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RIVISTA Dl STUDI

PORTOGHESI E BRASILIANI

I • 1999

ESTRATTO

ISTITUTI EDITORIALI
E POLIGRAFICI
INTERNAZIONALI®
PISA • ROMA
MONOGRAFICA

Passaggi di secolo/fine millennio


Sandra Jatahy Pesavento

SINAIS PELO AR

Um final de século acompanhado do encerramento de um milênio é um recorte


temporal privilegiado, que nos remete à noção de fronteira. Limiar de época de
profundo simbolismo, as fronteiras do século e do milênio nos levam a repensar um
domínio específico do saber que tanto se baliza pela reconfiguração das temporalidades,
quanto se encontra no centro do que se chamam as fronteiras do conhecimento.
Narrativa e representação de um outro tempo, ficção controlada mas presa ao
arquivo, a história parece se encontrar, neste nosso final de século, numa espécie de
crise de identidade. Afinal, qual é o seu domínio específico num momento em que
lança mão de conceitos de outras áreas, em que partilha temas, objetos e problemas
com outros domínios e que mesmo o seu reduto temporal específico — o passado —
parece ameaçado ou, pelo menos, partilhado com outros saberes?
Entretanto, tais questionamentos nos induzem e estimulam a pensar a história do
século, neste século da história.
A temporalidade que se insinua como marco desta reflexão não é, contudo, a do
espaço dos cem anos que se esgotou, mas sim a da terminalidade do século e do
milênio, que nos leva a considerar a mudança ocorrida ao longo do tempo e que se
manifesta neste nosso final de século.
A palavra-chave seria, pois, a da mudança verificada na produção da História, mas
a expectativa do enunciado — o século da História — é de que este século foi e
assim se acaba como um século onde a escrita e a leitura da História estiveram em
alta.
Para pensar esta possibilidade, escolhi retroceder até os inícios dos anos 80,
recuperando um incidente do mundo acadêmico que, de uma certa forma, anunciava
o contexto da transformação em curso nos domínios de Clio e as questões que
preocupam os historiadores na nossa contemporaneidade.
Quando, háalguns anos atrás, Marshall Berman rebateu as críticas dePerry Anderson
a seu livro Tudo que é sólido desmancha no aVy chamou seu "artigo-resposta" de
"Sinais pela rua"^ As críticas, que, no caso, não cabe reproduzir neste momento, mas
que incidiam sobre questões de uma ortodoxia marxista, motivaram uma curta mas
significativa reação do autor frente à polêmica suscitada por Anderson face a sua
obra, que tão ampla recepção tivera no mundo acadêmico e mesmo fora dele.
Perplexo com a reação de Anderson, Berman advogava não só a existência de
"numerosas maneiras dese contar umahistória", comopostulava a permanente renovação
do conhecimento sobre o mundo, que libertasse as energias criadoras deste espectador
do social, que é o historiador. Mas, para isso, era preciso uma abertura do olhar, para
conseguir enxergar, na complexidade do mundo moderno, não a presença de lógicas
irrefutáveis eexplicações racionais totalizantes, mas, antes, "sinais pelo ar" que permitissem

1. Berman, Marshall, "Las senales en Ia calle", in, Casullo, Nicolâs, org. El debate modemidad-pos-
modemidady Buenos Aires, Punto Sur, 1989.
14 Sandra Jatahy Pesavento

