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Estratégias locais de inovação,

fortalecimento institucional
e desenvolvimento sustentável
ORGANIZADORES:
Katiuscia Miranda
Manoel Potiguar
Maura Moraes
Rosevany Mendonça
Ruth Corrêa da Silva
Estratégias locais de inovação,
fortalecimento institucional
e desenvolvimento sustentável

Organizadores:
Katiuscia Miranda, Manoel Potiguar, Maura Moraes,
Rosevany Mendonça, Ruth Corrêa da Silva

REALIZAÇÃO PARCERIA APOIO FINANCEIRO


Organização
Katiuscia Miranda
Manoel Potiguar
Maura Moraes
Rosevany Mendonça
Ruth Corrêa da Silva

Autoria DADOS INTERNACIONAIS DE


Carlos Augusto Ramos CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Dorinha Raiol
João Daltro Paiva
E53 Embarca Marajó: Estratégias locais de inovação, fortaleci-
Katiuscia Miranda mento institucional e desenvolvimento sustentável / Or-
Manoel Potiguar ganizado por Katiuscia Miranda; Manoel Potiguar; Mau-
Marília Tavares ra Moraes; Rosevany Mendonça e Ruth Corrêa da Silva.
– Belém: Instituto Internacional de Educação do Brasil,
Rosevany Mendonça 2017.
Ruth Corrêa da Silva
132p.; il. 21,5 x 28 cm
Foto da Capa Demais Autores: Carlos Augusto Ramos; Dorinha Raiol;
Lucas Filho João Daltro Paiva e Marilia Tavares.
Inclui bibliografias.
ISBN 978-85-60443-58-1
Coordenação Gráfica
Lucas Filho 1. Economia. 2. Desenvolvimento Sustentável – Marajó.
3. Desenvolvimento local – Economia – organização comuni-
tária. I. Miranda, Katiuscia, org. II. Potiguar, Manoel, org. III.
Revisão de texto Moraes, Maura, org. IV. Mendonça, Rosevany, org. V. Silva,
Glaucia Barreto Ruth Corrêa da, org.

CDD 338.488115
Projeto Gráfico
Luciano Silva
www.rl2design.com.br

Agosto 2017
Estratégias locais de inovação,
fortalecimento institucional
e desenvolvimento sustentável

Foto: © Acervo Embarca Marajó / Juliana Lima


Organizadores:
Katiuscia Miranda, Manoel Potiguar, Maura Moraes,
Rosevany Mendonça, Ruth Corrêa da Silva
SOBRE
AS INSTITUIÇÕES
INSTITUTO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO DO BRASIL (IEB)
O Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) é uma organização sem fins lucrativos,
fundada em 1998. Ao longo de sua trajetória, a instituição dedicou sua abordagem para a con-
servação e o uso sustentável dos recursos naturais com base no fortalecimento de lideranças e
organizações comunitárias.

INSTITUTO PEABIRU
Com dezesseis anos de atuação e sede em Belém do Pará, o Instituto Peabiru é uma Organização
da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) dedicada à Amazônia Oriental – Pará, Amapá e
Maranhão. O instituto trabalha para que comunidades e organizações da sociedade civil local al-
cancem maior capacidade de agir, reclamar os seus direitos e exercitar sua plena cidadania.

INSTITUTO VITÓRIA RÉGIA (IVR)


O Instituto Vitória Régia (IVR) é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Os-
cip), sem fins lucrativos, fundado em 2002, com sede em Belém do Pará. Sua atuação é voltada
principalmente para assuntos ambientais, produtivos, educacionais e sociais, objetivando esta-
belecer a promoção de práticas solidárias e sustentáveis e contribuindo para o desenvolvimento
socioeconômico nos territórios onde atua.

FUNDO SOCIOAMBIENTAL CAIXA (FSA)


O FSA Caixa é um fundo financeiro específico cujo objetivo é receber e aplicar recursos em con-
formidade com suas disponibilidades financeiras e com regras definidas em seu regulamento. Em
parceria com órgãos públicos e entidades privadas, o fundo apoia projetos socioambientais volta-
dos ao desenvolvimento integrado e sustentável para a população de baixa renda.

PARCERIA
Em novembro de 2014 foi assinado um acordo de cooperação financeira entre o FSA, o IEB, o
Instituto Peabiru e o Instituto Vitória Régia com o propósito de viabilizar a realização do projeto
“Fortalecimento Institucional para o Desenvolvimento Sustentável no Marajó”, também conheci-
do como projeto Embarca Marajó.
SOBRE
OS AUTORES E ORGANIZADORES
Carlos Augusto Ramos - Engenheiro florestal pela Faculdade de Ciências Agrárias do Pará,
Brasil (atual Universidade Federal Rural da Amazônia). Consultor socioambiental independente
e da Comissão Pastoral da Terra e da regional da Fetagri no Marajó.
Dorinha Raiol - Jornalista pela Universidade Federal do Pará (UFPA), especialista em Gestão
Sustentável de Municípios pela Universidade Federal do Pará/Núcleo de Meio Ambiente, em Co-
municação e Política nos Órgãos Públicos pela Universidade da Amazônia (Unama) e em Teoria
Literária (UFPA). É editora do Jornal ‘Voz de Nazaré’ (Fundação Nazaré de Comunicação), em
Belém, Pará.
João Daltro Paiva - Filósofo pela Faculdade Pan Americana (FPA), com formação superior em
Gestão de Órgãos Públicos pela Universidade da Amazônia (Unama). É coordenador de projetos
do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), em Belém, Pará.
Katiuscia Miranda - Engenheira ambiental pela Universidade do Estado do Pará (Uepa) e mes-
tranda em Desenvolvimento Rural Sustentável e Gestão de Empreendimentos Agroalimentares
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) - Campus Castanhal. É co-
ordenadora de projetos do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), em Belém, Pará.
Maura Rejane Lameira de Moraes - Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal
do Pará (UFPA) e especialista em Políticas Sociais pela UFPA e em Gestão de Organizações do
Terceiro Setor pela Unama. É coordenadora técnica do Instituto Internacional de Educação do
Brasil (IEB), em Belém, Pará.
Manoel Potiguar - Sociólogo, bacharel e licenciado pela UFPA. É gerente de projetos do Insti-
tuto Peabiru.
Marilia Tavares - Bacharel e licenciada em Etnodesenvolvimento pela UEPA, especialista em
Economia Solidária pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). É coordenadora técnica na
Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (Amam), vice coordenadora da Rede de Mu-
lheres e Homens Ribeirinhos do Marajó (Remhar) e diretora técnica do Instituto Lupa Marajó.
Rosevany Mendonça - Pedagoga pela Universidade do Estado do Pará (Uepa), especialista em
Economia Solidária e Microcrédito pela Faculdade do Pará (FAP) e especialista em Gestão Pública
pela Universidade Federal do Tocantins/Núcleo de Economia Solidária e em Gestão Sustentável
de Municípios pela Universidade Federal do Pará/Núcleo de Meio Ambiente. É consultora técnica
do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)/PA na área do cooperati-
vismo e associativismo e consultora técnica social da Caixa Econômica Federal/Superintendência
Regional do Pará e coordenadora técnica pedagógica do Instituto Vitória Régia, em Belém, Pará.
Ruth Corrêa da Silva - Socióloga pela Universidade Federal do Pará (UFPA), com pós-gradu-
ação em Produção Familiar Rural e Ciências Sociais. É coordenadora de projetos do Instituto
Internacional de Educação do Brasil (IEB), em Belém, Pará.
Sumário
Lista de siglas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Apresentação. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .10

CAPÍTULO 1 - BREVE CARACTERIZAÇÃO DA MESORREGIÃO DO MARAJÓ. . . . . 19


1. Apresentação. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 20
2. Caracterização territorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.1. Desmatamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
3. Caracterização socioeconômica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.1. Dinâmica socioeconômica. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 27
4. Referências bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

CAPÍTULO 2 - BANCO COMUNITÁRIO PRACUUBENSE: FOMENTO E


SOLIDARIEDADE NO TERRITÓRIO MARAJOARA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
1. Apresentação. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 36
2. Contexto de implantação do Banco Comunitário Pracuubense. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
3. Banco Comunitário Pracuubense & Desenvolvimento Comunitário:
Um ano de sucesso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
4. Processo de implantação do banco e participação comunitária. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
5. Serviços oferecidos e benefícios gerados . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 45
6. “Aceito pracuúba” - A moeda social circulante local . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 49
7. Semente plantada, frutos colhidos: alguns resultados significativos . .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 53
8. Referências bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

CAPÍTULO 3 - EXPERIÊNCIA DO FUNDO SOLIDÁRIO AÇAÍ DE PORTEL . .. .. .. .59


1. Apresentação. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 60
2. O contexto da experiência: na margem das ausências e riquezas roubadas . .. .. .. .. .. . 63
3. Fundo Açaí: da raiva à estratégia. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 67
4. O mergulho: resultados, benefícios e aprendizados do Fundo Açaí. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
4.1. Iniciativas realizadas e parcerias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
4.2. Benefícios econômicos, sociais e ambientais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
4.3. Lições aprendidas e recomendações a partir do Fundo Açaí . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 91
4.4. As correntezas que nunca param: desafios que permanecem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
5. Palavras na jusante. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 97
6. Participantes da Sistematização. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
7. Referências bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100

CAPÍTULO 4 - LUPA - MARAJÓ: OBSERVATÓRIO E AÇÃO NO ÂMBITO DO


PROJETO EMBARCA MARAJÓ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
1. Apresentação. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 104
2. Inserção do Lupa-Marajó no projeto Embarca Marajó . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 105
2.1. Histórico do Lupa-Marajó . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 105
2.2. Instituto Peabiru e Lupa-Marajó, parceria para difusão dos Fundos Solidários
Florestais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
3. Os Centros de Difusão de Boas Práticas Socioprodutivas no Marajó – Centros Diboa. . 107
4. Os Fundos Florestais Comunitários e Familiares como tecnologia social . . . . . . . . . . . . . . . 109
4.1. Alguns resultados dos fundos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
4.2. Expansão dos Fundos Florestais Comunitários e Familiares para outras
localidades no Marajó . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 116
5. Considerações finais . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 117
6. Referências bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

CAPÍTULO 5 - LIÇÕES, APRENDIZADOS E CAPITAL GERADO PELO PROJETO


EMBARCA MARAJÓ. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
1. Um projeto focado na riqueza do povo marajoara. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122
2. A reciprocidade de vivências e experiências . .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. . 124
3. Saberes locais para a difusão do conhecimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126
4. A relação com as florestas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
5. Tecnologia social simples e eficaz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128
6. Para onde as reflexões podem nos levar.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
8 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Lista de siglas
Amam Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó
Apparp Associação dos Produtores e Pescadores Agroextrativistas do Rio Pagão
Appic Associação de Produtores e Pescadores Ilha Canaticu
Associação de Pescadores Artesanais e Moradores do Rio Pracuúba, Afluentes e
Aspam
Localidades Adjacentes de Muaná
ATAA Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Rio Acuti Pereira
CAC Comitê de Aprovação de Crédito
CNPJ Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
Codetem Colegiado de Desenvolvimento Territorial do Marajó
Diboa Difusão de Boas Práticas
DIST Desenvolvimento Integrado e Sustentável de Territórios
Emater Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará
Fapespa Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas
Fase Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
FFCF Fundos Florestais Comunitários e Familiares
Ibam Instituto Brasileiro de Administração Municipal
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Ideflor-Bio Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IEB Instituto Internacional de Educação do Brasil
Inpe Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
IVR Instituto Vitória Régia
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 9

MMA Ministério do Meio Ambiente


MTE Ministério do Trabalho e Emprego
ONG Organização Não Governamental
Oscip Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
PAA Programa de Aquisição de Alimentos
PEAX Projeto Estadual de Assentamento Agroextrativista
PIB Produto Interno Bruto
PMV Programa Municípios Verdes
Pnae Programa Nacional de Alimentação Escolar
Pnud Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Projeto de Monitoramento do Desmatamento das Formações Florestais da
Prodes
Amazônia Legal
Pronaf Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
Rede Brasileira de Bancos Comunitários (atualmente Banco Nacional das
RBBC
Comunidades)
SAF Sistema Agroflorestal
Sede Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Portel
Semma Secretaria Municipal de Meio Ambiente
Senaes Secretaria Nacional de Economia Solidária
Sescoop-PA Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo - Pará
STTR Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Portel
UFPA Universidade Federal do Pará
10 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

N
Apresentação

o período de 2014 a 2017, o Instituto Inter-


nacional de Educação do Brasil (IEB), em
parceria com o Instituto Peabiru e o Instituto
Vitória Régia (IVR), implementou o projeto
Fortalecimento Institucional para o Desen-
volvimento Sustentável no Marajó, Pará, de
nome fantasia “Embarca Marajó: navegando
na maré de sustentabilidade”, apoiado pelo
Fundo Socioambiental Caixa (FSA).
O Embarca Marajó é parte da estratégia
da Caixa Econômica de estimular o desenvolvimento e a sustentabilidade
em comunidades do território marajoara, prevista no Programa de De-
senvolvimento Integrado e Sustentável de Territórios (DIST). O propósi-
to do DIST para este projeto é levar ao Marajó parceiros governamentais
e não governamentais que possibilitem o acesso a políticas públicas e à
cidadania, à educação e à cultura, além de alternativas de geração de
trabalho e renda adequadas às vocações locais.
A iniciativa contou com o envolvimento dos atores locais desde a
elaboração, condução e monitoramento das ações propostas, por meio
dos integrantes dos fóruns do Colegiado de Desenvolvimento Territorial
do Marajó (Codetem) e da Associação dos Municípios do Arquipélago do
Marajó (Amam).
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 11

O objetivo geral do projeto Embarca A premissa central que baseou o


Marajó foi implementar ações de desenvolvi- desenvolvimento do projeto foi o fortale-
mento socioeconômico e ambiental susten- cimento institucional das organizações
tável do Fundo Socioambiental Caixa - DIST, locais, entendido como um dos grandes
visando ao desenvolvimento local integrado desafios a serem enfrentados na imple-
a políticas públicas nos municípios onde mentação de políticas públicas e na cons-
trafega a agência Barco Ilha do Marajó[1], trução da sustentabilidade no território.
Pará. O projeto tem sua estrutura de ações Nessa perspectiva, as ações de fortaleci-
baseada nos seguintes objetivos específicos: mento institucional do projeto envolveram
i) estimular as lideranças locais a tornarem- várias frentes e formas de organização so-
-se agentes multiplicadores(as) na difusão cial e econômica: fortalecimento de em-
de práticas de gestão sustentável de sua preendimentos econômicos autogeridos,
produção; ii) fortalecer a prática de uso sus- promoção de finanças solidárias, fomento
tentável dos recursos naturais para geração à geração de trabalho e renda por meio
de trabalho e renda a partir de princípios da da economia solidária, fomento à educa-
economia solidária; iii) promover processos ção, capacitação e assessoria técnica com
de formação e capacitação, qualificando a foco no empoderamento dos empreende-
população das áreas urbanas e rurais e ges- dores locais e da promoção da cidadania
tores públicos; iv) incentivar a produção lo- e disseminação da cultura marajoara. Os
cal de filmes regionais por meio de amostra agroextrativistas e suas organizações cons-
de cinema marajoara combinada às ações da tituíram-se o público prioritário desse pro-
agência Barco nos municípios prioritários; cesso de fortalecimento, visto que é um
e v) estimular a encampação das ações do segmento que ocupa lugar estratégico na
projeto nos diversos fóruns de discussão re- gestão sustentável dos recursos naturais e
gional, como o Codetem e a Amam. no debate da sustentabilidade no Marajó.

As ações têm como foco de atuação os 10 municípios onde trafega a agência Barco Ilha do Marajó: Bagre, Breves, Currali-
[1]

nho, Melgaço, Muaná, Ponta de Pedras, Portel, Salvaterra, São Sebastião da Boa Vista, Soure.
12 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Nesse sentido, o projeto desenvolveu- a implementação das glebas estaduais


-se com foco nas seguintes metas: de Portel e para o manejo florestal co-
munitário e familiar nessas áreas pro-
i) Valorização das boas práticas so- tegidas. O outro aspecto deu ênfase ao
cioprodutivas sustentáveis, com a assessoramento técnico para empreen-
finalidade de contribuir para a promo- dimentos solidários por meio de proces-
ção de meios de trabalho e geração de sos formativos e assessoria técnica na
renda nos municípios do Marajó. Foi área de comercialização, planejamento,
realizada a partir da articulação dos marketing e educação financeira.
Centros de Difusão de Boas Práticas ii) Fomento à geração de trabalho
(Centros Diboa) e do fortalecimento da e renda por meio da economia
gestão dos recursos naturais por meio solidária, visando contribuir para
de assessorias técnicas. Os Centros Di- o fortalecimento de redes de empre-
boa desenvolveram-se em espaços de endimentos locais e experiências dos
encontros, capacitações, intercâmbios Fundos Solidários, bem como para a
e difusão entre as organizações de agro- implementação de Bancos Comuni-
extrativistas dos municípios de Curra- tários com moedas sociais alternati-
linho, Portel, Soure e Salvaterra, para vas como uma forma de estimular a
o debate e trocas de conhecimentos economia local mais justa. Diagnósti-
em boas práticas nas cadeias de valor cos situacionais, diagnósticos da pro-
da sociobiodiversidade, com destaque dução e de consumo local, processos
para o açaí e a andiroba. As assessorias formativos, assessorias em gestão ad-
técnicas voltaram-se para dois aspectos ministrativa e financeira e intercâm-
das organizações locais. Um deles en- bios possibilitaram o fortalecimento de
fatizou o fortalecimento organizacional quatro Fundos Solidários nos municí-
das associações de comunidades tradi- pios de Curralinho (Fundo Tartaruga
cionais que manejam a floresta visan- e Fundo Sagrado Coração de Jesus),
do ao acesso às políticas públicas para Portel (Fundo Solidário Açaí) e Soure
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 13

(Fundo Arte Marajó). Também pos- capacidade técnica aumentada para


sibilitaram o fortalecimento de dois captar e gerenciar recursos, além de
Bancos Comunitários, um em Muaná ampliar significativamente seu leque
(Banco Comunitário Pracuubense) e de articulação e capacidade técnica
outro em Curralinho (Banco Comu- de execução de atividades.
nitário Canaticu), além da criação de iv) Promoção da cidadania e disse-
duas moedas sociais, uma em cada minação da cultura marajoara a
município, que circulam nas comuni- partir do incentivo à produção cultural
dades onde foram implantados os ban- local. Realizou-se a produção de um
cos, gerando uma dinâmica própria de filme sobre a vida das mulheres extra-
economia local. tivistas com base na realidade local,
iii) Fomento à educação, capacita- disseminado a partir de uma mostra
ção e assessorias, com o fim de for- de cinema em seis municípios do ter-
talecer a governança local e a gestão ritório. A realização do filme “Marajó
sustentável do território. Desenvol- Mulher” e do I Festival de Cinema do
veu-se por meio de processos forma- Marajó por uma instituição local como
tivos para os gestores públicos muni- a Associação Dalcídio Jurandir só re-
cipais e organizações comunitárias. força o olhar e o orgulho marajoara
As capacitações dos gestores públicos sobre o seu território, por meio da pro-
municipais tiveram como objetivo o moção da arte como ferramenta de va-
fortalecimento da governança local lorização de suas expressões.
frente à discussão do desenvolvimen- v) Articulação e disseminação das
to sustentável no Marajó, possibilitan- ações do projeto, o qual apoiou os
do discussões acerca de instrumen- fóruns de discussão do Colegiado de
tos de planejamento para a gestão Desenvolvimento Territorial do Mara-
sustentável do território. Para as or- jó (Codetem) como espaços oportunos
ganizações comunitárias, proporcio- para compartilhamento das ações do
nou-se a formação de lideranças em projeto e para a disseminação de in-
gestão de recursos naturais com ên- formações e materiais, com o intuito
fase na importância do uso sustentá- de reproduzir as ações em outros lo-
vel dos recursos naturais, assim como cais do Marajó. Além disso, as discus-
o estímulo ao manejo florestal comu- sões com o comitê gestor do projeto
nitário e familiar. Além disso, traba- envolvendo representantes da Amam
lhou-se o fortalecimento da organiza- e do próprio Codetem possibilitaram a
ção da sociedade civil Lupa Marajó, apropriação de suas ações, bem como
organização formada a partir da base o monitoramento e a avaliação de seus
dos movimentos sociais, que teve sua resultados.
14 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

As ações do projeto Embarca Marajó resultados para o desenvolvimento local é


tiveram impacto notório sobre as organiza- que as instituições executoras do projeto
ções locais no que se refere à gestão social tomaram a iniciativa de sistematizar al-
e economia local. Como resultado mais gumas dessas experiências. Dessa forma,
relevante, observou-se o aumento da gera- este documento constitui-se um instru-
ção de trabalho e renda por meio da econo- mento para disseminar as iniciativas de
mia solidária, a partir da implantação dos desenvolvimento local e economia soli-
dois Bancos Comunitários, duas moedas dária protagonizadas pelas organizações
sociais, fortalecimento de quatro Fundos agroextrativistas do Marajó a diferentes
Solidários autogeridos e o fortalecimento públicos e escalas. Neste sentido, regis-
de empreendimentos solidários na cadeia trou-se a experiência vivida pelas pessoas
de valor da sociobiodiversidade. Ao mesmo e organizações que atuaram nas iniciativas
tempo, a capacidade de governança local de Fundos Solidários e Bancos Comunitá-
foi aumentada e a gestão comunitária for- rios desenvolvidas nos municípios de Por-
talecida, há maior incidência junto às po- tel, Curralinho e Muaná.
líticas públicas pelas organizações locais, A publicação está dividida em cinco
além do aumento da capacidade de gestão capítulos, produzidos por cada parceiro do
administrativa e financeira, possibilitadas consórcio que implementou o projeto con-
pelas capacitações, intercâmbios para tro- forme seu tema de atuação.
cas de experiências, assessoria técnico-or- No primeiro capítulo caracteriza-se
ganizacional e incentivo à participação so- a mesorregião do Marajó a partir do con-
cial em espaços públicos. texto territorial e socioeconômico, situan-
Apesar da relevância das ações que do-se os macros problemas vivenciados na
contribuem na construção de um novo região, que embora seja rica em recursos
modo de produção e de desenvolvimento naturais, padece de problemas de diversas
local, que foram implementadas ou apoia- ordens (social e econômica), refletidos nos
das pelo projeto Embarca Marajó, nota-se baixos índices de desenvolvimento huma-
que há uma grande lacuna na sua disse- no dos municípios do território.
minação, considerando-se necessário dar Os três capítulos seguintes descre-
visibilidade às experiências tanto em nível vem as experiências em si, nas quais cada
local como em outras escalas. Entende-se instituição parceira trabalhou com técnicas
que dar visibilidade às experiências locais e procedimentos específicos à sua aborda-
protagonizadas pelos marajoaras é um gem metodológica de sistematização, re-
componente importante no fortalecimento portando-se à uma determinada experiên-
institucional de suas organizações sociais. cia do escopo de sua atuação, quais sejam:
Com o intuito de divulgar as experi- o IVR no Banco Comunitário Pracuubense,
ências mais relevantes, os aprendizados e da comunidade São Miguel do Pracuúba,
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 15

no município de Muaná; o IEB na experi- forma de autogestão, o banco opera com


ência do Fundo Solidário Açaí, na comuni- serviços de crédito e a moeda social pra-
dade Santo Ezequiel Moreno, no município cuúba, criada pela própria comunidade e
de Portel; e o Peabiru nas ações de desen- aceita no mercado local. O dinheiro circu-
volvimento local, a partir da experiência da la localmente, gerando trabalho e renda e
organização local “Lupa Marajó”. fortalecendo a economia local.
Nesse sentido, foram trabalhados No capítulo 4: Lupa Marajó: Uma
dois enfoques metodológicos. Um deles foi experiência de Observatório e Desen-
registrar a experiência a partir de um (a) volvimento Local trata-se de uma insti-
sistematizador (a) externo ou uma equipe tuição local nascida em Curralinho para
de sistematizadores (as), o (a) qual compi- ser braço executor de projetos da Central
lou os dados, as informações contidas em de Associações do Rio Canaticu e, poste-
relatórios e as memórias das ações imple- riormente, como fórum de discussão ter-
mentadas, além dos dados das entrevistas ritorial. Neste sentido, o Lupa Marajó dis-
com os participantes da experiência, con- cute o desenvolvimento local a partir de
solidando-os num só documento. Nesse uma lógica territorial própria, marajoara,
caso, registrou-se a experiência das inicia- e traz para o Embarca Marajó agendas lo-
tivas descritas nos capítulos 2 e 4. cais, vistas sob a sua ótica, como as inicia-
No capítulo 2: Banco Comunitário tivas dos Fundos Florestais Comunitários
Pracuubense: Fomento e Solidarieda- do Canaticu (Curralinho) e do Acuti Pe-
de no Território Marajoara trata-se da reira (Portel). Os trabalhos desse projeto
experiência implantada na vila São Miguel visaram potencializar essas estratégias de
do Pracuúba, município de Muaná, que desenvolvimento local a partir de inter-
constitui a primeira experiência de Banco câmbios e troca de experiências entre as
Comunitário no território do Marajó. Cria- próprias comunidades, incentivando uma
do e gerido pela própria comunidade, na economia local com autonomia.
16 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

O outro enfoque metodológico ba- portanto, do registro da iniciativa descrita


seou-se na sistematização participativa de no capítulo 3: Experiência do Fundo
experiência referendado nas ideias apre- Solidário Açaí de Portel, implantado na
sentadas por Holiday (1996) em seus tra- comunidade Santo Ezequiel Moreno, mu-
balhos realizados em diversos países da nicípio de Portel, e criado durante a safra
América Latina. Nesse caso, a sistematiza- de açaí de 2012 pela Associação dos Tra-
ção implica no ordenamento, reconstrução balhadores Agroextrativistas do Rio Acuti
e análise crítica dos processos vividos pelos Pereira (ATAA). O fundo, que iniciou com
grupos, pessoas e organizações locais, as- a contagem de R$ 1,00 por lata de açaí co-
sumindo um caráter de tarefa coletiva, ou mercializada, é uma iniciativa de autoges-
seja, realizada por um grupo com o apoio tão compartilhada e tem como destaque o
metodológico de um ou mais sistematiza- protagonismo feminino – no qual as mu-
dores. Uma “sistematização participativa lheres da comunidade organizam a entrega
da experiência” cujo caráter é de geração da produção familiar na merenda escolar.
de conhecimentos a partir de uma refle- A aplicação dos recursos financeiros (em
xão crítica feita pelo grupo sobre deter- uma poupança comunitária) é definida de
minados temas considerados relevantes forma coletiva, em assembleia, resultando
dentro da própria experiência. Tratou-se, em benefícios ambientais e sociais aos co-
munitários.
Por fim, o capítulo final da obra tra-
ta do legado deixado pelo projeto Embarca
Marajó quanto ao empoderamento das or-
ganizações locais. Enfatiza-se a formação
de um capital, não apenas social, a partir
do fortalecimento da rede de relações, mas
cultural, resultante da participação direta
nos eventos formativos, como cursos, ofi-
cinas e seminários. Destaca-se também a
importância dos resultados do projeto na
vida das populações que foram alvo das di-
versas ações que enriqueceram as vivên-
cias locais e levaram novos paradigmas de
atuações para as comunidades envolvidas.
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 17
18 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Fim de tarde no arquipélago marajoara


Foto: © Acervo Embarca Marajó / Juliana Lima
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 19

CAPÍTULO
BREVE
CARACTERIZAÇÃO DA
MESORREGIÃO DO
MARAJÓ
Katiuscia Miranda
Ruth Corrêa da Silva
20 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

1. Apresentação
O Marajó é uma mesorregião geográ- do Arari, Soure, Salvaterra, Cachoeira do
fica do estado do Pará com extensão terri- Arari, Ponta de Pedras e Muaná); micror-
torial de 104.140,00 km² (8% do território região do Furo de Breves (municípios de
paraense), composta por 16 municípios Afuá, Anajás, São Sebastião da Boa Vista,
distribuídos em três microrregiões geo- Breves e Curralinho); e a microrregião de
gráficas: microrregião do Arari (composta Portel (municípios de Gurupá, Melgaço,
pelos municípios de Chaves, Santa Cruz Bagre e Portel) (Figura 1) (IBGE, 2016).

