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Caderno Religião e Política

Caminhos abertos para superar o ódio e a intolerância na Bahia


Ana Gualberto e Camila Chagas

Editora: Pesquisa iconográfica:


KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço Marilene de Paula
Co-editora: Fundação Heinrich Böll Andréa Carvalho
Sebastian Lenders
Licença:
Licença CC BY-NC-SA 4.0 Revisão:
https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0 Marilene de Paula
Manoela Vianna
Fotos das capas:
Capa: Clarissa Pacheco (CC BY 4.0) Projeto gráfico e diagramação:
Contracapa: Clarissa Pacheco (CC BY 4.0) Beto Paixão
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G899c
Gualberto, Ana; Chagas, Camila.
Caminhos abertos para superar o ódio e a intolerância na Bahia. Ana
Gualberto, Camila Chagas. – Salvador [Bahia]: KOINONIA Presença
Ecumênica e Serviço; Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2019.
50 p.

ISBN 978-85-99416-13-6.

1. Intolerância religiosa. 2. Liberdade religiosa. 3. Religião Matriz Africana.
4. Discurso de ódio. I. Gualberto, Ana. II. Chagas, Camila. III. Título.

CDD 261.7

Salvador, janeiro de 2019


A LIBERDADE
RELIGIOSA
COMO DIREITO
FUNDAMENTAL Pg. 11

INTOLERÂNCIA
RELIGIOSA COMO
CRIME Pg. 16

INSTITUIÇÕES
DO PODER
PÚBLICO Pg.20

ORGANIZAÇÕES
E INICIATIVAS DA
SOCIEDADE CIVIL Pg. 32

AÇÕES DAS
COMUNIDADES
DE TERREIRO
EM SEUS ESPAÇOS Pg. 40

CONCLUSÃO Pg. 48
APRESENTANDO
O CADERNO
RELIGIÃO E POLÍTICA
A história da luta das negras e negros das mais variadas, é o que nos conta
no Brasil pela sua liberdade e igualdade Ana Gualberto e Camila Chagas, au-
começa quando os primeiros aqui che- toras da publicação digital “Caminhos
garam vindos escravizados nos tum- abertos para superar o ódio e a into-
beiros, como eram chamados os navios lerância na Bahia”, que @ leitor@ tem
que trouxeram cerca de três milhões em suas telas. Protagonista de sua his-
de pessoas para as terras brasileiras. tória, o povo de santo, vem resistindo
O legado histórico de tantos homens e às tentativas de demonização, ao des-
mulheres amalgamou o Brasil de hoje. respeito, violências simbólicas, físicas
Mas o processo de escravização deixou e psicológicas. Para falar sobre esse
sua raiz perversa na formação da so- tema a Fundação Heinrich Böll e KOI-
ciedade brasileira. Entendê-lo e superá NONIA Presença Ecumênica e Serviço
-lo é tarefa com a qual nos debatemos lançam o Caderno Religião e Política,
todos os dias. Em muitas arenas houve que nesta edição mapeia iniciativas da
avanços, conseguidos a partir da re- sociedade civil e do Estado contra a in-
sistência, das alianças, da rebelião, do tolerância e o racismo religioso.
convencimento, da justiça, da política, Agradecemos as autoras Ana Gual-
da reza, do canto, da dança. berto e Camila Chagas e a toda equipe
As religiões afro-brasileiras foram e são de KOINONIA. Às autoras agradecemos
o sustentáculo dessa herança visível em especial pela dedicação e cuida-
nos rostos de um pouco mais de 50% da do em nos trazer informações sobre os
população. Atacados por grupos reli- caminhos pelos quais Estado e socie-
giosos cristãos fundamentalistas, mães dade civil têm atuado para que seja
e pais de santo, filhos e filhas das comu- cada vez mais realidade o respeito a
nidades de terreiro, hoje se articulam todas as crenças e religiões, a todas as
em um sem número de organizações, vozes que buscam reforçar a em cons-
comunidades e movimentos que lutam tante disputa e construção, democra-
por respeito e garantia de seus direitos. cia brasileira.
O racismo, em sua versão religiosa, fez
aumentar o número de casos de vio-
lência contra terreiros, centros e roças
de candomblé e umbanda ao longo do Marilene de Paula
território brasileiro. A resposta também Coordenadora de Programa
está sendo dada, a partir de iniciativas da Fundação Heinrich Böll

Camila Chagas | Ana Gualberto


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APRESENTAÇÃO
A liberdade de crença é “inviolável”, de para mudar este quadro. Onde estão
acordo com o quinto artigo da Cons- essas iniciativas? O que deu certo? O
tituição. De acordo com a lei, é asse- que podemos aprender com as iniciati-
gurado a todos os brasileiros o “livre vas que não deram certo? Como incidir
exercício de cultos religiosos e tendo pela efetividade das ações?
garantida a proteção aos seus locais
Durante os meses de agosto e setem-
de culto e às suas liturgias”. Ainda se-
bro de 2018 nos debruçamos para reu-
gundo a carta, o Estado brasileiro é lai-
nir informações sobre os instrumentos e
co, ou seja, não tem religião oficial nem
ações em combate a intolerância e ódio
deveria favorecer uma religião em de-
religioso na Bahia visando responder es-
trimento de outra. O artigo 208 do Có-
sas questões, tendo como marco tem-
digo Penal trata dos crimes contra o
poral pós caso Mãe Gilda1 falecida em
“sentimento religioso”, como zombar de
2000. Reunimos muitas informações e
alguém por motivo de crença religiosa,
nos atrevemos a fazer uma breve aná-
perturbar ou impedir culto e desres-
lise da eficácia e funcionamento dos
peitar ato ou objeto religioso. As penas
mesmos. O resultado está nesta publi-
previstas são multa ou detenção, de um
cação que lhe convidamos a conhecer,
mês a um ano. Se há uso de violência no
questionar e se achar útil, compartilhar.
ato, a pena aumenta em um terço. Ca-
bem ainda as penas específicas ao ato Somos KOINONIA, organização da so-
violento. A Lei nº 9.459, de 15 de maio de ciedade civil que atua na Bahia desde
1997, classifica como crime a prática de 1994 dialogando com as comunida-
discriminação ou preconceito contra des de terreiros de candomblé. Temos
religiões. Mesmo com toda essa legisla- como propósito assessorar as comuni-
ção o que temos acumulado, são casos dades, oferecer serviços de capacita-
e mais casos de intolerância religiosa e ção diversos, produzir conhecimentos,
de ódio religioso em todo o país. Olhan- contribuir na circulação e produção de
do para o universo do estado da Bahia, informações e realizar incidência públi-
existem iniciativas que têm buscado de ca para garantia de direitos e denúncia
formas diversas, incidir positivamente de violações dos mesmos.

1. Veja mais informações no texto e no site de KOINONIA (www.


koinonia.org.br )

6 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


Olubajé, 2018, Salvador (BA)
Imagem: Ivana Flores (Flores Comunicação)

Camila Chagas | Ana Gualberto


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CAMINHOS
ABERTOS PARA
SUPERAR O ÓDIO
E A INTOLERÂNCIA
RELIGIOSA
NA BAHIA
Camila Chagas2 e Ana Gualberto3

INTRODUÇÃO senta, de forma breve, as iniciativas


dos órgãos públicos e da sociedade ci-
Com o escopo de possibilitar troca de
vil acerca das ações de combate à in-
informações entre diversos públicos
sobre ações de resistência e enfren- tolerância religiosa, que conseguimos
tamento ao fenômeno da intolerância mapear em dois meses de pesquisa
e ódio religioso no Brasil, através do (agosto e setembro/2018). Temos como
projeto Pasipaaro Alaye4, apoiado pela perspectiva instrumentalizar os povos
Fundação Henrich Böll, KOINONIA apre- de terreiro com informações sobre o
funcionamento de serviços referentes
2. Bacharela em Direito (Unyahna), especializada em Projetos
Sociais e Direitos Humanos (Unifacs), mediadora de conflitos
a seus direitos, bem como possibilitar
e educadora popular.
o acesso às ações realizadas, entre os
3. Mestra em Cultura e Sociedade (UFBA), historiadora (UERJ) e anos de 2008-2018, que guardam per-
articuladora nacional na organização KOINONIA, sobre comu-
nidades negras tradicionais e Iyá T’Oju Omó do Ilê Adufé. tinência temática, assim como os lo-
4. Troca de informação em ioruba. Escolhemos este nome para cais em que há possibilidade de buscar
o projeto por remeter a princípios básicos na religião de matriz
africana que é a circulação de informações entre as pessoas. ajuda, nas hipóteses de violações de

8 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


direitos, os quais foram sistematizados, casos de intolerância e ódio religioso
conforme poderá ser observado nes- baseados no racismo que, infelizmente,
te referido trabalho. Este não tem por está enraizado na sociedade brasileira.
objetivo esgotar o tema, mas, humil-
Conforme análise dos dados sistemati-
demente coloca-se como um aporte
zados de denúncias de violações de di-
para inspirar a sociedade no aprofun-
reitos humanos, entre os anos de 2012-
damento das questões, a partir de da-
2018, obtidos do Disque 100, canal de
dos objetivos.
comunicação do então Ministério dos Di-
No primeiro capítulo abordaremos o di- reitos Humanos, verificou-se que os esta-
reito à liberdade religiosa como direito dos em que há mais registros relaciona-
fundamental, sendo apresentada sua dos à discriminação religiosa são: Rio de
fundamentação doutrinária e constitu- Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Bahia.
cional; no segundo, será apresentado a
Lima (2018), ao falar sobre a liberdade de
intolerância religiosa como crime, tra-
religião, dever de tolerância, discurso de
zendo, em apertada síntese, os princi-
ódio e religiões de matriz africana afir-
pais aspectos do tipo penal, previsto no
ma que a liberdade religiosa alcança a
artigo 208 do Código Penal e correlatos,
proteção, a liberdade de crença, liber-
que poderá ser invocado na hipótese
dade de manifestação desta crença e a
de violação a este direito; no terceiro
liberdade de culto. Ele também sinaliza
capítulo, será apresentada a sistema-
que estes direitos foram historicamen-
tização das principais ações de com-
te conquistados com o objetivo de sal-
bate à intolerância religiosa no Estado
vaguardar o cidadão em relação aos
da Bahia, realizadas entre os anos de
seus iguais (particulares), mas princi-
2008-2018, tanto pela sociedade civil
como pelos órgãos públicos. No último palmente em relação ao Estado, contra
capítulo, traremos informações refe- perseguições face sua escolha religiosa,
rentes às ações realizadas pelas co- caso esta fosse diversa daquela adota-
munidades de terreiro dentro de seus da pelo Estado. Por esta razão, é a partir
territórios na promoção de direitos, deste direito fundamental que se baseia
combate ao racismo, ao ódio e à in- o enfrentamento à intolerância religiosa.
tolerância religiosa por meio de ações Por serem direitos históricos, fruto de lu-
locais. Terminamos este texto com al- tas, torna-se imperativo apresentar as
gumas considerações sobre o cenário principais ações de combate à intole-
baiano e sua conexão com o país e o rância religiosa. Uma vez que os povos
recrudescimento das ações de promo- de terreiro estão em processo constan-
ção da fraternidade, da sororidade, da te de embates para garantir sua con-
solidariedade e da cultura de paz. dição social e política, necessitando a
todo momento afirma-se como grupo
social, com seus direitos reconhecidos
OS FRUTOS DA LUTA E O LUGAR pelo Estado brasileiro. Assim tornan-
DO ORDENAMENTO JURÍDICO do-se necessário identificar e destacar
O Estado brasileiro é laico. Ainda que o que vem sendo feito nesse sentido,
existam normas no ordenamento ju- posto que, enquanto sujeitos de direi-
rídico que versam sobre a liberdade tos, merecem e devem ser protagonis-
religiosa, é crescente o aumento dos tas de suas próprias histórias.

