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CAPÍTULO II

PERSONAGEM

1. A Estrutura Óssea

No capítulo anterior mostramos porque a premissa é necessária como o primeiro passo


para escrever uma boa peça. Nos capítulos seguintes discutiremos a importância do
personagem. Vamos vivissectar um personagem e tentar descobrir exatamente que
elementos compõem este ser chamado “humano”. O personagem é o material
fundamental com o qual somos forçados a trabalhar, portanto precisamos conhecê-lo
tão completamente quanto possível.

Henrik Ibsen, falando de seus métodos de trabalho, disse:

Quando escrevo preciso estar sozinho; se tenho oito personagens de um drama para lidar
tenho companhia suficiente; eles me mantêm ocupado; preciso aprender a conhecê-los. O
processo de estabelecer um relacionamento é lento e doloroso. Eu faço, em geral três
elencos dos meus dramas, consideravelmente diferentes um do outro. Quero dizer suas
características, não a forma de tratamento. Assim que me organizo para trabalhar meu
material, sinto como se tivesse que conhecer meus personagens durante uma viagem de
trem; o primeiro contato foi feito, e falamos disso e daquilo. Quando escrevo de novo, já
vejo tudo muito mais claramente, e conheço o pessoal como se tivesse estado com eles
durante um mês numa estação de águas. Peguei os pontos principais de seu caráteres e
suas pequenas peculiaridades.

O que Ibsen viu? O que quis dizer com “peguei os pontos principais de seus caráteres e
suas pequenas peculiaridades” ? Tentemos descobrir os pontos principais não apenas
em um, mas em todos os personagens.

Todo objeto tem três dimensões: profundidade, altura e largura. Seres humanos tem três
dimensões adicionais: fisiologia, sociologia, psicologia. Sem conhecer essas três
dimensões não podemos avaliar um ser humano.

Não é suficiente, ao estudar de um homem, saber que ele é rude, fino, religioso, ateu,
moral, degenerado. Você tem que saber porque. Queremos saber por que o homem é
como é, por que seu caráter muda constantemente, e por que muda, quer ele queira,
quer não.

A primeira dimensão, por ordem de simplicidade, é a fisiológica. Seria vão argumentar


que um corcunda vê o mundo de maneira exatamente oposta à de um espécime
fisicamente perfeito. Cada pessoa – manca ou cega, surda, feia, bela, alta, baixa – vê
tudo diferentemente da outra. Um homem doente vê a saúde como o bem supremo; uma
pessoa saudável não dá tanto valor à saúde, na verdade mal pensa nisso.

Nossa estrutura física certamente colore nossa perspectiva na vida. Nos influencia
infinitamente, tornando-nos tolerantes, desafiadores, humildes ou arrogantes. Afeta o
nosso desenvolvimento mental, serve de base para complexos de inferioridade e
superioridade. É a mais óbvia do primeiro conjunto de dimensões humanas.
Sociologia é a segunda dimensão a ser estudada. Se você nasceu num barraco, e seu
playground foi a rua suja da cidade, suas reações vão diferir das do menino que nasceu
numa mansão e brincou em lugares bonitos e antissépticos.

Mas não podemos fazer uma análise exata das diferenças entre você, ele, ou o menininho
que morava na casa vizinha no mesmo bairro, até saber mais sobre vocês dois. Quem
eram sua mãe, seu pai? Eles tinham saúde? Ganhavam bem? E seus amigos? Como você
os influenciou ou afetou? Como eles afetaram você? Que tipo de roupas você gosta? Que
livros lê? Frequenta a igreja? O que você come, pensa, gosta, não gosta? Quem é você,
falando sociologicamente?

A terceira dimensão, psicologia, é o produto das outras duas. As influências combinadas


dão vida à ambição, frustração, temperamento, atitudes, complexos. A psicologia,
portanto, engloba as três dimensões.

Se quisermos entender as ações de qualquer indivíduo, devemos olhar para a motivação


que o compele a agir como age. Vamos olhar primeiro para o físico.

Ele é doente? Pode sofrer de uma doença latente sobre a qual nada sabe, mas o autor
deve saber porque é só assim que dá para entender o personagem. A doença afeta a
atitude do homem em relação às coisas que o rodeiam. Certamente nos comportamos de
modo diferente durante uma doença, a convalescença e na saúde perfeita.

Um homem tem orelhas grandes, olhos saltados, longos braços cabeludos? Tudo isso
provavelmente o condiciona para uma perspectiva que afeta cada ação que pratica.

Ele detesta falar sobre narizes tortos, bocas grandes, lábios grossos, pés grandes? Talvez
seja porque possui um desses defeitos. Um ser humano pode encarar uma desvantagem
física com resignação, outro ri de si mesmo, um terceiro é ressentido. Uma coisa é certa,
ninguém escapa ao efeito de um problema desses. Esse nosso personagem tem um
sentimento de insatisfação consigo mesmo? Isso vai condicionar sua perspectiva,
apressar seu conflito com outros, ou fazê-lo lerdo e resignado. Mas vai afetá-lo.

Por mais importante que a dimensão física possa ser, é apenas parte do todo. Não
devemos esquecer de acrescentar o pano de fundo para este retrato físico. Um
complementará o outro e, unidos, gerarão a terceira dimensão, o estado mental.

Um pervertido sexual é um pervertido sexual, no que diz respeito ao público em geral.


Mas para um psicólogo ele é um produto de seu passado, fisiologia, hereditariedade,
educação.

Se entendermos que essas três dimensões podem fornecer a razão para todas as fases da
conduta humana, vai ser fácil escrever sobre qualquer personagem e retraçar sua
motivação até a fonte.

Analise qualquer obra de arte que resistiu à ação do tempo. Você verá que ela
sobreviveu, e ainda vive, porque possui as três dimensões. Deixe uma delas de fora, e
mesmo que seu plot seja interessante e possa lhe trazer uma fortuna, sua peça não será
um sucesso literário.

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Quando você lê críticas teatrais nos jornais diários encontra, o tempo todo, determinada
terminologia: texto vazio, não convincente, entediante, personagens planos e banais (ou
seja, mal desenhados), situações repetitivas. Todas se referem à mesma falha – falta de
personagens tridimensionais.

Não acredite, quando sua peça for condenada como


“repetitiva”, que você deve procurar por situações fantásticas. Na hora em que seus
personagens estiverem acabados em termos das três dimensões, você verá que eles
produzem não só teatro interessante, mas romance também.

