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Joevan Silva de Oliveira Júnior

Autoperformação como procedimento de subjetivação do


ator/performer

Projeto de pesquisa monográfica apresentado


como pré-requisito do componente disciplinar
TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) sob a
orientação da prof. Drª Marcia Chiamulera no
período 2018.2.

João Pessoa, 2018


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 3
PROBLEMA ................................................................................................................................. 5
HIPÓTESE .................................................................................................................................... 6
OBJETIVO .................................................................................................................................... 6
GERAL ..................................................................................................................................... 6
ESPECÍFICOS .......................................................................................................................... 6
JUSTIFICATIVA .......................................................................................................................... 7
REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................................................................... 8
METODOLOGIA ....................................................................................................................... 15
CRONOGRAMA ........................................................................................................................ 16
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 16
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INTRODUÇÃO

O presente projeto propõe uma reflexão sobre os processos de subjetivação do


ator/performer num contexto em que a cena se localiza em territórios liminares onde
performance, teatralidade, imprevisível, rituais irreprodutíveis, extra cotidianos,
efêmeros se atravessam transbordando as taxonomias tradicionais responsáveis por
enquadrá-la em campos culturais nitidamente definidos.
Com esse objetivo propomos problematizar o processo de criação do experimento
“Me ame menos, mas me ame por mais tempo”, onde o ator assume um processo
contínuo de identificações temporárias por meio de uma série de ficções que ele cria
para si. Procedimento que chamamos de autoperformação e que acreditamos
caracterizar uma das formas com que o ator/performer constrói sua subjetividade cênica,
sua forma de estar em cena na contemporaneidade.
Nesse sentido, nossa hipótese inicial é a de que o sujeito da cena, por meio de um
jogo de criação e recriação de ficções, que se acumulam e sobrepõem, gera uma série de
identificações temporárias que perdem o caráter de referência estável, passível de
verificação. Uma estratégia que desloca as noções de identidade e representação do
campo da ambivalência opositiva ator x performer, máscara ritual x máscara cotidiana,
persona x personagem, real x ficcional, público x privado para o território da
indecidibilidade, das liminaridades.
“Me ame menos, mas me ame por mais tempo” começou a ser construído no
projeto “Autobiokhraphia: uma proposta de autoperformação enquanto procedimento de
subjetivação do ator” desenvolvido no componente curricular Experimentos Cênicos,
ministrado pela professora Drª Marcia Chiamulera, no período 2018.1 do Curso de
Teatro (Licenciatura) da UFPB.
O projeto propunha a construção de uma narrativa vivencial, apoiado no fascínio
pela celebridade de um mundo baseado na aparência, tão característico da nossa época e
que parece refletir a crescente publicização do espaço privado. Este, revertido em
espetáculo, se torna sucesso mercadológico na forma de talk shows, reality shows, selfs,
facetime, facebook, youtube e seus digital influencers, diferentes formas de exibição de
memórias autobiográfica, registros biográficos e perfis de todos os tipos.
O trocadilho autobiokhraphia, usado no experimento, é um termo que carrega o
sentido de autobiografia de merda, uma forma de assumir a impossibilidade de
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empreender uma escrita de si, termo usado pelo filósofo francês Michel Foucault(2004),
sem que seja por meio de uma série de auto ficções o que, no espetáculo, é feito
propositadamente, no espirito broadcast yourself, para gerar o máximo de atenção pelo
maior tempo possível. Queremos explorar essa ideia de show do eu, como colocado pela
antropóloga argentina Paula Sibila (2008) em que adotamos o espetáculo como forma
de vida, visão de mundo e o modo como nos relacionamos. Relações que, mediadas por
imagens, segundo o filósofo e sociólogo polonês Zigmunt Bauman (2003), se
liquefazem e acabam gerando um mundo baseado na aparência e apoiado numa
economia do visível.
Na prática a encenação propõe a apresentação de um experimento cênico-
científico no qual o público atua diretamente no processo de construção do espetáculo e,
por consequência, da própria identidade do sujeito atuante. O experimento é composto
por um total de 12 temáticas relacionadas, de alguma forma, ao ator/performer. Cada
uma compreendendo uma cena já construída. A cada espetáculo, o público decidirá
desse total de 12, um conjunto de 05 temáticas a serem apresentadas e em que ordem
isso se dará, ou seja, a cada apresentação uma nova composição será realizada e uma
nova identidade será construída.
Optamos por uma narrativa fragmentada, composta por uma série de pequenas
histórias que, apesar de se relacionarem, mantém um sentido próprio. Assim, propomos
estabelecer uma maior liberdade de composição, uma vez que a dramaturgia do
espetáculo resulta das escolhas feitas pelo público em relação a que narrativas serão
apresentadas e em que sequência serão dispostas. Dramaturgia, aqui entendida,
enquanto termo expandido que, desde o século XX tem se desvinculado da palavra
escrita e se reposicionado no âmbito do funcionamento e articulação dos diversos
elementos presentes na cena.
Se pensarmos que o conjunto de temáticas apresentadas ao público funciona
como a própria realidade, ao escolher uma, o público destaca um fragmento desse real e
a partir dele, o sujeito/ator começa a traçar, representar sua própria biografia. Contudo,
não podemos dizer que o ator em cena, referência para a biografia que está sendo
retratada, se configura como uma identidade já formada, seja na vida real ou na ficção
do palco, ao menos não no sentido moderno, cuja construção é entendida como uma
tarefa individual resultante da vontade e provida de caráter contínuo e auto idêntico1. Ao