mudar o ponto de vista da observação sobre o real e, com isso, surpreender novos
significados.
Ora, a resposta de Berman a Anderson nos dá o mote para exercer uma reflexão
sobre "o estado da arte" dos domínios de Clio neste nosso final de século e milênio.
Berman nos fala de uma mudança e complexificação do mundo que não só colocam
novos problemas eindagações, como admitem uma pluralidade de respostas. Este raciocínio
nos induz a pensar a história como um febce de possibilidades, como uma elaboração
de versões que se constróem sobre algo que aconteceu um dia. A história seria, pois,
não só anarrativa do que se passou, mas odiscurso articulador de uma outra temporalidade,
que, como diz Paul Ricoeur, é distinta tanto do presente como do tempo do qual se
fala. Reservemos o termo "passeidade" para definir atemporalidade transcorrida e"passado"
par nomear a temporalidade construída pela narrativa do historiador.
Mais do que isso, Berman defende a necessidade de renovação da postura que
interroga a realidade e postula que o historiador dê asas a sua imaginação, para que
se possa pôr em causa a coerência/incoerência do mundo. A mudança é ainda aquela
do ponto de observação, de molde a permitir que aquilo que não é visível num nível
seja num outro. E, por último, indaga sobre os princípios da razão que organizam a
compreensão do real, na busca da deconstrução deste processo.
Neste sentido, a observação de Berman coincide, de certa forma, com a defesa
que Jean-Pierre Rioux^ faz sobre a mudança de perspectivas que nos afetam neste
final de século, mudanças estas que tocam no âmago das novas categorias e campos
de trabalho da História, e que são aquelas das representações, das sensibilidades, das
maneiras de ser e dos significados que os homens, historicamente, constróem sobre
o mundo e, com isso, constróem o próprio mundo.
Numa postura que se aproxima de ítalo Calvino^, poderíamos dizer que Marshall
Berman aposta que os olhos "vêem coisas" que falam de "outras coisas". Trabalhando
também com as representações, Calvino postula a atitude de contornar o real para
melhor chegar nele, o que implica uma reeducação do olhar para os historiadores,
além de um endosso de um instrumental teórico que passa por outros caminhos,
marcados pelo jogo interdiscursivo dos saberes.
No seu texto-resposta a Perry Anderson, Berman utiliza mesmo a expressão collage
para referir-se ao emaranhado de sinais e dados que o real fornece e toma o exemplo
das ruas da cidade que, de forma labiríntica e caleidoscópica, colocam a necessidade
de assumir uma atitude intelectual de busca e descoberta.
Tal como a cidade, que não se dá a ver de uma só maneira e que exige uma leitura
que decodifique os seus símbolos, o passado tem seus filtros e se apresenta também
ao historiador como uma alteridade dotada de mistério e que ele deve decifrar. Os
homens de outras épocas tinham seus códigos e suas lógicas, e o historiador vai
tentar ir ao encontro destes "outros" no tempo, que foram os homens do passado.
Ora, o historiador é alguém que pensa sempre uma alteridade no tempo e que busca
constituir uma inteligibilidade nasua relação com este outro. Tal como alertou Michel
de Certeau, "o ontro é ofantasma da historiografia. O objeto que ela procuray que ela
dignifica e que ela enterra''^.

2. Rioux, Jean-Pierre, "Introduction. Una domaine et un regard", in, Rioux, Jean-Pierre & Sirinelu,
Jean-François, orgs. Pour une histoire culturelley Paris, Seuil, 1997.
3. Calvino, Ítalo, As cidades invisíveisy São Paulo, Companhia das Letras, 1990.
4. De Certeau, Michel, Uécriture de Vhistoirey Paris, Gallimard, 1975. p. 8.
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Não há como deixar de pensar em outras posturas que também nos falam de
smais e traços, de indícios e buscas, numa tarefa detetivesca que aguarda o historiador:
o festejado Cario Ginzburg^ é o exemplo paradigmático de uma nova postura neste
século da historia" que se tomou o nosso.
Partindo de uma "filosofia" da suspeita, onde tudo é posto sob interrogação, o
historiador vai colocar suas questões, impor uma ordem ecompor um enredo diante
da multiplicidade de traços que lhe chegam do passado, de forma cifrada efragmentária,
tentando responder e decifrar este enigma que é a recuperação de um outro tempo.
O mundo mudou, mudou a História, mudaram os historiadores? Mudamos todos,
sim, mas sem fazer tábula rasa do passado, nem jogar na lata de lixo da História todo
aquele velho conhecimento acumulado, como dizem alguns, talvez incomodados com
os novos ventos que impulsionaram Clio neste final de século.
As afirmações se sucedem, reafirmando que as novas posturas se apoiam no
conhecimento adquirido, na bagagem cultural do historiador e no entendimento
inequívoco de que a mudança é motor da História, enunciado tão banal que é quase
dispensável reafirmá-lo sem um certo constrangimento... Roger Chartier^ nunca deixou
de afirmar que a História Cultural é, também, uma história social, tal como Rioux e
tantos outros.
Mas a mudança que seinsinua é a da atitude depensar as formas de representação
do mundo como construtoras do próprio real, fazendo do mundo imaginário uma
outra forma de realidade. Recuperando as palavras de Ezio Manzini sobre o real
como "um mundo que se parece", teríamos uma provocação para o debate neste
nosso fim de século, que repensa não só a História como a sua história:

*Nós sabemos hoje ser nossa invenção tudo o que, a partir das estimulações sensoriais se
transforma em modelos mentais e produz a idéia da realidade: aquilo que se apresenta a nós
como uma realidade é tem sido, sempre, uma 'realidade simulada*. Quer dizer, uma realidade
construída em nosso espírito a partir de uma interação entre as estimulações exteriores e uma
sedimentação cultural interior**^.

