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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE PSICOLOGIA
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA SOCIAL
PROCESSOS INSTITUCIONAIS

DENILSON RIBEIRO VIANA


ENEKO SANZ OLABARRIETA
JULIA MEINHARDT CARDOZO
THOMAS CAMPOS CREPON
VITÓRIA XAVIER BLANES

A LOUCURA COMO INSTITUIÇÃO E A ARTE COMO


DISPOSITIVO DE ENFRENTAMENTO

PORTO ALEGRE
2019
DENILSON RIBEIRO VIANA
ENEKO SANZ OLABARRIETA
JULIA MEINHARDT CARDOZO
THOMAS CAMPOS CREPON
VITÓRIA XAVIER BLANE

A LOUCURA COMO INSTITUIÇÃO E A ARTE COMO


DISPOSITIVO DE ENFRENTAMENTO

Trabalho da disciplina de Processos


Institucionais dos cursos de Bacharelado em
Psicologia e Serviço Social da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, que tem como
objetivo tratar da institucionalização da
loucura e da arte como um dispositivo.

Profa. Dra. Fernanda Spanier Amador

PORTO ALEGRE
2019

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1) INTRODUÇÃO
Loucura e Arte foi um tema que atravessou todos os integrantes do grupo de
algum modo. Todos nós já havíamos nos deparado com essa temática em algum
momento do curso de Psicologia; seja por meio de estágio, observação, trabalho de
campo ou mesmo tratando do tema por meio disciplinas em sala de aula.
A escolha do tema se deu de maneira natural, quando sugerida pela colega Júlia,
que estagiou na oficina de criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP) em
agosto de 2018. Júlia trouxe o seu relatório de estágio para que todos pudessem tomar
conhecimento e avaliar se seria viável continuar com o tema.
A relação com os demais integrantes do grupo e o tema: Denilson já havia feito
duas visitas ao HPSP na disciplina de Psicopatologia e Cultura, desta Universidade,
sendo uma delas exclusiva na oficina de criatividade. Thomas fez um programa de
familiarização de um mês no hospital e também já havia tido contato com a oficina. Eneko
visitou um centro psiquiátrico no ensino médio, na Espanha, para entender um pouco
seu funcionamento, sendo essa iniciativa feita pela escola. E por fim, Vitória, aluna do
Serviço Social, está trabalhando em outra disciplina com o movimento antimanicomial.
A articulação dos estudantes para a realização do trabalho de análise se deu a
partir da criação de um grupo no WhatsApp para discutirmos as questões práticas e da
criação de uma pasta no Google drive para compartilhamento de materiais (textos, filmes
e experiências individuais) relacionados ao tema “loucura e arte”, seguindo o roteiro
indicado pela professora no Moodle. Convém destacar que mantivemos o mesmo grupo
da primeira avaliação da disciplina, pois tivemos uma experiência muito rica ao longo da
realização da atividade.
O tema institucionalização da loucura e a luta antimanicomial despertou grande
curiosidade em todos os integrantes do grupo. A partir das perspectivas e vivências
individuais sobre o tema, passamos a pensar em formas e estratégias para, num primeiro
momento, entender o processo como um todo, desde a perspectiva histórica; e em
seguida buscar entender a função e o funcionamento da instituição ‘loucura’, bem como
estratégias de intervenção, em uma realidade já existente, através do uso da arte,
tomando como ponto de partida a oficina de criatividade do HPSP.

