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As Transformações

do Sistema de Patentes
da Convenção de
Paris ao Acordo Trips
A posição brasileira

Cícero Gontijo

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desde que seja citado(a) o(a) autor(a) e que se inclua a referência ao artigo original.
A Fundação Heinrich Böll é uma organização política, sem fins
lucrativos, que se entende como parte da corrente política ver-
de, representada na Alemanha pela coalizão partidária Aliança
90 / Os Verdes. Nossos principais valores são os da ecologia e
sustentabilidade, democracia, direitos humanos, autodetermi-
nação e justiça.

Dentro e fora da Alemanha, a Fundação busca parcerias estraté-


gicas com aqueles que compartilham os valores da entidade e age
A Fundação 2 3 de forma independente, inclusive com relação ao próprio parti-
do. Sua sede fica em Berlim, mas atua como ator internacional no
debate de idéias e na prática de atividades.

A instituição está mundialmente engajada na política ecológica e


no desenvolvimento sustentável, uma vez que, para nós, ecologia
e democracia são inseparáveis.

Nossa organização leva o nome do escritor vencedor do Prêmio


Nobel, Heinrich Böll, que simboliza posturas com as quais nos
identificamos: defesa da liberdade, coragem cívica e tolerância.
No início de 2005, a Fundação Heinrich BÖll encomendou um trabalho que mos-
trasse como o Brasil se sentia diante das transformações ocorridas no campo
da Propriedade Intelectual após dez anos de entrada em vigor do acordo TRIPs.
Intitulado “As Transformações do Sistema de Patentes - Da Convenção de Paris ao Acordo
TRIPs - A posição brasileira”, o trabalho expôs a origem da prática das patentes, o esforço
de alguns países para formular um tratado com algumas regras básicas (a Convenção de
Paris), o grande êxito obtido por tal tratado, e a ampla e profunda mudança ocorrida no
final do século XX, com a adoção, pela grande maioria dos países do mundo, do Acordo
TRIPs, incrustado como pedra preciosa na recém criada Organização Mundial do Comércio.
Apresentado em junho de 2005 em Berlin, em seminário internacional, o trabalho foi tradu-

Apresentação 4 5 zido para o inglês, publicado em alemão e só agora é publicado na língua portuguesa, em
que fora escrito.

Nos cem anos em que o sistema de patentes se disseminou pelo mundo, os poucos prin-
cípios obrigatórios da Convenção de Paris se irradiaram, estimulando o uso da propriedade
intelectual. Ao deixar margem para que cada país encontrasse seus melhores critérios de
aplicação, voltados para suas políticas econômicas e dentro de suas condições de desen-
volvimento, a Convenção se tornou a entidade internacional com o maior número de países-
membros, só superada pela ONU e pela FIFA, do futebol.

Com o passar do tempo, as várias revisões tornaram algumas regras mais rígidas - sempre
em favor dos titulares e em detrimento dos Estados concedentes e de seus consumidores -,
mas ainda sobrava uma ampla margem de manobra para esses países.

Com a adoção de TRIPs, em 1995, cobriu-se de êxito o esforço realizado por alguns gran-
des grupos de empresas transnacionais, entre eles o de semi-condutores, o de software e a
poderosa indústria farmacêutica. Negociado em conjunto com 12 outros acordos, todos eles
voltados para a redução de barreiras e estímulo ao livre comércio, TRIPs revolucionou o mundo
da propriedade intelectual ao determinar que devem ser objeto de patentes todos os produtos
e processos, de todos os setores tecnológicos. Patentes passam a ser obrigatórias, regidas por A constatação veio da análise dos projetos que se transformaram no tratado de direitos
regras rígidas de aplicação (“enforcement”) e sistema de solução de controvérsias. autorais (WCT), seguido do tratado sobre proteção de fonogramas e intérpretes (WPPT),
e ficou mais clara no acompanhamento do projeto de tratado SPLT (Tratado sobre direito
Sem alternativas, os países emergentes levam algum tempo para avaliar as conseqüências substantivo de patentes), que levantou grandes preocupações por parte dos países em de-
e os impactos que tais regras internacionais podem trazer para sua economia. Em 2005 senvolvimento.
já se sabia que países como Índia e Tailândia, aproveitando-se do período de graça con-
cedido a países em desenvolvimento, haviam conseguido criar uma formidável indústria Deu-se então a reação por parte dos países em desenvolvimento, por meio de uma propos-
de medicamentos que hoje tem ramificações em vários países do mundo. Do outro lado, ta de introdução, no próprio mandato da OMPI, de uma Agenda para o Desenvolvimento.
Brasil e Argentina, não se interessando pelo prazo concedido, tiveram dificuldades enor- Busca a proposta erigir em objetivo tão importante quanto a elevação do padrão da proprie-
mes para garantir a permanência de alguma parte da indústria de medicamentos em mãos dade intelectual o conceito de desenvolvimento dos países-membros. Tenta-se substituir o
de nacionais.

Em 2005 já era de conhecimento geral que em todas as novas negociações comerciais, os


6 7 raciocínio de que o desenvolvimento é estimulado com mais propriedade intelectual pelo
conceito de que o aumento da proteção aos titulares de patentes só é justificável se trouxer
benefícios ao país-membro. Traz-se para o palco a figura das empresas dos pequenos paí-
países desenvolvidos buscavam incluir discussões sobre propriedade intelectual, impondo ses, o consumidor interessado nos produtos patenteados, as diferenças de nível educacional
regras nesta área que superavam as exigências vigentes, o que se denominou TRIPs-Plus. e de competência tecnológica entre os países-membros.

No céu da propriedade intelectual brilhava a OMC, expondo a jóia da coroa: o acordo TRIPs. Em 2005 não se sabia com clareza quais os objetivos políticos da proposta de Agenda para
O que não se sabia claramente em 2005 é que a Organização Mundial da Propriedade o Desenvolvimento. Nem se podia prever se ela teria êxito.
Intelectual, que, como sucessora dos BIRPI, por mais de cem anos conduzira, soberana,
o sistema internacional de patentes, não estava imobilizada, nem pretendia ser relegada Em 1º de outubro de 2007, após o encerramento da 43ª reunião da Assembléia Geral da
a segundo plano. Dotada de competente corpo técnico e grande experiência no tema, ela OMPI, soube-se que a iniciativa foi muito bem sucedida. Embora o núcleo da proposta tenha
passou a dedicar-se a novos projetos de tratados, tanto na área de direitos autorais como se misturado com inúmeras outras sugestões, a Assembléia Geral decidiu-se pela criação
na de patentes e marcas. E, aos poucos, para desconsolo dos países em desenvolvimento, de um Comitê de Desenvolvimento permanente no quadro da OMPI, e pela aprovação de 45
constatou-se que as negociações de iniciativa da OMPI haviam mudado de direção. Tanto recomendações feitas pelos vários países, relacionadas a estímulo ao desenvolvimento. En-
nos projetos sobre normas procedimentais quanto nos relativos a definições substantivas, tre elas, aquelas contidas no documento inicial apresentado em 2004. O projeto de tratado
elas passaram a revelar um forte esforço de padronização de legislação dos vários países, SPLT foi contido e acha-se tramitando, sem urgência, no Comitê de Patentes, onde deverá
com o argumento de fortalecer o valor das patentes. Neste sentido, tais projetos tendem a passar por uma reanálise sob o foco do novo conceito
criar regras e procedimentos com resultados típicos de TRIPs-Plus.
Desta forma, em fins de 2007 tem-se uma melhor e mais clara visão das coisas.
Nesta oportunidade, a Fundação Heinrich Böll voltou a tratar de propriedade intelectual,
no Brasil. Em seminário organizado em conjunto com a REBRIP, pediu-me uma análise da
atuação da OMPI no período pós-TRIPs, o que fiz por meio da elaboração do documento
“A Agenda para o Desenvolvimento, da OMPI”. Esse documento, elaborado com o recuo
dado por alguns anos de observação, pode ser considerado uma complementação ao estudo
feito em 2005. Por isso, entendo que sua leitura poderá acrescer, aos que leram o primeiro
documento, algumas informações e apreciações que tornarão mais compreensível o tema.
Assim espero.

Brasília, novembro de 2007.


Cícero Gontijo

8 9
As Transformações
do Sistema de Patentes
da Convenção de
Paris ao Acordo Trips
A posição brasileira
1. LIVRE COMÉRCIO x MONOPÓLIOS PÁG 12
1.1 A Convenção de Paris e a liberdade legislativa dos Membros PÁG 16
1.2 Desvendamento e produção local obrigatórios, na origem PÁG 17
1.3 A força da caducidade e a fragilidade da licença compulsória PÁG 18

10 11
1.4 Acordo Trips: em época de livre comércio, rigidez de monopólios PÁG 20

Índice 1.5 O fim da caducidade e a introdução de licença compulsória frágil

2. AS CONSEQÜÊNCIAS DE TRIPS PARA PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO


PÁG 22

PÁG 25
2.1 Patentes como reserva de mercado PÁG 26
2.2 Preços de produtos para os quais não há substitutos PÁG 28
2.3 A questão da Aids. Rejeição ao sistema de patentes PÁG 29

3. A POSIÇÃO BRASILEIRA PÁG 32


3.1 Exploração local como direito do Estado PÁG 34
3.2 Evitar trips plus, atuar na OMC visando a modificar Trips PÁG 35
3.3 A iniciativa na OMPI PÁG 42

4. CONCLUSÕES pág 46

A Agenda para o Desenvolvimento, da ompi


1. As patentes, da Revolução Industrial à Convenção de Paris (1700 a 1883) PÁG 51
2. Da Convenção de Paris ao Acordo TRIPs (1883 a 1995) PÁG 52
3. A época de TRIPs (1995 em diante) PÁG 54
4. A nova atuação da OMPI PÁG 55
5. Resumo histórico das negociações do SPLT PÁG 58
6.Reação dos Países em Desenvolvimento PÁG 59
7 .A proposta de Agenda para o Desenvolvimento 60 PÁG 60
8. Conclusões PÁG 63
1 . L I V RE C O M É R C IO x M ONO P Ó L IO S

O início do século XIX conheceu na Europa uma séria disputa entre os monopolistas,
que eram favoráveis ao sistema de patentes, e os que defendiam o livre comércio,
buscando o mínimo de restrições à troca de bens e serviços. Foi tamanha a contro-
vérsia, que Suíça e Holanda revogaram suas leis de Propriedade Industrial e a Alemanha, em
1869, revogou a sua, que havia sido adotada em 1817, e só a colocou em vigência novamente
em 1910. Ficava claro que um sistema de proteção a invenções baseado em monopólios tinha
sérias dificuldades de convivência com um sistema de livre comércio. São posições antagôni-
cas, conflitivas, porque atuam em direções diferentes.

12 13 Dois séculos mais tarde, o mundo vive o seu mais forte movimento de livre comércio, fenômeno
a que se deu o nome de globalização. Impulsionados pela revolução ocorrida nas técnicas de
informação e comunicações, e estimulados pela força de pressão advinda dos grandes países,
em especial os Estados Unidos, os demais países se viram forçados a abrir suas fronteiras,
reduzir tarifas, aceitar concorrência de outros países no seu mercado interno, admitir discus-
são sobre acesso a seus mercados, aí incluídas as compras governamentais, transferências
financeiras sem controle, num movimento avassalador que torna antiquados os projetos de
crescimento baseados em substituição de importações, com claras reduções nos níveis de
soberania de cada país.