1
Refere-se ao sujeito que tem como referência última a si mesmo.
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contrário, ela vai se descortinando perante nós, porque sua constituição acontece
durante a apresentação e depende de que fragmentos são escolhidos pelo público e em
que ordem eles são apresentados.
Fragmentos de um todo que, assim como a identidade do sujeito da cena, se
constitui como um efeito com o qual ele se identifica durante determinado tempo
momento. Identificação que vai sendo construída por um conjunto de referências
materiais (temas) e subjetivas (rastros, outros que habitam o próprio sujeito).
Nesse sentido, as histórias contadas, produtos da memória, são rastros2,
referências que, pela lógica do rastro, não são rememorações de um passado enquanto
referência fechada, mas enquanto criação e, portanto, original em si mesmo (ficção).
Isso acontece porque não representam uma verdade externa ao ato de conta-las. Ao
contrário, se constituem no momento mesmo em que acontecem. E continuarão depois
do momento de seu apagamento porque permanecem em movimento, enquanto um
passado sempre heterogeneizado pelo outro, entendido enquanto alteridade que há no
próprio sujeito, que se remete a outros,
Ao propor esse processo de “escritura do eu”, parafraseando Foucault (2004),
procuramos evidenciar a complexidade que assume a noção de identidade e como
isso se reflete no estar em cena do ator/performer. Como coloca o filósofo francês
Jacques Derrida (1999), somos incapazes de sermos nós mesmos o tempo todo, mas
também não conseguimos ser outro totalmente. Por isso, partimos do pressuposto
que o sujeito, ao se auto ficcionalizar, vai assumindo máscaras, personas, selfs, com
os quais se identifica temporariamente. Processo contínuo e ininterrupto de formação
de um eu habitado pela alteridade que, assim como a palavra, carece de significado
ou é sobreposta por várias outras evidenciando seu caráter citacional.

PROBLEMA

Tendo em vista que o teatro ocidental, desde o século XIX e mais intensamente a
partir da segunda metade do século XX, vem passando por um processo de
transformações relacionadas ao seu conteúdo e forma evidenciando uma série de crises

2
Conceito que substitui o signo por abalar a ideia de um original sobre a cópia. Seria um vestígio, marcas
deixadas por uma ação ou passagem
6

ligadas à modernidade, com destaque para a própria noção de drama e de personagem,


nos questionamos: Como pensar o processo de subjetivação do ator/performer, ou seja,
sua identidade cênica, num contexto em que a cena contemporânea é deslocada para
territórios liminares onde performance, teatralidade, extra cotidiano, acontecimento,
rituais irreprodutíveis e efêmeros se atravessam transbordando as taxonomias
tradicionais responsáveis por enquadrá-la em campos culturais nitidamente definidos?