Tal afirmação coloca emxeque questões centrais para a História, como asdas fronteiras
da razão e dadesrazão, do real e do imaginário, da objetividade e dasubjetividade, do
verdadeiro e do falso, da totalidade e do micro, que comparecem no horizonte de
debate. Há,sem dúvida, um recuo das certezas quando tudoé posto sobinterrogação,
e se discute mais o "efeito de real" dosdiscursos e imagens do quea própria veracidade.
Resta saber se isto traz desconforto e insegurança para os historiadores, mas parece
que o milênio seencerra sem um conjunto decertezas reconfortantes ou umparadigma
consolidado que assegure a infalibilidade das respostas às questões que se colocam.
Em outras palavras, estaríamos numa era da dúvida, que não impõe limites ao
conhecimento, e que admitiria, finalmente, que os"sistemas deverdade" são transitórios
e datados. Assumindo esta postura, estaríamos conferindo uma positividade àsmudanças
que estão ocorrendo e que fariam do novo século que seabre uma era de modificações
ainda mais profundas para a História?

5. Ginzburg, Carlo, Mitos, emblemas, sinais, São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
6. Chartier, Roger, A nova História cultural, Lisboa, Difel, Rio de Janeiro, BertrandBrasil, 1990.
7. Manzini, Ezio, "Un monde qui semble", in, Traverses, 47, "Ni vrai ni faux". Paris, nov. 1989, p. 128.
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Porque, como diz Berman, há sinais pela rua, e desde há muito que eles estão aí,
mostrando que os historiadores colocam novas questões, formulam novos problemas,
debruçam-se sobre novos temas ou retomam aos velhos campos e documentos com
um agora novo olhar.
Esta palavra tem incomodado alguns, pois é tida como vazia. Mas, sem precisar ir
muito fundo no terreno das imagens ou metáforas, este novo olhar revela uma
predisposição dos historiadores para ler o "mundo paralelo" de sinais que percebe,
identifica, seleciona e qualifica o real vivido, e que tem sidoconstmído historicamente
em todas as épocas. Aliás, esta questão do olhar e de sua leveza é, significativamente,
levantada por ítalo Calvino, quando dá as suas "receitas para o próximo milênio" e
se refere a esta mudança de atitude:
"Não setrata absolutamente defuga para o sonho e o irracional. Quero dizer que preciso mudar
de ponto de observação, que preciso considerar o mundo sob uma outra ótica, outra lógica,
outros meios de conhecimento e controle. As imagens de leveza que busco não devem, em
contato com a realidade presente e futura, dissolver-se como sonhos..."®.
A historiografia brasileira das duas últimas décadas demonstra bem esta inflexão de
correntes e campos temáticos que orientam as escolhas dos historiadores. Na década
de 70, estas se orientavam para aquelas questões que mobilizavam o debate da época
e que diziam respeito, por um lado, às condições históricas em que se gestaram o
capital e o trabalho no Brasil, delimitando atores, práticas e a especificidade dos
processos, ao mesmo tempo nacionalis e locais. Por outro lado, os historiadores se
preocupavam com a natureza do estado polarizando as articulações políticas e as
configurações do poder em termos da oscilação, autoritarismo-democracia. A rigor,
estas eram as questões — em maiúsculo — que articulavam temas e objetos, no
terreno da pesquisa.
Já na década de 80, embora estas preocupações permanecessem, as influências da
escola inglesa, sobretudo thompsoniana, e davisão gramsciana sobre a política ampliaram
o campo da discussão historiográfica para os estudos da dominação e da resistência,
deslocando o próprio eixo da análise. Antes escorado na estrutura produtora, no
Estado, nos partidos e nas organizações classistas, o enfoque dirigiu-se para o campo
das condições de vida e de trabalho dos atores sociais, encaminhando-se progressiva
mente para a forma pela qual este se traduziu em valores. Com a recuperação da
contribuição francesa pela historiografia brasileira, o espectro classista da análise até
então dominante redefiniu-se para a inclusão de outros recortes do social que
contemplassem as diferenças e a presença dos múltiplos grupos que se emergem na
complexidade do real.
Nos anos 90, os historiadores de um novo perfil, que realizam uma nova história
cultural ou a nova história política, trabalham com o simbólico, com as representações,
os discursos, as imagens, com as práticas sociais e os ritos portadores de sentidos,
com o imaginário, enfim. Valendo-se de uminstrumental teórico-metodológico partilhado
com outras áreas do conhecimento e com métodos que osaproximam dos antropólogos,
eles dialogam com seus novos parceiros, no terreno da literatura, das artes e com os
já citados antropólogos.

