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Huáscar Pessali
Professor do Departamento de Economia da UFPR
Fabiano Dalto
Professor do Departamento de Economia da UFPR
Resumo Abstract
Palavras-chave
O desenvolvimento econômico depende das Institutions affect economic development,
instituições, desenvolvimento;
instituições e as instituições, ao mesmo tem- and at the same time they are a way to measure
desenvolvimento econômico,
po, são uma medida do desenvolvimento eco- it. Correlation and causality tangle up within a
mudança institucional,
falhas de mercado.
nômico. Assim, correlação e causalidade se circular and cumulative process of changes,
confundem num processo cumulativo e cir- which draws the limits and possibilities for
Classificação JEL D02, O12. cular – uma espiral de mudanças que condi- increased individual freedom. This essay brings
ciona a ampliação das liberdades dos indiví- together some key ideas that relate institutions
duos. A contribuição pretendida por este to economic development and tries to link them
ensaio é reunir e propor uma organização de in such a way as to offer the reader a refreshed
várias idéias dispersas no tema “instituições view of classic themes. The complex and
e desenvolvimento econômico”. Nossa relei- historically diverse relationship among firms,
tura adiciona um breve exemplo da relação markets and the state is used as a short
entre mercados, firmas e estado no âmbito illustration of our attempt at providing an
do desenvolvimento. Isto permite defender institutional reading on economic development.
o retorno a uma análise econômica que não
Key words
se limite às falhas de mercado, mas que enca-
institutions, development, re a responsabilidade de lidar com um ema-
economic development, ranhado mais complexo de interações.
institutional change,
market failure.
All political revolutions, not affected by de olhar problemas antigos sobre os quais
foreign conquest, originate in moral revo- já se debruçavam.
lutions. The subversion of established in- Acumulação de capital, aumento da
stitutions is merely one consequence of the força de trabalho, progresso tecnológico,
previous subversion of established opinions. ampliação dos mercados e da divisão do
(John Stuart Mill, 1833)
trabalho – os economistas há muito se inte-
ressam pelas causas mais evidentes do cres-
cimento econômico. Mas, aos poucos, vê-
Introdução se que essa não é mais sua única preocupação
O desenvolvimento voltou a ser tema das – o crescimento econômico é fundamental
discussões em economia. Nos novos deba- para o desenvolvimento econômico, mas
tes, às engrenagens do desenvolvimento não lhe é sinônimo ou condição necessária e
econômico já destacadas na literatura se suficiente. Debates importantes se acoplam
adiciona mais explicitamente a categoria àquele interesse já estabelecido – começamos
das instituições. Não que a houvéssemos a conversar sobre sistemas nacionais de ino-
esquecido, mas voltamos nossos olhares vação, arranjos produtivos, redes de coope-
para apenas uma de suas manifestações – ração, reformas institucionais, direitos de
o mercado. E, com o olhar tão concen- propriedade, dilemas sociais, maldição dos
trado em uma só instituição, já estáva- recursos naturais, entre outras coisas. Com
mos ficando míopes. isso se começa a preencher o espaço teórico
A chamada “Nova Economia Insti- que deixava sem contato a ação do indiví-
tucional” conseguiu reacender o interesse duo e os resultados coletivos que sobre ele
de boa parte da profissão pelo estudo de um se impingem. A interação dos indivíduos e
conjunto mais amplo de instituições. Com os padrões regulares de pensamento e ação
o crescimento do interesse, o Instituciona- que nesse âmbito se estabelecem passam a
lismo Original norte-americano foi tam- ser objeto de investigação mais sistemática.
bém resgatado, bem como as ideias precur- As instituições ganham destaque co-
soras da Escola Histórica alemã. Mais do mo engrenagem importante do desenvol-
que um debate escolástico, porém, o inte- vimento, ao mesmo tempo em que podem
resse dos economistas por um novo tema ser vistas como uma de suas medidas. Cor-
de estudo levou a releituras de textos im- relação e causalidade se imiscuem num pro-
portantes em várias áreas e a novas formas cesso cumulativo e circular – uma espiral
perquirir sobre o contexto institucional em com as normas que favorecem o status quo.
