiva, lançando um
manifesto;
3 – Na arena política, Geisel enfrentou o crescimento do MDB, em 1974, e as pressões decorrentes no
parlamento e também nas eleições que aconteceriam em 1978, inclusive para governadores.
Costa Couto (2003) relatou que, em 01/04/1977, Geisel recorreu ao AI-5 e fechou o Congresso
por duas semanas, enviando uma Emenda Constitucional (nº 8). As mudanças trazidas por ela,
apelidada na época de “Pacote de Abril”, tornavam indiretas as eleições para governadores, em
1978, e de um terço dos senadores (chamados de “biônicos”), rebaixamento do quorum para
aprovação de emendas constitucionais para maioria simples, restrições no acesso dos candidatos
à mídia nos termos da Lei Falcão e revisão das vagas para Câmara Federal pela população dos
Estados, e não mais pelo eleitorado120.
4 – Na área econômica, o período de Geisel ficou marcado pelo II Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND), com as suas opções e consequências. Num ambiente internacional de
recessão pelo primeiro choque do petróleo, o Plano era ousado no sentido de completar o ciclo de
substituição de importações na economia brasileira, com a internalização de uma indústria de
bens de capital. Foi mantido um nível de crescimento elevado (embora inferior ao verificado
durante o “milagre econômico”), com aumento e diversificação das exportações. No entanto, a
conta foi paga pelo aumento da inflação (de 15,6% em 1973 para 77,3% em 1979) e a elevação do
endividamento externo (de US$ 6,2 bilhões em 1973 para US$ 40,2 bilhões em 1979), de acordo
com dados apresentados por Brum (2000). Estes foram os dois fatores fundamentais da crise
econômica experimentada na década seguinte, com a elevação dos juros e inversão dos fluxos de
capital dos países devedores para os credores.

118
Figueiredo já era apontado por Geisel como seu potencial sucessor desde o começo do mandato e foi de fundamental importância
para desarmar a “Linha Dura” ao chefiar a comunidade de informações do SNI. Veja Skidmore, Thomas. Brasil: de Castelo a
Tancredo. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1988. 2ª Edição.
119
Para Keck (1988), o “Novo Sindicalismo” diferenciava-se daquele praticado antes do golpe militar de 1964 pela 1) Ênfase na
organização de base; 2) Reivindicações para revisar a C.L.T. e emancipar os sindicatos do Estado, com direito de greve e
negociação direta com os empregadores; 3) Maior disposição para a militância; e 4) Transformação por dentro da estrutura
sindical, pela sua democratização (Assembleia Geral). Leia Keck, Margaret. O Novo Sindicalismo na Transição Brasileira. In:
Stepan, Alfred (Org.). Democratizando o Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1988.
120
Araújo (2006) ressalta que o objetivo de revisar o número de vagas pela população e não pelo eleitorado tinha o objetivo de aumentar
a representação dos Estados com indicadores sociais inferiores à média nacional, nos quais a Arena era majoritária. Aqui entram
aspectos como expectativa de vida, natalidade, mortalidade infantil e analfabetismo. Nos estados com piores resultados, o
eleitorado era menor em relação à população do que nos outros, pela composição etária da população e o elevado número de
analfabetos (que eram inalistáveis).

100
Um aspecto importante do governo Geisel, pouco destacado pela literatura do período, são
as leis de redivisão territorial do país. A primeira (20/74) dispôs sobre a criação de novos Estados e
territórios, instituindo a fusão entre os Estados do Rio de Janeiro e Guanabara; e a segunda (31/77)
criou o Estado de Mato Grosso do Sul, seccionado da porção meridional do território mato-
grossense. Sobre a divisão, Mauro Cid disse que as obras feitas por Fragelli e Garcia, em Cuiabá,
foram uma compensação para minimizar a rejeição à divisão e preparar a região norte para o período
posterior. Ele destacou que:

Foi a grande troca. Ter a tranquilidade de consolidar Cuiabá como capital, que seria. E
deixar a marca dele aqui. Para que o projeto maior, que era a divisão, não fosse
contestado. Tinha que fazer tudo isto como ele fez. Enquanto isto, o projeto da divisão
estava correndo, com o apoio lá do Governo Federal [...] Cuiabá só teve até aí. Depois,
de lá pra cá, me fala aí de uma grande obra. Cuiabá, na parte de infraestrutura não tem
nada (04/09/2006, entrevista).

O governo Fragelli foi marcado também por realizações em todo o Estado. Cabe destaque:

1 - Rodovia Transpantaneira121, que pretendia ligar Cuiabá a Corumbá atravessando o Pantanal.


Conseguiu chegar, ainda no mandato de Fragelli, até Porto Jofre, na margem do Rio Cuiabá.
Póvoas (1977) apontou que a Transpantaneira foi proposta pelo Agrônomo Gabriel Müller para
permitir uma ligação no sentido norte-sul (Poconé-Porto Jofre-Corumbá). A estrada construída
no governo Pedrossian (1966-1971), de Aquidauana a Corumbá, teve problemas porque foi feita
na posição transversal às águas, funcionando como “barragem contra as chuvas”. Fragelli
inaugurou apenas o trecho até Porto Jofre (130 km), pois para continuar até Corumbá seriam
mais 270 km, com a construção de uma ponte sobre o Rio Cuiabá. O trecho em território sul-
matogrossense nunca foi concluído. Um dos resultados obtidos pela estrada em nível nacional
foi a criação do Programa de Desenvolvimento do Pantanal (Prodepan), em 02/05/1974. Houve,
também, forte investimento em outras estradas;

2 - Na área de energia, ocorreu a reestruturação da Cemat e grande expansão de sua capacidade de


transmissão e distribuição. Foram relevantes a inauguração da Usina Casca III, em Chapada dos
Guimarães, e o início das obras da linha de transmissão saindo da Usina de Cachoeira Dourada
(GO), passando por Alto Araguaia (MT) e Rondonópolis (inaugurado pelo sucessor de Fragelli);

121
Paulo Zaviasky recordou da cobertura feita pelo Jornal Equipe sobre a Transpantaneira. Pelos inúmeros churrascos realizados
pelos fazendeiros de Poconé sob articulação de Gabriel Müller (Presidente da Codemat e responsável pela obra), o jornal
apelidou a rodovia de “Transchurrasqueira”. De fato, Araújo (2005a) apontou que a obra era uma demanda antiga dos
pecuaristas da região que precisavam de um local mais alto e seco para transporte do gado na estação chuvosa. A perda de peso
apresentada pelo rebanho era muito elevada pela necessidade de deslocamento em comitivas pelo Pantanal.

101
3 - O Banco do Estado de Mato Grosso (Bemat) foi recuperado de situação pré-falimentar (saiu de 95º
lugar no ranking dos bancos para o 1º em crescimento de depósitos). No segundo ano de seu
mandato (1972), o lucro do Bemat teria superado os nove exercícios anteriores, como apontado
no relatório entitulado Mato Grosso: do Garimpo ao Computador (Balanço do governo José
Fragelli);

4 - O Estádio “Verdão”, depois batizado de governador José Fragelli, com capacidade para mais de 50
mil expectadores122;

5 - A construção do Centro Político Administrativo (CPA), para centralizar numa área mais ampla os
principais órgãos estaduais e federais, bem como bairros residenciais. Diante da situação
estrangulada em que se encontravam os órgãos públicos no centro de Cuiabá, Fragelli decidiu
construir uma “cidade administrativa” contígua à capital. Para Póvoas (1977), o objetivo não era
apenas criar um centro para sediar as agências federais e estaduais, mas orientar a expansão
urbana de Cuiabá no sentido norte. O projeto inicial previa bairros residenciais, parques,
estacionamentos, lagos, avenidas e outras edificações importantes;

6 - Licitação de uma área de 2.000.000 hectares no município de Aripuanã para colonizadoras, que
levantou os recursos que pagaram o CPA e o “Verdão”. Póvoas (1977) salientou ainda que o
governador Fragelli negociou com o senador Filinto Müller (então presidente do Senado) a
aprovação de uma resolução autorizando o Estado a vender as terras do município de Aripuanã
para colonizadoras. A Lei estadual n° 3.307, de 18/12/1972, reservou a área para a Codemat, que
deveria proceder à fundação de colônias agrícolas, alienação para projetos de colonização ou
aqueles patrocinados com incentivos fiscais da Sudam. A mesma lei dispôs que de 10 a 20% dos
recursos apurados com a venda dos dois milhões de hectares deveriam ser aplicados em obras de
infraestrutura do município e os restantes, 80 a 90%, na construção do Centro Político
Administrativo em Cuiabá e outras obras de interesse do Estado. Desta área surgiram os atuais
municípios de Alta Floresta, Apiacás, Castanheira, Cotriguaçu, Juína, Juruena, Nova
Bandeirantes, Nova Monte Verde, Paranaíta, Colniza e Rondolândia.

Vale relembrar aqui a importância para a consecução das obras estaduais conferidas pelos
entrevistados à Prefeitura de Cuiabá. O prefeito José Villanova Torres (1971-1975) realizou trabalho
de recuperação na Prefeitura, similar ao que foi feito no Estado. Fragelli disse que já o conhecia, por

122
Pedrossian construiu e inaugurou um estádio com seu nome em Campo Grande, na última semana de seu mandato. Ele foi
apelidado pela população de “Morenão”, em referência o título de Campo Grande (Cidade Morena). Este gesto teria causado
muito ciúme em Cuiabá, por ser capital do Estado e possuir vários clubes de futebol (Mixto, Dom Bosco, Operário). A pedido
de sua esposa e amigos Aecim Tocantins e Mauro Cid, Fragelli entendeu que deveria construir um estádio também em Cuiabá.
A obra logo foi batizada de “Verdão”, em referência ao apelido de Cidade Verde, dado a Cuiabá por D. Francisco de Aquino
Corrêa. Quanto ao seu nome no estádio, Garcia Neto disse a Fragelli que escolhera por gratidão, porque se Fragelli não tivesse
feito o Verdão, Garcia não conseguiria fazer mais nada em Cuiabá.

102
sua posição de funcionário do Departamento de Terras e Colonização (DTC) e empresário na região
de Cáceres. O nome que Fragelli mencionou a princípio não era de Cuiabá e nem da “velha UDN”. O
governador disse, então, que aceitaria outro nome e pediu indicações. Diante disso, as principais
lideranças deste grupo na cidade (Aecim Tocantins, Ênio Vieira, Garcia Neto e Villanova Torres) se
reuniram e decidiram que um deles seria o prefeito. Aecim alegou que estava na Chefia de Gabinete
do governador e já perdera uma eleição para prefeito (1962), Garcia Neto era deputado federal e teria
que renunciar e Ênio Vieira recusou. Sobrou apenas Villanova Torres, aceito e nomeado por
Fragelli123.
A posição da Arena II durante o mandato de Fragelli privilegiou a tentativa de composição
das duas alas dentro da Arena. Benedito Canellas entendeu que a sua escolha para a liderança da
bancada da Arena na Assembleia Legislativa, pelo governador Fragelli, era uma forma de evitar as
intrigas internas ao partido, pela convivência das facções internas. Ruben Figueiró, também
deputado estadual nesta legislatura, disse que Canellas era o líder de direito, mas ele o era de fato. Isto
pôde indicar também para uma articulação de Fragelli para neutralização dos pedristas, obrigando-os
a defender o Executivo na Assembleia.
Gabriel Novis Neves ficou sendo um dos principais representantes dos “pedristas” no norte
do Estado, pela evolução e destaque que a Universidade Federal de Mato Grosso veio demonstrar.
Gabriel Novis Neves atribuiu o crescimento experimentado pela UFMT, na segunda metade da
década de 1970, à decisão tomada pelo presidente Geisel de efetivar os planos para a divisão de Mato
Grosso. Para confirmar tal ponto de vista, ele relatou um episódio importante:

O Geisel, ele foi escolhido Presidente e montou o grupo de trabalho dele no Rio de
Janeiro, na Praça XV. Quando ele fez todo o planejamento, que fechou o programa de
Governo, ele falou: “olha, eu quero ir a cinco lugares no Brasil”. [...] Veio um
emissário dele [...] “sou da assessoria do futuro Presidente da República [...] Ele quer
falar com o senhor [...] Não vaza nada” [...] E o Geisel ficou duas horas e pouco. Ele
saiu dali, já era uma e pouco da tarde, e foi almoçar com o governador do Estado, que
era Fragelli. Neste trajeto, eles conversaram [...] Aí o Geisel bateu na perna do Fragelli
[...] “Fragelli, quero ter dar uma notícia: eu vou dividir o Estado. [...] eu tinha muita
dificuldade de dividir o Estado e não ter alguma estrutura para consolidar. Mas o que
eu vi aí, essa universidade, ela vai dar base”. A partir desse momento, por causa da
divisão, os recursos apareceram [...] O grande salto foi aí. O grande salto foi
exatamente porque o Geisel falou assim: “eu vou dividir [...], mas eu vou deixar uma
estrutura de desenvolvimento”. (28/08/2006, entrevista).

Ao verificar alguns indicadores da UFMT em relatório comemorativo de seus 25 anos, foi


possível confirmar tal crescimento a que se referiu o ex-reitor Gabriel Novis Neves em seu depoimento.

123
Freitas (2003) apontou em artigo sobre sua participação na área de arquitetura e urbanismo da prefeitura de Cuiabá, nas décadas
de 1960 e 1970, que o engenheiro civil Sátiro Pohl Castilho seria indicado para a Prefeitura de Cuiabá, em 1971, na sucessão de
Bento Lobo. Além do currículo técnico, Castilho tinha experiência política como ex-prefeito de Rondonópolis (1962-1966).
Talvez esse tenha sido o nome mencionado por Fragelli a Garcia Neto e que resultou na articulação descrita.

103
No período 1974-1981, que inclui o mandato de Geisel e também os primeiros anos de João Figueiredo
(pela conclusão de obras iniciadas antes), houve grande crescimento da instituição. O número de
estudantes saiu de 2.030, em 1973, para 5.720, em 1981 (182% de ampliação), e o corpo docente pulou de
296 para 818 (176,51%), no mesmo intervalo124. Apenas para se ter uma noção, em 2004 o corpo docente
totalizava 922 profissionais e vinte anos antes (1984) atingira 997. O número de alunos por professor
chegou a 5,81 em 1980 e em 2004 atingira 17,08, quer dizer, cerca de três vezes mais125.
Contudo, o dado mais representativo refere-se às instalações físicas da UFMT. Entre 1974 e
1981 foram edificados 71.380 m2, ao redor de 50% da área construída existente no campus de Cuiabá
até 2003. Equipamentos acadêmicos fundamentais para a consolidação do campus de Cuiabá, como a
Biblioteca Central, o Teatro, Restaurante, Ginásio e as sedes dos antigos centros (CCET, CCBS,
CCA, CLCH) foram construídos e⁄ou ampliados naquele momento126. Com base no capital físico e
humano acumulados, a UFMT pôde se expandir nas décadas de 1980 e 1990 para a pós-graduação, o
Hospital Universitário, a pesquisa e os campi de Rondonópolis, Barra do Garças e Sinop, bem como
os cursos de interiorização e o ensino a distância127.
Oscar Ribeiro fez questão de destacar que a sua primeira eleição para deputado estadual
(1974) contou com apoio decisivo da “comunidade universitária” da UFMT. Embora ele já tivesse
sido prefeito de Rosário Oeste, não se pode desconsiderar o peso da instituição nos municípios em que
oferecia vagas. Ele destacou a importância da UFMT nos projetos de rearticulação do Estado na
economia nacional e internacional na década de 1970, com destaque para a Cidade Científica
Humboldt. Os estudos realizados na cidade científica de Aripuanã permitiram a venda das terras para
as colonizadoras públicas e privadas que se instalaram em toda a Amazônia mato-grossense.

Sobre a Cidade Científica de Humboldt, Borges (2007) registrou que:

Para criação da cidade científica de Humboldt, no município de Aripuanã, pareceram


conjugar-se favoravelmente os esforços do Governo Federal – Ministério do
Planejamento (Centro de Planejamento Amazônico –Seplan da Fundação IPEA-
IPLAN); Ministério da Educação (Fundação Universidade Federal de Mato Grosso –
Uniselva); Ministério do Interior (Superintendência de Desenvolvimento do Centro-
Oeste – Sudeco); Presidência da República (Instituto Nacional de Pesquisas da
Amazônia – INPA); do governo estadual (governo do Estadode Mato Grosso); e do
Governo municipal (Prefeitura Municipal de Aripuanã); bem como do setor
empresarial. [...] O conhecimento produzido pela cidade científica de Humboldt
deveria buscar originalidade e integração para que os produtos regionais fossem
comercializados nos mercados nacional e internacional...

124
UFMT: 25 anos. Cuiabá, Editora da Universidade Federal de Mato Grosso, 1994.
125
Plano de Desenvolvimento Institucional UFMT.
126
UFMT: 25 anos. Cuiabá, Editora da Universidade Federal de Mato Grosso, 1994.
127
Plano de Desenvolvimento Institucional UFMT.

104
Há 15 minutos eu era contra, mas agora vesti a camisa do Presidente e
já sou a favor

A sucessão de Fragelli é uma das mais interessantes e obscuras deste período, por ter sido a
última com o Estado ainda unificado e pela escolha ter tido forte participação dos militares. Como era
habitual, a Arena estadual elaborou uma lista com dez nomes, sendo os seis primeiros do sul e os
quatro últimos do norte. Segundo Martins (1981), os candidatos eram:

01 – Paulo Coelho Machado (Secretário de Agricultura de Fragelli);


02 – Rachid Saldanha Derzi (senador pela Arena);
03 – Antônio Mendes Canale (ex-prefeito de Campo Grande);
04 – Italívio Coelho (senador pela Arena, tendo assumido a vaga pela morte do senador Filinto
Müller);
05 – Marcelo Miranda Soares (presidente do Dermat no governo Fragelli e integrante do grupo
de Pedrossian);
06 – Kerman José Machado (presidente da Cemat no governo Fragelli);
07 – Gastão Müller (deputado federal pela Arena);
08 – Gabriel Müller (presidente da Codemat);
09 – Nilson Constantino (Ocupante de cargos importantes na Maçonaria em Cuiabá);
10 – Ênio Vieira (presidente da Arena de Mato Grosso).

Martins (1981) recordou-se que, uma vez fechada a lista dos candidatos, veio um pedido do
Diretório Nacional da Arena para que o nome do deputado federal Garcia Neto fosse incluído. Ênio
Vieira, correligionário de Garcia Neto, retirou seu nome para lhe dar espaço. Garcia Neto era um dos
vice-líderes da Arena na Câmara dos Deputados e muito próximo ao líder, deputado Célio Borja.
Além disso, fora o deputado mais bem votado do Estado em duas eleições consecutivas, com forte
concentração de sufrágios na região norte.
Célio Borja argumentou que, depois de aprovada a fusão dos Estados do Rio de Janeiro e
da Guanabara, pela Lei Complementar n° 20/75, o presidente Geisel dedicar-se-ia à divisão de
Mato Grosso. O próximo governador deveria, portanto, estar alinhado com a missão de preparar o
Estado para receber a divisão. Diante disso, se fosse escolhido um nome do sul, como a maioria
daqueles que estavam na lista da Arena, poderia haver forte reação do norte, pela tradicional
militância que aquela região fizera em favor do divisionismo. A melhor opção seria, portanto, um
quadro aceito no norte, para amortecer o impacto da divisão na região que a sentiria como “perda”
de uma faixa territorial (porque ao sul, o sentimento majoritário seria de vitória pela
concretização da causa histórica). Célio Borja teria sugerido a Geisel, então, o nome de José
Garcia Neto para governador de Mato Grosso.

105
Apesar das qualificações, houve surpresa quando Garcia Neto entrou na disputa, porque
seu nome não era esperado e havia rumores, inclusive, de que ele encerraria a sua vida pública, em
virtude de um acidente com a sua filha, Glauce, no Rio de Janeiro, como apontou Júlio Campos. A
surpresa foi ainda maior na região sul, pois Garcia Neto não era nascido em Mato Grosso e tinha perfil
“nortista” típico. Garcia Neto detalhou o processo consultivo organizado pelo senador Petrônio
Portella (presidente Nacional da Arena) para a sua eleição de governador em 1974:

Em 1970, as eleições iam ser diretas pra governador. [...] Eu era candidato com apoio
do pessoal do sul que era contra mim da outra vez. [...] Eleições indiretas em 74. O
Fragelli era o governador. [...] Eu tinha muitos amigos, do tempo da UDN, iam lá
forçando. [...] Petrônio chegava pra consultar os membros do diretório regional [...] No
sábado anterior ele me telefonou [...] “Rapaz, porque você não arranja pelo menos um
seis votos lá?”. Eu não era candidato. [...] Fui ao Fragelli. Fragelli: resolvi ser
candidato. [...] Você é o governador, seu voto é um voto é de primeira [...] É o seguinte
Fragelli: da outra vez [...] eu não votei em você. [...] Porque você, naquela campanha da
UDN, você ia votar comigo e não votou. [...] Eu não votei em você, você não votou em
mim. Tá um a um. [...] Desempate isso aí [...]. O Petrônio chamava. E quando ele me
chamou. [...] Ele pegou um e colocou assim: Garcia Neto. [...] Petrônio: eu não vou
votar em mim mesmo. “Não, este voto é meu. Me dá só dois nomes”. Três dias depois,
ele me chama lá e diz “quero ser o primeiro a cumprimentar o governador”. Saí como
candidato a governador, com pessoal do sul contrariado, o pessoal do PSD também
contrariado [...]. Quando escolhi os secretários [...] peguei elementos do norte e do sul
[...] e do PSD e da UDN. (06/07/2006, entrevista).

Fragelli recordou-se que Geisel lhe pedira, antes que enviasse uma lista com oito nomes, que
ele a devolvesse com 4 nomes e, por fim, Fragelli deveria selecionar o governador dentre estes. Fragelli
respondeu-lhe: “Não quero criar três inimigos”. Mato Grosso teria sido um dos últimos Estados a serem
visitados para a definição do governador. Depois disso, Fragelli recebeu uma comissão de três deputados
federais no Palácio Alencastro para lhe informar que Garcia Neto seria escolhido como governador. O
presidente Geisel já decidira dividir o Estado e queria alguém da região norte. A escolha de Cássio Leite
de Barros para a vaga de vice deu-se sob sugestão do então senador Fernando Corrêa da Costa (João Leite
de Barros, vice de Fernando no primeiro mandato, era tio de Cássio).
Ruben Figueiró ressaltou que a eleição de Garcia Neto foi uma escolha estratégica, “[...]
para não traumatizar o norte com a divisão do Estado” (29/09/2006, entrevista). Ele considerou ainda
que Garcia Neto sabia da divisão desde o princípio e teria assumido o compromisso com Geisel e
Golbery de não revelar tal conhecimento. Para Figueiró, Garcia Neto foi o “governador da divisão” e
manteve-se equidistante da luta norte-sul (tanto que o escolheu, como divisionista convicto, para
ocupar a liderança do Executivo na Assembleia). Ele relatou ainda que em 1976 estiveram em Cuiabá
os ministros do Planejamento (Reis Velloso) e Interior (Rangel Reis), como parte dos preparativos
para a divisão que ocorreria no ano seguinte. Eles foram até a Assembleia Legislativa e Figueiró fez
um pronunciamento afirmando que, se fossem concretizadas as obras previstas para a região norte do
Estado, como a BR-163, haveria mais duas divisões em função do desenvolvimento gerado.

106
Mauro Cid afirmou que o Fragelli não articulou ninguém para ser seu sucessor. Salomão do
Amaral lançou mais luz sobre os objetivos da eleição de Garcia Neto:

Nós queríamos o Paulo Coelho Machado ou o Kerman. [...] Garcia não estava no
esquema [...] Aí na última hora apareceu o Garcia [...] Dizem que quem arrumou o
nome do Garcia, esse negócio, foi o irmão do Golbery, um General chamado Morency
do Couto e Silva. Que veio a Três Lagoas, o Garcia foi lá, eles fizeram uma reunião lá, e
de lá que saiu [...] Tanto que foi surpresa para todos nós, a indicação do Garcia. [...] a
luta política entre nós, o grupo do Fragelli, e do grupo do Pedro, era muito grande. E, o
pessoal do grupo do Fragelli não iria servir ao Geisel, por causa do Golbery [...]. E a
justificativa de ter escolhido o Garcia era que ele era um político daqui, mas que não
era daqui. Que ele ia ficar equidistante dos dois grupos. [...] Garcia sabia da divisão,
não adianta dizer que não sabia. (24/10/2006, entrevista)

Júlio Campos entendeu que a escolha de Garcia Neto para governador, em 1974, foi uma
forma de compensar a região norte do Estado pela divisão, que já constava dos planos do presidente
Geisel. Por sua condição de deputado federal mais bem votado de Mato Grosso, em duas eleições
consecutivas (1966 e 1970), com forte concentração de eleitores no norte, Garcia Neto foi
considerado como uma liderança que poderia amortecer o impacto da divisão.
Júlio Campos apontou ainda que Garcia quebrou a tradição ao escolher para a vaga de vice-
governador um quadro da própria Arena I, sendo que a composição no interior da Arena recomendava
alguém da Arena II, como foi feito por Fragelli. O mais indicado na época seria o ex-deputado
estadual José Ferreira de Freitas, que fora líder do governo Pedrossian na Assembleia Legislativa na
ocasião da votação do pedido de impeachment. Freitas tinha as suas bases políticas na região de
Corumbá e era muito próximo a Filinto Müller e João Ponce de Arruda.
Já Oscar Ribeiro considerou que Garcia Neto sabia da divisão e fora escolhido em função
dos preparativos, neste sentido, pela União. Ele comentou que a evolução do movimento separatista
deve ser medida em décadas e não em anos e que todos sabiam sobre as medidas tomadas pelo
governo Fragelli (1971-1975) para facilitar a divisão. Ribeiro destacou ainda que Garcia Neto era
famoso por sua postura antidivisionista, por sua participação em passeatas com este objetivo, em
Cuiabá. Avaliou como possível que ele não soubesse da divisão quando foi escolhido como
governador, mas, assim que tomou posse, teria sido informado.
Benedito Canellas confirmou esse ponto de vista, ressaltando que Petrônio Portela
(presidente da Arena Nacional) e o próprio general Golbery teriam lhe confidenciado que Garcia
Neto fora avisado da divisão antes de ser escolhido como governador. Ele foi eleito porque era o
grande líder da região norte. Canellas considerou ainda que, se Garcia tivesse preparado o norte para
a divisão, teria tranquilizado muito mais o processo depois e seria a grande liderança do Estado
remanescente no pós-divisão. Ele teria tentando conciliar as duas regiões para evitar a divisão, com as
obras e a participação no governo das forças sulistas.
Já Frederico Campos, que estava em Cubatão naquele momento, trabalhando na Prefeitura
com seu irmão, relatou o envolvimento que teve na escolha de Garcia Neto. Frederico Campos

107
salientou que houve cogitação do seu nome para a sucessão de Fragelli, embora ele não constasse da
lista oficial da Arena e estivessese afastado de Mato Grosso desde quando deixou a Prefeitura de
Cuiabá (1969). Um dos motivos pelos quais ele não pôde concorrer foi a transferência de seu
domicílio eleitoral para São Paulo, uma vez que a legislação exigia um período de presença no Estado
para este fim.
O tio de Frederico Campos era o general Dilermando Gomes Monteiro, muito próximo ao
presidente Geisel e cotado, inclusive, para ocupar a chefia da Casa Militar no mandato deste. Em
virtude de uma queda na casa de sua filha, em Brasília, quando brincava com a bicicleta do neto, na
qual fraturou a cabeça do fêmur, a cerca de uma semana da posse de Geisel, Dilermando teve que usar
cadeira de rodas por um período e não pôde aceitar o convite128.
Contudo, sua influência junto a Geisel continuou grande e este lhe incumbiu de auxiliar na
seleção do governador de Mato Grosso em 1974. Dilermando pediu, portanto, que Frederico Campos
fizesse um comentário sobre cada um dos nomes que figurava numa lista de 7 (de certo, aquela
elaborada pela Arena com algumas reduções). Frederico Campos frisou, em seu relatório, o nome de
Garcia Neto. Justificou a sua opção não apenas pela amizade e relações pessoais que tinham entre si
(por terem trabalhado juntos como engenheiros na iniciativa privada), mas, sobretudo, pela
experiência parlamentar e executiva de Garcia, melhor que os demais candidatos. Depois, Frederico
Campos telefonou para Garcia e lhe disse que este seria escolhido governador, mas pediu para manter
o sigilo.
Uma possibilidade interpretativa sobre os eventos e sua sequência pode ser feita da seguinte
forma: primeiro, Geisel teria conversado com Célio Borja (líder da Arena na Câmara dos Deputados)
sobre a sua intenção de dividir Mato Grosso e, portanto, da necessidade de escolher um governador
adequado para essa missão. Célio Borja teria sugerido Garcia Neto, de quem era próximo, pelo
exercício de uma das vice-lideranças da Arena na Câmara dos Deputados. É provável que Célio tenha
conversado com Garcia Neto sobre este assunto. Depois, teria vindo à reunião de Garcia com
Golbery, em Três Lagoas, na qual Garcia teria sido “aceito”. A visita de uma comissão de três
deputados federais a Cuiabá, para informar o então governador Fragelli sobre a eleição de Garcia,
teria acontecido em seguida. Por fim, se deu a vinda de Petrônio Portela (presidente da Arena
nacional) a Cuiabá para consultar os membros do diretório regional e articular a escolha de Garcia
como governador. Já durante o mandato de Garcia Neto como governador (1975-1978), Frederico
Campos foi convidado para ocupar a direção da Secretaria de Obras, órgão muito importante naquele
momento, pelo volume de recursos dedicados ao investimento no Estado.

128
É curioso observar como a memória política do Estado registrou de modo diferenciado o acidente com o general Dilermando
Monteiro. Há quem diga que ele caiu quando andava a cavalo em sua fazenda, ou que teria caído enquanto brincava na beira da
piscina. É um exemplo de como o pesquisador deve adotar precauções com a memória, confrontando as diferentes versões e
buscando a mais próxima dos fatos relatados. O próprio general Dilermando afirmou que “[...] esse acidente foi na casa de
minha filha, aqui no lago, para me despedir deles [...] então, devia ter sido no dia 8 de março, por aí, e o meu neto andando de
bicicleta parou com a bicicleta perto de mim. E, eu tomei a bicicleta dele, montei, dei uma volta e quando saltei da bicicleta
perdi o equilíbrio e caí de costa no chão e fraturei o fêmur. Aí os médicos me disseram que eu levaria, no mínimo, 6 meses para
recuperação, e eu achei que não devia deixar o Presidente numa situação incômoda.”

108
A Arena II sofreu duas baixas importantes entre 1970 e 1974. A primeira foi a morte de seu
líder maior, o senador Filinto Müller, num acidente aéreo, em 11/07/1973, quando chegava ao
aeroporto de Paris, vindo do Rio de Janeiro. Filinto estava acompanhado de sua esposa (Dona
Consuelo) e um neto (Pedro), que muitos entendem que ele preparava para lhe suceder. No momento,
Filinto Müller era presidente nacional da Arena, do Senado e, portanto, do Congresso Nacional. Com
a sua morte acirrou-se a inevitável discussão no interior do grupo sobre a sucessão. Quem seria o
herdeiro do comando político dos antigos pessedistas, agora filiados à Arena II? Não faltavam
candidatos. Cabe citar aqui seus sobrinhos (o então deputado federal Gastão Müller e Gabriel,
presidente da Codemat); o deputado federal Emanuel Pinheiro; o ex-prefeito de Campo Grande
Antônio Mendes Canale e; por último, mas não menos importante, Pedro Pedrossian. As
circunstâncias do destino, como algumas fatalidades, erros políticos e, sobretudo, a divisão do
Estado, fizeram com que o bastão da liderança política dos pessedistas fosse cair nas mãos do então
prefeito de Várzea Grande, que contava na época com 24 anos. Seu nome: Júlio José de Campos.
O próprio senador Filinto Müller teria dito a Júlio Campos, meses antes de seu falecimento,
que via uma linha sucessória para os próximos governadores, que deveriam ser todos do grupo da
Arena II. Na sucessão de Fragelli, o candidato deveria ser Antônio Mendes Canale (1974), depois,
Emanuel Pinheiro (1978) e, por fim, Júlio Campos (1982). Ele se recordou ainda que Filinto Müller
não era adepto da “familiocracia” e ter-lhe-dito que nem Gastão, nem Gabriel Müller deveriam ser
governadores. Em pronunciamento no Senado Federal, em 12/07/1993, por ocasião do vigésimo
aniversário da morte de Filinto Müller, Júlio Campos se recordou de um encontro que teve com
Filinto em Brasília, poucos meses antes de sua morte. A data foi 15/03/1973 e Filinto presenteou Júlio
com uma caneta, com a inscrição “governador Filinto Müller”, que correligionários do ex-PSD
entregaram a Filinto na eleição de 1960 para ser usada na assinatura do termo de posse. Filinto disse a
Júlio que este ainda seria governador de Mato Grosso e deveria assinar o termo de posse com aquela
caneta, como prova da sua “linhagem” pessedista e da troca de comando de uma geração para outra129.
Antes da chegada do cadáver de Filinto Müller ao Rio de Janeiro, Gastão Müller divulgou
pela Revista Veja as cartas pessoais do senador, que ele tinha por hábito enviar ao próprio Gastão
Müller, mas também a seus irmãos e aliados. O objetivo disso era apresentar-se como próximo a
Filinto Müller e seu verdadeiro herdeiro. Nas cartas, o senador tecia críticas ao regime militar e suas
filhas ficaram muito chateadas pela divulgação repentina e “desautorizada”. Gerou um clima de
constrangimento na família, porque o regime militar deu honras de chefe de Estado nos ritos fúnebres
de Filinto Müller.
Uma vez definido o candidato a governador, faltava escolher o candidato a senador pela
Arena. Apenas uma vaga estaria em disputa com o encerramento do segundo mandato de Fernando
Corrêa da Costa (1967-1975). Antônio Mendes Canale, ex-prefeito de Campo Grande e egresso da
Arena II, teve a sua candidatura costurada por José Fragelli e Garcia Neto para opor-se a Pedrossian,

129
Pronunciamento do senador Júlio Campos no Senado Federal em Brasília. Diário do Congresso Nacional 2, p. 6.885,
13/07/1993.

109
dentro do partido. O deputado federal Emanuel Pinheiro era visto como candidato natural a senador
da Arena II, em 1974, por ter sido o mais votado na eleição de 1966 (presidente da Assembleia) e pelo
bom desempenho como deputado federal desde 1971. Dentro da disputa regional, Antônio Mendes
Canale lançou a sua candidatura. Pedrossian, decerto preocupado que outra liderança sulista, além
dele, vencesse as eleições, procurou Pinheiro e manifestou-lhe seu apoio. Oscar Ribeiro considerou
que Emanuel Pinheiro tinha boas chances de derrotar Canale na convenção da Arena, porque somaria
o seu eleitorado no norte, ao que Pedrossian traria no sul.
Eles marcaram uma reunião em Campo Grande para acertar os detalhes da campanha.
Pedrossian desmarcou a reunião na última hora, porque teria que se deslocar a Miranda. Emanuel saiu
da agência de turismo em Cuiabá e foi até uma festa no município de Chapada dos Guimarães, na qual
foi assassinado, em 26/07/1974. Segundo a versão oficial, foi um crime passional, cometido por um
marido que se considerava “traído”. Com o seu falecimento, o caminho ficou livre para Canale, que
derrotou Pedrossian na convenção com apoio da ex-UDN (Garcia Neto e Fragelli). Outro efeito da
morte de Emanuel Pinheiro foi a eleição de José Benedito Canellas para a sua vaga na Câmara dos
Deputados. Houve várias reuniões em que as lideranças vinculadas a Pinheiro (inclusive a sua viúva)
articularam apoio a Canellas para que este recebesse os votos que seriam do deputado assassinado.
Mesmo se Emanuel Pinheiro tivesse concorrido a senador, é bem provável que Canellas “herdasse” a
sua vaga na bancada federal.
Com a saída de Canellas para deputado federal e Levy Dias para a Prefeitura de Campo
Grande (1972)130, surgiram nomes como Oscar Ribeiro, João Leite Schmidt, bem como Ary Leite de
Campos, Afro Stefanini e Ronald Albaneze, que já eram deputados estaduais e passaram a compor a
bancada pedrista. O fato de Canale ter sido prefeito de Campo Grande em dois mandatos (1963-1967
e 1970-1973) não contribuiu para que ele obtivesse uma forte votação na cidade, como se esperava.
Vale lembrar que o prefeito de então era Levy Dias, um dos principais líderes do pedrismo e, segundo
Pedrossian (2006), eleito por ele em 1972.
Fragelli recordou-se que foi procurado pelo general Golbery do Couto e Silva (Chefe da
Casa Civil de Geisel) sobre uma possível candidatura sua a senador. Ele recusou, alegando que a
preferência era para a reeleição do senador Fernando Corrêa da Costa e apontou que só concorreria se
este lhe pedisse. Caso contrário, ele concluiria seu mandato. O senador Petrônio Portela pediu-lhe,
então, que derrotasse Pedrossian na convenção e Fragelli convenceu Canale a concorrer. Ele se
considerou responsável pela eleição de Canale. Garcia Neto afirmou que participou de modo intenso
da campanha de Canale para senador. Descreveu as dificuldades que teve para convencer os ex-
udenistas a votarem em Canale, já que ele era egresso da Arena II. A escolha de Canale teve por
objetivo equilibrar a votação com seu adversário do MDB (Vicente Bezerra Neto) no sul. Havia

130
Martins (1981) relembrou que a disputa pela prefeitura de Campo Grande, em 1972, reproduziu as correntes partidárias no
interior da Arena em Mato Grosso. Por meio do mecanismo da sublegenda, concorreram Levy Dias (representante do PSD
pedrista), o Coronel Hércules Maymone (PSD ortodoxo) e David Balaniuc (UDN). O racha no grupo antipedrista permitiu a
vitória de Levy Dias, por 17.580 votos. Caso Maymone (9.800) e Balaniuc (9.370) tivessem concentrado os votos em apenas
um deles, provavelmente teriam vencido Levy Dias e ganho a Prefeitura.

110
também a necessidade de neutralizar o eleitorado pedrista nesta região131. Martins (1981) destacou
que Pedrossian e os “kamikazes da Arena” orientaram seus eleitores a votar em Bezerra Neto e que
este ganhou em Campo Grande, com 29.449 x 11.900 votos de Canale.
Quando os resultados eleitorais são estratificados por região, é possível observar que, nas
zonas que comporiam o estado de Mato Grosso do Sul, Bezerra Neto teve 109.069 votos (51,99%), ao
passo que Canale obteve 100.734 (48,01%), configurando uma vitória por pouco menos de 9.000
votos. No norte, Canale recebeu 82.184 dos votos (63,48%), contra 47.276 de Bezerra Neto
(36,52%). Bezerra Neto, cuja base política era a região de Corumbá, obteve 156.345 votos em todo o
Estado (46,08% dos válidos), contra 182.918 de Canale (53,92%)132.
Estes números permitem afirmar que, de fato, a participação de Fragelli e Garcia na região
norte de Mato Grosso deve ter sido decisiva para a eleição de Antônio Mendes Canale para senador,
em 1974, como eles próprios afirmam. Cumpre lembrar ainda que Canale foi o senador da Arena
eleito pelo Estado situado mais ao sul, já que todos os senadores das regiões Sul e Sudeste foram do
MDB nesta eleição133. Quer dizer, caso o Estado já estivesse dividido, Bezerra Neto (MDB) teria
obtido mais um mandato de senador. Não se pode desconsiderar o peso do MDB na região sul do
Estado na divisão realizada logo em seguida, já que com a maioria sulista no eleitorado e no Poder
Legislativo, a tendência era de eleger cada vez mais candidatos do MDB nas eleições majoritárias. A
região norte de Mato Grosso seria “perdida” também para a oposição, na perspectiva das forças que
apoiavam o regime civil-militar ora em vigor. Ou seja, a tendência do MDB de obter melhores
resultados eleitorais nas cidades mais populosas se repetiu em Mato Grosso. A este respeito,
Mainwaring (1999, p.125) analisou que:

Depois de 1974, as eleições ganharam um caráter plebiscitário: as pessoas votavam a


favor ou contra o governo militar, e cada vez mais contra ele. As bases geográficas dos
dois partidos exacerbaram os problemas do governo . O MDB obtinha melhores
resultados nas grandes cidades, ao passo que a Arena vencia nos pequenos municípios.
Mas as cidades estavam crescendo com rapidez, de modo que, em médio prazo, as

131
O deputado estadual Carlos Bezerra, líder da bancada do MDB na Assembleia Legislativa, cobrou esta ajuda de Garcia Neto na
eleição de Canale em 1974, ao dizer “Eu acho que o governador do Estado tem uma parcela muito forte de responsabilidade
nesse episódio da divisão. Ele ajudou a reforçar as forças sulistas elegendo um senador do sul do Estado, quando lá, já tinha
dois senadores do Sul de Mato Grosso. Ele arregaçou as mangas para reforçar as forças divisionistas. Ele descaracterizou a
administração pública aqui no nosso Estado. A sua autoridade foi sensivelmente diminuída, não por culpa da grande
imprensa, não por culpa dos ataques dos Deputados do MDB, como quer insinuar S. Exa. O governador do Estado e seus
asseclas, mas sim pela própria culpa, pelos erros que cometeu, pelo primarismo com que vinha administrando o nosso Estado
e conduzindo mal a coisa pública nesse rincão matogrossense. Por tudo isso, ele certamente favoreceu enormemente os
argumentos divisionistas, os argumentos daqueles que queriam o que conseguiram agora; tornar o nosso território dividido,
criar em nosso território mais um Estado de Mato Grosso.” (Lima, Yara. Carlos Gomes Bezerra: Perfil Parlamentar de um
Líder – 1975/1978. Monografia apresentada ao curso de especialização em Ciência Política do Univag. Várzea Grande,
1997).
132
Tribunal Regional Eleitoral – MT. Relatório Eleição 1974. Cuiabá: TRE-MT, 1974.
133
Foram eleitos 16 senadores do MDB, contra apenas 6 da Arena. Lideranças expressivas do MDB surgiram nesta safra de 1974, a
exemplo de Orestes Quércia (SP), Roberto Saturnino Braga (GB), Paulo Brossard (RS), Itamar Franco (MG), Otair Becker
(SC), Leite Chaves (PR) e Marcos Freire (PE).

111
perspectivas eleitorais da Arena não eram nada alentadoras. [...] Nas grandes cidades,
surgiu um padrão de voto de classe. [...] Este se tornou, então, o partido dos pobres,
contra o Governo, e a Arena passou a ser identificada como o partido dos ricos,
favorável ao Governo.

Outra observação é sobre o caráter cada vez mais sulista das eleições em Mato Grosso, em
particular nas majoritárias. Em 1970, foram dois candidatos a senador do sul (Plínio Barbosa Martins
e Rachid Saldanha Derzi) e um nominalmente do norte, mas que, na verdade, era uma personalidade
de alcance nacional (Filinto Müller). Em 1974, os dois eram representantes da região sul. Isso fez com
que a bancada mato-grossense no Senado ficasse composta por três sulistas nesta legislatura (Rachid
Derzi, Canale e Italívio Coelho) o que, somado com a aposentadoria de Fernando Corrêa da Costa e
João Ponce de Arruda, e as mortes de Filinto Müller e Emanuel Pinheiro (cogitado para candidato a
senador pela Arena em 1974), deixou a região norte numa posição mais fragilizada na conjuntura em
que ocorreu a divisão do Estado.
Portanto, o peso do MDB na então região sul de Mato Grosso (herdando o eleitorado
petebista anterior ao golpe de 1964) e desta no conjunto do Estado, decerto influenciaram na decisão
que resultou na divisão do Estado. Uma das razões conjunturais alegadas para a divisão foi aumentar a
bancada da Arena na próxima legislatura, já que se previa que, das dezesseis vagas, ficariam 13 para a
Arena e 2 para o MDB, com uma de dúvida. Haveria também mais um senador indireto, garantido
pela maioria da Arena na Assembleia Legislativa. Os resultados negaram essa previsão, quando
foram eleitos dez para a Arena (6 do norte e 4 do sul) e 6 para o MDB (2 do norte e 4 do sul). Quer dizer,
o sul comprovou a força do MDB ao eleger quatro deputados federais (Antônio Carlos de Oliveira,
João Câmara, Walter de Castro e Walter Pereira).
Os resultados das eleições para a Câmara dos Deputados e a Assembleia Legislativa
comprovam a maior força do MDB na região sul de Mato Grosso. Na bancada federal, o MDB obteve
19,81% dos votos no norte, contra 33,18% no sul, em 1966, caindo para 4,98% e 16,18%, em 1970, e
crescendo para 11,82% no norte e 31,32% no sul, em 1974134. Já na bancada estadual, o MDB atingiu
resultados semelhantes e com o mesmo perfil regionalizado, com 19,92% no norte e 27,31% no sul,
em 1966, 5,11% no norte e 15,56% no sul, em 1970, e 11,71% no norte e 33,47% no sul, em 1974. A
queda na eleição de 1970 está relacionada ao enfraquecimento da oposição ao regime civil-militar na
sequência do AI-5, das medidas de combate aos dissidentes e ao crescimento econômico elevado no
momento do “milagre econômico”.
Nas eleições proporcionais, vinha acontecendo certa “reação” do norte à hegemonia
sulista. Enquanto o eleitorado da região norte cresceu de 36,29%, em 1966, para 36,53%, em 1970, e
40,4%, em 1974, a participação desta região na bancada estadual (Assembleia Legislativa) evoluiu de
30%, em 1966, para 38,88%, em 1970, e 45,83%, em 1974, última eleição antes da divisão. Ao

134
Tribunal Regional Eleitoral – MT. Relatório Eleição 1966. Cuiabá: TRE-MT, 1966; Tribunal Regional Eleitoral – MT.
Relatório Eleição 1970. Cuiabá: TRE-MT, 1970; e Tribunal Regional Eleitoral – MT. Relatório Eleição 1974. Cuiabá: TRE-
MT, 1974.

112
mesmo tempo e de modo reverso, a participação do sul decrescia de 70%, em 1966, para 61,11% e
54,16%, em 1974135. No caso da Câmara dos Deputados, o mesmo fenômeno poderia ser observado. A
participação do norte na bancada federal subiu de 37,5%, em 1966, para 50%, em 1970, e 50%, em
1974, ao mesmo tempo em que os sulistas caíram de 62,5%, em 1966, para 60%, em 1970, e 50%, em
1974136. As tendências apontavam para um acirramento da disputa regional pelo desencontro entre
candidatos majoritários de origem sulista (que concentrava a maior parte do eleitorado), convivendo
com bancadas estaduais e federais com participação ampliada da região norte.
Dentre os deputados estaduais, foram eleitos 6 representantes do MDB, sendo Cecílio
Gaeta, Cléomenes da Cunha, Henrique Pires de Freitas, Sérgio Manoel da Cruz e Walter de Oliveira
do sul, e apenas Carlos Bezerra do norte. Gaeta foi o segundo mais bem votado desta eleição, apenas
abaixo de Ruben Figueiró137.
A despeito da maioria sulista na bancada do MDB, o líder da oposição era Carlos Bezerra,
pelas desavenças entre os deputados da região sul. Essa configuração é mais uma evidência de que,
do ponto de vista político e econômico, o norte, mantido no Mato Grosso remanescente, é que foi
emancipado do sul, e não o contrário, como muitos pensam. Como o sul era majoritário na população,
produção, arrecadação e no eleitorado, o maior centro político e econômico de Mato Grosso já era
Campo Grande, restando a Cuiabá a condição de capital administrativa, porque sediava as principais
agências do aparelho estatal (Tribunal de Contas, Tribunal de Justiça, Assembleia Legislativa,
governadoria, TRE-MT e o Ministério Público)
Outro aspecto de ordem política que não deve ser desconsiderado no entendimento das
razões que cercaram a divisão, foi a influência de São Paulo sobre o sul de Mato Grosso. Um dos
grandes desafios do presidente Geisel na área política era “fazer São Paulo caber na federação”,
porque todo o crescimento experimentado pela economia brasileira, em particular na indústria,
favorecia a concentração do PIB naquele Estado.
Velloso (s/d), Ministro do Planejamento dos governos Médici e Geisel, expôs em artigo as
razões da fusão dos estados do Rio de Janeiro e Guanabara, bem como da criação do Mato Grosso do
Sul, como formas de redimensionar a federação para contrabalançar o predomínio de São Paulo:

135
Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG). Divisão Político-administrativa de Mato Grosso. Cuiabá,
s/d.
136
Foram fontes para estas informações as fichas dos deputados estaduais disponíveis no Instituto Memória da Assembleia
Legislativa de Mato Grosso (http://www.al.mt.gov.br/memoria). O critério utilizado para definir a região de origem do
parlamentar foi o seu domicílio eleitoral. Boa parte das fichas possui também o campo “municípios que representa”, que
confirmou a classificação por domicílio. Já as informações para tipificar a origem dos deputados federais foram extraídas de
suas fichas no Instituto Memória da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (no caso daqueles que foram também deputados
estaduais) e do seu currículo disponível na página da Câmara dos Deputados na internet (http://www.camara.gov.br).
137
Gabinete De Planejamento e Coordenação. Retrospectiva das eleições em Mato Grosso: de 1945 a 1985. Cuiabá: Fundação
Cândido Rondon, 1988.

113
[...] e podemos dizer que a motivação da fusão foi dupla. Em primeiro lugar, evitar que
continuasse no Brasil uma tendência a uma predominância de um estado – São Paulo. A
ideia era ter um segundo polo de desenvolvimento e, talvez, em Minas Gerais, um
terceiro, e alguma coisa no Nordeste. Ao lado da fusão, fez-se a divisão do Estado de
Mato Grosso, dentro da mesma ideia. O potencial do Mato Grosso era enorme porque
depois dos esforços coordenados pelo IPEA, mostrando o potencial dos Cerrados, que
realmente mudaram a face e abriram uma nova fronteira para a agricultura brasileira, a
ideia era evitar, desde logo, que houvesse um futuro São Paulo. Outra motivação era
dar dinâmica econômica própria ao Estado do Rio de Janeiro, e se recuperar a ideia de
que o Rio não era mais capital federal. Eu conduzi, no Planejamento, os estudos
econômicos e, principalmente, o deputado Célio Borja, que era o líder do governo na
Câmara, conduziu os estudos políticos.

Isto desequilibrava a federação e apontava para uma “argentinização” do Brasil, na medida


em que poderia se repetir aqui um conflito semelhante ao do país vizinho, em que a Província de
Buenos Aires, maior centro comercial, financeiro, industrial mantinha uma disputa histórica com a
chamada “burguesia pampeana”, que responde pela produção agrícola no interior do país. Esta
disputa política provocou um “empate hegemônico” na classe dominante argentina e tem gerado
crises políticas e econômicas recorrentes, como descrito por O´Donnel (1977). Como São Paulo
exercia forte ascendência política e econômica sobre a porção meridional de Mato Grosso e esta, por
sua vez, tinha grande peso no processo político estadual, um dos objetivos da divisão foi reduzir a
zona de influência paulista ao “emancipar” o norte do sul.
O tema da divisão do Estado foi quase uma constante nas discussões políticas em Mato
Grosso. Neves (2001a) salientou que em determinados momentos, de acordo com a conjuntura
nacional, ele aflorava mais, como foi o caso das assembleias constituintes de 1934 e 1946, a
constituinte estadual de 1947 e a eleição de 1960 para a Presidência da República, na qual Jânio da
Silva Quadros, nascido no município de Campo Grande, era candidato com apoio da UDN. Em 1959,
quando já despontava o nome do ex-governador de São Paulo (1955-1959) para a sucessão de
Juscelino Kubitschek, surgiu a campanha “dividir para multiplicar”, que prosseguiu até durante a
visita de Jânio a Mato Grosso, e também na campanha. Jânio prometeu que, caso eleito, asfaltaria a
estrada entre Cuiabá e Campo Grande, como auxílio à integração do Estado. Diante de sua renúncia
precoce, com menos de sete meses de mandato, as esperanças imediatas neste sentido adormeceram.
Ao ver os cartazes com uma tesoura cortando o mapa do Estado ao meio, simbolizando a esperada
divisão, Jânio teria afirmando que sentia como se seu próprio coração estivesse sendo mutilado.
Estes momentos foram marcados por manifestações públicas do movimento divisionista,
que em geral mantinha as articulações em circuitos mais fechados. A dimensão regional das disputas
políticas descritas por Neves (2001a) evidencia que já eram dois Estados convivendo em Mato
Grosso. Entretanto, o pragmatismo das forças políticas recomendava que o tema fosse evitado. Como
os resultados eleitorais eram muito próximos, em particular para as majoritárias, qualquer candidato
que se comprometesse de modo aberto com um dos lados da cerca perderia o eleitorado do outro.
Ninguém poderia prescindir de uma das regiões do Estado, em função de delicado equilíbrio
vivenciado no período 1945-1965.

114
Como Martins (1944) demonstrou em sua obra A Defesa Nacional, a separação da porção
meridional de Mato Grosso constava das propostas de redivisão territorial, bem como do próprio
pensamento geopolítico, pelo menos desde a primeira Assembleia Constituinte, em 1823. Por suas
características geofísicas diferenciadas do centro e norte do Estado, como solo, clima, relevo,
vegetação e hidrografia, esta área deveria ser objeto de atenção distinta. Assim como a interiorização
da capital, a criação de unidades subnacionais de menor porte acompanhava o padrão europeu e
norte-americano.
Uma capital situada no litoral era considerada muito vulnerável a ataques anfíbios de
navios estrangeiros (com possível desembarque de tropas terrestres) e dificultava uma articulação
introvertida das diferentes partes que compõem o território nacional. Em ambos os casos, deveria se
esperar por uma conjuntura favorável para a efetivação de tais recomendações. Assim aconteceu com
a construção de Brasília, durante o mandato presidencial de Juscelino Kubitschek (1956-1961),
depois de inúmeras tentativas e de garantia nas três Constituições promulgadas na República (1891,
1934 e 1946).
Portanto, o posicionamento das forças políticas em relação à divisão seguiu primeiro o
corte regional. Quando surgiram comentários de que Geisel encaminharia o Projeto de Lei
Complementar para efetivar a divisão de Mato Grosso, houve saudações por parte dos sulistas. As
medidas tomadas nesse sentido, durante a gestão de José Fragelli (1971-1975), as versões sobre a
escolha de José Garcia Neto para a posição de governador, no período em que a divisão seria
efetivada, e a referência à divisão no II PND já foram entendidas como sinais do compromisso federal
em aprovar a criação de uma nova unidade federativa naquele período.
O então deputado federal Antônio Carlos de Oliveira, que era do MDB da região sul do
Estado, afirmou em pronunciamento na Câmara dos Deputados que o segundo Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND) explicitou os seus objetivos divisionistas no seguinte trecho “[...] o que se
afigura prioritário em matéria de divisão territorial é considerar um ou dois pontos importantes da
ocupação do subcontinente Amazônia – Centro-Oeste, com atenção especial à situação de Mato
Grosso.” Ele criticava a forma como Garcia Neto conduzia a discussão sobre o divisionismo e
enfatizava que a maioria do eleitorado da região sul do Estado seria favorável à divisão, caso fosse
realizado um plebiscito138.
Muitos comentários foram feitos sobre a participação dos Generais Ernesto Geisel e
Golbery do Couto e Silva no divisionismo. Há uma personalização da decisão, como se fosse um
capricho deles, por terem, supostamente, defendido uma tese na Escola Superior de Guerra sobre a
redivisão territorial do Brasil139. É um modelo explicativo que atribui apenas às pessoas a tomada de

138
Pronunciamento do deputado Federal Antônio Carlos de Oliveira na Câmara (MDB-MT) dos deputados em Brasília. Diário do
Congresso Nacional, p. 1.820, 19/04/1977.
139
A memória política do Estado registra em vários momentos a existência de tal tese defendida por Geisel e Golbery na Escola
Superior de Guerra (ESG) sobre a divisão de Mato Grosso. Segundo essa versão, eles teriam aproveitado a passagem pela
Presidência da República para efetivar as conclusões do trabalho. No entanto, António de Arruda, consultor da ESG, disse em
depoimento a Neves (2001), desconhecer tal trabalho e, após uma busca pelos arquivos da instituição, não encontrou
nenhuma referência sobre a pesquisa. É mais uma das lendas que circulou sobre o tema.

115
decisão, como se eles estivessem agindo num vazio de estruturas que lhes impunham limites e
ofereciam oportunidades. Trata-se de uma forma cômoda e muito comum de raciocínio, porque
imputa àqueles que decidiram o ônus pelos eventuais erros que poderim dela advir.
De fato, o general Golbery é considerado por Freitas (2004) como um dos mais destacados
formuladores do pensamento geopolítico brasileiro, junto com Mário Travassos, Cassiano Ricardo,
Francisco de Paula Cidade, Carlos de Meira Mattos e Therezinha de Castro. Em suas obras, Golbery
adotou como ideia central a definição de um conjunto de tarefas visando a coesão, integração e
valorização do território nacional, denominada de manobra geopolítica concêntrica. Para tanto, o país
foi dividido em cinco grandes áreas geopolíticas (Reserva Geral, Ala Norte, Ala Sul, Oeste e
Amazônica), com diretrizes diferentes para cada uma. Garcia Neto disse ao general Geisel em sua
exposição de motivos que:

A divisão do Estado, com o consequente enfraquecimento de sua capital, iria atrasar o


processo de integração dessa rica e cobiçada região. Já o General Golbery do Couto e
Silva, em sua obra “Geopolítica do Brasil”, de profunda repercussão nos meios
culturais, sociais e políticos do país, dizia, a propósito, com sua visão premonitória:
“Cuiabá, no próprio paralelo de equipotência, das atrações do norte e do sul, está
fadada a ser o grande centro de articulação de toda a área cujo potencial base de
circunvalação fronteiriça, de Porto Velho a Campo Grande e Ponta Porã, acabará se
tornando uma realidade concreta na soldadura mais avançada entre o Brasil
Amazônico e o Brasil Platino. (FONTE).

A Arena II posicionou-se, portanto, na sua maioria, de modo favorável à divisão do Estado.


Após a morte do senador Filinto Müller, as principais lideranças do partido eram ou se tornaram
divisionistas, como Pedro Pedrossian e Antônio Mendes Canale, no sul, e o então deputado federal
Gastão Müller, na região norte. A única grande exceção ficou para o deputado federal Vicente Vuolo,
que se manifestou de modo contrário à divisão num primeiro momento e, depois, reviu sua postura,
condicionando a mudança à realização de obras importantes para consolidar o Estado
remanescente140. Júlio Campos destacou que ele e Gastão Müller eram os únicos do norte de Mato
Grosso a defenderem a divisão em debates públicos. Júlio Campos recordou-se que:

Tinha dois caras a favor da divisão daqui do Estado: eu e Gastão Müller, só. Nós fomos
pra um debate, o pessoal achava que nós éramos loucos. Mas nós enfrentamos e
provamos que a melhor coisa pra Mato Grosso era dividir o Estado, ficar livre da turma
de Campo Grande, desta tropa de ocupação e vir pra cá. Como hoje eu acho que, em
termos futuros, tem que pensar na saída do nortão. [...] É muito difícil governar este
Estado, pelo tamanho que tem, pela dificuldade que tem. (13/09/2006, entrevista)

140
Pronunciamento do deputado Federal Vicente Vuolo na Câmara dos deputados em Brasília. Diário do Congresso Nacional, p.
2.721-2.722, 06/05/1977.
ASSESSORIA DE RELAÇÕES PÚBLICAS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. A divisão de Mato Grosso. Brasília, 1977.

116
Gastão Müller fez vários pronunciamentos na Câmara Federal em defesa da divisão do
Estado. Chegou a transcrever uma matéria publicada pela Revista Manchete, em que o ex-prefeito de
São Paulo, Miguel Colassuono, expõe as razões da divisão. Compilou também dados obtidos nos
ministérios sobre os planos existentes para a região norte de Mato Grosso, com o objetivo de prepará-
la para exercer sua nova condição141. No primeiro discurso em plenário nesta legislatura, relatou a sua
presença na transmissão de cargo de governador, de José Fragelli para José Garcia Neto
(15/03/1975), e enfatizou a concordância da maioria da população de Cuiabá com a divisão do Estado
que, segundo ele, se avizinhava. Foi um pronunciamento cheio de apartes, em particular dos
deputados Joaquim Nunes Rocha e Vicente Vuolo, da bancada do norte mato-grossense.
Nunes Rocha afirmava que a discussão sobre a divisão do Estado era inoportuna, pois não
havia até então qualquer manifestação por parte do Poder Executivo neste sentido. Seria apenas uma
tentativa da oposição a Garcia Neto, de esvaziar seu mandato de governador. Gastão contra-
argumentava que era tão amigo de Garcia Neto quanto Nunes Rocha e citava as referências
divisionistas feitas pelos ministros Maurício Rangel Reis (Interior) e João Paulo dos Reis Velloso
(Planejamento). Gastão Müller sintetizou de maneira otimista o sentimento que identificava na
região norte, do seguinte modo:

Essa divisão já era esperada e aceita como necessária e inevitável. É comparada com o
que acontece nas famílias. O filho crescido, homem feito, deixa o lar paterno e vai
formar outro lar. Na separação há um sentimento de tristeza, mas, também, de
contentamento, porque o novo lar será um prolongamento do primeiro e ambos estarão
ligados pela identidade de sentimentos. O povo da Cuiabania — chamamos assim a
região que se desenvolveu sob os auspícios de Cuiabá — vai despedir-se dos sulistas
sem ressentimentos e com efusivos votos de prosperidade, se a divisão se
concretizar142.

Osvaldo Fortes era secretário municipal de Planejamento em Campo Grande nesse período
(sob os prefeitos Levy Dias e Marcelo Miranda) e tinha bom trânsito nos dois lados da cerca (sul e
norte). Ele descreveu as duas versões sobre o conhecimento prévio de Garcia Neto. Uma circulante
no norte do Estado, formulada pelo próprio governador, e outra disseminada na região sul, de que
Garcia Neto sabia da divisão desde o princípio e que a sua escolha para o cargo teria sido atrelada à
decisão federal. Fortes (2000) considerou ainda que a postura de “rebeldia” por parte de Garcia Neto
fez com que ele fosse excluído das negociações sobre a divisão do Estado.
Numa interpretação do comportamento de Garcia Neto nesse episódio, Osvaldo Fortes
avaliou que ele entrou numa jogada de alto risco, frustrada pelo temperamento do general Geisel.

141
Pronunciamento do deputado federal Gastão Müller na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso Nacional, p.
6.236-6.247, 06/08/1977.
142
Pronunciamento do deputado federal Gastão Müller na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso Nacional, p.
1.062-1.067, 05/04/1975.