8. Calvino, Ítalo, "Leveza**, in. Seis propostas para o próximo milênioy São Paulo, Companhia das Letras,
1993, p. 19.
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Seus campos se abriram, e a história "desde baixo" se cruza com a micro-história


ou com uma história das sensibilidades, assim como a história oral se articula com os
estudos sobre a memória e o cotidiano com a vida privada. Os estudos sobre os
imaginários articulam temas e objetos que vão desde o contexto urbano ao rural, da
"história do tempo presente" até épocas bem recuadas, onde os mitos imperam como
forma de dar resposta ao mundo, mas, ao mesmo tempo, a mostrar que viajam no
espaço e no tempo e chegam, até, numa declarada atualidade... Para tanto, basta ver
os temas que norteiam as pesquisas, as teses e que agregam os historiadores em seus
simpósios e congressos, particularmente na última década.
Neste conjunto, é possível divisar, na produção historiográfica brasileira, quatro
largas correntes:
— aquela queanalisa a escrita e a leitura, trabalhando como entrecruzamento dos discursos, as
condições de produção e recepção dostextos e quebusca apreender as representações elaboradas
pelos indivíduos em cada época;
— a de uma micro-história, que põe em cena a emergência do indivíduo e a retomada do
acontecimento, numamudança de escala da análise do social que visa a aprofundar a capacidade
de interpretação sobre o real passado;
— a quepropõe uma releitura do político através do cultural, resgatando asdimensões simbólicas
do discurso, das imagens, das práticas sociais e dos ritos institucionalizados;
— aquela de uma "história desde-baixo", retomada nãomais por um exclusivo enfoque classista,
da tradição e da resistência, mas a partir de uma perspectiva que repensa as formas de sentir e
expressar o mundo da "gente sem importância".
A partir destas correntes, que se entrecruzam em termos de questões temáticas e
teórico-metodológicas, os campos depesquisa mais significativos que oraseapresentam
neste final do século nos parecem apontar para o seguinte espectro:
— Os estudos que incidem sobre a cidade, não mais como locus ou cenário daação social, mas
como o próprio objeto de uma reflexão que se exerce sobre a emergência da modernidade
urbana, enfocando as representações que se articulam sobre os espaços e as práticas dos atores
da urbs. Tais estudos abordam aindaas metaforizações do social que se processam no campo do
urbano; as questões relativas à memória e ao patrimônio; as designações relativas à inclusão e à
exclusão social, logo, incidindo sobre a cidadania; as diferentes visões propostas e saberes que
sobre a cidade se constróem.
— Um campo que analisa as sensibilidades, ou seja, as formas pelas quais os indivíduos, através
da história, deram a perceber a si próprios e ao mundo. Buscando aproximar-se do que se
poderia chamar a "sintonia fina" ouo "chma deuma época" e ao expressar atitudes, sentimentos,
emoções, pensamentos, desejos e interesses, este campo se mescla com os estudos sobre o
imaginário social, resgatando o sistema de idéias e imagens de representação coletiva.
—Asanálises que trabalham com as identidades múltiplas e superpostas que seconstróem sobre
o social, anunciando a capacidade de historicamente produzir a noção de pertencimento diante
da manifestação da alteridade. Nacionais, regionais e locais, étnicas, de gênero, raciais, etárias, as
representações identitárias remetem àdiscussão dos mitos de origem dos estereótipos, das fronteiras
simbólicas e das ambivalências e ambigüidades contidas nas formulações de pertencimento.
— Uma história do tempo presente, que coloca o historiador face a acontecimentos que se
processam dentro da experiência do vivido e sobre os quais não é possível realizar a tradicional
análise ex-post, uma vez que estes acontecimentos não se encontram ainda concluídos eobrigam
o historiador a escrever a sua narrativa no que se chama "o calor da hora".
O panorama alargou-se, e, no nosso entender, este propalado "esfacelamento" do
campo historiográfico, antes de reduzi-lo a "migalhas", veio enriquecer os domínios
de Clio, renovar as pesquisas e ampliar as possibilidades de leitura do real.
18 Sandra Jatahy Pesavento