HIPÓTESE

Como hipótese, partimos da ideia de que para além das dicotomias ator x
performer, máscara ritual x máscara cotidiana, persona x personagem, real x ficcional,
público x privado, o processo de subjetivação do ator/performer se dá por meio de um
jogo de criação e recriação de identidades que denomino de autoperformação. Esse
procedimento, ao assumir a impossibilidade de manutenção da noção de sentido ou
presença plena, abre mão do caráter de originalidade, do sentido de verdade passível de
verificação ao prescindir de uma referencia estável. Como resultado pode ser
caracterizado como um processo constante de identificações temporárias com uma série
de ficções que o atuante cria para si e que vão se acumulando e sobrepondo por meio de
um jogo contínuo de negociações entre o eu e “os outros” presentes em nós e fora de
nós.

OBJETIVO

GERAL
Problematizar os procedimentos de subjetivação que caracterizam o estar em cena
do ator/performer no contexto da cena contemporânea a partir da análise do processo de
escritura cênica do experimento Me ame menos, mas me ame por mais tempo.

ESPECÍFICOS
 Discutir o processo de invenção das estruturas de composição do experimento;
 Analisar os procedimentos de realização desse tipo de escritura cênica;
7

 Caracterizar a autoperformance a partir de suas especificidades;


 Contribuir para os estudos sobre dramaturgia do ator no campo das Artes Cênicas;

JUSTIFICATIVA

O presente projeto se justifica pela importância de refletir sobre estratégias


artísticas de desvio, (inter)ação e intervenção nos modos de produção instituídos, num
contexto em que as fronteiras entre arte e vida tornam-se cada vez mais turvas. O termo
personagem, por exemplo, usado para designar um papel desempenhado no contexto
cênico, apropriado pelas ciências sociais, também, é usado para se referir ao sujeito do
cotidiano, ganhando o sentido de forma encontrada para se apresentar e se relacionar
com o outro.
A partir de um ponto de vista, o sujeito pode ser compreendido como resultante
da relação entre seres viventes e dispositivos, no sentido dado pelo filósofo italiano
Giorgio Agamben, enquanto “qualquer coisa que tenha, de algum modo, a capacidade
de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos,
as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes.” (AGAMBEN, 2009, p.40)
Não podemos esquecer que o teatro se configura como dispositivo baseado no
princípio da mimese, termo que não deve ser limitado à ideia de representação ou
imitação da realidade, mas sim ao conjunto de normas que regem o próprio fazer teatral.
Ou seja, sua lógica própria de realização muda de acordo com o contexto sócio histórico
e econômico no qual se insere.
Persona, por exemplo, é uma expressão latina derivada da palavra personare,
que significa “soar através de” e carrega o sentido da máscara usada pelo ator, através
da qual a voz deveria ressoar. Simplificando, pode identificar um indivíduo, uma ideia
abstrata, um animal, entidades ou objetos, vir acompanhada por palavra e/ou ações,
assim como pode ser nomeada, ou não. Pode ser vivida por diferentes atores, de modo
sincrônico ou diacrônico, funcionando como outro do ator, no sentido que representa
algo ou alguém que possui dimensão e identidade diversa de quem o corporifica. Essa
forma de subjetividade, ao se localizar entre o referencial literário e o corpo do ator,
vacila entre aproximação e distanciamento entre esses dois polos.
8