que certas preferências individuais emergem, Como resultado de seu caráter inercial, as
e, a partir daí, explicar por quais mecanis- instituições serviriam, então, apenas co-
mos institucionais os indivíduos tentam mo empecilho aos avanços da tecnologia,
promover as mudanças institucionais em inibindo mudanças tecnológicas, freando
análise, com quais possíveis objetivos, e as- o desenvolvimento e o progresso social.
sim por diante. Assim, as instituições vi- É como se cada uma representasse uma
gentes influenciam o indivíduo e, em se- face de Janus – a figura mitológica roma-
guida, o indivíduo se torna um potencial na de duas faces que se opõem, uma vol-
agente de mudança institucional. tada para a vida primitiva e a outra para a
civilização. Essa visão parece ter se ali-
3_ Instituições e tecnologia mentado injustamente do que ficou co-
A literatura sobre desenvolvimento econô- nhecido por “dicotomia Ayres-Veblenia-
mico há muito tem dado devida ênfase ao na” (vide Pessali e Fernández, 2006).
papel do conhecimento e do progresso tec- Há, porém, motivos para se pensar
nológico no processo de desenvolvimento diferente. Primeiro, o progresso tecnológi-
econômico. Menos enfatizado, contudo, co não está isento da inércia produzida pela
principalmente na literatura ortodoxa mais própria tecnologia pregressa. Dessa forma,
recente, é o papel que as instituições de- a própria introdução de certas tecnologias
sempenham na geração de conhecimento físicas pode envolver parâmetros mais ou
e de difusão do progresso técnico. Vale res- menos rígidos para a introdução de novas
saltar ainda que, quando alguma atenção tecnologias, i.e. lock-ins. Por exemplo, a bi-
é dada ao papel das instituições nesse tola dos trilhos de trem ainda reproduz a
processo, não é raro considerá-las como tecnologia das velhas carroças puxadas por
fator de inércia que retarda o desenvolvi- animais. Fosse a bitola aumentada, a pro-
mento econômico. Enquanto, de um lado, dutividade do transporte ferroviário pode-
é bastante difundida a ideia de que a tec- ria ter crescido ao utilizar vagões de maior
nologia seria uma categoria pura e indife- capacidade. Segundo, a tecnologia, em qual-
rente a interesses particulares ou de classe quer das definições já tentadas, tanto resolve
e que serviria apenas ao propósito do au- quanto cria problemas. A siderurgia permi-
mento da produtividade, as instituições te a obtenção do aço; o aço laminado serve
são, por vezes, associadas tão somente à fabricação de automóveis, que auxiliam
ganizacionais dentro das empresas que re- meio ambiente levaram à criação de órgãos
definam papéis, obrigações e responsabili- como o Ibama e ao desenvolvimento de
dades parecem tão importantes para a pro- tecnologias que amenizam o impacto ne-
dutividade do trabalho quanto a introdução gativo de várias atividades produtivas ao
de uma nova máquina na linha de produ- meio ambiente.
