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ALTERNATIVA SOCIALISTA
Resumo: A maior parte das interpretações e leituras nietzschianas sempre apontam para
uma maior relevância em seus escritos da questão moral e da metafísica, e na maior
parte das vezes a questão pedagógica é deixada de lado. Esse artigo possui a pretensão
de mostrar que a questão da educação sempre esteve presente em seus escritos desde as
“obras da juventude” até a sua “maturidade” se caracterizando, dessa forma, como um
tema bastante relevante no encadeamento de seu pensamento. Este artigo, portanto, tem
como objetivo uma melhor contextualização do pensamento nietzschiano no que diz
respeito à educação, colocando, desse modo, a sua crítica à educação burguesa vigente
em seu tempo (e também no nosso) assim como a sua rejeição da alternativa socialista
como um pano de fundo, para que, assim, a sua filosofia da educação fique um pouco
mais esclarecida.
1
Graduando em filosofia na Universidade Federal da Paraíba.
Um dos principais temas que foi objeto de estudo do que se denominou
academicamente como “o primeiro Nietzsche2”, isto é, do jovem professor que
lecionava uma cadeira de filologia na universidade da Basiléia, foi a questão
pedagógica. Entre janeiro e março de 1872, Nietzsche proferiu no “Akademisches
Kunstmuseum”, na Basiléia, uma série de conferências intituladas “Sobre o futuro dos
nossos estabelecimentos de ensino”, onde o filósofo alemão faz um diagnóstico
perturbador das instituições educacionais na Alemanha, e ao mesmo tempo, também
traz um prognóstico completamente pessimista acerca daquilo que ele chamou de
“decadente educação universal produzida pelos ideais iluministas”. Nestas
conferências, Nietzsche deixa claro que é um feroz adversário da educação oferecida
pela democracia burguesa, e que concomitantemente rejeitava, de maneira
discursivamente violenta, as pretensões do modelo educacional alternativo proposto
pelos comunistas, o que o coloca como um impetuoso anti iluminista3 defensor de uma
educação aristocrática padronizada pelo arquétipo grego.
O impetuoso professor alemão acusou a forma educacional oferecida pelo estado
burguês, de alimentar nos alunos o sentimento de conformidade, integração e submissão
ao sistema capitalista, criando, através do especialista, um estado em que se conservava
a ignorância4. O capitalismo com seu modelo educacional, segundo Nietzsche,
impossibilitaria a criação do gênio, pois, ele o substituiu pela ideia de erudito, isto é, o
2
Tornou-se habitual na academia à distinção entre “o jovem Nietzsche”, ou seja, o professor catedrático
de filologia clássica, e “o Nietzsche maduro”, ou melhor, o filósofo metafísico. Esta separação é bastante
controversa, pois, não podemos identificar uma ruptura drástica nos elementos constitutivos do
pensamento do jovem professor e da filosofia posteriormente desenvolvida pelo arguto pensador alemão,
antes; há uma continuidade na medida em que o filósofo alemão aprofunda questões já manifestas no seu
pensamento jovial, não sendo possível, desta forma, visualizarmos um caráter de abandono de
determinadas ideias de sua juventude no seu amadurecimento enquanto filósofo. Portanto, esta
diferenciação adquirirá, neste trabalho, um fim puramente cronológico, para que o leitor possa enxergar
com clareza o momento em que determinada ideia foi desenvolvida pelo autor alemão.
3
Ao rejeitar tanto os modelos burgueses quanto os socialistas, Nietzsche se coloca contra todas as formas
de “emancipação” oriundas do iluminismo, ficando até mais próximo dos ideais reacionários (sua ideia de
volta/retorno ao modelo grego), do que dos conservadores.