Ao longo do tempo, a persona da dramaturgia clássica, caracterizada pela


máscara, vai se transformando na personagem do teatro burguês, por meio de um
processo de individuação. Entidade que toma decisões de acordo com vontades e
desejos próprios dentro de uma realidade outra, com contexto próprio, segundo uma
lógica que prioriza a causalidade, necessidade e verossimilhança objetivando a unidade
e coerência da ação corporificada pelo ator. Processo que, no teatro ocidental, pode ser
mapeado desde Aristóteles, passando por Diderot, até chegar a Stanislavski, quando
essa noção começa a ser desestabilizada por criadores como Meyerhold, Brecht,
Grotowski que questionam a alteridade (eu/outro) inerente à personagem nos moldes em
que estão, até então, colocados. Esse tensionamento do que seria a personagem
evidencia o caráter de instabilidade do que chamamos identidade, seja do
ator/performer, da personagem, da persona ou do self, que passa a poder ser
compreendida enquanto uma construção continua a partir do fluxo de relações do eu
com o outro.
Num mundo em que os dispositivos se multiplicam e os seres viventes são lugar
de múltiplos processos de subjetivação, torna-se importante pensar em sistemas capazes
de perturbar o simples acompanhamento programático de fluxos, comportamentos,
reações e desejos estabelecidos pelos sistemas hegemônicos. Nesse sentido, refletir
sobre possibilidades de dispositivos auto representacionais pode possibilitar a criação
outras formas de corporeidade, assim como de novos corpos sociais.

REFERENCIAL TEÓRICO

Nesse contexto, parte das discussões relacionadas às noções de sujeito e


representação vem sofrendo modificações desde a década de 70 do século XX,
apontando para uma exacerbação crescente da lógica do visível. Segundo a antropóloga
Argentina Paula Sibila (2008), as transformações que as novas tecnologias, com
destaque para a web 2.0, trouxeram para o nosso cotidiano indicam importantes
mudanças nos paradigmas sociais e, por consequência, nas formas de subjetivação do
sujeito. “Nesse movimento, transformam-se também os tipos de corpos que são
produzidos no dia a dia, bem como as formas de ser e estar no mundo.” (SIBILA, 2008,
p.16)
9

As mesmas discussões referentes à crise do sujeito e da representação que


apontam para uma exacerbação da lógica do visível, apontam para uma crise da ideia de
identidade. O sujeito descentrado, fragmentado, perde o caráter de referencialidade
estável que lhe garante um “sentido de si”, pela constatação da impossibilidade de
manutenção de referências no campo cultural que possam assegurar um sentido de
integridade. O que se evidencia é um processo mais amplo de mudanças que estão
deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os
quadros de referências que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo
social.
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, já no século XIX, empreendeu uma
crítica à noção de verdade contradizendo a ideia de sujeito do teatro moderno que,
segundo o teórico cultural jamaicano Stuart Hall (2006), se baseava na numa concepção
de indivíduo centrado, unificado, dotado de razão, consciência e ação. Nietzsche coloca
que a ação é tudo e o sujeito é apenas uma ficção acrescida a ela, ou seja, o sujeito não é
autossuficiente ou auto idêntico. Da mesma maneira, ao estar submetido à ação, também
não pode mais ser visto como contínuo. Ao desconstruir as noções de verdade e sujeito
cartesiano, o filósofo opera a morte do Homem e de Deus, no sentido de colocar em
xeque a figura criada pela tradição filosófica ocidental fundada sobre o cartesianismo e
a tradição cristã, cujos eixos norteadores são interioridade, renúncia e consciência de si.
Essa crítica ao sujeito moderno chega ao ápice na década de 60, a partir de
trabalhos teóricos como As palavras e as Coisas do filósofo francês Michel Foucault e
A Morte do Autor do, também, filósofo francês Roland Barthes. Em ambos, há um
questionamento da própria condição do homem enquanto dono de sua individualidade.
Os temas, por eles tratados, se relacionam a superação da modernidade do drama,
enquanto estrutura, e do ator, enquanto portador de significados. Essa ruptura se deu
com o Estruturalismo, onde as estruturas eram responsáveis por determinar as relações.
Nesse contexto, o formalismo russo, denominado New Criticism, como coloca o
professor brasileiro Wander Miranda Melo (1992), procurou evitar a sacralização
burguesa do nome do autor, ao caracterizar a literatura como autônoma e, portanto,
propriedade pública. Pensando num universo onde tudo é escrita, o papel de autor ou
leitor se torna intercambiável. Como resultado, percebe-se uma transformação da escrita
que, se antes estava ligada à imortalidade, aos grandes temas, passa a se relacionar à
morte, à ausência (do autor).
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A teórica estadunidense Elionor Fuchs (1996), ao escrever sobre a morte da