A literatura tem muitos personagens tridimensionais – Hamlet, por exemplo. Não


conhecemos só sua idade, aparência, estado de saúde; podemos facilmente imaginar
suas idiossincrasias. Seu passado, sua sociologia dão ímpeto à peça. Conhecemos a
situação política da época, o relacionamento entre seus pais, os eventos anteriores e o
efeito que tiveram sobre ele. Conhecemos sua premissa pessoal e suas motivações.
Conhecemos a psicologia, e podemos ver claramente como ela resulta de sua
constituição física e sociológica. Resumindo, conhecemos Hamlet melhor do que
podemos esperar um dia conhecer a nós mesmos.

As grandes peças de Shakespeare são construídas sobre personagens: Macbeth, Rei Lear,
Otelo e os outros são exemplos notáveis de tridimensionalidade.

(Não é nossa intenção aqui mergulhar na análise crítica de peças famosas. É suficiente
dizer que em todos os casos o autor criou personagens, ou essa foi sua intenção. Se teve
sucesso, e porque, será analisado em outro capítulo.)

A ​Medeia d​ e Eurípedes é um exemplo clássico de como uma peça deve se desenvolver a


partir de um personagem. O autor não precisou de uma Afrodite para fazer Medeia se
apaixonar por Jasão. Era costume daqueles tempos mostrar a interferência dos deuses,
mas o comportamento dos personagens é lógico sem precisar disso. Medeia, como
qualquer mulher, vai amar o homem que a atrai, e às vezes fazer sacrifícios difíceis de se
acreditar.

Medeia deixou que matassem seu próprio irmão por amor. Não muito tempo atrás, em
Nova Iorque, uma mulher levou seus dois filhos para uma floresta, cortou-lhes a
garganta, derramou gasolina sobre os corpos e pôs fogo – por amor. Não há indicação de
interferência sobrenatural, é simplesmente o antigo instinto de acasalamento levado ao
limite. Se conhecêssemos os antecedentes e a constituição física dessa Medeia moderna,
o ato terrível que cometeu se tornaria compreensível para nós.

Portanto aqui está um guia, um esboço passo-a-passo de como deve ser um personagem
tridimensional.

FISIOLOGIA

1. Sexo
2. Idade
3. Altura e peso
4. Cor do cabelo, olhos, pele
5. Postura

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6. Aparência: bonita, acima ou abaixo do peso, limpa, bem-arrumada, agradável,
desarrumada. Forma da cabeça, rosto, membros.
7. Defeitos: deformidades, anormalidades, marcas de nascença. Doenças.
8. Hereditariedade.

SOCIOLOGIA

1. Classe: trabalhadora, dominante, média, pequeno burguesa.


2. Ocupação: tipo de trabalho, horas de trabalho, renda, condições de trabalho,
sindicalizado ou não, atitude em relação à sindicalização, adequação ao trabalho.
3. Educação: frequência, tipo de escolas, notas, disciplina favorita, disciplinas em
que vai mal, aptidões.
4. Vida familiar: pais vivos, renda familiar, órfão, pais separados ou divorciados,
hábitos dos pais, desenvolvimento mental dos pais, vícios dos pais, negligência.
Estado civil do personagem.
5. Religião
6. Raça, nacionalidade
7. Lugar na comunidade: líder entre amigos, clubes, esportes.
8. Filiações políticas
9. Divertimentos, hobbies, livros, jornais, revistas que lê.

PSICOLOGIA

1. Vida sexual, padrões morais


2. Premissa pessoal, ambição
3. Frustrações, principais desilusões
4. Temperamento: colérico, calmo, pessimista, otimista.
5. Atitude em relação à vida: resignada, militante, derrotista.
6. Complexos: obsessões, inibições, superstições, manias, fobias.
7. Extrovertido, introvertido, ambivertido
8. Habilidades: línguas, talentos.
9. Qualidades: imaginação, discernimento, gosto, estabilidade.
10. QI.

Essa é a estrutura óssea de um personagem, que o autor deve conhecer totalmente, e


sobre a qual deve montá-lo.

PERGUNTA: ​Como podemos fundir essas três dimensões numa unidade?

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1
RESPOSTA: ​Veja os garotos em ​Dead End​, de Sidney Kingsley, por exemplo. Todos
menos um estão bem fisicamente. Não há aparentemente complexos sérios resultantes
de deficiências físicas. Em suas vidas, portanto, o meio vai ser o fator decisivo. Adoração
ao herói, falta de educação, de roupas; de supervisão; e, acima de tudo, a presença
constante da pobreza e da fome vão moldar sua visão de mundo e, como consequência,
sua atitude e conduta para com a sociedade. As três dimensões foram combinadas para
produzir um traço que se destaca.

PERGUNTA: O mesmo meio produz a mesma reação em cada criança, ou os afeta de


forma diferente, como eles diferem um do outro?

RESPOSTA: D​ois indivíduos não reagem identicamente, uma vez que são... indivíduos.
Um garoto pode não ter restrições morais: ele vê seus crimes juvenis como preparação
para uma gloriosa carreira de gângster; outro participa das atividades do grupo por
noção de lealdade, ou medo, ou para mostrar que é corajoso. Outro ainda tem noção do
perigo desse caminho, mas não vê outra saída para a pobreza. Diferenças físicas mínimas
entre os indivíduos, e seu desenvolvimento psicológico, vão influenciar suas reações às
mesmas condições sociológicas. A ciência lhe dirá que nunca se descobriu dois flocos de
neve idênticos. O menor distúrbio na atmosfera, a direção do vento, a posição do floco
caindo, alteram o padrão. Deste modo, existe uma infinita variedade de desenhos. A
mesma lei governa todos nós.

Se o pai de alguém é sempre bom, ou bom apenas de vez em quando, ou só não foi bom
uma vez, ou nunca foi, ele afetará profundamente o desenvolvimento desse alguém. E se
a bondade paterna coincide com os momentos mais felizes e contentes de alguém, isso
pode passar sem reconhecimento. Todo movimento depende das circunstâncias
particulares do dado momento.

PERGUNTA: ​Algumas manifestações humanas não parecem se encaixar nas três


categorias. Noto em mim mesmo períodos de depressão, ou euforia, que parecem sem
motivo. Sendo observador, tentei buscar a fonte dessas misteriosas perturbações, sem
sucesso. Posso dizer sinceramente que esses períodos por vezes ocorreram quando eu
não estava sob estresse econômico ou ansiedade mental. Por que você está rindo?