117
Como a maior parte das lideranças políticas do Estado era radicada na região sul, Garcia Neto tinha
tudo para se tornar o grande chefe do norte, após a divisão. Para tanto, ele achou que deveria professar
posição contrária à divisão, porque vincularia todas as “compensações” federais à sua resistência.
Caso conseguisse travar a criação do novo Estado, numa hipótese menos provável, se
apresentaria como o responsável pela integridade territorial de Mato Grosso e manteria o eleitorado
da região norte, que sempre fora seu reduto. Geisel não teria aprovado semelhante postura, diante do
citado compromisso anterior e do caráter indireto da escolha dos governadores durante o regime
militar. Como punição, sonegou informações sobre o andamento dos trabalhos a Garcia Neto, que
ficou sabendo dos detalhes do projeto de lei quando do envio da mensagem ao Congresso Nacional e
teve pouco tempo e capacidade de influenciar em seu conteúdo final. Deste modo, formou-se o eixo
Brasília-Campo Grande para as tratativas divisionistas.
Pedro Pedrossian foi apontado por Onofre Ribeiro como o interlocutor político do grupo de
oficiais próximos a Geisel em assuntos relativos à divisão do Estado, assim como Osvaldo Fortes
cumpria tal função na área técnica. Onofre, que era assessor de imprensa do Serviço de Divulgação do
Estado (Sedimat) nesta época, reforçou que estas conversações aconteceram porque Garcia Neto se
posicionou de modo contrário à divisão e não quis cooperar com as atividades preparatórias, como a
elaboração da minuta do projeto de lei complementar que seria encaminhado ao Congresso Nacional.
Ele avaliou que Garcia Neto sabia das articulações, mas não acreditava que a divisão seria efetivada
na sua ausência, se excluindo das negociações.
Pedrossian (2006) relatou que foi procurado por um emissário do general Hugo de Abreu,
chefe da Casa Militar de Geisel, para que tivessem um encontro em Brasília. Nesta reunião, Abreu
teria lhe informado sobre a divisão e que ele seria o governador do novo Estado a ser criado no sul de
Mato Grosso. Deste momento em diante, Pedrossian passou a conviver com os órgãos federais e
estreitou os laços de amizade com o Major Heitor de Aquino e o Coronel Wilberto Lima, ambos
assessores próximos ao presidente.
Pedrossian entendeu tal articulação como uma tentativa de legitimar a liberalização política
em curso, com a escolha de governadores que tivessem voto popular em seus respectivos Estados (em
particular aqueles eleitos pelo voto direto na safra de 1965). O acordo incluiria também a indicação do
senador biônico pelos pedristas, o que despertou a fúria da Arena I. Eles articularam os seus senadores
(Italívio Coelho e Rachid Saldanha Derzi) e mais Canale e barraram a indicação de Pedrossian para a
posição de governador. Como os detalhes dessa disputa já pertencem à História de Mato Grosso do
Sul, não serão abordados nesta obra.
Entretanto, Bittar (1997) destacou também a participação da Arena I sulista, recém-saída
do governo do Estado no mandato de José Fragelli (1971-1975). Quer dizer, havia mais de um
interlocutor, o que pode significar que eles buscavam Pedrossian por sua liderança política na região
sul, verificada nas eleições para a Prefeitura de Campo Grande, em 1972 e 1976, e na disputa pelo
Senado em 1974. A participação dos egressos da antiga UDN aponta para a obtenção de apoio junto às
elites políticas tradicionais do sul do Estado, em particular os pecuaristas reunidos em Campo
Grande, por meio da reativação da Liga Sul-Matogrossense. A respeito, a autora lembrou que:

118
Decidida nos altos escalões do Exército e na Presidência da República, o ministro do
Interior encarregou então a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste
(SUDECO) de efetivar as medidas para a divisão e o órgão, por sua vez, solicitou
assessoria “a quatro pessoas de expressão de Campo Grande”, Paulo Coelho
Machado, Kerman Machado, Cândido Rondon e José Fragelli, que procederam a
minucioso levantamento sobre a situação sócio-econômica de Mato Grosso,
enfrentando, segundo Paulo Coelho Machado, a resistência do governador José Garcia
Neto que “não dava qualquer informação”. Ainda de acordo com ele, esse trabalho que
durou três meses, foi grande e realizado também em “sigilo absoluto”. Evidente que
todo esse “sigilo” só foi possível naquelas circunstâncias do regime militar em que a
liberdade de expressão e organização estava impedida. É importante perceber,
inclusive, que a divisão oriunda desse contexto, isto é, prescindindo da participação
popular, completou a trajetória do “movimento divisionista” como demanda que esteve
sempre vinculada às elites políticas e econômicas do sul de Mato Grosso. (BITTAR, p.
227, 1997).

O que importa destacar aqui é que, em face do veto do nome de Pedrossian para governador
e das disputas internas na Arena sulista, Geisel optou por indicar um técnico, o engenheiro Harry
Amorim Costa, então presidente do Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS), como
lembrado em documentário (Pedrossian, 2006). Pedrossian decidiu concorrer, em resposta, à única
vaga disponível de senador pelo novo Estado, já que Canale tinha mais quatro anos de mandato e a
outra vaga seria preenchida de modo indireto. Sua eleição seria “um plebiscito da honra e da
dignidade”, como relatou Motta (1979).
Pedrossian (2006, p. 134) justificou sua escolha porque “[...] desejava provar que a
população de Mato Grosso do Sul estava ao meu lado, e que o meu nome tinha a preferência e o
respaldo do povo do meu Estado para governá-lo.” O mesmo sentimento regeu a candidatura a
senador do deputado federal José Benedito Canellas, principal representante do pedrismo no norte.
Como era um dos mais cotados para o cargo de governador em 1978, e não fora escolhido, sua
candidatura a senador também teve conteúdo plebiscitário, semelhante ao de Pedrossian no sul.
O MDB posicionou-se também de forma dividida em relação à criação do estado de Mato
Grosso do Sul, seguindo o recorte regional. O deputado Antônio Carlos de Oliveira, radicado em
Campo Grande, em pronunciamento no dia da sanção da Lei Complementar n° 31 (11/10/1977),
celebrou a criação do novo Estado e lamentou o fato de não ter sido realizada consulta popular para
decidir sobre a questão. Esta crítica convinha à postura oposicionista que o MDB exercia no
Congresso Nacional em relação ao regime civil-militar. Ele destacou que:

Mas também não podemos esquecer, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que no norte de
Mato Grosso, na eterna Cuiabá, principalmente, conterrâneos nossos de até três horas
atrás, mas irmãos nossos por toda a vida, de hoje e sempre, estão tristes, porque o
Governo Federal, os homens que compõem o governo decidiram isto sem uma consulta

119
popular — uma consulta popular necessária para que a decisão fosse justa, uma
consulta popular da qual nós, do sul, não temíamos um resultado adverso. Pelo
contrário, desta tribuna mesmo chegamos a pedi-la143.

Como visto, a força do MDB em Mato Grosso estava na região sul, com maior votação em
comparação ao norte e a quase totalidade dos principais quadros, como os dois deputados federais
(Walter de Castro e Antônio Carlos de Oliveira) e os estaduais, com apenas Carlos Bezerra
representando a região de Rondonópolis. Dos 38 municípios que compunham o Estado
remanescente, apenas 3 elegeram prefeitos do MDB em 1976 (Barra do Garças, Luciara e São Félix
do Araguaia)144.
Após a definição das regras para as eleições de 1978, esquentou a disputa sucessória para a
Presidência da República. Silva (1998) referiu-se a um artigo do Jornal do Brasil, de 03/07/1977, que
relacionou dez prováveis candidatos à sucessão de Geisel, na qual constava o cuiabano general
Dilermando Gomes Monteiro. Os nomes tidos como mais fortes eram o general João Baptista
Figueiredo e o senador José de Magalhães Pinto (MG). Costa Couto (2003) pontuou que algumas de
suas fontes indicaram Figueiredo como o preferido de Geisel e Golbery, e falam até da possibilidade
de acordo. Magalhães Pinto chegou a propor sua candidatura a Geisel como um tertius para a disputa
entre frotistas e figueiredistas, no que não foi bem acolhido.
Com a demissão do Ministro do Exército (general Sylvio Frota), a candidatura de
Figueiredo ganhou mais fôlego. Magalhães Pinto convidou o general Euler Bentes Monteiro para ser
vice na sua chapa presidencial, em substituição a Severo Gomes, ex-ministro de Geisel. Magalhães
Pinto articulou com o MDB, alegando que sua candidatura poderia rachar a Arena e obter os votos
necessários no colégio eleitoral. Com sua desistência às vésperas da convenção, a chapa emedebista
foi composta pelo general Euler Bentes Monteiro e o senador Paulo Brossard (RS) como vice. Euler
era um “Cavalo de Tróia” inverso, que queria rachar as Forças Armadas, com base no argumento da
quebra de hierarquia militar, segundo análise de Costa Couto (2003).
Em 15/10/1978, o general João Figueiredo e seu vice, o ex-governador de Minas Gerais,
Aureliano Chaves, foram eleitos pelo colégio eleitoral. A escolha de Aureliano foi condicionada por
sua proximidade com o general Geisel, seu apoio na crise que culminou com a demissão do general
Sylvio Frota (pela garantia de fidelidade ao presidente das tropas estacionadas em Minas Gerais) e
por ser do mesmo Estado e partido do senador Magalhães Pinto, no período pré-1964 (UDN),
conforme destaque feito por Skidmore (1988).
A postura dúbia de Garcia Neto na questão da divisão do Estado e as pressões do grupo da
Arena I, que temia ficar fora do aparelho do Estado depois de dois mandatos consecutivos,
prepararam o cenário para as eleições de 1978. Seria a primeira após a divisão do Estado e com

143
Pronunciamento do deputado federal Antônio Carlos de Oliveira na Câmara (MDB-MT) dos Deputados em Brasília. Diário do
Congresso Nacional, p. 9.778, 12/10/1977.
144
Gabinete De Planejamento e Coordenação. Retrospectiva das eleições em Mato Grosso: de 1945 a 1985. Cuiabá: Fundação
Cândido Rondon, 1988.

120
grandes oportunidades para os nortistas, já que a bancada federal e estadual, até então dominada pelos
sulistas, ficaria livre. Muitos apontam esta abertura de vagas no Poder Legislativo e até mesmo no
Executivo como um dos principais “argumentos” que as elites políticas do norte consideraram para
apoiar a divisão.
Luis-Philippe Pereira Leite, então presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato
Grosso, apontou para este aspecto ao dizer que:

[...] a classe política, embora quisesse a divisão, pois isto aumenta o número de vagas
para os cargos eletivos, estava apreensiva no norte, diante da possível reação contrária
do eleitorado. Sentiam os políticos a necessidade de muita cautela ao tomar posição
contra ou a favor do separatismo. Definida sua posição, o tiro poderia sair pela culatra,
diante de um fato consumado a partir da decisão do Presidente da República dividindo
ou não o Estado145.

O posicionamento da Arena I sobre a divisão teve muitas nuances, pela sua força na então
região sul e pelo fato do governador do Estado, na ocasião (Garcia Neto), ter origem udenista, com
forte liderança no norte. Como a maior parte dos decanos udenistas era radicada no sul (Rachid
Saldanha Derzi, Italívio e Lúdio Coelho, Demósthenes Martins, Paulo Machado, José Fragelli), a
posição majoritária foi favorável à divisão146. Garcia Neto se posicionou, em público, de forma
contrária, afirmando que quem fosse favorável estaria contra o seu governo e a “revolução”147. Os
integrantes do entorno do governador, notadamente da Arena I nortista, se tornaram defensores de
sua posição contrária à divisão.
Uma das principais polêmicas desse período é a respeito do conhecimento prévio de Garcia
Neto sobre a divisão. O deputado Cecílio Jesus Gaeta pronunciou-se desta forma no plenário da
Assembleia Legislativa:

Não se pode conceber a afirmação de um governador de um Estado, quando um


assunto de real importância está sendo debatido na esfera nacional e dentro de todo o
Estado, ele como homem de confiança do Presidente da República, que venha o Sr.
governador José Garcia Neto trazer a alegação de que ele não sabe o que está se
passando em termos da divisão do Estado de Mato Grosso, e ainda mais, a afirmação
mentirosa de S. Exa. de que o Presidente da República teria dito que 'se o processo da
divisão viesse a ocorrer, ele seria o primeiro a ser ouvido'. Essa afirmação, além de
leviana, foi mentirosa, porque nós vimos um Ministro de Estado se pronunciar a

145
Mato Grosso (norte): poucos caciques para muitos índios. Jornal da Manhã, Campo Grande, 07/09/1977.
146
Pronunciamento do senador Italívio Coelho no Senado Federal, em Brasília. Diário do Congresso Nacional, p. 1.335-1.340,
04/05/1977; Pronunciamento do senador Antônio Mendes Canale no Senado Federal em Brasília. Diário do Congresso
Nacional, p. 3.363-3.366, 01/07/1977; Pronunciamento do senador Rachid Saldanha Derzi no Senado Federal em Brasília.
Diário do Congresso Nacional, pp. 2039-2040, 24/05/1977.
147
Paz sob Fogo Cerrado. Revista Veja, São Paulo: edição 436, 12/01/1977, p. 25-27.

121
respeito do processo que desencadeavam, em alto em bom som, proclamar a divisão do
Estado de Mato Grosso. E S. Exa. se encontrava acomodado no conforto do ar
condicionado, sem atentar para o problema, problema que vinha se arrastando, porque
era vontade do Presidente da República, por vários anos, já no II PND148.

A respeito de seu possível conhecimento prévio sobre a divisão do Estado, Garcia Neto
reafirmou a versão que difundiu há muito tempo. Ele relatou que esteve com o Presidente Geisel, em
Brasília, nas primeiras semanas de seu mandato (abril de 1975), e que lhe perguntou sobre a
veracidade dos “boatos” sobre a divisão de Mato Grosso que circulavam pela imprensa paulista e
mato-grossense. Geisel ter-lhe-ia dito que ainda não pensara no assunto e que, quando o fizesse, o
governador seria o primeiro a saber. Quando retornou para uma nova audiência, dois anos depois,
Geisel teria lhe dito que começara a pensar no assunto e Garcia Neto desconfiou que o projeto de lei já
estava em elaboração. Garcia Neto elaborou ainda uma exposição de motivos contrária à divisão, cujo
conteúdo ressaltou em seu pronunciamento para abertura dos trabalhos da Assembleia Legislativa,
em 1978, último antes da divisão:

Baseava-se principalmente a minha posição no desequilíbrio financeiro que a divisão


de Mato Grosso por certo provocaria, pelo fato de que os recursos financeiros gerados
em nosso território não comportariam o custeio de dois Estados [...] Externei todos
estes argumentos verbalmente e por escrito, ao Senhor Presidente da República.
Entretanto sua Excelência, sem negar a validade dos mesmos, declarou-me, em
audiência que me concedeu no dia 03 de maio, que razões do mais alto interesse
nacional estavam a ditar-lhe a necessidade de dividir o Estado, assegurando que não
faltariam recursos para atender às despesas que da sua decisão por certo adviriam,
recursos esses que constariam da própria lei Complementar149.

Só quem poderia confirmar este diálogo relatado por Garcia Neto seria o próprio general
Ernesto Geisel. Pela personalidade fechada e pouco receptiva a debates públicos de Geisel, não há
registro de que ele tenha respondido a essas afirmações ou comentado os bastidores da escolha de
Garcia Neto para o cargo de governador. Entretanto, algumas observações de Geisel podem ser
consideradas como indícios para compreender as suas razões para a divisão. No breve comentário
feito na data da sanção da Lei Complementar n° 31/77, em cerimônia no Palácio do Planalto, Geisel
destacou que pretendia dotar o país de melhor divisão territorial, por razões de ordem geográfica
(utilização das riquezas naturais) e política (melhor equilíbrio federativo). Salientou ainda a
necessidade de aumentar a produção das áreas da Bacia Amazônica, como um dos fatores
determinantes para esta decisão e que apenas iniciou as atividades neste terreno, com a fusão dos
Estados da Guanabara e Rio de Janeiro (LC 20/75) e a criação de Mato Grosso do Sul.

148
Estado de Mato Grosso. Assembleia Legislativa. Ata n° 31 – 26/04/1977. Folha 9 – Deputado Cecílio Jesus Gaeta.
149
Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso. Atas das sessões. Pronunciamento do Governador José Garcia Neto na
abertura da sessão legislativa de 1978. Cuiabá, 15/03/1978.

122
Em suas memórias, Geisel identificou alguns pré-requisitos que considerava importantes
para a emancipação de Estados, mencionando estas características ao se posicionar contra a criação
dos estados de Rondônia, Tocantins, Amapá e Roraima. Lembrou-se de que o Tocantins fazia parte de
seus planos, mas foi abandonado pela insuficiência de capital físico e humano (ausência de
universidade) e seria, portanto, uma “ficção de Estado”. Como a região sul de Mato Grosso já tinha
uma universidade estadual (UEMT) e mais uma particular (Católica) teria alcançado o patamar para
emancipação. Comentou ainda sobre os desequilíbrios federativos, apontando Mato Grosso como
um “Estado monstro”, que teria recebido muito apoio em seu mandato. Por fim, salientou que o Brasil
precisaria ter mais de 40 Estados para se tornar uma federação mais equilibrada.
Em seu pronunciamento na instalação do novo Estado, em Campo Grande, no dia
01/01/1979, transcrito por Martins (1981), Geisel sintetizou sua visão do processo divisionista ao
dizer que:

A criação de Mato Grosso do Sul deve ser entendida como reconhecimento político de
uma realidade econômico-social. Como uma decisão que vem atender a vontade de
seu povo, que, ao mesmo tempo, objetiva melhor integração nacional e a consolidação
da ocupação da região Centro Oeste, que beneficia, também, o próprio Estado de Mato
Grosso, visto que poderá dedicar-se, doravante, com apoio da União, ao melhor
aproveitamento do seu imenso território e à exploração de suas grandes
potencialidades de desenvolvimento. [...] Ao determinar os estudos que resultaram na
criação do Estado de Mato Grosso do Sul, o fiz movido pela ideia de que esta seria a
decisão mais adequada e oportuna para o desenvolvimento econômico e social de
ambos os Estados e do Centro Oeste brasileiro (sic). (Martins, 1981).

Aecim Tocantins, então conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, endossou as palavras


de Garcia Neto sobre esse episódio da divisão. Usou como argumento, neste sentido, a sua participação
na Comissão Especial, instituída pela LC 31/77, para operacionalizar a separação dos dois Estados.
Aecim foi o primeiro representante de Mato Grosso na referida comissão e alegou não ter ouvido
qualquer referência às versões circulantes no Estado sobre Garcia Neto. O despreparo dos ministérios
nesta matéria e as dificuldades encontradas pelos governadores Cássio Leite de Barros e Frederico
Campos refutam, para ele, a tese de que a divisão constava dos planos federais desde antes do mandato
de Geisel. Aecim avaliou, à época, que a burocracia federal também teria sido pega de surpresa.
José Fragelli confirmou a visita secreta do então Ministro do Interior, Maurício Rangel
Reis, no aeroporto de Cuiabá, no último ano de seu mandato (1974), para avisar que o presidente
Geisel decidira dividir o Estado. O ministro teria pedido sigilo a Fragelli, para não dificultar as
articulações em curso. Fragelli mencionou que era impossível silenciar sobre um assunto de tamanha
relevância para o Estado. Confessou ainda ter contado a pessoas mais próximas e achou difícil que
Garcia Neto não soubesse, porque houve comentários intensos nos círculos palacianos, que ele
passou a frequentar como governador eleito. O vice-governador de Garcia Neto, Cássio Leite de
Barros, relatou em documentário sobre o tema que sempre houve rumores sobre a divisão, mas o
difícil era saber a procedência e se eram fidedignos ou não e, em virtude disso, havia quem
acreditasse e quem não acreditasse.

123
Almeida (2005) registrou que Maurício Rangel Reis descreveu em documento justificativo
da criação de Mato Grosso do Sul que:

[ ...] desde 1975, em obediência à recomendação do presidente Ernesto Geisel, o


Ministério do Interior iniciou estudos visando à criação do Estado de Mato
Grosso do Sul, pelo desmembramento de área do Estado de Mato Grosso. A
Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO) foi
encarregada de proceder a levantamentos e estudos básicos, compreendendo
aspectos geográficos, econômicos, demográficos e administrativos, fazendo-o
de maneira cuidadosa e reservada, de acordo com orientação transmitida pelo
Ministério do Interior.

Onofre Ribeiro, que era assessor de imprensa do governador no período, se recordou de um


telefonema atendido por ele no Palácio Paiaguás, no qual a Presidência da República convidava
Garcia Neto para a cerimônia de envio da mensagem do Poder Executivo para o Congresso Nacional.
O governador estava em Miranda, na ocasião, e Onofre procurou avisa-lo. Em outro momento, Garcia
Neto teve a oportunidade de revisar o anteprojeto de lei, cuja versão original fora formulada por
técnicos da Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), que não teriam muito
conhecimento sobre a realidade dos Estados a serem criados. Onofre considerou que todos sabiam
que a divisão poderia acontecer, mas muitos não acreditavam, como era o caso de Garcia Neto.
Valle (1996) relatou que a postura de Garcia Neto ficou evidente quando foi perguntado
pela imprensa, em Campo Grande, logo depois de ser avisado por sua assessoria, sobre o envio do
Projeto de Lei da divisão ao Congresso Nacional. Sobre o assunto, ele disse: “[...] há 15 minutos eu
era contra, mas agora vesti a camisa do presidente e já sou a favor”. Esta atitude passou a imagem de
oportunismo e traição da sua parte em relação ao norte do Estado, o que lhe causou um custo político
elevado nas eleições seguintes, capitalizado pelos adversários. O jornal Diário de Cuiabá publicou
um editorial no qual afirmava que “Enquanto estava tudo decidido na esfera federal, o governador
Garcia Neto fazia o povo acreditar na luta que o governo do Estado estaria travando.”
O editorialista prosseguiu afirmando que Garcia Neto já sabia da divisão e teria feito
promessas ilusórias ao povo cuiabano, para se transformar no baluarte do antidivisionismo e grande
líder político do norte pós-divisão. Com essa conduta, teria proibido discussões sobre a divisão e
dificultado a formulação de argumentos contrários150. Este jornal preconizou também que Garcia
Neto deveria ter renunciado ao cargo assim que fosse informado, de modo oficial, sobre a divisão.
Muitos, como Aecim Tocantins, Pedro Valle e Júlio Campos, entenderam que, se isso tivesse
acontecido, ele teria se transformado em ídolo político no Estado. Garcia contra-argumentou em
documentário dizendo que “Me criticaram porque eu não renunciei. Renunciar por quê? Era uma
decisão do governo . Eu era o governador. Não. Eu vou procurar tirar proveito de tudo isto para Mato
Grosso”. (Garcia Neto, documentário, 1997).

150
Manifesto ao povo mato-grossense. Editorial. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 08/05/1977.

124
Razões econômicas da divisão do Estado e seus impactos na eleição de
1978

Aqui cabe um parêntese acerca da participação do Ministério do Interior (Minter) e da


Sudeco nos bastidores do processo divisionista, que apontam para dimensões econômica e espacial
da medida, muitas vezes relegadas ao segundo plano por aqueles que acreditam que a decisão foi
apenas um capricho dos Generais Geisel e Golbery do Couto e Silva. Abreu (2001) abordou a
importância dessa agência para a conformação do que ela denominou de “espaço mato-grossense”,
categoria que abrange o território dos dois Estados atuais. O III Plano de Desenvolvimento do
Centro-Oeste (Pladesco), que acompanhava o terceiro PND (1980-1985), articulava a divisão do
Estado à política nacional de integração espacial do desenvolvimento nacional, apontando algumas
diretrizes de definição e especialização regional entre sul e norte de Mato Grosso.
O norte era visto como vazio demográfico, por seus baixos índices populacionais, e já
vinha recebendo incentivos da Sudam (Pin, Polamazônia e Proterra), por compor a denominada
Amazônia Legal, acima do paralelo 16. O sul, por seu turno, já estava incorporado ao Centro-Sul e
obteve a colaboração de programas como o Polocentro (Cerrados) e Prodegran (Grande Dourados) e
o Prodoeste, que incluía áreas não alcançadas pela Amazônia Legal, como o sul de Goiás e Mato
Grosso, e o entorno de Brasília151. A especialização das políticas regionais de desenvolvimento tinha
por objetivo, portanto, instrumentalizar melhor a rearticulação do espaço mato-grossense ao grande
capital industrial monopolista, instalado na região Sudeste152. A este respeito, Abreu (2001) salientou
que Sudeco entendia que:

A divisão do Estado de Mato Grosso deverá se constituir num processo de longa


maturação e consolidação, já que não havia uma linha divisória indiscutível que
identificasse duas regiões distintas, independentes, autos-sustentáveis e cujas diferenças
fossem visíveis e sugerissem a separação geográfica [...] A única certeza que ficou
caracterizada quando da decisão foi sobre as diferenças de condições de
desenvolvimento das regiões norte e sul, das potencialidades diferenciadas a curto e
médio prazo, das desigualdades quanto à capacidade de geração de receitas públicas, e
consequentemente, das condições de dependência das transferências de recurso federal.

151
“[...] o sul de Mato Grosso, já em 1977, imbricava uma forma especial de reprodução do capital, muito mais próxima das
relações de produção existentes nos estados do sudeste (São Paulo em especial) – que por sua vez respondia aos interesses da
política externa implementada pelo governo naquele período – do que a forma de reprodução do capital existente no norte do
velho Mato Grosso”. Oliveira (1993) Apud Almeida, Márcia Ajala. Política de Desenvolvimento e Estruturação Regional na
área de Bodoquena em Mato Grosso do Sul. Tese de doutoramento em Geografia apresentada na Unesp (Presidente
Prudente), 2005.
152
Para Brum (2000) as principais características do capitalismo ou imperialismo monopolista são: 1 – Concentração do capital e
da produção em grandes corporações multinacionais ou transnacionais, substituindo em parte a competição e a concorrência
por um mercado monopolista; 2 – Fusão entre capital bancário e industrial; 3 – Exportação de capitais dos países centrais para
os periféricos; 4 – Partilha dos mercados entre os monpólios; 5 – Influência sobre o Estado nos países dependentes; e 6 –
Vinculação entre o setor público e o capital. BRUM, Argemiro. Desenvolvimento Econômico Brasileiro. Petrópolis, Editora
Vozes, 2000. 21ª Edição.

125
Um diagnóstico preparado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), já
em 1977, sinalizava na mesma direção que os trabalhos da Sudeco. Apontou a criação do novo Estado
(chamado ainda de “Campo Grande”) como um imperativo geopolítico, pelas dimensões, caráter
fronteiriço e riqueza potencial. Lembrava da diferenciação das duas regiões, em função de sua
articulação com o Centro-Sul do país, e indicava também que os dois Estados dependeriam de auxílio
federal por algum período, sendo o norte mais que o sul. Destacava Rondonópolis e Barra do Garças
como áreas dinâmicas na região norte do Estado e o seu grande potencial de ocupação153. O trabalho
relacionava ainda os programas federais já existentes e a serem criados (Promat e Prosul), que
poderiam contribuir para a dinamização das duas regiões, assim como a transferência da sede da
Sudeco, de Campo Grande, para Cuiabá. No caso do sul, a União deveria transferir recursos para
instalação dos poderes na nova capital (Campo Grande), federalização da universidade, assunção da
dívida estadual etc. No caso do norte, pela perda de arrecadação, a União deveria aportar um valor
mensal que cobrisse o déficit154.
Almeida (2005) apontou que o Ministro do Interior, Maurício Rangel Reis, destacou esta
questão na época, ao dizer que:

A região Sul, com extraordinária potencialidade agrícola, de colonização


relativamente recente, tendo como principais polos Campo Grande, Dourados,
Corumbá e Ponta Porã, liga-se aos grandes centros de produção da região
Sudeste e ao Paraná e aos corredores de exportação de Santos e Paranaguá. A
região Norte apresenta características pré-amazônicas e reúne grandes
possibilidades nas atividades agropecuárias, florestais e de mineração. O
Estado de Mato Grosso após o desmembramento de parte de seu território, para
formar o Estado de Mato Grosso do Sul, conserva cerca de 880 mil km², uma vez
e meia o Estado de Minas Gerais, e sua posição geográfica lhe confere
importância vital para o desenvolvimento integrado da nação brasileira. Portal
da Amazônia, centro polarizador dos troncos rodoviários que demandam ao
Norte, ao Oeste até as fronteiras, ao Sul e ao Sudeste, será, sem dúvida, um dos
principais alicerces do desenvolvimento econômico e social do país. (FONTE).
(Almeida, p.379, 2005).

De fato, Mato Grosso era um caso único na federação, mesmo quando são observados
outros separatismos regionais. Era o segundo maior Estado em área, com 1.231.749 Km2 e distâncias
de 2.500 Km dentro de seu território, espalhando-se no sentido norte-sul e fazendo fronteira com sete

153
O então Ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Velloso destacou a participação do Ipea na “descoberta” do potencial
agrícola dos cerrados. “Só para lembrar, em 1960 em Brasília não havia nem gramados, e estava mais ou menos consolidada a
noção de que os Cerrados não eram bons para a agricultura. No Ipea, começamos a trabalhar com a ideia contrária, do enorme
potencial dos Cerrados; esses estudos estão resumidos no trabalho chamado Aproveitamento atual e potencial dos Cerrados,
elaborado e publicado pelo Ipea em 1973. Na verdade, tais estudos vinham sendo feitos desde o final dos anos 60 e foram
encerrados no início da década seguinte, sob a coordenação de Maurício Rangel Reis, coordenador de agricultura do Ipea, que
depois veio a ser ministro do Interior do governo Geisel”. D'araujo, Maria Celina; Farias, Ignez Cordeiro de, Hippolito, Lucia
(org.). Ipea – 40 anos apontando caminhos (depoimentos ao CPDOC). Rio de Janeiro, 2005.
154
IPEA/Superintendência de Desenvolvimento Regional. Subsídios à divisão do Estado de Mato Grosso. Brasília, junho-1977.

126
Estados (Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Rondônia, Pará e Amazonas) e dois países (Bolívia
e Paraguai), o que sempre lhe conferiu papel de articulação das regiões Sudeste, Centro-Oeste e
Norte, semelhante ao desempenhado por Minas Gerais. Quando se observa a distribuição
demográfica, fica ainda mais clara a diferenciação de Mato Grosso em relação a outros casos de
separatismo no Brasil. 62,5% da população, em 1970, estava na sua região sul, que tinha uma cidade
(Campo Grande) com população superior à capital do Estado (Cuiabá), além da existência de
cidades-polo em cada uma das microrregiões.
Três Lagoas, no nordeste, polarizando a fronteira com São Paulo e Minas Gerais;
Corumbá, na região noroeste, polarizando os municípios pantaneiros e Dourados polarizando os
municípios do sul do Estado, fronteira com o Paraguai e Paraná155. Então, o Estado ficou dividido em
duas regiões muito bem definidas, com o centro-norte polarizado por Cuiabá, e o sul por Campo
Grande. Nos outros casos de separatismo, como Triângulo Mineiro, Oeste da Bahia, Paraná e Pará, as
cidades interioranas que postulam a emancipação tinham população inferior à da capital, que se
consolida, desta forma, como polo de todo o Estado.
Vale dizer, portanto, que se Campo Grande não existisse, teria que ser inventada, como o
foram Brasília, Goiânia, Belo Horizonte e mesmo Cuiabá, que sofreu reformulação importante a
partir da década de 1960. A história de Campo Grande pode ser dividida em antes e depois da
passagem da ferrovia, que aproximou a região de São Paulo, deslocou o eixo econômico da hidrovia
(Corumbá), “tirou” Mato Grosso, Bolívia e Paraguai da zona de influência argentina, fortalecendo o
papel de entreposto comercial e centro urbano de apoio às atividades agropecuárias, já exercido por
Campo Grande desde a sua fundação em 1872156. Estas cinco capitais citadas ficam situadas entre os
paralelos 15 e 20º sul, próximas às nascentes dos rios que compõem as três grandes bacias
hidrográficas brasileiras e, por que não, sul-americanas, quais sejam: Amazônica (Araguaia-
Tocantins), São Francisco e Prata (subdividida em Paraná, Paraguai e Uruguai).
A tendência fragmentária em três partes do território brasileiro era muito grande, conforme
esta lógica e pela localização das capitais nas fronteiras (litoral e Amazônia). Daí a importância de
capitais interioranas que pudessem “articular o Brasil por dentro”, em conjunto com outras cidades
de porte menor que ajudariam neste objetivo, como Rio Verde e Anápolis (GO), Rondonópolis e
Cáceres (MT), Uberlândia e Uberaba (MG), Três Lagoas e Dourados (MS), São José do Rio Preto,
Araçatuba e presidente Prudente (SP), Maringá e Londrina (PR), dentre outras.

155
Campos, Frederico. Considerações sobre a possível divisão territorial do Estado de Mato Grosso. Cuiabá, 1977.
156
“Naquele tempo, Campo Grande era apenas uma vila de uma única rua, que tinha no gado vacum a sua principal atividade
comercial. Dela os boiadeiros serviam-se para reunir as rezes compradas nas redondezas de depois levá-las, numa rota até a
região de Uberaba, em viagens que duravam meses. [...] Portanto, naquele período mencionado, quando foi determinante o
traçado definitivo da estrada de ferro, pode-se dizer que, economicamente, Campo Grande era uma pequena produtora de
charque para a exportação e uma grande beneficiária do comércio de gado em pé. Pode-se deduzir ainda que ela era
abastecida, [...] numa escala maior pelas rotas de comércio provenientes de Concepción ou Corumbá, já mencionadas. No dito
momento, ainda era o porto de Corumbá a origem da maior parte das mercadorias que chegavam até o comércio campo-
grandense e era também para aquele porto que se destinava todo o charque produzido na região.” Oliveira Neto, Antônio
Firmino de. Campo Grande e a Rua 14 de Julho. Tese defendida no Doutorado em Geografia da Universidade Estadual de São
Paulo (Unesp). Presidente Prudente, 2003.

127
Acerca da “reinvenção” de Cuiabá a partir da década de 1960, Rivera (2005) afirmou que:

É, portanto, nesse período, que Cuiabá rompe com os antigos padrões da sua estrutura e
sistema urbano, traçando seu rumo e seu ritmo de crescimento que, naquele momento, já lhe
conferia o título de “Portal da Amazônia”, principal polo de ocupação da Amazônia
Meridional do Brasil. Ela se consolidou como centro de captação e distribuição de
investimentos para explorar as áreas agricultáveis e expandir a bovinocultura de Mato
Grosso, pois os extraordinários volumes de recursos captados pelos mecanismos da
SUDAM, para os investimentos na região, eram, na sua maioria, distribuídos pela praça
financeira de Cuiabá. [...] Como medidas urbanísticas para adequar a cidade às novas
exigências criadas pela expansão gerada nos anos de 1960, os registros do IPDU acusam:
abertura de um amplo corredor, a partir da Igreja do Rosário até o Porto, com a canalização
do córrego da Prainha, construção de pontes de concreto e de pistas laterais; asfaltamento e
arborização da Avenida 15 de Novembro até à Ponte Júlio Müller; iluminação a vapor de
mercúrio; e, a construção da primeira rodoviária de Cuiabá, na Rua Miranda Reis. (Rivera,
2005, p. 106).

Quando se observa hierarquia da rede urbana de ambas as regiões, em pesquisa de Egler


(2001), fica clara a diferença na articulação com o Sudeste brasileiro. Campo Grande é um centro
regional situado na estrutura urbana da região Centro-Sul (Bacia do Prata) e, dentro desta, no sistema
urbano de São Paulo, polarizando toda a região que hoje compõe o Mato Grosso do Sul. Já Cuiabá é
um centro regional no Centro-Norte (Bacia Amazônica e Araguaia-Tocantins), que se relaciona com
São Paulo por intermédio de Campo Grande e da região do Triângulo Mineiro (Uberlândia, Uberaba),
polarizando uma ampla região ao norte de Mato Grosso, estados de Rondônia e do Acre, onde disputa
espaço com Manaus (metrópole regional). Quer dizer, enquanto Campo Grande está ligada
diretamente a São Paulo e polariza apenas seu entorno mais próximo, Cuiabá exerce o importante
papel de articulação da Amazônia Ocidental com o Centro-Sul do país e apresenta-se como centro
comercial, industrial e de serviços para a maior parte da fronteira agrícola.
Pela forma, portanto, como se deu o crescimento econômico e demográfico de Mato Grosso
no século XX, surgiu a situação inusitada de existirem duas regiões distintas no mesmo Estado, com
pouca articulação econômica entre si e “duas capitais”, dificultando as relações políticas internas e
extravasando para o cenário nacional. Para caracterizar a existência de “duas capitais” vale apontar,
além dos dados já mencionados, a duplicação do aparelho do Estado nas duas cidades, com duas
universidades públicas (UFMT e UEMT) de porte equivalente, bem como órgãos estaduais e
federais, que tinham que estar também em Campo Grande para atender aos municípios da região sul.
Como Campo Grande já era a capital política e econômica do Estado, havia um “bloqueio”,
ou, pelo menos, um condicionamento de proporção dos investimentos direcionados à então região
norte. Isso se dava pela afirmação dos sulistas de que Cuiabá já era beneficiada pela condição de
capital administrativa e sede dos principais órgãos federais e estaduais e que qualquer mudança na
situação prejudicaria o sul, responsável por 70,45% da arrecadação estadual e 66,22% da despesa
com pessoal, em 1976157. Isso obrigava a União e os empresários a negociarem com as “duas capitais”,
o que dificultava a realização dos investimentos em Cuiabá e região, para viabilizar o projeto

128
formulado pelo regime civil-militar de rearticulação econômica da Amazônia e do Cerrado, baseado
na grande propriedade agropecuária e mineradora.
A tese da existência de duas capitais para justificar a divisão do Estado consta do
documento oficial elaborado pela Assessoria de Relações Públicas da Presidência da República no
momento da sanção da LC 31/77. Um trecho dele diz, a este respeito, que:

Além das referidas diferenciações de ordem física, histórica e econômica,


também do ponto de vista administrativo a divisão, na prática, já se processa em
tal grau que se poderia falar na existência, de fato, de dois Estados. Ocorreu que
as dificuldades em gerir áreas geograficamente tão distantes levaram o
Governo mato-grossense a descentralizar progressivamente a estrutura
administrativa, principalmente no que se refere a entidades autárquicas,
empresas ou fundações, que foram paulatinamente bipartindo-se, de maneira a
melhor situar-se nos principais polos do Estado. Por exemplo, a companhia
estadual encarregada de geração e distribuição de eletricidade, a Cemat, possui
duas regionais – norte e sul – de operações e obras; o Departamento de Estradas
de Rodagem, o Banco do Estado, a empresa telefônica também se
subdividiram, e até no campo do ensino universitário existem duas
universidades: uma federal em Cuiabá, e outra estadual, em Campo Grande158.

Outro aspecto a ser observado nas razões para a divisão do Estado é a tendência
autonomista apresentada pelas elites políticas da então região sul de Mato Grosso, não apenas em
relação ao norte, mas nas questões políticas nacionais. Cabe lembrar o apoio dado à Aliança Liberal,
em 1930, a adesão à Revolução Constitucionalista de 1932 e o esforço para garantir o apoio ao golpe
militar de 1964. Quer dizer, tais elites, eram reconhecidas como conservadoras no plano político
estadual e de comportamento mais agressivo em temas nacionais, em função do separatismo.
Para “convidá-las” a participar melhor do jogo político, os estrategistas do regime civil-
militar recorreram à velha fórmula do Ato Adicional nº 1 (1834), descrita por Guimarães (2006, p.
198), que dotou as elites políticas regionais de um espaço político em que pudessem disputar entre si e
desviasse o foco da corte imperial, com “significativa parcela de autonomia para administrar suas
províncias, ao mesmo tempo em que obtiveram garantias de participação efetiva no processo
decisório, através de suas representações na Câmara dos Deputados.” Essa foi a maneira encontrada
de administrar a situação do velho Mato Grosso, considerada por Paulo Roberto Cimó como uma
“batata quente” da federação, na medida que reproduzia neste microcosmo estadual o conflito norte-
sul verificado no Brasil, em torno das condições socioeconômicas e participação política159.

157
Campos, Frederico. Considerações sobre a possível divisão territorial do Estado de Mato Grosso. Cuiabá, 1977.
158
Assessoria de Relações Públicas da Presidência da República. A divisão de Mato Grosso. Brasília, 1977.
159
“Galetti registra a denúncia feita, já em 1912, por um jornal cuiabano, segundo a qual dois deputados estaduais, representantes
do Sul, veiculavam abertamente juízos altamente desfavoráveis à gente do “Norte”, que seria “uma raça degenerada,
contaminada pelo amarelão, incapaz de qualquer progresso, ao passo que o sul está sendo povoado por uma raça forte de
aventureiros gaúchos que no futuro deverá dominar o Estado de Mato Grosso” (apud Galetti, 2000, p. 266). Tal manifestação
confirmaria, assim, que já então representantes do Sul pareciam sentir-se em condições de lançar sobre o “Norte” a batata
quente constituída pelo “estigma da barbárie”. Queiroz, Paulo Roberto Cimó. Mato Grosso/ Mato Grosso do Sul:
Divisionismo e Identidades (Um breve ensaio). Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 10, n. 2, p. 149-184, 2006.

129
Vale dizer, portanto, que a divisão do Estado aconteceu apenas num contexto autoritário,
quando as forças políticas e econômicas nacionais elaboraram um projeto para a Amazônia e os
Cerrados, expresso no binômio “segurança e desenvolvimento”, de autoria da Escola Superior de
Guerra. Até então, se a região sul de Mato Grosso fosse emancipada, o que seria feito com a região
norte? Continuaria dependente de recursos federais e poderia até ser transformada num território
federal, o que seria considerado um “rebaixamento”, e enfrentaria problemas diante do aparelho
estadual existente em Cuiabá?
Ela só aconteceu quando ficou clara, inclusive para as elites políticas do norte, a
superioridade política, demográfica e econômica da região sul e a necessidade de “emancipar” o
norte, para que fosse possível implementar um projeto de desenvolvimento que tivesse em Cuiabá um
ponto de apoio importante. Para corroborar este raciocínio, cabe lembrar que, até a década de 1960,
havia apenas 4 Estados nas regiões Centro-Oeste e Norte (Amazonas, Pará, Mato Grosso e Goiás) e
na atualidade são 11, com a conversão dos territórios de Rondônia, Acre, Roraima e Amapá e a criação
do Tocantins, Distrito Federal e Mato Grosso do Sul. Isso pode ser explicado pelo projeto de
“modernização conservadora” das relações de produção na região Amazônica e do Cerrado,
implementado pelo regime civil-militar160.
O governo Garcia Neto caracterizou-se por obras importantes em Cuiabá, como a Estação
Rodoviária, o anel viário (Avenida Miguel Sutil) e a inauguração definitiva do Estádio governador
Fragelli (Verdão). Também a criação de fundações, como a Prosol (assistência social) e a de Bem-
Estar do Menor (Febemat). No entanto, o maior destaque foi para a criação de oito distritos industriais
(Cuiabá, Rondonópolis, Barra do Garças, Cáceres, Campo Grande, Corumbá, Dourados e Três
Lagoas) e de fortes investimentos na área de energia (em particular linhas de transmissão e
subestações) e transportes, contando com recursos dos programas federais de desenvolvimento,
como Polocentro (cerrado), Poloamazônia, Prodepan (Pantanal) e Prodegran (Grande Dourados)161.
Houve dedicação na montagem do padrão de agroindustrialização, vigente em Mato Grosso desde
então, com ênfase na área agrícola (mecanização, crédito, assistência e extensão rural), acompanhado
de crescimento nominal da despesa nesta função em cerca de dez vezes162.
No plano político, a relação da Arena I com a ala pedrista foi muito difícil durante o
mandato de Garcia Neto (1975-1978). Houve várias votações na Assembleia Legislativa em que a
parcela da Arena, vinculada a Pedrossian (4 deputados) e os “independentes” (2 deputados) não
acompanharam a liderança e posicionavam-se contra a matéria em pauta. Alguns exemplos,
lembrados pelo então líder do Executivo, Deputado Ruben Figueiró, foram a indicação do presidente
do Bemat, Ênio Vieira, para uma vaga de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado e a criação da

160
Estado de Mato Grosso. Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral (Seplan). Zoneamento Sócio-Econômico-Ecológico.
Síntese dos Estudos da Dinâmica Econômica – Os Agentes da Fronteira: Estado e Empresariado Privado.
161
Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso. Atas das sessões. Pronunciamento do Governador José Garcia Neto na
abertura da sessão legislativa de 1978. Cuiabá, 15/03/1978.
162
Governo do Estado de Mato Grosso. Gráficos exibidos na palestra do Governador Garcia Neto aos estagiários da Escola
Superior de Guerra. Cuiabá, 1978.

130
pensão vitalícia para ex-governadores. Ruben recordou-se que, no caso da indicação de Ênio Vieira,
teria alertado Garcia Neto para que não enviasse a mensagem, porque havia o risco de derrota em
plenário. A bancada da Arena era composta por 18 deputados contra apenas 6 do MDB. No dia da
eleição, a “bancada pedrista” e o MDB votaram contra e ela foi derrotada. Garcia Neto teve que
rearticular a sua base e reapresentá-la no ano seguinte (1977).
Este episódio tem mais um conteúdo a ser destacado. Pelo elevado emprego de parentes em
cargos públicos estaduais e municipais, o governo Garcia Neto foi apelidado, pela oposição pedrista e
do MDB, de “Oligarcia”163. Houve até uma matéria na Revista Veja narrando as tensões que
envolviam Garcia Neto e apresentando um diagrama, na forma de árvore, contendo mais de 20
pessoas próximas ao governador ou de sua esposa em posições importantes no Estado e na Prefeitura
de Cuiabá. De fato, com a indicação de Manuel Antônio Rodrigues Palma, genro do governador, para
o cargo de prefeito, o número de parentes aumentou bastante e despertou a fúria da oposição.
A matéria mencionou também as dificuldades de relacionamento com os pedristas dentro
da Arena, em virtude da liderança que Pedrossian vinha exercendo nos trabalhos preparatórios para a
divisão do Estado. As disputas UDN x PSD e sul x norte foram incendiadas dentro da Arena. Em
Campo Grande só se falava em cassação de Garcia Neto164. O deputado estadual Cecílio Jesus Gaeta,
do MDB da região de Corumbá, chegou a apresentar um pedido de cassação, baseado num suposto
empréstimo contraído pelo Estado, junto ao Banco do Brasil, sem aprovação legislativa165.
Entretanto, no caso, a base governista se unificou e o pedido foi derrotado por 17 votos a 5166. Todas
estas tensões, acrescidas das sequelas da divisão, já citadas, desaguaram nas eleições de 1978.
Uma fonte esclarecedora dos objetivos e contexto político subjacente é o arquivo Geisel,
no CPDOC-FGV. Num documento Diretório Nacional da Arena, de 1977, foi apontado que
Pedrossian deveria continuar liderando a sua corrente e não atacaria mais Garcia Neto, passando a
defender a Arena e o governo estadual. Garcia Neto, por sua vez, daria tratamento compatível a todos

163
Carlos Bezerra foi processado por Garcia Neto por suas declarações feitas na tribuna da Assembleia Legislativa, em nome da
liderança do MDB. O Governador pediu o enquadramento pela famosa Lei de Segurança Nacional e a ação foi para a
Auditoria Militar em São Paulo, que a devolveu sob alegação de não ver ferimento da referida lei. Por fim, o Tribunal de
Justiça de Mato Grosso manteve a sentença do órgão militar. Para que seja possível avaliar o nível de tensão nas relações de
Garcia Neto com a oposição, vale observar o seguinte trecho de um pronunciamento feito por Carlos Bezerra no plenário da
Assembleia Legislativa, quando da renúncia do Governador em 15/08/1978. “Mato Grosso se sentiu aliviado, pois assistiu a
três anos e meio de um trágico Governo, totalmente inoperante, um Governo que restaurou em Mato Grosso a política do ódio,
da perseguição e do compadresco, de um Governo que não se preocupou com a coisa pública, se preocupou sim, em apenas
arrumar e acertar a vida dos seus correligionários políticos, aumentando violentamente o quadro de funcionários públicos do
estado, com nomeações totalmente ilegais e inconstitucionais”. LIMA, Yara. Carlos Gomes Bezerra: Perfil Parlamentar de
um Líder – 1975/1978. Monografia apresentada ao curso de especialização em Ciência Política do Univag. Várzea Grande,
1997.
164
Paz sob Fogo Cerrado. Revista Veja, São Paulo, edição 436, 12/01/1977, pp. 25-27.
165
“... como acreditamos neste Governador que contraiu um empréstimo que atingiu a casa dos noventa milhões de cruzeiros,
contrariando os dispositivos constitucionais, sem a devida autorização do Poder Legislativo de Mato Grosso? [...] Como
acreditamos neste Governador, quando seu Governo é palco do escândalo conhecido em Mato Grosso e fora do Estado, o
escândalo do Bemat e a Matoveg, e os seus diretores cúmplices diretos, entre outros, o Sr. Ênio Vieira, artífice daquela
manobra indecente e espúria. Ele recebeu um prêmio desse Governo – e por isso não acreditamos – um prêmio pela sua
inteligência em articular o escuso: ser membro do Tribunal de Contas do Estado”. Estado de Mato Grosso. Assembleia
Legislativa. Ata n° 173 – 09/11/1977. Folhas 22 e 23 – Deputado Cecílio Jesus Gaeta.
166
Paz sob Fogo Cerrado. Revista Veja, São Paulo, edição 436, 12/01/1977, p. 25-27.

131
os deputados. Esperava-se a pacificação política entre os dois grupos. O documento reconhecia a
repartição do Estado em duas regiões distintas, dizendo que “a divisão já existe”.
Nas anotações do assessor da Presidência, Heitor de Aquino, aparecem também algumas
referências ao processo político em Mato Grosso e à criação de Mato Grosso do Sul. O curioso é
observar que o primeiro documento da série é datado de 10/07/1974 e mencionou detalhes
cartográficos para a linha divisória entre os dois Estados (Rio Coxim e Taquari). Este documento é
mais uma prova de que a divisão do Estado já vinha sendo discutida desde antes do governo Geisel,
dificultando os argumentos do governador Garcia Neto de que não sabia do processo divisório. No
Estado ainda chamado de “Campo Grande”, Aquino sugeria que Pedrossian fosse governador desde o
começo. Mencionou que foi cogitado um militar, mas seria difícil e disparou: “chega de
intermediários”. Para Mato Grosso, Aquino achou que podiam ganhar, mesmo com as sequelas da
divisão. Suas anotações indicavam “gelar o Garcia Neto” e colocá-lo na direta com alguém forte
(Canellas). Indicavam também que seria bom ouvir o Pedrossian sobre as eleições no norte.
Numa carta ao presidente Geisel, Aquino criticou a exposição de motivos entregue por
Garcia Neto para combater a divisão. Não considerou sólidos os argumentos do governador e achou
apelativa a citação da mais famosa obra do general Golbery do Couto e Silva sobre geopolítica.
Registrou que a União teria que ajudar os dois Estados por um período e mencionou uma resposta que
Geisel teria lhe dado ao argumento do custo, na qual ele apontaria que se gastava dinheiro com tanta
coisa e por que não numa correção territorial necessária? Aquino escreveu ainda que a comparação
com Pará e Amazonas era ilógica e finalizou dizendo que seria necessário discutir o sul do PA e norte
de GO, em breve167.
A sucessão de Garcia Neto, última com eleição indireta do governador, deu-se neste
ambiente traumatizado pela forma como a divisão foi recebida na região norte do Estado. Houve uma
proliferação inicial de candidatos, como era comum em tais escolhas. Dentre eles, cabe destacar o
sempre presente Gabriel Müller, então presidente da Famato; Agripino Bonilha (presidente da
Jucemat); Louremberg Nunes Rocha (Secretário de Educação); Frederico Campos (Secretário de
Obras) e toda a bancada de deputados federais da região norte do Estado, a saber: Benedito Canellas,
Gastão Müller, Vicente Vuolo e Joaquim Nunes Rocha168.
Pela situação inédita da abertura das vagas dos sulistas em função da divisão do Estado, o
número de cargos em disputa permitia, em tese, composições mais amplas. Segundo Garcia Neto, seu
candidato era Louremberg Nunes Rocha, filho de “Rochinha”, integrante do grupo da Arena I. Para

167
Todos estes documentos estão disponíveis na página do CPDOC-FGV (www.cpdoc.fgv.br), no Arquivo Geisel.
168
Frederico: “candidato a candidato” à sucessão governamental. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 14/01/1978; Deputado Antonio
Correa da Costa lança a sua candidatura para governar sem radicalismo político. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 18/01/1978; O
Leste faz manifesto a favor de Louremberg. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 18/01/1978. Gabriel tem apoio de líder ruralista.
Diário de Cuiabá, Cuiabá, 23/02/1978; Líderes do norte pedem Louremberg a Francelino. Diário de Cuiabá, Cuiabá,
24/02/1978; Canellas e Bonilha na berlinda da sucessão. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 26/02/1978; Gastão Müller afirma que
sucessão não terá problemas. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 04/03/1978.

132
este grupo era importante conquistar pelo menos uma das vagas majoritárias, para que pudessem se
manter fortes e se preparar para as próximas etapas. Garcia Neto aceitava o nome de Frederico
Campos para governador, pela amizade e relação profissional e não porque ele era vinculado à ala
pedrista. Osvaldo Sobrinho destacou que a candidatura de Louremberg a governador era respaldada
por uma frente de prefeitos e considerou que, caso ele tivesse avançado na sua postulação, poderia ter
levado a disputa contra Frederico Campos para a convenção da Arena e provocado alguma surpresa
no resultado final, a exemplo do que ocorreu com Paulo Maluf em São Paulo, ou mesmo Rachid
Saldanha Derzi em Mato Grosso do Sul169.
A renovação sentida na Arena deu-se de modo mais intenso no MDB. Márcio Lacerda
registrou que a divisão só revelou a hegemonia política da então região sul do Estado e que o objetivo
dos militantes do MDB, para a eleição de 1978, era estruturar o partido no Estado. Padre Pombo
destacara-se muito na campanha antidivisionista, enfatizando o caráter excludente da medida por ter
dispensado a realização de um plebiscito popular. Evocando a sua imagem de sacerdote, membro da
Academia Mato-Grossense de Letras (autor de diversas obras literárias) e seu nascimento em
Corumbá, Raimundo Pombo se apresenta ao eleitorado como sucessor de Dom Aquino Corrêa,
capitalizando o sentimento que permaneceu no Estado, mais pela forma como se deu o processo
divisionista170.
Sua origem em Corumbá foi importante, porque este município desempenhou papel
político de destaque em Mato Grosso, sediando diversos movimentos relevantes, marcando presença
nas eleições majoritárias no Estado, situando-se no meio do caminho entre as duas regiões e
“equilibrando” as relações entre sul e norte, por estar mais vinculado a Cuiabá do que a Campo
Grande, pela penetração do gado na região pantaneira ao final do século XVIII e após a Guerra com o
Paraguai (1864-1870). Este empreendimento se deu sob forte influência de famílias da região norte,
em particular de Cuiabá, Cáceres e Santo Antônio do Rio Abaixo, como descreveu Figueiredo
(1994).
Havia quem considerasse, inclusive, que, em caso de realização de plebiscito, Corumbá
ficaria ao lado do norte, contra a divisão, a exemplo de outras situações anteriores. Deste modo, o
Padre pôde se apresentar como um personagem símbolo do mal-estar causado pela condução do

169
Maluf “correu por fora” contra dois candidatos considerados favoritos, o ex-Governador Laudo Natel e o ex-prefeito de São
Paulo e banqueiro Olavo Setúbal, além do ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Neto. Rachid Derzi enfrentou seu cunhado
Italívio Coelho, então senador por Mato Grosso na suplência de Filinto Müller, e conseguiu a vaga de “senador biônico” de
Mato Grosso do Sul. Entrevista com Osvaldo Sobrinho. Cuiabá, 24/01/2007.
170
Raimundo Conceição Pombo Moreira da Cruz nasceu em Corumbá, em 08/12/1913, o que lhe rendeu o segundo nome de
Conceição, por se tratar do Dia de Nossa Senhora Imaculada Conceição. Estudou nos colégios salesianos Santa Teresa em
Corumbá e no Dom Bosco (Campo Grande). Foi integrado na Ordem Salesiana e ordenado padre em 06/01/1943, sendo
transferido para Corumbá, Campo Grande e, por fim, para Cuiabá. No Colégio São Gonçalo, onde exerceu o magistério por
mais de 40 anos, foi encarregado da disciplina e adquiriu o respeito de gerações de estudantes por sua postura. Participou do
Conselho Estadual de Educação por quase vinte anos, ocupando a presidência em sete mandatos. Era um quadro, portanto,
bem relacionado e respeitado em Mato Grosso por sua condição de professor e participante de movimentos sociais, conforme
a postura adotada pelo MDB na região sul e em todo o país.

133
divisionismo pelo governador Garcia Neto e como um representante da sociedade civil que ganhava
papel de destaque na redemocratização em nível nacional. Uma das propostas levantadas durante a
campanha era a de que, se fosse eleito senador, Padre Pombo entraria com um projeto de lei para
revogar a Lei Complementar n° 31/77 ou, pelo menos, colocaria a matéria em discussão
novamente171.
Sobre a maior identificação de Corumbá com o norte, Valle (2003, p.124) destacou que:

A verdade é que os corumbaenses e ladarenses, em sua grande maioria, votariam


contra a Divisão do Estado, pois o sentimento pela manutenção do Estado
íntegro era extremamente arraigada na alma daquela gente e principalmente das
suas lideranças, oriundas de Cáceres, Cuiabá, Livramento, Poconé e outros
municípios do Norte”. [...], era intenção do governador Wilson Martins, daquele
Estado, instalar simbolicamente o Governo Estadual, por alguns dias em
Corumbá e Ladário, a fim de neutralizar a campanha que vinha sendo
desenvolvida pelo deputado estadual Cecílio de Jesus Gaeta do PMDB, junto
aos prefeitos daquelas cidades, tentando convence-los a retornarem, os dois
municípios, à jurisdição do Estado de Mato Grosso. O prefeito de Corumbá,
Ruy Walter Albaneze, do PDS, já se declarou a favor da anexação pretendida.

Gilson de Barros, então vereador em Cuiabá, recordou-se das dificuldades que o MDB teve
para fazer suas campanhas. Segundo ele, a proposta para que o Padre fosse candidato a senador pelo
MDB, em 1978, partiu de Edgard Nogueira Borges, um dos principais militantes do partido no
período. O Arcebispo de Mato Grosso, Dom Orlando Chaves, se manifestou como um entusiasta
dessa possibilidade. O fato de o Padre estar associado à Igreja Católica, que gozava de grande
credibilidade junto às camadas de renda mais baixa, foi fator importante na consolidação de sua
candidatura, pois ainda havia muitos ecos da propaganda conservadora, inclusive de setores do
próprio clero, de que o MDB professava a ideologia comunista. Após a consulta à Congregação
Salesiana, Padre Pombo obteve a autorização para se candidatar.
Desta forma, e diante das dificuldades de se articular um partido de oposição naquele
período172, o MDB montou a sua chapa com Gilson de Barros e Carlos Bezerra como candidatos a
deputado federal e vários nomes em busca de vagas na Assembleia, com o objetivo de manter a
paridade das últimas eleições do período pré-divisão. Numa repetição da estratégia que o MDB da
região sul adotou na eleição de 1974, de lançar como candidatos a deputado estadual suas principais

171
Diário de José Luciano Schneider, 1978.
172
O senador por Mato Grosso do Sul, Ramez Tebet, falecido no final de 2006, relatou uma fala de Wilson Barbosa Martins em que
ele destacava as dificuldades para a formação do MDB no começo do bipartidarismo. Wilson Martins pontuava que “saía com
um livro na mão, procurando pessoas para se filiar ao partido, mas era muito difícil alguém se manifestar favorável. A
fiscalização era grande, os 'dedos duros' caíam em cima do pessoal e não deixava que as pessoas tivessem liberdade de
pensamento e se filiassem ao partido que quisessem. Era muito difícil. Foi aos trancos e barrancos que montamos a nossa
comissão provisória”. Tebet, Ramez. A História do PMDB no Mato Grosso do Sul. Revista da Fundação Ulisses Guimarães.
Disponível em http://www.fugpmdb.org.br/Rev20_RTebet.htm. Acessado em 17/05/2007.

134
lideranças municipais (vereadores ou suplentes), de modo a aumentar a bancada na Assembleia
Legislativa, o partido lançou nomes desconhecidos, até então, do grande eleitorado, como José
Márcio Lacerda, de tradição petebista e presidente do Diretório Municipal do MDB em Cáceres;
Dante Martins de Oliveira, suplente de vereador em Cuiabá; Evaristo Cruz (pecuarista na região de
Barra do Garças); Isaías Rezende (Jaciara); Paulo Nogueira (comerciante em Paranatinga); e João da
Silva Torres (Cuiabá). Ao final, o MDB conseguiu manter a mesma bancada anterior à divisão, quer
dizer, dois deputados federais e seis estaduais173.
A esse respeito, Márcio Lacerda apontou as dificuldades para se fazer oposição naquele
período e o padrão de mobilização desconhecido no Estado, até aquela época:

E começamos a fazer uma dinâmica política que o Estado não conhecia [...] O
que nos fizemos no Estado foi uma epopeia [...] Porque era um Estado
totalmente feudal !!! [...] E foi exatamente o momento que o Estado começou a
ser ocupado, coincidiu com logo depois da divisão, tinha alguns programas de
governo , esses programas de ocupação da Amazônia, de expansão da fronteira
agrícola. Isso caiu no Estado sem nenhuma preparação do Estado pra isso.
Então a quantidade de conflitos que isto gerou, conflitos na área de garimpos,
conflitos na área fundiária urbana, fundiária rural [...] Surgiu todo mundo aí.
[...] nós acabamos sendo os grandes interlocutores de todos estes segmentos
sociais e aí Cuiabá, no Oeste, mesmo no sul aí com Bezerra, mesmo no Vale do
Araguaia, com muita presença do Bezerra e do próprio Dante. Só que nós
éramos, vamos dizer, um grupo de ... tipo tropa de choque, sem nenhuma
perspectiva de chegar ao poder, pelo menos no curto prazo. [...] O MDB e
depois o PMDB canalizaram parte desta força de descontentes. (16/08/2006,
entrevista).