Figura 1
Mesorregião geográfica do Marajó e suas microrregiões

Fonte: Elaborado pelos autores com dados do IBGE (2016)


Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 21

2. Caracterização territorial
Entre as microrregiões marajoaras, as microrregiões do Furo de Breves e
a de Portel é a que ocupa a maior ex- do Arari ocupam respectivamente 29%
tensão territorial 45% (45.096,00 km²) (30.094,00 km²) e 28% (28.950,00 km²)
da mesorregião do Marajó, enquanto (Gráfico 1).

Gráfico 1
Área das microrregiões geográficas do Marajó

50.000,00 50%

45.000,00 45%

40.000,00 40%

35.000,00 35%

30.000,00 30%
Área (km2)

Área (%)
25.000,00 25%

20.000,00 20%

15.000,00 15%

10.000,00 10%

5.000,00 5%

0 0%
MICRORREGIÃO DO ARARI MICRORREGIÃO FURO MICRORREGIÃO DE
DE BREVES PORTEL

Fonte: Elaborado pelos autores com dados do IBGE (2010)[2]

Em 1989, o governo do estado do (APA) Arquipélago do Marajó, com ex-


Pará constituiu os territórios das micror- tensão territorial de 59.044,00 km² (57%
regiões geográficas do Arari e do Furo de da mesorregião do Marajó). A APA é uma
Breves como Área de Proteção Ambiental categoria de área protegida inserida no

[2]
Disponível em https://cidades.ibge.gov.br/v4/brasil
22 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

grupo de Unidade de Conservação de Uso Na APA Arquipélago do Marajó tam-


Sustentável, cujo objetivo é proteger a di- bém estão inseridas outras categorias de
versidade biológica, ordenar o processo de áreas protegidas, como Reservas Extrati-
ocupação humana e assegurar a sustenta- vistas e Projetos de Assentamento Agroex-
bilidade do uso dos recursos naturais. trativista (Figura 2).

Figura 2
Mapa fundiário da mesorregião do Marajó até 2016

Fonte: Elaborado pelos autores


Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 23

As outras categorias de áreas prote- a indefinição fundiária, sem que o governo


gidas existentes na mesorregião do Marajó brasileiro saiba ao certo a quem pertence
são: uma Floresta Nacional (Flona, com as terras na região. Há grandes latifúndios
3.179,5 km²); quatro Reservas Extrativis- ocupando áreas públicas da União ou dos
tas (Resex, somando 4.637,70 km²); cinco Estados. Essa indefinição fundiária sobre a
Territórios Quilombolas (somando 1.081,8 posse da terra leva, consequentemente, à
km²); uma Reserva de Desenvolvimento devastação da floresta e ao acirramento de
Sustentável (RDS, com 644,4 km²); um conflitos no campo.
Parque Estadual (PES, com 651,8 km²); e Além disso, em 2012, o governo do
aproximadamente 120 Assentamentos da Pará editou o Decreto nº. 579/2012 desti-
reforma agrária (somando 14.711,5 km²), nando para uso sustentável pelas comuni-
perfazendo um total de aproximadamente dades tradicionais do município de Portel
75% do território com situação fundiária 514.924 mil hectares de terras em cinco
definida (Gráfico 2). glebas (Acangatá, Alto Camarapi, Joana
Com 75% de área definida em ter- Peres II, Jacaré-Puru e Acuti Pereira) –
mos fundiários, a situação no Marajó é que eram de jurisdição do Estado, mas não
bem incomum na Amazônia, onde impera tinham sido arrecadadas.

Gráfico 2
Distribuição das Áreas Protegidas na mesorregião do Marajó em 2016

70.000,00 140

60.000,00 120

50.000,00 100

40.000,00 80

30.000,00 60

20.000,00 40

10.000,00 20

0,00 0
FLONA RESEX TERRITÓRIO RDS PARQUE ASSENTAMENTO APA
QUILOMBOLA ESTADUAL

Área (Km2) Quantidade

Fonte: Elaborado pelos Autores a partir de SFB (2016)


24 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

2.1. Desmatamento

De acordo com dados do Inpe (2.391 km²) estavam localizados nos


(2016), até 2016 a área total desmatada municípios da microrregião de Portel
na mesorregião do Marajó era de 3.939 (Tabela 1), com o município de Portel
km², representando 3,77% da região respondendo por 48,4% (1.908 km²) des-
(Tabela 1). Do total desmatado, 60,7% se desmatamento (Gráfico 3).

Tabela 1
Área desmatada na mesorregião do Marajó por microrregião e município até 2016

Desmatado até Desmatado até


Município Área (km²)
2016 (km²) 2016 (%)
MRG DO ARARI 29.039 472 1,6
Salvaterra 1.048 114 10,89
Muaná 3.776 101 2,66
Cachoeira do Arari 3.115 73 2,36
Ponta de Pedras 3.378 52 1,55
Soure 3.528 35 0,98
Chaves 13.116 97 0,74
Santa Cruz do Arari 1.078 0 0,00
Contribuição da microrregião para o desmatamento total no Marajó 12,0
MRG FURO DE BREVES 30.156 1.076 3,6
São Sebastião da Boa Vista 1.636 124 7,57
Breves 9.572 543 5,67
Curralinho 3.626 203 5,61
Anajás 6.940 177 2,55
Afuá 8.382 29 0,35
Contribuição da microrregião para o desmatamento total no Marajó 27,3
MRG DE PORTEL 45.159 2.391 5,3
Portel 25.425 1.908 7,51
Bagre 4.403 208 4,72
Melgaço 6.781 161 2,38
Gurupá 8.550 114 1,33
Contribuição da microrregião para o desmatamento total no Marajó 60,7
TOTAL MESORREGIÃO MARAJÓ 104.354 3.939 3,77

Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do Inpe/Prodes (2016)
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 25

Gráfico 3
Distribuição (%) do desmatamento no Marajó, por município, até 2016

48,4%

13,8%

5,2% 4,5% 5,3% 4,1%


2,9% 2,6% 1,9% 2,5% 3,1% 2,9%
1,3% 0,9% 0,0% 0,7%
Salvaterra

Muaná

Cachoeira do Arari

Ponta de Pedras

Soure

Chaves

Santa Cruz do Arari

São Sebastião da Boa Vista

Breves

Curralinho

Anajás

Afuá

Portel

Bagre

Melgaço

Gurupá
Desmatado até 2016 (%)

Fonte: Elaborado pelos autores com dados do Inpe/Prodes (2016)

Os fatores responsáveis pelo avanço sociedade em geral. Nos últimos anos, tem
do desmatamento incluem a exploração ocorrido discussões em torno das políticas
ilegal e predatória de madeira e palmito e para coibir o desmatamento no Marajó, a
a produção de grãos, centrada no cultivo exemplo da participação de alguns municí-
do arroz, que são desenvolvidas, em sua pios na elaboração do Plano de Prevenção
maioria, sem o devido licenciamento am- ao Desmatamento no Estado do Pará e a
biental e sem o controle e fiscalização efe- adesão de prefeituras ao Programa Muni-
tivos por parte do Estado. cípios Verdes (PMV).[3]
As taxas crescentes de desmatamen- Há também esforços em várias fren-
to na região do Marajó têm chamado a tes para a manutenção da biodiversidade
atenção dos órgãos governamentais e da no Marajó. As ações incluem desde a qua-

O PMV é um programa do Governo do Pará desenvolvido em parceria com municípios, sociedade civil, iniciativa privada,
[3]

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Ministério Público Federal (MPF). Tem como
objetivo combater o desmatamento no estado, fortalecer a produção rural sustentável por meio de ações estratégicas de ordena-
mento ambiental e fundiário e também de gestão ambiental, com foco em pactos locais, no monitoramento do desmatamento,
na implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e na estruturação da gestão ambiental dos municípios participantes.
26 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

lificação do território para a candidatura ações de monitoramento e controle de ór-


como Reserva da Biosfera, até a consoli- gãos federais, o ordenamento fundiário e
dação do conjunto de áreas protegidas e de territorial e o incentivo a atividades eco-
assentamentos agroextrativistas criados no nômicas ambientalmente sustentáveis”
interior da ilha. (O ECO, 2017).
Recentemente, o município de Por- Além disso, a sociedade civil do Ma-
tel, que está entre aqueles com as maiores rajó tem se posicionado de forma vee-
taxas de desmatamento na região, foi in- mente contra a grilagem de grandes ex-
cluído na lista de municípios prioritários tensões de terras públicas na região, que
para ações de prevenção, monitoramen- tem ocorrido sobre terras que são ocupa-
to e controle do desmatamento na Ama- das originariamente por populações tradi-
zônia, do Ministério do Meio Ambiente cionais. A grilagem de terras públicas tem
(MMA). A inclusão na lista do MMA colo- acirrado os conflitos agrários no arquipé-
ca o município com prioridade nas “medi- lago e contribuído para aumentar o des-
das de integração e aperfeiçoamento das matamento ilegal.

Madeireira às margens do rio que liga o município de Breves a Portel (PA)


Foto: © Acervo Embarca Marajó / Lucas Filho
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 27

3. Caracterização socioeconômica
O Marajó abriga uma população de bitam áreas urbanas. Isto ocorre na maior
489.353 mil habitantes (6,5% da popula- parte dos municípios, exceto em Soure e
ção do Pará) (IBGE, 2016), dos quais 56% Salvaterra, na microrregião do Arari, onde
(275.558 mil habitantes) vivem nas áreas a maioria da população do município vive
rurais e 44% (211.452 mil habitantes) ha- na área urbana (Tabela 2).

3.1. Dinâmica socioeconômica

A população da mesorregião do Ma- pesca, madeira, construção civil, pecuária


rajó, em geral, é composta por populações bubalina e fruticultura (Figura 3).
tradicionais, caracterizadas por desenvol- Apesar de sua importância estraté-
ver atividades produtivas vinculadas ao gica para o desenvolvimento da região em
extrativismo madeireiro e não madeireiro virtude de seu potencial social, produtivo
nas áreas de floresta; à pesca artesanal de e ambiental, o território marajoara foi his-
peixes e camarões; à pecuária, particular- toricamente abandonado pela ausência ou
mente a bubalina, praticada nos campos baixa capilaridade das políticas públicas,
naturais da Ilha do Marajó; e à agricul- de serviços de infraestrutura e de equipa-
tura, desenvolvida desde o período colo- mentos coletivos de promoção e proteção
nial (UFPA, 2012). Isso ocorre em meio social voltados ao desenvolvimento socio-
a condições bastante adversas e situações territorial (UFPA, 2012). Dessa forma, efe-
conflitantes geradas por problemas estru- tiva-se como um território rico em recur-
turais, que envolvem questões fundiárias e sos naturais, mas vivenciando problemas
infraestrutura precária. como miséria, altos índices de doenças,
Dados consolidados pela Fapespa abuso e exploração sexual de crianças e
(PARÁ, 2016) mostram que a mesorregião adolescentes e falta de assistência médica,
do Marajó possui 23.154 postos de traba- educacional, infraestrutura de transporte
lho formais (2% do total do Pará), com e energia, entre outros.
destaque nas produções de palmito (que Essa situação é refletida no Índice
responde por 55% da produção do estado), de Desenvolvimento Humano Munici-
madeira (29%), açaí (30%), arroz (9%) e pal (IDHM) da região, que, apesar de ter
abacaxi (4%). Os principais segmentos apresentado uma pequena evolução en-
produtivos na mesorregião do Marajó são: tre 1991 e 2010 (respectivamente 0,266 e
28 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

0,51), permanece sendo um dos mais bai- Pnud (2013) com base em mais de 200 in-
xos do país (PNUD, 2013), com a micror- dicadores de demografia, educação, renda,
região de Portel apresentando o pior índice trabalho, habitação e vulnerabilidade, com
(0,47 em 2010). O Índice de Desenvolvi- dados extraídos dos Censos Demográficos
mento Humano (IDH) é consolidado pelo de 1991, 2000 e 2010 (Tabela 2).

Figura 3
Principais segmentos produtivos na mesorregião do Marajó em 2016

Marajó - Atividade pesqueira


- Construção civil dinâmica
- Indústria madeireira
- Pecuária bubalina (75%)
- Produção de açaí (30%)

Pescado
Pecuária bubalina

Ind. madeireira
Fruticultura
Construção civil

Fonte: Adaptada de Pará (2016)


Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 29

Tabela 2
Informações demográficas e IDHM da mesorregião do Marajó

População no último censo [2010] (IDHM)


Nº hab. % Urba- Nº hab.
Municípios Total % Rural 1991 2000 2010
Urbano no Rural
MRG DO ARARI 152.990 74.492 48% 78.498 51% 0,323 0,413 0,555
1. CACHOEIRA
20.443 7.356 32% 13.087 57% 0,324 0,427 0,546
DO ARARI
2. CHAVES 21.005 2.510 12% 18.495 88% 0,179 0,289 0,453
3. MUANÁ 34.204 14.521 42% 19.683 58% 0,305 0,350 0,547
4. PONTA DE
25.999 12.424 48% 13.575 52% 0,335 0,444 0,562
PEDRAS
5. SALVATERRA 20.183 12.672 63% 7.511 37% 0,391 0,478 0,608
6. SANTA CRUZ
8.155 3.994 49% 4.161 51% 0,300 0,393 0,557
DO ARARI
7. SOURE 23.001 21.015 91% 1.986 9% 0,427 0,513 0,615
MRG FURO DE
204.114 86.364 42% 117.750 58% 0,250 0,351 0,507
BREVES
1. AFUÁ 35.042 9.478 27% 25.564 73% 0,250 0,330 0,489
2. ANAJÁS 24.759 9.494 38% 15.265 62% 0,197 0,307 0,484
3. BREVES 92.860 46.560 50% 46.300 50% 0,284 0,372 0,503
4. CURRALINHO 28.549 10.930 38% 17.619 62% 0,229 0,323 0,502
5. SÃO
SEBASTIÃO DA 22.904 9.902 43% 13.002 57% 0,288 0,422 0,558
BOA VISTA
MRG DE
129.906 50.596 39% 79.310 61% 0,225 0,325 0,470
PORTEL
1. BAGRE 23.864 10.661 45% 13.203 55% 0,241 0,330 0,471
2. GURUPÁ 29.062 9.580 33% 19.482 67% 0,209 0,349 0,509
3. MELGAÇO 24.808 5.503 22% 19.305 78% 0,177 0,260 0,418
4. PORTEL 52.172 24.852 48% 27.320 52% 0,272 0,359 0,483
TOTAL
MESORREGIÃO 487.01 211.452 44% 275.558 56% 0,266 0,363 0,511
DO MARAJÓ

Fonte: Elaborada pelos autores com dados do IBGE (2010) e Pnud (2013)
30 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

De maneira geral, os municípios da pazes de reduzir vulnerabilidades sociais


mesorregião do Marajó têm garantido a (UFPA, 2012).
estruturação de modos de vida e repro- O Produto Interno Bruto (PIB) total
dução com baixos padrões de qualidade, dos municípios que integram a mesorre-
tendo em vista que a falta de acesso a gião do Marajó foi de R$ 3.290.749 bilhões
serviços coletivos tem restringido o po- em 2014 (3% do PIB do estado do Pará),
tencial de desenvolvimento econômico um aumento de aproximadamente 300%
sustentável. Além disso, o IDHM mostra quando comparados aos R$ 933.368 mi-
uma dependência das famílias em rela- lhões em 2004. Em 2014, a microrregião
ção aos programas sociais, os quais têm do Furo de Breves contribuiu com 43%
contribuído para apoiar o processo de or- (R$ 1.403.002 bilhões) do PIB da mesor-
ganização familiar enquanto arranjos ca- região (Tabela 3).

Paisagem ribeirinha no Marajó


Foto: © Acervo Embarca Marajó/ Lucas Filho
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 31

Tabela 3
Produto Interno Bruto total e per capita dos municípios da mesorregião do Marajó em 2004 e 2014

População
no Pessoal PIB per PIB Total PIB per PIB Total
Municípios último ocupado capita [2004] x capita [2014] x
censo [2015] [2004] R$ 1.000(R$)  [2014] R$ 1.000(R$)
[2010]
MRG DO ARARI 155.333 6.818 314.795 995.669
1. CACHOEIRA
22.786 834 2.451 41.981 6.645,1  146.857
DO ARARI
2. CHAVES 21.005 715 4.652 80.584 6.619 147.613
3. MUANÁ 34.204 1.105 1.685 45.683 5.702 212.773
4. PONTA DE
25.999 1.509 2.247 44.624 5.778 165.253
PEDRAS
5. SALVATERRA 20.183 944 2.241 37.704 5.599 123.110
6. SANTA CRUZ
8.155 341 3.225 17.769 5.777 53.094
DO ARARI
7. SOURE 23.001 1.370 2.184 46.450 6.104 146.969
MRG FURO DE
204.114 13.105 367.533 1.403.002
BREVES
1. AFUÁ 35.042 2.315 2.403 82.977 7.954 294.320
2. ANAJÁS 24.759 1.293 2.255 46.240 6.196 167.611
3. BREVES 92.860 7.364 2.163 182.528 6.307 613.983
4. CURRALINHO 28.549 1.156 1.229 27.736 5.268 166.408
5. SÃO
SEBASTIÃO DA 22.904 977 1.468 28.052 6.487 160.680
BOA VISTA
MRG DE
129.906 7.257 251.040 892.078
PORTEL
1. BAGRE 23.864 578 2.358 32.160 5.075 139.517
2. GURUPÁ 29.062 1.717 1.952 49.347 5.762 179.677
3. MELGAÇO 24.808 1.005 1.149 28.171 5.056 132.117
4. PORTEL 52.172 3.957 3.319 141.362 7.705 440.767
TOTAL
MESORREGIÃO 489.353 27.180 933.368 3.290.749
MARAJÓ

Fonte: Elaborada pelos autores com dados do IBGE (2010)


32 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

4. Referências bibliográficas
PARÁ. Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa). Diagnóstico So-
cioeconômico e Ambiental da Região de Integração do Marajó. 2016.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Demográ-
fico, 2010. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 29 jul. 2017.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Estimativa popu-
lacional 2016. 1º de julho de 2016. Acesso em: 30 jul. 2017.
INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE). 2013. Dados de des-
matamento por município. Disponível em: <http://www.obt.inpe.br/prodes/index.php>.
Acesso em: 10 jun. 2017.
O ECO. Governo atualiza lista de municípios prioritários na Amazônia. Disponível em:
http://www.oeco.org.br/noticias/governo-atualiza-lista-de-municipios-prioritarios-na-
-amazonia/. Acesso em: 13 set.2017.
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD). Atlas
do Desenvolvimento Humano no Brasil. 2013. Disponível em: <http://atlasbrasil.
org.br/2013/pt/o_atlas/o_atlas>. Acesso em: 30 jul. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA). Relatório Analítico do Território do Ma-
rajó. 2012.
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 33

Embarcação navegando no Rio Acuti Pereira


Foto: © Acervo Embarca Marajó/ Lucas Filho
34 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 35

CAPÍTULO
BANCO COMUNITÁRIO
PRACUUBENSE: FOMENTO
E SOLIDARIEDADE NO
TERRITÓRIO MARAJOARA
Dorinha Raiol
Rosevany Mendonça
36 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

“Muito dinheiro nas mãos de poucos gera um caos,


enquanto pouco dinheiro na mão de muitos gera
resultados impressionantes em termo de progresso
econômico e social”
Mohammas Yunus

1. Apresentação
É inegável dizer que, atualmente, desenvolvimento econômico, social e am-
convencionou-se falar na crise do mundo biental, ocorridas pela reestruturação pro-
do trabalho e do emprego, decorrente da dutiva, pela inovação tecnológica e princi-
reestruturação do capital estrutural, da re- palmente pelo avanço da mundialização
estruturação produtiva e da financeirização da economia capitalista. Tais mudanças
da vida contemporânea, que durante as têm como foco central das relações sociais
últimas décadas comprometeram efetiva- o consumo e não o ser humano. Difunde-
mente os processos produtivos e a vida em -se a crença de que o mercado é capaz de
sociedade. Mudanças de paradigmas dentro autorregular-se para o bem de todos e que
das fábricas, crises financeiras, revolução a competição é o melhor modo de relação
tecnológica, revolução científica a serviço entre os atores sociais, conforme reflexões
dos processos produtivos, novas formas de de Santos (2005).
comercialização, a vida “online”, tudo isso No Brasil não é diferente. Historica-
são produtos da era globalizada e fizeram mente, durante décadas, a população tem
base para que o mercado de trabalho pas- sofrido com a má distribuição de renda,
sasse por grandes mudanças, afetando dire- crises financeiras, inflação, redução de
tamente a vida dos seres humanos em todos empregos e informalidade crescente. O
os seus aspectos e dimensões. resultado dessa transformação é o grande
Essas mudanças estão cada vez mais número de pessoas vivendo abaixo da linha
velozes. São transformações profundas no de pobreza e excluídas financeiramente,
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 37

além da escassez de postos de emprego economia solidária se reproduz por meio


formal. Mesmo com todos os esforços em- de várias vertentes, seja nas formas de pro-
preendidos pelo governo federal nas últi- dução coletiva e de bases agroecológicas,
mas duas décadas via programas sociais, nos processos de comercialização via o co-
os quais contribuíram para o crescimento mércio justo e sustentável ou na gestão do
econômico, mas não o suficiente para re- dinheiro, por meio das finanças solidárias.
duzir os altos índices de analfabetismo e Dentre as várias iniciativas de finan-
grande concentração de renda. ças solidárias incluem-se as experiências de
Na Amazônia, esses aspectos são Bancos Comunitários e Fundos Solidários
ainda mais predominantes, afetando com implementadas no território marajoara via
mais ênfase a região, principalmente os o projeto Embarca Marajó e coordenadas
povos tradicionais e ribeirinhos, em es- pelo Instituto Vitória Régia (IVR). O IVR
pecial o território marajoara, que por ser promoveu a implantação de dois Bancos
um arquipélago dentro da Amazônia e por Comunitários com moedas sociais próprias,
apresentar um dos menores índices de possibilitando a inclusão bancária, o forta-
IDH brasileiro, sofre imensamente há vá- lecimento da economia local e a geração
rias décadas com deficiências de transpor- de novos empreendimentos solidários nos
te, energia, inclusão bancária e social. municípios de Muaná e Curralinho. Além
Nesse contexto de mercantilização disso, apoiou o fortalecimento de quatro
da natureza e de deficiências e ausências Fundos Solidários por meio de assessoria
de políticas estruturantes, torna-se impe- técnica e capacitação para a gestão.
rativo registrar as outras formas de desen- No que diz respeito aos Bancos Co-
volvimento e de geração de trabalho e ren- munitários, essas experiências tiveram por
da que se gestam, tendo na centralidade objetivo a promoção do consumo nas pró-
o ser humano e seu habitat e que possui prias comunidades, a inclusão financeira
como norte principal o trabalho coletivo de famílias e comunidades que se encon-
e o uso racional dos recursos naturais e travam fora do sistema financeiro, bem
sua gestão eficaz. É outra forma de “ver o como o financiamento da produção de
mercado” e de “produzir, comercializar e produtos e serviços necessários ao desen-
de gerir o dinheiro”, intitulada “economia volvimento sustentável e solidário dessas
solidária” e que é implementada desde o comunidades, via implantação de moeda
século passado por muitos trabalhadores, social circulante e de financiamento a par-
mas com outras nomenclaturas. Hoje a tir de recursos da própria comunidade.
38 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

2. Contexto de implantação do Banco Comunitário


Pracuubense

A escolha do município de Muaná cessamento de palmito, que exportam o


para abrigar o Banco Comunitário foi fei- produto para os principais centros do país
ta pelos executores e parceiros do projeto e exterior.
Embarca Marajó, ainda em sua fase de O nome Muaná é um vocábulo tupi,
elaboração. O município foi escolhido por cuja tradução é “semelhante à cobra”. A
apresentar condições estruturais físicas cidade tem grande importância na história
e operacionais para a implantação, bem do Pará, com uma participação estratégica
como uma comunidade organizada e com nos episódios da Cabanagem, além de ter
necessidade efetiva de serviços bancários sido a primeira cidade do Pará a aderir à
e projetos de desenvolvimento local e com Independência do Brasil. É uma das úni-
comunidades que fazem fronteira com ou- cas cidades do Marajó que tiveram o nome
tros municípios, cuja população também original preservado após a mudança exigida
seria abrangida pelo projeto. pelo governador do estado para as “fregue-
Com uma estimativa populacional sias” do Marajó.
de 37.977 habitantes e densidade demo- O município possui vários distritos
gráfica em torno de 9,8 habitantes por e vilas, que em sua maioria carecem de
km2 em 2016, o município de Muaná situ- serviços públicos de saneamento, infraes-
a-se na costa ocidental da ilha do Marajó, trutura, políticas sociais e de programas e
às margens do rio Muaná, fazendo limi- projetos de desenvolvimento sustentável.
tes com os municípios de São Sebastião Após a escolha do município, o passo
da Boa Vista, Anajás, Ponta de Pedras e seguinte foi escolher o local, em Muaná,
Baía do Marajó. Distante 80 km em linha onde o banco seria implementado. Essa
reta da capital do estado, Belém, desta- escolha foi feita durante a execução do
ca-se por promover anualmente, no mês projeto, de forma participativa, envolvendo
de maio, um dos mais famosos festivais do atores chave do município na tomada de
Camarão do arquipélago do Marajó e do decisão e análises técnicas. O processo en-
Pará. As principais atividades de produção volveu inicialmente a realização de visitas
e de desenvolvimento do município são o e palestras sobre o conceito, metodologia
extrativismo do fruto e palmito do açaí e a de implantação e ação do Banco Comuni-
pesca do camarão. Em Muaná há também tário em três comunidades de Muaná (vila
pequenas indústrias familiares no setor de São Miguel do Pracuúba, Mocajatuba e
oleiro-cerâmico e duas indústrias de pro- São José). Em seguida, foi realizada uma
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 39

análise de viabilidade estrutural pela equi- me. Diferentemente de quase toda a zona
pe técnica do projeto, gestão municipal e ribeirinha marajoara, a vila possui alguma
entidades da sociedade civil que acompa- infraestrutura para sobrevivência na co-
nham o projeto, que se decidiram pela vila munidade, como energia elétrica 24 horas,
de São Miguel do Pracuúba. um posto de saúde, um microssistema de
A vila de São Miguel do Pracuúba foi abastecimento de água, escolas de educa-
escolhida para sediar o Banco Comunitá- ção infantil, ensino fundamental e turmas
rio por possuir as melhores condições es- de ensino médio modular e várias organi-
truturais e logísticas para o funcionamen- zações sociais atuantes, porém, a vila ca-
to, bem como um tecido social organizativo rece de políticas públicas de saneamento,
bastante dinâmico com uma associação infraestrutura e produção.
devidamente estruturada para gerir a ex- Por sua posição geográfica, está mais
periência comunitária. próxima do município de São Sebastião da
A vila possui uma população de cerca Boa Vista do que da sede do município de
de 800 famílias. Está situada às margens Muaná, bem como com a capital paraen-
do rio Pracuúba, distante quase quatro se, tendo disponibilidade de frota diária de
horas via fluvial do centro de Muaná. É viagens para a capital e para a cidade de
a vila mais povoada da zona rural muni- Abaetetuba, onde estão os maiores clientes
cipal, com uma extensa área de terra fir- do açaí e do camarão produzidos na vila.

Município de Muaná (Marajó)


Foto: © Acervo Embarca Marajó / Luíz Dantas
40 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Figura 1
Delimitação do município de Muaná

Pará

Brasil

América do Sul

Ilha do Marajó

Chaves
Afuá
Soure
Santa Cruz
do Arari
Anajás
Salvaterra
Cachoeira do Arari
Gurupá Breves
Muaná Ponta de
Pedras
Melgaço Curralinho
São Sebastião
da Boa Vista
Bagre

Portel

Fonte: Design gráfico – Wensio Mescouto


Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 41

São Miguel do Pracuúba é uma das A inauguração do Banco Comunitá-


regiões do interior de Muaná que possui rio Pracuubense aconteceu em 06 de abril
um dos maiores potenciais no extrativis- de 2016, no Centro Comunitário São Mi-
mo do açaí. Conforme dados levantados guel, com a presença de moradores da co-
no mapeamento realizado inicialmente munidade, integrantes do projeto Embarca
pelo projeto, durante a safra passam por lá Marajó, organizações sociais e represen-
cerca de oito mil latas em média de açaí. tantes de diversas instituições, como go-
Esta é a produção somada da própria vila verno do estado do Pará, Prelazia do Mara-
e de outras comunidades geograficamente jó, Codetem, Amam, Prefeitura de Muaná,
vinculadas ao município de São Sebastião além das representações do movimento de
situadas às margens do rio Pracuúba, que economia solidária nacional, do estado do
escoam sua produção pela vila, que é qua- Pará e a Rede Brasileira de Bancos Comu-
se 100% comercializada nos municípios de nitários, hoje denominada Banco Nacional
Abaetetuba e Belém.[4] das Comunidades.