RESPOSTA: ​Você lembra um amigo meu – escritor – que contou uma história estranha.
O incidente ocorreu quando ele tinha trinta anos. Estava aparentemente saudável; tinha
obtido reconhecimento por seu trabalho; estava ganhando mais dinheiro do que
precisava; estava casado e amava muito sua mulher e os dois filhos. Um dia, para seu
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​ toryline
S
“Beco sem saída”, peça teatral e filme.
Os garotos do Beco sem saída são moradores da ala pobre do bairro do East Side
nova-iorquino, ignorado pelos apartamentos dos ricos. Suas peripécias, algumas
engraçadas, outras cruéis, se alternam com subplots: o arquiteto desempregado Dave
está dividido entre Drina, doce mas tão pobre quanto ele, e Kay, a mante de um homem
rico; o gangster Baby Face Martin volta para a antiga vizinhança e descobre que ninguém
está feliz em vê-lo. Então crimes violentos, tanto juvenis quanto adultos, impactam o
lugar e seus habitantes. Escrito por ​Rod Crawford <puffinus@u.washington.edu>

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tremendo assombro, se deu conta que não estava ligando a mínima sobre o que ia
acontecer à sua família, carreira ou vida. Estava entediado até a loucura. Nada sob o sol o
interessava; ele era capaz de prever tudo que seus amigos diziam e faziam. Não
aguentava mais a mesma rotina horrível dia após dia, semana após semana; a mesma
mulher, a mesma comida, os mesmos amigos, os mesmos casos de assassinato nos
jornais entra dia, sai dia. Estava quase louco. Talvez ele tivesse deixado de amar a
esposa? Tinha pensado nisso, e estava desesperado o suficiente para experimentar, o
que fez, mas sem sucesso. Não viu diferença em seu amor. Estava, honesta e
verdadeiramente, entediado da vida. Parou de escrever, de ver os amigos e finalmente
decidiu que estaria melhor morto.

O pensamento não veio num momento de desespero. Veio fria, racionalmente, sem uma
batida falha no coração. A terra havia girado por bilhões de anos antes de ele nascer,
refletiu, e seguiria girando depois de sua partida. Que diferença faria se saísse um pouco
antes da hora marcada? Assim sendo, mandou sua família para a casa de um amigo e
sentou-se para escrever sua última carta, explicando seu curso de ação para a esposa.
Não foi fácil. A carta não parecia convincente, e ele suou para escrevê-la como nunca
tinha suado para escrever suas peças. De repente, sentiu uma cólica abdominal aguda.
Era uma dor lancinante, persistente, excruciante. Viu-se numa situação embaraçosa .
Queria se matar, mas seria idiota morrer com dor de barriga. Além de ter que acabar de
escrever a carta.

Decidiu que o mais sensato seria tomar um purgante e aliviar a dor. Foi o que fez.
Quando voltou para a mesa para terminar sua última epístola, teve mais dificuldade do
que nunca. As razões que tinha reunido previamente soavam fantásticas – até mesmo
estúpidas, para ele. Deu-se conta do sol brilhando sobre sua mesa, da luz e sombra
alternadas nas casas do outro lado da rua. As árvores nunca tinham parecido tão verdes
e refrescantes; a vida nunca pareceu tão desejável. Ele queria ver, cheirar, sentir, andar...

PERGUNTA: ​Você quer dizer que ele perdeu totalmente o desejo de morrer?

RESPOSTA: Precisamente. Ele se livrou de um peso incômodo e encontrou mais um


milhão de razões para viver. Tornou-se um novo homem, na verdade.

PERGUNTA: ​Então as condições físicas podem realmente influenciar a mente de tal


maneira a representar a diferença entre vida e morte?

RESPOSTA: ​Pergunte ao seu médico de família.

PERGUNTA: ​Me parece que nem toda reação da mente ou do corpo deriva de uma causa
física ou econômica. Sei de casos –

RESPOSTA: ​Sabemos de casos, também. Digamos que X se apaixona por uma garota
desejável. Seu amor não é bem-vindo, então ele se sente frustrado, descoroçoa e acaba
seriamente doente. Mas como isso pode acontecer? O amor, de acordo com muitos, é
etéreo, fora do território da economia ou reles materialismo. Vamos investigar? Amor,
como toda emoção, se origina no cérebro. O cérebro, não importa como se olhe, é
composto de tecido, células, veias. Isso é puramente físico. A menor perturbação física é
registrada primeiro pelo cérebro, que reage instantaneamente. Uma séria decepção tem
seu efeito no cérebro – o cérebro físico – que transmite a mensagem ao corpo.

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Lembre-se que o amor, por mais etéreo que seja, afeta funções físicas como a digestão e
o sono.

PERGUNTA: ​Mas suponhamos que a emoção não seja nem um pouco física?
Suponhamos que não há nenhum fator como o desejo nesse amor?

RESPOSTA: Toda emoção tem efeitos físicos. Vamos pegar aquela que é julgada a
emoção mais nobre de todas – amor materno. Esta mãe em especial não tem dificuldades
financeiras. Tem bastante dinheiro, é saudável, feliz. Sua filha se apaixona por um jovem
que a mãe não vê com bons olhos. Ele não é de forma alguma perigoso, simplesmente
inadequado do ponto de vista da mãe. Mas a filha foge com ele.

A primeira reação da mãe será de choque, seguida de amarga decepção. Aí virá a


vergonha, a auto-piedade. Tudo isso pode trazer um ataque de histeria. Esses ataques
aumentam em qualidade e frequência, enfraquecem a resistência do corpo, e culminam
em uma doença real, e até mesmo invalidez.

PERGUNTA:​ Toda reação psicológica é resultado das suas três dimensões?

RESPOSTA: ​Vejamos. Por que a mãe se opõe com tanto empenho à escolha da filha? Pela
aparência do namorado? Talvez, apesar de as mães, em média, esconderem a decepção
quando o genro não é um Adônis. A não ser que ele seja realmente um monstro, a
aparência não costuma causar uma reação violenta. Mas, de qualquer jeito, a
desaprovação da mãe quanto à aparência teria sido condicionada pelos seus próprios
antecedentes, pela aparência do pai dela, dos irmãos, do ator de cinema predileto.