A tal movimento de globalização deveria corresponder uma forte oposição aos sistemas de
proteção à propriedade industrial, com diluição dos princípios e conceitos que sustentam a
proteção às invenções, sobretudos aquelas dos estrangeiros que asseguram posições de mo-
nopólio nos mercados de terceiros países. Era de se esperar que o sistema de patentes esti-
vesse sob pressão, que a teoria de propriedade que o sustenta estivesse sendo superada pelas
teorias da recompensa, que admitem algum tipo de benefício ao inventor, excluída totalmente
a concessão de monopólios.
Nada disso aconteceu. Não só os dois movimentos não foram apresentados como antagônicos, A teoria é engenhosa, mas não leva em conta que há outros meios menos rígidos de se remu-
como foram conduzidos ao mesmo tempo, no mesmo fórum (GATT, depois transformado em nerar os inventores.
OMC), e foram aprovados simultaneamente. Esta surpreendente contradição foi por nós regis-
trada em artigo publicado em março de 1995: A ação do Estado para estimular a criação pode fazer-se de duas formas:

“É forçoso lembrar que o acordo Trips surge em total contradição com os demais a)p
 ela socialização dos custos e riscos da criação, em que o Estado indeniza o cria-
acordos firmados no âmbito do GATT. Enquanto todos os demais se apresentam no dor, com um valor financeiro. Neste caso, pressupõe-se que este invista na nova
sentido da liberação de barreiras, derrubada de monopólios e eliminação de sistema criação. A lei brasileira de 1830 previa este tipo de recompensa.
de subsídios, bem na linha liberalizante do comércio advogada pelos países industria-
lizados, o acordo Trips aparece como esforço de enrijecimento de normas, imposição b) p
 ela apropriação privada dos resultados através da construção jurídica de uma
de padronização, consagração de monopólio, justamente incidente sobre o mais va-
lioso dos agentes econômicos desse fim de milênio: o conhecimento humano. Abrem-
se os mercados, mas, por outro lado, consolida-se e fortalece-se o sistema existente
14 15 exclusividade artificial (as patentes são o exemplo). Criam-se direitos exclusivos de
uso e fruição, com possibilidade de transferência.

de produção de novas tecnologias, concentrado, não por coincidência, nos países Há, também uma terceira alternativa, que vem sendo discutida como sucedâneo para as pa-
que exigem maior proteção para os titulares da propriedade intelectual”. (1.Gontijo, tentes, pela sua maior flexibilidade: trata-se de conceder ao inventor um direito não exclusivo,
Cícero - “O acordo sobre propriedade intelectual contido no GATT e suas implicações mas com o direito de cobrar um preço de quem venha a usar as informações desvendadas,
para o Brasil” in Revista de Informação Legislativa, Senado Federal, janeiro março sem o direito de proibir o uso. Incluem-se neste caso os “certificados de inventor”, que foram
1995, p. 181). usados na antiga União Soviética e no México, para inventos de uso industrial, e os “certifica-
dos de obtentor” utilizados na Union Internationale pour la protection des Obtentions Végétales
A justificativa teórica aparece agora, com a teoria da “Market Failure (Falha de mercado)”, que – UPOV, aplicados a inventos na área de sementes e cultivares.
tenta apresentar os monopólios concedidos pelas patentes como uma exceção na economia
de mercado. Reconhecido que a publicidade dada a uma invenção colocaria em igualdade de Este tipo de recompensa aos inventores, que Carlos Correa chama de “domínio público pa-
condições todos os concorrentes, impedindo que o inventor obtenha o ressarcimento de seus gante”, merece ser melhor estudado, podendo vir a constituir-se em interessante alternativa às
gastos, surgem os monopólios temporários de uso como uma solução. A exposição de tal dou- patentes, ao menos para alguns setores econômicos, e ao menos para certos países. (2.Correa,
trina se encontra em Wendy J. Gordon, “Fair Use as Market Failure: A Structural and Economic Carlos – in “Intellectual Property Rights, the WTO and Developing Countries”, Malaysia, TWN,
Analysis of the Betamax Case and Its Predecessors”, 82 Colum. L. Rev. 1600 (1982) e J.H. 2000, p. 248/251).
Reichman, Charting the Collapse of the Patent-Copyright Dichotomy: Premises for a restructu-
red International Intellectual Property System 13 Cardozo Arts & Ent. L.J. 475 (1995).
1.1. A Convenção de Paris e a liberdade legislativa dos Membros 1.2. Desvendamento e exploração local obrigatórios, na origem.

Destinada a harmonizar, dentro do possível, as legislações dos vários países sobre a proprie- O texto aprovado da Convenção de Paris estabelecia como deveres dos titulares das patentes
dade intelectual, a Convenção de Paris é um dos tratados de maior sucesso de que se tem o desvendamento integral da invenção e, consagrando a experiência histórica dos principais
notícia, tanto pelo número expressivo de associados quanto pela sua duração sem mudanças países, a exigência de uso efetivo das patentes. Lembremo-nos que o Estatuto dos Monopólios
muito substanciais. Mais de 150 países adotaram a Convenção de Paris, que teve início em inglês concedia patentes para o inventor que viesse a produzir o seu invento no país.
1983, firmada por onze países, entre eles o Brasil.
O tema do uso efetivo já havia sido o centro das discussões entre Áustria e Estados Unidos
A principal explicação para tal êxito reside no fato de que a Convenção não tentava uniformizar na Conferência de Viena (1875), entendendo o último que deveria ser interpretada como uso
as leis nacionais, nem condicionava o tratamento nacional à reciprocidade. Pelo contrário, pre- efetivo a importação dos produtos patenteados.
via ampla liberdade legislativa para cada país, exigindo apenas paridade de tratamento entre
nacionais e estrangeiros (princípio do Tratamento Nacional). Seu outro princípio básico, o da
Prioridade, era resposta a uma questão mais de prática que de natureza teórica. Para evitar
16 17 Na Conferência de Paris (1878), que elaborou o texto da Convenção, ficou definido que se ad-
mitia a revogação da patente após um certo tempo, se a produção não se realizasse no país.
apropriação indevida de informações incluídas nos pedidos de patente e, ao mesmo tempo im-
pedir conflitos em casos de dois ou mais inventos sobre o mesmo objeto, decidiu-se assegurar A aceitação da exploração local obrigatória, prevista no art. 5º original, fez com que países
àquele que tenha feito o pedido de patente em um dos países da União um prazo de prioridade como os Estados Unidos, Inglaterra Alemanha, Canadá, Hungria e Áustria não assinassem
(que hoje é de 12 meses) para realizar o depósito em outros países, durante o qual nenhum como signatários originais a Convenção de Paris: art. 5º - “A introdução pelo privilegiado,
outro pedido invalidará o seu, nem qualquer publicação ou exploração do invento. no país em que o privilégio tiver sido concedido, de objetos fabricados em um ou outro dos
Estados da União, não lhe trará perda de direito. Todavia, o privilegiado ficará sujeito à obriga-
Em conseqüência, conquanto o texto original não o mencione, consagrou-se o princípio da ção de usar de seu privilégio de conformidade com as leis do país onde introduzir os objetos
Independência das patentes, segundo o qual as decisões tomadas em um país quanto a um privilegiados.”
pedido ou a uma patente não tem qualquer influência sobre o tratamento a ser dado por outros
países membros. Tal definição, que deixa aos países membros o direito de exigir a exploração local dos produ-
tos e processos patenteados, acompanha a experiência dos grandes países. A exigência de
Tais princípios, acordados em 1883, foram mantidos inalterados por mais de um século. exploração local esteve incluída em todas as legislações de países hoje industrializados, e era
considerada o principal objetivo do sistema de patentes, à época em que eles ainda busca-
vam fomentar sua industrialização. Concediam-se patentes porque se desejava desenvolver
recursos naturais, aumentar o número de técnicos e operários qualificados; o propósito era
o estabelecimento de uma nova indústria ou de novos métodos para as indústrias existentes.
Nos Estados Unidos, a lei de 1886 dispunha que as patentes de estrangeiros deveriam ser A caducidade é um instrumento poderoso, porque sua aplicação é automática após o esgota-
exploradas dentro do país. Inglaterra, França e Alemanha tinham a mesma exigência. Com o mento do prazo para a exploração local, desde que comprovada a não exploração local. Por
passar do tempo e a ampliação de sua participação no comércio mundial, esses países dimi- isso mesmo, viu-se lentamente substituída nas revisões da Convenção pela figura da licença
nuíram a aplicação dessa exigência, embora a maioria tenha mantido alguma disposição sobre compulsória.
a exploração local em suas leis, com exceção dos Estados Unidos.
A licença compulsória (também chamada obrigatória) é um dos instrumentos de que o Estado
A exploração local obrigatória seguiu mantida pela Convenção de Paris nas suas várias revisões pode se utilizar para intervir sobre o monopólio de uma patente, sempre que o interesse pú-
posteriores, atenuando-se o texto para considerar que a sua ausência é considerada abuso do blico o exija. Menos drástica que a revogação da patente por meio da caducidade, ela permite
titular, podendo ser punida. que, em certas circunstâncias, outros usem a invenção patenteada, mediante uma remunera-
ção estabelecida pelo Estado. Do ponto de vista jurídico, o monopólio da patente é substituído
O tema continua a ser discutido até nossos tempos, como centro de polêmica relativo aos de-
veres atribuídos aos titulares de patentes. 18 19 pelo direito de receber uma compensação financeira pelo uso do invento.

Historicamente, ela surgiu no Congresso de Viena de 1873, “nos casos requerido pelo inte-
resse público”, sendo incluída na lei alemã de 1877. Até 1925, ela não foi mais mencionada,
1.3.A força da caducidade e a fragilidade da licença compulsória reaparecendo na versão de Haia, da Convenção de Paris, quando se destinava a prevenir “os
abusos que puderem resultar do exercício do direito exclusivo conferido pela patente, por
Para fazer cumprir a exigência de exploração local das patentes, o primeiro instrumento exemplo, por falta de uso efetivo”; daí em diante, quase todos os países adequaram suas legis-
incluído nas leis de propriedade industrial do século passado foi a ameaça contida na revo- lações para incluí-la. Com o passar do tempo, ela passou a ocupar o espaço antes reservado à
gação da patente por meio da caducidade, que é uma das formas de extinção da patente. revogação por caducidade, por ser uma medida menos drástica que esta.
Decretada a extinção, a patente cai em domínio público, o que permite a qualquer pessoa
ou empresa explorar o objeto da invenção. Neste caso, extingue-se o monopólio e qualquer Diferentemente da caducidade, seu uso prático apresenta um fator de dificuldade que consiste
produtor pode disputar o mercado em igualdade de condições. A situação corresponde em encontrar-se uma outra empresa do setor que queira e consiga produzir o produto ou pro-
àquela reinante em um país em que o inventor decidiu não patentear sua invenção, após cesso, sem a ajuda da empresa titular, contando apenas com a autorização oficial.
patenteá-la no país de origem.
A revisão de Estocolmo (1967) da Convenção de Paris trouxe uma modificação que tornou a
A caducidade por falta de exploração local já existia na lei francesa e de outros países (México licença compulsória ainda mais difícil de ser aplicada: determinou que a licença fosse obri-
e Tunísia, entre outros), antes mesmo da Convenção de Paris. Com a Convenção, decidiu-se gatoriamente não-exclusiva, além de dever ser recusada se o titular justificar a sua inação por
que a introdução de produtos patenteados, fabricados em outro país da União não provocaria razões legítimas. Desaparecia o automatismo de uso do instrumento e aumentava a rejeição
perda do direito. Ao mesmo tempo, ficava consagrada a obrigação de exploração local. dos possíveis interessados em recebê-la.
Dificilmente um empresário privado terá coragem de investir em um projeto de uma fábrica GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) as discussões no sentido de reforçar os meca-
para produzir uma invenção de que recebeu licença compulsória se não tiver a certeza de nismos de proteção aos direitos dos titulares. Houve resistência por parte de vários países, e
poder aproveitar o mercado com exclusividade, ao menos por um certo período. Um projeto de o tema só veio a ser incluído em pauta em 1989, após obtenção de concordância de Brasil e
fabricação exige investimentos, construção, compra de equipamentos, contratação de pesso- Índia que insistiam em que a OMPI (administradora da Convenção de Paris), e não o GATT, era
as, tudo baseado no mercado a ser atendido. o foro adequado para a discussão de propriedade intelectual.

Se a licença é não-exclusiva, a qualquer momento o titular poderá decidir-se a produzir lo- A proposta norte-americana negociada no GATT se estruturava em três pontos: a definição de
calmente, ou a conceder uma licença voluntária, restando ao licenciado compulsório ter de regras-padrão mínimas (art. 9 a 40), a introdução de mecanismos de aplicação (art. 41 a 61)
disputar o mercado com outros produtores. Se considerarmos que o titular conta ainda com o para os países membros (procedimentos administrativos e judiciais) e a criação de um forte
poder comercial de sua marca, fica claro que uma licença compulsória não-exclusiva tem pou- sistema internacional de solução de controvérsias (art. 63 e 64). Tudo em contraste ao que era
quíssimas possibilidades de ser concedida. Nessas condições, o uso da licença compulsória
como ameaça para prevenir o abuso dos titulares, em particular nos casos de não-exploração,
demonstra-se totalmente ineficaz. Passa a ser uma arma sem munição, com a desvantagem
20 21 estabelecido na Convenção. Em vez de apenas dois princípios básicos, uma série ampla de
conceitos e exigências a serem incluídos em todas as legislações, numa espécie de lei-tipo. Por
outro lado, determinações rígidas de como a administração e as leis dos vários países devem
de que essa circunstância é conhecida pelos titulares. atuar na aplicação das novas regras de propriedade intelectual (enforcement).