ção. A recente preocupação com sistemas Não é preciso, portanto, interpretar
de inovação, que lidam com a conjugação as instituições como em essência limitado-
de diversas instituições em prol de maior ras, e a tecnologia como libertadora, com a
capacidade inovativa de países, regiões ou primeira emperrando o desenvolvimento
setores industriais, também demonstra o da segunda. Mesmo autores que preferem
caráter construtivo das instituições. concentrar-se no papel do progresso tec-
Por um lado, pode-se dizer que cer- nológico no desenvolvimento começam a
tos padrões de comportamento social são reconhecer a necessidade de se analisar mais
resultado do alinhamento dos agentes com positivamente e completamente o papel das
a produção e o uso de tecnologias moder- instituições na produção e difusão do co-
nas (Foster, 1981; Redmond, 2005a; Nel- nhecimento. Richard Nelson, por exemplo,
son, 2005). Ou seja, instituições precisam propõe que
ser desenvolvidas ou modificadas para via- ‘conhecer’ as tecnologias sociais [como Nel-
bilizar ou condicionar o progresso técnico. son denomina instituições] prevale-
As instituições legais que garantem ao ca- centes, e o que elas permitem e impedem é
pitalista empregar o trabalho, por exemplo, tão importante quanto ‘conhecer’ as tecno-
são essenciais ao progresso industrial mo- logias físicas disponíveis na determinação
derno (e.g. para a viabilização do sistema do conjunto de ‘escolhas’ disponíveis que
de produção fabril). Essas são mudanças agentes particulares enfrentam (Nelson, 2005,
p. 159).
tecnológicas e institucionais promovidas
pela oferta de tecnologia. Ou seja, tanto as instituições quanto as
Por outro lado, pode-se perceber tecnologias em si lembram Janus. O de-
que certos hábitos, valores socialmente es- safio do desenvolvimento, em sua con-
tabelecidos e instituições formais que deles cepção moderna da ampliação das liber-
derivam acabam por promover a mudança dades e do bem-estar (Sen, 1999), é fazer
tecnológica. O instinto de autopreserva- com que os dois caminhem com a mes-
ção e a preocupação com a degradação do ma face voltada para esses fins.
tem mudanças graduais e paulatinas (Veb- do que se entende ser a concepção maior, à dilemas sociais (Olson, 1965)
len, 1919). qual os indivíduos se sentem leais. podem ser situados aqui.
Tais manifestações podem se con- flito prevaleça, faz-se preciso algum tipo
cretizar a partir de elementos diversos. Al- de coordenação de ações. Isso pode ser
guns deles são vistos a seguir em sua capa- obtido por meio da constituição de insti-
cidade de influenciar as mudanças institu- tuições formais ou informais. E, a de-
cionais. pender da instituição que se estabelecer,
diferentes resultados estáveis podem sur-
4.1_ Conflito, cooperação e custos
gir, cada qual com efeitos distributivos
na mudança institucional peculiares (Bowles, 2004).
Isso sugere que a mudança institu-
Em nosso cotidiano, as instituições – cional não é um processo sem custos. Além
principalmente as de caráter eminente- dos custos de oportunidade de qualquer
mente econômico – são uma tentativa de esforço despendido na sua construção, a
criar alguma ordem estável em situações mudança institucional se sujeita a proble-
potencialmente conflitantes de forma a mas característicos de ação coletiva, como
se conseguir ganhos mútuos (Commons, falhas de coordenação e free-riding (Olson,
1950; Williamson, 1985). O Estado mo- 1965). Os custos de uma mudança institu-
derno ilustra tal situação. Há, por exem- cional vêm de pelo menos três frentes.