Outra fonte de decepção – mais provável – seria a situação financeira do rapaz. Se ele
não pode dar uma boa vida à filha, ou nem ao menos sustentá-la, a mãe será presa do
medo pela filha e por si mesma. Mesmo se tiver condições de manter a filha longe da
pobreza, não pode impedir que os amigos torçam o nariz diante do mau casamento. Ela
pode ter que encaminhar o rapaz para algum negócio – e descobrir que ele não leva jeito
e pode botar a perder suas economias. Ou talvez o moço seja bonito, estável
financeiramente, e de outra raça? Todo treinamento da mãe vai se levantar contra ele.
Ela terá uma hoste de memórias irrompendo dos avisos passados sobre ostracismo
social, sobre diferenças míticas entre as raças, sobre superstições e chauvinismo sem
nenhum fundamento.

Escolha qualquer motivo, desde a estrutura física do jovem até o local de nascimento do
seu bisavô, e você descobrirá que qualquer que seja a objeção da mãe, tem um
fundamento físico ou sociológico, tanto dele quanto dela. Por mais que você tente, vai
voltar às três dimensões.

PERGUNTA: Esse princípio da tridimensionalidade não pode limitar o âmbito do


material para o escritor?

RESPOSTA: ​Pelo contrário. Ele abre perspectivas nunca sonhadas e um mundo


inteiramente novo para ser explorado e descoberto.

PERGUNTA: Você mencionou altura, idade, cor da pele, no seu esboço da estrutura
óssea de um personagem. Tudo isso deve ser incorporado na peça?

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RESPOSTA: Você deve saber de tudo isso, mas nada precisa ser mencionado. Isso tudo
transparece no comportamento do personagem, não em qualquer material expositivo
sobre ele. A atitude de um homem de um metro e oitenta e seis será consideravelmente
diferente da de um homem que mede um metro e quarenta e quatro. E a reação de uma
mulher com o rosto marcado de varíola não será a mesma da de uma garota famosa pela
pele perfeita. Você tem que saber o que o seu personagem é, em cada detalhe, para saber
o que ele vai fazer numa dada situação. Tudo que acontece em sua peça deve vir
diretamente dos personagens que você escolheu para provar sua premissa, e eles devem
ser fortes o suficiente para provar a premissa sem forçar.

2. Meio ambiente

Quando um amigo convida você para uma festa, e depois de um momento de hesitação
você responde, “Combinado, eu vou,” você está fazendo uma afirmação simples. Mas essa
afirmação é o resultado de um complicado processo mental.

Sua aceitação do convite pode ter surgido da solidão, do desejo de evitar uma noite
vazia, do excesso de energia física, do desespero. Você pode ter achado que se misturar
com gente faria você esquecer de um problema, ou traria uma nova esperança, ou
inspiração. A verdade, no entanto, é que mesmo uma questão simples como dizer “sim”
ou “não” é o produto de uma elaborada revisão, mudança de planos e reavaliação das
condições fantasiosas ou reais, mentais, físicas ou sociológicas que nos cercam.

As palavras têm uma estrutura complexa. Nós as usamos o tempo todo, sem nos darmos
conta que elas também são combinações de vários elementos. Vamos vivissectar a
palavra “felicidade”, por exemplo. Vamos tentar descobrir que elementos participam da
feitura da felicidade completa.

Uma pessoa pode ser “feliz” se tiver tudo, menos saúde? Obviamente não, uma vez que
estamos falando de felicidade incondicional, felicidade sem reservas. Então saúde tem
que ser levada em conta como um elemento necessário à “felicidade”.

Uma pessoa pode ser “feliz” apenas com saúde? Dificilmente. Pode-se sentir júbilo,
exuberância, liberdade, mas não felicidade. Lembre-se que estamos falando de felicidade
em sua forma mais pura. Quando você exclama, “Rapaz, como estou feliz!” por ter
recebido um presente há tempos desejado, o que você está sentindo não é felicidade. É
júbilo, satisfação, surpresa, mas não felicidade.

Portanto não estaremos indo longe demais se dissermos que um homem precisa de,
além da saúde, um trabalho que possa lhe proporcionar uma vida confortável. Devemos
tomar por certo que esse homem não sofre abusos no trabalho, pois isso anularia a
possibilidade dele ser feliz. Os ingredientes da felicidade são, até agora, saúde e um
emprego satisfatório.

Mas dá para ser feliz sem uma cálida afeição humana? Não há necessidade de
argumentar sobre esse ponto. Um homem precisa de alguém que possa amar e que o
ame de volta. Portanto vamos somar amor aos outros requisitos.

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Você seria feliz se o seu trabalho, embora satisfatório, não desse oportunidade de
progresso? Um bom emprego, saúde e amor bastam, se o futuro não lhe der esperança
de desenvolvimento e melhoras? Achamos que não. Talvez sua posição nunca mude, mas
você pode ser feliz na esperança de que mudará. Vamos então adicionar esperança à
nossa lista de ingredientes.

Nossa receita agora registra: saúde, uma posição satisfatória, amor e esperança
equivalem a felicidade. Mais subdivisões podem ser feitas, mas os quatro ingredientes
principais são suficientes para provar que uma palavra é o produto de muitos
elementos. Naturalmente, o significado da palavra “felicidade” passará por inumeráveis
metamorfoses de acordo com o lugar, clima e condições sob as quais seja usada.

Protoplasma é uma das substâncias vivas mais simples, ainda assim contém carbono,
oxigênio, hidrogênio, nitrogênio, enxofre, fósforo, cloro, potássio, sódio, cálcio,
magnésio, ferro. O protoplasma simples, em outras palavras, contem os mesmos
elementos de um homem complexo.

Nos referimos ao protoplasma como “simples,” comparando-o com o homem. Ainda


assim, protoplasma é complexo comparado com coisas inanimadas. Ocupa uma escala
tanto alta quanto baixa na escala de complexidade. Contraditório? Não mais do que
qualquer outra coisa na natureza. O princípio de contradição e tensão torna o
movimento possível, e a vida é, essencialmente, movimento.

O que teria acontecido ao protoplasma no início dos tempos, como o conhecemos, se não
tivesse tido movimento? Nada. Não teria existido e a vida teria sido impossível. Através
do movimento formas mais altas de vida se desenvolveram, a forma específica sendo
determinada pelo lugar, clima, tipo de comida, abundância de comida, luz ou falta de luz.

