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Mestrado em Direito
Rio de Janeiro
2007
Daniel Arthur Quaresma da Costa
Rio de Janeiro
2007
Dissertação em Mestrado em Direito intitulada “Dano Social nas Relações de
Consumo”, de autoria do mestrando Daniel Arthur Quaresma da Costa, apresentada ao
curso de Mestrado em Direito da Universidade Gama Filho e sustentada perante a banca
examinadora constituída pelos seguintes professor es:
____________________________________________________ ____________
Prof. Dr. Guilherme Calmon N ogueira da Gama – Universidade Gama Filho Pontuação
____________________________________________________ ____________
O candidato foi considerado ______________ com média final igual a ______ (_____________)
Rio de Janeiro
2007
DEDICATÓRIA
The objective of this essay is to study about how to use the civil respon sibility as a
useful instrument to assure that the constitutional principles of the Brazilian economical
activities, specially the ones related to the consume relations. Through jurisdiction
and bibliographical research the new table of moral contents of t he private law, the
influence of the fundamental rights in the private relations and how this tendency
changes and regulates the consumerist relations were analyzed. To reach this objective,
this essay was divided into three different parts. The first part consists in an analysis of
the evolution of the private law, showing which are the principles of the 2002 Civil
Code and all laws. On the second part, a study about the existing interdisciplinary
among the fundamental rights and the private relations is presented, emphasizing
at the end the consequences of those relations with the economic activity. Finally, the
third and last part is dedicated to the analysis of the consumers’ vulnerability related to
the suppliers, the possibilities of those suppliers ex ploit the consumers and the search of
a solution for the cases in the civil responsibility.
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10
1 DIREITO CIVIL 15
CONSTITUCIONAL ............................................................................ ............................
CONCLUSÃO................................................................................................................. 118
desafios aos mais variados ramos da ciência. No caso das ciências jurídicas, não poderia
riscos. Estes, por sua vez, gerados pelos avanços da biotecnologia, telecomunicações,
Direito novas normas que venham a dar forma jurídica às relações cada vez mais
complexas tanto na área pública quanto privada. Na sociedade civil , constata-se que
já não atende às expectativas sociais, pois seus modelos abstratos de relações jurídicas
privado, porque traz em si um misto de ssas duas áreas. Para atuar como núcleo do
temática da eficácia dos direitos fundamentais naquele âmbito de relações. Com isso,
método a ser utilizado para a correta aplicação dos direitos fundamentais no campo
privado?
das relações privadas como no antigo ideal liberal. Afinal, muitos particulares detêm
bens jurídicos que são fundamentais para a manutenção da dignidade humana dos
sociedade, chegam a rivalizar com o próprio Estado. Neste contexto, torna -se dever
estatal intervir nas relações privadas cujo desequilíbrio gera exploração para que a
Exposto às mais variadas práticas abusivas, é preciso um método jurídico para garantir
fornecedor, atuando com respeito à função social da empresa, não se desvie da conduta
ética esperada. Afinal, é sabido que, por adotar políticas padronizadas, o fornecedor que
desvia sua conduta não prejudica apenas um ou outro consumidor, mas toda uma
coletividade.
consumidores.
12
Para tanto, será necessário num primeiro momento fazer uma análise da
desenvolvimento do direito privado em tempos mais remotos. A razão dessa opção deu -
se porque basta a comparação da atua lidade com a ideologia liberal e social para atender
Moderno o novo direito privado tentará solucionar. É também nesta fase do trabalho
que será feita uma análise do dese nvolvimento do direito privado no Brasil, com suas
que o orientam. Para a tarefa proposta, foram fundamentais as obras de Miguel Reale,
Judith Martins-Costa, Ricardo Luis Lorenzetti, César Fiúza, Maria de Fátima Freire de
segundo capítulo é feita uma análise sobre a intensidade em que esses direito s penetram
nas relações privadas e como aplicá -los. Também nessa oportunidade dissecou -se o
princípio da dignidade da pessoa humana, para que se possa saber o seu conteúdo (na
capítulo foi, ao analisar as cláusulas gerais presentes na área do direito privado procurar
saber qual a técnica legislativa utilizada para viabilizar ainda mais a incidência dos
Sarlet, Maria Celina Bodin de Moraes, Gustavo Tepedino, L uiz Edson Fachin, Juan
Por fim, no terceiro e último capítulo é feita uma proposta sobre como
contra atos abusivos nas relações de consumo. P ara isso é feito primeiramente um
Após essa fase, é feito um estudo sobre o abuso do dir eito no Código Civil e nas
trabalho com o exame de uma nova espécie de dano extrapatrimonial: o dano social.
Neste ponto, é também abordado o tema da reparação punitiva, sua apli cação no caso de
atos abusivos nas relações de consumo e a destinação dos valores a ela referentes.
Moraes, Sérgio Cavalieri Filho, Fábio Ulhoa Coelho e outros, além da jurisprudência.
modernos, partindo sempre das determinações constitucionais para só então analisar -se
a lei infraconstitucional.
14
sociedades ao longo do tempo. O direito privado, nesse contexto, é um dos ramos mais
antigos da ciência jurídica, e é por isso me smo que ele traz em sua estrutura sinais dos
Liberal, e que deram inicio aos tempos modernos foram a descoberta d o Novo Mundo,
a subjetividade aparece como princípio fundamental, dessa forma o ser humano aparece
novamente como foco das produções filosóficas e culturais, resgatando valo res e idéias
1
Afirma-se que o paradigma da modernidade teria se iniciado por volta de 1500, portanto um pouco antes
do estabelecimento do Estado Liberal enquanto paradigma. Para mais informações a respeito, v.
AMARAL, Francisco. O Direito Civil na Pós Modernidade. In: FIUZA, César; FREIRE DE SÁ, Maria de
Fátima; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (coord.). Direito Civil: atualidades. Belo Horizonte: Del
Rey, 2003. p. 62 – 77.
2
Autor cit. op.cit. loc. cit.
16
pensadores, como John Locke e Adam Smith publicarem obras defendendo os direitos
estatal. É o fim dos tempos para o Estado Absoluto e o início para o Estado Liberal.
acabou rompendo com as tradições do ancien regime dando início a uma nova forma de
ao procurar por valores universais (que posteriormente tomaram a forma dos direitos
3
Autor cit.. Op. cit., loc. cit.
4
CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao Direito Privado. Tradução: Carlos Eduardo
Lima Machado; revisão Eduardo Brandão – 2. ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 164, 165.
17
fundamentais) que não poderiam ser ignorados nem pela lei, nem pelo Estado. Este
movimento influenciou de tal forma o modelo estatal e o direito privado que se chegou
ao ponto de ser esse o principal conjunto normativo daquele. Ou seja, o direito privado
obra o Tratado do Governo Civil, de 1689, já afirmava que era dever do Estado não
piorar a vida civil de seus cidadãos. Se estes eram livres e iguais no Estado de Natureza,
caberia ao governo manter essa mesma liberdade e igua ldade entre eles. Este pensador
chega a defender a tese de que, caso o cidadão tenha sua liberdade e outros direitos
fundamentais tolhidos pelo Estado de forma abusiva, o povo tem o direito de revoltar -se
contra o governo. A doutrina deste filósofo é funda mental para entender o projeto
político-filosófico do Estado Liberal e dessa fase do direito privado, já que tem por
5
“Assim, na concepção lockeana, convivem, simultaneamente, o Estado Civil com o Estado de Natureza.
O Estado Civil é erigido para garantir a vigência e proteção dos direitos nat urais que correriam grande
perigo, no estado de natureza, por encontrarem -se desprotegidos. Assim, é a guerra e a desordem que
ameaçam os homens e os motivam a formar as regras que constituem o modo de vida regido pelo Estado
e pelas leis. (...)
Outra peculiaridade do pensamento de Locke é sua posição a favor do direito de resistência. Locke baseia
sua posição na impossibilidade de os magistrados, cuja autoridade fundamenta -se na proteção dos direitos
naturais, desrespeitarem a “lei natural”. Caso isso ocor ra, a oposição dos cidadãos é totalmente legítima.
(...)
A originalidade da obra de Locke está em sua radical defesa dos direitos naturais, que não são inatos, mas
de fácil apreensão pela razão e não podem ser desrespeitados pelo “estado civil” que é insti tuído,
exatamente, com o intuito de assegurar sua proteção. A sociedade é, então, apenas o artifício para
manterem-se os direitos naturais, e não pode corrompe -los, desvirtua-los ou suprimi-los. BITTAR,
Eduardo Carlos Bianca. Curso de Filosofia do Direito. 4. ed. – São Paulo: Atlas, 2005. p. 232 - 234.
18
Sendo assim, o Estado deveria não só abster -se, mas garantir condições para
que a liberdade – na forma da autonomia privada – fosse exercida de forma plena, por
todos. Dentro dessa mesma filosofia, deveria também o Estado dar um tratamento
Administração. 6
sofreu ainda outra forma de in fluência do iluminismo. É que a razão iluminista gerou a
busca da universalidade.
Nesse diapasão, o formalismo jurídico não tardou a manifestar -se. Essa linha
cujo alcance social seria ilimitado. Nesse sentido, afirma Francisco Amaral:
6
Importante lembrar que, também nesse período, Montesquieu inspirava o mundo com sua obra “O
espírito das leis” (1748), onde se afirmava que o poder deveria ser tripartido em legislativo, executivo e
judiciário, para melhor funcionamento do Estado.
7
AMARAL, Francisco. Op.cit.p. 69-70.
19
o num sistema. Tal fato veio a criar as codificações, que sistematizavam as normas
histórico realçou a necessidade de se ter leis de caráter geral e abstrato, já que a sua
direito privado apresenta-se, por isso, como verdadeiro produto de seu tempo, porque se
quer que fosse. Sendo assim, até as mais heterogêneas facções da sociedade es tariam à
afirma R.C. van Caenegem que a corrente iluminista rompeu com velhos dogmas e
8
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2006. p. 2-3
9
CAENEGEM, R. C. van. Op. cit. p. 178
20
matematicamente pensado, com leis físicas que podiam ser logicamente provadas
p. ex.) contribuiu para essa influência no direito. Além disso, a codificação contou
também com apoio social porque a mesma era agora sinal de um novo tempo, onde ao
Estado não cabia mais assegurar a glória de Deus, mas sim o bem comum dos cidadãos.
Todo esse projeto político -filosófico resultou para o direito num novo
divisão de um conceito em duas partes, normalmente contrárias
paradigma. Criou-se a dimensão dicotômica do direito público e do direito privado. O
a estabelecer basicamente deveres de não interve nção estatal na vida dos cidadãos,
regendo assim as relações entre o Estado e seus governados. Noutro giro, tem -se o
direito privado, este reforçado pelo movimento de codificação daquele direito natural
postulado nos moldes iluministas, constituindo o Códi go Civil o centro jurídico das
para o mesmo. Dentre as várias transformações, é seguro afirmar que esta fase histórica
10
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. 2. ed – Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2006, p. 12.
21
que o Estado não deveria intervir na autonomia privada e garantir a segurança das
primado da lei, que seria a realização da vontade popular. Também a lei passou a ser
ordenado de normas abstratas de aplicação geral que tinha por cons eqüência romper
com o aspecto histórico, contínuo e dinâmico do direito, apostando num sistema mais
fechado, estático e imutável, porque universal. E por fim, consagrou -se a dicotomia
de direitos fundamentais: a primeira, dos direitos civis, donde o Estado deveria respeitar
responsabilidade civil.
Sob as idéias deste Estado Mínimo, onde a “mão invisível” das leis naturais
mais ampla área de atuação e as pessoas seriam livres para produzir bens e serviços da
forma como lhes fosse mais conveniente. A economia, num primeiro momento, reagiu
11
Para aprofundar mais na evolução dos direitios fundamentais, v. CALMON, Eliana. As Gerações dos
Direitos e as novas tendências. In: ALENCAR, Fontes de. (org). Ensaios Jurídicos. Brasília: Superior
Tribunal de Justiça, 2003, p. 108 e 109.
22
bem a esse novo contexto, mas logo os problemas decorrentes dos excessos de liberdade
servanda foram utilizados para justificar as mais estranhas e injustas relações jurídicas.
liberalismo levaram à necessidade de ação por parte do Estado, que antes apenas se
abstinha. A partir de então, criou -se o intervencionismo estatal. Chegou -se à conclusão
de que a abstenção estatal completa e absoluta na vida particular dos cidadãos apenas
fracos.