Transformada a licença compulsória em instrumento complexo e inaplicável, o próximo passo E, por fim, montagem de um sistema amplo e prático de solução de controvérsias, de modo
era encontrar uma forma de retirar eficácia ao instituto da caducidade. a evitar que os dissídios advindos dos temas de propriedade industrial ficassem sem solução
mandatória em razão das soberanias dos Estados.
A solução veio no texto da revisão de Estocolmo, condicionando a aplicação da caducidade
ao uso prévio da licença compulsória, nos termos do art. 5.3: “Não poderá ser interposta Como era de se prever, a reação contrária foi muito forte, em particular de países em desenvol-
ação de declaração de caducidade ou de anulação de uma patente antes de expirar o prazo vimento. O projeto trazia grandes transformações às leis vigentes, todas elas em direção a uma
de dois anos, a contar da concessão da primeira licença compulsória”. A exigência prévia de maior proteção às patentes e marcas.
uma licença compulsória, de raríssima aplicação, torna praticamente inaplicável o poderoso
instrumento da caducidade. Havendo entendimento generalizado de que o novo acordo de propriedade intelectual não
interessava a muitos países, em particular àqueles em vias de desenvolvimento, foi necessário
1.4. Acordo Trips: em época de livre comércio, rigidez de monopólios muito trabalho para obter-se sua aprovação:
“Com o objetivo de fazer avançar as negociações em todas as áreas cobertas pela Ro-
Desde 1979, vinham os Estados Unidos demonstrando insatisfação com o que consideravam dada Uruguai, o Diretor-Geral do GATT apresentou o Texto Dunkel como uma declara-
proteção insuficiente para a Propriedade Intelectual, e tentando transferir para o âmbito do ção integral da situação das negociações. O Diretor-Geral apresentou este documento
como um acordo tudo ou nada, determinado a impedir que os membros dividissem usufruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção, quanto a seu setor tecnológico e
as várias seções para adotá-las separadamente. Esta exigência comprovou-se útil quanto ao fato de os bens serem importados ou produzidos localmente”.
para a obtenção do acordo Trips, pois os Estados Unidos e outros países industriali-
zados podiam combinar concessões desejadas pelos países em desenvolvimento em A interpretação inicial leva a crer que ficou proibida a exigência de produção local. Alguns
áreas como agricultura e têxteis para a obtenção de um adequado acordo TRPS”. (3. autores, como Carlos Correa, entendem que a obrigação de exploração local não pode mais
Michael Doane, da Georgetown University Law Center, em “Trips and International In- ser exigida dos titulares:
tellectual Property Protection in an age of advancing technogy” – American University “O sistema de concessão de licenças compulsórias de muitos países também poderia
Journal of International Law and Policy 9 (2), p. 476). ser afetado pela proibição de discriminar segundo a origem (de fabricação local ou
importado) do produto. O propósito dos proponentes do texto comentado foi o de
1.5. O fim da caducidade e a introdução de licença compulsória frágil diluir a obrigação de explorar a invenção patenteada, um dos pilares tradicionais do

O texto de Trips tem uma única menção à caducidade, ao definir que qualquer decisão de
anular ou de caducar uma patente deverá submeter-se a recurso judicial (art. 32).
22 23 sistema de patentes”.(10. Correa, Carlos – “Acuerdo Trips” Ed. Ciudad Argentina, Bs.
Aires, 1966, p. 136.

Há uma interpretação diversa, entretanto, segundo a qual o art. 27.1 refere-se a um outro
No que se refere à licença compulsória, a expressão nem sequer consta do texto, sendo substi- problema. Para Figueira Barbosa,
tuída por um eufemístico “outro uso sem autorização do titular” (art. 31). Além das ressalvas já “Certamente, o Trips prevê a licença compulsória por falta ou insuficiência de tra-
mencionadas no texto de Estocolmo da Convenção (não exclusividade e justificação por razões balho, dentro dos princípios e limites do art. 5A da Convenção de Paris, inclusive
legítimas), o tratado enfraquece ainda mais o instrumento de reprimir abusos, com novas con- quando, no espírito de ‘Paris plus’ esclarece que a licença deve ser ‘predominante-
dicionantes, ao exigir que o usuário proposto haja previamente buscado autorização do titular, mente para a oferta do mercado doméstico’(art. 31.f.)”. (4. Barbosa, A.L.F, “Sobre a
em termos e condições comerciais razoáveis; que o uso deverá destinar-se prioritariamente ao propriedade do trabalho intelectual” Ed. UFRJ, 1999, p.189).
mercado interno; que a licença deve revogar-se assim que encerradas as circunstâncias que
levaram à concessão; e que o titular seja adequadamente remunerado. Ao referir-se ao art. 27.1, afirma ele que o texto visou a atender uma reclamação contida no do-
cumento preparado pela União Européia para as negociações de Trips, segundo a qual a legis-
Quanto ao direito de os países exigirem a exploração local dos produtos ou processos a que se lação dos Estados Unidos continha procedimentos discriminatórios aos estrangeiros nos litígios
concederam patentes, o tema não é tratado claramente. No seu artigo 27.1, Trips trouxe um referentes a contrafação de bens importados; e também contra o tratamento preferencial às
dispositivo de redação confusa que parece extinguir essa possibilidade: atividades em território nacional da legislação americana, que concede patentes ao “primeiro a
inventar” em detrimento do “primeiro a registrar”, da legislação européia, complementado pela
“Art. 27. 1 – (...) Sem prejuízo do disposto no parágrafo 4 do Artigo 65, no parágrafo 8 do Artigo validade de o ato inventivo estar restrito ao território daquele país. Assim o diz:
70 e no parágrafo 3 deste Artigo, as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão “Há uma parte interessante do documento, dedicada exclusivamente à discriminação
contra bens importados, dividida em duas importantes matérias: (a) procedimentos 2 . A S C ON S E Q Ü Ê N C I A S D E TRI P S
discriminatórios, e (b) tratamento preferencial às atividades em território nacional. PA R A PA Í S E S E M D E S EN V O L V I M ENTO
Sem dúvida, em ambas as matérias, os reclamos eram endereçados principalmente
aos EUA. (...) O resultado não poderia ser inesperado, e o artigo 27 do Trips conclui, A padronização das legislações nacionais decorrentes da adesão ao tratado Trips
conforme já amplamente citado e retranscrito: ...os direitos patentários serão usufruí- deixa de levar em conta as diferenças relevantes entre os países em via de desen-
veis sem discriminação quanto ao local da invenção, (...) e quanto ao fato de os bens volvimento (PVD) e os países de desenvolvimento avançado.
serem importados ou produzidos legalmente.” (12. Barbosa, A. L.F, op.cit., p. 184).
Já o havia observado E. Penrose em sua clássica obra:
Ambas as interpretações são possíveis, como se pode ver de dois especialistas do tema. “Os Estados não industrializados não têm nenhum ganho direto ao conceder uma
patente sobre um invento já patenteado no estrangeiro e ali explorado. A única vanta-
Acrescente-se que o tema parece haver sido tratado pelo acordo Trips em outra parte: sem
repetir os textos da Convenção de Paris, disse, em seu art. 2. 1, que
“Com relação às partes II, III e IV deste Acordo, os Membros cumprirão o disposto nos
24 25 gem econômica que podem obter é a possibilidade de que de alguma forma propor-
cionarão incentivos para que se introduza a tecnologia estrangeira (5. Penrose, Edith,
in “La economia del sistema internacional de patentes” 1ª Ed. em espanhol, Siglo XXI
Artigos 1 a 12 e 19, da Convenção de Paris (1967)”. editores, México, 1974, p.200).