plo, conflito de interesse quanto à inci- Uma dessas frentes envolve a mobi-
dência de tributos nos vários setores da lização e persuasão coletiva. Isso se aplica,
atividade econômica. Através de sua legi- por exemplo, a:
timação legal ou do monopólio legal da
força, porém, o estado consegue estabe- i. grupos de pressão, como lobbies po-
lecer uma ordem tributária de modo a le- líticos, entidades de defesa de di-
var a cabo soluções para certos proble- reitos específicos, associações clas-
2 Por exemplo, uma mas coletivos – e.g. subsidiar um sistema sistas ou patronais, ou usuários/
prefeitura pode introduzir coletivo de saúde. A mudança institucio- produtores de certo produto;
uma taxa sobre a circulação nal (ou o estabelecimento de uma institu- ii. grupos vistos como legítimos para
de veículos no centro da
cidade para reduzir o ição onde inexiste uma) vai bulir com um conduzir a mudança, como uma
congestionamento e a estado de coisas em que as pessoas se jul- Câmara Legislativa, o quadro ges-
poluição e provocar gam estar bem ou mal.2 Vê-se, por isso, tor de uma entidade, líderes de
descontentamento entre grupos sociais, ou conselhos po-
que o conflito de interesses é algo poten-
proprietários de automóveis
e comerciantes do centro. cialmente comum. Para evitar que o con- pulares;
iii. indivíduos influentes em certas es- raro encontrar, por exemplo, o problema do
feras sociais de interesse. carona. Se os custos totais da mudança re-
caem sobre alguns dos interessados enquanto
A segunda frente envolve os gastos
outros se isentam, a mudança pode encon-
de negociação com as demais partes envol-
trar certos obstáculos. Ao analisar a reforma
vidas (e.g. reuniões, concessões e batalhas
do sistema portuário brasileiro defendida
jurídicas). Como alerta Schelling (1984), es-
pelos setores exportadores, por exemplo,
sa frente pode envolver os esforços em se
Doctor (2004) registrou as dificuldades de
dissolver, quebrar ou neutralizar a coope-
coordenação entre os vários entes interes-
ração indesejável entre certas partes e que
sados e a carona pega por alguns deles
oblitera a mudança (e.g. máfias, cartéis, mo-
quando se fez necessário despender recur-
bilizações sociais ou lobbies políticos con-
sos e usar capital político.
trários, etc.). A terceira frente envolve os
custos de confecção de uma alternativa à Vê-se, assim, que as mudanças insti-
forma institucional vigente. Pode-se imagi- tucionais se condicionam em algum grau às
nar, como exemplos aqui, a instituição de instituições prévias. Muitas vezes, porém, tais
um Banco Central, a remodelagem de um condicionantes se mostram um pesado far-
sistema nacional de inovação, a reestrutu- do, e os problemas de coordenação se fa-
ração das rotinas ou dos departamentos de zem intransponíveis pelo simples problema
uma empresa, a condução de estudos cien- de insuficiência de recursos à disposição
tíficos e sua divulgação em mídias diversas dos novos interesses. Ou seja, há situações
para convencer as pessoas a mudar um há- em que o crescimento ou a redistribuição
bito de consumo, ou mesmo a construção da riqueza (mesmo que limitada a certos
de um aparato de governança paralelo ao grupos) é condição prévia necessária à mu-
existente para evitar os custos da mudança dança institucional. A tentativa de construir
institucional no aparato já existente (como instituições propícias ao crescimento eco-
ilustra Bueno, 2009). nômico e a uma melhor distribuição de seus
O aspecto distributivo dos custos da frutos pode não vingar se não houver um
mudança institucional é também um con- aumento prévio ou concomitante da rique-
dicionante importante. Quando se coloca a za, ou mesmo seu redirecionamento osten-
questão sobre quem vai arcar com tais cus- sivo para que tais instituições possam ser
tos e quem vai obter os benefícios, não é mantidas por um período infante.
que atuam no esforço de melhorar suas de e crescimento econômico” (North, 1993, p. 256).
condições de vida. Como salienta Hodgson Já nas últimas, “controles políticos burocráticos e cen-
(1999), o aprendizado reconstitui o indiví- tralizados, e regulação detalhada das economias foram
duo em termos de valores e preferências. levadas às colônias e persistiram após a indepen-
North (1993, p. 10) dá o exemplo dência” (North, 1993, p. 256). Esse conjun-
em que uma estrutura institucional recom- to de instituições levou “não só à instabilidade
pensa a pirataria, já que foi criada e susten- política, mas à relativamente fraca performance eco-
tada por ações dessa natureza. O reflexo é nômica” (North, 1993, p. 256).
