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A mesoeconomia do desenvolvimento econômico:

o papel das instituições

Huáscar Pessali
Professor do Departamento de Economia da UFPR
Fabiano Dalto
Professor do Departamento de Economia da UFPR

Resumo Abstract
Palavras-chave
O desenvolvimento econômico depende das Institutions affect economic development,
instituições, desenvolvimento;
instituições e as instituições, ao mesmo tem- and at the same time they are a way to measure
desenvolvimento econômico,
po, são uma medida do desenvolvimento eco- it. Correlation and causality tangle up within a
mudança institucional,
falhas de mercado.
nômico. Assim, correlação e causalidade se circular and cumulative process of changes,
confundem num processo cumulativo e cir- which draws the limits and possibilities for
Classificação JEL D02, O12. cular – uma espiral de mudanças que condi- increased individual freedom. This essay brings
ciona a ampliação das liberdades dos indiví- together some key ideas that relate institutions
duos. A contribuição pretendida por este to economic development and tries to link them
ensaio é reunir e propor uma organização de in such a way as to offer the reader a refreshed
várias idéias dispersas no tema “instituições view of classic themes. The complex and
e desenvolvimento econômico”. Nossa relei- historically diverse relationship among firms,
tura adiciona um breve exemplo da relação markets and the state is used as a short
entre mercados, firmas e estado no âmbito illustration of our attempt at providing an
do desenvolvimento. Isto permite defender institutional reading on economic development.
o retorno a uma análise econômica que não
Key words
se limite às falhas de mercado, mas que enca-
institutions, development, re a responsabilidade de lidar com um ema-
economic development, ranhado mais complexo de interações.
institutional change,
market failure.

JEL Classification D02, O12.

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All political revolutions, not affected by de olhar problemas antigos sobre os quais
foreign conquest, originate in moral revo- já se debruçavam.
lutions. The subversion of established in- Acumulação de capital, aumento da
stitutions is merely one consequence of the força de trabalho, progresso tecnológico,
previous subversion of established opinions. ampliação dos mercados e da divisão do
(John Stuart Mill, 1833)
trabalho – os economistas há muito se inte-
ressam pelas causas mais evidentes do cres-
cimento econômico. Mas, aos poucos, vê-
Introdução se que essa não é mais sua única preocupação
O desenvolvimento voltou a ser tema das – o crescimento econômico é fundamental
discussões em economia. Nos novos deba- para o desenvolvimento econômico, mas
tes, às engrenagens do desenvolvimento não lhe é sinônimo ou condição necessária e
econômico já destacadas na literatura se suficiente. Debates importantes se acoplam
adiciona mais explicitamente a categoria àquele interesse já estabelecido – começamos
das instituições. Não que a houvéssemos a conversar sobre sistemas nacionais de ino-
esquecido, mas voltamos nossos olhares vação, arranjos produtivos, redes de coope-
para apenas uma de suas manifestações – ração, reformas institucionais, direitos de
o mercado. E, com o olhar tão concen- propriedade, dilemas sociais, maldição dos
trado em uma só instituição, já estáva- recursos naturais, entre outras coisas. Com
mos ficando míopes. isso se começa a preencher o espaço teórico
A chamada “Nova Economia Insti- que deixava sem contato a ação do indiví-
tucional” conseguiu reacender o interesse duo e os resultados coletivos que sobre ele
de boa parte da profissão pelo estudo de um se impingem. A interação dos indivíduos e
conjunto mais amplo de instituições. Com os padrões regulares de pensamento e ação
o crescimento do interesse, o Instituciona- que nesse âmbito se estabelecem passam a
lismo Original norte-americano foi tam- ser objeto de investigação mais sistemática.
bém resgatado, bem como as ideias precur- As instituições ganham destaque co-
soras da Escola Histórica alemã. Mais do mo engrenagem importante do desenvol-
que um debate escolástico, porém, o inte- vimento, ao mesmo tempo em que podem
resse dos economistas por um novo tema ser vistas como uma de suas medidas. Cor-
de estudo levou a releituras de textos im- relação e causalidade se imiscuem num pro-
portantes em várias áreas e a novas formas cesso cumulativo e circular – uma espiral

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de mudanças rumo à ampliação do bem- sencialmente como estruturas sociais que


estar e da liberdade dos indivíduos. restringem a ação humana. Uma versão bas-
Ao contrário das tradicionais áreas de tante conhecida dessa definição é a pro-
macro e microeconomia, essa mesoecono- posta por North (1990, p. 3), que descreve
mia não conseguiu ainda ser colocada num instituições como “as regras do jogo em uma so-
livro-texto. O leitor interessado vai encon- ciedade ou […] as restrições criadas pelos homens
trar obras clássicas voltadas a partes do te- que dão forma à interação humana”.
ma ou outros textos que sistematizam parte A outra visão é mais inclusiva, en-
da discussão para aplicá-la a um caso de in- campando não só o caráter limitador, mas
teresse. A contribuição pretendida por este também o caráter motivador e formativo
ensaio é reunir e propor uma organização das instituições como estruturas sociais que
de várias ideias mais ou menos dispersas capacitam e impelem indivíduos a tomar
no tema “instituições e desenvolvimento certos cursos de ação. Assim, instituições
econômico”. Para tanto, fazemos primeiro são vistas como sistemas duráveis de re-
uma discussão conceitual sobre institui- gras sociais que estruturam a interação so-
ções e suas características (seções 1 e 2). cial ao restringir, orientar e formatar o com-
Em seguida, a relação entre instituições e portamento humano. Commons (1924,
tecnologia é incorporada à discussão (se- p. 70), por exemplo, definiu-as como “ações
ção 3). Essa é uma relação importante, em- coletivas controlando, desobstruindo e expandindo
bora não a única, para lidar com o tema da ações individuais”. O filósofo norte-america-
mudança institucional (seção 4). Isso nos no John Searle também as define de modo
dá embasamento para discutir a conexão mais construtivo:
entre mudança institucional e desenvolvi-
Instituições humanas são, acima de tudo,
mento (seção 5). Tal discussão é ilustrada capacitadoras, porque criam poder –
com uma breve releitura da relação entre um tipo especial de poder. É o poder que se
mercados, firmas e Estado, no âmbito do realça em palavras como: direitos, encar-
desenvolvimento econômico (seção 6). A gos, obrigações, autorizações, permissões,
isso seguem alguns comentários finais. delegação de poderes, exigências e certifica-
ções (Searle, 2005, p. 10: ênfase original).
1_ O que são instituições As duas visões têm lá suas diferen-
A noção de instituições gravita em ças de fundo significativas. Em comum,
torno de duas visões. Uma as caracteriza es- porém, pode-se dizer que se concentram

