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Terra em transe

A destruição do World Trade Center e a ameaça de um conflito de proporções desconhecidas


mergulham a economia mundial num período de instabilidade e perplexidade, aumentando o risco
de uma recessão global

Por André Lahóz. Revista Exame

São Paulo, 03 de outubro de 2001 (Edição 750) - Há 12 anos, no dia 9 de novembro de 1989,
algumas marteladas em um muro jogaram por terra, além das pedras que dividiam a cidade alemã
de Berlim, uma maneira de olhar o mundo. A divisão do planeta em duas fatias simplesmente
desapareceu, com a incontestável vitória ideológica e material do capitalismo sobre o socialismo. De
uma hora para outra, tudo mudou: os sonhos, as aspirações, as guerras, os mocinhos, os bandidos,
a política, a economia, o mundo. Dois anos mais tarde, o sucesso dos Estados Unidos na Guerra do
Golfo consolidou o avanço capitalista pelos quatro cantos do planeta e abriu caminho para uma
década de prosperidade. Criou-se, então, uma ilusão em boa parte das cabeças pensantes do
mundo: a de que teria nascido uma Nova Economia, imune a crises, que sepultaria o ciclo
econômico e acabaria por atingir todos os países da Terra. Teria acabado, enfim, a própria História.
Nos últimos anos, uma série de crises financeiras já havia mostrado que, pelo menos para o mundo
emergente, as coisas não seriam assim tão simples. O capitalismo continuava - e continua - a ser o
que de melhor se inventou em termos de promoção do progresso econômico e do acesso de bilhões
de pessoas a bens de consumo, mas mexicanos, tailandeses, coreanos, russos, brasileiros, turcos e
argentinos, para ficar em apenas alguns exemplos, perceberam que a máquina da felicidade ainda
não havia sido criada.
Essa percepção - de que o mundo cor-de-rosa não existe - foi espetacularmente ampliada com os
ataques terroristas à capital financeira mundial e o conseqüente colapso de Wall Street. Em alguns
minutos, um punhado de criminosos recolocou no ar um elemento que ocupou um papel central na
história do capitalismo: a incerteza. Ela foi, na feliz expressão do economista canadense John
Kenneth Galbraith, a marca do século 20. "Muito pouco da certeza do passado existe hoje em dia",
escreveu Galbraith nos anos 70. "Dada a desalentadora complexidade dos problemas enfrentados
atualmente pela humanidade, sem dúvida alguma seria estranho se ainda existisse." Conforme a
cidade de Nova York tenta retomar a sua atividade normal, o número de mortos começa a ser
conhecido e se inicia a caçada aos supostos autores do atentado, vai ficando claro que a vida daqui
para a frente não será tão simples como foi durante o boom americano dos 90.
Vivemos em um mundo perigoso, em que infelizmente existem recessões, guerras,
fundamentalismo religioso e ódio entre países. A Era da Incerteza, para usar a expressão cunhada
por Galbraith, está de volta.
Não se está sugerindo, evidentemente, que a Guerra Fria irá recomeçar. Ou que o socialismo
poderá ressurgir das cinzas do World Trade Center. Nem que a globalização está em risco. Essa
é uma leitura equivocada dos acontecimentos. Osama bin Laden e seus seguidores - os mais
prováveis perpetradores do atentado do dia 11 - não representam uma alternativa à globalização e
aos valores ocidentais. Querem, pura e simplesmente, a destruição do Ocidente. Achar que a
motivação dos terroristas que seqüestraram os aviões nos Estados Unidos seja parecida com a dos
milhares de manifestantes que saíram às ruas de Seattle e Gênova para protestar contra o
McDonald’s é sinal de uma incrível miopia. Uns querem mudar o sistema - aspiração legítima, ainda
que muitas vezes equivocada. Outros querem eliminar o sistema - e quem vive nele.
É de uma ironia macabra que as ações dos terroristas só tenham sido possíveis graças à
globalização, à livre movimentação de pessoas e capitais, ao livre fluxo de informações permitido
pelo avanço tecnológico ocidental. É ainda mais irônico que um ato terrorista represente com tanta
força aquilo que até o mês passado não era mais que retórica acadêmica: que o Estado - qualquer
Estado, incluindo a maior potência do planeta - está perdendo poder para o indivíduo.