A candidatura do Padre Pombo apresentou-se, portanto, como o fato novo ou “bicho


papão” nesta eleição, obrigando a Arena a repensar a sua, até então tranquila, estratégia eleitoral para
obter as três vagas no Senado, com a maioria na Assembleia Legislativa para eleição indireta e os
nomes para apresentar ao eleitorado. Para Motta (1979), a Arena reproduzia as mesmas divisões do
sul do Estado, com a ala ortodoxa, subdividida em Arena I e Arena II, e a ala pedrista (vinculada ao ex-
governador Pedrossian). As candidaturas cogitadas a princípio para senador eram Canellas, Vicente
Vuolo e Bento Porto na A, o que garantiria uma vaga para a ala da Arena II na disputa Canellas x
Vuolo, e Joaquim Nunes Rocha, Nelson Ramos de Almeida na B, reservando esta cadeira para a
Arena I. O trauma gerado pela maneira como se deu a divisão do Estado e as responsabilidades
apontadas para a Arena, bem como o crescimento do MDB em âmbito nacional, gerou certa
apreensão na Arena com a candidatura do Padre Pombo, por sua imprevisibilidade, obrigando o
partido governista a reformular suas chapas.

173
GABINETE DE PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO. Retrospectiva das eleições em Mato Grosso: de 1945 a 1985.
Cuiabá: Fundação Cândido Rondon, 1988.

135
O MDB, que chegou a convidar o Coronel José Meirelles para concorrer ao Senado, optou
por apresentar seus três candidatos (Raimundo Pombo, Edgard Nogueira Borges e José Casal Del
Rey Júnior) na vaga A. Esta decisão refletiu o pragmatismo do partido, já que eles não tinham quadros
suficientes para disputar nas duas vagas e, se concentrassem os votos numa só, teriam maiores
chances de vitória. A aliança experimentada na Assembleia Legislativa com os seis deputados do
MDB, somados aos 4 da bancada pedrista e mesmo os “independentes” da Arena I, descontentes com
a condução personalista que Garcia Neto fazia no Estado, veio para a eleição e relembrou a velha
aliança PSD-PTB, imbatível no período pré-1964.
Já a escolha de Frederico Campos para o cargo de governador derivou de uma série de
fatores que tornam verdadeira aquela máxima da política, de que se deve eleger “quem reúne as
melhores condições no momento”, ainda que não seja o melhor. Frederico Campos era sobrinho do
general Dilermando Gomes Monteiro (cotado para ser chefe da Casa Militar de Geisel). Em 1975, na
esteira da crise provocada pelo comando do II Exército, com a morte do jornalista Vladmir Herzog,
Geisel convocou Dilermando para assumir a unidade militar.
Onofre Ribeiro destacou que isso gerou uma dívida de gratidão de Geisel para com
Dilermando, pela pacificação que este teria conseguido implantar numa área militar importante para
o projeto de liberalização política em curso. Em reunião com Geisel para discutir a sucessão em Mato
Grosso, Dilermando teria dito que punha a “mão no fogo” por seu sobrinho, como Frederico lembrou.
Para entender o papel exercido pelo general Dilermando na sucessão de Garcia Neto, é
necessário retomar o contexto da divisão do Estado. A forma como ela foi executada gerou muitas
incertezas sobre o futuro do Mato Grosso remanescente (sob a influência dos constantes argumentos
sulistas de que eles sustentavam Cuiabá e o norte), reforçadas pela pouca participação de Garcia Neto
nas discussões que culminaram na Lei Complementar n° 31. O sentimento era de abandono do Estado
à própria sorte, a despeito das promessas federais.
A única maneira, muitos entendiam, de garantir o compromisso federal para com Mato
Grosso era nomear para a posição de primeiro governador após a divisão alguém dos círculos
militares. Um editorial do Diário de Cuiabá chegou a pedir, nesta linha de raciocínio, que o próprio
general Dilermando, que deixara o comando do IIº Exército, assumisse a chefia do Poder Executivo
estadual, como prova da importância a ser dada por Geisel a seu sucessor e a Mato Grosso naquele
momento174.
No entanto, a nomeação de um militar para a chefia do Poder Executivo estadual poderia
não ser bem recebida pelas forças políticas mato-grossenses, sendo vista até como uma intervenção
federal. O histórico republicano do Estado não era muito promissor nesse aspecto175. Na
impossibilidade de Dilermando assumir, seu sobrinho Frederico Campos se tornou uma alternativa
real. Não seria o general amigo de Geisel, mas alguém de sua família e de estreita confiança.

174
Manifesto ao povo mato-grossense. Editorial. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 08/05/1977.

136
Agripino Bonilha reforçou essa versão ao destacar a sua participação como candidato em
1978. Num curso feito na Escola Superior de Guerra, em Brasília, Bonilha fez amizade com muitos
militares que compunham a “comunidade de inteligência” do SNI e o entorno pessoal do seu chefe de
então, o general Figueiredo. Eles lhe apresentaram ao próprio Figueiredo e pediram para que
conseguisse o apoio de dois deputados de seu Estado (um estadual e um federal), que eles tentariam a
sua indicação para a vaga de governador. Quando Figueiredo se reuniu com Geisel para discutir a
equipe de governadores, este lhe pediu para que pudesse indicar o de Mato Grosso, porque ele entedia
como uma missão pessoal. Em gratidão ao general Dilermando Monteiro, ele pedia nomeação de seu
sobrinho para a posição de governador. Diante de tal solicitação, Figueiredo teria silenciado e aceito.
Outro ponto que pesou a favor de Frederico Campos foi a aceitação de seu nome pelos dois
grandes grupos no interior da Arena (ex-UDN e ex-PSD). Como ele tinha origem pessedista e era
próximo a Garcia Neto, pela relação pessoal e profissional que mantinham, se tornou a segunda
opção dos dois lados, caso os titulares Louremberg e Canellas não conseguissem a indicação. Por
fim, Frederico Campos redigiu em 1977, ainda antes da confirmação da divisão do Estado, um
trabalho intitulado Considerações sobre a possível Divisão Territorial do Estado de Mato Grosso.
No documento, Frederico Campos adotou uma postura técnica e não se posicionou de
modo contrário ou favorável à divisão. Limitou-se a analisar a situação dos dois Estados, observando
as dificuldades que seriam encontradas (administrativas, financeiras, patrimoniais, fundiárias) e
apresentando sugestões para o seu equacionamento adequado. Como era essencial ter alguém como
governador, naquele momento, que, se não concordasse com a divisão, pelo menos buscasse
alternativas para viabilizá-la em caso de sua aprovação. Com isso, seu nome ganhou força. Não se
deve descartar a possibilidade de que o general Dilermando, já sabendo dos planos divisionistas de
Geisel, tenha pedido a Frederico Campos que elaborasse o documento.
O próprio general Dilermando Monteiro, cujo juízo não deve ser desprezado pela posição
ocupada, afirmou em depoimento que:

Eu, desde o começo, que eu disse ao presidente Ernesto Geisel, a meu ver Mato
Grosso só progredirá bastante depois da divisão. E justifiquei, porque Mato
Grosso, a parte norte, estagnada praticamente, porque embora a maior renda é
(sic) do sul, porque o sul se desenvolveu mais por várias razões [...] Para
desenvolver aquele norte era preciso injeção de recursos federais [...] Então, eu
achava difícil um governador do Estado com sede em Cuiabá, desenvolver
aquele norte todo [...] porque o governador era atraído naturalmente para o sul
do Estado. Então, na minha opinião, a separação era benéfica, vantajosa e
necessária176.

175
Basta lembrar os casos dos Generais Antônio Maria Coelho, Caetano de Albuquerque e Newton Cavalcanti, Major Sebastião
Rabelo Leite, Coronel Antonino Mena Gonçalves e o Capitão Manoel Pires. A grande exceção no período monárquico é o
Capitão de Fragata e, depois, Almirante Augusto João Leverger (Barão de Melgaço), que foi presidente da Província de Mato
Grosso por cinco vezes. Para mais detalhes, veja lista de governantes de Mato Grosso na página do Arquivo Público Estadual
(www.apmt.mt.gov.br).
176
Monteiro, Dilermando Gomes. Trajetória na carreira militar. Entrevista concedida a Martha Arruda Dias de Paiva. Brasília.
29/06/1980. Acervo do Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional (NHDIR) da Universidade Federal de
Mato Grosso.

137
Vale lembrar que os ex-pessedistas estavam, como frisou Alfredo da Mota Menezes,
“indóceis”, em 1978, pelos dois mandatos consecutivos da Arena I e as dificuldades de
relacionamento na última gestão. Um jornal de Campo Grande destacou, ao discutir a sucessão, ainda
em 1977, que “Além disto, Garcia desgastou-se muito dentro do partido, marginalizando do poder os
arenistas egressos do PSD e até mesmo alguns da UDN, sua origem. E colocou sulistas em postos-
chave do governo – o que, naturalmente, atiçou a rivalidade do arraial nortista.”177 Como eles
estavam em maioria na Câmara dos Deputados (três dos quatro deputados do norte pertenciam ao
grupo – Gastão Müller, Canellas e Vuolo), passaram a articular o posicionamento para as próximas
eleições.
Por essa perspectiva é possível entender a afirmação de Gastão Müller de que a escolha do
governador, em 1978, seria tranquila, se ele saísse da bancada federal da região norte do Estado.
Como eram três contra um, eles tinham certeza de que seu grupo sairia vencedor nesse caso, embora
não houvesse consenso entre eles sobre o nome178. Júlio Campos disse que Canellas não quis a vaga
de senador biônico e deixou para Gastão Müller, porque este já vinha apresentando dificuldades de
obter a reeleição.
Frederico Campos teria proposto a Gastão Müller a vaga de prefeito de Cuiabá que ele,
como governador, indicaria em 1979. Entretanto, diante da possibilidade de descumprimento do
compromisso assumido por Frederico Campos e da cadeira de senador biônico oferecida pela Arena
nacional, Gastão Müller optou pela última, como lembrou Júlio Campos (17/09/2006, entrevista). As
razões para esta preferência foram o seu papel na estruturação do partido em Mato Grosso, a memória
de seu tio Filinto Müller (cujo mandato estaria terminando, caso estivesse vivo), a defesa da divisão
com vários pronunciamentos em plenário e o bom trânsito que possuía nos meios militares179. Diante
da situação, Frederico Campos procurou Francelino Pereira para conseguir a vaga de biônico para
Gastão Müller e disse que acomodaria Vicente Vuolo de uma outra forma, já que eles disputaram a
indicação para a vaga de governador até o último momento180.
Canellas dispunha de pesquisas que apontavam o sentimento de 70% do eleitorado do
Estado para que ele fosse governador, seguiu Pedrossian e resolveu candidatar-se a senador na eleição
direta, com Vuolo na outra vaga, em parceria. Como Canellas era muito próximo à cúpula militar e,
por conseguinte, da Arena nacional, eles articularam tudo em Brasília. Se Canellas e Vuolo fossem

177
Mato Grosso (norte): poucos caciques para muitos índios. Jornal da Manhã, Campo Grande, 07/09/1977.
178
Frederico Campos narrou uma reunião que presenciou em Brasília com a bancada federal, junto com o então Governador Garcia
Neto, para que escolhessem um deles para ser o próximo Governador. Como não houve consenso, a reunião foi abandonada.
Para mais detalhes, veja Gastão Müller afirma que sucessão não terá problemas. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 04/03/1978.
179
Canellas destacou em seu depoimento que Gastão Müller era amigo do médico pessoal do general Golbery e frequentara
também alguns cursos da Escola Superior de Guerra.
180
Paulo Zaviasky era assessor do Estado durante a gestão de Garcia Neto e estava na casa de Frederico Campos na noite em que
seria anunciado o nome do futuro Governador. Segundo ele, até o último momento ainda havia dúvida entre Vuolo e
Frederico. Citou o caso do filho de Ênio Vieira (Carlos Vieira) que ficou na porta da casa de Frederico com o carro ligado para
dar tempo de correr para a residência de Vuolo caso ele fosse o escolhido.

138
eleitos, as quatro vagas majoritárias em disputa ficariam com a Arena II e não sobraria nada para os
antigos udenistas. Júlio Campos pontuou que, por conta disto e de outros fatores, o governador
Garcia Neto cedeu às pressões e resolveu renunciar ao mandato e candidatar-se ao Senado, contra
Canellas.
Estava dado o cenário para a reedição do enfrentamento político que marcou a passagem de
Garcia Neto pelo governo. Seria de novo UDN x PSD, com destaque neste último para a ala pedrista,
representada em Mato Grosso pelo então deputado federal José Benedito Canellas, que adotou aqui o
mesmo discurso de Pedrossian no sul, qual seja, o embate entre o homem comum e sem recursos para
campanhas milionárias (ele mesmo) contra os grupos dominantes do Estado, que só se preocupavam
com os seus próprios interesses (Garcia Neto). O desenvolvimentismo contra o tradicionalismo
personificado na Arena I.
Canellas foi um dos principais opositores de Garcia Neto na Arena, conforme orientação do
grupo político a que pertencia. Quando Garcia Neto foi a Brasília para a reunião com o presidente, no
anúncio do governador, toda a grande imprensa dava como certa a indicação de Canellas. Garcia
Neto ficou nervoso por isso e confidenciou a seu parceiro de viagem, José Villanova Torres, que era o
presidente da Arena estadual, que se Canellas fosse o escolhido ele não informaria para a imprensa na
saída da reunião. Francelino Pereira (presidente da Arena nacional) parabenizou-lhe logo na entrada
da sala. Geisel disse que tinha em mãos os nomes de dois secretários de Estado (Louremberg Nunes
Rocha e Frederico Campos) e queria cumprimentá-lo pela escolha de Frederico Campos. Disse que
Louremberg Nunes Rocha (então com 35 anos) era muito jovem e poderia esperar por outras
eleições.
Ruben Figueiró recordou-se de uma reunião em Campo Grande na qual Garcia Neto
comunicou às lideranças da Arena no sul do Estado a sua renúncia ao governo estadual e posterior
candidatura a senador. Figueiró e todos os presentes pediram-lhe que concluísse o mandato, de modo
a apoiar seus correligionários nas eleições. Ele temia que o vice-governador Cássio Leite de Barros
não tivesse a mesma postura em relação aos antigos udenistas181.
Cássio tinha uma relação familiar próxima com José Monteiro de Figueiredo (Doutor
Zelito), um dos maiores expoentes da Arena II no norte do Estado e cogitado pela imprensa para a
sucessão de Garcia Neto182 . O governador descreveu as pressões sofridas, disse que sua decisão era
definitiva e que dali rumaria para Brasília com o objetivo de comunicá-la ao presidente Geisel.
Agripino Bonilha entendeu que a candidatura de Garcia Neto a senador, em 1978, teve muita

181
O deputado estadual Carlos Bezerra, no contexto da conduta do Governador Garcia Neto na divisão do Estado que criou o
terreno para a eleição de 1978, apontou a irresponsabilidade da renúncia de Garcia Neto ao dizer que “E entrega este Governo
ao Dr. Cássio Leite de Barros, que não conhecemos bem, mas sabemos ser um elemento do sul do Estado, sabemos ser um
elemento que lutou pela divisão do Estado, que expôs publicamente seu ponto de vista favorável à divisão do Estado. [...] O
mais incrível é que, sabendo da posição do Dr. Cássio Leite de Barros favorável à divisão do Estado, o Dr. Garcia Neto, que é
um homem do norte do Estado, entrega o Governo do Estado a um sulista na hora que serão decididos os problemas mais
importantes, os problemas mais graves para os dois Estados ...”. LIMA, Yara. Carlos Gomes Bezerra: Perfil Parlamentar de
um Líder – 1975/1978. Monografia apresentada ao curso de especialização em Ciência Política do Univag. Várzea Grande,
1997.
182
Surgem Octayde e Monteiro para a sucessão de Garcia. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 28/01/1978.

139
influência da sua família, quase toda ocupando cargos de destaque. Rodrigues Palma exercia, então, a
Prefeitura de Cuiabá, com grande popularidade, em função das importantes obras executadas em seu
mandato (Avenida Beira Rio, Parque de Exposições, canalização do Córrego da Prainha, Projeto
Cura, Avenida Mato Grosso). Por conta disso, eles teriam considerado que era possível trazer o voto
cuiabano e neutralizar eventuais impactos negativos deixados pelo episódio da divisão.
Como eram duas vagas em disputa, os candidatos deveriam escolher entre a vaga A ou a B.
Vigorava também o mecanismo da sublegenda, que permitia a soma dos votos dados à Arena ou ao
MDB em cada vaga, elegendo-se o mais votado. Oscar Ribeiro destacou que Garcia Neto fez questão
de esperar a definição de Canellas sobre a vaga em que concorreria, e vice-versa, para se
posicionarem. Havia uma vontade de enfrentamento entre os dois grupos pelo histórico de tensões
que marcaram o mandato. Frederico Campos considerou que foi um capricho pessoal de Garcia Neto
e seu grupo, querendo provar que poderiam derrotar Canellas e o pedrismo nas urnas.
Motta (1978) apontou ainda uma eventual traição de Garcia Neto ao seu próprio grupo de
ex-udenistas por concorrer para uma vaga de senador. Essa decisão teria reafirmado a maneira
personalista com que Garcia Neto conduziu o Estado em seu mandato, fonte de críticas
oposicionistas. É necessário lembrar a disputa interna no comando da Arena (entre Garcia Neto e
Rochinha), bem como os seus respectivos sucessores (Rodrigues Palma e Louremberg). Segundo o
autor, havia uma articulação para que Canellas fosse candidato na vaga A e Rochinha na B, com
concorrentes menos expressivos, de modo que os dois fossem eleitos e a Arena ficasse com as duas
cadeiras. Estaria garantido, desta maneira, o equilíbrio interno da Arena, entre Arena II e Arena I. Na
vaga A concorreriam, além de Canellas, Bento Porto (Secretário de Estado de Planejamento) e o
deputado federal Vicente Vuolo. Na vaga B, seriam Rochinha, Nelson Ramos de Almeida e
Archimedes Pereira Lima.
Garcia Neto indicou o deputado estadual Nelson Ramos de Almeida para ocupar uma
cadeira de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado, retirando-o da contenda. A sua opção por
concorrer contra Canellas, na vaga A, foi tomada por partidários da Arena I como um complicador
para a eleição de Rochinha, já que os outros candidatos migrariam também para essa vaga e tornariam
a eleição muito mais apertada. Seriam duas tentativas de esvaziar a candidatura de Rochinha e
fortalecer o grupo de Garcia Neto dentro da antiga UDN. Este passou a trabalhar por seu ex-Secretário
Bento Porto, desde a convenção da Arena, porque considerava que ele poderia trazer mais votos e
rivalizar-se com Rochinha na região de Poxoréu, da qual era egresso. Garcia Neto esperava, portanto,
contar com os votos daqueles que votassem em Bento Porto e Rochinha, na vaga B, enquanto
Canellas ficaria apenas com os votos de Vuolo.

140
É possível perceber, portanto, que Garcia Neto vinha articulando para se tornar líder
supremo da Arena I no norte do Estado, como apontara o deputado Carlos Bezerra em
pronunciamento na Assembleia183. Primeiro pela escolha de Rodrigues Palma para prefeito de
Cuiabá, num período de recursos financeiros fartos. Palma, até então, era advogado, funcionário do
Bemat e professor da Escola Técnica Federal, sem qualquer experiência política e/ou administrativa.
Desse modo, ele estaria formando uma nova liderança política com a qual poderia fazer “dobradinha”
dali em diante. De outro lado, ele procurou retirar da arena partidária os principais líderes da arena I
em Cuiabá, pelo oferecimento de vagas no Tribunal de Contas do Estado. Isso aconteceu com Ênio
Vieira e Nelson Ramos de Almeida. A hesitação na defesa de Louremberg para governador e, por
fim, à sua própria candidatura a senador, enfraquecendo as pretensões de Rochinha, selaram este
movimento184. Cabe destacar que a derrota de Garcia Neto para Canellas, nas eleições de 1978, e esta
desarticulação que ele promoveu com os quadros da Arena I nortista tiveram profundos impactos
durante todo o período pós-divisão.
Foi também o caso de José Ferreira Freitas, secretário de administração no governo Garcia
Neto (1975-1978), embora radicado na região de Corumbá, era uma das principais forças da Arena na
então região norte, por ter ocupado cargos na direção do partido e exercido a liderança da sua bancada
estadual185. Por conta de sua atuação partidária e sua vinculação a Corumbá, Freitas foi indicado para
a vaga de vice-governador pela bancada estadual da Arena e, em duas ocasiões sucessivas (1970 e
1974), além de conselheiro do Tribunal de Contas.
A campanha ficou marcada pelas acusações de corrupção e nepotismo dos adversários
contra Garcia Neto, com base nas denúncias feitas durante sua gestão e a resposta na mesma moeda
em relação a Canellas. Garcia Neto, por sua vez, espalhou cópias de cheques sem fundo assinados por
Canellas, como prova de sua desonestidade, como apontado por Motta (1979). Foram espalhados
panfletos com a imagem do “Don Ratón”, que retratava Garcia Neto e sua família como roedores do
dinheiro público, duas semanas antes da eleição.
A exemplo da campanha de Canellas, o MDB não apresentou, na sua maioria, um discurso
ideologizado, mas apenas pediu renovação de grupos e hábitos na vida partidária. De fato, o diário
pessoal de José Luciano Schneider (cunhado de Raimundo Pombo) traz comentários sobre esta
aliança informal, ao afirmar que no 15/11/1978, data da eleição, o prato a ser servido seria “farofa de

183
O deputado estadual Carlos Bezerra, na posição de líder da bancada do MDB na Assembleia Legislativa, se referiu ao
Governador Garcia Neto da seguinte forma: “A Oligarcia é uma terminologia batida, barata, já envelhecida em quase dois
anos, mas retrata fielmente a intenção, a tentativa do hóspede do Palácio Paiaguás em organizar seu feudo pessoal e
contrarrevolucionário na parte norte-leste do estado, pois a área sul já está repartida, em tese, por vários donos”. LIMA, Yara.
Carlos Gomes Bezerra: Perfil Parlamentar de um Líder – 1975/1978. Monografia apresentada ao curso de especialização
em Ciência Política do Univag. Várzea Grande, 1997.
184
Nunes Rocha é o mais cotado para substituir Garcia Neto. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 15/11/1977. Garcia Neto comunica a
indicação de João Baptista Figueiredo e declara não ter candidato à sucessão estadual. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 06/01/1978.
185
O Governo Garcia Neto-Cássio Leite de Barros foi um período fértil em nomeações de conselheiros para o Tribunal de Contas
do Estado. O pleno do tribunal foi quase renovado, com seis nomeações ao todo, com destaque para os udenistas Marcílio de
Oliveira Lima (ex-prefeito de Campo Grande), Ênio Vieira (Presidente da Arena estadual), Nelson Ramos de Almeida
(deputado estadual), Hélio Jacob (procurador do próprio TCE), além de José Ferreira de Freitas e Teresino Alves Ferraz.

141
pombo com chá de canela”. Lembrava também de uma piada corrente na época sobre um pombo que
pousou no ombro de Garcia Neto e emitiu o seguinte ruído: “corrrrrupto, corrrrupto”186.
Para Motta (1979), as candidaturas de Gilson de Barros e Carlos Bezerra a deputado federal
pelo MDB contribuíram para o desempenho de Canellas na eleição de senador. Bezerra tinha forte
sentimento antiudenista, integrou a juventude trabalhista e participou da defesa do mandato de
Pedrossian contra a tentativa de impeachment, em 1967, na liderança do movimento estudantil.
Gilson de Barros compôs o mesmo movimento e depois passou a exercer o cargo de Subsecretário de
Fazenda sob Pedrossian e José Fragelli. Motta (1979) acrescentou ainda que Dante de Oliveira obteve
sua eleição sem apoio do MDB, além do seu “padrinho político” Gilson de Barros, centrou sua
campanha no meio estudantil e nas classes médias em Cuiabá, associou-se às teses defendidas em
nível nacional pelo MDB, como anistia para os punidos após o golpe militar, convocação de uma
Assembleia Nacional Constituinte, pela justiça social e maior participação política, contra o modelo
econômico do regime civil-militar etc.
Ainda segundo Motta (1979), Canellas inaugurou o marketing político em Mato Grosso,
com um trabalho feito desde a convenção da Arena, na qual a sua votação em relação a Garcia Neto já
surpreendera a muitos. Na entrada da Assembleia Legislativa (local da convenção) os militantes de
Canellas distribuíam balas de canela, com seu nome colorido na embalagem. A eleição transformou-
se num julgamento sobre a pessoa do ex-governador e sua conduta pessoal, e não sobre as realizações
de sua gestão. O slogan escolhido por Canellas, O Povo no Senado, retrata bem o discurso de
campanha e sua filiação ao pedrismo, surgido nos estertores do populismo no Brasil.
Motta (1979) observou que a votação de Canellas (125.434) se aproximou da soma dos
votos obtidos por Raimundo Pombo (83.381) e Vicente Vuolo (47.668), o que sugere que os eleitores,
que escolhiam qualquer um destes, na vaga B, optavam por Canellas na vaga A. Garcia Neto (82.065),
por sua vez, teve votação próxima à soma dos resultados do seu ex-Secretário Bento Porto (43.728) e
Joaquim Nunes Rocha (31.989). A exemplo do que acontecia no período 1945-1965, quando o PSD
se aliava ao PTB contra a UDN, era imbatível nas urnas. Para Canellas, as identidades partidárias pré-
65 estavam arrefecendo no mandato de Garcia Neto (1975-1978), de acordo com os esforços de
“arenização”. No entanto, a partidarização excessiva apresentada pelo governador reativou as
disputas anteriores ao bipartidarismo, o que foi decisivo para as eleições de 1978 e as seguintes, como
apontou o deputado estadual Carlos Bezerra, na posição de líder da bancada do MDB na Assembleia
Legislativa187.

186
Diário de José Luciano Schneider, 1978.
187
A Arena há 10 anos está tendo um mando político em Mato Grosso e ela vem através deste mando, trazendo sérios prejuízos para
o nosso Estado, para a nossa administração [...] nós sabemos que Mato Grosso, houve sim uma udenização da Arena, o ex-PSD
está totalmente marginalizado e contrariado, trazendo rivalidades dentro da Arena. A rivalidade existe, ela é um fato, ela vem
trazendo prejuízo enorme à vida pública em Mato Grosso. Lima, Yara. Carlos Gomes Bezerra: Perfil Parlamentar de um
Líder – 1975/1978.

142
A votação do Padre Pombo acompanhou o padrão do MDB em nível nacional, sendo mais
forte nas cidades mais populosas do Estado. 65,92% dos seus votos vieram de apenas sete
municípios, com destaque para Cuiabá (20.058 votos), Rondonópolis (10.933), Várzea Grande
(7.634), Cáceres e Jaciara (7.354)188. Esses resultados reafirmam o comportamento oposicionista do
eleitorado nos maiores centros urbanos, em função do desgaste experimentado pela Arena. No caso
específico de Mato Grosso, o crescimento do MDB, puxado pela candidatura do Padre Pombo, pode
ser entendido com um “efeito colateral” do sentimento antidivisionista estimulado pelo governador
Garcia Neto. Uma vez efetivada a divisão, o eleitorado se sentiu traído pela posição hesitante do
governador e canalizou esta insatisfação para o candidato oposicionista, o que acabou interferindo na
estratégia da Arena nesta eleição.
Na vaga B, na qual a disputa foi apertada, Vicente Vuolo foi eleito graças ao mecanismo
das sublegendas, que totalizava os votos dados a todos os candidatos do partido para eleger o mais
votado. Quer dizer, os resultados de Bento Porto, Joaquim Nunes Rocha e Vicente Vuolo deram a
vaga para a Arena. Ao mesmo tempo, o Padre Pombo obteve a segunda maior votação individual e
não foi eleito (83.381 votos). Como a regra eleitoral dispunha que o mais votado ficaria com o
mandato de oito anos e o segundo, com o de 4, Vuolo ganhou a cadeira de senador na vaga que era de
Antônio Mendes Canale, cujo período se encerraria em 1983.
Como foi possível perceber, toda a bancada do norte mato-grossense foi “promovida” para
o Senado, com o único que manteve a posição contrária à divisão até o final, ficando na suplência de
Vuolo (Rochinha), ficou com o mandato de 4 anos e a dupla Gastão/Canellas, que sempre
explicitaram seu divisionismo, ficaram com os mandatos de oito anos, sendo o primeiro deles com o
“biônico”. Na esteira da “promoção”, foram abertas as 8 vagas na Câmara dos Deputados, o que
permitiu a eleição de uma nova geração de políticos com menos de 40 anos, que marcaria o pós-
divisão (Louremberg, Carlos Bezerra, Gilson de Barros e Júlio Campos).
O mesmo efeito foi sentido na Assembleia Legislativa, com apenas três dos 11 deputados
do norte obtendo a reeleição. Esta renovação abriu espaço, em particular no MDB, que tinha maior
força na região sul, para a eleição de novos quadros, como José Márcio Lacerda (região de Cáceres) e
Dante de Oliveira (Cuiabá e no Médio-Norte). A Arena II elegeu 9 deputados na bancada estadual
(Ary Leite de Campos, Oscar Ribeiro, Zanete Cardinal, Moisés Feltrin, dentre outros) e 3 na federal
(Júlio Campos, Afro Stefanini e Bento Lobo).
A Arena I obteve bons resultados nas eleições proporcionais. Dos seis deputados federais
eleitos pela Arena, três tinham origem udenista (Louremberg Nunes Rocha, Milton Figueiredo e
Ladislau Cortes). Louremberg Nunes Rocha foi o segundo mais bem votado, o que lhe garantiu uma

188
Gabinete de Planejamento e Coordenação. Retrospectiva das eleições em Mato Grosso: de 1945 a 1985. Cuiabá: Fundação
Cândido Rondon, 1988.

143
posição destacada para 1982189. Na bancada estadual foram eleitos seis deputados, com destaque para
Osvaldo Sobrinho, que obteve a primeira colocação na sua primeira disputa, e Sarita Baracat, a última
prefeita de Várzea Grande antes do predomínio da família Campos e seus aliados (década de 1960)190.

189
A UDN confirmou a sua força na região leste do Estado, ao garantir boa votação para Louremberg. Auxiliado pela presença de
seu pai (Joaquim Nunes Rocha) na disputa por uma vaga de senador e herdando seus votos para a Câmara Federal,
Louremberg foi o mais bem votado nas zonas eleitorais de Rondonópolis, Jaciara e Poxoréo e obteve bom resultado também
em Cuiabá e Chapada dos Guimarães. Apenas estas zonas lhe garantiram cerca de 68,5% de seus votos em todo o Estado. Para
mais detalhes, leia Gabinete de Planejamento e Coordenação. Retrospectiva das eleições em Mato Grosso: de 1945 a 1985.
Cuiabá: Fundação Cândido Rondon, 1988.
190
Gabinete de Planejamento e Coordenação. Retrospectiva das eleições em Mato Grosso: de 1945 a 1985. Cuiabá: Fundação
Cândido Rondon, 1988.

144
Parte III
A REORGANIZAÇÃO DAS FORÇAS POLÍTICAS
NO PÓS-DIVISÃO - (1979 - 2002)

[...] a questão do Estado é uma das mais complexas, mais difíceis e,


talvez, a mais embrulhada pelos eruditos, escritores e filósofos
burgueses. [...] Todo aquele que quiser meditar seriamente sobre ela e
assimilá-la por si, tem de abordar esta questão várias vezes e voltar a
ela uma e outra vez, considerar a questão sob diversos ângulos, a fim de
conseguir uma compreensão clara e firme. (LENIN apud CODATO,
Adriano Nervo e PERISSINOTTO, Renato, 2001, p. 9).

145
“Prazer, Júlio Campos, futuro governador de Mato Grosso”

Após eleição de 1978, a Arena I nunca mais obteve a chefia do Poder Executivo estadual em
Mato Grosso. Manteve sempre um papel importante, sobretudo em Cuiabá, seu reduto eleitoral desde
as gestões municipais de Manuel de Arruda, Garcia Neto e Hélio Palma de Arruda, na década de 1950.
Os principais quadros desse grupo, que se destacaram nas décadas de 1980 e 1990, tiveram origem
ainda nos mandatos de Garcia Neto como governador e Rodrigues Palma como prefeito de Cuiabá.
Vale citar nomes como Osvaldo Sobrinho, que ocupou posições de destaque na Secretaria
de Educação na gestão de Louremberg; Joaquim Sucena, médico paulista que exerceu a Secretaria
Municipal de Saúde no período Palma (1975-1979) e foi deputado estadual e federal; Roberto França,
originado do meio futebolístico (treinador e comentarista), vereador em Cuiabá em 1972 e 1976,
suplente de deputado estadual em 1978, e titular em três mandatos consecutivos, chegando a presidir
a Assembleia estadual, no biênio 1987-1989; e Luís Soares, filho do deputado estadual Oscar Soares,
eleito para dois mandatos na Assembleia Legislativa (1982 e 1986), candidato a governador pelo
PSDB, em 1990, e vice-prefeito de Cuiabá na chapa de Roberto França, em 2000.
Júlio Campos, prefeito de Várzea Grande entre 1973 e 1977, foi o mais votado (39.814), no
melhor resultado proporcional para deputado federal do país em 1978. Este bom resultado, somado à
sua origem familiar e política e ao vazio de lideranças políticas que se seguiu à divisão na Arena II
(morte de Filinto Müller, João Ponce e Emanuel Pinheiro, opção pelo sul de Pedrossian e Canale),
permitiu que Júlio Campos despontasse como alternativa para a eleição de governador em 1982, que
seria a primeira direta desde Pedrossian, contra Lúdio Coelho, em 1965. Sobre a sua origem
pessedista, Júlio Campos destacou que “Tinha um antigo deputado daqui que morreu já, que chamava
Milton Figueiredo, da velha UDN, ele dizia que quando eu levantava de manhã, diz que em vez de
falar em nome do Pai, Filho e Espírito Santo, diz que Juscelino, Filinto e João Ponce.”
O próprio Júlio Campos recordou-se que sempre adotou o perfil dinâmico e que, após
assumir a cadeira de deputado federal, se preocupou em ocupar posições na Arena nacional e estadual
(1º secretário da executiva nacional). O senador Petrônio Portela, que era o presidente Nacional do
partido, lhe delegou a formação do Partido Democrático Social (PDS), sucedâneo da Arena, em Mato
Grosso. De posse dessa tarefa, Júlio Campos passou a percorrer os diretórios municipais pelo interior
do Estado e apresentar-se como alternativa real para a eleição de governador, pois era um nome
“novo” (do ponto de vista da faixa etária) e sem desgaste pessoal, sintonizado com o desejo expresso
pelo eleitor, em 1978. Num encontro da bancada federal de Mato Grosso com o presidente João
Figueiredo, logo após a eleição de 1978, Júlio Campos teria perguntado se a promessa de realizar
eleições diretas em 1982 estava valendo. Quando Figueiredo confirmou, Júlio Campos respondeu:
“prazer, Júlio Campos, futuro governador de Mato Grosso.”
O governo João Figueiredo (1979-1985), último do ciclo dos generais, foi permeado por
muitas tensões, tanto no campo político-militar quanto no econômico. Vale salientar as greves de
operários, que já haviam começado em 1978 e passaram a contar com o apoio de amplos setores de
opinião pública; a luta pela aprovação da lei de anistia, que suspendia punições contra todos os
atingidos, desde 1961, por atos de contestação ao regime, assim como os torturadores; a resistência da

147
“Linha Dura” à redemocratização, que teve no episódio do Rio Centro seu ponto culminante191; a
reformulação do quadro partidário, cujo objetivo declarado era manter a unidade das forças
governistas e dividir a oposição, permitindo a volta do pluripartidarismo para as eleições diretas de
governador, em 1982, no horizonte192; e a profunda recessão econômica provocada pelo segundo
choque do petróleo em 1979 e a moratória da dívida externa mexicana em 1982, que mergulhou toda
a América Latina na estagnação, inflação elevada e inadimplência internacional.
Dois acontecimentos deste período merecem destaque pelo seu impacto, inclusive para
Mato Grosso. A campanha pelo restabelecimento das eleições diretas para a Presidência da
República, oportunizada pela votação de uma Emenda Constitucional de autoria do deputado federal
pelo PMDB de Mato Grosso, Dante Martins de Oliveira; e a eleição indireta para a sucessão de
Figueiredo, com toda a movimentação dos postulantes do PDS e a articulação da candidatura de
Tancredo Neves.
Skidmore (1988) apontou que no colégio eleitoral se formou a Aliança Democrática,
composta pelo PMDB e o recém-fundado Partido da Frente Liberal (PFL), formado por dissidentes
do PDS insatisfeitos com o governo Figueiredo, e a candidatura de Paulo Maluf a presidente. O PFL
indicou como vice na chapa de Tancredo o senador José Sarney (MA), que fora presidente nacional
do PDS até 11/06/1984, quando renunciou por desentendimentos com malufistas. Em 15/01/1985,
Tancredo obteve 480 votos, contra 180 dados a Paulo Maluf e foi eleito como primeiro presidente
civil desde 1964.
Na véspera da posse (14/03/1985), Tancredo teve fortes dores abdominais e foi internado
no Hospital de Base em Brasília. Surgiu a dúvida sobre quem deveria assumir a Presidência. Ulysses
Guimarães, José Sarney ou prorrogação do mandato de Figueiredo, como vinha sendo proposto por
muitos? Após a decisão, Sarney foi empossado como presidente interino, do dia seguinte até
21/04/1985, quando Tancredo Neves faleceu em São Paulo, pelas complicações de sua doença, como
se recordou Costa Couto (2003).
Nas viagens a Brasília, Júlio Campos aproveitava para fazer escala em Barra do Garças,
que fica na metade do caminho. Ele articulava a sua candidatura com forças políticas da região, como
o deputado federal Ladislau Côrtes e o suplente do senador Gastão Müller e ex-prefeito Valdon
Varjão (antigo pessedista). A região do Araguaia já tinha discurso de abandono e sempre apoiou a
divisão do Estado, entendendo que seria a única forma de Cuiabá olhar para o leste. Eles chegaram a
esboçar movimentos separatistas ou de anexação ao estado de Goiás, pela maior proximidade com

191
Em 30/04/1981, uma bomba explodiu num carro no estacionamento do Riocentro, centro de convenções no Rio de Janeiro. No
carro estavam dois militares integrantes do Doi-Codi. Apesar de negações, a conclusão foi que eles pretendiam levar a bomba
para um show que estava sendo realizado no local e promover um atentado político, para interromper a liberalização política
em curso.
192
Na formação dos novos partidos após o fim do bipartidarismo, convém observar o papel desempenhado pelo Partido Popular
(PP). Ele foi articulado pelos senadores Magalhães Pinto e Tancredo Neves, como fator de equilíbrio num arranjo muito rígido
que vinha do período de Arena e MDB. Seria uma reunião de dissidentes destes dois grandes partidos. Não se pode esquecer
também do papel do PP na garantia de maior participação mineira na transição para a democracia, o que teria aproximado os
dois senadores outrora rivais.

148
Goiânia193. Por conta disso e de outros fatores, como o modelo de colonização adotado, o
distanciamento dos principais eixos rodoviários do Estado (BRs-163 e 364), o cooperativismo e a
forte presença da Igreja Católica, o MDB era muito ativo, com os seus três únicos prefeitos eleitos em
1976, sendo da região. Dentre estes, cabia destaque a Wilmar Perez, prefeito de Barra do Garças
(município polo do Médio Araguaia).
Como era uma região expressiva em termos eleitorais e que poderia decidir a próxima
eleição de governador, pela força demonstrada pelo MDB em 1978, Frederico Campos destacou que
foi até lá para “convencer” Wilmar Perez a se mudar para o PDS. Viajou com o chefe do Gabinete de
Planejamento e Coordenação (Osvaldo Fortes), num domingo pela manhã, quando a Prefeitura
estava fechada e o prefeito em casa. Ele pediu para chamar Wilmar e perguntou-lhe sobre os seus
projetos para o município. Enquanto Wilmar falava, Frederico Campos perguntava a Osvaldo Fortes
se havia recursos disponíveis para as obras e dizia que o Estado os repassaria para a Prefeitura
mediante convênios, na área de infraestrutura. Perante a “oferta”, Wilmar Perez aceitou o convite
para filiar-se ao PDS e desempenhou papel importante na eleição de 1982, na qual foi o vice na chapa
de Júlio Campos.
Cabe aqui fazer um parêntese nas articulações para a candidatura de Júlio Campos a
governador, para conhecer um pouco da passagem de Frederico Campos pelo Executivo estadual.
Sua gestão ficou marcada, sobretudo no início, pelas incertezas que rondavam o Estado com a
divisão. Após a sanção da Lei Complementar n° 31, o presidente Geisel passou a se dedicar a outros
assuntos na área militar (rebelião comandada pelo Ministro do Exército), política (eleições em 1978)
e econômica (aumento da inflação e dívida externa). Ele entregou, portanto, a operacionalização da
divisão à burocracia estatal que passou a andar no seu próprio ritmo e sem tanto compromisso, pela
transição para o sucessor de Geisel (Figueiredo). Isso angustiava o governador Cássio Leite de Barros
e o representante do norte (Professor Aecim Tocantins).
Eram muitas questões a tratar (patrimônio, pessoal, dívida pública, restos a pagar, recursos
para custeio e investimento) e as expectativas não eram boas. Para se ter noção do ambiente da época,
basta verificar que a Revista Contato publicou, na capa, uma entrevista em março de 1979, com o
recém-empossado Frederico Campos, cujo título era A Incômoda Cadeira do Paiaguás. Sua gestão
seria voltada, portanto, para adaptar o aparelho estatal à nova situação e renegociar com a União todos
os compromissos assumidos quando da aprovação da divisão, com ênfase para o programa especial
de desenvolvimento, denominado Promat, que previa recursos para Mato Grosso nos primeiros dez
anos de emancipação.
No seu próprio pronunciamento de posse na Assembleia Legislativa, Frederico Campos
pontuou que:

193
Depoimento de Wilmar Perez em Neves, Maria Manuela Renha de Novis. Relatos Políticos. Rio de Janeiro: Mariela, 2001b.

149
A receptividade então expressa carinhosamente pelo povo mato-grossense e a
feliz aceitação e apoio pelos dignos integrantes da Aliança Renovadora
Nacional, deram-me o estímulo e a auto-confiança necessários para o exercício
do cargo, até hoje sinônimo de grande desafio, face aos sombrios prognósticos
decorrentes da divisão físico-territorial de Mato Grosso. Tratava-se não apenas
do exercício normal da ação de governo , dentro de um processo contínuo [...]
Era, sobretudo, a conscientização das alterações de base, da identificação de
métodos mais adequados para superar grandes e instantâneos desequilíbrios
econômico-financeiros, a bem de todo um povo, que em nenhuma hipótese
poderia ser vítima dos efeitos da divisão geopolítica do Estado.194

De olho nestes desafios, fica mais fácil entender a escolha de Osvaldo Fortes para ocupar a
chefia do Gabinete de Planejamento e Coordenação (GPC) e a Presidência da Companhia de
Desenvolvimento de Mato Grosso (Codemat). Fortes era considerado “governador de fato” no
secretariado de Frederico Campos, a exemplo do que o fora no governo Pedrossian, quando ocupara o
mesmo cargo. Era muito difícil Frederico Campos tomar uma decisão importante sem consultar
Osvaldo Fortes. Como este era cuiabano e trabalhava na Prefeitura de Campo Grande como
Secretário de Planejamento, começou a ser muito cobrado pelos parentes e amigos por não ajudar seu
Estado num momento difícil. Enviou, então, um documento a Frederico Campos, antes de sua posse,
expondo a forma como via a situação do Estado e apresentando algumas sugestões. Logo depois,
Frederico Campos o convidou para coordenar a área de planejamento em seu governo .
Fortes tornou-se uma peça-chave neste quadro político, pois fora um dos principais
interlocutores técnicos de Brasília no momento de formulação da Lei Complementar n° 31 e tinha,
portanto, acesso aos órgãos federais e ao recém-criado Mato Grosso do Sul (tivera contatos com
Harry Amorim, primeiro governador de Mato Grosso do Sul). Era um dos poucos cuiabanos aceitos
dos dois “lados da cerca”, o que se revelou fundamental neste momento. Para exemplificar o
reconhecimento de que gozava no sul, basta dizer que na primeira reunião com Marcelo Miranda,
então governador de Mato Grosso do Sul, Fortes apontou que eles levaram algumas propostas para
determinados problemas em pauta. Após a fala de Frederico Campos, Marcelo Miranda perguntou se
tinha sido Osvaldo Fortes que coordenara aquele trabalho. Quando Frederico Campos confirmou,
Marcelo respondeu que não havia mais necessidade de discussão e que assinaria tudo o que fosse
necessário, porque confiava em seu ex-secretário.
O governo Frederico Campos (1979-1983) realizou, portanto, uma gestão considerada de
orientação técnica. Seu próprio perfil e o de seu secretariado já demonstravam como seriam as ações
no primeiro mandato após a divisão. No entanto, a Arena I considerou que, pelo fato de Frederico
Campos ter sido trazido de volta a Mato Grosso por Garcia Neto, ocupando uma das secretarias mais
importantes, e pelo fato de o governador não ter se oposto à sua nomeação, eles deveriam obter

194
Arquivo de áudio da sessão da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, em 15/03/1979. Disponível no acervo do
Instituto Memória do Poder Legislativo.

150
melhor tratamento sob o ponto de vista de participação governamental. O próprio Frederico Campos
salientou que Rodrigues Palma queria ser presidente do Bemat e não foi atendido, porque ele já tinha
outro nome de sua confiança para a posição.
Diante da relação difícil com Frederico Campos e das sequelas deixadas pela disputa
eleitoral de 1978, o grupo da Arena I, liderado por Garcia Neto, optou por não permanecer no partido
sucedâneo da Arena, preferindo filiar-se ao Partido Popular (PP). A despeito de mais de uma década
de tentativas de pacificação, as rivalidades PSD-UDN foram reativadas com toda força em 1978, em
grande medida pelo próprio comportamento de Garcia Neto como governador. Na reforma partidária
de 1979, o PP foi criado para acomodar disputas regionais e compor com o PDS nas questões
nacionais, reunindo os dissidentes da Arena e do MDB.
Os parlamentares federais e estaduais do PP passaram a fazer oposição aberta a Frederico
Campos, com destaque para Milton Figueiredo, na Câmara dos Deputados, e Osvaldo Sobrinho, na
Assembleia estadual. O próprio Garcia Neto apontou que a maioria dos que ficaram no PDS eram os
egressos do antigo PSD, que votaram contra ele nas eleições de 1978. Ele destacou que “[...] os
amigos, entre aspas, do ex-PSD, fizeram uma campanha tremenda contra mim. [...] Eu os tratava
como irmãos da Arena. [...] porque o PDS era o PSD, era o PSD, aqui em Mato Grosso, nossos
adversários [...]”.
Há vários pronunciamentos de Milton Figueiredo no plenário da Câmara dos Deputados
tecendo críticas à gestão do governador Frederico Campos. Um dos seus alvos prediletos era a
candidatura do embaixador Roberto Campos a senador, articulada pelo governador. Há um
pronunciamento em que ele transcreve uma matéria de uma Revista denominada Movimento, que
comentava o uso de órgãos do Estado no casamento do filho de Frederico Campos195. Num deles,
Milton Figueiredo manifestou-se em favor do senador Vicente Vuolo, que seria o candidato natural do
PDS ao Senado, e pontuou que:

Mesmo sendo Oposição desconfiável, acho que o partido do Governo está


caindo num conto do vigário armado pelo Palácio do Planalto. Veja V. Exa, Sr.
Presidente, que a candidatura Roberto Campos alija o senador Vuolo, homem
do mais alto gabarito do meu Estado, Deputado Estadual, prefeito de Cuiabá,
último prefeito eleito pelo povo e Deputado Federal, senador da República.
Hoje não conseguirá uma sublegenda, porque [...] o governador Frederico
Campos, [...], não lhe dará a sublegenda. Foi alijado também o Dr. José
Monteiro de Figueiredo, Presidente do próprio Partido, o PDS, homem do mais
alto gabarito, homem de escol, que foi vice-governador do Estado, Deputado
Estadual, homem de caráter ilibado, médico conceituado e homem público da
melhor qualidade. Tem apenas um defeito: é presidente do PDS. Mas esse

195
Para mais detalhes leia Pronunciamento do deputado federal Milton Figueiredo na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário
do Congresso Nacional, p. 2.748-2.749, 17/11/1981.

151
defeito é sanável num futuro próximo. A candidatara Roberto Campos só abre
cicatrizes. A candidatura Roberto Campos só fere, só humilha, só vilipendia o
povo mato-grossense196.

Para Freire (1999), os estrategistas oficiais queriam acabar com o bipartidarismo, porque
cada vitória do MDB era entendida automaticamente como derrota da Arena. As divisões também
existentes no MDB, entre autênticos e moderados, não eram aproveitadas da melhor maneira pela
Arena, porque o MDB se unificava na oposição ao regime civil-militar. O senador Petrônio Portela,
principal articulador do PP, pretendia favorecer a criação de um partido centrista que pudesse agregar
os moderados do MDB e os dissidentes da Arena, liderados pelos senadores mineiros Tancredo
Neves e Magalhães Pinto. O papel desse partido seria de atuar como “fiel da balança” entre os dois
grandes, facilitando a negociação política em torno de lideranças civís tidas como confiáveis para
ocupar a Presidência da República. A morte do senador Petrônio Portela, em janeiro de 1980,
desarticulou essa estratégia e implicou numa mudança de postura do PDS.
Portanto, como o PP começou a crescer muito em nível nacional, o regime civil-militar, por
meio do general Golbery do Couto e Silva, realizou uma nova reforma eleitoral em 1981. Uma das
principais mudanças era a instituição do voto vinculado, que obrigaria os eleitores a votarem apenas
em candidatos do mesmo partido, desde o governador até o vereador, nas eleições de 1982. Como o
PP ainda era um partido em fase de consolidação, de base parlamentar e com poucos filiados pelo
país, sua situação se tornou difícil e a maioria dos quadros optou por migrar para o PMDB, pela
postura oposicionista em relação ao regime que agonizava. Em Mato Grosso, eles encontraram o
grupo de “autênticos” do MDB, que vinha dos anos de oposição. Foi uma convivência difícil e que
trouxe muitos desdobramentos para o processo político no Estado e, em particular, para os antigos
udenistas.
Frederico Campos conseguiu superar as dificuldades e atingiu ainda algumas realizações
no Estado. Elaborou o Plano de Ação Geral do Estado de Mato Grosso (Pagemat), que centrava as
suas atenções na expansão da agropecuária e na infraestrutura necessárias (nos modais de energia e
transportes). Buscou ainda a legalização fundiária para dar mais segurança aos investidores externos.
Entendeu que sua administração foi municipalista, pois neste período foram emancipados 20
municípios (Juscimeira, Nova Brasilândia, Rio Branco, Salto do Céu, Alta Floresta, Jauru, Água
Boa, Canarana, Pontes Lacerda, Santa Terezinha, Denise, Juara, Juína, Sinop, Colíder, São José do
Rio Claro, Araputanga, Jaciara, Paranatinga e Nova Xavantina), através da nomeação de
“administradores temporários”, além de ajudá-los com máquinas e equipamentos. Para financiar os
projetos em curso, ele teve que melhorar a arrecadação estadual, mas também buscar empréstimos
externos para o Estado197.

196
Para mais detalhes leia Pronunciamento do deputado federal Milton Figueiredo na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário
do Congresso Nacional, p. 2.838, 24/11/1981.
197
Governo do Estado de Mato Grosso. Mato Grosso Pós-divisão: Relatório. Cuiabá, 1982.

152
Nas peregrinações por Londres e Washington em busca de credores, Frederico Campos
teve a ajuda do embaixador brasileiro junto ao Reino Unido, o mato-grossense Roberto Campos, que
nasceu em Mato Grosso, em 1917, e se mudou, ainda aos seis anos, para um seminário em Guaxupé
(MG), porque pretendia seguir carreira eclesiástica. Desistiu já no seminário maior e prestou
concurso no Itamaraty, em 1938. Depois de sete anos nos Estados Unidos (1942-1949) e de ter
participado na delegação brasileira na Conferência de Bretton Woods (1944), voltou para o Brasil e
integrou a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (BNDE), nos mandatos presidenciais de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.
Depois de sair da presidência do BNDE, em 1959, retornou à atividade diplomática e
assumiu a embaixada brasileira em Washington (1961-1963), da qual renunciou por discordar da
conduta do presidente João Goulart quanto à política externa. Após o golpe militar de 1964, compôs a
equipe do presidente Castelo Branco, como Ministro do Planejamento (1964-1967). De 1967 a 1974,
trabalhou em grandes bancos no Brasil até retornar à diplomacia em 1975, para assumir a embaixada
brasileira em Londres, como lembrou um analista de seu pensamento político, Perez (1999).
Com base no papel cumprido por Roberto Campos na captação de recursos para o Estado e
nas das necessidades do PDS em nível nacional, surgiu a sua candidatura a senador por Mato Grosso,
em 1982198. Frederico Campos lembrou-se de uma reunião que teve na casa de Paulo Maluf (então
governador de São Paulo) sobre a candidatura de Roberto Campos a senador. Maluf teria dito que era
prioridade eleger Roberto Campos senador, para ter alguém que pudesse defender a política
econômica naquela Casa. Ele teria perguntado se Frederico Campos elegeria Roberto Campos por
Mato Grosso, porque senão ele o faria por São Paulo. Frederico Campos sentiu-se provocado por
Maluf e encarou o desafio. Como a proposta de marketing ficou muito cara, Frederico Campos optou
por massificar o nome de Roberto Campos pelo colunismo político do Estado.
Todas as suas ações eram comentadas pelos jornalistas. De fato, a Revista Contato dedicou
duas capas (edições 13 e 16) para fotos de Roberto Campos e manchetes, como O encontro de
Londres, ou Política-MT: a outra face. Esta revista entrevistou o Embaixador quando este esteve em
Mato Grosso, em 1981, para proferir uma palestra na Assembleia Legislativa e filiar-se ao PDS.
Roberto Campos era tratado como um “governador oculto” ou uma “eminência parda”, a exemplo de
Golbery do Couto e Silva (então Chefe da Casa Civil de Figueiredo). Nos comentários políticos, seu
nome era apontado até como alternativa para a sucessão de Figueiredo, caso a disputa no PDS (Mário
Andreazza x Maluf) chegasse a um ponto mais complicado199.
Entretanto, aquilo que poderia alavancar a sua candidatura era um empréstimo na área de
transportes, orçado então em US$ 200 milhões, num programa denominado de “Carga Pesada”.
Estiveram com o general Golbery para pedir o aval da União, que foi concedido. Há boatos que
Frederico Campos não desmente, de que Júlio Campos teria trabalhado pela retenção de tal

198
Esta parceria entre Roberto Campos (economista) e Frederico Campos (engenheiro) é bem representativa das elites burocráticas
que tiveram papel de destaque no processo de industrialização por substituição de importações comandado pelo Estado no
Brasil, como bem descrito por Gomes (1994).
199
Senhor Embaixador. Revista Contato, Cuiabá, junho de 1980.

153
empréstimo no Senado Federal, porque temia que a dupla Frederico-Roberto Campos pudesse se
fortalecer muito na política mato-grossense e lhe reduzir espaço futuro200. Mauro Cid salientou que as
obras dos primeiros dois anos da gestão de Júlio Campos foram feitas com recursos quase exclusivos
deste empréstimo.
Roberto Campos já fora convidado pelo então governador Fernando Corrêa da Costa para
concorrer ao Senado pela UDN, em 1962. Não pôde, porque o presidente Jango não liberou e pela
eclosão da crise dos mísseis cubanos. Depois, foi cogitado para ser o senador biônico de Mato
Grosso, em 1978, mas teve que desistir pela exigência de domicílio eleitoral no Estado. Júlio Campos
destacou que Maluf teria lhe falado sobre tal interesse de Roberto Campos e ele passou a articular
com Frederico Campos nesse sentido. Como seria apenas uma vaga de senador em disputa, em 1982
(a cadeira de Vicente Vuolo), e, de acordo com o compromisso assumido por Frederico Campos com
Roberto Campos, a concorrência se voltou para a candidatura a governador.
Com a saída dos ex-udenistas para compor o Partido Popular em Mato Grosso, o espaço
ficou mais livre no PDS. O único ex-pessedista que migrou para o PP foi o senador Gastão Müller.
Júlio Campos salientou razões pessoais para essa transferência, como a proximidade entre Gastão
Müller e o senador Tancredo Neves (fundador do PP), ou porque teria uma desavença com o
presidente Figueiredo (reminiscências da “Revolução” de 1932). Garcia Neto enfatizou o mau
relacionamento que Gastão Müller tinha com o grupo de Várzea Grande (família Campos), que o
levou a trocar de partido.
No entanto, há outras razões mais objetivas para explicar o comportamento de Gastão
Müller. Logo no princípio da gestão de Frederico Campos, Gastão passou a fazer contundentes
discursos oposicionistas da tribuna do Senado. Seus alvos prediletos eram a política educacional
(pelo fato de ser professor) e a violência em municípios do interior, como Colíder e a região do
Araguaia201.
Uma possibilidade interpretativa pode estar no perfil de Frederico Campos e seu governo e
no papel que Gastão Müller esperava exercer junto ao governador. Por seu peso na sucessão, na
condição de porta-voz da bancada federal, e a citação de seu nome para vaga de governador, talvez ele
esperasse melhor tratamento da parte de Frederico Campos e, avançando um pouco mais na dedução,
seu apoio para uma eventual candidatura a governador pelo PDS, em 1982. No PP, ele seria a
liderança de maior peso institucional. A imprensa da época apontava seu nome, ao lado dos também
senadores Vuolo e Canellas, como potenciais candidatos a governador em 1982, e Mauro Cid
também destacou que a sua pretensão era esta.
Num pronunciamento na Câmara dos Deputados, ele afirmou que:

200
Homem das 31 mil casas hoje mora de aluguel. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 02/12/2001.
201
Pronunciamento de senador Gastão Müller no Senado Federal em Brasília. Diário do Congresso Nacional (Seção II), p. 2746,
12/08/1982; Pronunciamento de senador Gastão Müller no Senado Federal em Brasília. Diário do Congresso Nacional
(Seção II), p.1.841, 26/05/1982; Pronunciamento de senador Gastão Müller no Senado Federal em Brasília. Diário do
Congresso Nacional (Seção II), p. 5.100, 27/09/1980.

154
O bipartidarismo não funciona, é uma situação caolha, artificial e até chega as
raízes do imoral, pois o bipartidarismo não existe de fato e está-se sendo
hipócrita e fingido, ao falar-se nele, diante da sublegenda, que é, por excelência,
o antibipartidarismo. Dai repetir eu Rousseau: “Tudo que é mal em moral é mal
também em política”202 .

Estas razões, portanto, podem ter se somado às nacionais. Gastão Müller, que já era crítico
de alguns aspectos do sistema político adotado pelo regime civil-militar desde sua passagem pela
Câmara dos Deputados (como a sublegenda e o bipartidarismo), adotando a mesma posição para com
a direção do PDS, enfatizando seu autoritarismo e artificialismo. Ele passou a articular a criação de
uma terceira legenda, no momento da reforma partidária de 1979. Filiou-se ao grupo que pedia a
renúncia de Sarney da presidência do PDS (um ex-udenista) e preconizava a fundação do Partido
Democrático Independente ou Social Independente. Não por coincidência, os dois adjetivos que
precedem “independente” (que demarcava a posição do momento) eram aqueles que compunham o
nome do velho PSD. O líder maior desta bancada, o senador Tancredo Neves, também fora do ex-
PSD. Gastão Müller chegou, inclusive, a reivindicar a linhagem direta deste partido com seu PSD de
origem, requerendo a mesma sigla, se não fosse proibido pela legislação vigente203.
Uma matéria do Jornal de Brasília confirmou as filiações pessedistas dos articuladores do
PP ao dizer que:
O movimento que a cada dia ganha novos adeptos vai desaguar seguramente na
criação de outro partido que, tenha o nome que tiver, na verdade será um
prolongamento do ex-PSD, agremiação de origem dos principais dissidentes. A
“escola de sabedoria política”, como muitos destes parlamentares insistem em
chamar o velho PSD, vai reunir em seus quadros, caso se confirmem as atuais
tendências, políticos bons de voto, embora sem grande liderança atualmente em
seus Estados204.

Outro aspecto importante para explicar o engajamento de Gastão Müller nesta articulação
foi a posição do senador Filinto Müller de reativação do ex-PSD assim que fosse possível. Como
Gastão Müller se considerava herdeiro político de Filinto e estava ocupando a cadeira que fora de seu
tio (o último mandato de Filinto, concluído por seu suplente Italívio Coelho, terminou em 1979), ele
buscou uma continuação do líder pessedista. Este trecho do Correio Braziliense apontou esta
identidade política ao afirmar que:

155
A ideia de recriação do PSD não é nova. Ela nasceu no instante mesmo em que o
AI-2, no tempo do Governo Castelo Branco, o extinguiu, juntamente com as
antigas siglas partidárias. E um dos baluartes dessa cruzada foi o falecido
senador Filinto Müller, que em verdade nunca se conformou com o fim de uma
agremiação “que prestou os mais assinalados serviços ao País, e que legou à
Nação quase trinta anos de estabilidade política205.

José Sarney, então presidente do PDS nacional, veio a Cuiabá no começo de 1981 para
coordenar a disputa sucessória. A temperatura era elevada, pelo grande número de candidatos.
Mesmo com a saída do grupo da Arena I para o PP, liderado por Garcia Neto, o número de postulantes
à cadeira de governador era grande, em virtude do legado da sucessão em 1978206. Como o escolhido
foi Frederico Campos, que nunca obtivera mandato popular até então, houve um “adiamento”
daquela eleição, em função da singularidade do contexto divisionista. Portanto, aos nomes dos
senadores Canellas e Vuolo, do deputado estadual e presidente da Assembleia Legislativa, Oscar
Ribeiro, e do reitor da UFMT, Gabriel Novis Neves, foram acrescidos outros novos, como do
deputado federal Júlio Campos e do ex-Secretário de Planejamento Bento Porto (1º suplente de
Vuolo no Senado). Mauro Cid concordou com este ponto de vista ao dizer que a eleição de Frederico
Campos foi uma “parada” no processo político em Mato Grosso, porque as outras lideranças não
sabiam como se relacionar com ele.
A despeito de seu perfil, Frederico Campos não poderia ser desconsiderado, visto estar
fazendo uma gestão com boa avaliação e teria papel importante na própria sucessão. Os seus
candidatos preferidos apresentavam o mesmo padrão de “bons administradores”, como no caso do
médico Gabriel Novis Neves (cujo nome já fora citado em 1978207) e seu “governador de fato”, o
secretário do GPC Osvaldo Fortes. O próprio Júlio Campos reconheceu que o nome natural para a
sucessão de Frederico Campos seria o senador Canellas. Ao ser perguntado sobre o porquê da
desistência do senador e a herança de Filinto Müller, Júlio Campos disse que:

Ele era o nosso candidato natural. Mas ele saiu daqui [...] Não vinha aqui. Ficou
totalmente irresponsável. Tinha prestígio em Brasília, mas não usava o
prestígio pra Mato Grosso, só para Mato Grosso do Sul. Levava tudo pra fazer,
pra encher o Pedrossian de obras. Nomeou o Pedro governador e começou a
carrear tudo. Aí ele virou um senador de Campo Grande e não de Cuiabá. Com
isto abriu um boqueirão grande, eu senti. O Vuolo começou a ter problemas de
saúde. O Gastão biônico. E o Gastão cometeu a burrice de não ir para o PDS, foi
para o PP, virou. [...] O Gastão ficava até meio zangado, mas eu acho que
ninguém substituiu o Filinto Müller pra valer. Eu peguei um pouco do acervo do
Filinto Müller, do espólio e também a família.