Estado interventor e provedor, garantidor dos chamados direitos sociais. Ou seja, com o
Estado Social veio também mais uma dimensão para os direitos fundamentais. Eliana
12
Para saber mais detalhes sobre essa passagem histórica, v. ARRUDA, José Jobson de A.; PILETTI,
Nelson. Toda história – história geral e história do Brasil. 7. ed. São Paulo: Ática, 1997. p. 128 -183
23
Tem início com uma visão ainda individual: a igualdade real de cada
um, merecedora de proteção do Estado – direito à educação, ao pleno
emprego, à segurança, etc. 13
seu máximo grau, suas características paternalistas. Sob esse aspecto, os Estados
Várias novas constituições foram promulgadas nessa fase, haja vista que
vários Estados deixaram de ser capitalistas para adotarem o modelo socialista e os que
não o fizeram, adotaram a filosofia política do welfare state. Fábio Ulhoa Coelho,
comentando este evento histórico, chama a atenção para o fato de que os países que não
que as vantagens sociais oferecidas pelo sistema socialista eram deveras sedutoras aos
fundamentais. Isso quer dizer que a relação do Estado com o indivíduo foi a seara que
compromissos com este. No plano das relações privadas, houve muito po ucas
13
CALMON, Eliana. Op. cit. p. 108-109.
14
“Ora, o estado do bem-estar social nunca foi visto pelos marxistas como um resultado positivo da
evolução capitalista, mas simplesmente como um meio de conter as insatisfações do operariado quanto às
condições de vida a que se encontram sujeitos. Um meio bastante caro, mas que valia a pena à burguesia
utilizar para impedir que tais insatisfações pudessem se traduzir em revoluções socialistas.”COELHO,
Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, V. 1 . 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 6.
24
direito que passa a desafiar a então tradicional dicotomia direito público/direito privado,
já que se trata de um sistema cujas normas ora se apresentam com conteúdo publicista,
A ciência jurídica então, passa a ter dois pl anos de análise jurídica com
abordagens bem distintas entre si. No plano do direito público, aplicam -se as normas
direito privado, as questões jurídicas – pelo menos dos Estados capitalistas – ainda eram
decididas basicamente dentro do sistema do Estado Liberal, com inspiração nos direitos
risco de inclusive o julgador fazer uma leitura da Constituição a partir das premissas do
Esta talvez tenha sido uma das últimas fases do direito enquanto instituto
consolidado nos moldes do Est ado Moderno. Isso porque a partir das últimas décadas
fronteiras do Estado-Nação provedor, passou a ter ma ior facilidade para interagir com
outras pessoas de outros Estados, de outras sociedades. Passou -se a ter acesso aos
estranhos, estrangeiros. Tal fato gera, segundo Anthony Giddens, dois efeitos: um de
15
Para maiores informações a respeito dos efeitos da globalização no mundo, v.GIDDENS, Anthony.
Mundo em Descontrole. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges – 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.
25
que o ser humano agora passa a ser cidadão do mundo, já que as forças das fronteiras do
econômico, político, social e jurídico – pois os indivíduos agora têm mais acesso a toda
todas as espécies também deixam de ser locais e passam a ser globais. Terrorismo,
aquecimento global, pirataria de produtos, venda de bens ilícitos pela Internet são
inéditas. Com a interação das mais diversas pessoas, dos mais diversos locais, a vida
Mas outro efeito também a pontado por Giddens, é que tais transformações
deixam o mundo inseguro, o que leva alguns grupos sociais a um movimento contrário
conforme já se afirmou, o plano constitucional já havia sido alterado. Isso quer dizer
que nas relações do Estado com os indivíduos, os direitos fundamentais de 2ª. Geração
já estavam consolidados, contudo nas relações privadas o mesmo não se dava ainda.
16
Autor cit. Op.cit. Loc. Cit.
26
Privado, dentre outros – passa-se a ser necessário repensar o direito privado e sua
e seus meios de tutela processual, que se colocam entre a figura estatal e a figura do
fatores levaram à gênese dos direitos fundamentais de 3ª. Geração, como o direito ao
direito privado. O sistema de codificação do direito privado deu -se primeiramente não
na seara do direito civil, mas no direito comercial. O código comercial brasileiro teve
sua gênese em 1850, ainda sob o governo de Dom Pedro II. Claramente influenciado
pelo código francês, o governo brasileiro tratou de criar naquela época seu próprio
código. E a tradição da codificação nesse país é tão for te que este código até os dias
atuais vigora em sua 2ª. parte, sendo que a primeira somente em 2002 perdeu sua
Na área cível, não se pode dizer que o Brasil tenha sido tão ágil. Antes da
Nada mais natural que o anseio por um Código Civil brasileiro após a
independência, já que, conforme já se afirmou supra, nos idos do século XIX, o código
código próprio que a Constituição de 1824, em seu art. 179, no. 18, chegou a se referir
Código Civil. Apesar de não ter resultado no código definitiv o, o projeto foi tão
apreciado pelos juristas da época, conforme narra Washington de Barros Monteiro, que
parte do trabalho foi aproveitado na confecção do Código Civil argentino, “cujo ramo
mais deficiente, o direito das sucessões, não pôde contar com a i nspiração do genial
jurisconsulto.” 19
criar ou de aprovar o Código Civil, dentre eles, pode -se citar Nabuco de Araújo – que,
Teixeira de Freitas – e Joaquim Felício dos Santos. Comissões também foram montadas
17
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, 1º.vol. 28. Ed. São Paulo: Saraiva, 1987 –
1989. pp. 45 – 50.
18
Afirma Washington de Barros Monteiros que “Com a ruptura dos vínculos, cogitou -se desde logo da
elaboração de um Código Civil, aspiração da consciência jurídica nacional, que viesse a cimentar a união
das províncias e consolidar a unidade política do país.
Esse anseio generalizado por legislação própria estava presente quando o governo imperial
expediu a lei 20 de outubro de 1823, mandando vig orar em todo o território nacional as ordenações, leis e
decretos de Portugal, enquanto se não organizasse um novo Código.” Autor cit. Op. cit. p. 47.
19
Autor cit. op. cit. p. 48
28
no sentido de realizar essa tarefa, mas a proclamação da República impediu que seus
Código Civil, mas este também não logrou êxito em seus esforços. Posteriormente,
Clóvis Beviláqua foi nomeado para o encargo. Após seis meses, estava pronto o projeto,
que sofreu árduas críticas de Rui Barbosa e Ing lês de Sousa. 20 Mesmo assim, o projeto
1916, bem mais tarde do que se almejava, já que a intenção era ter um código
Durante mais de 80 anos, esse foi o Código Civil em torno do qual girou o
direito privado brasileiro, tendo suas instituições influenciado todos os demais ramos do
direito privado e também inspirado alguns ramos do direito público. Sua significân cia é
tamanha que pode-se dizer que até a virada do século XX para o século XXI, as
situações jurídicas de direito privado eram solucionadas pelo judiciário tendo o Código
Civil e seus princípios como fonte primária e a Constituição como fonte secundária.
vontade das partes contratantes, ao criar limitações para contratar com a lei de usura e a
ação renovatória, por exemplo. E, por fim, em 1980, alguns sinais de mudança mais
20
Autor cit. op.cit. p. 48 e 49.
29
legislador assistira em 1916 . O Brasil já era um país que contava com a maior parte de
sua população nas cidades e a economia já não era exclusivamente carregada pela
agropecuária. Para se ter uma idéia, relatam José Jobson de A. Arruda e Nelson Piletti
que em 1950, foi constatado qu e apenas 36% da população encontrava -se nas cidades
entre 1945 e 1964 foram bastante similares aos dos efeitos negativos do liberalismo no
restante do mundo. E de 1964 a 1988 não se pode dizer que a situação tivesse
21
ARRUDA, José Jobson de A.; PILETTI, Nelson . Op. Cit. p. 320.
22
“Os bens produzidos pelas indústrias ficaram acessíveis apenas a uma pequena parcela de brasileiros,
aqueles que conseguiram superar os níveis mínimos de subsistência. Continuou marginalizada, política e
economicamente, a maior parte d a população, constituída de trabalhadores que recebem salário mínimo
ou menos, de subempregados ou desempregados. A renda produzida pelos brasileiros ainda não se
transformou em hospitais, escolas, casas e centros de promoção humana. Em 1980, 7 milhões de crianças
de 7 a 14 anos não freqüentavam escola, apesar da obrigatoriedade constitucional, e metade dos
municípios brasileiros (quase 2000 deles) continuava sem médico residente.” Autores cit. op. cit., loc. cit.
30
Constituição de 1988. Pela via constitucional, alterou -se o direito privado, pois não se
pode perder de vista que o Código Civil de 1916 fora pensado para uma sociedade
moderna, cuja população encontrava -se ainda em sua maioria no meio rural. Sendo
Gustavo Tepedino:
eventos históricos nacionais, também teve regulamentação alterada desde 1916. A lei da
adoção, o estatuto da mulher casada, de 1962, a lei de alimento (lei 5478 de 1968), a lei
institui princípios que alteram a estrutura do direito de família que existia no Código
mulheres em seu artigo 5º., I, acabou com o paradigma então vigente de que o homem
23
TEPEDINO, Gustavo. Normas Constitucionais e Direito Civil na Construção Unitária do Ordenamento.
IN: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (coord.). A constitucionalização do Direito
– fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2007. p. 309.
31
era o chefe de família – papel que deixava a mulher em segundo plano (o que é
constitucional). Também reconheceu -se a existência jurídica da união estável (art. 226,
a ter tratamento jurídico igualitário (art. 227, parágrafo 6º.) aos filhos havidos na
função social (inciso XXIII do art. 5º. e 170, III, 182, parágrafo 2º. e a art. 186, todos da
pensar o direito privado. Essa é, por exemplo, a intenção de Luiz Edson Fachin, ao
sustentar:
sociais, harmonizando-o com as novas leis (como a lei de divórcio, alimentos, código de
24
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil à luz do Novo Código Civil Brasileiro . 2. Ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 8 -9.
32
jurisprudenciais.
com sua importância reduzida, devido ao fato de que, como demonstrado acima, cada
Estes, por sua vez, esvaziavam o c onteúdo do Código Civil e passam a ser amarrados
Código Civil afasta-se cada vez mais do centro nuclear do direito privado, deixando que
promulgação de seu atual Código Civil, cujo projeto foi desenvolvido sob a
25
LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,
1998. p. 55
33
codificação, em 2002, promulgou -se no Brasil o Código Civil que veio a substituir o de
191626. O seu anteprojeto contou com a coordenação de Miguel Reale, que foi nomeado
prosseguimento aos trâmites necessários. 27 Entretanto, o projeto do Código Civil não foi
promulgado naquela ocasião e foi assim que o mesmo passou por 32 anos de trâmite até
a sua promulgação.
Essa é uma das razões pelas quais se critica o Código Civil de 2002. Devido
26
Será demonstrado mais adiante sob quais aspectos tem -se pensado o direito privado, bem como quais as
alternativas para se lançar mão de um direito privado eficaz no Brasil.
27
REALE, Miguel; MARTINS -COSTA, Judith. História do Novo Código Civil. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2005. pp. 19 – 34.
34
argumentam:
afirmando:
Não tem cabimento afirmar -se que o novo Código Civil, dado o
longo tempo decorrido desde seu envio ao Congresso Nacional,
estaria desatualizado, pois conforme já tive ocasião de esclarecer,
jamais se perdeu a oportunidade de introduzir no texto as alterações
exigidas por motivos supervenientes. 30
tem sido criticada, repensada e corre o risco de tornar -se obsoleta. Nessa mesma linha,
verifica-se ainda que o diploma legal deixa de regular questões importantes da nossa
28
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Op. cit.. p. 5.
29
REALE, Miguel; MARTINS-COSTA, Judith. Op. Cit. p. 32
30
Autores cit. op. cit. p. 44.