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2) CAMPO DE ANÁLISE
O estigma que se tem em relação à loucura e aos loucos existe há muito tempo.
Desde a Antiguidade, se relacionava a loucura a eventos sobrenaturais, como
possessões demoníacas, fúria dos deuses e bruxarias. Há registros de um tratamento
chamado ‘trepanação’ que consistia em fazer um furo na cabeça dos doentes mentais
para liberar os maus espíritos e que influenciou o desenvolvimento da lobotomia que é
uma prática mais contemporânea. O procedimento persistiu na Europa até o século XV.
O doente mental é visto como alguém desajustado, descontrolado e perigoso, capaz de
cometer atos violentos e “insanos”.
Porém, durante a Idade Média, o que consideramos “loucura” era aceito na
sociedade, com uma visão romantizada, inclusive, relacionando a loucura com a
genialidade, como o exemplificam expressões como “de médico e de louco todo mundo
tem um pouco” (tradução no Brasil do título do filme norte-americano The dream team,
de 1989), “sou louco por você”, “a multidão foi à loucura”, “fulano é louco de pedra” etc.
Nesse período, a loucura circulava livremente pelas ruas e era tema recorrente de
diversas expressões artísticas, como peças de teatro e romances. Os loucos
“conhecidos” eram tolerados, mas os loucos “estranhos”, com comportamentos
desviantes e bizarros, incluindo os bêbados e os devassos, eram confinados em navios
numa espécie de exílio ritualístico.
Por mais que a medicina e o tratamento com os doentes mentais tenham evoluído,
ainda existe preconceito e a doença mental ainda é associada com o diabo e outros
misticismos, que são construções históricas. Essa exclusão começa com o esvaziamento
dos leprosários ao final da Idade Média, tidos como “lugares obscuros”, de segregação,
cheios de “ritos que não estavam destinados a suprimí-la [a lepra], mas sim a mantê-la
a uma distância sacramentada”. Entre os séculos XV e XVIII, frente ao incômodo e ao
mal-estar que os doentes mentais provocavam na sociedade, se criaram instituições para
confiná-los. A função destes locais era apenas segregar os “loucos” do resto da
sociedade e não os tratar. “Os pacientes viviam presos à parede em celas lotadas. As
correntes eram curtas demais para que eles pudessem dormir deitados e suas
necessidades eram feitas ali mesmo. Como as celas nunca eram lavadas, eles viviam
sobre o próprio excremento.”

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Com a internação nos antigos leprosários, os portadores de doenças venéreas e
os loucos passam a compartilhar um “espaço moral de exclusão”, antecipando o fim do
“grau zero” da história da loucura, época em que “predominava uma indiferenciação entre
loucura e razão”.
Foi a partir da Revolução Francesa que se iniciou um debate e uma reflexão sobre
a forma que pensar a loucura e como melhorar as formas de tratamento. O pioneiro na
defesa dessa causa foi o médico francês Philippe Pinel. No hospital La Bicetre, em Paris,
Pinel transformou os métodos de atuação, passando a tratar os pacientes de forma mais
humana, defendendo a reeducação através do controle social e, sobretudo, moral e teve
resultados positivos. O asilo abrigaria “o poder moral da consolação, da confiança, e de
uma fidelidade dócil à natureza” pela disseminação de valores como religião
(principalmente no Retiro de Tuke), família e trabalho (Foucault, 2010, p. 487). O asilo
era o melhor meio de garantir a segurança pessoal dos loucos e sua família, ao libertá-
los de influências externas. Lugar de vigilância e de trabalho como principal meio de cura.
É o trabalho que dignifica o homem e transforma o alienado em um ser útil e dócil.
Pessoas de qualquer sexo, de qualquer idade, válidas ou inválidas, “doentes ou
convalescentes, curáveis ou incuráveis”, todos eram forçados a trabalhar como forma de
“purificação”. O hospital era uma instituição sem caráter médico, apenas “uma espécie
de entidade administrativa” semijurídica, com poder de julgar e executar, sem direito a
apelações. Suas técnicas influenciaram muitas instituições e a psiquiatria em geral, mas
nunca se tornou popular. O que se popularizou foram asilos públicos para loucos
confinados e totalmente segregados da sociedade.