personagem o faz em relação à própria condição de transbordamento do sujeito pós-
moderno que não comporta mais as tradicionais dicotomias self/mundo, eu/outro. Em
sua análise, este processo de desaparição ocorre desde o fim do século XIX, o que
possibilita fazer uma relação direta com a crise do drama preconizada pelo teórico
húngaro Peter Szondi (2001). Em ambos os casos, as crises identificadas se mostram
uma reação à impossibilidade de manutenção de modelos ligados à tradição. Seja o
drama enquanto poética baseada na ação que ocorre num presente absoluto, por meio de
relações intersubjetivas, seja a personagem dotada de vontade, de caráter contínuo, auto
idêntico3 e atuante, no sentido de que é ela quem determina a ação. Se “no drama
absoluto, uma das características é a fundição entre personagem/papel e homem
dramático, ” (SZONDI, 2001, p. 31) a crise da noção de personagem resulta de uma
tensão do que, do ponto de vista do ator, é a constituição de uma identidade narrativa
distinta da sua individualidade própria, ou seja, da personagem.
Para o filósofo francês Denis Diderot (1986), por exemplo, o dever do teatro era
refletir a sociedade e seus movimentos sociais, ou seja, a participação do sujeito na
política, na economia, em suma, a vida “real” do homem, seja ele burguês ou camponês.
Iluminista, Diderot trata das questões relacionadas à razão e à sensibilidade do homem
e, por isso, ao se voltar para o teatro, o filósofo prega que ao ator cabe encontrar uma
justa medida para esses dois polos. Por isso, ator e personagem devem guardar certa
distância, enquanto duas entidades distintas, cabendo ao espectador à experiência
sensível e, ao ator manter a racionalidade para conseguir transmitir o sentido previsto no
modelo pré-escrito, no extrato literário.
Os consequentes avanços tecnológicos geram um desejo crescente de que os
processos miméticos deem conta da totalidade do real a partir de sua reprodução
idêntica, com exatidão sem a ocultação das coerções externas (relações de poder) ou
internas (visão do autor). É nesse contexto que o encenador russo Constantin
Stanislavski desenvolve seu trabalho, cujo principal objetivo era

[...] criar a vida do espírito humano do papel e transmitir essa vida em


cena sob uma forma artística. Como podem ver nossa tarefa principal
não consiste somente em refletir a vida do papel em sua manifestação
externa, senão, principalmente, em criar em cena a vida interior da
personagem representada e de toda a obra, adaptando a esta vida

3
Refere-se ao sujeito que tem como referência última a si mesmo.
11

alheia os próprios sentimentos humanos, dando-lhes todos os


elementos orgânicos do espírito de uma pessoa. (STANISLAVSKI,
2003, p.32)

E se pensarmos na técnica psicofísica, por ele desenvolvida, podemos supor que


seu trabalho partia do princípio de que o ator nunca podia deixar de ser ele mesmo, o
que tornava essa impossibilidade seu ponto de partida. Não podemos esquecer que ele
buscava os meios que possibilitassem ao atuante conectar uma forma externa à vida
interior do ator, de modo que suas ações resultassem das circunstâncias dadas pelo
referente textual em relação às vivencias e idiossincrasias do atuante.
Indo numa direção contrária, o encenador russo Vsevolod Meyerhold,
contemporâneo de Stanislavski, se afasta do ilusionismo do teatro naturalista/realista e
propõe novas funções para o público, o ator e a personagem.