Isso não significa o fim da ordem econômica mundial. Um atentado, ainda que das proporções do
ocorrido nos Estados Unidos, não tem esse poder. Mas o abalo está longe de ficar circunscrito à ilha
de Manhattan e ao complexo militar do Pentágono. Infelizmente, a economia tem uma faceta de
profecia que se auto-realiza. Quando as pessoas deixam de acreditar que vivem num mundo cor-de-
rosa, ele se torna menos e menos cor-de-rosa. Aumentam, assim, os riscos de uma recessão em
escala global.
Numa Era de Incerteza, qualquer especulação sobre o futuro deve ser encarada com cuidado. Cabe
ouvir as palavras de Paul Samuelson, o decano economista do Massachusetts Institute of
Technology (MIT), em recente artigo: "Concluo com uma importante advertência. Este é um
momento em que devemos nos abster de fazer juízos sobre contingências futuras que não se
prestam a previsões confiantes. Não conhecer os limites da própria ignorância é a maior de todas as
loucuras possíveis." Portanto, é preciso cautela nas análises. Há ainda muitas indagações a serem
feitas.
Existe, em primeiro lugar, dúvida quanto a qual deverá ser a reação americana. Vislumbram-se
duas linhas de ação possíveis. A primeira, mais espetacular e provavelmente menos eficiente, é a
militar. A segunda é policial. (É claro que as duas podem ser complementares.) Até o fechamento
desta edição, na terça-feira, 25, a hipótese militar era a mais provável. Implicaria um ataque ao
Afeganistão e a possível derrubada do governo do Talibã. Essa opção deve trazer muitos problemas.
"Para começar, não está muito claro quem são os inimigos desta guerra", diz o historiador Paul
Kennedy, da Universidade Yale. "Há informações indicando que Bin Laden já pode ter deixado o
Afeganistão, o que tornaria um ataque ao Talibã algo muito discutível." Ou seja, é possível que as
armas militares tradicionais não sejam eficientes. Ao mesmo tempo, uma guerra deverá trazer
marcas mais profundas sobre a economia mundial.
Passada quase uma década de prosperidade sem precedentes, os Estados Unidos já vinham
flertando com a recessão havia vários meses. Os atentados só complicaram um cenário já nebuloso.
O que vinha evitando a recessão até agora era o consumo das famílias americanas. É exatamente aí
que os efeitos de uma guerra podem ser mais intensos. É muito provável que haja uma retração no
desejo de gastar daqui para a frente, em particular após as quedas vertiginosas nas bolsas, puxadas
pela baixa das ações das seguradoras e das companhias aéreas. Vários institutos de pesquisa têm
mostrado fortes quedas no índice de confiança do consumidor americano. Uma alternativa policial,
em que os terroristas sejam caçados e seus recursos, bloqueados, certamente teria um efeito
menos depressivo sobre o consumo.
Qual pode ser a profundidade de uma recessão americana? Quanto tempo durará? Algum outro país
(ou grupo de países) pode, no curto prazo, substituir os Estados Unidos como motor da economia
mundial? O que acontecerá com as cotações do petróleo? São perguntas ainda sem resposta. Um
exemplo de como esse terreno é pantanoso: uma guerra, se por um lado joga a favor da recessão,
por outro fará com que os gastos militares americanos cresçam, o que pode aliviar seus efeitos
negativos. Outro: os governos não estão parados. "Os bancos centrais dos Estados Unidos, do Japão
e da Europa evitaram uma crise financeira de enormes proporções ao criar toda a liquidez
necessária para que o sistema financeiro mundial não desmoronasse", diz o economista
José Alexandre Scheinkman, da Universidade Princeton. Os americanos estão estudando a adoção
de um pacote de gastos públicos para estimular a economia - num primeiro momento, fala-se em
até 100 bilhões de dólares.
Ou seja, apesar de toda a confusão, não está escrito que o mundo caminhará para o caos. Por
enquanto, o que dá para dizer é que, nos próximos meses, haverá uma fase mais difícil para todos.
E isso terá impactos sobre o Brasil.