Dê a uma pessoa todos os elementos requeridos para a vida, mas altere um deles – calor,
digamos, ou luz – e você vai mudar completamente a vida dela. Se duvida, pode
experimentar em você mesmo. Vamos supor que você seja feliz, que tenha todos os
quatro elementos necessários. Enfaixe os olhos por vinte e quatro horas. Apague todas
as luzes. Você ainda é saudável, está empregado, ama e é amado, ainda tem esperanças.
Ainda por cima, sabe que depois de vinte e quatro horas vai remover a faixa.

Você não está realmente cego, está apenas se abstendo de ver por vontade própria.
Mesmo assim a experiência vai mudar toda sua atitude.

Você vai ver que a mesma coisa é verdade se você parar de escutar por um dia, ou
temporariamente se privar do uso de um membro. Coma qualquer coisa que você gosta
e nada mais por meses – mesmo por um par de semanas. Como pensa que será sua
reação? Você vai odiar aquela comida pelo resto da vida.

Faria uma grande diferença na sua vida se você fosse forçado a dormir no chão sujo de
um quarto horrível, infestado de insetos, com apenas uns trapos para se cobrir ou um
colchão? Sem dúvida. Mesmo se você passar um só dia num ambiente esquálido, vai
multiplicar sua apreciação de limpeza e conforto.

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Parece que seres humanos reagem ao meio ambiente exatamente como as criaturas
unicelulares originais fizeram quando mudaram de forma, cor, e espécie ​sob a pressão do
meio ambiente.

Estamos dando uma força extra para esse ponto porque é da máxima importância
entendermos o princípio da mudança no personagem. Um personagem está em mudança
constante. O menor distúrbio em sua vida bem organizada vai perturbar sua placidez e
criar uma revolução mental, como uma pedra que desliza sobre a superfície de uma
lagoa cria círculos concêntricos de longo alcance.

Se é verdade que todo homem é influenciado pelo seu ambiente, saúde e circunstâncias
econômicas, como temos tentado provar, então é evidente que, desde que tudo está em
processo de mudança constante (meio ambiente, saúde e circunstâncias econômicas,
naturalmente, fazendo parte de tudo), o homem mudará também. Na realidade, ele é o
centro desse movimento constante.

Não esqueça um truísmo fundamental: tudo é mutável, só a mudança é eterna.

Tomemos, por exemplo, um próspero homem de negócios – um comerciante de tecidos e


aviamentos. Ele é feliz. Seu negócio progride. Sua mulher e três filhos também estão
bem. É um caso raro. Na verdade, quase impossível, mas vai ilustrar nosso argumento.
No que diz respeito a esse homem e sua família, ele está satisfeito. Aí, um grande
industrial em algum lugar começa um movimento para baixar salários e destruir
sindicatos. Parece, para o nosso homem, que é uma decisão inteligente. O trabalhador,
acha ele, anda muito arrogante ultimamente. Sim, porque se continuar como eles
querem, podem muito bem dominar a indústria e arruinar o país. Visto que nosso
homem tem algo a perder, sente que ele e sua família correm perigo.

Um incômodo lento cresce, persistente, dentro dele, que fica profundamente perturbado.
Lê mais sobre esse grave problema. Pode ou não saber que seu medo está sendo criado
por meia dúzia de ricos industriais desejosos de cortar os salários e que gastam rios de
dinheiro para espalhar o pânico pelo país. Nosso homem cai nessa teia de propaganda.
Quer fazer sua parte para salvar a nação da ruína. Corta os salários, sem se dar conta que
com esse ato não só antagonizou seus empregados como também ajudou um movimento
que vai se mostrar um bumerangue no final, podendo até mesmo destruir seu meio de
vida. Com a redução do poder de compra, que ele causou, seu negócio pode ser um dos
primeiros a ser prejudicado.

Nosso homem vai sofrer mesmo que ele saiba do que se trata e não corte os salários. Ele
será pego na reação aos cortes impostos pelos seus pares. As mudanças de condição vão
moldá-lo, quer ele queira ou não, e afetarão sua família também. Não vai poder lhes dar
tanto dinheiro quanto costumava, porque a fonte de dinheiro fácil secou, o que vai
precipitar alguma dissenção entre os membros da família e pode eventualmente causar
uma separação.

A guerra na Europa e na China, uma greve em São Francisco, o ataque de Hitler às


democracias vão afetar-nos tão certamente como se estivéssemos presentes na cena.
Todo evento humano acaba por nos atingir. Descobrimos, talvez para nosso desconsolo,

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que mesmo coisas aparentemente não relacionadas estão muito relacionadas umas às
outras – e a nós.

Não existe escapatória para nosso comerciante de tecidos e armarinhos nem para mais
ninguém.

Bancos e governos estão tão sujeitos à mudança quanto o resto de nós. Vimos isso na
depressão de 1929. Incontáveis milhões de dólares se perderam. Depois da Primeira
Grande Guerra, governo após governo caiu, e novos governos e sistemas tomaram seus
lugares. Seu dinheiro, seus investimentos, foram varridos da noite para o dia, e sua
segurança foi junto. Você, como um indivíduo, tem a mesma segurança precária que todo
mundo sob circunstâncias predominantes.

Um personagem, portanto, é a soma total de sua estrutura física e das influências que o
ambiente exerce sobre ele. Veja as flores. Faz uma grande diferença no seu
desenvolvimento se recebem o sol da manhã, do meio-dia ou da tarde.

Nossas mentes, não menos que nossos corpos, respondem às influências externas.
Memórias antigas têm raízes tão profundas que muitas vezes nem temos consciência
delas. Podemos fazer determinados esforços para nos livrar de influências passadas,
para escapar dos nossos instintos, mas continuamos presos a eles. Recordações
inconscientes tingem nosso julgamento, não importa o quanto tentamos ser justos.

Woodroof diz, em ​Biologia Animal:

É impossível considerar protoplasma exceto em conexão com suas circunstâncias, sejam


quais forem, variações no ambiente e variações nas atividades se refletem direta ou
indiretamente na sua aparência.

Observe mulheres andando na chuva debaixo de seus guarda-chuvas coloridos, e notará


que seus rostos refletem a cor dos guarda-chuvas que carregam. Recordações de nossa
própria infância, memórias, experiências, se tornam parte indelével de nós e vão se
refletir e colorir nossos pontos de vista. Não conseguimos ver as coisas de outra
maneira que não seja a que os reflexos permitem. Podemos lutar contra essa coloração,
podemos arrumar uma briga consciente contra eles, podemos até agir contra nossas
inclinações naturais, mas ainda assim vamos refletir tudo que representamos.