Inauguração do Banco Comunitário Pracuubense


Foto: © Acervo Embarca Marajó / Luíz Dantas

[4]
Informações colhidas durante a entrevista de campo realizada pela Jornalista Dorinha Raiol, contratada do projeto.
42 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

3. Banco Comunitário Pracuubense & Desenvolvimento


Comunitário: Um ano de sucesso

A vinda do Banco Comunitário para a comunidade ribeirinha


melhorou em muito a nossa vida. Foi muito bom para todos os
moradores, facilitou em todos os sentidos.
Maria do Socorro Magno Coelho,
moradora da vila de Pracuúba

ção/organização local, tendo como objeti-


vo principal estimular o desenvolvimento
do comércio local e da economia popular
via consumo local e implantação de moeda
própria. Os Bancos Comunitários são im-
plantados, em sua maioria, em territórios
caracterizados pelo alto grau de exclusão
Ilustração: Wensio Mescouto social, desigualdade financeira e com bai-
xa efetivação de políticas públicas.
Um Banco Comunitário tem a finali- Atua para promover o desenvolvi-
dade de dinamizar a economia popular de mento da comunidade por meio do fomen-
uma determinada comunidade, tendo por to à criação de redes locais de produção
base os princípios da Economia Solidária, e consumo, no apoio às iniciativas de eco-
e deve nascer no seio de uma organização nomia solidária em seus diversos âmbitos,
da sociedade civil, assumindo um destaca- como: empreendimentos socioprodutivos,
do papel de promotor do desenvolvimento de prestação de serviços, de apoio à comer-
local, do empoderamento e da organização cialização (bodegas, mercadinhos, lojas e
comunitária, pois articula – simultanea- feiras solidárias), organizações de consu-
mente – produção, comercialização, finan- midores e produtores”, sendo a comuni-
ciamento e capacitação comunitária. dade sempre a protagonista principal. Po-
Deve ser criado e gerido pela própria rém, para tal, necessita de subsídios e de
comunidade, por meio de uma associa- instrumentos para que isso se concretize.
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 43

E foram nessas questões que o só seria possível na proporção em que a


projeto Embarca Marajó atuou para a comunidade entendesse que pode se de-
criação do Banco Comunitário Pracuu- senvolver a partir da produção e do con-
bense, promovendo a formação de uma sumo no próprio local e que ela mesma
consciência coletiva de compreensão de gera, gerencia e produz sua própria ri-
que a melhoria de vida de cada morador queza.

4. Processo de implantação do banco e participação


comunitária

Para que a experiência fosse efetiva- Cabe destacar como fator importante
da e obtivesse impacto social e econômico do processo metodológico a implantação
na comunidade, adotou-se a metodologia da moeda social “pracuúba” e do corres-
de implantação, já aprovada pela Rede pondente bancário. Também vale enfati-
Brasileira de Bancos Comunitários.[5] Essa zar o levantamento de informações acerca
metodologia adota várias fases de implan- da produção e consumo comunitário e a
tação, que vão desde a sensibilização da organização do conselho gestor do banco,
comunidade e de suas entidades e repre- que foram fundamentais como subsídios
sentações, passando por processos forma- (técnicos e humanos) para determinar um
tivos e gerenciais, até a instrumentalização eixo condutor de decisão de ações e nor-
física e humana do banco. Neste sentido, mativas gerenciais, pois nesta modalidade
foram operacionalizadas quatro fases con- de gerenciamento financeiro comunitário
secutivas: i) sensibilização e disseminação o agente condutor e financiador são os (as)
da proposta dentro da comunidade; ii) próprios (as) comunitários (as).
formação e capacitação comunitária e da As fases da operacionalização ti-
equipe gestora; iii) mapeamento da produ- nham como eixo condutor o protagonis-
ção e consumo comunitário; e iv) estrutu- mo comunitário e a solidariedade. Todas
ração física, fiscal e humana. as ações desenvolvidas, desde a sensibi-

[5]
Entidade de articulação e organização dos 143 Bancos Comunitários existentes no Brasil, gerenciada pelo Instituto Palmas.
44 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

lização, formação, capacitação, gerencia- com o coordenador, administrar as ações


mento e estruturação, foram realizadas do banco. O conselho gestor é a instância
dentro da comunidade com apoio das en- máxima de decisão das ações realizadas
tidades da organização da sociedade civil, pelo Banco Comunitário.
gestão pública local e empreendedores lo- Outra instituição que também contri-
cais. Foi mais de um ano de caminhada buiu no processo de implantação do Ban-
comunitária, assessorada pelo Instituto co Comunitário foi o Instituto Tupinambá,
Vitória Régia. que trabalha com Economia Solidária e
Por ser uma proposta de desenvol- Empreendedorismo Social, atuando na
vimento comunitário e ter a comunidade comunidade Baia do Sol, em Mosqueiro,
como protagonista da ação, a gestão do ban- distrito de Belém. O instituto é a entidade
co deve ser realizada por uma organização gestora do Banco Comunitário Tupinambá,
local, que esteja regularizada. Foi assim o primeiro da Amazônia, e tem entre seus
que a Associação de Pescadores Artesanais objetivos a multiplicação da metodologia
e Moradores do rio Pracuúba, afluentes e de Bancos Comunitários e a capacitação
localidades adjacentes de Muaná (Aspam) por meio de cursos, oficinas, seminários
foi eleita pela comunidade para essa ges- e palestras para comunidades carentes na
tão. De acordo com o regimento interno Amazônia.
do Banco Pracuubense, a entidade gestora
tem a função e responsabilidade de acom-
panhar o desempenho do banco e reunir-
-se mensalmente ou quando necessário
Mantivemos um intercâmbio direto com o
com a sua coordenação.
Outras normas estabelecidas pelo re- Banco Tupinambá, que foi o responsável
gimento interno incluem: formação do Co- pelo processo de capacitação técnica dos
mitê de Aprovação de Crédito (CAC), do voluntários, com a promoção de oficina
qual faz parte a própria entidade gestora, para conhecer procedimentos bancários,
coordenação do banco, conselho gestor e atendimento ao público. O treinamento foi
analista de crédito. O comitê tem a função
realizado para três pessoas da comunidade
de reunir-se periodicamente para discutir
a liberação de todos os créditos produtivos Gilmar Miranda,
e de consumo. O coordenador é o respon- liderança local eleita para gerir o Banco
sável pelo banco (uma espécie de gerente)
e quem responde administrativamente. O Após a execução de todas as etapas
analista de crédito é responsável por reco- de formação comunitária – capacitação ge-
lher as demandas de empréstimos e fazer rencial, escolha da moeda social, entidade
visitas técnicas para sua tomada e, junto gestora, conselho gestor, elaboração da po-
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 45

lítica de crédito e do regimento do banco Marajó, do movimento de economia soli-


– e da estruturação física e fiscal do Banco dária, entidades ligadas às finanças solidá-
Pracuubense, ocorreu em abril de 2016 rias no Pará e no Brasil, além de gestores
um grande evento de inauguração, mui- municipais e estaduais e o financiador do
to prestigiado pelos comunitários locais e projeto que apostou nessa estratégia de de-
vizinhos, outros municípios, lideranças do senvolvimento local.

5. Serviços oferecidos e benefícios gerados


Após quase um ano da consolidação comunitárias e o coordenador eleito na
do Banco Comunitário Pracuubense, o plenária comunitária para gerir o Banco
desenvolvimento na comunidade foi no- Pracuubense, Sr. Gilmar Miranda, que
tório, conforme destacaram lideranças discorre:

“Nossa comunidade estava empobrecida porque todo o pagamento era feito


na sede municipal (Muaná): boletos, recebimentos, funcionários da Prefeitura, o
Bolsa Família. Por exemplo, uma mulher que recebesse Bolsa Família tinha que
gastar com passagem uma base de R$ 30,00 mais lancha. Acabava gastando
tudo lá em Muaná, no centro da cidade, porque comprava lá. Outra opção era
dar para o dono da embarcação receber, mas pagava por esse serviço. Esse
empobrecimento era visível, o comércio não melhorava (muito fiado). Depois que
foi instalado o Banco Comunitário os pagamentos são feitos por aqui, teve um
aquecimento na economia; as pessoas tiveram uma comodidade para fazer seus
pagamentos sem ter que pagar uma taxa adicional e sem se deslocar, e com o
dinheiro recebido aqui o consumo ficou aqui na comunidade e os empreendi-
mentos começaram a ver suas melhorias”.
46 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

O Sr. Gilmar ressalta que foi muito


oportuna a ideia da instalação do banco
comunitário em Pracuúba, e que graças
Em vez de pagar fora, paga aqui, fica aqui,
à decisão da coordenação do Projeto Em-
barca Marajó, a comunidade teve sua rea- a gente e o dinheiro.
lidade transformada. Outro fator destacado
Benedito Fernandes dos Anjos,
por ele é que por sua localização geográfica morador da vila de Pracuúba
e política, as ações do Banco Comunitário
puderam ser estendidas para outras comu-
nidades no entorno que também estavam à Este fenômeno é concretizado por-
margem dos serviços bancários e de propos- que o banco trabalha com vários produ-
tas de desenvolvimento sustentável e local. tos financeiros, tais como: corresponden-
Conforme depoimentos colhidos en- te bancário, abertura de conta corrente
tre comerciantes e comunitários, houve e poupança, recebimento de convênios
um crescimento comunitário provenien- (água, luz, telefone), saques, pagamen-
te da circulação de mais dinheiro na vila, tos, como Bolsa Família, Seguro Pesca-
como registra-se abaixo. dor, PIS, FGTS, boletos e transferências
de valores, permitindo que as pessoas
gastem na própria comunidade, configu-
rando a grande importância de um Banco
Comunitário. O correspondente bancário
Porque, antes, todo mundo fazia tudo fora, dentro do Banco Comunitário dá vigor e
esses serviços bancários, e só trazia um força às economias locais, fazendo o di-
restinho de dinheiro para cá, não trazia qua- nheiro circular na própria comunidade.
se nada, às vezes nem dava para pagar o Ele fornece diversos serviços financei-
fiado que ficava por aqui. Com a facilidade ros e bancários próprios dos bancos ofi-
ciais na comunidade, bem como promove
do Banco Comunitário tudo melhorou; eu
ações de desenvolvimento local e de cons-
mandava os pagamentos através de barco cientização da comunidade em geral para
para os fornecedores, agora uso o boleto e propor ações e atividades que fomentem o
correspondência bancários. E aqui no meu desenvolvimento.
comércio eu aceito a moeda social, tudo o Os principais usuários do banco são
que for para ajudar a nossa comunidade a os beneficiários de programas sociais go-
vernamentais de políticas compensatórias,
gente deve incentivar. como o programa Bolsa Família, Seguro
Rui Vander Mesquita de Freitas, Defeso, aposentadorias etc. Estes progra-
comerciante mas são fontes de renda importantes para
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 47

as pessoas, transformando a rotina de di- to, quando centenas de pessoas da própria


versas localidades durante o calendário de comunidade e de outras vão ao Banco Co-
pagamento, principalmente onde está ins- munitário Pracubense receber seus bene-
talado o Banco Comunitário. fícios. As vantagens do funcionamento do
Na vila de Pracuúba a movimentação banco na comunidade são reconhecidas
é intensa durante o período de pagamen- pelos moradores (as):

O banco deu uma boa evolução na comunidade, um documento, um pagamento que


teria que ser feito em Muaná ou em (São Sebastião) Boa Vista, agora se faz aqui. Eu
uso direto a agência. Com o banco funcionando, o recurso circula melhor, agora não
saio mais daqui para fazer serviços bancários.
Antônio Maria de Freitas Pereira,
morador da vila de Pracuúba

O Banco Comunitário tem ajudado muito o povo da região, não só o muanense, mas
também o boavistense, movimentando recursos e a comunidade. É muito bom esse
movimento financeiro aqui em Pracuúba. Esse dinheiro ficava em Muaná ou São
Sebastião da Boa Vista, agora fica por aqui.
Nilton Santos Freitas (Caco),
presidente da entidade gestora do banco

Acompanhei desde o início o Banco Comunitário, ele me trouxe muitos benefícios,


principalmente em questões de pagamento de conta e recebimento. Hoje só tenho a
preocupação em sair de casa para ir até o banco, é tudo feito pertinho da gente, sem
gastar nada. O banco contribuiu com muitas coisas, contribui com o crescimento da
nossa vida, porque o dinheiro que se deixava em Muaná já deixo aqui.
Maria da Conceição Teixeira Dias,
moradora da vila de Pracuúba
48 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Fachada do Banco Pracuubense


Foto: © Acervo Embarca Marajó / Luíz Dantas
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 49

6. “Aceito pracuúba” - A moeda social circulante local


“Uma nova arquitetura financeira exige o reconhecimento de que o di-
nheiro não mais deve ser concebido como uma mercadoria. O dinheiro
deve servir a fins maiores: o de ser um símbolo do trabalho, saber e
criatividade humana, e o de ser um meio de troca que dá às pessoas o
poder de compra que garante a satisfação de suas necessidades e faci-
lita a interação socioeconômica entre pessoas, comunidades e países.”
(ARRUDA, 2006).

Complementares ao real, as moedas


sociais criadas pelos Bancos Comunitários
têm como objetivo fazer com que a riqueza
circule na própria comunidade, amplian-
do o poder de comercialização do território
por meio do estímulo ao consumo local,
gerando trabalho e renda. De acordo com
o Instituto Palmas[6] (BANCO PALMAS,
2012), a emissão de Moedas Sociais Locais
Circulantes, próprias dos Bancos Comuni-
tários, deve ter por princípio as seguintes
orientações: ser lastreada em moeda na-
cional (real); ser indexada ao real; permitir
o câmbio (moeda social x real x moeda so-
cial); ter circulação restrita ao território de
atuação do Banco Comunitário (não mais
que 60 mil habitantes); ser de livre aceita-
ção pelos moradores e comércio local.
Seguindo essas orientações, o Banco
Pracuubense estampa em suas moedas as
belas paisagens do Marajó. Na frente e no
verso há informações específicas de que se
trata de um “bônus” que promove o desen- Moeda social do Banco Pracuubense
volvimento local e de uso exclusivo para tro- Fonte: Elaboração e design – Wensio Mescouto –
ca de produtos e serviços na comunidade. Banco Pracuubense

[6]
Entidade gestora do 1º Banco Comunitário do Brasil – Palmas.
50 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Banner do Banco Pracuubense


Fonte: Elaboração e design – Wensio Mescouto –
Banco Pracuubense
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 51

‘Pracuúba’ é uma das mais de 100 incentivar o uso da moeda comunitária.


moedas sociais circulando no Brasil, além No início houve um pouco de resistência
do real. De acordo com a relação de as- da comunidade pracuubense, por falta de
sociados à Rede Brasileira de Bancos Co- esclarecimentos, mas aos poucos os mo-
munitários (RBBC), agora Banco Nacional radores foram sentindo as vantagens eco-
das Comunidades, com dados referentes nômicas proporcionadas pela circulação
até abril de 2016, existem no Brasil 115 da moeda social, principalmente porque
moedas sociais locais circulantes. Gilmar o dinheiro seria gasto dentro da própria
Miranda informou que o Banco Pracuu- comunidade e não fora dela, aquecendo a
bense é um filiado da RBBC, uma condi- economia local que tendia ao desapareci-
ção importante para que o banco tenha mento, conforme expôs o coordenador do
todo o amparo legal, reconhecimento go- banco.
vernamental e a articulação institucional No início do funcionamento do banco
que oferece a Rede Brasileira. foi realizada uma campanha para estimular
Sua criação deu-se durante o proces- o uso da moeda social, que foi bem-sucedi-
so de sensibilização e formação do banco. da. Hoje, 95% do comércio local já aceita a
Primeiramente, foi esclarecido o papel e o moeda social, conforme mostram cartazes
funcionamento da moeda, depois foi rea- de divulgação do Banco Comunitário com
lizada uma pesquisa de possíveis nomes e a mensagem “Aceito pracuúba – compre
ilustrações, seguida de uma votação com na comunidade” fixados na maioria dos es-
toda a comunidade. O passo seguinte foi tabelecimentos comerciais; e pelos depoi-
a elaboração gráfica e design das cédulas, mentos dos comerciantes colhidos durante
com apresentação em plenária comunitá- a pesquisa realizada pelo Instituto Vitoria
ria para aprovação e validação e, durante Régia após um ano de funcionamento do
a inauguração, foi colocada em circulação banco, conforme descrito a seguir:
com um lastro de R$ 1.650,00, que equi-
valem a 1.650 pracuúbas.
Aceita somente na comunidade, a
moeda pracuúba estimula a economia lo-
Aqui no nosso comércio aceitamos a mo-
cal por meio de acordos entre as partes e
promoções comerciais dos empreendedo- eda social. Seria melhor se interligasse
res locais, como: descontos com compra Muaná e São Sebastião da Boa Vista, se
em pracuúba, sorteios de brindes mensais aceitassem a moeda social, a nossa cé-
com participação só para quem compra dula, a necessidade de circular em outras
com pracuúba etc. Muitos comerciantes localidades, ampliar essa abrangência.
da vila dão descontos aos compradores que
utilizam essa forma de pagamento, para Lucas Carvalho,
comerciante local
52 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

treada em real, o que significa que tem


valor equivalente ao real.
Nós aceitamos a moeda porque entende- Os Bancos Comunitários são os res-
mos como é importante. O banco contri- ponsáveis por realizar o câmbio da moeda
local em reais, possibilitando que o consu-
buiu muito com o desenvolvimento, é mui-
midor troque seu dinheiro por moeda so-
to bom, se recebe aqui, aqui fica; quanto cial e que o vendedor depois troque essas
mais o banco ampliar é melhor. notas por reais.
Sobre a utilização da moeda social,
Lúcia Nunes,
Gilmar também explicou como funciona:
proprietária de um supermercado
na vila de Pracuúba “O interessado vem ao Banco Comunitá-
rio, faz o câmbio normal, traz R$ 10,00 e
troca por 10 pracuúbas, esse câmbio não
paga nada”. O regimento interno também
No início estranhei um pouco o uso da mo- estabelece normas para essa política de
eda, mas a comunidade estava se acostu- crédito, sendo que empréstimo de consu-
mo é realizado em moeda social, sendo as-
mando, o comércio foi se adaptando, foi mui-
sim fixado: 1% de taxa de administração
to bom, um probleminha às vezes é no troco e empréstimo de P$ 30,00 a P$ 150,00,
que tem que ser dado para o freguês. respectivamente. O empréstimo pode ser
feito para qualquer morador da área de
Valdemar Ladislau dos Anjos Filho,
abrangência, desde que seja analisado e
comerciante local
liberado pelo Comitê de Aprovação de Cré-
dito (CAC)[7]. O prazo de pagamento é de
A moeda social circulante local é 30 dias, conforme estabelece o regimento
um dos produtos mais marcantes de um interno. No caso de atraso, será aplicada
Banco Comunitário, pois é um meio de uma taxa de juros não superior a 5%, de-
consolidação da economia local e a gran- cidida pelo CAC. A renovação passa pela
de estratégia de desenvolvimento uma análise do conselho gestor e do CAC. Para
vez que garante que as poupanças fi- liberação de empréstimo produtivo pró-
quem na própria comunidade, ou seja, prio, utiliza-se o aval da vizinhança.
mais dinheiro circulando localmente, Todas essas possibilidades permitem
mais emprego, mais renda, mais desen- o estímulo à produção, atingindo o objetivo
volvimento para a comunidade, e é las- central de um Banco Comunitário, que é

[7]
O CAC foi estabelecido pelo regimento interno e formado por eleição dentro da comunidade, composto por um represen-
tante da entidade gestora, um representante da comunidade e um representante da coordenação do banco.
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 53

“estimular a produção”, de modo que esta O Banco Comunitário Pracuuben-


reorganize as cadeias produtivas locais, se foi o principal instrumento de inclusão
evitando a competição, estimulando a soli- financeira da comunidade São Miguel do
dariedade, a cooperação entre as famílias, Pracuúba, principalmente por oferecer ser-
entre os tomadores de crédito. A implan- viços financeiros e a moeda social a essa co-
tação do Banco Comunitário também pos- munidade, que outrora foi tão desassistida
sibilitou a instalação de novos estabeleci- de serviços bancários, realidade vivenciada
mentos na localidade. por quase toda a população do Marajó.

7. Semente plantada, frutos colhidos: alguns resultados


significativos

A proposta de desenvolvimento • aumento de quase 160% na cartei-


comunitário, local, endógeno, ao qual ra em moeda social, que iniciou com
a economia solidária, por meio das fi- R$ 1.650,00 e foi transformada em
nanças solidárias com base em Bancos 1.650 pracuúbas, e atualmente possui
Comunitários desenvolve, está sendo uma carteira ativa de financiamento via
consolidada no território marajoara, no moeda social no valor de 4.235,00 pra-
município de Muaná, especificamente cuúbas, provenientes de doações e de
na vila de São Miguel do Pracuúba. retorno dos empréstimos;
Essa consolidação ocorre por meio • uma média de 1.400 transações ban-
do Banco Comunitário Pracuubense e se cárias por mês, com valor médio de
fortalece pela sua moeda social “pracuú- R$ 184.400,00;
ba”, bem como através do processo de or- • noventa e cinco por cento dos quase
ganização comunitária desencadeado pela 150 empreendimentos existentes na co-
adoção deste modelo alternativo de desen- munidade aceitam a moeda social;
volvimento. • realização de 75 empréstimos em moe-
Este desenvolvimento só foi possível da social com volume de R$ 4.235,00;
devido à determinação e dedicação da co- • vinte por cento dos empreendimentos
munidade para tornar possível a transfor- existentes na comunidade iniciaram
mação da realidade local e, com isso, gerar por intermédio do banco comunitário;
resultados significativos, que após quase • zero por cento de inadimplência;
um ano de existência, apresenta: • quinze novos empreendimentos gerados.
54 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Gráfico 1
Número de movimentações financeiras efetivadas pelo Banco Comunitário Pracuubense de abril/2016 a março/2017

MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS

1812
1596 1612
1513 1477 1487
1277
1146
1076

696
570
323
ABRIL

MAIO

JUNHO

JULHO

AGOSTO

SETEMBRO

OUTUBRO

NOVEMBRO

DEZEMBRO

JANEIRO

FEVEREIRO

MARÇO
Fonte: Projeto Embarca Marajó

Gráfico 2
Recursos financeiros (R$) movimentados pelo Banco Comunitário Pracuubense no período de abril/2016 a março/2017

$ 300.000,00

$ 250.000,00

$ 200.000,00

$ 150.000,00

$ 100.000,00

$ 50.000,00

$ 0,00
ABRIL

MAIO

JUNHO

JULHO

AGOSTO

SETEMBRO

OUTUBRO

NOVEMBRO

DEZEMBRO

JANEIRO

FEVEREIRO

MARÇO

Período

Fonte: Projeto Embarca Marajó


Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 55

É importante salientar que o grande Além das potencialidades destaca-


propulsor da estratégia de desenvolvimen- das na explanação acima, a comerciante
to endógeno dentro da vila de São Miguel ainda enfatiza que moradores de diver-
do Pracuúba via Banco Pracuubense é a sas localidades foram atraídos para Pra-
adoção da moeda própria ou social e a efe- cuúba desde o início do funcionamento
tivação de condições reais da permanência do banco:
do dinheiro circulando na própria comuni-
dade, ao qual perfaz um elo de comunhão,
solidariedade, confiança e desenvolvimen-
to comunitário.
O pessoal de Anajás, Guajará, Flexal, Mu-
murana, Juruaçu, Atatá, Pau de Rosa,
O Banco Comunitário ajudou em muita moradores de localidades próximas, vêm
coisa. Toda vez que tinha que fazer paga- para cá para usar os serviços oferecidos;
mento tinha que ir para Muaná; de lancha quanto mais o banco funcionar é melhor
são duas horas, de voadeira uma hora ou para todos”, enfatizou a comerciante, que
uma e vinte, ou através dos barcos de linha utiliza muito o banco principalmente para
que sai às nove da noite e chega uma hora depósitos bancários, feito diretamente para
da manhã, então tem que esperar ama- os fornecedores de mercadorias.
nhecer. O banco melhorou cem por cento. Elaine Mesquita,
Se acabar esse banco aqui regrediria mui- proprietária de uma loja de confecções
to, seria um problema para todo mundo.
Isaura dos Santos Barbosa,
moradora da vila de Pracuúba
O povo que mora na redondeza vem tudo
para cá, se beneficiando do banco. Eu mes-
Nós comerciantes fomos muito beneficia-
mo moro em uma comunidade aqui na fren-
dos com a entrada do Banco Comunitário.
te da vila, e venho para cá, a gente faz paga-
As pessoas não precisam sair mais para a
mento de contas e outros serviços.
cidade vizinha para receber, elas recebem
aqui mesmo, e recebendo aqui, o dinheiro Pedro Paulo Marinho,
morador das adjacências de Muaná
fica por aqui, fica aqui dentro.
Elaine Mesquita,
dona de uma loja de confecções
56 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

O banco para mim aqui é tudo, ajudou Me beneficiou diretamente e tenho certeza
muito, é um capital que gira na própria que cada morador foi beneficiado, foi a me-
comunidade. Melhorou muito, as pesso- lhora de todos e da própria comunidade.
as não vão para fora, o dinheiro fica aqui, Antônio dos Anjos Barbosa,
a gente vende a nossa mercadoria, gera morador
benefícios para todos. Melhorou cem por
cento a nossa comunidade.
Foi muito bom para todos da nossa comu-
Lúcia Bahia,
dona de uma loja de variedades
nidade ribeirinha, aqui do nosso querido
Marajó.
Maria do Socorro Magno Coelho,
moradora
Com o banco funcionando aqui na nos-
sa comunidade, nem entro em fila, che- Outros moradores também expres-
go, entro e vou embora. Deixei de receber saram os bons resultados provenientes da
em Muaná, em (São Sebastião) Boa Vista, grande movimentação na comunidade du-
antes pagava trinta reais só de passagem. rante o calendário de pagamento do Bolsa
É muito gratificante a presença do banco Família:

aqui, melhorou cem por cento.


Eduardo Costa
morador Nesses dias a vila fica muito movimentada
e aumentam as vendas. A gente já se pre-
para para esses dias, é uma coisa muito
Contribui muito, um dinheiro a mais que boa para todos.
circula na comunidade; uso principalmente
Jorge Miranda,
para fazer depósito, mas uso também para verdureiro
pagamento de luz, telefone, boletos, trans-
ferência. Antes mandava para Belém para
fazer depósito. O banco trouxe uma movimentação boa
para a comunidade.
Roberto Carlos Andrade Melo,
comerciante Mauro Gonçalves Bahia,
barbeiro
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 57

Enquanto os comerciantes aprovei- que reflete não apenas a satisfação econô-


tam os bons resultados das vendas, os de- mica, mas também a pessoal, contribuindo
mais moradores também são envolvidos para a construção de um sentimento de
com a grande animação predominante na pertencimento, que leva a uma maior va-
comunidade durante esses dias, um clima lorização do lugar onde se vive.