Daí se infere que o assunto estaria remetido para a Convenção, mantendo-se a versão de O número de empresas tecnicamente capacitadas é mínimo e os poucos centros de pesquisas
Estocolmo (1967): destinados à pesquisa e desenvolvimento nesses países se dedicam principalmente a projetos
“Art. 5º, § 2º - Cada país da União terá a faculdade de adotar medidas legislativas de adaptação tecnológica. Com isto, o número de invenções é reduzido. Estatísticas mundiais
prevendo a concessão de licenças obrigatórias para prevenir os abusos que poderiam demonstram que 90% de todas as patentes estão registradas em nome de pessoas e de empre-
resultar do exercício do direito exclusivo conferido pela patente, como, por exemplo, sas sediadas em países desenvolvidos. No caso brasileiro, apenas 5% das patentes requeridas
a falta de exploração”. pertencem a titulares brasileiros (10%, se incluídos os modelos de utilidade). Esses dados de-
Com base neste argumento, diplomatas do Ministério de Relações Exteriores brasileiro confir- monstram que os sistemas nacionais de países em desenvolvimento vivem em função de direitos
maram ao Senado, no transcurso da discussão para aprovação de Trips no Congresso Nacional, concedidos a empresas e pessoas estrangeiras. A situação é diferente da que se observa em
que a ausência de exploração de patentes continuava a ser abuso do titular. Em decorrência, países industrializados, em que há níveis semelhantes entre empresas nacionais e estrangeiras.
manteve-se tal entendimento na redação referente ao art. 68 § 1º, I, da Lei de Patentes.
Conclui-se que a padronização dos direitos de propriedade intelectual em nível elevado não
traz benefícios às empresas de países em desenvolvimento e, ao contrário, estimula as inven-
ções nas empresas dos países desenvolvidos, congelando e perenizando uma situação de
distanciamento técnico que só tende a aumentar.
A proteção à propriedade intelectual só se justifica nos países em desenvolvimento se as in- cidade de elevar preços”. (7. Posner, Richard, in Antitrust Law, 2ª ed. p.16)
venções patenteadas forem claramente desvendadas em seus detalhes e se lhes for permitido
exigir dos titulares a exploração local dessas invenções, de forma a aproveitar-se o potencial de Interessante observar que tal situação de desvantagem na aplicação da proteção à propriedade
recursos humanos e matérias primas desses países, além de propiciar uma melhor absorção intelectual em prejuízo dos países em desenvolvimento já foi constatada em estudos elabora-
da tecnologia desenvolvida. dos por organismos internacionais:
“In principle, IPRs create market power by limiting static competition in order to
2.1. Patentes como reserva de mercado promote investments in dynamic competition. In competitive product and innova-
tion markets awarding of IPRs rarely results in sufficient market power to generate
Sem o desvendamento detalhado das tecnologias patenteadas e sem a exploração local das significant monopoly behavior. However, in some circumstances a portfolio of pa-
invenções, a proteção aos direitos de propriedade intelectual mostra às claras o seu lado per- tents could generate considerable market power through patent-pooling agreements
verso, o de simples reserva de mercado. Para um país em desenvolvimento, o sistema passa
a impedir o avanço das empresas locais, além de criar, artificialmente, condições de aumento
de preços dos produtos patenteados.
26 27 among horizontal competitors. In countries that do no have a strong tradition of com-
petition and innovation, strenghtening IPRs could marketdly raise market power and
invite its exercise”(8. Keith E. Maskus, Mohamed Lahonel in “Competition Policy on
IPRs in developing countries”, encontrado em www.worldbank.org/research/abcde/
Seria menos danoso para um país em desenvolvimento que os inventores guardassem em se- washington-12/pdf-files/maskus.pdf).
gredo seus inventos do que a situação atual em que, escudados em monopólios, não exploram
localmente os inventos, mas continuam tendo o mercado assegurado. No caso de segredo, ao Monopólios como os de IPRs tendem a gerar aumento de preços em quaisquer países, mas
menos haveria a possibilidade de se encontrar o caminho técnico na base do ensaio e erro. No tendem a gerar mais em países em desenvolvimento, em razão do reduzido número de compe-
sistema de patentes, o monopólio impede e desestimula o esforço. tidores. Ocorre, também, uma tendência de os titulares tentarem impor preços similares para
“A monopoly granted either to un individual or to a trading company has the same todos os mercados em que comercializam. Um chip de computador patenteado custa mais ou
effect as a secret in trade or manufactures”. (6. Adam Smith, An Inquiry Into The menos o mesmo preço (em dólar) em Nova York e em Karachi. Não fosse assim, comerciantes
Nature And Causes Of The Wealth Of Nations) comprariam o chip no Paquistão e o revenderiam em Nova York. Como a renda das pessoas no
Paquistão é muito menor que em Nova York, o resultado do aumento do preço para a popula-
A reserva de mercado, além de seu efeito desestimulador ao desenvolvimento, tem um outro ção do Paquistão é muito mais significativo no país pobre que no país rico.
lado mau, o aumento de preços. Como nos países em desenvolvimento o número de compe-
tidores é menor, é frequente encontrar setores em que os produtos patenteados, não tendo
muitos competidores, pratiquem preços elevados:
“No caso das patentes, não há redução da liberdade anterior (característica do mo-
nopólio econômico), mas o exercício de um poder econômico, expresso numa capa-
2.2 Preços de produtos para os quais não há substitutos of art that is used to determine wich products compete with one another. Historically, substi-
tute products were no considered in the analysis of whether patents confer monopoly power”
O fenômeno do aumento de preços praticados por produtos patenteados é ainda mais perverso (9.Sheila F. Anthony, Antitrust And Intellectual Property Law: From Adversaries To Partners,
quando o produto patenteado não tem similares. Os preços cobrados por diversos modelos de AIPLA Quarterly Journal, Volume 28, Number 1 Page 1 Winter 2000).
telefone celular refletem pouca influência do modelo patenteado. Além de o telefone celular
não ser produto de necessidade imperiosa, os vários modelos se substituem ao menos par- 2.3 A questão da Aids. Rejeição ao sistema de patentes
cialmente, o que reduz a influência do monopólio da patente no preço do produto. Quando
se trata, entretanto de invenção radical, que cria produto novo, sem similares, e de demanda Embora a questão de IPRs seja tratada entre Estados, os verdadeiros interessados na padro-
inelástica, o monopólio permite ao titular o estabelecimento de preços que superam em muito nização dos direitos, na sua ampliação e na certeza de sua aplicação são grandes empresas
os custos incorridos. Neste caso, os preços cobrados chegam ao limite da capacidade de pa- voltadas para pesquisa e produção. No caso da substituição da Convenção de Paris pelo acor-
gamento do consumidor e às vezes o superam. Numa economia de mercado, os altos preços
atrairiam novos investidores, o que levaria à redução dos preços cobrados. Numa economia de
monopólio concedido por patentes, a entrada de outros é impossível, o que mantém os preços
28 29 do Trips, com a criação da OMC, sabe-se que os impulsores da grande transformação foram as
empresas de semicondutores (topografia de circuitos integrados), as dedicadas à produção de
software e, principalmente as indústrias farmacêuticas, produtoras de medicamentos.
elevados artificialmente pelo período de validade da patente.
Para as indústrias de medicamentos, Trips foi um grande êxito. Cerca de metade dos países do
É relevante notar que os estudos que fundamentam os sistemas de patentes não levam em mundo, entre eles a quase totalidade dos países em desenvolvimento considerava que inven-
conta o fenômeno da ausência de similares, no estabelecimento dos preços monopolísticos. ções no setor farmacêutico, assim como no de alimentos, não deveriam receber monopólios
A confirmar a afirmação, veja-se trecho de especialistas levado à consideração do Conselho dos Estados, em razão de terem impacto sobre a própria sobrevivência das pessoas.
Geral das Nações Unidas:
“In particular, it was no longer considered that um exclusive right necessarily confer- Países como Espanha e Itália, entre outros países desenvolvidos, só vieram a conceder paten-
red market power. Often there were enough substitutes in the market to prevent the tes para o setor farmacêutico na segunda metade do século XX. A legislação brasileira, desde
holder of an intellectual property from actually gaining market power. The availability 1971 a 1996, negava o patenteamento de processos e produtos farmacêuticos e alimentares,
of substitutes was un empirical question that could only be determined on a case- by- e de produtos químicos. Com o advento de Trips, o tema não admite mais discussão. Enquanto
case basis.” Repport (1998) of the working group on the interaction between trade vigorar o acordo, não há como fugir ao patenteamento de processos e produtos farmacêuticos,
and competition policy to the General Council, Wt/Wgtcp2/8, 8 dec 1998. em virtude do disposto no art. 27.1, primeira parte: “...qualquer invenção de produto ou de
processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável.”
Alguns autores destacam a ausência de estudos sobre a falta de similares, no monopólio con-
cedido às patentes. “For much of this century, courts and federal agencies regarded patents Acontece que é no setor farmacêutico que as características perversas do monopólio mais se
as conferring monopoly power in a relevant market. A “relevant market” is an antitrust term manifestam. Enquanto abusos de titulares de patentes nos demais setores industriais podem
trazer prejuízos de ordem econômica e financeira, os medicamentos e alimentos têm impacto embora enunciasse com clareza a supremacia da saúde sobre os direitos de proteção às
na própria vida das pessoas. Ademais, é neste setor que a ausência de similares provoca maior patentes, não teve seguimento e conseqüências práticas. As ressalvas e condicionantes ali in-
tendência ao aumento desmesurado de preços. Remédios novos para doenças antigas são cluídas, que enfraquecem o documento, aliadas à ausência de detalhamento das providências
exemplos típicos de inelasticidade da demanda. Um novo medicamento para câncer tende necessárias, fizeram com que o drama africano, que leva à morte 600 sul-africanos por dia,
a não ter similar. E sua compra pelos pacientes só terá limites no esgotamento da renda do siga condenando essas populações a um novo e cruel tipo de “apartheid”.
paciente e mesmo da família.
A AIDS constitui um sério problema também no Brasil. Uma dura negociação com as empresas
A situação da disseminação da AIDS pelo mundo é um exemplo claro. Uma doença de extre- detentoras de patentes, aliada à produção por empresas nacionais de genéricos necessários ao
ma gravidade, que atinge pessoas de todas as raças e estratos sociais, apresenta forte taxa de tratamento, permitiu ao Estado cumprir, até aqui, a lei que assegura tratamento gratuito a todos
mortalidade em países da África, por falta de medicamentos disponíveis. Os medicamentos os pacientes de AIDS. No momento, há sérias preocupações quanto ao futuro do programa.
existem, e o “kit” é vendido por U$10.000,00 por paciente-ano, nos Estados Unidos. A maio-
ria dos países africanos em que a enfermidade se disseminou tem renda per-capita inferior a
U$500,00. A totalidade dos valores orçamentários dedicados à saúde nesses países é muito
30 31 Novas drogas patenteadas estão sendo colocadas no mercado, a preços elevados. A produção
de genéricos, até aqui dependente de produção na Índia e na Tailândia, fica comprometida
para as novas drogas a partir da lei Indiana de 2005 que, com vistas a adequar-se ao acordo
menor do que o que seria necessário para comprar os medicamentos para a AIDS. Trips, passa a admitir o patenteamento de produtos e processos farmacêuticos. Até 2005, a
lei indiana não permitia o patenteamento nas áreas alimentar e farmacêutica, como era a do
Nos casos em que existem genéricos, os medicamentos custariam uma parte ínfima dos preços Brasil até 1996.
cobrados pelas indústrias detentoras de patentes. Segundo relatório do Panos Institute, organi-
zação sem objetivo de lucro baseada em Londres, “em janeiro de 2001, o sul africano Zackie Observa-se uma forte tensão no acordo Trips, entre os IPRS e a demanda dos países em
Ahmat, ativista no tratamento de HIV/AIDS, foi à Tailândia para comprar 5.000 pílulas da versão desenvolvimento por medicamentos baratos. Se não se encontrar uma solução que atenda
genérica de um medicamento anti-fungo patenteado pela empresa farmacêutica americana Pfi- à demanda dos países em desenvolvimento, é possível que Trips passe a ser questionado,
zzer. Ele pagou $0,21 por pílula. O preço da versão patenteada na África do Sul era de $13”. com base exatamente naquele setor que mais trabalhou para a existência do acordo, o setor
farmacêutico. Monopólios sobre medicamentos, ocasionando preços inaceitáveis para países
As empresas farmacêuticas se negam a fornecer remédios a esses países a preços adequados. pobres, podem vir a ser entendidos como um exagero nos direitos atribuídos aos titulares,
Temem elas que os medicamentos sejam desviados para serem vendidos nos países indus- criando um movimento de rejeição ao sistema de patentes.
trializados. E que os contribuintes desses países se dêem conta de quanto estão pagando pelo
monopólio incluído nas patentes.

Com a participação do Brasil, vários países buscaram uma solução para o problema, no âm-
bito da OMC. A “Declaração de Doha”, firmada pelos ministros em 14 de novembro de 2001,
3. A POSIÇÃO B R A S I L EIR A que contrariava o entendimento brasileiro. Além disso, tornava a licença compulsória sempre
não-exclusiva, o que lhe tirava a eficácia. Diante disso, o Brasil continuou ligado à Convenção
O Brasil tem uma longa tradição de uso do sistema de patentes e de participação pela revisão de Haia (de 1925), assim como Polônia e República Dominicana.
nos acordos internacionais referentes à Propriedade Intelectual. O alvará de 28-
01-1809, de D. João VI, fez do Brasil o 4º país a emitir uma lei de propriedade industrial, após Em 1970, o governo aprovava a Lei nº 5.648, que transformava o DNPI em Instituto Nacional
a Inglaterra (Estatuto dos Monopólios-1623), os Estados Unidos, em 1790 e a França (Lei de de Propriedade Industrial, com o objetivo de executar, no âmbito nacional, as normas que
privilégio das Invenções-1791). regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e
técnica. No ano seguinte, aprovava a Lei nº 5772/71, que instituía o novo Código de Proprie-
Também foi um dos 11 países a firmarem a Convenção de Paris, em 1883. dade Industrial.

Na constituição de 1824, assim dispunha no art. 179, alínea 26: “Os inventores terão a pro-
priedade de suas descobertas ou das suas produções. A lei lhes assegurará um privilégio
exclusivo temporário, ou lhes remunerará em ressarcimento da perda que hajam de sofrer
32 33 Em 1975, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual-OMPI, responsável pela admi-
nistração da Convenção de Paris, dava início a uma nova revisão da Convenção, que tinha
por origem um documento preparado pela Organização das Nações Unidas, em 1964, por
pela vulgarização”. iniciativa do governo brasileiro, denominado “The role of patents in

A lei de 28-08-1830 previa a concessão de patentes apenas a nacionais. Aos estrangeiros developing countries”. O objetivo dessa revisão era modificar o texto da Convenção de modo
interessados em explorar localmente suas invenções se dava o nome de “introdutores” e a eles a dar tratamento diferenciado aos países em desenvolvimento. Como princípio do trabalho,
se oferecia subsídio – e não monopólio. Como não se votou a lei necessária à liberação dos o comitê estabeleceu seus principais objetivos: a) conseguir um equilíbrio razoável entre o
valores de subsídio, os Ministros passaram a conceder patentes também a estrangeiros, “ad direito dos titulares de patentes e o desenvolvimento; b) promover o uso efetivo das patentes;
referendum” do poder legislativo. A mesma lei instituía a figura da caducidade, para a ausência c) melhorar a criação e a transferência de tecnologia para os países em desenvolvimento; d)
de exploração local após dois anos da concessão. controlar os abusos do sistema.

A Lei no. 3129 de 14 de outubro de 1882 ampliava o prazo para ocorrência da caducidade As negociações se prolongaram até 1979, quando se chegou a um acordo entre as partes, que
de dois para três anos e instituía o princípio da prioridade (com sete meses), que viria a ser deveria ser confirmado na reunião Ministerial de Nairobi, em 1981. Para surpresa geral, o texto
consagrado pela Convenção de Paris, no ano seguinte. duramente negociado e aprovado após cinco anos foi inteiramente rejeitado pela delegação
norte-americana, em Nairobi. Começava a executar-se a decisão dos Estados Unidos de retirar
O governo brasileiro aprovou as seguidas revisões da Convenção de Paris, com exceção da o tema Propriedade Industrial da OMPI e levá-lo para o âmbito do GATT, onde os países desen-
revisão de Estocolmo (de 1967), a que só veio aderir em 1992. A revisão de Estocolmo criava volvidos têm maior poder de persuasão, por liga-lo aos temas de comércio.
a exigência de licença compulsória prévia como condicionante para o uso da caducidade, o
Essas observações de ordem histórica têm por finalidade mostrar que o Brasil sempre esteve Este dispositivo legal foi questionado pelos Estados Unidos junto à OMC, sob o argumento de
ligado à discussão sobre Propriedade Intelectual, no nível internacional. Demonstram, também, que tal disposição contraria Trips no disposto no art. 27.1, de seguinte teor: “... as patentes
que desde sempre entendeu o sistema de patentes como um contrato entre o Estado e o inven- serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao local
tor, pelo qual o inventor recebe um monopólio exclusivo temporário em troca do desvendamento de invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou
integral e detalhado da invenção, e de sua exploração local. Jamais o Brasil concordou em con- produzidos localmente”.
ceder direitos exclusivos apenas em estímulo à criação e multiplicação das invenções.
A polêmica foi superada por entendimento entre as duas partes, antes que o panel instalado
Para o governo brasileiro, o sistema de patentes deve ser um instrumento de política indus- fosse julgado na OMC. Os Estados Unidos retiraram a queixa, em 25-06-01, enquanto o Brasil
trial, e como tal, aos direitos concedidos aos titulares correspondem deveres claros a serem se comprometeu a alertar o governo americano sempre que desejar aplicar essa disposição
cumpridos. legal contra empresas norte-americanas.

3.1 Exploração local como direito do Estado 34 35 Os argumentos de que dispunha o Brasil eram fortes. Além da evidência de que a redação do
art. 27.1 de Trips não é clara, foi destacado o teor do art. 2.1 do mesmo acordo, que remete o
A adesão tardia ao texto da revisão de Estocolmo da Convenção de Paris, decretada em 1992, tema para o texto da Convenção de Paris: “Com relação às Partes II, III e IV deste acordo, os
deve ser vista como um acidente de percurso, resultado de pressões recebidas pelo governo Membros cumprirão o disposto nos artigos 1 a 12 e 19, da Convenção de Paris (1967)”.
no início dos anos noventa. Tais pressões eram crescentes, na época, e levaram o Brasil a
desligar-se dos seus aliados tradicionais, Índia entre eles, na luta pela rejeição de Trips como Examinado o texto mencionado, lê-se no art. 5.(2): “Cada país da União terá a faculdade de
foi apresentado. Aprovado Trips no contexto do estabelecimento da Organização Mundial do adotar medidas legislativas prevendo a concessão de licenças obrigatórias para prevenir os
Comércio – OMC, o projeto de lei enviado ao Congresso e lá aprovado tem sido criticado por abusos que poderiam resultar do exercício do direito exclusivo conferido pela patente como,
conter aspectos ainda mais concessivos que o próprio Trips. por exemplo, a falta de exploração”.