35
Nogueira da Gama, ao afirmar tal medida parece ter o objetivo de manter uma certa
microssistemas”. 32 Neste ponto, a visão converge com a do próprio Miguel Reale, que
codificação. Ou seja, afirma -se que não há como se interpretar o Código Civil atual com
31
Autores cit. op. cit. p. 36
32
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Op. Cit. p. 7
33
Afirma Miguel Reale: “É indispensável, porém, ajustar os processos hermenêuticos aos parâmetros da
nova codificação, pois, como nos ensina o insigne filósofo Hans Georg Gadamer – falecido recentemente
aos 102 anos – , a hermenêutica não se reduz a m ero conjunto de normas interpretativas, porque é da
essência mesma da realidade cultural que se quer compreender. Nada seria mais prejudicial do que
interpretar o novo Código Civil com a mentalidade formalista e abstrata que predominou na compreensão
da codificação por ele substituída. REALE, Miguel; MARTINS -COSTA, Judith. Op. Cit. p. 52
36
fazer uma leitura do direito privado a partir das premissas da Constituição de 1988.
constitucionais na esfera privada, será demons trado oportunamente neste trabalho. Para
adotadas pelo Código Civil para que seja possível sua interpretação em harmonia com
diretrizes axiológicas do mesmo. Dissertam Judith Martins -Costa e Gerson Luiz Carlos
privado já não cabe ao Código Civil, mas sim à Constituição. Segundo porque, ainda
que tal papel coubesse ao Código Civil, este certamente não logrou êxito na unificação
do direito privado, haja vista que vários microssistemas – inclusive o que diz respeito à
34
TEPEDINO, Gustavo. Op. cit. p. 319.
35
MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo Código Civil
brasileiro. São Paulo, Saraiva, 2002. p. 45.
37
crédito típicos continuam sendo regulados por suas próprias leis, sendo que o Código
importante, já que o cenário social no qual o Código de 1916 foi promulgado era
projeto atualizar o Código Civil com a realidade da sociedade civil, muitos assuntos de
grande importância ficaram de fora. E a explicação para essa ocorrência, foi a de que
outra diretriz estratégica seria a de não incluir matérias não consolidadas no Código,
36
REALE, Miguel; MARTINS-COSTA, Judith. Op. Cit. p. 36.
38
conforme já citado supra. Essa decisão estratégica acaba por abrir ainda mais espaço
para a manutenção dos microssistemas, que passarão a coexistir com o Código Civil.
pretensão deste era a de conter, sozinho, todo o ordenamento jurídico afastando -se a
O atual, por sua vez, tem a pretensão de ser centraliz ador. Apesar de questionável
esse objetivo é sem dúvidas mais próximo da vida contemporânea. Por essa razão, a
atual codificação abre um espaço maior em seu sistema para q ue suas determinações
que nos dizeres de Reale, não têm “a preocupação de excessivo rigorismo conceitual, a
37
Autores cit. op. cit. loc.cit.
38
Autores Cit. Op. cit. p. 37
39
cotidiano das relações jurídicas respeitando e zelando pela dignidade da pessoa humana.
É o dever de tratamento interpessoal, que exige dos in divíduos uma conduta digna, de
parceria e boa-fé, que tende a desafiar a máxima popular “o mundo é dos espertos”.
principal instrumento da eticidade no atual Código Civil é a boa -fé objetiva. Este
instituto, que orienta todo o sistema, aparece no Código de 2002 em seus artigos 113,
da boa-fé subjetiva, cuja base de análise é o estado anímico, psíquico e volitivo da parte,
a boa-fé objetiva tem bases mais sólidas. O que se quer é avaliar se a conduta do
indivíduo é aceitável pelos padrões morais sociais. Neste sentido, afir mam Judith
Reale, mas também da dialética histórica de Hegel. 43 Sendo assim, o Código Civil atual
39
Definição dada pelo próprio Reale, v. Autores cit. op. cit. p. 57
40
Valor iluminista que, somado à igualdade e liberdade, somam a expressão máxima dos direitos
fundamentais. Contudo, apesar de estar no mesmo patamar de importância da igualdade e da liberdade, é
de se observar que, dentre os três, a solidariedade parece ter sido abandonada no esquecimento durante o
desenvolvimento do Estado Liberal, vindo a ser resgatada no paradigma do Estado Social e inserida no
âmbito constitucional dos Estados Sociais, fossem comunistas ou partidários do welfare state.
41
Estes artigos serão melhor examinados no tópico “1.3”, ao analisar -se o sistema de cláusulas gerais.
42
MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Op. cit. p. 63.
40
deve interagir com a realidade social e seus valores sociais. Para que seja possível sua
aplique adequadamente a norma a cada caso. Nesse sentido, seguem Judith Martins -
impõe uma função aos institutos de direito privado, gerando um compromisso dos
mesmos com a coletividade. É mais uma vez um des dobramento do valor solidariedade
na seara do direito privado. 45 Os artigos 421 e 1228 são dois exemplos deste princípio
técnico. Segundo Reale, trata -se da “decisão tomada no sentido de estabelecer soluções
Direito”. 47 Talvez esse princípio seja mais uma técnica utilizada que um instrume nto de
hermenêutica, propriamente dito. Isso porque este princípio teve por objetivo criar no
também da aplicação dos di reitos fundamentais e sua influência sobre o sistema dos
46
REALE, Miguel; MARTINS -COSTA, Judith. História do Novo Código Civil. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2005, p. 28.
47
Autores cit. op. cit. p. 40
42
PRIVADAS
estruturado nos moldes da filosofia burguesa do Estado Liberal. Tal fato implicou na
ciência jurídica em dois campos: o conjunto de normas que regem a relação do Estado
com seus cidadãos e o conjunto de normas que regem a vida privada dos cidadãos na
sociedade.
contém direitos positivos e negativos, que os cidadãos podem opor ao Estado como
qual giraria todas as normas do direito privado. Tal fato por si só já afastaria a
incidência dos direitos fundamentais, mas não é só. Toda a estrutura da ciência jurídica
então criada para as relações privadas tinha por fundamentos valores patrimoniais, de
forma que toda a estrutura desse ramo do direito estava voltada para a garantia da
privado e suas implicações. Isso porque não são raras as situaçõe s em que um ente de
direitos fundamentais e sua eficácia nas relações privadas, pondo em risco a tradicional
direito privado tradicional, por outro, constata -se na realidade que determinados suj eitos
privados possuem tanto poder e tanta autoridade que se tornam mesmo capazes de
impor sua vontade a outros sujeitos, tornando desigual as relações desta seara do direito.
Sendo assim, o poder já não está mais concentrado apenas nas mãos do Estado, mas
sociedade, sendo que se torna necessário encontrar soluções jurídicas para as situações
48
UBILLOS, Juan Maria Bilbao. En qué medida vinculan a los particulares los derechos fundam entales?
In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado . 2 ed. rev. e
amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 304.
44
limitativo da autonomia da vontade da parte mais fraca. Também nesse sentido, o autor
supramencionado afirma que o direito “tiene que afrontar e sa realidad y dar una
jurídico privado.” 49
Juan Maria Bilbao Ubillos 51 e Daniel Sarmento 52 relatam que, para aplicar
eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, também chamada de doutrina
da state action. Por ser de tradição extremamente individualista e por ter forte influência
dos ideais da doutrina liberal ainda nos dias de hoje, o sistema jurídico e o sistema
judiciário dos Estados Unidos ainda são muito resistentes em admitir a chamada
privado age no lugar do Estado, como se fosse este, seria possível estender a eficácia
dos direitos fundamentais às relações privadas, razão pela qual a doutrina leva o nome
de state action.
aos poderes estatais, não admitindo – exceto em relação à escravidão – que os mesmos
49
Autor cit. op. cit. p. 305
50
A expressão, segundo tradução realizada em artigo de Eugêni o Facchini Neto, significa eficácia frente a
terceiros dos direitos fundamentais. Para maiores detalhes, v. FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões
histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.).
Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado . 2 ed. rev. e amp. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006, p. 43.
51
Autor cit. op. cit. pp. 309 – 321.
52
SARMENTO, Daniel. op.cit. pp. 185 – 232.
45
fundamentais nas relações privadas. Outro argumento desta teoria, trazido ao Brasil por
relações privadas a menos que as atividades exercidas pelos sujeitos de direito privado
sejam de natureza essencialmente estatal, ainda que não haja delegação. Nos demais
que a esfera federal – legislativa, executiva ou judiciária – do Estado não poder editar
normas privadas que criem essa eficácia dos direitos fundamentais nas relações
privadas.
fundamentais na esfera privada. Esta é a teoria mais aceita na Alemanha e consiste num
nível intermediário entre a negação e a total incidência dos direitos fundamentais. Para
ela, esses direitos não teriam uma incidência direta no direito privado, sendo possível
53
Autor cit. op. cit. p. 189.
46
direito privado para que os direitos fundamentais ali se manifestem. Essas passagens são
criadas por meio de cláusulas gerais de conceito indeterminado, onde o juiz, por meio
privado. Juan Maria Bilbao afirma que a técnica desta doutrina se dá da seguinte forma:
concedida ao juiz pela teoria que será a seguir exposta: a teoria da eficácia imediata dos
direitos fundamentais nas relações privadas. É nesse sentido que Daniel Sarmento
relata:
via legislador – ou por meio da interpretação do judiciário quando este estiver diante de
uma cláusula geral para solucionar as demandas, situação em que caberá ao judiciário –
54
UBILLOS, Juan Maria Bilbao. Op. cit. p. 311
55
SARMENTO, Daniel. op. cit. p. 198
47
respeito, o judiciário não poderá aplicar esses direitos nas relações privadas.
direta dos direitos fundamentais nas relaçõe s privadas. Esta teoria, também de origem
originalmente germânica, essa doutrina não prevaleceu naquele país. Segundo essa
corrente, os direitos fundamentais são oponíveis erga omnes, pois os riscos ao bem estar
social hoje não advém apenas ao Estado, mas sim de vários sujeitos de direito privado.
Caso numa determinada demanda, não haja normas – seja de conceito vago
princípios e leis constitucionais para serem aplicados diretamente nos casos concretos
que envolvam relações privadas. Daniel Sarmento, citando Canotilho, expõe o critério
afirmam que se deve ter um cuidado para que a autonomia privada não seja
desigualdade na relação jurídica privada é um dado que não pode ser desconsiderado.
56
Autor Cit. op. cit. pp. 209 – 210.
48
ressaltar que no processo não se pode sacrificar a dignidade da pessoa humana, que se
normas com conteúdo coerente com a Constituição de 1988, além de ter criado no
sistema de direito civil, empresarial e consumerista cláusulas abertas por onde o juiz
que ao criar sua sentença determinativa, o juiz jamais poderá afastar -se dos valores que
permeiam a dignidade da pessoa humana. E o mesmo pode ser afirmado quando houver
normas constitucionais. A busca pela dignidade da pessoa humana será sempre o alvo a
Sendo assim, cabe fazer algumas considerações a respeito dos valores que
sistema, é o princípio da dignidade da pessoa humana, present e no artigo 1º., inciso III
públicos e, conforme já afirmado, também nas relações privadas. Suas diretrizes devem
demais normas do ordenamento jurídico pátrio. Neste sentido, Maria Celina Bodin
Moraes afirma:
axiológica do Direito Civil, frisa que a dignidade da pessoa humana é o valor central
57
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1998. Diário Oficial da
União, n. 191-A, Brasília, 05 de outubro de 1988.
58
MORAES, Maria Celina Bodin. Danos Morais e Relações de Família. In: PEREIRA, Rodrigo da
Cunha. (coord.). Afeto, ética, família e o Novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 407.
59
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Critérios para a fixação do Dano Moral. In: LE ITE, Eduardo
de Oliveira. Grandes Temas da Atualidade – Dano Moral. Rio de Janeiro, Forense, 2002. p. 224 – 225.
50
“despatrimonialização”, pela maioria dos autores até agora aqui citados. Tal processo
consiste em pensar o direito privado a partir da pessoa humana e não mais a partir da
relação jurídica. Luiz Edson Fachin leciona nesse sentido afirmando que a neutralidade
situações e sujeitos que, por não constarem dentro do sistema jurídico de direito
privado, são por ele excluídos. 60 Num de seus artigos, o autor adverte: “só haveria
direitos subjetivos onde há modelo jurídico. Em outras palavras: quem não se insere em
dado modelo de relação jurídica não teria direitos subjetivos”. 61 A sistemática anterior
transmissão. Noutro giro, o sistema atual já prevê uma forma diversa de se interpretar o
direito privado, pois não se pode ignorar o destinatário das normas do direito no
humana.
codificação nada mais faz do que reproduzir a racionalidade patrimonialista sobre a qual
sentido:
60
FACHIN, Luiz Edson. Op. cit. p. 81 – 141.