205
Ex-pessedistas articulam volta da antiga legenda. Correio Braziliense, Brasília. 20/05/1979.
206
Com os Olhos em 82. Revista Contato, Cuiabá, fevereiro de 1981.
207
Pedro Pedrossian no sul e Gabriel Novis Neves no norte. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 05/01/1978.

156
Canellas apresentou outra versão para a sua não candidatura a governador, além da sua
participação nas articulações que marcaram a transição para a democracia, estava

Muito ligado ao presidente Figueiredo, ele me pediu. “Há, você vai embora, eu
vou ficar aqui, vai me fazer muita falta”. E eu acreditei. Abri mão. Tudo que eu
tinha pedido ao Figueiredo, tudo que o Estado tinha pedido, através de mim como
senador, ele nunca falou um não pra mim. Pra você ter uma ideia como era, um dia
ele chamou o ministro Delfim e falou assim: “o dia que o Canellas pedir alguma
coisa pra você, você atende, pra evitar que ele fique telefonando pra você”. Como
nunca, nunca abusei de um contato tão grande que eu tinha com ele. Eu pedia
alguma coisa pro Delfim, ele mandava fazer. [...] Se eu falasse: não, eu quero ser,
ele dizia “você vai e eu te apoio”. Com certeza absoluta mesmo. Então eu
aguardei. Eu fui muito ligado ao Tancredo. [...] Interlocutor entre Figueiredo e
Tancredo. [...] O Tancredo havia acertado que eu iria para a Sudeco e nomearia
toda a diretoria da Sudeco, obedecendo o critério de Estado. A escolha pessoal
seria minha. E me deu também todos os cargos federais de Mato Grosso, já pra
que eu fosse candidato a governador na próxima.

Outro aspecto que pode ter pesado para a não candidatura de Canellas a governador em
1982 era a presença de seu adversário, José Garcia Neto, na suplência do Senado. Como Garcia Neto
foi o segundo mais bem votado para a vaga A, na eleição de 1978, ficou com a primeira suplência e
assumiria em caso de vitória de Canellas para governador. Isso poderia fortalecer sua candidatura de
governador nas próximas eleições (1986) e “ressucitá-lo”, o que não era desejado pelo grupo da Arena
II. Seria perder uma vaga para um adversário e criar um concorrente para embates futuros. Onofre
Ribeiro destacou que a candidatura de Júlio Campos a governador, em 1982, foi fruto do acaso,
resultando da derrota de Garcia Neto para senador, em 1978, e do desempenho parlamentar
insuficiente de Canellas.
A própria eleição de Canellas teria sido também fruto do acaso, por sua relação com
Pedrossian. A única ajuda que Canellas teria conseguido para o Estado foram os recursos do Banco
Nacional da Habitação (BNH) para financiar casas nos bairros CPA II, CPA III e Tijucal, por conta de
sua amizade com o Ministro do Interior (Mário Andreazza). O apoio de Oscar Ribeiro teria sido
também decisivo para o sucesso de Júlio Campos. Onofre Ribeiro considerou Júlio Campos como o
último “pessedista” em Mato Grosso, por seu perfil articulador, de bastidores e pelo trabalho de base
feito nos municípios. Em cada município, ele identificava lideranças e nomeava como seus
representantes, cujo apelido era “julinheiros”.
Bonilha formou um grupo dentro do PDS, com Haroldo Arruda, o deputado estadual
Zanete Cardinal e o federal Afro Stefanini (estes dois últimos de Rondonópolis). Eles formaram
diretórios municipais do PDS no interior, para aumentar o seu peso dentro do partido no momento da
definição das candidaturas na convenção. Reuniram cerca de 35% dos votos e sabiam que Frederico
Campos não gostava de Júlio Campos e que este blefava ao dizer que era capaz de reunir 50% dos
convencionais (ele teria, de fato, cerca de 25% dos votos). Dois episódios lembrados por Bonilha
demonstram como os detalhes podem decidir eleições.

157
O irmão gêmeo de Frederico Campos era prefeito nomeado de Cubatão (SP), porque o
município era considerado área de “segurança nacional”. Ele foi ameaçado de demissão e Júlio
Campos articulou com o presidente Figueiredo, em Brasília, para reverter, e conseguiu. Numa outra
ocasião, num casamento no Clube Dom Bosco, Bonilha encontrou Gabriel Novis Neves e lhe
perguntou como ele ainda não o havia procurado para pedir o voto para governador, já que Bonilha
era secretário-geral do PDS. Gabriel Novis Neves teria respondido que Bonilha era empregado de
Frederico Campos (porque ocupava cargo comissionado no Estado) e faria o que seu chefe mandasse.
A tendência do grupo era apoiar Gabriel Novis, até então.
Depois disso e de um episódio semelhante com Haroldo Arruda, o grupo optou
por negociar a sua fatia do PDS com Júlio Campos, que poderia se considerar vencedor na
convenção. Quando eles informaram Frederico Campos, que estava internado num hospital
recuperando-se de uma pequena cirurgia, sobre a decisão de apoiar Júlio Campos e não Gabriel Novis
Neves, Frederico Campos disse que lavava as mãos, porque era grato a Júlio Campos no episódio da
demissão de seu irmão. Gabriel Novis Neves ainda tentou reverter a situação, mas era tarde.
Bonilha considerou que a capacidade de articulação que Júlio Campos demonstrava era
acima do comum e que Gabriel Novis Neves confiava muito em sua fama e no apoio de Frederico
Campos à sua candidatura, até pelo fato de serem parentes. Outro fator que pesou contra Gabriel
Novis Neves, como lembrou Mauro Cid, foi um pedido de Roberto Campos a Frederico Campos, de
que Júlio Campos fosse candidato porque precisavam de alguém com o perfil do “político
tradicional” para equilibrar a chapa com ele, que, até então, nunca recebera voto popular.
No começo do mandato, Osvaldo Fortes procurou Frederico Campos e lhe perguntou sobre
a sua sucessão e as próprias pretensões políticas futuras. Frederico Campos disse-lhe que estava ali
no cumprimento de uma missão e nem pensava nessas questões. Osvaldo lhe ponderou, então, que
era necessário que ele preparasse alguém para continuar as suas ações e não atacar as suas
realizações. No último ano, Frederico Campos tentou lançar o nome de Osvaldo Fortes para lhe
suceder, num evento no município de Tesouro, apoiado pelo então deputado federal Afro Stefanini
(que foi seu Chefe da Casa Civil). Diante do apoio, Júlio Campos procurou Osvaldo, que fora seu
primeiro chefe na Codemat, e perguntou se a candidatura era real ou apenas ensaio de Frederico
Campos. Júlio Campos disse que no primeiro caso, retiraria a sua própria candidatura em favor de
Osvaldo. Como a resposta foi negativa, continuou a sua peregrinação política.
A disputa entre Júlio Campos e Gabriel Novis Neves foi captada pela imprensa da época. O
editorial do Diário de Cuiabá entitulado “Um Tertius” relatou esse conflito e apontou o senador
Vicente Vuolo como uma possibilidade de terceiro nome para desempatar208. O senador Canellas
também teria retirado sua candidatura em apoio a Gabriel Novis, pelo fato de ambos serem
representantes do pedrismo em Mato Grosso. Canellas teria se comprometido até a usar seu prestígio
junto ao general Figueiredo para “virar a mesa” em favor de Gabriel Novis Neves, envolvendo Jarbas

208
Um Tertius. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 09/01/1982.

158
Passarinho na articulação209. Passarinho, senador, na época, era Ministro da Educação quando Gabriel
Novis Neves fora escolhido reitor da UFMT e sempre foi muito próximo a Pedro, como este mesmo
relembrou em Pedrossian (2006).
Do lado do PMDB, a realidade tinha melhorado desde a última eleição. Com a forte votação
obtida pelo Padre Pombo para senador, em 1978, seu nome para disputar a eleição de governador
apresentou-se como natural para o antigo MDB que, por conta da reforma eleitoral de 1979, não pôde
manter a sigla, acrescentando a palavra “partido” ao nome original, transformando-se em PMDB.
Formou-se uma corte de entusiastas da candidatura do Padre Pombo para governador, como Edgard
Nogueira Borges e Kazuo Sano. O então deputado estadual Márcio Lacerda lembrou que, nos
esforços de estruturação partidária, os “quatro mosqueteiros” do PMDB vinham empreendendo no
Estado, eles estavam trabalhando o nome de Padre Pombo210.
Entretanto, a maior movimentação no PMDB nesse período foi a incorporação do grupo do
PP. A opção foi tomada pela Executiva Nacional do PP, da qual o ex-governador Garcia Neto era
membro. O objetivo era manter a postura oposicionista do partido. Para Corrêa (2002):

Com a formação do Partido Popular, sob a liderança de Tancredo Neves, cria-se


pela primeira vez uma alternativa democrática ao regime vigente, contra a qual
não se justifica qualquer espécie de resistência militar. Tancredo estava alheio a
toda espécie de radicalismo e, se efetivada sob sua direção, a abertura política
dificilmente empreenderia o caminho do revanchismo e da retaliação, motivo
que, supostamente, seria a razão principal do empenho do Governo em manter o
processo sob seu controle [...] Com a reforma eleitoral de 1981, em que se
implantou o voto vinculado, municipalizou-se a eleição, [...] só uma
organização de âmbito nacional teria êxito, acreditavam os coordenadores
políticos do Governo. E a consequência da manobra oficial seria a inviabilidade
política do novo partido, criado por Tancredo Neves. [...] Diante desse quadro,
os líderes do PP resolveram incorporá-lo ao Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB). Verifica-se que Tancredo Neves era realista e
conhecia a política brasileira como poucos (CORRÊA, 2002, p. 27).

O grupo do PP ficou, então, com a vaga de vice-governador na chapa do Padre Pombo e


com uma das candidaturas na disputa para o Senado Federal. Era apenas uma cadeira em renovação
(Vicente Vuolo) e, como vigorava ainda o regime das sublegendas, era importante ter candidatos com
bom lastro político para eleger o mais votado. Os candidatos definidos foram Garcia Neto,
representando o grupo do PP, e Vicente Bezerra Neto, ex-senador pelo PTB e MDB, radicado na
região de Corumbá e que decidiu permanecer no norte após a divisão do Estado. Louremberg Nunes

209
Canellas não é candidato. Vai apoiar Gabriel Novis. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 14/01/1982; Sucessão estadual: Canellas diz que
vai “virar a mesa”. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 16/01/1982.
210
Lacerda se referia aqui aos quatro deputados estaduais que ficaram no PMDB até o final do mandato, como ele próprio e Dante
de Oliveira.

159
Rocha recordou-se que houve controvérsias na escolha do candidato a vice-governador na chapa do
Padre Pombo. Na reunião interna da cúpula do grupo do PP, realizada na casa do Professor Aecim
Tocantins, havia quem quisesse que o deputado federal Bento Lobo, ex-prefeito de Cuiabá, fosse o
candidato. Outros entendiam que Louremberg deveria representar o grupo na chapa. Após uma
votação, Louremberg Nunes Rocha foi escolhido e concorreu a vice-governador junto com o Padre
Raimundo Pombo211.
Osvaldo Sobrinho considerou que não havia mais possibilidade de retornar ao PDS depois
das sequelas deixadas pela campanha de 1978, em particular quando se considera que Canellas era o
mais bem cotado para a candidatura de governador, e a própria postura oposicionista em relação ao
governo Frederico Campos. Reconheceu a existência de algumas tensões na incorporação, ao avaliar
que o Padre Pombo estava “velho e esclerosado” e não confiavam nele por suas “ideias exóticas”,
como o projeto de plantação de pequi como alternativa para a agricultura de Mato Grosso212. Destacou
também que a candidatura de Garcia Neto a governador foi cogitada para 1982, mas eles recuaram em
função do desgaste da eleição anterior e da força eleitoral do Padre Pombo. A indicação de
Louremberg Nunes Rocha para a vaga de vice-governador tinha por objetivo transformá-lo numa
espécie de “primeiro-ministro”, ou “governador de fato”, num eventual mandato do PMDB, para que
ele fosse candidato a governador na próxima eleição213.
O então deputado federal Carlos Bezerra destacou os mesmos aspectos, como o exotismo
do Padre Pombo e da corte que o cercava, cujo líder era o também deputado Gilson de Barros, e a
marginalização da tomada de decisão na campanha do PMDB que vinha sofrendo. Seu nome era
cogitado para candidato a senador em 1982, para compor a chapa com o Padre Pombo. No entanto,
quando reuniu a Executiva do partido, fez algumas objeções à forma de relacionamento do Padre com
a imprensa, como no caso da referência à plantação de pequi numa revista de circulação nacional,
passou a ser visto como inimigo desse grupo. Diante disto, Bezerra teria resolvido se aposentar da
carreira política e dedicar-se apenas aos seus negócios, em Rondonópolis.
Sua casa vivia cheia de correligionários do PMDB pedindo que ele fosse candidato a
prefeito. Sua esposa disse que ele teria que ser candidato a alguma coisa, senão, diriam que ele se
vendeu para o Júlio Campos. O PDS tinha escolhido três candidatos para Prefeitura na sublegenda e
Bezerra lançou-se como anticandidato, segundo ele próprio, para não ganhar, como uma saída
honrosa da política. Tinha pouco dinheiro e contou com ajuda de alguns amigos e, com um pequeno
plano de governo, fazia a campanha nos bairros, a pé, e seus cabos eleitorais pegavam combustível
nos postos dos outros candidatos, usando adesivos. Venceram a eleição por uma margem apertada
(128 votos), o que garantiu ao PMDB a primeira grande Prefeitura em Mato Grosso.
Gilson de Barros enfatizou que a retirada de Bezerra para Rondonópolis se deu não por
divergências na condução da campanha do Padre Pombo, mas porque o próprio Bezerra considerava

211
Entrevista com Louremberg Nunes Rocha. Cuiabá, 29/05/2006.
212
Presidente do PMDB disse que incorporação será tranquila. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 23/04/1982.
213
Entrevista com Osvaldo Sobrinho. Cuiabá, 24/01/2007.

160
que já chegara a vez do PMDB ganhar a eleição para governador e queria ser, ele próprio, candidato.
Como Gilson estava mais alinhado aos expoentes no Congresso Nacional e ao discurso do PMDB, era
um dos grandes patronos da candidatura do Padre Pombo e mantinha uma disputa com seu colega de
bancada federal214. Bezerra teria preferido se retirar do cenário estadual naquela eleição. Márcio
Lacerda e o próprio Bezerra apontaram, em seus depoimentos, que não havia essa articulação de
candidatura a governador naquela eleição, e que talvez pudesse existir uma simulação para valorizar a
posição do grupo dentro do partido.
O programa apresentado pelo PMDB alinhava-se com os debates nacionais no contexto da
redemocratização. Foi elaborado pela Comissão Especial de Elaboração do Plano de Ação
Governamental (Ceepag). Os principais temas eram: 1- Reconstrução da democracia; 2 –
Moralização da Administração Pública; 3 – Desenvolvimento socioeconômico voltado para o
atendimento das necessidades básicas da população; 4 – Nacionalismo (“Mato Grosso é nosso”); 5 –
Ação política regionalizada e participativa; 6 – Ocupação do espaço territorial e regularização
fundiária; 7 – Assistência técnica, extensão rural e pesquisa agropecuária; 8 – Ênfase nas fontes
alternativas de energia; 9 – Cultura, lazer e turismo; 10 – Defesa ecológica e controle da poluição; e 11
– Cooperativismo215.
João Monlevade, professor da rede estadual e da Universidade Federal, então candidato
pelo Partido dos Trabalhadores (PT) a governador, relatou sua presença nas discussões programáticas
para elaboração do plano de campanha do Padre Pombo, junto com Leonardo Slhesarenko e sua
esposa Serys (também professores da UFMT). Ressalvou que o que pesava na política mato-
grossense não eram projetos, mas sim pessoas e que o Padre Pombo, a despeito de sua orientação
conservadora, representava naquele momento a negação da família Campos216. De fato, na equipe de
elaboração do plano, constam os nomes citados por Monlevade, além de outros militantes do PMDB
que teriam destaque doravante, como Júlio Müller Neto, Frederico Guilherme Müller, José Meirelles
(coordenador-geral), dentre outros217.
Enquanto isso, Júlio Campos continuava trabalhando e anulou o movimento de Canellas
quando obteve o “sinal verde” do Palácio do Planalto218. Chegou a ser noticiada a possibilidade de
Gabriel Novis Neves ser escolhido, pelo presidente, como governador do Distrito Federal (GDF) que,
até a Constituição de 1988, era indicado pelo Executivo e aprovado pelo Senado219. O lance decisivo,

214
Para Gilson de Barros, 1982 seria o ano do plebiscito popular contra a ditadura. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 01/01/1982;
Deputado reafirma candidatura do Padre Pombo a Governador. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 13/01/1982. Gilson reitera crença
na eleição do padre. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 31/01/1982. Gilson questiona a presença de Bezerra na presidência do PMDB.
Diário de Cuiabá, Cuiabá, 23/04/1982. Acabou a polêmica: Pombo é candidato. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 05/05/1982.
Gilson diz que o padre já ganhou. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 15/08/1982.
215
Pronunciamento de senador Gastão Müller no Senado Federal, em Brasília. Diário do Congresso Nacional (Seção II), p. 2.665,
07/08/1982.
216
Entrevista com João Monlevade. Brasília, 18/08/2006.
217
Pronunciamento de senador Gastão Müller no Senado Federal em Brasília. Diário do Congresso Nacional (Seção II), p. 2665,
07/08/1982.
218
Júlio Campos é o virtual candidato do PDS ao governo . Diário de Cuiabá, Cuiabá, 13/02/1982. Planalto deu sinal verde a Júlio
José de Campos. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 03/03/1982; Diretórios do centro apóiam Júlio Campos. Diário de Cuiabá,
Cuiabá, 09/03/1982.
219
Novis Neves pode ir para o GDF. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 18/03/1982.

161
no entanto, foi a renúncia do prefeito de Barra do Garças, Wilmar Perez, para compor a chapa como
vice de Júlio Campos, bem como a oficialização da candidatura de Roberto Campos ao Senado, num
ato político neste mesmo município220. Diante disso, Gabriel Novis Neves aceitou ser candidato a
senador na sublegenda do PDS, com (ou contra) Roberto Campos221.
Osvaldo Fortes considerou que maior erro de Gabriel Novis Neves foi ter renunciado à
reitoria da UFMT (o que abriu uma crise sucessória só encerrada após as eleições222). Desta forma, ele
se apresentou como um concorrente explícito para governador e estreitou as suas possibilidades
futuras. Para Osvaldo Fortes, ele deveria aguardar o desenvolvimento da disputa entre Júlio Campos
e Bento Porto (então diretor do Banco da Amazônia) para, no caso de impasse, ser lembrado como um
tertius. No entanto, Gabriel Novis Neves tinha um conselheiro, doutor em Ciência Política em
Londres, que lhe recomendou agir desta forma, em função do peso da instituição que dirigiu por doze
anos, assim como por sua vinculação a Pedrossian, então governador de Mato Grosso do Sul.
A respeito de sua candidatura, Gabriel Novis Neves salientou que:

Inicialmente eu fui convidado pra ser governador do Estado. Também não me


julgava competente, mas eu me julgava o seguinte, eu conhecia todas as pessoas
competentes. Porque eu convivi dentro de um centro que tinha gente
competente em todas as áreas. [...] O Júlio ninguém queria [...] Havia muita
resistência ao Júlio, porque era muito novo e o Frederico queria que eu fosse.
Mas depois vieram interesses maiores. E esses interesses maiores, o Júlio
passou a ser o preferido do Frederico e do pessoal todo. E aparece como
imposição do Governo Federal, especialmente do Delfim Neto, dos
empresários de São Paulo. Eu, ideologicamente, não tinha nada com o Roberto
Campos. Pelo contrário. [...] Eu aceitaria disputar o Senado [...] Eu era oposição
no palanque dele (28/08/2006, entrevista).

A candidatura de Gabriel Novis Neves vinha sendo articulada pelos pedristas, sob o
comando do senador Canellas e a orientação do próprio Pedrossian. Júlio Campos chegou a oferecer
a sua vaga de deputado federal para Gabriel Novis Neves, que poderia ser o mais votado, como ele, e
se projetar para a próxima eleição. No entanto, a esposa de Gabriel Novis Neves (Regina) disse que
ele só recuava para senador. Júlio Campos alertou que ele teria que enfrentar Roberto Campos na
sublegenda e Gabriel Novis Neves aceitou. Júlio Campos disse que, caso ele perdesse, ele seria
secretário em seu governo . De fato, após a eleição Gabriel Novis Neves ocupou a chefia da Casa
Civil, a Secretaria de Trabalho e, por fim, a Secretaria de Saúde223.

220
Wilmar Peres vai deixar a prefeitura de Barra do Garças. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 17/03/1982; prefeito de Barra aceita ser
vice de Júlio Campos. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 18/03/1982. Governo vai oficializar a candidatura de Roberto Campos em
Barra do Garças. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 25/03/1982.
221
Gabriel é candidato ao Senado Federal. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 04/04/1982.
222
Dorileo é o novo reitor da UFMT. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 18/11/1982.
223
Vamos reverter o quadro maligno da saúde, afirma novo secretário. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 15/08/2003.

162
Um dos aspectos mais destacados desta campanha foi o empenho do governador Frederico
Campos e do presidente João Figueiredo na eleição de Roberto e Júlio Campos. Uma pesquisa da
Revista Contato apontava vitória do Padre Pombo, com dianteira em Cuiabá, enquanto Júlio Campos
estaria na frente no interior do Estado224. Desse momento até o final da eleição, foram tomadas várias
medidas para favorecer os candidatos oficiais, que hoje seriam proibidas pela legislação eleitoral e
Lei de Responsabilidade Fiscal. Os alvos preferenciais foram Cuiabá e Rondonópolis, onde o PMDB
era mais forte. O então prefeito de Cuiabá, Gustavo Arruda (indicado por Frederico Campos),
afirmou que Roberto Campos era o “aval” do desenvolvimento de Cuiabá e inaugurou o Pronto
Socorro Municipal com recursos assegurados mediante convênios.
Gustavo Arruda sancionou, ainda a 5 dias da eleição, a Lei de Uso e Ocupação do Solo de
Cuiabá que, como se sabe, toca em grandes interesses imobiliários e da construção civil
(financiadores de campanha)225. Frederico Campos também reajustou o salário dos servidores
estaduais em cerca de 100% e antecipou parte do 13º salário, acompanhando o presidente Figueiredo,
que decretou novo salário mínimo em Mato Grosso, a 15 dias da eleição. Frederico Campos
inaugurou ainda a Sanemat em Rondonópolis, 5 dias antes da votação226. Bonilha destacou a
metodologia empregada por Roberto Campos em sua campanha, que seria “científica”, enquanto as
demais eram amadoras. A estrutura de Roberto Campos era maior do que a de Júlio Campos e este não
teria sido eleito não fosse Roberto Campos, pelo apoio financeiro que o beneficiou.
O então deputado estadual Dante de Oliveira afirmou em pronunciamento na Assembleia
Legislativa que:

Neste último final de semana chegava em Paranatinga o Padre Pombo e a sua


caravana e, lá como o PDS sabe que vai ser fragorosamente derrotado e como
todo povo foi acolher o Padre Pombo no aeroporto, mal anoitecia as luzes foram
apagadas por ordem da autoridade maior daquele município, que diga-se de
passagem “biônico”, um homem nomeado sem o voto do povo de Paranatinga e
que, deve favores ao Sr. Frederico Campos. E o clima de violência começou a
gerar e o zunzunzun começou e os jagunços foram vistos tentando, dizendo e
informando que se o Pe. Pombo fosse falar e a caravana fosse usar da palavra,
alguém iria morrer227.

224
Pesquisa da revista Contato indica vitória do PMDB. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 22/09/1982.
225
Roberto Campos é o aval do desenvolvimento de Cuiabá, diz Gustavo Arruda Diário de Cuiabá, Cuiabá, 22/10/1982; Cuiabá já
tem seu novo Pronto Socorro. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 05/11/1982; Convênio assegura recursos para o novo Pronto
Socorro. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 09/11/1982; prefeito sancionou Lei de uso do Solo. Diário de Cuiabá, Cuiabá,
10/11/1982.
226
Aumento de 101% e 13º para os funcionários. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 28/10/1982; Presidente decreta novo mínimo em Mato
Grosso. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 30/10/1982; Roberto Campos consegue Cz$ 630 milhões para Rondonópolis. Diário de
Cuiabá, Cuiabá, 31/10/1982; Inauguração da Sanemat em Rondonópolis. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 10/11/1982.
227
Estado de Mato Grosso. Assembleia Legislativa. Ata n° 116 – 29/09/1982. Folha 34 – Deputado Dante Martins de Oliveira.

163
No dia 15/11/1982, Júlio Campos foi eleito governador (203.605 votos), aos 35 anos de
idade, numa eleição cercada de acusações de fraude, pelo PMDB. Roberto Campos foi eleito senador
para o período 1983-1991, com 147.213 votos válidos, contra 51.163 de Gabriel Novis Neves e
apenas 265 do titular da vaga e candidato nato à reeleição (Vicente Vuolo, que desistiu no meio da
campanha). Na chapa proporcional, o PDS conseguiu eleger 4 deputados federais (Maçao Tadano,
Jonas Pinheiro, Bento Porto e Afro Stefanini), todos originados na tradição pessedista228. Destaque
para Jonas Pinheiro, que nunca disputara qualquer eleição e construiu a sua candidatura com base no
trabalho desenvolvido na área de assistência técnica e extensão rural (Emater, da qual fora
presidente). Jonas herdou o patrimônio político de sua família, da qual fazia parte o ex-deputado
federal Emanuel Pinheiro, contando também com a força política adquirida pelo Secretário de
Agricultura de Frederico Campos, Rômulo Vandoni, cujo nome chegou a ser cogitado para
governador229.
Na bancada estadual, o PDS elegeu 13 deputados, contra 11 do PMDB, obtendo maioria
para o mandato de Júlio Campos. Destaque para Ary Leite de Campos (mais votado), Benedito
Ferraz, Oscar Ribeiro e Ubiratan Spinelli. Outro fato importante para este grupo, em 1982, foi a
eleição do irmão mais novo de Júlio Campos, Jayme, para prefeito de Várzea Grande. Jayme Campos
disputou contra a deputada estadual e ex-prefeita Sarita Baracat e o advogado Celso Mendes Quintela
(ambos pelo PMDB). Quintela foi assassinado alguns dias após a eleição, num episódio também
cercado de muita polêmica, por conta das acusações feitas pelo PMDB sobre o envolvimento de Júlio
Campos. O próprio Júlio Campos apontou estes comentários como folclore político e que nada partiu
do seu comitê central durante a campanha. A morte de Quintela teria acontecido em função de
conflitos de terra no norte do Estado, conforme a versão de Júlio Campos.
O Diretório Regional do PMDB, por meio de seu presidente Edson de Freitas e do
advogado Edgard Nogueira Borges, alegou o acontecimento de fraude nesta eleição e moveu recurso
junto ao Juiz da 1ª Zona Eleitoral, “[...] para formular reclamação contra o prosseguimento das
apurações e validade do pleito eleitoral realizado na Zona Eleitoral sob a jurisdição de V. Ex,
fundando o pedido nos fatos e razões de direito.” Após indeferimento do Juiz, o PMDB recorreu ao
Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT), que manteve a sentença da primeira
instância.
O argumento principal foi a perda de prazos pelo PMDB (preclusão), já que a reclamação
fora feita após o término da apuração e os títulos falsos, que o partido dizia existir, foram publicados
em editais públicos, na forma do Código Eleitoral. Por fim, o Tribunal Superior Eleitoral manteve a
sentença, com o voto do Ministro J. M. de Souza Andrade, “[...] só existem suposições, mas, na
verdade, não se sabe a hora, o momento, em que o partido da oposição teve conhecimento destas
irregularidades.”

228
Gabinete de Planejamento e Coordenação. Retrospectiva das eleições em Mato Grosso: de 1945 a 1985. Cuiabá: Fundação
Cândido Rondon, 1988.
229
Agropecuaristas estão com Vandoni. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 03/02/1982.

164
A peça apresentada pelo PMDB fazia um resumo das denúncias de irregularidades que
resultaram na derrota do candidato a governador, acompanhada de documentação comprobatória.
São elas:

l — Interferência do poder econômico por parte dos candidatos majoritários do PDS;


2 — Desvio e abuso do poder por parte do Executivo Estadual, visando beneficiar os
candidatos do PDS;
3 — Emprego de propaganda ou meios de captação de recursos, digo, de sufrágios
vedados por lei;
4 — Emissão de títulos falsos de eleitor;
5 — Emissão de títulos múltiplos, que, embora nao sendo falsos, eram fabricados em
duplicatas, triplicatas etc...;
6 — Emissão de milhares de títulos,a menores de 18 anos, defuntos e praças de pré;
7 — Entrega de títulos a pessoas não autorizadas que os retiveram, impedindo os
eleitores de votar;
8 — Localização de centenas de eleitores fora do local de suas residências em regiões
distantes mais de duzentos quilometros, sem transporte regular;
9 — Títulos de eleitores cancelados pelo MM. Juiz da la Zona Eleitoral e que, mesmo
cancelados, foram incluídos posteriormente pelo mesmo Juiz em lista de 'aptos a
votar', publicada no O. J. do Estado;
10 — Confecção de títulos eleitorais com desobediência ao art. 45, § 42 e ll do C.E., o
que facilitou enornemente a fraude;
11 — Emissão de vários milhares de títulos de eleitor 'fora de cartório', confeccionados
em Repartições Públicas Federais, Autarquias Federais e Estaduais, Sociedades de
Economia Mista, Empresas Públicas e até Entidades Privadas, sem controle algum e
contrariando frontal mente as disposições do C.E. e dando livre curso à fraude;
12 — Utilização de 'voto itinerante' ou 'voto em rodízio' durante as eleições;
l3— Não entrega das listas de eleitores das Seções ao Recorrente antes das eleições,
limitando-se o MM. Juiz a fazer publicar no D. J. a listagem dos eleitores, SOMENTE
DA CAPITAL, assim mesmo, SEM OS DISTRITOS. Já às vesperas do pleito, sem
tempo hábil para qualquer conferência e sem que os partidos tivessem meios para tal,
isto é, elementos para tal conferência e ficando TREZE MUNICIPIOS sem que os
Recorrentes pudessem saber quais os eleitores e respectivas Seções. Treze dos
quatorze que compõem a 1ª Zona;
l4 — Ausência de policiamento no dia das eleições, propiciando verdadeiro massacre
por parte dos fiscais e cabos eleitorais do PDS durante a votaçao, apesar de o Partido
Recorrente ter insistido grandemente com o MM. Juiz, tendo, inclusive, pedido a
presença de Força Federal para localidades como SINOP, PEDRA PRETA,
MARCELANDIA, não sendo atendido sob o pretexto de que o policiamento estadual
seria reforçado e suficiente;
l5 — Transporte de eleitores, aos milhares entre a Capital e Municipios circunvizinhos
e vice-versa e, entre os mesmos Municípios, em flagrante desrespeito a ordem judicial
a respeito do assunto, o,que ensejou 'Representação' ex-officio do próprio Juiz
Eleitoral, o que propiciou,a consurnaçio da fraude com a utilizaçao de títulos
múltiplos, falsos e 'voto itinerante';

165
l6 — Transporte irregular de urnas, como as de Alta Floresta, que sairam daquela local
ida de as 6 horas do dia 16 e so aportaram ao local das apuraçoes as 18 horas, quando o
vôo de uma localidade a outra não dura mais que duas horas;
l7 — Montagem de 'falso posto de recepção de urnas' na Agência do BEMAT em
Várzea Grande, por onde passavam primeiro as urnas dos Distritos e Municipios
circunvizinhos e que teve sua existência comprovada e denunciada por Delegado
Especial do Juiz e outras testemunhas oculares;
l8 — Apuração de votos da 1ª Zona por Junta Apuradora incompetente;
19 — Utilização de cédulas eleitorais adredemente preenchidas e entregues aos
eleitores, escritas com o mesmo punho, que, inclusive, ensejaram recursos como o do
PDT em Diamantino e do PDS II em Alta Floresta;
20 — Apuração dos votos realizada com os fiscais do Recorrente continuamente
ameaçados de expulsão do recinto, coagidos, sem direito a reclamações, prisões de
delegados que acusavam irregularidades como o caso do Dr. Elarmin Miranda;
21 — Insistência das Juntas Apuradoras em misturar os 'votos em separado' e que
haviam sido impugnados, 'contaminando' o conteúdo das urnas, o que propiciou
'Representação do Partido Recorrente ao TRE;
22 — Boletins expedidos com longo atraso, propiciando até a suspensão temporária
das apurações mediante 'Representação' do Partido Recorrente.” 230

A bancada estadual também se pronunciou por meio dos deputados Dante de Oliveira,
Márcio Lacerda e Estevão Torquato. Márcio Lacerda destacou em pronunciamento na tribuna da
Assembleia:

Nós recebemos, há 03 dias atrás, o resultado feito por serviço de computação, de um


levantamento da documentação do Cartório Eleitoral da 1ª Zona. E por uma estranha
coincidência, apenas na 1ª Zona Eleitoral existem 31.200 títulos de pessoas com o
mesmo nome, [...], o que nos dá o direito de suspeitar de que há um volume muito
grande de títulos duplos, triplos, quíntuplos, e assim por diante. E uma vez que a
diferença total final da eleição ultrapassou em pouco 14 mil votos de diferença – e
existe a suspeita de que só na 1ª Zona Eleitoral mais de 30 mil votos foram fraudados –
é evidente que ninguém pode aceitar como válido o resultado das eleições de 1982. [...]
Nós, do PMDB de Mato Grosso, particularmente o deputado Márcio Lacerda, estamos
totalmente solidários com o movimento encetado pelo partido com vistas à anulação
das eleições de 15 de novembro, na 1ª Zona ou em todas as outras 14 zonas eleitorais
do Estado de Mato Grosso, independente de qualquer o resultado a nosso favor [...]”231

230
Acórdão n.° 7.648 (de 15 de setembro de 1.983) - Recurso n 6.030 — classe 4' - Mato Grosso (1' Zona—Cuiabá). Recorrente:
Diretório Regional do PMDB por seu Delegado e Presidente Edison Freitas Oliveira. Disponível em www.tse.gov.br.
231
Estado de Mato Grosso. Assembleia Legislativa. Ata n° 145 – 21/12/1982.Folhas 08 a 09– Deputado Márcio Lacerda.

166
A bancada federal do PMDB manifestou-se sobre a situação num pronunciamento do
deputado Milton Figueiredo. Eles questionavam a negação do recurso n° 6.030 impetrado pelo
partido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), alegando a inexistência dos editais públicos com os
números dos títulos de eleitores, confecção de documentos sem prévio conhecimento e demonstrando
que não teria havido preclusão232. O deputado Gilson de Barros também se manfestou a este respeito,
destacando uma carta escrita pelo padre Pombo ao presidente João Figueiredo para se queixar das
irregularidades cometidas na eleição. Lamentou também o assassinato de Celso Mendes Quintela,
acusando envolvimento do PDS233.
Por fim, o senador Gastão Müller leu em plenário uma matéria do Jornal O Dia, detalhando
a situação do assassinato de Quintela e fez uma série de pronunciamentos nas vésperas das posses dos
governadores (15/03/1983), detalhando as denúncias contidas na ação e anexando maiores
informações aos anais do Senado. A partir de então, em virtude dessa polêmica na eleição, Gastão
Müller passou a chamar Júlio Campos de “governador entre aspas”.
Uma avaliação que pode ser feita sobre o comportamento do PMDB nesta eleição,
apontada por alguns depoimentos, foi a “pilotagem” do Padre Pombo como um personagem símbolo,
para medir a força real do partido numa candidatura a governador (primeira desde 1965). Quadros,
como Garcia Neto, Carlos Bezerra, Márcio Lacerda, Louremberg Nunes Rocha, podem ter apostado
na candidatura do Padre Pombo para viabilizar os seus respectivos projetos políticos, sem se arriscar
numa campanha de governador que se sabia disputada desde o início.
Pela grande votação obtida pelo Padre, o PMDB conseguiu eleger metade da bancada
federal, quase metade da estadual e o prefeito de Rondonópolis, além de ter atingido um bom
resultado na eleição para o Senado. Era presumível que o Padre fosse alcançar uma boa votação em
Rondonópolis, em 1982, em função da lembrança de 1978 e isso ajudaria os candidatos do PMDB,
pela vinculação do voto. O mesmo vale para os candidatos ao Senado Federal (Garcia Neto e Vicente
Bezerra Neto). Quer dizer, os eleitores do Padre Pombo precisariam de um candidato a prefeito para
preencher a chapa, e Carlos Bezerra acabou ocupando este lugar.
O grupo da Arena I saiu enfraquecido desta eleição, pois, após a segunda derrota
consecutiva (desta vez para Roberto Campos), Garcia Neto decidiu se aposentar das contendas
eleitorais. Louremberg, mesmo morando em Brasília, onde exercia o cargo de Procurador da
Fazenda Nacional, assumiu a vice-presidência do PMDB estadual, quando o também ex-udenista
Lenine Póvoas era o presidente. Pelas constantes ausências de Lenine, Louremberg passou a exercer a
posição com frequência e continuava sendo um quadro importante, ainda que sem mandato.

232
Pronunciamento do deputado federal Milton Figueiredo na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso Nacional,
p. 1.692, 15/09/1983.
233
Pronunciamento do deputado federal Gilson de Barros na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso Nacional, p.
9.437, 04/12/1982.

167
O PMDB elegeu quatro deputados federais, sendo três da “ala histórica” do partido, quer
dizer, que vinham da militância no antigo MDB, e apenas Milton Figueiredo do grupo da Arena I, que
estava filiado ao PP. Márcio Lacerda apontou que o resultado esperado a princípio era o inverso e que
a grande disputa não foi com os candidatos do PDS, mas entre as duas alas do PMDB. Os ex-pepistas
eram muito temidos pela força política e a articulação com o empresariado que detinham, pelo fato de
terem pertencido à antiga Arena. Os eleitos foram Gilson de Barros (2º mais bem votado do Estado),
Dante Martins de Oliveira, Márcio Lacerda e Milton Figueiredo.
Antero Paes de Barros destacou que a decisão pela candidatura de Dante de Oliveira a
deputado federal, em 1982, foi tomada pelo MR-8, do qual ambos participavam. Antero salientou
ainda que Gilson de Barros não queria a candidatura de Dante de Oliveira a deputado federal, porque
temia que eles rachassem o mesmo eleitorado, e que, dos 57 candidatos a vereador do PMDB, em
Cuiabá, 52 apoiariam Gilson de Barros e apenas 5 ficariam com Dante de Oliveira234.
A votação do Padre Pombo acompanhou o padrão nacional do PMDB. Dos dez maiores
municípios do Estado, Padre Pombo foi vencedor em seis (Cuiabá, Rondonópolis, Cáceres, Colíder,
Tangará da Serra e Poxoréo) e foi derrotado em 4 (Várzea Grande, Barra do Garças, Sinop e Poconé).
Vale observar a importância de Várzea Grande e Barra do Garças para a vitória de Júlio Campos, dando-
lhe um saldo de 7.872 votos, cerca de metade da diferença total. Não por acaso são os dois municípios
cujos ex-prefeitos eram candidatos a governador e Vice, respectivamente. Além de Sinop, cabe apontar
o caso de Alta Floresta, onde Júlio Campos venceu por 74,45% dos votos válidos, dando um saldo de
3.544 a favor do PDS235. O fato de serem os dois maiores projetos de colonização da região norte do
Estado, o controle que as colonizadoras tinham sobre os colonos e a articulação com as políticas federais
de interiorização do capital na Amazônia ajudam a explicar esse resultado.
Outro aspecto curioso a observar nesta eleição é a boa votação do Padre Pombo nos
municípios da região noroeste do Estado, bem como no Araguaia. Ele foi o mais bem votado em Juína,
Aripuanã, Nova Xavantina, São Félix do Araguaia e Santa Terezinha. São ambas regiões fora do grande
eixo de colonização constituído pela BR-163 e que apresentaram muitos conflitos fundiários entre as
colonizadoras, como a Codemat, em Juína, e os posseiros. A Igreja Católica destacou-se como
mediadora dessas disputas e pôde ter influenciado no resultado positivo do Padre Pombo.
Pode ter pesado também o fato de estas regiões estarem ligadas às prelazias com bispos
alinhados à ala progressista da CNBB, como Dom Pedro Casaldáliga, em São Félix do Araguaia, e
José Martins da Silva, de Porto Velho, cuja jurisdição alcançava a margem esquerda do Rio Juruena236.
É interessante observar também como o PT “herdou” este eleitorado e apresentava resultados acima
da média da região, até com a eleição do prefeito de Juína, em 1996 (Ságuas Moraes).

234
Entrevista com Antero Paes de Barros. Cuiabá, 17/07/2007.
235
Gabinete de Planejamento e Coordenação. Retrospectiva das eleições em Mato Grosso: de 1945 a 1985. Cuiabá: Fundação
Cândido Rondon, 1988.
236
“Outra característica particular do projeto Juína (comum aos outros três projetos desenvolvidos na região em períodos
muito próximos) foi o fato do noroeste ter estado sob administração eclesiástica da prelazia, que tinha à frente Dom José
Martins da Silva, bispo ligado à ala progressista da CNBB e que respaldou a formação de comunidades eclesiais de base e
deu grande apoio ao clero diocesano e aos leigos na organização de grupos pastorais com forte inserção social, como a
Pastoral Operária, a da Saúde e a Indígena”. Joanoni Neto, p. 242, 2004.

168
A respeito dos resultados da eleição, Gabriel Novis Neves recordou que “[...] o pessoal da
Universidade votou camarão. Foram mais de cinco mil camarões. [...] Votava no Gabriel e só, o que
permite observar também um aspecto importante da candidatura de Gabriel Novis Neves a senador,
em 1982. O “voto-camarão” , a que ele se referiu, foi um apelido dado àqueles que não votavam no
governador, mas escolhiam um candidato a senador, deputado, prefeito ou vereador. Como o camarão
é comido sem cabeça, aqueles eleitores que “tiravam a cabeça” (governador) nas suas cédulas eram
considerados como “camarões”. De fato, ao se observar os resultados eleitorais, é possível identificar
uma diferença na vantagem da chapa vencedora no Senado (20.057 votos) em relação à eleição de
governador (14.727 votos). São 5.330 votos que Gabriel Novis Neves, Roberto Campos e Vuolo
tiveram a mais que Júlio Campos, o que sinaliza para a existência de eleitores que votaram em Gabriel
Novis Neves, mas não em Júlio Campos.
A distribuição geográfica dos votos em Gabriel Novis Neves confirmou a mesma
tendência. 66,72% dos seus votos vieram de apenas seis municípios (Cuiabá, Rondonópolis, Santo
Antônio do Leverger, Várzea Grande, Barra do Bugres e Rosário Oeste). De Cuiabá, veio cerca de 1/3
da sua votação (17.874) e quase metade, se forem acrescentados os municípios vizinhos de Várzea
Grande (4.872) e Santo Antônio do Leverger (2024). E estes eram os municípios em que o PMDB e
seus candidatos (José Garcia Neto e Vicente Bezerra Neto) eram mais fortes. Num olhar mais
ampliado sobre os dados, é possível identificar que a votação de Gabriel Novis Neves se concentrou
em 19 municípios da Grande Cuiabá, Rondonópolis e entorno, Cáceres e Barra do Garças, que lhe
deram 45.171 votos contra apenas 23.602 de Roberto Campos. Já nos 13 municípios da região norte e
médio/baixo Araguaia, Roberto Campos obteve 15.330 votos, contra apenas 1.572 de Gabriel Novis
Neves, o que demonstra mais uma vez a complementaridade da candidatura do ex-reitor para a vitória
do PDS na eleição para o Senado.
Um aspecto importante a ser observado é a regionalização ou “distritalização” dos votos nesta
eleição, quer dizer, a concentração dos votos dados aos candidatos do PMDB nas respectivas cidades em
que tinham seus domicílios eleitorais e representavam. Márcio Lacerda obteve 95,16% em apenas nove
municípios da chamada “Grande Cáceres”, incluindo Poconé, com 43,21% dos votos vindos apenas do
município de Cáceres. Já Dante de Oliveira obteve 78,94% da sua votação em doze municípios da
Grande Cuiabá, Médio Norte, Sul e Araguaia. Destaques vão para Cuiabá-Várzea Grande, com 34%, e
Rondonópolis, com 14,99%, totalizando quase metade da sua votação nesta eleição237.
Estes resultados regionalizados, somados à vitória de Carlos Bezerra para a Prefeitura de
Rondonópolis, tida como surpreendente pela força da chapa do PDS, acabaram consolidando uma
“tríplice aliança” (Bezerra, Dante de Oliveira e Márcio Lacerda). A novidade foi a inclusão de Márcio
Lacerda, uma vez que Dante já era apontado pela imprensa como pertencente ao grupo de Bezerra.
Esta aliança teria papel determinante na montagem de uma máquina política pelo PMDB pelos
próximos 16 anos238.

237
Gabinete de Planejamento e Coordenação. Retrospectiva das eleições em Mato Grosso: de 1945 a 1985. Cuiabá: Fundação
Cândido Rondon, 1988.
238
Dante poderá sair a deputado federal. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 23/01/1982; Bezerra é candidato a prefeito de Roo. Diário de
Cuiabá, Cuiabá, 04/06/1982.

169
A “Nova República” chega a Mato Grosso

A passagem de Júlio Campos pelo executivo estadual ficou marcada pela ênfase na área de
infraestrutura, notadamente transportes, embora se falasse nos três “Es” (Educação, Energia e
Estradas). Foram asfaltados 1.357 km e implantados cerca de 4.500 km de estradas de terra, o que
permitiu grande crescimento da produção agrícola do Estado. Na área de energia, foi instalada a
segunda grande linha de transmissão e a construção de usinas termelétricas em Sinop, Sorriso e Alta
Floresta e hidrelétricas em Apiacás, Caiabis, Primavera, Culuene, Juína, Braço Norte e Aripuanã239.
Em seu pronunciamento inaugural, Júlio Campos afirmou que:

Não trago desde logo um plano de Governo pronto e acabado, nem mesmo um
simples esboço. Descabido, prematuro e pretensioso seria fazê-lo agora, tendo
em vista que um programa de Governo deve ser objetivo e meditado, exigindo
profunda análise da realidade. [...] Contudo, meu governo irá pautar-se em
filosofia orientadora desenvolvimentista em favor do homem, em favor dos
cidadãos, do seu grupo social e suas comunidades. [...] Fixamos, pois, metas
estratégicas de uma rede de agrovilas e novos eixos de penetração pioneira, para
atender vasto programa de colonização, de serviços fundamentais, como
educação, saúde, saneamento, agricultura, abastecimento, agro-indústrias,
mineração, energia elétrica, navegação, comunicações, habitação e
desenvolvimento urbano, tendo por pressuposto a ampla disseminação dos
resultados do progresso, alcançando todas as regiões e classes de renda240.

Do ponto de vista político, o comportamento de Júlio Campos no período em que foi


governador distinguiu-se pela participação em eventos nacionais importantes, como a campanha das
Diretas Já, em que seguiu a orientação do PDS e posicionou-se de forma contrária241, e a disputa entre
o ministro Mário Andreazza e o então deputado federal Paulo Maluf pela candidatura à presidência
no Colégio Eleitoral (ficou ao lado de Maluf). Ficou marcado também pela centralização e exclusão
de seus potenciais adversários. Frederico Campos, que considerou tê-lo eleito, afirmou que ninguém
veio lhe procurar depois.
Mauro Cid, que foi presidente da Codemat e Secretário de Comunicação no governo Júlio
Campos, disse que ele marginalizou Roberto Campos e passou a tratá-lo apenas como um “captador
de recursos”. As empresas que Roberto Campos indicava para investimento em Mato Grosso não
eram bem recebidas por Júlio Campos e isso foi criando uma relação difícil entre os dois. Quando

239
Governo do Estado de Mato Grosso. Mensagem do Poder Executivo para a Assembleia Legislativa (exercício de 1985). Cuiabá,
1986.
240
Estado de Mato Grosso. Assembleia Legislativa. Ata n° 15 – 15/03/1983. Folhas 4 e 5 – Governador Júlio Campos.
241
Júlio reafirma voto contrário às diretas este ano. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 07/05/1985.

170
Roberto Campos foi chamado de ingrato, por não comparecer ao Estado, ele teria respondido que
“comprara” a sua vaga de senador à vista e não devia mais nada a Mato Grosso. Quando Roberto
Campos veio a Cuiabá para votar, em 1986, teria dito a Onofre Ribeiro que era a última vez que
visitava o Estado.
Júlio Campos reconheceu que boa parte do sucesso de sua gestão se deveu a Roberto
Campos, pelos recursos que ele aportou para o Estado, negando a versão de que teria excluído o
senador. Lamentou que seu sucessor (Carlos Bezerra) não tenha usado os “serviços” do senador,
como ele o fizera. Argumentou que Roberto Campos cedeu a sua vaga de senador, em 1990, por
relações de parentesco que eles tinham e também porque se sentia cansado para percorrer o Estado de
novo (contava então com 73 anos), preferindo tentar uma cadeira de deputado federal pelo Rio de
Janeiro, onde tinha residência fixa. Considerava que, pelo perfil de sua atuação parlamentar, de forte
cunho ideológico em favor da desestatização, conseguiria ser eleito quase somente com as suas
publicações pela grande imprensa nacional. Roberto Campos ainda teve dois mandatos pelo Rio de
Janeiro e disputou uma nova eleição para senador em 1998, quando perdeu para Roberto Saturnino
Braga.
Alfredo da Mota Menezes recordou-se que, em 1983, se formou um grupo para articular a
candidatura de Bezerra a governador em 1986, que se reunia todas as segundas-feiras no escritório do
militante do PMDB, Elarmim Miranda. O grupo era composto por Edison de Freitas, Edgard
Nogueira Borges, Juarez Gomes, Levy Machado, dentre outros. O próprio Carlos Bezerra enfatizou
que, no dia da derrota de Padre Pombo, em 1982, recebeu diversos convites para se candidatar a
governador em 1986, por conta das críticas que fizera sobre a condução na campanha e por sua eleição
para a Prefeitura de Rondonópolis, considerada surpreendente, por ser a maior cidade a ser
administrada pelo PMDB em Mato Grosso, até então242. A experiência administrativa que apresentou
nessa Prefeitura, com destaque para as políticas sociais, como educação, saúde da família,
asfaltamento, reforma agrária e os mutirões para a construção de casas, cujos beneficiários eram
escolhidos pelas associações de moradores de bairro, lhe projetou para todo o Estado e permitiu se
posicionar para a sucessão de Júlio Campos.
Um episódio importante nesse período, que implicou em fortalecimento da ala que vinha
desde o MDB e a formação da “tríplice aliança” entre Dante de Oliveira, Márcio Lacerda e Carlos
Bezerra, foi a campanha das “Diretas-Já”. Nos primeiros dias de seu mandato, o deputado federal
Dante de Oliveira apresentou uma proposta de emenda constitucional que restabelecia eleições
diretas para a Presidência da República já na sucessão do general Figueiredo. Começou uma

242
É curioso observar como Carlos Bezerra percorreu uma trajetória política semelhante a outros quadros do PMDB em Estados
maiores, que foram prefeitos de cidades importantes do interior e se projetaram na política estadual. Isto aconteceu em função
da eleição indireta para a Prefeitura das capitais pelos Governadores e se revelou um efeito colateral das restrições impostas
pelo regime civil-militar. Alguns exemplos são Marcos Freire em Pernambuco (Olinda), Itamar Franco e Newton Cardoso em
Minas Gerais (Juiz de Fora e Contagem), Orestes Quércia em São Paulo (Campinas), Nilo Coelho na Bahia (Guanambi),
Ronaldo Cunha Lima na Paraíba (Campina Grande), José Richa no Paraná (Londrina), os irmãos Plínio e Wilson Barbosa
Martins em Mato Grosso (Campo Grande) e Wellington Moreira Franco no Rio de Janeiro (Niterói), que foi da Arena/PDS e
depois se filiou ao PMDB.

171
campanha de mobilização dentro e fora do Congresso Nacional, que acabou se revelando um dos
melhores momentos cívicos vividos pelo país.
Foram realizados comícios nas principais capitais brasileiras, arrastando milhões de
pessoas. No entanto, dado quórum exigido pela Constituição de 1967, de 2/3 para aprovação de
emendas constitucionais, havia um ceticismo muito grande por parte das forças políticas quanto à
aprovação. No dia 25/04/1984 a emenda foi derrotada no plenário da Câmara dos Deputados, porque
faltaram 22 votos para alcançar o quorum constitucional, como descrevem Leonelli & Oliveira
(2004). Dante de Oliveira adquiriu dimensão nacional, a partir de então, e fez uma breve avaliação da
campanha no dia de sua votação:

E foi para tentar materializar essa vontade que eu sentia, desde a campanha de
1982, no meu querido Estado de Mato Grosso, que a reivindicação máxima do
povo era a conquista do poder central. Foi por isso que apresentei, em 1983, a
emenda constitucional n° 5, simples, como simples é o povo brasileiro, direta,
como é também o sentimento de toda a Nação, que quer restabelecer as eleições
diretas para conquistarmos um novo pacto social do poder, que espelhe a
vontade da maioria dos brasileiros. [...] neste momento, quero lembrar, a esta
Casa e a toda a Nação, que ao longo da tramitação desta nossa emenda, nunca
nos agarramos a ela porque fosse nossa e porque fosse do nosso partido, o
PMDB. [...] no dia de hoje, é que o Congresso Nacional tem em suas mãos uma
decisão histórica, que vai definir os destinos de nosso povo243.

As razões para o destaque obtido pela emenda de Dante de Oliveira para ser discutida
dentre as várias que tramitavam no Congresso Nacional para o restabelecimento de eleições diretas,
são as mais diversas. Foi uma proposta de campanha, como atesta o último pronunciamento de Dante
de Oliveira como deputado estadual244, e, como se tratava da primeira grande mobilização popular
desde o golpe militar não se sabia muito bem como seria a reação das Forças Armadas, inclusive em
relação ao propositor. O fato de ser um deputado jovem (30 anos), desconhecido, visto estar em seu
primeiro mandato, ligado à ala histórica do PMDB e de um Estado do interior do país (Mato Grosso),
teve forte efeito simbólico para identificar um anseio popular que viria das entranhas do Brasil e de
uma juventude que nunca votara para presidente. Se fosse qualquer outro deputado mais experiente

243
Pronunciamento do deputado federal Dante Martins de Oliveira na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso
Nacional, p. 0748, 26/04/1984.
244
“A grande bandeira do PMDB, a bandeira primordial e principal do PMDB, a nivel nacional (sic), é a bandeira das eleições
diretas para Presidente da República. Estamos acabando de sair de uma eleição e o povo quer e deseja retomar o poder e não
apenas a tomada do poder parcial, porque os Governadores ainda ficarão dependurados dentro de um modelo econômico e
social do Brasil [...] Sr. Presidente, nós entendemos, que a nível do Estado de Mato Grosso (sic), nós teremos , também dias
sombrios, nuvens escuras a rondar o Estado de Mato Grosso. [...] E o trabalhador, o posseiro, o favelado, estes continuam
alijados do processo econômico [...]Sr. Presidente, todo o Brasil foi roubado em 1982. Nos Estados em que o PMDB estava
muito mais forte, muito mais consolidado, o PDS não teve força capaz de, com o roubo, prostituir a vontade soberana do povo
[...] houve um organismo que costurou tudo isto, porque a fraude foi uma só no país inteiro”. Estado de Mato Grosso.
Assembleia Legislativa. Ata n° 145 – 21/12/1982. Folhas 28 a 31 – Deputado Dante Martins de Oliveira.

172
ou de um Estado mais populoso poderia haver resistência dentro e fora do PMDB para aprovação da
emenda.
Para se fortalecer diante do grupo do PP na disputa interna do PMDB, Dante de Oliveira,
Márcio Lacerda e Bezerra passaram a trabalhar a candidatura deste a governador, e de Dante de
Oliveira para prefeito, em 1985, na primeira eleição direta desde 1962. Para tanto, Dante de Oliveira
teve de enfrentar a liderança de Gilson de Barros, especialmente em Cuiabá, para consolidar a sua
candidatura. Gilson de Barros teve excelente votação para deputado federal em 1982, com 17.481
votos apenas em Cuiabá, o que representou quase a totalidade da votação de Dante de Oliveira em
todo o Estado (22.474). No entanto, a despeito disso, Gilson de Barros não tinha grande liderança
junto à burocracia partidária (diretórios municipais, prefeitos e vereadores) e apresentou algumas
dificuldades no exercício de seu segundo mandato na Câmara dos Deputados.
Ele mesmo apontou que começou a sentir frustração no PMDB, pela inoperância do
governo Sarney e que, quando pedia providências ao presidente, este lhe dizia que tinha que consultar
os militares. Gilson lembrava que seus eleitores estavam cobrando punição aos corruptos do regime e
que não tinha sido eleito por generais. Em certa ocasião, numa reunião com Sarney, o presidente lhe
disse que já estava sabendo da disputa com Bezerra e Dante e que não faltariam recursos para a
campanha, quer dizer, haveria lugar para todo mundo. Neste momento, Gilson teve vontade de
agredir Sarney, mas foi impedido pelo seu ajudante-de-ordem (que era um major mato-grossense).
Por conta desta postura, Gilson de Barros se aproximou, na Câmara dos Deputados, dos
movimentos progressistas do PMDB, como a tendência popular, que contava com a participação de
Miguel Arraes, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Roberto Freire, João Amazonas, dentre
outros. Enfrentou também processos de cassação por quebra de decoro parlamentar, que o
desgastaram bastante. Entretanto, Gilson de Barros considerava-se imbatível para senador na eleição
de 1986, mas, primeiro, teria que ganhar a convenção do partido, controlada pela “tríplice aliança”.
Carlos Bezerra destacou que Gilson de Barros era o candidato natural do PMDB ao Senado
em 1986, na vaga destinada ao grupo que vinha do MDB. Diante da sua desistência, Márcio Lacerda
teria sido convocado a concorrer. Na eleição para a Prefeitura de Cuiabá, Gilson de Barros se
posicionou de modo contrário à candidatura de Dante de Oliveira e fez uma assembleia com os seus
correligionários para discutir a questão.
Antero Paes de Barros destacou que Gilson de Barros se posicionou ao lado de Rodrigues
Palma nesta disputa, por razões emocionais em relação a Dante de Oliveira. Neste movimento estaria
a raiz de seu declínio político, pois não se integrou ao grupo que vinha do PP, articulador da
candidatura de Rodrigues Palma, e também ficou sem trânsito no grupo que vinha do MDB, liderado
pela “tríplice aliança” (Dante de Oliveira, Márcio Lacerda e Carlos Bezerra). Antero lembrou ainda
que Gilson de Barros foi um dos maiores opositores de Rodrigues Palma e Garcia Neto, quando
vereador em Cuiabá. Em face dos resultados que favoreciam Dante de Oliveira, divulgou um
manifesto ao povo cuiabano em que buscava explicar suas razões para não apoiar tal candidato:

173
Como é do conhecimento do povo de nossa terra, fizemos um apelo-
advertência à cúpula do PMDB ponderando sobre as inconveniências da
candidatura do filiado Dante Martins de Oliveira à Prefeitura Municipal de
Cuiabá. [...] Os motivos determinantes desse nosso gesto deixamos para que o
próprio candidato os explicasse. [...]. Não nos cabia ontem, como não nos cabe
hoje, a leviandade grosseira de tomarmos assento no pedestal de “censor”
partidário. [...] vimo-nos sobremaneira honrado com um documento
comovedor e gratificante, subscrito pelas expressões maiores do nosso partido,
pedindo-nos para que aceitássemos o fato consumado e encampássemos a
candidatura oficial a prefeito de Cuiabá. [...] Assim, a partir deste instante,
decidimos: — os familiares, parentes, amigos e correligionários estão, como
sempre estiveram, livres e desembaraçados para assumirem a candidatura
oficial do nosso glorioso, o PMDB, [...]. 2— pessoalmente, como cidadãos,
ficaremos distanciados do pleito, dando cumprimento às nossas tarefas no
Congresso Nacional; 3 — não apoiaremos também, mas unicamente em
respeito aos companheiros do nosso partido, nenhum candidato de outra
agremiação. [...]. 4 — permaneceremos com a nossa postura de coerência,
dignidade e altivez, por maior que possa ser o desgaste nesse episódio [...]245.

Carneiro (2004) destacou que o governo Sarney (1985-1990) ficou marcado pela pouca
legitimidade do presidente, pelo caráter indireto das eleições, por ter sido eleito como vice-presidente
na chapa de Tancredo Neves (que tinha ampla aceitação popular) e, no interior das elites políticas, por
sua vinculação ao regime que se encerrava. Sarney teve que manter o ministério composto por
Tancredo e Ulysses, que tentava contemplar todas as facções da Aliança Democrática. Havia uma
agenda muito carregada posta diante da Nova República. No front econômico, a crise fiscal do
Estado, com ênfase na inflação elevada e a situação da dívida externa, que beirava o descontrole. No
front político, o imperativo de retirar o que foi denominado, na época, de “entulho autoritário”,
composto pelas regras do regime anterior que limitavam a formação de pequenos partidos, o voto dos
analfabetos, a eleição para prefeitos das capitais e cidades declaradas como de “segurança nacional”,
bem como a necessidade de convocação de uma assembleia nacional constituinte para elaborar uma
nova Constituição, condizente com o momento vivido pelo país.
Brum (2000) destacou que, numa tentativa de estabilizar a economia para reduzir a inflação
e recompor sua base de apoio parlamentar para acabar com o imobilismo, Sarney lançou, em
28/02/1986, um plano de orientação heterodoxa, denominado Cruzado (nome da nova moeda que
substituiria o Cruzeiro). Nos primeiros meses, o Plano obteve êxito, quase zerando a inflação e
gerando uma bolha de consumo, com redistribuição de renda, redução da desigualdade e aumento
dos investimentos na produção. Foi o suficiente para dar a Sarney maior popularidade da história
republicana de até então e eleger governadores do PMDB em quase todos os Estados, além de uma

245
Pronunciamento do deputado federal Gilson de Barros na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso Nacional,
p. 13.174, 06/11/1982.