Entretanto, mesmo nesse projeto considerado concessivo, o Brasil manteve sua posição de Observa-se que o dispositivo de lei brasileira criticado pelos Estados Unidos atende exatamente
que a exploração local das patentes pode ser exigida pelos Estados que concedem o privilégio ao previsto no texto convencional e corresponde quase literalmente a ele.
das patentes. Assim é que o art. 68, parágrafo 1º, da Lei nº 9279/96, que prevê a aplicação de
licenças compulsórias, estipula: “Ensejam, igualmente licença compulsória: I - a não explora- 3.2. Evitar Trips plus, atuar na OMC visando a modificar Trips
ção do objeto da patente no território brasileiro por falta de fabricação ou fabricação incompleta
do produto, ou, ainda, a falta de uso do processo patenteado, ressalvados os casos de invia- No período que se seguiu à criação da OMC e à aprovação de Trips, tem-se notícia de que
bilidade econômica, quando será admitida a importação; ou II – a comercialização que não vários acordos comerciais bilaterais ou regionais incluíram cláusulas relacionadas com Proprie-
satisfizer às necessidades do mercado”. dade Intelectual, em todos os casos ampliando os direitos assegurados em Trips aos titulares
de patentes. O acordo Nafta, entre EUA, Canadá e México, o acordo firmado entre Estados convergência e consenso sobre alguns pontos que sirvam para negociação nos demais foros.
Unidos e países do Caribe, e Estados Unidos com Jordânia, são exemplos. É importante que os países do grupo insiram em suas leis nacionais tais pontos, para que te-
nham legitimidade de reclamá-los em outros foros.
No caso brasileiro, o país vem tratando de Propriedade Intelectual em cinco foros distintos: na
OMC, no Mercosul, com a União Européia, com os Estados Unidos, e na OMPI. Na OMC, em en- Temas como o direito de considerar a exploração local das patentes um dever do titular, de
contros sobre pontos específicos de Trips, já previstos quando da aprovação do acordo. No Mer- considerar as cláusulas comerciais restritivas como um abuso dos titulares, assim como o reco-
cosul, em discussão que tem por objetivo a harmonização possível entre as várias legislações dos nhecimento da exaustão de direitos com importações paralelas deveriam ser objeto de inclusão
Membros que tratam do assunto. Com a União Européia, numa tentativa de formar um mercado em todas as leis nacionais do grupo, numa futura fase de negociações.
comum com o Mercosul. Com os Estados Unidos, na iniciativa que visa a formar um mercado
comum contendo todos os países das Américas, com a exclusão de Cuba, numa primeira fase. E Com a União Européia, o tema Propriedade Intelectual foi incluído por iniciativa da delegação
na OMPI, onde vários projetos relacionados à Propriedade Intelectual acham-se em andamento.

O correto seria concentrar os esforços de negociação na OMC (e subsidiariamente na OMPI),


36 37 Européia. A última reunião entre as duas delegações se deu em março de 2004, em Buenos
Aires. Foi o 12º Encontro do Comitê Bi-Regional de Negociações. No relatório de conclusões,
na parte referente a IPRs, cada delegação expôs suas prioridades.
visando a corrigir os excessos de Trips, e evitar tratar o tema em outras negociações. Discutir o
mesmo tema em vários foros tende a enfraquecer a posição brasileira e a provocar concessões As prioridades da União Européia são:
que se refletirão futuramente nas negociações da OMC.
1. Manutenção de um alto nível de proteção para Propriedade Intelectual, indicando
No Mercosul, foi criada uma comissão de Propriedade Intelectual no grupo SGT-7, relacionado a necessidade de serem firmados e aplicados os novos tratados da OMPI (Tratado so-
à Indústria. Um primeiro protocolo de harmonização, voltado para Marcas, Indicações de Pro- bre Direito de Autor - WCT e Tratado sobre Interpretações, Execuções e Fonogramas
cedência e denominações de Origem chegou a ser firmado, mas foi rejeitado pelo Congresso - WPPT), além de proteção às obtenções vegetais por meio da UPOV
Brasileiro. Há, em lenta tramitação, um protocolo de patentes; um protocolo de solução de
controvérsias firmado e já colocado em vigor no Brasil; e um protocolo de harmonização de 2. Implementação, nas legislações nacionais, das medidas de Observância (Enforce-
normas em matéria de Desenhos Industriais que se acha bastante avançado. O texto deste úl- ment) previstas em Trips
timo reduz exigências burocráticas na tramitação entre os países, acha-se dentro dos limites de
Trips, e inclui, como novidade, a aplicação da teoria da exaustão de direitos para os desenhos 3. Cooperação
industriais, no âmbito do Mercosul.
4. Indicações Geográficas. O tema é considerado preferencial.
Neste foro, não há risco de se caminhar para situação de Trips Plus. Após o período dedicado
à harmonização de normas, espera-se que o Mercosul venha a buscar entre seus membros
Já o Mercosul apresentou as seguintes proridades: introduzido por iniciativa da delegação norte-americana, apresenta uma novidade: em vez de
reivindicar mudanças substantivas nos direitos a serem concedidos aos titulares, de forma a
1. Relações entre Trips e a Convenção da Biodiversidade cunhar um acordo Trips plus, a proposta americana se volta prioritariamente para assegurar
que o Mercosul aplique em suas legislação nacionais as chamadas cláusulas de observância
2. Relações entre Trips e Saúde Pública contidas no acordo Trips (art. 41 a 61).

3. Relações entre IPRs e regras para prática de concorrência desleal Observa-se, na documentação existente sobre o atual estágio das negociações (FTAA.ngip/
w/80/Ver.2, parte III), que o foco central da proposta norte-americana se dirige aos temas de
4. Transferência de tecnologia: aperfeiçoar o capítulo de Cooperação e indicar lista de Observância (Enforcement), que parecem exceder, em muito, a área de negociação substan-
medidas que contribuam para a transferência de tecnologia e inovação. tiva de propriedade industrial. A imposição de preceitos legais a serem incluídos na legisla-

Como se vê, há dois pontos principais por parte da União Européia: a pressão para que o Mer-
cosul venha a firmar e aplicar os novos tratados da OMPI (WCT e WPPT) e proposta de acordo
38 39 ção interna de cada país apresenta problemas de gravidade. Nesse campo, cada concessão
constitui a criação de novos argumentos para novas concessões. Temas como tratamento de
indenizações e perdas e danos (art. 2.3, 4.4), limitações na liberdade de definir determinados
sobre vinhos (ampliação dos direitos ligados a apelações de origem e indicações geográficas. prazos legais (art. 3.2), atuação das autoridades judiciais em caso de apreensão de bens (art.
4.3, 4.4), limitação de fatores para justificar dificuldades de observância pelos Estados (art.
Da parte do Mercosul, nota-se o interesse em buscar um equilíbrio adequado entre direitos e 1.9) não devem ser moeda de troca em negociações internacionais, pois contêm risco de in-
obrigações dos titulares, assim como melhorar a capacitação tecnológica dos países recepto- constitucionalidade e podem restringir a ação do judiciário nacional.
res. Observa-se uma clara preocupação, por parte do Mercosul, com o fato de que concessões
em tratados bilaterais ou regionais na área de Propriedade Intelectual criam um conjunto de Desde 2003, a delegação brasileira encarregada das negociações sobre a criação da ALCA
precedentes na linha trips plus que acabará por confluir para a OMC, onde o país se verá for- manifestou à delegação americana que o Mercosul não pretendia manter as negociações
çado a fazer mais concessões, além daquelas já existentes no acordo. relacionadas a Propriedade Intelectual, no mesmo nível das discussões sobre Acesso a
Mercados, que são o núcleo da ALCA. Para o que se considera acessório, prevêem-se
Embora o governo brasileiro prefira que discussões sobre os IPRs se realizem no âmbito da acordos bilaterais, se necessário. A concentração das negociações em Acesso a Mercados
OMC, as negociações com a União Européia continuam. Seu ritmo vem sendo lento, porque seria o caminho possível para que as negociações voltassem a um ritmo desejável. Depois
estas negociações esbarram na discussão maior entre as partes sobre subsídios à produção de algum tempo, parece que os norte-americanos concordaram com essa forma de nego-
agrícola nos países europeus. ciação, como confirmado pelo chanceler brasileiro em declaração ao Jornal do Brasil de
29-04-05, p. B 7: “Para Amorim, a base inarredável da negociação é a que foi selada em
As negociações da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) vêm sendo tratadas com certo Miami em 2003, que pode ser resumida assim: normas gerais sucintas e abertura para
atraso, posto que deveriam estar finalizadas em 2005. O capítulo de Propriedade Intelectual, amplas negociações de acordo com os interesses de cada país ou de cada bloco. O lado
americano também está totalmente comprometido com os parâmetros de Miami, disse 2. Definir que a revogação por meio da Caducidade possa ser declarada pela Adminis-
Roberto Abdenur, Embaixador brasileiro em Washington”. tração sem necessidade de haver sido concedida, previamente, uma licença compulsó-
ria. Esta proposta consiste em voltar a caducidade à situação prevista na Convenção de
A menos que haja mudanças fundamentais no encaminhamento das negociações, não há Paris, texto de Haia, a que o Brasil foi ligado até 1992. A caducidade é um instrumento
previsão de aprofundamento, na ALCA, do tema de Propriedade Intelectual. mais forte que a licença compulsória como meio de pressionar os titulares a realizarem
produção local, por seu caráter automático, que dispensa negociações prévias. Ademais,
A Organização Mundial do Comércio – OMC é o foro principal de discussão sobre Proprie- considerando a dificuldade de se obter interessados competentes para a concessão de
dade Intelectual e para lá deve voltar-se o esforço negocial brasileiro, depois dessa sábia licenças compulsórias nos países em desenvolvimento, resta praticamente apenas a
decisão de evitar manter discussões sobre Propriedade Intelectual em foros bilaterais ou caducidade como instrumento de governo no sentido de estimular a produção local.
regionais.

O acordo de Trips, em vigor desde 1994, prevê revisão de determinados de seus dispositivos.
Além do disposto no art. 27.3.b, referente à proteção para plantas e animais, que deverá ser
40 41 3. Desenvolvimento tecnológico dos países em desenvolvimento.

Os objetivos reconhecidos de Trips incluem menção consagradora à transferência e difusão de


objeto de revisão quatro anos após a entrada em vigor do acordo da OMC, a organização já foi tecnologia, colocando-a no mesmo patamar de importância da promoção da inovação tecno-
requerida a manifestar-se sobre a forma de assegurar aos países mais pobres, com insuficiente lógica, como se vê do artigo 7.
ou nenhuma capacidade de fabricação no setor de farmacêutico, solução que lhes permita
reduzir os preços de medicamentos para as graves doenças que afligem aqueles países (De- Ultrapassada a parte dos Princípios e Objetivos, entretanto, o texto é completamente silente
claração de Doha). Não há, no momento, uma revisão geral prevista, o que talvez espere o fim no que se refere a disposições concretas visando a estimular a transferência de tecnologia e o
do período concedido a países em desenvolvimento para colocar em aplicação todo o teor de aumento da produtividade das empresas licenciadas como meio de ampliar o desenvolvimento
Trips, previsto para 2005 (art. 66.1. de Trips). tecnológico e econômico do país.