Autores espanhóis e seus trabalhos na França e na Espanha


Ao longo da história, pessoas indesejadas pela sociedade foram trancadas em
asilos e hospitais psiquiátricos, criando assim a exclusão social. Os alienados foram
transferidos para albergues e hospitais com outros tipos de pessoas indesejáveis
(delinquentes, vagabundos, etc.), esses albergues mais do que o papel de um hospital,
desempenham o papel de prisão. Com a revolução francesa e a declaração dos direitos
humanos, também se fala sobre os direitos dos alienados, mas a situação deles não
muda muito. Os alienados ainda estão presos em albergues e hospitais psiquiátricos,
mas esses centros desempenham o papel de centro hospitalar (Desviat e Ribeiro, 2015).

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No século XX, a percepção da psiquiatria sobre os alienados se altera, sendo um
dos autores desta mudança o psiquiatra espanhol François Tosquelles, um dos criadores
da psicoterapia institucional. Tosquelles apresenta seu projeto de psiquiatria do Saint-
Alban, desenvolvendo as bases de uma "psicoterapia coletiva", que no ano seguinte
Daumézon e Koechlin chamarão de Psicoterapia Institucional, um movimento que
influenciou poderosamente a pedagogia e a psiquiatria da segunda metade do século
XX e a psiquiatria de atual (Salek Ruiz et. al., 2013).
Tosquelles participa da guerra civil espanhola em favor da república (assiste
combatentes que sofrem psicopatias adquiridas nas trincheiras). Em vez de a
contratação de psiquiatras profissionais que usam pessoas sem experiência médica (por
sua ingenuidade para os "loucos") e prostitutas (porque são profissionais em dar amor)
como pessoal de saúde. Com a vitória do fascismo, foge para a França, onde não
consegue validar seu diploma de médico e tem que revalidar na França. Serão doze
anos até se tornar o diretor do Hospital Saint-Alban (Salek Ruiz et al., 2013).
Chega à França com dois livros que serão muito importantes para a criação de
sua teoria: “Aktivere Krankenbehandlung in der Irrenanstalt”, de Hermann Simon, criador
da ergoterapia (teoria em que afirma que a psicoterapia deve ser ativa, e vai contra a
clinoterapia, deixar os pacientes inativos) e a tese de Jacques Lacan, “De la psychose
paranoïa, dans ses rapport avec la personnalité” (Salek Ruiz et al. 2013).
Nos primeiros meses na França, ele é transferido para os campos de refugiados,
onde trabalha como psiquiatra, mais tarde, como psiquiatra, ele começa a trabalhar no
hospital Saint Alban. O Hospital tornou-se um centro de encontro e confronto entre
psicanálise, medicina, comunismo, surrealismo e arte. Entre os encontros estavam os
chamados Encontros da Sociedade de Gévaudan, nos quais foram discutidos os
conceitos básicos da psiquiatria, assim como a instituição e sua composição,
permanente e coletivamente. Tosquelles quer converter o hospital psiquiátrico em uma
instituição encarregada por os médicos e pacientes conjuntamente, ou hospital
psiquiátrico deve ser um local de passagem, para os pacientes. O médico tem que aceitar
que o alienado tem subjetividade e pode argumentar, para criar um diálogo entre os dois.
O paciente deve cuidar de si mesmo, ele deve ser co-produtor do serviço de atenção
psicossocial (Bacilio, 2019).