174
bancada majoritária no Congresso Nacional (307 de 559), que exerceria também a função de
Assembleia Constituinte a partir de 1987. Em 22/11/1986, uma semana após as eleições, o ministro da
Fazenda Dílson Funaro lançou um conjunto de medidas denominado pela imprensa de Cruzado II,
para corrigir as distorções do Plano.
Deste ponto em diante, o mandato de Sarney foi dominado pelas complicações na
economia, com substituições de Ministro da Fazenda, a moratória da dívida externa em 1987 e outros
planos de estabilização (Bresser, Verão), todos mal sucedidos no controle da inflação e das finanças
públicas. Na arena política, a Constituinte foi instalada sob forte liderança do PMDB (destaque para
Ulysses Guimarães, seu presidente, e o senador Mário Covas) e expressou um período de grande
mobilização, tanto de organizações empresariais (UDR, PNBE, UB, ABDD) quanto de trabalhadores
em torno do modelo de Estado e sociedade que se pretendia codificar na Carta Magna.
Os temas de maior polêmica foram a reforma agrária, a duração do mandato de Sarney (4 ou
5 anos) e o sistema de governo (presidencialismo ou parlamentarismo). Em resposta à hegemonia do
PMDB, em especial da sua ala considerada “histórica” (que vinha desde o MDB), bem como das
forças situadas à esquerda (PT, PDT), o presidente Sarney criou um grupo de ação parlamentar,
denominado de Centrão246, para articular um dispositivo parlamentar suprapartidário e conduzir as
votações de seu interesse na Constituinte. Esta disputa acabou levando à ruptura da “ala esquerda” e a
posterior formação do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), liderado por parlamentares,
como Mário Covas, José Richa, Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Pimenta da Veiga, o ex-
governador de São Paulo André Franco Montoro e muitos outros. Além dos aspectos político-
ideológicos, havia também a disputa, em São Paulo, entre o grupo de Franco Montoro, radicado na
capital e região metropolitana, e o grupo do então governador Orestes Quércia, forte no interior247.
Na eleição para a Prefeitura de Cuiabá, em 1985, Dante de Oliveira aceitou ser candidato
em acordo com Bezerra e Márcio Lacerda, tendo como adversário interno no PMDB o ex-prefeito e
então deputado estadual Manuel Antônio Rodrigues Palma, representante do grupo do ex-PP. Os
integrantes mais experientes deste, como o ex-governador Garcia Neto, Estevão Torquato e Aecim
Tocantins, sugeriram uma fórmula para permitir a convivência entre os dois grupos no interior do
PMDB. O acordo previa a candidatura de Rodrigues Palma para a Prefeitura, em 1985, com ampla
possibilidade de vitória em face do desgaste do governo Júlio Campos em Cuiabá e do crescimento do
PMDB, e a indicação de Dante de Oliveira como candidato a governador pelo partido em 1986. Seria
uma forma de manter o comando político estadual em Cuiabá, com dois filhos da cidade em posições
de destaque. A este respeito, Márcio Lacerda destacou que:

246
Cabrera (1995) apontou que o Centrão contava com a presença de 128 parlamentares do PMDB (que detinha a maior bancada e
antecipava qualquer disputa no plenário), 115 do PFL e mais 61 do PL, PTB, PDS, PSC, PDC e até PDT. Seu objetivo
principal era combater a “ala esquerda” do PMDB e orientar as votações para atendimento ao Poder Executivo e suas
clientelas.
247
Para mais detalhes leia Cabrera, José Roberto. Os caminhos da rosa: um estudo sobre a social-democracia no Brasil.
Dissertação de mestrado (IFCH-Unicamp). Campinas, 1995 e Telles, Helcimara de Souza e Lucas, João Ignácio. Das Ruas às
Urnas. Caxias do Sul, EdEDUCS, 2003. Leia também para análise dos fatos deste período Menezes, Alfredo da Mota.
Momento Brasileiro. Rio de Janeiro: Gryphus, 2006.

175
[...] Acabamos fazendo entre nós uma aliança que, por exemplo, todo o PP
naquela eleição de 1986 queria a candidatura do Dante a governador. E o Dante
já tinha saído das “Diretas Já”. Mas o Dante foi para a eleição de 85 pra prefeito
dentro de um entendimento conosco, tanto que fazia parte da ruptura. O quê que
seria um acordo possível, que era o PP vinha trabalhando antes? E era facinho
de fechar. O quê que era? Palma prefeito e Dante governador, pronto !!! Por
conta do nosso projeto de criar hegemonia do nosso grupo dentro do MDB, do
novo MDB, do novo PMDB com a presença do PP, nós entramos com a
candidatura do Dante na Prefeitura de Cuiabá para disputar com o Palma, para
romper, pra inviabilizar o entendimento. [...] eles tinham o entendimento, que a
grande forma de fazer o acordo interno era Palma prefeito, Dante governador. E
realmente era, porque não teria dado a ruptura que deu depois. Na verdade eles
tinham razão. A família do Dante originariamente era da UDN.

Os dois pré-candidatos entraram, então, numa disputa que antecipava o processo eleitoral
que viria em seguida, dado o favoritismo do PMDB naquele momento. Desde o começo, as pesquisas
apontavam vantagem de Dante de Oliveira em relação a Palma, ampliada pelas adesões ao PMDB
obtidas pela dianteira de Carlos Bezerra nas eleições de governador do ano seguinte, em particular
entre militantes do PDS. Garcia Neto chegou a declarar que, se o partido estivesse desarticulado não
teria condições de vitória, ao que Dante de Oliveira respondeu que não renunciaria e sinalizou com a
possibilidade de um acordo, incluindo a participação do grupo de Palma na elaboração do plano de
campanha e na Prefeitura, em caso de vitória. Havia até a cogitação de uma intervenção federal do
PMDB para resolver a disputa248.
Antero Paes de Barros lembrou que a disputa entre os dois grupos se intensificou na eleição
para a Presidência da Câmara Municipal de Cuiabá, ocasião em que o vereador dissidente do PMDB,
Wilson Coutinho, se candidatou com o apoio do então deputado estadual Rodrigues Palma. Quando
Antero expôs que essa candidatura não era consensual na bancada do PMDB na Câmara Municipal,
Palma teria deixado a entender que estava articulando o nome de Wilson Coutinho e que eles não
deveriam se meter nisso. Antero disse a Palma, então, que esquecesse a eleição para a Prefeitura de
Cuiabá e Palma respondeu que eles não tinham candidato para lhe enfrentar. Aí surgiu a candidatura
de Dante de Oliveira que, segundo Antero, hesitou em aceitar, preferindo Palma para a Prefeitura e
Bezerra governador. Como Antero era presidente do Diretório Municipal do PMDB, deliberou que a
decisão seria tomada por uma convenção com todos os filiados ao partido, em Cuiabá, e não apenas
pela Executiva. Pela articulação que eles tinham com os movimentos sociais na cidade, por meio dos
subdiretórios criados nos bairros, tinham certeza que Dante de Oliveira seria o escolhido.
Segundo o Diário de Cuiabá, havia comentários, na época, de que Júlio Campos estava por
trás da candidatura de Palma, pela identidade arenista que eles tiveram. Ele estaria estimulando o

248
Dividido o PMDB não ganha eleição. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 22/05/1985. Dante não renuncia e propõe acordo para unificar
PMDB. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 25/05/1985. PMDB rejeita intervenção e caminha para unir os grupos. Diário de Cuiabá,
Cuiabá, 01/01/1986.

176
racha no PMDB para dividir o partido e facilitar a vitória do seu candidato, tanto para a Prefeitura de
Cuiabá, em 1985, quanto para governo do Estado, em 1986. A troca seria seu apoio a Rodrigues Palma
para a Prefeitura (com o PDS retirando candidato) e Anildo Lima Barros, então prefeito de Cuiabá,
para governador em 1986, com apoio do grupo de Palma249. Na verdade, essa articulação antecipou o
que aconteceria no governo Bezerra e na articulação da candidatura de Jayme Campos a governador,
em 1990, em que a Arena I saiu do PMDB e foi importante para a vitória do PFL.
O então deputado estadual Roberto França manifestou-se sobre esta disputa na tribuna da
Assembleia Legislativa:

O PDS não tem nome para ganhar nem de Dante e nem de Palma, em Cuiabá que
me provem o contrário [...] Ontem ou anteontem o deputado Rodrigues Palma,
percebendo que estavam tentando armar uma jogada para denegrir a sua
imagem e prejudicá-lo perante a opinião pública disse numa feliz entrevista, que
não tem papo com PDS, não tem coligação, não tem coisa nenhuma. Disse que
aceita o resultado da convenção, frustrando aqueles que pensavam que, se
perdesse a convenção do partido, pudesse mudar, transferir ou deixar o PMDB.
A entrevista do Palma desfez os comentários que propositadamente eram para
tentar dividir forças no PMDB250.

A convenção, realizada no dia 08/07/1985, no ginásio de esportes da UFMT, marcou um


momento importante na história política mato-grossense, pela mobilização realizada e a disputa pela
hegemonia no interior do PMDB. Como o partido vinha se fortalecendo em nível nacional e a disputa
entre “autênticos” e moderados, por participação no governo Sarney, era muito intensa, qualquer dos
grupos que ganhasse aquela convenção e, portanto, elegesse o prefeito de Cuiabá, largaria numa
situação privilegiada para as eleições de 1986 e para o controle do partido.
Para ter-se uma ideia, basta dizer que o PMDB tinha cerca de 25.000 filiados apenas no
município de Cuiabá, para um eleitorado de cerca de 100.000 eleitores. 10.404 compareceram à
eleição, com 6.582 votos para Dante de Oliveira e 3.682, numa razão próxima do que apontavam as
pesquisas de intenção de votos. A aceitação do resultado pelo grupo de Palma não foi pacífica. Houve
tiroteios entre os vereadores de Cuiabá, Antero Paes de Barros e Wilson Coutinho, e os derrotados
voltaram armados para buscar uma reversão251.
O comportamento de Dante de Oliveira nesse episódio pode estar relacionado às tensões
internas à “tríplice aliança” do PMDB, em particular entre o próprio Dante de Oliveira e Carlos
Bezerra. Como Dante de Oliveira acelerou sua ascensão com a campanha das “Diretas-já”, ele acabou
atropelando nomes mais fortes em Cuiabá, como Gilson de Barros e Milton Figueiredo, e se
posicionou como um nome forte para governador. Entre uma oferta concreta de Bezerra e Márcio
Lacerda para disputar a Prefeitura, em 1985, e uma possibilidade do apoio de Palma para uma

249
Palma continua na frente na luta pela sucessão de Anildo. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 08/05/1985.
250
Estado de Mato Grosso. Assembleia Legislativa. Ata n° 50 – 16/05/1985. Folha 16 – Deputado Roberto França.
251
Dante vence e a convenção do PMDB quase acaba em tragédia. Diário de Cuiabá, 09/07/1985.

177
eventual candidatura a governador, em 1986, contra Bezerra, Dante de Oliveira deve ter preferido o
mais tangível.
Pela convivência, ele sabia da origem arenista do grupo do ex-PP e que eles poderiam,
portanto, apoiar um candidato indicado por Júlio Campos, para enfraquecer o PMDB. Se
cumprissem a promessa, o enfrentamento com Bezerra não seria fácil dentro do PMDB, pela
articulação de sua candidatura a governador, desde 1982, pela direção e a militância do partido, bem
como o peso da Prefeitura de Rondonópolis. É bem provável até que Gilson de Barros se aliasse a
Bezerra para derrotar Dante de Oliveira na convenção do PMDB que fosse escolher o candidato a
governador.
O programa de governo de Dante de Oliveira expressava as lutas pela redemocratização,
capitaneadas pelo PMDB, e enfatizava temas políticos e sociais, como participação popular,
alimentação, habitação, educação, saneamento, transporte coletivo como um direito da cidadania,
cultura, meio ambiente, desenvolvimento urbano, dentre outros. A introdução dava o tom do trabalho
e enfatizava que o PMDB foi o único partido a realizar a prática democrática, com 15.256 pesquisas
respondidas pela população sobre seus anseios, e mais de cem debates na cidade, com cerca de
10.000 pessoas envolvidas. O texto salientava o “[...] o caráter prioritariamente social das principais
reivindicações do povo de Cuiabá.” 252
Entre os vários candidatos que se apresentaram pelo PDS para esta eleição (Bonilha, Joel
Bulhões, Ubiratan Spinelli, Odil Moura, Haroldo Arruda), Júlio Campos resolveu apoiar Gabriel
Novis Neves, que ele considerou como o melhor de que o partido dispunha na ocasião253. Gabriel
Novis Neves destacou que Júlio Campos estava no auge do desgaste e que Dante de Oliveira era
imbatível naquela eleição. Ele articulou, então, para trazer o PDT para a sua chapa, com Benedito
Silva Freire na vaga de vice. Fizeram um contato com o próprio Leonel Brizola, mediado por Wilson
Fadul, e ele aceitou, visitando Cuiabá em três ocasiões. Dante de Oliveira (PMDB) foi eleito prefeito
de Cuiabá para o período 1986-1989, com 50.732 votos (62,51% dos válidos), contra 28.167
(34,51%) de Gabriel Novis Neves e 2.254 (2,78%) de Wanderley Pignati254. Gabriel Novis Neves
optou por se aposentar da política partidária a partir daí.
Júlio Campos chegou, portanto, ao ano de 1986 sem um nome consolidado para a sua
sucessão, com a imagem desgastada pela situação financeira do Estado, a oposição (PMDB) com
uma candidatura forte a governador do então prefeito de Rondonópolis (Carlos Bezerra) e com
dúvidas sobre o próprio futuro político255. Os eventuais candidatos do grupo, ou foram
marginalizados (Roberto e Frederico Campos) ou sofreram corrosão natural (Canellas, Vuolo e
Gabriel Novis Neves). Júlio Campos ainda articulou as candidaturas dos deputados federais Jonas

252
Como Mudar Cuiabá. Programa de Governo Democrático. PMDB. Cuiabá, 1985.
253
PDS tem cinco candidatos à prefeitura. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 16/07/1985.
254
Gabinete de Planejamento e Coordenação. Retrospectiva das eleições em Mato Grosso: de 1945 a 1985. Cuiabá: Fundação
Cândido Rondon, 1988.
255
Carlos Bezerra já é visto como candidato do PMDB ao Paiaguás. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 10/07/1985; Júlio decreta lei seca
para evitar falência de MT. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 04/01/1986; Tendência de Júlio Campos é continuar no governo .
Diário de Cuiabá, Cuiabá, 12/01/1986.

178
Pinheiro e Maçao Tadano, que não aceitaram. O único nome restante foi o do também deputado
federal Bento Porto, que já se mudara para o PFL. O grupo do governador articulava saída do PDS,
que vinha se esvaziando em nível nacional pela articulação da Frente Liberal para apoiar a
candidatura de Tancredo Neves à presidência, com a posterior formação do PFL. Havia a
possibilidade de mudança para o PTB, coordenado pelo então prefeito de São Paulo Jânio Quadros
(visando nova candidatura presidencial na sucessão de Sarney) e o próprio PFL.256 Como o vice-
governador Wilmar Perez disse que só assumiria o governo após a renúncia de Júlio Campos, se o
grupo migrasse para o PFL, em atendimento ao pedido de Aureliano Chaves (ministro de Sarney),
Júlio Campos trilhou essa opção. As incertezas de Júlio Campos sobre uma candidatura em 1986
derivavam das situações mal resolvidas e da força dos adversários257.
A situação fiscal do Estado, a greve dos professores da rede estadual e, em particular, as
dificuldades enfrentadas pelo Banco do Estado (Bemat), em face dos efeitos do Plano Cruzado,
levaram a bancada do PMDB na Assembleia Legislativa a pedir intervenção federal no Estado. O
então vereador em Rondonópolis e líder de Bezerra na Câmara Municipal (Percival Muniz) já
levantara tal possibilidade no começo de 1986. O deputado estadual Joaquim Sucena pediu, junto
com a intervenção federal, a cassação do governador Júlio Campos. Após um processo muito
tumultuado, com denúncias a Joaquim Sucena sobre irregularidades na Assembleia, feitas pela
imprensa, o plenário votou contra o pedido e ele foi arquivado258.
Uma das principais dificuldades da oposição a Bezerra foi definir o candidato e o arco de
alianças que sustentaria a sua postulação. Exceto o Partido dos Trabalhadores (PT), que trabalhou
com a candidatura própria desde o princípio, os demais dialogavam em torno da possibilidade de um
nome comum para enfrentar o PMDB. Todos aqueles que perderam espaço em seus partidos de
origem estavam gravitando nessa órbita. O ex-governador Frederico Campos estava no PDT, embora
afirmasse que não queria participar da estrutura partidária, mas apenas buscar a militância. Gilson de
Barros também saíra do partido e se filiara ao PDT. E o deputado federal Bento Porto migrou, do PDS,
para o PFL, ainda em 1985259.
Sobre a sua candidatura a governador, Gilson de Barros pontuou que:

Viemos a esta tribuna dizer aos nossos colegas da Câmara dos Deputados que
aceitamos a responsabilidade da candidatura a governador do Estado de Mato
Grosso pelo PDT, e com o apoio de ponderável dissidência do PMDB, recrutada

256
Revoada do PDS para o PTB será só de 60%, diz Bonilha. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 11/01/1986; PTB nasce em Mato Grosso e
denuncia pressão. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 16/01/1986; Roberto Campos decide aderir ao PTB; Canellas é o próximo.
Diário de Cuiabá, Cuiabá, 18/01/1986.
257
Júlio Campos vai mesmo para o PFL. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 04/03/1986; Júlio diz que não teme cassação e deve continuar
no governo até 1987. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 15/03/1986.
258
Percival pede intervenção federal no Estado. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 24/01/1986; PMDB investe contra o governo e pede
intervenção federal. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 05/03/1986; Assembleia rejeita intervenção e cassação do governador. Diário
de Cuiabá, Cuiabá, 25/03/1986.
259
Frederico diz que não aceita cargos no conselho pedetista: sua meta é fazer política. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 18/01/1986.

179
entre aqueles que não se conspurcaram, que não aceitam se vender e que não
ficam por aí criando motivos pretextos e desculpas para justificar o seu
fisiologismo e a sua subserviência ao poder. Somos apoiados pelo PMDB
autêntico e verdadeiro, uma parte do PTB não ivetista e não golberista, mas o
PTB que ainda assopra para avivar o fogo getulista do trabalhista brasileiro. Sou
candidato e fiquem certos V. Exs de que, apesar das pressões da Rede Globo de
Televisão e dos grupos econômicos, seremos o governador agrícola de Mato
Grosso.260

Um dos aspectos mais interessantes dessa eleição foi o comportamento de Bento Porto. Ele
se colocava como candidato a governador pelo PFL e não aceitava a entrada de Júlio Campos e seu
grupo no partido. Diante de tal resistência apresentada pelo deputado, Júlio Campos passou a
negociar direto com as lideranças nacionais do partido e Bento Porto teve que aceitar a convivência261.
Uma vez consolidada a adesão do grupo de Júlio Campos ao PFL, começaram as articulações em
torno de seu futuro político e do candidato a governador. Gilson de Barros chegou a confirmar a
coligação PFL/PDT/PTB/PDC em torno de sua candidatura a governador, com Bento Porto, ou
Frederico na vaga ao Senado261.
O PDS, que Júlio Campos acabara de deixar, buscava ainda uma alternativa, como o
empresário Ariosto da Riva, colonizador da região de Alta Floresta, que já se comprometera com
Bezerra. Em meio a essas indefinições, o vereador em Cuiabá Wilson Coutinho lançou o nome do
então prefeito de Várzea Grande, Jayme Campos, para governador, na eleição de 1990, num indício
de que eles consideravam 1986 perdido, ou muito difícil de se reverter, na melhor das hipóteses.
Jayme Campos não poderia concorrer naquele ano em função da Lei de Inegibilidades, porque era
irmão do governador Júlio Campos, cujo mandato terminaria apenas em 15/03/1987, mesmo se
renunciasse262.
Começou, então, um movimento que contava com a participação de Júlio Campos, para que
Frederico Campos fosse o candidato. 30 municípios assinaram um manifesto em seu favor e começaram
a falar em “frente antiBezerra” e que Frederico Campos seria o “candidato municipalista”, pela imagem
cultivada na época em que foi governador. Seu nome passou a receber apoio de participantes de sua
gestão, como o deputado estadual Ubiratan Spinelli (presidente do PDS) e o deputado federal Jonas
Pinheiro (PFL). No entanto, Bento Porto não renunciava à sua candidatura a governador pelo PFL,

260
Pronunciamento do deputado federal Gilson de Barros na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso Nacional
(Seção I), p. 7953, 22/08/1982.
261
PFL rejeita a adesão de Júlio Campos. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 22/02/1986; Bento Porto estranha adesão de grupo pedessista
ao PFL. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 22/02/1986. Campos esquece Porto e negocia a sua adesão ao PFL com a alta cúpula.
Diário de Cuiabá, Cuiabá, 27/02/1986; Bento Porto aceita Júlio Campos no PFL; Wilmar já escolhe secretariado. Diário de
Cuiabá, Cuiabá, 28/02/1986. Júlio Campos já articula força do PFL; meta é derrotar Carlos Bezerra. Diário de Cuiabá,
Cuiabá, 28/02/1986.
262
Gilson confirma coligação de quatro partidos. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 04/04/1986; PDS vai lançar candidato próprio e pensa
em empresário. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 09/04/1986; Ariosto evita o PDS e admite seu apoio a Bezerra Diário de Cuiabá,
Cuiabá, 10/04/1986; Wilson Coutinho lança Jayme Campos ao governo de Mato Grosso em 1990. Diário de Cuiabá, Cuiabá,
10/04/1986.

180
enquanto se falava nos deputados estaduais Zanete Cardinal e Ernani Martins para ocupar a vaga de vice
na chapa de Frederico Campos. Zanete era forte na região de Rondonópolis e poderia enfrentar Bezerra
naquele município263.
Como Frederico Campos estava sem espaço no PDT, que tinha a candidatura de Gilson de
Barros a governador como um complicador das relações, foi formado o Partido Municipalista Brasileiro
(PMB), sob sua liderança. Com base neste novo partido se intensificaram as articulações com PFL, PDS e
PL. Bento Porto resistia e apontava a candidatura de Frederico Campos, como uma manobra de Júlio
Campos. As crises continuaram no momento de escolher o vice na chapa de Frederico Campos, com
boatos de que seria o deputado estadual Pedro Lima (PFL), ou que a “Aliança Democrática Municipalista
(ADM)”, como foi chamada a frente de apoio a Frederico Campos, pudesse ser dissolvida. Frederico
Campos apontou os rumores sobre Pedro Lima como manobra de Bento Porto264.
Este falava que Frederico Campos não teria o apoio integral do PFL. O nome de Gilson de
Barros chegou a ser cogitado para vice na chapa de Frederico Campos, como forma de atrair o PDT.
Diante das dificuldades em trazer Zanete Cardinal para vice de Frederico Campos, este acabou
concorrendo com José Salvador de Arruda (Poconé) nesta posição e o deputado estadual Ricardo
Corrêa (Secretário de Obras de Júlio Campos) para senador, pelo PL. A ADM ficou composta por
PFL/PMB/PDS/PTB/PL. Gilson de Barros também optou por disputar com o Padre Pombo a vaga de
senador, ambos pelo PDT265. Bento Porto acusou de traição a interferência de Júlio Campos e
ameaçou ir até a convenção, mas acabou renunciando e optando por concorrer a senador e apoiar o
candidato adversário (Carlos Bezerra)266.
Das duas vagas em disputa nesta eleição (Canellas e Gastão Müller), o PMDB reservou
uma vaga para o grupo do MDB (preenchida pelo então deputado federal Márcio Lacerda) e o grupo
do PP indicou Gastão Müller (candidato nato à reeleição) e o próprio Louremberg Nunes Rocha. Eles
disputariam entre si para definir quem seria o eleito. O ex-senador Vicente Vuolo, que saíra do PDS
após o esvaziamento de sua candidatura em 1982, aceitou ser suplente na chapa de Gastão Müller. Em
resposta, Louremberg colocou Sebastião de Oliveira, pai de Dante de Oliveira, como seu 1º suplente,
numa tentativa de composição com a ala do MDB267.

263
Frederico deverá sair para governo . Diário de Cuiabá, Cuiabá, 08/05/1986; Frederico admite sua candidatura e adverte que não
tem medo de Bezerra Diário de Cuiabá, Cuiabá, 09/05/1986; Nome de Frederico bem aceito pelos servidores públicos. Diário
de Cuiabá, Cuiabá, 09/05/1986; Diário de Cuiabá, Cuiabá, 10/04/1986; Jonas Pinheiro apóia candidatura Frederico. Diário
de Cuiabá, Cuiabá, 09/05/1986; Decolagem de Frederico foi espetacular, diz Spinelli. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 10/05/1986;
Porto não cede; Coutinho vê consenso e Cardinal seria o vice de Frederico. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 10/05/1986.
264
PMB nasce sob a liderança de Frederico, que tem mais apoio. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 15/05/1986; PFL vai apoiar a
candidatura de Frederico. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 21/05/1986; PL decide fechar com Frederico ao governo . Diário de
Cuiabá, Cuiabá, 10/05/1986; Criada frente de apoio a Frederico. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 06/06/1986; Bento diz que
candidatura Frederico é manobra de Júlio. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 14/06/1986; Frederico: candidatura de Pedro Lima é
manobra de Porto. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 12/07/1986.
265
Bento garante: PFL não fará coligação integral com PMB. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 17/07/1986; Júlio: a maioria do PL apoiará
Frederico. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 19/07/1986; Aliança pensa em Gilson para vice Diário de Cuiabá, Cuiabá, 31/07/1986;
Gilson defende uma aliança contra Bezerra. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 28/08/1986.
266
Bento Porto ficou preocupado com traição à sua candidatura. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 04/06/1986; Bento diz que candidatura
Frederico é manobra de Júlio. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 14/06/1986; Bento Porto renuncia candidatura ao governo do
Estado. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 14/06/1986; Porto desiste do governo e apóia Carlos Bezerra. Diário de Cuiabá, Cuiabá,
28/06/1986.
267
Pai de Dante é suplente de Louremberg ao Senado. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 31/10/1986.

181
Embora aparecesse atrás de Gastão Müller na maior parte das pesquisas durante a
campanha, Louremberg conseguiu reverter a situação e foi eleito senador da República268. Ele próprio
considerou que o slogan renovador adotado pelo PMDB nesta campanha (“o passado nunca mais”),
pode ter lhe favorecido na disputa direta com Gastão e Vuolo, por sua juventude e por não ser uma
figura tão identificada com o regime civil-militar. Convém lembrar que Gastão Müller foi eleito
senador em 1978 de forma indireta, na safra dos “biônicos”.
Sobre a eventual candidatura de Gilson de Barros a governador pelo PMDB, Márcio
Lacerda reconheceu as dificuldades que seu colega de bancada federal tinha no interior do partido,
por não se dedicar muito ao trabalho de articulação com as bases partidárias e se comportar mais
como um “comunicador de massa” do que como um político, no sentido tradicional. Seria um
parlamentar com imagem e discurso fortes, temperamental, mas com pouca articulação com a
máquina política montada pelo PMDB naquele momento, na qual se destacavam os diretórios
municipais. Osvaldo Sobrinho ressaltou que Gilson de Barros não soube reciclar o discurso para a
Nova República e teria perdido espaço para Dante de Oliveira, que compreendeu os desafios
assumidos pelo PMDB na presidência da república e posicionou-se diante deles. Na verdade, a saída
de Gilson de Barros apenas antecipou as tensões internas que marcaram o PMDB durante todo o
mandato de Sarney, em particular durante a Assembleia Nacional Constituinte.
De fato, em seu pronunciamento de despedida do PMDB, Gilson recapitulou as principais
bandeiras levantadas pelo partido durante a redemocratização, e que teriam sido abandonadas no
governo Sarney.

Entramos para o MDB, em Mato Grosso, numa época em que o partido não
existia [...] no papel havia diretórios municipais organizados, além do regional
[...] havia um punhado de bravos, heróis de fibra, companheiros que não
aceitavam as pressões, [...] da reinante ditadura militar brasileira [...] E, em
todos aqueles instantes, interpretamos as aspirações mais legítimas da Nação.
[...] Reivindicávamos também, Sr. presidente, a anistia ampla, geral e irrestrita,
bandeira [...].Outra bandeira era a Assembleia Nacional Constituinte, que o
nosso partido, o PMDB, queria livre e soberana. [...] Com relação ao FMI. [...]
dizíamos: “Fora o FMI', “Abaixo o FMI”, [...] Outra bandeira era a reforma
agrária, cujo objetivo era dar terra àqueles que nela vivem e trabalham, mas a
terra economicamente útil e tecnicamente produtiva. A Lei de Greve, [...]. A
Lei de Imprensa, cujo objetivo claro é intimidar aquele que, sem dúvida
alguma, é o quarto poder nas democracias. A Lei de Segurança Nacional, com
dispositivos draconianos, chamados dispositivos asfixiantes, que protegiam e
protegem torturadores, enquanto sacrificam inocentes. Estas eram, em síntese,
as nossas bandeiras269.

268
Pesquisa IPM diz que há equilíbrio. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 09/10/1986.
269
Pronunciamento do deputado federal Gilson de Barros na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do Congresso Nacional,
p. 7.953, 22/08/1986.

182
Entretanto, a principal luta da eleição de 1986 para este grupo foi a polêmica ao redor da
vaga de vice-governador na chapa de Carlos Bezerra. Como o favoritismo de Bezerra foi uma
constante em todo o período, a escolha de seu vice se tornou peça-chave nos rumos de seu futuro
mandato, da direção do PMDB e da própria sucessão em 1990, já que ele poderia renunciar para
concorrer a deputado federal ou senador, como fizera Júlio Campos em 1986. Um componente que
não deve ser desconsiderado nesta dinâmica é o regional, já que a força dos udenistas sempre esteve
em Cuiabá e proximidades. Pelo fato de Bezerra, embora cuiabano de nascimento, dever sua projeção
política a Rondonópolis, a lógica do equilíbrio e da atração do eleitorado recomendava que o vice-
governador fosse de Cuiabá.
Logo no começo do ano, a imprensa já cogitava diversos nomes para ocupar a vaga de vice
na chapa do PMDB, todos eles de Cuiabá ou Várzea Grande (Sarita Baracat, Roberto França, Milton
Figueiredo, Gastão Müller, Joaquim Sucena)270. No entanto, quem se destacou nesta disputa foi o
deputado federal Milton Figueiredo. Havia comentários de que Dante de Oliveira, então prefeito de
Cuiabá, poderia ser candidato, em 1990, pelo PMDB e o grupo do PP queria Milton como um
contrapeso em seu favor nessa definição, em particular no caso de renúncia de Bezerra271. As
insatisfações vocalizadas pelo deputado estadual Osvaldo Sobrinho provocaram, inclusive, a
cogitação de outra candidatura a governador pelo PMDB na sua convenção. Os candidatos apontados
eram o próprio Sobrinho e o também deputado estadual Joaquim Sucena272.
A resposta de Bezerra, que já vinha articulando o nome do médico Edison de Freitas para
ocupar a vaga de vice, foi uma mudança na forma de escolha do candidato a este cargo. Ao invés da
convenção, a atribuição foi dada para a Executiva do partido, na qual seu grupo era majoritário.
Evitaria uma disputa na convenção, em que Milton Figueiredo poderia ser eleito candidato a vice na
chapa de Bezerra, comprometendo seus planos futuros273. Apesar da exclusão da chapa de Bezerra, o
grupo do PP obteve vitórias importantes nesta eleição. Louremberg foi eleito senador e, dos cinco
deputados federais do PMDB que saíram das urnas, três eram representantes dos pepistas (Osvaldo
Sobrinho, Joaquim Sucena e Rodrigues Palma). Da ala autêntica do PMDB, foram eleitos Antero
Paes de Barros, vereador em Cuiabá e líder de Dante de Oliveira na Câmara Municipal; e Percival
Muniz, vereador em Rondonópolis, líder de Carlos Bezerra na Câmara Municipal.
Edison de Freitas despontou neste momento como um nome articulado à ala autêntica do
PMDB, já que fora fundador do MDB em Jales (SP) e prefeito municipal. Sua participação no partido,
desde o final da década de 1970, lhe tornou uma pessoa conhecida para os militantes do interior,
facilitando sua aceitação quando apresentado na condição de pré-candidato, junto com Milton
Figueiredo274.

270
PMDB fortalece a candidatura de Bezerra. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 28/01/1986.
271
Milton Figueiredo virtual vice na chapa de Bezerra. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 18/04/1986; Kazuho Sano diz que Milton é
favorito para vice. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 22/05/1986; Louremberg: candidatura de Milton promove união do PMDB.
Diário de Cuiabá, Cuiabá, 08/06/1986.
272
PMDB poderá ter outro candidato ao governo . Diário de Cuiabá, Cuiabá, 12/06/1986; Louremberg: o PMDB deve chegar a um
entendimento antes da sua convenção. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 18/06/1986; Garcia Neto defende acordo entre as correntes
do PMDB. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 21/06/1986.
273
Manobra perfeita faz Edson candidato. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 24/06/1986.
274
Entrevista com Edison de Freitas. Cuiabá, 06/07/2007.

183
No meio de toda a disputa, o prefeito Dante de Oliveira foi convidado pelo presidente
Sarney para assumir o Ministério da Reforma Agrária, apontado como um dos grandes desafios da
Nova República. O convite foi feito em função da estatura nacional adquirida por Dante de Oliveira
na defesa da emenda das “Diretas-Já”, sua vinculação com a ala autêntica do PMDB e com o próprio
tema da reforma agrária, em virtude da situação de Mato Grosso e do relacionamento de amizade que
teria com Roseana Sarney, também deputada federal na mesma legislatura.
Após uma hesitação inicial, Dante de Oliveira resolveu aceitar o convite e se licenciou da
Prefeitura de Cuiabá, deixando em seu lugar o vice-prefeito, Coronel Estevão Torquato. Embora os
depoimentos não afirmem, não se pode desconsiderar a possibilidade da saída de Dante de Oliveira
como relacionada à campanha eleitoral então em curso, por conta das pressões do grupo do ex-PP
para que ele fosse o candidato a governador do PMDB, em lugar de Carlos Bezerra275.
Frederico Campos disse que essa eleição era de Bezerra e não queria concorrer. Mas seu
grupo político precisava de um “boi de piranha” para participar, e ele aceitou. Júlio Campos disse que
preferiu a cadeira de deputado federal porque a importância simbólica de um deputado na Constituinte
(que se instalaria a partir de 1987) era muito maior do que a de um senador. Na verdade, razões de
cunho prático o levaram a trilhar esse caminho, em função do desgaste de seu mandato, da memória
recente da derrota de Garcia Neto na eleição de 1978 e da força do PMDB em nível nacional. As
candidaturas de Frederico Campos a governador, Bento Porto e Ricardo Corrêa para senador
permitiram que Júlio Campos fosse eleito como o deputado federal mais bem votado, de novo.
Seriam candidatos que concorreriam na mesma faixa de eleitorado e poderiam dificultar o
resultado. Osvaldo Sobrinho apontou que havia um apoio subterrâneo de Júlio Campos à candidatura
de Louremberg Nunes Rocha, porque sabia que as relações de seu grupo (originado no PP) com
Bezerra estavam estremecidas e ele poderia ser, portanto, um aliado nas próximas eleições. Havia
ainda comentários sobre as candidaturas para a Prefeitura de Cuiabá em 1988 (Roberto França,
Frederico Campos e Joel Bulhões) e para o governo do Estado (Júlio Campos, Wilmar Perez, Dante
de Oliveira, Joaquim Sucena, Rodrigues Palma e Osvaldo Sobrinho)276.
Onofre Ribeiro entendeu que Júlio Campos articulou a candidatura de Frederico Campos a
governador porque sabia que o PMDB ganharia a eleição e não se sairia bem no governo pela herança
que ele estava deixando e pela carga de expectativas trazidas da redemocratização. Ele reproduziu
uma versão muito frequente na cultura política de Mato Grosso sobre a sistemática da alternância
(“governo não faz governo ”), que impunha que o governador em exercício indicasse um candidato
fraco para que oposição ganhasse a eleição, fizesse uma gestão considerada insuficiente e ele ou seu
partido pudessem voltar 4 anos depois. Júlio Campos teria, portanto, financiado a sua campanha a
deputado federal e parte da majoritária (Frederico e Ricardo Corrêa), em 1986.

275
Dante de Oliveira assume Ministério; Torquato, o novo prefeito de Cuiabá. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 29/05/1986. Fetagri
apoia escolha de Dante para o MIRAD. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 29/05/1986. Saída de Dante é vista como uma traição.
Diário de Cuiabá, Cuiabá, 30/05/1986.
276
Os vencedores e os derrotados nas eleições. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 30/11/1986.

184
Na chapa proporcional, permitiu à ADM eleger três deputados federais (o próprio Júlio
Campos, Jonas Pinheiro e Ubiratan Spinelli) e 10 estaduais numa eleição em que o PMDB tinha todo
o apoio da Prefeitura de Cuiabá (com Dante de Oliveira e Estevão Torquato como prefeitos) e
Rondonópolis (Bezerra e Fausto Faria). Não se pode desconsiderar também o apoio federal (governo
Sarney). Júlio Campos ainda teria financiado parte da campanha de Frederico Campos à Prefeitura
em 1988, a sua própria de senador e a de Jayme Campos para governador em 1990.
Oscar Ribeiro creditou a vitória de Carlos Bezerra à onda do PMDB em esfera nacional, que
elegeu 22 governadores em todo o Brasil, graças ao sucesso do Plano Cruzado. Logo após a vitória de
Bezerra, Jayme Campos teria se colocado como candidato a governador, em 1990, e Oscar lhe
respondeu que o PMDB ficaria 20 anos no comando político do Estado, porque havia vários nomes
para suceder Bezerra (Dante, Louremberg, Márcio Lacerda, Fausto Faria, Percival Muniz, Osvaldo
Sobrinho). Jayme disse-lhe que Bezerra faria uma má gestão e não conseguiria eleger o sucessor e que
se ele começasse a trabalhar, desde então, como prefeito de Várzea Grande (2º maior colégio eleitoral
do Estado), repetindo a trajetória de Júlio Campos, ocuparia o vácuo deixado pelo desgaste natural e
se posicionaria como candidato a governador, em 1990.
Outro aspecto a destacar nestas eleições é que começou a se falar em uma nova divisão do
estado de Mato Grosso, desta vez ao norte. A pré-candidatura do secretário de agricultura Rômulo
Vandoni, pelo PDS, em 1982, que contava com o apoio dos agropecuaristas do norte e noroeste, já
demonstrava esta nova regionalização política no Estado277. Com o grande incremento demográfico
que Mato Grosso vinha apresentando no período, direcionado em especial para as regiões de fronteira
e a emancipação de 19 municípios em 1986, as forças políticas do norte começaram a articular um
discurso divisionista baseado nos mesmos argumentos de Campo Grande (dimensão do Estado,
distância da capital, baixo investimento na região, etc;).
O próprio governador Júlio Campos chegou a se manifestar sobre este assunto, ao dizer que
uma nova divisão seria inevitável dali a 15 ou 20 anos. A importância dada aos colonizadores Ariosto
da Riva (Indeco) e Ênio Pipino (Sinop) e as reuniões com o objetivo de formar um bloco “nortista”
para as eleições de 1986 já demonstravam a “descuiabanização” que a política mato-grossense
passaria a partir de então, com uma maior diversidade regional de atores políticos. Desde esta eleição,
a nova dimensão regional trazida pelas forças políticas do norte do Estado, seria uma constante nos
processos eleitorais278.
Logo em seu pronunciamento de posse, Carlos Bezerra manteve o tom da campanha e
apresentou-se como uma novidade na política estadual, enfatizando a ruptura com o passado e as
prioridades de seu mandato:

277
Agropecuaristas estão com Vandoni. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 03/02/1982.
278
Estado corre risco de uma nova divisão. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 15/01/1986; Para Júlio, divisão é inevitável. Diário de
Cuiabá, Cuiabá, 16/01/1986; Nortão se une em bloco e mostra força política. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 16/02/1986.

185
Existem duas coisas inéditas neste momento em que nós vivemos. A primeira,
de um governador que sai das urnas com a maior vitória já ocorrida na história
política de Mato Grosso. [...] Por outro lado, também, nunca nenhum
governador recebeu ou vai receber o Estado numa situação tão difícil, tão
crítica, como eu estou recebendo, em toda história política do Estado. [...]. Que
se priorize o social, que se priorize o homem [...]. É esse tipo de Governo que
nós vamos fazer – governo participativo. [...]. Iremos atacar de fundo a área
social, a questão social. O nosso Governo será um Governo eminentemente
social [...]. atacar na área da educação, da área da saúde, da habitação, da
agricultura, para apoiar aqueles marginalizados [...]. talvez na história de Mato
Grosso, eu seja o único governador sem compromisso pessoal ou grupal com
ninguém .... (palmas) .... Não assumi. Todas as vezes que fui assediado, me
neguei a lotear o Governo, a fazer conchavos. Coloquei até a minha candidatura
à disposição do partido, duas vezes, quando quiseram discutir assunto desta
natureza. Portanto, assumo o Governo de Mato Grosso hoje somente com um
único compromisso: compromisso com o povo279.

O governo Bezerra ficou caracterizado pela forte crise fiscal enfrentada, como
herança do período Júlio Campos-Wilmar Perez, e da política econômica nacional (fracasso do Plano
Cruzado com a volta da inflação, descontrole fiscal, moratória da dívida externa, Plano Bresser, Plano
Verão). Uma das marcas que o próprio governador tentou imprimir foi a ênfase para a área social e a
diversificação da produção agrícola e industrial, de modo a mudar a participação de Mato Grosso na
divisão nacional e internacional do trabalho. O objetivo era tornar a economia mato-grossense mais
estável e competitiva, de modo a aumentar a renda dos habitantes do Estado e, por conseguinte, suas
condições sociais.
Na área política, Bezerra adotou um discurso semelhante ao de Pedro Pedrossian e
enfatizava as obras “disseminadoras de conceitos”, políticos, sociais e éticos. Seria:

[...] uma forma moderna e, fundamentalmente, não paternalista ou


'protecionista', de governar – projetam-se como a evidência maior de uma
retomada da consciência de cidadania e do fortalecimento do espírito
participativo da sociedade, significando um ganho sócio-político da maior
importância para esta mesma sociedade ...280.

Também como Pedrossian, Bezerra enfrentou dificuldades no Poder Legislativo, derivadas


da disputa política estadual entre as alas do PMDB e da implosão da “Aliança Democrática”, formada
por PMDB e PFL para eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e, posterior, na sustentação do
governo José Sarney. O deputado William Dias, líder do PMDB na Assembleia Legislativa, fez vários

279
Estado de Mato Grosso. Assembleia Legislativa. Ata n° 10. 15/03/1987. Folhas 5, 6 e 7.
280
Governo do Estado de Mato Grosso. Mensagem do Poder Executivo para a Assembleia Legislativa (exercício de 1988). Cuiabá,
1989.

186
pronunciamentos nesse sentido, endossando as críticas ao governo Sarney, com destaque para a
participação do PFL:

O Sr. José Sarney, o Sr. Ribamar Castelo Brando da Silva e companhia ltda.,
assume a Presidência da República com a promessa de reconduzir este país à
democracia plena. [...] Infelizmente, o Sr. Sarney, a bem da verdade cumpriu em
partes o compromisso assinado no Projeto da Aliança Democrática. [...] O Sr.
José Sarney, sofrendo da síndrome do poder, se atarraca, se descaracteriza e se
desnatura na proposta política e se agarra em todos os sentidos para se
permanecer e se perpetuar no poder e daí gerando as benesses de corrupção e
desmoralização à vida pública que campeia hoje, no território nacional. [...]
arrasta o Sr. Prisco Viana para ser seu ministro, e o Sr. Antônio Carlos
Magalhães, conhecido e denominado como o seu “Toninho Malvadeza”, para
serem os primeiros ministros. [...] Tanto é verdade que o pessoal do Centrão,
recentemente, tem agido assim: aquele que vota e acompanha os seus interesses
tem recebido emissoras de rádio. [...] Vimos tristemente o Sr. José Sarney
manipular o PFL – este partido que dá sustentação política ao Sr. Sarney e que
contraditoriamente faz oposição no Estado de Mato Grosso281.

Os marcos da passagem de Carlos Bezerra pelo executivo estadual foram a implantação da


gestão democrática nas escolas da rede estadual, com eleição dos diretores pela comunidade; o
saneamento básico, com a construção de duas estações de tratamento em Cuiabá (Parque Cuiabá e
Tijucal); a criação dos hospitais regionais nas principais cidades-polo do Estado; combate aos grupos
de extermínio nas Polícias Militar e Civil; e elevação da média salarial do funcionalismo, instituindo
o gatilho mensal para a folha de pagamento, de acordo com a inflação e atingindo um valor inicial de
11,5 salários mínimos para os professores.
Com a implosão do PMDB e a crise atravessada pelo país, 22 candidatos se apresentaram
na eleição presidencial de 1989. Como recorda Mainwaring (1999), o ambiente macroeconômico
estava deteriorado pela hiperinflação e a perda de governabilidade pelo presidente. Havia um
sentimento difuso na população, que responsabilizava a corrupção pelos problemas vividos pela
sociedade. Desde os trabalhos da Constituinte, o empresariado vinha procurando um candidato capaz
de enfrentar as duas candidaturas tidas como de esquerda (Lula e Leonel Brizola). Todas as opções
existentes na época (Aureliano Chaves, Guilherme Afif Domingos, Jarbas Passarinho, Jânio
Quadros, Álvaro Dias, Paulo Maluf) tinham contraindicações.
Fernando Collor de Melo despontou, portanto, como aquele com maior capacidade de
encarnar o líder demagógico, messiânico, dissociado dos partidos e que poderia promover a
renovação dos costumes na política brasileira, para atender ao sentimento difuso de mudança

281
Estado de Mato Grosso. Assembleia Legislativa. Ata n° 40 05/05/1988. Folhas 12/13. – Deputado William Dias (líder do
PMDB).

187
expresso pela população282. Collor fora prefeito biônico de Maceió pela Arena, deputado federal pelo
PDS e ex-governador do estado de Alagoas pelo PMDB. Candidatou-se à presidência por um
pequeno partido-empresa, criado para este fim (PRN). Ao final de uma campanha muito apertada,
foram para o segundo turno Fernando Collor (PRN) e, ultrapassando Brizola por cerca de 0,7% dos
votos válidos, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os candidatos dos partidos maiores, como Ulysses
Guimarães (PMDB) e Aureliano Chaves (PFL) tiveram resultados insatisfatórios. Na segunda
rodada da disputa, Collor dotou a campanha de forte conotação ideológica, imputando a Lula a
imagem de comunista, por sua filiação a um partido de base sindical e amparado nos movimentos
sociais. Collor acabou vitorioso por 53,03% a 46,97% dos votos válidos283.

282
De acordo com Dreifuss, foi formado em 10/02/1989, o Movimento de Convergência Democrática (MCD), um estado-maior da
direita. Seu objetivo declarado era mobilizar a opinião pública em favor de uma candidatura exequível de união nacional nas
eleições presidenciais de então. Um editorial escrito pelo jornalista Roberto Marinho intitulado “Convocação” conclamava a
população a buscar uma candidatura de consenso, moderna e otimista, para evitar uma disputa de 2º turno entre um caudilho
populista (Brizola) e um sectário contestador (Lula). Para mais dados sobre as articulações empresariais na Nova República,
leia DREIFUSS, René. O Jogo da Direita. Petrópolis, Editora Vozes, 1989.
283
Dados eleitorais do Brasil 1982-2004. Disponível em <http://jaironicolau.iuperj.br>. Acessado em 18/10/2006.

188
Jayme Campos, Júlio Campos e o projeto de “oito anos” (1990-1998)

Três acontecimentos durante o governo Bezerra (1987-1990) facilitaram o esvaziamento


do PMDB e, na outra ponta, o fortalecimento da candidatura de oposição, encabeçada pelo então
prefeito de Várzea Grande, Jayme Campos. O primeiro foi a saída, do PMDB, do grupo do PP que
estava filiado ao partido desde a fusão em 1982. Eles já vinham perdendo espaço e a convenção para
escolher o candidato a prefeito de Cuiabá, entre Dante de Oliveira e Rodrigues Palma, e a escolha de
Edison de Freitas como vice na chapa de Carlos Bezerra, foi mais um dos fatores que os afastaram do
PMDB. Júlio Campos articulou com os deputados federais Rodrigues Palma. Joaquim Sucena,
Osvaldo Sobrinho e o senador Louremberg Nunes Rocha para que eles se transferissem para o PTB,
seu tradicional aliado. O deputado estadual Luiz Soares optou por se filiar ao PSDB, ainda em
formação no Estado, e concorrer a governador, em 1990.
O segundo fato que deriva deste foi a vitória de Frederico Campos na eleição para a
Prefeitura de Cuiabá, em 1988. Com a dissidência do deputado estadual e então presidente da
Assembleia Legislativa Roberto França, que concorreu pelo PTB, o PMDB lançou José Meirelles e a
ex-secretária de educação de Dante de Oliveira e Bezerra, Serys Marly Shlesharenko, que saiu pelo
PV, com apoio do PT. Diante da “desconstituição” do PMDB e da tendência oposicionista de Cuiabá,
Frederico Campos foi eleito. Isso fortaleceu o grupo na corrida pelo Palácio Paiaguás, em 1990.
O terceiro fato importante nesse período foi a participação de Jayme Campos como
coordenador da campanha de Fernando Collor de Mello à Presidência da República em 1989. Com a
vitória de Fernando Collor, Jayme se tornou seu interlocutor preferencial em Mato Grosso, já que
Collor foi eleito pelo Partido da Reconstrução Nacional (PRN), montado de modo quase exclusivo
para a sua campanha. Como a eleição para governador aconteceu no primeiro ano do mandato de
Collor (1990), as crises que abalaram sua passagem pela Presidência não chegaram a prejudicar o
desempenho de Jayme Campos284.
Tal fragmentação permitiu a eleição de Frederico Campos, com apenas 38,59% dos votos
válidos, contra 29,33% de Roberto França, 26,9% de José Meirelles e 5,18% de Serys Marly
Slhesarenko 285. É curioso observar como a votação dos três candidatos originados no PMDB totalizou
aquela obtida por Dante de Oliveira em 1985 (com uma diferença de apenas 1%), enquanto Frederico
Campos teve quase a mesma votação que Gabriel Novis Neves, em 1985 (cerca de 35% dos votos
válidos). Cabe analisar, portanto, que os votos do grupo do Júlio Campos se concentraram num só
candidato e este, pela ausência de segundo turno, foi eleito. Os votos de Dante de Oliveira foram
pulverizados e provocaram a derrota dos três candidatos envolvidos na disputa.
Esta eleição acirrou ainda mais os ânimos e preparou terreno para 1990, com a gestão de
Bezerra enfrentando profundo desgaste (em especial em Cuiabá) e a saída de Dante para o PDT. O

284
Entrevista com Jayme Campos. Cuiabá, 22/05/2007.
285
Ainda não havia segundo turno, porque a Constituição de 1988 foi promulgada no curso desta eleição e a regra só passou a valor
para o pleito de 1992.

189
objetivo do grupo que migrou para o PTB era apresentar um candidato a governador em 1990, com
grande possibilidade que fosse o próprio Louremberg, por sua condição de senador em meio de
mandato. Osvaldo Sobrinho seria o vice-governador e Joaquim Sucena candidato ao senado286. O
grupo vinha negociando com ambos os lados (PMDB e PFL) 287 e pretendia ser o “fiel da balança”,
forçando um segundo turno e exercendo papel importante no desempate, a exemplo do velho PTB,
entre 1945-1965288.
Todavia, as negociações com Bezerra em busca de auxílio financeiro na campanha não
vinham progredindo da forma esperada289. Ao mesmo tempo, Jayme Campos assediava o grupo
usando a sua condição de favorito e oferecendo a vaga de vice para Osvaldo Sobrinho290. Eles
consideraram que a candidatura de Louremberg poderia rachar o eleitorado e levar a eleição para o
segundo turno, conforme previsto, mas traria muitas dificuldades para a chapa proporcional, pela
escassez de recursos financeiros e estrutura de apoio na campanha. Diante da hesitação de Bezerra e
da oferta concreta de Jayme Campos, eles optaram pelo segundo, e Osvaldo Sobrinho foi o candidato
a vice-governador na chapa do PFL291.
Essa escolha explica por sua boa votação para deputado federal, em 1986 (segundo
colocado, atrás apenas do ex-governador Júlio Campos). A distribuição de seus votos pelo Estado
também pesou na decisão, com forte concentração em Cuiabá e na região norte, uma vez que Jayme
Campos fora prefeito de Várzea Grande e nunca disputara uma eleição estadual, até então. Para se ter
noção da força de Sobrinho no denominado “nortão”, basta dizer que, em 1986, ele foi o mais votado
para a Câmara dos Deputados em Alta Floresta, Paranaíta, Guarantã do Norte, Colíder, Sinop e Nova
Canaã do Norte. Obteve a segunda colocação em Terra Nova do Norte e Juara. Por fim, foi o terceiro
colocado em Cuiabá, abaixo apenas de seus colegas Rodrigues Palma e Joaquim Sucena292.
No entanto, embora já viesse trabalhando a candidatura, pelo menos desde 1986, a
definição entre ele e Júlio Campos sobre quem seria o candidato, não foi pacífica. Como o desgaste
do governo Bezerra foi maior do que a expectativa e Júlio Campos foi eleito em 1986 como o
deputado federal mais bem votado (o que, seguindo a tradição, lhe credenciaria para uma candidatura
majoritária293), ele também queria ser o candidato a governador. Onofre Ribeiro lembrou que, ao final

286
França vai mesmo para o PFL. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 12/01/1990.
287
Partidos articulam frente. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 26/01/1990.
288
PTB tentará ser o “fiel da balança'”. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 28/01/1990.
289
Candidatura de Louremberg está caindo pelas tabelas. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 23/01/1990; Falta dinheiro a Louremberg.
Diário de Cuiabá, Cuiabá, 26/01/1990.
290
Sobrinho descarta vice de Jaime. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 11/01/1990; Jayme Campos trabalha para vencer disputa no 1º
turno. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 11/01/1990. Entrevista com Jayme Campos. Cuiabá, 22/05/2007.
291
PTB consolida acordo com PFL. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 11/02/1990.
292
Gabinete de Planejamento e Coordenação. As eleições em 1986. Cuiabá: Fundação Cândido Rondon, 1988.
293
Os candidatos mais votados nas eleições proporcionais habilitam-se para outras vagas na eleição seguinte, como demonstra a
tradição em Mato Grosso. No caso dos deputados estaduais, os mais votados tendem a concorrer para deputado federal na
eleição seguinte ou prefeito de seu município (Wilson Santos em 1994, Roberto França em 1986 e 1990, caso de Ruben
Figueiró em 1974, Maçao Tadano em 1970, Emanuel Pinheiro em 1966, Antônio Mendes Canale em 1954). No caso da
eleição para deputado federal esta tendência fica ainda mais reforçada, pois desde 1950 o candidato mais votado para a
Câmara dos Deputados vaga concorre a um cargo majoritário ou repete a dianteira. Basta verificar os casos de João Ponce de
Arruda em 1950 e 1954, Wilson Fadul em 1958, Ponce de Arruda em 1962, Garcia Neto em 1996 e 1970, Benedito Canellas
em 1974 (só da bancada do então norte do Estado), Júlio Campos em 1978, Bento Porto em 1982, Júlio Campos em 1986,
Dante de Oliveira e Jonas Pinheiro em 1990, Roberto França em 1994 e Wellington Fagundes em 1998, ‘‘Pedro Henry em
2002 e Carlos Abicalil em 2006’’.

190
da reunião familiar, prevaleceu o acordo anterior e ficou acertado que Jayme Campos seria o
candidato a governador e Júlio Campos a senador, com um “projeto de oito anos” para retornar ao
Executivo estadual em 1998, pois não poderia concorrer a nada em 1994, em função de seu
parentesco com Jayme Campos, caso este fosse eleito.
As tensões verificadas na campanha de 1986 vieram à tona durante a gestão de Carlos
Bezerra. Louremberg Nunes Rocha alegou que Bezerra não abriu espaço desejado para seu grupo, o
que provocou protestos da base no sentido do rompimento e mudança para outro partido. Havia,
inclusive, agressões verbais do deputado federal Antero Paes de Barros, ex-vereador em Cuiabá e
vinculado a Dante de Oliveira, contra o grupo do PP no Congresso Nacional. Pesavam também as
divisões nacionais do PMDB durante o governo Sarney (1985-1990) e a Assembleia Nacional
Constituinte. O grupo do PP ficou no “Centrão” montado por Sarney para obter maioria no plenário,
ao passo que Antero e Percival Muniz (ex-vereador em Rondonópolis e próximo a Carlos Bezerra) se
identificavam com as forças situadas mais à esquerda. Alfredo Menezes salientou que as agressões
mútuas marcavam o relacionamento político, com acusações de radicalismo da parte dos ex-pepistas
e de adesismo da parte dos “autênticos” do PMDB, pela participação dos outros na Arena durante o
regime civil-militar.
A eleição de Roberto França para a presidência da Assembleia Legislativa foi mais uma etapa
do conflito do grupo do PP contra os egressos dos antigos MDB, porque ele fora o deputado estadual
mais votado em 1986 e, pela regra informal adotada, teria direito a postular a cadeira de presidente. Além
disso, pela boa votação obtida em Cuiabá, ele se posicionava como candidato a prefeito, em 1988, em
contraposição ao candidato escolhido por Dante de Oliveira e Bezerra (José Meirelles). A imprensa
captou este embate, na época, identificando a ala autêntica do PMDB como “xiita”, tendo o vice-
governador Edison de Freitas como seu líder. As suas posições contra a candidatura de Roberto França à
Prefeitura de Cuiabá eram tidas como inconsequentes e divisórias para um partido que já enfrentava
contradições internas. O Diário de Cuiabá registrou a disputa na época:

É por demais conhecida a posição de certa ala do PMDB – denominada xiita –


contra a candidatura do Presidente da Assembleia Legislativa, deputado
Roberto França, à Prefeitura de Cuiabá, [...] porém, desagrada a partir do
momento em que o Vice-governador Edison Freitas, quando nada, resolve
tumultuar o processo [...] colocando em risco a própria sobrevivência do partido
[...] Este inusitado surgimento do vice-governador no cenário político local, na
verdade, dá o que pensar, principalmente levando-se em consideração que até
bem pouco tempo atrás ele era conhecido, isto sim, como um dos muitos
integrantes da classe médica local.

E continuou:

Não menos importante a nível de PMDB, o prefeito Dante de Oliveira e o


senador Márcio Lacerda – este último o presidente regional do partido – pelo
que se informa, foram, votos derrotados na reunião, justamente por terem
tentado uma espécie de conciliação, possivelmente em função de terem chegado

191
à conclusão de que a decisão dos xiitas foi, no mínimo, precipitada. [...]
Sintomaticamente, o vice-governador Edison de Freitas veio de 'justificar' a
ausência desses políticos [...] O vice-governador mato-grossense não pode ser
culpado de nada, já que, numa análise fria, nota-se facilmente que ele fala uma
grande verdade: o PMDB, nestes últimos tempos, tem sido um partido onde
imperam os acordos e os arranjos. Os acordos não são respeitados e os arranjos
mal-feitos. Principalmente, entre os xiitas294.

Como Jayme já começou o período eleitoral como favorito, carregando o slogan “Pedra
90”, que significava que ele era a “pedra” da vez naquela eleição (batizando um conjunto de bairros
em Cuiabá), as filiações ao PFL e adesões de prefeitos do PMDB foram aumentando295. Júlio Campos
também atravessou todo o período eleitoral como favorito. Uma pesquisa ainda no mês de janeiro lhe
deu 37,65% das intenções de voto, contra 4,85% para o ex-governador Garcia Neto e 4,7% para o
então senador Roberto Campos. Essa vantagem permitiu que Júlio Campos adotasse seu tradicional
estilo provocador e “desafiasse” os líderes do PMDB, notadamente Bezerra e Dante de Oliveira, para
disputarem, com ele, a eleição de senador.296
O PMDB elegera 41,76% das prefeituras, contra 32,97% do PFL, em 1988297. No entanto,
como os mandatos dos prefeitos iam até 1992, eles conviveriam com o sucessor de Bezerra por quase
dois anos. O situacionismo típico dos prefeitos recomendava que eles mudassem de partido ou
manifestassem apoio ao candidato favorito, já que dependiam muito de recursos e obras estaduais,
bem como de emendas dos parlamentares estaduais e federais, cujas bancadas são coordenadas pelo
governador. Este dado permite problematizar a “alternância” entre os grupos políticos no comando
político do Estado, já que as bases permaneciam paradas, sempre filiadas ao partido vencedor, antes
ou depois das eleições. Apenas alguns quadros na cúpula se mantinham fieis e aguardavam as
próximas rodadas.
O PMDB experimentou nessa eleição todas as dificuldades para definição de um candidato
a governador. Apresentaram-se o senador Márcio Lacerda, que estava no meio do mandato, o prefeito
de Alta Floresta, Elói de Almeida, e o ex-prefeito de Rondonópolis e secretário de fazenda do governo
Bezerra, Fausto Faria. Dante de Oliveira, ex-prefeito de Cuiabá e trabalhado como candidato natural
do PMDB, em 1990, estava rompido com o governador Bezerra pelas dificuldades de
relacionamento que tiveram, o desgaste experimentado pelo governo em Cuiabá e as reformulações
por que passava o PMDB em nível nacional, com a saída de quadros para outros partidos298. Edison de
Freitas destacou que Dante preferiu migrar para o PDT, porque estaria sentindo falta de espaço no
PMDB, tanto em nível estadual quanto nacional, que pretendia buscar no futuro.

294
. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 22/10/1987 e Diário de Cuiabá, Cuiabá, 16/10/1987.
295
Interesse pela filiação no PFL está aumentando em Mato Grosso. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 07/01/1990.
296
Júlio Campos: o mais citado para o Senado. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 10/01/1990; Júlio Campos desafia novamente Dante e
Bezerra a se lançarem ao Senado. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 20/06/1990. Júlio renova o desafio ao ex-governador. Diário de
Cuiabá, Cuiabá, 20/06/1990.
297
Tribunal Regional Eleitoral – MT. Eleições Municipais 1988. Cuiabá, 1988.
298
Bezerra coordenará recuperação do PMDB. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 13/01/1990. Só dois nomes estão certos para disputa
pelo Governo do Estado. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 13/01/1990. Lacerda decide se retirar da prévia. Diário de Cuiabá,
Cuiabá, 01/02/1990. Prévia para governo em cena no PMDB. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 01/02/1990. Dois nomes se
destacam na disputa pela vaga no PMDB. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 07/02/1990.