São temas de interesse brasileiro a serem propostos oportunamente, para discussão no Sugerem-se três disposições que poderiam ter efeito benéfico: 1. os Estados-Membros poderiam ofe-
âmbito de Trips: recer incentivos fiscais aos titulares de patentes que as explorassem nos países em desenvolvimento
por meio de licenças para nacionais; 2. Os Estados-Membros ofereceriam estímulos financeiros para
1. E
 xploração Local: Uma definição clara de que os Países-Membros podem con- que os técnicos dos licenciados de países em desenvolvimento viessem ao país de origem fazer está-
siderar, em suas legislações, que a produção local dos processos e produtos pa- gios práticos; 3. Devem ser estabelecidos compromissos para que os benefícios de pesquisa financia-
tenteados é um dever dos titulares de patentes. Seu não cumprimento deve ser da com verbas públicas estejam disponíveis para todos, inclusive para os países em desenvolvimento.
considerado como um abuso do titular, como já é previsto nas disposições que As sugestões 1 e 3 constam do documento “Integrating Intellectual Property Rights and Development
tratam da licença compulsória. Policy” pág. 26, elaborado pela Comission on Intellectual Property Rights do Reino Unido.
3.3 A iniciativa brasileiro-argentina na OMPI O documento, apresentado em 26 de agosto de 2004, recebeu a identificação de WO/GA/31/11.
Tal proposta ficou conhecida como “Agenda de Desenvolvimento”.
Embora o foro mais importante de discussão sobre IPRs seja a OMC, a principal iniciativa
em que está envolvido o Brasil ocorre neste momento na Organização Mundial da Proprie- O documento começa por destacar a necessidade de desenvolvimento dos países menos avan-
dade Intelectual - OMPI. Esta organização, substancialmente esvaziada com o advento da çados como um dos principais desafios a serem enfrentados pela comunidade internacional.
criação da OMC, buscou aprofundar-se em programas paralelos de grande relevância. Entre Várias declarações firmadas em encontros internacionais confirmam este entendimento.
eles, vem coordenando discussões no âmbito do Comitê Permanente do Direito de Patentes
(Standing Comitee on the Law of Patents - SCP), para estabelecer o texto de um Tratado Reconhece a importância da inovação tecnológica, a ciência e a atividade criativa como fontes
sobre o Direito Substantivo de Patentes (Substantive Patent Law Treaty – SPLT), merecedor de bem estar e progresso material. Entretanto, as estatísticas demonstram que um crescente
de cuidados. “gap” de conhecimento continua a separar as nações ricas das pobres. A Propriedade Inte-

O texto em discussão eleva consideravelmente os padrões de proteção das patentes e cria


obrigações que dificilmente poderiam ser cumpridas por países em desenvolvimento. Mais
42 43 lectual deveria atuar como instrumento de promoção da inovação tecnológica, mas também
de transferência e disseminação de tecnologia. Na prática, entretanto, sua aplicação tem sido
desequilibrada, dando-se pouco relevo à necessidade de transferir e disseminar tecnologia.
do que isso, a iniciativa tem em mente apenas os direitos dos titulares de patentes, buscando Estudos demonstram que, em muitos casos, o custo incorrido por certos países com o sistema
defini-los, ampliá-los e assegurar-lhes aplicação, sem, em nenhum momento, se aprofundar de patentes é maior que o benefício dele auferido.
nas necessidades dos países onde se aplicarão tais patentes, particularmente os países em
desenvolvimento. Para corrigir este desequilíbrio, a proposta requer que a OMPI inclua, entre suas atribuições e
objetivos, a busca do desenvolvimento dos países membros. Na prática, que incorpore a preo-
Parece que se repete o ocorrido com Trips. Embora ao enunciar seus objetivos Trips haja co- cupação com o desenvolvimento em todas as suas atividades, em vez de limitar-se a promover
locado em pé de igualdade o estímulo à promoção da inovação tecnológica e a transferência a proteção da propriedade intelectual.
e difusão de tecnologia (art. 7), todo o seu texto de normas é voltado para o estímulo e recom-
pensa dos produtores, e nada demonstra interesse na transferência tecnológica e no equilíbrio Entre outras medidas, pretende-se emendar a convenção de criação da OMPI, para garantir que a
entre direitos e obrigações. dimensão do desenvolvimento fique inequivocamente incluída como um elemento essencial do pro-
grama de trabalho da Organização. A proposta chama atenção para a OMPI aceitar seu papel, como
Preocupados com tal situação, em que o interesse dos países em desenvolvimento só é tratado agência especializada da ONU, e adotar o compromisso de desenvolvimento previsto pela ONU.
nas disposições iniciais que enunciam desejos e boas intenções, sem o equivalente nas dis-
posições a serem cumpridas, um grupo de quatorze países, liderados por Brasil e Argentina, Como medidas práticas, a proposta pede que o projeto de Tratado Substantivo de Lei de Paten-
formularam uma proposta de grande substância a ser submetida à Assembléia Geral da OMPI, tes (SPLT), em discussão no âmbito do Comitê Permanente do Direito de Patentes (SCP), que
com vistas ao estabelecimento de uma agenda de desenvolvimento para a OMPI. deve resultar em aumento significativo dos padrões de proteção às patentes, leve em conta as
sugestões oferecidas pelos países em desenvolvimento, como meio de reduzir os custos que difusão de tecnologia e sobre políticas relacionadas a práticas anti-competitivas(10-Pedro de
teriam em sua implementação. A inclusão da dimensão do desenvolvimento no Comitê Perma- Paranaguá Moniz, publicado em www.planetaportoalegre.net/050516_2.htm.).
nente deveria procurar preservar as flexibilidades ligadas ao interesse público, aproveitando o
disposto nos art. 7 e 8 do acordo Trips. Além da proposta do Grupo de Amigos do desenvolvimento, outras três foram apresentadas:
dos EUA, do México, e do Reino Unido. As propostas dos EUA e do México rejeitam qualquer
Pede, também, que a transferência de tecnologia, considerada um objetivo importante no acor- mudança significativa no mandato da OMPI. Tais propostas estão centradas apenas na melho-
do Trips, seja objeto de trabalho da OMPI. Espera a identificação de medidas que assegurem ra da assistência técnica prestada pela OMPI.
efetiva transferência de tecnologia aos países em desenvolvimento, utilizando, por exemplo, os
resultados de pesquisas financiadas por fundos públicos nos países desenvolvidos. Após os três dias de intensos debates, os membros decidiram, realizar mais duas sessões da
Reunião Intersessional Intergovernos, uma a se realizar em 20-22 de junho de 2005 e a outra,
Por último, pede que a preocupação com o desenvolvimento dos países membros seja desta-
cada nos estudos em que se busca impor medidas de observância (enforcement) aos países
membros, em respeito aos seus sistemas legais. E que a cooperação técnica e assistência ofere-
44 45 em mais três dias no mês de julho de 2005, em datas a confirmar. Tais Reuniões proporciona-
rão mais tempo para que o importante assunto seja discutido, antes do prazo de 30 de julho de
2005, data na qual um relatório final sobre os resultados das discussões nas IIMs deverá ser
cidas pela OMPI aos países em desenvolvimento no campo da Propriedade Intelectual atendam entregue para apreciação a Assembléia Geral da OMPI, em agosto/setembro de 2005.
aos objetivos maiores da ONU, que incluem o desenvolvimento integral dos países membros.
O Brasil tem autoridade para fazer essa proposta, pelo seu passado de participação e contribui-
Tendo em vista a importância e extensão do tema, a Assembléia Geral aceitou a proposta para ção nos foros de proteção à Propriedade Intelectual: o país esteve entre os 11 signatários originais
futuras discussões e marcou uma Reunião Intersessional Intergovernos (IIM, na sigla em inglês) da Convenção de Paris, nela permanecendo ininterruptamente desde então. Partiu de sua inicia-
para 11-13 de abril de 2005, na OMPI, conforme sugerido na Agenda de Desenvolvimento, de tiva, no âmbito da ONU, o estudo denominado “The role of patents in developing countries”, que
forma que a Agenda e qualquer outra proposta feita por países membros fosse discutida. deu origem aos trabalhos de revisão da Convenção, iniciados em 1975, e que tinham por objetivo
adequar e flexibilizar os termos da Convenção às condições dos países em desenvolvimento. Por
Para a discussão da primeira IIM, ocorrida em 11-13 de abril de 2005, na OMPI, o Grupo autode- último, aderiu ao acordo Trips da OMC ainda em 1994, aplicando-o imediatamente à lei nacional,
nominado de Amigos do Desenvolvimento, formado por África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, dispensando o prazo de 10 anos que teria para adequar-se, por ser país em desenvolvimento e
Cuba, Egito, Equador, Irã, Kênia, Peru, República Dominicana, Serra Leoa, Tanzânia e Venezuela, por incluir novos setores nas regras de patenteamento (art. 65, alíneas 2 e 4 de Trips).
patrocinadores da Agenda do Desenvolvimento, apresentou uma nova proposta, de 30 páginas,
contendo quatro itens principais: 1. revisão do mandato e da governança da OMPI; 2. busca da Este histórico de participação concede à posição brasileira nos foros internacionais a autorida-
promoção de estabelecimento de normas pró-desenvolvimento na OMPI; 3. proposta de princí- de necessária para apresentar iniciativas renovadoras como esta, nas discussões referentes à
pios e diretrizes para avaliação da assistência técnica da OMPI aos países em desenvolvimento propriedade intelectual.
ou menos desenvolvidos, e 4) sugestão de diretrizes para trabalho futuro sobre transferência e
4. C ON C L U S Õ E S Pior que isso, as transformações ocorridas vieram em prejuízo maior aos países em desenvolvi-
mento. A padronização obrigatória em níveis elevados não levou em consideração que a renda
Nesses últimos 150 anos, a Propriedade Intelectual sofreu mudanças constantes desses países é menor. Que em vários deles as invenções novas não dispõem de similares, o
e profundas, sempre na direção de confirmar e ampliar os direitos dos titula- que enrijece o efeito do monopólio. Que suas indústrias e centros de pesquisa são limitados
res, reduzindo-se quase ao desaparecimento a preocupação com os seus deveres. em relação aos países desenvolvidos, o que aumenta a cada dia a distância entre eles. E que,
Em nenhum momento histórico buscou-se, com sucesso, um balanceamento rumo sem o direito de exigência de exploração local, o sistema de patentes atua sobre eles como
ao equilíbrio, que levasse em conta os interesses diretos dos países em desenvol- uma pura e simples reserva de mercado.
vimento, e dos seus consumidores. (A tentativa de mudar a Convenção de Paris para
reservar um tratamento diferenciado aos países em desenvolvimento fracassou, Acresça-se o fato de que algumas dessas invenções se acham no campo dos medicamentos e
depois de cinco anos de negociação, na conferência de Nairobi, em 1982). alimentos, que têm impacto diretamente sobre a vida e a dignidade das pessoas.

De um período em que a exploração local das invenções era exigida como condição básica
para a concessão da patente ou sua manutenção (aproveitado pela Inglaterra, Suíça, França,
46 47 A leitura do acordo Trips apresenta objetivos que, se seguidos, teriam limitado o efeito perverso que
o sistema de patentes tem sobre os países em desenvolvimento. Anuncia como objetivo maior, no
Estados Unidos e outros), chegamos a um momento histórico em que tal exigência é acusada seu art. 7, ao lado da inovação tecnológica, a transferência e difusão de tecnologia, de uma forma
de ilegal, como ocorreu quando os Estados Unidos reclamaram junto à OMC contra a inclusão, conducente ao bem-estar social e econômico e a um equilíbrio entre direitos e obrigações. Mas tal
pelo Brasil, de tal entendimento em sua lei de patentes. objetivo desaparece nos dispositivos seguintes, nas normas que compõem o tratado.

De um período em que a caducidade era instrumento normal e eficiente para assegurar a Está claro que sem a possibilidade de exigência de exploração local, o sistema de patentes não
exploração local, passamos a uma fase em que a licença compulsória expulsou de cena a interessa aos países em desenvolvimento. Está claro que, sem flexibilidade, o sistema atua em
caducidade, tornando-a letra morta, em benefício dos titulares de patentes. prejuízo dos países em desenvolvimento. Conceder monopólio por vinte anos sem qualquer
contraprestação, apenas para atender o princípio de recompensar os inventores e estimular a
De um período em que a licença compulsória era apresentada como imposição capaz de im- promoção da atividade inventiva não é razoável.
pedir os abusos dos titulares, passamos a uma licença compulsória inaplicável em razão de conceder reserva de mercado para produtos que só vêm para o país por meio de importações,
mudanças em sua natureza, que a tornaram não-exclusiva e obrigatoriamente remunerada. sem nenhum benefício específico, atenta contra a razoabilidade.
De um período em que cada país tinha o direito de legislar sobre propriedade intelectual como
um instrumento de política econômica, definindo os setores a que atribuir direitos de monopó- Por isso é que a atuação do Brasil nas negociações sobre propriedade intelectual tem obtido
lio, sua duração e suas condições, passamos para um acordo internacional em que todos os tamanha repercussão e recebido tantos apoios. Requerer a inclusão da dimensão do desen-
setores econômicos devem ser protegidos por patentes, com direitos padronizados em nível volvimento nos acordos que regem a propriedade intelectual, em sua aplicação prática, é
elevado, sem restrições aos titulares. ajudar a manter o sistema internacional de propriedade intelectual. Exigir que haja um esforço
sobre o objetivo de propiciar a transferência e difusão da tecnologia é uma contribuição para
que Trips possa ser aceito, com menores custos aos países em desenvolvimento. Entender
que a exploração local possa ser exigida pelo país concedente de uma patente não deve ser
considerado uma aberração. Ensinava a todos nós em meados do século passado o renomado
mestre Paul Roubier ( Le droit da la Propriété Industrielle - 1952) que “Si l’État accepte de
donner à l’ínventeur um monopole d’exploitation, c’est à la condition qu’ il y ait effectivement
une exploitation”.