O objetivo principal do ator meyerholdiano não é sentir, mas dominar


os meios de transmitir ao público uma partitura de emoções,
questionamentos, impulsões e deslanchar os processos que convocam
a imaginação, a reflexão, por em jogo uma forte atividade associativa
de seu parceiro-espectador, sem o qual o espetáculo não existiria: é
nele que devem nascer as emoções ligadas aos sentimentos que o ator,
sem os experimentar, tenha condições de suscitá-los. (PICON-
VALLIN, 2006, p.30)

Meyerhold trata ator e personagem como entidades separadas, cabendo ao


espectador criar o sentido para a forma criada pelo ator.
Já a concepção de sujeito para o encenador alemão Berthold Brecht caracteriza a
personagem como um ser mutável, social, por isso, o foco está no conjunto de suas
relações e não em suas idiossincrasias. Segundo seu processo de distanciamento, ao
afastar-se o ator instaura um jogo de alternância entre personagem (sujeito da ação e
objeto da narração) e narrador (entidade que representa o sujeito do ator em estado
cênico).

Em cada momento o ator deve estar preparado para desdobra-se em


sujeito (narrador) e objeto (narrado), mas também para entrar
plenamente no papel, obtendo a identificação dramática em que existe
a relativização do objeto (personagem) a partir de um foco subjetivo
(ator). (ROSENFELD, 2006, p.161)

Para Grotowski não se trata de encontrar uma forma para construir uma
personagem, viver o papel ou levar o espectador a refletir o mundo por meio de uma
12

imagem social. Para ele o processo de construção da personagem funciona como um


instrumento de auto penetração, um meio de o ator entrar em contato com o mais íntimo
da sua pessoalidade, é o que ele chama de ato total. Essa forma de compreender o estar
em cena do ator implica uma nova forma de relação com o público e uma maneira
diferente do atuante trabalhar sua subjetividade em cena, porque trata-se de trazer à tona
suas experiências pessoais.

O ator ali não deveria atuar, mas penetrar os territórios da própria


experiência, como se os analisasse com o corpo e com a voz, deveria
reencontrar os impulsos que fluem do profundo do seu corpo e, com
plena clareza guia-los em direção a um certo ponto, que é
indispensável no espetáculo, fazer essa confissão no campo que for
necessário. No momento em que o ator alcança esse ato, torna-se um
fenômeno hic et nunc; não é um conto, nem a criação de uma ilusão; é
o tempo presente. (FLASZEN e GROTOWSKI, 2010, P.131)

Diferente de Stanislavski, Meyerhold ou Brecht, cada um a sua maneira, o


objetivo de Grotowski não e a construção da personagem que surgirá na mente do
espectador por meio da composição cênica produzida, “mas a formulação de uma
estrutura pessoal na qual o indivíduo poderia acercar-se a um eixo de
descobrimento.”(RICHARDS, 2005, p. 131) Nesse sentido, é possível verificar um
distanciamento no projeto de construção de um outro, entendido como algo distante do
ator. Ao contrário, a personagem funciona como a materialização de uma construção
cênica baseada na mobilização de todo o aparato físico-vocal do ator na direção de um
comportamento não natural onde prevalecem o gesto significativo, a forma, o artifício.
Tanto em Meyerhold, por meio da convenção e artificialismo, como em Brecht,
através do distanciamento e processos narrativos e Grotowski, mediante desnudamento
e exposição do ator, a noção de personagem é mantida, mesmo que por diferentes
propósitos. Diferente, por exemplo, do trabalho proposto pelo diretor e teórico italiano
Eugênio Barba, cujo processo de criação dos atores, não se orientar para a construção de
uma pessoa fictícia, com suas redes de ficções, se mágicos, ligados à esfera da
psicologia humana, caráter ou fábula. Ao contrário, propõem a construção de um corpo
fictício, onde o foco é a presença, a maneira de estar em cena, a vocalidade e a
gestualidade do atuante.
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Se pensarmos segundo o pensamento desconstrucionista4 de Derrida (1999) a