192
Havia também comentários sobre uma eventual candidatura a governador do ex-senador e
então chefe da casa civil Gastão Müller e, portanto, da realização de uma prévia interna entre os pré-
candidatos. No entanto, Carlos Bezerra e seu grupo mais próximo vinham articulando a candidatura
do presidente do Bemat, Agripino Bonilha, que teria feito um bom trabalho na recuperação do banco e
tinha bom relacionamento com o empresariado. Para Antero Paes de Barros, “Bonilha não era
candidato a governador, o Levi Machado que era candidato a presidente do Bemat”. As prévias,
portanto, foram abortadas e Gastão Müller pediu exoneração da casa civil. Para o próprio Bonilha,
Bezerra considerava a vitória do candidato governista muito difícil naquela eleição e por isso pensou
nele como um nome neutro e que não se tornaria uma ameaça no interior do PMDB. Ele trabalharia
com a famosa tese da alternância com o grupo dos Campos.
No entanto, pelo fato de Bonilha não pertencer ao quadro histórico do PMDB e ter ocupado
posições de destaque na Arena e PDS, sua candidatura não foi bem aceita pelo partido. Este fato,
somado ao ceticismo que havia sobre a sua capacidade de enfrentar o favoritismo de Jayme Campos,
transformou a sua candidatura em mais um complicador para o PMDB. Carlos Bezerra, que
renunciara ao governo do Estado com o objetivo de se candidatar à Câmara dos Deputados, se viu
pressionado pela militância a se candidatar ao Senado, contra Júlio Campos, para estruturar melhor a
chapa majoritária e trazer apoio político para a candidatura de Agripino Bonilha para governador.
Márcio avaliou que:

Na eleição de 90, ainda no impacto do efeito Collor, achavam que tinha que tirar
político, aí inventaram a candidatura do Bonilha, Bezerra, com Edson. Que foi a
maior burrada política da minha vida. [...] O erro não é deles, o erro foi meu.
Claro !!! Eu tinha que ter ido pra convenção. Mas aí por comodismo. Eleição pra
perder. Toda a estrutura do partido querendo inventar, eu vou meter minha cara
pra quê, de gaiato. Porque se eu fosse candidato, claro que o PMDB se alinharia
mais com uma candidatura histórica ligada ao PMDB, do que o Bonilha, que
tinha sido do PDS, tinha sido candidato a deputado estadual e não se elegeu. [...]
Só que a candidatura do Bonilha, não passou pra dentro do partido, ninguém
aceitava. Aí o feitiço virou contra o feiticeiro. Aí o pessoal do partido veio pra
cima do Bezerra, que o Bezerra era candidato a deputado federal. Não você vai
ter que ser candidato a senador. [...] Aí o Bezerra foi obrigado a ser candidato a
senador, pra que? Pra ele puxar o partido. (16/08/2006, entrevista)

A agitação nesta campanha veio do deputado estadual Antônio Amaral, então presidente da
Assembleia Legislativa, domiciliado em Pontes e Lacerda e filiado ao PRN. Ele era contrário ao
apoio do PRN à candidatura de Jayme Campos e queria ser candidato a governador. Reivindicava
que, uma vez filiado ao PRN, teria o apoio do presidente Fernando Collor e que a sigla lhe garantiria a
vitória. Cogitava uma aliança com o PDS, em torno dos nomes de Ludovico da Riva (que faleceu num
hospital em Goiânia, vítima de acidente aéreo em março de 1990), do próprio Ariosto da Riva e do
empresário rural Olacyr de Moares, chamado na época de “Rei da Soja”.

193
Ariosto chegou a ser cogitado para ocupar o Ministério da Agricultura no governo Collor.
Amaral declarou-se candidato e figurou nas pesquisas de intenção de voto (sempre com resultados
inferiores a 10%), e contava com o apoio do então presidente da Fiemt, Ary Wojcik. A imprensa
depois revelou que Amaral mantinha a sua candidatura em busca de uma negociação pela vaga de
vice de Jayme Campos, uma vez que ele representava a região da Grande Cáceres, que se sentia
desprestigiada na chapa majoritária. No final, Amaral ficou falando sozinho e não conseguiu que seu
partido indicasse nem um vice na sua chapa. O PRN acabou definindo apoio a Jayme Campos299.
A imprensa comparou Jayme Campos, durante a campanha, com o presidente Fernando
Collor, pela origem empresarial de ambos (Jayme sempre destacava o trabalho no comércio de sua
família) e pelo discurso centrado na moralização de costumes políticos e modernização do Estado.
Jaime negava as semelhanças, embora mantivesse um discurso parecido, ao dizer que pretendia
reorganizar a vocação econômica do Estado, interiorizar a Administração Pública e melhorar o
atendimento à população. Jayme Campos afirmava também que Mato Grosso precisava de um bom
gerente, um administrador, como ele próprio se considerava. Negava o rótulo de candidato da
“direita” e dizia também que o sonho de governar o Estado era antigo300.
Após uma campanha em que manteve seu favoritismo, mesmo não comparecendo aos
debates na televisão, Jayme Campos foi eleito em primeiro turno, com 401.005 votos (66,9% dos
válidos), contra 83.053 (13,8%) de Agripino Bonilha Filho (PMDB), 75.685 (12,6%) de Luiz
Scallope (PT) e 32.615 (5,4%) de Luiz Soares (PSDB), para citar apenas os mais expressivos. Na
eleição de senador, em que apenas a vaga de Roberto Campos estava em disputa, Júlio Campos foi
eleito para o período 1991-1999, com 331.212 votos (60.68% dos válidos), contra 136.238 de Carlos
Bezerra (24,96%) e 50.986 de Moisés Martins (9,86%). Na bancada estadual foram eleitos 18
deputados, com destaque para os três mais bem votados, Roberto França, Moisés Feltrin e Nereu
Botelho de Campos. Feltrin e Botelho foram candidatos a prefeito dos seus respectivos municípios,
em 1992, com uma derrota de Feltrin para Carlos Bezerra em Rondonópolis e uma vitória de Nereu
Botelho em Várzea Grande.
Com a candidatura de Bezerra a senador, a chapa proporcional do PMDB passou a ter
problemas. Como houve a fragmentação dos seus principais quadros, havia o risco de não atingir o
quociente eleitoral mínimo exigido para cada coligação (90.439 votos). E foi o que aconteceu. A
coligação da Frente Popular, que apoiava a candidatura a governador de Luiz Scallope e reunia PDT e
PT, teve 80.941 votos. Destes, 49.886 foram dados a Dante de Oliveira e 5.476 a Antero Paes de
Barros, que estava no PT. Dante de Oliveira foi o mais votado em todo o Estado, com 36.078 votos

299
PRN decide lançar candidato próprio ao governo de MT. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 11/02/1990; Amaral: Collor não apoiará
candidatos. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 24 e 25/02/1990; Amaral diz que sigla do PRN garante vitória contra Jaime. Diário de
Cuiabá, Cuiabá, 06/03/1990; PRN confirma coligação com PDS para disputar governo do Estado Diário de Cuiabá, Cuiabá,
10/03/1990; Diário de Cuiabá, Cuiabá, 20/06/1990; Da Riva morre e PDS mudará de tendência. Diário de Cuiabá, Cuiabá,
15/03/1990; Wojcik declara Amaral candidato do PRN. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 19/04/1990; PRN confirmará apoio a
Jaime. A Gazeta, Cuiabá, 08/08/1990.
300
Jaime não quer semelhanças com Collor. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 19/04/1990; O que falta em Mato Grosso é um
administrador, um gerente. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 29/04/1990; Jaime: sonho de governar MT é antigo. Diário de Cuiabá,
Cuiabá, 01/05/1990.

194
apenas em Cuiabá. A coligação do PMDB alcançou 66.058 votos, com destaque para o deputado
estadual José Lacerda, com 21.059 votos. A coligação do PSDB, que apoiou a candidatura de Luiz
Soares a governador, teve 1.599 votos.
Como a coligação PFL/PDS obteve 278.378 votos, conseguiu três vagas e ficou com 7.061
votos de sobra, que lhe garantiram as demais cinco cadeiras. Se as duas coligações estivessem juntas
(PDT/PT + PMDB), eles teriam alcançado 146.999 votos, o que garantiria uma vaga pelo quociente
eleitoral e mais duas no rateio das sobras. Dante de Oliveira, José Lacerda e Antero Paes de Barros teriam
sido eleitos no lugar de Manuel Antônio Rodrigues Palma, Oscar Travassos e José Augusto Curvo.
Na bancada estadual, a situação foi semelhante, com um quociente eleitoral de 30.744
votos. A coligação do PMDB atingiu 70.147 votos, o que lhe garantiu duas vagas e mais uma com a
sobra (Hermes de Abreu, Jair Benedetti e Joemil Araújo). O PDT/PT teve 60.700 e conseguiu também
três vagas (Wilson Santos, Serys Marly Slhesarenko e Antonio Porfirio de Brito). A coligação
PDS/PFL/PTB/PL obteve 306.827 votos, o que lhe garantiria nove vagas, mas com o saldo
conseguiram atingir 15 cadeiras. Somadas com mais três da coligação PDC/PRN, formaram a
bancada de 18 deputados, com ampla maioria301.
Portanto, a grande vitória deste grupo do PFL na eleição de 1990 veio na bancada federal,
quando conseguiram eleger todos os deputados federais. O destaque foi para o deputado Jonas
Pinheiro (mais votado dos eleitos), que obteve seu terceiro mandato e se qualificou para postular uma
candidatura majoritária em 1994; o ex-governador Wilmar Perez, que retornou pelo PL, e Wellington
Fagundes, que contava então com 33 anos de idade e fora secretário de planejamento da Prefeitura de
Rondonópolis, na gestão de Hermínio Barreto (1989-1993). Wellington teve sua candidatura
articulada por Júlio Campos e o ex-senador Canellas, para dificultar a vida de Bezerra em sua base e
formar uma nova liderança política, herdando o espólio de Zanete Cardinal, Ricardo Corrêa e Afro
Stefanini302.
Cabe registro também, nas eleições de 1990, a candidatura de Luiz Soares a governador
pelo PSDB. O partido fora recém-fundado (1988) e, com o emagrecimento do PMDB, que
caracterizou o final do mandato de Bezerra, e a gestão de Edison de Freitas, Luiz Soares optou por ir
para o PSDB. Houve ainda a tentativa de formar uma frente de centro-esquerda, que reunisse PSDB,
PT e PDT303. No entanto, as negociações foram difíceis porque o PT não queria renunciar à
candidatura própria, conforme orientação nacional, mesma postura do PSDB. As controvérsias em
torno de quem seria o candidato a governador (Luiz Scallope, Dante de Oliveira, Luiz Soares)
também foram um complicador para a formação da frente304.

301
Tribunal Regional Eleitoral-MT. Resultado Governador 1990.
302
Tribunal Regional Eleitoral – MT. Resultados Eleição 1990. Cuiabá, 1990.
303
PSDB defende ampla discussão. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 09/02/1990; Lula estimula frente de esquerda em MT. Diário de
Cuiabá, Cuiabá, 07/03/1990; Esquerda se reúne para definir contornos da frente partidária. Diário de Cuiabá, Cuiabá,
01/04/1990; Esquerda irá unida para a eleição. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 01/04/1990.
304
Frente vai propor a vice e o senado ao PSDB. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 13/04/1990; Scaloppe é rejeitado por Santos. Diário de
Cuiabá, Cuiabá, 05/04/1990. Frente Popular é consolidada. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 18/04/1990; PSDB se define por Luiz
Soares ao governo . Diário de Cuiabá, Cuiabá, 08/05/1990; Dante desiste de candidatura ao senado. Diário de Cuiabá,
Cuiabá, 09/05/1990.

195
Pelas dificuldades decorrentes da pequena estrutura partidária e dos poucos recursos
financeiros levantados, a votação de Luiz Soares nesta eleição ficou restrita àqueles municípios que
já eram seus redutos eleitorais nas duas vitórias para deputado estadual (1982 e 1986). Cerca de 80%
de seus votos vieram de apenas cinco municípios (Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, Alto
Garças e Barra do Garças). Apenas em Cuiabá, ele obteve 20.457 votos (62,5%), num resultado
superior ao candidato do PMDB (Agripino Bonilha), o que lhe posicionou em terceiro lugar na
disputa na capital305.
As razões que levaram Luiz Soares a buscar uma alternativa fora do PMDB podem ter sido
as mesmas de Dante de Oliveira, diante da guinada à direita que o partido sofreu no governo Sarney
(1985-1990) e o consequente afastamento do eleitorado dos grandes centros urbanos. Os resultados
eleitorais municipalizados de 1990 apontam para uma tendência de crescimento do voto em Luiz
Soares (PSDB) e Luiz Scallope (PT) nos municípios de maior eleitorado, enquanto Jayme Campos e
Agripino Bonilha mantiveram preferências estáveis. Quer dizer, quanto maior o município, maior a
tendência de votar no PT e PSDB. O fato de a base política de Luiz Soares como deputado estar
concentrada em Cuiabá e Várzea Grande, ajuda explicar seu comportamento. Quer dizer, como a
maioria do seu eleitorado estava nos municípios maiores, Luiz Soares percebeu o desgaste do
governo Bezerra e capitalizou o sentimento dos descontentes.
O governo Jayme Campos (1991-1994) ficou marcado pelos reflexos do Plano Collor em
Mato Grosso, tanto na crise enfrentada pela agropecuária, quanto pelas reformas introduzidas no
aparelho do Estado e a deterioração do quadro fiscal. Araújo (2005b) descreveu que Jayme Campos
realizou várias fusões e incorporações de entidades da administração indireta (fundações, autarquias,
empresas públicas e sociedades de economia mista) e colocou na pauta a privatização da
concessionária de energia do Estado (Cemat) e do banco estadual (Bemat), que tiveram dificuldade
para prosseguir em seu mandato. Os destaques de sua gestão foram, portanto, os acordos de
renegociação das dívidas estaduais (codificado pela lei federal 8.727 de 1993); os efeitos do Plano
Collor para a agropecuária, como a securitização da dívida dos produtores rurais e o Plano de
Modernização da Agropecuária, com ênfase na regionalização, diversificação e industrialização da
produção; ampliação da oferta de educação básica, com investimentos em 300 novas sala de aula e
24.000 vagas até 1992; a transformação da Fundação de Ensino Superior em Universidade de Mato
Grosso (Unemat) e 17 novas unidades hospitalares (mais 275 novos leitos)
A mensagem encaminhada à Assembleia Legislativa, contendo relatório do exercício de
1992, expressava este ambiente ao dizer que:

A crise financeira e institucional que se instalou no país, nos últimos anos, tem
repercutido severamente na administração estadual. No entanto, como já
dissemos anteriormente, essas dificuldades não nos arrefecem o ânimo e o
otimismo de buscar o equilíbrio das finanças e de prosseguir na luta pelo
desenvolvimento de Mato Grosso.306.

305
Tribunal Regional Eleitoral-MT. Resultado Governador 1990.
306
Governo do Estado de Mato Grosso. Mensagem do Poder Executivo para a Assembleia Legislativa (exercício de 1992). Cuiabá,
1993.

196
Além de vice-governador, Osvaldo Sobrinho assumiu a secretaria de educação no mandato
de Jayme Campos (1991-1994), por sua condição de professor e experiência anterior. Sobrinho ficou
responsável na Seduc pela polêmica reversão da gestão democrática implantada no mandato de
Carlos Bezerra, que instituía medidas de maior participação da sociedade na escola e eleição dos
diretores pela comunidade (pais, alunos, professores). Isso retirava das negociações clientelísticas
um conjunto muito grande de cargos. Foi um processo muito tenso e marcado por disputas judiciais.
O resultado é que apenas na primeira gestão de Dante de Oliveira (1995-1998), a democratização foi
retomada nos marcos anteriores307.
A passagem de Fernando Collor pela presidência da república teve como traços mais fortes
as medidas radicais tomadas para estabilizar a economia e elevar sua produtividade, pela maior
exposição à competição internacional, com liberalização do comércio e dos fluxos financeiros; a
relação tensa e conflitante com o Congresso Nacional, reflexo de sua campanha e postura
governamental antipartidos, bem como seu estilo centralizador; e, por fim, o escândalo de corrupção
que acabou proporcionando um processo de impeachment e a sua posterior renúncia ao mandato,
como relatou Brum (2000).
O vice-presidente Itamar Franco (não atingido pelas acusações de corrupção feitas ao
presidente) assumiu o cargo de forma interina, em 29/10/1992, até que terminasse o julgamento do
processo de impedimento do titular. Com a renúncia, foi efetivado na presidência. Seu curto
mandato (1992-1995) ficou caracterizado pela CPI do Orçamento, que fragilizou o Congresso
Nacional, e pelo agravamento da crise econômica, com várias trocas de ministros da fazenda, até que
o senador Fernando Henrique Cardoso aceitasse o posto, saindo do Itamaraty, para Dimenstein &
Souza (1994).
Com a ascensão de Fernando Henrique Cardoso ao cargo de ministro da fazenda, ele se
tornou uma espécie de coordenador político ou “primeiro-ministro informal”, como denominou
Abrúcio (2005), e pôde articular um novo plano de estabilização em bases diferentes dos anteriores.
Com o Plano de Ação Imediata (PAI) e, num segundo momento, o Plano Real, Fernando Henrique
pôde preparar também uma agenda congressual na Revisão Constitucional de 1993/1994 e uma
maioria favorável às reformas de orientação liberalizante.
Com base em seu trabalho como ministro da fazenda e confiante no êxito do Plano Real,
cuja fase de troca da moeda se daria em 01/07/1994 (já no calendário eleitoral), Fernando Henrique
foi lançado candidato à presidência pelo PSDB, com o também senador Marco Maciel (PFL-PE), na
vaga de vice e o apoio do PTB. Seu adversário foi Luiz Inácio Lula da Silva, candidato pelo PT pela

307
O próprio Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso (Sintep) definiu a passagem de Osvaldo Sobrinho
pela Seduc da seguinte forma: “O governo Jayme Campos caracteriza-se, em termos de políticas educacionais, por um
intenso refluxo na prática da Gestão Escolar, um esfacelamento da jornada profissional, vivendo-se sob o signo da
“inconstitucionalidade” da intervenção direta na Gestão com indicação de diretores, superintendentes, culminando no
desastre (felizmente) a candidatura do Secretário de Educação, Oswaldo Sobrinho”. Para maiores informações leia Sintep.
Cadernos de Educação do Sintep-MT. Nº 3, 2º Edição, 1997 e ABICH, Lourivaldo. Organização dos Professores e a
Implantação da Gestão Democrática nas Escolas Estaduais de Mato Grosso. Dissertação apresentada no programa de
mestrado em Educação do IE/UFMT. Cuiabá, 1998.

197
segunda vez e, agora, favorito nas pesquisas de intenção de voto308. Pela falta de outra candidatura
forte no eixo de centro-direita, Fernando Henrique se tornou a primeira opção do eleitorado antiLula.
Com a entrada em vigor do Plano Real, seus números de intenção de voto cresceram e trocaram de
posição com Lula, garantindo-lhe a vitória em 1º turno309.
Nas eleições municipais de 1992, em Mato Grosso, o PFL e o PTB conseguiram aumentar o
número de prefeitos eleitos em conjunto, de 38,46%, para 52,99%, tornando-se majoritários. Como
72,3% da votação de Dante de Oliveira para deputado federal, em 1990 se concentrou em Cuiabá, ele
passou a liderar a oposição a Jayme Campos e se tornou candidato natural a governador em 1994,
pelo PDT. Antero Paes de Barros destacou que a candidatura de Dante de Oliveira a prefeito, em
1992, se deu em função da postura do então deputado estadual Wilson Santos, que manifestou a sua
postulação no mesmo sentido. O acordo entre os grupos era para que Roberto França fosse o
candidato de oposição a Frederico Campos para a Prefeitura, Dante de Oliveira a governador, em
1994, e Wilson Santos para prefeito na eventual sucessão de Roberto França, em 1996. Com o
posicionamento de Wilson Santos, Dante de Oliveira temeu um racha nas oposições com duas ou
mais candidaturas, a exemplo do que ocorrera em 1988 e resolveu ser candidato para buscar a
unidade dos grupos.
Desta forma, ficou natural a candidatura de Roberto França à Prefeitura, em 1996, em
particular depois da grande votação obtida para a Câmara dos Deputados em 1994. A capital manteve
a sua tradição oposicionista e elegeu o ex-prefeito Dante de Oliveira, na sucessão de Frederico
Campos, derrotando o empresário radicado em Várzea Grande, Murilo Domingos, vinculado a
Jayme Campos, ainda no primeiro turno, com 68,21% dos votos contra apenas 21,94% do principal
adversário310. Desta forma e pela condição de ex-ministro e o bom trânsito federal, se tornou o
candidato natural a governador das forças que faziam oposição a Jayme Campos.
Havia um acordo, em 1990, que condicionava o apoio do grupo do PP e a indicação do vice
ao apoio de Jayme Campos, caso fosse eleito, à candidatura de Louremberg à sua sucessão em
1994311. Osvaldo Sobrinho vinha articulando a sua candidatura a governador junto às bases, valendo-
se da posição de vice-governador e secretário de educação. A candidatura de Osvaldo Sobrinho
enfrentou muitas dificuldades, em função do constante favoritismo de Dante de Oliveira e da imensa
frente partidária que se formou em torno dele (PDT, PMDB, PSDB, PT, PSB, dentre outros). O
próprio Jayme Campos admitiu para a imprensa dificuldades na articulação da candidatura de
Osvaldo Sobrinho. Neste intervalo, houve uma denúncia de recebimento de propina (que Júlio
Campos denominou de “Caso Irene”), que dificultou a consolidação da candidatura de Louremberg à

308
As pesquisas de intenção de voto no período pré-eleitoral apontavam uma vantagem muito grande de Lula diante dos demais
candidatos. A pesquisa do instituto Datafolha de 03/05/1994 trazia 42% para Lula e 16% para Fernando Henrique Cardoso, os
dois principais candidatos. Alguns autores, como SINGER (1999), entendem que este favoritismo de Lula facilitou a
articulação das forças políticas de centro e direita em torno de Fernando Henrique ainda no primeiro turno, com a retirada de
outros candidatos nesta faixa, como Antônio Carlos Magalhães (PFL), Paulo Maluf (PPR) e Antônio Brito (PMDB).
309
Fernando Henrique teve 34.377.198 votos (54,3% dos válidos) e Lula 17.126.191 (27% dos válidos). Para mais dados leia
Singer, André. Esquerda e Direita no Eleitorado Brasileiro. São Paulo: EdUSP, 1999.
310
Tribunal Regional Eleitoral – MT. Resultados Eleição 1992. Cuiabá, 1992.
311
União pressiona Louremberg sobre sua candidatura. A Gazeta, Cuiabá, 25/01/1994.

198
sucessão de Jayme Campos, conforme acordado312. Aqui, o trecho de uma notícia veiculada na página
do STJ quando do arquivamento do processo contra Jayme Campos:

Em julho de 1992, Irene Ferreira de Oliveira, da empresa Hidrapar, recebeu 300


milhões de reais do governo do estado, em decorrência de uma dívida. Para receber,
alega que teve que pagar comissão. Entregou, em mão, três cheques no valor de R$ 25
mil cada ao comitê de campanha do PTB mato-grossense. Dois destes cheques foram
parar na conta do chefe partidário à época, o senador Louremberg Nunes Rocha. Para
apurar as denúncias de irregularidade, foi aberto um inquérito no Supremo Tribunal
Federal, que acabou sendo arquivado por prescrição de prazo. Contudo, Irene Ferreira
continuou afirmando que além de Louremberg Rocha, Jayme Campos também estaria
envolvido no esquema de corrupção. Movimentações bancárias de outros possíveis
envolvidos no esquema também foram investigadas, mas em nenhuma delas ficou
constatada qualquer transferência de valores para o ex-governador. Sem provas que o
incriminassem e com o prazo já prescrito, o ministro decidiu pelo arquivamento do
inquérito313.

Um dos maiores problemas foi encontrar um candidato para vice, um indicativo da pouca
confiança na vitória de Sobrinho entre seus próprios aliados. Foram cogitados os deputados federais
Augustinho Freitas, Wellington Fagundes, Oscar Travassos e também a ex-vice-prefeita de Cuiabá
Bia Spinelli314. Houve comentários, inclusive, de renúncia da candidatura de Sobrinho, com
substituição do deputado federal Rodrigues Palma, pela dificuldade para levantamento de fundos
para a campanha. Sobrinho exigiu aporte imediato de US$ 4 milhões de dólares e respaldo financeiro
do Banco Bamerindus, cujo proprietário era presidente nacional do PTB (José Andrade Vieira)315.
Contudo, a grande estrela deste grupo, na campanha de 1994, foi Roberto França. Ele era
apontado como favorito na candidatura ao Senado, por sua condição de deputado estadual mais bem
votado, pela segunda vez, em 1990 e cogitado para a Prefeitura de Cuiabá em 1992. A frente liderada
por Dante de Oliveira reservava-lhe uma das vagas, pois França estava filiado ao PSDB, nesta época,
deixando a outra para a negociação com o PMDB316. A despeito deste favoritismo, França desistiu de
sua candidatura a senador a dez dias da convenção, alegando poucos recursos financeiros para a
campanha e dificuldade de consolidar seu nome fora de Cuiabá e municípios circunvizinhos. Em
troca, optou por concorrer a uma cadeira na Câmara dos Deputados317. A sua renúncia abriu uma crise

312
Governador admite que falta apoio a Sobrinho. A Gazeta, Cuiabá, 08/05/1994.
313
http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=65480. Acessado em 03/08/2007.
314
Desistências podem fazer de Bia vice de Sobrinho. A Gazeta, Cuiabá, 14/05/1994.
315
União discute hoje futuro da candidatura Sobrinho. A Gazeta, Cuiabá, 22/05/1994.
316
Roberto França é o líder absoluto na disputa pelo Senado. A Gazeta, Cuiabá, 31/12/1993 a 02/01/1994; Dante prefere França na
vaga para senador. A Gazeta, Cuiabá, 14/01/1994; Candidatura de França ao Senado terá apoio do PT. A Gazeta, Cuiabá,
22/05/1994; França mantém liderança para Senado. Pinheiro é o segundo. A Gazeta, Cuiabá, 03/04/1994; Manifesto defende a
candidatura de França ao Senado. A Gazeta, Cuiabá, 05/05/1994. Candidatura França é consenso. A Gazeta, Cuiabá,
08/05/1994.
317
França desiste de disputar o Senado. A Gazeta, Cuiabá, 20/05/1994; França desiste do Senado e vai concorrer à Câmara. A
Gazeta, Cuiabá, 20/05/1994.

199
na Frente sobre o nome do substituto, marcada por idas e vindas que só foram encerradas na
convenção, quando Dante de Oliveira apresentou Antero Paes de Barros como candidato318.
Antero lembrou que Roberto França era candidato ao senador em 1994, mas pediu uma
ajuda em dinheiro a Dante de Oliveira para a campanha, visando confirmar sua candidatura. Dante de
Oliveira negou e Roberto França recuou. Na madrugada do dia da convenção, Dante de Oliveira
buscou Antero em casa para pedir a sua candidatura a senador. Antero hesitou, mas acabou
convencido por Dante de Oliveira, quando este recebeu a informação que só poderia informar a chapa
completa na convenção e colocou a sua candidatura nas mãos de Antero. Três dias depois da
convenção, pediram para que Antero retirasse a candidatura em favor do deputado estadual Ricarte
de Freitas. Ele recusou e manteve a sua candidatura.
Roberto França foi eleito como o deputado federal mais bem votado, com 108.127 votos,
contra 36.170 do segundo colocado (Antônio Joaquim)319. Sua votação chegou à metade dos
candidatos a senador, que ficaram na faixa de 250.000 a 280.000 votos. Montado neste resultado,
França candidatou-se à Prefeitura de Cuiabá, em 1996, na sucessão do seu colega de partido José
Meirelles (vice-prefeito de Dante de Oliveira, que assumiu após a renúncia do titular, para concorrer
a governador do Estado em 1994). Roberto França foi eleito em primeiro turno, com 56,36% dos
votos válidos, contra 19,32% de Joaquim Sucena e 19,16% de Bia Spinelli. Com a nova condição de
prefeito e a filiação de Dante de Oliveira ao PSDB, em 1997, França se tornou um personagem central
nas eleições de 1998.
Em 1994, Jayme Campos resolveu permanecer como governador até o final do mandato,
embora seu governo apresentasse indicadores razoáveis de aprovação, alegando que não gostaria de
trair o eleitor e renunciar aos mandatos populares que recebeu. Ele chegou a ser posicionado em
primeiro lugar dentre os possíveis candidatos a senador, numa pesquisa feita apenas em Cuiabá, com
31% das intenções de voto. Júlio Campos não poderia concorrer a nada (pela relação de parentesco
com o governador) e o deputado Jonas Pinheiro vinha de uma boa votação para deputado federal em
1990 (mais votado dos eleitos), com votos bem distribuídos em quase todo o Estado. Em função
disso, Jonas saiu candidato ao Senado e Jayme cumpriu o acordo feito com o grupo do PP, de que o
candidato a governador seria Louremberg Nunes Rocha320.
A imprensa da época chegou a falar que Louremberg foi “fritado” pela sua própria
coligação e ele mesmo apontou que Osvaldo Sobrinho estava “enfeitiçado” pela força da Secretaria
de Educação e achava que tinha a bancada estadual e os prefeitos na mão. Júlio Campos destacou que
Sobrinho se candidatou sabendo, desde o começo, que perderia para Dante de Oliveira, que vinha
numa situação de grande favoritismo, e que Jonas Pinheiro não quis disputar a vaga de governador,
porque não tinha perfil para Executivo.

318
Fim da crise na Frente: França disputa o Senado. A Gazeta, Cuiabá, 20/05/1994; Dante quer fim da oligarquia. A Gazeta,
Cuiabá, 31/05/1994.
319
Resultados disponíveis na página do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso na internet www.tre-mt.gov.br.
320
Ibope mostra preferência do eleitorado por Dante. A Gazeta, Cuiabá, 31/12/1993 a 02/01/1994; Roberto França é o líder
absoluto na disputa pelo Senado. A Gazeta, Cuiabá, 31/12/1993 a 02/01/1994.

200
No começo de 1994, Júlio Campos declarou para a imprensa que seria o candidato a
governador do PFL, em 1998, aproveitando para lançar sua esposa, Isabel Campos, para a Prefeitura
de Cuiabá e Jayme Campos para a Prefeitura de Várzea Grande, em 1996. Por esta sua fala, é possível
deduzir que, primeiro, ao se fixar nas próximas eleições, ele considerava a disputa de 1994 muito
parecida com a de 1986, quer dizer, quase perdida para Dante e Bezerra. Segundo, havia uma disputa
interna entre os irmãos e quando os prefeitos pediram a Jayme que retornasse em 1998, ele afirmou
que Júlio Campos seria o candidato321.
A atuação de Osvaldo Sobrinho na campanha centrou-se em desestabilizar, por meio da
fragmentação, a ampla frente de partidos que se formava ao redor da candidatura de Dante de
Oliveira. Sobrinho focalizou, portanto, as dissidências na candidatura de seu adversário, em
particular o ex-governador e agora prefeito de Rondonópolis, pela segunda vez, Carlos Bezerra e o
PSDB, por conta do alinhamento nacional. Junto com os deputados Jonas Pinheiro e Rodrigues Palma
e o senador Louremberg, Sobrinho procurou estimular a candidatura própria do PMDB a governador,
já que o partido tinha o ex-governador de São Paulo, Orestes Quércia, na candidatura presidencial.
Como Bezerra era muito próximo a Quércia, estas conversações avançaram. O objetivo seria rachar o
eleitorado e empurrar a eleição para o segundo turno, em que qualquer um que disputasse contra
Dante de Oliveira teria o apoio do outro322.
Este movimento potencializava as dificuldades enfrentadas pela Frente, que eram: 1 -
Indefinição da candidatura de Roberto França a senador, que arrastava o PSDB; 2 - Sobre a
candidatura a reeleição do senador Márcio Lacerda; 3 – As disputas para escolher o vice na chapa de
Dante de Oliveira (Elói de Almeida, Pedro Satélite, Hermes de Abreu) que tumultuavam o PMDB; e 4
- A ameaça do PT em lançar candidato próprio, caso Bezerra concorresse a senador. Bezerra era
repudiado também pelos partidos que compunham uma “frentinha” (PSC, PMN, PPS, PV, PSB). O
próprio senador Júlio Campos e o candidato Osvaldo Sobrinho admitiram para a imprensa que seu
grupo estava negociando com Bezerra.
A chapa majoritária acabou acomodando a “tríplice aliança” do PMDB e ficou com Dante
de Oliveira como candidato a governador, Márcio Lacerda a vice, Carlos Bezerra numa vaga de
senador e Antero Paes de Barros na outra vaga, em função da desistência de Roberto França para
concorrer à Câmara dos Deputados. Depois de muita discussão sobre o vice na chapa de Osvaldo
Sobrinho foi escolhido o médico Filinto Corrêa que fora Secretário estadual de Saúde na gestão de
Jayme Campos. Como Dante de Oliveira manteve seu favoritismo durante todo o período eleitoral, as
emoções nesta eleição vieram da corrida ao Senado323.

321
Isabel Campos candidata em 1996. A Gazeta, Cuiabá, 07/01/1994. prefeitos querem Jaime para Governador em 1998. A Gazeta,
Cuiabá, 04/09/1994.
322
Bezerra rompe com a Frente e anuncia candidatura a governo . A Gazeta, Cuiabá, 04/03/1994; União discute apoio a Carlos
Bezerra. A Gazeta, Cuiabá, 08/04/1994; União vinculará sua candidatura a do tucano Cardoso. A Gazeta, Cuiabá, 04/09/1994;
Quércia lançará Bezerra como candidato do PMDB. A Gazeta, Cuiabá, 04/09/1994. Sobrinho quer apoio do PSDB. A Gazeta,
Cuiabá, 08/06/1994.
323
PT ameaça lançar candidato próprio. A Gazeta, Cuiabá, 26/03/1994; Márcio e Elói disputam indicação para vice. A Gazeta,
Cuiabá, 12/04/1994; Bezerra enfrenta resistências para disputar o Senado. A Gazeta, Cuiabá, 07/05/1994; França desiste de
disputar o Senado. A Gazeta, Cuiabá, 20/05/1994. Júlio admite entendimento da União com o PMDB. A Gazeta, Cuiabá,
20/05/1994; Bezerra articula apoio da União; Sobrinho confirma as negociações. A Gazeta, Cuiabá, 07/04/1994.

201
Não podia faltar nesta eleição a conhecida troca de farpas verbais públicas entre os
protagonistas. O governador Jayme Campos aproveitou a boa aprovação que sua gestão ainda
apresentava no último ano de mandato e participou da campanha, dirigindo acusações a Dante de
Oliveira, nas quais dizia que ele nunca exercera sua profissão de engenheiro civil (seria um
“embusteiro”) e teria deixado a Prefeitura de Cuiabá numa situação difícil. Tomou ainda algumas
medidas de efeito, como congelamento dos salários de todo o Secretariado e se queixava do governo
do PMDB que lhe antecedeu. Dante de Oliveira respondia com críticas a Jayme Campos e chegou a
mostrar uma certidão do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA) que atestava a sua
assinatura como responsável técnico em quase 30 projetos de engenharia. Às críticas sobre a
Prefeitura, Dante de Oliveira respondeu com um convite ao governador para visitar as obras
inauguradas em seu mandato324.
As eleições em que duas vagas estão em jogo costumam, pela tradição, ser mais
movimentadas do que aquelas em que apenas uma vaga é renovada. Assim foi em 1978, 1986, 1994 e
também 2002. Em 1994, os candidatos Jonas Pinheiro, Louremberg e Bezerra se mantiveram
empatados, em quase todo o período, com Antero Paes de Barros vindo mais atrás, por ter entrado por
último na disputa e vir de uma derrota para deputado federal em 1990, pelo PT. A retirada dos nomes
de Roberto França, Jayme Campos e Márcio Lacerda, que eram os mais cotados para concorrer no
princípio da campanha, embolou as intenções de voto. Havia também elevado número de indecisos,
como é também habitual em eleições para senador, em que o voto espontâneo vai se consolidando ao
longo da eleição. Dante de Oliveira passou a tratar Antero Paes de Barros como “seu” candidato a
senador, numa tentativa de transferir parte das suas intenções de voto325.
Esta prioridade dada por Dante de Oliveira, a ênfase que a campanha de Osvaldo Sobrinho
passou a dar para a eleição de senador e mais algumas denúncias que foram feitas contra Bezerra pelo
Jornal A Gazeta permitiram que Antero Paes de Barros se aproximasse e que qualquer um dos quatro
pudesse ser eleito. O próprio Bezerra apontou que estas denúncias ocorreram porque o 1º suplente na
chapa de Louremberg (“Dito da Triunfo”) era vinculado ao Grupo Gazeta de Comunicação e que
Antero Paes de Barros vinha trabalhando para que eles dois pudessem ser eleitos. Louremberg
manteve a ligação com Dante de Oliveira da eleição de 1986, em que Sebastião de Oliveira (Dr.
Paraná), seu pai, foi o 1º suplente.
A visita de Fernando Henrique Cardoso a Cuiabá, na sua primeira campanha presidencial,
foi cercada de polêmica, porque os dois candidatos reivindicavam a sua presença no palanque
estadual. Embora seu partido, o PSDB, estivesse na frente de apoio a Dante de Oliveira, o PFL e o
PTB, que compunham a sua coligação, estavam na candidatura de Osvaldo Sobrinho. O caso de
Dante de Oliveira era curioso, porque, em função do número de partidos que lhe apoiava, ele deveria

324
Dante não passa de um embusteiro. A Gazeta, Cuiabá, 08/05/1994; Jaime acusa Dante de ter deixado a Prefeitura quebrada. A
Gazeta, Cuiabá, 04/06/1994; A Gazeta, Cuiabá, 07/04/1994; Dante quer mostrar obras ao Governador. A Gazeta, Cuiabá,
07/04/1994; Dante apresenta certidão e desmente Jayme Campos. A Gazeta, Cuiabá, 07/04/1994. Jaime rebate críticas e ataca
seu antecessor. A Gazeta, Cuiabá, 24/08/1994.
325
Empate técnico para o Senado. A Gazeta, Cuiabá, 19/07/1994; Senado: empate técnico. A Gazeta, Cuiabá, 02/10/1994; Bezerra
aposta na vitória de Antero. A Gazeta, Cuiabá, 07/04/1994.

202
receber os quatro principais candidatos a presidente nesta eleição (FHC, Lula, Brizola e Quércia)326.
Fernando Henrique optou por manifestar apoio a Sobrinho em sua passagem por Mato Grosso, por
certo para não atritar com os aliados em nível nacional327.
Após a eleição, Antero Paes de Barros chegou a ser declarado vencedor, por 19 votos a mais
que Bezerra, e percorreu as ruas de Cuiabá numa carreata comemorativa. Entretanto, Bezerra
recorreu ao TRE contra uma urna de Nova Mutum, na qual perdeu cerca de 50 votos que foram
trocados com o candidato Manoel Novaes, o “Zebra”. Pela confusão de Zebra com Bezerra, ele
conseguiu reverter o resultado e foi apontado como vencedor na segunda vaga (a primeira ficara com
Jonas Pinheiro). Há comentários de que o senador Júlio Campos teria intervido na interrupção da
contagem de votos, para garantir a eleição de Jonas Pinheiro e Carlos Bezerra328.
O resultado final apontou 282.998 votos para Jonas Pinheiro (24,36% dos válidos), 281.885
para Carlos Bezerra (24,35%), 281.206 para Antero Paes de Barros (24,29%), 250.017 para Louremberg
Nunes Rocha (21,6%) e 62.487 para Manuel Novaes (5,4%). Dante de Oliveira foi eleito em primeiro
turno, com a maior votação da história do Estado até então em números absolutos e a maior de todos os
tempos em termos relativos (desconsiderando a República Velha, na qual eram candidatos únicos e as
fraudes eram uma rotina eleitoral). Dante de Oliveira obteve 471.104 votos (71,3% dos válidos), contra
167.072 de Osvaldo Sobrinho (25,3%) e 22.850 de Ivanildo de Oliveira (3,5%).
Apesar do mau resultado na eleição para governador, a bancada estadual elegeu 11
deputados da coligação que apoiou Osvaldo Sobrinho, com destaque para Romualdo Júnior (depois
eleito prefeito de Alta Floresta) e Humberto Bosaipo, liderança da região de Barra do Garças e
herdeiro político do ex-governador Wilmar Perez. A bancada federal ficou dividida pela metade, com
quatro vagas para cada grande coligação. Destaque para Rodrigues Palma (eleito para seu 3º mandato
na Câmara dos Deputados), Murilo Domingos e Wellington Fagundes, na chapa de Osvaldo
Sobrinho, e Roberto França, Antônio Joaquim e Teté Bezerra, na chapa de Dante de Oliveira.
Pela leitura dos resultados por município é possível observar que o eleitor seguiu a
orientação partidária. Na maioria dos municípios em que Jonas Pinheiro era bem votado, Louremberg
também o era e, naqueles em que Bezerra era bem votado, Antero Paes de Barros acompanhava. Isso
indica que a maior parte do eleitorado votou nos pares (Bezerra-Antero, Jonas-Louremberg),
conforme pedido dos candidatos. Jonas Pinheiro manteve a dispersão de votos por todo o Estado,
interiorizando seu desempenho, pois foi o mais bem votado em municípios-polo, como Alta Floresta,
Tangará da Serra, Primavera do Leste, Sinop e Rondonópolis, superando o próprio Carlos Bezerra
neste último. Obteve boas votações também em alguns municípios da Grande Cáceres
(Ribeirãozinho, São José dos Quatro Marcos, Araputanga e Mirassol D'Oeste)329. A votação de Jonas

326
Este exemplo permite observar que no Brasil os partidos, em função das regras eleitorais e do impacto da federação, são
heterogêneos, confusos no aspecto programático, pouco disciplinados nas votações e quase nada responsáveis diante das suas
bases eleitorais e direções. Eles se constituem mais em confederações de diretórios estaduais.
327
Fernando Henrique inicia hoje a primeira visita a MT. A Gazeta, Cuiabá, 09/07/1994; Cardoso confirma apoio a candidatura de
Sobrinho. A Gazeta, Cuiabá, 09/07/1994; União vinculará sua candidatura a do tucano Cardoso. A Gazeta, Cuiabá,
24/05/1994.
328
Quintela é morto em emboscada. A Gazeta, Cuiabá, 02/10/1998.
329
Resultados disponíveis na página do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso na internet www.tre-mt.gov.br.

203
Pinheiro foi maior naqueles municípios cuja dinâmica socioeconômica estava mais centrada na
agropecuária. Desde sua primeira eleição, em 1982, quando foi presidente da Emater, este vínculo já
era forte. Segundo Onofre Ribeiro, Jonas coordenou as renegociações de dívidas dos agropecuaristas
na sequência do Plano Collor, em 1990, e se transformou no grande lobista deste setor no Congresso
Nacional, desde então.
Já Antero Paes de Barros teve resultados diferenciados, com forte concentração na Grande
Cuiabá e em Cáceres. Cerca de 55% da sua votação veio da capital e municípios próximos (Várzea
Grande, Santo Antônio do Leverger, Poconé), somando com Rondonópolis e Cáceres. Cerca de um
terço veio apenas do município de Cuiabá, no qual foi o mais votado, com 36,86% dos votos dados
aos quatro maiores candidatos. Bezerra teve uma votação mais espalhada, marcando presença em
quase todas as regiões do Estado, com destaque para outros municípios próximos a Cuiabá (Planalto
da Serra, Nova Brasilândia, Dom Aquino, Campo Verde), no Baixo Araguaia e também na zona de
influência de Rondonópolis (Jaciara, Juscimeira e Paranatinga).
Cabe aqui fazer um pequeno parêntese para falar sobre a formação política do empresário
Blairo Maggi. Em 1994, ele foi eleito 1º suplente na chapa do senador Jonas Pinheiro e foi procurado
pelos então três candidatos a governador (Dante, Osvaldo Sobrinho e Bezerra) para ocupar vaga de
vice. A sua importância foi aumentando na medida em que a empresa fundada por seu pai, André
Maggi (Grupo Amaggi), foi expandindo as suas atividades em Mato Grosso, passando a liderar a
produção de soja em nível nacional. Em 1996, André Maggi exerceu forte liderança na emancipação
do município de Sapezal, localizado na região da Chapada dos Parecis (oeste do Estado). A
administração municipal passou a ser apresentada como modelo de gestão para o Estado e, aliado
com o desempenho empresarial da família Maggi, deu a eles um status político importante.
Blairo concedeu uma entrevista ao Jornal A Gazeta, em 1994, em que afirmava que dali a
dez anos Mato Grosso seria um Estado rico. Ele foi apontado também pela imprensa como o maior
patrimônio declarado entre os candidatos naquela eleição, com R$ 500 milhões. A maior parte da
produção agrícola do grupo localiza-se na região da Chapada dos Parecis, de onde é transportada para
Porto Velho pela BR-364 e embarcada em balsas até a foz do Rio Amazonas, para atingir os mercados
europeus. No entanto, o fato da matriz do grupo estar sediada em Rondonópolis (onde o próprio
Blairo reside) e o envolvimento da família Maggi na política municipal lhes transformaram em
lideranças rondonopolitanas. Isso foi fundamental para a sua migração para o Partido Popular
Socialista (PPS), sob a influência do senador Roberto Freire, no período em que exerceu o mandato
no Senado, e do então prefeito Percival Muniz, bem como para o surgimento e consolidação da sua
candidatura a governador em 2002330.

330
Dante, Sobrinho e Bezerra querem Maggi para ser vice. A Gazeta, Cuiabá, 29/03/1994; MT será um Estado rico daqui a dez
anos. A Gazeta, Cuiabá, 29/03/1994; Suplentes ao Senado têm os maiores patrimônios. A Gazeta, Cuiabá, 23/06/94.

204
Sobre a relação entre o grupo empresarial dos Maggi e Rondonópolis, Da Silva (2005, p.
meio digital) diz que:

Essa conglomeração vai se consolidar, a partir do final dos anos 80 e terá a


participação decisiva de Blairo Maggi que passará a assumir um papel de maior
destaque na empresa. Na verdade, a formação e expansão do Grupo André
Maggi não pode ser analisada apenas pela atuação do patriarca, mas
principalmente pela visão político-empresarial de Blairo Maggi. Com a
conglomeração, a organização espacial do grupo passava a ser, cada vez mais,
multilocalizada e multifuncional. Na rede urbana da corporação, cada empresa
e sua localização tinha funções específicas dentro das estratégias de reprodução
ampliada do capital, mas o centro de gestão territorial se confirmava em
Rondonópolis, a nova matriz da empresa Sementes Maggi Ltda. Isso porque no
início dos anos 80, Rondonópolis já reunia as condições básicas de sustentação
de um novo padrão agrícola moderno instalado em áreas do cerrado mato-
grossense, previamente desmatadas.

205
Reeleição de Dante de Oliveira e fechamento de um novo ciclo político

Com a eleição de Dante de Oliveira, o grupo do PFL preparou-se para o retorno em 1998. O
senador Júlio Campos passou a liderar a oposição ao governador no Senado Federal, em conjunto
com Jonas Pinheiro, criticando de forma dura todas as suas iniciativas, em particular aquelas três
grandes estatais mato-grossenses (Sanemat, Cemat e Bemat). Com a intervenção federal no Bemat e
sua posterior liquidação, a decisão de transferir a propriedade da Cemat e a municipalização dos
serviços de distribuição de água e esgotamento sanitário (a cargo da Sanemat), Júlio Campos
endureceu o discurso e cobrou as promessas de Dante de Oliveira, ainda como candidato, no sentido
contrário331.
Para facilitar essa operação, o Estado buscou um empréstimo de US$ 45 milhões de dólares
junto ao Banco Mundial, com aval federal. Foram incluídas dez entidades que seriam beneficiadas
pelo empréstimo, na maioria com o pagamento de rescisões trabalhistas. Seriam liquidadas Cohab,
Casemat, Bemat, Codemat, municipalizada a Sanemat, reestruturadas a Metamat, Cepromat,
Empaer e privatizada a Cemat. O projeto previa também a criação de uma agência de regulação para
os serviços públicos de titularidade estadual, que seriam delegados para concessionárias denominada
de Ager, como descreve Araújo (2005b).
O empréstimo precisaria passar pela aprovação do Senado, como dispõe a Constituição
Federal. A tramitação demorou cerca de um ano e meio, pelas dificuldades impostas pelos senadores
do PFL e o PT em nível nacional332. Diante das dificuldades enfrentadas pelo primeiro mandato de
Dante de Oliveira (1995-1998), como a degradação do quadro fiscal do Estado herdada da gestão
Jayme Campos, agravada com a nova situação pós-inflacionária trazida pelo Plano Real e a escassez
de energia elétrica que ameaçava várias regiões do interior, com racionamento, Júlio Campos se
fortaleceu como alternativa para a sucessão. Mesmo com a aprovação da emenda da reeleição, em
1997, Dante de Oliveira entrou em 1998 em dúvida sobre a sua (re)candidatura.
Antero Paes de Barros, Secretário de Estado de Comunicação naquele momento, recordou-
se que Dante possuía cerca de 34% de bom e ótimo, com percentagem razoável, de regular a positivo,
considerado pelos especialistas como eleitores natos do governador em caso de reeleição. Enquanto
isso, as pesquisas de intenção de voto apontavam apenas 11% para Dante de Oliveira. Antero lhe
convenceu que bastava um trabalho de marketing político para trazer o eleitorado para a sua
candidatura, o que lhe proporcionaria a vitória ou, pelo menos, um bom resultado e espaço para
defender seu governo.

331
Santos (2005) lembrou que Dante de Oliveira se engajou na campanha contra a privatização do Bemat durante o mandato de
Jayme Campos (1991-1995), chegando a vestir a camisa (em termos literais) do movimento. Após sua posse, a imprensa
pediu em editoriais que revisasse as propostas contidas no Plano de Metas 1995-2006 que apresentou na campanha, diante do
cenário de desorganização fiscal vivido pelo Estado.
332
Senado dificulta empréstimo a MT. A Gazeta, Cuiabá, 22/01/1998; Governo e Júlio trocam acusações. Folha do Estado,
Cuiabá, 22/01/1998; Senado deve aprovar hoje empréstimo para Mato Grosso. Folha do Estado, Cuiabá, 13/02/1998; PT
inviabiliza dinheiro para MT. Folha do Estado, Cuiabá, 13/02/1998.

206
O governo Fernando Henrique (1995-2002) teve como uma de suas principais
características o revigoramento da agenda de reformas liberalizantes, em função da legitimidade
advinda do êxito do Plano Real no controle da inflação e pela vitória eleitoral inesperada333. Em seus
dois mandatos foram promulgadas 34 emendas constitucionais, com ênfase para aquelas que
promoveram maior abertura da economia brasileira aos capitais estrangeiros, concessão de serviços
públicos e quebra de monopólios (5 a 9), reformas na Administração Pública (18 e 19) e na
Previdência (20)334. Entretanto, a emenda mais polêmica foi a de nº 16, que permitiu aos chefes do
Poder Executivo concorrerem a mais um mandato no exercício do cargo, denominada de reeleição.
A nova regra passou a valer para os, então, titulares dos cargos, o que foi objeto de muita
polêmica à época. Com base nisso, Fernando Henrique pôde concorrer a um segundo mandato
consecutivo335. Outra área na qual o governo Fernando Henrique se destacou foi o ajustamento das
finanças públicas à realidade pós-inflacionária trazida pelo Plano Real. Uma série de mudanças na
legislação foi feita para adaptar o setor público à nova situação de estabilidade de preços e facilitar a
transição na sua matriz de financiamento. Não haveria mais espaço para receitas tarifárias das
empresas públicas, empréstimos dos bancos estaduais e ganhos com a inflação. Todos deveriam
contar com a arrecadação própria. Araújo (2005b) destacou nesta matéria a renegociação das dívidas
dos Estados, codificada pela Lei no 9.497/97, o redimensionamento patrimonial (privatizações,
fusões, liquidações, extinções), encontro de contas e a Lei de Responsabilidade Fiscal (101/00).
Em 1998, Fernando Henrique concorreu de novo contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e
obteve a reeleição em 1º turno, mais uma vez, com 35.922.692 (53,06% dos votos válidos) e Lula
21.470.333 (31,71% dos válidos). A disputa transcorreu no contexto de crises com origem no exterior,
que abalaram a economia brasileira por sua elevada necessidade de financiamento externo. Nassif
(2002) destacou que tanto a crise Asiática (novembro de 1997) quanto a Russa (agosto de 1998)
impactaram nos fundamentos brasileiros e forçaram mudanças na política econômica, em 1999.
Destaque para a desvalorização cambial, adoção das metas de inflação e do superávit primário, para
impedir o crescimento excessivo da dívida interna. No segundo mandato (1999-2002), Fernando
Henrique apresentou grande queda de popularidade pelas mudanças na economia e observou uma
antecipação da sua sucessão presidencial. Surgiram diversas Comissões Parlamentares de Inquérito
no Congresso Nacional (Judiciário, Sistema Financeiro, Bancos, Futebol, Narcotráfico),
instrumentalizando as disputas no interior da base aliada.

333
Para Almeida (1996), mais do que um plano para o Presidente, o Real permitiu a eleição de um Presidente para o Plano. Quer
dizer, alguém que pudesse administrar o Plano e seus desdobramentos posteriores. Conforme Sola & Kugelmas (2002), a
estabilidade da moeda se tornou bem público número um, justificando a adoção de outras medidas na área econômica para a
sua preservação.
334
Chagas (2002) recordou que muitos parlamentares chamavam o período de Fernando Henrique como “a era dos três quintos”,
pela necessidade de atingir o quorum qualificado 3/5 dos votos para aprovação de propostas de emenda constitucional.
335
Segundo Cardoso (2006), a tese de reeleição tinha apoio de 63% da população, medidos por pesquisa do Ibope de 12/12/1996.
Havia muitos comentários na época sobre a possibilidade de um referendo ou até um plebiscito para discutir o tema.

207
Fernando Henrique tinha definido uma fórmula de convivência entre os três maiores
partidos de sua base de apoio parlamentar: a presidência da República ficava com o PSDB (e alguns
ministérios prioritários) e a Presidência das casas do Congresso para PMDB e PFL, de modo
alternado. O PFL, liderado pelo então presidente do Senado Antônio Carlos Magalhães, nunca
gostou da participação do PMDB no governo . A eleição de Jader Barbalho (PMDB) para a
Presidência do Senado e do deputado Aécio Neves (PSDB) para a Câmara, no bojo da articulação da
candidatura presidencial do então ministro da Saúde José Serra, intensificou o conflito e contribuiu
para a implosão da aliança que elegera Fernando Henrique duas vezes e o sustentara no parlamento.
O próprio Fernando Henrique apontou em Cardoso (2006) que isso teve efeitos importantes para a
disputa presidencial de 2002, com o enfrentamento entre José Serra e Ciro Gomes pelo seu espólio.
Do outro lado, a ascensão tranquila de Lula, que não era visado pelos adversários, por ser considerado
com presença garantida no segundo turno, por seu piso elevado de votos.
Júlio Campos figurava, portanto, como favorito em todas as pesquisas de intenção de voto
e falava em vencer a eleição em primeiro turno (como era a tradição no Estado), e na sua própria
reeleição em 2002, totalizando três mandatos. Ele aparecia com 55% das intenções de voto, contra
18% de Dante de Oliveira e 12% do senador Bezerra. A aposta em sua campanha era que o PSDB não
conseguiria viabilizar uma nova postulação de Dante de Oliveira, pelas dificuldades enfrentadas em
levantar fundos de campanha para um candidato com avaliação considerada ruim como governador e
poucas intenções de voto.
A avaliação corrente era a de que poderia haver uma coligação “branca”, quer dizer,
informal entre PSDB e PFL, seguindo a aliança federal em torno da reeleição de Fernando Henrique
Cardoso. Júlio Campos não lançaria candidato a senador neste caso, deixando a vaga livre para Dante
de Oliveira. Caso não fosse possível essa composição, o candidato a senador seria o deputado federal
Rodrigues Palma, vice-líder do Executivo na Câmara dos Deputados e muito próximo ao presidente
Fernando Henrique336.
Diante do bom posicionamento nas pesquisas, do então senador Júlio Campos, e da
movimentação da candidatura do também senador Carlos Bezerra para a eleição de governador,
Dante de Oliveira hesitava em concorrer à reeleição337. As tensões já existentes na Frente Cidadania e
Desenvolvimento desde a sua formação, em 1994, entre Dante de Oliveira, agora no PSDB, após ser
expulso, por Leonel Brizola, do PDT, e do PMDB, afloraram nesta etapa pré-eleitoral. O então
Secretário de Comunicação Antero Paes de Barros levantou a possibilidade de compatibilizar as duas
candidaturas a governador no primeiro turno (Dante e Bezerra), com um único candidato a senador,

336
Júlio Campos já fala na reeleição em 2002. Folha do Estado, Cuiabá, 23/12/1998; Júlio quer três mandatos de Governador.
Folha do Estado, Cuiabá, 25/01/1998; PSDB trabalha para Dante ser candidato. Folha do Estado, Cuiabá, 30/01/1998; Folha
do Estado, Cuiabá, 13/02/1998; Rodrigues Palma pode ser o novo líder do governo FHC. Folha do Estado, Cuiabá,
23/04/1998; Dante, Júlio e Bezerra unidos pela reeleição de FHC. Folha do Estado, Cuiabá, 28/05/1998;
337
Pesquisa eleitoral em Fevereiro apontava Júlio Campos com 55% das intenções de voto, contra 18% de Dante e 12% de Bezerra.
Júlio quer três mandatos de Governador. Folha do Estado, Cuiabá, 20/01/1998. Bezerra crê em vitória no 1º turno. Folha do
Estado, Cuiabá, 02/02/1998.

208
porque havia apenas a vaga do senador Júlio Campos em disputa. Foi a tese do “senador de consenso”
entre as duas chapas e quem fosse para o segundo turno contra Júlio Campos, considerado vencedor
no primeiro por seu favoritismo nas pesquisas, apoiaria o outro.
Cada um dos partidos apontou nomes para ocupar a vaga de senador de consenso, o
deputado federal Antônio Joaquim, o estadual Luiz Soares e o próprio Antero Paes de Barros, pelo
PSDB, e o vice-governador Márcio Lacerda, Elarmin Miranda, Levi Machado, a deputada federal
Teté Bezerra e o ex-presidente da Associação Matogrossense dos Municípios Jair Benedetti, pelo
PMDB. No entanto, pela predisposição de Carlos Bezerra no sentido do rompimento da Frente e pela
candidatura própria, o PMDB acabou se afastando do PSDB e se aproximando de Júlio Campos, com
quem aceitou montar chapa, a despeito de deliberação de 92% dos convencionais do partido pela
candidatura própria338. A respeito Márcio Lacerda disse que:

Aquela tese do senador de consenso, quem saiu com ela foi o Antero. Antero é
um estrategista político [...] O Bezerra estava no meio do mandato. Não tinha
nada a perder [...] O Antero chegou um dia, quando nós estávamos conversando,
e falou: “Márcio, a única maneira que tem de não perder essa eleição pro Júlio é
nós montarmos uma estratégia de jogar a eleição pra dois turnos” [...] Quando
Dante foi candidato a governador, apoiado pelo PMDB, em 94, o Dante tava na
mesma situação. Mas ele não tinha partido. Quem que era o PDT? O PDT era o
Dante e mais quem? [...] Ele ia montar chapa como?

Roberto França, como liderança maior de seu grupo, cobrou do PSDB uma definição sobre
a candidatura do partido a governador339. Havia uma campanha interna para que Dante de Oliveira
assumisse sua postulação para mais um mandato, e este procurava ganhar tempo em busca de apoios
para reverter a situação desfavorável nas pesquisas e a força dos adversários340. Nestas negociações,
Roberto França foi procurado341, por sua influência junto ao eleitorado da capital que tem tradicional
comportamento oposicionista342. Como França pertencia à terceira força da política estadual, com
presença marcante em Cuiabá, seu apoio era fundamental para as intenções eleitorais de Dante de
Oliveira.
A tendência dos prefeitos de Cuiabá era a de pertencerem à oposição ao governo do Estado.
Pela forte concentração de servidores estaduais, a maior autonomia tributária, capacidade financeira e a
dinâmica socioeconômica diferenciada em relação aos municípios menores, Cuiabá tem demonstrado
perfil oposicionista desde que começou a eleger prefeitos de forma direta, na década de 1950. Basta

338
PMDB e PSDB já têm sete nomes para candidatura de consenso. Folha do Estado, Cuiabá, 05/02/1998. Bezerra corre de azarão
e confia no apoio de lideranças. Folha do Estado, Cuiabá, 08/02/1998. Lacerda prega tese da unidade. Folha do Estado,
Cuiabá, 11/02/1998.
339
Prefeito cobra do PSDB nome para disputar o Governo. Folha do Estado, Cuiabá, 20/01/1998.
340
Executiva tucana está preocupada. Folha do Estado, Cuiabá, 21/01/1998. PSDB quer ganhar tempo. Folha do Estado, Cuiabá,
29/01/1998. PSDB trabalha para Dante ser candidato Folha do Estado, Cuiabá, 30/01/1998. Dante prefere dar tempo ao
tempo. Folha do Estado, Cuiabá, 30/01/1998. PSDB inicia mobilização pró-Dante. Folha do Estado, Cuiabá, 16/02/1998.
341
Dante pede apoio a França. Folha do Estado, Cuiabá, 01/02/1998; França apóia. Folha do Estado, Cuiabá, 01/02/1998.
342

209
lembrar que, apenas após a divisão do Estado (1979), Dante de Oliveira foi eleito, em 1985, como
oposição a Júlio Campos; Frederico Campos, como oposição a Bezerra; Dante, reeleito em 1992 contra
Jayme Campos; e Wilson Santos, eleito em 2004 reeleito em 2008 contra o “candidato oficial” do
governador Blairo Maggi (deputado estadual Sérgio Ricardo), embora as relações políticas entre eles
sejam amistosas. As únicas exceções nesse período foram exatamente as eleições de Roberto França que,
em 1996 e 2000, era aliado do governador Dante de Oliveira, embora pertencessem a grupos políticos
diferentes e houvesse uma “oposição interna”. Para Santos (apud Neves, 1988),

A tendência oposicionista genérica dos grandes centros deve produzir uma


significativa rotatividade aos partidos vencedores, cabendo esperar que seja
principalmente nesses centros onde inicia, com maior frequência a alternância
de posições, isto é: a mudança no poder local deve aparecer com maior
frequência nos Estados mais industrializados do que nos mais atrasados.