Os próximos anos demonstrarão se um tratado tão desigual quanto Trips, num setor tão sensí-
vel quanto o das inovações tecnológicas e tão importante para os países em desenvolvimento,
pode ter longa duração. A experiência bem sucedida da Convenção de Paris, com sua flexibili-
dade e respeito às legislações de cada país membro, leva a crer que Trips deverá se flexibilizar,
pelo menos em relação aos países em desenvolvimento, para permitir que todos possam se
48 49
beneficiar da criação das novas invenções.

Brasília, maio de 2005


Trata-se de uma iniciativa do Brasil, da Argentina e de mais treze países em desenvolvimento,
que buscaram instaurar, nas atividades da OMPI, paralelamente à proteção da Propriedade In-
telectual, a obrigação de que o desenvolvimento dos países-membros passasse a ser analisado
como aspecto fundamental.

1 . A s pa t e n t e s , da R e v o luçã o I n dus t r i al à
C o n v e n çã o d e Pa r is ( 1 7 0 0 a 1 8 8 3 )

A Agenda para o Para discutir a matéria, é necessário inseri-la em seu contexto histórico. Relem-
Desenvolvimento, bremos a origem dos sistemas de propriedade intelectual, na Inglaterra da revo-

da ompi 50 51 lução industrial (1680-1740), em que o objetivo era assegurar a produção local
das novas invenções. A concessão de patentes, então, visava a atrair inventores e
investidores para o desenvolvimento dos países que as concediam.

Cento e cinqüenta anos depois, realizou-se uma primeira tentativa de padronização das legis-
lações dos vários países, bem sucedida, que culminou com a criação da Convenção de Paris,
em 1883. Já nessa época, havia um grupo de intelectuais favorável a uma maior padronização
das leis de patentes, que levasse, no futuro, à criação da patente mundial, idêntica e única.
Superava-o, entretanto, o grupo que entendia as patentes como um entrave ao livre comércio
e só as admitia dentro de certos limites, a serem definidos pelos países concedentes. Nessa
época, entendiam-se as patentes como um contrato entre os países concedentes e os titula-
res das invenções, segundo o qual o Estado assegura ao titular o monopólio temporário da
produção e da comercialização do invento, exigindo, em contrapartida, que a invenção seja
integralmente desvendada e explorada localmente. Não se falava, à época, em direito natural
como fundamento dos direitos de Propriedade Intelectual.
2 . D a C o n v e n çã o d e P a r i s a o A c o r d o TRI P s ( 1 8 8 3 a 1 9 9 5 ) Organização Mundial da Propriedade Intelectual - OMPI, entidade internacional inde-
pendente, com sede em Genebra, que passou a ter status de Agência Especial da ONU
A Convenção de Paris acolheu primordialmente os argumentos do segundo grupo, em 1974.
sob o fundamento do conceito da Independência das Patentes, ao criar um tratado
baseado em apenas dois princípios obrigatórios: o Tratamento Nacional e o Princípio Interessante notar, sob o ponto de vista histórico, que, de 1975 a 1980, a OMPI preparou uma
da Prioridade. Com tão baixo nível de padronização e a conseqüente liberdade le- 7ª revisão da Convenção de Paris, que tinha por objetivo flexibilizar seu texto para levar em
gislativa deixada aos membros, a Convenção de Paris acolheu a quase totalidade de conta, por primeira vez, os interesses específicos dos países em desenvolvimento, em oposição
países do mundo, sendo um exemplo notável de longevidade e número de filiados. ao que vinha sendo feito nos últimos 100 anos.

Durante o século XX surgiram grandes empresas com atividades disseminadas por vários paí- Tratava-se de reformular o texto então vigente, introduzindo-lhe exceções que levassem
ses e a concentração dos novos conhecimentos técnicos em poucos laboratórios. Tais empre-
sas passaram a necessitar e a exigir maior proteção para suas invenções, tanto em seus países
de origem quanto nos demais países em que atuavam.
52 53 em conta as características específicas dos países-membros, especialmente criando flexi-
bilidades para os países em desenvolvimento, que se sentiam insatisfeitos com as mudan-
ças aprovadas no texto da última revisão da Convenção de Paris, firmado em Estocolmo,
em 1967. Em particular, duas mudanças eram objeto de críticas: a exigência de prévia
Durante os pouco mais de 100 anos em que a Convenção de Paris regeu o sistema interna- licença compulsória para aplicação da caducidade e a obrigação de as licenças compul-
cional de Propriedade Intelectual, ela foi objeto de 6 Revisões (Bruxelas – 1900; Washington sórias serem não-exclusivas. Como exemplo prático, lembremo-nos que até 1982 o Brasil
– 1911; Haia – 1925; Londres – 1934; Lisboa – 1958; e Estocolmo – 1967). Em todas elas, sem se ligava à Convenção de Paris pelo texto da revisão de Haia, de 1925, por não concordar
exceção, as modificações foram no sentido de ampliar os direitos dos titulares das patentes, em com as exigências do texto de Estocolmo. Registre-se também que foi em decorrência do
detrimento dos direitos dos países concedentes. Sobre o tema, remeto a um trabalho elaborado documento “O papel das patentes nos países em desenvolvimento” elaborado pela ONU
por nós a pedido da Fundação Heinrich Boell, em 2005, denominado “As Transformações do em 1964 por iniciativa do Brasil, que a OMPI deu início à nova revisão em 1975, prevista
Sistema de Patentes, da Convenção de Paris ao Acordo TRIPs. A Posição Brasileira.” para ser ratificada em 1980, em Nairobi, no Quênia. Lamentavelmente, o texto duramente
negociado e finalmente ajustado entre todas as partes recebeu, em 1979, um veto total do
Nesse período, a maioria dos novos autores passou a considerar o direito dos titulares das governo americano.
patentes como um direito natural, baseado no direito à propriedade, oponível mesmo aos go-
vernos concedentes das patentes. A 7ª revisão não levou a um novo texto e, em Nairobi, os Estados Unidos informaram sua inten-
ção de deslocar, da OMPI, o fórum de negociação de propriedade intelectual. Eles pretendiam
A Convenção de Paris foi administrada na primeira metade do século XX pelos BIRPI (Bu- levar as discussões para o âmbito do GATT, onde as negociações comerciais lhes pareciam
reaux Internationaux Réunis pour la Propriété Intelectuelle – Birôs Internacionais Reunidos mais adequadas para permitir maiores concessões pelos países em desenvolvimento do que
para a Propriedade Intelectual). A partir de 1967, ela passou a ser gerida pela recém criada no âmbito da OMPI.
Apesar de reações negativas de vários países em desenvolvimento, liderados por Brasil e e) Obrigação de serem patenteadas todas as invenções, de produtos ou processos,
Índia, que desejavam a permanência do assunto no âmbito da OMPI, o tema da Propriedade em todos os setores (art. 27.1); etc.
Intelectual passou a ser tratado no GATT, a partir da reunião de Punta del Este, no Uruguai,
em 1986. Com TRIPs, a margem de manobra dos países em desenvolvimento para utilizarem o sistema
de patentes em seu benefício se reduziu muitíssimo, aumentando significativamente a prote-
Em conseqüência negociou-se, juntamente com a criação da Organização Mundial do Co- ção dada aos titulares das patentes, sem nenhuma equivalência de deveres.
mércio - OMC, o novo tratado sobre Propriedade Intelectual, denominado TRIPs (Aspectos da As flexibilidades restantes são em muito pequeno número e trazem tantas e tamanhas condi-
Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio). cionantes que são de difícil e rara utilização pelos países em desenvolvimento, como é o caso
das licenças compulsórias. Citemos entre as poucas flexibilidades as disposições que permi-
tem aos Estados excluir do patenteamento alguns objetos, em certas circunstâncias (como

3. A ép o ca de TRI P s (1995 e m d i a n t e )
54 55 plantas e animais); e a ausência de definições fixas sobre os conceitos de novidade, atividade
inventiva e aplicação industrial, o que transfere às legislações nacionais a definição do que é
novo, onde há ou não atividade inventiva e o que é passível ou não de aplicação industrial. Ao
não tomar partido na questão da exaustão de patentes (art. 6 de TRIPs), permite-se a possibi-
Com o acordo TRIPs estabeleceu-se elevado grau de proteção às normas substan- lidade de uso das importações paralelas para os países interessados.
tivas que regem o direito de patentes e um enorme aumento na padronização das
legislações nacionais de Propriedade Intelectual:

a) Prazo mínimo para proteção de patentes (20 anos) e marcas (10 anos) contado a 4 . A n o va a t uaçã o da O M P I
partir do depósito (art. 33);
Diante de TRIPs, administrado pela Organização Mundial do Comércio – OMC, que
b) Listagem extensiva dos direitos dos titulares, com menção dos direitos em relação impôs um nível elevado de padronização substantiva e procedimental na área de
a terceiros (at. 28); Propriedade Intelectual, a OMPI parecia destinada a tornar-se uma organização
secundária, responsável por atuar apenas em tratados procedimentais, como o
c) Transferência do ônus da prova para o acusado nas ações por contrafação referen- PCT (Tratado de Cooperação em matéria de Patentes).
tes a patentes de processo (art. 34);
Após repensar seu papel, preocupada em manter seu lugar de destaque no sistema inter-
d) Definição da extensão dos direitos das patentes de produto e de processo, am- nacional da Propriedade Intelectual, a OMPI passou a atuar em projetos que surpreenden-
pliando a proteção do processo até o produto a que ele dá origem (art. 28); temente ampliava ainda mais a padronização, numa espécie de TRIPs-Plus. Começou pelo
novo tratado de direitos autorais (WCT), seguido do tratado sobre proteção de fonogramas e estas situações: meras descobertas, idéias abstratas como tais, teorias matemáticas, cien-
intérpretes (WPPT), que têm caráter TRIPs-Plus, muito além dos altos padrões já estabelecidos tíficas e leis da natureza como tais, e criações puramente estéticas. Já em TRIPs, os países
por TRIPs. podem excluir da patenteabilidade, entre outros, métodos terapêuticos (art.27.3a), e plantas
e animais (art.27.3b). Caso o SPLT se transforme em tratado, os países ficarão ligados a
Parecendo em busca do espaço perdido, voltou-se para uma agenda dirigida a uma maior pa- condições diferentes sobre o mesmo e importante tema. Sendo acordo posterior, é provável
dronização, na área de patentes, na linha do antigo sonho de alguns, da patente mundial. Para que venha a ser aplicado.
isso, passou a trabalhar na padronização de normas procedimentais, e de normas substanti-
vas. No âmbito procedimental, adotou, no ano 2000, o PLT (Tratado sobre direito de patentes) Como se viu antes, o projeto de SPLT (art. 13.3) limita a poucos casos as restrições admissí-
e lançou o projeto de reforma do PCT (Tratado de Cooperação em matéria de Patentes). Ambos veis para a concessão de patentes. Nessas condições, exigências hoje existentes em algumas
os textos visam a uma gradual aproximação de normas procedimentais de patentes entre os legislações, como a de os requerentes informarem a origem e o cumprimento de normas sobre
países membros.

Na área substantiva, lançou as bases do SPLT (Tratado sobre direito substantivo de patentes),
56 57 acesso e repartição de benefícios com relação a recursos genéticos que dêem origem a paten-
tes, estariam em descordo com o SPLT.

cujas normas visam a definir os conceitos de patenteabilidade a serem seguidas por todos os Sabe-se que a padronização do sistema se patentes é um tema de grande interesse de paí-
países-membros. Tal definição, se atingida, reduziria ainda mais a margem de escolha dos ses desenvolvidos, nos quais se encontram as matrizes das principais empresas que usam o
países para definir o que é novo, o que é atividade inventiva e o que tem aplicação industrial. sistema de patentes, e onde se realiza a maioria das atividades que levam a invenções sus-
Além disso, cria regras que estabelecem a definição do conceito de estado da técnica. ceptíveis de serem patenteadas. Busca-se com a padronização, chamada eufemisticamente
de harmonização, uma ampliação da previsibilidade no campo dos negócios, o que se admite
Com o SPLT, seria diminuída ainda mais a pequena margem de flexibilidade que os países ain- como um objetivo aceitável, mas não à custa de maiores restrições às políticas dos países em
da detêm no TRIPs, sob o argumento de tornar o sistema mais parecido em todo o mundo, na desenvolvimento. Para estes últimos, essa padronização coloca em risco a preservação das
presunção de que isso contribuiria para o aumento da qualidade das patentes concedidas. poucas flexibilidades ainda garantidas no acordo TRIPs.