Camila Chagas | Ana Gualberto


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Segundo o Disque Direitos Humanos, as
maiores vítimas dos crimes de intole- res pelo Direito Penal. Acrescente-se
rância e ódio religioso são pessoas que a isto também o dever de proteger
professam sua fé em religiões de ma- a dignidade no âmbito cível.
triz africana. Assim torna-se necessário
a ampliação de serviços de proteção,
Considerando o protagonismo do povo
investigação e apoio às vítimas.
de santo e o dever de proteção do Esta-
Além de trazer as ações da sociedade do, no que tange aos direitos fundamen-
civil, demos especial atenção aos ór- tais, nossa abordagem tem uma dupla
gãos públicos, considerando o dever perspectiva, contrapondo as ações e
de proteção do Estado, que segundo seus efeitos, a fim de chegar ao cami-
Starck (2005, apud Lima, 2018) se dá em nho comum: a efetivação dos direitos
duas perspectivas: dos povos e comunidades de terreiro.

A) o auxílio material do Estado e a COMO CHEGAMOS


proteção contra as possíveis ofen- A ESTES DADOS?
sas à dignidade por terceiros. Logo,
A metodologia empregada foi de obser-
o Estado deve garantir o respeito à
vação, análise e dedução; o método de
dignidade humana por terceiros;
pesquisa utilizado foi o qualitativo, apoian-
B) um comportamento ativo do Es- do-se em técnicas de coleta de dados
tado (prestações positivas) para (entrevistas com lideranças religiosas e
proteger a dignidade, por exemplo, requerimentos, via ofício, a diversos ór-
por meio do exercício de poder de gãos públicos), com a finalidade de iden-
polícia e repressão a lesões anterio tificar os eventos e buscar compreender
o sentido e alcance das ações.

10 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


1.
A LIBERDADE
RELIGIOSA
COMO DIREITO
FUNDAMENTAL
A Constituição da República Federativa sumir livremente sua religiosidade de
do Brasil, em seu artigo 5º, VI, trata de modo a conviver, pacificamente, com
um dos direitos mais caros à dignidade os indivíduos que possuem outras re-
da pessoa humana: a liberdade religio- ligiões e engloba, ainda, aqueles que
sa, cuja base está firmada na igualda- não possuem crença alguma.
de, tolerância e laicidade:
Utilizando como parâmetro a Consti-
tuição de 1988, através do artigo su-
pracitado, vale salientar a atuação dos
Art. 5º Todos são iguais perante a
órgãos públicos como também da so-
lei, sem distinção de qualquer na-
ciedade civil, como agentes na promo-
tureza, garantindo-se aos brasilei-
ros e aos estrangeiros residentes ção e defesa deste direito fundamen-
no País a inviolabilidade do direito tal. Existe previsão constitucional e uma
à vida, à liberdade, à igualdade, à necessidade real de liberdade para
segurança e à propriedade, nos execução dos atos religiosos. É vedado
termos seguintes: ao Poder Público qualquer tipo de inter-
venção à realização de atos religiosos,
VI - é inviolável a liberdade de
o que vincula também os particulares,
consciência e de crença, sendo as-
já que esta norma pressupõe o dever
segurado o livre exercício dos cul-
de respeito à crença alheia.
tos religiosos e garantida, na forma
da lei, a proteção aos locais de cul- Deste modo, a Constituição Federal as-
to e à suas liturgias; (grifo nosso) segura o livre exercício dos cultos reli-
giosos garantindo a proteção aos lo-
cais de culto e suas liturgias, de modo
O Direito à liberdade religiosa estabele- que o Estado deverá assegurar a efeti-
ce ao cidadão a garantia de poder as- vidade desses direitos.

Camila Chagas | Ana Gualberto


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O Dispositivo Constitucional citado en- idiossincrasia dos seus povos, verifica-
contra ressonância na Constituição do se o seu enquadramento ao conceito
Estado da Bahia: normativo de comunidades tradicio-
nais definido no Decreto 6040/2007:

Art. 3º - Além do que estabelece a


Constituição Federal, é vedado ao Art. 3o Para os fins deste Decreto e
Estado e aos Municípios: do seu Anexo compreende-se por: I-
Povos e Comunidades Tradicionais:
I - criar distinções entre brasileiros
grupos culturalmente diferencia-
ou preferência entre si, em razão de
dos e que se reconhecem como
origem, raça, sexo, cor, idade, clas-
tais, que possuem formas próprias
se social, convicção política e reli-
de organização social, que ocu-
giosa, deficiência física ou mental e
pam e usam territórios e recursos
quaisquer outras formas de discri-
naturais como condição para sua
minação;
reprodução cultural, social, reli-
giosa, ancestral e econômica, uti-
lizando conhecimentos, inovações
Neste sentido, a Lei Estadual nº 13.183, de
e práticas gerados e transmitidos
06 de junho de 2014, que institui o Esta-
pela tradição. (grifo nosso)
tuto da Igualdade Racial e de Comba-
te à Intolerância Religiosa do Estado da
Bahia, define intolerância religiosa em
Sobre os direitos de povos e comuni-
seu artigo 2º,VII, in verbis:
dades tradicionais e o diálogo entre os
instrumentos normativos e a Constitui-
ção Federal, Rocha (2015, p .14) afirma:
Art. 2º Para os fins deste Estatuto
adotam-se as seguintes definições:
VII - intolerância religiosa: toda dis- A Constituição de 1988 abriu diá-
tinção, exclusão, restrição ou prefe- logo democrático com as comu-
rência, incluindo-se qualquer ma- nidades tradicionais por meio da
nifestação individual, coletiva ou configuração de pluralismo jurídi-
institucional, de conteúdo depreciati- co e democrático, reconhecendo
vo, baseada em religião, concepção seus direitos. Assim, efetiva-se um
religiosa, credo, profissão de fé, culto, modelo baseado no “Estado Plural
práticas ou peculiaridades rituais ou e Multiétnico” que é resultante do
litúrgicas, e que provoque danos mo- processo histórico de efetivação
rais, materiais ou imateriais, atente dos direitos destas comunidades.
contra os símbolos e valores das re-
ligiões afro-brasileiras, ou seja, capaz
de fomentar ódio religioso ou menos- De acordo com Rocha (2015), a estru-
prezo às religiões e seus adeptos; turação da Política Nacional de Povos
e Comunidades Tradicionais retirou
da invisibilidade uma diversidade de
Considerando as especificidades das grupos étnico-raciais. Esta invisibilida-
religiões de matriz africana, dada a de, segundo Marina Silva (2007, apud

12 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


Rocha, 2015), decorria da “ausência de Simbólica: depreciação ou descarac-
instâncias do poder público respon- terizações de objetos ou símbolos sa-
sáveis pela articulação e implemen- grados. Exemplos: descaracterização
tação de políticas para esses povos e do acarajé, demonização de Orixás,
comunidades”. fantasias de carnaval com represen-
tações de Orixás. (Direito das Religiões
Por serem os povos de terreiro também
Afro-brasileiras: um povo, várias cren-
comunidades tradicionais, torna-se va-
ças. Salvador: Defensoria Pública do Es-
liosa e necessária essa explicação, so-
tado da Bahia, 2016, p.20.)
bretudo para sinalizar o movimento rea-
lizado pela Defensoria Pública do Estado No que tange à liberdade de culto,
da Bahia, ao criar o Grupo de Trabalho que manifesta-se por meio de rituais,
das Religiões Afro-Brasileiras, através da cantos e sacramentos, Miranda (1993,
Portaria nº 337/2016, de 03 de maio de p.359) afirma:
2016, que visa concentrar estudos e pro-
jetos para este público, merecendo des-
taque a elaboração da “Cartilha sobre “A liberdade religiosa não consis-
direitos das religiões afro-brasileiras: um te apenas em o Estado a ninguém
povo, várias crenças” de modo a escla- impor qualquer religião ou a nin-
recer, dentre as diversas informações guém impedir de professar deter-
nela inserida, as espécies de intolerân- minada crença. Consiste ainda, por
cia religiosa, a saber: um lado, em o Estado permitir ou
propiciar a quem seguir determi-
Física: agressões físicas que importem
nada religião o cumprimento dos
em dano pessoal ou patrimonial ao
deveres que dela decorrem (em
indivíduo. Exemplos: lesões corporais,
matéria de culto, de família ou de
destruição de objetos sagrados;
ensino, por exemplo) em termos
Moral: agressões não físicas que im- razoáveis. E consiste por outro lado
portem sentimento de inferioridade, (e sem que haja qualquer contradi-
humilhação ou qualquer outro dano ção) em o Estado não impor ou não
moral. Exemplos: xingamentos, publi- garantir com as leis o cumprimen-
cações em periódicos, livros ou outros to desses deveres.5” (grifo nosso)
impressos que depreciem os adeptos
da religião;
E nesse sentido, José Afonso da Silva
Institucional: discriminações reali-
(2006, p.249) apresenta outros argu-
zadas pelas instituições públicas ou
mentos:
particulares criando tratamentos de-
siguais pautados na crença do indi-
víduo. Exemplos: não permitir entrada
A religião não é apenas sentimen-
para realização de culto em hospitais,
to sagrado puro. Não se realiza na
estabelecimento de requisitos que im-
simples contemplação do ente
peçam a concessão de imunidade tri-
sagrado, não é simples adoração
butária das religiões afro-brasileiras,
realização de atos litúrgicos de deter-
minada religião em escolas ou esta- 5. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, 2ª
Edição, Revista e actualizada. Coimbra: Coimbra Editora,
belecimentos públicos; tomo IV, 1993, p. 359

Camila Chagas | Ana Gualberto


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a Deus. Ao contrário, ao lado de um Artigo 1º
corpo de doutrina, sua característica
§1. Toda pessoa tem o direito de
básica se exterioriza na prática de ri-
liberdade de pensamento, de
tos, no culto, com suas cerimônias,
consciência e de religião. Este di-
manifestações, reuniões, fidelidade
reito inclui a liberdade de ter uma
aos hábitos, às tradições, na forma
religião ou qualquer convicção a
indicada pela religião escolhida6.
sua escolha, assim como a liber-
dade de manifestar sua religião
ou suas convicções individuais
Nessa vereda, a Convenção America-
ou coletivamente, tanto em pú-
na sobre Direitos Humanos, o Pacto
de São José da Costa Rica, recepcio- blico como em privado, mediante
nada pelo ordenamento jurídico bra- o culto, a observância, a prática e
sileiro, através do Decreto nº 678, de o ensino.
06 de novembro de 1992, com caráter §2. Ninguém será objeto de coação
supralegal e força de cláusula pétrea, capaz de limitar a sua liberdade de
nos termos do artigo 5º, §2º da Consti- ter uma religião ou convicções de
tuição Federal, estabelece em seu ar- sua escolha.
tigo 12, alínea 2:
§3. A liberdade de manifestar a
própria religião ou as próprias
Artigo 12. Liberdade de consciência convicções estará sujeita uni-
e de religião camente às limitações prescri-
tas na lei e que sejam necessá-
2.Ninguém pode ser objeto de me-
rias para proteger a segurança,
didas restritivas que possam li-
a ordem, a saúde ou a moral pú-
mitar sua liberdade de conservar
blica ou os direitos e liberdades
sua religião ou suas crenças, ou de
fundamentais dos demais (grifo
mudar de religião ou de crenças.
nosso).
(grifo nosso)

A Organização das Nações Unidas edi- A partir deste excerto, verifica-se a am-
tou a Declaração Sobre a Eliminação plitude da liberdade religiosa, ponde-
de Todas as Formas de Intolerância e rando-se quando houver interseções a
Discriminação Fundadas na Religião salvaguarda dos direitos e liberdades
ou nas suas Convicções, proclamada fundamentais dos demais.
pela Assembleia Geral, em 25 de no- Regulando o quanto disposto no artigo
vembro de 1991, através da Resolução
retromencionado, ainda no mesmo do-
36/55, da qual destaca-se os artigos 1º
cumento, em seu artigo 6º, explana-se
e 6º in verbis:
de modo especial as liberdades, mere-
cendo destaque o item a, por tratar da
liberdade de culto, celebração de reu-
niões, criação e manutenção dos luga-
6. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positi-
vo, 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 249. res para esses fins:

14 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


Artigo 6º
Conforme o “artigo 1º” da presen-
te Declaração e sem prejuízo do
disposto no “§3 do artigo 1º”, o di-
reito à liberdade de pensamento,
de consciência, de religião ou de
convicções compreenderá espe-
cialmente as seguintes liberdades:
a) A de praticar o culto e o de cele-
brar reuniões sobre a religião ou as
convicções, e de fundar e manter
lugares para esses fins. (grifo nosso)

Isto posto, resta clara a necessidade


de apresentar as ações de combate e
enfrentamento à intolerância religiosa,
pois ainda que exista proteção consti-
tucional, legal e até mesmo internacio-
nal, na práxis, o direito à liberdade re-
ligiosa é diuturnamente violado. Deste
modo, é imperioso registrar que a into-
lerância religiosa é crime, tal como será
exposto no próximo capítulo.

