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Ilustrações Ágatha Kretli

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reflexão

O curador e o processo de liderança:


um novo olhar na cena contemporânea
das organizações
POR R I C A R D O A U G U S T O A LV E S D E C A R V A L H O

“Artista é o indivíduo que desenvolve ideias, sensibilidades, habilidades e imaginação


para criar trabalhos bem proporcionados, habilidosamente executados, imaginativos,
independentemente do ambiente em que trabalha. Maior título que se pode dar a alguém é o de
‘ser artista’ naquilo que faz, independentemente de sua profissão. Nesse sentido, a educação
deve ser concebida como a educação de artistas”.
Sir Herbert Read – 1893-1968

Observamos um mal-estar insidioso nas orga- A arte contemporânea é “curada” de sua falta
nizações contemporâneas, que pode ser explici- de compreensão por um curador que lhe dá o tom,
tado em uma questão provocativa – vivemos uma agrupa informações e faz conexões. Esse curador
era carente de grandes líderes ou de lideranças é um “apanhador” de significados que, em uma
diferenciadas? Esse “vazio” de liderança tipifica a exposição ou museu, cria diálogos entre artistas de
cena contemporânea, seja no mundo empresarial, épocas e estilos diferentes. Esse “dialogar” produz
na politica ou nas “ruas”. uma aura de significação que nos traz clareza e
Ora, o contemporâneo se expõe justamente por ilumina nossa forma de ver o mundo. Qualquer
ser um lugar de ausências e escassez. Tudo está semelhança com as competências necessárias à
fragmentado, descontruído e gasto. Nesse vazio, liderança contemporânea não é mera coincidência.
precisamos de um líder que reinvente a roda ou Nesse sentido, a criatividade para inovar é uma
sermos “curados” do desejo de um “pai-salvador”? força motriz para o líder-curador que tem como desa-
Uma questão mais do que atual no Brasil de hoje! fio operar uma espécie de continuidade “disruptiva”

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que não teme a contradição, tentando atingir um forma significativa, “amarrados” em um conceito
nível cada vez maior de complexidade. Ao mesmo unificador de sentido.
tempo, com o fio (confio) alinhavado no tecido da Portanto, a proposta curatorial é capaz de fazer
complexidade organizacional, ele protagoniza um a gestão de ambivalências e ambiguidades, pontos
jogo criativo, sem medo de questionar premissas e de vista e contradições cromáticas e temporais,
pressupostos para poder se reinventar. Criar é cons- reunindo-os num espaço que faça sentido e tenha
truir perspectivas de desenvolvimento e processos contundência e relevância. Além disso, é preciso
de liderança, com práticas inovadoras, dentro de ter o senso de praticidade, pois o objetivo é or-
novos contextos capacitantes – como ateliês de questrar e trazer à tona o que está presente, mas
aprendizagem diferenciados e espaços de convivên- não totalmente evidente. A perspectiva curatorial
cia, onde possam acontecer diálogos produtivos. trata, então, de expor o existente que ainda não
Podemos observar esses diálogos em termos é visto, intercambiando tendências e produzindo
de olhares cruzados, na perspectiva da formatação respostas emocionais estéticas que resultem em
espacial dos atuais museus de arte contemporâ- concepções práticas.
nea, cujo exemplo mais significativo é o Inhotim, O conceito atual de working in progress na
em Minas Gerais. arte contemporânea traduz a ideia de uma obra
Apoiamos nossa concepção teórica (Bourriaud, em processo contínuo de experimentação, que se
2009; Obrist, 2012; Reed, 2004) no campo do adapta aos espaços e tem uma natureza flexível e
entrelaçamento entre a estética relacional, cura- multiforme. Nesse sentido, a liderança curatorial
doria e arte-educação, respectivamente. Assim procura criar uma atmosfera de trabalho “quente”,
como no campo teórico-experimental das business incluindo e ressignificando as interações diárias e
schools, de acordo com Richard Sennett (2009, realizando projetos inovadores e multiautorais na
2011 e 2012). O autor destaca o quanto o mundo concepção de uma economia criativa e colaborativa.
do trabalho pode ser fecundo, ao aliar a arte e a O processo de liderança, nessa perspectiva,
gestão, no seu exemplar Artífice (2012), educado traz em si a ideia de um percurso quase errático,
por um Mestre de Ofício – Curador – que reunia não linear. Nele, podemos escolher direções e
as habilidades técnicas, éticas (deontológicas) e formular sínteses próprias, não oferecendo expli-
estéticas no produto final e, assim, não perdia a cações palatáveis, mas sim mediações educativas.
visão do processo. Trata-se do Educar na acepção latina do ex-ducere
Essa nova liderança curatorial cria uma espé- – tirar do ducto, do senso comum –, alertando para
cie de “estética relacional”, pois considera que outros caminhos, atalhos e trilhas conforme nossas
o “relacionar humano” é uma arte pintada com “afinidades” eletivas, unindo razão e sensibilida-
as cores da diversidade. Cria também incentivos de, afinando nossa capacidade de “escuta ativa” e
e reconhece a criatividade e o espírito inovador prontidão para a mudança.
onde quer que eles se encontrem. Cria, igualmen- Dessa forma, esse novo processo de liderança
te, “usinas” de sonho, alinhadas com a missão cria uma espécie de “estética relacional”, pois
organizacional. O líder-curador “cuida” ao expor considera que o “relacionar humano” é uma ar-
uma diversidade enorme de elementos, não ne- te pintada com as cores da diversidade, esmero
cessariamente presos a uma lineariedade, mas de técnico e apuro estético, calcada numa postura