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sobre objetos bastante semelhantes. Mo- dutoras da incerteza ambiental em que


delos mentais compartilhados, convenções agentes racionalmente limitados devem in-
sociais, regras de conduta, códigos legais e teragir, orientando e delimitando padrões
organizações sociais são alguns exemplos de de comportamento, balizando expectativas
instituições que se encaixam em ambas as e impondo custos para ações desviantes.
visões. Assim, em termos mais concretos, a Os contratos monetários (de salário, por
valorização social da eficiência produtiva, exemplo), bem como acordos comerciais
uma congregação unida por uma fé comum, ou de administração de preços, são exem-
o dinheiro, o código civil, certo modelo de plos de instituições que servem a tal pro-
teoria econômica, as práticas comerciais num pósito (Earp e Rocha, 1995, p. 33). As
país ou região e as firmas em funcionamen- instituições podem também reduzir a com-
to em certo mercado podem ser analisados plexidade do ambiente, tornando previsí-
como instituições. O analista não se deve sur- veis certas ações de indivíduos e grupos.
preender ao encontrar instituições dentro Da mesma forma, as instituições podem
de instituições, hierarquias de instituições, ou ainda filtrar e prover informações e esta-
outras formas de conjugação entre elas. A belecer certo curso de resolução de pro-
valorização social da eficiência produtiva blemas ou conflitos que evite ações des-
em firmas e repartições públicas ou o mo- trutivas ou improdutivas.
delo de metas de inflação dentro do Banco Finalmente, entre seus aspectos fun-
Central são exemplos disso. Ao estudioso cionais, instituições trazem consigo efeitos
caberá a responsabilidade de delimitar o distributivos. O sistema fiscal de um país,
objeto de interesse. com tributos e despesas governamentais, é
um claro exemplo disso. Dessa forma, se-
guindo Chang (2007), pode-se dizer que as
2_ Instituições: origem, instituições desempenham várias funções
forma e função na coordenação e administração de agentes
Também de maneira geral, ambas as vi- e recursos, nos processos de aprendizagem
sões tentam identificar três dimensões im- e inovação tecnológica, na distribuição de
portantes das instituições: como surgem, ônus e bônus, e na integração e coesão so-
de que forma se manifestam, e que fun- cial, entre outras.
ções desempenham. Por exemplo, várias Com respeito à configuração das ins-
instituições desempenham o papel de re- tituições, é possível que elas sejam formais

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ou informais. Instituições informais em geral a própria instituição. Portanto, são institui-


carecem de registros e representações físi- ções que estabelecem relações de poder e
cas como sedes e números. Embora possa autoridade, garantindo a um grupo de pes-
haver nelas características hierárquicas, não soas soberania para definir, interpretar e
é incomum que cada participante seja res- aplicar regras que influenciarão as ações de
ponsável por policiar, perpetuar, adaptar e outras (Dugger, 1980).
penalizar o comportamento próprio e o É comum imaginarmos que o con-
alheio. Em certas culturas ou mercados, por trole das instituições informais seja mais
exemplo, regatear preços é uma prática co- amplamente distribuído, de forma que insti-
mum e esperada, resultando numa prática tuições surjam e se modifiquem de manei-
de determinação de preços diferente do que ra descentralizada. Mas mesmo instituições
se faz em certas culturas ou mercados em informais podem conter hierarquias pró-
que o preço da etiqueta não é negociável. prias entre os agentes nela engajados (e.g.
Instituições formais são, por sua vez, famílias patri ou matriarcais, ou pessoas in-
caracterizadas pela preocupação em legiti- fluentes em grupos de consumo). Elas tam-
mar e fazer explícitas, geralmente de modo bém podem ter interações hierárquicas mais
escrito, regras e consequências aplicáveis a complexas envolvendo outras instituições.
certo campo de ação humana (Redmond, Por exemplo, a língua falada num país de-
2005b). Ao entender que certas fusões e pende parcialmente dos meios de comunica-
aquisições concentram em demasia a oferta ção, que são organizações formais contro-
em certo mercado, pode-se criar um apara- ladas por grupos com as próprias formas
to legal antitruste que analise casos rele- linguísticas. Igualmente, pessoas que passa-
vantes e possa impedir tal concentração. ram pelo sistema educacional – uma insti-
Em ambas as formas, as instituições tuição formal e hierarquizada – tendem a
podem conter estruturas de influência com adotar formas linguísticas mais formais.
algum grau de exclusão (e.g. no que se refe- Pessoas sem escolaridade ou com menor
re a quantas pessoas, ou quem tem legitimi- escolaridade tendem a reconhecer a “supe-
dade para fazer as leis, comandar uma or- rioridade” da língua falada por pessoas de
ganização, ou impor sanções). Várias delas maior escolaridade.
possuem ou estabelecem certa hierarquia No que se refere à origem, há auto-
que garante ou delimita poderes de atua- res que partem do indivíduo e sua interação
ção, inclusive os que se relacionam a mudar para explicar como surgem instituições, nu-

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ma abordagem conhecida por “individualis- ter havido semelhanças de modelos men-


mo metodológico” (e.g. Hayek, 1948; North, tais entre indivíduos isolados. Ao assumir a
1993; Denzau e North, 1994). Para North, existência dos modelos mentais dos indiví-
por exemplo, cada pessoa interpreta o mun- duos, a versão “individualista” se apoia,
do de acordo com seu modelo mental – por exemplo, em uma instituição previa-
construído por processos que ainda estamos mente existente, a linguagem, para poder
longe de conhecer. Mas tanto as experiên- explicar como um modelo mental pode ser
cias pelas quais a pessoa passa quanto as in- disseminado ou apreendido.
formações que lhe chegam são originadas e Diante de tal dificuldade, há auto-
imiscuídas no ambiente que a rodeia. As ge- res que partem das instituições para expli-
rações passadas transmitem seus modelos car outras instituições (e.g. Douglas, 1986;
mentais e os consequentes hábitos, concei- Zysman, 1994; Hodgson, 2003). Segundo
tos, valores, métodos de absorção de conhe- Geoff Hodgson, a formação de qualquer
cimento, regras de conduta e outras institui- instituição requer ao menos uma instituição
ções através da linguagem (esta, em si, uma prévia, a linguagem. Partir das instituições
instituição primordial). Há, no agregado, para explicar as instituições não significa
uma miscelânea dos modelos mentais de negligenciar a autonomia dos indivíduos
cada indivíduo com sua concepção do mun- na conformação dessas. Em outras pala-
do em que vive. As mais fortes semelhanças vras, avançar com relação ao individualis-
entre esses modelos mentais dão origem a mo metodológico não implica assumir um
costumes, mitos, cerimoniais, tabus e cre- coletivismo metodológico que suprime a
dos que identificamos por culturas. E a cul- agência individual (Hodgson, 2007). Trata-
tura é um determinante na conformação se apenas de reconhecer que, nas socieda-
das instituições, loci da predominância de des modernas, todos nascemos num mun-
um ou alguns modelos mentais. Assim, do com instituições estabelecidas, e discutir
instituições surgem predominantemente a como surgiu a primeira instituição seria um
partir da interação espontânea de indivídu- insolúvel problema de regressão infinita no
os com modelos mentais semelhantes. estilo “quem veio primeiro, o ovo ou a gali-
A visão “individualista” do surgi- nha?” (Adams, 1993).
mento das instituições, entretanto, deixa sem Nessa visão, a análise do papel dos
explicação como os modelos mentais ori- indivíduos na mudança institucional ganha
ginais vieram a existir e, mais, como poderia em complexidade, uma vez que é preciso