8. Referências bibliográficas
ARRUDA, Marcos. Indo mais fundo numa nova arquitetura financeira. 2 de mar-
ço, 2009. Disponível em: <www.polis.org.br/download/27.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2012.
BANCO PALMAS. Disponível em: <http://www.bancopalmas.org.br/>. Acesso em: 6 jun.
2012.
COELHO, Frankim. Dicionário A Outra Economia. 2003. Dantas, Luis Guilherme
Cardoso. Plano de formação sobre os conteúdos da oficina sobre gestão de Fun-
dos Solidários. Belém, 2015.
INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, SOCIAL E AMBIENTAL DO
PARÁ (IDESP). Estatística de Município. Disponível em: iah.iec.pa.gov.br/iah/fulltext/ge-
oreferenciamento/ulianopolis.pdf. Acesso em: 20 ago. 2015.
SANTOS. Boaventura de Sousa. Produzir para viver: os caminhos da produção
não capitalista. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
FAVARETO, Anilson; BITTENCOURT, Gerson & M, Reginaldo (Orgs). Desenvolvi-
mento Local Sustentável e Solidário: novos princípios, novos desafios, São Pau-
lo, Plural Cooperativa, 2000.
VALENTE, Rosevany Mendonça. A organização de finanças solidárias com base
em Bancos Comunitários, como estratégia para o desenvolvimento local e sus-
tentável. Monografia. 2013.
SINGER, Paul. Economia solidária: um modo de produção e distribuição. In:
SINGER, P.; SOUZA, A.R. (orgs). A economia solidária no Brasil: a autogestão como res-
posta ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2000.
SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. 1ª. ed. 3. reimp. São Paulo: Perseu
Abramo, 2002.
58 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Frente da comunidade Santo Ezequiel Moreno (Portel)


Foto: © Acervo Embarca Marajó / Lucas Filho
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 59

CAPÍTULO
EXPERIÊNCIA
DO FUNDO
SOLIDÁRIO AÇAÍ
DE PORTEL
João Daltro Paiva
Katiuscia Miranda
Ruth Corrêa da Silva
60 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

1. Apresentação
O IEB iniciou sua atuação no Marajó sem a qualidade social e ambiental da vida
em parceria com a Federação de Órgãos dos moradores da comunidade.
para Assistência Social e Educacional Porém, assim como o açaí Euterpe
(Fase) Amazônia no município de Guru- Olerácea, que se desenvolve em uma tou-
pá. Nos últimos três anos, suas ações têm ceira com várias brotações em diferen-
contribuído para o fortalecimento da go- tes estágios de desenvolvimento, na qual
vernança florestal no território do Mara- haverá diversas árvores adultas, o Fundo
jó, por meio de um conjunto articulado Açaí também multiplicou e complexificou
de ações desenvolvidas pelo instituto, tais sua influência. Hoje são contabilizados 16
como cursos, oficinas, consultorias espe- projetos ou ações desenvolvidas com re-
cializadas, intercâmbios de experiências, cursos do fundo e parceiros, tais como a
assessoria em gestão de entidades sociais. construção de uma ponte de 690 metros
Durante a realização dessas ações, o interligando a área de várzea e terra-fir-
IEB começou a interagir com as iniciativas me da comunidade, a instalação de uma
de gestão local protagonizadas pela comuni- mini agroindústria para o beneficiamento
dade de Santo Ezequiel Moreno, localizada da fruticultura comunitária e o início da
no rio Acuti Pereira, em Portel, no arqui- construção de uma pousada e restauran-
pélago do Marajó, Pará. Uma dessas inicia- te. Estimulados pelos benefícios do fundo,
tivas foi uma experiência de fundo flores- os comunitários interromperam o ciclo de
tal comunitário, conhecido como “Fundo exploração predatória do palmito de açaí e
Açaí”, que foi constituído num longo pro- começaram a fazer o manejo dos açaizais
cesso de organização social que culminou para aumentar a produção de frutos. Ade-
com sua criação na safra de açaí de 2010. A mais, começaram a atuar diretamente na
ideia para formação do fundo era simples: a política da merenda escolar municipal, por
cada lata de açaí coletada e comercializada, meio da inclusão de produtos da culinária
o membro da comunidade doaria R$ 1,00, agroextrativista[8] no cardápio.
formando um fundo que custearia investi- O êxito do fundo levou o IEB a propor
mentos em bens e serviços que melhoras- à comunidade Santo Ezequiel Moreno reali-

[8]
Termo utilizado pelos membros da comunidade Santo Ezequiel Moreno para designar uma culinária que expressa a iden-
tidade e a cultura alimentar dos povos ribeirinhos. Essas práticas culinárias têm base nos costumes alimentares locais, mas
possuem uma “nova roupagem” (apresentação visual, combinação de sabores etc.), o que possibilitou ofertar alimentos sau-
dáveis aos estudantes da rede pública de ensino.
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 61

zar a sistematização da experiência do Fun- ções, interessa a sistematização da experi-


do Açaí, por entender que tal processo possi- ência; portanto, o foco são os sujeitos que
bilitaria não somente “narrar uma história, vivenciaram a experiência e seus aprendi-
mas também refletir criticamente sobre ela, zados sobre a mesma, de maneira que tais
registrando os desafios e dilemas com os aprendizados inspirem outras pessoas, or-
quais o grupo ainda se depara, bem como ganizações e comunidades a construírem
produzir conhecimento sobre o tema e tam- suas próprias narrativas, suas próprias his-
bém aprendizados e lições” (IEB, 2011). tórias de luta, resistências e conquistas.
Esta proposição se ancorou na lógica Portanto, sistematizar essa experi-
preconizada por Holiday (1996) a partir de ência representou para o IEB uma opor-
seus trabalhos realizados em diversos paí- tunidade para refletir sobre as lições e
ses da América Latina. Sua concepção de aprendizados, a partir dos sujeitos que
sistematização de experiências tem origem participaram da experiência, possibilitan-
nos trabalhos de educação popular e se in- do comunicá-la e replicá-la em outros con-
sere dentro de uma lógica de produção de textos, de modo a cumprir com uma das
conhecimentos, não a partir de centros de premissas da abordagem estratégica do
pesquisas ou de ensino especializado, mas instituto, que é o fortalecimento institucio-
a partir das experiências vividas pelos gru- nal das organizações comunitárias. O foco
pos sociais. Neste caso, a sistematização das reflexões foram as estratégias voltadas
implica no ordenamento, reconstrução e para a sustentabilidade socioambiental da
análise crítica dos processos vividos pelos comunidade em seu território.
grupos, pessoas e organizações locais. Como a experiência de fundo comu-
A sistematização de experiências de nitário implementada em Portel é um pro-
processos sociais protagonizados pelas or- cesso sobre o qual interferiram múltiplos
ganizações da sociedade civil da Amazônia fatores, foi necessário definir um recorte
tem sido uma ação estratégica desenvolvida temático, uma vez que não era possível
pelo IEB. Para o instituto, sistematizar ex- sistematizar toda a complexidade e rique-
periências significa um esforço institucio- za da experiência. A opção, nesse caso, foi
nal de produção de conhecimento conecta- abordar a relação entre as estratégias de
do com a realidade e necessidade de todos gestão e as parcerias estabelecidas pela
os sujeitos envolvidos no processo. Mais do comunidade como os eixos temáticos da
que a sistematização de dados e informa- sistematização. Em termos prático-meto-
62 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

dológicos, foram realizadas pesquisas em os membros da comunidade nos dias 2 e


documentos de base secundária, entrevis- 3 de março de 2017, com a participação
tas com atores externos que colaboraram de 34 adultos e 17 crianças. Por fim, foi
ou acompanharam o desenvolvimento da realizada uma reunião de restituição dos
experiência, uma entrevista coletiva com resultados da sistematização, ocorrida na
a equipe de coordenação do fundo e uma comunidade de Santo Ezequiel Moreno no
oficina de sistematização participativa com dia 28 de junho de 2017.

Paneiros carregados de açaí prontos para serem transportados rumo à comercialização.


Foto: © Acervo Embarca Marajó / Lucas Filho
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 63

2. O contexto da experiência: na margem das ausências


e riquezas roubadas

Entre os 16 municípios que com- virola, pau-mulato, pracuúba, macacaúba,


põem a mesorregião do Marajó, Portel está seringueira, buriti, andiroba e açaí, para
localizada na microrregião à qual empres- citar algumas (RAMOS, 2016). Hoje a co-
ta o nome, tendo como municípios limítro- munidade conta com um total de 31 famí-
fes: Melgaço, ao norte; Oeiras do Pará, a lias (IEB, 2017).
leste; Itupiranga e Porto de Moz, ao sul; e Porém, essa riqueza natural corre
Senador José Porfírio, a oeste. Segundo a sérios riscos com o avanço do desmata-
contagem do Censo realizada pelo IBGE, mento no município. Segundo o Prodes,
em 2010 Portel tinha uma população de do Inpe (2017), na mesorregião do Ma-
52.172 habitantes (IBGE, 2010), sendo rajó Portel lidera o ranking do desmata-
24.852 na zona urbana (48 %) e 27.320 na mento, com 1.908 km2 desmatados, o do-
zona rural (52 %). A área total do municí- bro do ocorrido no município de Breves,
pio é de 25.384,960 km², o que configurou o segundo colocado, que registrou 543
na contagem censitária uma densidade de- km2. Esse cenário de exploração intensi-
mográfica de 2,06 habitantes por km2. O va dos recursos florestais não é exclusivo
IBGE estimou a população do município da história recente de Portel; vem des-
para 2016 em 59.322 pessoas. de a colonização portuguesa e, até mais
Segundo o Diagnóstico Socioeco- recentemente, com a intensificação da
nômico e Ambiental do rio Acuti Pereira exploração madeireira a partir da década
(FASE, 2006: p. 16), em 2006, a popula- de 1970 (FASE, 2006).
ção das comunidades ao longo desse rio Especificamente na comunidade San-
foi estimada em 1.512 pessoas (4% dos to Ezequiel Moreno destaca-se o impacto
38.043 habitantes totais contados no Cen- da exploração do palmito de açaí (Euterpe
so de 2000). Santo Ezequiel Moreno é Oleráceae), cuja dinâmica guarda relação
uma das comunidades localizadas ao longo com o sistema de aviamento, uma estrutu-
do rio Acuti Pereira e que vivem sob a in- ra social de produção alavancada no perío-
fluência de sua dinâmica. Trata-se de uma do de extração intensa da borracha silves-
comunidade em área de várzea, com uma tre (século XIX), mas que perdura até hoje
riqueza e diversidade florestal expressiva: (DINIZ, 2008, p. 42):
64 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

“Os produtos do extrativismo eram comprados “adiantamento” em dinheiro –, trata-se da


pelo patrão, que era fornecedor exclusivo de pro- instituição secular do aviamento.
dutos industrializados e equipamentos aos extra- Já o regatão é um barco que circula
tivistas. O seringueiro contraía uma dívida com entre as comunidades ribeirinhas reali-
o patrão quando este financiava a sua viagem zando a troca de produtos semi-industria-
do Nordeste para a Amazônia, além dos equi- lizados e industrializados por produtos ex-
pamentos necessários à extração dos produtos trativos, sempre com altas perdas para os
da floresta. Ao se abastecer exclusivamente nos extrativistas, como relatado por membros
barracões do patrão, o seringueiro passava a ser da comunidade (IEB, 2017):
seu “cliente”. [...]

“Esse sistema se difundiu pela Amazônia duran-


te o ciclo da borracha, formando diversos elos
intermediários que iniciavam nas casas de ex-
O palmitinho que a gente vendia só dava
portação e importação, e chegavam até os ex- para comprar o café, o arroz, o feijão, só
trativistas.” dava para a despesa.
Aloísio,
Na extração do palmito em Santo
comunitário integrante do Fundo Açaí
Ezequiel Moreno, essa dinâmica se repro-
duziu por meio do “adiantamento” e dos
regatões. O primeiro é a venda antecipada
da produção para o atravessador: o extrati-
vista recebe dinheiro para fazer os serviços Na época o palmito era muito barato e as
preparatórios e a coleta com o compromis- coisas eram muito caras. E aí tem a situação
so de entregar a produção pelo valor acor- do regatão. Era uma situação que prejudi-
dado com o atravessador, não importan- cava muito, porque você vendeu palmito e
do se no momento da entrega o valor do compra dele a mercadoria, então era troca
produto no mercado esteja acima do que
né, você vendia o palmito e comprava a
foi anteriormente acordado entre ambos.
Este “adiantamento” pode ser em espécie mercadoria. Até a farinha a gente compra-
e em objetos necessários ao trabalho ou re- va dele, porque não fazia muita roça e era
lacionado a outras situações que o extra- muito cara a farinha.
tivista esteja vivendo (a televisão que está
danificada, o remédio que está precisando Teofro,
etc.). Apesar de haver especificidades do liderança comunitária e membro da coordenação do
Fundo Açaí
contexto atual – no século XIX não havia
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 65

Segundo as lideranças da comunida- foram 900 mil m3, que movimentaram R$


de, o regatão perdurou até por volta de 2003, 166 milhões; e em 2015 foram extraídos
só vindo a se extinguir ou reduzir – ainda há 980 mil m3, que resultaram em R$ 191 mi-
pessoas que comercializam com os regatões lhões (PORTEL, 2016, p. 17). Contudo, os
– por conta do processo de conscientização milhões de reais gerados pela exploração
da comunidade, mas ainda persiste em ou- madeireira na região não foram revertidos
tras comunidades do rio Acuti Pereira. em melhoria na estrutura da municipali-
Em termos econômico-financeiros, dade e aumento da qualidade de vida das
os dados oficiais da extração do palmito no comunidades (IEB, 2017):
município de Portel (PARÁ, 2016, pg. 47-48)
indicam que de 2000 a 2015 foram extraídas
1.459 toneladas do produto in natura, que
geraram uma receita total de R$ 1.400 mi-
Como já foi falado sobre a questão da ma-
lhão, sendo que no ano de 2000 o quilogra- deira, e aí eu me lembro na questão da mo-
ma do palmito custava R$ 0,35, alcançando radia, não tínhamos uma moradia adequada.
R$ 3,92 em 2015, um aumento de mais de Trabalhava com a madeira, mas era só para o
1.000%. Contudo, apesar dos ganhos, o im- empresário. Quando eu lembro, antigamente
pacto dessa exploração às comunidades da
a casa dos meus pais, de que forma era,
região de Portel e ao seu ecossistema foram
extremamente severos. Segundo comunitá-
as casas eram assoalhadas com pixiuuba e
rios, a produção de um quilo de palmito re- cercado com palha. Não tínhamos casa de
quer a supressão de cinco estipes – de cada madeira, a gente não tinha aquele cuidado
estipe pode-se extrair 200 g –, o que significa de tirar a madeira para fazer a casa.
que a produção entre 2000 e 2015 levou à
derrubada de milhares de açaizeiros na re- Jailson Araújo,
gião de Portel. No caso específico da comuni- comunitário integrante do Fundo Açaí
dade Santo Ezequiel Moreno, isto provocou
a falta de açaí em 2004, afetando diretamen- A pesca predatória também foi apon-
te a base da dieta alimentar das famílias. tada pelos comunitários na oficina de sis-
Outra atividade econômica importan- tematização como uma atividade que pro-
te a se considerar no contexto da experiên- vocou impactos negativos significativos na
cia é a exploração madeireira. Dados ofi- comunidade. Segundo os participantes,
ciais sistematizados por Organizações Não por volta dos anos 1990-1991, o lago em
Governamentais (ONGs) apontam que em frente à comunidade, usado pelos comuni-
2009 foram extraídos 650 mil m3 de ma- tários como fonte de subsistência, passou
deira, gerando R$ 78 milhões; em 2012 a ser explorado por pescadores de Portel
66 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

de fora da comunidade, para comercializa- No cotidiano das famílias da comu-


ção do pescado na sede do município, bem nidade Santo Ezequiel Moreno esta au-
como por barcos de outros municípios da sência de políticas públicas básicas, como
região, como Cametá e Igarapé Miri. Se- educação, exigiu um duro esforço indivi-
gundo relatos, houve períodos em que dual e coletivo de superação. Por exemplo,
havia 10 a 15 geleiras no lago usando mé- eram as famílias que pagavam o professor
todos predatórios de pesca, como o puçá para ensinar os seus filhos em casa, “à luz
e a rede de bloqueio. Esses métodos pro- de lamparina, à noite, depois do trabalho”.
vocaram impactos ambientais, com maior Com o aumento do número de famílias
consequência sobre a diminuição do banco na comunidade, a demanda por educa-
pesqueiro local, atingindo espécies como o ção também cresceu, mas o governo não
pirarucu e o peixe-boi, que eram abundan- garantia professor, e o custo para levar as
tes no lago. crianças até outra escola fora da comuni-
Aliada a essa dinâmica de exploração dade era alto. Ademais, o deslocamento
predatória dos recursos naturais havia ain- para outras comunidades era prejudicado
da a ausência histórica de políticas públicas pela existência de barrancos que fecha-
na região do Marajó, ou sua baixa efetivi- vam o rio, formados pelo acúmulo de vege-
dade, que se refletia nos baixos indicadores tação, impedindo a navegação.
econômico-sociais de Portel. Por exemplo, o A partir de 1997, o governo contratou
Pnud (2010) divulgou em 2010 um IDH de professores para lecionar na comunidade,
0,483 para o município, que é considerado melhorando um pouco essa situação. Mas,
muito baixo (faixa que vai de 0,00 a 0,499) as condições ainda estavam longe de se-
comparado ao índice máximo 1,00. rem satisfatórias.

Crianças e adultos atentos à apresentação da história do Fundo Solidário Açaí.


Foto: © Acervo Embarca Marajó / Lucas Filho
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 67

Na saúde não era diferente, a desas- Diante dessa situação de abandono ha-
sistência imperava. Em 2004, ocorreram via duas alternativas possíveis. Uma era mi-
no município de Portel muitos casos de rai- grar para locais que oferecessem melhores
va causada pela mordida de morcegos he- condições de vida. A outra era permanecer
matófagos contaminados, levando 15 pes- na comunidade e se mobilizar para torná-la
soas à morte, a maioria da comunidade São um lugar onde os direitos fossem garantidos,
Bento, localizada no rio Acuti Pereira. Ade- se vivesse com alegria, fartura e dignidade e
mais, era rotineira a ocorrência de diarreia onde as riquezas dos rios e das florestas fos-
na infância e problemas de pele. Em 2010, sem verdadeiramente propriedade daquela
os indicadores de saúde ainda eram alar- população. A comunidade decidiu escolher
mantes: 10% da população do município a segunda opção e, juntamente com lideran-
havia sido acometida de malária. ças, materializou o Fundo Açaí.

3. Fundo Açaí: da raiva à estratégia


O rio Acuti Pereira não é formado so- da comunidade Santo Ezequiel Moreno e
mente por seu curso d’água central, mas seus pontos de curva, de mudança de rit-
por diversos “furos” que se constituem mo, velocidade e até direção.
verdadeiros ramais por onde suas águas Então, mais do que uma linha do
correm e se ligam ao corpo central do rio, tempo – que pressupõe uma abordagem
numa dinâmica de enchentes e vazantes retilínea e progressiva da história e dos
que movimenta não somente uma massa fatos –, cabe pensar o “rio do tempo” do
considerável de água, mas sedimentos, Fundo Açaí, marcado por uma história si-
nutrientes, espécies da fauna aquática e nuosa e por personagens e cenários socioe-
sementes. A vida pulsa e se refaz constan- conômicos que se encontram e distanciam
temente em suas águas sinuosas. a cada momento, como as águas fluviais.
O nascimento do Fundo Açaí asseme- A seguir, apresenta-se o percurso his-
lha-se ao rio Acuti Pereira e seus afluentes, tórico do processo que culminou com a
com uma diversidade de eventos sociais e criação do Fundo Açaí, a partir dos sujei-
históricos que fizeram e o fazem fluir como tos que idealizaram e construíram a expe-
iniciativa coletiva e comunitária para o en- riência. Assim, sigamos o “rio do tempo”
frentamento dos graves problemas socio- do Fundo, em sua sinuosidade e nas águas
ambientais vivenciados pelos moradores que se misturam em correntezas.
68 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

2000 a 2005: a curva da educação e dos Trabalhadores Agroextrativistas do Rio


da organização local Acuti Pereira, a ATAA. A associação se tor-
nou um instrumento para a consolidação
A partir do ano 2000, a comunidade da parceria com a Fase e desenvolveu vá-
Santo Ezequiel Moreno começou a rece- rias ações com o intuito de discutir a ques-
ber apoio de ONGs e descobriu o significa- tão da regularização fundiária e o manejo
do de parceria. Isso ocorreu quando uma florestal comunitário:
de suas lideranças, Teofro Lacerda, parti-
cipou pela primeira vez de um seminário
promovido pela Fase, em Breves. Desde
então, entre 2001 e 2005, a liderança par-
Isso aí foi um momento importante que
ticipou de cursos, eventos e intercâmbios
que lhe possibilitaram acumular e cons-
conseguimos trazer companheiros de
truir conhecimentos a respeito de gestão Gurupá, como o seu Adamor, o Codó (Sin-
sustentável dos recursos naturais, assim dicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras
como despertar para a necessidade da Rurais de Gurupá) e Dr. Gerônimo Trecan-
organização local. Em 2003, juntamente ni, que hoje tá na UFPA, e, na época, era
com outros moradores da localidade Santa
assessor da Fase. Vieram falar da regula-
Cruz, Teofro fundou a comunidade católi-
ca Santo Ezequiel Moreno.
rização fundiária, plano de uso, pesca e
Em 2004, em um intercâmbio de ex- manejo de açaí, foi muito importante que
periências em Gurupá (na Ilha das Cinzas), enriqueceu muito o trabalho na comunida-
Teofro Lacerda conheceu o manejo susten- de e, a partir daí, a gente vem trabalhando
tável do camarão e o conceito de plano de a formação, vem reunindo.
uso dos recursos naturais. Toda sua vivên-
cia e formação nesses eventos lhe propor- Teofro Lacerda,
cionaram uma nova visão quanto ao uso dos liderança comunitária e membro da coordenação do
recursos naturais, que foi multiplicada nas Fundo Açaí
comunidades do rio Acuti Pereira.
Ainda em 2004, a partir do trabalho Esse processo de formação de lide-
de mobilização de Teofro, as lideranças co- rança local, numa lógica de troca de co-
munitárias iniciaram a discussão para a nhecimentos com organizações e realida-
criação de uma organização, a partir dos des supralocais, ampliou a expressividade
conhecimentos trocados com as lideranças de Teofro Lacerda, de modo que no ano de
e técnicos da Fase de Gurupá. Em 17 de 2005 ele foi eleito presidente do Sindicato
abril de 2004, a comunidade Santo Eze- de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
quiel Moreno decidiu criar a Associação (STTR) de Portel.
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 69

É importante destacar o papel pre- Terra, a participação direta na construção


ponderante da educação, compreendi- da escola de ensino fundamental dentro da
da em seu largo espectro, a qual inclui a comunidade e a contribuição na formação
educação escolar, mas igualmente os pro- de três comunitários como técnicos agríco-
cessos de ensino e aprendizagem que se las de nível médio. Nesse sentido, na gêne-
dão nos mais diversos espaços não escola- se do Fundo Açaí, a educação atuou como
res (encontros da comunidade, atividades um componente impulsionador e anima-
dos movimentos sociais, processos forma- dor para a mudança ou transformação da
tivos locais e supralocais etc.). Os rela- realidade pelo enfrentamento aos proble-
tos apontam que esta concepção larga de mas socioambientais.
educação foi um dos elementos que estão
na gênese do Fundo Açaí, pois possibilitou 2004 a 2006: a curva do luto
uma leitura de mundo que operou uma transformado em luta
ressignificação do cotidiano, que permitiu
uma compreensão mais complexa do que Anteriormente ao ano de 2004, a co-
é o real e a significação da realidade que munidade já vivia situações de exploração
se vivia na comunidade. intensiva de seus recursos florestais, com
Essa marca da educação na comuni- destaque para o palmito e madeira. Os re-
dade é algo valorizado até hoje, com sinais latos do grupo na oficina de sistematização
bem concretos, tais como o engajamento resgataram a história desde a década de
para a instalação da educação diferencia- 1960 com a chegada dos primeiros mora-
da no município, com a Escola Saberes da dores ao local da comunidade.

Mini agroinsdústria de Açaí construída com


recursos do Fundo Solidário da comunidade
Foto: © Acervo Embarca Marajó / Juliana Lima
70 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Nessa época, as atividades produti- enquanto o extrativismo do seu palmito


vas da comunidade eram a agricultura de era para fins de comercialização, usando
pequena escala, o extrativismo do látex métodos de exploração predatória, que su-
da seringueira e o extrativismo do palmi- primem muitas árvores jovens. Com o au-
to e fruto do açaizeiro, sendo esta última mento do número de famílias moradoras,
a forma de produção mais intensa econo- intensificaram-se também as atividades
micamente. A coleta do fruto de açaí era produtivas, reforçando a agricultura de pe-
realizada apenas para o consumo familiar, quena escala centrada na monocultura.