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Este hospital, também é importante para as teorias da Psicopatologia do
Trabalho, em que a atividade se destina a tornar o alienado dócil, tranquilo, ordenado em
todos os seus atos. Para Tosquelles, os alienados devem trabalhar para o funcionamento
do hospital, devem fazer funcionar o hospital, sua comunidade. (Salek Ruiz et al. 2013).
Os alienados têm liberdade de expressão, e a partir de 1950 criam ou jornal "Traço de
união", produzido no próprio estabelecimento, publicação em que qualquer um poderia
escrever sobre o que quisesse (Salek Ruiz et al. 2013).
Tosquelles dá muita importância à Segunda Guerra Mundial e ao período da
ocupação nazista da França. Graças a ela, qualquer tentativa de gerar algum ipo de
prática contrária à psiquiatria repressiva teve necessariamente de passar pela mutação
do "eu" individualista para o "nós" coletivo. O serviço médico estava envolvido, mas
também os camponeses, os cineclubes, os intelectuais, as famílias, os religiosos da
cidade (Bacilio, 2019).
Quanto à psiquiatria espanhola, um dos nomes mais importantes é o de Manuel
Desviat. Para ele a psiquiatria comunitária tornou-se um processo social complexo que
requer conhecimentos e técnicas para reconstruir um processo técnico-ético que leva a
novas situações que produzem novos temas, novos sujeitos de direitos e novos direitos
para os indivíduos. Um processo que dinamize as bases conceituais da psiquiatria feitas
dentro das paredes do hospital e que vai exigir uma sensibilidade política, o envolvimento
da comunidade e compromisso ético-político e técnico dos profissionais, que começa
reconstrução democrática plena após os longos anos da ditadura nas sociedades que
buscavam garantias, assistência legal e universal para todos, e especialmente para os
assuntos mais frágeis. A psiquiatria comunitária visa a rejeição de asilo de confinamento,
hospital psiquiátrico, e a necessidade para novos modelos organizacionais e respeito
terapêutico os direitos civis dos pacientes (Desviat, 2011).
A reforma psiquiátrica é, portanto, a implementação do modelo comunitário, que
começou no horizonte do estado de bem-estar social, e que depende de um sistema de
saúde pública forte. A sustentabilidade do modelo implica sua aceitação pela população,
e isso implica mudanças no imaginário coletivo. Mudanças na representação social da
doença e seu tratamento que só pode vir quando o modelo comunitário é percebido pela
população, entre ser parte dela (Desviat, 2011).

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História da Loucura no Brasil
Fazendo um recorte na década de 70, o Brasil passava pelo período da ditadura
militar, no qual, um dos movimentos de resistência presente era a Reforma Sanitária que,
desde então, ainda hoje se faz presente. Uma luta que pensa a construção e
consolidação de um novo sistema de saúde e a desconstrução de padrões de formação,
tendo como referência as competências e princípios do Sistema Único de Saúde (SUS).
Assim sendo, é importante salientar que o Movimento da Reforma Psiquiátrica se
faz presente no processo de implementação e consolidação do SUS, inserido nas
décadas de redemocratização no Brasil. Associada aos movimentos defensores da
ampliação e universalização de direitos, a Reforma Sanitária coloca-se contra o projeto
neoliberal de saúde que focaliza, privatiza, descentraliza, e, por consequência, precariza
e fragmenta os atendimentos e a formação em saúde. O SUS, ao ser implementado a
partir da aprovação da Lei Orgânica de Saúde (Lei 8080/90 e Lei 8142/90), na década
de 1990, baseia-se nos princípios de universalização, equidade e integralidade. Assim,
entende a saúde como direito de cidadania a ser garantido pelo Estado a todos,
considerando as necessidades específicas e gerais da população.
Em 1977 surge o 1º CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) no Brasil, um modelo
de tratamento criado para substituir a lógica excludente dos manicômios. Assim, propõe-
se a transformação do indivíduo re-incluindo tanto na sociedade como na própria família,
isso sendo possível através de um acompanhamento de uma equipe multiprofissional de
saúde mental. Logo, neste novo modelo, rompe-se com internação compulsória e
começa a ser pensado na autonomia do paciente e no respeito pelo mesmo. O impacto
de tal mudança reflete na desmistificação dessa ideia da loucura, sendo notório uma
maior busca voluntária por tratamento.
Ressalta-se que, a grande internação e aprisionamento compulsório da loucura
se deu através de sua relação com a pobreza. Quando se percebe que os loucos são
incapazes de trabalhar e de produzir, passam a enquadrar como um problema na ordem
social capitalista. Do mesmo modo, não podemos esquecer das pessoas que foram
internadas sem o diagnóstico da loucura, mas findaram nos manicômios por perturbarem
a manutenção da ordem social. No Hospital Colônia de Barbacena – MG, por exemplo,
mais de 70% dos internos não tinham o diagnóstico de doença mental.