Camila Chagas | Ana Gualberto


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2.
INTOLERÂNCIA
RELIGIOSA COMO
CRIME
Capitulo 2O Código penal vigente, de- crença, proteção aos locais de culto e
creto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de suas liturgias; nesse diapasão, o Códi-
1940, em seu Título V, Capítulo I, estabe- go Penal trata dos crimes contra o sen-
lece os crimes contra o sentimento re- timento religioso, em seu artigo 208 su-
ligioso: pracitado.
O tipo penal proíbe três condutas au-
tônomas: “escarnecer alguém publica-
Ultraje a culto e impedimento ou mente, por motivo de crença ou função
perturbação de ato a ele relativo religiosa”; “impedir ou perturbar ceri-
Art. 208 - Escarnecer de alguém mônia ou prática de culto religioso”; e
publicamente, por motivo de “vilipendiar publicamente ato ou objeto
crença ou função religiosa; impe- de culto religioso”. Em resumo, é um tipo
dir ou perturbar cerimônia ou prá- penal com três núcleos (escarnecer,
tica de culto religioso; vilipendiar impedir/perturbar; vilipendiar), sendo
publicamente ato ou objeto de possível que o agente responda pelas
culto religioso: três hipóteses em concurso material,
ou seja, ainda que seja um tipo penal,
Pena - detenção, de um mês a um
se o agente praticar duas ou mais con-
ano, ou multa.
dutas (escarnecer, impedir/perturbar;
Parágrafo único - Se há emprego vilipendiar), estará praticando mais de
de violência, a pena é aumentada um crime e as penas serão somadas,
de um terço, sem prejuízo da cor- conforme se depreende do artigo 69 do
respondente à violência. Código Penal.
Segundo Greco (2017, p.1105):

Conforme exposto alhures, existe a


proteção constitucional à liberdade re- O verbo escarnecer é utilizado no
ligiosa, em sentido amplo, de modo a texto legal no sentido de zombar,
englobar a liberdade de consciência,

16 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


o entendimento que o elemento subjeti-
troçar, ridicularizar, humilhar etc. vo do tipo é doloso. A doutrina tradicio-
Para que ocorra o delito em estudo, nal caracteriza como dolo específico,
tal escarnecimento deve ser leva- em razão da motivação do delito com a
do a efeito em público. Isso signifi- finalidade especial do agente.
ca que se o agente escarnece da
Dotti (1976, apud Nucci, 2017) leciona:
vítima em lugar reservado, onde
se encontravam somente os dois
(vítima e agente), o fato poderá se
configurar em outro delito, a exem- Sob outro ângulo de visão, o dolo
plo do crime de injúria.7 específico não é nada mais que o
motivo da conduta, posto que em
todo crime, como em qualquer
De acordo com o entendimento do pe- ação humana, existe sempre um
nalista, para a caracterização do cri- fim a perseguir. Assim o entende
me, é necessário que o agente (autor uma respeitável parcela de juristas,
do fato) pratique o ato de escarnecer como PANNAIM e VANINI, enfatizan-
(zombar, troçar, ridicularizar, humilhar, do o primeiro que os motivos são as
etc) com uma finalidade específica, razões, os objetivos que impelem
isto é, por motivo de crença ou função a ação criminosa, como qualquer
religiosa da vítima. outra, lícita ou ilícita. (...) Na com-
posição dos tipos fundamentais
Na segunda hipótese, ‘impedir ou per-
ou derivados, o motivo funciona
turbar cerimônia ou prática de culto re-
ligioso”, o agente pratica a conduta de para estruturar o ilícito básico (...),
modo a causar prejuízo à realização da para aumentar a reprovabilidade
celebração religiosa. da conduta (...), para diminuí-la (...).
Em alguns casos, a lei põe à mostra
Enquanto que na terceira hipótese, “vi- o destino da infração (...). Também
lipendiar publicamente ato ou objeto poderá o motivo da ação descons-
de culto religioso”, deve-se levar em tituir o tipo de ilícito em relação ao
consideração o vocábulo vilipendiar
autor, como ocorre com o partici-
“no sentido de menoscabar, desprezar,
pante de rixa que procura separar
enfim, tratar como vil, publicamente,
os contendores (O incesto, p. 104).
ato ou objeto de culto religioso” (Greco,
2017, p.1106).
Em apertada síntese, a melhor doutrina O bem jurídico a ser protegido é a li-
do Direto Penal compreende os crimes berdade de crença e culto (senti-
contra o sentimento religioso como co-
mento religioso), havendo causa de
mum em relação ao sujeito ativo (aque-
aumento de pena, em um terço, nos
le que pratica o ato) e próprio em rela-
termos do artigo 208, parágrafo único,
ção ao sujeito passivo (a vítima), que
do Código Penal, se houver emprego
deverá ser alguém que professe deter-
de violência.
minada crença e, por essa razão, existe
Nesse contexto, coloca-se em evidên-
cia o artigo 20 da Lei 7716, de 05 de ja-
7. GRECO, Rogerio. Código Penal Comentado,11ª ed. Niterói, RJ:
Impetus, 2017, p. 1105. neiro de 1989:

Camila Chagas | Ana Gualberto


| 17
Mesmo com a existência da Lei Caó, ela
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a por si só não basta para que os crimes
discriminação ou preconceito de de racismo sejam tipificados como tal.
raça, cor, etnia, religião ou proce- É preciso romper as estruturas sociais
dência nacional que ainda negam a existência do racis-
mo como elemento fundante da socie-
Pena: reclusão de um a três anos e
dade brasileira.  
multa
Importante trazer este arcabouço te-
órico tendo em vista que intolerância
A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que religiosa é crime que, por vezes, vem
ficou conhecida como Lei Caó, em ho- acompanhado de outras infrações pe-
menagem ao autor Carlos Alberto de nais, o que torna ainda mais doloroso o
Oliveira, define como crime de racismo caminho a ser percorrido pelas vítimas,
o ato de praticar, induzir ou incitar a dis- posto que além de ter o sentimento re-
criminação ou preconceito de raça, cor, ligioso violado, não raro são os casos
etnia, religião ou procedência nacional. em que a intolerância religiosa ocorre
em concurso material com outros cri-
Esta lei também regulamentou o trecho
mes, sejam contra a vida, a honra e o
da Constituição Federal que torna ina-
patrimônio do religioso.
fiançável e imprescritível o crime de ra-
cismo, após afirmar que todos são iguais
sem discriminação de qualquer natureza. O QUE OS DADOS MOSTRAM?
Legalmente, é proibido recusar ou im- Considerando o aumento dos casos de
pedir acesso a estabelecimentos co- intolerância religiosa e as demandas
merciais, negando-se a servir, aten- da sociedade civil no que tange a bus-
der ou receber cliente ou comprador ca pela efetiva tutela de seus direitos,
(reclusão de um a três anos); impedir em especial a liberdade religiosa, veri-
que crianças se matriculem em es- ficou-se o aumento das mobilizações
colas (três a cinco anos); impedir o sociais no enfrentamento à intolerân-
acesso ou uso de transportes públicos cia, em razão da inércia do Estado. Des-
(um a três anos); impedir ou obstar, te modo, torna-se fundamental a análi-
por qualquer meio ou forma, o casa- se das medidas adotadas pelos órgãos
mento ou convivência familiar e social públicos, comparando-as com os da-
(dois a quatro anos); fabricar, comer- dos obtidos através dos atendimentos
cializar, distribuir ou veicular símbolos, jurídicos realizados em KOINONIA, a fim
emblemas, ornamentos, distintivos ou de se verificar o que vem sendo feito e
propaganda que utilizem a cruz suás- se as atividades propostas atendem ao
tica ou gamada, para fins de divulga- objetivo para qual foram criadas, sendo
ção do nazismo (reclusão de dois a efetivas e cumprindo sua finalidade8.
cinco anos e multa).
8. Foram realizadas pesquisas nas seguintes instituições: Mi-
Mesmo com a existência destas normas nistério Público do Estado da Bahia, Defensoria Pública do
Estado da Bahia, Tribunal de Justiça do Estado da Bahia e
e controladores sociais, a nossa socie- Secretaria de Segurança Pública; no âmbito municipal foi
dade continua a “não enxergar” o crime realizada pesquisa na Prefeitura Municipal de Salvador, atra-
vés da Secretaria Municipal de Reparação, do Observatório
do racismo, o que mantem as vítimas no da Discriminação Racial e LGBT e do Conselho Municipal das
Comunidades Negras; em âmbito estadual, foi pesquisado o
lugar de maior vulnerabilidade. Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerân-

18 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


Para essa pesquisa foram analisados
os registros de discriminação religiosa,
no estado da Bahia, sendo obtidas in-
formações entre os anos de 2011-2017,
por meio de diversas instituições.
A criação de espaço e instrumentos
para atendimento referente a uma de-
manda da população, infelizmente, não
garante a efetividade do serviço. Nes-
te sentido, apresentaremos o que os
órgãos e organizações sinalizaram em
resposta a nossa solicitação e em se-
guida comentaremos o que consegui-
mos mapear quanto à efetividade do
serviço oferecido. Nosso objetivo aqui
é apontar o que temos ouvido durante
os anos de atendimento realizados ao
povo de santo e também as análises
sobre os dados levantados.

cia Religiosa Nelson Mandela, órgão vinculado à Secretaria


de Promoção da Igualdade Racial do Governo do Estado da
Bahia e, no âmbito Federal, foram coletados e analisados da-
dos do Ministério dos Direitos Humanos, a partir de registros
de casos do “Disque 100”, canal de comunicação do ministério
com os cidadãos, criado para que estes denunciem violações
aos Direitos Humanos. Além disso, buscou-se informações nas
seguintes instituições da sociedade civil: Ordem dos Advoga-
dos do Brasil, seção Bahia, por meio da Comissão Especial de
Combate à Intolerância Religiosa; Coordenadoria Ecumênica
de Serviço – CESE; Federação Nacional do Culto Afro-brasileiro
– FENACAB; Associação de Advogados de Trabalhadores Ru-
rais – AATR, em especial, a Associação Beneficente, Cultural e
Religiosa Abassá de Ogum, em razão de todo o seu histórico
de luta ao combate à intolerância religiosa que será minuden-
ciado mais adiante

Camila Chagas | Ana Gualberto


| 19
3.
INSTITUIÇÕES
DO PODER PÚBLICO
MINISTÉRIO PÚBLICO em situação de rua; migrantes, refu-
DO ESTADO DA BAHIA giados e apátridas.

O Ministério Público do estado da O GEDHDIS, criado em 2014, através da


Bahia, através do Grupo de Atuação Resolução 041/2014, tem como atribui-
Especial de Proteção dos Direitos Hu- ções a defesa dos Direitos Humanos, seja
manos e Combate à Discriminação – na promoção e no acompanhamento
GEDHDIS, atua no combate à discrimi- de medidas administrativas, judiciais e
nação, proteção de direitos humanos extrajudiciais ou na identificação e pre-
e na articulação com os movimentos venção de atos discriminatórios, acolhe
sociais, mais precisamente: na pro- denúncias, realiza formações e eventos
moção da igualdade étnico racial; diversos dentro de suas temáticas.
povos e comunidades tradicionais; Foram identificadas ações do Ministério
laicidade do Estado, combate à into- Público do estado da Bahia em diversos
lerância religiosa, além da população aspectos. Veja lista abaixo:

AÇÕES ANO CONTEÚDO

Nota técnica referente à imposição de limites sonoros du-


Nota técnica n° 02 – GEDHDIS 2016
rante cultos e liturgias de religiões de matriz africana.