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perquirir sobre o contexto institucional em com as normas que favorecem o status quo.
que certas preferências individuais emergem, Como resultado de seu caráter inercial, as
e, a partir daí, explicar por quais mecanis- instituições serviriam, então, apenas co-
mos institucionais os indivíduos tentam mo empecilho aos avanços da tecnologia,
promover as mudanças institucionais em inibindo mudanças tecnológicas, freando
análise, com quais possíveis objetivos, e as- o desenvolvimento e o progresso social.
sim por diante. Assim, as instituições vi- É como se cada uma representasse uma
gentes influenciam o indivíduo e, em se- face de Janus – a figura mitológica roma-
guida, o indivíduo se torna um potencial na de duas faces que se opõem, uma vol-
agente de mudança institucional. tada para a vida primitiva e a outra para a
civilização. Essa visão parece ter se ali-
3_ Instituições e tecnologia mentado injustamente do que ficou co-
A literatura sobre desenvolvimento econô- nhecido por “dicotomia Ayres-Veblenia-
mico há muito tem dado devida ênfase ao na” (vide Pessali e Fernández, 2006).
papel do conhecimento e do progresso tec- Há, porém, motivos para se pensar
nológico no processo de desenvolvimento diferente. Primeiro, o progresso tecnológi-
econômico. Menos enfatizado, contudo, co não está isento da inércia produzida pela
principalmente na literatura ortodoxa mais própria tecnologia pregressa. Dessa forma,
recente, é o papel que as instituições de- a própria introdução de certas tecnologias
sempenham na geração de conhecimento físicas pode envolver parâmetros mais ou
e de difusão do progresso técnico. Vale res- menos rígidos para a introdução de novas
saltar ainda que, quando alguma atenção tecnologias, i.e. lock-ins. Por exemplo, a bi-
é dada ao papel das instituições nesse tola dos trilhos de trem ainda reproduz a
processo, não é raro considerá-las como tecnologia das velhas carroças puxadas por
fator de inércia que retarda o desenvolvi- animais. Fosse a bitola aumentada, a pro-
mento econômico. Enquanto, de um lado, dutividade do transporte ferroviário pode-
é bastante difundida a ideia de que a tec- ria ter crescido ao utilizar vagões de maior
nologia seria uma categoria pura e indife- capacidade. Segundo, a tecnologia, em qual-
rente a interesses particulares ou de classe quer das definições já tentadas, tanto resolve
e que serviria apenas ao propósito do au- quanto cria problemas. A siderurgia permi-
mento da produtividade, as instituições te a obtenção do aço; o aço laminado serve
são, por vezes, associadas tão somente à fabricação de automóveis, que auxiliam

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no transporte humano e de bens. Ao mes- mação do conhecimento, e ações coletivas


mo tempo, a siderurgia produz gases e par- públicas). As tecnologias podem dar mar-
tículas prejudiciais à saúde e degrada o me- gem ao que Junker (1982) e Bush (1987)
io ambiente na extração dos minérios que chamaram de “cercamento cerimonial”, ou
lhe servem de insumo. seja, o aproveitamento da tecnologia para
Numa sociedade em que prevaleça fins inibidores do bem-estar coletivo. Uma
a cultura pecuniária, instituições como o tecnologia pode ser criada e controlada por
dinheiro podem facilitar a resolução de grupos de interesse que se apropriam de
problemas coletivos (e.g. provisão de bens forma concentrada dos benefícios por ela
públicos), assim como ganhos monetários gerados ao conseguir criar um aparato ins-
prometidos por oportunidades de lucros titucional voltado a esse fim. Ou seja, certas
podem incentivar investimentos em novas tecnologias podem ser mais permissivas ao
tecnologias. Por outro lado, a busca extre- cercamento cerimonial (e.g. transgenia) que
mada pelo dinheiro (seja por desvios psi- outras (e.g. internet), por um período rele-
cológicos engendrados pela própria cultura vante de tempo.
pecuniária, seja por outras razões como a Terceiro, para discutir a geração de
incerteza keynesiana) pode levar a crises fi- conhecimento e de progresso tecnológico,
nanceiras ou à desagregação social, como é mister que nos preparemos para enten-
por exemplo as derivadas de elevados níve- der sua relação com o que se entende por
is de desemprego. mudanças institucionais. A tecnologia co-
Ressalte-se também que as tecnolo- mo aplicação sistemática de conhecimento
gias não são necessariamente neutras em às atividades produtivas está ela mesma
termos de quem vai se beneficiar com seu emaranhada num sistema de hábitos de
uso. A discussão em andamento sobre a pensamento comuns a uma sociedade. O
tecnologia de transgênicos na agricultura é conhecimento é algo moldado por valores,
um caso exemplar. O futuro dessa tecnolo- costumes, teorias e tradições compartilha-
gia, a decorrente divisão dos benefícios ge- dos por uma comunidade – suas institui-
rados e o desempenho de boa parte da ções. Por fim, as instituições não apenas
agricultura de grãos vão depender do apa- determinam limites. Elas também promo-
rato institucional negociado ao longo do vem mudanças à medida que moldam o
processo e de sua posterior atuação (e.g. re- conhecimento e sua aplicação à resolução
gulação legal, órgãos de controle e legiti- de problemas. Por exemplo, mudanças or-

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ganizacionais dentro das empresas que re- meio ambiente levaram à criação de órgãos
definam papéis, obrigações e responsabili- como o Ibama e ao desenvolvimento de
dades parecem tão importantes para a pro- tecnologias que amenizam o impacto ne-
dutividade do trabalho quanto a introdução gativo de várias atividades produtivas ao
de uma nova máquina na linha de produ- meio ambiente.
ção. A recente preocupação com sistemas Não é preciso, portanto, interpretar
de inovação, que lidam com a conjugação as instituições como em essência limitado-
de diversas instituições em prol de maior ras, e a tecnologia como libertadora, com a
capacidade inovativa de países, regiões ou primeira emperrando o desenvolvimento
setores industriais, também demonstra o da segunda. Mesmo autores que preferem
caráter construtivo das instituições. concentrar-se no papel do progresso tec-
Por um lado, pode-se dizer que cer- nológico no desenvolvimento começam a
tos padrões de comportamento social são reconhecer a necessidade de se analisar mais
resultado do alinhamento dos agentes com positivamente e completamente o papel das
a produção e o uso de tecnologias moder- instituições na produção e difusão do co-
nas (Foster, 1981; Redmond, 2005a; Nel- nhecimento. Richard Nelson, por exemplo,
son, 2005). Ou seja, instituições precisam propõe que
ser desenvolvidas ou modificadas para via- ‘conhecer’ as tecnologias sociais [como Nel-
bilizar ou condicionar o progresso técnico. son denomina instituições] prevale-
As instituições legais que garantem ao ca- centes, e o que elas permitem e impedem é
pitalista empregar o trabalho, por exemplo, tão importante quanto ‘conhecer’ as tecno-
são essenciais ao progresso industrial mo- logias físicas disponíveis na determinação
derno (e.g. para a viabilização do sistema do conjunto de ‘escolhas’ disponíveis que
de produção fabril). Essas são mudanças agentes particulares enfrentam (Nelson, 2005,
p. 159).
tecnológicas e institucionais promovidas
pela oferta de tecnologia. Ou seja, tanto as instituições quanto as
Por outro lado, pode-se perceber tecnologias em si lembram Janus. O de-
que certos hábitos, valores socialmente es- safio do desenvolvimento, em sua con-
tabelecidos e instituições formais que deles cepção moderna da ampliação das liber-
derivam acabam por promover a mudança dades e do bem-estar (Sen, 1999), é fazer
tecnológica. O instinto de autopreserva- com que os dois caminhem com a mes-
ção e a preocupação com a degradação do ma face voltada para esses fins.