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Neste contexto, foram presos: políticos, militantes, mães solteiras, homossexuais,
epiléticos e pessoas em situação de rua. Com isso, essas internações chegaram a ser
comparadas com campos de concentração na Alemanha. Eram prisões com rotinas de
inúmeras torturas e maus-tratos. Os hospitais psiquiátricos eram lugares de abandono
absoluto, tanto por parte da família quanto por parte da sociedade e, a grande maioria
das pessoas que entravam, passavam o resto de suas vidas encarceradas.

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3) ANALISADORES E DESENVOLVIMENTO DA ANÁLISE
Como foi mostrado na primeira parte do trabalho, o estigma da loucura é uma
construção histórica que existe desde a Antiguidade. Desde então a Loucura tem sido
associada a misticismos, que causavam medo nas pessoas. Esta associação vem se
alimentando durante os séculos, tendo uma menor rejeição em certos momentos da
história, mas na maior parte do tempo tem sido considerado como algo negativo e
perigoso, que precisa ser segregado da sociedade. Durante os séculos, práticas para
tirar a loucura de dentro dos sujeitos, como a trepanação ou a lobotomia eram efetuadas,
exemplificando a conotação negativa que a loucura tinha pois devia ser liberada do corpo
dos sujeitos, como se estes estivessem possuídos.
Durante a Idade Média ocorreu uma dicotomia entre os loucos “conhecidos” que
eram aceitos na sociedade, pois tinham talentos artísticos e os loucos “estranhos” que
não eram aceitos na sociedade, pois não tinham valor artístico nem econômico para
sociedade. Esta dicotomia é diretamente relacionada com a instituição trabalho. Para
os loucos conhecidos, a instituição trabalho pode ser considerada como uma
transversalidade, que os ajudou a ter sua “loucura” valorizada na sociedade. De outro
lado, para os loucos “estranhos”, a instituição trabalho pode ser considerada como um
atravessamento, uma instituição que reproduz os conceitos de produtividade e
eficiência como uns dos únicos valorizadores na sociedade e que desvalorizou
totalmente os “loucos bêbados e devassos”.
A partir do século XV, começam a se esvaziar leprosários que eram
estabelecimentos que abrigavam e segregavam pessoas atingidas pela lepra (doença
sem cura e altamente contagiosa). No lugar destes leprosos, começaram a ser abrigados
pessoas atingidas por doenças venéreas e pessoas ditas loucas que eram um incômodo
para a sociedade. Estas pessoas compartilhavam um espaço comum de exclusão. Aqui
é interessante analisar como o fato de colocar pessoas que sofrem de situações
diferentes no mesmo estabelecimento acaba criando uma ideia negativa comum para
todos estes sujeitos, por parte da sociedade.
A época do Iluminismo foi uma época rica em novas ideias e rupturas com o
sistema instituído. Em relação à loucura, foi durante a Revolução Francesa que estas
novas ideias germinaram. Podemos considerar que houve uma análise de implicação