que os “jogadores” ou as organizações vol- Não se quer dizer que um país ou
tarão seus esforços para aprender a ser bons região voltado à pirataria não seja capaz de
piratas. Enquanto isso, outra estrutura ins- atingir o crescimento econômico. Com re-
titucional apoia atividades que aumentem a lação a isso, basta ver na história o que
produtividade da economia – de cujo refle- aconteceu com alguns países “piratas”, como
xo seria o crescimento econômico. as versões marítimas de França, Holanda e
Ao criar oportunidades e incentivos Inglaterra, entre os séculos XV e XVII, a
para atividades lucrativas durante sua vi- versão norte-americana do incentivo à pi-
gência, as instituições acabam gerando (e rataria intelectual, no século XVIII (Ben-
sendo elas mesmas) estruturas com sunk Atar, 2004), ou as versões contemporâneas
costs, que indicam um caminho de outras do Japão, no pós-guerra, ou da China, desde
oportunidades a se abrir ao longo do tem- a década de 1990. Tal país ou região, porém,
po. Essa é uma forma de evidenciar a ca- vai depender de outrem que se dedique a
racterística de path dependence das estruturas produzir riquezas e seja incapaz de prote-
institucionais. É por intermédio dessa ótica gê-las. Isso pode acontecer pelo menos até
que North explica o desempenho contras- que haja aprendizado dos indivíduos e uma
tante entre a economia britânica e a de suas correspondente mudança institucional numa
colônias na América do Norte, e a econo- direção diferente, de construção e distribui-
mia ibérica e a de suas colônias nas Améri- ção apropriada de riquezas. Aliás, como aca-
cas do Sul e Central (e no que vieram a se bamos de citar, essa parece ser uma lógica
transformar ao longo dos últimos dois sé- recorrente na história. Dore (1984) sugere
culos). Nas primeiras, “a estrutura institucio- que foram exatamente os países que cria-
nal que se formou conduziu à criação de organiza- ram instituições complementares para de-
ções que induziram democracia política, estabilida- senvolver “capacidades independentes pa-
cipalmente por meio de um sistema de tri- movidas pelo Estado foram ab initio tomadas
butação e regulação que ele influencia a como contraproducentes. O que fazemos
atuação das demais instituições produtivas. a seguir é uma ilustração de como a litera-
Além disso, pelo monopólio da força e co- tura do tema é rica nessa análise mesoeco-
mo esfera de representação de interesses nômica da conformação, ligação e inter-
diversos, o Estado é responsável por esta- dependência das instituições na promoção
belecer, manter e fazer cumprir um sistema do desenvolvimento.4
jurídico. Tal sistema se coloca como última Entre outras maneiras, vimos que
instância de coordenação e regulação das as instituições afetam o desenvolvimento
atividades das demais instituições. econômico mediante o seu poder reconsti-
Embora esse seja um grupo bastan- tutivo sobre as preferências e aptidões dos
te seleto de instituições, é nele em geral que indivíduos. Em consequência, não só as
a discussão sobre o desenvolvimento eco- organizações e instituições informais têm
nômico se concentra. No que segue, sua papel crucial no desenvolvimento, como as
interação é foco de análise para ilustrar os próprias relações de troca nos mercados
aspectos mesoeconômicos que caracteri- ganham caráter diferente daquele da teoria
zam as relações interinstitucionais. Paretiana. As instituições produtivas buscam
A tradição da literatura do desen- modificar sua posição na competição pela
volvimento econômico tinha clara a neces- renda ao introduzir estratégias inovativas
sidade das instituições para explicar a natu- em produtos e em processos. Schumpeter,
reza dos agentes econômicos e o contexto por exemplo, salientou que os consumidores
estrutural em que as decisões são tomadas. devem ser “ensinados a querer coisas novas, ou
4 Ao pretender ser ilustrativo,
A interação agente-estrutura se realiza em coisas que diferem em um aspecto ou outro daquelas
o que vem a seguir é limitado várias esferas – mercados, firmas e Estado, que tinham o hábito de usar” (1982, p. 48).