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4_ Mudança institucional Mudanças em uma instituição envol-


O processo de desenvolvimento é reco- vem em geral dois processos: imposição
nhecidamente um processo de ruptura (legítima ou não) ou persuasão de grupos
com padrões existentes (Schumpeter, 1982; de indivíduos envolvidos. A inadequação
Hirschman, 1958; Furtado, 1986). Argu- de uma instituição a certos propósitos a ela
mentamos que o desenvolvimento eco- confiados gera desconforto e insatisfação.
nômico envolve, necessariamente, mudan- Esses se manifestam de diversas formas:
ças institucionais. Nesse sentido, é funda- voz e saída são duas delas, como sugere
mental atentar para alguns elementos defi- Hirschman (1970). A voz é uma opção ne-
nidores dessa dinâmica de mutação. gociada, em que as partes envolvidas se co-
Uma instituição desenvolve certa ca- municam de modo a fazer com que a causa
pacidade de resolução de problemas espe- da insatisfação seja investigada, atenuada
cíficos e gera certo resultado distributivo ou eliminada. Na opção saída, as pessoas
em termos de quem arca com seus custos e ou grupos insatisfeitos abandonam a insti-
quem, e em que medida, dela se beneficia. tuição, ratificando sua inadequação ou in-
É decorrente imaginar que demandas di- capacidade de satisfazer certos propósitos.
versas de redistribuição de custos e bene- Em instituições informais, por exemplo,
fícios hão de surgir com frequência. Tais quando em geral não há um fórum explícito
demandas implicam uma possibilidade de de coordenação, a opção voz é muito cus-
revisão coletiva de modelos mentais, de re- tosa para o indivíduo, e a opção saída é mais
negociação, inércia, resistência e oposição. incidente.1 A lealdade, outro elemento con-
Portanto, assim como a mudança tecnoló- siderado por Hirschman, pode ser identifi-
gica, a mudança institucional é um proces- cado como uma manifestação da confiança
so de destruição criadora. Em muitos ca- no modelo mental em prática. Isso pode
sos, na verdade, o melhor termo parece ser significar tanto um elemento de inércia e
corrosão criadora. Afinal, instituições são, mudanças graduais, quando as deficiências
por definição, estruturas com estabilidade notadas parecem ter correção, quanto um
e algum grau de inércia (o conhecimento e elemento de mudança radical, quando as
a tecnologia também) que em geral permi- deficiências notadas desviam a instituição 1 Muitos dos chamados

tem mudanças graduais e paulatinas (Veb- do que se entende ser a concepção maior, à dilemas sociais (Olson, 1965)
len, 1919). qual os indivíduos se sentem leais. podem ser situados aqui.

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Tais manifestações podem se con- flito prevaleça, faz-se preciso algum tipo
cretizar a partir de elementos diversos. Al- de coordenação de ações. Isso pode ser
guns deles são vistos a seguir em sua capa- obtido por meio da constituição de insti-
cidade de influenciar as mudanças institu- tuições formais ou informais. E, a de-
cionais. pender da instituição que se estabelecer,
diferentes resultados estáveis podem sur-
4.1_ Conflito, cooperação e custos
gir, cada qual com efeitos distributivos
na mudança institucional peculiares (Bowles, 2004).
Isso sugere que a mudança institu-
Em nosso cotidiano, as instituições – cional não é um processo sem custos. Além
principalmente as de caráter eminente- dos custos de oportunidade de qualquer
mente econômico – são uma tentativa de esforço despendido na sua construção, a
criar alguma ordem estável em situações mudança institucional se sujeita a proble-
potencialmente conflitantes de forma a mas característicos de ação coletiva, como
se conseguir ganhos mútuos (Commons, falhas de coordenação e free-riding (Olson,
1950; Williamson, 1985). O Estado mo- 1965). Os custos de uma mudança institu-
derno ilustra tal situação. Há, por exem- cional vêm de pelo menos três frentes.
plo, conflito de interesse quanto à inci- Uma dessas frentes envolve a mobi-
dência de tributos nos vários setores da lização e persuasão coletiva. Isso se aplica,
atividade econômica. Através de sua legi- por exemplo, a:
timação legal ou do monopólio legal da
força, porém, o estado consegue estabe- i. grupos de pressão, como lobbies po-
lecer uma ordem tributária de modo a le- líticos, entidades de defesa de di-
var a cabo soluções para certos proble- reitos específicos, associações clas-
2 Por exemplo, uma mas coletivos – e.g. subsidiar um sistema sistas ou patronais, ou usuários/
prefeitura pode introduzir coletivo de saúde. A mudança institucio- produtores de certo produto;
uma taxa sobre a circulação nal (ou o estabelecimento de uma institu- ii. grupos vistos como legítimos para
de veículos no centro da
cidade para reduzir o ição onde inexiste uma) vai bulir com um conduzir a mudança, como uma
congestionamento e a estado de coisas em que as pessoas se jul- Câmara Legislativa, o quadro ges-
poluição e provocar gam estar bem ou mal.2 Vê-se, por isso, tor de uma entidade, líderes de
descontentamento entre grupos sociais, ou conselhos po-
que o conflito de interesses é algo poten-
proprietários de automóveis
e comerciantes do centro. cialmente comum. Para evitar que o con- pulares;

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22 A mesoeconomia do desenvolvimento econômico

iii. indivíduos influentes em certas es- raro encontrar, por exemplo, o problema do
feras sociais de interesse. carona. Se os custos totais da mudança re-
caem sobre alguns dos interessados enquanto
A segunda frente envolve os gastos
outros se isentam, a mudança pode encon-
de negociação com as demais partes envol-
trar certos obstáculos. Ao analisar a reforma
vidas (e.g. reuniões, concessões e batalhas
do sistema portuário brasileiro defendida
jurídicas). Como alerta Schelling (1984), es-
pelos setores exportadores, por exemplo,
sa frente pode envolver os esforços em se
Doctor (2004) registrou as dificuldades de
dissolver, quebrar ou neutralizar a coope-
coordenação entre os vários entes interes-
ração indesejável entre certas partes e que
sados e a carona pega por alguns deles
oblitera a mudança (e.g. máfias, cartéis, mo-
quando se fez necessário despender recur-
bilizações sociais ou lobbies políticos con-
sos e usar capital político.
trários, etc.). A terceira frente envolve os
custos de confecção de uma alternativa à Vê-se, assim, que as mudanças insti-
forma institucional vigente. Pode-se imagi- tucionais se condicionam em algum grau às
nar, como exemplos aqui, a instituição de instituições prévias. Muitas vezes, porém, tais
um Banco Central, a remodelagem de um condicionantes se mostram um pesado far-
sistema nacional de inovação, a reestrutu- do, e os problemas de coordenação se fa-
ração das rotinas ou dos departamentos de zem intransponíveis pelo simples problema
uma empresa, a condução de estudos cien- de insuficiência de recursos à disposição
tíficos e sua divulgação em mídias diversas dos novos interesses. Ou seja, há situações
para convencer as pessoas a mudar um há- em que o crescimento ou a redistribuição
bito de consumo, ou mesmo a construção da riqueza (mesmo que limitada a certos
de um aparato de governança paralelo ao grupos) é condição prévia necessária à mu-
existente para evitar os custos da mudança dança institucional. A tentativa de construir
institucional no aparato já existente (como instituições propícias ao crescimento eco-
ilustra Bueno, 2009). nômico e a uma melhor distribuição de seus
O aspecto distributivo dos custos da frutos pode não vingar se não houver um
mudança institucional é também um con- aumento prévio ou concomitante da rique-
dicionante importante. Quando se coloca a za, ou mesmo seu redirecionamento osten-
questão sobre quem vai arcar com tais cus- sivo para que tais instituições possam ser
tos e quem vai obter os benefícios, não é mantidas por um período infante.