Um primeiro impacto se dá sobre os capitais em circulação no mundo. Em épocas de crise, ocorre a
chamada "fuga para a qualidade" - os investidores se refugiam nos mercados considerados mais
seguros. O Brasil, como a maioria dos países emergentes, não é bem-visto em momentos como o
atual. A perspectiva de menos recursos que ajudem a fechar suas contas externas, aliada a um
cronograma intenso de pagamentos a serem feitos pelo governo brasileiro no futuro próximo,
trouxe uma conseqüência imediata: o dinheiro ficou mais caro. O Brasil deverá ter maior dificuldade
para rolar sua dívida - e pagará mais por ela. Com os investidores na retranca (só para comparar:
este ano devem entrar cerca de 16 bilhões de dólares de investimentos diretos, contra mais de 30
bilhões no ano passado), a expectativa é que haja maior dificuldade daqui para a frente para fechar
o balanço de pagamentos.
"A escalada do dólar reflete nossa vulnerabilidade externa", diz o economista e colunista de EXAME
Paulo Guedes. "O dólar caro veio para ficar" (leia artigo abaixo).
Isso atinge de frente muitas empresas brasileiras. É o caso das que têm compromissos em dólar. A
Varig, a maior companhia aérea brasileira, enfrenta dificuldades desde a desvalorização cambial do
início de 1999. No ano passado, o preço da gasolina para aviação, toda ela importada, aumentou
89%. As tarifas áreas, no mesmo período, ficaram praticamente congeladas. O resultado do
descompasso foi um prejuízo de 509 milhões de reais no primeiro semestre deste ano. Na sexta-
feira, 21 de setembro, quando a cotação do dólar bateu em 2,83 reais, os executivos da Varig
revisavam suas planilhas para saber se as medidas de enxugamento adotadas na véspera -
demissão de 1 700 funcionários, devolução de 13 aviões, corte de 14% na frota de aeronaves de
médio porte e de 8% na de transcontinentais - teriam de ser aprofundadas. "A cada alta do dólar os
efeitos do ajuste que fizemos diminuem", diz Roberto Macedo, vice-presidente da Varig.
O maior problema é que metade dos custos - como leasing dos aviões, peças de reposição,
manutenção e combustível - é cotada na moeda americana. Já o faturamento basicamente se dá em
reais. Pior ainda, as receitas estão em queda. A previsão, segundo Macedo, é de uma redução de
15% a 40% na demanda de transporte aéreo internacional.
Nem todos, porém, penam com a alta do dólar. Há até quem ganhe. A Vale do Rio Doce se beneficia
do fato de que a maior parte das suas receitas provém da exportação - no ano passado, foram 2,9
bilhões de dólares, considerando também as suas controladas. A desvalorização do real acaba
servindo como combustível para as vendas externas. Isso significa que a Vale está imune ao risco
de uma recessão mundial? "Pode ocorrer uma desaceleração nas vendas, mas não acreditamos que
elas serão menores do que foram no ano passado", afirma Roberto Castello Branco, gerente de
relações com o mercado da Vale. "Até o momento, só trabalhamos com números positivos." A Vale
gera mensalmente 120 milhões de dólares. Com isso, fica livre de ter de ir ao mercado captar
recursos para financiamento de exportações num momento em que as linhas de crédito estão mais
curtas e mais caras.
Um segundo impacto se dará sobre as exportações, também de forma contraditória. Por um lado, o
dólar mais caro ajuda os exportadores. Por outro, esse benefício pode ser anulado pela
desaceleração mundial. Mais uma vez: além desses fatores, é preciso levar em conta que o efeitos
têm variado de setor para setor. Os fabricantes de carne, por exemplo, estão passando sem abalo,
pelo menos num primeiro momento. "Não sentimos nenhuma mudança significativa até agora", diz
Nildemar Secches, presidente da Perdigão. Com faturamento de 1,2 bilhão de reais no primeiro
semestre - 30% obtidos com vendas para o mercado externo -, a Perdigão não enfrentou
dificuldades para fazer os embarques de seus produtos depois de 11 de setembro. A previsão de
Secches é que, a exemplo do que aconteceu durante a Guerra do Golfo, as vendas para seus
principais clientes, localizados na Europa e no Oriente Médio, continuem estáveis.