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das instituições e administrações que gerenciavam estas pessoas e se identificou uma
demanda (necessidade de mudanças nas formas de tratar a loucura e os loucos na
sociedade). É importante ressaltar que esta mudança foi realizada por médicos
renomados, considerados experts, que administravam hospitais.
A principal ruptura, foi uma mudança nas práticas, como o fato de passar a tratar
os pacientes de forma mais humana. Esta humanização do atendimento e tratamento
pode ser considerado uma transversalidade, que busca algo instituinte. Porém, esta
humanização no tratamento e na reeducação, também era acompanhada de
atravessamentos como o controle social e moral, a disseminação de valores como a
religião, a família e o trabalho, ou seja, ocorria o mantimento de práticas instituídas
impostas pelos experts. Nas instituições de abrigaram loucos, todos eram forçados a
trabalhar para se “purificar”. Aqui mais uma vez podemos ver que a instituição trabalho
é um atravessamento que corrobora na desvalorização dos sujeitos loucos. Estes
sujeitos são forçados a trabalhar para enfim terem um valor na sociedade. A ideia de
“purificação” ainda remete a algo negativo, sujo, não aceito pela sociedade (ainda há
forte segregação). Esta prática e visão é um importante analisador para ver como o
Capitalismo também usa a busca por aceitação e valorização na sociedade como motor
para as pessoas trabalharem.
O hospital era uma instituição sem caráter médico, apenas “uma espécie de
entidade administrativa” semijurídica, com poder de julgar e executar, sem direito a
apelações. O poder dos experts era nítido. Houve um movimento organizante, para
mudar as práticas e a forma de tratamento dos loucos, que logo se transformou em um
poder organizado, ou seja, o produto dos processos organizantes necessários para
orientar o funcionamento da entidade, mas tem tendência a tornar-se rígida. As rupturas
com o modelo antigo uma hora cessaram. Isso se caracteriza por uma fase de produção,
que se caracteriza por um período de criação enquanto não cristalizada e, em seguida,
de antiprodução, ou seja, a captura das forças instituintes-organizantes pelos
grandes organismos reprodutores, que acabam engessando novamente o movimento de
ruptura.

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4) DISPOSITIVOS E ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO
Casa de canetinha, casa de tinta, casa de palito-de-picolé, casa na serigrafia do
avental da oficina…

Ser uma cartógrafa ou um cartógrafo dentro de uma instituição tão rígida, mas
que abarca - é barco para os navegantes loucos - diz sobre dar passagem, ser passagem
para os afetos e manifestações sensíveis daquilo que ainda resta de louco no sujeito
institucionalizado.
Se ‘puxarmos’ algumas possíveis memórias, encontraremos os primeiros
desenhos, traços e linhas que nos ensinaram a fazer: uns “bonecos de pauzinho”, duas
colinas conectadas que, da sua intersecção saía um sol sorridente, uma casinha com
telhado triangular e chaminé…
As obras de arte do acervo da oficina de criatividade do HPSP trazem estas e
tantas outras imagens, fruto de um resgate imagético da memória. É aquilo que sobrou
- depois das tantas violências, retratadas neste trabalho por meio de um resgate da
história da loucura - e que se inscreve no papel como forma de resistência. Pinta-se
árvore, bonequinhos, casas.
Muitas vezes, nossa composição linguística que não transparece toda a
intensidade de um encontro como esse, demarca e torna os trajetos possíveis de
percurso. A linguagem, segundo Rolnik (1989) “favorece a passagem das intensidades
que percorrem seu corpo [do cartógrafo] no encontro com os corpos que pretende
entender. Aliás, “entender”, para o cartógrafo, não tem nada a ver com explicar e muito
menos com revelar. Para ele não há nada em cima - céus e transcendência -, nem
embaixo - brumas da essência. O que há em cima, embaixo e por todos os lados são
intensidades buscando expressão. E o que ele quer é mergulhar na geografia dos afetos
e, ao mesmo tempo, inventar pontes para fazer sua travessia: pontes de linguagem.”
A arte, portanto, servindo como estratégia de constituição de desejos no campo
social, faz-se ver a todo tempo na oficina de criatividade de uma instituição psiquiátrica.
É uma escolha de como viver, é a possibilidade frente ao caos que se instaura frente a
um papel em branco.

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Intervenção é o encontro: enquanto tu pinta, a gente toma um café…
e eu vou tocando violão, pra ver se a inspiração vêm...

Como nos afirma Luciano Costa (2014) em “Cartografia: uma outra forma de
pesquisar”, o cartógrafo nunca está distante do seu campo de intervenção e análise,
construindo assim, uma escrita feita com os próprios pés. Estando imerso no território, o
cartógrafo ama os acasos, se delicia com eles, é companheiro dos afectos (afecções) e
carrega consigo o olhar de não-assepsia pois se suja com os acontecimentos.
Neste sentido, todo e qualquer acontecimento é possível de se tornar um encontro
cartográfico. Nos encontramos com nossa temática de múltiplas maneiras e as
intervenções foram acontecendo no nosso olhar. Na medida em que pesquisamos,
traçamos uma genealogia da história da loucura, pudemos identificá-la como instituição
a partir de um resgate histórico.