identidade passa a ser pensada enquanto diferença, à medida que é possível constatar
uma carência essencial que a permeia (de significado final) e que, portanto, precisa ser
suplementada. Nós sabemos o que é a noite porque ela não é o dia. Nessa afirmação é
possível verificar a analogia coerente em Derrida entre língua e identidade, onde eu só
sei quem sou em relação ao outro que não posso ser.
Por isso na desconstrução, o sujeito se constitui no momento da escrita, uma vez
que se torna impossível ver a linguagem separada do que ela coloca como fundamento
(presença de sentido), assim como tem um significado inerentemente instável, uma vez
que ao procurar um fechamento (significado, identidade), é constantemente perturbado
pela falta, diferença, escapulindo constantemente de nós e subvertendo qualquer
tentativa de criar mundos, fixos e estáveis. Tanto Foucault quanto Lyotard identificaram
a decomposição das grandes narrativas, dos grandes relatos de caráter memorável, das
representações das grandes verdades por outras, provisórias e mutantes. Uma
multiplicidade de pequenas narrativas particulares que se organizam a partir de uma
pluralidade de outras vozes sem a referência de um eu centralizador. Seguindo a lógica
do rastro5, a escrita (identidade) se constitui, não a partir de um fundamento (sujeito
pleno, essência), mas na própria possibilidade de inscrição, no simples fato da
existência do outro, de um diferente.
Por isso, no contexto pós-moderno, o ator não precisa mais representar uma
história e uma personagem, mas se apresentar enquanto indivíduo e artista que coloca
no palco pulsões e afetos antes que signos, o que o aproxima de uma ação performativa.
Performance que, como coloca o diretor e teórico estadunidense Richard
Schechner (2003) pode ser entendido a partir de parâmetros diversos que envolvam a
esfera do cotidiano, do ritual e da arte. “Toda a gama de experiências compreendidas
pelo desenvolvimento individual da pessoa humana pode ser estudado como
performance.” (SHECHNER, 2003, p.27) Reflexão que parte da noção do que ele
chama de comportamento restaurado, pelo qual não apenas a atividade artística exige
treino e esforço, mas o próprio comportamento diário, cotidiano, ordinário resulta de um
aprendizado, ajuste e exercício das ações durante a vida, dentro dos micro e macro
contextos específicos de cada sujeito. Mas que, no contexto da performance arte, pode

4
Operação própria ao funcionamento do pensamento baseado na lógica da inversão e deslocamento
incessante e inarredável.
5
Conceito que substitui o signo por abalar a ideia de um original sobre a cópia. Seria um vestígio, marcas
deixadas por uma ação ou passagem
14

ser compreendida, a grosso modo, a partir do seu caráter de desvio e transbordamento


das normas. Por exemplo, nas décadas de 60 e 70, as estratégias mais comuns estavam
voltadas para a descontextualização6 das ações e objetos do cotidiano com o objetivo de
gerar estranhamento.
Como coloca o teórico francês Patrice Pavis (1999) o contexto desse teatro
influenciado pela performance arte é marcado por duas características distintas e
complementares, a valorização do polo da recepção e a autorreferencialidade. Por um
lado o espectador participativo organiza e dá coerência a obra, seja do ponto de vista do
significado ou da estrutura, por outro a falta de referências externas ou pré definidas que
funcionem como centros organizadores, sugerem uma desierarquização dos
componentes ou lógica discursiva dominante, o que significa dizer que a referência é ela
própria, assim como a lógica do rastro deridariano.
O teórico alemão Hans-Thies Lehman(2007), por exemplo, ao fazer sua análise do
teatro no contexto da pós-modernidade, o faz a partir do referencial da dramaturgia e,
nesse contexto, o ator pós-dramático deixa de ser alguém que representa um papel para
ser alguém que oferece sua presença para contemplação. Ator que assume um gesto de
auto representação.
Esse teatro performativo, nos termos defendidos pela teórica canadense Josette
Féral (2008), destaca a ação humana em termos de performance, seja na esfera
ritualística, cotidiana ou artística. A teórica canadense enfatiza que esse novo tipo de
ação, realizado em cena pelo ator, tem como fundamento o próprio fazer, a presença, ou
seja, a ação em si, mais do que seu valor representacional ou seu sentido mimético.