61
FACHIN, Luiz Edson; RUZYK, Carlos Eduardo P. Direitos fundamentais, dignidade da pessoa
humana e o novo código civil: análise crítica. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.) Constituição, Direitos
Fundamentais e Direito Privado . 2. ed. ver. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 97.
62
Autores cit. op. cit. p. 99
51
pessoa humana é sem dúvida das tarefas mais difíceis. Carlos Roberto Siqueira Castro
de ser definido com precisão. Esse fato se dá porque o instituto tem raízes mais
filosóficas e sociológicas que jurídicas. Ademais, essa vagueza tem também papel
importante, pois, conforme afirma Luiz Edson Fachin, é importante que não se inclua o
conceito de dignidade da pessoa humana dentro de uma sistemáti ca, sob pena de se
63
CASTRO, Roberto Siqueira. Dig nidade da pessoa humana: O princípio dos princípios constitucionais.
In: SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flavio (orgs.) Direitos Fundamentais:Estudos em homenagem ao
professor Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 141.
64
FACHIN, Luiz Edson; RUZ YK, Carlos Eduardo P. Op. cit. p. 102.
65
Autores cit. op.cit. p. 102.
52
A dignidade da pessoa humana, portan to, passa a ser um princípio que se faz
cidadão seja por meio da lei, diretamente, por meio de cláusulas gerais ou mesmo
princípio será nos momentos em que uma das partes se encontrar em situação de
afirma:
Pode-se dizer que este é o ponto onde se verá com mais freqüência a
incidência da aplicação da dignidade da pessoa humana nas relações privadas. Por essa
mesma razão, acredita-se que em grande parte ela se fará presente nas relações
o STJ afirma que a união homossexual gera direitos analógicos à união estável e por
isso o companheiro dependente neste espécie de relação também tem direito a ser
66
CASTRO, Roberto Siqueira. Op. cit. p. 141.
53
cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito
saúde. Nesta situação, excluía -se a pessoa em favor da relação jurídica positivada.
desconsiderar o ser humano, tratando -o com desigualdade, razão pela qual se afirma no
pessoa em relação ao plano de saúde no caso acima. Essa vulnerabilidade agrava ainda
mais a situação, porque o plano de saúde detém um serviço de alto grau de importância
para a vida do cidadão, razão pela qual os direitos fundamentais incidem com força
pessoa humana, é de se ressaltar o Recurso Especial 617588/SP, cujo relat or, Ministro
Luiz Fux, utiliza o princípio mencionado para julgar o corte de fornecimento de água
67
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ementa. Recurso Especial n. 238715/RS.Caixa Econômica
Federal – CEF, Recorrente; R.P.C. e outro, Reco rrido; Fundação dos Economiários Federais – FUNCEF,
Interessados. Relator Min. Humberto Gomes de Barros. J. 07.03.2006. DJU 02.10.2006 p. 263.
54
Nas duas situações, o julgador agiu no s moldes traçados pelas lições de Canotilho e
Fachin, dando prioridade aos direitos fundamentais nas relações privadas e aplicando o
Inclusive, este método é expressamente menciona do por Luiz Fux no Recurso Especial
mencionado, ao escrever que “temos que enunciar o direito aplicável ao caso concreto,
interesse existencial, este último deve prevalecer. Maria Celina Bodin de Moraes,
68
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ementa. Recurso Especial n. 617588/SP. Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp, Recorrente; Márcio Rodrigues Vasques, Recorrido.
Relator Min. Luiz Fux. J. 27.04.2004. DJU 31.05.2004 p. 241.
69
Canotilho, conforme já citado, afirma que os direitos fundamentais devem impregnar todo os sistema
jurídico – público e privado – e, caso haja divergência entre a lei infraconstitucional e os direitos
fundamentais, estes últimos devem prevalecer. Tal método se dá em razão do controle incidental de
constitucionalidade. Já Fachin, por sua vez, afirma em sua teoria críti ca do Direito Civil que não se pode
transformar a dignidade da pessoa humana num modelo abstrato, sob pena de fomentar a exclusão
existente no sistema do direito codificado.
70
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ementa. Recurso Especial n. 617588/SP. Op. Cit.
55
humana nas suas mais variadas manifestações. Para tutelar os interesses das minorias
Para ela, será desumano tudo aquilo que reduzir a pessoa à condição de objeto, já a
pessoa não pode ter preço, ao contrário das coisas. E para identificar quais aspectos da
humana é tão abrangente, sendo chamado por Roberto Siqueira Castro de “o princípio
dos princípios” 73. Para que se instale a dignidade humana é preciso que haja a tutela
social. Estes valores supremos compõem o sistema universal dos direitos humanos e,
71
MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo
normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado . 2
ed. rev. e amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, pp 115-116.
72
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma leitura civil -constitucional dos
danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 85.
73
CASTRO, Roberto Siqueira. Op. cit. p. 135.
56
iluministas, após o rompimento com o Ancien Regime, a igualdade ganhou destaque nas
constituições dos mais diversos Estados, bem como nas declarações internacionais de
direitos fundamentais.
Ocorre que a igualdade tem -se apresentado por fases ao longo da história da
negativo do Estado, que estava proibido de dar tratamento diferenciado aos cidadãos, já
que a sociedade civil, com todos os seus membros, era a proprietária da Res Publica.
forma – chamada pela doutrina de igualdade formal – logo se mostrou desvantajosa para
74
COMPARATO, Fabio Konder. Comentário ao art. 1 º.. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. 50
anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos: 1948 – 1998. Brasília: Comissão Nacional de
Direitos Humanos, 1998. p. 33.
75
MORAES, Maria Celina Bodin de. Op.cit. p. 85
57
Por isso mesmo, encontra -se relatos de juristas que, à frente de seu tempo e
que se pode ver já em 1920 no discurso de Rui Barbosa para os estudantes de Direito
em São Paulo em que, apesar de estar vivendo no contexto do Estado Liberal, este
jurista já advertia:
isso a igualdade substancial passa a ser uma das principais inovações jurídicas do
welfare state. O Estado abandona a diretriz da extrema não -intervenção para criar leis
76
BARBOSA, Rui (de Oliveira). Oração aos moços/ O dever do advogado. Campinas: Russel, 2004, p.
33.
77
Até porque, conforme já exposto no item 1.1, o socialismo apresentou -se como ameaça ao sistema dos
Estados capitalistas que, acuados, tiveram que criar uma solução para a situação miserável de sua
população para que a insatisfação geral não movimentasse uma revolução.
58
juristas a criar mais uma dimensão para o princípio da igualdade. Nas palavras de Maria
merecedora de respeito quanto aquele que observa. Sugere -se que o reconhecimento do
outro é melhor que identificar -se com ele. Isso porque a identidade pressupõe pontos em
comum, que podem eventualmente nem existir entre os sujeitos nos casos concretos.
Sendo estes os limites gerais do princípio, toda vez que alguém for tratado
privada, que, por sua própria nat ureza, é desigualadora. Nesse sentido e criticando a
aplicação da teoria da eficácia direta desse e outros direitos , adverte Jorge Reis Novais:
78
MORAES, Maria Celina Bodin de. Op.cit. pp. 87-88.
59
Celina Bodin de Moraes, “o princípio da igualdade é dos que mais se presta a ensejar
hard cases”.80 Como lidar com a igualdade nas relações privadas? Em que medida
processo de aplicação. E, nesse aspecto, a liberdade individual apresenta -se como grave
pessoas de forma diferente porque é livre para tanto. Novamente as palavras de Jorge
79
NOVAIS, Jorge Reis. Os Direitos Fundamentais nas relações Jurídicas entre Particulares. In: SOUZA
NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO , Daniel (coords). A constitucionalização do Direito –
Fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. pp. 375 -376.
80
MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit. p. 89.
81
NOVAIS, Jorge reis. Op. cit. p. 376
60
civil, contudo ainda assim há motivos para se crer que a aplicação direta dos direitos
fundamentais é bastante razoável num campo das relações privadas: o campo da relação
que, por não controlar determinados bens, poder ou informações, não têm o mesmo
poder privado que outros. Esta situação leva à sujeição dos vulneráveis à vontade dos
detentores de poder e pior: muitas vezes o bem jurídico em mãos do sujeito mais forte é
aplicação direta dos direitos fundamentais, não parece haver outra solução para os casos
em que a proteção do vulnerável se faz necessá ria. Como é impossível prever em lei
meros modelos abstratos criados em lei. É preciso que se busque a tutela efetiva, através
assim a exclusão que pode ser gerada por meio desses modelos abstratos.
Claro que a igualdade não pode, enquanto princípio, ser aplicada de forma
desmedida, deverá ser utilizada em coerência com os demais princípio s e apenas nos
casos em que se fizer necessária. A autonomia privada é a regra geral e a liberdade dela
decorrente será amplamente exercida, mas somente nos casos em que os sujeitos de
igualdade será aplicada no exato grau de vulnerabilidade, o que será medido em cada
vulnerável.
tempo, assumindo diferentes dimensões. Num primeiro momento, pode -se afirmar que a
liberdade era medida e pensada na forma como a sociedade e seus membros regulavam
seu cotidiano, criando suas próprias regras. Fábio Konder Comparato leciona:
XVIII, gerando duas espécies de liberdade distintas: a liberdade política que fundamenta
82
Conforme já citado no item 1.2.1 sobre a dignidade da pessoa humana, o Ministro Luiz Fux ao julgar o
já citado Recurso Especial 617588/SP, afirmou que cada situação pede uma análise particular do grau de
incidência dos direitos fundamentais.
83
COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit. p. 32.
62
faculdade de ter poder e voz ativa nas decisões ocorridas dentro do espaço público, o
liberal quer impor limites à autonomia popular utilizando -se das liberdades
85
constitucionais, excluindo “certas questões do espaço de deliberação da sociedade”.
quanto de sua liberdade individual, ambas são essenciais à dignidade. Até porque,
privada encontra suas raízes. É graças a este princípio que o postulado consti tucional de
que “tudo o que não é proibido é permitido” encontra fundamento, sendo inclusive
previsto no artigo 5º. da Constituição pátria, em seu inciso II, onde “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Defi nindo e
84
SARMENTO, Daniel. op. cit. p. 145.
85
Autor cit. op. cit. p. 145
86
Expressão encontrada e utilizada por Daniel Sarmento em sua obra supracitada. Autor cit. op. cit. p.
144.
87
COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit. p. 33
63
Júnior elucida:
humana, razão pela qual deve ser considerada quando da aplicação dos demais direitos
importante lembrar que os princípios têm aplicação flexível a cada caso concreto. Dessa
forma, algumas vezes a liberdade recua em nome de outros direitos fundamentais, mas o
inverso também é verdadeiro. Tudo será analisado em cada caso concreto, tendo a
Não custa lembrar ainda que mitigar a autonomia privada ou exterminá -la é
também atentar contra a dignidade da pessoa humana. Deve haver um equ ilíbrio entre
na sociedade. Não se pode trazer o modelo de aplicação dos direitos fundamentais nos
poderes públicos e utiliza -los sem qualquer adaptação na esfera priva da, porque são
Sendo assim, cabe questionar: como limitar a autonomia privada sem lesar a
dignidade da pessoa humana? Para responder a essa pergunta, é preciso analisar de perto
88
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito – Reflexões sobre o poder, a liberdade,
a justiça e o Direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 105
64
Rights, de 1776, é importante lembrar que a liberdade foi estabelecida como princípio,
mas visando proteger os ideais indi vidualistas da época, ou seja, tratava -se de uma
econômica persiste até os dias atuais no campo da autonomia privada. É o espaço livre
a livre disposição de seu patrimônio individual e dos direitos a ele correlatos. O aspecto
Contudo, é de se destacar também que nos dias atuais, uma nova dimensão
ser humano possui de traçar seu projeto existencial, seu estilo de vida. Questões de
ideológico e muitos outros da personalidade huamana, têm tomado os tribunais cada vez
mais e com maior freqüência. A “liberdade existencial” apresenta -se como nova
conforme já exposto acima no item 1.2.2. Maria Celina Bodin de Moraes leciona a
respeito:
89
MORAES, Maria Celina Bodin. O conceito de Dignidade Humana: substrato axiológico e conteúdo
normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang. (org.) Op. cit. p. 138
65
encontra-se atualmente com duas dimensões marcantes: uma com caráter patrimonial e
outra com caráter existencial. É fundamental distinguir uma da outra o máximo possível
para que se possa responder à pergunta ini cial e descobrir como limitar a autonomia
da pessoa (conforme citado acima) e a segunda refere -se à livre administração das
a primeira refere-se a questões que estão sob o pálio da dignidade, enquanto a s egunda
refere-se às coisas que têm preço. E de acordo com o postulado kantiano, o que tem
preço não tem dignidade. Sendo assim, a dignidade deve prevalecer sobre o que tem
digna.90 Dessa forma, resta claro que a pr ópria Constituição é que faz a opção pela
90
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por
fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios: (...) BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1998.