Recomendação PRE/BA N° 12/2016 Recomendação aos Partidos Políticos para observância


e Recomendação GEDHIS MPE/BA do conteúdo da propaganda eleitoral de seus candidatos
N° 06/2016 Recomendação PRE/ 2016 nas eleições de 2016 no Estado da Bahia, evitando a propa-
BA N° 12/2016 e Recomendação gação de mensagens que atentem contra a liberdade de
GEDHIS MPE/BA N° 06/2016 crença de todas as religiões.

Recomenda aos hospitais e demais unidades de saúde que


Recomendação
2016 cumpram a legislação pertinente para assegurar o direito à
02/2016 - GEDHDIS
assistência religiosa dos pacientes internados.

Notificação Recomendatória para que o Prefeito de Gua-


nambi revogue o decreto que estabeleceu a absoluta e ir-
Recomendação 01/2017 2017
revogável sujeição da gestão administrativa do município
aos dogmas Divinos e Cristãos.

Ministério Público do estado ADI proposta pela Procuradora-Geral de Justiça do Ministé-


da Bahia (Procuradora-Geral 2017 rio Público em face do Decreto nº 001, de 2 de janeiro de 2017,
de Justiça) da lavra do Prefeito do Município de Guanambi(BA).

20 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


Além disso, o Ministério Público do es- o Ministério Público participou, aco-
tado da Bahia também desenvolve lhendo o pedido da comunidade em
projetos, tais como o “MP e Terreiros tornar mais próxima a comunicação
em Diálogos Construtivos”, que sur- e o diálogo com o Poder Público, nas
giu a partir de uma demanda trazi- questões em que existe dificuldade de
da pelos povos de terreiro em uma acesso às informações e aos espaços
das atividades de KOINONIA, na qual públicos.

II Seminário sobre Intolerância religiosa e Estado Laico, Salvador (BA), 2018.


Imagem: Ivana Flores (Flores Comunicação)

O referido projeto foi realizado em cin- munidade, no turno vespertino, atra-


co encontros, entre os meses de no- vés de reunião pública em terreiros os
vembro de 2017 e junho de 2018, com a quais os dirigentes espirituais que se
seguinte metodologia: no turno matu- fizeram presentes abriam as portas
tino, o Ministério Público se reuniu com de suas casas para a realização do
representantes de órgãos públicos evento subsequente. Foi um trabalho
para discutir temáticas pertinentes às de construção e auxílio mútuo entre
demandas do povo de santo, sendo os povos de santo e o Ministério Públi-
as deliberações comunicadas à co- co do Estado da Bahia.

Camila Chagas | Ana Gualberto


| 21
Neste sentido foram sistematizados os encontros:
DATA LOCAL TEMÁTICA

Instrumentos de Proteção
1° Diálogo 10.11.2017 Terreiro Tumba Junsara
e Salvaguarda

Terreiro Hunkpame Savalu Enfrentamento aos crimes


2° Diálogo 24.11.2017
Vodun Zó Kwé de ódio e intolerância religiosa

Regularização de Associações
3° Diálogo 15.12.2017 Terreiro Pilão de Prata
e Imunidade Tributária

4° Diálogo 06.04.2018 Terreiro Ilê Maóiláji Alàkéto Regularização Fundiária

Incentivos para ampliações,


Terreiro Ilê Terreiro
5° Diálogo 20.06.2018 reformas e reparos em territórios
Ilê Axé Omin J’obá
de matrizes africanas

Além desse projeto, foram realizados instauração de processos e procedi-


dois seminários sobre a temática da in- mentos tiveram um aumento de 300%
tolerância religiosa e Estado laico, nos desde 2015 Apesar das limitações es-
anos de 2017 e 2018, com a perspectiva truturais do MP, com uma equipe pe-
de se realizar anualmente, integrando-o quena para atender a quantidade de
ao calendário de eventos da instituição: grupos vulnerabilizados, entretanto,
No que tange a ação do MP junto às tem sido um dos serviços públicos que
comunidades de terreiro, percebemos o povo de santo tem sentido possibili-
que o acolhimento das denúncias e a dade de apoio.

II Seminário sobre Intolerância Religiosa e Estado Laico, Salvador (BA), 2018.


Imagem: Ivana Flores (Flores Comunicação)

22 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


DEFENSORIA PÚBLICA a buscar a regularização fundiária dos
DO ESTADO DA BAHIA espaços e templos sagrados.

Assim como o Ministério Público, as Foram identificadas e sistematizadas


atribuições da Defensoria Pública ações entre 2013-2018 como participa-
também estão estipuladas na Consti- ções em eventos e audiências públi-
tuição Federal em seu artigo 134. Esse cas, as quais resultaram elaboração de
dispositivo constitucional encontra cartilhas, folders para a comunidade e
correspondência na Constituição do manual de procedimentos destinados
Estado da Bahia, em que pese esta tra- aos defensores públicos.
ga as atribuições de forma mais restri- Em 2016 foi criado o Grupo de Trabalho
ta, também prevê a “orientação jurídi- de Religiões de Matrizes Africanas que,
ca e a defesa, em todos os graus, aos em 2018, passou por uma fase de re-
necessitados”, conforme determina-
novação dos seus membros, por meio
ção do artigo 144.
de edital para habilitação de novos
Deste modo, atendendo ao dispo- defensores públicos, a fim de oportu-
sitivo da Carta Maior, para além de nizar o andamento dos trabalhos de-
orientar e defender, promover os di- senvolvidos.
reitos humanos, a Defensoria Pública
Dentre as ações da Defensoria Pública,
do Estado da Bahia (DPE/BA), através
destacam-se:
da “Especializada de Proteção aos Di-
reitos Humanos e Itinerante” atua na • Ação de Obrigação de Fazer c/c Inde-
defesa das vítimas de intolerância e nização por Danos Morais contra Igreja
ódio religioso, realizando atendimen- Evangélica, na qual houve deferimento
tos individuais acerca da temática, de liminar reconhecendo a possibilida-
através das 3ª e 10ª DP’s de Direitos de de abuso de direito durante a mani-
Humanos. festação religiosa. (Autos: 0502596-40-
2015.8.05.0001);
A DPE/BA também atua em parceria
com a Rede de Combate ao Racismo • Mandado de Segurança Coletivo n.
e Intolerância Religiosa da Secreta- 0502287-82.2016.8.05.0039, face a obri-
ria de Promoção da Igualdade Racial, gatoriedade de vinculação a imuni-
que será apresentada mais adiante, dade tributária ao projeto de mapea-
atendendo demandas encaminha- mento municipal de terreiros (Projeto
das pelo Centro de Referência Nel- Regularização Tributária dos Terreiros
son Mandela, através de assistência de Camaçari);
jurídica integral e gratuita aos as-
• A Defensoria pública também atuou
sistidos, inclusive em Delegacias de
como Amicus Curae na ADIN n° 4439 que
Polícia, com acompanhamento de
versa sobre o ensino religioso nas esco-
casos, além do acompanhamento
las públicas e elaborou um documento
dos seus próprios assistidos, através
para subsidiar a atuação dos demais
de ajuizamento de ações e encami-
Defensores Públicos sobre o tema;
nhamentos a outros órgãos públicos,
caso necessário.
Inclusive, cumpre salientar a existência Sobre a atuação da Defensoria Pública,
do Núcleo Fundiário, que atua de forma nas questões relacionadas aos povos

Camila Chagas | Ana Gualberto


| 23
de terreiro, foram identificadas algu- Humanos, presidida pelo Desembarga-
mas dificuldades nos atendimentos. dor Lidivaldo Reaiche Raimundo Britto.
A primeira ligada à obstáculos na co- Em 22.08.2018, o desembargador parti-
municação, seja porque os dados for- cipou de uma edição do projeto desen-
necidos não foram suficientes para volvido pela Associação de Magistra-
contatar o assistido ou pela sua falta dos da Bahia chamado “Momento com
de comparecimento nos atendimen- o Mestre” cuja temática, nesta data, foi
tos presenciais. Este problema é iden- “Combate ao Racismo e à Intolerância
tificado tanto nos encaminhamentos Religiosa – estudo da legislação espe-
oriundos da triagem da Defensoria, cial”. O evento teve como público-alvo
como também naqueles encaminha- estudantes de direito e profissionais da
dos pela Rede de Combate ao Racis- área jurídica com interesse no ingresso
mo e à Intolerância Religiosa. A se- na carreira da Magistratura.
gunda, pela especificidade dos casos
Pode-se perceber que não há ação es-
de intolerância que geram dificulda-
pecífica para ser avaliada, mas vale o
des nos atendimentos, levando assim
registro da atividade por ser um mo-
a encaminhamentos equivocados. A
vimento que precisa ganhar força no
terceira, porque grande parcela das
Judiciário e nas cadeiras do curso de
comunidades de terreiro desconhe-
Direito. Nosso objetivo é promover as
cem a existência dessa Especializada
ações coletivas do povo de santo, mas
da Defensoria. Por acreditarem que
também provocar a comunidade jurí-
os agressores continuarão impunes e
dica, principalmente na formação de
mais ainda, uma vez conhecedores da
novos juristas, para que estes sejam
denúncia, atentem contra a vida das
sensibilizados sobre esta temática e,
vítimas, muitas desistem por não ter o
como profissionais, saibam compreen-
acolhimento necessário do sistema de
der as especificidades que as comuni-
justiça e dos órgãos.
dades de terreiro demandam prestan-
As considerações realizadas tiveram do serviço de forma satisfatória.
por base os casos atendidos por KOI-
NONIA nos últimos anos.
SECRETARIA DE SEGURANÇA
PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Através do ofício n° 409/2018-LM, a Se-
DO ESTADO DA BAHIA cretaria de Segurança Pública apresen-
O Tribunal de Justiça do Estado da tou informações acerca dos registros de
Bahia possui uma comissão especia- ocorrências no Estado da Bahia motiva-
lizada em Direitos Humanos, intitulada das por intolerância religiosa, referente
Comissão de Igualdade, Combate à ao período compreendido entre janeiro
Discriminação e Promoção dos Direitos de 2012 e julho de 2018, a saber:

24 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


DELITO 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Ameaça 13 15 11 6 17 6 11

Calúnia 0 1 0 1 2 1 1

Constrangimento Ilegal 4 0 0 0 0 0 1

Difamação 2 5 4 9 4 4 0

Estupro de Vulnerável 2 0 0 0 0 1 0

Homicídio Doloso 0 0 0 0 0 1 0

Injúria 6 6 1 3 4 5 6

Lesão Corporal Culposa 2 0 1 1 0 0 1

Lesão Corporal Dolosa 12 6 5 2 5 8 6

Tentativa de Homicídio 0 0 1 0 0 0 0

Vias de Fato 0 0 1 1 1 1 1

Da análise dos dados, verificou-se define os crimes resultantes de precon-


maior índice de registros dos crimes de ceito de raça ou de cor, não possui apli-
ameaça, lesão corporal dolosa, desta- cabilidade, uma vez que sequer consta
cando-se também os crimes contra a registros do crime de racismo na base
honra (calúnia, difamação e injúria). de dados da Secretaria de Seguran-
ça Pública do Estado da Bahia entre os
Frisa-se que nos dados apresentados
anos de 2012-2018. Inclusive, torna-se
não constam os crimes contra o sen-
necessária a apuração das demandas
timento religioso, mas outros diversos
judicializadas, pois não se tem notícia
que tiveram por “motivação” a intole-
de condenados pela prática do crime
rância religiosa, evidenciando que este
de racismo, o que reforça o sentimento
crime impulsiona a prática de outros
de certeza da impunidade e o descré-
tantos, o que torna a sua prática ainda
dito da Justiça. Ou será que não exis-
mais perversa e reprovável.
te racismo no Brasil? Talvez tenhamos
Considerando a ausência de registro identificado um dos aspectos pelos
específico e a dificuldade em aces- quais as vítimas desistem: elas não re-
sar as informações acima, entre idas cebem o tratamento adequado para
e vindas, contatos por diversas vias, suas questões.
torna-se evidente que a Secretaria de
Observa-se também, nas informações
Segurança Pública do Estado da Bahia
fornecidas, que não constam registros
encara a intolerância religiosa como
específicos dos casos relacionados ao
“motivação” para a prática delituosa e
racismo e à intolerância religiosa, apon-
não como crime de racismo.
tando a realidade comum dada aos cri-
Nesse sentido, cumpre ressaltar que a mes praticados contra a população ne-
Lei 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que gra: não há investigação dos fatos.