tanto na seleção de ideias e por exemplo. O descrédito recente do te- Do ponto de vista das unidades pro-
autores quanto no espaço ma, porém, fez com que as especificidades dutivas, o que se tem é uma heterogeneida-
dedicado a cada um; mas, em de cada instância fossem negligenciadas. de de estratégias, processos produtivos e
assim sendo, o que segue é
também um convite ao leitor As relações entre indivíduos, por exemplo, transacionais. Da mesma forma, e parcial-
para reler tais ideias e autores, foram reduzidas a relações de mercado mente como resultado do próprio processo
e outros que lhe inspirem, mesmo ao se dar dentro do Estado, da fa- de diferenciação organizacional e produtiva,
permitindo-se desfrutar do mília ou da firma, e sem considerar a inter- novos hábitos de consumo são engendra-
“clima” institucional que se
espalha pela disciplina. posição dessas esferas. Já as interações pro- dos. As trocas de mercado tornam-se elas
ticuladas. Há nelas baixa integração e coor- mercado não pode prover por meio
denação de decisões, o que se põe como da criação de instituições redutoras
obstáculo aos encadeamentos necessários de incerteza.
para potencializar um processo cumulativo Myrdal (1957) afirma que o livre jo-
de avanços. Autores neoliberais, recorrendo go das forças de mercado é insuficiente pa-
à figura da mão invisível de Adam Smith ra conduzir o processo de desenvolvimento,
ou às hipóteses restritivas dos mercados podendo, ao contrário, reforçar cumulati-
eficientes, sugerem que o sistema de preços vamente a desigualdade entre países, re-
autorregulado é suficiente para orientar, ar- giões e grupos sociais. Myrdal argumenta
ticular e coordenar as decisões de indivíduos que os governos dos países ricos foram
autointeressados de forma eficiente. “Get- fortes o suficiente para adotar políticas que
ting the prices right” foi o mote para políticas compensavam as forças retrógradas do mer-
econômicas liberais nas décadas de 1980 e cado, de forma a gerar efeitos cumulativos
1990. Poucos economistas, entretanto, de- positivos e dinamizadores em suas econo-
fenderiam que as hipóteses sobre as quais a mias (p. 39). Como sugerem Dietz e Dilmus
eficiência dos mercados se assenta poderiam (1990), seus governos foram capazes de pro-
ser satisfeitas por mercados de verdade nos mover “the correct ‘wrong’ prices”. Já os gover-
países desenvolvidos, quiçá nos países sub- nos de países pobres, por serem fracos, são
desenvolvidos. A autorregulação e os resul- forçados a deixar livres as forças retrógra-
tados harmônicos de interesses e decisões das do mercado de forma que o processo
individuais em mercados livres parecem me- cumulativo reforça o atraso e a desigualda-
nos prováveis quando as relações do mun- de – muito embora seja, sem dúvida, capaz
do real são estabelecidas em condições de de gerar riquezas (Myrdal, 1957, p. 39).
incerteza e complexidade. Como Kregel Friedrich List mostrou com sua aná-
(1980, p. 46, grifos adicionados) observou: lise histórica que os países desenvolvidos de
Sob tais condições, a informação requeri- sua época (Inglaterra, França e Holanda) as-
da para a tomada de decisões racionais sim se tornaram pela atuação do Estado no
não existe; o mecanismo de mercado não desenvolvimento industrial, na diversificação
pode provê-la. Entretanto, assim como a produtiva e na emancipação intelectual de
natureza abomina o vácuo, o sistema eco- seus povos. Assim o fizeram por meio de
nômico abomina a incerteza. O sistema políticas protecionistas de suas indústrias,
reage à falta de informação que o do incentivo fiscal e do investimento públi-
co. Por outro lado, a defesa do laissez-faire 2006). O Estado pode assim orientar, insti-
em países menos desenvolvidos servia pa- gar ou mesmo tomar frente nos empreen-
ra reforçar seu atraso ao chutar a escada pe- dimentos necessários ao processo cumula-
la qual poderiam subir os degraus do de- tivo do desenvolvimento.