Diário Oficial da União, n. 191-A, Brasília, 05 de outubro de 1988.
66
que os interesses envolvidos sejam apenas patrimoniais, ainda assim será necessário que
privado sob vários aspectos. Enquanto autonomia privada subdivide -se em dois
patrimonial”. 92
vulnerabilidade de uma delas à vontade da outra. E, por fim, mesmo que as partes
91
SARMENTO, Daniel. Op. cit. p. 160.
92
Autor cit. op. cit. p. 177
67
direito privado codificado, este mesmo princípio foi larga e exageradamente aplicado
presente. Tal fato não se deu sem razão. Há que se considerar que a ideologia liberal não
93
MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à pessoa Humana. Op.cit. p. 109
68
solidariedade se apresenta como um direito -dever que tem por objetivo corrigir e
Fabio Konder Comparato leciona que o fundamento ético desse princípio está ligado à
idéia de justiça distributiva aristotélica, buscando -se a “socialização dos riscos normais
individual.
dever de cuidado. Dela derivam princípios de direito privado como a boa -fé objetiva,
que será adiante analisada. Trata -se de um dever de cond uta a ser observado pelos
cidadãos na sociedade civil, que devem agir sempre observando os princípios éticos de
cuidado com o próximo, para que a dignidade humana não seja prejudicada. Este dever
é imposto aos particulares sobretudo quando uma das partes é vulnerável, conforme já
94
COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit. p. 34
95
Autor cit. op. cit. p. 34
69
em todas as suas formas, já que a idéia de justiça distributiva encontra -se prevista no art.
3º. da Lei Maior. Importante lembrar que este artigo estabelece a construção de uma
relações dessa esfera, dosando o grau de liberdade e igual dade afim de estabelecer a
dignidade humana. O modelo a ser utilizado, vale lembrar, não pode ser o mesmo
marcantemente diferente do ambiente estatal. Para essa tarefa, dever -se-á ter uma
nas questões jurídicas, de forma a evitar que a aplicação dos direitos fundamentais
acabe por fugir de seu objetivo e lesar o campo da autonomia privada indevid amente.
constitucionais, nada impede que a lei infraconstitucional traga também aberturas por
onde os mesmos poderão ser inseridos nas relações privadas , orientando os juristas. No
96
MORAES, Maria Celina Bodin. Op. cit. p. 114
70
sistema de cláusulas gerais. Este sistema segue a linha da eficácia mediata dos direitos
fundamentais, quando o legislador lança mão de conc eitos vagos e abstratos criando na
lei espaço para que o juiz, ao dizer o direito, possa preencher os conceitos vagos com os
valores éticos próprios do tempo em que a lei é aplicada, conforme lecionam Judith
na sociedade, criar uma lei para cada situação seria gerar uma sociedade completamente
97
COSTA, Judith Martins; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Op. cit. p. 131
98
TEPEDINO, Gustavo. As relações de Consu mo e a nova teoria contratual. In: Temas de Direito Civil.
3. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
99
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2006. p. 7.
71
brasileiro datam do Código Comercial de 1850, que já continha a previsão da boa -fé
objetiva como elemento que vincula a conduta ética do cidadão. 101 Contudo, apesar da
constitucional e econômico era bem diverso do de hoje e, talvez por isso mesmo
são conceitos lembrados por Guilherme Calmon Nogueira da Gama como exemplos de
cláusulas gerais presentes no Código Civil atual. 102 Neste aspecto, cumpre lembrar que
os defensores do Código Civil de 2002, como Judith Martins Costa, Miguel Reale e
Gerson Luiz Carlos Branco, festejam a utilização desse sistema de cláusulas gerais,
Nogueira da Gama lembra bem que os críticos do Código, por sua vez, “questionam a
100
MIRANDA, Custódio da Piedade U. Teoria Geral do Direito Privado. Belo Horizonte: Del Rey,
2003. p. 125.
101
Conforme visto em TEPEDINO, Gustavo. Crises de Fontes Normativas e Técnica Legislativa na parte
geral do Código Civil de 2002. In: Temas de Direito Civil, Tomo II . Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
102
GAMA, Guilherme Calmon nogueira da. Op. cit. p.7
72
abundância do uso desse recurso legislativo”, restrito a poucos artigos, bem como a
forma clara em sua narrativa o conteúdo axiológico das mencionadas cláusulas. Além
103
disso, a ausência de exemplos na lei também se faz notar.
estrutura legal por mais tempo, evitando a rápida defasagem legislativa em função das
exemplificativo das cláusulas gerais. Seu texto, além de trazer os conceitos vagos,
contidos nas cláusulas gerais, que constituem a aplicação dos direitos fundamentais nas
relações privadas de forma mediata, por intermédio da lei e da aplicação da mesma pelo
juiz. Os direitos humanos apresentam -se como valores supremos nos textos legislativos,
impregnando as relações privadas com seus princípios. Por fim, o derradeiro aspecto
ser destacado é o teleológico, e deve atentar para a aplicação dos direitos fundamentais,
para os aspectos éticos soc iais e para os problemas contemporâneos. Nos casos onde
103
Autor cit. op. cit. p. 7
73
uma das partes apresentarem -se vulneráveis, a tutela desta também deverá ser
Estado Liberal essa relação ficou cada vez mais complexa. Tanto é assim que na esfera
do direito privado a maioria das transformações aqui descritas foram alavancadas pelas
desigualdades que a economia gera na sociedade. Pod er-se-ia dizer que cabe ao Direito
igualar as relações que a economia desiguala. O equilíbrio entre essas duas forças é
Por outro lado, sabe-se também que por meio da interação de conhecimentos
fundamentais nas relações privadas. Para tanto o jurista e o legislador devem lançar mão
social, bem como a revisão do direito privado. Atender às necessidades do mercado sem
prejudicar as conquistas sociais é um desafio que se impõe. Todas essas questões são
Economics, essa corrente tem suas raízes em Karl Marx, sendo que posteriormente
Guido Calabresi veio a sistematizar um estudo sobre o assunto, sendo seguido nesse
sentido por Richard Posner. 104Décio Zylberzstajn e Rac hel Sztajn explicam que há
que, ao fazê-lo o jurista não deverá co locar a ciência jurídica a serviço da economia,
mas sim utilizar conhecimentos econômicos para garantir a eficácia dos direitos. Em
104
Conforme RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. A responsabilidade civil por danos produzidos no
curso de atividade econômica e a tutela da pessoa humana: o critério do dano eficiente. In: R AMOS,
Carmem Lucia Silveira; TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena (org.). Diálogos sobre
Direito Civil. et al. – Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 136 – 137.
105
ZYLBERSZTANJ, Décio; SZTANJ, Rachel. Análise Econômica do Direito e das organizações. In:
ZYLBERSZTANJ, Décio; SZTANJ, Rachel (orgs.). Direito e Economia: análise econômica do Direito e
das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 3
75
devem ser considerados como forma de garant ir a eficácia dos direitos fundamentais, de
forma a afinar a aplicação deste ramo do Direito com sua nova matriz axiológica.
cláusulas gerais através das quais os direitos fundamentais infiltram nas negociações.
Primeiramente a função social pas sa a dar uma nova perspectiva aos direitos reais
livre iniciativa 106 nos moldes constitucionais, é preciso ainda que o empresário aja no
mercado observando o dever da boa -fé objetiva e evitando praticar o abuso de direito.
abuso de direito 107 serão analisados por serem d e relevância para este trabalho.
Código Civil atual, tendo sido dedicado ao direito empresarial o livro II intitulado Do
Direito de Empresa, ocasião em que o direito rompe definitivamente com a teoria dos
atos de comércio. Em sintonia com o que determina o artigo 170 da Constituição pátria,
o novo sistema de Direito Empresarial traz em seu sistema a função soc ial da empresa.
106
A livre iniciativa, conforme afirmado por Fernanda Pessanha Amaral Gurgel, é a manifestação da
autonomia privada no campo da economia, sendo por isso mesmo espécie do gênero. GURGEL, Fernanda
Pessanha Amaral. Liberdade e Direito Privado. In: NERY, Rosa Maria Andrade (coord.). Função do
Direito Privado no atual momento histórico. São Paulo: Revista dos tribunais, 2006. p. 23
107
Destaque-se que a análise do abuso de direito será feita no capítulo seguinte.
76
paulatinamente ocupando cada vez mais espaço dentro do direito privado brasileiro até
produzir e circular riquezas para cumprir sua função social, ou seja, para ele a função
econômica da empresa fundia -se à função social da mesma. Leon Duguit, a seu turno,
observação dessa diretiva. Desse conceito extrai -se que os indivíduos na sociedade
brasileira são livres para empreender (li vre iniciativa), mas essa liberdade não é ampla e
a existência digna e a justiça so cial. Além disso, é de se lembrar também que esse
mesmo exercício da livre iniciativa não pode se afastar ainda dos princípios que
em pauta.
108
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; BARTHOLO, Bruno Paiva. A Função Social da Empresa .
Rio de Janeiro: Grupo de pesquisa da UERJ e CNPq -UGF, 26p. Não Publicado. p. 7.
77
Por ser tema complexo e de exte nso tratamento, não serão aqui trabalhados
emprego com redução das desigualdades regionais e sociais já sinalizam para a função
social da empresa, pois demonstram uma preocupação da Lei Maior com os impactos
Cumpre salientar que a função social não se confunde com outra cláusula
geral: a boa-fé objetiva. Atualmente prevista nos artigos 113, 422 do Código Civil, a
boa-fé objetiva aparece como exigência de conduta nos negócios jurídicos. De forma
ainda mais abrangente, aparece ela também como princípio da política nacional de
Consumidor.
109
CASTRO, Carlos Alberto Farracha; NALIN, Paulo. Economia, mercado e dignidade do sujeito. In: .
In: RAMOS, Carmem Lucia Silveira; TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena (org.).
Diálogos sobre Direito Civil. et al. – Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 119.
78
relação com a intenção da parte com a outra. Já a boa -fé objetiva é uma regra de
Pode-se concluir daí que a boa -fé gera um efeito integrador nas relações
entre as partes, criando deveres acessórios que, apesar de não estarem previstos no
contrato, são condutas esperadas das pessoas (ou empresas) probas e honestas. Outro
2001 pelo STJ. Naquela demanda, decidiu -se a respeito de um contrato de alienação
fiduciária, onde era cobrada taxa de 93.000% ao ano da parte débil. Considerando a
ausência de razoabilidade no cálculo da ta xa, bem como o abuso de direito por parte da
110
THEODORO JR, Humberto. O contrato e sua função social . Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 10
111
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ementa. Recurso Especial n. 299.355/MG. Convap Engenharia
e Construções S/A, Recorrente; Banco Francês e Brasileiro S/A, Recorrido. Relator Min. Ruy Rosado de
Aguiar. J. 04.12.2001. DJU 08.04.2002 p. 220.
79
Nesse sentido, apresenta-se o terceiro efeito da boa -fé objetiva: sua função
limitativa. Agir de boa-fé (objetivamente) significa não abusar dos próprios direitos,
causando lesão a outrem. Nesse ponto, a boa -fé objetiva encontra seu ponto de
intersecção com outro importante instituto, que é o abuso de direito. Por essa razão é
possível vislumbrar desde logo uma conexão entre a função social da empresa, a boa -fé
112
A exposição sobre abuso de direito será oportunamente realizada no próximo capítulo.