Não se deve esquecer que França era apontado como candidato ao Senado pelo PSDB e
deveria estar sofrendo assédio também de Júlio Campos no mesmo período, por já terem sido aliados
em outras ocasiões (1978, 1990), assim como pelo caráter oscilante de seu grupo. Segundo Menezes
(2003), era compromisso de Dante de Oliveira, se eleito, apoiar a reeleição de França para a
Prefeitura em 2000 (indicando o vice em sua chapa), e este seria o candidato do PSDB a governador
em 2002. Como França teria que renunciar à Prefeitura para participar da eleição, o vice do grupo de
Dante de Oliveira assumiria o comando do Executivo municipal. Eles trocariam de lugar, portanto,
com Dante de Oliveira na Prefeitura e França no governo do Estado.
Este acordo foi um dos fatos mais polêmicos desta eleição, tendo profundas implicações no
segundo mandato de Dante de Oliveira (1999-2002) e na sua sucessão. Luiz Soares confirmou sua
participação em duas reuniões, uma de seis horas de duração, realizada em 21/03/1999, e outra de
cinco horas, em 27/03/1999, ambas na chácara do governador Dante de Oliveira, na Chapada dos
Guimarães, com todos os membros da Executiva estadual do PSDB, inclusive o senador Antero Paes
de Barros, na segunda.
Nas reuniões, ficou definida a candidatura à reeleição de Roberto França à Prefeitura de
Cuiabá, em chapa pura, com o vice-prefeito escolhido em comum acordo entre o governador Dante
de Oliveira, o prefeito Roberto França e a direção do PSDB. Uma outra decisão foi o projeto de
disputa do governo do Estado por Roberto França, em 2002, com Dante de Oliveira candidato a
senador para fortalecer a chapa majoritária. Em março de 2000, o senador Antero Paes de Barros
telefonou para Luiz Soares, manifestando também sua postulação para a candidatura a governador,
que acabou resultando na desfiliação do prefeito Roberto França do PSDB, em 2001, e a mudança
343
para o PPS, visando viabilizar seu projeto .

343
Soares afirma que Antero tinha o compromisso de apoiar França. Diário de Cuiabá, Cuiabá, 12/08/2001.

210
Uma outra tentativa de composição com este grupo foi a indicação de Luiz Soares, então
deputado estadual e cogitando candidatura a deputado federal, para primeiro suplente na chapa ao
Senado de Antero Paes de Barros, articulada por Dante de Oliveira. Era mais um contrapeso em caso
de Antero tentar a eleição para governador, em 2002. Em caso de vitória, Luiz Soares assumiria a sua
vaga e o grupo de Antero ganharia o Executivo estadual, mas “perderia” a cadeira de senador. Com a
vitória de Dante de Oliveira e Antero Paes de Barros em 1998 e a boa votação obtida por este último
(55,5% dos votos válidos), as tensões entre os dois grupos se acentuaram.
Já em 1999, Antero se lançou pré-candidato ao governo do Estado pelo PSDB, contrariando
a combinação anterior. Na reeleição de Roberto França para a Prefeitura, em 2000, e reproduzindo tal
disputa, o embate girou em torno da vaga de vice em sua chapa, já que ele foi considerado favorito em
todo o período. O governador Dante de Oliveira tentou indicar o então Secretário de Estado de
Planejamento Guilherme Müller e França, temendo que isso dificultasse a sua renúncia à Prefeitura
para concorrer ao Palácio Paiaguás e que Guilherme fosse apoiar Antero no caso das duas
candidaturas se consolidarem. Optou por indicar Luiz Soares para esta vaga.
Antero Paes de Barros destacou que a única exigência que fez a Dante de Oliveira, quando
este lhe pediu que se candidatasse a senador em 1998, foi que, se ele fosse derrotado como as
pesquisas apontavam, Dante articularia a sua vaga de vice-prefeito de Cuiabá na chapa de Roberto
França, em 2000. Quando consultado sobre tal possibilidade, Roberto França recusou e iniciou a
disputa que culminou em sua saída do PSDB, em 2001, para disputar o governo do Estado pelo PPS.
Soares, como demonstrado, era um dos integrantes do grupo originado na UDN e, pela
credibilidade conquistada na militância no PSDB, não ofereceria apoio ostensivo a Antero, em caso
de disputa entre este e Roberto França para governador. Por ter sido fundador do partido, Soares era
considerado líder da ala “histórica” do PSDB em Mato Grosso. Essa, somada com o grupo de França,
poderia lhe dar a vitória contra a ala liderada por Antero Paes de Barros e Dante de Oliveira numa
eventual prévia interna. A eleição de Luiz Soares para vice-prefeito, em 2000, criou mais um
complicador para a candidatura de Antero a governador, em 2002. Soares era o primeiro suplente de
Antero no Senado e, em caso de renúncia de Roberto França para concorrer em 2002, assumiria a
Prefeitura e não poderia ocupar a vaga de Antero, na hipótese de o senador ganhar a disputa para o
governo do Estado em 2002. Ele entregaria a vaga para a segunda suplente, sem nenhuma tradição
político-partidária, correndo risco até da abertura de eleição extraordinária344.
Continuavam as indefinições sobre a candidatura de Dante de Oliveira a governador, as
ameaças do PMDB de romper com a frente de partidos que lhe dava sustentação, deixando os cargos
que ocupavam no Executivo e lançando o senador Bezerra como candidato a governador e o vice-
governador Márcio Lacerda para a vaga de senador em disputa. Júlio Campos percorria o Estado em

344
Celis Borges Santin (PMN) foi a segunda suplente do senador Antero Paes de Barros. Era uma pessoa sem qualquer expressão
política na época e poderia até renunciar ao mandato de senador. Se isto acontecesse, a Constituição Federal dispõe, em seu
artigo 56, que em caso de inexistência de suplente de deputado ou senador e se faltarem mais de 15 meses para o término do
mandato, é realizada uma nova eleição para preencher a vaga.

211
campanha declarada, tecendo críticas abertas a Dante de Oliveira pela situação das estradas e pelas
“obras virtuais” do Departamento de Viação e Obras Públicas (DVOP). O PFL chegou a preparar, em
15 de março, uma festa em comemoração dos 15 anos da sua posse como governador do Estado,
discutindo as várias possibilidades para vice-governador (Augustinho de Freitas, Blairo Maggi,
Anildo Lima Barros e Wilmar Perez), dado o ambiente triunfalista que vigorava no partido345. O
deputado estadual Moisés Feltrin afirmou em pronunciamento na tribuna da Assembleia:

[...] a grande festa que ocorreu no domingo, oferecida ao nosso senador Júlio
Campos, com a presença de mais de duas mil pessoas. Ofereceram-lhe um
almoço para a confraternização dos companheiros, dos líderes, dos ex-
assessores que formaram a equipe de seu governo – seu profícuo governo de 83
a 87. [...] Infelizmente, Sr. Presidente, Srs deputados, naquela época não havia
dispositivo na Constituição Federal que desse a nenhum governador da
Federação o direito de reeleição. Isso não foi bom para Mato Grosso. Mato
Grosso perder por não ter, àquela época, condições de reeleger seu governador.
Porque se tivesse feito isso, Sr. Presidente, o nosso Estado não teria ganho 40
anos em 4, mas, sim, 80 anos em 8 de administração346.

Mesmo com a confirmação da candidatura de Dante de Oliveira, em março, após


negociação com o então Ministro das Comunicações Sérgio Motta, o PMDB manteve a candidatura
própria e Júlio Campos continuou percorrendo o Estado como favorito à eleição. Chegou a se
licenciar do Senado para se dedicar em tempo integral à campanha, cedendo a vaga para seu 1º
suplente, o ex-deputado estadual Zanete Cardinal. Uma pesquisa da Istoé/Brasmarket, em 30/03, lhe
dava 41,3% contra 20,9% de Bezerra e 19,6% de Dante de Oliveira, o que já levava a disputa para o
limiar do segundo turno, porque a soma dos votos de Dante de Oliveira e Bezerra ficava 0,8% abaixo
de Júlio Campos (na margem de erro)347.
No caso de candidatura ao Senado, a mesma pesquisa Istoé/Brasmarket dava a Dante de
Oliveira a dianteira, com 30,6% contra 21,8% de Márcio Lacerda e 16,5% de Rodrigues Palma.
Circularam alguns rumores pela imprensa de que FHC cogitava chamar o senador Bezerra para a
vaga de Ministro da Justiça, que já era da cota do PMDB desde o apoio do partido à emenda da
reeleição. Como o partido manifestara apoio à reeleição de FHC em sua tumultuada convenção
nacional, podia ser uma tentativa de promover a unidade na base aliada, evitando disputa nos
Estados. Bezerra, no entanto, descartou convite e continuou nas suas críticas ao governo Dante de
Oliveira348.

345
PSDB quer ganhar tempo. Folha do Estado, Cuiabá, 29/01/1998; Bezerra crê em vitória no 1º turno. Folha do Estado, Cuiabá,
02/02/1998; Júlio ataca Dante pelas estradas. Folha do Estado, Cuiabá, 06/03/1998; Júlio Campos acusa DVOP de fazer
obras de mentira. Folha do Estado, Cuiabá, 06/03/1998; PFL prepara grande festa. Folha do Estado, Cuiabá, 12/03/1998;
PPB quer indicar o vice de Júlio. Folha do Estado, Cuiabá, 28/05/1998.
346
Estado de Mato Grosso. Assembleia Legislativa. Ata n° 16 - 18/03/1998. Folha 13 – Deputado Moisés Feltrin.
347
PSDB dá xeque-mate e Dante decide pela reeleição. Folha do Estado, Cuiabá, 19/03/1998; Folha do Estado, Cuiabá,
29/01/1998; Dante se encontra com ministro para definir candidatura. Folha do Estado, Cuiabá, 08/03/1998; Júlio se dedica à
campanha. Folha do Estado, Cuiabá, 06/04/1998; Nova pesquisa aponta liderança de Júlio Campos. Folha do Estado,
Cuiabá, 30/03/1998.

212
O PMDB tornara-se, a exemplo da eleição de 1994, a “noiva cobiçada” no cenário eleitoral
e vinha mantendo negociações com ambos os lados (Dante de Oliveira e Júlio Campos). Mesmo com
o rompimento oficial, anunciado em maio, Dante de Oliveira trabalhava para manter apoio de uma
parcela do partido, a esta altura dividido entre “dantistas” e “bezerristas”. Alguns secretários de
Estado do PMDB, como Pedro Calmon Pepeu Garcia (Administração), Maurício Magalhães, (Casa
Civil), Hermes de Abreu (Segurança) e Fausto Faria (Educação) mantiveram a fidelidade a Dante de
Oliveira e continuaram em seus cargos. Logo em seguida ao rompimento, o PMDB formalizou sua
aliança com o PFL, dizendo que esperariam até junho para decidir, com base nas pesquisas, quem
seria candidato ao governo e ao Senado, entre Júlio Campos e Bezerra349.
Júlio Campos afirmou que sua assessoria entendeu que, com esta aliança, eles somariam os
votos, projetando vitória no primeiro turno e poderiam levar até a uma desistência da candidatura de
Dante de Oliveira. No entanto, a aliança não foi bem aceita por nenhum dos grupos, pelo histórico de
disputas entre os dois partidos, a rapidez do acerto e porque o PTB teve que ceder a vaga de senador,
que era de Rodrigues Palma, para Bezerra.
A dinâmica política não caminhou como se esperava, a despeito das vantagens deste
acordo: como 1 - O número de Prefeituras que os dois partidos teriam somados (74, contra 33 do
PSDB); 2 - A bancada estadual; 3 – O apoio de 92% dos convencionais do PMDB pelo rompimento
com a Frente; e 4 - Mais da metade do horário eleitoral. O fato de Bezerra concorrer a um novo
mandato de senador, no meio daquele que recebera em 1994, foi mais um complicador nessa aliança,
já que significava eleger seu 1º suplente (Elói de Almeida) senador. Elói teve em seu mandato as
contas da Prefeitura de Alta Floresta rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado e foi declarado
inelegível. Então, votar em Bezerra significava eleger o segundo suplente, que ninguém sabia direito
quem era. Após a adesão do PL, a coligação liderada por Júlio Campos e Bezerra, denominada de
Unidade Democrática (UD), passou a contar com 13 partidos.
Pesquisa Istoé/Brasmarket, divulgada em junho, dava 45% para Júlio Campos e 29% para
Dante de Oliveira na corrida para governador, o que mantinha a possibilidade de vitória, em primeiro
turno, para Júlio Campos. Na disputa pelo Senado, Bezerra despontava com 44,6% das intenções de
voto, contra 23,3% de Antero Paes de Barros, escolhido por Dante de Oliveira na convenção, após o
afastamento do PMDB. A resposta foi convidar o empresário José Rogério Salles, ex-prefeito de
Rondonópolis, para ocupar a vaga de vice-governador, em substituição a Márcio Lacerda, que não
poderia ficar pela coligação de seu partido com o PFL350.

348
Bezerra descarta convite. Folha do Estado, Cuiabá, 03/04/1998; Confusão e tumulto na convenção. Folha do Estado, Cuiabá,
09/03/1998; Folha do Estado, Cuiabá, 29/01/1998.
349
PMDB rompe com a Frente. PFL faz festa. PSDB se cala. Folha do Estado, Cuiabá, 29/01/1998; Governador apela para que os
peemedebistas continuem no governo . Folha do Estado, Cuiabá, 05/05/1998; PMDB pode sofrer abalo nas bases. Folha do
Estado, Cuiabá, 05/05/1998; Folha do Estado, Cuiabá, 29/01/1998; Aliança PMDB/PFL está definida. Folha do Estado,
Cuiabá, 11/05/1998.
350
PMDB e PFL somam 74 prefeituras. Folha do Estado, Cuiabá, 10/05/1998; PMDB/PFL está com mais da metade do horário
político. Folha do Estado, Cuiabá, 21/05/1998; PL sai do muro e declara apoio. Folha do Estado, Cuiabá, 26/05/1998; Dante e
Júlio crescem em pesquisa. Folha do Estado, Cuiabá, 07/06/1998. Dante diz que vai dar o troco. Folha do Estado, Cuiabá,
08/06/1998.

213
Rogério Salles foi eleito vice-prefeito na chapa de Carlos Bezerra, em 1992. Com a
renúncia do titular para concorrer a uma vaga de senador, em 1994, Rogério assumiu a Prefeitura e
concluiu o mandato. Pela boa avaliação que teve no período em que esteve na Prefeitura e, não se
pode esquecer, pela sua vinculação com o empresariado local, Salles se tornou uma alternativa
política no grupo de Bezerra. Na convenção do PMDB, em 1994, que decidiria pela candidatura
própria ou participação na Frente Cidadania e Desenvolvimento, Salles posicionou-se a favor da
aliança com Dante de Oliveira e contra a candidatura de Bezerra a governador351.
Mauro Cid destacou que a escolha de Rogério Salles teve mais ligação com a sua
administração na Prefeitura de Rondonópolis do que com a sua vinculação ao empresariado. Dante
de Oliveira teria consultado as pesquisas de intenção de voto e verificado que a sua candidatura não
era muito bem aceita em Rondonópolis, por conta do apoio de Bezerra a Júlio Campos e de outras
forças que estavam com o PFL, como o deputado federal Wellington Fagundes (PL) e o deputado
estadual Gilmar Fabris (PFL).
No decorrer da campanha, Júlio Campos aumentou o tom das acusações contra Dante de
Oliveira e Antero Paes de Barros sobre uso do aparelho do Estado para a promoção das suas
candidaturas e a concentração dos recursos públicos na área de comunicação no Grupo Gazeta.
Chegaram a falar em inelegibilidade de Dante de Oliveira e houve manobras para a cassação de seu
mandato, pelos deputados estaduais Benedito Pinto e Paulo Moura, porque o governador solicitou
que os policiais militares que estivessem prestando serviços de segurança aos parlamentares,
deveriam retornar para as suas funções no Poder Executivo.
Uma eventual cassação de Dante de Oliveira também o tornaria inelegível naquela eleição,
pela suspensão dos direitos políticos por oito anos, a contar do encerramento do mandato em vigor.
As pesquisas de intenção de voto realizadas nos meses de junho e julho ainda davam vantagem
folgada para Júlio Campos e Bezerra contra Dante de Oliveira e Antero Paes de Barros, embora
apontassem crescimento dos candidatos do PSDB. O Ibope apontou, em 23/07/1998, que Júlio
Campos tinha 39%, contra 25% de Dante de Oliveira e 1% de Carlos Abicalil, candidato do PT. Esse
resultado mantinha a possibilidade de segundo turno entre Júlio Campos e Dante de Oliveira352 .
Um dos episódios que marcaram essa eleição foram as relações tensas entre a campanha de
Júlio Campos e o Grupo Gazeta de Comunicação. O Grupo possui um instituto de pesquisas
(Gazeta/Dados). No mês de julho, quando o instituto divulgaria pesquisa com resultados favoráveis a
Dante de Oliveira, Júlio Campos acionou o Poder Judiciário para impedir a sua divulgação. Logo em
seguida, a sede da empresa foi arrombada e os dados desapareceram. Houve pedido para quebra de
sigilo telefônico e até de prisão preventiva de seus diretores. A partir do início do horário eleitoral, em

351
PT deve reafirmar seu apoio à Frente. A Gazeta, Cuiabá, 17/04/1994.
352
Acusação pode cancelar candidaturas de Dante e Antero. Folha do Estado, Cuiabá, 09/07/1998; Tucanos vão usar palanque
oficial. Folha do Estado, Cuiabá, 12/07/1998; Elegibilidade de Dante é questionada. Folha do Estado, Cuiabá, 16/07/1998;
Dante convoca policiais da AL. Folha do Estado, Cuiabá, 18/06/1998; Deputados manobram para afastar Dante do Governo.
Folha do Estado, Cuiabá, 01/07/1998; PFL representa na justiça contra Governador e Secretário de Fazenda. Folha do
Estado, Cuiabá, 02/07/1998; Ibope revela que Júlio tem 14% de vantagem sobre Dante. Folha do Estado, Cuiabá,
23/07/1998.

214
agosto, a preferência do eleitorado começou a virar em favor de Dante de Oliveira. Em 25/08/1998, o
Ibope apontava 35% para Júlio Campos e 30% para Dante de Oliveira.
O governador declarou que viraria até o final daquele mês. Com o acirramento da disputa,
cada um dos lados passou a usar as armas de que dispunha. Dante de Oliveira concentrou
inaugurações importantes em Cuiabá, como a duplicação da ponte Cuiabá-Várzea Grande (no final
da Avenida Miguel Sutil) e o início da operação da Usina Termelétrica, articulada por seu governo .
Júlio Campos continuou acusando Dante de Oliveira de “uso da máquina”, porque teria viajado no
helicóptero da Polícia Militar para fazer campanha. O Procurador Geral de Justiça do Estado
denunciou também Rogério Salles pela reprovação das contas da Prefeitura de Rondonópolis durante
a sua gestão, o que lhe tornaria inelegível, e Júlio Campos conseguiu proibir Dante de Oliveira de
distribuir recursos do Projeto de Apoio Direto às Iniciativas Comunitárias (Padic), que repassava
dinheiro para entidades. Júlio Campos conseguiu ainda a participação em sua campanha do então
presidente do Senado Federal, senador Antônio Carlos Magalhães, figura de destaque do PFL em
nível nacional353.
Quando as pesquisas feitas pelo Ibope começaram a mostrar a mesma tendência de
crescimento de Dante de Oliveira e Antero Paes de Barros do Gazeta/Dados, Júlio Campos conseguiu
no Judiciário a proibição da sua divulgação e o presidente do instituto lhe chamou de mau caráter. O
levantamento, no final de setembro, apontava 51% das intenções de voto para Dante de Oliveira e
33% para Júlio Campos, o que garantia ao governador sua reeleição em 1º turno. Uma pesquisa da
Istoé/Brasmarket, divulgada em 27/09, dava 45,4%, para Dante de Oliveira, 37,3% para Júlio
Campos e 5,1% para Carlos Abicalil. No Senado, a mesma pesquisa apontava ultrapassagem de
Antero Paes de Barros, com 34,9% e 31% de Bezerra na última semana antes da eleição354.
Jayme Campos avaliou a derrota de Júlio Campos em Várzea Grande como um reflexo da
onda que veio de Cuiabá, porque o comando de campanha detinha pesquisas recentes que apontavam
uma dianteira de 12% para o candidato da Unidade Democrática. Considerou também que a derrota se
deu pela dificuldade de absorção, pela sociedade e, em particular, pelos diretórios municipais do
partido, da coligação entre Júlio Campos e Carlos Bezerra, em virtude do passado de disputas entre
eles e pela forma apressada e centralizada com que foi feita. Mauro Cid recordou-se que:

O Jaime teria brigado na coordenação, que estava na casa dos pais dele [...]
contrariaram ele sobre as coisas que ele queria, da maneira que ele achava. Ele
saiu de lá e falou: “a partir de hoje estou fora dessa campanha”. [...] Mas, pelo
que aconteceu de resultado em Várzea Grande, parece que realmente houve

353
Procurador-Geral de Justiça denuncia vice do PSDB. Folha do Estado, Cuiabá, 23/07/1998; Governo está proibido de distribuir
dinheiro do Padic. Folha do Estado, Cuiabá, 11/09/1998; Presidente do Congresso reforça campanha de Júlio Campos. Folha
do Estado, Cuiabá, 23/09/1998.
354
Júlio Campos diz que arrombamento na sede da Gazeta/Dados foi forjado. Folha do Estado, Cuiabá, 21/07/1998; Justiça pode
quebrar sigilo telefônico de diretores do Grupo Gazeta. Folha do Estado, Cuiabá, 22/07/1998; Gazeta/Dados será investigado.
Folha do Estado, Cuiabá, 27/07/1998; Grupo Gazeta acusado de manipular recursos públicos. Folha do Estado, Cuiabá,
11/08/1998; Júlio é mau caráter, diz diretor do Ibope. A Gazeta, Cuiabá, 01/10/1998; Dante 51% x Júlio 33%. A Gazeta.
Cuiabá, 29/09/1998.

215
uma desmobilização [...] E lá, na casa dele, lá em Várzea Grande, a gente
batendo papo, eu perguntei sobre a eleição de 98 [...] esse resultado aqui do
Dante aqui, não é ruim pra você. [...] Ele apoia numa cadeira, ele tem uma
árvore enorme, não lembro que se é uma mangueira, daquele jeitão dele: “eu
sentei debaixo dessa árvore aí uns vinte dias da eleição e quem vinha me
procurar eu falava: faz o que você quiser”.

Para Alfredo da Mota Menezes, o problema da aliança entre Júlio Campos e Carlos Bezerra
foi a forma apressada com que foi articulada e efetivada. Se houvesse mais tempo para formular um
discurso que explicasse ao eleitor a necessidade da composição, talvez a recepção tivesse sido
diferente. Dante de Oliveira foi reeleito em primeiro turno com votação quase igual à de 1994
(472.409 votos) que, em função do aumento do eleitorado significou 53,9% dos votos válidos. Júlio
Campos recebeu 332.023 votos (37,9% dos válidos) e Carlos Abicalil 64.619 (7,4% dos válidos),
para ficar apenas nos candidatos mais expressivos. Antero Paes de Barros, do PSDB, foi eleito
senador na vaga de Júlio Campos, para o período 1999-2007, com 469.179 votos (55,5%), contra
275.297 de Carlos Bezerra do PMDB (32,5%) e 69.251 de Wanderley Pignati do PT (8,2%).
Na bancada estadual, a Unidade Democrática elegeu 14 deputados estaduais (5 do PFL, 4
do PMDB, 2 do PL e 1 do PPB) contra 8 da Frente Cidadania e Desenvolvimento e 2 do PT. Destaque
para Moacir Pires, Romualdo Júnior e Humberto Bosaipo (3º mandato consecutivo). Pelo PMDB,
foram eleitos José Carlos do Pátio (Rondonópolis), Pedro Satélite (Guarantã do Norte), Wilson
Teixeira (Cuiabá) e o filho da ex-deputada Sarita Baracat, Nico Baracat (Várzea Grande). Na bancada
federal, a coligação obteve cinco vagas, sendo uma do PL (Wellington Fagundes, que foi o mais
votado), uma do PFL (Celcita Pinheiro, esposa do senador Jonas) e uma do PTB (Murilo Domingos)
e duas do PMDB (Wilson Santos e Tetê Bezerra – esposa do senador Carlos Bezerra).
Já a coligação de Dante de Oliveira elegeu três deputados federais, quais sejam: o jornalista
Lino Rossi, Pedro Henry, representando a região da Grande Cáceres e que já vinha exercendo a
suplência de Roberto França (eleito para a Prefeitura de Cuiabá em 1996), e a reeleição de Antônio
Joaquim. Na bancada estadual, a coligação elegeu seis deputados do PSDB: Carlão Pereira do
Nascimento, Alencar Soares, Chico Daltro, Rene Barbour, Carlos Brito de Lima e José Riva. O PPS
elegeu apenas Jair Mariano, da região de Alta Floresta.
Quando os dados eleitorais são estratificados por município, é possível perceber dois
aspectos importantes desta eleição. O primeiro foi a conjugação de votos entre Dante de Oliveira e
Antero Paes de Barros, Júlio Campos e Carlos Bezerra. Quer dizer, o eleitor votou, em sua maioria, na
chapa de cada coligação, seguindo recomendação dos candidatos. A forte votação de Dante de
Oliveira e a “virada” dos resultados num curto intervalo de tempo podem ter empurrado Júlio
Campos e Carlos Bezerra para o mesmo eleitorado.
Outra tendência que pode ser identificada da leitura dos dados é o crescimento da votação
nas duplas Dante de Oliveira-Antero Paes de Barros (PSDB) e Carlos Abicalil-Wanderley Pignati
(PT) nas cidades mais populosas do Estado, com queda na chapa Júlio Campos-Carlos Bezerra. Para
uma noção, a diferença de votação de Dante de Oliveira para Júlio Campos, da média dos vinte

216
municípios de maior eleitorado, foi de 18,41%, ao passo que nos vinte menores foi de 3,87%355. A
votação média em Carlos Abicalil variou de 6,46% nos vinte maiores municípios (com pico de
24,37% em Rondonópolis), a 3,25% nos vinte menores, numa oscilação de quase 100% entre os
extremos.
Júlio Campos, num de seus últimos pronunciamentos na tribuna do Senado Federal, fez
uma avaliação dos abusos ocorridos nas eleições de 1998, em Mato Grosso. Ele ressaltou para os
senadores que alertara sobre os perigos da aprovação da emenda da reeleição, quando ela esteve em
tramitação naquela Casa e destacou que 27 senadores foram derrotados em eleição para governador,
em disputa contra os titulares. Disse que propusera uma implementação gradual deste mecanismo,
começando pelo Presidente da República, nas próximas eleições para os governadores e nas seguintes
para os prefeitos municipais. Ele fez também algumas acusações graves ao governador Dante de
Oliveira, como compra de votos com saque da conta do Tesouro estadual, vinculada para pagamento
do serviço da dívida estadual refinanciada junto à União. Eis alguns trechos de tal pronunciamento:

Houve uma avalanche de compra de votos. Em Mato Grosso, era público e notório que
o cidadão recebia uma visita, um boné, uma camiseta e uma nota de R$50 para votar
apenas no candidato a governador, no candidato majoritário e não no proporcional. [...]
Foi uma vergonha a boca de urna no dia das eleições. Em Cuiabá, 60 mil pessoas
estavam uniformizadas. [...] Nos municípios do interior, a pressão foi feita de todas as
formas, a pressão foi brutal. Houve compra de votos de prefeitos e de vereadores. [...]
O Banco Mundial fez um financiamento para Mato Grosso, para o Prodeagro, de
US$273 milhões, dos quais o governador retirou US$40 milhões para um programa
chamado PADIC, que é o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Comunitário. Os
recursos do PADIC eram distribuídos para as Associações Comunitárias. O
governador chegava com a sua equipe na associação dos pequenos produtores da
comunidade, como a de Juína, por exemplo, e falava: - Aqui tem R$150 mil, mas
queremos apenas o voto para o governador. [...] O governador gastou nos últimos anos
milhões de reais em propaganda, muito bem feita; contratou o famoso mago da
propaganda política brasileira, Duda Mendonça, por mais de US$ 4 milhões, para fazer
o seu horário eleitoral. [...] perdi a eleição, mas a minha coligação, a Unidade
Democrática, elegeu 14 Deputados Estaduais contra oito do PSDB. Elegemos cinco
Deputados Federais, contra três. No voto proporcional, tivemos para Deputado
Federal 160 mil legendas a mais. No voto para Deputado Estadual, 180 mil votos a
mais, e perdemos a eleição majoritária de governador pelo abuso do poder
econômico356.

355
Resultados disponíveis na página do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso na internet www.tre-mt.gov.br.
356
Pronunciamento do senador Júlio Campos no Senado Federal em Brasília. Diário do Senado Federal, p. 1599, 16/01/1999.

217
O também senador Carlos Bezerra fez um pronunciamento no Senado Federal em que
buscou explicar as razões do rompimento com Dante de Oliveira em cada uma das áreas importantes
de atuação do Estado e, na sequência, as razões para a formação da Unidade Democrática entre
PMDB e PFL:

O Partido do Movimento Democrático Brasileiro resolveu, em abril do corrente ano,


romper a aliança que mantinha há mais de três anos com o atual governador. A decisão
foi tomada por 92% dos nossos convencionais, o que não deixa margem a dúvidas
quanto ao repúdio de nossas bases à Administração Dante de Oliveira. O motivo que
nos levou a esse rompimento foi o desinteresse do governador em cumprir as metas
estabelecidas no programa conjunto que havíamos firmado com ele, em 1994, por
ocasião da campanha eleitoral. [...] ... o caos em Mato Grosso só não foi total porque em
diversos episódios tivemos a ação serena, equilibrada e decidida do Vice-governador
Márcio Lacerda, que é do nosso PMDB, o maior Partido do Estado. [...] Para pôr fim a
esta situação, o PMDB decidiu, em meados do corrente ano, aliar-se com outras forças
políticas importantes de Mato Grosso. [...] Nosso objetivo era um só: reunir sob uma
mesma bandeira - a de restauração da moralidade pública e da competência - forças
interessadas em fazer com que Mato Grosso retome o processo de desenvolvimento
interrompido nos últimos anos. Após intensas conversações, registradas pela
imprensa, surgiu a Unidade Democrática, integrada pelo PMDB, PFL, PTB, PPB, PL,
PSD, PSC e PSDC357.

Onofre Ribeiro avaliou ainda que, ao aceitarem se coligar, Júlio Campos e Bezerra viam
em Dante de Oliveira um rival difícil de ser vencido e pretendiam, na verdade, “afogar” um ao outro.
Quer dizer, Júlio Campos pretendia que Dante de Oliveira assumisse em definitivo a liderança de seu
grupo e Bezerra queria expandir as suas bases de apoio para além do PMDB, porque percebia o
crescimento de Dante de Oliveira em sua faixa de eleitorado e estava de olho no PFL e em seus aliados
tradicionais (PL, PTB). Tomaram uma decisão autocrática, com absoluta convicção de que seriam
ambos eleitos pela situação que lhes parecia favorável no início da campanha.
Para Mauro Cid, a aliança de Júlio Campos e Bezerra na eleição de 1998 foi uma
“robertada”, numa lembrança à eleição de 1982, em que Júlio Campos se aliou com Roberto Campos
com o objetivo de capitalizar a sua campanha. Mauro Cid destacou que o coordenador de marketing
da campanha de Dante de Oliveira foi o publicitário baiano Duda Mendonça, que introduziu os
slogans da “Casa Arrumada” e da “Hora da Virada” para incentivar o eleitor de que seria possível
uma vitória do governador358.

357
Pronunciamento do senador Carlos Bezerra no Senado Federal em Brasília. Diário do Senado Federal, p. 14668, 29/10/1998.
358
“Foi um Governo inoperante, um Governo incompetente, um Governo preguiçoso, um Governador preguiçoso, um Governador
irresponsável sobretudo. [...] 'Casa arrumada', sem segurança, Sr. Presidente, imprensa, que se faz aqui presente, existe 'casa
arrumada' quando alguém está a frente do Poder Executivo? [...] Sr. Presidente, 'casa arrumada' com a educação como está?
'Casa arrumada' com três anos de salário congelado dos funcionários da educação, do funcionário público do Estado .... [...]
Ele falava que o povo tinha mesmo que invadir os terrenos baldios e as grandes áreas do Estado. [...] Tem uma uma casa
arrumada neste Estado – sem falar da casa da quadrilha dele que está arrumada, e bem arrumada [...]” Estado de Mato
Grosso. Assembleia Legislativa. Ata n° 081 – “A” - 12/08/1998. Da folha 8 até a folha 19 – Deputado Moisés Feltrin.

218
Duda teria subcontratado Mauro Cid e confessou que o PSDB nacional tinha escolhido
alguns Estados prioritários para eleição de governador, e Mato Grosso entrou pelo peso nacional que
a figura de Dante de Oliveira possuía. O acordo fora feito com Sérgio Motta e, após seu falecimento,
Mauro procurou Duda para saber se ainda estava valendo. Duda disse que sim e eles fizeram a
campanha. Mauro frisou que o governo Dante de Oliveira aconteceu “durante a campanha”, pela
divulgação maciça de suas realizações, muitas consideradas virtuais por seus adversários, por se
tratarem de obras federais ou particulares, como o Gasoduto Brasil-Bolívia, a Usina Termelétrica de
Cuiabá, a Usina Hidrelétrica de Manso e a Ferronorte.
Para Júlio Campos, esta foi uma derrota importante, porque foi a primeira vez que ficou
sem mandato por mais de um ano desde sua posse na Câmara Federal, em 1979, e sem perspectiva
para os quatro anos vindouros, desde 1973, quando assumiu a Prefeitura de Várzea Grande, aos 26
anos de idade. Não poderia concorrer à mesma vaga, porque seu irmão era o prefeito, eleito em 1996,
e seria candidato nato à reeleição em 2000. No entanto, como é possível observar em seu discurso
sobre as eleições de 1998, o PFL, núcleo da herança pessedista no Estado, se manteve dentre as
principais forças políticas. Era o partido com maior número de prefeitos eleitos em 1996 e também de
vereadores, com cerca de 23,91%, em ambos os casos. Isso lhe conferia bases sólidas nos municípios
para outras candidaturas.
Na eleição de 2002, Júlio Campos se apresentou como candidato a senador (pela boa
votação que obteve em 1998), assumindo a vaga de Jonas Pinheiro, que era cotado para vice na chapa
de Roberto França a governador, pelo PPS. Com a desistência de França, Júlio Campos se ofereceu
para concorrer a governador, mas Jonas endossou seu 1º suplente no Senado e afilhado político Blairo
Maggi, que acabou sendo indicado. Pela identidade entre Blairo Maggi e Jonas Pinheiro, a
recandidatura deste para o Senado veio de modo quase natural. Júlio Campos ainda cogitou concorrer
a uma vaga na Assembleia Legislativa, quando negociou com esta Casa uma cadeira de Conselheiro
no Tribunal de Contas do Estado.
Mauro Cid comentou sobre a força atual da tradição pessedista em Mato Grosso e seu peso
na eleição de 2002, apontando o conselheiro Oscar Ribeiro como preceptor político de Gabriel Novis
Neves e Júlio Campos, “guardião” desta herança:

Júlio gosta muito do Gabriel [...] Só que politicamente tem essa coisa de saber
que o Gabriel poderia ser um grande líder, maior que ele até. Porque o Gabriel
tinha um grande conselheiro, que é o mesmo do Júlio, que é Oscar da Costa
Ribeiro. [...] Taí Oscar até agora, até hoje, orientando Jaime. [...] Com a paixão
do PSD, não é com a paixão do PFL [...] Jonas, que a origem é PSD. [...] só está
acontecendo Blairo Maggi neste momento pela exclusão do Roberto França [...]
pelo endosso do Jonas ao Blairo [...] O Jonas puxou o restante do
tradicionalismo da política. Puxou o Jaime [...] Puxou várias outras lideranças
consolidadas de Mato Grosso, principalmente nesta região do médio-norte. [...]
O tradicional da política de Mato Grosso, já olhava essa coisa toda de uma
maneira pé atrás. [...] E sabia que não poderia competir com este pessoal,
principalmente por uma questão: recurso financeiro, dinheiro. [...] A do Roberto
Campos teve dinheiro pra fazê-lo, mas não teve a influência do dinheiro para

219
poder transformar isto num mote político, porque tinha um candidato a
governador que era a própria representação da política de Mato Grosso
tradicional, que era o Júlio. [...] Se o Jaime tivesse topado ser candidato ao
governo essa época, o Blairo teria endossado [...] Acontecesse que ninguém
assumiu e deixaram pro Blairo ficar, porque ninguém acreditava na vitória. [...]
Mato Grosso a partir da reeleição do Blairo zerou, outra vez, o quadro político
(30/10/2006, entrevista).

As eleições de 2002 representaram o fechamento de um ciclo político em Mato Grosso, a


exemplo de 1965 e 1978. As três maiores lideranças políticas do pós-divisão, Dante de Oliveira,
Carlos Bezerra e Júlio Campos ficaram sem mandato, ao mesmo tempo, pela primeira vez nesta
eleição. Em todas as outras, pelo menos um deles ganhava um mandato eletivo. Em 1978, Júlio
Campos e Carlos Bezerra foram eleitos deputados federais e Dante de Oliveira deputado estadual.
Em 1982, Júlio Campos foi eleito governador, Carlos Bezerra prefeito de Rondonópolis e Dante de
Oliveira deputado federal. Em 1986, Júlio Campos foi eleito deputado federal, Carlos Bezerra
governador e Dante de Oliveira prefeito de Cuiabá. Em 1990, Júlio Campos foi eleito senador,
derrotando Carlos Bezerra, e Dante de Oliveira foi o candidato mais votado para deputado federal,
embora não tenha sido eleito. Em 1994, Dante de Oliveira foi eleito governador, com Carlos Bezerra
senador e Júlio Campos no meio do mandato. Por fim, em 1998, Dante de Oliveira foi reeleito
governador, derrotando Júlio Campos, e Carlos Bezerra perdeu a eleição para Antero Paes de Barros,
mas continuou seu mandato, que estava na metade.
Vale conjeturar que, se Dante de Oliveira tivesse optado por não concorrer à reeleição em
1998, em função de seu desgaste no seu primeiro mandato, e disputado uma cadeira no Senado, é bem
provável que Antero Paes de Barros fosse o candidato a governador, por sua proximidade política e
filiação ao PSDB. Neste caso, o cenário de 2002 poderia ter sido antecipado em quatro anos e um
candidato “novo” teria espaço para se projetar no desgaste dos nomes mais fortes e, num eventual
segundo turno, ganhar a eleição pela novidade. Teria ocorrido em Mato Grosso, portanto, o que
aconteceu nesta mesma eleição no estado de Goiás, em que o deputado federal Marconi Perillo
derrotou o ex-governador por dois mandatos, senador Íris Rezende, e no Mato Grosso do Sul, onde o
Zeca do PT derrotou Ricardo Bacha, candidato de Wilson Barbosa Martins.
Roberto França foi o último representante do grupo da originado na UDN em Cuiabá a
postular posições estaduais. Mais uma vez esse grupo desempenhou papel importante no processo
político, decidindo a eleição em favor de quem pendesse. E mais uma vez perdeu a chefia do
Executivo estadual por erro de cálculo de um de seus líderes.
Vale observar que este grupo, dividido desde o governo Jayme Campos, quando Roberto
França se juntou a Luiz Soares no PSDB, foi quase reunificado no apoio a Blairo Maggi. Os seus
expoentes e/ou pessoas próximas (Joaquim Sucena, Rodrigues Palma, Roberto França, Osvaldo
Sobrinho, Louremberg) deram apoio político e ocuparam cargos no aparelho do Estado. Os bons
resultados obtidos por Maggi em Cuiabá podem ser creditados, em certa medida, à influência política
deste grupo. É possível inferir, portanto, que o grupo originado na velha UDN cumpriu no período
pós-divisão uma função semelhante ao velho PTB, entre 1945-1965.

220
Quer dizer, as forças políticas e seu respectivo patrimônio eleitoral tiveram papel
determinante nas eleições estaduais, embora tenham demonstrado dificuldade nas vagas majoritárias,
pois não elegeram nenhum governador e apenas um senador (Louremberg, em 1986). Menezes
(2003) afirmou que cada um dos três grandes grupos tem cerca de 1/3 do eleitorado e, como apenas
representantes de dois deles foram eleitos governadores, cabe deduzir que a oscilação dos antigos
udenistas foi um dos fatores que permitiu a alternância no comando do Executivo estadual.
Outro aspecto que deve ser considerado na eleição de Blairo Maggi, em 2002, foi a
contestação à hegemonia política de Cuiabá, a exemplo do que acontecia com a antiga região sul e o
discurso divisionista. Roberto França teria sido a última liderança cuiabana com condições de manter
o comando político estadual. Na gestão de Dante de Oliveira (1995-2002), Mauro Cid se recordou
que:

O Dante, que tinha o objetivo do projeto de 20 anos, infelizmente, nunca


conseguiu construir um arco de alianças, de políticos, que lhe dessem a
sustentação necessária para que pudesse ocorrer realmente essa coisa. Ficou
preso ali apenas a algumas pessoas, restrito. Não verificava bem nos municípios
as tendências que já estavam ocorrendo. [...] Grupos de empresários já se
sentiam insatisfeitos com a mania, com a maneira de atuação dos governantes.
Foi quando começou a falar “esses cuiabanos” [...], que só querem mandar no
Estado, só querem colocar nos cargos os apadrinhados, não querem fazer nada
pelo interior, não querem fazer nada pelo Mato Grosso como um todo. Foi nesse
período que começou a surgir o negócio da divisão, o mesmo sentimento de
dividir. O abandono do norte, o abandono do Araguaia [...] Rondonópolis
começou neste período a fazer o papel do que foi Campo Grande. [...] O Roberto
foi a última grande liderança que poderia ter mantido, ainda em mãos, vou voltar
à expressão, dos “cuiabanos”, o poder. Foi no dia em que o Roberto foi
praticamente expulso dessa possibilidade, de dentro do PSDB, foi aí que houve
a grande ruptura do equilíbrio do quadro político de Mato Grosso [...] A não-
candidatura do Roberto França desencadeou, exatamente, a fragilidade, a
fragmentação e a desunião daqueles que, até então, governavam Mato Grosso e
tinham o poder. [...] Aí surge o fato Blairo Maggi (04/09/2006, entrevista).

221
E pílogo Toda análise da luta política deve ter como fundamento as determinantes
econômicas e sociais da divisão do trabalho político, para não ser levada a
naturalizar os mecanismos sociais que produzem e reproduzem a separação
entre os agentes politicamente ativos e os agentes politicamente passivos e a
constituir em leis eternas, as regularidades históricas válidas nos limites de
um estado determinado da estrutura da distribuição do capital.
(BOURDIEU, p. 163, 2001).

Serão apresentadas neste espaço algumas observações feitas pela pesquisa à luz da
problemática sugerida e interpretações sobre os fatos narrados. A preferência por chamar esta seção
de epílogo, e não conclusão ou considerações finais, é uma referência à natureza da História do
Tempo Presente, considerada como uma “História sem epílogo”. De fato, quando se investigam
períodos mais remotos é possível visualizar com maior clareza os ciclos históricos e o término de
episódios importantes, embora eles deixem rastros de memória até a atualidade, na forma de
monumentos e documentos.
Na tentativa de responder às questões sugeridas, com ênfase nas dificuldades de
estruturação do campo partidário em Mato Grosso no período abordado, foi possível identificar a
existência de três ciclos políticos, liderados por três gerações das elites políticas mato-grossenses. A
primeira, nascida entre 1889 e 1905, atingiu seu auge entre as décadas de 1930 e 1960, na qual se
destacaram Vespasiano Martins (1889), João Villasbôas (1891), Arnaldo Estevão de Figueiredo
(1892), Júlio Müller (1896), Filinto Müller (1900), Fernando Corrêa da Costa (1903) e João Ponce de
Arruda (1904).
A segunda, nascida entre 1915 e 1930 e que liderou o bipartidarismo (Arena x MDB), inclui
José Fragelli (1915), José Garcia Neto (1922), Antônio Mendes Canale (1923), Gastão Müller
(1924), Cássio Leite de Barros (1926), Frederico Campos (1927) e Pedro Pedrossian (1928). Por fim,
a terceira geração que debutou no pós-divisão, contando com Gilson de Barros (1940), Louremberg
Nunes Rocha (1940), Jonas Pinheiro (1940), Carlos Bezerra (1941), Márcio Lacerda (1945), Júlio
Campos (1946), Roberto França (1948), Osvaldo Sobrinho (1949), Jayme Campos (1951), Dante de
Oliveira (1952), Antero Paes de Barros (1953) etc.
Filinto Müller talvez tenha sido o último dos personagens de uma época em que Mato
Grosso, em particular a sua região norte, era uma área isolada do resto do Brasil e tinha mais força
política que econômica. Exatamente por sua condição de fragilidade econômica durante o período
imperial e republicano, Mato Grosso tinha que se preocupar com a formação de quadros na área
política, acadêmica, burocrática, eclesiástica e militar que pudessem articular os interesses do Estado
e de sua capital, Cuiabá, em nível nacional. Nas décadas de 1940 e 1950, Mato Grosso possuía figuras
de destaque, como o presidente Eurico Gaspar Dutra, o Arcebispo Dom Francisco de Aquino Corrêa,

223
os senadores Filinto Müller e João Villasbôas, o deputado federal João Ponce de Arruda, o Marechal
Cândido Rondon, Virgílio Alves Corrêa Filho, dentre outros. O único que se aproximou desse perfil
na atualidade, considerando sua influência nacional e duração de sua presença no Congresso
Nacional, superior ao próprio Filinto Müller (24 anos), foi o senador Jonas Pinheiro.
A divisão revelou destinos já separados dos dois Estados, pois Mato Grosso do Sul perdeu
espaço econômico em âmbito nacional e em relação a Mato Grosso, mas manteve a sua participação
política, elegendo dois presidentes do Congresso Nacional (José Fragelli e Ramez Tebet) e tendo
papel destacado no crescimento do PT. Já Mato Grosso perdeu espaço político na esfera nacional, mas
ganhou relevância econômica.
A sua função na federação deixou de ser a de proteção das fronteiras por meios militares,
passando a contribuir o binômio segurança e desenvolvimento do regime civil-militar, no qual se
devia “integrar para não entregar”. Mato Grosso passou a contribuir para a economia nacional com
elevada produção de alimentos, de modo a ampliar a sua oferta e manter a inflação sob controle, bem
como gerar saldos na balança comercial que permitissem financiar as importações de bens de capital e
consumo. Tornou-se destaque nacional, portanto, pelos “reis da soja”, Olacyr de Moraes e Blairo
Maggi, e por alguns escândalos envolvendo os agentes da fronteira. A eterna dependência de
investimentos federais, em particular na área de infraestrutura, por conta de suas dimensões e bacias
hidrográficas, manteve o seu perfil de “Estado governista”, decisivo na separação em 1979.
Pudemos verificar que o relacionamento político foi marcado por tensões permanentes,
tanto entre os grupos (horizontal) como internamente (vertical). A maneira como se deram as
transições de uma geração para outra, sempre marcadas por mudanças institucionais importantes de
origem nacional, demonstram bem isso. Na eleição de 1965, já havia uma pré-disposição do
eleitorado em torno da candidatura de Wilson Fadul (inclusive com anuência do próprio senador
Filinto Müller), por sua boa votação para governador em 1960, o crescimento do PTB sob sua
liderança, em particular na região sul, e sua condição de Ministro da Saúde.
O golpe militar de 1964 embaralhou as cartas do jogo sucessório em Mato Grosso. Lúdio
Coelho apresentou-se como candidato amparado no discurso de alinhamento de Mato Grosso com a
“renovação política” que estaria ocorrendo em nível nacional, com maior espaço para os sulistas e por
sua posição de empresário bem sucedido. Já pairava no ar, portanto, o discurso mudancista, do
combate às oligarquias mais antigas, maior participação política dos sulistas, da troca de comando
para uma nova geração etc. Com base nesse terreno, surgiu a candidatura de Pedro Pedrossian,
montada no mesmo discurso e capitalizando ainda as sequelas deixadas pelo golpe militar no Estado,
em particular na região sul, onde se concentrava a maior força do PTB.
O mandato de Pedrossian foi tenso pelo reflexo das mudanças trazidas pelo regime civil-
militar que se instalava, no sentido da realização das “reformas de base”, mesmo sob orientação
conservadora. Estas se somavam à sua condição de outsider na política partidária e sem um grupo
constituído. Pedrossian abriu muitas frentes de disputa com as elites políticas, principalmente por
romper com as demissões em massa que caracterizavam todo começo de governo e implantar uma
reforma administrativa. Como os ex-udenistas tiveram papel destacado na articulação civil do golpe

224
militar, exigiam maior participação política e conseguiram que os dois governadores seguintes
fossem estrelas emergentes na UDN desde a década de 1950.
José Fragelli, representou o “antiPedrossian”, quer dizer, pelo perfil austero nas finanças
públicas, pelo forte apoio militar, o vínculo com o condomínio de famílias tradicionais do Estado e
por ter demonstrado desapego ao cargo em ocasiões anteriores. Fragelli trouxe o caráter birregional,
sendo aceito pelos sulistas, por sua articulação histórica ao divisionismo, bem como no norte, pela
liderança junto à UDN e aproximado.
Já Garcia Neto foi escolhido por ser a maior liderança política da UDN nortista, para
amenizar o impacto da divisão na região norte. No entanto, sempre sofreu de um déficit de
representatividade junto à UDN sulista, que indicou todos os candidatos a governador no período
1945-1965. Era visto com desconfiança por algumas posições políticas assumidas, a exemplo do
apoio à reforma agrária num congresso nacional da UDN, o voto e o discurso em favor do Deputado
Márcio Moreira Alves, na véspera do AI-5, e a defesa de eleições diretas para governador em 1970.
Somado a isso, Garcia Neto reservou peças de articulação importantes para seu próprio grupo
político, como a vaga de vice-governador e a Prefeitura da Capital. Sua postura antidivisionista e a
identificação de qualquer tentativa nesse sentido, como enfraquecimento de seu mandato,
dificultaram muito as relações políticas internas e mantiveram a temperatura política elevada.
O sentimento antidivisionista incentivado por Garcia Neto, sua maneira de conduzir o
Estado, adicionada à rápida mudança de postura quanto à divisão e as transformações decorrentes
desaguaram no resultado das eleições de 1978. A Arena II conseguiu as quatro vagas majoritárias,
com destaque para Frederico Campos e Benedito Canellas. Convém salientar também a boa votação
do Padre Pombo, efeito colateral do discurso trabalhado por Garcia Neto, e o crescimento do MDB.
Ao exemplo de Lúdio Coelho e Pedro Pedrossian, o Padre nunca tivera voto popular, até então. Mais
uma vez, uma mudança institucional vinda de Brasília embaralhou o jogo sucessório, dificultou o
cálculo dos atores e encerrou um novo ciclo político. Os nomes apontados como sucessores de Garcia
Neto no começo de seu mandato tomaram rumos diferentes e o próprio governador acabou cedendo
às pressões e concorrendo, caindo na maldição das renúncias seguidas das candidaturas de ex-
governadores ao Senado.
A terceira geração, portanto, foi “promovida” ao primeiro plano da política mato-
grossense. Os herdeiros do grupo do PSD (Arena II) estavam na ala pedrista. Júlio Campos pôde
articular a sua candidatura para governador em 1982, com o espaço aberto pelas mortes de Filinto
Müller, Emanuel Pinheiro, João Ponce de Arruda e a divisão do Estado, aliadas à do distanciamento
de Canellas, ao enfraquecimento progressivo de Vicente Vuolo, pela pré-candidatura de Roberto
Campos ao Senado na sua vaga, e de Gastão Müller, que preferiu se mudar para o PP e depois PMDB.
No MDB ocorreu processo semelhante. A maior parte das lideranças estava radicada na
região sul, de modo mais intenso que a Arena, por conta da regionalização dos votos. O deputado
estadual Carlos Bezerra, baseado em Rondonópolis, já vinha ocupando posições na burocracia do
partido e na bancada estadual do MDB. Como o partido vinha numa tendência de crescimento em
nível nacional e tivera na candidatura do Padre Pombo uma “locomotiva” para puxar votos, foi
mantida em 1978 a mesma representação estadual e federal anterior à divisão. É possível afirmar,

225
portanto, que as principais lideranças do MDB e depois PMDB surgiram quase ao mesmo tempo, com
exceção de Carlos Bezerra, que estava um mandato na frente.
A posição da Arena I nesse momento fundador acabou comprometendo seu
comportamento por todo período posterior. Com a retirada de cena das principais lideranças durante o
governo Garcia Neto (1975-1978), a opção pelo sul, de José Fragelli e Rachid Saldanha Derzi, além
da derrota do próprio ex-governador, primeiro, para Benedito Canellas (1978) e, depois, para Roberto
Campos (1982) emergiu uma nova geração. Personagens como Osvaldo Sobrinho, Louremberg
Nunes Rocha, Joaquim Sucena, Rodrigues Palma, Luiz Soares, Roberto França, dentre outros,
mantiveram um patrimônio eleitoral elevado, mas muito concentrado em Cuiabá e em algumas
regiões do norte do Estado.
Uma possibilidade interpretativa para compreender a dinâmica política do Estado no pós-
divisão é observar a relação entre os três grandes grupos. O MDB vinha numa tendência de
crescimento em nível nacional e também no Estado, desde 1974, pela transformação das eleições em
plebiscitos contra o regime civil-militar em vigor. Sua votação teve grande crescimento nas eleições
de 1978, em Mato Grosso, saltando do patamar de 11% dos votos para deputado estadual e federal
para 26/27% e alcançado a segunda colocação na eleição de senador (Padre Pombo).
Houve, portanto, nacionalização da política mato-grossense neste momento, com base no
eixo situação-oposição. A Arena I acabou arcando com desgaste do alinhamento com o regime civil-
militar por estar há dois mandatos no comando do Poder Executivo e em função da forma como a
divisão do Estado foi efetivada (sem plebiscito). A Arena obteve resultado superior pela existência da
sublegenda e a capacidade de internalizar a antiga disputa UDN-PSD, o que desapareceu com a
multipartidarização.
A votação do MDB foi resultado, também, das mudanças sociais, demográficas e
econômicas experimentadas pelo Estado na década de 1970, com forte crescimento das principais
cidades e urbanização, com a vinda de migrantes de todo o país. A população urbana quase triplicou
no período em números absolutos, saltando de saltou de 38,77%, em 1970, para 57,22% do total, em
1980, como salientou Rivera (2006). Isso abalou os padrões de dominação política até então vigentes,
porque trouxe os problemas típicos da urbanização acelerada, como favelização, necessidade de
equipamentos sociais e econômicos nos bairros, desemprego e subemprego, inchaço do setor
terciário, degradação ambiental, loteamentos irregulares, habitação, formação de uma “massa
crítica” mais encorpada pelo surgimento de camadas médias em algumas cidades etc.
Na zona rural o quadro foi o mesmo, com problemas na estrutura fundiária, conflito entre
trabalhadores e grandes empresas (com destaque para colonizadoras), deficiência na prestação de
serviços públicos, invasão de propriedades, elevado número de posseiros, dentre outros. O PMDB,
capacitou-se nesse momento para exercer a oposição ao modelo ora em implementação em Mato
Grosso, pela concentração de seus votos nas maiores cidades.
De modo breve, é possível observar pela composição da bancada na Assembleia
Legislativa as mudanças socioeconômicas experimentadas pelo Estado. Como lembrou Lenine
Póvoas, a Assembleia Constituinte de 1947 foi constituída de pecuaristas, poucos industriais
(usineiros na maioria) e alguns profissionais liberais, à diferença das anteriores, em que

226
predominavam seringalistas e usineiros (1891), os últimos já dividindo espaço com pecuaristas do
sul (1935). A constituinte de 1967 já apresentava equivalência, em cerca de 45% entre empresários e
profissionais liberais e 10% para servidores públicos. Dentre os empresários estavam comerciantes,
pecuaristas e industriais e, na relação dos profissionais liberais, destacavam-se os advogados, mas
havia também economista, farmacêuticos, médicos e professores. Já na Constituinte de 1989, os
profissionais liberais assumiram a dianteira com cerca de 70% do total de cadeiras, com 30% para os
empresários. Dentre estes últimos, apenas um pecuarista e alguns comerciantes e industriais.
Dentre os profissionais liberais, ainda havia uma predominância de advogados, mas
registrando a presença de administrador, dentista, engenheiro, enfermeira e profissionais da mídia,
numa tendência que se acentuaria desde então. Isso aponta para mudanças na correlação de forças da
sociedade, em particular no interior de suas elites, com menor peso dos pecuaristas, pela saída da
antiga região sul, associada à emergência dos produtores de grãos (soja, milho, arroz), e maior
presença de profissionais liberais, com destaque para a mídia. É um reflexo da urbanização
vivenciada pelo Estado desde a década de 1970 e a consequente formação de centros com mais de
50.000 habitantes, como Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, Cáceres, Barra do Garças, Tangará
da Serra e Sinop359.
No campo partidário, a Arena II, agora abrigada no PDS, retomou o comando do Poder
Executivo nos mandatos de Frederico e Júlio Campos, que se apresentaram como representantes do
regime civil-militar em Mato Grosso e acabaram herdando a maior parte do seu espólio. Vale
salientar que esse grupo nunca estivera fora do aparelho do Estado, pela participação na Arena e
posições ocupadas nas prefeituras e na bancada estadual e federal, incluindo liderança do Executivo e
a Presidência da Assembleia em diversas ocasiões (José Ferreira de Freitas, José Benedito Canellas,
Emanuel Pinheiro, Oscar Ribeiro).
Portanto, o eixo em torno do qual as forças políticas se organizaram nesse momento foi de
novo situação-oposição, com o primeiro polo capitaneado pelo PDS e depois PFL, e o segundo pelo
PMDB que aprofundou a postura de “frente” pela redemocratização e continuou apresentando
crescimento elevado, em função do desgaste progressivo dos militares. A Arena I preferiu filiar-se ao
PP para se dissociar do esvaziamento progressivo do situacionismo e “empurrar” este ônus à Arena II.
Com a inviabilização do PP, optaram por aderir ao PMDB.
Parte do declínio e dos problemas enfrentados por este grupo no pós-divisão podem ser
explicados pela desarticulação de suas bases tradicionais. As cidades em que a UDN tinha peso
eleitoral no período 1945-1965, em particular o leste (Poxoréu, Tesouro, Guiratinga, Torixoréu, Alto
Garças) tiveram sua importância demográfica reduzida, em função do fluxo migratório
desencadeado a partir da década de 1970 (caíram de 11,92%, em 1970, para 2,57% em 2000, em 2010
2,15%). A sua grande força manteve-se em Cuiabá e municípios vizinhos, com Roberto França,
Rodrigues Palma, Joaquim Sucena, dentre outros.

359
A fonte para estas informações são as fichas dos deputados estaduais disponíveis no Instituto Memória da Assembleia
Legislativa de Mato Grosso (http://www.al.mt.gov.br/memoria).

227
Uma das razões para se entender a disputa política no PMDB com o grupo que vinha após a
incorporação do PP é exatamente a luta pelo espaço em Cuiabá. Em todas as vezes que eles brigaram
em Cuiabá, a aliança se desfez em nível estadual, permitindo o crescimento do grupo liderado pelo
PFL. Por conta dessa disputa autofágica, o PMDB perdeu a oportunidade de se transformar, em Mato
Grosso, num partido predominante, internalizando o conflito político estadual pela alternância de
alas diferentes e ganhando as eleições para governador por, pelo menos, três mandatos consecutivos,
a exemplo do que aconteceu em Mato Grosso do Sul.
A eleição de 1982 representou o primeiro enfrentamento de acordo com este eixo, com a
candidatura de Júlio Campos, representando pelo PDS, o modelo econômico e político em curso e o
Padre Pombo, pelo PMDB. O mapa eleitoral evidencia bem essas diferenças, ao revelar a vitória do
PMDB nos municípios mais populosos, excetuando Várzea Grande e Barra do Garças, pela origem
dos candidatos a governador e Vice do PDS. O PMDB venceu também na região noroeste do Estado e
no Araguaia, enfrentado derrota nas cidades fundadas pelas grandes colonizadoras, como Sinop e
Alta Floresta.
Os resultados obtidos pelo PMDB se deram a despeito da força do PDS naquele momento,
que detinha quase todas as prefeituras, o governo Estadual, federal e empresas privadas que
financiaram a campanha de Roberto Campos a senador. Pelo resultado apertado e o crescimento
contínuo do PMDB, com a inauguração da Nova República, Carlos Bezerra articulou sua candidatura
a governador em 1986, sendo eleito com larga margem de votos.
A desarticulação do PMDB em nível nacional, durante a Constituinte e o governo Sarney
(1985-1990), somada aos problemas de convivência das duas alas em Mato Grosso ocasionaram
rachas na frente que se formou na oposição ao regime civil-militar, empurrando o grupo do PP para
fora do governo Bezerra. Eles chegaram à eleição de 1990 com toda a condição de encabeçar projeto
político próprio, pela bancada estadual e federal, que detinham e a própria distribuição do eleitorado,
com forte concentração na região norte, no caso do deputado federal Osvaldo Sobrinho. Ao não
lançarem candidatura própria, cometeram mais um erro, porque empurraram tal decisão para 1994,
criando uma disputa interna entre Osvaldo Sobrinho e Louremberg Nunes Rocha e acabaram
perdendo uma de suas maiores lideranças, o então deputado estadual Roberto França.
Se tivessem uma candidatura própria em 1990, teriam grandes chances de rachar o
eleitorado e forçar um segundo turno, talvez até com a sua participação contra Jayme Campos, com
chance de ampliar seu eleitorado. Ainda que perdessem, teriam um nome já trabalhado para mais uma
candidatura majoritária em 1994. A desarticulação das chapas proporcionais do PMDB provou que
eles poderiam ter eleito seus candidatos, mesmo sem um “cabeça de chapa” forte. Quer dizer, ao não
concorrer à reeleição em 1990, quando tinha amplas condições de ser o mais votado, Osvaldo
Sobrinho acabou transferindo seu eleitorado para Jonas Pinheiro, que foi o deputado federal mais
bem votado dos eleitos. Por sua origem profissional (médico veterinário) e pela articulação que
detinha com o patronato rural, desde sua passagem pela Presidência da Emater no governo Frederico
Campos (1979-1982), Jonas Pinheiro se tornou o grande interlocutor do segmento, em um momento
muito importante para a agricultura em Mato Grosso, especialmente pelas mudanças introduzidas
pelo Plano Collor.