Viver é mudar. A menor perturbação altera o padrão do todo. O ambiente muda, e o


homem muda junto. Se um rapaz conhece uma menina sob as circunstâncias corretas ele
pode ser atraído por ela por um interesse comum por literatura, ou arte, ou esporte.
Esse interesse comum por alguma coisa pode se aprofundar até a simpatia e o afeto. A
simpatia cresce, e antes que eles percebam se transforma em apego, que é mais
profundo do que simpatia ou afeto. Se nada perturba essa harmonia, vai se tornar
paixão. Paixão ainda não é amor, mais se aproxima do amor ao alcançar o estado de
devoção e daí para arrebatamento e adoração, que já é amor. Amor é o último estágio.

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Pode ser testado pelo sacrifício. Amor verdadeiro é a capacidade de suportar qualquer
dificuldade pelo ser amado.

As emoções de duas pessoas pode seguir esse caminho se tudo der certo; se nada
interferir com o romance nascente, eles poderão se casar e viver felizes para sempre.
Mas vamos supor que, quando esse mesmo jovem casal atinge o estado de apego, um
fofoqueiro maligno informa o rapaz que a garota em questão teve um caso antes de
conhecê-lo. Se o rapaz teve uma amarga experiência anterior , vai se afastar da menina.
O apego vai virar frieza, a frieza dissimulação, a dissimulação antipatia. Se a garota for
desafiadora e não sentir culpa pelo seu passado, a antipatia pode amadurecer para
amargura, e daí para o ódio. Por outro lado, se a mãe do mesmo jovem teve uma
experiência como a da garota e se tornou uma mulher e mãe melhor em consequência,
então o apego do rapaz pode virar amor mais rapidamente do que se fosse de outra
forma.

Esse caso simples de amor é assunto para qualquer número de variações. Dinheiro
demais ou de menos influenciará o seu desenrolar. Um emprego estável ou inseguro fará
o mesmo. Saúde ou doença podem apressar ou ralentar a consumação do amor. A
posição financeira e social das famílias pode afetar o namoro para o bem ou para o mal.
Hereditariedade pode desequilibrar a balança.

Todo ser humano está em estado de constante flutuação e mudança. Nada é estático na
natureza, muito menos o homem.

Como chamamos a atenção no começo, um personagem é a soma total de sua estrutura


física e das influências que o meio exerce sobre ele naquele momento em particular.

3. A Abordagem Dialética

O que é dialética? A palavra veio até nós através dos antigos gregos que a usavam para
definir uma conversa ou diálogo. Note-se, os cidadãos de Atenas contemplavam a
conversa como uma arte suprema – a arte de descobrir a verdade – e disputavam um
contra o outro para encontrar o melhor conversador ou dialético. Sobre todos os outros
gregos, Sócrates se destaca como o mais perfeito. Podemos ler algumas de suas
conversas nos ​Diálogos de Platão, que nos entrega, se olharmos de perto, o segredo de
sua arte. Sócrates descobre a verdade pelo seguinte processo: determina uma
proposição, encontra uma contradição para ela e, corrigindo-a à luz dessa contradição,
encontra uma nova contradição. Isso continua indefinidamente. Vamos examinar melhor
esse método.

O movimento da conversa é assegurado por três passos. Primeiro, a declaração da


proposição, chamada de ​thesis​. Então vem a descoberta de uma contradição para essa
proposição, chamada ​antithesis​, visto que é o oposto da proposição original. Agora, a
resolução da contradição necessita da correção da proposição original e formulação de
uma terceira proposição, a ​synthesis​, que é a combinação da proposição original e sua
contradição.

Esses três passos – tese, antítese e síntese – são a lei de todo movimento. Tudo que se
move constantemente se auto nega. Todas as coisas mudam para seus opostos através

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do movimento. O presente se torna passado, o futuro se torna presente. Não existe o que
não se mova.

Mudança constante é a essência real de toda existência. Tudo, em seu devido tempo,
passa para o seu oposto. Tudo contém dentro de si seu próprio contrário. Mudança é a
força que impele para o movimento, e esse mesmo movimento se torna algo diferente do
que era. O passado se torna presente e ambos determinam o futuro. Vida nova brota da
velha, e essa nova vida é a combinação da velha com a contradição que a destruiu. Essa
contradição que causa mudança continua para sempre.

Um ser humano é um labirinto de contradições aparentes. Planeja alguma coisa, e faz


outra; amando, acredita que odeia. O homem oprimido, humilhado, derrotado, ainda
professa simpatia e compreensão pelos que o derrotaram, humilharam, e oprimiram.

Como podemos explicar essas contradições?

Por que um homem que você tem como amigo se volta contra você? Por que o filho se
volta contra o pai, a filha contra a mãe?

Um menino foge de casa porque sua mãe insiste que ele varra o esquálido apartamento
de dois cômodos onde moram. Ele odeia varrer. Mas fica bem satisfeito com um trabalho
de assistente de zelador numa casa grande, sendo que sua função principal é varrer os
corredores e a rua. Por quê?

Uma menina de doze anos se casa com um homem de cinquenta e é sinceramente feliz.
Um ladrão se torna um cidadão ilustre; um rico cavalheiro se torna ladrão. A filha de
uma família respeitável e religiosa cai no submundo e na prostituição.

Por quê?

Na superfície, esses exemplos são parte de uma charada, parte do chamado “mistério da
vida.” Mas eles podem ser explicados dialeticamente. É uma tarefa hercúlea, mas não
impossível se lembrarmos que sem contradição não haveria movimento nem vida. Sem
contradição não haveria universo. Estrelas, lua, terra não existiriam – assim como nós.
Hegel disse (​A ciência da lógica)

É somente porque algo contém uma contradição interna que ele se move e adquire impulso
e atividade. Esse é o processo de todo movimento e todo desenvolvimento.

Adoratsky, na sua ​Dialética,​ escreve:

As leis gerais da dialética são universais: elas serão encontradas no movimento e


desenvolvimento da vasta, luminosa e imensurável nebulosa da qual nos espaços do
universo os sistemas estelares são formados... na estrutura interna das moléculas e átomos
e no movimento dos elétrons e prótons.