Camila Chagas | Ana Gualberto


| 25
Atendimentos realizados em KOINONIA reitos Humanos, em âmbito federal,
revelam que as alegações mais co- com recorte para os dados obtidos no
muns apresentadas pelas delegacias Estado da Bahia; da Secretaria de Pro-
são: a ausência de testemunhas e a moção da Igualdade Racial, em âmbito
obrigatoriedade da vítima em trazê-las Estadual; e da Secretaria Municipal de
para acareação. Muitos assistidos de Reparação, no âmbito municipal, con-
KOINONIA relatam abuso de poder e forme será exposto a seguir.
manifestam medo de retaliação. Ora,
como denunciar e dar continuidade ao
procedimento investigatório criminal
MINISTÉRIO DE
se a instituição que deveria ser a porta DIREITOS HUMANOS9
de entrada para o registro do fato cria Aproveitando o contexto anterior, co-
óbices para fazer o registro da ocorrên- loca-se em análise o relatório geral de
cia e, quando fazem, não enquadram denúncias de discriminação religio-
como intolerância, mas como qualquer sa. Este relatório, ao traçar o perfil dos
outra coisa: desde briga de vizinhos casos registrados, aponta outros mar-
a outros delitos? Isso quando a vítima cadores além da identidade religiosa
consegue registrar a ocorrência, não da vítima, tais como: enquadramento
raro são os casos em que voltam para enquanto criança/adolescente, LGB-
casa ainda mais fragilizadas e desa- TQ+, pessoa idosa, pessoa portadora
creditadas da Justiça. de necessidades especiais, pessoa em
restrição de liberdade e população em
É fundamental que o corpo técnico
situação de rua.
da Polícia Civil tenha capacidade e
empatia para o tema e que a Secre- Da análise dos dados, foram sistemati-
taria de Segurança Pública adote pro- zadas informações referentes ao esta-
vidências nesse sentido, realizando do da Bahia, entre os anos de 2011-2017.
formação, capacitação e reciclagem Colocando como parâmetro o número
de seus profissionais e, principalmen- de casos registrados na referida uni-
te, implementando a Delegacia Espe- dade federativa, foi possível traçar o
cializada, atendendo à determinação perfil das vítimas de discriminação re-
dada pelo art. 79 do Estatuto da Igual- ligiosa: além de sofrer pela prática de
dade Racial e Combate à Intolerância intolerância, traz a marca de outros
Religiosa, Lei nº 13.182, de 06 de junho de marcadores sociais que denotam sua
2014, que até o presente momento não situação de vulnerabilidade, conforme
foi implementada. exposto na tabela abaixo:

Em razão da organização político-ad-


ministrativa do Estado e da necessida- 9. O presidente Fernando Henrique Cardoso institui o órgão
em 1997, com o nome de Secretaria de Direitos Humanos da
de de verificação das ações do poder Presidência da República, com status de ministério. A presi-
dente Dilma Rousseff unifica secretarias formando o Ministé-
público na defesa do Direito à Liber- rio das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos
dade Religiosa, passaremos a abordar (MMIRDH). O órgão foi extinto em 2016, após a posse de Michel
Temer como presidente, e recriado como ministério em 2017,
as ações dos órgãos públicos nas três desta vez sob o nome de Ministério dos Direitos Humanos. No
Governo Bolsonaro, a pasta foi transformada em Ministério da
esferas de poder: do Ministério dos Di- Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

26 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


ANO PERFIL / INDICADOR SOCIAL RELIGIÃO TOTAL

2011 01 pessoa com deficiência Não informada 01

03 crianças/adolescentes;
1 LGBTQI+; 01 pessoa com deficiência, 2 Candomblé; 1 Matriz Africana;
2012 09
01 pessoa idosa e 3 não se 6 não informado
enquadram em nenhuma categoria

2 Candomblé; 1 Católico;
4 crianças/adolescentes; 2 Evangélico; 1 Católica Apostólica
2013 01 pessoa idosa; 12 não se Brasileira; 2 de Matriz Africana, 17
enquadram em nenhuma categoria 1 Rastafari, 1 Testemunha de Jeová,
7 não informado

1 Candomblé, 1 Católica
2014 01 LGBTQI+ e 03 outros 04
e 2 não informado

4 Candomblé, 1 Católico,
01 criança/adolescente; 3 Espírita/Católica/Evangélica, 1
2015 02 LGBTQI+, 02 pessoas com Islã; 2 Matriz Africana, 1 Muçulmana; 23
deficiências; 03 idosos; 15 outros 01 Testemunha de Jeová, 1
Umbanda; 9 não informado

05 criança/adolescente;
13 Candomblé; 5 Evangélico,
06 igualdade racial; 04 LGBTQI+,
3 Matriz Africana, 01 Rastafári,
2016 02 pessoas idosas, 01 pessoa com 37
3 Testemunha de Jeová,
deficiência, 01 pessoa com restrição
12 não informado
de liberdade; 18 outros

1 Ateu, 7 Candomblé, 2 Católico,


3 crianças e adolescentes,
01 Espírita, 4 Evangélico, 4 Matriz
2017 01 igualdade racial, 05 LGBTQI+, 34
Africana, 1 Testemunha de Jeová,
04 pessoa idosa, 21 outros
4 Umbanda, 10 não informado

O relatório do Ministério dos Direitos 14.297, de 31 de janeiro de 2013 e inaugu-


Humanos não contempla o registro de rado em 17.12.2013. Suas principais ativida-
todos os casos, inclusive, muitos sequer des estão previstas no artigo 83 do Esta-
chegam ao conhecimento do poder tuto da Igualdade Racial e de Combate à
público, por causa da dificuldade de Intolerância Religiosa do Estado da Bahia,
acesso e falta de acolhimento das de- regulamentadas pela Portaria SEPROMI
núncias motivadas por violações da fé. n° 32/2015, publicada em 05.08.2015, den-
tre as quais destacamos:

SECRETARIA DE PROMOÇÃO • Receber, encaminhar e acompanhar


DA IGUALDADE RACIAL toda e qualquer denúncia de discri-
minação racial e de violência que te-
O Centro de Referência de Combate ao
nha por fundamento a intolerância
Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson
racial ou religiosa;
Mandela (CRNM), órgão vinculado à Se-
cretaria de Promoção da Igualdade Ra- • Orientar o atendimento psicológico,
cial, foi instituído pelo Decreto Estadual n° social e jurídico dos casos registra-

Camila Chagas | Ana Gualberto


| 27
dos no Centro, conforme suas neces- intolerância religiosa e promoção da
sidades específicas; igualdade racial.
• Promover eventos (palestras, deba- Até o dia 09 de outubro de 2018 foram
tes, formações etc) e produzir mate- registrados 454 (quatrocentos e cin-
riais informativos com o objetivo de quenta e quatro) casos, destes, 141 (cen-
levar ao conhecimento da socieda- to e quarenta e um) de intolerância re-
de sobre a importância da garantia ligiosa. Também foram identificados
de direitos, combate ao racismo e à casos de racismo e correlatos, a saber:

ANO RACISMO INTOLERÂNCIA RELIGIOSA CASOS CORRELATOS TOTAL

2013 8 2 4 14

2014 31 22 19 72

2015 44 29 19 92

2016 58 32 5 95

2017 45 21 - 66

2018 71 35 09 115

Dados extraídos do Ofício CPIR n° 106/2018

3% 7%
Acerca do perfil das demandas, a partir
18 %
de dados e ações registradas até no- 4% 4%
vembro de 2017, nota-se que a maioria
dos casos tem relação com o racismo
7%
institucional, relações de vizinhança, 5% 16 %
de consumo e de trabalho. Essas in- 4%
formações se alinham também com
6% 12 %
o Relatório do Ministério de Direitos
Humanos. Este, ao traçar o perfil dos
8%
7%
suspeitos, em linhas gerais, identificou
além dos “desconhecidos”, registros de
pessoas que possuem relação de pa-
rentesco, vínculos afetivos e profissio-
nal com a vítima.
Dialogando com os dados apresenta-
dos pela Sepromi, no qual há percen-
tual considerável de registros com vizi-
nhos (16%), o relatório da Secretaria de
Direitos Humanos também evidencia o
local em que há mais registros de vio-
lação por mês: a casa da vítima. Dados extraídos do Ofício CPIR n° 106/2018

28 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


Além disso, é importante salientar que nos acompanhamentos efetivos das
o Centro de Referência Nelson Mandela denúncias.
integra a Rede Estadual de Combate ao No seminário realizado por nós no dia 17
Racismo e à Intolerância Religiosa, pre- de outubro de 2018, Iya Jaciara Ribeiro, do
vista no Estatuto da Igualdade Racial e de Axé Abassá de Ogum, narrou sua bus-
Combate à Intolerância Religiosa do Es- ca de acolhimento e acompanhamen-
tado da Bahia, artigos 81 e seguintes. Esta to junto a Sepromi e a frustração com a
Rede funciona como um instrumento de falta de apoio. Inclusive, diversos casos
articulação entre o Estado, as instituições de intolerância religiosa que KOINONIA
do Sistema de Justiça e a sociedade civil. atende são de pessoas que procuraram
Importante pontuar também que mes- o CRNM e não obtiveram apoio. Segundo
mo com toda a estrutura prometida os funcionários, a falta de garantia de re-
pelo CRNM os relatos do povo de san- cursos para ampliar corpo técnico é um
to que o procura são de que a institui- dos grandes entraves da instituição.
ção não consegue dar conta de 25% Este é um dos exemplos de que criar o
do que se propõe. As ações são muito instrumento é só o início, pois é preciso
mais na realização de eventos do que pautar o tema como ação constante.

Seminário Enfrentando a intolerância e ódio religioso, Salvador (BA),


realizado por KOINONIA e Fundação Heinrich Böll - 2018
Imagem: Ivana Flores (Flores Comunicação)

Camila Chagas | Ana Gualberto


| 29
SECRETARIA MUNICIPAL DE REPARAÇÃO - SEMUR
A Prefeitura municipal de Salvador, através
da Secretaria Municipal de Reparação, desenvolveu políticas
públicas no combate ao racismo e à intolerância religiosa, a saber:

POLÍTICA PÚBLICA BASE LEGAL OBSERVAÇÃO

Decreto Municipal 25.560 Segundo dados da secretaria,


Cadastramento dos povos de 2014; Decreto Federal mais de 600 (seiscentos)
e comunidades de terreiro 6.040/2017; Lei Municipal terreiros foram cadastrados e
para isenção do IPTU 8.930/2015; Decreto 27.014 mais de 200 (duzentos) tiveram
de 2016 isenção e remissão de dívidas

Art. 58, §6°do Código


Criação da Cartilha para
Tributário e de Rendas
Obtenção do CNPJ como
do Município de Salvador
organização religiosa
(Lei n° 7186, de 27.12.2006).

Em fase de diagnóstico
Revitalização das Fontes para identificação dos A Prefeitura tem conhecimento
e Mananciais nos Terreiros nomes e locais para de que há 23 (vinte e três) fontes
vistoria.