228
A eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, acabou encerrando a longa transição
do regime autoritário para o democrático, iniciada pelo general Geisel. Por sua eleição com votação
expressiva em primeiro turno, em virtude do sucesso do Plano Real, Fernando Henrique reconstituiu
um consenso mínimo entre as elites políticas e econômicas em torno da estabilidade monetária e as
reformas necessárias para mantê-las como “centro de gravidade ideológico”, conforme a agenda do
neoliberalismo.
Encerrou-se, desta forma, um ciclo de quatro presidentes fracos (Figueiredo, Sarney,
Collor e Itamar Franco), em função do desgaste do projeto nacional-desenvolvimentista e das crises
próprias da transição entre regimes. Pela formação de uma nova coalizão em torno desta agenda, bem
como pelas mudanças em nível internacional no campo da esquerda (queda do Muro de Berlim),
ocorreu uma “desideologização” do debate e uma redução na temperatura política, com mudança nas
linhas de clivagem anteriores. Em conjunto com isso, Mato Grosso presenciou uma grande
renovação do eleitorado e das próprias elites, em função das mudanças sociais e econômicas e da
migração de outros Estados. Para as novas forças, os marcos organizadores da disputa política no
pós-divisão, como alinhamento ao regime civil-militar e seu projeto de desenvolvimento para Mato
Grosso, perderam força.
O deslocamento para a direita, que o PMDB apresentou durante o governo Sarney, com a
consequente perda de eleitorado nos maiores centros urbanos e no interior das camadas mais
escolarizadas da população, ocasionou a formação do PSDB e o fortalecimento do PT, como
herdeiros da modernização política, econômica e social. As candidaturas de Luiz Alberto Esteves
Scallope (PT) e Luiz Soares (PSDB), a governador, e Dante de Oliveira (PDT), a deputado federal em
1990, todos egressos do PMDB, confirmaram esse movimento em Mato Grosso, ao serem bem
votados nos maiores municípios. Em 1994, a frente de oposição ao governismo em Mato Grosso,
liderado pelo PFL, foi recomposta. Pelo desgaste de Carlos Bezerra junto ao eleitorado dos
municípios maiores e sua rejeição e pelas forças da “frentinha” de partidos mais à esquerda (PT, PPS,
PSB e PPS), a chapa foi liderada por Dante de Oliveira para governador, com Márcio Lacerda como
vice, Bezerra e Antero Paes de Barros nas vagas do Senado e a participação do PT.
Durante seu primeiro mandato, Dante de Oliveira enfrentou a crise do Estado, gerada pela
realidade pós-inflacionária trazida pelo Plano Real, e promoveu o alinhamento de Mato Grosso com
as iniciativas federais nessa área, filiando-se ao PSDB e defendendo o projeto de reeleição de FHC
em 1998. Em função do deslocamento à direita do PSDB, no governo FHC, resultante de seu inchaço
e interiorização e da coalizão de partidos montada no Congresso Nacional, o PT de Mato Grosso
decidiu pelo rompimento com o governo Dante de Oliveira, antecipando também o embate entre Lula
e FHC como um impedimento para que continuassem com Dante de Oliveira.
Desta forma, surgiu a candidatura de Carlos Abicalil a governador, em 1998, que acabou
herdando parte deste eleitorado mais progressista, perdido pelo PMDB e depois pelo PSDB,
amparado no seu crescimento contínuo no Estado, verificado em todas as eleições legislativas. Tanto
a votação em Dante de Oliveira quanto em Carlos Abicalil cresceu conforme o tamanho do
município, o que demonstrou que eles estavam disputando o mesmo eleitorado.
Outro aspecto importante a ser observado nesta eleição é a desarticulação da “tríplice
aliança” entre Dante de Oliveira, Márcio Lacerda e Carlos Bezerra. Em função da candidatura de

229
Bezerra a senador, em 1998, em coligação com Júlio Campos, e do isolamento de Márcio Lacerda,
Dante de Oliveira foi reeleito numa chapa pura do PSDB. O rompimento com o PMDB teve efeitos
importantes no segundo mandato, como a transformação do PSDB em partido majoritário no Estado
(com 52 prefeituras) e na interlocução com outras forças nas suas principais regiões. Em
Rondonópolis, o aliado passou a ser Wellington Fagundes, no lugar de Bezerra e Percival Muniz; em
Cáceres, os interlocutores passaram a ser Túlio Fontes e Pedro Henry, no lugar dos irmãos Lacerda, e
assim por diante. Desta forma, Dante de Oliveira acabou empurrando uma grande parte de seu grupo
político de origem para a oposição, o que, somado ao polo do PFL, abriu caminho para a candidatura
de Blairo Maggi em 2002.
A eleição de 1998 pode ser entendida, portanto, como uma “guerra de todos contra todos”
na elite política tradicional em Mato Grosso, com Dante de Oliveira no centro. Júlio Campos e Carlos
Bezerra uniram-se contra Dante, por sua juventude e trânsito nacional, mas também contra si
mesmos. Esta eleição agravou as relações de Júlio Campos com Jayme Campos, pela derrota em
Várzea Grande e o pouco apoio que era esperado na campanha; Júlio Campos com o “grupo do PP”,
com destaque para Osvaldo Sobrinho e Rodrigues Palma, que ficaram sem mandato; Bezerra e
Márcio Lacerda, em mais uma rodada pela liderança do PMDB; e Roberto França e Antero Paes de
Barros, pela largada na frente para a sucessão de 2002 como candidato de Dante de Oliveira.
É importante observar também a nacionalização dessa eleição que desorganizou as
expectativas dos atores políticos locais. Como as pesquisas apontavam a vitória de Fernando
Henrique Cardoso, por larga margem em Mato Grosso, Dante de Oliveira buscou “vincular” o voto,
quer dizer, atrelar sua candidatura à de Fernando Henrique, aproveitando a identidade partidária e o
projeto de reeleição de ambos. Com base nisso e na sua visibilidade política nacional, recebeu apoio
do PSDB para a sua campanha. Sem a aprovação da emenda 16/97, que permitiu a reeleição dos
chefes do Poder Executivo e se fossem mantidos os padrões de organização do campo político no
Estado, a tendência seria uma nova vitória de Júlio Campos e a eleição de Dante de Oliveira para
deputado federal ou senador.
Pelas perspectivas promissoras apontadas para si e para Mato Grosso naquele momento
(finanças públicas equilibradas, Ferronorte, Usina de Manso, Termelétrica, Gasoduto, Hidrovia
Paraguai-Paraná, emergência do agronegócio etc.), Dante considerou que seria o grande nome de um
novo ciclo político. Quando surgiram as candidaturas de Roberto França e Antero Paes de Barros a
governador pelo PSDB, repetindo a velha disputa cuiabana do grupo do PP com os autênticos do
PMDB, Dante de Oliveira não se posicionou como deveria, por considerar, talvez, a sua posição de
líder maior da política mato-grossense como inabalável, com base na aprovação de seu governo e nas
intenções de voto para senador. Não interveio na disputa França-Antero de modo mais adequado, que
poderia ser a busca de um terceiro nome aceito pelos dois grupos.
No momento crucial da eleição para a Prefeitura de Cuiabá, em 2000, se Dante de Oliveira
tivesse se dedicado mais à intermediação da disputa França-Antero e negociado o nome de Guilherme
Müller para a posição de vice-prefeito, talvez tivesse isolado Antero e abafado suas pretensões
eleitorais. Acabou acontecendo a saída de Roberto França em direção ao PPS, o que agravou o

230
isolacionismo de Dante e Antero, que acabaram incorrendo nos mesmos erros de Garcia Neto ao
preferir parentes e deixaram forças políticas importantes de fora do “acordão”. Dante de Oliveira,
portanto, “envelheceu” ao se comportar da mesma forma que aqueles a quem acusava de oligarcas,
não percebendo as mudanças do eleitorado.
Já estava em curso, também, um processo de “descuiabanização”, com a maior diversidade
regional do Estado, a redução do peso de Cuiabá na economia, a emancipação do empresariado pela
reforma do Estado e as mudanças no agronegócio, na década de 1990, e a contestação à hegemonia
cuiabana na política. Tal conjunção de fatores alimentou um novo sentimento divisionista ao norte e
no Araguaia, assim como o fortalecimento de Rondonópolis, que passou a cumprir o papel que
outrora foi de Campo Grande como “capital do interior”. O ciclo de cinco governadores “cuiabanos”
e cinco deputados campeões de voto, domiciliados em Cuiabá-Várzea Grande que se seguiu à
divisão, se encerrou360.
Dante de Oliveira construíra a sua carreira política com o discurso da redemocratização
trazido do PMDB, destacando a “modernização” do Estado, nas áreas política, ética e econômica.
Identificou o comportamento autocrático e centralizador de Júlio Campos e Carlos Bezerra como
típico das antigas oligarquias e representantes, portanto, das “forças do atraso”, que deveriam ser
combatidas em Mato Grosso. Esse discurso e seus métodos, associado ao crescimento do PT em nível
nacional, pela candidatura de Lula a Presidência, semearam o terreno para Blairo Maggi (PPS) e
Alexandre César (PT), como cabeças de chapa, mas que nunca tiveram voto popular até então.
Com esse resultado, o PSDB repetiu os mesmos problemas do PMDB da década de 1980,
perdendo a oportunidade de transformar no partido predominante em Mato Grosso, com três
mandatos consecutivos. Vale observar que nos três momentos de alteração nos ciclos políticos, os
protagonistas Pedro Pedrossian, Padre Pombo e Blairo Maggi não possuíam consistência
programática e ideológica, o que lhes permitiu apenas capitalizar o sentimento de renovação do
eleitorado e “nacionalizar” o voto, ao importar outros padrões de comportamento ao eleitor.
A exemplo da eleição de 1998, houve forte nacionalização, também em 2002, só que desta
vez usada pelos adversários de Dante de Oliveira. Sua eleição era considerada positiva até pela
coligação de Blairo Maggi, que só lançou um candidato forte ao Senado (Jonas Pinheiro) por conta de
seu trânsito nacional e dos vínculos que estabeleceu com o agronegócio em seu segundo mandato. No
entanto, quando Dante foi forçado a atacar Blairo para ajudar na campanha de Antero Paes de Barros,
sua candidatura foi atrelada a José Serra, que disputava a Presidência pelo PSDB e não vinha obtendo
bons resultados. Nessa estratégia de rotular Dante e Antero como “PSDB”, a participação do PT foi
muito importante, em particular nas maiores cidades do Estado, onde o candidato Alexandre César
obteve resultado expressivo. Não foi casual, portanto, a emergência de PPS e PT nesta eleição, pois

360
Vale destacar que Júlio e Jayme Campos nasceram na residência de sua família em Várzea Grande. A emancipação foi em 1948.
Portanto, na data de nascimento de Júlio (1946), Várzea Grande ainda não era um município e no nascimento de Jayme
Campos (1951), já se transformara em município. Carlos Bezerra também nasceu na região do Rio da Casca, então zona rural
de Cuiabá e município de Chapada dos Guimarães a partir de 1953. A expressão “cuiabanos” aponta que foram todos nascidos
em Cuiabá ou nas suas proximidades.

231
ambos apresentaram grande crescimento nacional em função dos problemas enfrentados pelo
segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, baseados nas candidaturas de Ciro Gomes e Luiz
Inácio Lula da Silva, respectivamente.
Os três grupos, portanto, que saíram da divisão do Estado (MDB, Arena I e II), mantiveram
quase congelada a disputa política em Mato Grosso durante o bipartidarismo. É possível visualizar
claramente dois polos distintos, formados no eixo situação-oposição e que tiveram postura ofensiva
na conjuntura crítica dos primeiros anos pós-divisão para se estruturar. Um, liderado pelo PDS e
depois PFL, cuja matriz está na Arena II e no PSD, e outro, liderado pelo PMDB e depois PSDB,
herdando o espólio do PTB e do MDB. No caso do PDS/PFL, a disputa política foi “familiarizada”
com o destacamento de dois irmãos como suas principais lideranças (Júlio e Jayme Campos) e Jonas
Pinheiro.
Uma das grandes razões para a sobrevivência política desse grupo foi a sua forte presença
no interior do Estado e nas cidades menores das regiões mais povoadas, marcadas por maior
dependência do Estado. Outra razão foi a capacidade de se reciclar do ponto de vista instrumental,
quer dizer, compreender as mudanças em seu entorno e adotar novas ferramentas para preservar o
domínio político. O primeiro grande desafio a este grupo foi sair do círculo mais fechado de
lideranças “cuiabanas”, transformando sua forte votação em municípios importantes do interior,
como Alta Floresta, Barra do Garças, Colíder, Tangará da Serra, Primavera do Leste, Sorriso e Sinop,
em novos nomes que pudessem herdar o seu patrimônio político. O segundo foi enfrentar a
“renovação pela direita”, que veio com os grupos de José Riva, Blairo Maggi e os empresários do
agronegócio, que buscavam maior participação política e articulação direta com a União, sem
intermediação de políticos profissionais.
O grupo do PP (A Arena I) teve seu comportamento político marcado pela indefinição e a
afirmação de uma liderança mais forte após a aposentadoria de Garcia Neto, Milton Figueiredo e
Oscar Soares. A falta de projeto político próprio de médio e longo prazos e consistência programática
e pela dificuldade de associação a forças políticas nacionais, acabou fazendo com que eles
“chegassem atrasados” em diversas ocasiões e não constituíssem uma máquina político-partidária
estável na sua relação com seus eleitores e clientelas. Ficaram marcados pelo adesismo às
candidaturas de oposição e serviram para facilitar a entrada do grupo do PDS/PFL em municípios em
que estes eram fracos, como Cáceres e Cuiabá. Para exemplificar as idas e vindas já relatadas deste
grupo, basta observar as suas filiações partidárias ao longo do tempo. Roberto França esteve em cinco
partidos diferentes desde 1979 (PP, PMDB, PTB, PSDB e PPS), enquanto Júlio Campos esteve em
apenas dois, Dante de Oliveira em três e Carlos Bezerra em um único.
O grupo originado no MDB enfrentou os problemas típicos da disputa interna pela
liderança, em especial nas suas passagens pelo comando do Poder Executivo estadual. Houve a
disputa entre Dante de Oliveira e Bezerra e, mais tarde, entre Dante e Antero Paes de Barros, que
acabaram cristalizando alas dentro dos partidos em torno destas figuras e dificultado a busca pela
unidade. O seu grande desafio, em particular no caso do PSDB, foi enfrentar o desafio à “esquerda”
trazido pelo PT, no sentido da participação ampliada de novos atores na arena política, como setores
do Ministério Público, Poder Judiciário, polícias e imprensa, movimentos sociais, minorias, eleitores

232
mais independentes dos centros urbanos em busca de melhorias no plano ético etc. A “aliança”
informal, feita em 2002, contra Dante de Oliveira, quando se apresentavam duas formas de
“renovação” para cada tipo de eleitorado (Alexandre César e Blairo Maggi, Serys e Murilo
Domingos), permitiu ao PT vencer o PSDB em Cuiabá, Várzea Grande, Cáceres e Sorriso e quase
empatar em Rondonópolis, Tangará da Serra, Juína e Barra do Garças, o que demonstra bem tal
tendência.
Outra observação importante se refere à alternância dos grupos políticos no comando do
Estado. Ela seria resultado mais da dinâmica do sistema político do que propriamente de um
gerenciamento intencional. O governador exerceu um triplo papel: chefe do Poder Executivo, figura
importante de seu próprio partido (até pela simbiose que ele costumava ter com o aparelho estatal) e
coordenador de uma coalizão de partidos que lhe conferia sustentação no parlamento e na sociedade.
Se ele escolhesse um sucessor no meio do mandato, anteciparia a sucessão e esvaziaria a própria
autoridade política, além de rachar a coalizão partidária que presidia, porque o nome nunca seria
representativo do conjunto de forças que apoiaram a sua eleição. Ao fazer isso, ele empurrou as
facções não contempladas para uma candidatura própria ou para apoio ao candidato da oposição, o
que acabou garantindo a aparente alternância dos grupos na chefia do Poder Executivo.
Quer dizer, o governador não conseguiu reproduzir as condições que o levaram a reunir
apoio e se tornar candidato quando estava na oposição. Os partidos que conseguiram superar essa
situação eram aqueles que se tornaram predominantes, como aconteceu em Mato Grosso durante o
bipartidarismo (1966-1978), com a Arena detendo maioria no eleitorado e promovendo a alternância
entre a Arena I e a Arena II. Com a aprovação da reeleição e a melhoria do ambiente macroeconômico
após o Plano Real (1994), tal ciclo ficou alongado para dois mandatos, com a eleição para o segundo
mandato se transformando num “referendo” de renovação do mandato para mais quatro anos.
Algumas tensões marcaram a pesquisa que permitiu a redação deste livro, como entre
descrição e análise e também entre um período mais longo ou mais curto. Algumas conjunturas
críticas, com maior densidade factual, merecem um melhor tratamento em outras pesquisas. Vale
apontar aqui a tentativa de cassação do mandato de Pedro Pedrossian em 1967, a divisão do Estado no
governo Garcia Neto (1975-1978), a “arenização” do PMDB (1982-1988) e, por fim, o fechamento
do ciclo político com as eleições de 1998 e 2002.

233
Fontes
1 – Depoimentos

AMARAL, S. Salomão do Amaral. Depoimento prestado em sua residência em Campo Grande


(24/10/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 03 horas e 37 minutos. Nascido
em Pernambuco e radicado em Corumbá (atual Mato Grosso do Sul) foi radialista em Cuiabá,
militante do PTB e presidente da Ame no Rio de Janeiro na década de 1950, quando era estudante de
Direito. Foi preso político após o golpe de 1964 e Advogado do Ministério dos Transportes e
Secretário de Justiça no governo José Fragelli (1971-1975). Muito próximo do senador Filinto
Müller.

BARROS, A. P. de. Antero Paes de Barros. Depoimento prestado no seu escritório em Cuiabá
(17/07/2007) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 01 horas e 30 minutos.
Jornalista, nascido em Cuiabá numa família com tradição política. Foi militante do MR-8, vereador
em Cuiabá em 1982 e deputado federal constituinte em 1986 pelo PMDB, candidato a senador em
1994 pelo PDT, chefe da Casa Civil e Secretário de Estado de Comunicação no primeiro governo
Dante de Oliveira (1995-1998) e senador da República pela PSDB (1999-2007).

BARROS, G de. Gilson de Barros. Depoimentos prestados Na Ouvidoria Geral do Estado em Cuiabá
(23 e 25/05/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 03 horas e 54 minutos.
Cuiabano, foi militar e líder estudantil na faculdade de Direito da UFMT na década de 1960. Participou
dos Governos Pedrossian (1966-1971) e Fragelli (1971-1975), na Secretaria Estadual de Fazenda.
Depois, foi eleito vereador em Cuiabá pelo MDB em 1976, deputado federal em 1978 e 1982, já pelo
PMDB. Em 1986 se candidatou a governador do Estado pelo PDT e não obteve sucesso. Desde então
exerce o jornalismo e cargos públicos. Foi Ouvidor Geral do Estado e faleceu em 07/03/2008.

BEZERRA, C. Carlos Bezerra. Depoimento prestado no escritório de seu advogado em Cuiabá


(17/10/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 01 horas e 22 minutos. Nascido
em Cuiabá (numa área hoje pertencente a Chapada dos Guimarães), foi líder estudantil no Liceu
Cuiabano e no curso de Direito da UFMT. Participou da juventude trabalhista do PTB antes do golpe
militar de 1964, foi preso após o desfecho e abandonou a atividade político-partidária. Mudou para
Rondonópolis para exercer a advocacia em 1969, e se envolveu na política do município, defendendo
moradores de glebas nas proximidades. Em 1974, foi eleito deputado estadual, deputado federal em
1978, prefeito de Rondonópolis em 1982, governador do Estado em 1986, de novo prefeito de
Rondonópolis em 1992, senador em 1994 e deputado federal em 2006. Desde a divisão do Estado é
um dos principais dirigentes do PMDB e um dos líderes mais expressivos da região de Rondonópolis.

228
BONILHA, Agripino. Agripino Bonilha. Depoimento prestado no Centro de Eventos do Pantanal
em Cuiabá (24/08/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 02 horas e 33
minutos. Nascido em Corumbá, é economista formado no Rio de Janeiro. Se mudou para Cuiabá
durante o governo Pedrossian (1966-1971), no qual exerceu diversas funções (Departamento de
Terras, Secretaria de Indústria e Comércio). Foi o fundador da Junta Comercial do Estado, onde
permaneceu por mais de doze anos (1969-1981). Foi presidente da Federação Mato-grossense de
Futebol na década de 1970, presidente do Conselho Regional de Economia e Superintendente do
Ceag, depois Sebrae. Foi eleito o vereador mais votado em Cuiabá em 1982 e exerceu a presidência do
Cepromat e do Bemat durante o governo Bezerra (1987-1990). Com base neste cargo, foi o candidato
do PMDB a governador em 1990. Desde então, se afastou da política-partidária, exerceu algumas
funções públicas e continuou no Sebrae.

CAMPOS, F. Frederico Campos. Depoimento prestado em sua residência em Cuiabá (31/05/2006)


para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 02 horas e 52 minutos.
Cuiabano, engenheiro civil formado no Rio de Janeiro. Foi prefeito de Cuiabá (1967-1969),
Secretário de Estado de Obras (1975-1978), governador do Estado (1979-1983), candidato a
governador em 1986 e prefeito de Cuiabá pela segunda vez (1989-1992). Depois, tentou duas eleições
para deputado estadual, sem sucesso.

CAMPOS, J. Jayme Campos. Depoimento prestado na sede do Diretório Regional do Democratas


em Cuiabá (22/05/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 30 minutos.
Empresário, nascido em de Várzea Grande (MT), de onde foi prefeito em três mandatos (1983-1989,
1997-2001 e 2001-2005), governador do Estado de Mato Grosso (1991-1995) e senador, eleito em
2006.

CAMPOS, J. Júlio Campos. Depoimento prestado em seu gabinete no Tribunal de Contas do Estado
em Cuiabá (13/09/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 01 horas e 24
minutos. Cuiabano, nascido no então distrito de Várzea Grande em 1946, antes da emancipação,
ocrrida em 1948. Formado em Agronomia pela Unesp de Jaboticabal (SP), foi prefeito de Várzea
Grande (1973-1977), Deputado Federal por três mandatos (1979-1983 e 1987-1991, 2011-2015),
governador do Estado (1983-1986) e senador (1991-1999). Em 2002 foi indicado pela Assembleia
Legislativa para uma cadeira de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso.

CANELLAS, J. B. José Benedito Canellas. Depoimento prestado na Assembleia Legislativa em


Cuiabá (05/10/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 01 horas e 03 minutos.
Nascido em São Manoel (SP) em 1938, se mudou para região de Cáceres em meados da década de
1960. Integrou o grupo de lideranças formadas por Pedrossian quando governador do Estado e, nesta
condição, foi eleito vereador em Cáceres (1966), deputado estadual (1970) e deputado federal (1974).
Na eleição de 1978, foi eleito senador ganhando do ex-governador Garcia Neto. Depois, nunca mais
disputou eleições e passou a assessorar parlamentares.

236
CID, M. Mauro Cid. Depoimento prestado na sala de reuniões do Jornal Circuito Mato Grosso em
Cuiabá (04/09/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 01 horas e 50 minutos.
Cuiabano, publicitário, foi chefe da Casa Civil durante o governo Fragelli (1973-1975), quando
participou do Diretório Regional da Arena. Especializou-se em marketing político e assessorou as
campanhas de Roberto Campos em 1982, a senador, Gabriel Novis Neves a prefeito, em 1985,
Frederico Campos para a Prefeitura, em 1988, Dante de Oliveira para governador, em 1998, Jayme
Campos para prefeito de Várzea Grande, em 2000, dentre outros. Pública na imprensa local como
analista político.

FADUL, W. Wilson Fadul. Depoimento prestado por telefone de sua residência no Rio de Janeiro
(31/05/2007) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de cerca de 02 horas. Nascido em
Valença (RJ), aos 4 de fevereiro de 1920, cursou Medicina na Faculdade Nacional (RJ). Mudou para
Campo Grande, em 1947, como médico da Aeronáutica. Foi eleito o vereador mais votado pelo PTB,
em 1950, e concorreu à Prefeitura, em 1953, após a morte do prefeito Ari Coelho. Teve três mandatos
como deputado federal (1955-1959, 1959-1963, 1963-1964), sendo o mais votado de Mato Grosso,
em 1958. Foi presidente do diretório regional do PTB, de 1953 a 1964, e ocupou o Ministério da
Saúde no governo João Goulart (1963-1964). Faleceu no Rio de Janeiro em 18/10/2011.

FIGUEIRÓ, R. Ruben Figueiró. Depoimento prestado em sua residência em Campo Grande


(29/09/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 02 horas e 57 minutos.
Nascido em Miranda, no antigo sul de Mato Grosso uno, foi deputado estadual por dois mandatos
(1971-1979), exercendo a liderança do Poder Executivo na Assembleia Legislativa no mandato de
Garcia Neto. Depois da divisão, foi deputado federal por três mandatos consecutivos e conselheiro do
Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul. Hoje, publica na imprensa de Campo Grande
como analista político e ocupa a segunda suplência da senadora Marisa Serrano (PSDB-MS).

FORTES, O. Osvaldo Fortes. Depoimento prestado em sua residência em Cuiabá (07/07/2006) para
Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 02 horas e 04 minutos.
Cuiabano, formado em Administração Pública pela EBAP/FGV, na década de 1950, exerceu diversos
cargos governamentais. Foi presidente da Casemat, fundador da Codemat, Secretário de governo e
Coordenação Econômica no governo Pedrossian e Fragelli, Secretário de Planejamento da Prefeitura
de Campo Grande nos mandatos de Levy Dias e Marcelo Miranda, Secretário Estadual de
Planejamento no governo Frederico Campos, dentre outros. Foi também professor da UFMT durante
todo este período, na área de Administração.

FRAGELLI, J. M. F. José Manuel Fontanillas Fragelli. Depoimentos prestados em sua residência


em Aquidauana (27 e 28/09/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 04 horas e
58 minutos. Nascido em Corumbá, estudou Direito na USP na década de 1930 e exerceu a advocacia
em Campo Grande e Aquidauana, onde também foi promotor (1939-1943). Foi deputado estadual por
dois mandatos (1947-1955), Secretário de Estado no primeiro mandato de Fernando Corrêa da Costa,

237
Deputado Federal (1955-1959). Ficou dez anos fora da atividade político-partidária, retornando
como presidente da Arena (1969). Em seguida, foi governador do Estado de Mato Grosso (1971-
1975). Após a divisão, optou por ficar no Mato Grosso do Sul e exerceu o mandato de senador (1980-
1987), ocupando a Presidência do Senado no biênio (1985-1986). Ocupou, de modo interino, a
Presidência da República por duas ocasiões, em 1986. Faleceu em Aquidauana em 30/04/2010.

FREITAS, E. Edison de Freitas. Depoimento prestado em sua residência em Cuiabá (06/07/2007)


para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 02 horas e 30 minutos. Nascido em Aparecida
do Taboado, no então sul de Mato Grosso, estudou em Lins (SP) e se formou em Medicina no Rio de
Janeiro (1957). Foi trabalhar no município de Jales (SP), onde participou da fundação do MDB e foi
prefeito entre 1969-1973. Mudou-se para Cuiabá em 1976 e manteve a militância no MDB e depois
no PMDB, onde ocupou vários cargos diretivos. Por sua força junto às bases do partido, foi escolhido
pelo candidato a governador Carlos Bezerra, em 1986, como candidato a vice-governador. Com a
vitória e posterior renúncia de Carlos Bezerra para concorrer a uma vaga no Senado Federal, em
1990, Edison de Freitas assumiu o governo estadual. Sofreu um derrame cerebral seguido de acidente
num ultraleve no começo de 1991, o que o obrigou a licenciar ao governo de Mato Grosso em favor
do então presidente da Assembleia Legislativa, Deputado Moisés Feltrin.

FREITAS, J. F. José Ferreira de Freitas. Depoimento prestado em sua residência em Cuiabá


(30/01/2007) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 03 horas e 29 minutos.
Advogado, nascido em Minas Gerais, se radicou em Corumbá como funcionário do Banco do Brasil.
Nesta condição e por suas relações com o PSD local, foi eleito deputado estadual pela região. Foi
líder de Pedro Pedrossian na Assembleia Legislativa, com destaque para a tentativa de impeachment
em 1967. Teve mais um mandato como deputado estadual (1971-1974) e exerceu a Secretaria de
Administração no governo Garcia Neto (1975-1978). Ao final deste período, foi nomeado
conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, cargo que acumulou com o magistério na área de
Direito na UFMT.

LACERDA, M. José Márcio Panoff de Lacerda. Depoimento prestado em sua residência em


Brasília (16/08/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 02 horas e 36 minutos.
Advogado, nascido em Corumbá, mas de família importante na região de Cáceres. Herdou o
eleitorado do PTB na região de seu pai e ingressou no MDB, na década de 1970. Foi eleito deputado
estadual, em 1978, deputado federal, em 1982, senador, em 1986, e vice-governador na chapa de
Dante de Oliveira, em 1994, todos pelo MDB/PMDB. Em 1998, teve sua candidatura cogitada a
“senador de consenso” entre Dante e Bezerra, mas acabou não concorrendo e, desde então, não
exerceu mais cargos públicos.

MENEZES, A. Alfredo da Mota Menezes. Depoimento prestado em sua residência em Cuiabá


(30/08/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 02 horas e 20 minutos.
Historiador, nascido em Poxoréu (MT), participou da vida partidária no PMDB e depois PSDB desde

238
a década de 1980. É um dos principais autores e analistas políticos do Estado, especializado em temas
como integração regional, hidrovia Paraguai-Paraná etc.

MONLEVADE, J. João Monlevade. Depoimento prestado na sala de reuniões da consultoria


legislativa do Senado Federal, em Brasília (18/08/2006), para Vinicius de Carvalho Araújo, com
duração total de 01 horas e 14 minutos. Paulistano, foi seminarista e, nessa condição, veio para Mato
Grosso em 1969. Radicou-se na região de Arenápolis, onde se tornou professor da rede estadual e
depois da UFMT. Com base na sua participação no movimento sindical, participou da fundação do
PT de Mato Grosso, no início da década de 1980, e foi seu primeiro candidato a governador, em 1982.
Candidatou-se a deputado estadual, em 1986, e federal, em 1990, não obtendo êxito. Depois disso,
passou a se dedicar ao sindicalismo na área de educação, chegando à Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação (CNTE). Após sua aposentadoria na UFMT, passou a exercer a
consultoria legislativa no Senado Federal, mediante concurso.

MÜLLER, G. Gabriel Müller. Depoimento prestado em sua residência em Cuiabá (08/06/2006)


para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 01 horas e 04 minutos.
Nascido em Três Lagoas, atual Mato Grosso do Sul, filho de Fenelon Müller, irmão de Gastão e
sobrinho Filinto e Júlio Müller. Agrônomo formado em Minas Gerais, sempre trabalhou na área de
Agricultura e foi presidente da Codemat nos mandatos de Pedrossian e Fragelli. Também presidiu a
Federação da Agropecuária de Mato Grosso (Famato) por mais de 20 anos e foi lembrado como
candidato a governador em diversas ocasiões (1970, 1974, 1978), por sua liderança junto a este setor
e o parentesco com o senador Filinto Müller. Faleceu em Cuiabá no dia 12/11/2009.

NETO, J. José Garcia Neto. Depoimentos prestados no Hotel Global Garden em Cuiabá (06 e
11/07/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 02 horas e 35 minutos.
Engenheiro civil sergipano, estudou engenharia civil no Rio de Janeiro e foi contratado pela
empreiteira Coimbra Bueno, que executou as principais obras em Cuiabá no final do Estado Novo
(1945). Ele optou por ficar na cidade, se casou e fundou uma empreiteira. Em 1954 foi eleito prefeito
de Cuiabá pela UDN na primeira eleição direta para este cargo, o que lhe permitiu a candidatura a
vice-governador na chapa de Fernando Corrêa da Costa, em 1960, sendo mais votado que o titular.
Foi derrotado na convenção da UDN para escolha do candidato a governador, em 1965 e concorreu
para deputado federal, em 1966e 1970, sendo o mais votado nas duas eleições. Em 1974, foi indicado
governador do Estado e participou da polêmica em torno da divisão do Estado. Foi derrotado em duas
eleições consecutivas para o Senado Federal (1978 e 1982) e se aposentou da vida eleitoral. Faleceu
em Cuiabá no dia 19/11/2009.

NEVES, G. N. Gabriel Novis Neves. Depoimento prestado na área administrativa do Hospital Geral
Universitário (HGU) em Cuiabá (28/08/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total
de 02 horas e 04 minutos. Cuiabano, estudou Medicina no Rio de Janeiro. Foi diretor do Hospital
Adauto Botelho e Secretário de Estado de Educação, no governo Pedrossian (1966-1971). Com a

239
instalação da UFMT em Cuiabá, em 1970, passou a exercer a função de reitor, onde permaneceu até
1982, quando se candidatou ao Senado pelo PDS, junto com Roberto Campos. Depois exerceu vários
cargos públicos e foi derrotado por Dante de Oliveira na candidatura a prefeito de Cuiabá, em 1985,
quando decidiu se aposentar da vida político-partidária.

RIBEIRO, O. Onofre Ribeiro. Depoimento prestado na sala de reuniões da Revista RDM em Cuiabá
(09/06/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 01 horas e 55 minutos.
Jornalista, nascido em Minas Gerais, chegou a Mato Grosso vindo de Brasília em 1976, para compor
a assessoria de imprensa do então governador Garcia Neto. Desde então permaneceu no Estado
exercendo funções de professor, analista político, jornalista, colunista e consultor especializado em
agronegócios. Foi coordenador da campanha de Frederico Campos a governador, em 1986.

RIBEIRO, O. Oscar Ribeiro. Depoimento prestado em seu gabinete na Ouvidoria Geral no Tribunal
de Contas do Estado em Cuiabá (30/10/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de
01 horas e 38 minutos. Nascido em Rosário Oeste (MT), foi professor da rede estadual e prefeito de
seu município no começo da década de 1970. Exerceu três mandatos como deputado estadual (1974,
1978, 1982), chegando à Presidência da Assembleia Legislativa, no biênio 1979-1980. Foi nomeado,
pelo então governador Júlio Campos, para uma cadeira no Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Depois da sua aposentadoria, foi nomeado Ouvidor Geral do TCE. Desde então, continuou
participando da vida política como dirigente partidário do PDS e depois PFL, hoje Democratas. É
considerado um dos principais herdeiros da tradição do PSD em Mato Grosso.

RIBEIRO, R. A. Renato Alves Ribeiro. Depoimento prestado em sua residência em Campo Grande
(24/10/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 01 horas e 14 minutos.
Pecuarista na região de Aquidauana (MS), é sobrinho do ex-governador Fernando Corrêa da Costa e
cunhado do também ex-governador José Fragelli.

ROCHA, L. Louremberg Nunes Rocha. Depoimentos prestados em seu gabinete na Secretaria


Estadual de Ação Política em Cuiabá (23 e 25 05/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com
duração total de 01 hora. Nascido em Poxoréu (MT), estudou Direito em São Paulo e foi Procurador
do Estado e da Fazenda Nacional. Em 1975 assumiu a Secretaria de Estado de Educação, no governo
Garcia Neto. Foi um dos pré-candidatos mais fortes à sucessão de Garcia Neto em 1978, sendo
preterido pela escolha de Frederico Campos. Se candidatou então a deputado federal pela Arena,
ficando com a segunda melhor votação, abaixo de Júlio Campos. Mudou-se para o PP e depois para o
PMDB, onde foi candidato derrotado a vice-governador na chapa do Padre Raimundo Pombo, em
1982. Em 1986, foi eleito senador pelo PMDB, mas deixou o partido em direção ao PTB, em 1988.
Foi de novo candidato a senador, em 1994, ficando em quatro lugar. Desde então, se dedica às suas
empresas e já exerceu cargos públicos no Estado e na Prefeitura de Cuiabá.

240
SOBRINHO, O. Osvaldo Sobrinho. Depoimento prestado em seu gabinete na Secretaria de Estado
de Educação em Cuiabá (24/01/2007) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 45
minutos. Nascido na região da Grande Dourados (Fátima do Sul) no então sul de Mato Grosso, se
projetou em Cuiabá e no interior do Estado na área de educação. Foi Delegado de Ensino, no período
de Louremberg Rocha na Seduc, e, com base no trabalho feito na implantação de escolas nos
municípios do norte do Estado, foi eleito o deputado estadual mais bem votado, em 1978. Foi reeleito,
em 1982 (já pelo PMDB) e conquistou uma cadeira na Assembleia Constituinte, em 1986. Em 1990,
foi eleito vice-governador na chapa de Jayme Campos, função que acumulou com a Secretaria de
Educação. Foi derrotado por Dante de Oliveira na disputa pelo governo do Estado, em 1994 e se
candidatou a deputado federal, em 1998, sendo derrotado mais uma vez.

TOCANTINS, A. Aecim Tocantins. Depoimento prestado em sua residência em Cuiabá


(14/07/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 02 horas e 28 minutos. Aecim
Tocantins nasceu em Cuiabá no ano de 1923. Estudou Contabilidade no Rio de Janeiro, na década de
1940, e trabalhou na área em sua cidade natal. Também foi professor da Escola Técnica de Comércio.
Filiado à UDN, foi vereador em Cuiabá, presidente da Câmara Municipal (1954), vice-prefeito
(1959-1963) e prefeito interino (1961). Foi também Secretário de Interior, Justiça e Finanças no
segundo mandato de Fernando Corrêa da Costa (1961-1966), Chefe da Casa Civil do governo
Fragelli (1971-1973), Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (1973-1978), presidente desta
Corte, e primeiro representante de Mato Grosso na Comissão Especial criada pela LC 31/77 para
operacionalizar a divisão do Estado (1978-1979).

ZAVIASKY, P. Paulo Zaviasky. Depoimento prestado em sua sala no Tribunal Regional do


Trabalho em Cuiabá (14/09/2006) para Vinicius de Carvalho Araújo, com duração total de 02 horas e
19 minutos. Jornalista de origem russa, nascido em Cuiabá, participou do Jornal Equipe na década de
1970 e do movimento antidivisionista de oposição ao governador José Fragelli. Foi assessor de
imprensa no governo Frederico Campos e, desde então, trabalha como jornalista em Cuiabá.

241
Referências Bibliográficas
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José Fragelli.

Carta de José Fragelli endereçada a João Villlasboas. Aquidauana, 14/05/1968. Acervo pessoal de
José Fragelli.

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Cândido Rondon, 1988.
GABINETE DE PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO. Retrospectiva das eleições em Mato
Grosso: de 1945 a 1985. Cuiabá: Fundação Cândido Rondon, 1988.
GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO. Gráficos exibidos na palestra do governador
Garcia Neto aos estagiários da Escola Superior de Guerra. Cuiabá: Governo de Mato Grosso,
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GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO. Mato Grosso Pós-divisão: Relatório. Cuiabá:
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SECRETARIA DE JUSTIÇA. Radiografia eleitoral. Cuiabá: Governo de Mato Grosso, 1980.
SECRETARIA DE PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL (SEPLAN). Zoneamento
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22 e 23 – Deputado Cecílio Jesus Gaeta.
ESTADO DE MATO GROSSO. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. Ata n° 116 – 29/09/1982. Folha 34
– Deputado Dante Martins de Oliveira.
ESTADO DE MATO GROSSO. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. Ata n° 145 – 21/12/1982. Folhas
08 a 09– Deputado Márcio Lacerda.
ESTADO DE MATO GROSSO. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. Ata n° 145 – 21/12/1982. Folhas
28 a 31 – Deputado Martins Dante de Oliveira.

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ESTADO DE MATO GROSSO. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. Ata n° 15 – 15/03/1983. Folhas 4 e
5 – governador Júlio Campos.
ESTADO DE MATO GROSSO. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. Ata n° 50 – 16/05/1985. Folha 16 –
Deputado Roberto França.
ESTADO DE MATO GROSSO. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. Ata n° 10. 15/03/1987. Folhas 5, 6
e 7 – governador Carlos Bezerra.
ESTADO DE MATO GROSSO. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. Ata n° 40 05/05/1988. Folhas
12/13. – Deputado William Dias (líder do PMDB).
ESTADO DE MATO GROSSO. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. Ata n° 053 - 09/06/1998. Folha 13
– Deputada Serys Slhessarenko.
ESTADO DE MATO GROSSO. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. Ata n° 081 – “A” - 12/08/1998. Da
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GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO. Mensagem do Poder Executivo para a Assembleia
Legislativa (exercício de 1992). Cuiabá, 1993.
Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso. Atas das sessões. Pronunciamento do governador
José Garcia Neto na abertura da sessão legislativa de 1978. Cuiabá, 15/03/1978.
Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso. Atas das sessões. Pronunciamento do governador
José Garcia Neto na abertura da sessão legislativa de 1978. Cuiabá, 15/03/1978.
GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO. Mensagem do Poder Executivo para a Assembleia
Legislativa (exercício de 1985). Cuiabá, 1986.
Fichas individuais dos parlamentares das seguintes legislaturas: 6ª (1967-1970), 7ª (1971-1974), 8ª
(1975-1978), 9ª (1979-1982), 10ª (1983-1986); 11ª (1987-1990), 12ª (1991-1994), 13ª (1995-1998) e
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Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso

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Ata de apuração Tribunal Regional Eleitoral – MT. Eleição 1965.
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL – MT. Relatório Eleição 1966. Cuiabá: TRE-MT, 1966.
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL – MT. Relatório Eleição 1970. Cuiabá: TRE-MT, 1970.
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL – MT. Relatório Eleição 1974. Cuiabá: TRE-MT, 1974.
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TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL – MT. Resultados Eleição 1990. Cuiabá, 1990.
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL – MT. Resultados Eleição 1992. Cuiabá, 1992.
ACÓRDÃO N.° 7.648 (de 15 de setembro de 1.983) - RECURSO N 6.030 — CLASSE 4' - MATO
GROSSO (1' Zona—Cuiabá). Recorrente: Diretório Regional do PMDB por seu Delegado e
Presidente Edison de Freitas Oliveira. Disponível em www.tse.gov.br.
Os resultados eleitorais de 1994 e 1998 disponíveis na página do Tribunal Regional Eleitoral de Mato
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Periódicos
O Estado de Mato Grosso (1970)

Diário de Cuiabá (1970 a 2006)

Folha do Estado (1998)

Jornal “A Gazeta” (1990 a 1994)

Jornal da Manhã – Campo Grande (1977)

Jornal de Brasília – Distrito Federal (1979)

Correio Braziliense – Distrito Federal (1979)

Jornal do Brasil (1979)

Última Hora - Rio de Janeiro

O Globo – Rio de Janeiro (2005)

Jornal Opção - Goiânia (2005)

Revista Veja (1977)

Revista Contato (1982)

Campo Grande News (2005)

Missão Salesiana de Mato Grosso. Raimundo Conceição Pombo Moreira da Cruz Sacordote
Salesiano.

255
Pronunciamentos
Câmara dos Deputados
Pronunciamento do Deputado Federal Weimar Torres na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário
do Congresso Nacional (Seção I), p.4704, 23/08/1967.
Pronunciamento do Deputado Federal Rachid Mamed na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário
do Congresso Nacional (Seção I), p.4705, 23/08/1967;
Pronunciamento do Deputado Federal Edyl Ferraz na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do
Congresso Nacional (Seção I), p.4619, 19/08/1967.
Deputado Federal José Feliciano de Figueiredo na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário do
Congresso Nacional (Seção I), p.5058, 26/09/1967.
Pronunciamento do Deputado Federal Wilson Barbosa Martins na Câmara dos Deputados em
Brasília. Diário do Congresso Nacional (Seção I), p.4801, 25/08/1967.
Pronunciamento do Deputado Federal José Garcia Neto na Câmara dos Deputados em Brasília.
Diário do Congresso Nacional, p. 2262, 27/05/1967.
Pronunciamento do Deputado Federal José Garcia Neto na Câmara dos Deputados em Brasília.
Diário do Congresso Nacional, p. 3550, 21/06/1967.
Pronunciamentos do Deputado Federal José Garcia Neto na Câmara dos Deputados em Brasília.
Diário do Congresso Nacional, 12/08/1967.
Pronunciamento do Deputado Federal Gastão Müller na Câmara dos Deputados em Brasília. Diário
do Congresso Nacional, pp. 1062-1067, 05/04/1975. Disponível em http://www.camara.gov.br.
Acessado em 02/09/2006.
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Mato Grosso” na edição de 12/05/1976. Disponível em http://www.camara.gov.br. Acessado em
02/09/2006.
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Pronunciamento de senador Gastão Müller no Senado Federal em Brasília. Diário do Congresso
Nacional (Seção II), p.1841, 26/05/1982.
Pronunciamento de senador Gastão Müller no Senado Federal em Brasília. Diário do Congresso
Nacional (Seção II), p. 2665, 07/08/1982.
Pronunciamento do senador Júlio Campos no Senado Federal em Brasília. Diário do Congresso
Nacional 2, p. 6885, 13/07/1993.
Pronunciamento do senador Fernando Henrique Cardoso no Senado Federal em Brasília. Diário do
Congresso Nacional 2, p. 9185, 15/12/1994.
Pronunciamento do senador Carlos Bezerra no Senado Federal em Brasília. Diário do Senado
Federal, p. 14668, 29/10/1998.
Pronunciamento do senador Júlio Campos no Senado Federal em Brasília. Diário do Senado
Federal, p. 1599, 16/01/1999.

VÍDEOS

A Divisão de Mato Grosso: um Documentário Sobre os Fatos Históricos e Políticos da Divisão de


1977. LeãoFilm/MTO2. Cuiabá, 2000. VHS. 75 minutos.

ÁUDIO

Arquivo de áudio da sessão da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso em 15/03/1979


(Posse do governador Frederico Carlos Soares de Campos). Disponível no acervo do Instituto
Memória do Poder Legislativo.

259
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<http://www.diariodecuiaba.com.br. Acessado em 17/01/2007.

260
A Conceitos
nexo I - Glossário com os principais
Trabalhados no Livro
Burocracia – De acordo com Crozier (1981), a burocracia revela o espetáculo paradoxal de um
sistema que eliminou as relações de dependência pessoal e política e as substituiu por ligações
hierárquicas, autoritárias e rígidas. A organização burocrática especializa e fragmenta os papéis para
tornar o perito mais neutro e independente. Desta forma, ela cria um espírito de casta e tentações de
aliança que se cristalizam em torno dos papéis. A disfunção é combatida pelo reforço da
especialização. As regras que regulamentam a função e a carreira asseguram segurança e
independência ao funcionário. O chefe apenas controla a sua aplicação. Os subordinados perdem sua
força de pressão sobre os superiores. As regras protegem todos em todos os sentidos, gerando
isolamento. Elas privam o subordinado de iniciativa e o submetem, mas, de outro lado, o deixam livre
de qualquer laço pessoal, abrindo espaço para “traições”. Para proteger as regras, quem toma as
decisões deve ter autonomia contra pressões dos interessados. Esta é a segunda forma de se eliminar o
arbítrio (discricionariedade) e aumentar a centralização. A organização constitui-se, desta forma, de
estratos sobrepostos, com pouca comunicação entre si. O isolamento aumenta a pressão entre os
pares do grupo para o indivíduo, tornando-se o único fator de regulação, além das regras. Isso é
essencial para entender o corporativismo e o ritualismo.

Cidadania - Alguns cientistas políticos chegaram a adjetivar a cidadania no Brasil, para tipificá-la
melhor. Tereza Sales chamou de “cidadania concedida” para reforçar a cultura da dádiva própria do
patrimonialismo e Paoli denominou os cidadãos de párias, pelas desigualdades sociais e de inclusão
de grupos no círculo dos sujeitos com direitos a serem reconhecidos. Por fim, Wanderley Guilherme
dos Santos cunhou a expressão “cidadania regulada”. O objetivo era denominar o padrão
corporativista de relacionamento do Estado com a cidadania, mediado pela condição de trabalhador
(“carteira de trabalho”) e de excludente todos aqueles alheios a essa condição. Aqui se incluem a
população não economicamente ativa, trabalhadores informais e algumas categorias que tiveram sua
regulamentação profissional tardia, como os empregados domésticos e trabalhadores rurais. Campos
(1990) afirmou que a falta de base social torna a democracia brasileira apenas formal, com traço
distintivo na aceitação do domínio do Estado. Seria uma subcidadania, gerada pela baixa textura
organizacional da sociedade civil. Para a autora, tal dificuldade de institucionalizar a participação
política no Brasil fora dos espaços abertos pelo Estado se reflete na forte tendência apresentada ao
longo da história, de alternância entre o autoritarismo e o populismo. Ambos os regimes dispensam as
instituições e mantêm a participação popular autônoma em níveis considerados baixos.

261
Clientelismo - Chamado também de fisiologismo ou personalismo, pode ser definido como uma rede
de intermediação de recursos, cujo objetivo é informalizar as relações institucionais. Como apontou
Fedozzi (2001), o clientelismo tem na troca de favores o elemento unificador das suas variadas
formas. A dependência política e econômica engendrada pelo sistema de clientela representa um
legado de sociedades assentadas no patrimonialismo, que não conseguiram construir a cidadania nos
moldes do Estado liberal-burguês. O corporativismo, por seu turno, se caracteriza pela inclusão
tutelada de determinadas categorias sociais na ordem política, organizadas na forma de corporações e
com forte codificação formal. Ambas (clientelismo e corporativismo) tentam esvaziar a luta de
classes e revelam forte caráter privatista.

Coronelismo - Carvalho (1997) salientou que o coronelismo expressava uma complexa rede de
relacionamentos baseados em compromissos recíprocos, unindo o senhoriato rural ao Presidente da
República. Ele teria se desenvolvido na Primeira República (1889-1930) pela adoção do federalismo,
que fortaleceu o papel dos Presidentes de Província e governadores de Estado e a decadência econômica
dos fazendeiros. Ele teve a sua construção quando da montagem pelo governo da regência de uma
Guarda Nacional, após a abdicação de Dom Pedro I (1831), inspirada na Guarda Burguesa instituída na
Revolução Francesa (1789-1799) para patrulhar as propriedades e estradas do interior do país em
substituição ao Exército, que estava comprometido com a nobreza e o rei. O governo da regência (1831-
1840) passou a vender as posições na Guarda Nacional a civís, seguindo a hierarquia militar (tenente,
major, capitão, tenente-coronel e coronel), com a ressalva do general, que era exclusividade das Forças
Armadas. Com o tempo, tais títulos passaram a expressar a desigualdade social e coronel virou
sinônimo de chefe político local, já que era o maior representante da Guarda Nacional e, portanto, do
Imperador, na vizinhança. Na República os coronéis tiveram expressiva atuação, especialmente entre
1890 e 1930.

Esquerda e direita – Giddens (1999), continuando numa discussão levantada pelo filósofo italiano
Norberto Bobbio, afirmou que o eterno critério de distinção entre direita e esquerda reside na postura
diante da igualdade, da justiça social e do papel do Estado nas políticas de emancipação. O apoio mais
ou menos enfático a estas questões definiria o posicionamento ideológico numa época de transição
como a atual, por se tratar de temas permanentes. Bresser Pereira (2000) entendeu que nas
democracias modernas a tendência na disputa político-ideológica é o da busca pelo centro, onde se
encontra a maior parte do eleitorado. Os extremos do espectro estariam afastados da dinâmica política
pela desarticulação das duas grandes utopias do século XX (nazi-fascismo e comunismo). Inspirado
emGiddens, Bresser propôs a divisão das forças políticas nos países em desenvolvimento, com base
em sete grandes critérios, na sua maior parte determinados pela agenda do “Consenso do
Washington”: 1 - controle de classe sobre o partido; 2 – papel do Estado; 3 – reforma do Estado; 4 –
prestação de serviços sociais; 5 – previdência social; 6 – política econômica; 7 – globalização. Sob
esta categorização, Bresser apontou três grandes correntes na política contemporânea, a saber: Velha
Centro-esquerda (social-democracia), Nova Centro-esquerda (terceira via) e Nova Centro-Direita
(neoliberalismo).

262
Federalismo - A federação, embora tenha a sua matriz na experiência norte-americana, é muito mais
assimétrica e descoordenada. Há profundos desequilíbrios entre os entes federativos, como a
desproporcionalidade da representação no Congresso Nacional, o peso dos governadores na
formação e articulação das bancadas no parlamento e a inexistência de instâncias intermediárias
entre Estados e municípios. Abrúcio (1998) descreve um padrão de relacionamento
intergovernamental vigente no Brasil entre os anos de 1982 e 1994, denominado de
“ultrapresidencialismo estadual”. Seu surgimento está ligado à fragilização do modelo varguista,
tanto no nacional-desenvolvimentismo da economia quanto no corporativismo que marcou as
relações Estado-sociedade; à incapacidade do governo militar de controlar a dinâmica política em
função da crise da dívida externa e da consequente perda de legitimidade; à ascensão dos
governadores e dos agentes políticos locais e ao caráter assumido pela transição, com três eleições
diretas para governador, senador e os cargos proporcionais, em 1982, 1986 e 1990, e apenas uma
isolada para a Presidência da República em 1989, dentre outros. Para maiores detalhes leia D'Araújo,
Maria Celina & Castro, Celso. Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: FGV, 1997; Bohn, Simone. Ainda o
velho problema da representação dos Estados na Câmara dos Deputados. In: Soares, Gláucio Ary
Dillon e Rennó, Lúcio R. Reforma Política: Lições da História Recente. Rio de Janeiro: FGV, 2006;
Abrúcio, Fernando Luiz. O ultrapresidencialismo estadual. In: Andrade, Régis de Castro (Org.).
Processo de governo no município e no Estado. São Paulo: EdUSP, 1998.

Ministério Público e Poder Judiciário - Alguns atores importantes a serem considerados no


panorama institucional brasileiro contemporaneamente são: o Poder Judiciário e o Ministério
Público. A sua maior presença na sociedade e nas disputas partidárias tem levado alguns autores a
designar tal fenômeno de tribunalização ou judicialização da política. De acordo com Arantes (2004),
as razões fundamentais para tal expansão são o número crescente de matérias reguladas pelo Welfare
State e a maior atenção dada aos direitos difusos e coletivos, que implicaram em reestruturações do
Poder Judiciário, no sentido da sua maior democratização (juizados especiais de pequenas causas,
defensorias públicas). Neste marco, é possível compreender também o fortalecimento do Ministério
Público pela Constituição de 1988, com a Ação Civil Pública, a autonomia administrativo-financeira
do órgão e a independência funcional dos promotores e procuradores. Cabe destaque também a
extensão das prerrogativas dos magistrados aos membros do Ministério Público (inamovibilidade,
ascensão por mérito e antiguidade, irredutibilidade de vencimentos, vitaliciedade etc).

Oligarquias - Para o sociólogo alemão Robert Michels, pequenos grupos no interior de organizações
democráticas e complexas, como grandes partidos de massa, sindicatos de trabalhadores e associações
emergem, tendem a concentrar o poder e exercer maior controle sobre as mesmas e seus integrantes.
Isso reproduz o padrão identificado por Mosca em escala menor e dota-o de confirmação histórica e
empírica. Michels batizou sua teoria de “Lei Férrea da Oligarquia”, apontando a tendência para o
surgimento de minorias governantes em todas as organizações. Michels comungava do pessimismo
revolucionário de alguns autores, como Max Weber, Rosa Luxemburgo e Leon Trotsky, sobre o papel
da burocracia nas sociedades de massa. Para Michels, para o alcance de objetivos coletivos é necessária

263
forte organização. Esta requer, por seu turno, delegação de soberania a uma liderança. Quando tal
liderança se reproduz de modo indefinido, a democracia fica prejudicada. A oligarquização seria,
portanto, um imperativo das organizações contemporâneas, por sua dimensão e complexidade. O
caráter fechado das oligarquias é fundamental para se compreender a dinâmica política, pois esta rigidez
explica a incapacidade de renovação interna ou externa e, portanto, o surgimento das recorrentes
dissidências. Outro sentido do termo oligarquias, muito empregado nas Ciências Sociais, é o que faz
referência às classes dominantes dos Estados menos industrializados e urbanizados do país,
enfraquecidas após a Revolução de 1930, em relação à burguesia industrial e financeira. Dreifuss (1987)
apontou que são denominadas de oligarquias as elites agroexportadoras, latifundiários e elementos da
burguesia agrária, que representariam o “atraso” face à modernização capitalista. Para mais detalhes,
leia-se Robert Michels leia Grynszpan, Mário. Ciência, Política e Trajetórias Sociais: uma Sociologia
Histórica da Teoria das Elites. Rio de Janeiro: FGV, 1999; Costa, Wagner Cabral da. Do “Maranhão
Novo” ao “Novo Tempo”: a Trajetória da Oligarquia Sarney no Maranhão. Maranhão: Curso de
Formação Política CPT/CEDOC, 1997; Dreifuss, René Armand. 1964: a Conquista do Estado: Ação
Política, Poder e Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes, 1987.

Partidos políticos - No que toca aos partidos políticos, algumas considerações devem ser feitas. Uma
tipologia interessante é oferecida por Duverger (1970), entre partidos de massa e de quadros.
Segundo o autor, a diferença fundamental entre eles não é do porte, mas reside na sua estrutura
organizacional. Os partidos de massas são financiados pelos seus próprios filiados, mediante
pequenas contribuições individuais. Este aspecto é considerado determinante, pois permite que
pessoas físicas comprometidas com o programa partidário lhe dêem suporte, afastando da busca por
patrocinadores empresariais. As formas de participação interna também são diferenciadas, com
maior abertura para os atores sociais. Já os partidos de quadros se notabilizam por reunir pessoas
influentes, que gozem de prestígio político e credibilidade, para apoiar uma determinada candidatura.
Em seguida, técnicos se responsabilizam pela captação de recursos para pagar a campanha e a própria
estrutura do partido. Eles obtêm pela escolha o que os partidos de massa fazem pelo número de
filiados. Duverger (1970) classificou os partidos, portanto, pela estrutura (burgueses, socialistas,
fascistas etc.), origem dos adeptos (massas, quadros e fiéis), natureza da participação (partido-
comunidade, partido-ordem), dimensão (vocação majoritária, grandes e pequenos), origem (criação
parlamentar-eleitoral ou da base).

Populismo - O populismo, de acordo com Laclau (1977), é um conceito impreciso e obscuro, que
pode ser visualizado como uma ideologia ou movimento político, conforme o marco conceitual
adotado. Weffort (1980) disse que o populismo só pode ser bem compreendido aos olhos da
correlação de forças em classes e suas frações numa determinada situação histórica. É um fenômeno
recorrente nas décadas de 1930 e 1940, quando ocorreram mudanças sociais como a industrialização
e a migração para os grandes centros urbanos, constituindo um operariado até então muito rarefeito.
De outro lado, havia a crise das formas de dominação oligárquicas anteriores a 1930, com apoio de
parte das camadas médias urbanas, o que criou o imperativo de incorporar as massas ao processo
político de forma subalternizada.

264
Weffort (1980) apontou a diferença entre o populismo e o coronelismo, ao afirmar que o primeiro se
define pela exaltação do Estado, na pessoa do líder carismático que o governa e se coloca em contato
direto com a população. Sua posição de árbitro acima das classes seria expressão de um “Estado de
compromisso” firmado entre as diferentes frações de classe em crise de hegemonia.

Presidencialismo – Santos (2002) destacou que o presidencialismo é marcado pelo alto número de
atribuições constitucionais do Poder Executivo, que lhe conferem elevado poder de agenda
legislativa; pelos recursos que o Presidente pode manejar para formar maiorias no parlamento, com
destaque para emendas e cargos públicos; pela sua desvinculação em relação aos partidos, por conta
do voto plebiscitário e personalizado; pela centralização das decisões congressuais nos líderes
partidários e nos instrumentos à disposição do Executivo (medida provisória, regime de urgência
etc.); e pela necessidade de compor o ministério por meio de ampla composição partidária e regional,
gerando o que a literatura especializada denomina presidencialismo de coalizão.

Relação Estado-capital - Tem sido marcada, como descreveu Diniz (2000), pela gramática do
corporativismo. No período varguista (1930-1945), a participação dos empresários na tomada de
decisão governamental foi articulada por sua presença em conselhos e comissões setoriais. As
características deste modelo, que o diferencia do neocorporativismo europeu, são a exclusão dos
trabalhadores destes fóruns deliberativos e a fragmentação representativa do empresariado, que
dificultaram a formulação de plataformas políticas mais abrangentes e inclusivas. Um dos exemplos
de tal segmentação é a estrutura classista dual, sindical, de um lado (com base nas federações
estaduais e confederações nacionais), e associativa de outro, pelas entidades setoriais (indústria de
base, montadoras de automóveis etc.).

Subsistema eleitoral - Combina eleições majoritárias para alguns cargos (executivos e senador) e
proporcionais para outros (legislativo). O tipo de proporcionalidade adotado é gerador de várias
distorções, pela sobrerrepresentação de Estados menos populosos, a lista aberta e a coligação entre
partidos diferentes. Deste modo, os votos dados a um candidato contam para toda a coligação, mas os
eleitos serão aqueles com maior votação individual. Isso gera uma intensa competição
intrapartidária, eleva o custo das campanhas e, portanto, alimenta a corrupção no posterior exercício
do mandato. A legislação permite ainda a indicação de um número elevado de candidatos por vaga na
eleição, o que dificulta uma maior identidade eleitor-partidos, pela diluição do debate programático.
Além destes incentivos ao individualismo político, pode ser lembrada a possibilidade de um
parlamentar eleito mudar de partido sem perder o mandato e de ser “candidato nato” na próxima
eleição; a “infidelidade partidária” significa descolamento entre as posições dos partidos e dos seus
parlamentares; o piso baixo de votos necessário para obtenção de uma vaga, bem como o status dado
aos pequenos partidos no Legislativo. O efeito conjugado destes mecanismos é a eleição de agentes
políticos individualistas e com baixa responsabilização diante do eleitorado. Para maiores
informações ver Mainwaring, Scott. Políticos, Partidos e Sistemas Eleitorais: o Brasil numa
perspectiva Comparada. Novos Estudos, nº 29. São Paulo: Cebrap, 1991. e Figueiredo, Argelina e
Limongi, Fernando. Constitutional Change, Legislative Performance and Institutional
Consolidation. Revista Brasileira de Ciências Sociais, edição especial nº 1. São Paulo: Anpocs,
2000.

263
A em
nexo II - Fluxograma dos Partidos
Mato Grosso - (1945 - 2007)

267
Sobre o livro:
Medidas de Capa:
Medidas de capa e miolo: 15,5 cm por 22 cm
Tipologias Utilizadas: Times New Roman (8/11/13pt), Garamond (7 pt)
Papel: Offset 75g/m2 (miolo) e Cartão Supremo 300g/)

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