[...] O ator é chamado a fazer (doing), a estar presente, assumir


os riscos e a mostrar o fazer (showing the doing), em outras
palavras, afirma a performatividade do processo. A atenção do
espectador se coloca na execução do gesto, na criação da forma,
na dissolução dos signos e em sua reconstrução permanente.
Uma estética da presença se instaura. (FÉRAL, 2008, p. 209)

Se pensarmos a performance contemporânea, segundo o pensamento


desconstrucionista, esta funciona como um espaço de indeterminação que evidencia a

6
Procedimento típico das vanguardas históricas, pode ser entendido como a ação de colocar um objeto ou
ação fora do seu contexto, espaço ou situação ordinária, isto é, onde é geralmente executada ou esperado,
a exemplo dos ready mades do artista francês Marcel Duchamp, como sua famosa obra de 1917, chamada
A Fonte e que consiste em por um mictória (objeto ordinário) assinado pelo artista, dentro do contexto do
museu de arte dando-lhe status de obra artística.
15

processualidade e alteridade aporética como fatore de problematização de todo processo


de escritura. Esta se caracteriza pelo movimento de deixar marcas, imprimir um traço
outro ao nosso pensamento, ao espaço cotidiano e ao próprio performer. Ao transpor
essa noção para contexto do teatro assumimos, como pressuposto, que toda ação cênica
institui uma singularidade, uma identidade, deixa marcas, um ponto de vista, uma
experiência específica, a pessoalidade que caracteriza a autoria. Contudo, abrindo mão
da noção de sentido e presença plena há uma inviabilidade de dispor de referencias
estáveis. Como resultado, nossa perspectiva, também, assume a impossibilidade de
empreender um processo de escritura do sujeito, ou seja, o próprio processo de
subjetivação do ator/performer, sem que seja por meio de uma série de ficções. Como
coloca o escritor francês Julien Serge Doubrovsky a noção de verdade tem outro sentido
à medida que “se a verdade de um sujeito é uma ficção rigorosamente construída, a
verdade de uma ficção é factível.” (apud KLINGER, 2007, p.56)

METODOLOGIA

O presente trabalho propõe uma pesquisa em arte, de caráter qualitativo, na


modalidade etnográfica, a partir de uma abordagem pós-moderna, tendo em vista seu
caráter híbrido, de bricolagem teórico-metodológica que abre espaço para outras
modalidades de composição no processo de produção da informação. Uma perspectiva
que me parece se adequar ao tema desta pesquisa que, também, se propõe a pensar
novas grafias, só que no contexto da cena contemporânea.
Como o experimento já está em processo de criação, além de concluir essa fase
com o devido registro escrito e audiovisual, será feito o levantamento e leitura do
material bibliográfico pertinente, assim como a análise dos dados, de acordo com as
respectivas fases da pesquisa.
Quanto à estrutura da monografia, a proposta inicial é que seja dividida em três
partes, cada uma funcionando com um ensaio independente, mas que dialogam entre si.
Na primeira parte discutiríamos o processo de invenção das estruturas de composição do
experimento; na segunda parte analisaríamos os procedimentos de realização da
escritura cênica proposta e na terceira parte caracterizaríamos a autoperformance a
partir de suas especificidades;
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CRONOGRAMA

2018 2019
ETAPAS DA PESQUISA
DEZ JAN FEV MAR ABR MAI

1. Processo de criação do experimento; x x


2. Leitura da bibliografia referente ao tema específico e a
metodologia, interpretação de dados e informações obtidas; x x x x x
3. Elaboração de textos preliminares e apresentação para
apreciação do orientador; x x x
4. Apresentação de ensaio aberto do experimento; x x
5. Apresentação pública do experimento para defesa; x
6. Elaboração dos textos finais para apreciação do
orientador; x x
7. Correções finais e depósito da monografia; x
8. Defesa. x

REFERÊNCIAS

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