A fundamentação econômica da idéia é a mesma dos que almejam a patente universal, isto Há que se entender que as normas de TRIPs já constituem um encargo muito elevado para os
é, diminuir as possibilidades de que diferenças de legislações nacionais causem prejuízos às países em desenvolvimento. A adaptação a essas normas exigiu de países como o Brasil um
empresas, pela possibilidade de ter uma patente em um país, mas a patente não ser concedida grande esforço de adaptação. Para países em desenvolvimento, o acordo TRIPs representa um
em um outro, em razão das diferenças normativas entre legislações nacionais. teto de obrigações de difícil assimilação, e não há evidências de que maior padronização nas
normas substantivas de patentes possa lhes ser benéfico e nem que isso contribuiria para o
Vejamos algumas disposições tratadas diferentemente no projeto do SPLT e no acordo aumento da qualidade das patentes concedidas.
TRIPs: No projeto do SPLT a lista dos casos de exclusão de patenteabilidade se resume a
5. R e sum o histórico das n e g o c i açõ e s d o S P LT. tava o SPLT, não se falando mais de temas para serem discutidos no âmbito do SPLT e sim de
temas a serem abordados no comitê de patentes da OMPI.
As negociações começaram no ano 2000, quando a primeira versão do SPLT foi apre-
sentada, no âmbito do Comitê de Patentes. As discussões preliminares se estenderam Em Julho de 2007, os países apresentaram comentários a uma lista de assuntos produzida
por três anos e, em 2004, os países da chamada Trilateral (EUA, União Européia e Ja- pelo presidente da Assembléia Geral da OMPI, em consultas informais com as delegações de
pão), apresentaram o que se chamou de pacote reduzido da negociação: para esses Genebra. E essa lista de temas vai servir para que o secretariado da OMPI produza um estudo,
países, o SPLT deveria restringir-se a quatro temas: definições de novidade, de in- sem prejulgar qualquer resultado, sobre esses temas, no que diz respeito ao direito de paten-
ventividade, uma regra sobre período de graça e regra definindo estado da técnica. tes. Esse estudo será tratado na próxima sessão do comitê de patentes, como confirmado pela
Eventuais propostas sobre outros temas poderiam ser tratadas em momento posterior. Como se assembléia geral deste ano, devendo ocorrer provavelmente no início de 2008.
vê, temas de grande importância, que viriam a condicionar a atuação dos países concedentes
de patentes. Esta proposta foi amplamente rejeitada pela maior parte dos membros da OMPI,
inclusive o Brasil, em diversas oportunidades: na 10ª seção do SCP, em 2004, na assembléia
geral da OMPI de 2004, e em mais duas oportunidades, no ano de 2005.
58 59 Como se observa, os países em desenvolvimento têm feito todo o possível para evitar a apro-
vação do SPLT e de outros tratados que venham a reduzir sua estreita margem de flexibilidade
na análise e concessão de patentes.

Com vistas a destravar o impasse que se formou por conta da apresentação dessa proposta de pa-
cote reduzido, a Assembléia Geral de 2004 encarregou o diretor-geral da OMPI de conduzir con-
sultas informais entre os membros, para tentar achar uma solução de compromisso quanto aos
temas que fariam parte da negociação desse tratado, mas o impasse na negociação prosseguiu. 6 . R e açã o d o s Pa ís e s e m D e s e n v o lv i m e n t o

Em seguida, a Assembléia Geral de 2005 resolveu convocar uma grande conferência com Desde o início da década, alguns países emergentes perceberam que a nova agenda de
a participação de acadêmicos representantes do setor privado (“open fórum”), para discutir discussões da OMPI era muito voltada para ampliação de direitos de propriedade inte-
temas ligados à padronização de patentes, no início de 2006. Os países em desenvolvimento, lectual, com vistas a padronizar as leis nacionais. Há consenso entre eles de que nem
entre eles o Brasil, admitiram discutir o pacote reduzido apresentado pelos países da trilateral, sempre mais propriedade intelectual significa mais desenvolvimento. Embora uma avaliação
desde que acrescido de outros temas de interesse de países em desenvolvimento. Foi mais um completa dos resultados e impactos resultantes da implementação das normas de TRIPs a to-
ano sem avanço na negociação do SPLT. dos os países ainda demorará algum tempo, aqueles que já incorporaram as normas de TRIPs
há mais de dez anos não conseguiram contabilizar efeitos positivos para suas economias.
Na seqüência, a assembléia geral da OMPI de 2006 deu um mandato para que seu presidente,
que hoje é o Embaixador das Filipinas em Genebra, conduzisse consultas informais junto aos No âmbito da OMPI, o processo de negociação do SPLT, em particular, chamou a atenção
países, com vistas a levantar temas para serem discutidos no Comitê de Patentes, onde trami- de alguns países de que era preciso incorporar a preocupação com o desenvolvimento às
atividades e aos objetivos da Organização. As negociações do SPLT tendiam a comprometer tecnologia. Padronização de leis de Propriedade Intelectual pode levar a prejuízos
flexibilidades que são importantes para países em desenvolvimento. para alguns países, que devem ser protegidos com grau de flexibilidade adequado;

Havia uma percepção geral de que os projetos em andamento na OMPI se caracterizavam, cada 3. A OMPI deve integrar o aspecto desenvolvimento em todas as suas atividades, em
vez mais, pela busca de maior proteção para os titulares de patentes, sem considerar as flexibi- igualdade com a promoção da proteção da propriedade intelectual;
lidades que devem ser concedidas aos países em desenvolvimento, levando a uma agenda cla-
ramente caracterizada como TRIPs-Plus. Faltava à OMPI uma reflexão sobre as conseqüências 4. C
 itando expressamente as negociações do SPLT, apresenta preocupações e pede
que uma Agenda TRIPs-Plus poderia acarretar para os países em desenvolvimento, com impac- que todos os pontos de vista de países em desenvolvimento sejam levados em
tos sobre seu esforço de crescimento. A continuar assim, o sistema de propriedade intelectual consideração;
se encaminhava mais para prejudicar que para beneficiar os países em desenvolvimento.

60 61 5. Enfatiza a importância da transferência de tecnologia na obtenção do desenvol-


vimento;

7 . A p r o p o s t a d e A g e n da pa r a o D e s e n v o lv i m e n t o 6. R
 ecusando mudanças que levem a normas TRIPs-Plus, pede o equilíbrio entre os
interesses dos titulares de patentes e seus deveres, particularmente no cumpri-
Como reação a essa orientação da OMPI, Brasil e Argentina apresentaram à As- mento dos art. 7 e 8 de TRIPs.
sembléia Geral, em pleno processo de negociação do SPLT, em 26-08-2004, uma
proposta que visava o estabelecimento, na OMPI, de uma Agenda para o Desenvolvi- 7. A necessária ampliação da cooperação e assistência técnica da OMPI aos países
mento (doc. WO/GA/31/11). Em seguida, outros 13 países se juntaram aos dois, como em desenvolvimento.
co-proponentes, que passaram a ser denominados Grupo de Amigos do Desenvol-
vimento: África do Sul, Bolívia, Cuba, Equador, Egito, Irã, Peru, Quênia, República 8. A
 abertura da OMPI para outros interessados nas discussões sobre Propriedade
Dominicana, Serra Leoa, Tanzânia, Uruguai e Venezuela. Intelectual, distinguindo ONGs que representam os interesses dos titulares daque-
las que representam o interesse público, promovendo equilíbrio entre produtores
O documento brasileiro e argentino destaca oito pontos de discussão: e usuários do conhecimento tecnológico.

1. O desenvolvimento como o principal desafio da comunidade internacional; Durante o ano de 2005, o grupo intergovernamental encarregado de discutir a proposta bra-
 sileiro-argentina e as demais que foram apresentadas reuniu-se em três ocasiões (abril, julho
2. A Propriedade Intelectual não pode ser vista como um fim em si mesmo, mas e julho).
como instrumento do desenvolvimento, promovendo inovação e disseminando
Em fevereiro e junho de 2006 reuniu-se o Comitê Provisional para análise das propostas de 5 . C o n clusõ e s
Agenda para o Desenvolvimento (PCDA), seguindo-se novas reuniões em fevereiro e junho de
2007. Nesta 4ª sessão, o Comitê Provisional concluiu as análises, e preparou uma série de A proposta de criação de uma Agenda para o Desenvolvimento, na OMPI deve ser
45 recomendações, divididas em 6 temas, a serem propostas à Assembléia Geral. Entre elas, vista como uma reação de alguns países em desenvolvimento contra a nova estra-
indicou-se a criação, na OMPI, de um Comitê de Desenvolvimento para implementar as reco- tégia de trabalho da Organização que, ofuscada pelo acordo TRIPs, busca retomar
mendações, fazendo relatos anuais e recomendações à Assembléia Geral. sua posição de destaque nas discussões sobre propriedade intelectual com uma
linha da atuação claramente identificada como TRIPs-Plus.
Em 28 de setembro de 2007, a Assembléia Geral aprovou a criação do Comitê de Desen-
volvimento, formada de Membros da OMPI, para monitorar, avaliar, discutir e relatar a A proposta teve grande impacto na comunidade internacional e foi bem sucedida no sentido de
implementação das recomendações adotadas, das quais 19 foram consideradas como de frear a aprovação do projeto SPLT, que deverá ser objeto de longa rediscussão.
pronta execução.

A primeira delas é de que as atividades normativas na OMPI devem ser equilibradas e devem
62 63 O resultado final da proposta, com a criação, em 28 de setembro último, de um novo órgão
interno na OMPI, o Comitê de Desenvolvimento dá a impressão de uma forma de acomodação
respeitar os diferentes níveis de desenvolvimento entre os países; isso significa que as nego- criada pela Organização, no sentido de demonstrar sua apreciação pelas reivindicações dos
ciações na OMPI não devem partir da idéia de que a mesma norma é boa para todos os países países em desenvolvimento, mas não indica que a OMPI decidiu tratar seus projetos tendo
e que produzem efeitos iguais em todos eles. Um dos resultados da agenda para o desenvol- como diretrizes de igual valia a proteção da propriedade intelectual e a preocupação com o
vimento é justamente consagrar esse novo tipo de entendimento, que terá impactos sobre as desenvolvimento dos países membros, que estava no cerne da proposta brasileiro-argentina.
negociações em curso e futuras na OMPI.
A aprovação das 45 recomendações demonstra uma mistura de resposta à proposta com vá-
Uma segunda recomendação, que diz respeito também à negociação do SPLT, é de que as rias outras recomendações voltadas para o aperfeiçoamento do atual programa de assistência
negociações da OMPI devem considerar as flexibilidades existentes, ou seja, elas não devem técnica já existente na OMPI, sem responder à questão principal de considerar a integração
erodir flexibilidades contempladas pelo sistema de propriedade intelectual. do aspecto desenvolvimento em todas as suas atividades, em igualdade com a promoção da
proteção da propriedade intelectual;
E uma terceira recomendação importante é a consagração de que as negociações na OMPI de-
vem ser objeto de consulta e amplas discussões sobre sua oportunidade e conveniência. Expe- Trata-se, de todo modo, de um avanço no sentido de reduzir-se a velocidade com que se busca
riências como a do fórum aberto, com ampla participação de entidades não governamentais e dar mais e mais proteção aos títulos de propriedade intelectual, sem levar na devida conta a
especialistas de vários países, utilizado na discussão do SPLD, deverão tornar-se regra geral. necessidade que têm os governos de conter os impactos que a elevada proteção pode trazer a
sua economia, a suas empresas e a seus consumidores.
Deve-se reconhecer, por outro lado, que a ação dos países “amigos do desenvolvimento” con-
tinua a ser uma ação de reação, ação defensiva, tentando reduzir a ampliação ainda maior dos
direitos dos titulares, em detrimento da liberdade dos governos de usar seus instrumentos de
política econômica sem restrições abusivas, que impedem o desenvolvimento dos países.

Essas ações deveriam ser acrescidas de iniciativas maiores, não só no âmbito da OMPI, como
também no âmbito da OMC, por meio do questionamento de alguns pontos de TRIPs, que
merecem ser modificados.

São temas de interesse dos países emergentes a serem propostos oportunamente para discus-
são no âmbito de TRIPs:

1. E
 xploração Local: uma definição clara de que os Países-Membros podem consi-
derar, em suas legislações, que a produção local dos processos e produtos pa-
tenteados é um dever dos titulares de patentes. Seu não cumprimento deve ser
considerado como um abuso do titular, como já é previsto nas disposições que
tratam da licença compulsória.

2. Definir que a revogação por meio da Caducidade pode ser declarada pela Admi-
nistração sem necessidade de haver sido concedida, previamente, uma licença
compulsória, como meio de fortalecer o dever de exploração local das patentes.

3. Estabelecer medidas e disposições concretas, nos países desenvolvidos, visando a


estimular a transferência de tecnologia e o aumento da produtividade das empre-
sas licenciadas, como meio de ampliar o desenvolvimento tecnológico e econômi-
co dos países em desenvolvimento.

Brasília, novembro de 2007.

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