80
utilizado nos casos em que um cidadão, tendo praticado ato ilícito, é chamado a
responder pelos danos causados por suas ações . No Código Civil de 1916, encontrava -
código napoleônico, que por sua vez segue a tradição romana sobre a responsabilidade.
com três pressupostos: a prática do ato ilícito, o dano dele decorrente e o nexo causal
que liga ambos. Por não ser exatamente o objeto desse trabalho, tais pressupostos não
Civil de 2002, nos seus artigos 186, 187 e 927 . O artigo 186 praticamente repete o texto
113
BRASIL. Código Civil, lei nº 3.071 de 1º. de Janeiro de 1916. 50. e d. São Paulo: Saraiva, 1999.
81
também será analisado oportunamente, e, por fim, o artigo 927 arremata imputando
civil com previsão legal para os ca sos em que ocorrer o abuso de direito. 114
porque sua nova tábua axiológica são os preceitos constitucionais. É correto pensar,
portanto, que a responsabilidade civil segue essa tendência, devendo o jurista ampliar
sua visão em relação à responsabilidade, que não pode ser vista apenas sob seu aspecto
114
Este último será analisado em tópico próprio e em momento oportuno.
82
como elemento marcante, agora perdeu espa ço nas hipóteses de aplicação e mudou seu
ato ilícito para se fazer caracterizar, co ntudo a forma de analisar a culpa já não é
realizada com tanta severidade quanto outrora. Diferentemente da lei penal, para quem a
conduta do ofensor é nuclear, o grau de dolo ou culpa (que na responsabilidade civil não
são diferenciados), no direito privado não é elemento que possa influenciar na decisão
do valor da indenização.
Civil de 1916, a culpa é lato sensu, já engloba o elemento dolo em seu conceito. Vale
dizer que no direito privado, entre uma lesão corporal leve muito dolosa e um homicídio
acidental, a indenização decorrente do homicídio será maior, mesmo diante do alto grau
de culpa na lesão corporal. Isto se dá hoje em razão do artigo 944 do Código Civil de
2002, que determina que a indenização será medida tendo em vista a extensão do dano.
relevância. Quando a questão a ser dis cutida girar em torno de questões meramente
115
MORAES, Maria Celina Bodin de. A Constitucionalização do Direito Civil e seus efeitos sobre a
Responsabilidade Civil. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; S ARMENTO, Daniel (coords). A
constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lúmen
Júris, 2007. p. 439.
83
prevalecer. Neste caso pode -se considerar a menor o grau de culpa do ofensor e
certamente a extensão do dano poderá ser tranquilamente medida, já que basta verificar
cujos efeitos são impossíveis de serem ignorados. É o que ocorre quando os direitos
fundamentais são lesados por um particular. Quando uma pessoa é lesada em sua
dignidade, seja porque foi tratada de forma desigual em relação aos seus pares, seja
porque teve sua liberdade existencial indevidamente limitada, seja porque foi
extrapatrimonial.
presume-se primeiramente que a princípio o dano moral não tem caráter punitivo, pois a
indenizatório. Nesse diapasão, é importante lembrar que a conduta do ofensor não foi de
todo esquecida, já que o parágrafo único do art. 944 permite a redução do valor da
indenização em casos de culpa mínima. Tal determinação conduz à pergu nta: será
possível também aumentar então o valor da indenização tendo por base a conduta
altamente culposa do ofensor? Talvez não nas relações em que haja a ausência de parte
vulnerável, mas faz-se desde já ressalva em relação a particulares que, abusando de seu
84
vulneráveis.
punitive damages no Brasil. Esse instituto de origem norte -americana tem raízes na
análise econômica do direito, pois procura por meio do valor da indenização, corrigir o
utilizar a capacidade econômica do ofensor como uma das medidas para fixação da
indenização, e não o seu grau de culpa, o que deve ser diferenciado. Não é possível
admitir os critérios dos punitive damages e do grau de culpa do ofensor nas relações
civis, por ausência de previsão legal, mas tal assertiva não se espalha por todo o sistema
de direito privado. Entre particulares que exercem amplamente sua autonomia privada
aplicação dos punitive damages. Menos ainda quando o dano for patrimonial. Mas há
da vítima e a extensão do dano. Essa posição é bem razoável, desde que se considere
que sua aplicação ocorra nas relações civis e entre pessoas que estejam em plenas
uma das partes é vulnerável, a situação torna -se mais complexa, conforme será visto. De
qualquer forma, a responsabilidade civil por d ano moral apresenta-se como a guardiã da
razão pela qual o foco é atualmente a extensão do dano sofrido pela vítima. Neste
mesmo sentido, uma importante mudança ocorre nessa área civilista: a responsabilidade
em lei, ganhou uma cláusula geral de aplicação no parágrafo único do artigo 927, que
determina que aquele cuja atividade normalmente d esenvolvida implicar, por sua
dano causado. Essa é uma grande inovação na responsabilidade civil, pois anteriormente
do século XIX, leva em conta o risco gerado pela atividade exercida pela pessoa.
relação entre a ocorrência do dano e o risco gerado pela atividade do sujeito. O d ano
poderá ser decorrente da prática de ato ilícito ou mesmo de ato lícito. Segue -se o
postulado de que quem aufere o bônus, suporta o ônus. Aquele que se beneficia de
atividade que põe em risco os demais, fica obrigado a reparar os danos caso o risco se
concretize.
jurídico no direito privado. Agora, ainda que se tenha em tela um caso não previsto em
86
lei, se a atividade exercida pelo sujeito gera riscos, a responsabilidade a ser aplica da
será a objetiva. Cumpre saber apenas dentro de quais parâmetros se deve decidir se a
atividade exercida por certa pessoa é geradora de riscos ou não. Nesse sentido,
risco criado.
àqueles que, em busca de proveito econômico, gerem riscos à sociedade. São partidários
dessa teoria Fábio Ulhôa Coelho e Sérgio Cavalieri Filho. Fabio Ulhôa Coelho reje ita a
sucessão de atos ordenados em conjunto como elemento bastante para que o risco se
caracterize. Para ele é preciso que a atividade normalmente desenvolvida seja “aquela
em que for possível a socialização dos custos”. 116 Já Sérgio Cavalieri Filho, após c itar
Caio Mário da Silva Pereira como o grande defensor da teoria do risco criado, que será
quaisquer pessoas cuja atividade seja geradora de risco, não importando se com isso
busca-se o proveito econômico. Afirma-se que o artigo 927 do Código Civil util iza
se Caio Mário da Silva Pereira – conforme já exposto –, Miguel Reale e Carlos Roberto
116
COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Civil, vol II. 2.ed. rev. – São Paulo: Saraiva, 2005. p. 349
117
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev. e atual. – São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 183.
87
Gonçalves. Este último, após citar Miguel Reale em sua obra, harmoniza seu
responsabilidade objetiva. Essa última teoria parece ser a mais adequada não só porque
a letra da lei não restringe a sua aplicação à atividade econômica, mas também porque a
no risco. Ademais, como se verá adiante, o Código Civil já traz um artigo direcionado à
atividade empresarial.
Resta apenas saber quais critérios serão utilizados para se saber quando a
atividade em questão será qualificada como atividade geradora de riscos. O risco não
pode ser elemento natural de cotidiano, como conduzir automóveis, por exemplo. O
proteção do meio ambiente e nas relações concorrenciais. Uma das poucas hipóteses em
que a responsabilidade do empresário ainda poderia ser medida nos termos do ato ilícito
118
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol IV . – São Paulo, Saraiva, 2007. p. 33 –
34.
88
eram as relações interempres ariais. Ocorre que o Código Civil de 2002, por meio do
Muitos poderiam afirmar que não há novidade nenh uma nos dispositivos
circulação. Ocorre que o artigo 931 do Código Civil é mais abrangente que a lei 8.078
de 1990, porque ultrapassa a hipótese de incidência desta lei, alcançando as relações que
Consumo
Responsabilidade Civil
Código de Defesa do Consumidor, a seu turno, regula uma outra categoria de relações.
adequada do sistema jurídico cons umerista deve partir da Constituição até chegar à lei
8078, não o inverso. Parte -se primeiro da Constituição Federal, este é o ponto de
fundamental, no artigo 5º. , XXXII. Ali a norma constitucional determina que o E stado
de, à primeira vista, o texto aparentar uma norma programática, importante salientar que
a norma é auto-aplicável. O Estado aí deve ser compreendido como as três esfe ras de
consumidor. A expressão “na forma da lei” também não se restringe apenas ao Código
do sistema jurídico, protegerá o consumidor. Vale dizer: ainda que não existisse a lei
8078/90, ainda assim o Estado teria que proteger o consumidor fazendo uso das fontes
do sistema jurídico.
ser observada no exercício da livre iniciativa 120. Neste ponto é importante lembrar que é
este mesmo artigo 170 da Constituição que estabelece a função social da empresa . Neste
119
NUNES, Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed. rev. modif. e atual. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 12
120
Livre iniciativa aqui também chamada de liberdade econômica, no âmbito da autonomia privada.
90
Bartholo, que afirmam que a função social da empresa possui duas áreas de incidência:
uma endógena e outra exógena. A exógena, que interessa para o momento, engloba os
interesses dos concorrentes, dos consumidores e do meio ambiente. 121 Também tratam-
princípios constitucionais previstos no artigo 170. 122 Neste sentido, ambos advertem:
constitucionais. É claro que a lei infraconstitucional também traz essa mesma diretriz. É
o que ocorre com o Código de Defesa do Consumidor, que é uma extensão do direito
fundamental de proteção ao consumidor. É uma das (pode haver várias outras) formas
proteção do mercado saudável e a proteção do consumidor. Para isso traz em seu texto
121
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; BARTHOLO, Bruno. Op. cit. Rio de Janeiro: Grupo de
pesquisa da UERJ e CNPq-UGF, 26p. Não Publicado. p. 19
122
Os autores afirmam que a função social da empresa possui duas áreas de incidência: uma endógena e
outra exógena. A primeira compreende os agentes internos da empresa, como as relações trabalhista s e as
relações societárias entre administrador, sócio controlador e sócios minoritários. As exógenas, por sua
vez, compreendem, como dito acima, a proteção do consumidor, do meio ambiente e a concorrência leal.
Para maior aprofundamento do tema, ver GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; BARTHOLO, Bruno.
Op. cit. loc. cit. Não Publicado.
123
Autores cit. op. cit. loc. cit. p. 17
91
normas constitucionais. É o que se pode verificar no artigo 4º. do CDC e seus incisos.
apresenta a sua teoria do diálogo das fontes. A autora afirma que o jurista deve fazer
com que as leis especiais, o CDC, o Código Civil e a Constituição “dialoguem” nas
princípios constitucionais e consumeristas, fazendo com que o CDC atinja seu objetivo
constitucional.
124
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das
relações contratuais. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. pp. 595 – 599.
125
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ementa. ADIN 319 Questão de Ordem na Ação Direta de
Responsabilidade. Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEM, Requerente;
Congresso Nacional e Presidente da República, Requeridos. Relator Min. Moreira Alves DJ 30 -04-1993
PP-07563 ement VOL-01701-01 PP-00036.
92
será constitucional. Da mesma forma, toda lei que vier a prejudicar o consumidor,
significaria regresso nas conquistas jurídicas e sociais. Mesmo sendo lei especial
posterior, Cláudia Lima Marques afirma que sua aplicação deverá se a dequar às normas
é que devem, acima de tudo serem organizadas de forma a garantir o objetivo central de
tutela do consumidor.
126
MARQUES, Cláudia Lima. op. cit. p. 632
93
Nesse sentido, como se verá adiante , é possível fazer uso mesmo de algumas
Tepedino, escrevendo sobre o tema, afirmou que o inverso também é verdadeiro. Pode -
127
Autora cit. op. cit. pp. 587 – 588.
128
TEPEDINO, Gustavo. As relações de consumo e a nova t eoria contratual. In: Temas de direito civil. 3.
ed. ataul. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 233.
94
Na esteira desse raciocínio, será feita adiante uma proposta sobre como
fornecedores e consumidores, elege a boa -fé como um de seus fundamentos. Esta boa -fé
exige do fornecedor uma conduta coerente e não apenas o animus. Essa exigência se
129
BRASIL. Lei n. 8078 de 11 de Setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, 12 de setembro de 1988.