Plantio de hortas de folhas


Projeto Folhas Sagradas sagradas nos terreiros e de
árvores sagradas na cidade

Criação do Mapa Norma em fase


On-line dos Terreiros de elaboração

Equipamento público de
acolhimento e monitoramento
Observatório Permanente
de denúncias/casos de racismo
da Discriminação Racial
e intolerância religiosa ocorridos
em Salvador e nas redes sociais

Sobre a atuação da SEMUR, é preciso Sobre a concessão de isenção do IPTU


destacar que algumas das ações reali- aos terreiros, nossa luta é pela valida-
zadas no ano de 2018 são respostas aos ção do direito constitucional da imu-
compromissos assumidos nos eventos nidade. Neste sentido, estamos dia-
do Projeto “MP e Terreiros em diálogos logando junto ao MP e às lideranças
construtivos”. São eles: Revitalização das de terreiro para buscar caminhos de
Fontes e Mananciais nos Terreiros; Proje- garantia do que é previsto pela Cons-
to Folhas Sagradas e Criação do Mapa tituição Federal.
On-line dos Terreiros. KOINONIA estará Vale destacar também que iniciamos
junto com as comunidades de terreiro em 2018, com a Casa Civil da Prefeitu-
acompanhando a implementação dos ra de Salvador, um diálogo sobre a re-
mesmos para avaliar a efetividade. gularização dos territórios dos terreiros,

30 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


acompanhado pelo MP. Este é um de-
bate fundamental tendo em vista que a Art. 2º Ao Conselho Municipal das
maioria das casas não possuem docu- Comunidades Negras - CMCN
mentos de seus territórios, o que as colo- compete:
ca em constante risco de expropriação.
(...)
VIII - acompanhar e participar das
CONSELHO MUNICIPAL proposições de medidas de defesa
DAS COMUNIDADES NEGRAS de direitos de indivíduos e grupos
Criado pelo Decreto nº 15.330, de 18 de étnico-raciais afetados por discri-
novembro de 2004, o Conselho Munici- minação racial, intolerância reli-
pal das Comunidades Negras – CMCN, giosa e demais formas de discrimi-
atua diretamente com a Secretaria Mu- nação correlatas;
nicipal de Reparação.
O CMCN tem por finalidade deliberar
sobre políticas públicas de promoção Através do Conselho, a Prefeitura se
da igualdade racial, promover a igual- aproxima da sociedade civil, a medi-
dade de oportunidades e propor me- da que os membros que compõem o
didas de natureza compensatória, in- grupo são homens e mulheres direta-
clusive através de ações afirmativas, mente ligados às pautas relacionadas
conforme se depreende do artigo 2º do à promoção da igualdade racial e de
Decreto retromencionado: oportunidades.

Camila Chagas | Ana Gualberto


| 31
4.
ORGANIZAÇÕES
E INICIATIVAS DA
SOCIEDADE CIVIL
ORDEM DOS ADVOGADOS de direito, dos direitos humanos e da
DO BRASIL – SEÇÃO BAHIA justiça social, bem como a indispen-
/ COMISSÃO ESPECIAL DE sabilidade do advogado na adminis-
COMBATE À INTOLERÂNCIA tração da justiça, nos termos do artigo
133 da Constituição Federal, KOINONIA
RELIGIOSA
entendeu a importância de identificar
Nos termos da Lei nº 8.906, de 04 de julho e mapear as ações de combate à into-
de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da lerância religiosa e, para tanto, buscou
Advocacia e a Ordem dos Advogados do através da OAB seção Bahia informa-
Brasil pode-se extrair o seguinte excerto: ções sobre como a instituição trabalha
com esta temática, chegando à Comis-
são Especial de Combate à Intolerância
Art. 44. A Ordem dos Advogados do Religiosa, criada em 2016, cuja atuação
Brasil (OAB), serviço público, dotada se dá através de consultivo, formação,
de personalidade jurídica e forma notas técnicas, ações comunitárias,
federativa, tem por finalidade: acompanhamento judicial etc.
I - defender a Constituição, a or- A partir dos dados sistematizados, fo-
dem jurídica do Estado democrá- ram identificadas 24 (vinte e quatro)
tico de direito, os direitos huma- ações, sendo a maioria destas voltadas
nos, a justiça social, e pugnar pela à participação em eventos que abor-
boa aplicação das leis, pela rápida dem a temática da intolerância religio-
administração da justiça e pelo sa e laicidade do estado. Salienta-se as
aperfeiçoamento da cultura e das formações realizadas pela Comissão,
instituições jurídicas; (grifo nosso) abertas à comunidade, dentre as quais
destacam-se: I e II cursos Livre de Direi-
to e Liberdade Religiosa e o I Fórum Es-
Considerando o exposto no artigo aci- tadual de Direito e Liberdade Religiosa,
ma e do papel da OAB na defesa da em parceria com a Comissão de Direi-
Constituição, do estado democrático tos Humanos, ambas da OAB/BA.

32 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


COORDENADORIA ECUMÊNICA Igreja Presbiteriana Independente do
DE SERVIÇO - CESE Brasil; Igreja Presbiteriana Unida do Bra-
sil; Igreja Episcopal Anglicana do Brasil;
Criada por igrejas cristãs, a Coorde-
Igreja Católica Apostólica Romana –
nadoria Ecumênica de Serviço tem a
CNBB; Aliança de Batistas do Brasil.
missão de fortalecer organizações da
sociedade civil populares na luta por Entre os anos de 2004 a 2018, no estado
transformações políticas, econômicas da Bahia, foram identificados 29 projetos
e sociais. Atualmente é composta pe- apoiados com recursos da CESE, dentre
las seguintes instituições: Igreja Evan- os quais destacam-se as caminhadas,
gélica de Confissão Luterana no Brasil; perfazendo o total de 15 (quinze):

ANO CAMINHADA ASSOCIAÇÃO

Caminhada das religiões de matriz africana Associação de Apoio e Assessoria


2018
povo de santo, povo de resistência a Organizações Sociais do Nordeste

V Caminhada povo de santo do nordeste Associação de Defesa da Juventude


2017
de Amaralina do Nordeste de Amaralina

VI Caminhada pela vida e liberdade


2015 Terreiro Ilê Axé Oju Onire
religiosa do recôncavo baiano

2008- Caminhada contra aintolerância Associação Beneficente Cultural


2011 religiosa em Itapuã e Religiosa Axe Abassa de Ogum

Associação Beneficente Cultural


2007 a Caminhada contra intolerância religiosa e
e Religiosa Filhos de Flaviana
2013 pela paz no Engenho Velho da Federação
Bianc – Terreiro do Cobre

VI Caminhada do Povo de Santo do Nordeste de Amaralina, Salvador (BA), 2018.


Imagem: Ivana Flores (Flores Comunicação)

Camila Chagas | Ana Gualberto


| 33
A CESE apoia ações das comunidades trabalhadores rurais, posseiros, movi-
de terreiros, para além da sua atuação mentos sociais de luta pela terra, co-
social, através de incidência pública, no munidades tradicionais e outras orga-
que tange às denúncias de violações de nizações populares do campo.
direitos; divulgação de atividades e na Em se tratando da temática da into-
presença ecumênica nos espaços pú- lerância religiosa, dentre as ações da
blicos. A CESE tem apoiado ações locais AATR, destaca-se a assessoria jurídica
de terreiros, desde atos e caminhadas realizada nos casos de Mãe Gilda, do
à atividades de formação realizadas Axé Abassá de Ogum, contratada por
por meio de pequenos projetos. Papel KOINONIA, e no caso de Mãe Bernadete,
fundamental por tratar-se de um apoio que serão explicados a seguir.
pouco burocrático facilitando assim o
acesso das associações de terreiros.
AÇÃO NO CASO MÃE GILDA

FEDERAÇÃO NACIONAL DO Gildásia dos Santos, mais conhecida


como Mãe Gilda, era a Iyalorixá do Axé
CULTO AFRO-BRASILEIRO -
Abassá de Ogum. A mãe de santo era
FENACAB
atuante e engajada com movimentos
A FENACAB é uma entidade de utilidade sociais. Desde a fundação do terrei-
pública municipal e estadual, registra- ro, em 1988, ela auxiliou a comunidade
da no Conselho Nacional de Assistên- de Nova Brasília de Itapuã, local onde
cia Social. Ela congrega as casas de o terreiro está localizado, participando
culto de religiões de matriz africana em ativamente nas lutas por melhorias em
âmbito nacional, além das baianas de sua comunidade, como também para
acarajé. toda a sociedade.
No que toca as sistematizações, foram O engajamento social de Mãe Gilda le-
registrados pela Federação Nacional vou-a a participar dos protestos, com
do Culto Afro-Brasileiro, entre os anos outros manifestantes, em 1992, contra
2015 a 2018, 26 (vinte e seis) casos de in- o então presidente Fernando Collor de
tolerância religiosa na Bahia, os quais Mello, pedindo o impeachment do pre-
foram realizados atendimentos e en- sidente. Sua presença marcante fez
caminhamentos. A maioria destes, ao com que a Revista Veja registrasse sua
Ministério Público do Estado da Bahia, foto protestando, com trajes de Can-
através de representações. domblé e com um despacho a seus
pés, e publicasse na capa de sua edi-
ção histórica, em agosto de 1992.
ASSOCIAÇÃO DE ADVOGADOS
Ocorre que esta imagem foi utilizada
DE TRABALHADORES RURAIS -
pela Igreja Universal do Reino de Deus
AATR (IURD) em seu jornal intitulado “Folha
A Associação de Advogados de Tra- Universal”, em 1999, com a seguinte
balhadores Rurais tem como missão manchete: “Macumbeiros charlatães
prestar assessoria jurídica popular às lesam a vida e o bolso dos clientes”. O
organizações e movimentos populares referido jornal, à época, tinha tiragem
no Estado, com especial atenção aos de 1.372.000 exemplares.

34 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


Após a publicação desta matéria, a Não satisfeitas, a IURD e sua gráfica in-
Mãe de Santo teve o seu terreiro inva- terpuseram recursos nos tribunais su-
dido, sofreu agressões verbais e físicas periores. No Supremo Tribunal Federal
de membros da igreja neopentecostal o recurso foi inadmitido e no Superior
citada, por diversas vezes. Estes fatos Tribunal de Justiça a condenação foi
comprometeram sua saúde, causando confirmada, porém o valor indenizató-
seu falecimento em 21.01.2000, um dia rio foi reduzido para R$145.250,00 (cento
após assinar a procuração para que e quarenta e cinco mil duzentos e cin-
KOINONIA desse 10entrada na ação in- quenta reais).
denizatória, através dos advogados da
Sabemos que este valor é muito baixo,
AATR, pois na época havia um convênio
considerando a capacidade econômi-
entre KOINONIA e a Associação, viabili-
ca da IURD e da Editora. Porém, no as-
zado através da assessoria do Progra-
pecto social e político foi uma vitória
ma Egbé Territórios Negros.
para todo o povo de santo contra a in-
A ação foi registrada com o nº tolerância religiosa.
8.215.479/01 e tinha por objeto a indeni-
zação pelos danos morais e direito de
imagem contra a Igreja e a empresa AÇÃO NO CASO MÃE BERNADETE
Editora Gráfica Universal Ltda. Bernadete Souza Ferreira Santos, co-
A IURD e a Editora foram condenadas, nhecida como Mãe Bernadete de Oxós-
em primeira instância, a publicar a sen- si, foi mais uma vítima de intolerância
tença na capa e encarte do jornal por religiosa. Seu agressor foi o Estado, na
duas tiragens consecutivas, além de figura da Polícia Militar da Bahia.
indenizar a família em R$1.372.000,00 O ato de intolerância ocorreu no dia 23
(hum milhão trezentos e setenta e dois de outubro de 2010, no assentamen-
mil reais), considerando como parâ- to Dom Helder Câmara, localizado no
metro o valor de R$1,00 (hum real) para distrito de Banco do Pedro, município
cada exemplar, reajustado pelo INPC de Ilhéus. No dia da ocorrência do fato,
(índice nacional de preços ao consu- Mãe Bernadete, na condição de repre-
midor) desde 1999.
sentante da comunidade, questionou
As rés recorreram da decisão e o povo a presença e a invasão do espaço pe-
de santo realizou um ato público em los policiais, uma vez que aquela área
frente ao Tribunal de Justiça do Estado é federal e os mesmos não tinham
da Bahia - TJ/BA para que fosse agili- mandato judicial.
zado o julgamento do recurso de Ape-
Ocorre que a Polícia Militar do Esta-
lação. Em 06 de julho de 2005, o TJ/BA
do da Bahia a agrediu fisicamente e a
manteve a sentença, porém reduziu o
arrastaram até um formigueiro, onde
valor da indenização para R$ 960.000,00
a colocaram sentada em cima deste,
(novecentos e sessenta mil reais).
alegando que a mesma estava “possu-
ída pelo Satanás” e que iriam exorcizá
10. O Projeto EGBÉ iniciado em 1993, um ano antes de
KOINONIA se constituir formalmente, seguiu na instituição -la. Após, conduziram-na para a cadeia
e sua perspectiva central ainda orienta o olhar sociopolítico
de que os terreiros são territórios negros, lugares sociais, pública de Ilhéus, onde ficou presa com
que incluem a dimensão religiosa, mas que não devem
ser reduzidos a serem apenas lugar de culto. Mesma
outros homens, cerca de três horas.
perspectiva que mais tarde vai incorporar-se à definição
de povo tradicional de terreiro. O caso ainda está em investigação.