Em especial, quer parecer que, no caso brasileiro, as novas posturas de nossa fin
desiècle têm realmente sido capazes de dar conta dacomplexidade histórica brasileira,
das ambigüidades e ambivalências do seu processo identitário e das questões postas
pela contemporaneidade a seus intelectuais.
O anunciado ecletismo e a pluralidade deobjetos do campo historiográfico parecem
mostrar que a História seassumiu, defato, como o estudo daalteridade e daabordagem
da diferença. Estese revela mesmo um elemento nodal de inflexão dos estudos históricos
enquanto enfoque, considerando que, porsua vez, esta mudança é guiada pelo endosso
de um novo patamar epistemológico que possibilita assumir um outro ponto de
observação sobre o real. Desdobrando um pouco mais as decorrências de tal postura,
há um entendimento que também se afirma, com relação à temporalidade: a História
é, sobretudo, descontínua.
Mas os historiadores continuam ainda historiadores. Não desprezaram a pesquisa
em arquivos, nem o uso de conceitos ou de estratégias metodológicas para cercar o
seu objeto, mas seu trabalho comporta mais dúvidas que certezas... Sua atitude é a da
suspeita, dainterrogação permanente e dabusca de montar uma versão, o mais possível
aproximada daquilo que um dia teria ocorrido e no qual o historiador ancora o seu
horizonte de verdade.
Como diz Cario Ginzburg^, é preciso "mostrar e citar", e, tal como um juiz, ele
se vale de provas para emitir o seu julgamento, sem o que não se apresentarão como
"reais" os fatos narrados no texto histórico, nem se obterá o "efeito de verdade"
buscado pelo historiador. Ele está, pois, condenado à poeira dos arquivos, cujos
documentos são a sua matéria-prima para a compreensão do que é dito no texto e
para a apreensão extratextual.
Mudou, ainda, a linguagem do historiador, tomando-se mais "solta", mais leve,
mais... literária? Lúdica? Heresia para muitos que associam seriedade com sisudez,
mas aí estão os nomes insuspeitos de Roger Chartier, Cario Ginzburg, Jacques Le
Goff, Robert Damton, Peter Burke e muitos outros, paradizer que a Histórianão só
é "coisa séria" como estáviva, muito viva, mudou e — atenção — agrada muito nesta
mudança.
Mesmo porque, "fazer história" não pode seruma missão penosa ou sofrida, deve
ser algo que proporcione realizar e prazer, sem o que não há élan criador. Afinal de
contas, o historiador, mesmo lidando com o passado, pode ter como inspiração Eros,
e não Tanatos... E, por falar em alegorias, retomemos a Clio, imortalizada enquanto
imagem com a trombeta da fama, que, no plano dos significados, tanto anuncia a
verdade quanto simboliza o reconhecimento. Em versão modema, se Clio não detém
a exclusividade da verdade única, mas a persegue como um horizonte de aproximação
entre a narrativa construída e o que teria acontecido um dia, não há como deixar de
pensar na alardeada fama! Se a história tem sido sempre uma narrativa que responde
às indagações do seu tempo, ela busca, sem dúvida, ser reconhecida e legitimada,
como aliás todas as ciências ou artes. A aceitação e o que se poderia chamar de um
relativo sucesso na mídia neste final de século vêm, antes de mais nada, demonstrar
que esta história que se faz, neste fim de milênio, é algo que se apoia tanto nos
desejos do inconsciente coletivo como nas práticas sociais concretas dos homens de
seu tempo.

9. Ginzburg, Carlo, Le juge et Lhistorien, Paris, Verdier, 1997.


Sinais pelo ar 19

Alguns dizem que tudo isto é muito velho e conhecido e que jáse fazia desde há
muito, mas, ao que parece, tais leituras não distinguem um Michelet de Ginzburg, ou
Platão de Baczko, caminho este que não cabe enveredar em termos de uma explicação
maior, pela sua obviedade...
Por outro lado, apostar no imutável ou considerar que tudo já foi pensado e dito
é negar a própria compreensão da História, que pode ser tudo, menos o imobilismo.
Sinais pela rua e pelos ares, a afirmar que neste século nunca se escreveu e nem se
leu tanto sobre História, e que Clio há de entrar o novo milênio mudando sempre.
In questo numero delia

RIVISTA Dl STUDI PORTOGHESI E BRASILIANI

Ettore Finazzi Agrò


Editoriale

MONOGRAFICA
Passaggi di secolo / fine millennio
Sandra Jatahy Pesavento
Sinais pelo ar

Helena Carvalhào Buescu


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ISSN 1129-4205

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