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4.2_ Esferas de criação e negociação direitos de propriedade e os instrumentos


da mudança institucional de sua garantia e execução – um conjunto
Como temos discutido, mudanças insti- amplo de instituições – são elementos inex-
tucionais resultam de interação, negocia- trincáveis da transação econômica.
ção, legitimação e, em várias ocasiões, im- De acordo com Commons (1950),
posição (Scott, 2007). Considere, em de- são três os tipos de transação a se conside-
corrência, a análise de John Commons em rar no estudo da organização das socieda-
termos de transações. Para Commons, a des para a produção e distribuição de ri-
transação envolve a transferência de pro- quezas. São elas a transação de barganha, a
priedade e dos direitos nela incorpora- gerencial e a de distribuição.
dos. Em termos vivos, isso significa pes- A transação de barganha em sua for-
soas (ou grupos) que entram em relação ma mais simples envolve a transferência dos
entre si discutindo, entre outras questões, direitos de propriedade sobre bens escassos
as atribuições de direitos e deveres sobre entre participantes iguais perante a lei (mas
coisas. Commons pretendia não necessariamente iguais em termos eco-
entender a resolução de conflitos de inte- nômicos) num mercado. Há no mínimo
resses [...] que na ausência de instituições cinco agentes envolvidos: dois ofertantes e
serão resolvidos pela violência privada em dois demandantes, caracterizando um am-
detrimento da eficiência produtiva (Ruther- biente competitivo, e um “soberano” ca-
ford, 1994, p. 101). paz de resolver disputas (McClintock, 1987).
A resolução de conflitos pode vir A transação gerencial envolve a pro-
através de um sistema jurídico ou de regras moção da eficiência tecnológica e a geração
informais, e estas podem ou não incentivar de riqueza nos processos produtivos através
a eficiência econômica e alguma forma de do comando de superiores hierárquicos, as-
equidade. A própria estruturação de um sim reconhecidos pela lei. As relações lega-
sistema jurídico se constitui na resolução lizadas de trabalho são um exemplo típico.
de conflitos entre agentes providos assime- A transação de distribuição envolve
tricamente dos vários instrumentos para a decisão de superiores legais sobre a divi-
tal (e.g. posição social, dotação de recursos são de custos e benefícios da reprodução
e informações, poder econômico e capaci- social. Ela é típica da atuação de conselhos
dade de persuasão ou coação). Assim, a ins- administrativos nas firmas, de sindicatos
tância e a forma em que são definidos os de trabalhadores, do sistema judiciário, e

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24 A mesoeconomia do desenvolvimento econômico

principalmente de legislaturas, entre ou- justamente quando as várias esferas tran-


tros. Sua execução depende do exercício da sacionais conduzem a tal ampliação de for-
soberania – vista como “ação coletiva que defi- ma abrangente.
ne direitos, resolve disputas e monitora desempe- Aoki (2007), numa perspectiva com-
nhos” (Dugger, 1993, p. 189). patível, organiza as esferas da distribuição,
Segundo Commons (1950, p. 52): da gerência e da barganha em 4 domínios:
o domínio das transações econômicas, das
O indivíduo [...] confronta a soberania
responsável por criar e transferir as pro-
transações organizacionais, das transações
priedades [...] é confrontado por competi- políticas e das transações sociais. Embora
dores que tentam tirar dele sua subsis- possa haver hierarquias entre elas, todas
tência ou riqueza por métodos justos ou podem sofrer influência umas das outras.
injustos [...] é confrontado com o poder de Isso pode acontecer tanto de forma propo-
barganha de outros, comparados com seu sital quanto de forma espontânea. A diferen-
próprio poder de barganha. Ele está preso ça está na presença ou não de um indivíduo
em uma repetição esperada de transações ou grupo de destaque (e.g. um empresário
dentro das quais ele busca conseguir tanta ou uma firma capitalista ou um grupo com
liberdade e propriedade quanto puder. certa identidade social, política ou cultural)
Os mercados, por exemplo, são ins- que difunde novas ideias e práticas com um
tituições erigidas pela ação coletiva huma- fim claro de validar, estimular, estabelecer e
na e funcionam de acordo com princípios disseminar padrões de comportamento so-
de direitos de propriedade, de resolução de cial, valores públicos ou modelos mentais.
conflitos, e de performance e distribuição Considere que indivíduos e coali-
delineados por indivíduos e grupos bem zões buscam melhorias de suas condições,
posicionados nas três esferas de transação. e que sua busca pode ser movida por diver-
As partes envolvidas buscarão a ampliação sos princípios – e.g. amor ao próximo ou a
de sua liberdade e de suas riquezas. A con- si mesmo, curiosidade vã ou instinto de
cepção moderna de desenvolvimento se construção (Veblen, 1898a). Assim surgem
caracteriza justamente pela ampliação da li- novas ideias sobre como recursos podem
berdade das pessoas, o que inclui a amplia- ser combinados para a solução de proble-
ção dos recursos materiais que atendam as mas, que podem ser tangíveis ou não, téc-
suas necessidades de sobrevivência e bem- nicos ou relacionais. A noção schumpeteri-
estar. O desenvolvimento econômico ocorre ana de inovação, portanto, aplica-se a todos

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os domínios sistematizados por Aoki. Quan- distribuição à motivação individual. A mo-


do tais ideias (ou ideias postas em prática) tivação para a mudança precisa gerar uma
conseguem coletivizar-se, ou seja, mais in- ideia alternativa. Essa ideia pode se propa-
divíduos se convencem de que a nova ideia gar de forma espontânea e beneficiar uma
pode ser melhor que a já instituída, ou por coletividade sem que os ganhos sejam in-
outros motivos passam a adotá-la, materia- ternalizados apenas por subgrupos.
liza-se uma mudança institucional. Tais mu- Há, de outro modo, outras formas
danças não se confinam necessariamente a de propagação e coletivização de novas
um domínio. Muitas vezes, de fato, elas ideias e práticas. Indivíduos ou grupos que
transbordam seu domínio de origem. têm por motivação a potencial apropriação
Isso não quer dizer, por um lado, que de uma fatia de benefícios maior que seus
se assume o indivíduo, ou melhor, uma vi- esforços, ou por algum outro motivo a dis-
são de “self-made person”, como ponto de par- posição de custear esforços maiores que os
tida. O indivíduo criativo vive num mundo benefícios a si apropriáveis, tentam propo-
institucionalizado, e é ele mesmo instituci- sitadamente persuadir outros dos benefícios
onalizado. Isso, por outro lado, não quer de uma nova instituição. Cria-se, assim, uma
dizer que ele seja escravo de um conjunto espécie de coalizão – um grupo com conhe-
inquebrantável de estruturas que o contro- cimentos, interesses e hábitos de pensa-
la de forma determinística. Suas ideias têm mento razoavelmente confluentes no que
sempre por baliza algo já estabelecido, mes- tange ao domínio institucional em questão
mo que nele se baseiem justamente para se – que tem incentivos para levar à frente os
opor. Ou seja, instituições do presente fil- custos de mobilização e persuasão mais
tram informações, estabelecem prioridades ampla para que as novas ideias ou práticas
para a resolução de problemas e disponibi- sejam adotadas.
lizam conhecimento que tem algum im-
pacto na criação de outras ideias por parte
dos indivíduos. 5_ Mudança institucional
A mudança institucional, então, de- e desenvolvimento econômico
pende do funcionamento das instituições A análise histórica indica que a divisão do
existentes, da sua distribuição de ônus e be- trabalho e a consequente especialização
nefícios transacionais entre os indivíduos e das forças produtivas têm sido extrema-
grupos envolvidos, e da adequação dessa mente relevantes ao crescimento da gera-

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26 A mesoeconomia do desenvolvimento econômico