Camila Chagas | Ana Gualberto


| 35
AXÉ ABASSÁ DE OGUM tolerância, dando visibilidade a história
de Mãe Gilda e do Axé Abassá de Ogum.
Após sofrer inúmeros atentados a sua
honra e dignidade, além das invasões O Dia Nacional de Combate à Intolerân-
e depredação de seu terreiro, Mãe Gil- cia Religiosa, instituído pela Lei nº 11.635,
da, Iyalorixá fundadora do Axé Abassá de 27 de dezembro de 2017, proposto
de Ogum veio à óbito em decorrência pelos deputados federais Luiz Alberto
da intolerância religiosa, posto que fi- e Daniel Almeida, é comemorado anu-
cou com sua saúde comprometida, so- almente todo dia 21 de janeiro, fazendo
frendo um infarto fulminante. A mãe de uma homenagem a Mãe Gilda, que fa-
santo faleceu deixando como legado a leceu em 21 de janeiro de 2000.
luta contra a intolerância religiosa, prin-
cipal bandeira do Axé Abassá de Ogum.
DEMAIS AÇÕES
Desde o falecimento de mãe Gilda fo-
DA SOCIEDADE CIVIL
ram registradas e sistematizadas 44
ações vinculadas ao terreiro, através Diversas foram as manifestações de
de Mãe Jaciara, filha biológica e suces- combate à intolerância religiosa pro-
sora de Mãe Gilda na casa. Ela assumiu movidas pela sociedade civil, dentre as
não apenas a responsabilidade religio- quais destacam-se as caminhadas e
sa, mas a vanguarda do combate à in- atos sistematizados abaixo:

NOME ITINERÁRIO ORGANIZAÇÃO

Caminhada contra a
violência e a intolerância Engenho Velho da Federação Coletivo de comunidades
religiosa - Cardeal da Silva - Manuel de terreiros localizados no
Bonfim - Engenho Velho Engenho Velho da Federação
(2004-2018)

Caminhada pela Liberdade Associação de Terreiros


e Respeito Religioso Saída do Largo da Lapinha
da Liberdade e Adjacências
até o bairro Guarani
(2011-2012) – Egbé Axé

Caminhada de Xangô Concentração da Pronaica ou Associação Pássaro


(2009-2018) Fundação Bradesco das Águas

CAMINHADA PELO FIM DA pelos Terreiros do Engenho Velho da Fe-


VIOLÊNCIA, DA INTOLERÂNCIA deração há 14 anos, com o objetivo de
RELIGIOSA E PELA PAZ colocar em evidência a luta das religi-
ões de matriz africana contra intolerân-
A “Caminhada pelo Fim da violência, da
Intolerância Religiosa e pela Paz” é ca- cia religiosa. Esta caminhada também
pitaneada pela Associação Beneficen- traz para o debate as pautas do povo
te Cultural e Religiosa Filhos de Flaviana de santo e, desde 2014, é realizada aos
Bianc – Terreiro do Cobre e promovida quinze dias de todo mês de novembro.

36 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


São exemplos de temáticas abordadas No ano de 2005, em virtude da inaugu-
pela “Caminhada pelo Fim da violência, ração da Avenida Assis Valente, ocorreu
da Intolerância Religiosa e pela Paz”: a a especulação imobiliária da região e a
força da família no Candomblé sob as Pedra ficou em evidência de modo que
bênçãos dos mais velhos; diversidade alguns terreiros de Cajazeiras resolveram
religiosa por direitos iguais; enfrenta- se unir para protegê-la. Para tanto, cria-
mento às violências contra as mulheres; ram a Associação Pássaro das Águas,
a justiça dos caboclos, orixás, voduns e em 2010 e desde então fazem procissão
nkisis já foi feita. Continuaremos cultu- no segundo domingo de fevereiro.
ando a nossa ancestralidade, este últi-
Atualmente, a Pedra de Xangô foi tom-
mo foi o tema da caminhada de 2018.
bada como Patrimônio Cultural e Reli-
gioso, por representar a história da po-
CAMINHADA PELA LIBERDADE pulação de Cajazeiras, sendo a marca
E RESPEITO RELIGIOSO da existência do Quilombo Orubu cuja
história, pesquisada pela historiadora
Esta caminhada foi realizada nos anos de
Juliana Santos, foi trazida a conheci-
2011-2012, e foi organizada pela Associa-
mento de muitos por conta da pedra
ção de Terreiros da Liberdade e Adjacên-
que segundo relatos dos mais velhos,
cias, Egbé Axé, entidade religiosa funda-
também era conhecida como “Pedra da
da em 09 de dezembro de 2011, localizada
Onça” por servir de abrigo para um casal
no bairro do Curuzu, em Salvador.
deste felino, além de ser o “portal” para a
liberdade dos escravizados que aden-
CAMINHADA DE XANGÔ11 travam as matas de Cajazeiras, através
Relatos da comunidade contam que na da passagem submersa em água.
época da escravização, os negros se em- Além de colocar em evidência parte da
brenhavam nas matas do Bairro de Caja- história do Bairro de Cajazeiras, tam-
zeiras, local onde está localizado a Pedra bém é um instrumento de combate à
de Xangô, na Avenida Assis Valente. intolerância religiosa e resistência à es-
A Iyalorixá Mãe Yara, ao fazer oferen- peculação imobiliária na região.
das aos orixás, deparou-se com a
Pedra e, ao perguntar, no jogo do Ifá,
ATOS
quem respondia naquele Otá teve a Além das caminhadas, merecem des-
confirmação do Orixá Xangô. taque os seguintes atos:

ATO INÍCIO/ANO ORGANIZAÇÃO

Alvorada dos Ojás 2006 Comunidade de Terreiros de Candomblé

Xirê de Rua 2015 Ase Olóode Omilola

Ato pelo justo direito de alimentar


08.08.2018 Comunidades de Terreiro em Salvador
e celebrar o sagrado

11. Informações conseguidas por pesquisa na internet. Não


conseguimos falar diretamente com Mãe Iara.

Camila Chagas | Ana Gualberto


| 37
ALVORADA DOS OJÁS existência do instrumento normativo, o
Xirê de Rua encontra dificuldades em
A Alvorada dos Ojás é um ato realiza-
acessar os recursos do Estado.
do pelas comunidades de terreiros de
Candomblé, desde 2006, no qual amar-
ram-se panos brancos em árvores, em ATO PELO JUSTO DIREITO
diversos locais da cidade, com o obje- DE ALIMENTAR E CELEBRAR
tivo de chamar atenção para o direito
O SAGRADO
à liberdade religiosa e a livre expressão
de fé. Cumpre salientar que a amarra- O Ato pelo Justo Direito de Alimentar
ção de panos brancos, ojás, nas árvo- e Celebrar o Sagrado foi realizado no
res é a afirmação do axé, energia vital, dia 08.08.2018, pelas comunidades de
presente nas árvores e todos os seres terreiro, em Salvador, em virtude da
vivos, como afirma a cosmologia de iminência do julgamento do Recur-
matriz africana. so Extraordinário nº 494601 interposto
pelo Ministério Público do Estado do Rio
Grande do Sul contra decisão do Tribu-
XIRÊ DE RUA nal de Justiça do Estado que declarou
a constitucionalidade da Lei Estadual
O Xirê de Rua é um projeto encampado
nº 12131/2004.
pelo Ilé Ase Olóode Omilola, realizado
pelos terreiros de Camaçari, com o obje- A Lei acrescentou ao Código Estadual
tivo de colocar em evidência as deman- de Proteção de Animais a possibilidade
das dos povos de santo e o faz através de sacrifícios de animais, que também
de uma representação de Xirê, tal como são destinados à alimentação huma-
ocorre nos terreiros de candomblé. na, nos cultos religiosos. O julgamento
do Recurso foi suspenso, em razão do
Vale registrar que o Ilé Ase Olóode
pedido de vistas do Ministro Alexandre
Omilola, no ano de 2014, foi violado
de Moraes que já devolveu os autos
pela empresa Urca Empreendimentos
para julgamento, em 04.10.2018.
e Incorporações Ltda, em razão da es-
peculação imobiliária da Via Parafu- Nesse contexto vale registrar o caso
so, Camaçari, Bahia. Segundo relatos, ocorrido em 2013, quando o então ve-
a empresa quebrou assentamentos, reador pelo Partido Verde, Marcell Mo-
derrubou árvores sagradas, fizeram rais, apresentou um projeto de Lei (nº
ameaças, etc. Existe um processo ju- 308/13) que criminalizava a sacraliza-
dicial tramitando na segunda vara cí- ção de animais.
vel de Camaçari sobre esse caso. Mas, O povo de santo se manifestou, mos-
apesar do histórico da intolerância trando sua força na Câmara Municipal
religiosa sofrida, o Ilé continua na luta de Salvador. O malfadado projeto de
pela liberdade religiosa. lei não foi aprovado pela Comissão de
A iniciativa entrou para o calendário Constituição e Justiça, sendo arquivado.
oficial de festas populares do muni- Frisa-se que só o fato de cogitar o cer-
cípio de Camaçari, através da Lei nº ceamento ao direito à liberdade religio-
1449/2016, de 15 de agosto de 2016, que sa é uma afronta aos povos de terreiro,
estabeleceu sua celebração anual no posto que a sacralização de animais
dia 17 de agosto. Ocorre que, apesar da também ocorre em outras manifesta-

38 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


ções religiosas e, contra elas, não há Federal a constitucionalidade da Lei do
enfrentamento e questionamento de Rio Grande do Sul. A decisão será de-
suas liturgias. terminante para manutenção ou vio-
Alegar tortura aos animais, por si só, lação ao direito à liberdade religiosa
já é um desaforo aos povos de terrei- que, conforme exposto neste trabalho,
ro que, atualmente, está mais uma vez além de ser um direito fundamental,
com seu direito ameaçado, pois ainda também encontra amparo em nor-
não ficou definido no Supremo Tribunal mas internacionais.

Camila Chagas | Ana Gualberto


| 39
5.
AÇÕES DAS
COMUNIDADES DE
TERREIRO EM SEUS
ESPAÇOS
As comunidades de terreiro de Can- este papel de ação social e de comba-
domblé sempre desempenharam ter o ódio religioso e o racismo. Neste
papel fundamental na organização, sentido buscamos mostrar aqui de for-
manutenção da vida nas comunida- ma breve, algumas inciativas de terrei-
des urbanas. A maioria dos bairros de ros em ações sociais locais. Agregamos
Salvador e região metropolitana cres- por ações em parceria com KOINONIA e
ceram em torno das casas de santo. em ações desenvolvidas com outras
Estes espaços sempre foram e conti- parcerias ou de forma autônoma pelas
nuam sendo espaço de cuidado e aco- comunidades.
lhimento. Lá sempre se encontra uma Não temos pretensão de identificar to-
conversa, um conselho, um banho, um dos os atores. De forma breve, segue
prato de comida entre outras coisas. abaixo uma amostra do que as casas
Assim as comunidades de terreiros de- de santo, tem feito nos últimos anos em
sempenham um papel fundamental na prol de suas comunidades, na promo-
organização social da cidade de Salva- ção de bem-estar e no combate a into-
dor e região metropolitana. lerância religiosa.

As comunidades com as quais KOINO-


NIA dialoga tem buscado se fortalecer ALGUMAS AÇÕES
a cada dia para continuar exercendo COM KOINONIA:

40 | CAMINHOS ABERTOS PARA SUPERAR O ÓDIO E A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NA BAHIA


PROJETO
CAPACITAÇÃO
E APOIO AO
DESENVOLVIMENTO
DE COMUNIDADES
NEGRAS TRADICIONAIS
NO BRASIL.
Desenvolvido por KOINONIA e
apoiado pela União Europeia entre
os anos de 2007 – 2009

RESULTADO
DO PROJETO:
Até o final de 2009 foram
promovidas ações que
contemplaram diretamente
mais de duas mil pessoas, entre
elas mais de mil mulheres.
Indiretamente, essas atividades
alcançaram cerca de 17.500 pessoas.
Foram alcançadas mais de 78
comunidades de candomblé, com
as várias dinâmicas de intervenção,
comunicacionais e de capacitação.