Muitas das vezes a gente conversava com a minha avó, né; eu gostava
de conversar com eles (avós) para pegar um histórico de 62 pra cá. As
atividades que exerciam na comunidade, na época na localidade que não
era uma comunidade, era muito farto, eles falavam (os avós) que era mui-
to farto, de caça, de peixe... tinha muita madeira, o açaí, o palmito, tinha
muito.... Aí chegou o momento que a família foi começando a casar, né,
e aí foi começando também a se estender o trabalho agrícola, acabando
um pouco a questão da seringa e começando um pouco a agricultura
familiar, só na monocultura também. De lá, já foi começando a extração
do palmito ilegal, feito pelas famílias aqui da comunidade.
Teofro Lacerda,
liderança comunitária e membro da coordenação do Fundo Açaí

A extração predatória do palmito tam- reu de forma intensa nos anos 1990 e se
bém foi intensificada e todos os membros prolongou por mais de uma década.
das famílias da comunidade se envolviam Havia uma pressão histórica de agen-
na exploração. O palmito foi explorado à tes externos na exploração dos recursos da
exaustão, ao ponto de faltar palmito e açaí comunidade. Eram “invasores provenien-
para a alimentação das famílias. Isto ocor- tes de Portel e outros municípios, como
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 71

Melgaço e Breves, que vinham roubar a ambiental para o “problema dos morce-
madeira e o palmito”. Os próprios comu- gos”. A partir daí pressionaram as esferas
nitários tiveram que enfrentar esse proble- de governo e mobilizaram as organizações
ma, e a matriarca (avó) da família de Teofro da sociedade civil supralocal para darem
Lacerda dialogava com os invasores. Con- uma resposta. Foram então realizados
tudo, é importante destacar que não havia estudos que concluíram a relação entre
ainda uma preocupação socioambiental o desmatamento intensivo na região e o
ou de conservação dos recursos florestais grande ataque dos morcegos. Diante des-
nesse enfrentamento. A questão era que sa situação grave, foi necessário encontrar
o roubo de “madeira” e “palmito” por pes- soluções.
soas externas à comunidade diminuiria os O ano de 2004 foi um marco na re-
ganhos que os comunitários poderiam ter lação da comunidade com o uso dos seus
com a exploração direta ou com a autoriza- recursos naturais. Em busca de solução,
ção de extração de tais recursos por outros. foram implementadas diversas ações. Em
Contudo, o ano de 2004 foi espe- 2004, foi fundada a ATAA, que permitiu
cialmente marcante na memória da co- relações institucionais mais fortalecidas
munidade como um período de perdas com parceiros, como a Fase. Em 2006,
de vidas. O ataque de morcegos hemató- numa parceria com a Fase, foi elaborado
fagos a humanos era considerado “nor- um diagnóstico sócio-econômico-ambien-
mal” pelos moradores das áreas rurais de tal do rio Acuti Pereira, que possibilitou
Portel. Contudo, naquele ano, os ataques identificar o impacto do açaí na economia
transmitiram a raiva, matando 15 pesso- das famílias. Foi identificado, por exem-
as em comunidades no rio Acuti Pereira, plo, que o consumo de açaí pelas famílias
especialmente em São Bento, sendo que proporcionava uma economia mensal nas
10 casos foram confirmados laboratorial- despesas com o “rancho” de uma família
mente como raiva virótica. da Santo Ezequiel Moreno de R$ 100,00
Apesar de não ter havido nenhum a R$ 120,00 quando comparados com as
óbito na comunidade Santo Ezequiel Mo- despesas de famílias do Médio e do Alto
reno relacionado à raiva transmitida pela Acuti Pereira, respectivamente. Por fim,
mordida do morcego, o fato gerou muito de 2005 a 2006, com base no diagnóstico,
medo entre todos os que moravam ao lon- foi elaborado o Plano de Uso dos Recursos
go do rio Acuti Pereira. As lideranças co- Naturais do rio Acuti Pereira. Efetivamen-
meçaram a questionar se havia uma causa te a comunidade passou do luto à luta:
72 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

...também a madeira, né, que foi tirado muita madeira, aí veio a consequência até
daquele surto de morcego, que aconteceu a triste causa de várias pessoas ter
falecido né e também ...estou com trinta anos que tô morando aqui, o problema
que a gente enfrentou muito foi sobre isso. Aí depois que a gente começou a se
organizar, de 2004 já para cá a gente começou a se organizar enquanto Asso-
ciação e com cursos e apoios de outras pessoas da comunidade que vieram pra
cá. E a gente foi pegando mais informação, tendo apoio das outras pessoas, das
autoridades, conseguimos também organizar e preservar uma área nossa que era
de pesca predatória. As pessoas não vieram mais de outro lugar para pescar nos-
so peixe e também nem tirar as açaizeiras, né, agora a gente já preserva também,
e só quando faz o manejo que tira o açaizal.
Maria Luiza,
presidente do Fundo Açaí

Ressalta-se que houve uma ampla mo- 2007 a 2010: a curva do ordenamento
bilização de organizações públicas das três territorial e da solidariedade
esferas de governo, assim como de organi- concreta
zações da sociedade civil supralocal para o
enfrentamento da questão da raiva causada Com o apoio de parceiros, a comu-
por morcegos. Porém, a comunidade não se nidade buscou o ordenamento territorial,
deu por satisfeita com as iniciativas propos- com o objetivo de promover o manejo sus-
tas e, principalmente, com o discurso oficial tentável de seus recursos sob o controle
que fazia a desconexão do “problema de e a gestão comunitária. Diversas pessoas
saúde pública” com “os problemas ambien- apoiaram a comunidade: Carlos Augusto
tais”. Assim, a iniciativa da comunidade em (então técnico da Fase), Daniel Francez
buscar respostas sistêmicas à epidemia e à (Prefeitura Municipal de Portel), Rodrigo
perda de entes queridos se apresenta como Delgado (Prefeitura de Portel) e membros
uma chave de leitura necessária dos proble- da Prelazia do Marajó. As parcerias foram
mas socioambientais na Amazônia paraense. fundamentais nesse processo:
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 73

Então, através de toda essa junção de parceria, nós começamos a discutir o


plano de uso da Gleba Acuti Pereira, daí surgiu de que forma a gente poderia
trabalhar o plano de uso da Gleba Acuti Pereira e de fazer um pedido de um
PEAX federal. Fizemos o diagnóstico, fizemos o cadastro das pessoas e demos
entrada no Ibama Belém, protocolaram o documento. Quando a gente foi fazer
procuração, perderam o documento, até hoje a gente tem o protocolo de lá;
nunca deram uma resposta para nós, isso foi em 2007. [...] Em 2008, tivemos
o primeiro curso de manejo florestal comunitário, com ênfase no açaí, ministrado
por um comunitário de Gurupá, o Zé Pimpa.
Teofro Lacerda,
liderança comunitária e membro da coordenação do Fundo Açaí

Ao mesmo tempo em que ocorria se repetiu para atender outras necessi-


essa movimentação em torno da regula- dades da comunidade: a ampliação do
rização fundiária, a comunidade discutia centro comunitário, a aquisição da tele-
como solucionar problemas concretos, visão e da antena parabólica.
como o acesso à energia elétrica. Nesse Trabalhavam com uma espécie de
caso, a solução foi a cotização entre os “dízimo”, mas ainda assim precisavam fa-
comunitários para a compra de um ge- zer coletas por família para completar o
rador de energia. Porém, o valor por fa- recurso para a aquisição do bem. Os co-
mília ficou muito alto para os padrões da munitários perceberam que com a cola-
comunidade (R$ 190,00 para cada nú- boração de todos era possível, dentro de
cleo familiar), mesmo assim o esforço foi um planejamento, resolver os problemas.
feito e o equipamento foi adquirido em Porém, com o crescimento do número de
2009. Isso demonstra que os moradores famílias na comunidade, as demandas de
de Santo Ezequiel Moreno já tinham a infraestrutura foram aumentando. Dian-
prática de “trabalhar em coletividade”, te dessas demandas, a estratégia da cole-
já se organizavam para adquirir alguns ta não conseguiria mais dar respostas, era
bens que contemplariam a todos. E isso preciso mudar.
74 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

...aí a gente viu a dificuldade da gente conseguir aqueles R$ 190,00 por pes-
soa, prá comprar o conjugado em 2009. Então daí a gente começou a pen-
sar como, o que que a gente vai fazer prá gente começar a conseguir algum
projeto prá comunidade não tendo mais aquele alto valor para cada família? Aí
começa a pensar o que a gente tem e o que a gente pode fazer para melhorar.
E o que a gente tinha muito era açaí, a gente vendia muito açaí, a gente chegou
a vender prá mais de 20 mil latas de açaí. Então a gente viu que isso era um
recurso que a gente tinha todo ano, mas que a gente via o recurso sair sem
deixar o benefício prá comunidade. Então se a gente tinha uma comunidade,
tinha o recurso, então pensamos que a gente tinha que bolar uma estratégia
para ver em que esse recurso vai ajudar a comunidade. No meu entendimen-
to, que eu tenho quase certeza que as pessoas pode confirmarem que o que
levou a gente a criar, a fazer esse fundo, foi a compra desse conjugado, que
puxou muito no bolso de cada família.
Sônia do Socorro,
idealizadora e uma das coordenadoras do Fundo Açaí

Assim, a partir de 2010, um grupo 2010 a 2012: a curva das pontes


de lideranças começou a pensar em uma rolantes e da apropriação territorial
alternativa. Foi quando surgiu o “pensa-
mento do fundo”, ainda no formato de A maioria dos relatos indica como pon-
uma poupança coletiva, para ser aplicado to de inflexão no processo de constituição do
para a melhoria da infraestrutura comuni- fundo a busca por atender a duas deman-
tária. Ressalta-se que essa ideia do fundo das. Havia uma demanda mais evidente: a
teve uma adesão entusiástica e protagonis- necessidade de melhorias na infraestrutura
ta das mulheres da comunidade. O Fundo da comunidade. As condições de acesso e
Comunitário Açaí, portanto, surgiu desta mobilidade na comunidade tinham um alto
primeira dinâmica impulsionadora: um grau de dificuldade, de modo a comprome-
mecanismo financeiro autogerido, com o ter a segurança dos comunitários em suas
qual os comunitários poderiam fazer inves- atividades rotineiras. Os relatos deixam evi-
timentos em “obras sociais” na comunida- dente que se tratava de um sério problema
de, obras em benefício de todas as famílias. para a vida familiar e comunitária:
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 75

Antes de 2010 nós tínhamos um grande Tenho 32 anos. Com a idade de 10 anos
problema de transporte para ir para nos- lembro que a gente ia pro centro, tinha tempo
so próprio trabalho, que é longe, no cen- que ficava tapado de barranco, tinha que pas-
tro. Então a gente ia pro centro, a gente sar o barranco e depois ia de ponte de pau
caminhava, a gente ia de canoa até uma roliço, andava caindo. Isso era a grande difi-
certa parte, depois largava a canoa e de- culdade que tínhamos. Minha avó chamava
pois íamos de estiva que era de madeira até de frouxo para os homens, a gente vinha
rolante, né. Eu posso dizer que eu mesma com paneiro de lenha pela estiva, tinha que
cheguei a pegar uma grande queda, com tirar lenha no mato e vinha, trabalhava com
meu filhinho que tava com três meses e mandioca, farinha, torrando. Para chegar em
tava no colo. Então antigamente, esse era casa era altas horas da noite, às vezes com
o grande problema que a gente enfren- lanterna alumiando...aí o pessoal foi roçando
tava antes de 2010. Esse era o grande o barranco e foi melhorando, mas com um
problema que tínhamos. certo tempo volta o barranco.
Maria Oneide Alves, Telma do Socorro,
comunitária integrante do Fundo Açaí comunitária integrante do Fundo Açaí

Como relatado, além das “pontes ro- somente aumentou a produção, mas trouxe
lantes”, havia o problema dos “barrancos” ganhos financeiros e conservou os açaizais.
que se formam no rio pelo acúmulo de As condições para mais um salto qua-
vegetação. Sem poder usar os barcos, as litativo na comunidade estavam estabele-
famílias tinham que se deslocar a pé e pe- cidas: internalizar uma parte do recurso
las pontes rolantes. Porém, se de um lado financeiro gerado pelo açaí para a melho-
havia problemas, por outro havia soluções ria das condições de vida da comunidade,
– um rio sempre tem duas margens. gerar bens e serviços que pudessem servir
Conforme relatos durante a sistemati- a todos, gerar bens comuns. A solução veio
zação, em 2010, a produção de açaí na co- a partir de uma iniciativa simples: cada co-
munidade se destacava no município, uma munitário contribuiria com um valor por
vez que os açaizeiros já não eram mais supri- cada lata de açaí coletada (inicialmente foi
midos para a exploração predatória do pal- R$ 1,00, hoje são R$ 2,00), formando uma
mito. A mudança na prática produtiva não “poupança coletiva”.
76 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

A produção já era um pouco grande, tipo 20 mil latas de açaí, e os comunitários


pegavam muito dinheiro só que não tinham o gerenciamento desse dinheiro.
Uma gerência desse recurso que tava saindo e a ponte para ter acesso à produ-
ção, a área de produção? Não tinha. O centro comunitário que servia para reunir,
também não tinha. Então o Teofro e a Sônia, aquele pessoal que gerenciava, né,
a comunidade naquele momento tiveram essa ideia excelente né? Que foi, na
verdade, eu não digo como um imposto, mas uma contribuição prá ele próprio.
O Teofro tem uma situação que ele diz que cada real que tu contribui, tu vai pisar
nele mesmo, tipo na ponte, contribuir com dois reais por lata ou um real, tu vai
ver que no futuro tu vai ter acesso a área de produção mais rápido.
Nilson Silva,
comunitário integrante do Fundo Açaí

Assim, a criação do Fundo Açaí se cisão de fazer com que os recursos finan-
constituiu inicialmente numa estratégia ceiros gerados pela floresta ficassem na
de solução autônoma da comunidade fren- própria comunidade, porém numa lógica
te às ausências de políticas públicas ou sua de internalização coletiva, de aquisição de
baixa efetividade, a qual passou pela de- bens e serviços de uso comunitário.

Não foi logo uma reunião, foi através da necessidade de infraestrutura, o açaí
saía e não deixava nada na comunidade. Foi através de uma conversa entre eu
e Sônia, foi pensado em criar uma estratégia de cada lata de açaí que cada um
tirava deixar um real para investir na comunidade e, através dessa coleta, vamos
saber quanto vamos arrecadar...outras pessoas também conversamos...e, aí, na
reunião de domingo na comunidade apresentamos a proposta. E muita gente
não concordou, meu próprio pai era resistente, pois dizia que uns iam pagar e
outros não, mesmo assim iniciamos, muitos pagaram, começamos a anotação
no caderno, o nome das pessoas que contribuíam. Aí veio a questão da amplia-
ção do centro comunitário, e em 2012 veio a ponte, e cada ano que passava ia
aumentando o número de pessoas que participavam do fundo.
Teofro Lacerda,
liderança comunitária e membro da coordenação do Fundo Açaí
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 77

De certa forma, tratou-se de uma


medida extrema de crítica prática à for-
ma como algumas políticas públicas são
operadas no Marajó e no próprio municí-
E aquela ponte ligando a várzea à terra fir-
pio e como os recursos públicos são pri-
vatizados aos interesses de determinados me foi um “salto logístico” porque permitiu
grupos políticos locais e regionais, de tal a eles uma dinâmica na produção mais rá-
modo que só alcançam as pessoas e co- pida, trazer a água potável da terra firme
munidades por meio de relações cliente- para a várzea – por baixo da ponte. Aí jun-
listas e paternalistas. A comunidade fez tou água limpa – que é importante numa
uma fala concreta de que a espera pela
região de várzea – e mais, esta poupança
“chegada” das políticas não tem razão de
ser, seja pela vontade política de não fazer ajudou a enfrentar a situação de diarreia das
acontecer, por incompetência ou por ne- crianças, a ter uma produção mais dinâmi-
gligência do poder público. ca, de ter uma vida social, poder jogar bola
Em 2012 foi concluída a ponte de e voltar tranquilamente pra casa. O fundo
690 metros, construída com recursos do puxou uma coisa, que puxou outra coisa.
fundo, que liga a área de várzea – onde es-
tão localizadas as casas dos comunitários – Carlos Ramos,
à área de terra-firme – onde estão localiza- engenheiro florestal, consultor
das as roças. Ela simboliza o enorme êxito
do Fundo Açaí.

Comunitário caminhando sobre a ponte em direção aos açaizais (Comunidade Santo Ezequiel Moreno, Portel)
Foto: © Acervo Embarca Marajó / Juliana Lima
78 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Como se pode perceber, a ponte foi maior provocação reflexiva e que está bem
um verdadeiro salto logístico dentro da co- presente naqueles que “olham de fora” a
munidade, que possibilitou uma série de experiência: são as demandas internas a
outras melhorias, mas também validou a uma estratégia de uso e conservação dos
viabilidade do fundo no interior da comu- recursos naturais da comunidade como
nidade e demonstrou sua potencialidade ação de apropriação territorial.
transformadora. Porém, ainda havia uma Esse período foi marcado por uma
questão mais profunda a enfrentar: a rela- mudança de mentalidade, que é reconheci-
ção de apropriação e de expropriação que da por quem conhece “de fora” a experiên-
os comunitários viviam em relação ao seu cia. Conforme Carlos Ramos (Consultor),
território. Uma situação emblemática des- eles passaram a entender e a defender a
ta relação ambivalente com o território e os ideia de que a conservação dos recursos na-
seus recursos florestais era a exploração de turais aumentava o ganho econômico. Para
madeira e palmito. As famílias permitiam Antonio Vaz (Gerente de Extensão Rural da
a exploração de palmito e madeira por ter- Secretaria de Desenvolvimento Econômico
ceiros, recebendo destes algum valor pecu- de Portel – Sede), foi a afirmação da auto-
niário pela autorização da exploração dos nomia da comunidade para não bater à por-
recursos. Porém, essas mesmas famílias ta do prefeito ou do vereador para pedir fa-
defendiam seu território de invasores que vores – prática tradicional no Marajó e que
desejavam roubar esses recursos. vem se acentuando pelo assistencialismo e
Contudo, não se deve vincular esta paternalismo. Já para Gracionice (presiden-
reação à uma consciência da necessidade te do Sindicato dos Trabalhadores e Traba-
de preservar os recursos naturais, mas à lhadoras Rurais de Portel – STTR), os co-
preocupação em não ter perdas econômi- munitários conseguiram se empoderar do
cas que impactariam a sobrevivência das grande potencial dos recursos naturais em
famílias. Dessa forma, pelo desconheci- gerar recursos financeiros para a sustenta-
mento de alternativas e pela alta penosida- bilidade da comunidade. Por isso, o Fundo
de do trabalho agrícola em relação à extra- Açaí foi um instrumento para quebrar o pa-
ção predatória, a estratégia de reprodução ternalismo, tornar a comunidade indepen-
da comunidade estabelecida pelas relações dente e demonstrar que uma comunidade
comerciais com terceiros que exploravam é capaz de gerenciar o seu recurso natural
seus recursos florestais contribuía com o e o seu recurso financeiro.
esgotamento da madeira, açaí e palmito. De fato, progressivamente, os comuni-
É nesse contexto mais amplo que se tários foram entendendo que o fundo tam-
apresentou outra demanda, menos iden- bém poderia ajudar no enfrentamento dos
tificável na superfície dos relatos comuni- problemas maiores do território e não somen-
tários, mas que emergiu a partir de uma te nas situações específicas da comunidade.
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 79

A princípio a gente pensou nisso (na infraestrutura comunitária), mas no decorrer


de toda essa junção de atividade, o fundo já serviu também prá formação, então
uma coisa puxa a outra, né? A gente não pensou, mas o pouco que entrou já
ajudou na formação de jovens na comunidade. Prá chegar até os órgãos com-
petentes, por exemplo pensar na questão fundiária, né? Pensar na questão da
pesca, a gente não pensou, mas o recurso ajudou muito. Por exemplo, em 2013
nós fomos prum debate na colônia prá combater a pesca predatória aqui dos
pescadores, com recurso de uma parte do fundo.
Teofro Lacerda,
liderança comunitária e membro da coordenação do Fundo Açaí

Nesse sentido, o fundo foi se con- Frente a uma narrativa que é comum
formando e contribuindo na estratégia de na região amazônica de expropriação de
macrodefesa do território, possibilitando terras e de expulsão de comunidades agroe-
apoios para a participação de comunitá- xtrativistas de territórios secularmente ocu-
rios em espaços de discussão de políticas pados por tais comunidades, a constituição
públicas, em formação e capacitação, na de uma “poupança comunitária” é um dis-
articulação de parcerias. Importante des- curso sobre a perenidade do lugar vivencial
tacar que o “fundo não é tudo”, a comu- dessas comunidades. Isto porque poupar é
nidade demonstrou possuir várias estraté- um discurso e prática de quem vislumbra
gias, outras formas de atuação para fazer para si e para os outros (família e comuni-
o enfrentamento às ameaças ao território. dade) um horizonte de futuros naquele lu-
Porém, o fundo também se revelou como gar e não fora dele; quem faz e fala dessa
uma estratégia de apropriação territorial, forma sente-se pertencente ao território e,
de permanência na comunidade, de afir- mais ainda, é capaz de construir resistên-
mação de posse. cias de formas diversas e complexas.
80 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

4. O mergulho: resultados, benefícios e aprendizados do


Fundo Açaí

Entre as crianças ribeirinhas há uma 4.1. Iniciativas realizadas e parcerias


brincadeira-desafio: mergulhar até o fundo
do rio e de lá trazer o primeiro objeto que Na oficina de sistematização foi pos-
pegar. Vamos igualmente nos desafiar a sível identificar um conjunto de 16 ações
mergulhar na experiência da comunidade ou projetos implantados na comunidade a
Santo Ezequiel Moreno e trazer à superfície partir do Fundo Açaí com recursos exclusi-
o que as águas turvas do cotidiano não nos vos do mesmo ou em parcerias, conforme
permitiram ver num primeiro momento. o quadro a seguir:

Atividade em grupo para sistematizar o Fundo Solidário Açaí


Foto: © Acervo Embarca Marajó / Juliana Lima
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 81

Quadro 1
Projetos ou ações realizadas a partir do Fundo Açaí na comunidade
Santo Ezequiel Moreno, Portel, Pará

Projetos/Ações Parcerias
1 Ampliação do centro comunitário e 1 Fundo: recursos financeiros
construção do banheiro com caixa d’água Comunidade: mão de obra
ONG Tramitty: Caixa d’água
2 Construção da ponte de 690 metros 2 Fundo: recursos financeiros
Comunidade: mão de obra
Prefeitura: transporte de parte da madeira
Agroindústria Aparecida/Gilberto Dinadau: madeira
3 Canalização de água e bomba elétrica 3 Fundo: recursos financeiros
Comunidade: recursos financeiros provenientes do
dízimo, coleta e rifas e a mão de obra
4 Gerador de luz da comunidade 4 Fundo: recursos financeiros
5 Criação de aviário 5 Fundo: recursos financeiros
Comunidade: mão de obra
Doação de empresa
6 Tanque de piscicultura (atualmente está 6 Fundo: recursos financeiros
desativado) Comunidade: mão de obra
7 Data show 7 Fundo: recursos financeiros
8 Construção de uma pousada e 8 Fundo: recursos financeiros
restaurante (início da construção) Comunidade: mão de obra
9 Mini agroindústria 9.1 Para a construção da estrutura física
Fundo: recursos financeiros
Comunitários e comunidade: recursos financeiros
advindos de coleta
Prefeitura: apoio financeiro
9.2 Para as máquinas
Banco do Brasil, com participação de 22 comunitários
10 Construção da igreja 10 Fundo: recursos financeiros
Comunidade e comunitários: mão de obra
11 Empréstimo para resolver situações de 11 Fundo e comunidade: recursos financeiros
saúde Obs: Este é o único caso no qual a modalidade é de
empréstimo, ou seja, um apoio individual em que o
comunitário que recebe o apoio deve devolver o recurso
ao fundo
12 Participação de comunitários em eventos 12 Fundo e comunidade: recursos financeiros
13 Passarelas que ligam as moradias 13 Fundo: recursos financeiros
Comunitários: mão de obra
Sema de Portel: madeira
14 Documentação da Associação, pagamento 14 Fundo: recursos financeiros
de contador
15 Apoio a primeira feira de ciências da 15 Fundo: recursos financeiros
Gleba Acuti Pereira – maio de 2016 Apoios diversos: IEB, IVR, comunitários, comunitários
de Melgaço, STTR, Sede
16 Construção da casa de apoio para o 16 Fundo: recursos financeiros para compra da madeira
viveiro de mudas frutíferas e florestais Ideflor: telha

Fonte: Relatório da oficina de sistematização do Fundo Açaí.


82 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Esse conjunto de iniciativas dos mais No caso das parcerias, ainda vale a
variados portes e finalidades permite per- pena destacar que os comunitários afir-
ceber que o foco central do fundo é o apoio maram que não é algo espontâneo ou
à melhoria da qualidade de vida da comu- feito de forma improvisada, é algo que
nidade em geral. Não há ações voltadas se aprende a fazer. Nesse sentido, as for-
para uma determinada família ou indiví- mações e capacitações contribuíram para
duo, como mostra a exceção apresentada que as lideranças percorressem um ca-
no quadro acima no caso do empréstimo minho “menos acidentado” na busca de
a um comunitário para cuidados com a parceiros a partir da organização social da
saúde. Quantitativamente, houve um grau comunidade.
significativo de iniciativas, uma vez que se Finalmente, em todas as 16 iniciati-
tem como data de referência para a im- vas, a própria comunidade ou os comuni-
plantação do fundo o ano de 2010, ou seja, tários aparecem como “parceiros”, porém,
em 6 anos foram realizados 16 projetos ou o que se tem aí é algo muito mais relevan-
ações, uma média de mais de duas inicia- te: trata-se da apropriação das iniciativas
tivas por ano. pelos membros da comunidade, a respon-
Outro elemento a destacar é a diver- sabilização dos membros da comunidade
sificação de parcerias, tanto no volume do com a implantação das iniciativas. Antes
aporte, quanto no tipo do parceiro. Nos re- de ser uma ideia na cabeça de uma lide-
latos sobre a parceria como estratégia foi rança, é algo da comunidade e assumido
destacado que a parceria é fruto de duas por ela. Como comentado por Milton Costa
ações complementares: o fortalecimento (técnico da Emater local), é uma comu-
da própria comunidade e ações proativas nidade com um líder extraordinário, mas
na busca de parceiros. A busca de parcei- onde os conhecimentos e propostas são
ros é uma estratégia coletiva: construídos coletivamente.

Na minha mente...se não tiver conversa, a parceria não vem, a comunidade não
pode ficar de braço cruzado esperando, tem que ir atrás de parceiro. Importante
fazer a documentação, fazer ofício, manter uma comunicação ativa e ter insis-
tência para conseguir a parceria e mostrar a força da comunidade, do coletivo,
parceria não se faz sozinho.
Marcos Baia,
comunitário integrante do Fundo Açaí
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 83

4.2. Benefícios econômicos, sociais e específica que o primeiro é chamado de


ambientais açaí-do-pará e o segundo, de açaí-do-ama-
zonas.
O açaí tem ocorrência na América do A principal diferença entre uma es-
Sul, com 49 espécies do gênero Euterpe. pécie e outra é que a brotação da Precato-
No Brasil, ocorrem três espécies: Olerácea, ria é individual, sem a formação de toucei-
Mart, no estuário do rio Amazonas (Pará e ra, enquanto que a Olerácea pode chegar
Amapá); Precatoria, Mart, no Amazonas e de 4 a 13 brotações por touceira. Na boca
Mato Grosso; Edulis, Mart, nas florestas do rio Acuti Pereira, na comunidade Santo
atlânticas e Centro-Sul do território na- Ezequiel Moreno, os açaizais são do tipo
cional (NÓBREGA, LIMA e NETO, 2011: Olerácea, touceiras altas que se destacam
pg. 84). Nos casos das espécies Olerácea e no meio da floresta. Utilizaremos essa ima-
Precatoria, sua ocorrência nos estados do gem para identificar os benefícios dos prin-
Pará e Amazonas, respectivamente, é tão cipais projetos e ações do Fundo Açaí.