ção de riquezas. Em decorrência, cresce- dade de processar informações para com-


ram a interdependência das pessoas e a parar as opções de troca que chegam a
complexidade do ambiente econômico. conhecer de forma incompleta. Adicional-
Diferentes economias, embebidas em di- mente, eles podem se deparar, por exemplo,
ferentes culturas, criaram diferentes ins- com indivíduos oportunistas que tiram van-
tituições para lidar com tal complexidade tagem da assimetria de informações ou que
com base em modelos mentais que lhes se aproveitam da incompletude ou má defi-
foram particulares e mais ou menos ho- nição dos direitos de propriedade (Akerlof,
mogêneos (Ostrom, 2005 e 2007). Vários 1970; Williamson, 1975).
sistemas de organização econômica para Decorre daí que os mercados perfei-
a produção e troca auxiliados em maior tamente competitivos a que economistas
ou menor grau pelo mecanismo de preços costumam se referir – com informação ple-
surgiram ao longo do tempo na tentativa na, participação atomística dos agentes e
de garantir os benefícios do comércio custo zero de transação – não podem ser
ampliado pela maior divisão do trabalho. reproduzidos na vida real. Uma solução
No entanto, essa mesma complexi- teórica para esse problema é assumir a racio-
dade faz com que o indivíduo tenha mais nalidade instrumental dos indivíduos. Com
dificuldade para lidar com uma quantidade ela, os agentes da teoria corrigem pronta-
cada vez maior de informações em seu am- mente seus modelos em caso de feedback
biente (Simon, 1971). Não apenas isso, mas negativo com a realidade. Segundo North
indivíduos terão informações diferentes uns (1993, p. 8), os feedbacks também se dão na
dos outros e lhes será em algum grau one- forma de informação incompleta e assimetri-
roso obter mais informações. E, mesmo camente distribuídas, filtradas por modelos
que fosse possível ter mais informação, o mentais de indivíduos com racionalidade
indivíduo não teria capacidade mental sufi- limitada. Assim, na sequência de intera-
ciente para processá-la e derivar todas as ções, teremos uma espiral de ações e insti-
suas implicações – sua racionalidade é limi- tuições não eficientes no sentido ótimo.
tada. E considere ainda que cada indivíduo Deste modo, a evolução das institu-
tem o próprio modelo mental para filtrar as ições e sua influência sobre o desempe-
informações (Arthur, 1994). nho econômico dependem do aprendizado
Num ambiente complexo e incerto, pelo qual as pessoas passam em seu con-
os agentes têm de usar sua limitada capaci- texto e que se propaga pelas instâncias em

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que atuam no esforço de melhorar suas de e crescimento econômico” (North, 1993, p. 256).
condições de vida. Como salienta Hodgson Já nas últimas, “controles políticos burocráticos e cen-
(1999), o aprendizado reconstitui o indiví- tralizados, e regulação detalhada das economias foram
duo em termos de valores e preferências. levadas às colônias e persistiram após a indepen-
North (1993, p. 10) dá o exemplo dência” (North, 1993, p. 256). Esse conjun-
em que uma estrutura institucional recom- to de instituições levou “não só à instabilidade
pensa a pirataria, já que foi criada e susten- política, mas à relativamente fraca performance eco-
tada por ações dessa natureza. O reflexo é nômica” (North, 1993, p. 256).
que os “jogadores” ou as organizações vol- Não se quer dizer que um país ou
tarão seus esforços para aprender a ser bons região voltado à pirataria não seja capaz de
piratas. Enquanto isso, outra estrutura ins- atingir o crescimento econômico. Com re-
titucional apoia atividades que aumentem a lação a isso, basta ver na história o que
produtividade da economia – de cujo refle- aconteceu com alguns países “piratas”, como
xo seria o crescimento econômico. as versões marítimas de França, Holanda e
Ao criar oportunidades e incentivos Inglaterra, entre os séculos XV e XVII, a
para atividades lucrativas durante sua vi- versão norte-americana do incentivo à pi-
gência, as instituições acabam gerando (e rataria intelectual, no século XVIII (Ben-
sendo elas mesmas) estruturas com sunk Atar, 2004), ou as versões contemporâneas
costs, que indicam um caminho de outras do Japão, no pós-guerra, ou da China, desde
oportunidades a se abrir ao longo do tem- a década de 1990. Tal país ou região, porém,
po. Essa é uma forma de evidenciar a ca- vai depender de outrem que se dedique a
racterística de path dependence das estruturas produzir riquezas e seja incapaz de prote-
institucionais. É por intermédio dessa ótica gê-las. Isso pode acontecer pelo menos até
que North explica o desempenho contras- que haja aprendizado dos indivíduos e uma
tante entre a economia britânica e a de suas correspondente mudança institucional numa
colônias na América do Norte, e a econo- direção diferente, de construção e distribui-
mia ibérica e a de suas colônias nas Améri- ção apropriada de riquezas. Aliás, como aca-
cas do Sul e Central (e no que vieram a se bamos de citar, essa parece ser uma lógica
transformar ao longo dos últimos dois sé- recorrente na história. Dore (1984) sugere
culos). Nas primeiras, “a estrutura institucio- que foram exatamente os países que cria-
nal que se formou conduziu à criação de organiza- ram instituições complementares para de-
ções que induziram democracia política, estabilida- senvolver “capacidades independentes pa-

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28 A mesoeconomia do desenvolvimento econômico

ra o aprendizado tecnológico” valendo-se va da produção de riqueza (na forma de


da introdução de tecnologias estrangeiras bens e serviços) a um tipo de instituição
os que conseguiram progredir mais.3 – a firma. De fato, vê-se que, após a Re-
Vê-se que a economia e a política volução Industrial, tal confiança tem se
estão inseparavelmente relacionadas ao de- concentrado nas firmas com relações em-
sempenho econômico de uma região ou de pregatícias em que a separação entre ca-
um país através da capacidade de participa- pital e trabalho e a contratação do segun-
ção de seus indivíduos na conformação de do pelo primeiro são traços marcantes.
instituições. Por isso, ideias, valores e ide- E, entre essas, destacam-se as firmas ca-
ologias são componentes importantes do pitalistas, voltadas para o lucro, respon-
processo a partir de sua influência sobre a sáveis hoje em dia por grande parte dos
preferência dos indivíduos e a construção empregos existentes e da produção de
de seu modelo mental. Esses confluirão na bens e serviços.
construção e legitimação das organizações Noutra instituição, o mercado, vários
e instituições econômicas (Adams, 1993; tipos de trocas monetárias são organizadas,
North, 2004). e o sistema de preços orienta várias decisões
Para ilustrar nossa argumentação, fa- relacionadas à produção. Os mercados, por-
zemos a seguir uma breve releitura da inte- tanto, são importantes na esfera da troca e
ração entre Estado, firmas e mercados nas na organização econômica. Não se pode
economias modernas. Nosso intuito não é esquecer que a instância das trocas é ape-
aprofundar uma discussão tão complexa, nas uma das instâncias dos sistemas econô-
mas provocar uma reflexão de alguns argu- micos e, nesse aspecto, cada mercado terá
mentos clássicos de autores do desenvolvi- peculiaridades que o distinguem dos demais
mento à luz da linguagem das instituições e que reverberam pelas atividades de pro-
na economia. dução que lhes são conexas. Os mercados
estão imersos num conjunto maior de ins-
tituições, predominantemente econômicas
6_ Estado, firmas, mercados ou não, tanto as influenciando quanto sen-
e desenvolvimento: do por elas influenciados (Polanyi, 1944). 3 Dore (1984) ressalta que, a

uma releitura partir de certo estágio, passa a


Já o Estado moderno é muitas ve- ser preciso desenvolver
Consideremos que as sociedades moder- zes ele mesmo responsável pela própria “capacidades independentes
nas têm confiado uma parcela significati- produção de bens e serviços, mas é prin- para a criação de tecnologias”.