95
proíbe a prática do ato abusivo. Esta proibição se faz presente nos artigos 6º., IV, 28, 37,
O Código Civil de 2002, seguindo esta tendência, traz também o seu artigo
187, cujo texto afirma que aquele que, no exercício de seus direitos, exceder os limites
impostos pela boa-fé e bons costumes, pelos fins econômicos ou sociais, comete ato
ilícito. José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro afirma que os princípios da eticidade e
130
socialidade se fazem presentes no artigo citado. Há, portanto, uma íntima relação
Reforçando a tese de que a boa -fé que serve de medida para a constatação do
130
RIBEIRO, José Horácio Halfeld Rezende. O Abuso de Direito e a Justiça Social. In: FILOMENO,
José Geraldo Brito; WAGNER JR, Luiz Guilherme da Costa; GONÇALVES, Renato Afonso (coords). O
Código Civil e sua Interdisciplinaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 367.
131
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Parte Geral. 6. ed. atual. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 509
96
portanto, a observância ou não da boa -fé objetiva. Ocorre que o CDC não define o
demonstrou acima, o Código Civil e o Código do Consumidor devem dia logar para que
boa-fé é exigida em todas as relações consumeristas, sem exceção. Pela mesma razão,
Especial 250523/SP associa o abuso do direito à ausência de boa -fé objetiva na conduta
salários, dizendo que “age com abuso de direito e viola a boa -fé o banco que, invocando
numerário depositado pela correntista em conta des tinada ao pagamento dos salários de
No Código Civil, o abuso do direito está inserido no título que trata dos atos
ilícitos. Ao lado da culpa, portanto, haveria o abuso do direito como espécies do gênero
132
RIBEIRO, José Horácio Halfeld Rezende. O Abuso de Direito e a Justiça Social. In: FILOMENO,
José Geraldo Brito; WAGNER JR, Luiz Guilherme da Costa; GONÇALVES, Renato Afonso (coords).
Op. cit. p. 366.
133
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ementa. Ac. 4ª. T., Aero Mecânica Darma Ltda., Recorrente;
Banco Bamerindus do Brasil S/A, Recorrido. REsp 2 5052-3/SP. Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr.
V.u., j. 19.10.2000, DJU 18.12.2000, p. 203.
97
atos ilícitos. Este fato leva à q uestão: será preciso verificar a existência de culpa na
prática do ato abusivo para que o mesmo seja assim reconhecido? Essa é uma questão
controvertida, já que há doutrinadores que sequer admitem o abuso de direito como ato
ilícito.
tem debatido o tema em duas frontes. Na primeira, se o abuso de direito é ato ilícito; na
segunda, se o abuso é ato ilícito, mas caracterizado por critérios objetivos, prescindindo
da constatação de culpa.
134
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil, vol. 1. 2. ed. rev. – São Paulo: Saraiva, 2006. p. 365
98
sentido, uma vez que a regra do art. 186 seria suficiente para
enquadrar todas as hipóteses. 135
diferenciar o ato ilícito do abuso de direito porque este último dispensa a ocorrência de
conduta culposa por parte do agente que abusa de seu direito. Basta que o ato praticado
exceda os seus limites éticos, econômicos ou sociais. Por essa razão, o Código Civil
teria incluído o abuso de direito num gênero inadequado, porque o ato ilícito tem por
muitos doutrinadores acabaram por admitir o abuso do direito como espécie de ato
ilícito que não necessita do elemento culpa para ser caracterizado. Dentre estes,
encontram-se Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho 137, Carlos Roberto
135
RIBEIRO, José Horácio Halfeld Rezende. O Abuso de Direito e a Justiça Social. In: FILOMENO,
José Geraldo Brito; WAGNER JR, Luiz Guilherme da Costa; GONÇALVES, Renato Afonso (coords).
Op. cit. p. 358.
136
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Op. cit. p. 197
137
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, vol. I. 8. ed.
rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 447.
138
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol I . 3. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva,
2006. p. 463.
99
O abuso do direito seria, portanto, espécie diversa de ato ilícito, porque não
necessita da verificação da culp a individual para ser caracterizado. Trata -se de conduta
moralmente imputável ao sujeito. Sua conseqüência é o prejuízo social, razão pela qual
não raras serão as vezes em que sua repercussão e gravidade se apresentarão maiores e
termos dos arts. 1º. e 4º. do CDC. Afinal, o artigo 1º. do Código do Consumidor afirma
expressamente que a lei 8078/90 é de ordem pública enquan to o art. 4º. III elege a boa -
fé objetiva como princípio que deverá reger as relações de consumo. Detectado o ato
abusivo, o juiz poderá declará -lo ex officio caso nenhuma das partes ou o Ministério
que possa equilibrar a relação e manter a ordem pública. Poderá ser a revisão de
139
COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 364
140
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. cit. p. 514
100
responsabilidade objetiva. É de se ressaltar que se até mesmo o ato lícito pode gerar o
dever de indenizar neste sistema, mais ainda será possível condenar o sujeito a indenizar
por ocorrência de ato ilícito. A diferença para o caso é que não será discutida a culpa no
do ato abusivo a culpa também não é critério a ser considerado, nenhum impedimento
dano sofrido e o ato abusivo. Relevante lembrar que, para o caso, até a veri ficação da
Código Civil incluir o ato abusivo no rol dos atos ilícitos, o CDC já trazia várias
objetiva.
Para isso, deve-se lançar mão das cláusulas gerais não só do CDC , mas também do
Código Civil, que hoje constitui também um sistema aberto por meio do qual os valores
A questão que se coloca agora é como fazer com que a responsabilidade civil
funcione como elemento que venha a garantir a boa -fé nas relações consumeristas, de
modo a proteger a dignidade humana do consumidor. Para isso, será necessário rever
eficácia imediata nas relações privadas, bem como ainda que não fosse esse o caso, o
máximo a ser protegido é a dignidade humana, e esta quando lesada, não pode ser
provado, é preciso utilizar um sistema adequado, e a indenização por dano moral parece
se encaixar bem nessa tarefa. O dano moral não se resume apenas ao sofrimento interior
experimentado pelas vítimas. O critério para conceituar o dano moral é o critério por
O dano moral é gênero. Pode ser que o mesmo se apresente como sofrimento
humano, mas não se pode esquecer que há vítimas de dano moral que, por uma ou outra
razão, jamais não apresentarão o sofrimento íntimo. É o caso, por exemplo, das pessoa s
jurídicas, das pessoas sem discernimento, dos nascituros ou ainda das coletividades
compostas por facções na sociedade. O dano moral tem por característica ser um dano
que não pode ser avaliado de modo preciso e exato, sendo essa a razão pela qual nos
casos de ocorrência de dano moral só é possível a compensação. Por essa razão, Sílvio
102
de Salvo Venosa afirma que “do ponto de vista estrito, o dano imaterial, isto é, não
incomensurável. A condenação em dinheiro é mero lenitivo para a dor, sendo mais uma
âmbito das liberdades econômicas, mas também no âmbito das liberdades existenciais.
consumir determinados bens sem os quais não é possível viver. É o que se demonstrou
caso do Recurso Especial 234219, quando uma prestadora de seguro saúde, sem ter feito
doença preexistente. 143 Na ocasião, foi afirmado que a obrigação do exame prévio era
da seguradora, cabendo a ela arcar com os ônus de sua inoperância. Não se poderia
vulnerável.
141
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2006. p.
37.
142
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ementa. Recurso Especial n. 617588/SP. Companhia de
Saneamento Básico do Estado de São Paulo – Sabesp, Recorrente; Márcio Rodrigues Vasques, Recorrido.
Relator Min. Luiz Fux. J. 27.04.2004. DJU 31.05.2004 p. 241.
143
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ementa. Recurso Especial n. 234213/SP. André Bela Toth -
Espólio, Recorrente; Bradesco Seguros S/A, Recorrido. Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar.
J.15.05.2001. DJU 20.08.2001 p. 471.
103
um assalto e levado um tiro no tórax, foi hospitalizado 144. Por conta da internação, não
contrato de seguro-saúde. Por conta de problemas parecidos com esse, cabe lembrar
também que o STJ criou a súmula 302, que proíbe que os planos de saúde limitem os
Todos os casos acima ferem o princípio da boa -fé objetiva. Pois são exemplos de
atitudes contrárias à conduta esperada nos padrões éticos. A conseqüência advinda das
práticas acima citadas é sempre a mesma: lesão à dignidade humana e dano moral.
Contudo, é importante não ver esses exemplos como casos isolados. Pois é
muitos outros estão e estarão em situação parecida. A prática de atos abusivos e suas
sociedade espalhando seus efeitos nefasto s. É por essa razão que o CDC é norma de
ordem pública.
crédito mantido pelas empresas não funciona bem e, por isso mantém ou inclui o nome
de quem não deve em seus quadros, esse evento não atinge uma ou outra pessoa
isoladamente. Na mesma linha, sabe -se que dificilmente apenas uma instituição
144
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ementa. Recurso Especial n. 343698/SP. Abdon Cardoso de
Andrade, Recorrente; Marítima Seguro s S/A, Recorrido. Relator Min. Ari Pargendler. J. 05.12.2002. DJU
24.03.2003 p. 214.
104
financeira, num caso isolado incluiria no contrato de adesão de um de seus clientes uma
cláusula que permite à ela reter o valor correspondente ao salário do mesmo para fins de
pagar um financiamento contratado entre os dois. Ainda que seja um ou outro caso
isolado que chegue às portas do poder judiciário, o jurista não pode ignorar que a
prática, por ser padronizada, tem efeitos muito maiores que os que se apresentam na
mais rentável permitir que o dano se ocasione, o ato abusivo se instalará. Caberá ao
empresário à sua função social e aos princípios condicionadores de sua atividade, nos
termos constitucionais.
pessoalmente pela vítima e outro, de repercussão mais social. Cada caso particular que
traz em si um sinal de que outros tantos estão também sendo lesados. Conforme já
quanto maior e mais abrangente for a atividade do fornecedor, maior ainda será a
sociais lançando mão das normas do ordenamento jurídico, com o escopo de proteger os
direitos fundamentais nas relações de consumo. Para essa outra face do dano moral, cuja
dimensão se dá em caráter mais social e solidário, adotar -se-á a nomenclatura criada por
Antônio Junqueira de Azevedo: o dano social. 145 Esta categoria de dano, quando
145
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano
social. In: FILOMENO, José Geraldo Brito; WAGNER JR, Luiz Guilherme da Co sta; GONÇALVES,
105
O efeito punitivo da indenização por dano social logo remete sua análise à
questão da pena privada. Já foi dito neste trabalho que não se deve admitir como regra
conduta dos sujeitos tem menor relevância. Dá -se um maior destaque ao evento danoso
e sua vítima.
respeito da pena privada, haja vista que, nos casos de dano social, o instrumento
leitor de que “não é verdade que o direito c ivil não puna”. 146 Em seguida, lembra de
alguns exemplos, como o do herdeiro que sonega bens da herança (art. 1992 do CC),
cuja penalidade corresponde à perda dos direitos que tinha sobre eles. Já Gustavo
indenizações por dano moral, outras leis mais antigas como a de telecomunicações
dano moral, que são “(i) a gravidade do dano; (ii) o grau de culpa do ofensor; (iii) a
Renato Afonso (coords). O Código Civil e sua Interdisciplinaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p.
370.
146
Autor cit. op.cit. p. 372-373.
106
147
capacidade econômica da vítima; (iv) a capacidade econômica do ofensor.” De todos
autores, em seu artigo, deixam claro que a melhor doutrina deve considerar como base
aspectos punitivos.
Pela restituição dos efeitos punitivos ao dano m oral, Ricardo Luis Lorenzetti
afirma que:
área consumerista, faz com que a sociedade exija do Direito uma solução adequada e,
nesse sentido, o Direito e seus jurisconsultos devem se adaptar. Elucidando ainda mais a
147
TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. As penas privadas no direito brasileiro. In:
SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flávio. Direitos Fundamentais: estudos em homenagem ao professor
Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 520
148
LORENZETTI, Ricardo Luis. op. cit. p. 458
149
MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa e a Natureza da sua Reparação. In: a reconstrução do
Direito Privado. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 440.
107
que o direito civil possui penas implícitas e explícitas 150. As explícitas, previstas em lei,
podem ser encontradas em passagens como o artigo 940, que determina que o credor
que demanda por dívida já paga será obrigado a restituir o devedor no valor dobrado ao
que houver sido cobrado. Aliás, essa é uma determinação que encontra correspondente
Há também as penas civis implícitas, que nos dizeres daquele autor, “são tão
comuns na vida civil, que o caráter penal de certas disposições passam despercebido.”