senvolvimento (List, 1909; Chang, 2002b). Mas o Estado desenvolvimentista
Países de industrialização atrasada, não deve ser tomado por garantido. Myrdal
mas bem-sucedidos no século XX, como já havia alertado que Estados fracos tendem
EUA, Alemanha e Japão, também fizeram a ser cooptados por grupos de interesse
uso crescente do aparelho estatal para se in- particularistas, que levam à concentração
dustrializarem e desenvolverem. Os estudos de riqueza e a processos cumulativos dege-
de Wade (1990) e Amsden (1989) sobre o nerativos – o que Evans (1995) chamou de
sucesso recente de países asiáticos como “Estado predatório”. Foi contra o Estado
Taiwan e Coreia do Sul deixam evidente predatório que Adam Smith e os liberais de
que o papel do Estado foi crescente onde o sua época se insurgiram. Mas, em meados
processo de desenvolvimento se iniciou do século XX, o Estado opressor já não era
mais tarde. Países de sucesso relativo como o tão predominante mesmo entre os países
Brasil também se apoiaram fortemente em mais pobres. A descolonização era um mo-
inovações institucionais do aparato estatal vimento tanto das massas desses países
e da organização de firmas e mercados pa- quanto do interesse dos países ricos. Polanyi
ra sua industrialização no período de seu (1944) chegou a vislumbrar um novo mun-
surto industrial (Burlamaqui et al., 2007). do no pós-guerra com a difusão do Estado
Não é surpresa que o Estado tenha do Bem-Estar, exatamente pelo exemplo
se tornado historicamente um dos agentes que os países desenvolvidos dariam com
inovadores mais importantes do desenvol- sua prosperidade e relativa harmonia.
vimento econômico. Seu poder de organi- Similarmente, Furtado (1986 e 2002)
zar a estratégia, de integrar institucional- argumenta que o processo de desenvolvi-
mente as habilidades necessárias para a mento não diz respeito apenas a um maior
consecução da tarefa e seu poder de finan- nível de renda, mas à complexidade de ne-
ciamento, investimento e redefinição de di- cessidades engendradas pela diferenciação
reitos de propriedade são ferramentas im- estrutural de cada conjunto social. Segun-
portantes para integrar o potencial isolado de do Furtado (1986, p. 78),
firmas e mercados (Kittsteiner e Ockenfels,
Conclusões
Em nossa epígrafe, John Stuart Mill se
refere à Revolução Francesa. Não é difícil
transpor o raciocínio, por exemplo, para
as revoluções mais cotidianas de destrui-
ção criadora à la Schumpeter. E no coti-
diano se poderá mais facilmente perceber
– como o fez Mill – que as mudanças so-
cioeconômicas dependem dos hábitos e
valores compartilhados pelas pessoas e so-
bre esses são edificadas. Mediadas e mol-
dadas pelas instituições, as formas de in-
teração que estabelecemos manifestarão
os avanços e os obstáculos que marcam o
caminho do desenvolvimento econômico.
Neste ensaio, tentamos organizar al-
gumas das ideias presentes no atual debate
sobre instituições e desenvolvimento. Não
se pretendeu ser exaustivo, obviamente. O
texto tenta fazer alguns encadeamentos im-
portantes e que em geral se encontram dis-
persos numa literatura que cresceu muito
nos últimos 20 anos pelo menos. Há para o
leitor brasileiro em especial uma carência
de textos na própria língua que possam fazer
uma introdução ao tema ou uma síntese
dos principais argumentos sendo discuti-
dos. Ao tentar suprir em parte essa carência,
este ensaio sugere que a releitura institucio-
nalista de alguns clássicos do desenvolvi-
mento econômico pode ser um bom co-
meço para promover e valorizar o debate
no Brasil.
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