Zeno, no século 5 A.C., foi o Pai da dialética. Adoratsky cita as demonstrações de Zeno:

Uma flecha, no curso do voo, está destinada a estar a algum ponto definido do trajeto e
ocupar um lugar definido no espaço. Se for assim, então a cada determinado momento
estará num ponto definido em estado de descanso, ou seja, imóvel; consequentemente, não
está se movendo em absoluto. Nós, por conseguinte, vemos que movimento não pode ser
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expresso sem recorrer a declarações contraditórias. A flecha está num lugar determinado,
e ao mesmo tempo não está lá. Só expressando essas duas afirmações contraditórias
coincidentemente é que podemos descrever o movimento.

EGRI, Lajos. ​The art of dramatic writing.​ USA: BN Publishing, 2008

Trad. até aqui: Cláudia Dalla Verde

Vamos parar agora e... (aqui começa a tradução do Roberto Moreira)

Modelo para biografia de personagem

Lajos Egri

Este é um texto clássico na literatura sobre dramaturgia. Que eu saiba, pela primeira vez
criou-se um modelo de ficha biográfica para personagens. Ao ler a descrição de Irene
deve-se ter em mente que o modelo de drama para Egri é Ibsen. Isto fica evidente no uso de
um determinismo familiar que chega até à fisiologia. Mas sua visão naturalista – e
marxista também – ainda é um ótimo ponto de partida para compreender as múltiplas
motivações que podem estar por trás das ações de uma personagem. Apesar de datado em
sua moral, os aspectos repertoriados por Egri obrigam a desenvolver uma visão
multidimensional da personagem. O único aspecto que eu acrescentaria à sua lista é o
medo: definir o medo de uma personagem é tão importante quanto encontrar a sua
ambição. Mais uma observação: Egri não está preocupado em ser original, mas sim em
demonstrar um método. Leiam este texto apenas como um ponto de partida, o início de um
processo incessante de reescrita ao final do qual, quem sabe, algo interessante pode
aparecer.

Vamos parar agora, congelar um ser humano e deixá-lo imóvel. Vamos analisar
detidamente a garota que abandonou uma família religiosa para se tornar uma
prostituta. Não é suficiente dizer que certas forças causaram sua degeneração. Houve
forças, é claro, mas quais foram? Alguma força sobrenatural a guiou? Ela honestamente
considerou a prostituição promissora? Dificilmente. Ela leu e ouviu de seus pais, ou do
pastor na igreja, que a prostituição é um mal terrível da sociedade, repleto de incertezas,
doenças e horror. Ela sabia que uma prostituta é caçada pela lei, explorada por cafetões,
que tanto seus clientes como seus senhores vão tirar vantagens e que, ao final, a espera
uma morte solitária e miserável.

É quase impossível uma garota normal, de boa família, querer tornar-se uma prostituta.
No entanto, esta se tornou uma prostituta e outras também.

Para compreender as razões para a ação dessa garota nós precisamos entendê-la
completamente. Só então poderemos perceber as contradições internas e externas a ela,
e, através dessas contradições, o movimento que é a vida.

Vamos chamar essa garota Irene; esta é a estrutura óssea do caráter de Irene:

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Fisiologia

Sexo:​ Feminino.

Idade:​ Dezenove.

Altura: ​1,55 metros.

​ 9 quilos.
Peso: 4

​ astanho escuro.
Cor do cabelo: C

Cor dos olhos:​ Castanhos.

Pele: Lisa.

Postura:​ Ereta.

Aparência:​ Atraente.

Estilo:​ Muito​ ​arrumado.

Saúde: Ela fez uma operação de apêndice quando tinha 15 anos. É muito suscetível a
resfriados, e toda a família tem um medo mórbido que fique tuberculosa. Ela parece não
dar atenção, mas na verdade está convencida que vai morrer cedo e quer aproveitar a
vida enquanto pode.

Marcas de nascimento:​ Nenhuma.

Anormalidade:​ Nenhuma, se não levarmos em conta a sua hipersensibilidade.

Hereditariedade:​ Uma constituição frágil que herdou de sua mãe.

Sociologia

Classe: Classe média. Sua família vive confortavelmente. Seu pai tem um mercadinho,
mas a competição tem tornado sua vida insuportável. Ele teme ser ultrapassado por
pessoas mais jovens. Este medo ainda vai se tornar realidade, mas ele nunca vai
incomodar sua família com isso.

Ocupação: Nenhuma. Irene deveria ajudar nos serviços domésticos, mas ela prefere ler e
deixa o trabalho cair nas costas de sua irmã mais nova, Sylvia.

Educação: ​Colegial. Ela queria largar no segundo ano, mas a insistência e ameaças de
seus pais a fizeram terminar o curso. Ela nunca gostou da escola ou de estudar. Não
conseguia entender matemática ou geografia, mas gostava de história. A ousadia, os
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casos de amor, as traições a fascinavam. Ela lia muita história, mas como se fosse uma
ficção. Datas e nomes não tinham importância e apenas o glamour a interessava. Sua
memória era fraca e seus hábitos desleixados de trabalho levavam a constantes conflitos
com seus professores. Sua boa aparência física não se refletia nas suas desamarradas e
mal escritas composições. Terminar o colegial foi o dia mais feliz de sua vida.

​ s seus dois pais estão vivos. Sua mãe tem 48 anos e seu pai 52. Eles se
Vida familiar: O
casaram tarde. A vida de sua mãe foi muito turbulenta. Ela teve um namorado durante
dois anos e meio, ao final dos quais foi trocada por outra. Ela tentou se matar. Seu irmão
a encontrou tentando se asfixiar com gás no banheiro. Teve um colapso nervoso e foi
enviada para se curar na casa de uma tia. Depois, ficou nessa casa durante um ano,
recuperou sua saúde e encontrou o homem que agora é seu marido. Eles se tornaram
noivos, apesar de ela não o amar. Seu desprezo pelos homens a tornou indiferente
quanto à personalidade do homem com quem se casou. Ele, por outro lado, era um
homem bem normal, orgulhoso que uma garota tão bonita aceitasse casar consigo. Ela
nunca contou de seu caso com o outro homem, mas também não se preocupou que ele
descobrisse. Ele nunca o fez, já que não se importava com o passado dela. Ele a amava,
ainda que no início ela fosse uma esposa muito pouco aplicada.