Ilustração: Edson Redivan Miranda


84 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

4.2.1. Touceira da diversificação pro- Também como parte da estratégia de


dutiva e econômica potencializar a diversificação produtiva, a
implantação de tanque para a piscicultura
Observam-se duas escalas de inter- e aviário teve a intencionalidade de pro-
venção nesses tipos de ações ou projetos. duzir para a comercialização junto ao Pro-
O primeiro nível focaliza as práticas pro- grama Nacional de Alimentação Escolar
dutivas agroextrativistas num esforço de (Pnae). Intencionou igualmente a amplia-
potencializar essa “vocação” que já existia ção do poder de compra dos comunitários,
na comunidade, mas que estava voltada pois poderiam adquirir proteína – no caso,
apenas à extração do palmito e ao cultivo o frango e o peixe – a um custo menor do
da mandioca. que na sede do município (por conta dos
No caso do extrativismo, houve um custos de deslocamento), ou seja, reforçar
processo interno de convencimento so- a renda pela comercialização, mas tam-
bre as vantagens do manejo do açaizal da bém a segurança alimentar dos estudantes
comunidade em relação à derrubada dos da comunidade. Além desses ganhos eco-
açaizeiros para a extração do palmito. Con- nômicos, houve também o fortalecimento
forme os relatos, era “preciso fazer” para social, com as pessoas passando a acredi-
que os comunitários pudessem acreditar tar na experiência vivida.
nas vantagens do manejo, especialmente Nesse nível também pode ser situ-
quanto ao aumento da produção de açaí. ada a implantação da mini agroindústria
Segundo os registros da comunidade, ocor- para o beneficiamento de polpa de fru-
reu este aumento da produção: em 2010 tas, uma estratégia para agregar valor à
foram coletadas 10.954 latas; em 2011 fo- fruticultura comunitária. Porém, os be-
ram 6.231 latas; já em 2012, houve um au- nefícios econômicos ainda não puderam
mento considerável, chegando ao total de ser sentidos, uma vez que a mesma não
17.686 latas. Contudo, os anos seguintes está funcionando devido à precariedade
tiveram um decréscimo: em 2013 foram do fornecimento de energia elétrica, que
5.603 latas e em 2014, 3.769 latas. Segun- não conseguiu ser resolvida com a insta-
do Teofro Lacerda, este decréscimo é um lação de placas de energia solar, cujo sis-
“sinal” de que já deve ser feito novo mane- tema foi subdimensionado.
jo do açaizal. Assim, no período de 2010 a A expectativa é que o projeto seja defi-
2014 foi coletado um total de 44.243 latas, nitivamente implantado com a chegada da
correspondendo a um total de R$ 44.243 energia elétrica pelo Programa Luz para To-
revertidos para o fundo comunitário, os dos. Contudo, a instalação do projeto já pos-
quais foram integralmente aplicados nas sibilitou melhorias adicionais por meio de
ações e projetos definidos pela comunida- um conjunto de formações e capacitações
de em assembleia geral. voltado para a qualidade na manipulação de
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 85

alimentos, ou seja, formação das capacida- uma vez que o Fundo Açaí é uma estraté-
des locais para o aprimoramento da culiná- gia de longo fôlego para a permanência no
ria agroextrativista desenvolvida pela comu- território e legitimação de sua proprieda-
nidade com receitas próprias, tais como a de, ao ponto de que a ausência de energia
coxinha de açaí e o bolo de açaí. elétrica que impossibilita o funcionamento
É uma ação que afirma de forma sig- atual do maquinário é considerada uma
nificativa que a comunidade vislumbra um situação temporária e solucionável, pois a
futuro nesse território, apesar de todas as mini agroindústria é um “investimento” no
adversidades que enfrenta. Expressa mais futuro da comunidade:

Quando a gente pensamos na agroindústria é sinal do quê? De que no dia que


a gente for vender açaí em grande escala, é mais um recurso que vai entrar
também pro fundo. Tem muito mais máquina do que energia pra poder funcionar,
mas isso não quer dizer que veio trazer pra nós um problema. Pelo contrário,
eu sempre acredito que é um desenvolvimento no futuro, porque a energia está
aqui perto. É uma questão que chegou a energia, é colocar na tomada e ligar.
Então estamos passando por esse momento de dois a três anos, que é até uma
experiência, mas chegando a energia no final do ano e tendo o açaí, já temos
tudo pronto, é só produzir.
Teofro Lacerda,
liderança comunitária e membro da coordenação do Fundo Açaí

O outro nível de intervenção se dá ponibilizado, trabalho dos comunitários e


quanto à prospecção de alternativas eco- esforço organizativo das lideranças.
nômicas para a comunidade. E, aqui, mais Nesse caso, enquadra-se a instalação
uma vez, os comunitários e comunitárias de viveiros de mudas florestais e frutíferas,
expressam uma visão de longo prazo, que possibilitará dar maior volume à implan-
uma perspectiva de futuro em seu terri- tação dos Sistemas Agroflorestais (SAFs),
tório, pois não são ações imediatistas, mas com destaque para a utilização do cacau, e
que pressupõem investimentos de médio à fruticultura de modo geral. Nessa mesma
e longo prazo – entendidos não somente linha de diversificação, porém com ênfase
como financeiros, mas como tempo dis- em novas modalidades de geração de traba-
86 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

lho e renda, está a construção da pousada comunitários denominam de “passarelas”


e restaurante comunitário. Ainda está no –, que igualmente favoreceram maior in-
início, mas as expectativas da comunidade teração entre as famílias e especialmente
são grandes: ampliar a venda de produtos da entre os jovens e crianças da comunidade.
agricultura familiar, fornecer alimentos típi- Outro conjunto de intervenções estru-
cos da culinária comunitária – autodenomi- turantes foi a canalização de água potável e
nada de culinária agroextrativista –, ampliar a aquisição de gerador de energia elétrica.
o conhecimento de pessoas externas sobre A água potável, além de melhorar as con-
a comunidade, inclusive na lógica de conse- dições de saúde da comunidade, também
guir apoio para os seus projetos. possibilitou a melhoria da qualidade dos ali-
mentos produzidos para o Pnae, favorecen-
4.2.2. Touceira dos bens de uso comum do a geração de renda. O acesso à energia
elétrica – ainda que de forma limitada – di-
Em outros momentos já foi abordada minuiu a penosidade do trabalho na pro-
a relevância da construção da ponte que dução de polpa de açaí –, que era feita no
liga a área de terra-firme à área de várzea. alguidar, com a força do trabalho manual.
Para a comunidade trata-se de uma obra Favoreceu, inclusive, a organização comu-
estruturante que possibilitou não somen- nitária, possibilitando reuniões com maior
te a mobilidade dos comunitários, mas tal conforto, como usar caixa de som para reu-
mobilidade dinamizou as práticas produti- nir com grupos maiores de participantes,
vas e o escoamento da produção, facilitou assim como a comunicação interna e exter-
o acesso dos técnicos de extensão rural às na, pois se tornou mais fácil recarregar os
propriedades e abriu oportunidades de in- celulares dos membros da comunidade.
tensificar a convivência comunitária pelo Finalmente, destaca-se a ampliação
esporte e lazer, até para as mulheres, que do centro comunitário e a construção do
antes da construção da ponte tinham di- prédio da Igreja Católica. A melhoria do
ficuldade de acesso ao campo de futebol. centro comunitário deu maiores condições
Também foram implantadas pontes inter- para as reuniões comunitárias, mas tam-
ligando as casas da comunidade – que os bém para a educação:

Não melhorou só para a reunião, mas também para a educação, porque ao mes-
mo tempo que era reunião em uma casa que não tinha parede, a gente também
estudava dentro dela, que era uma casinha, depois que ampliaram o centro
comunitário passou a ser a escola também, que funcionou no centro até 2015.
Antes as crianças e adultos estudavam no centro comunitário.
Maria Claúdia,
secretária do Fundo Açaí
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 87

A importância desses investimentos cita com ações para o fortalecimento orga-


foi destacada também por Milton Costa, nizacional da ATAA[9] e para a mobilização
técnico do escritório local da Emater, em social[10]. Esse “checa-lista” poderia levar
sua entrevista. Para ele, a melhoria dos es- à conclusão de que o componente da orga-
paços físicos de uso comum, além de pos- nização social e de seu fortalecimento não
sibilitar maior conforto para as atividades teve relevância no processo de constituição
coletivas, trouxe para a comunidade a ele- do Fundo Açaí, porém seria um equívoco.
vação da autoestima. Em sua avaliação, os O processo de organização social e co-
comunitários expressam seu orgulho por munitária é um componente que perpassa
poder oferecer aos membros da comunida- toda a dinâmica de gênese do Fundo Açaí,
de e pessoas ou organizações que circulam de uma forma complexa e integrada: trata-
na localidade esses espaços físicos oriun- -se de um pressuposto, mas igualmente de
dos do esforço organizativo da comunida- um benefício. É um pressuposto na medida
de, que se tornaram até referência para em que a dinâmica de constituição do Fundo
outras comunidades do município. Açaí exigiu um esforço significativo de reuni-
Trata-se também de um discurso di- ões, encontros, debates, conversas individu-
rigido aos gestores e operadores das políti- ais e coletivas sobre o assunto. Ou seja, um
cas públicas no município: “se vocês não exaustivo investimento em convencimento
fazem, nós podemos fazer. Se nós, com do maior número de pessoas possível sobre
R$ 1,00 de cada comunitário fazemos bem, o potencial do fundo para alavancar as con-
por que vocês, com muito mais recursos, dições de vida da comunidade, um conven-
não fazem bem feito?”. Não se trata, por- cimento que articulava a organização comu-
tanto, que a comunidade opere numa ló- nitária com a implantação do fundo, sendo
gica de substituição do papel do estado e este uma espécie de “espelho” daquela:
dos governos, mas de um esforço de crí-
tica demonstrativa à vontade política que
subjaz à ausência de políticas públicas es-
truturantes ou à sua baixa implementação A gente fazia muita reunião e havia muito
por aqueles que detêm o poder político. debate. E qual era o debate que a gente
percebia? que não ia dar certo, mas íamos
4.2.3. Touceira da organização social
por maioria que a gente decidia.
Quando se observa o conjunto de ini-
Aluísio,
ciativas realizadas a partir do Fundo Açaí, comunitário integrante do Fundo Açaí
poucas foram identificadas de forma explí-

Ações de fortalecimento organizacional: custeio da organização documental da associação e pagamento de serviços de contabilidade.
[9]

Ações de mobilização social: possibilitar a participação de comunitários em eventos de mobilização social ou discussão de
[10]

pautas voltadas a políticas públicas ou conflitos territoriais, e a realização da 1ª Feira de Ciências do Acuti Pereira.
88 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Nesse sentido, a organização social


Para a criação do fundo o que tiveram como pressuposto fica evidente: foi ne-
foram reuniões e o boca-a-boca. Muitas cessário para o sucesso da iniciativa que
reuniões no início e, agora, para consolidar, a comunidade estivesse organizada, não
tem um regimento para diminuir a intensi- somente no aspecto formal ou jurídico –
dade de reuniões. formato de associação ou formato de co-
operativa –, mas como uma relação real
Maria Cláudia, que possibilitasse o encontro de interesses
secretária do Fundo Açaí comuns, o estabelecimento de estratégias
coletivas e a realização de iniciativas que
respondessem a esses interesses comuns.
Dessa forma, os avanços da iniciativa
não se explicam porque se trata de uma
comunidade que é composta majorita-
Antes eram muitas reuniões, que foi muito
riamente de membros da mesma família,
no início do fundo. Agora quase não tem uma vez que se esta fosse uma condição
reunião. Às vezes eram três reuniões por determinante, outras comunidades com a
semana. Agora criamos o regimento para mesma conformação social já teriam im-
criarmos as regras e não estar reunindo plantado um fundo ou outras iniciativas
todo o tempo, no regimento a reunião é similares. Essa análise também é corrobo-
rada por entrevistados que participaram
de mês a mês.
como atores externos na constituição ou
Maria Luiza, acompanhamento do Fundo Açaí.
presidente da ATAA Ao contrário, o sucesso da iniciativa
se deve à constituição de laços e enlaça-
mentos comunitários entre os moradores.
De forma pragmática, os próprios comu-
nitários alertaram na oficina de sistema-
Desde o início toda e qualquer decisão era tização que sem a adesão de pelo menos
tomada em reunião. Surgia a ideia de uma 50% da comunidade não adiantaria querer
implantar um fundo comunitário.
ou duas pessoas e a gente jogava para a
Ao mesmo tempo, o fortalecimento
comunidade, todo mundo abraçava, quan- da organização social como via de luta em
do não abraçava, era com a maioria. defesa do território é também um benefí-
cio advindo da implementação do Fundo
Sônia do Socorro,
Açaí. Os depoimentos de quem colaborou
uma das coordenadoras e idealizadoras do Fundo Açaí
ou acompanhou o desenvolvimento da ini-
ciativa deixam isso claro:
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 89

Aqui estamos construindo uma nova ci- As pessoas olham e dizem: “essas pes-
ência para o Marajó: quando fazemos o soas não são capazes, são de comunida-
biscoito da croeira, o biscoito do tucumã, des”, “comunitário não tem capacidade
quando faz a coxinha do açaí e isso vai para gerenciar recursos financeiro e re-
para a merenda escolar, e aí fazemos a curso natural”. A partir do Fundo Açaí eles
relação com a bolacha Maria lá do Sul, o tiveram a organização de grupos: grupo
suco engarrafado. Que coisa maravilhosa de monitoramento da produção, grupo de
a gente descobrir a riqueza que temos e monitoramento financeiro, que faz o con-
que estamos potencializando. O fundo ser- trole. Então, hoje, eles sabem fazer o seu
viu pra despertar os homens públicos do próprio planejamento familiar, porque deu
Marajó – e não só do Marajó – de que o pra eles a visibilidade do quanto eles pro-
Marajó, a Amazônia, ela é viável. duzem na safra e na entressafra do açaí
e quanto eles gastam, o quanto tem de
Antônio Vales,
Gerente de Extensão Rural- Sede resultado e de prejuízo.
Gracionice Corrêa,
presidente do STTR

Esse lastro comunitário pra você investir nas


hortaliças, investir na piscicultura, investir
na agricultura, investir na meliponicultura, ...porque faz as pessoas tomarem mais
investir no manejo de outras essências consciência. Por exemplo, antes eles tra-
florestais e das frutíferas da floresta. Tudo balhavam com o palmito, olha o avanço
isso, pra mim, é o resultado desse fun- que eles tiveram, da consciência que veio:
do. Imagina, você sempre tá dependendo derrubavam pra vender o palmito, ficavam
de crédito bancário, de banco, de Pronaf sem o fruto, ficavam sem o palmito por
e tudo mais, e de repente perceber que muito tempo. Agora não, ninguém fala em
tem algumas coisas que a própria floresta palmito lá. Agora é o açaí pra trabalhar o
entrega, é só guardar um pouquinho que manejo e fazer a boa produção. Hoje, lá,
você vai ter uma minia groindústria, foi o tem, além do açaí, o SAF. Tem um viveiro
que eles fizeram. lá.
Carlos Ramos,
Milton Costa,
Engenheiro florestal, Consultor
Técnico do escritório local da Emater
90 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Diante de depoimentos tão explícitos, Esse processo de envolvimento da


cabe apenas destacar que para a comunida- comunidade em movimentos para exigir
de o sinal mais evidente de que está forta- políticas públicas ou cobrar maior efetivi-
lecida é sua autonomia, especialmente no dade na sua execução não é algo origina-
que se refere à classe política e suas práticas do da experiência do fundo, mas ele veio
de clientelismo e paternalismo. Foram re- fortalecer esta percepção estratégica. Tal
correntes as referências de que as obras ou percepção fica evidente no relato de Teofro
investimentos estruturantes realizados na acerca da participação da ATAA no Conse-
comunidade com participação do fundo não lho Municipal de Meio Ambiente:
tiveram a participação de políticos locais.
Isso não significa que a comunidade
desconsidere o papel que as políticas públi-
cas têm a cumprir no desenvolvimento da
A gente já vinha participando do sindicato em
infraestrutura ou de direitos como saúde e
educação, mas que o fundo tem um papel
2005. Aí tem a associação e a gente come-
a cumprir na solução direta de problemas çou a fazer parte do conselho, isso ajudou
concretos – como a mobilidade dentro da muito também nessa discussão aí. Porque
comunidade e a diversificação produtiva quando a gente começa a fazer parte do
– e, igualmente, um papel de fomentar a conselho, a gente começa a atuar junto ao
participação dos comunitários em políticas conselho. Eu, várias vezes, em 2005/2006,
públicas estruturantes, como o caso do já eu pegava a voadeira e a gente vinha com
citado Luz para Todos e do Pnae. policial, um fiscal da Sema para combater a
Este último caso é o exemplo mais
exploração predatória em época de pirace-
significativo da capacidade que o fundo ge-
rou na comunidade em influenciar positi-
ma, como combater a exploração de pal-
vamente na política pública de segurança mito. Então ajudou muito foi essa presença,
alimentar municipal. Como a diversidade então porque a Associação tinha assento
de produtos alimentícios criados na comu- no conselho e quando tem assento a gente
nidade é muito grande, a comunidade con- tem como cobrar do secretário, a gente é
seguiu colocá-los na cesta da merenda es- um conselho fiscalizador. A associação tem
colar. Um exemplo disso foi o bolo de açaí. assento até hoje. Isso ajudou muito, tanto na
Hoje, qualquer comunidade de Portel que parte da madeira quanto na parte do palmito,
entrar no Pnae e souber fazer o bolo, po-
a gente aproveitou também o sindicato que
derá fornecê-lo, porque já está incluso no
cardápio, ou seja, a política de merenda es-
estava lá para dar esse apoio.
colar municipal passou pela discussão da Teofro Lacerda,
comunidade, fomentada pelo Fundo Açaí. liderança comunitária e membro da
coordenação do Fundo Açaí
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 91

Como se vê acima, a comunidade O que o grupo faria novamente?


Santo Ezequiel Moreno enfrentava pro-
blemas de invasões e ameaças externas de • Registrar a produção e a contribuição
exploração predatória sobre seus recursos de cada pessoa/família no fundo.
naturais. Frente a este cenário, havia igual- • Diagnóstico econômico, social e am-
mente ações e iniciativa de defesa do terri- biental da comunidade como base para
tório para a reprodução social e econômica verificar a viabilidade de uma iniciativa
dos agroextrativistas, ou seja, anteriores à de fundo baseado nos recursos florestais
instituição do fundo. comunitários.
Assim, se o fundo, surgiu num pri- • Realizar quantas reuniões forem neces-
meiro momento para enfrentar situações sárias nos primeiros momentos de cons-
concretas da comunidade – falta de água, tituição para discussão exaustiva das
não ter local para reunião, não ter ponte propostas.
para deslocamento interno e para o “cen- • Manter sempre ativa a comunicação
tro” de trabalho –, seu campo de atuação entre os participantes das formas que
se ampliou, ao ponto de fortalecer – como forem possíveis (celular, boca-a-boca,
no caso da atuação na merenda escolar – reuniões, encontros, documentos escri-
a atuação comunitária em torno das polí- tos etc.).
ticas públicas, em conexão com o que já • A coordenação manter-se sempre dispos-
estava presente na comunidade: de que a ta a aprender sobre ferramentas e técni-
defesa do território era estratégica para a cas de gestão e de prestação de contas.
própria sobrevivência e permanência das
famílias no seu lugar. O que o grupo não faria novamente?

4.3. Lições aprendidas e recomenda- • Investimento de recursos sem a devida


ções a partir do Fundo Açaí assistência e conhecimento técnico.

Uma experiência vivida amplia seu Transversalmente a esse conjunto


significado na medida em que os aprendi- de aprendizados apresentados nas refle-
zados gerados possam ser apropriados por xões dos comunitários, é necessário des-
outros que não a vivenciaram e, de certa tacar dois componentes que são muito
forma, “traduzidos” para outras realida- diferenciados, mas se complementam:
des. Segundo os participantes da oficina de os vínculos internos de solidariedade e os
sistematização, tais aprendizados podem aprendizados quanto à gestão e adminis-
ser apresentados a seguir: tração de recursos naturais e financeiros.
92 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Em relação ao primeiro componente, O outro componente, de caráter mais


trata-se da base da construção de relações técnico, porém não menos importante, foi
de confiança mútua entre os comunitários, a disposição das lideranças em aprender a
que se mescla com a própria organização gerir e administrar seus recursos naturais
da comunidade, numa dinâmica em que e financeiros.
valores intangíveis como “solidariedade e
confiança” se materializam na forma como
os compromissos são assumidos e o próprio
alcance dos objetivos, num encadeamento Aprendemos a administrar os recursos
complexo, mas efetivo: familiares, a administrar os recursos do
fundo e da comunidade, como construção
de moradias, transporte, rabeta, barco, a
valorização dos recursos naturais, açaizais,
bacurizais.
A palavra chave foi a organização. Se não
tivessem a organização não encontrariam a Relato de grupo de trabalho na
oficina de sistematização do Fundo Açaí
confiança, sem confiança não tinham con-
seguido conquistar uns três itens. Para que
chegassem nos 16 projetos foi preciso a
solidariedade, sem isso, não conseguiriam.
Sabia que aquele R$ 1,00 ou R$ 2,00 ia Aprendemos a valorizar as capacitações
me alimentar, mas tinha a perspectiva de e gestões tanto comunitária quanto nas
outras ações como a ponte, a passarela. famílias. Se formos fazer um balanço de
Também aprenderam a administrar os re- 2010 para cá percebemos que a infraes-
cursos naturais. Se não tivessem aprendi- trutura das famílias melhorou muito, das
do uma gestão, não iam saber administrar casas, dos transportes. O fundo veio tam-
a produção deles e, através dos empreen- bém discutir a forma de gestão das famí-
dimentos, chegar a administrar seu próprio lias, que pegavam o recurso e não sabiam
produto. onde aplicar.
Relato de grupo de trabalho na oficina de Relato de grupo de trabalho na oficina
sistematização do Fundo Açaí de sistematização do Fundo Açaí
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 93

Trata-se de uma mudança de men- Assim, há uma mudança de con-


talidade importante, que expressa um texto interessante: agora não é somente
reforço à noção de que a comunidade é o atravessador ou madeireiro que sabe o
proprietária dos recursos naturais que valor econômico-financeiro dos recursos
estão em seu território, mas igualmente que estão na comunidade. A comunidade
a percepção da finitude desses recursos e se apropria dessa valoração e se coloca em
da necessidade de valoração econômica, pé-de-igualdade quanto ao conhecimento
a qual pode reforçar as ações de resis- territorial em relação aos atores externos
tência territorial contra os expropriado- à comunidade, especialmente aqueles que
res externos. historicamente eram seus expropriadores.

Comunitários posando para foto após a oficina de sistematização


Foto: © Acervo Embarca Marajó / Juliana Lima
94 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Que recomendações dariam para ou- entre os membros ou associados, mas


tros grupos que pretendem trabalhar com de bens ou serviços que apresentem ga-
fundos comunitários na Amazônia? nhos para a comunidade em geral.
• Cuidado em acessar recursos que sejam
• Que a produção que vai ser a base eco- onerosos administrativamente na com-
nômica do fundo seja diversificada, não posição do fundo. É necessário avaliar
depender de uma única prática produti- se os mesmos levam a uma sobrecarga
va, para garantir maior perenidade. No de trabalho na gestão do fundo: fazer
caso do Fundo Açaí, há previsão de que com que se gaste mais tempo das lide-
os recursos auferidos venham a dimi- ranças na administração, que venha a
nuir por conta de que já está próximo onerar recursos financeiros para retira-
o período do manejo dos açaizais, daí a das de documentos e trâmites oficiais,
comunidade estar investindo em outras que levem a uma maior exigência de
culturas no formato de SAFs. participação financeira pelos comuni-
• Que pelo menos 50% da comunidade es- tários etc. Assim, nem todo tipo de re-
teja ou seja convencida de que o fundo é curso financeiro é interessante para a
viável. Tem que ser uma construção “de composição do fundo.
baixo para cima”, “tem que vir da terra, • Sempre fazer as prestações de contas da
do chão da comunidade”. Ainda que não forma mais transparente possível, apri-
seja um processo espontâneo, mas não morando esses meios progressivamen-
pode ser imposto à comunidade, exige te, desde que sejam possíveis de operar
um investimento de tempo e esforço ba- pelos comunitários que venham a assu-
seado no diálogo e no convencimento. mir a gestão do fundo. No caso do Fundo
• Ter clareza sobre o que se pretende com Açaí, utilizou-se inicialmente a anota-
o fundo, quais as suas finalidades cole- ção em cadernos e recentemente estão
tivas. Este também é um dos conteúdos treinando o uso de planilhas eletrônicas.
nesse processo de convencimento. Essa Porém, segundo os participantes da ofici-
clareza não pode estar somente na ca- na de sistematização, um dos principais
beça das lideranças, mas na maioria da “comprovantes” da correta aplicação dos
comunidade. recursos financeiros são os investimen-
• Que a aplicação dos recursos tenha tos na comunidade: eles demonstram
como foco os benefícios coletivos e que que a comunidade está ganhando com
estes sejam priorizados pela comunida- cada real aplicado no fundo.
de. No caso do Acuti Pereira, quando se Que se tenha margens na distribuição
fala de fundo comunitário não se está de recursos para experimentações e inova-
tratando de “caixinha”, ou seja, distri- ções e não somente como retorno físico ou
buição individual dos recursos auferidos financeiro para a comunidade. Nesse caso,
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 95

trata-se, ao mesmo tempo, de um aprendi- prático ou financeiro, mas como construção


zado da experiência, pois atualmente todos de um conhecimento teórico e prático, de
os recursos aferidos são investidos em pro- uma nova prática comunitária. Nesse caso,
jetos ou ações que na sua execução venham até mesmo o “erro” se torna conteúdo de
efetivamente dar algum tipo de retorno aprendizados.
para a comunidade, ou seja, há um pres- Uma característica que subjaz ao
suposto de que mesmo as experiências pro- Fundo Açaí é sua relação com os recursos
dutivas sejam um sucesso. Porém, o fundo florestais e o trabalho como a base dos re-
apresenta igualmente um caráter de poten- cursos financeiros auferidos. Trata-se de
cializador de inovação nas práticas vividas um movimento de reencontro de signifi-
na comunidade, e o sucesso em uma expe- cações profundas acerca da floresta e do
rimentação de inovação não é o seu retorno trabalho dos povos que nela vivem:

Para acontecer, tudo isso valeu a pena porque o fundo ajudou a criar vários tra-
balhos. A comunidade se tornou autônoma, passou a ter gestão da sua produção,
não existe um patrão, mas sim a coletividade. Só existiu esse trabalho porque
houve uma coletividade, todos tinham direitos e deveres e a gestão é de todos.
Nilson Silva,
comunitário integrante do Fundo Açaí

É uma relação que busca fazer com dito que era ditada pelo aviamento, com
que a floresta seja efetivamente uma ri- grandes perdas econômico-financeiras
queza apropriada pela comunidade, modi- para as famílias extrativistas, ao mesmo
ficando o curso histórico no qual a floresta tempo, se apresenta como uma possibili-
era riqueza para os outros e não para os dade complementar ao crédito fornecido
agroextrativistas. Altera-se igualmente o pelo sistema bancário.
significado do trabalho, ou melhor, recu- Experimenta-se então uma reci-
pera-se o seu significado de transforma- procidade entre o ser humano e a na-
ção da natureza que gere bem-estar para tureza: a comunidade cuida da floresta
quem trabalha. Nesse sentido, o processo e a floresta oferece seus frutos, que são
do Fundo Açaí mostrou-se como alterna- transformados pelo trabalho da comuni-
tiva substitutiva à lógica de acesso ao cré- dade em dinheiro, mas não dinheiro para
96 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

o acúmulo egoístico e privatizador, mas cia e informação da comunidade acerca do


para garantir ou ampliar bens comuns. andamento da gestão dos recursos e sua
Na prática, essa pequena comunidade aplicação nos investimentos definidos co-
marajoara aprendeu e agora demonstra munitariamente.
e ensina que o cuidado com a floresta é Dessa forma, há um conjunto de
base sustentável para a geração de ren- questões complexas quanto à gestão ad-
da, trabalho e ocupação. ministrativo-financeira do fundo que fo-
ram indicadas na oficina de sistematização
4.4. As correntezas que nunca como questões a serem maturadas pela
param: desafios que permanecem comunidade. Hoje, os recursos auferidos
são integralmente aplicados nas demandas
Para o conjunto de entrevistados que priorizadas pela comunidade em assem-
colaboraram de alguma forma com a ex- bleia e o dinheiro é administrado sem o
periência, o maior desafio do Fundo Açaí é uso de conta bancária. Isso desburocratiza
ampliar sua capacidade de replicação, sua o fluxo dos recursos, mas gera riscos por-
capacidade de convencimento junto a ou- que a movimentação é feita em “dinheiro
tras comunidades do município e até mes- vivo” e não possibilita efetivamente uma
mo do Marajó. Porém, mais do que um de- poupança – no sentido estrito do termo
safio, parece tratar-se de uma expectativa –, o que restringe a utilização dos recur-
desses atores externos em relação à expe- sos em demandas como formação, apoio a
riência vivida. Ou seja, em sua percepção eventos, experimentações produtivas etc.
a compreendem como uma iniciativa que Porém, o equacionamento não é a simples
efetivamente possibilita transformações abertura de uma conta, porque ficam em
sociais e empoderamento da comunidade aberto questões como: a conta seria em
e que, como tal, poderia vir a contribuir nome da ATAA? Em sendo, este recurso
com mais comunidades e organizações no seria gerido pela ATAA? Mas não se trata
município. de uma contribuição dos associados para
No âmbito dos comunitários, o desa- a ATAA, mas para investimentos na comu-
fio se dá quanto à permanência da motiva- nidade, então como ficaria? A alternativa
ção entre os participantes em relação ao seria o fundo ter um Cadastro Nacional de
compromisso de doarem o valor financeiro Pessoa Jurídica (CNPJ)? Mas por que isso
para cada lata colhida. Trata-se, portanto, se a ATAA já tem CNPJ? Enfim, a comuni-
da exigência do trabalho permanente em dade deverá se debruçar sobre essas ques-
manter ativos aqueles valores intangíveis tões, com apoio técnico que lhe auxilie nas
que deram base à experiência – solidarie- reflexões e deliberações.
dade e confiança – e, ao mesmo tempo, Há ainda um desafio igualmente
aprimorarem os processos de transparên- complexo e de magnitude amazônica.
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 97

Trata-se da disputa pela posse e uso dos ajudar no enfrentamento dos problemas
recursos naturais, que não dá sinais de da comunidade.
retroceder. Ao contrário, os conflitos em Assim, seria importante que a comu-
torno da terra, da água e das florestas nidade começasse a refletir sobre quanto o
se acirraram na conjuntura recente, ao fundo pode colaborar na solução de outros
mesmo tempo em que o marco legal do problemas, na busca de soluções por políti-
uso e posse dos territórios vem sofrendo cas públicas, na participação em discussões
pressões para alterações que avançam e espaços públicos, especialmente aqueles
sobre os direitos que as populações des- que tematizam a questão do ordenamento
ses territórios possuem. Assim, um desa- territorial. O fundo pode ser um componen-
fio é inserir cada vez mais o fundo como te no conjunto de estratégias da comunida-
uma das estratégias de defesa territorial de para a organização e gestão comunitária,
da comunidade, mas não a única. De ajudando a melhorar a vida na comunidade,
fato, ainda que o fundo seja relevante na mas é preciso participar dos espaços de dis-
estratégia da comunidade – mas não foi cussão e definição de políticas públicas, evi-
só o fundo –, as outras estratégias vieram tando, assim, o risco de isolamento.

5. Palavras na jusante
Esse processo de sistematização eviden- A experiência evidencia e ensina
ciou a capacidade de uma comunidade ribei- que a maior riqueza do Marajó é o seu
rinha marajoara de se transformar, em fazer povo, que, quando organizado para a bus-
da dor, da ausência e das perdas históricas ca de interesses coletivos, é capaz de mu-
que vinha sofrendo um encontro com a espe- dar sua realidade, fazendo do pequeno, o
rança, com a dignidade e com seus direitos. grande.