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cipalmente por meio de um sistema de tri- movidas pelo Estado foram ab initio tomadas
butação e regulação que ele influencia a como contraproducentes. O que fazemos
atuação das demais instituições produtivas. a seguir é uma ilustração de como a litera-
Além disso, pelo monopólio da força e co- tura do tema é rica nessa análise mesoeco-
mo esfera de representação de interesses nômica da conformação, ligação e inter-
diversos, o Estado é responsável por esta- dependência das instituições na promoção
belecer, manter e fazer cumprir um sistema do desenvolvimento.4
jurídico. Tal sistema se coloca como última Entre outras maneiras, vimos que
instância de coordenação e regulação das as instituições afetam o desenvolvimento
atividades das demais instituições. econômico mediante o seu poder reconsti-
Embora esse seja um grupo bastan- tutivo sobre as preferências e aptidões dos
te seleto de instituições, é nele em geral que indivíduos. Em consequência, não só as
a discussão sobre o desenvolvimento eco- organizações e instituições informais têm
nômico se concentra. No que segue, sua papel crucial no desenvolvimento, como as
interação é foco de análise para ilustrar os próprias relações de troca nos mercados
aspectos mesoeconômicos que caracteri- ganham caráter diferente daquele da teoria
zam as relações interinstitucionais. Paretiana. As instituições produtivas buscam
A tradição da literatura do desen- modificar sua posição na competição pela
volvimento econômico tinha clara a neces- renda ao introduzir estratégias inovativas
sidade das instituições para explicar a natu- em produtos e em processos. Schumpeter,
reza dos agentes econômicos e o contexto por exemplo, salientou que os consumidores
estrutural em que as decisões são tomadas. devem ser “ensinados a querer coisas novas, ou
4 Ao pretender ser ilustrativo,
A interação agente-estrutura se realiza em coisas que diferem em um aspecto ou outro daquelas
o que vem a seguir é limitado várias esferas – mercados, firmas e Estado, que tinham o hábito de usar” (1982, p. 48).
tanto na seleção de ideias e por exemplo. O descrédito recente do te- Do ponto de vista das unidades pro-
autores quanto no espaço ma, porém, fez com que as especificidades dutivas, o que se tem é uma heterogeneida-
dedicado a cada um; mas, em de cada instância fossem negligenciadas. de de estratégias, processos produtivos e
assim sendo, o que segue é
também um convite ao leitor As relações entre indivíduos, por exemplo, transacionais. Da mesma forma, e parcial-
para reler tais ideias e autores, foram reduzidas a relações de mercado mente como resultado do próprio processo
e outros que lhe inspirem, mesmo ao se dar dentro do Estado, da fa- de diferenciação organizacional e produtiva,
permitindo-se desfrutar do mília ou da firma, e sem considerar a inter- novos hábitos de consumo são engendra-
“clima” institucional que se
espalha pela disciplina. posição dessas esferas. Já as interações pro- dos. As trocas de mercado tornam-se elas

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30 A mesoeconomia do desenvolvimento econômico

mesmas moldadas pelas condições de pro- ve e tem, papel crucial no desenvolvimento


dução, pelos hábitos de consumo criados de países considerados liberais ou em que
pelas instituições formais e informais e pe- prevalecia o espírito da empresa privada
lo acesso às fontes de financiamento dos (List, 1909; Chang, 2002a; Panic, ´ 2007). O
gastos de investimento e de consumo. Estado, quando assumiu o papel de agente
A noção schumpeteriana de empre- transformador, tornou-se determinante no
endedor perpassa o indivíduo e abrange as catching-up de países retardatários no desen-
entidades econômicas coletivas que catalisam volvimento capitalista. Isso se deu princi-
as habilidades e os recursos de vários ou- palmente por meio do planejamento, da
tros agentes econômicos com o objetivo organização, da coordenação e do financia-
de, sob sua orientação e coordenação, exe- mento de uma estratégia de mudanças mai-
cutar um plano de ação. São esses os agen- ores do que as que poderiam ser engendra-
tes que inspiram, apoiam, estimulam ou das por estratégias de firmas individuais ou
compelem outros a tomarem as decisões de mercados (esses, aliás, por definição não
de investimento, de produção e de consu- podem ser formuladores de estratégia).
mo. Assim eles iniciam e mantêm o pro- Segundo Friedrich List, por exem-
cesso de causalidade circular e cumulativo plo, a Inglaterra foi o primeiro país a deli-
citado por Veblen (1898b) e Myrdal (1957) beradamente aplicar uma política de pro-
– a espiral de mudanças positivas na estru- moção industrial (List, 1909, IX, p. 13):
tura de produção e distribuição que carac- …tendo alcançado um determinado nível
teriza o desenvolvimento econômico. É da de desenvolvimento por meio do livre co-
interação estabelecida entre essas entidades mércio, as grandes monarquias perceberam
e agentes que os mercados emergem e se que níveis mais elevados de civilização, de
desenvolvem e, dessa forma, são constituí- poder e de riqueza só poderiam ser alcan-
çados por meio da combinação da indús-
dos como entidades muito específicas e di-
tria e comércio com a agricultura [...] Con-
versificadas no espaço e no tempo, como o sequentemente, eles buscaram, por meio de
são também seus criadores. um sistema de restrições, privilégios e estí-
O Estado está entre as instituições mulos, transplantar para sua terra nativa
cujo papel no desenvolvimento econômi- a riqueza, os talentos e o espírito de em-
co é dos mais controversos. Vários estudos presa dos estrangeiros.
comparativos da história de economias ho- Segundo Perroux (1967), economi-
je desenvolvidas mostram que o Estado te- as subdesenvolvidas são economias desar-

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ticuladas. Há nelas baixa integração e coor- mercado não pode prover por meio
denação de decisões, o que se põe como da criação de instituições redutoras
obstáculo aos encadeamentos necessários de incerteza.
para potencializar um processo cumulativo Myrdal (1957) afirma que o livre jo-
de avanços. Autores neoliberais, recorrendo go das forças de mercado é insuficiente pa-
à figura da mão invisível de Adam Smith ra conduzir o processo de desenvolvimento,
ou às hipóteses restritivas dos mercados podendo, ao contrário, reforçar cumulati-
eficientes, sugerem que o sistema de preços vamente a desigualdade entre países, re-
autorregulado é suficiente para orientar, ar- giões e grupos sociais. Myrdal argumenta
ticular e coordenar as decisões de indivíduos que os governos dos países ricos foram
autointeressados de forma eficiente. “Get- fortes o suficiente para adotar políticas que
ting the prices right” foi o mote para políticas compensavam as forças retrógradas do mer-
econômicas liberais nas décadas de 1980 e cado, de forma a gerar efeitos cumulativos
1990. Poucos economistas, entretanto, de- positivos e dinamizadores em suas econo-
fenderiam que as hipóteses sobre as quais a mias (p. 39). Como sugerem Dietz e Dilmus
eficiência dos mercados se assenta poderiam (1990), seus governos foram capazes de pro-
ser satisfeitas por mercados de verdade nos mover “the correct ‘wrong’ prices”. Já os gover-
países desenvolvidos, quiçá nos países sub- nos de países pobres, por serem fracos, são
desenvolvidos. A autorregulação e os resul- forçados a deixar livres as forças retrógra-
tados harmônicos de interesses e decisões das do mercado de forma que o processo
individuais em mercados livres parecem me- cumulativo reforça o atraso e a desigualda-
nos prováveis quando as relações do mun- de – muito embora seja, sem dúvida, capaz
do real são estabelecidas em condições de de gerar riquezas (Myrdal, 1957, p. 39).
incerteza e complexidade. Como Kregel Friedrich List mostrou com sua aná-
(1980, p. 46, grifos adicionados) observou: lise histórica que os países desenvolvidos de
Sob tais condições, a informação requeri- sua época (Inglaterra, França e Holanda) as-
da para a tomada de decisões racionais sim se tornaram pela atuação do Estado no
não existe; o mecanismo de mercado não desenvolvimento industrial, na diversificação
pode provê-la. Entretanto, assim como a produtiva e na emancipação intelectual de
natureza abomina o vácuo, o sistema eco- seus povos. Assim o fizeram por meio de
nômico abomina a incerteza. O sistema políticas protecionistas de suas indústrias,
reage à falta de informação que o do incentivo fiscal e do investimento públi-