Depois do nascimento de Irene, ela mudou completamente. Se interessou pela casa, pela
criança e até por seu marido. Mas agora os cálculos de sua vesícula biliar, que a
incomodaram durante vários anos, só poderão ser retirados com uma operação. Ela
ficou nervosa e irritável. Não lê mais como antigamente, nem mesmo os jornais. Ela só
tem o primário e sonhava com Irene indo para a faculdade. Mas a rejeição de sua filha
pelos estudos frustrou sua ambição.

Sua educação foi estupidamente negligenciada e ela atribui seu primeiro mau passo à
negligência de seus pais. Por isso ela controla de perto cada passo de Irene. Isso leva a
constantes discussões entre mãe e filha. Irene odeia ser supervisionada, mas sua mãe
insiste que, não apenas esta é uma prerrogativa sua, mas também seu dever sagrado.

O pai de Irene é de descendência escocesa. Ele é frugal, mas faz de tudo para satisfazer as
necessidades de sua família. Irene é sua queridinha. Ele se preocupa com sua saúde e
diversas vezes fica do seu lado nas discussões com a mãe. No entanto, sabe que sua
mulher quer o bem de Irene e concorda que é preciso cuidar dela. Ele herdou a loja de
seu pai e é o único proprietário. Ele também frequentou apenas o primário. Lê o jornal
local, a ​Gazeta.​ Seus pais eram republicanos, e ele também é um republicano. Se
questionado não saberia justificar as suas crenças. Ele acredita com firmeza em Deus e
no seu país. É um homem simples, de gostos simples. Faz todo ano uma modesta
contribuição para a igreja e é muito respeitado na comunidade.

Q.I.: ​O de Irene é um pouco abaixo do normal.

Religião: Presbiteriana. Irene é agnóstica, mas quase nunca pensa em religião pois está
mais preocupada consigo mesma.

Comunidade: Ela pertence a uma sociedade de cantores e ao “Moonlight Serenade Club,”


onde jovens se reúnem para dançar e jogar. As vezes os jogos degeneram em festas onde
a garotada fica se agarrando. Irene é admirada pela sua beleza. Ela é uma boa dançarina,
mas nada de especial. A admiração que ela recebe no clube deu origem ao desejo de ir
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para Nova York e tornar-se dançarina. É claro que, quando mencionou essa ideia para a
mãe, aconteceu uma cena de histeria. O desejo da mãe de suprimir a ambição de Irene
tem sua origem no medo do que pode acontecer com a moral dela se viver com liberdade
numa cidade, e, bem menos, em como isso pode afetar a sua saúde delicada. A garota
nunca mais mencionou o assunto.

Irene não é muito popular com as outras garotas, devido a um certo prazer que tem com
fofocas maliciosas.

Filiações políticas: Nenhuma. Irene nunca conseguiu entender a diferença entre os


partidos Republicano e Democrata e nunca sequer percebeu que existiam outros.

Diversão:​ Filmes, dançar. Ela adora dançar. Fuma escondido.

Leituras:​ ​Pulp magazines,​ histórias de amor, romances e notícias do cinema.

Vida Sexual: Ela teve um caso com Jimmy, um membro do clube. Seu medo de que
alguma terrível fatalidade tomaria conta dela provou-se infundada. Agora não sai mais
com Jimmy, porque ele se recusou a casar com ela no momento em que mais precisava.
Mas não lamentou muito, já que seu plano favorito era ser uma ​chorus girl em Nova
York. Dançar diante de um público de admiradores é o ápice dos seus sonhos.

Moralidade: “Não há nada errado com qualquer relação sexual desde que você saiba
tomar conta de si mesma”.

Ambição: Dançar em Nova York. Ela está economizando há mais de um ano. Se todo o
resto der errado, vai fugir. Ficou aliviada por Jimmy ter se esquivado do casamento, pois
não conseguia se ver como uma esposa domesticada cuja maior ambição é cuidar das
crianças. Ela sente que Plainsville seria um lugar terrível para morrer e que é
insuportável para se viver. Irene nasceu na cidade e conhece cada uma das suas pedras.
Ela sente que, mesmo se fracassar como dançarina, bastará estar fora de Plainsville para
que seja feliz.

Frustração: Não ter aulas de dança. Não existe uma academia na cidade e a despesa para
enviá-la estudar em outra cidade estava além dos recursos de seu pai. Ela passou a usar
uma auréola trágica em torno da cabeça e deu a entender para a família que estava se
sacrificando por eles.

Temperamento: É muito instável. A menor provocação a faz enraivecer. É vingativa e


orgulhosa. No entanto, quando sua mãe estava doente, impressionou toda a cidade pela
sua devoção, ficando insistentemente com a mãe até sua completa recuperação. Quando
Irene tinha quatorze anos, seu canário morreu e ela ficou inconsolável durante semanas.

Atitude:​ militante.

Complexos:​ complexo de superioridade.

Superstições: Número treze. Se algo desagradável acontece numa sexta-feira, algo


desagradável vai acontecer durante a semana.

Imaginação: ​Boa.

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A ​tese​ neste caso é o desejo dos pais de arranjar um casamento vantajoso para Irene.

A ​anti-tese será a intenção de Irene de não se casar, mas sim de tornar-se a qualquer
custo uma dançarina.

A ​síntese ​será a resolução: Irene fugindo e eventualmente acabando na rua.

Sinopse

Irene, ao invés de ir ensaiar com o grupo de canto, esteve saindo com um jovem. Uma
garota ao encontrar a mãe de Irene por acaso pergunta, casualmente, porque Irene saiu
do grupo. A mãe consegue esconder seu espanto com dificuldade, inventando que Irene
tem estado doente ultimamente. Em casa acontece um terrível bate-boca. A mãe suspeita
que Irene não é mais virgem e quer casá-la o mais rápido possível com um funcionário
da loja do pai. Irene percebe o projeto da mãe e decide fugir para realizar seus sonhos.
Ela não consegue emprego no teatro e,sem profissão para conseguir se sustentar,
sucumbe à necessidade premente e se volta para a prostituição.

Existem milhares de garotas que fogem de milhares de casas. É claro que nem todas se
tornam prostitutas – porque os seus aspectos físicos, mentais e sociológicos são
diferentes de mil maneiras. Nossa sinopse é apenas uma versão de como uma garota de
uma família respeitável pode se tornar uma prostituta.

Egri, Lajos. ​The Art of Dramatic Writing. [1942] Londres: Sir Issac Pitman & Sons, 1950,
52-57.

Tradução e apresentação: Roberto Franco Moreira.

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