A BRF, associação que mantém com a Sadia para atuar em mercados externos emergentes como a
Rússia e a África, também não alterou sua rota. A apresentação oficial da empresa em Moscou,
prevista para 28 de setembro, foi mantida.
O grupo Bertin, com sede em Lins, no interior paulista, exportou no ano passado 195 milhões de
dólares em carnes e 95 milhões em couros e peles. Em 2001, projeta exportar 35% mais. Segundo
Marcos Bichiere, gerente de exportação do Bertin, os clientes continuam comprando normalmente.
Em vez de risco de queda, existe mesmo a possibilidade de aumento das vendas. "Vários países da
Europa e de outras regiões estão fazendo estoques de carnes por medo da guerra", diz Bichiere.
A avaliação é diferente no setor siderúrgico. Em empresas como a CSN e a Gerdau há preocupação
com o efeito que o acirramento das medidas protecionistas americanas, no embalo da perspectiva
de guerra, possa causar às exportações brasileiras. "É claro que uma crise como esta afetará todo
mundo", diz Jorge Gerdau Johanpeter, presidente da Gerdau. O grupo gaúcho já vinha registrando
redução significativa das exportações por causa do protecionismo americano. "Por enquanto
estamos compensando as perdas com as vendas de nossa subsidiária nos Estados Unidos, mas isso
pode mudar daqui para a frente", diz ele.
O possível surto protecionista poderia adiar também os planos da Usiminas e da CST de montar
plataformas de acabamento de produto nos Estados Unidos, como já tem a CSN, com a sua
subsidiária em Indiana. A estratégia de internacionalização das siderúrgicas só é viável se for feita
contando com a base de custos competitivos dos produtos semi-acabados fabricados no Brasil. Caso
haja restrições às exportações de placas, as vantagens das aciarias brasileiras cairão
consideravelmente. "As companhias terão de dar uma travada nos seus planos de investimento
até que o cenário fique mais claro", afirma o economista Márcio Fortes, da escola de negócios
Ibmec.
Um terceiro impacto da crise mundial para o Brasil será um provável desaquecimento econômico.
Com o dólar em alta, dificilmente o Banco Central terá espaço para reduzir os juros. Até é possível
que tenha de elevá-los mais adiante. Talvez o efeito sobre a atividade não seja tão intenso pelo
simples fato de que o Brasil já vinha em uma fase de desaceleração. Por isso mesmo, a maioria das
empresas ainda não consegue mapear as conseqüências da crise e prever a dimensão de eventuais
estragos. Por enquanto, exceto em setores como o turismo internacional e o transporte aéreo, não
há ainda reflexos diretos no desempenho de vendas no mercado doméstico. No geral, a expectativa
é de alguma retração no futuro, mas ninguém sabe dizer de quanto. "O Brasil não é uma ilha", diz
Vicente Donini, presidente da catarinense Marisol, do setor de confecção. E há quem enxergue
oportunidades.
"O turismo interno vai substituir as viagens para o exterior e vamos alugar mais carros", diz Salim
Mattar, presidente do grupo mineiro Localiza. O presidente da Embratur, Caio Luiz de Carvalho,
também vê ganhos potenciais para o turismo brasileiro. "Turistas sul-americanos, que estão sendo
discriminados na entrada nos Estados Unidos, deverão buscar o Brasil como destino", diz Carvalho.
Segundo ele, operadoras de vôos charter da Inglaterra e da Alemanha, que nos últimos meses vêm
despejando milhares de turistas nas praias do Nordeste, já pensam na possibilidade de aumentar os
vôos para o Brasil. "Somos o porto mais seguro para os europeus", diz Carvalho.
O quadro, portanto, é mesmo de incerteza. É possível que as conseqüências sejam muito desiguais
entre diferentes empresas, setores ou países. Uma vez mais, vai se dar bem quem conseguir
enxergar oportunidades e não se intimidar diante dos enormes desafios que os novos ventos de fora
trarão. Para o Brasil, a mensagem é clara: é preciso pressa. "Estamos pagando o preço de ignorar a
necessidade de aprofundar as reformas econômicas", diz Paulo Guedes. Mais do que nunca, é hora
de agir.

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