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32 A mesoeconomia do desenvolvimento econômico

co. Por outro lado, a defesa do laissez-faire 2006). O Estado pode assim orientar, insti-
em países menos desenvolvidos servia pa- gar ou mesmo tomar frente nos empreen-
ra reforçar seu atraso ao chutar a escada pe- dimentos necessários ao processo cumula-
la qual poderiam subir os degraus do de- tivo do desenvolvimento.
senvolvimento (List, 1909; Chang, 2002b). Mas o Estado desenvolvimentista
Países de industrialização atrasada, não deve ser tomado por garantido. Myrdal
mas bem-sucedidos no século XX, como já havia alertado que Estados fracos tendem
EUA, Alemanha e Japão, também fizeram a ser cooptados por grupos de interesse
uso crescente do aparelho estatal para se in- particularistas, que levam à concentração
dustrializarem e desenvolverem. Os estudos de riqueza e a processos cumulativos dege-
de Wade (1990) e Amsden (1989) sobre o nerativos – o que Evans (1995) chamou de
sucesso recente de países asiáticos como “Estado predatório”. Foi contra o Estado
Taiwan e Coreia do Sul deixam evidente predatório que Adam Smith e os liberais de
que o papel do Estado foi crescente onde o sua época se insurgiram. Mas, em meados
processo de desenvolvimento se iniciou do século XX, o Estado opressor já não era
mais tarde. Países de sucesso relativo como o tão predominante mesmo entre os países
Brasil também se apoiaram fortemente em mais pobres. A descolonização era um mo-
inovações institucionais do aparato estatal vimento tanto das massas desses países
e da organização de firmas e mercados pa- quanto do interesse dos países ricos. Polanyi
ra sua industrialização no período de seu (1944) chegou a vislumbrar um novo mun-
surto industrial (Burlamaqui et al., 2007). do no pós-guerra com a difusão do Estado
Não é surpresa que o Estado tenha do Bem-Estar, exatamente pelo exemplo
se tornado historicamente um dos agentes que os países desenvolvidos dariam com
inovadores mais importantes do desenvol- sua prosperidade e relativa harmonia.
vimento econômico. Seu poder de organi- Similarmente, Furtado (1986 e 2002)
zar a estratégia, de integrar institucional- argumenta que o processo de desenvolvi-
mente as habilidades necessárias para a mento não diz respeito apenas a um maior
consecução da tarefa e seu poder de finan- nível de renda, mas à complexidade de ne-
ciamento, investimento e redefinição de di- cessidades engendradas pela diferenciação
reitos de propriedade são ferramentas im- estrutural de cada conjunto social. Segun-
portantes para integrar o potencial isolado de do Furtado (1986, p. 78),
firmas e mercados (Kittsteiner e Ockenfels,

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o conceito de desenvolvimento compreende sociedades mais desenvolvidas. Tal influ-


a idéia de crescimento, superando-a. Com ência se faz presente tanto a partir dos inte-
efeito: ele se refere ao crescimento de um resses por elas exercidos quanto pelo com-
conjunto de estrutura complexa. Essa com- portamento emulativo das sociedades em
plexidade estrutural não é uma questão de busca do desenvolvimento, inspirando-se
nível tecnológico. Na verdade, ela traduz
em padrões que parecem poder ser repro-
a diversidade das formas sociais e econô-
duzidos apenas com ganhos.
micas engendrada pela divisão do trabalho
social. Porque deve satisfazer a múltiplas Influenciar a formação de valores,
necessidades de uma coletividade é que o disposições e comportamento dos indiví-
conjunto econômico nacional apresenta sua duos é uma das características fundamen-
grande complexidade de estrutura. tais das instituições. Por exemplo, é na con-
vivência familiar e na escola que as pessoas
Numa sociedade em desenvolvimen- primeiramente adquirem hábitos de comu-
to, Furtado também enfatizava que se de- nicação e reprodução de certas linguagens,
senrola um processo circular e cumulativo de disciplina, leitura e aprendizagem for-
de transformações. Nele o aumento do ní- mal. Esses hábitos, e muitos outros adqui-
vel de renda e alterações na estrutura pro- ridos pelos indivíduos em interação social
dutiva levam a mudanças nos padrões de sob auspícios das mais diversas institui-
consumo, e, simultaneamente, as mudan- ções, são cruciais para a formação de seu
ças nos padrões de consumo levam a alte- potencial criativo e produtivo, bem como
rações na estrutura produtiva, aumentando do senso coletivo dos direitos de proprie-
sua complexidade. Essa dinâmica não é ex- dade que caracterizam o desenvolvimento
plicada em si pelos fatores econômicos econômico. As trocas realizadas no merca-
usuais – investimento, mudança de preços do espelham o resultado de processos an-
relativos ou absolutos, entre outros –, mas teriores que determinam o que pode ser
é senão resultante da “ação permanente de uma trocado legitimamente, suas quantidades,
multiplicidade de fatores sociais e institucionais que suas características e qualidades e sua es-
escapam à análise econômica corrente” (Furtado, trutura de preços. É a interação entre as
1986, p. 78). Uma força sempre presente atividades de regulação, coordenação, pro-
nesses casos, como alerta Furtado, é a forte dução e troca que guiará tais processos e
influência exercida pelas estruturas produ- dará respostas mais ou menos propícias ao
tivas e pelos conjuntos de instituições das desenvolvimento econômico.

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34 A mesoeconomia do desenvolvimento econômico

Conclusões
Em nossa epígrafe, John Stuart Mill se
refere à Revolução Francesa. Não é difícil
transpor o raciocínio, por exemplo, para
as revoluções mais cotidianas de destrui-
ção criadora à la Schumpeter. E no coti-
diano se poderá mais facilmente perceber
– como o fez Mill – que as mudanças so-
cioeconômicas dependem dos hábitos e
valores compartilhados pelas pessoas e so-
bre esses são edificadas. Mediadas e mol-
dadas pelas instituições, as formas de in-
teração que estabelecemos manifestarão
os avanços e os obstáculos que marcam o
caminho do desenvolvimento econômico.
Neste ensaio, tentamos organizar al-
gumas das ideias presentes no atual debate
sobre instituições e desenvolvimento. Não
se pretendeu ser exaustivo, obviamente. O
texto tenta fazer alguns encadeamentos im-
portantes e que em geral se encontram dis-
persos numa literatura que cresceu muito
nos últimos 20 anos pelo menos. Há para o
leitor brasileiro em especial uma carência
de textos na própria língua que possam fazer
uma introdução ao tema ou uma síntese
dos principais argumentos sendo discuti-
dos. Ao tentar suprir em parte essa carência,
este ensaio sugere que a releitura institucio-
nalista de alguns clássicos do desenvolvi-
mento econômico pode ser um bom co-
meço para promover e valorizar o debate
no Brasil.

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Huáscar Pessali_Fabiano Dalto 35

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E-mail de contato dos autores:


pessali@ufpr.br
dalto@ufpr.br

Artigo recebido em junho de 2009;


aprovado em novembro de 2009.

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