4
Interessante notar que, muito antes dos marxistas (como Lukács e Gramsci), Nietzsche atacou
veementemente a ideia de especialista desenvolvida pela necessidade do modo de produção capitalista, o
culpando do estado de ignorância que os alunos na maior parte das vezes se encontravam.
indivíduo que é especialista em determinada disciplina ou área de pesquisa e um
completo ignorante de todo o resto – do conhecimento do todo5. Dessa forma, o autor
alemão ataca uma sociedade em que o modelo educacional seja produzido para atender
as necessidades econômicas de um modo de produção ou do estado e, contrariamente a
isto, defende uma educação desinteressada em que a pedagogia não esteja a serviço de
um modo de produção, mas que tenha o papel de desenvolver no homem a verdadeira
cultura, desvinculada inteiramente dos interesses do estado.
Por outro lado, ele acusa os socialistas de pretenderem uma certa padronização
da educação, nivelando completamente os indivíduos sem levar em consideração a
peculiaridade do ente para o qual a educação se manifesta como fenômeno inteiramente
antropológico, também impossibilitando o gênio, que para Nietzsche, seria a máxima
produzida por uma época.6 Além de que, numa “sociedade comunista”, todo saber teria
de ser adquirido pelo prazer e sem o princípio da obrigatoriedade eliminando, assim,
toda autoridade. Nietzsche rejeita inteiramente tais princípios, já que para o autor
alemão, a educação tinha que ter um caráter não passional.
5
Que para Nietzsche seria um conhecimento metafísico.
6
Para Nietzsche, o objetivo final de toda educação seria criar o pano de fundo no qual poderia ocorrer o
desenvolvimento do gênio.
em pró do “trabalho alienado”.7 Em outras palavras, Nietzsche tenta pensar uma
educação que fizesse o homem desenvolver-se em si mesmo, para que a Vontade de
poder se manifestasse cada vez mais em sua essência ativa.
O saber tecnocênctrico é o principal alvo da crítica nietzschiana. Assim como
Hegel, Nietzsche acredita que o saber da totalidade é o verdadeiro conhecimento.
Observemos esse diálogo do Assim Falou Zaratustra, intitulado “A Sanguessuga”:
7
O termo “trabalho alienado” não foi usado aqui de modo anacrônico por acaso. Mesmo que existam
enormes divergências entre a ontologia nietzschiana e a ontologia do ser social desenvolvida por Marx,
no que diz respeito à educação parece haver um ponto de aproximação. O trabalho alienado, no
pensamento marxiano, é o trabalho que faz com que o homem perca sua essência ao se tornar o oposto
daquilo que ele deveria ser no trabalho compulsório no capitalismo, é o trabalho que o distancia cada vez
mais de sua natureza. E embora a gramática nietzschiana não permita uma análise tão profunda do
trabalho (afinal, este sequer era o objetivo) ela nos dá uma abertura para pensar as condições a priori que
se encontram detrás do conceito do trabalho alienado em Marx se fizermos isso mediante o exame da
educação oferecida pelo modo de ensino (não aprendizagem) desenvolvido no interior do capitalismo.
produzida pelo modo de produção burguês, que intenciona preparar cada um para o
mercado de trabalho e não tende a fazer do homem um ser realizado em si mesmo.
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É um fato que a forma fragmentada em que Nietzsche expõe a grande maioria de seus livros não vem à
tona de maneira arbitrária. Ele o faz porque ele assim enxerga o mundo, um mundo dividido, sem visão
de totalidade e completamente fragmentado. Assim, quando ele também expõe as questões pedagógicas
através deste viés, ele o faz porque assim a enxerga – completamente esfacelada sem unidade coesa
alguma.
que permitiam a síntese no gênio. Fica claro, portanto, que a crítica de Nietzsche a
alternativa socialista é uma crítica muito mais abstrata do que real, afinal de contas, o
filósofo não viu realmente o desenvolvimento da pedagogia progressista. Sua crítica,
nesse caso, fica bastante obsoleta (diferente da que ele faz com a pedagogia burguesa).
REFERÊNCIAS