Segundo ele:
resultar em espécie de pena também. É o que ocorre no caso em análise, quando se tem
em pauta a relação entre abuso do direito e respons abilidade civil nas relações de
consumo. Importante ainda afirmar que, mesmo Maria Celina Bodin de Moraes, uma
das maiores defensoras da inaplicabilidade dos danos punitivos no direito brasileiro, faz
ressalvas em relação a essa diretriz justamente quando analisa o caso que aqui se expõe:
150
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano
social. In: FILOMENO, José Geraldo Brito; WAGNER JR, Luiz Guilherme d a Costa; GONÇALVES,
Renato Afonso (coords). op. cit. p. 372-373.
151
Autor cit. op. cit. p. 373
108
indenização por dano moral, infelizmente o legislador tem -se mostrado resistente à
necessidade social da aplicação dos punitive damages. É o que se pode observar através
Código Civil, que determinava que “a reparação do dano moral deve constituir -se em
de lei 6.960/2002 não vingou. Apesar dos argumentos cont rários à sua aprovação,
dentre os quais se diz que o juiz passaria ter um poder desproporcional em mãos, a
aprovação da lei daria fim à celeuma. Ademais , conforme lembra Vítor Morais de
152
MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit. p. 263
153
BARTHOLO, Bruno. Caráter Punitivo do Dano Moral. 2006. 99f. Monografia (Graduação em
Direito) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. p. 45
154
ANDRADE, Vítor Morais de. A condenação por dano moral e sua função de desestímulo. In: NERY,
Rosa Maria de Andrade (coord.). função do direito privado no atual momento histórico. – São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006. p. 82.
109
abusivo que enseja o dano social é econômico. Enquanto o custo das conseqüências das
práticas abusivas for menor que o custo de providências que tenham por objetivo sanar a
estrutura que dá origem ao dano social, o problema persistirá. Pode -se dizer que o
raciocínio gira em torno de opções econômicas em busca do menor custo. O que é mais
overbooking e pagar algumas poucas indenizações ou deixar de lucrar com essas vendas
atendimento personalizados para que as pessoas possam exercer sua autonomia privada?
Em todos esses casos, a opção pelo dano causado aos consumidores tem se
mostrado mais lucrativas, basta observar a freqüência com que elas se apresentam no
Procon. Tudo isso tem apenas e somente uma razão: do ponto de vista econ ômico, vale
poder judiciário não analisar cada caso apenas em seu u niverso particular, mas enxergá -
lo como uma pequena amostra de um todo muito mais abrangente. É preciso considerar
que a maioria dos consumidores sequer vai ao poder judiciário, pelas mais diversas
razões.
social. É preciso garantir a eficácia da proteção ao consumidor, ainda que muitos deles
não procurem o poder judiciário. Na maioria dos casos, uma decisão já influencia o
defesa do consumidor, nos termos do artigo 5º., XXXII. Como já se disse, e não custa
lembrar, essa é uma questão de ordem pública. O mercado de consumo deve ser
fundado na boa-fé objetiva e não no proveito econômico extraído de atos abusi vos.
Deve-se, por meio da indenização punitiva conduzir o autor do dano social a adequar -se
aos preceitos constitucionais do artigo 170, sob pena de, em última instância, ser
retirado do mercado.
em conta o custo do Direito em suas atividades. Por isso mesmo, este mesmo Direito é
que deve influenciar a atividade empresarial, nem que seja demonstrando seu peso
econômico. Em matéria de relação de consumo, não se pode fechar os olhos para o fato
111
de que a sanção mais adequada neste sistema é a civil, já que pessoas jurídicas não têm
Importante notar que a indenização nos casos de dano social não tem
também outra razão de ser além seu efeito punit ivo e desestimulador. Afinal, como já
afirmado no capítulo II, a dignidade não tem preço, razão pela qual é simplesmente
econômica. O que se faz preciso é interromper a prática que dá origem às lesões. Caso
aplicação da função desestímulo não impede sua utilização. É preciso lembrar das lições
de Canotilho, citado supra, que afirma que, tendo em vista a aplicação direta dos
formas. Ou eles chegam por meio de cláusulas gerais, ou chegam diretamente por meio
das lacunas legais, ou se farão presentes mesmo que a interpretação formal lei
exige que se ponha o sujeito de direito acima das formalidades abstratas da lei. O sujeito
caso do dano social, o que existe não é a proibição em lei, mas uma lacuna, tendo em
vista que nenhuma norma proíbe expressamente sua aplicação. Ao contrário o STJ , nos
155
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ementa. Recurso Especial n. 245727/SE. Banco Bandeirantes
S/A, Recorrente; Márcio Mello Casado e outros, Recorridos. Relator Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.
J. 28.03.2000. DJU 05.06.2 000 p. 174.
112
já mencionam como critério para fixação do quantum devido nas indenizações por
valor que venha também a “desestimular o ofensor a repetir o ato”. Sem dúvida é um
desvio de finalidade dos atos praticados, sendo que no caso da atividade empresarial, as
finalidades dos atos negociais devem estar sintonizados com a função social da
empresa. Qualquer prática que fuja da finalidade constitucional será abusiva. Ou seja,
não interessa o animus do empresário, mas o resultado de suas ações. Também o critério
utilizado para identificar o dano social é, por isso, objetivo. O dano moral, gênero do
dano social, ocorre sempre que há uma lesão à dignidade humana. Há então uma
presunção de que a prática abusiva tem proporções muito maiores daquelas que se
proferida nestas situações tem o impacto necessário não só para reparar o consumidor
demandante, mas também se a decisão será útil para coibir abusos contra os
fornecedor. O valor do desestímulo não deve ser fixado tendo em vista a má -fé do
poder econômico do ofensor. Este método não fere a isonomia constitucional, porque
156
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ementa. Recurso Especial n. 578682/SC. Banco do estado de
Santa Catarina S/A - BESC, Recorrente; José Everaldo Silva, Recorrido. Relator Min. Carlo Alberto
Menezes Direito. J. 29.06.2004. DJU 11.10.2004 p . 319.
113
o artigo 884 do Código Civil determina que “aquele que, sem justa causa, se enriquecer
dos valores monetários.” O artigo fo i elaborado sob matrizes individuais, mas nem por
isso será impossível vislumbrar sua aplicação nos casos de danos sociais, afinal a
atividade empresarial que foge aos ditames da função social da empresa gera
exatamente o enriquecimento sem justa causa. Co ntudo, como calcular o valor que foi
razões, então, para se estipular a indenização por dano social: impeder o enriquecimento
Por fim, cumpre enfrentar uma última questão: em favor de quem serão
devidos os valores referentes à condenação por dano social? Maria Celina Bodin de
afirma que:
157
MORAES, Maria Celina Bodin de. Op. cit. p. 263
158
ANDRADE, Vítor Morais de. A condenação por dano moral e sua função de desestímulo. In: NERY,
Rosa Maria de Andrade (coord.). op.cit. p. 85-87.
115
necessário levar em consideração que o particular, nos casos de dano soc ial, faz as vezes
tratamento jurídico pode ser o mesmo. A lei da ação civil pública tem em vista valores
advindos de ações cujos promotores são sujeitos que têm por função social, a defesa dos
contrapartida. Haja vista o que ocorr e nos casos de indenização por ação estatal. Se um
indivíduo perder a vista panorâmica que valorizava seu apartamento devido ao fato de o
Estado ter construído um prédio público na frente de sua janela, o mesmo fará jus a
Público teria o dever de fazê -lo, deve ser recompensado. Essa diretriz constitui uma
sanção positiva e estimula a cidadania do consumidor, que ficará mais alerta na defesa
de seus direitos. E antes que se diga que tal diretriz po deria gerar enriquecimento sem
159
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano
social. In: FILOMENO, José Geraldo Brito; WAGNER JR, Luiz Guilherme da Costa; GONÇALVES,
Renato Afonso (coords). op. cit. p. 377
116
causa, banalização do dano moral ou excesso de demanda no poder judiciário, será aqui
para fazer jus à recompensa. Se o raciocínio que argumenta o enriquecimento sem causa
conta com os mais capacitados magistrados para identificar as hipóteses de dano social.
demanda, pois o dano social tem por objetivo exatamente cortar o mal pela raiz. O que
acima) é o aumento cada vez maior das demandas por abuso do direito por parte dos
fornecedores. Tal fato é sinal claro de que o sistema que desconsidera a função punitiva
indenização punitiva por dano social é desestimular o agente do dano pela via da
punição e seus concorrentes, pela via do exemplo positivo, a não praticarem atos
abusivos. Em médio e longo prazo o valor de desestímulo inve rteria a lógica atual e
seria mais lucrativo ajustar a conduta empresarial à função social da empresa. Com isso
160
Não se quer dizer com isso que o Ministério Público não tenha função social, mas t ambém não se pode
ignorar que o salário e estabilidade do cargo tem atraído os melhores profissionais da área jurídica para a
função. O mesmo ocorreria no âmbito das demandas privadas cujas conseqüências sociais são de grande
repercussão.
117
e Ministério Público.
preencher o conteúdo das cláusulas gerais e das lacunas exis tentes no direito privado
com o peso das normas e princípios fundamentais para que se efetive a função social da
dignidade humana dos consumidores. E para tanto, será necessá rio lançar mão da
indenização punitiva por dano social como sanção para o comportamento empresarial
CONCLUSÃO
Devido a essas mudanças, o Direito procura adaptar -se revendo suas técnicas
lança mão para tentar fazer com que o Direito acompanhe a realidade social, para que
Essa dicotomia, ressalte-se, passa a não fazer muito sentido numa sociedade
onde os direitos fundamentais, outro ra incidentes apenas nas relações entre Estado e
jurídicas na sociedade brasileira, sejam ela s públicas ou privadas. O que difere são os
diferente daquele utilizado no direito público porque nas relações privadas este conjunto
duas formas. A primeira é a aplicação direta e imediata dos direitos fundamenta is, que
incidência, caberá ao poder judiciário analisar o caso concreto e decidir em que grau os
prévio na aplicação daqueles direitos. Isso porque é o legislativo que, ao elaborar as leis,
criará nos diplomas legais normas com conceito aberto, abstrato, de interpretação ampla
conceitos abertos contidos nas normas, o juiz aplicará então os direitos fundamentais.
incluindo-se aí o Código Civil, que trazem cláusulas gerais, facilitando ainda mais a
destino da autonomia privada. Daí decorre que a aplicação dos direitos fundamentais
relações privadas. Quanto mais vulnerável uma das partes, maior deverá ser a incidên cia
grupo social. Nas relações consumeristas, o forn ecedor impõe suas condições
negócio jurídico.
Trata-se da função social da empres a, que tem deveres constitucionais e objetivos legais
empresa.
O fornecedor que abusar de seu poder privado para assumir práticas lesivas
no mercado de consumo deve ser desencorajado a repetir seu ato. Deve sentir as
conseqüências da prática do seu ato. Para isso , é preciso desenvolver e aplicar a figura
do dano social.
Também não são raras as vezes em que os órgã os responsáveis pelo interesses difusos e
coletivos ficam inertes ou por excesso de trabalho ou mesmo porque o problema não
doutrina sobre danos morais é resistente à idéia de atribuir à reparação uma função
punitiva, a ser calculada tendo por base a culpa e o poder econômico do ofensor. A
respeito desse teor punitivo da indenização, o CDC silencia -se e o Código Civil
também, sendo que este último admite a análise da culpabilidade do ofensor como
passa a cogitar que, economic amente, vale a pena transgredir a norma. Lucra -se mais
assim. Por essa razão, cabe ao Estado intervir nas relações privadas para assegurar o
dano social é o reflexo que se apresenta em cada demanda consumerista. É uma espécie
do gênero dano moral. Para cada consumidor que reclama no poder judiciário, existem
quem dirá mover um processo contra o fornecedor. O mau fornecedor, por sua vez,
fornecedor, como não interrompe a prática abusiva, enriquece a cada fração de tempo
fornecedor, impedir o ato abusivo e o enriquecimento sem causa, garantindo assim que
objetiva.
Por fim, resta dizer que o valor da parcela punitiva da indenização deverá
permanecer com a vítima da ação individual, já que este, a pesar de ter atuado em nome
próprio, beneficiará toda a sociedade de consumo. Ressalte -se ainda que este valor
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