Camila Chagas | Ana Gualberto Imagem: Ivana Flores (Flores Comunicação)


| 41
OFICINAS
DE ARTES, OFÍCIOS
E DIREITOS
Desde a implantação do projeto “Capacitação e apoio ao desen-
volvimento de Comunidades Negras Tradicionais no Brasil” foram
desenvolvidas, junto aos terreiros de candomblé de Salvador, ofi-
cinas de corte e costura, bordado, estética, culinária, toque de
atabaque, serigrafia e artesanato em madeira (entalhe), todas
voltadas à valorização dos saberes tradicionais afro-brasileiros
e ministradas pelos mestres populares integrantes da religião. As
oficinas foram ofertadas pelas casas ao público por elas escolhi-
do, convidando outras casas e a comunidade circunvizinha.
A valorização dessas artes e ofícios tornou possível a manuten-
ção e a difusão de parte do patrimônio imaterial da cultura afro,
fortalecendo as comunidades de terreiro de candomblé. Outro
ganho de elevada importância foi a afirmação do papel social
de centros de desenvolvimento local que são os terreiros de can-
domblé espalhados por toda a cidade.
As atividades de aprendizagem prática foram entremeadas por
momentos de discussão sobre direitos civis e territoriais, direito à
saúde (luta contra o HIV/AIDS), valorização da memória, ao meio
ambiente, e até ao resgate de suas próprias histórias de vida,
além de orientações e exercícios de autodiagnóstico das comu-
nidades locais para enfrentamento de suas realidades.
A cada ciclo de oficinas se encerrava com a capacitação de
seus representantes na elaboração de seus próprios projetos,
dando-lhes condição para criação, implementação, reprodução
e sustentabilidade das atividades.

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PARCEIROS NESTE PROJETO:
• Terreiro de Jauá - Associação Beneficente Casa de Oxalá
• Manso Dandalungua Cocuazenza - Associação
Beneficente de Manutenção e de Defesa
do Terreiro Manso Dandalungua Cocuazenza
• Ilê Axé Omin J’ Obá - Associação Civil e Beneficente
Amigos de Boiadeiro do Terreiro Ilê Axé Omim J’Obá
• Ilê Axé Taoyá Loni - Associação Beneficente
Cultural e Religiosa Ilê Axé Oyá Gbalé Loni
• Terreiro Vintém de Prata - Associação
Religiosa e Cultural e Religiosa Vintém de Prata
• Casa Branca - Associação Beneficente
São Jorge do Engenho Velho
• Tumba Junsara - Associação Beneficente
de Manutenção e Defesa do Terreiro Tumba Junsara
• Viva Deus Bisneto - Associação Religiosa
e Cultural do Terreiro Viva Deus Bisneto
• Ilê Axé Kalé Bokun - Associação Beneficente,
Cultural e Religiosa São Miguel
• Osun Yinká - Associação Beneficente,
Cultural e Religiosa Margarida Lima Guimarães
• Omin Funkó - Associação Beneficente Omin Funkó
• Obá Tony - Associação Beneficente,
Cultural e Religiosa São Gerônimo
• Abassá de Ogum - Associação Beneficente,
Cultural e Religiosa Axé Abassá de Ogum
• Terreiro São Roque - Associação Beneficente
e Religiosa Mametu Olga Santos
• INTECAB - Associação Intecab-Bahia-Instituto
da Tradição e Cultura Afro-Brasileira

Camila Chagas | Ana Gualberto


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PROJETO
AXÉ COM ARTE
2014 – 2016
Realizado por KOINONIA
Apoiado pela Petrobras

Realizado na Região Metropolitana de • A qualificação profissional dos par-


Salvador (BA), o projeto tem como ob- ticipantes a partir de interface entre
jetivo principal ampliar o acesso de in- práticas produtivas e saberes tradi-
tegrantes de terreiros de candomblé cionais afro-brasileiros;
de Salvador - em especial jovens -, a • A criação de oportunidades para troca
oportunidades de trabalho, melhoria de de saberes, fortalecendo a articulação
renda e a formas de defesa e expansão entre as formas de produção e trans-
de seus direitos. missão de conhecimento das comu-
Participaram onze casas afro-religio- nidades e os mecanismos formais de
sas que historicamente tem articulado garantia e promoção de direitos;
ações voltadas para o desenvolvimen- • A realização de eventos para exposição
to local e defesa de direitos. e venda dos produtos tradicionais afro
Os terreiros contaram com oficinas re- -brasileiros resultantes das oficinas;
gulares de práticas produtivas (corte • A incidência junto ao poder público
e costura de trajes de cultos; música/ para a criação e fortalecimento de
toques de atabaques; bordados afro; políticas específicas para as comu-
e culinária afro-brasileira), formação nidades de terreiro, voltadas para o
sobre oportunidades para a produção desenvolvimento da economia soli-
tradicional e direitos humanos, sempre dária e comércio justo;
adaptadas às experiências e saberes
• A produção e difusão de informação
de cada comunidade.
e conhecimento a partir da experiên-
Entre as ações do Axé com Arte desta- cia do projeto, bem como sobre te-
camos: mas afins, por meio de site.

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Neste projeto foram aproximadamente
500 pessoas capacitadas diretamente,
com aproximadamente 5 mil pessoas
envolvidas indiretamente.

TERREIROS PARCEIROS:
• Ilê Axé Opô Afonjá
• Ilê Axé kalé Bokun
• Ilê Alafumbi
• Ilê Axé Ewa Olodumare
• Ilê Axé Oya Bagan Baba Ala Efurun
• Unzó Sasaganzuá Kanjoânlojolo
Kangunga Kiasapalakanuá
• Unzó Mayala
• Kwe Vondun Zò
• Terreiro São Roque
• Ilê Axé Torrun Gunan
• Ilê Axé Iya Nasso Oká – Casa Branca

Camila Chagas | Ana Gualberto


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PROJETO
AMAZILÊ
2017
Realizado por KOINONIA e Ilê Alafumbi,
em parceria com Ilê Axé Omileji
Apoiado pela SPM

TERREIROS QUE DESENVOLVERAM


PROJETOS E AÇÃO LOCAL COM APOIO
DE KOINONIA NOS ÚLTIMOS 2 ANOS:

• Ilê Axé Opô Afonjá: ação voltada para mães dos


alunos da Escola Municipalizada Eugenia Anna –
combate a violências e fortalecimento das mulheres

• Associação Cultural Espaço Vovó Conceição – ligado


a Casa Branca: ações de formação para mulheres
e senhoras

• Ilê Axé Torrun Gunan: aulas de artesanato, combate


a violências e fortalecimento das mulheres.

• Ilê Alafumbi: aulas de artesanato, combate a


violências e fortalecimento das mulheres.

• Unzó Mayala: produção de evento de formação


para diversas faixas etárias baseadas na história
do terreiro e no combate a diversas violências,
em especial gênero e intolerância religiosa, em
comemoração aos 50 anos da casa.

• Ilê Axé Obá Tosi: rodas de diálogo


na promoção de direitos do povo de santo.

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ALGUMAS AÇÕES
DESENVOLVIDAS
POR TERREIROS:
• Projeto bate Papo Ibeji e oficinas criativas:
rodas de conversas e bate-papo; contação
história dos mitos e lendas afro-brasileiras;
oficinas de pintura e contas dos orixás;
oficinas de danças, toques e cânticos do
candomblé. O projeto envolveu os terreiros
Casa Branca, Vodunzò, Torrun Gunan.

• Centro Cultural Capoeira Baiana Kwe


Vodunzó: realiza aulas de capoeira a mais
de 20 anos, oferecida de forma gratuita às
crianças, jovens e adultos do Curuzu.

• Egbé Lecy Okuta Lewá: desenvolve ações de


acolhimento e formação para meninas em
situação de vulnerabilidade social na região
do subúrbio ferroviário de Salvador.

• Egbé Axé: A associação Egbé Axé oferece de


forma gratuita atendimento jurídico para os
terreiros afiliados.

• Axé Abassá de Ogum: realiza, anualmente,


ações em memória de Mãe Gilda e em
combate à intolerância religiosa; realiza feiras
de comercialização com empreendedores
afro-religiosos e está construindo um
memorial no terreiro sobre o caso Mãe Gilda e
a história do Axé Abassá de Ogum.

Camila Chagas | Ana Gualberto


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6.
CONCLUSÃO
É importante afirmar que todas as À primeira vista chega a ser surpreen-
ações, instrumentos e políticas públi- dente a quantidade de ações de com-
cas construídas são oriundas da pres- bate à intolerância religiosa registradas
são que o povo de santo, juntamente pelos órgãos públicos, levando-se a
com segmentos da sociedade civil que falsa percepção de que as vítimas são
partilham da luta pela liberdade reli- amparadas, inclusive, pelo sistema de
giosa e combate à intolerância e ódio justiça de forma plena. Como foi apon-
religioso, vem realizando nos últimos tado no texto, alguns órgãos têm reali-
anos. Este ponto precisa ser reafirma- zado este acolhimento de forma satis-
do a cada momento, pois as conquis- fatória, mas longe da resolução efetiva
tas são poucas, entretanto, marcantes dos conflitos, o que poderia criar prece-
e que podem levar a mudanças so- dentes e dificultar a prática dos crimes
ciais reais. de racismo e intolerância religiosa.
Considerando o cenário baiano, no Na realidade, o acesso a políticas públi-
qual a intolerância religiosa parece cas de combate a intolerância religio-
uma constante, verificar o que os ór- sa, assim como aos serviços ofertados
gãos públicos e a sociedade civil têm pelo Estado, não atendem às deman-
realizado para o seu enfrentamento das dos povos de terreiro. Em sua gran-
torna-se necessário para instrumenta-
de maioria, a denúncia é o máximo que
lizar os povos de terreiro acerca da sua
se avança, não havendo punição aos
trajetória de luta e do que é possível ser
responsáveis, nem ações efetivas de
feito para combater a intolerância e o
prevenção. Salvo campanhas que não
ódio religioso.
chegam à maioria da população.
Falar sobre esta temática é abordar a
Há uma ineficiência na prestação do
falta de respeito ao diferente, à crença
serviço público e os órgãos, em sua
do outro. É revisitar a história do Brasil
maioria, não correspondem ao propó-
para discutir a escravização dos ne-
sito para o qual foram criados.
gros nas Américas e de como tudo em
sua cultura foi marginalizada, principal- As vítimas não têm o acolhimento ade-
mente sua religiosidade, ao longo do quado e sofrem com a falta de preparo
tempo. Fato é que as religiões de matriz dos agentes públicos. Não se tem notí-
africana resistem. cias de condenações ou ações efetivas

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de combate à intolerância religiosa, o dos fornecidos pelos órgãos públicos
que pode ser evidenciado pela quan- percebe-se a disparidade entre as in-
tidade de arquivamentos dos proce- formações e quanto estas não dialo-
dimentos nos órgãos públicos, quando gam com a realidade percebida pelas
são registrados, e o esvaziamento das comunidades.
atividades de formação com as comu-
O papel de KOINONIA como organiza-
nidades. Estas, por não terem suas pau-
ção da sociedade civil é buscar infor-
tas verdadeiramente atendidas, têm
mações e compartilhá-las para juntos
buscado o fortalecimento através dos
construirmos caminhos de efetivação
seus, em ações promovidas e organi-
da plenitude da cidadania a ser vi-
zadas pelas próprias comunidades.
venciada pelas comunidades tradi-
Na Bahia, assim como em todo Brasil, a cionais, assim como todos(as) os(as)
intolerância religiosa tem cor. O estado cidadãos(as) brasileiros(as). Espera-
laico, mas marcado por sua forte reli- mos que esta curta publicação contri-
giosidade cristã, é o mesmo que discri- bua para que em conjunto possamos
mina e invisibiliza o diferente, naquilo construir uma sociedade mais justa e
que lhe convém. Ao confrontar os da- com equidade.

Camila Chagas | Ana Gualberto


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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dulo=eva_conteudo&co_cod=15283. Acesso em 01.11.2018. Positivo, 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

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