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*A foto acima mostra uma usuária da oficina de criatividade, que teve seu rosto parcialmente borrado a
fins de preservar sua imagem e um ex-estagiário, que autorizou o seu uso de imagem para este trabalho

Historicizar foi importante para nós, tendo em vista que isto fez o encontro
acontecer. Puxar elementos da história para compor uma narrativa - jamais com a
pretensão de fixar verdades! - diz do quanto buscamos uma ética para com ações
futuras. Janine Gagnebin (2006), no livro “Lembrar escrever esquecer” fala de resgates
históricos, tal como foi concebido por Benjamin:

Em suas célebres teses “Sobre o conceito da história”, escritas em 1940,


Walter Benjamin declara: “Articular historicamente o passado não
significa conhecê-lo ‘tal como ele propriamente foi’. Significa apoderar-se
de uma lembrança tal como ela cintila num instante de perigo”.

Falar de arte enquanto dispositivo diz da força que se produziu no nosso encontro
com a loucura-instituição. Nise da Silveira, psiquiatra brasileira que revolucionou o
cenário de uma instituição total ao introduzir as oficinas de arte no contexto do Engenho
de Dentro (Rio de Janeiro), disse:

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“Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo
mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: Vivam a
imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu
nunca convivi com pessoas ajuizadas. É necessário se espantar, se
indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade…”

A arte fala, nos espaços onde esta é possível, de uma produção incessante de
devir. Enxergar a arte como dispositivo, para nós que somos curados além da conta, é o
poder estar junto com a loucura, em contato, tocando e sujando. O nosso percorrer com
a arte diz do quanto nos afastamos de nós mesmos (da perspectiva essencialista) em
um encontro com a história da loucura e se possível, com os que deveriam ser os
verdadeiros protagonistas desta: os próprios loucos.

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5) REFERÊNCIAS

BACILIO, M. (2019). Francesc Tosquelles: guerra y psiquiatría subversiva. Disponível


em: https://discapacidades.nexos.com.mx/?p=75#_ftn2

BATISTA, M. (2014). Breve história da loucura, movimentos de contestação e reforma


psiquiátrica na Itália, na França e no Brasil. Política & Trabalho - Revista de Ciências
Sociais. 1. 391-404.

BENJAMIN, W. (2006)“Über den Begriff der Geschichte”, in Gesammelte Werke, vol. 1-


2, Frankfurt/Main, Suhrkamp, 1974, pp. 695 e 701. Tradução de J. M. G. in: Gagnebin,
Janine M. (2006). Lembrar escrever esquecer. Editora 34, São Paulo, Brasil.

COSTA, L. (2014). Cartografia: uma outra forma de pesquisar. Revista Digital do LAV,
7(2), 066-077. doi:http://dx.doi.org/10.5902/1983734815111

DESVIAT, M.; RIBEIRO, V. (2015). A reforma psiquiátrica. SciELO-Editora FIOCRUZ.

DESVIAT, M. (2011). Panorama actual de las políticas de bienestar y la reforma


psiquiátrica en España. Estudos de Psicologia, 16(3), 289-294.

FOUCAULT, M. (2010) História da Loucura. São Paulo: Editora Perspectiva, 1978.

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desrazão. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.4, out-dez.
2013, p.1515-1529.

ROLNIK, S. (1989). Esquizografias. Disponível em: https://esquizografias.jimdo.com/

SALEK RUIZ, V., ATHAYDE, V., NOGUEIRA FILHO, I., ZAMBRONI-DE-SOUZA, P. C.,
& ATHAYDE, M. (2013). François Tosquelles, sua história no campo da Reforma
Psiquiátrica/Desinstitucionalização e suas pistas para uma abordagem clínica do
trabalho centrada na atividade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 13(3).

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