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ética inquebrantável, pois, como já dissemos, cria suportes estéticos relacionais, recriando o design
usinas de sonho. organizacional e incitando a inteligência coletiva.
A arte contemporânea, em sua curadoria, de- Em resumo, o ato curatorial é um “dar a ver
sistiu da observação passiva, incorporando a obser- sem impor o olhar”. Ou seja, despertando o in-
vação participante e propositiva, além de processos teresse no outro, pois, potencializando um olhar
cada vez mais colaborativos e coletivos, o que nos sobre o outro, a curadoria supõe também um mo-
adverte que o individuo sozinho e isolado é “incom- vimento de curiosidade, decorrente da cura.
petente” para lidar com a complexidade, própria A arte da curadoria, em sua similaridade com
do contemporâneo. Hoje sabemos muito, mas não a arte da liderança, consiste na produção de uma
temos uma visão de conjunto, sistêmica e holística. narrativa que visa a tornar visível o invisível, como
Aqui, o Curador alinha o olhar, mas deixa escolhas, nos diz Merleau Ponty em sua “Fenomenologia da
não induz, mas produz desejos, numa espécie de Percepção”. Por outro lado, nos revela a capacida-
anúncio-chamariz do que ainda está por vir. de de criar uma argumentação conceitual que dá
Enfim, a perspectiva curatorial no campo da suporte a uma narrativa, com o objetivo de explici-
liderança dá o exemplo, ao propor a recriação de tar a procura ou a pesquisa do artista-colaborador
si própria num movimento contínuo, mas disrup- em sua obra. Como curador na cena contemporâ-
tivo. Como protagonista de mudanças, desenvolve nea, o novo líder busca oferecer condições para
atitudes e comportamentos abertos e flexíveis, uma transformação da posição do sujeito – de mero
alinhados com a nova cena organizacional. espectador a protagonista da cena organizacional.
Nesse novo olhar sobre a gestão, a liderança Se um dos atributos da liderança é ser van-
curatorial propõe descobertas, achados e dimen- guarda, o curador ocupa esse papel com maestria,
sões que são revelados na partilha do olhar (como pois no seu olhar antecipado revolve pistas e traços
uma Escola do Olhar, a exemplo do MAR-RJ), com a intenção de construir um radar, apontando
autorizando-se a perder-se em alguns momentos. tendências e criando mercados do amanhã. E ain-
Hans Ulriche Obrisch, em sua “Breve História da, como nos assinalou Zigmunt Balman, nossas
da Curadoria” (2009), propõe-nos certa invisibilida- vidas – queiramos ou não – são obras de arte, e
de do curador – “Se fizermos bem nosso trabalho, cabe a cada um de nós as tratar como tal. Se as
desaparecemos atrás dele” –, o que vem confirmar organizações são vidas produtivas, ou seja, obras
nosso ensaio (Carvalho, 2009), no qual acenamos de arte ambulantes, o que você está esperando
com a necessária aceitação do lugar do vazio, para para “curar” sua organização?
o exercício da liderança. Senão, vejamos.
Assistimos na cena contemporânea a um ex- Ricardo Augusto Alves de Carvalho é professor e pesquisador da
Fundação Dom Cabral, doutor em Sociologia pela Universidade Paris 7/
cesso de fragmentação por todos os lados, o que Denis Diderot e professor visitante na Reims Management School.
nos provoca um sentimento de falta de continente
“A Liderança Curatorial e suas inflexões para as organizações” é um
e limites. Ao propor uma unidade de sentido, a projeto de pesquisa da Fundação Dom Cabral coordenado por Ricardo
perspectiva da liderança curatorial unifica, dá rumo Carvalho, com a participação dos pesquisadores Anderson Sant’Anna,
Adriana Rickli, Ieda Pereira, Daniel Parreiras e Daniela Simões. Grandes
e ajuda a reduzir a angústia de despedaçamento, curadores do mundo das artes estão sendo entrevistados, para se extrair
as novas competências na formação de líderes.
um sintoma da pós-modernidade. É nesse sentido
que o curador cuida, pois oferece certo contorno,

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