Aprendemos a dar valor no pequeno para conseguirmos o grande, porque


lá no início a gente começou o fundo com um real...através desse real
conseguimos o grande com os benefícios que temos hoje, um benefício
coletivo, que estamos desfrutando hoje desse um real.
Relato de grupo na Oficina de
Sistematização do Fundo Açaí
98 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

6. Participantes da Sistematização
Nº Nome Instituição/Comunidade

01 Aloisio Lacerda Gomes ATAA

02 Andriel Baia de Lacerda Santo Ezequiel Moreno

03 Anizio Gomes Baia Filho Santo Ezequiel Moreno

04 Antonio Vales de Carvalho Sede Portel

05 Arimar Pereira Gomes ATAA

06 Carlos Augusto Ramos Consultor

07 Carlos Lacerda Gomes Santo Ezequiel Moreno

08 Clebson Sarges Baia Santo Ezequiel Moreno

09 Cleudiane Baia Lacerda Santo Ezequiel Moreno

10 Gracionice da Silva Corrêa STTR de Portel

11 Izabela Baia de Lacerda Santo Ezequiel Moreno

12 Jailso Araújo da Silva Santo Ezequiel Moreno

13 Jonas Lacerda Gomes Santo Ezequiel Moreno

14 Jozinaldo Corrêa Barros Santo Ezequiel Moreno

15 Julio dos Santos Baia Santo Ezequiel Moreno

16 Leila Almeida dos Santos Santo Ezequiel Moreno

17 Leonardo Almeida dos Santos Santo Ezequiel Moreno

18 Liane Almeida dos Santos Santo Ezequiel Moreno

19 Luciane Corrêa Barros Santo Ezequiel Moreno

20 Manoel da Silva Corrêa Santo Ezequiel Moreno

21 Manoel Lacerda Gomes ATAA


Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 99

Nº Nome Instituição/Comunidade

22 Marcos Silva Baia ATAA

23 Maria Benedita Barros Santo Ezequiel Moreno

24 Maria Claudia dos Santos Baia Santo Ezequiel Moreno

25 Maria Eliane Alves Araújo Santo Ezequiel Moreno

26 Maria José Lacerda Gomes Santo Ezequiel Moreno

27 Maria do Socorro Gomes Santo Ezequiel Moreno

28 Maria Oneide Alves Mendes ATAA

29 Milton Nunes da Costa Emater Portel

30 Naiara Gomes Corrêa Santo Ezequiel Moreno

31 Naziane Moreira Dias ATAA

32 Neidiane Dias Gomes Santo Ezequiel Moreno

33 Nilson Corrêa da Silva ATAA

34 Osvaldina Barbosa Santo Ezequiel Moreno

35 Pedro Baia Lacerda Santo Ezequiel Moreno

36 Pedro dos Santos Bahia ATAA

37 Raimunda da Silva Costa ATAA

38 Regiane Corrêa Barros Santo Ezequiel Moreno

39 Sonia do Socorro de Oliveira Almeida ATAA

40 Telma do Socorro Lacerda Gomes Santo Ezequiel Moreno

41 Teofro Lacerda Gomes ATAA


100 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

7. Referências bibliográficas
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Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 101

Passos sobre a ponte que liga a área alagada à de


terra firme em Santo Ezequiel Moreno
Foto: © Acervo Embarca Marajó / Lucas Filho
102 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Oficina de captação de recursos. Centro DIBOA, Salvaterra (PA)


Foto: © Acervo Embarca Marajó/ Geyse Santa Brígida
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 103

CAPÍTULO
LUPA - MARAJÓ:
OBSERVATÓRIO E AÇÃO
NO ÂMBITO DO PROJETO
EMBARCA MARAJÓ
Carlos Augusto Ramos
Marilia Tavares
Manoel Potiguar
104 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

1. Apresentação
No âmbito do Projeto Embarca Ma- Este documento apresenta uma aná-
rajó, o Instituto Peabiru desenvolveu ações lise sucinta dos resultados obtidos pela
em quatro eixos: a) implementação dos parceria entre o Instituto Peabiru e a ONG
Centros de Difusão de Boas Práticas Socio- Lupa-Marajó, de Curralinho, Pará, na es-
produtivas (Centros Diboa); b) assessora- tratégia do Projeto Embarca Marajó de
mento a quatro Fundos Florestais Comu- fortalecer a organização marajoara da so-
nitários e Familiares (FFCF); c) incubação ciedade civil na promoção de estudos so-
do Lupa-Marajó e assessoramento à Coo- cioeconômicos e construção participativa
perativa Sementes do Marajó; e d) reali- de tecnologias sociais. Este trabalho está
zação do I Festival de Cinema do Marajó. dividido em três seções: 1) inserção do Lu-
Ressalta-se que os três primeiros eixos es- pa-Marajó no projeto Embarca Marajó; 2)
tão intimamente ligados numa estratégia Centros Diboa; e 3) resgate e difusão dos
de fortalecimento das iniciativas locais, Fundos Florestais Comunitários e Familia-
iniciativas de desenvolvimento endógeno res como tecnologia de fortalecimento da
marajoara. socioeconomia comunitária e familiar.

Exibição do filme “Marajó Mulher”, Soure (PA)


Foto: © Acervo Embarca Marajó/ Fernando Fernandes
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 105

2. Inserção do Lupa-Marajó no projeto Embarca Marajó


2.1. Histórico do Lupa-Marajó e fortalecer os trabalhadores e trabalhado-
ras rurais para a autonomia de produção
O Instituto de Desenvolvimento e comercialização, rompendo com o ciclo
Sustentável e Solidário da Amazônia de aviamento e de políticas assistencialis-
– Idesam/Lupa-Marajó foi fundado em tas que predominam na região, a Central
6 de janeiro de 2004, com sede no muni- de Associações do Rio Canaticu teve asses-
cípio de Curralinho, Pará. O Lupa-Marajó soria direta do recém-criado Lupa-Marajó.
tem a missão de articular e fortalecer a or- Através dessa experiência, o Lupa-Marajó
ganização social dos povos quilombolas e consolidou-se como referência para a va-
comunidades tradicionais do Marajó, para lorização da região do Marajó por meio da
que estes tenham pleno acesso a seus direi- execução de projetos e ações para desen-
tos e vivam de forma digna e sustentável. volvimento endógeno na região.
Desenvolve atividades relacionadas à Esse assessoramento à Central de
agricultura familiar, extrativismo, pesca e Associações e outras entidades locais favo-
economia solidária, dentro da proposta do receu uma maior movimentação destas no
associativismo e cooperativismo, organi- Marajó como um todo, no cenário econô-
zação e qualificação da produção rural, e mico e social e na sensibilização dos cida-
demais atividades na área do empreende- dãos para a importância do uso sustentável
dorismo social. Suas ações são de caráter dos recursos naturais e incentivo à organi-
organizacional e mobilizador, com capaci- zação social.
tações de lideranças e empreendedorismo
direcionado para as comunidades tradicio- 2.2. Instituto Peabiru e Lupa-Marajó,
nais do Marajó, com especial atenção aos parceria para difusão dos Fundos
povos quilombolas, pescadores artesanais, Solidários Florestais
extrativistas, ribeirinhos, mulheres, jovens
e produtores artísticos e culturais com foco Como entidade local focada em es-
no desenvolvimento sustentável na região. tratégias de desenvolvimento endógeno,
No período de 2010 a 2015, o Lupa– ligada diretamente ao produtor extrativista
Marajó foi o representante jurídico da marajoara, o Lupa Marajó, ao perceber o
Central de Associações do Rio Canaticu, grande potencial dos FFCFs como tecno-
que é composta por 19 associações locais, logia social tanto na agregação de capital
nas quais trabalham mais de 300 famílias. social quanto para a dinamização da eco-
Criada inicialmente para diminuir a influ- nomia nas comunidades, demandou ao
ência de atravessadores comerciais do açaí Instituto Peabiru colaboração para difusão
106 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

e fortalecimento dessas iniciativas. Assim, reduzidas, o Lupa-Marajó foi incorporado


essa demanda foi incorporada ao Projeto ao Embarca Marajó como entidade a ser
Embarca Marajó e desenvolvida em es- fortalecida, num processo de reestrutura-
treita parceria ao longo de sua execução. ção e capacitação para que a entidade pos-
Todavia, devido a sua capacidade de geren- sa desenvolver suas ações de forma tecni-
ciamento de recursos e execução técnica camente mais eficaz.

Reunião de apresentação do Lupa-Marajó aos coordenadores do projeto Embarca


Marajó e representantes do Fundo Socioambiental da Caixa Econômica Federal
Foto: Carlos Ramos.

Por meio dessas iniciativas, o Lu- gação de tecnologias sociais em curso no


pa-Marajó obteve a formação de capital Marajó, em especial a dos fundos comu-
humano com maior mobilidade para co- nitários, para que estas pudessem ser re-
laborar com as atividades da Central de As- passadas a comunidades para a melhoria
sociações de Curralinho, o que culminou de sua condição de vida. Com o olhar de
com a criação, em 2016, da Cooperativa “lupa”, tal observatório encontrou inicia-
Agroextrativista Sementes do Marajó, en- tivas promissoras que foram estudadas
tidade que lidera a venda de açaí e outros e estimuladas e que culminaram em
produtos da floresta e agrofloresta do rio oficinas de intercâmbios, com o apoio
Canaticu, maior rio do município. do Instituto Peabiru/Embarca Marajó. As
Com o fortalecimento institucional e experiências investigadas foram a implan-
relação estreita de parceria com o Peabiru, tação dos Centros Diboa e a implantação
as lideranças do Lupa-Marajó concentra- e desempenho dos Fundos Solidários Flo-
ram esforços na pesquisa, análise e divul- restais.
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 107

3. Os Centros de Difusão de Boas Práticas


Socioprodutivas no Marajó – Centros Diboa

O Centro Diboa é uma ação do Insti- tem mostrado que o abismo entre ricos e
tuto Peabiru, no âmbito do projeto Embarca pobres se mantém firme, sem perspectiva
Marajó, que objetiva, a partir de iniciativas a curto prazo de significativas mudanças.
locais previamente identificadas pelo ins- O “progresso” prometeu melhorias de vida
tituto em trabalhos anteriores, incentivar e não cumpriu (ALER, 2016). Por isso, ini-
a difusão dessas boas práticas locais e tor- ciativas como as de economia com auto-
ná-las pontos de difusão para um determi- nomia de Curralinho e Portel são valiosas
nado território, no caso, o Marajó. São so- para o Marajó, região de preocupantes in-
bretudo centros virtuais (não físicos), com dicadores sociais (RAMOS, 2017).
o propósito de intercambiar boas práticas Os Centros Diboa reconhecidos e tra-
organizativas cujos protagonistas de repasse balhados pelo Instituto Peabiru/Lupa-Mara-
do conhecimento são as próprias lideranças jó no âmbito de ações para o fortalecimento
comunitárias que lideram seus processos dos Fundos Solidários Florestais, foram:
de transformação. O Lupa-Marajó, nesse
sentido, avaliou quais iniciativas poderiam a) a Central de Associações do Rio Canati-
ser verdadeiras escolas sem paredes, com cu (hoje Cooperativa Sementes do Ma-
capacidade real de repassar conhecimento, rajó), em Curralinho – selecionada por
ao mesmo tempo em que oferecem a opor- sua forte organização de base (CARVA-
tunidade de uma profunda reflexão para al- LHO & SILVA, 2015), com 19 associa-
ternativas de desenvolvimento local. ções locais, em que o capital social se
Observe-se que muitas comunidades configura como fator determinante para
amazônicas e africanas provocam os estu- o sucesso da comercialização do açaí e
diosos e tomadores de decisão mundiais a camarão e criação de uma poupança
pensar a lógica civilizatória do Bem-Viver, coletiva a partir destes produtos;
um novo marco conceitual alternativo, b) a comunidade Santo Ezequiel Moreno,
portanto, da vida humana neste século. no rio Acuti Pereira, em Portel – cujas
A ideia de desenvolvimento proposta pelo ações de gestão ambiental, manejo flores-
mercado globalizado e governos de países tal e FFCF modificaram o modo de vida
que dele dependem não superou as desi- das famílias locais, gerando conscientiza-
gualdades sociais no planeta, ao contrário, ção e dignidade para as pessoas[11].

Conferir o capítulo 3 desta publicação, que trata amplamente dessa experiência a partir da reflexão dos sujeitos que a
[11]

vivenciaram.
108 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Os intercâmbios promovidos pelos Canaticu (Curralinho) e comunidade San-


Centros Diboa permitiram que lideranças to Ezequiel Moreno (Portel).
de Curralinho, Portel, Melgaço, Muaná, As oficinas realizadas voltaram-se
Bagre, Breves e São Sebastião da Boa Vista para o associativismo e cooperativismo,
pudessem trocar experiências e levar para gestão e finanças, valorização da floresta,
suas localidades propostas metodológicas mercados institucionais da Companhia
diante dos avanços conquistados pelas ini- Nacional de Abastecimento (Conab), sem-
ciativas da Central de Associações do Rio pre tendo como eixo os FFCFs.

A abordagem metodológica dos Centros Diboa considerou os saberes locais para a difusão do conhecimento. Na
foto, debate sobre o manejo dos recursos naturais, em oficina promovida pelo Lupa/ Instituto Peabiru, no porto de
seu Miguel Baratinha, comunidade Boa Esperança (Curralinho).
Foto: Márcio Santos

A metodologia adotada visa colocar técnico condizente com a temática abor-


o extrativista, a partir de suas experiên- dada) tem o papel de juntar as vivências
cias positivas tanto em organização social e experiências e “casá-las” com os conhe-
quanto produtivas, como o principal indu- cimentos técnicos, dando, assim, uma vi-
tor de conhecimentos. A partir desse en- são mais global e sistematizada sobre essas
foque, o moderador (com conhecimento boas práticas.
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 109

4. Os Fundos Florestais Comunitários e Familiares como


tecnologia social

Como proposta de conceito, os O sistema de arrecadação consistiu


FFCFs são reservas econômicas cole- inicialmente na doação de R$ 1,00 (um
tivas formadas a partir da comercia- real) pelos moradores locais para cada rasa
lização de bens e serviços florestais de açaí comercializado durante a safra de
para o Bem-Viver das famílias e comu- frutos de açaí. Por exemplo, quando um
nidades agroextrativistas. Primeira- trabalhador vendia 10 rasas, deixava com
mente, a partir dos levantamentos iniciais, a tesouraria da associação R$ 10,00 para
foram identificadas duas regiões com ini- o fundo comunitário, cujo controle é feito
ciativas nesse sentido: Portel e Curralinho. até hoje por meio de anotações em cader-
Com o Projeto Embarca Marajó, o nos.
Lupa-Marajó e o Instituto Peabiru levan- Em Curralinho, a Associação dos
taram informações de desempenho das Produtores e Pescadores Agroextrativistas
comunidades que hoje operacionalizam os do Rio Pagão (Apparp) implantou no pe-
FFCFs. Por meio de entrevistas com per- ríodo da safra de açaí de 2013 sua reserva
guntas semiestruturadas, buscou-se com- financeira. A produção de cada família é
preender a dinâmica da produção florestal registrada em caderno pelo responsável
– neste caso, do açaí, o principal gerador pelo porto e, ao final da safra, mais precisa-
dos fundos. A partir disso, houve sistemati- mente em dezembro, os valores relativos à
zação dos dados e elaboração de relatórios produção de cada família é devolvido, seja
para socialização e ajustes das comunida- em espécie ou em serviço definido pela co-
des estudadas, a fim de gerar documento munidade.
final que possa recomendar a outras co- A estratégia de arrecadação, nas
munidades amazônicas. palavras de Miguel Baratinha, então
Em Portel, na comunidade Santo Eze- dirigente da Apparp, “se a rasa de açaí
quiel Moreno, rio Acuti Pereira, foi identi- estava no preço do dia a R$ 13,00/
ficada uma das iniciativas mais antigas de rasa, R$ 10,00 ficariam para a família e
FFCF (RAMOS et al., 2014), oficialmente R$ 3,00, para o fundo comunitário. Se a
considerada pela Associação dos Trabalha- rasa passasse a R$ 14,00/rasa, o destino
dores Agroextrativistas do Rio Acuti Pereira ao fundo seria de R$ 4,00 e assim por
(ATAA), entidade que representa a comuni- diante”. Tanto a forma de arrecadação
dade Santo Ezequiel e outras comunidades quanto a destinação dos recursos foram
da região do Baixo Acuti Pereira. votadas em assembleia. No caso da des-
110 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Os Fundos Florestais Solidários são, hoje, um resultado da organização social de comunidades como Santo Ezequiel
Moreno. Na foto, participantes de oficina promovida pelo Lupa/Instituto Peabiru em visita às instalações desta
comunidade a partir do Fundo Açaí.
Foto: Márcio Santos

tinação dos recursos, o método adotado também foi a oportunidade para o debate
foi a divisão simples entre as famílias, com outras entidades representantes de
no formato conhecido como “caixinha” extrativistas, como associações, sindica-
(Ramos et al., 2014). tos e cooperativas de outros municípios do
A partir de 2014, com a estratégia im- Marajó, e para discutir diferentes formas
plementada pelo Projeto Embarca Marajó, de FFCF.
a partir dos Centros Diboa, a troca de ex-
periências entre técnicos e lideranças co- 4.1. Alguns resultados dos fundos
munitárias de Portel e Curralinho intensi-
ficou-se através de seminários e encontros. 4.1.1. Rio Canaticu, em Curralinho
Percebendo essa oportunidade, o Instituto
Peabiru e o Lupa-Marajó apresentaram a Em Curralinho, no rio Canaticu, as
experiência às comunidades de Portel e comunidades locais pertencentes ao “por-
Curralinho, e, estas, umas às outras. Essa to açaí” fortaleceram, além das reservas
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 111

financeiras comunitárias, a sua própria 4.1.1.1. Comunidade Boa Esperança


cooperativa, o que colaborou com a vinda
de outra tecnologia social, a do Banco Co- A comunidade Boa Esperança, loca-
munitário (ação coordenada pelo Instituto lizada no rio Pagão, um braço do rio Ca-
Vitória Régia e Projeto Embarca Marajó). naticu, é formada por 25 famílias, orga-
No levantamento feito in loco, foi nizadas desde o início dos anos 2000 em
possível verificar diferentes estratégias en- torno do manejo de açaizais nativos. O
tre as comunidades do rio Canaticu, como FFCF da comunidade teve sua primeira
em Boa Esperança, Sagrada Família e Sa- arrecadação em agosto de 2012, com va-
grado Coração de Jesus. Em comum, foi lores de aproximadamente R$ 7.000,00,
identificada a acumulação de poupança seguindo esta tendência nos anos vin-
advinda da produção de açaí. douros.

Tabela 1
Produção de açaí da comunidade Boa Esperança no período 2012-2014

Parâmetro
Produção de Produção em Preço médio da rasa
Ano Receita estimada
rasas (Unid) toneladas (14 kg) durante a safra
2012 7.363,00 103,08 R$ 9,00 R$ 66.267,00
2013 8.000,00 112,00 R$ 20,00 R$ 160.000,00
2014 8.300,00 116,20 R$ 30,00 R$ 249.000,00
Total 16.300,00 228,20 - R$ 409.000,00

Fonte: Levantamento da produção realizado pelo Lupa Marajó

A comunidade Boa Esperança movi- a comunidade Boa Esperança distribuiu


mentou em valores com a comercialização entre 2012 e 2014 entre R$ 7.000,00 e
de frutos de açaí entre 2012 e 2014 o mon- R$ 8.000,00 do valor anual arrecadado en-
tante de R$ 409.000,00, em uma produção tre as 25 famílias participantes.
de 228 toneladas de açaí. O total de recur- Sobre o futuro, a Apparp pretende
sos obtidos por família nesses três anos foi gerar em arrecadação até 2019 o acumula-
de R$ 17.000,00. do de R$ 90.000,00 com a venda de frutos,
No FFCF, sob o formato de “caixi- desta vez destinando parte do obtido para o
nha”, modalidade que efetua a repartição bem-estar social das famílias locais, como
pura e simples do dinheiro ao final da safra saneamento, educação/cultura, saúde, e
conforme a produção de cada associado, para o próprio manejo dos açaizais nativos.
112 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

4.1.1.2. Comunidade Sagrada Família da Associação Comunitária do Rio Cana-


ticu. Iniciaram seu fundo comunitário em
A comunidade Sagrada Família, lo- 2013, com valores arrecadados em torno
calizada à margem direita no Baixo rio de R$ 2.000,00 anuais, segundo a comuni-
Canaticu, é formada de 12 núcleos fami- dade. A produção em açaí da comunidade
liares, envolvidos também nos trabalhos Sagrada Família é apresentada a seguir:

Tabela 2
Produção de açaí da comunidade Sagrada Família no período 2013-2014

Parâmetro
Produção de Produção em Preço médio da rasa
Ano Receita estimada
rasas (Unid) toneladas (14 kg) durante a safra
2013 3.800,00 53,20 R$ 9,00 R$ 34.200,00
2014 3.900,00 54,60 R$ 30,00 R$ 117.000,00
Total 7.700,00 107,80 - R$ 151.200,00

Fonte: Levantamento da produção realizado pelo Lupa Marajó

O total de receita bruta gerada em Sobre a importância dos fundos,


dois anos foi de R$ 151.200,00 para uma moradores locais relataram em entrevis-
produção de 107 toneladas de frutos. Cada tas que eles ajudam a organizar a produ-
família contribuiu nessa produção com ção, além de interferir no preço adotado
cerca de quatro toneladas de açaí. Em pelos atravessadores. Neste caso, quando
dois anos, cada família recebeu em média se agrega a produção de diversas famílias
R$ 4.800,00 anuais na safra de açaí. num único lugar, o volume dessa produção
Ao observar a tabela, percebe-se que aumenta o poder de barganha dessas famí-
o potencial de arrecadação é quase o do- lias, equilibrando as relações de força na
bro em relação ao valor encontrado de cadeia de valor.
R$ 2.000,00 anuais. Com a intenção de in-
vestir em manejo florestal dos açaizais, sa- 4.1.1.3. Comunidade Sagrado Cora-
neamento, cultura e saúde, há possibilida- ção de Jesus
des de a produção gerar anualmente uma
poupança interna de cerca de R$ 4.000,00, A comunidade Sagrado Coração de
a serem distribuídos entre as famílias no Jesus localiza-se à margem esquerda do rio
formato de “caixinha”, como fazem usual- Tartaruga, um dos braços do rio Canaticu.
mente, ou aplicarem o dinheiro para resol- Esta localidade é formada por 48 famílias,
ver problemas comuns às 12 famílias. que têm a produção de frutos de açaí como
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 113

uma de suas principais atividades econô- venda de açaí diretamente com as grandes
micas. Sua entidade representativa é a As- embarcações. Acredita-se que os recur-
sociação de Produtores e Pescadores Ilha sos obtidos seguiram a mesma ordem dos
Canaticu (Appic). R$ 10.000,00 do ano anterior.
Na safra de açaí de 2014, iniciaram
uma experiência de organização local ***
dialogando diretamente com os grandes
barcos compradores (aqui chamado de Esses formatos de FFCF que se de-
atravessador 1) de açaí que vinham de senvolveram no rio Canaticu apresentam
Macapá, no Amapá. A partir dessa relação, a peculiaridade de serem ferramentas so-
puderam visualizar o ganho dos atravessa- ciais agregadoras de grande quantidade
dores locais sobre seu trabalho (aqui deno- de famílias. Além disso, a estratégia dos
minado de atravessador 2). fundos ganha maior repercussão entre as
Com a amostra de 5.054 rasas de comunidades do Canaticu a partir do mo-
açaí vendidas diretamente às embarca- mento em que a Central de Associações
ções de fora do município, as lideranças assumiu esse arranjo, o dos “portos do
do rio Tartaruga perceberam que, quando açaí”, em 2014, como sua principal forma
o atravessador local (atravessador 2) agia de comercializar seus produtos. Atualmen-
para entregar a rasa para ao atravessador te (maio de 2017), a cooperativa Sementes
1, recebia R$ 2,00/rasa de açaí, adquiri- do Marajó assumiu a tarefa, ampliando a
da do extrativista. No momento em que iniciativa. São 11 portos[12] de escoamen-
os extrativistas venderam sem passar pelo to de produção, o que envolve mais de mil
atravessador 2, eliminaram a dependência famílias.
de um elo extra da cadeia, recebendo um Essas frentes de trabalho coletivo fo-
valor extra de cerca de R$ 10.000,00 pelo ram fortalecidas com a transformação da
volume de açaí, que foi dividido entre os Central de Associações do Rio Canaticu
comunitários. em Cooperativa Sementes do Marajó, bem
No ano seguinte, na safra de 2015, como com o apoio de organizações da socie-
diante desse resultado, a Appic resolveu se dade civil. Esse é o caso do próprio Lupa Ma-
organizar para aumentar o poder de capta- rajó, desde 2010, do Instituto Peabiru, que
ção, com a implantação de porto comuni- atua na região do Canaticu desde 2011, e
tário central para efetuar as operações de do Instituto ProNatura, desde 2013. O Pro-

Hoje, embora se discuta a possibilidade de criação de um fundo em cada porto, este arranjo se restringe somente ao es-
[12]

coamento da produção das famílias, uma forma mais organizada de agregar volume à produção das mais de 1.500 famílias
do rio Canaticu.
114 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Natura[13] contribuiu ainda aproximando ao das famílias, com agendamento do início


processo o Serviço Nacional de Aprendiza- da arrecadação, monitoramento, prestação
gem do Cooperativismo – PA (Sescoop/PA), de contas e destinação dos recursos. Atual-
que foi fundamental no modelo de coopera- mente, Santo Ezequiel Moreno é referência
tiva e capacitação inicial. no Marajó em relação à temática Economia
Nesse novo arranjo coletivo, o de co- & Autonomia, pois a diversidade de ativida-
operativa, as comunidades do rio Canaticu des produtivas sustentáveis, como o mane-
passaram a alcançar mercados mais exi- jo do açaí nativo, a produção de polpa de
gentes, como o de fábricas de processamen- fruta e a piscicultura, se tornaram possíveis
to na Região Metropolitana de Belém, com a partir do fundo comunitário autogerido,
contratos de longo prazo; e para atender as que dá aos comunitários o início de autono-
prefeituras em sua demanda para a meren- mia na lógica de comercialização capitalista
da escolar, como a das escolas municipais e permite que a renda circule no interior da
de Curralinho, por meio do Programa de comunidade, resultando em benefícios am-
Aquisição de Alimentos (PAA). Isso significa bientais e sociais aos moradores (G1, 2016).
que conseguem romper com a informalida-
de e diminuem a dependência de comercia-
lização a apenas atravessadores.
Nesse sentido, os FFCFs empreendi-
dos no Canaticu constituíram-se em im-
portante mecanismo para permitir o acú-
mulo de capital social pelas famílias que
residem ao longo do rio. Esse capital social
facilitou a organização das comunidades
e de sua produção nos portos, o que lhes
trouxe uma melhor posição para a negocia-
ção de seu produto, especialmente diante
de atravessadores.
Em 2016, a Associação dos Trabalhadores
Agroextrativistas do Rio Acuti Pereira recebeu
4.1.2. Santo Ezequiel Moreno, Portel
premiação do Ibam pelo trabalho desenvolvido com o
Na comunidade Santo Ezequiel Mo- Fundo Solidário Açaí, uma das melhores experiências
reno, em Portel, o Fundo Solidário Açaí amazônicas no ano.
consolidou-se, sendo uma prática habitual Foto: Milton Costa

O Instituto ProNatura é organização do 3º setor de atuação internacional, sediada no Rio de Janeiro. Seus trabalhos focam
[13]

na “luta contra problemas sociais, econômicos e ambientais enfrentados por comunidades rurais de países em desenvolvi-
mento. O objetivo é encontrar alternativas econômicas viáveis para as pessoas que lutam para viver em ambientes sob cons-
tante ameaça” (extraído do site http://www.pronatura.org).
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 115

Em Santo Ezequiel Moreno, a comu- total de 1,6 mil toneladas de frutos ven-
nidade fez o monitoramento da safra que didos. Nesse período, cada uma das 27
antecede o projeto Embarca Marajó, no qual famílias integrantes do fundo contribuiu
levantou informações de produção para dois com R$ 21.000,00 nessa receita geral, pro-
períodos, de 2010 a 2011 e de 2012 a 2014, duzindo cerca de 59 toneladas no período
conforme dados da ATAA (2014). 2010-2014.
Em cinco anos de safra (2010-2014), A produção de frutos de açaí, segun-
a comunidade Santo Ezequiel Moreno mo- do o levantamento realizado pelo Lupa-
vimentou cerca de R$ 580.000,00 com a -Marajó/ Instituto Peabiru, é apresentada
comercialização de frutos de açaí, num na tabela a seguir:

Tabela 3
Produção de açaí da comunidade Santo Ezequiel Moreno no período 2010-2014

Parâmetro
Produção de Produção em Preço médio da rasa
Ano Receita estimada
rasas (Unid) toneladas (14 kg) durante a safra
2010 10.954,00 782,43 R$ 10,00 R$ 109.540,00
2011 6.231,00 445,07 R$ 12,00 R$ 74.772,00
2012 17.686,00 247,60 R$ 15,00 R$ 265.290,00
2013 5.603,00 78,44 R$ 10,00 R$ 56.030,00
2014 3.769,00 52,77 R$ 20,00 R$ 75.380,00
Total 44.243,00 1.606,31 R$ 581.012,00

Fonte: Levantamento da produção realizado pela ATAA

Os valores por rasa arrecadados va- 2014, o valor por rasa aumentou, a partir
riaram durante os anos. Entre 2010 e da estratégia de arrecadação por unidade
2012, o valor adotado foi de R$ 1,00 por vendida. Os maiores investimentos apli-
rasa comercializada. A partir de 2013, os cados pela comunidade Santo Ezequiel
valores poupados por rasa comercializada Moreno nos últimos anos foram voltados
foram de R$ 2,00. Apesar de a produção principalmente para a infraestrutura co-
de açaí ter diminuído nas safras 2013 e munitária.
116 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

4.2. Expansão dos Fundos Florestais Em Chaves, apesar de não ter sido
Comunitários e Familiares para uma atividade direta do Projeto Embarca
outras localidades no Marajó Marajó, foi possível levar a experiência por
meio da parceria com a Secretaria Munici-
Os intercâmbios promovidos pelos pal de Meio Ambiente (Sema) de Chaves e
Centros Diboa, do Projeto Embarca Mara- de um membro do Colegiado de Desenvol-
jó, proporcionaram que outras localidades vimento do Marajó (Codetem), que acom-
tomassem conhecimento e se inspirassem panha o desempenho dos Fundos Flores-
nas iniciativas para implantar os FFCFs. tais como tecnologia social.
Estes foram os casos das comunidades do Na comunidade Sagrado Coração de
rio Ubussutuba, no município de Chaves; Jesus, em Curralinho, houve a influência
e do rio Carutá, no município de Melga- das comunidades Sagrada Família e Boa
ço; bem como da comunidade Tartaruga, Esperança para o início de implantação
em Curralinho, todos no Marajó. Essas dos fundos. Na comunidade foi criado o
comunidades perceberam que, a partir de porto comunitário do açaí, onde são fei-
sua própria produção, poderiam promover tas as transações comerciais de frutos de
a transformação cidadã. Uma economia açaí através da associação, destinando-se
com autonomia (RAMOS, 2015). R$ 1,00/rasa comercializada para a pou-
pança coletiva.
Em Melgaço, no rio Carutá, qua-
tro famílias adotaram o Fundo Florestal e
passaram a poupar cerca de R$ 2.000,00
por safra de açaí, para serem aplicados
em insumos e equipamentos. Esse mé-
todo baseou-se na experiência da comu-
nidade Sagrada Família, que arrecada de
R$ 2.000,00 a R$ 4.000,00 por safra em
seu fundo coletivo. Em Breves, na região
da estrada, que contou com participan-
tes nos Centros Diboa, o Fundo Solidário
Florestal adaptou sua metodologia para a
farinha-de-mandioca, principal produto da
localidade. Nessa região, 19 mulheres e 6

Palestra no rio Ubussutuba, Chaves, Pará, sobre fundos


florestais solidários.
Foto: Wanderléa Almeida
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 117

homens criaram um sistema de arrecada- de Breves, o Fundo Farinha resultou na ga-


ção a partir da venda da farinha na feira da rantia da ceia de natal de todos os que par-
cidade de Breves, experiência que come- ticiparam da “caixinha”. Com o resultado,
çou em agosto de 2016. Segundo relatos os participantes do fundo iniciaram nova
de Edna Barbosa, vice-presidente do STTR arrecadação desde janeiro de 2017.

5. Considerações finais
A estratégia de ação do Projeto Em- da Região Metropolitana de Belém, sem,
barca Marajó em fortalecer o capital hu- para isto, depender de atravessadores.
mano das lideranças locais se mostrou bas- Em relação ao rio Acuti Pereira, é no-
tante efetiva e frutífera. A participação de tória a mudança ocorrida nos últimos dez
integrantes do Lupa Marajó nas oficinas e anos. Da situação de grave risco social e am-
ações do projeto, atuando desde a concep- biental encontrada em 2004, de dependen-
ção metodológica das oficinas e logística, as- tes de compradores de palmito e ameaçados
sim como da discussão relacionada aos seus por madeireiros e fazendeiros, a comunidade
resultados, possibilitou seu fortalecimen- Santo Ezequiel Moreno, hoje, é prova de que
to para a efetiva implementação de proje- é possível uma maior autonomia das comu-
tos em seu território. Isso representa um nidades pelas suas próprias iniciativas. Isto
exemplo de que ações de desenvolvimento tem reflexo direto na gestão, na autoestima
endógeno promovem mudanças significati- e na dignidade da comunidade, que agora se
vas no fortalecimento da entidade de base. apresenta como referência em Portel.
Os Centros Diboa mostraram que Em regiões como o Marajó, em que
escolas sem paredes são perfeitamente não há bancos e caixas eletrônicos e se
exequíveis, permitindo a troca de conhe- depende de sistemas de correspondentes
cimento entre as comunidades. Entre os bancários precários e insuficientes como
exemplos está o fortalecimento da Coopera- as casas lotéricas, a criação de sistemas lo-
tiva Sementes do Marajó, que em 2016 su- cais de poupança como os FFCFs se apre-
perou pendências fiscais para se qualificar senta como uma oportunidade comple-
como fornecedor de merenda escolar para mentar, ainda que não busque substituir
a Prefeitura Municipal de Curralinho. Da o sistema formal. O importante resultado
mesma forma, a cooperativa se apresenta é a educação financeira para a poupança,
como negociadora da safra de centenas de o aprendizado para a importância de deci-
produtores com empresas de maior porte sões coletivas e a verificação que se pode
118 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

substituir a ausência de estado para ques- os fundos alcancem resultados, é funda-


tões de pequeno porte de infraestrutura. mental a organização social local, um bom
Outro atributo importante é que os capital social e a busca das agendas comuns
fundos permitem planejamento para o pe- das diferentes famílias e comunidades.
ríodo de entressafra. Além disso, o volume Para o Instituto Peabiru, a experiên-
de recursos reservados pela comunidade ja- cia dos FFCFs merece ser acompanhada
mais seria alcançado apenas com um esfor- por um período maior. Afinal, este traba-
ço familiar. Assim, os FFCFs se constituem lho inicial ora apresentado demonstra a
como uma tecnologia social simples e efi- versatilidade da tecnologia social, inclusi-
caz, que permite reconhecer a capacidade ve para atender outras cadeias de valor de
das comunidades amazônicas em formar produtos da sociobiodiversidade, com suas
reservas financeiras a partir de seu traba- peculiaridades. Seria de grande interesse
lho na agricultura e extrativismo. Dessa disseminar esses aprendizados a outras re-
maneira, o açaí, a castanha-do-brasil, a fa- giões do Marajó, da Amazônia em geral, ou
rinha de mandioca, a pesca artesanal, entre mesmo de outras partes do Brasil com pro-
outros produtos da sociobiodiversidade, se dutos da agricultura familiar e do extrati-
bem administrados e de maneira coletiva, vismo. Acreditamos com convicção que os
de forma sustentável e com transparência FFCFs podem contribuir para a melhoria
pelas comunidades, são capazes de gerar da qualidade de vida de comunidades por
poupanças coletivas para o reinvestimento meio da promoção de um desenvolvimento
na própria comunidade, promovendo um endógeno com responsabilidade ambien-
verdadeiro desenvolvimento local. Para que tal, pois valoriza a floresta em pé.

Atividade no Centro DIBOA.


Foto: Acervo Embarca Marajó
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 119

6. Referências bibliográficas
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bras del Buen Vivir: Entre Utopías y Dilemas Posibles. 2016. Quito, Equador.
www.aler.org.
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PEREIRA (ATAA). Apresentação da Produção de Açaí de 2010 (Power Point).
Outubro de 2014, Portel-PA.
CARVALHO, J.P.; SILVA, L.M.S. Famílias Agroextrativistas Amazônicas e Ações
de Desenvolvimento Rural Sustentável. Revista Extensão Rural, DEAER – CCR –
UFSM, Santa Maria, v.22, n.4, out./dez. 2015.
G1. Intercâmbio destaca fundos socioambientais no Marajó. Disponível em:
http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2015/09/intercambio-destaca-fundos-socioambien-
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e Familiares no Marajó: gerando economia e autonomia. 2014. Disponível em:
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/4760368. Acesso em: 07 abr. 2017.
RAMOS, P. Carta sobre a Economia com Autonomia. 2015. Disponível em: http://
www.recantodasletras.com.br/cartas/5354508. Acesso em 01 mar. 2017.
RAMOS, C.A.P. Bem Viver Marajó 2017: A Cidadania Crescerá em Nosso Terri-
tório? 2017. Disponível em: http://meioambienteacaiefarinha.blogspot.com.br/2016/12/
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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Cidades. 2016.
Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br/. Acesso em: 19 fev. 2017.
INSTITUTO PEABIRU. Diagnóstico Socioeconômico, Ambiental e Cultural do Arquipéla-
go do Marajó. 2011. Disponível em: http://institutopeabiru.files.wordpress.com/2012/09/
vivamarajo-escutamarajo.pdf. Acesso em: 19 fev. 2017.
PORTEL. Indicadores Socioeconômicos e Ambientais. 2016. Secretaria de Meio Ambien-
te de Portel. Documento Interno.
120 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

Ribeirinho remando por rio do Marajó no início da manhã.


Foto: Acervo Embarca Marajó / Lucas Filho
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 121

CAPÍTULO
LIÇÕES, APRENDIZADOS
E CAPITAL GERADO
PELO PROJETO
EMBARCA MARAJÓ
Dorinha Raiol
Ruth Corrêa da Silva
122 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

1. Um projeto focado na riqueza do povo marajoara


Num misto paradoxo de riqueza x projeto também se torna um guia no for-
pobreza, o território marajoara é uma das talecimento das ações executadas que po-
maiores demonstrações no estado do Pará derão ser replicadas não apenas na área de
de ausência de políticas públicas. Uma re- intervenção do projeto, nos 10 municípios
gião repleta de riquezas naturais contras- trabalhados, mas em outros municípios
tando com a pobreza vivenciada por seu do Marajó ou em qualquer área da região
povo, numa inexplicável falta de infraes- amazônica com as mesmas características
trutura, que é expressada no IDH médio dos locais de execução do projeto.
nos municípios, um dos mais baixos do O projeto, então, chega para discer-
país. Esse foi o contexto escolhido para a nir práticas, fortalecer atitudes, especial-
execução de um dos projetos mais repre- mente na esfera ambiental, e contribuir
sentativos implantados nos últimos anos para o empoderamento das populações
no território marajoara, e que foi gerencia- nativas, repercutindo, assim, na formação
do por três organizações da sociedade civil de um capital não apenas social, a partir
de merecido reconhecimento na execução do fortalecimento da rede de relações, mas
de projetos sociais na Amazônia. Toda li- também cultural, resultante da participa-
nha de atuação do projeto foi referendada ção direta nos eventos formativos, como
por ações voltadas ao fomento e à geração cursos, oficinas e seminários. Ressalte-se
de trabalho e renda. Foram muitas as ex- ainda a oportunidade para uma reestrutu-
periências apreendidas, mas a maior delas ração também do capital econômico, com
é a certeza que a maior riqueza do Marajó uma visão atualizada do sistema mercantil.
é o seu povo.
O projeto Embarca Marajó contri- “O capital pode ser considerado em
buiu amplamente para a atualização das sua forma econômica (capital econô-
informações acerca da realidade sentida mico) – quando o campo de sua apli-
pelas populações locais e, certamente, ele cação for o das trocas mercantis, por
poderá fundamentar a elaboração de po- exemplo, sem que isso implique des-
líticas públicas na solução de problemas conhecer as formas culturais (capital
da região, o que, a propósito, foi uma das cultural) ou sociais (capital social) de
pretensões deste projeto. Junto a isso, o sua aplicação”[14].

NEVES, L. M.W; PRONKO, M. A; MENDONÇA, S. R. de (2009). Capital Social. Dicionário da Educação Profissional em
[14]

Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/capsoc.html


Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 123

Bourdieu (1998, p. 67 – grifos do au- luta política só pode ser compreendida


tor) define o capital social como “o con- tendo-se em mente suas formas de distri-
junto dos recursos reais ou potenciais que buição e evolução.
estão ligados à posse de uma rede durável Em uma nova versão do conceito, ca-
de relações mais ou menos instituciona- pital cultural é “o conjunto de elementos
lizadas de interconhecimento e de inter da cultura popular utilizados como ingre-
reconhecimento mútuos, ou, em outros dientes da política social para fortalecer
termos, à vinculação a um grupo, como o a autoconfiança dos despossuídos, desen-
conjunto de agentes que não somente são volver valores de uma nova cultura cívica
dotados de propriedades comuns (passí- baseada na colaboração de classes e na
veis de serem percebidas pelo observa- ética da responsabilidade coletiva e contri-
dor, pelos outros e por eles mesmos), mas buir para o desenvolvimento econômico e
também que são unidos por ligações per- a coesão social”[16]. Esse conceito foi res-
manentes e úteis”. significado por organismos internacionais,
Os elementos básicos do capital so- notadamente a Organização das Nações
cial, dentro de uma nova formulação, são Unidas para a Educação, a Ciência e a
a autoconfiança que gera a confiança so- Cultura (Unesco), para incorporá-lo à sua
cial, as normas de reciprocidade (associa- estratégia de desenvolvimento social.
tivismo) e as redes de compromisso cívico As duas versões foram, de forma pla-
(responsabilidade social)[15]. A rede de re- nejada, correspondidas diretamente pelo
lações mobilizadas pelo projeto e a segu- projeto, quer na versão mais clássica na
rança estabelecida entre os pares foram associação de capital cultural, com a área
fatores preponderantes para a eficiência e educacional, ou na mais recente, embasa-
os resultados alcançados. da na autoconfiança, na colaboração e na
Em relação ao capital cultural, Pier- responsabilidade coletiva.
re Bourdieu, pioneiro na sistematização do Esse parêntese conceitual é so-
conceito, justifica que o mesmo engloba mente para contextualizar e confirmar
prioritariamente a variável educacional, a importância dos resultados do projeto
embora não se limite apenas a ela. Para o na vida das populações que foram alvo
autor, a educação/capital cultural consis- das diversas ações que enriqueceram as
te num princípio de diferenciação quase vivências locais e levaram novos paradig-
tão poderoso como o do capital econômi- mas de atuações para as comunidades
co, uma vez que toda uma nova lógica da envolvidas.

[15]
Idem nota 14.
[16]
Idem nota 14.
124 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

2. A reciprocidade de vivências e experiências


Não há como negar que a realida- acessar programas de governo como PAA,
de de várias comunidades marajoaras foi Pnae, Pronaf, importantes para manejo
transformada com a entrada em ação do sustentável da floresta, para a produção
Projeto Embarca Marajó, cujas ações fo- agroecológica e fortalecimento dos empre-
ram focadas em alternativas sustentáveis endimentos individuais, familiares e coleti-
com vistas ao fortalecimento institucional vos. Além disso, contribuiu para melhorar
das entidades, por meio da promoção de a capacidade de incidência em espaços de
capacitações que possibilitaram aos par- discussão de políticas públicas pelas lide-
ticipantes a ampliação de conhecimentos ranças comunitárias.
nos mais diversos aspectos, destacando Assim, as assessorias técnicas e ad-
que todas as ações visavam sempre à sen- ministrativas auxiliaram na condução e
sibilização para o manejo sustentável dos no aumento da produtividade das diversas
recursos naturais da região. atividades, fortalecendo o uso responsável
Um dos bons resultados do processo dos recursos naturais.
de capacitação para os participantes foi a A reciprocidade de vivências e expe-
apreensão de uma nova maneira de organi- riências entre executores e participantes
zar, planejar, executar e comercializar seus favoreceu uma sintonia que proporcio-
produtos como forma de enfrentamento nou que fluíssem resultados revigoran-
aos diversos problemas socioambientais tes ao cotidiano dessas populações, que
existentes no território do Marajó. O pro- com muita resistência vêm assumindo
jeto consegue também aumentar a capaci- cada vez mais o seu protagonismo. Ter a
dade técnica das lideranças das organiza- comunidade como a protagonista princi-
ções da sociedade civil e gestores públicos pal, baseia-se no entendimento de que é
para o melhor desempenho de suas fun- necessário contribuir com subsídios e ins-
ções. Uma das ações nesse sentido foram trumentos que qualifiquem a atuação das
as capacitações específicas para a elabora- lideranças, tornando-as capazes de arti-
ção, execução e gerenciamento de projetos cular e incrementar melhorias alternati-
de interesse da população marajoara. vas, tomar decisões e implementar ações
No eixo da ampliação da capacidade para promover o desenvolvimento local
local, o projeto possibilitou instruções para comunitário.
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 125

Isso está expresso nas experiências nistrativa, jurídica até a promoção de cida-
descritas nesta publicação. Os diversos de- dania com viabilização de direitos básicos.
poimentos das pessoas e entidades ao lon- Um exemplo desse processo de or-
go da obra demonstram a disposição dos ganização social e comunitária é a di-
homens e mulheres como atores principais nâmica de criação do Fundo Açaí, que
do processo desencadeado pelo projeto. exigiu “um esforço significativo de reu-
Um elemento comum a essa disposi- niões, encontros, debates, conversas in-
ção de luta para a melhoria da qualidade dividuais e coletivas sobre o assunto, ou
de vida na região é a visão da importân- seja, um exaustivo investimento em con-
cia da organização comunitária, que é um vencimento do maior número de pesso-
processo essencial para o êxito de qualquer as sobre o que o fundo poderia significar
ação. É perceptível para as organizações para alavancar as condições de vida da
envolvidas nas iniciativas em todos os mo- comunidade.”
mentos das experiências apresentadas a A organização foi também o fator de-
necessidade da organização da coletivida- cisivo para a instalação do Banco Comuni-
de, sem desconsiderar, entretanto, outros tário na vila de São Miguel de Pracuúba,
tipos de ordenação, como o administrativo com uma associação devidamente estrutu-
e o logístico. A partir da construção de uma rada para tomar conta da gestão e os as-
base de confiança entre os comunitários, pectos de infraestrutura necessários.
permeada pela solidariedade, foi possível Seguramente, os Fundos Florestais e
alcançar os objetivos pretendidos pelas o Banco Comunitário sob a área de inter-
diversas experiências inseridas na área venção do projeto, assim como outros or-
de intervenção do projeto, destacando-se, ganismos dessa natureza, são hoje resulta-
neste sentido, a importância da união e dos da organização social da comunidade,
organização da comunidade para a viabili- tornando-se uma via de luta em defesa do
zação de suas necessidades e, consequen- território. Junto a isso, repercute-se tam-
temente, a melhoria das condições de vida. bém a importância da organização pro-
Todas as entidades comunitárias tra- dutiva, baseando-se particularmente na
balhadas pelo projeto são detentoras de realidade extrativista do Marajó, onde as
histórias singulares nesse processo orga- cooperativas tornaram-se instrumentos
nizativo, indo da criação da entidade, de necessários no processo produtivo e na
Bancos Comunitários ou dos Fundos So- comercialização dos produtos, especial-
lidários, passando pela constituição admi- mente o açaí.
126 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

3. Saberes locais para a difusão do conhecimento


O conhecimento nato foi o guia na exe- do suas experiências e vivências, seja em
cução das ações do projeto, quer por meio termos de organização social ou produtiva.
da metodologia das oficinas, seminários rea- Ao moderador das oficinas cabia o compro-
lizados, quer nas orientações prestadas pelas misso de associar esses saberes e articu-
assessorias técnicas. Todas as ações executa- lar com os conhecimentos técnicos, para
das consideraram o respeito ao saber nativo, assim gerar uma visão mais global e siste-
numa reciprocidade que enriqueceu a exe- matizada. As oficinas promovidas estavam
cução do projeto. Estrategicamente a meto- voltadas para o associativismo e coopera-
dologia participativa alicerçou todas as ações tivismo, gestão e finanças, valorização da
realizadas, com as intervenções acontecen- floresta, mercados institucionais.
do a partir do saber comunitário. O processo de capacitação, aliado à
Um destaque nesse aspecto é a ação disposição das lideranças, impulsionou no
dos Centros Diboa, que no âmbito do projeto público do projeto o interesse em aprender
incentivou “boas práticas organizativas cujos a fazer a gestão e a administração de seus
protagonistas de repasse do conhecimento recursos naturais e financeiros. Nesse sen-
foram as próprias lideranças comunitárias tido, o projeto conseguiu atingir a meta da
que conduziram seus processos de transfor- valorização das boas práticas socioproduti-
mação.” Nesse viés foram promovidos en- vas sustentáveis, ao estimular as lideran-
contros entre comunidades dos municípios ças locais a tornarem-se agentes multipli-
trabalhados para a troca de experiências e cadores na difusão de práticas de gestão
expansão de atuações já consolidadas. sustentável de sua produção.
Na proposta metodológica das ofi- Notadamente, em todo o percurso
cinas realizadas, que tinha sempre como do projeto, o valor dado à educação foi um
eixo os Fundos Florestais Comunitários e componente importante para a mudança
Familiares, o comunitário era o elemento ou transformação da realidade no enfren-
principal de conhecimento, compartilhan- tamento aos problemas socioambientais.

Palafitas rodeadas por açaizais no Marajó


Foto: © Acervo Embarca Marajó / Lucas Filho
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 127

4. A relação com as florestas


A relação com as florestas é um atri- dade é proprietária dos recursos naturais
buto nato dos moradores das comunidades que estão em seu território, mas admitem
marajoaras. A conscientização provocou a percepção da finitude desses recursos e
uma mudança de mentalidade e novas ati- da necessidade de valoração econômica,
tudes sobre a forma de lidar com a floresta, a qual pode reforçar as ações de resistên-
que passou a ser efetivamente uma rique- cia territorial contra os expropriadores
za apropriada pelas comunidades, mudan- externos.
do, assim, o curso histórico no qual a flo- Um rico aprendizado apropriado
resta era riqueza para os outros e não para pelas comunidades envolvidas no projeto
os moradores das áreas florestais. Igual- garante que o cuidado com a floresta é
mente, o significado do trabalho é alterado base sustentável para a geração de ren-
quando se recupera o seu significado de da, trabalho e ocupação, uma lição que
transformação da natureza, gerando bem- é possível ser reproduzida em outras co-
-estar para quem nela trabalha e mora. munidades e áreas do território marajo-
Essa mudança de mentalidade vem ara e, por que não, de outras localidades
com reforço à noção de que a comuni- da região amazônica.

Paisagem ribeirinha no Marajó


Foto: © Acervo Embarca Marajó / Lucas Filho
128 Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável

5. Tecnologia social simples e eficaz


A implantação de mecanismos fi- servados pela comunidade jamais seria al-
nanceiros alternativos numa região como cançado apenas com um esforço familiar.
a do Marajó, onde é precário o acesso da Assim, os Fundos Florestais se constituem
população a serviços bancários, por meio como uma tecnologia social simples e efi-
de sistemas locais de poupança, como os caz que permite reconhecer a capacidade
Fundos Florestais Comunitários e Familia- das comunidades da Amazônia em formar
res, se apresenta como uma oportunidade reservas financeiras a partir de seu traba-
complementar, sem querer substituir o sis- lho na agricultura e extrativismo.
tema formal. O que se torna decisivo nes- Outra tecnologia social que foi alvo
se contexto é a educação financeira para de ação do Projeto Embarca Marajó foram
a poupança, o aprendizado para a impor- os Bancos Comunitários, instrumentos de
tância de decisões coletivas, e a verifica- grande importância para as populações
ção que se pode substituir a ausência do pobres da Amazônia. Atingindo a meta de
Estado para questões de pequeno porte de implementar dois Bancos Comunitários
infraestrutura. Os fundos são detentores no Marajó, o projeto contribuiu para re-
de várias possibilidades, e uma dessas é o duzir o quadro de exclusão aos serviços
planejamento para o período de entressa- financeiros enfrentado pela população do
fra. Além disso, o volume de recursos re- Marajó.

Evento sobre Fundos Solidários na Amazônia,


realizado em Belém-PA
Foto: © Acervo Embarca Marajó/ Luís Dantas
Estratégias locais de inovação, fortalecimento institucional e desenvolvimento sustentável 129

6. Para onde as reflexões podem nos levar...


Como já sublinhado, o Marajó é um das, em larga escala, por problemas como
território de riquezas naturais surpreen- a falta de saneamento básico, o tráfico e o
dentes, mas, uma das maiores evidências, consumo de drogas, a prostituição e violên-
a partir das experiências repercutidas pelo cia, bem como a problemática ambiental,
projeto, é que a maior riqueza do Marajó é caracterizada pela exploração predatória
seu povo. E esse povo, quando organizado dos recursos naturais, sendo alto o índice
para a busca de interesses coletivos, cons- de desmatamento na região.
ciente de seus direitos, é capaz de mudar A execução do projeto, todavia, dei-
sua realidade. O projeto Embarca Marajó xou suas raízes, lançou redes, trilhou ca-
foi um instrumento eficaz para a alteração minhos e edificou alicerces construídos
de conceitos, na medida em que contri- coletivamente. Processos, registros, experi-
buiu com a mudança de mentalidade, pro- ências históricas, todo esse arcabouço cer-
moveu a confiança, estimulou a solidarie- tamente não ficará engavetado em armá-
dade e a visão de que uma nova realidade rios, isolados em prateleiras. Tudo isso tem
pode ser construída coletivamente. continuidade e uma das maneiras é pela
Considerando que todo projeto, que replicação do trabalho em outras regiões,
é um empreendimento temporário, surge numa conexão que deve ter como pressu-
em resposta a um problema ou uma neces- posto básico as populações ribeirinhas, ex-
sidade concreta, o Embarca Marajó surgiu trativistas, comunitários desse imenso ter-
da necessidade de contribuir com a redu- ritório paraense, verdadeiros protagonistas
ção da extrema pobreza predominante em da história que marcou a execução desse
diversas áreas do território, que são afeta- projeto em terras marajoaras.

Seminário de encerramento do projeto Embarca


Marajó, Belém/PA
Foto: © Acervo Embarca Marajó/ Juliana Lima
Foto: © Acervo Embarca Marajó / Lucas Filho
Paisagem ribeirinha
Foto: © Acervo Embarca Marajó/ Lucas Filho
Ilustração: Tiago Botelho
Esta publicação foi organizada no âmbito do Projeto Embarca Mara-
jó: navegando na maré da sustentabilidade. Ela destaca iniciativas de
desenvolvimento local e economia solidária protagonizadas por organi-
zações agroextrativistas do arquipélago marajoara, no estado do Pará.
Foi sistematizada a vivência de pessoas e de organizações responsáveis
por três relevantes experiências nos municípios de Portel, Curralinho
e Muaná:

Banco Comunitário Pracuubense: fomento e solidariedade no


território marajoara
Criado e gerido pela própria comunidade, o banco opera com serviços
de crédito e a moeda social Pracuúba – nome do rio da comunidade.

Fundo Solidário Açaí


A Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Rio Acuti Pereira
criou uma poupança com recursos da venda do Açaí. A arrecadação e
aplicação da verba são coletivas e é revertida em benefícios ambientais
e sociais para os comunitários.

Lupa Marajó: uma experiência de observatório e desenvolvi-


mento local
Uma instituição nascida no município de Curralinho, que discute o de-
senvolvimento local a partir de uma lógica territorial própria, marajoara.

REALIZAÇÃO PARCERIA APOIO FINANCEIRO

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